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O feminismo marxista de Heleieth Saffioti Renata Gonçalves* Resumo: Remando contra a corrente do pensamento acadêmico dos anos de 1960 no Brasil, Heleieth Saffioti foi pioneira ao analisar a condição da mulher numa perspectiva de classes. Na contramão da maioria dos estudos marxistas, suas pesquisas desnovelam o emaranhado que possibilita ao capitalismo se apropriar das desigualdades entre os sexos para melhor se reproduzir. Palavras-chave: Heleieth Saffioti. Trabalho feminino. Feminismo. Marxismo. Na verdade, não existe um feminismo autônomo, desvinculado de uma perspectiva de classe. Heleieth Saffioti Escrever um texto sobre Heleieth Saffioti não é uma tarefa muito simples. Feminista, mas sempre atenta ao antagonismo de classe exacerbado pelo sistema capitalista, não fez coro com o reformismo do movimento feminista pequeno- burguês que se contenta meramente com as conquistas de direitos formais para as mulheres. Pois a solidariedade entre os sexos está subordinada à condição de classe de cada um. Marxista ciosa de seu livre pensar feminista, destacou os limites de algumas análises marxistas no que diz respeito à condição feminina. Feminismo e marxismo ocupam o centro de sua obra que se tornou multidimensional, tanto no que se refere à contribuição teórica que forneceu para ambos como no que diz respeito à grande importância que suas idéias tiveram para a implementação de políticas de combate à violência contra a mulher nos lugares mais longínquos dos grandes centros urbanos. Não será difícil encontrar ao longo de sua trajetória acadêmica elementos que confirmem esta assertiva. Também não haverá maiores dificuldades em identifi- car autores e/ou ativistas que explicitam o contrário. O sociólogo francês Alain Touraine, por exemplo, mais especificamente no livro A palavra e o sangue – quase * Profa da Unifesp-BS e profa. colaboradora do mestrado em Ciências Sociais da UEL. Sou grata a Lúcio Flávio de Almeida pelo carinho e pela paciência de ler, reler, sugerir, o que tornou este texto menos incompreensível. As limitações finais são de minha inteira responsabilidade. End. eletrônico: [email protected] Recebido em 15 de setembro de 2011. Aprovado em 25 de outubro de 2011. 119

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O feminismo marxista de Heleieth Saffioti

Renata Gonçalves*

Resumo:Remando contra a corrente do pensamento acadêmico dos anos de 1960 no Brasil, Heleieth Saffioti foi pioneira ao analisar a condição da mulher numa perspectiva de classes. Na contramão da maioria dos estudos marxistas, suas pesquisas desnovelam o emaranhado que possibilita ao capitalismo se apropriar das desigualdades entre os sexos para melhor se reproduzir.

Palavras-chave: Heleieth Saffioti. Trabalho feminino. Feminismo. Marxismo.

Na verdade, não existe um feminismo autônomo, desvinculado de uma perspectiva de classe.

Heleieth Saffioti

EscreverumtextosobreHeleiethSaffiotinãoéumatarefamuitosimples.Feminista,massempreatentaaoantagonismodeclasseexacerbadopelosistemacapitalista,nãofezcorocomoreformismodomovimentofeministapequeno-burguêsquesecontentameramentecomasconquistasdedireitosformaisparaasmulheres.Poisasolidariedadeentreossexosestásubordinadaàcondiçãodeclassedecadaum.Marxistaciosadeseulivrepensarfeminista,destacouoslimitesdealgumasanálisesmarxistasnoquedizrespeitoàcondiçãofeminina.Feminismoemarxismoocupamocentrodesuaobraquesetornoumultidimensional,tantonoqueserefereàcontribuiçãoteóricaqueforneceuparaamboscomonoquedizrespeitoàgrandeimportânciaquesuasidéiastiveramparaaimplementaçãodepolíticasdecombateàviolênciacontraamulhernoslugaresmaislongínquosdosgrandescentrosurbanos. Nãoserádifícilencontraraolongodesuatrajetóriaacadêmicaelementosqueconfirmemestaassertiva.Tambémnãohaverámaioresdificuldadesemidentifi-carautorese/ouativistasqueexplicitamocontrário.OsociólogofrancêsAlainTouraine,porexemplo,maisespecificamentenolivroA palavra e o sangue–quase

* Profa da Unifesp-BS e profa. colaboradora do mestrado em Ciências Sociais da UEL. Sou grata a Lúcio Flávio de Almeida pelo carinho e pela paciência de ler, reler, sugerir, o que tornou este texto menos incompreensível. As limitações finais são de minha inteira responsabilidade.

End. eletrônico: [email protected]

Recebido em 15 de setembro de 2011. Aprovado em 25 de outubro de 2011. • 119

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umabíbliadosintelectuaisdeumaesquerdaemtransiçãoparaopós-marxismo–, reconheceuo pioneirismode Saffioti ao analisar a situaçãodasmulherescomoum“efeito”dasociedadedeclasses,masafirmou,inadvertidamente,queainfluênciadaautoraserestringiuaoplanomeramenteintelectual(1988:101). AobradeHeleiethSaffiotinãosurgiuprontaeacabada.Tampoucofoiumprocessolineardedesenvolvimento.Épossívelencontrarduasgrandesfasesemseusestudos:umaprimeira,quevaidemeadosdosanos1960aofinaldos1980efoimarcadapelaanálisedotrabalhofemininonasociedadecapitalista;eumasegundafase,dedicadaaosestudossobreviolênciadoméstica,momentoqueseestendedoiníciodosanos1990atéofinaldoanode2010,quandoaautorasefoi.ObviamentenãoépossívelencontrarumamuralhadaChinaentreestasduasfaseseoqueétransversalemseusmúltiplosestudoséaanálisedaimbricaçãoentreasdeterminaçõesdeclasse,degêneroederaça/etnia.Oqueaconduziráalapidareapresentarnosanosde1990aideiadeumnóconstituídopelastrêscontradiçõessociaisbásicas:gênero,raça/etniaeclassesocial(1991,1997).Aso-ciedade,segundoaautora,sedivideemclassessociais,mastambéméatravessadaporestasoutrascontradições.Nãosetrata,contudo,deconcebertrêsdiferentesordenamentosdasrelaçõessociaiscorrendoparalelamente.Aocontrário,estastrêscontradiçõesentrelaçadaspelonósustentamamanutençãodosistemacapitalista. Ocurtoespaçodesteartigonãonospermiteabordaratotalidadedesuatrajetóriaintelectuale,menosainda,elencartodososdesdobramentosdesuaspreocupaçõesteórico-políticassobreos,hoje,chamadosestudosdegênero1.Nestetexto,tentaremosdetectaralgunsmomentosdaprimeirafasequeconsideramosfundamentaisparaoconhecimentocientíficodacondiçãofemininasobocapi-talismo.Datamdesteprimeiroperíodosuaspesquisassobreomitoearealidadedacondiçãofemininanassociedadesdecapitalismoavançado,nassubdesenvol-vidas(expressãoadotadaporHeleieth)etambémnospaísesquecompunhamoblocosoviético.Encontramosigualmentenestafasesuasinvestigaçõessobreaperseverançadeumaatividadetípicadeformaçõespré-capitalistas:oempregodomésticoesuautilidadeparaosistemacapitalista.Foitambémnoiníciodesuatrajetóriaqueviu,quandoninguémdiziaquevia–anãoserosqueespertamenteadiavamparaosocialismoqualquerlutacontraaopressãodamulher–,queaemancipaçãofemininanãopoderáocorrernocapitalismo,poisesteoualijaouinsereprecariamenteocontingentedemulheresdeacordocomasnecessidadesqueestesistematemparasereproduzir.Seusprimeiroslevantamentosempíricos,assimcomoadensidadedesuasformulaçõesteóricasfazemdesuasdescobertas

1 Acerca da imensa influência que Heleieth Saffioti exerceu direta ou indiretamente sobre as feministas brasileiras, ver Pompeu (2007).

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excelentespontosdepartidaparaaapreensãodarealidadecapitalistacontempo-rânea,especialmentenotocanteàrecomposiçãodoproletariadonesteiníciodeséculoXXIe,nointeriordeste,àsreconfiguraçõesdotrabalhofeminino.

Da trajetória de vida ao estudo da condição feminina sob o capitalismo Filhademãecostureiraedepaipedreiro,Heleiethnasceusemfortuna,napequenaIbirá,interiordeSãoPaulo.Começouatrabalharaos14anosdeidadee,porvoltados18,jámorandonacapitaldoestado,chegouatertrêsempregossimultaneamente:“Pelamanhãiaaumemprego;àtarde,aoutro;ànoite,estudavae,entreas17horas,quandodeixavaotrabalho,eàs19horas,quandoentravanaEscolaNormaldaPraça,davaaulasparticulares”(MendeseBecker,2011:146).Suatrajetória,marcadaporinúmerosdeslocamentosparamorarcomparentesqueaacolhiam,fezcomqueatentasseparaaprópriacondiçãofeminina.Porexemplo,o ideáriodecomoumameninadevesecomportarestevepresentequando,“devido”aoadoecimentodatiacomquemmorava,tevedecoabitarcomoutrosparentes:“nãoficavabemmorarcomomaridodatia”.Tambémemsuasmemóriasencontramosasexperiênciasdefaltadeliberdadeemfunçãododuplo“destino”declasseedegênero.Aos13-14anos,“porserasobrinhasemposses,filhadacostureiraedopedreiro,fezasvezesdeGataBorralheiraresponsávelpeloserviçodoméstico”(Pompeu,2007:68).Faziatodootrabalhodacasa,estudavanoperíodonoturnoevoltavasozinhaparacasaapósameianoite.Sentiunapeleaagressãoaocorpofemininoque,maistardesetornariaobjetodesuaspesquisas.

Tinhaquedescerumaladeira,equantasnãoforamasvezesemqueadescivo-ando,porquemehaviamassediadonoônibus.Umamoçade14anos,emboradeuniforme, era consideradaumamenina sozinha.Então, colocavamamãonaminhaperna,simulavamesbarraremmeusseios.Eraum“assédiosexual”bastanteameaçadorparaquemenfrentava,pelaprimeiravez,agrandecidade.Algunsdesseshomenschegavamadescerdoônibuseiratrásdemim(MendeseBecker,2011:144).

Seusestudossobreacondiçãofemininapropriamenteditainiciaram-seem1963,quando,jáprofessoradocursodeCiênciasSociaisdaUnespdeAraraquara,realizouumapesquisacomasprofessorasprimáriaseasoperáriasdaindústriatêxtil.Naquelemomento,haviamuitopoucomaterialtraduzidodisponívelso-breoassuntoepraticamentenadaproduzidonoBrasil2.Entreofinalde1966

2 A este respeito, consultar, neste número 27 da revista Lutas Sociais, os textos de Branco e Gonçalves (2011).

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einíciode1967,emapenassessentadias,redigiuoclássicoA mulher na sociedade de classes:mitoerealidade,quedeveriatersidosuatesededoutorado. Opaísestavarecém-submetidoàditaduramilitarqueduraria21 longosanos.EFlorestanFernandes,seuorientador,comargutapercepçãopolítica,in-tuiuoendurecimentodoregimeeasconseqüênciasparaHeleiethSaffioti,umaintelectualdosexofeminino,oquejácausavaestranhamento,sobretudoparaamentalidadeprovincianaeconservadoradointeriordoestadodeSãoPaulo;eaindaconsideradacomunista,oquecertamentenãoeravistocommuitoentu-siasmopelosacadêmicosqueaderiramaoregime.Omestresociólogonãotevedúvida:sugeriu,aliás,exigiuqueSaffiotitransformasseodoutoradoemtesedelivre-docência(GonçalveseBranco,2011:75). Destemomentoemdiante,HeleiethSaffiotisedebruçoucadavezmaissobreoschamadosestudosdamulherepassouaserumareferêncianoassunto,dentroeforadopaís(Sorg,1995:156).Desdeoinício,desconfioudasanálisesque,recorrendoàtradição,justificamdesigualdadesentrehomensemulheres,entrebrancosenegros. Pesquisareescreversobreumtematãocomplexoerapartedeumaambiçãoteóricaqueconsistiaemexaminarcomoadesigualdadeentreossexosoperanasociedadedeclassesdeformaaalijargrandescontingentesdosexofeminino.Noseuprimeirolivro,A mulher na sociedade de classes,aautorapretendiafazerumestudocomparativoentresociedadesdecapitalismoavançadoeoBrasil,comcapitalismo“subdesenvolvido”,paradescobrircomoasdeterminaçõesdesexoseinseriamconcretamentenofuncionamentodestassociedades.Masparaisso,nosadverteaautora,“éprecisoquesepartadeformulaçõesteóricascapazesdepermitiraapreensãodosentidoqueosfatoseastotalidadesparciaisganhamnotodoorgâniconoqualestãoinseridosedomovimentodialéticoqueosanima”(Saffioti,1969:19).E,semdeixardúvidaquantoaoseureferencial,enfatizaquea“dialéticamarxistarevela-se,desteângulo,ummétododegrandevalorheurís-tico,umavezquepossibilitanãosomentearealizaçãodotestecomprobatóriodasformulaçõesclássicas,sobretudodeMarx,comotambémaincorporaçãocrítica,atravésdadialetizaçãodeconceitos,deformulaçõesteóricasoriginadasemdistintasconcepçõesdahistória”(1969:19). Otemaestavadelimitado.Oreferencialteóricodefinido.Faltavaainterlo-cuçãodiretacomautore(a)squedariamsuporteparaasproblematizações.EsteeraumdosgrandesdesafioscolocadosaHeleiethSaffioti.NomomentoemqueA mulher na sociedade de classesfoiredigido,haviapouquíssimaliteraturasobreamulher(MendeseBecker,2011:150).Aentrevistaquenosfoiconcedidaésignificativadodesertobibliográficonaárea:

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Eoqueeuli?OquehaviaparalernoBrasil?Eraumdesastre.HaviaGrandes damas do II Impérioecoisasassimdesseestilo.(...).NoBrasilnãohavianadadeinteressante.Euli O Segundo Sexo,daSimone;liumlivrodaAlvaMyrdaleViolaKlein.Estestextosexistiamouemfrancêsoueminglês,emportuguêsnada.O Segundo Sexo,sim.MasodaAlvaMyrdaleViolaKlein,não.Eooutrodeumafrancesaqueerasobreoperárias industriais,eraemfrancês.OnomedelaeraEvelyneSullerot.EhaviaaquelestextosclássicosdaKollontai,queeunãogosto;daClaraZetkin,queéumpoucomelhor,masameuvertemmaisideologiadoqueciência(GonçalveseBranco,2011:75).

Tambémpoucosesabiaarespeitodacondiçãodamulherbrasileira.Aforapequenostrabalhosdescritivoseinteressadosemaspectosbemrestritosdouni-versofeminino,Saffiotiencontrouapenasdoistrabalhos:umsobreomagistérioprimárioeoutrosobreamudançadopapelocupacionaldamulhernacidadedeSãoPaulo.Comoaprópriaautoraobserva,oprimeironãoexaminaarelaçãoentreocapitalismoeestaocupaçãopredominantementefeminina;osegundoselimitaaumacidade.Ambospermanecemnumuniversoempíricorestritoenãoavançamteoricamente. Aautorapercebequeacondiçãofemininasofrera“oimpactodaaçãodocentrohegemônicodocapitalismointernacional,quernosentidodeconfinaramulhernospadrõesdomésticosdeexistência,querdando-lheconsciência,atra-vésdofeminismo,danecessidadedeemancipar-seeconomicamente”(Saffioti,1969:17).Masporondecomeçarseusestudos?Comquaisautoresdialogar?DeacordocomTeles(2011),nãohavianoBrasilumacumuloteóricosobreosfeminismos.Àsvezes,chegavamparaosgruposdemulheresqueseformavampapéisdatilografadosquecontinhamasidéiasdasfeministasdoexterior.Maseramdifíceisareprodução,acirculaçãoeodebatesobreestespoucostextos. Alémdaescassezdeteoriaederegistrosdepesquisassobreamulhernopaís,seconstatavaacarênciabibliográficaacercadeseureferencialteórico.Qua-senadahaviadaobradeMarxpublicadanoBrasil.Aliás,estenãofoiumcasoexclusivamentebrasileiro.Mesmoempaísesdefortetradiçãodelutaoperária,obrasimportantesdoautoralemãopercorreramumlongoeacidentadocaminhoantesdesetornaremreferênciasdeluta(Hobsbawm,1983). NoBrasilascondiçõesdeacessoaomaterialteóricoproduzidoporMarxeEngels,epelosmarxistasposteriores,erambempiores.Talvezpelaprópriacondiçãodepaísdecapitalismoperiférico,semumaclasseoperáriaconsolidadae,portanto,compoucatradiçãodelutanestecampo.ÉprovávelqueaausênciademarxistasnaacademiatambémtenhacontribuídopararetardarapublicaçãodaobrateóricadeMarx.Ironiadasironias,foinoiníciodosanosdechumbodaditaduramilitar,maisprecisamenteem1968,quetevelugaraprimeiraedição

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brasileiradeO Capital,lançadapelaeditoraCivilizaçãoBrasileira Parafundamentarsuasanálises,leupraticamentetudoqueexistiadaliteraturamarxistaesocialista,desdeos“utópicos”.ObrasimportantesdeEngels,comoA origem da família, da propriedade privada e do Estado,leuemfrancês.RecorreuàediçãomexicanadaFondodeCulturaEconómicaparaconsultarduasobrasfundamentaisparaseuestudo:El Capital e História crítica de la teoria de la plusvalia.TodoorestantedaobradeMarxleuemfrancês,especialmenteovastoacervopublicadopelasÉditionsSociales.

Uma apreensão feminista de formulações marxistas AprópriaHeleiethSaffiotiafirmaque,noiníciodosanos1960,sabiamuitopoucosobreMarxeomarxismoetevedesedesdobrarparacompreenderestecampoteórico-metodológico(GonçalveseBranco,2011).Oprimeiroresultadopublicamenteconhecidodesteesforçoencontra-senodensolivroA mulher na sociedade de classes,ondeaautoraapreendeomododeproduçãocapitalistacomo“umaconfiguraçãoconcretadevidaecadatipoestruturaldesociedadecapita-listacomoumaetapadedesenvolvimentodaformacontraditóriadoprocessodeproduçãosocial,queculminacomarealizaçãoplenadasociedadecapitalista”(Saffioti,1969:33-34).Maistarde,emintensodebatecomacorrentealthusse-riana,aautoraélevadaaimprimirmaiorsofisticaçãoàssuasformulaçõessemqueabandoneposiçõesbásicasapresentadasemseulivromaior. Apesardoaltoníveldeabstraçãodoconceitodemododeprodução,aautoranãooentendecomoumobjetosemvínculoscomoreal.Areferênciaaoreal,paraela,“podeserdetectada,querpredominenaanáliseaperspectivateórica,querprevaleçaaóticahistórica”(1976:2).Aapropriaçãoprivadadosmeiosdeproduçãoedoprodutodotrabalho,presentenasformaçõessociaisanteriores,éelevadaaomáximonomododeproduçãocapitalista.Osmodosdeproduçãohistoricamenteanterioressãointegradosàsociedadeburguesa.Per-demsuaidentidadeorigináriasemquedeixemdeexistir.Omododeproduçãocapitalista,portanto,é“entendidocomoacombinaçãohistóricaespecíficaqueresultadaautonomizaçãorelativadoprocessoeconômico,inaugurandoformasinéditasderelaçõesdeproduçãonasquaisseachamincorporadaseredefinidasasantigasformasderelaçãodeprodução”(Saffioti,1976:2).Naformaçãosocialcapitalista,osmodosdeproduçãohistoricamenteanteriorescoexistem,masnãocomoummododeproduçãopropriamentedito.Oquepermanece“sãocertasformasdeorganizaçãodotrabalho,previamenteintegradasemoutrosmodosdeprodução”(1976:3). Éapartirdesseentendimentodemododeprodução,ouseja,como“umaconfiguraçãoconcretadevida”(1976:1),queaautoraesboçasuasformulações

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acercada inserçãodamulherna sociedadecapitalista,que, aliás,ocorreuemcondiçõesbastanteadversas.Emseuprimeirolivro,jápercebeuquenocapi-talismo,asmulherestêmumadupladesvantagem:noplano“superestrutural”,umasubvalorizaçãodascapacidadesfemininas;enoestrutural,umainserçãoperiférica oumarginal no sistema de produção.Recusandoo conformismoamplamentedivulgadodequesãoas“debilidades”(físicasementais)femininasasobstrutorasdodesenvolvimentosocial(1969:36),emumarigorosaanálise,afirmouqueomododeproduçãocapitalistapotencializaamarginalizaçãodecertossetoresdapopulaçãodosistemaprodutivo.Osexo,fontedeinferioriza-çãosocialfeminina,interferedeformapositivaparaareproduçãodasociedadecapitalista.ParaSaffiotti,a“elaboraçãosocialdofatornaturalsexo,enquantodeterminaçãocomumqueé,assume,nanovasociedade,umafeiçãoinéditaedeterminadapelosistemadeproduçãosocial”(1969:35).Ocapitalismocolocafortesobstáculosàrealizaçãoplenadamulher. Nacontramãodosqueentendiamqueocapitalismoabriaportasparaaemancipaçãofemininapormeiodaentradadasmulheresnomercadodetrabalho,Saffiotiadvertiuqueeraocontrárioqueocorria.Omododeproduçãocapitalistaalijaforçadetrabalhodomercado,especialmenteafeminina.Oscaracteresraciaisedesexooperam“comomarcassociaisquepermitemhierarquizar,segundoumaescaladevalores,osmembrosdeumasociedadehistoricamentedada”(1969:30).Istonãosignificaqueestescaracterescontêmemsimesmosaexplicaçãodatotalidadeoudasdeterminaçõesdeumsistema.Sãosubalternos.E,comotais,“operamsegundoasnecessidadeseconveniênciasdosistemaprodutivodebenseserviços,assumindodiferentesfeiçõesdeacordocomafasededesenvolvimentodotipoestruturaldasociedade”(Saffioti,1969:30). AautorareconheceemMarxasobservaçõesminuciosasacercadaspéssi-mascondiçõesdetrabalhodasmulheres.Marxdeploraascondiçõesdotrabalhofeminino,masaautoraafirmaqueestapreocupaçãodeMarxsereferefunda-mentalmenteàs“conseqüênciasqueaduraexistênciadamulhertrabalhadoraencerraparaaeducaçãodosfilhos,paraaautoridadedospais,paraamorali-dadedafamília”(1969:73).Elejulgavadeletérioparaosfilhoseparaospais“adestruiçãodafamíliasemqueumanovaformadeestruturafamilialvenhasubstitui-la”(1969:73).Todavia,nemMarxnemEngelsteriamatentadoparaasfunçõesqueasmulheresdesempenhamnafamíliae,segundoaautora,poristonãoconseguiramsolucionarteoricamenteoproblemafeminino.Entreumsistemaprodutivoeamarginalizaçãofemininaencontra-se“aestruturafamiliarnaqualamulherdesempenhasuasfunçõesnaturaisemaisadetrabalhadoradomésticaesocializadoradosfilhos”(1969:79). SaffioticoncordacomoautordeO Capitalemqueoproblemadamulher

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nãoéalgoisoladodasociedade,equeédecorrência“deumregimedeprodu-çãocujosustentáculoéaopressãodohomempelohomem;deumregimequealiena,quecorrompetantoocorpoquantooespírito”(Saffioti,1969:75;2011:86).Tambémconsidera,comMarxemuitosmarxistas,quesuperaraopressãofemininasóserápossívelcomadestruiçãodoregimecapitalistaeaimplantaçãodosocialismo.Todavia,paraofundadordosocialismocientífico,alibertaçãodamulheréencaradasimplesmentenointeriordoprocessogeraldehumanizaçãodetodoogênerohumano(Saffioti,1969:74). Eisumdosnósdoproblema!Osexo,umacategoriadeordemnatural,encobreoantagonismodeclasse.Odomíniomasculinosobreasmulheres,nãodiretamenteatreladoàestruturaeconômicadasociedade,serveaosinteressesdaquelesquedetêmopodereconômico.Segundoaautora,“oshomensdaclassedominadafuncionam,pois,comomediadoresnoprocessodemarginalizaçãodasmulheresdesuamesmaclassedaestruturaocupacional,facilitandoarealizaçãodosinteressesdaquelesquenaestruturadeclassesocupamumaposiçãoopostaàsua”(1969:78). Apesardatesedifundidadequeodesenvolvimentodocapitalismopropor-cionariaumnovotipodefamília,livredepreconceitos,quepermitiriaotrabalhofemininoforadolar,constata-seque“asfacilidadesdavidamoderna”continuammantendoamulhertrabalhadorapresaaolar(1969:79).Éilusório,segundoaautora,“imaginarqueameraemancipaçãoeconômicadamulherfossesuficienteparalibertá-ladetodosospreconceitosqueadiscriminasocialmente”(1969:82).Suasanálisesdodesenvolvimentodocapitalismo,assimcomosuasinvestigaçõessobreastentativasdeconstruçãodosocialismo,mostramque“certospadrõesculturaisforjadosemoutrasestruturaspersistemnanova,numdescompassodemudançasquedesafiaavalidadedealgumasteorias”(1969:84).Aprojeçãodequeaigualdadenaexploraçãodaforçadetrabalhoéoprimeirodosdireitosdocapitalnãoserealizouemnenhumasociedade.Aforçadetrabalhoédiferenciadaemtermosdesexoeraça/etnia. Ocruzamentodaestruturadeclassescomadiferençadesexoperturbaoesquemamarxista.Asclassessociaissãoatravessadaspelascontradiçõesdegêneroederaça.Écertoqueentremulheresehomensdaburguesiaháumasolidariedadedeclasse,poisaquelassebeneficiamdaapropriaçãoporestesdamais-valiacriadapelostrabalhadoreshomensemulheres.Porém,naclassetra-balhadora,asolidariedadenemsempreétãonítida.Tantoamulherproletária,comoadosestratosmédiosdisputam“comoshomensdesuamesmaposiçãosocialospostosquelhepossamgarantirsustento”(1969:86). Ocapitalismonãocriouainferiorizaçãosocialmulheres,masseaproveitadoimensocontingentefeminino,acirrandoadisputae,portanto,aprofundando

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adesigualdadeentreossexos.SegundoSaffioti,asdesvantagenssociaisdequegozavamoselementosdosexofemininopermitiamàsociedadecapitalistaemformaçãoarrancardasmulheresomáximodemais-valiaabsoluta,através,simultaneamente,daintensificaçãodotrabalho,daextensãodajornadadetrabalhoedesaláriosmaisbaixosqueosmasculinos,umavezqueparaoprocessodeacumulaçãorápidadecapitalerainsuficienteamais-valiarelativaobtidaatravésdoempregodatecnologiadeentão.Amáquinajáhavia,semdúvida,elevadoaprodutividadedotrabalhohumano;não,entretanto,apontodesaciarasededeenriquecimentodaclasseburguesa(1969:36).

Nestesentido,aautoraavançanacontramãodemuitosetalentososmar-xistascontemporâneos,comoPerryAndersonparaquem“economicamente,ossimplesmecanismosdoprocessodevalorizaçãodocapital,eexpansãodaforma-mercadoriasãocegosaosexo”,umavezquea“lógicadolucroéindife-renteàdiversidadesexual”(1984:105);ouEllenWood,queafirmaatendênciapositivadocapitalismodesolaparidentidades,comoasdegêneroouraça,“poisocapitallutaparaabsorveraspessoasnomercadodetrabalhoeparareduzi-lasaunidadesintercambiáveisdetrabalho,privadasdetodaidentidadeespecífica”(2003:229). Oexcessodeabstraçãodeambososautorespodereintroduzirnomarxismooquehádemaisideológiconouniversalismodailustração,semfaltar,inclusi-ve,oingredientenaturalizantedasrelaçõessociais.Andersonpornegarquesepossaaboliradivisãoentreossexos,queéumfatodanatureza,aocontrário,da“divisãoentreclasses,umfatodahistória”(1984:106);Woodpordesconsideraratendênciaestruturaldocapitalismoàdesigualdadederaçaedegênero.Oníveldeabstraçãodestesautoresdeixaforadefocoaquestãodeseexisteme,nocasodeexistirem,comoseconstituem,imbricaçõesdedominaçãocapitalistadeclasseerelaçõesdegênero.Woodéaindamaisenfática:emboraseja“capazdetirarvantagensdoracismoedosexismo,ocapitalnãotema tendênciaestruturalparaadesigualdaderacialouopressãodegênero”.Aocontrário,sãoelesque“escondemasrealidadesestruturaisdosistemacapitalista”e,alémdisso,“divi-demaclassetrabalhadora”(2003:229).Umainversãodoproblema?Talvez.Édestaformaquegrandepartedosteóricosmarxistasabordouaquestão.Comosecorrespondesseaumafragmentaçãodoproletariadoextrínsecaaocapitalismo. Ora,oquefragmentaaclassetrabalhadoraéosistemacapitalistaao,porexemplo,inverteraordemdoproblema.Ocapitalismonãoé,nuncafoiedifi-cilmente–paradizeromínimo–serácegoaosexo(ouàraça/etnia).ÉnestaexatamedidaqueSaffiotienfatizaqueodesenvolvimentodocapitalismonãosignificamelhorcondiçãosocialparaasmulheres.

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Uma abordagem marxista de problemáticas feministas Atesedequeodesenvolvimentodocapitalismonãorepresentaavançofundamentalnascondiçõesdevidadasmulherestambémfoinacontracorrentedas principais tendências do expressivomovimento feminista que ressurgiunomundoocidentalnosanosde1960-1970.UmanoapósapublicaçãodeA mulher na sociedade de classes,EstherBoserupficoumundialmenteconhecidacomo livro Woman’s Role In Economic Development,de1970.Desdeentão,osdebatessobremulheredesenvolvimentoganharamdestaque.Olivroencontroueco,nãoapenasentreasfeministas,mastambémnateoriadamodernizaçãoqueexerceufortefascíniosobrecientistassociaisamericanoselatino-americanos.Boserupargumentavaqueasmulherestrabalhadoras,sobretudoascamponesas,seen-contravammarginalizadasemfunçãodeseusbaixosrendimentosepropunhapolíticasdedesenvolvimentopararepararesteproblema.Saffioti,porsuavez,observavaaincompatibilidadedestaideiacomumprojetodesociedadeondeperduraummododeproduçãobaseadonaapropriaçãoprivadadosmeiosdeprodução. Ocapitalismo,segundoSaffioti,podeatéserevelarmaleáveleatémesmopermitireestimularmudanças.Todavia,istonãosignificaqueestesistemaofereçaplenaspossibilidadesdeintegraçãosocialfeminina.Paraaautora,nestemododeprodução,ascaracterísticasnaturais(sexoeraça)setornammecanismosquefuncionamemdesvantagemnoprocessocompetitivoeatuamdeformaconve-nienteparaaconservaçãodaestruturadeclasses(Saffioti,1969).Nestesentido,nãoreconhecenofeminismopequeno-burguês,deondeadvêmasteoriasqueatrelama emancipação feminina aodesenvolvimentoeconômico,o caminhoparaasuperaçãodadesigualdadedesexo.Ofeminismopequeno-burguês,pormaisprogressistaquepossaser,nãoconseguiu“encararaquestãodaigualdadeentreossexosemfunçãodeumtipoestruturalnegadordestaigualdade”(1969:129). Doisdeseusestudos,umsobreoempregodoméstico(1978)eoutroso-breasoperáriastêxteis(1981),demonstramcomoocapitalismosealimentadapreservaçãotantodaorganizaçãoarcaicadeumaatividade,comoéocasodoempregodoméstico, comoda apropriação redefinida de atributos femininosnaindústriae,nestesentido,impossibilitaaigualdadealmejadapelofeminismopequeno-burguês. OBrasildosanos1970conheceuaceleradoprocessodeindustrialização,queimpulsionouumamudançasignificativanaestruturaderedistribuiçãodoprodutosocial,permitindooaparecimentodeumaclassemédiacomrendaele-vadaecompossibilidadedeconsumo.Asmulherestrabalhadorasnãoficaramforadesteprocesso.Houve,noperíodo,umincrementoacentuadodaexpansão

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dotrabalhofeminino.Todavia,amaiorparte(89%!)foiabsorvidapelosetordeserviçosecomaltíssimaconcentraçãonosempregosdomésticos.Ocupaçõesdebaixoprestígioederemuneraçãoreduzidaconstituíramoredutodamão-de-obrafeminina.Ocorreuumincrementodaprocuradebensdeconsumoduráveise,aomesmotempo,aexpansãodoconsumodeserviçospessoais,sobretudoodoméstico.Agrandeempresanãofoicapazdeabsorvertodaaforçadetrabalhodisponívele“parcelaconsideráveldestamão-de-obra [passou]aconstituir-secomotrabalhadoresautônomos”(Saffioti,1978:15).Nesteprocesso,amulherfoioelementomenosfavorecido.Segundoaautora,

amodernizaçãodaeconomia,estandopresentesfatorescomoaltaconcentra-çãodarendanacional,baixograudeescolarizaçãodascamadasmaispobres,industrializaçãointensivadecapital,nãoapenasnãotrazbenefíciosmateriaisàsmulheres,comotambémimpele-asaaceitar,afimdesobreviver,odesempenhodeatividadesmalremuneradasepoucoounadaprestigiadasdopontodevistasocial,sobretudonochamadobaixoterciário(1978:17-18).

Otrabalhodaempregadadomésticanãopodeserconsideradocomotraba-lhoprodutivo.Emborahajaumcontratoquereguleavendadesuaforçadetraba-lhoaumaunidadefamiliar,nãoproduzmercadoriaparasertrocadanomercado.Aquiloqueéproduzidopelaempregadadomésticaéparaoconsumoimediatodafamíliaempregadora.Noentanto,“asatividadesdomésticascontribuemparaaproduçãodeumamercadoriaespecial–aforçadetrabalho–absolutamenteimprescindívelàreproduçãodocapital”(1978:196).Estacontribuiçãocriacon-diçõesparaareproduçãodosistemacapitalista.Sãoasempregadasdomésticasque frequentemente substituemna residência “a dona-de-casa, determinadacomotrabalhadoradosistemacapitalista”.Assim,aexploraçãodaempregadadomésticaémediadapelaexploraçãotípicadomododeproduçãocapitalista.Apesardesuaexploraçãonãoseenraizarnaproduçãodemaisvalia,comoéocasodostrabalhadoresprodutivosdosetorcapitalistadaeconomia,elaserveaocapitalismoeseintegraaestenamedidaemquecriaascondiçõesparaasuareprodução. Suaspesquisassobreasoperáriastêxteisrevelamque,mesmonesteramoquetradicionalmenteabsorveugrandecontingentedemulheres,asupremaciafemininanãoresistiuàmodernizaçãocapitalistabrasileira,comaltograudeincre-mentotecnológico.Atecnologiapoupoumão-de-obrae,aofazê-lo,impulsionouadeexpulsãodamão-de-obrafeminina.Emgeral,asmulherestrabalhadorasforamempurradasparaas“ocupaçõesdesenvolvidasadomicílioounasfunçõessub-privilegiadasdobaixoterciário”.Ficaramàmargemdosbenefíciossociaisprometidos pelo desenvolvimento capitalista e engrossaramos bolsões dasatividadesmaisprecarizadascomo“costureiras,bordadeiras,serzideiras,trico-

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teiras,crocheteiras,paranadadizersobreasdemaisocupaçõesdesempenhadasemcaráterautônomo,edeempregadasdomésticasque,somadas,atingiam,em1970,maisde50%daPEAfeminina”(1981:29). Hoje,cinquentaepoucosanosdepois,algumasfeministascriticamateseinicialdeSaffioti: adequeocapitalismoalija trabalho feminino.De fato, seobservarmososdadosdorelatóriodaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho,de2008,constataremosqueonúmerodemulheresquetrabalhamaumentouemuito:quase200milhõesaolongodoúltimodecênio,atingindo1,2bilhão,em2007,contra1,8bilhãodehomens.Todavia,aanálisedesteprocessorequerasuperaçãodeumenfoquemeramentequantitativo.Oaumentodaparticipaçãofemininanochamadomercadodetrabalhonãosedeuigualmenteemtodosossetores,emgeral,cresceuparaasatividadesmaisprecáriasdentrodosistemacapitalista. Nestesentido,impressionaaatualidadedasanálisesfeitasporHeleiethSa-ffioti.Comopreviu,ocapitalismoserenovoueseexpandiusemquehouvesseumavançoqualitativorumoàemancipaçãofeminina.Asmulherescontinuamduplamenteaprisionadas.Emumsentido,sãoaprisionadasfaceàverdadeirade-terioraçãodesuascondiçõesdetrabalho.Emoutro,oaprisionamentoadvémdafaltadeumaredefiniçãodepapéisentrehomensemulheresnaesferadoméstica.Aopressãodasmulherescontinuasendoparaoscapitalistasuminstrumentoquepermitegeriroconjuntodaforçadetrabalho.Comoobservamosemoutroartigo(Gonçalves,2001),adominaçãocapitalistadeclasseseefetivaproduzindoereproduzindo“diferenças”quereforçamdesigualdades,inclusivedegênero.

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