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*Graduada em história pela Faculdade de Filosofia e Letras de Alegre – FAFIA. Aluna do Programa de Pós-Graduação Mestrado em História Social das Relações Políticas. E-mail: [email protected] ** Prof ª Dr ª Maria Beatriz Nader - Pós-Doutora em Sociologia (UENF) - Doutora em História (USP) AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: NA SAÚDE E NA DOENÇA, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA Renata Alves da Silva RESUMO Este trabalho retoma discussões sobre o controle dos corpos como centro das relações de poder, enfatizando a reincidência de casos da violência doméstica sofrida pela mulher por parte de seus esposos, companheiros ou amásios. A proposta deste estudo é analisar os boletins registrados na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Vitória (DEAM/VITÓRIA), problematizando conceitos culturais, sociais, familiares e individuais, que serviram de base para formação da sociedade brasileira. Como método para análise, utilizei o estudo de caso, o campo conceitual será análises das relações de poder, intrínseca no cotidiano das mulheres que sofrem violência. É preciso buscar na pesquisa, os possíveis motivos que mantém a mulher nessa relação após sofrer violência doméstica. A análise das fontes nos possibilitou identificar que, “As Relações de Poder e a Violência contra a mulher”, estão atrelados a práticas e posturas passíveis de construções sociais e conceitos culturais diante do sistema patriarcal. Palavras chave: Relação, Poder, Patriarcado, Violência

AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A … · trabalhos de Betty Friedman (Mística Feminina, 1963), Kate Millet (Política Sexual, 1969), Heleieth Saffioti (A mulher na sociedade

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*Graduada em história pela Faculdade de Filosofia e Letras de Alegre – FAFIA. Aluna do Programa de Pós-Graduação Mestrado em História Social das Relações Políticas. E-mail: [email protected] ** Prof ª Dr ª Maria Beatriz Nader - Pós-Doutora em Sociologia (UENF) - Doutora em História (USP)

AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: NA SAÚDE E

NA DOENÇA, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA

Renata Alves da Silva

RESUMO

Este trabalho retoma discussões sobre o controle dos corpos como centro das relações

de poder, enfatizando a reincidência de casos da violência doméstica sofrida pela mulher por

parte de seus esposos, companheiros ou amásios. A proposta deste estudo é analisar os

boletins registrados na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Vitória

(DEAM/VITÓRIA), problematizando conceitos culturais, sociais, familiares e individuais,

que serviram de base para formação da sociedade brasileira. Como método para análise,

utilizei o estudo de caso, o campo conceitual será análises das relações de poder, intrínseca no

cotidiano das mulheres que sofrem violência. É preciso buscar na pesquisa, os possíveis

motivos que mantém a mulher nessa relação após sofrer violência doméstica. A análise das

fontes nos possibilitou identificar que, “As Relações de Poder e a Violência contra a mulher”,

estão atrelados a práticas e posturas passíveis de construções sociais e conceitos culturais

diante do sistema patriarcal.

Palavras chave: Relação, Poder, Patriarcado, Violência

INTRODUÇÃO

Para que se possa apreender a trajetória que conduziu a mulher ao círculo da violência

doméstica, é preciso analisar na historiografia a construção social dos papéis estereotipados

para o homem e para a mulher, papéis historicamente elaborados com bases no sistema

patriarcal defendido por correntes tradicionais e fundamentalistas, que tende a justificar o

poder masculino por sua virilidade e força. A pesquisa tem como objetivo identificar as

razões que permeiam essas relações, nas quais mulheres demonstram o enfrentamento sobre

seu algoz, ao procurarem as delegacias da mulher para efetivarem denúncias, porém

permanecem dentro do círculo da violência.

O Espírito Santo é um dos primeiros estados do Brasil, em índices de violência contra

a mulher, esta constatação se faz presente em pesquisas acadêmicas, dentre elas, a realizada

pela equipe do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência, da Universidade Federal

do Espírito Santo (LEG/UFES), que mapeia e analisa empiricamente os Boletins de

Ocorrência registrados na Delegacia da Mulher (DEAM – Vitória), tornando disponível várias

publicações com dados que confirmam, o quanto as mulheres sofrem com a violência

doméstica no Estado. Em se tratando de pesquisas com parâmetro nacional, citamos a

realizada no ano de 2014, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, intitulada,

“Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”. A pesquisa, apresentou quadros

preocupantes sobre o entendimento dos papéis sociais nas relações de gênero, uma das

perguntas realizadas e analisadas foi a seguinte: Mulher que é agredida e continua com o

parceiro gosta de apanhar. 24% discordam, porém 42,7% concordam. Estes números atestam

a necessidade de estudos sobre a construção cultural dos valores que permeiam a sociedade.

Diante desse quadro se faz necessário um aprofundamento de estudos nos Boletins de

Ocorrência registrados na Delegacia da Mulher (DEAM – Vitória), para que a pesquisa possa

evidenciar os porquês da reincidência de violência doméstico contra as mulheres,

especificamente as moradoras do município de Vitória ES no período de 2004 a 2008.

AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

No Brasil, os estudos sobre a violência contra a mulher, ganha espaço no mundo

acadêmico a partir do final da década de 1960 quando se inaugura a teoria feminista com

trabalhos de Betty Friedman (Mística Feminina, 1963), Kate Millet (Política Sexual, 1969),

Heleieth Saffioti (A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, 1979) dentre outros (as)

pesquisadores (as). A partir dessa década até a década de 1980 considerada a Segunda Onda

do feminismo, em seus temas de discussões, é incorporado outras frentes de reivindicações

voltadas para as raízes culturais da violência contra a mulher, oportunizando a publicidade das

opressões e violências que as mulheres estavam submetidas. (ALVES; PITANGUY, 1983).

Soma-se a perspectiva de mudança no cenário nacional, o crescimento de estudos

acadêmicos no Brasil à partir da década de 70 que incorporam a mulher. Percebe-se nesse

contexto, um aprofundamento em pesquisas sobre o cotidiano da sociedade e o mundo

doméstico familiar, além de estudos da categoria de gênero para produções historiográficas.

As pesquisas sobre relações de gênero permitiram dar visibilidade às mulheres e

problematizar os padrões pré-estabelecidos nas construções sociais e culturais, com bases no

sistema patriarcal, que centraliza o poder nas mãos dos homens. Nessas construções são

observados casos de culpabilização da mulher pela agressão sofrida por parte de seus

companheiros, transferindo para as vítimas as responsabilidades que neste caso, pertence aos

algozes.

O movimento acadêmico entra em consonância com as movimentações sociais com

maior profundidade, possibilitando a reavaliação das teorias tradicionais e introdução dos

excluídos da história, dentre outros as mulheres. Conforme Maria Izilda S. de Matos (2000),

essa nova percepção e interferências historiográficas, possibilitam a reestruturação dos

paradigmas que estabeleciam a continuidade dos estudos centrados nas elites e nos heróis

masculinos. As novas perspectivas articulam com ganhos em se tratando das construções

acadêmicas de estudos de gênero e com a desnaturalização dos papéis estereotipados por

homens e mulheres. Os questionamentos sobre as relações de gênero, colaboraram para

emancipação das mulheres, que buscam no mercado de trabalho, sua autonomia financeira,

que por vezes a coloca como responsável pela garantia do sustento familiar.

CONQUISTAS IMPORTANTES, PERMANÊNCIA DAS LUTAS

Uma grande conquista ao que se refere à violência doméstica contra a mulher no

Brasil, foi a promulgação da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria

da Penha. Que instituiu mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a

mulher. A lei surge como resposta a várias ações de movimentos sociais, dentre eles o

movimento feminista, que exigiam políticas públicas em defesa da mulher, a lei também

representou uma ação corretiva diante da recomendação da Comissão Internacional de

Direitos Humanos (OEA), em resposta a uma ação de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima

de violência doméstica, que lutou por 20 anos para ver seu agressor preso.

Estudar os Boletins observando os relatos das vítimas, no período de agosto de 2004

até agosto de 2008, é delimitar um espaço tempo, para um aprofundamento nas análises, em

vista de alcançar os objetivos propostos. Diante dos casos de reincidência de violência

doméstica, noticiados diariamente por vários canais de comunicação, dando visibilidade as

mulheres que não conseguem sair do ciclo da violência. Diante de informações

disponibilizadas por instituições, ONGs e movimentos sociais sobre a violência de gênero,

que tornam públicas o aumento da violência doméstica, além da onda de conservadorismo que

tende a desconstruir algumas conquistas estabelecidas em prol das relação de gênero,

retomam a importância da permanência de análises em prol das possíveis interferências da lei

junto ao poder público e ao cotidiano das mulheres vítimas da violência. Investigar as razões

que geram a violência de gênero no âmbito conjugal tendo em vista as mulheres que não

conseguem romper com o círculo da violência doméstica, é elencar as motivações da

permanência nessa relação.

Nos estudos de gênero, o termo patriarcado aparece como sistema que articula a

dominação masculina, ao colocar o homem no topo do poder familiar e social, vê-se uma

possível explicação para os formatos dos papéis sociais construídos para a mulher e o homem,

atrelando os estereótipos do sexo biologicamente definido. O patriarcado surge como uma

categoria de análise nesta pesquisa, tanto para demostrar as construções sociais que tendem a

definir os papéis sociais e os controles dos corpos femininos, quanto diante da superioridade

masculina que minimiza a mulher no mundo privado e doméstico.

GÊNERO E SEXUALIDADE

Para estudar a violência contra a mulher é fundamental o entendimento do conceito de

gênero. Conforme Scott, (1995. p. 15) o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por

meio do qual, o poder é articulado. A adoção da perspectiva de gênero implica o

estabelecimento de uma relação de poder entre o homem e a mulher nas sociedades de classe.

“Vale dizer que a dominação constitui uma forma de poder que, em maior ou menor grau,

envolve violência de ordem moral, psíquica e física” (XAVIER, 2003. p. 197). Há uma

naturalização nas práticas discriminatórias com relação à mulher, “no caso da violência

praticada por homens contra mulheres, esta é, na maioria das vezes encarada como um

fenômeno natural. Sofrer violência passa a ser, assim, o destino natural da mulher” (XAVIER,

2003. p. 197). Dentre as formas de violências cometidas contra as mulheres têm-se as

violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Destas, convêm destacar a

violência física devido à escassez de estudos históricos e pela dificuldade de se mensurar tal

fenômeno, sabendo-se que muitas mulheres não registram a violência doméstica que sofrem,

permanecendo no silêncio do âmbito conjugal. No art. 7. Da lei 11.340 encontra-se a

definição da violência física com as seguintes descrições: “I – a violência física, entendida

como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.” (BRASIL. Lei n°

11.340, 2006. art. 7).

A violência física, não ocorrem isoladamente conforme Saffioti (2004), dentre as

várias formas de agressão assumida, a violência moral e psicológica está sempre presente; O

que se observa de difícil aceitação é o conceito de violência como ruptura de diferentes tipos

de integridade, seja ela, física, sexual, psicológica. Sobretudo em se tratando de violência de

gênero, e mais especificamente a doméstica, são muito tênues os limites entre quebra da

integridade e obrigação de suportar o destino de gênero desenhado para as mulheres. No ano

de 2013 quando a Lei Maria da Penha completou sete anos de vigência, uma pesquisa de

opinião inédita, realizada pelo “Data Popular e Instituto Patrícia Galvão”, revelou

significativa preocupação da sociedade, com a violência doméstica e os assassinatos de

mulheres pelos parceiros ou ex-parceiros no Brasil. Das pessoas entrevistadas 7 em cada 10

relatam que as mulheres sofrem mais violência dentro de sua residência do que nos espaços

públicos, 50% avalia ainda que as mulheres se sentem de fato mais inseguras dentro da

própria casa. As estatísticas apuradas demonstram que o problema está inserido no cotidiano

da maior parte das mulheres brasileiras: o perfil dos entrevistados foram homens e mulheres,

inseridos em todas as classes sociais que relataram: “54% conhecem uma mulher que já foi

agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira. E 69%

afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres”.

(COMPROMISSO E ATITUDE, 2013).

Com um título bem contemporâneo e provocador, Saffioti relata em seu texto “Já se

mete a colher em briga de marido e mulher” a ausência de consenso e confusão entre

violência doméstica e outras formas de violência. Também aborda os errôneos entendimentos

de gênero, mas que por sua vez não poderia deixar de esclarecer ao seu entendimento;

“gênero não se resume a uma categoria de análise; como, numa certa instância, uma gramática

sexual, regulando não apenas homem-mulher, mas também relações homem-homem e

mulher-mulher” (SAFFIOTI, 1992 1997; Saffioti e Almeida, 1995). Em sua descrição ainda

esclarece que, cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um campo,

ainda que limitado, de acordo: o gênero é a construção social do masculino e do feminino.

Embora aqui se interprete gênero também como um conjunto de normas modeladoras dos

seres humanos em homens e em mulheres, que estão expressas nas relações destas duas

categorias sociais, ressalta-se a necessidade de ampliar este conceito para as relações homem-

homem e mulher-mulher. Conforme Saffioti fica assim patenteado que a violência de gênero

pode se perpetrada por um homem contra outro, por uma mulher contra outra. Todavia, o

vetor mais amplamente difundido da violência de gênero caminha no sentido homem contra

mulher, tendo a falocracia como caldo de cultura.

Conforme Lia Zanotta Machado “os conceitos de gênero e de patriarcado não se

situam no mesmo campo de referência. Patriarcado se refere a uma forma, entre outras, de

modo de organização social ou de dominação social.” (MACHADO, 2000. p. 3). Para

problematizar as condutas sociais que moldam a sociedade é fundamental entender o sistema

patriarcal que possibilita um discurso normativo de papéis familiares. Engels (1991) nos

possibilita identificar que as organizações familiares torna-se patriarcal no decorrer da

história. No seu entendimento a derrocada da família como subsistia nos moldes primitivos e

enquanto célula-mater de uma economia de subsistência, cai em declínio quando muda sua

estrutura familiar primitiva. Neste contexto foi se formando a sociedade moderna.

A supremacia efetiva do homem na casa tinha posto por terra a última barreira que

se opunha a seu domínio exclusivo. Esse domínio exclusivo foi consolidado e

eternizado pela queda do direito materno, pela introdução do direito paterno e pela

transição gradual do casamento pré-monogâmico para a monogamia. Com isso,

porém, abriu-se uma brecha na antiga ordem gentílica: a família individual se

tornou um poder e se ergueu ameaçadoramente perante gens. (ENGELS, 1991, p.

200).

Conforme Martha G. Narvaz e Sílvia H. Koller, a família não é algo natural, mas fruto

de uma organização histórica, Neste modelo de família moderna observa-se a interferência do

sistema patriarcal. “Cabe destacar que patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder

dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social”. (NARVAZ; KOLLER, 2006. p.2).

Esclarecem que o patriarcado é uma ordem social administrada por dois princípios: “as

mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e os jovens estão

hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos”. (NARVAZ; KOLLER, 2006. p.2).

O papel da mulher, na família e na sociedade brasileira desde início do processo “civilizador”,

foi definido a partir das concepções e controles definidos pelo sistema patriarcal. A

desigualdade e à opressão encontrados no patriarcado, possibilitam diversos tipos de violência

contra as mulheres elencados nas relações de poder.

Mediante este quadro de violência contra a mulher, estudar a construção social,

cultural e familiar de uma região do Espírito Santo, neste caso, a cidade de Vitória e tentar

trazer à tona as razões que geram a violência contra a mulher dentro de um marco temporal de

2004 a 2008. E para tanto torna-se necessário alçar mão de outra categoria intrínseca nas

relações de poder existentes no núcleo familiar. Falamos da categoria medo, como um dos

condutores de comportamentos que impossibilitam tomadas de decisões para desconstrução

do círculo da violência. Jean Delumeau em sua obra História do Medo no Ocidente, obra

pioneira em que analisa diversas manifestações sociais deste sentimento nos séculos XIV a

XVIII, questiona o entendimento sobre essa categoria medo ao descrever: “por que esse

silêncio prolongado sobre o papel do medo na história? Sem dúvida, devido a uma confusão

mental amplamente difundida entre medo e covardia, coragem e temeridade.” (DELUMEAU,

2009. p. 14). O autor constrói uma abordagem sobre a história das mentalidades nos

possibilitando reformular e repensar conceitos de amor e ódio sobre o prisma da antropologia.

Por se tratar de um historiador da religião identifica-se em suas descrição que o medo é

inerente a todos, porém as construções criadas à partir da punição de Deus, recai sobre a

mulher no que diz respeito ao pecado original. Com esse peso cultural e religioso a mulher

vive sobre o julgo do medo. Assim, o medo da mulher não é uma invenção dos ascetas

cristãos. Mas é verdade que o cristianismo muito cedo o integrou e em seguida agitou esse

espantalho até o limiar do século XX.

Outros fatores devem ser levado em conta na premissa dos estudos de violência contra

a mulher, e a questão do desenvolvimento demográfico e populacional das cidades interfere

nessas construções. Com este olhar Nader (2009) no artigo “Cidades, aumento demográfico e

violência contra a mulher: o ilustrativo caso de Vitória – ES”; descreve o quanto o

crescimento populacional da cidade de Vitória afetou a sociedade após os anos de 1970, com

ocupação desordenada de morros e mangues e o aumento da violência contra as mulheres. Os

padrões de comportamento eram; família hierárquica e estável economicamente, sendo

obrigação do homem sustentar sua casa e a função da mulher manter a virgindade até o

casamento e a fidelidade depois. Com a expansão devido à industrialização, os padrões sociais

se modificam, inclusive os papéis sociais previamente definidos pelo sistema patriarcal. Os

homens tiveram dificuldades para atualizar seu papel, culturalmente definido como provedor

da família. Neste contexto, quantidades crescentes de mulheres viram-se incorporadas ao

mercado de trabalho na cidade de Vitória.

Segundo Badinter (1993), este tipo de mulher problematiza pela primeira vez o papel

masculino, produzindo ecos que podem ser ouvidos hoje, por nós, por meio da crise da

identidade masculina. Com isso, considera-se que mesmo com a efetivação de políticas para

as mulheres, violência contra a mulher, sobretudo a violência doméstica é posta como um

desafio para governos e sociedade e ainda carecem de enfrentamento pelo seu fim.

NA SAÚDE E NA DOENÇA, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA

Embora a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) tenha surgido como instrumento

legal de combate à violência contra a mulher e oportunizado significativos avanços em defesa

da mesma, contabilizamos um grande número de registros de violência doméstica encontrados

nos Boletins de Ocorrência e um número assustador e alarmante de óbitos nos Mapas da

Violência que tem como base de elaboração o Sistema de Informações (SIM), da secretaria de

Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. Aponta-se como problema, que gera a

manutenção dos índices de violência, as relações de poder, questões culturais, econômicos e o

controle social constituído na sociedade patriarcal. Neste contexto, observa-se que ainda

existe um grande percentual de mulheres que sofrem com a violência doméstica, porém não

denunciam. Com bases no conceito machista que articulam as relações doméstica, muitas

mulheres não conseguem sair da invisibilidade diante da violência, sendo vítima diária de

vários tipos de violência, dentre elas, encontramos a violência psicológica e moral. A primeira

tem como característica desenvolver-se no núcleo doméstico com requintes de palavras que

machucam e agridem a mulher, de início, disfarçada como uma crise de ciúme de seu

parceiro, que pode ser confundido por zelo ou sinônimo de amor com caracterização de

atitudes comuns e naturais aos olhos da sociedade. As humilhações podem soar como

brincadeiras, e apesar da mulher se sentir com sua autoestima baixa e sem ações de reação, ela

prefere calar-se, ou se denunciam não conseguem sair do círculo da violência, mantendo-se

presas aos relacionamentos com registros de violência. É importante levar em consideração

informações disponibilizadas pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério

da Justiça ao declara que a mulher sofre, em média dez agressões antes de buscar ajuda.

Dentre as análises elencadas, busca-se nas fontes, possíveis esclarecimentos dos

porquês de reincidência de violência doméstica contra a mulher. O relatos descritos nos

boletins de ocorrência já demonstra a permanência de muitas mulheres com seus algozes no

mundo doméstico. Para elucidar parte da pesquisa realizada, trarei alguns relatos de vítimas

da violência doméstica registradas nas Delegacias da Mulher de Vitória – ES.

Caso 1. Registro realizado em 04 de janeiro de 2005, a vítima tem as seguintes

características: branca, 20 anos, solteira. Tipo de agressão: palavras e mãos. Relato: A

noticiante relata que convive com o autor a dez anos e tem 3 filhos com o mesmo, e que o

mesmo já a agrediu várias vezes e que já foi denunciado por ela. O autor e a vítima tem

problemas financeiros, e no mesmo dia do fato, a xingou, quebrou as coisas dentro de casa e

jogou as coisas da vítima fora.

Caso 2. Registro realizado em 01 de fevereiro de 2007, a vítima tem as seguintes

características: parda, 32 anos, solteira. Tipo de agressão: chutes, tapas e xingamentos. Relato:

A vítima relatou que na convivência de quatorze anos com o autor da qual tem três filhos, foi

agredida, ofendida e injuriada em presença dos filhos, chegando a separar-se. Na data do fato,

a agressão deu-se por meio de socos, chutes e puxões de cabelo.

Caso 3. Registro realizado em 01 de fevereiro de 2007, a vítima tem as seguintes

características: parda, 25 anos, solteira. Tipo de agressão: Chute, tapas, soco e xingamentos.

Relato: A noticiante narrou que foi agredida por motivo fútil, com socos e chutes, tendo sido

socorrida por sua mãe e irmã, chegando a ficar internada em observação no Hospital São

Lucas. A vítima relata que o autor estava alcoolizado, ameaçando ela e seu filho de morte.

Conforme o BO:180/06, data 27/02/06, Plantão DEAM, não foi a primeira agressão.

REINCIDÊNCIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Para analisar com profundidade os relatos utiliza-se o método estudo de caso, por se

tratar do estudo que analisa a fundo os fatos. Conforme Izequias Estevam dos Santos no livro

“Manual de Métodos e Técnicas de Pesquisa Científica”, este método possibita um olhar com

profundidade para obter um grande conhecimento dos dados estudados. Quanto aos objetivos,

a pesquisa pode ser exploratória que se caracteriza pela existência de poucos dados

disponíveis. Buscaremos nos do estudo de caso analisar os dados coletados por meio dos

relatos descritos nos boletins de ocorrência na expectativa de identificar as motivações que

mantém essa mulher no círculo de violência conjugal. Mirian Goldenberg descreve sobre

estudo de caso detalhando as seguintes informações:

Este método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenómeno estudado a

partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica, o

estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa

em ciências sociais. O estudo de caso não é uma técnica específica, mas uma

análise holística, a mais completa possível, que considera a unidade social estudada

como um todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade,

com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos. O estudo de caso reúne

o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas de

pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e descrever a

complexidade de um caso concreto. Através de um mergulho profundo e exaustivo

em um objeto delimitado, o estudo de caso possibilita a penetração na realidade

social, não conseguida pela análise estatística. (GOLDENBERG, Mirian, 2004. p.

33 – 34).

Entende-se que fazer pesquisa constitui um trabalho complexo, e que neste caminho

podem ocorrer obstáculos, mas este é o desafio do pesquisador, que se propõe a compreender

novos conhecimentos científicos.

Com um olhar sobre a questão biológica e o homem socialmente elaborado, a alta

afirmação que se faz necessário no mundo masculino, é fortalecida por construções que

oportunizam no homem, não se enxergar como um ser individual quando se olha no espelho,

mas como um ser humano que faz parte de um grupo. O homem ainda acredita que o falo é a

caracterização do poder masculino, o pênis ereto, é o emblema de masculinidade e através

dele a masculinidade é definida. O Falo é o ponto de referência do homem. Sócrates Nolasco,

(1993. p. 21.), em “O Mito da masculinidade” traz a abordagem de questões em relação à

masculinidade com um contra ponto em relação ao controle dos corpos visto até meados do

século XX, utiliza-se das posições sociais e do trabalho para descrever a mudança no

comportamento masculino.

Com uma visão divergente em relação à influência dos movimentos sociais nas

mudanças comportamentais do homem ele descreve que os homens estão revendo a condição

masculina, como também para os grupos que sofrem discriminação racial e de escolha sexual,

como é o caso de negros e homossexuais. “Contudo caracterizar a organização dos Grupos de

Homens por meio do que aconteceram as mulheres, negros e homossexuais é cometer um

engano de reduzi-la às características de um movimento político”. (NOLASCO, 1993).

Apesar das mobilizações para mudanças na postura e ações dos homens, ainda vivenciamos

em uma sociedade ocidental com vários conflitos que acontecem por disputas de poder.

Consideramos que este estudo, servirá como pressuposto diante das análise das fontes,

na busca por melhor entendimento das posturas humanas individuais e coletivas. É importante

ressaltar que estas características observadas ao longo do estudo sobre construção dos

controles e relações de poder, são apenas aspectos inter-relacionados. De fato, o observável é

que atuando sobre as massas confusa e insegura de seu papel, o processo disciplinador faz

surgir uma multiplicidade ordenada, que por sua vez gera o indivíduo.

VII - BIBLIOGRAFIA

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