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Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 1 AS RELAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AS TECNOLOGIAS NA EAD Patrícia Barcelos Martins* RESUMO: Este artigo possui como temática as interações entre as Práticas Pedagógicas e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na Educação a Distância (EAD) a partir do contexto do Serviço Nacional de Aprendizagem e Comércio – SENAC SC. Inicialmente será apresentado uma explanação conceitual sobre o que é a EAD, sua evolução ao longo da história, adentrando para as relações do aspecto pedagógico com as tecnologias, destacando a importância dos ambientes virtuais no processo de ensino aprendizagem. Os principais autores que contribuiram na fundamentação das discussões foram: Moran (2013), Behar (2008), Lévy (2004 e 2005), Moreira (2004), Kensi (2002), Silva (2003), Belloni (2001), Testa (2013). O cerne deste artigo é interligar o potencial entre estas duas nuances: tecnologia e educação, vislumbrando para um diálogo que as entrelaçam, desmistificando a enaltação de uma em detrimento da outra. A tecnologia na nova dimensão educacional facilita, ou pelo menos pretende facilitar o alcance de resultados, desde que usada intencionalmente, principalmente no que concerne à conectividade dos processos de aprendizado. Desta forma, as ferramentas tecnológicas são meios pelos quais os sujeitos envolvidos no processo educacional podem utilizar em suas práticas pedagógicas, a fim de mediar a construção dos saberes. PALAVRAS-CHAVES: Práticas Pedagógicas; Tecnologias; Educação a Distância. ABSTRACT: This article is a reflection on the interactions between pedagogical practices and the Information and Communication Technologies (ICTs) in Distance Learning (ODL). To clarify this reflection will be presented an explanation about what is conceptual EAD, its evolution throughout history, entering for relations with the pedagogical aspect technologies, highlighting the importance of virtual environments in the learning process. The main contributing authors in the grounds of the discussions were: Belloni (2001 ), Lévy (2004 and 2005 ), Kensi (2002 ), Silva (2003 ). The aim of this paper is to link the potential of these two nuances: technology and education, glimpsing for a dialogue that intertwine, demystifying enaltacion of one over the other . The technology in the new educational dimension facilitates, or at least seeks to facilitate the achievement of results, if used intentionally, especially regarding the connectivity of the learning processes. Thus, technological tools are means by which those involved in the educational process can use in their teaching practices in order to enhance and mediate the construction of knowledge. Keywords: Pedagogical Practices , Technology, Distance Education .

AS RELAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AS ... · do Serviço Nacional de Aprendizagem e Comércio – SENAC ... pelo modelo tradicional de ... como capacidade de operar computadores

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AS RELAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AS

TECNOLOGIAS NA EAD

Patrícia Barcelos Martins*

RESUMO: Este artigo possui como temática as interações entre as Práticas Pedagógicas e as

Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na Educação a Distância (EAD) a partir do contexto

do Serviço Nacional de Aprendizagem e Comércio – SENAC SC. Inicialmente será apresentado uma

explanação conceitual sobre o que é a EAD, sua evolução ao longo da história, adentrando para as

relações do aspecto pedagógico com as tecnologias, destacando a importância dos ambientes virtuais no

processo de ensino aprendizagem. Os principais autores que contribuiram na fundamentação das

discussões foram: Moran (2013), Behar (2008), Lévy (2004 e 2005), Moreira (2004), Kensi (2002), Silva

(2003), Belloni (2001), Testa (2013). O cerne deste artigo é interligar o potencial entre estas duas

nuances: tecnologia e educação, vislumbrando para um diálogo que as entrelaçam, desmistificando a

enaltação de uma em detrimento da outra. A tecnologia na nova dimensão educacional facilita, ou pelo

menos pretende facilitar o alcance de resultados, desde que usada intencionalmente, principalmente no

que concerne à conectividade dos processos de aprendizado. Desta forma, as ferramentas tecnológicas

são meios pelos quais os sujeitos envolvidos no processo educacional podem utilizar em suas práticas

pedagógicas, a fim de mediar a construção dos saberes.

PALAVRAS-CHAVES: Práticas Pedagógicas; Tecnologias; Educação a Distância.

ABSTRACT: This article is a reflection on the interactions between pedagogical practices and the

Information and Communication Technologies (ICTs) in Distance Learning (ODL). To clarify this

reflection will be presented an explanation about what is conceptual EAD, its evolution throughout

history, entering for relations with the pedagogical aspect technologies, highlighting the importance of

virtual environments in the learning process. The main contributing authors in the grounds of the

discussions were: Belloni (2001 ), Lévy (2004 and 2005 ), Kensi (2002 ), Silva (2003 ). The aim of this

paper is to link the potential of these two nuances: technology and education, glimpsing for a dialogue

that intertwine, demystifying enaltacion of one over the other . The technology in the new educational

dimension facilitates, or at least seeks to facilitate the achievement of results, if used intentionally,

especially regarding the connectivity of the learning processes. Thus, technological tools are means by

which those involved in the educational process can use in their teaching practices in order to enhance

and mediate the construction of knowledge.

Keywords: Pedagogical Practices , Technology, Distance Education .

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INTRODUÇÃO

A educação a distância vem crescendo rapidamente em todo o mundo. Incentivados

pelas possibilidades decorrentes das novas Tecnologias da Informação e das

Comunicações – TICs e por sua inserção em todos os processos produtivos, cada vez

mais cidadãos e instituições veem nessa modalidade de educação um meio de

democratizar o acesso ao conhecimento e de expandir oportunidades de trabalho e

aprendizagem ao longo da vida.

A Educação a Distância, segundo Silva (2003), é uma modalidade de ensino que tem se

tornado cada vez mais comum no mercado educacional, principalmente, na oferta de

cursos de graduação, pós-graduação, cursos técnicos, qualificação profissional e de

aperfeiçoamento.

De acordo com Brasil (1998), o artigo 80 da Lei das Diretrizes e Bases da Educação

Brasileira nº 9.394/96 define a EAD como:

Uma modalidade educacional na qual a mediação didática pedagógica nos

processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios

tecnológicos de informações e comunicações com estudantes e professores

desenvolvendo atividades educativas em lugares e tempos diversos.

Trazendo outra definição para elucidar ainda mais a EAD pela interface da relação com

a tecnologia, é possível entendê-la do seguinte modo:

É aprendizagem sistematizada que se caracteriza, basicamente, pela

separação física entre professor e alunos e a existência de algum tipo de

tecnologia de mediatização para estabelecer a interação entre eles. (BEHAR,

2008, p.16)

Essa separação mencionada acima, diz respeito à apenas a questão geográfica, pois

mediante aos esforços desprendidos através da tecnologia, pelos sujeitos mediadores:

professores, coordenadores, alunos, tutores, a atividade dialógica busca aproximar os

indivíduos minimizando os efeitos de isolamento e solidão na EAD.

Portanto, nos próprios conceitos de EAD se faz vinculação à tecnologia e é nesta

direção que este artigo demonstra sua relevância. É fato que a evolução da EAD

acompanhou as mudanças advindas da sociedade, principalmente no que tange aos

aspectos da globalização, da multiculturalidade e da fluidez das informações (Moran,

2013). Em todos esses aspectos a tecnologia está presente, mas somente quando usada

com intencionalidade pedagógica, é que ela pode mediatizar as relações entre pessoas,

conhecimentos e inovações.

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Desta forma, na expansão da educação, a tecnologia interfere nas práticas pedagógicas

ao mesmo tempo em que é repensada por esta. Na EAD as práticas pedagógicas que

envolvem os protagonistas: professor e alunos, ganham outros significados distintos

daqueles conhecidos pelo modelo tradicional de educação, apontando para uma

dimensão mais autônoma e pesquisadora.

1 ASPECTOS PEDAGÓGICOS E TECNOLÓGICOS NA EAD

As práticas pedagógicas estão entrelaçadas com o desenvolvimento tecnológico como

acabamos de observar no capítulo anterior. De acordo com Testa (2013) mesmo que as

relações entre tecnologias e educação já estejam sendo discutidas, ainda percebe-se uma

dificuldade ao tratar de seus conceitos básicos. O ponto fulcral nestas reflexões está em

tornar essas duas nuances: tecnologia e educação, como interdependentes e

complementares no processo de ensino e aprendizagem.

Sobre as práticas pedagógicas, Moreira (2004), declara que os comportamentalistas as

entendem como atividade exclusivamente observável e que gere uma atividade

concreta, cujos resultados possam ser registrados e comprovados. Os cognitivistas

compreendem a prática pedagógica como uma atividade que desenvolve o raciocínio do

educando e que o leve a resolver problemas. Já os humanistas validam todo o processo

de ensino aprendizagem priorizando as relações humanas e sociais.

Tais definições vistas isoladamente são parciais; mas se lançarmos um olhar sistemático

na EAD, elas se completam e juntas contribuem na formação do sujeito integrado.

Portanto, quando citamos aspecto pedagógico, remetemos nossas reflexões a todas as

ações que promovam tanto o ensino quanto o aprendizado na EAD desde seu

planejamento, execução e avaliação. Desta forma, todas as relações que envolvem os

sujeitos envolvidos nesta modalidade merecem nossa atenção a fim de que a dimensão

educacional da EAD, mediatizada pelo aspecto tecnológico, apresente qualidade em

seus resultados.

Mas o que vem a ser o aspecto tecnológico? São os aspectos relacionados às

Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC e correspondem, segundo Silva

(2003), a todos os recursos que interferem e mediam os processos informacionais e

comunicativos dos seres. Ainda podem ser entendidas como um conjunto de recursos

integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware, software e

telecomunicações, a automação e a comunicação dos processos de negócios, da

pesquisa científica e de ensino e aprendizagem.

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Identificamos o caráter de mediação da tecnologia na citação acima, quando o referido

autor utiliza o verbo “proporcionam”, enfatizando que a tecnologia visa alcançar algo,

um objetivo pré-estabelecido.

O caráter diferencial da EAD, focando a necessidade do aprendiz nesta nova dimensão

educacional, privilegia o uso do conceito de inteligências conectadas, e de inteligências

coletivas propostas por Lévy (2004). Tais inteligências são fomentadas pelo uso de

processos de comunicação e tecnologias em rede que desloca a estrutura formal e

tradicional para a especificidade de cada aprendiz, personalizando e individualizando as

necessidades pedagógicas; integrando e compartilhando os conhecimentos socialmente.

Convém ressaltar que os suportes tecnológicos, mesmo sendo essenciais neste universo

da EAD, não devem ser fins em si mesmos. Sobre esta questão, Dourado (2008, p.905)

questiona que a centralidade que se tem conferido ao aparato tecnológico em detrimento

do saber pedagógico do ensino-aprendizagem pode atrapalhar o desenvolvimento da

EAD.

Deve haver integração entre as tecnologias e as relações advindas de seu uso. Essa

integração, como eixo pedagógico central, segundo Belloni (2001) pode ser uma

estratégia de grande valia, desde que se considerem estas técnicas, como meios e não

como finalidades educacionais, e que elas sejam utilizadas em suas duas dimensões

indissociáveis: ao mesmo tempo como ferramentas pedagógicas extremamente ricas e

proveitosas para a melhoria e a expansão do ensino e como objeto de estudo complexo e

multifacetado, exigindo abordagens criativas, críticas e interdisciplinares.

Dando base à reflexão acima, Kensi (2002, p.14) também declara:

Que não se trata apenas de acesso, mas principalmente as capacidades do uso

das informações. Estas são definidas não só como capacidade de operar

computadores e conexões em rede, mas, sobretudo, como habilidade de

procurar selecionar, processar informações a partir de múltiplas escolhas e

fontes (...).

Diante de um mundo globalizado, percebemos que a tecnologia é o instrumental que

possibilita o desenvolvimento das práticas pedagógicas por intermédio do uso planejado

e contextualizado das informações. As TICs, quando utilizadas com objetivos,

propiciam a filtragem dos dados e fatos, de modo a focar o aspecto pedagógico. A gama

de informações que a tecnologia propicia é imensa, e neste universo, se não houver a

seleção daquilo que realmente é pertinente, corre-se o risco de ser superficial,

desfocado, além de se dispender muito tempo e esforços. Na EAD para se manter o foco

onde se deseja chegar é necessário planejamento.

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A prática pedagógica planejada na EAD é aquela que permeará um percurso de “Design

Instrucional”. O desenho instrucional de um curso a distância requer alinhamento com

diversas instâncias, inclusive com a estrutura tecnológica que uma instituição tem a

oferecer. Isso significa que não adianta haver grande empenho no aspecto pedagógico,

se o tecnológico não estiver compatível para subsidiar as ações planejadas e vice-versa.

Sobre esse pensamento Belloni (2001, p. 60) já declara “A eficácia do uso das TICs vai

depender mais da concepção dos cursos e estratégias do que das características e

potencialidades destas ferramentas”.

Aprofundando a análise anterior, a questão que inquieta é justamente a velocidade que

evoluem tanto a questão pedagógica quanto a tecnológica. Lévy (2005) enfatizou que a

grande velocidade das inovações tecnológicas, as decorrentes mudanças no mundo do

trabalho e a proliferação de novos conhecimentos acabam por indagar e desafiar os

modelos tradicionais que enaltecem a pedagogia da transmissão de saberes. Assim, é

nítida a rapidez na evolução dos recursos tecnológicos, novos sistemas informatizados,

novos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), explosão de sites, e de novas redes

sociais. Agora, como estão as inovações nas práticas pedagógicas de cursos a distância?

À luz de seus estudos, Belloni (2001, p.64) ratifica a necessidade de se criar um

planejamento pedagógico de cursos a distância diferenciado, não linear que otimize o

uso dos recursos tecnológicos no processo de aprendizagem de forma mais

individualizada. Logo, o entendimento e aceitação do espaço virtual como

contraposição as práticas pedagógicas tradicionais, indicam para diminuição ou

atenuação das restrições existentes na questão da interatividade e da informação, uma

vez que nestes espaços tradicionais observamos a marca de programas e currículos

definidos e fechados, com calendários não flexíveis, e limitações que atingem as

condições físicas e mentais dos educandos. (Kensi, 2002). O uso dos moldes de cursos

fechados é ainda muito usual, mas para se adequar à rapidez tanto da evolução

tecnológica quanto da evolução das necessidades nos cursistas potenciais, é

fundamental a mudança nos cerne dos pilares educacionais, privilegiando um

aprendizado mais autônomo e colaborativo.

A prática pedagógica é uma atividade que se apoia em teoria, em vivências e mediações

buscando transformações dos indivíduos, e por consequência da sociedade. Esse é o

alvo da educação quer seja ela a distância ou presencial, modificar as pessoas, já

declarava Freire (1981), para que elas crescem, e se desenvolvam socialmente.

Indo ao encontro desta reflexão Belloni (2001) também afirma que as tecnologias

possuem potencial para permitir essas mudanças nos indivíduos. Contudo, cabe aos

envolvidos na educação: tutores, professores, designers, conteudista e discentes

perceberem a educação pelo prisma da interação e construção, onde o discente não é

passivo, onde educador não é o “sabe-tudo”, o detentor da verdade; mas sim o

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mediador, que através de vários recursos, incluindo os tecnológicos, irá fomentar

atividades sociais e colaborativas entre os participantes dos cursos a distância.

Nesta perspectiva, as ações pedagógicas norteadas pelo pensamento sócio interacionista,

vão ao encontro deste alvo de mudanças, interligando as pessoas através do diálogo, da

troca, da socialização e compartilhamento dos saberes individuais, se entrelaçando e

formando, como afirma Lévy (2005) numa rede de inteligências coletivas.

Ainda sobre essa mudança, Lévy (2005, p.172) declara que:

Não se trata de utilizar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de

acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que

questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura

dos sistemas educacionais tradicionais e, sobretudo, os papéis do professor e

do aluno.

Aguerrondo (2004) pactua com a declaração acima, afirmando que:

Uma coisa é o artefato tecnológico: o computador, o vídeo etc. A outra é o

pensamento tecnológico, que requer o artefato, mas existe de modo

independente. O pensamento tecnológico é a capacidade de pensar um

problema, delineá-lo, armar um projeto para resolvê-lo, buscar os materiais

necessários e conseguir solucioná-lo. O fundamental no sistema educativo é

desenvolver o pensamento tecnológico, para aplicar o conhecimento na

prática. Não é simplesmente por ter um computador que a escola e as aulas

deixam de ser ultrapassadas.

Portanto, o uso das TICs requer pensamento tecnológico, que transcende ao uso da

técnica, adentrando para os links e relações que a tecnologia pode propiciar. Esse

pensamento tecnológico está relacionado à nova percepção frente às mudanças citadas

na introdução deste artigo: globalização, multiculturalidade e a fluidez das informações.

A prática pedagógica tradicional usa (va) a tecnologia para transferir o conhecimento e

muitas vezes para manipular as massas, como citamos no capítulo anterior na década de

30 no Brasil. A educação bancária, aquela que segundo Freire (1981) percebe o

educando como alguém vazio desprovido de conhecimento, via na tecnologia a

ferramenta de reprodução e dominação, através de ideologias e paradigmas disfarçados

de cultura. Contudo, na mudança, defendida por Lévy (2005), a tecnologia apresenta sua

outra faceta: a possibilidade da discussão, do descortinamento, da quebra de

preconceitos. Em função disto, o papel da tecnologia se amplia, e com ela se amplia as

oportunidades para inovação e o aprendizado.

2 AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM - AVA

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No ensino presencial é dentro do ambiente físico da sala de aula que grande parte das

práticas pedagógicas são realizadas. Quando transpomos para a EAD, o ambiente torna-

se algo já não tão limitante, e sim mais expansivo que permite as trocas e relações,

transcendendo à questão espacial e temporal, característica típica do aspecto virtual.

Lévy (2004) em seu livro “O que é virtual” nos esclarece que o virtual não se opõe ao

real e sim ao atual. Virtual é o que existe em potencial e não em ato. Citando o exemplo

da árvore e da semente, Lévy (2004) explica que toda semente é potencialmente uma

árvore, ou seja, não existe em ato, mas existe em potência. Nem tudo que é virtual

necessariamente se atualizará. Neste caso da semente, se um pássaro a comer jamais

poderá ser árvore um dia.

Com base nestas reflexões, podemos afirmar que um ambiente virtual de aprendizagem

é um espaço fecundo para as práticas pedagógicas que envolvam seres humanos, objetos

e relações que se permitam interagir potencialmente em prol da construção dos saberes.

Segundo Silva (2003), um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) é um conjunto de

interfaces, ferramentas e estruturas decisivas para a construção da interatividade da

aprendizagem. Convergindo com essa linha pensamento, Alves e Brito (2005)

concebem um AVA como mais do que um simples espaço para publicação de material,

mas como um espaço virtual onde todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino

aprendizagem podem se relacionar e estimular atividades de interação, de comunicação

e de discussão colaborativa.

A interação num ambiente virtual de aprendizagem é fundamental para que alunos

possam organizar suas ideais, compartilhar suas experiências e conhecimentos,

tornando-se sujeitos autônomos de sua aprendizagem. Não pode haver discussão se não

houver um espaço para tal ação e se não houver debatedores. Para que isso ocorra, a

qualidade do processo educativo depende do envolvimento de todos os aprendizes, da

proposta pedagógica, dos materiais veiculados, da estrutura e da qualidade dos

profissionais, assim como das ferramentas tecnológicas utilizadas.

Em termos conceituais, “Os AVAs consistem em mídias que utilizam o ciberespaço

para veicular conteúdos e permitir a interação entre os atores do processo educativo”

(PEREIRA, 2007, p.4). Para melhor elucidar a citação acima, se faz pertinente

comentarmos sobre esse conceito de ciberespaço.

De acordo com Lévy (2005), o ciberespaço é o novo meio de comunicação que advém

da interconexão mundial de computadores. O termo expressa não só a infraestrutura

material; mas também o universo de informações que ele comporta e os seres humanos

que navegam e alimentam esse universo, assim como todo o sistema de comunicações

eletrônicas destinadas à digitalização. Com a chegada do ciberespaço, Lévy (2005, p.

44) aponta que “o computador não é mais o centro e sim um nó, um terminal, um

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componente da rede universal e calculante” e complementa ainda que com o advento do

ciberespaço, o saber se articula à nova perspectiva de educação, em função das

diferentes formas de se construir o conhecimento e dos novos estilos de aprendizagem

(visual, auditiva, associativa...) e da emergência do compartilhamento das inteligências

coletivas.

Entendendo o AVA de maneira holística, a própria internet pode ser vista como o mais

amplo dos ambientes virtuais que permite esse compartilhamento. Nesta abordagem, o

ciberespaço pode ser entendido como um grande ferramental tecnológico, onde as

interações são utilizadas como ambientes de aprendizagem e podem promover a

construção do conhecimento.

O desenvolvimento do ambiente Moodle foi norteado por uma filosofia de

aprendizagem – a teoria sócio construtivista – que defende a construção de ideias e

conhecimentos em grupos sociais de forma colaborativa, uns para com os outros,

criando assim uma cultura de compartilhamento de significados. (ROCHA, 2007). O

Moodle foi criado em 2001 pelo educador e cientista computacional Martin Dougiamas.

Seu código é aberto e por isso ele é gratuito. Pode ser instalado em diversos ambientes

(Unix, Linux, Windows...).

As ferramentas mais comuns encontradas em um AVA, e também no Moodle são,

segundo Rocha (2007), fórum, chat, diário, lição, acompanhamento e avaliação de

alunos, relatórios de acesso, tarefa (envio de arquivo único), glossário, wiki. De forma

sucinta, apresentaremos, com base em Rocha (2007), cada uma destas ferramentas,

deixando claro que suas potencialidades variam conforme a necessidade de cada

aprendiz.

O Fórum é um recurso de interação coletiva assíncrona, isto é, os debatedores podem

estar em tempos diferentes discutindo questões relacionadas a temas levantados

geralmente pelo professor ou tutor de determinada disciplina. Permitem que os

participantes concordem, discordem uns dos outros, inserindo novos tópicos de

discussão, ou simplesmente respondendo as opiniões já registradas.

O chat é a ferramenta onde os participantes, de forma síncrona (ao mesmo tempo) e por

escrito conseguem se comunicar com data e hora pré-definidos pelo tutor ou professor.

Pode ser aplicada para toda uma turma, ou separado em grupos, caso o número de

debatedores seja muito expressivo e dificulte a interação.

Já o diário, permite ao discente realizar anotações e registros sobre qualquer assunto e

como o próprio nome sugere, sua função é similar a um diário tradicional. O outro

recurso, a lição, exibe conteúdo de uma maneira flexível e interessante, baseada em

ramificações e rotas de acesso. Consiste num número de páginas que pode ao final

conter uma questão, redirecionando o aluno pelo conteúdo disponibilizado.

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O acompanhamento e avaliação dos alunos são os recursos utilizados pelos professores

e tutores para emitir os feedbacks e registrar os conceitos ou notas sobre as atividades.

Os relatórios de acesso visualizam quem está acessando o ambiente, o tempo utilizado,

bem como todas as movimentações.

A tarefa é o recurso que requer do aluno o envio de um arquivo (exemplo: arquivo de

texto, arquivo zipado, planilha, etc). A partir do arquivo, o professor avalia e escreve

um feedback, atribuindo nota para o aluno. Quando o feedback é gravado, o aluno

recebe uma mensagem para que possa ver sua avaliação da tarefa no ambiente. Ao

cadastrar uma tarefa, o professor pode configurar uma data máxima de envio. A data de

envio e o eventual atraso podem ser vistos facilmente pelo professor no momento de dar

o feedback.

A ferramenta do glossário permite aos participantes de um curso em EAD criar um

dicionário de termos relacionados com a determinada disciplina, inserindo além dos

conceitos teóricos imagens e links. Já o Wiki é o meio pelo qual ocorre a construção de

textos colaborativos, onde cada aprendiz faz sua redação sendo permitido que seus

colegas acrescentem, retirem, aperfeiçoem o texto tanto em seu conteúdo quanto em seu

formato. No Wiki há o relatório que registra todas as movimentações, a fim de registrar

a participação dos discentes em cada parte do texto.

Todos esses recursos, aliados as ferramentas audiovisuais, web aulas, web conferências,

vídeos, hipertextos, correio eletrônico, cd´s, e-books, cadernos pedagógicos, material

impresso viabilizam a comunicação assíncrona e síncrona, possibilitando a criação de

diversas estratégias de simulação que favorecem o diálogo e a participação ativa dos

aprendizes, como defende Sartori e Roesler (2005). Nesta mesma direção, o modelo

digital, segundo o Lévy (2004, p.23) “não é lido ou interpretado como um texto

clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa e dialógica”. O conhecimento

por simulação não se assemelha ao teórico nem ao prático, ele cria um ambiente que

simula a atividade intelectual antes da exposição racional, ou seja, o reflexo mental, a

imaginação.

O uso de todas essas tecnologias desde a impressa à digital contribui com o processo de

ensino-aprendizagem tanto na direção de promover a acessibilidade e a construção dos

saberes quanto pelas diferentes modalidades de linguagem que oferecem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Romper com os paradigmas de uma educação tradicional, integralmente presencial não

é tarefa fácil. Não temos todas as respostas para o equilíbrio entre as tecnologias e as

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práticas pedagógicas, mas buscamos incitar neste artigo questões, dúvidas sobre o

universo que circundam essa relação.

As tecnologias da informação e da comunicação são os meios pelos quais as práticas

pedagógicas podem se utilizar para aproximar ensino e aprendizado. O compromisso

ético daquele que educa a distância é o de desenvolver materiais, ideias, projetos

capazes de livrar o cidadão da massificação, mesmo quando dirigido a grandes

contingentes. Para isso, é preciso ter como foco a aprendizagem constante e superar a

racionalidade tecnológica que valoriza meios em detrimento dos fins.

A superação da racionalidade tecnológica, todavia, exige domínio das linguagens e

tecnologias e, sobretudo, abertura para a mudança de modelos, no que diz respeito a

aspectos culturais, pedagógicos, operacionais, jurídicos, financeiros, de gestão e de

formação dos profissionais envolvidos com a preparação e implementação de cursos a

distância.

Os recursos tecnológicos possibilitam a descentralização do trabalho pedagógico. Não

cabe apenas ao professor transmitir conhecimentos através das tecnologias e ao aluno

absorvê-los de maneira passiva. Face o exposto, Lévy (2005) já declarava que reformas

na educação são necessárias e uma delas diz respeito à potencialidade da educação a

distância “hipermidiática” para formar um estilo de pedagogia em que o professor é

incentivado a animar o intelecto de seus alunos, ao invés de se restringir ao papel de

fornecedor direto de informações.

A realização colaborativa de atividades num AVA é muito importante no processo de

aprendizagem. Assim, viabilizar e facilitar a participação e o intercâmbio entre alunos,

através das TICs, para debater opiniões e ideias sobre os vários temas estudados, amplia

de modo significativo as chances de crescimento não só do discente, mas também do

docente e de toda a estrutura que serve de cenário para o aprendizado.

É importante ressaltar que os ambientes virtuais de aprendizagem por mais que

ofereçam diversos recursos tecnológicos que propiciem a cooperação e interação, não

irão isoladamente conseguir que os cursistas construam seus conhecimentos, se não

tiverem a mediação pedagógica, mesmo que no nível instrucional. Obter ferramentas

tecnológicas interativas é tão fundamental; quanto ter sujeitos que antes, ou pelo menos,

paralelo a seu domínio, tenham intrinsicamente a intenção pedagógica e a capacidade de

aprender sempre, haja vista que tudo é mutável e passível de evolução constante.

Fomentar práticas pedagógicas dialógicas na EAD que permitam se reavaliar a cada

etapa do processo, buscando transparência, diversidade de linguagem e de tecnologia, e

pesquisa constante, requer tempo, organização, políticas públicas de incentivo e um

olhar de estranhamento que possibilite crescimento.

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Tecnologia e Educação caminham entrelaçadas como se fosse o trilho de um trem,

devidamente ajustadas, sujeitas a modificações e manutenções constantes para que não

enferrujem e sofram com o desgaste do tempo. Mas esse mesmo tempo que corrói

também é o mesmo tempo que possibilita as inovações pedagógicas, tecnológicas, bem

como as mudanças nas pessoas e na sociedade!

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*Professora do Centro Universitário de São José - USJ em SC no curso de Pedagogia na disciplina de

Estágio do Ensino Fundamental, bem como orientadora de TCC. Tutora a distância no curso de

Pedagogia da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Tutora Presencial no Curso de

Administração da Universidade do norte do Paraná –UNOPAR. Professora da Faculdade SENAC

ministrando diversas disciplinas na área de humanas: metodologia científica, relações humanas, liderança,

comunicação. Autora de três artigos na área da educação.