As revoluções do século XX

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AS REVOLUES DO SCULO XX Nahuel Moreno, 1984 Publicado em 1989 pela Cmara dos Deputados do Brasil, sob responsabilidade do Dep. Federal Ernesto Gradella.

ApresentaoO texto que estamos publicando com o ttulo de As Revolues do Sculo XX foi um resumo preparado rapidamente por Nahuel Moreno, em janeiro de 1984, como material de estudo para os cursos de quadros do MAS argentino. Como introduo ao tema, publicamos um texto sob o ttulo de Conceitos bsicos de materialismo histrico que teve a mesma origem e destinao que o anterior.

CONCEITOS BSICOS DE MATERIALISMO HISTRICOAt meados do sculo passado, no existia nenhuma descrio nem explicao cientfica de como haviam sido as diversas sociedades que se sucederam no passado da humanidade, nem de como funcionava a sociedade daquela poca, o capitalismo, nem de como foi ocorrendo a mudana, a passagem de uma sociedade a outra, como foi se produzindo o progresso da humanidade. As principais interpretaes giram em torno de que tudo era obra e vontade de Deus, ou produto de alguma raa ou nacionalidade privilegiada, ou da ao genial dos grandes homens, ou ainda da evoluo das idias. A partir da dcada de 1840, Karl Marx, junto com Friedrich Engels, do a primeira interpretao materialista e cientfica da histria da humanidade e das diversas sociedades que nela se sucederam. Anos depois, em seu livro Do socialismo utpico ao socialismo cientfico, Engels explicava que o socialismo se tornou uma cincia a partir das duas maiores descobertas de Marx, a concepo materialista da histria e o mecanismo de funcionamento da sociedade capitalista. Vejamos rapidamente como encaramos a sociedade humana a partir da concepo materialista da histria.

Infraestrutura ou fora produtivaA primeira afirmao de Marx que o aspecto fundamental de toda sociedade passa pela relao que os homens estabelecem com a natureza para produzir, como seu trabalho produtivo (se caam e pescam, ou cultivam a terra, ou instalam gigantescas fbricas e usinas nucleares). Cada espcie animal - salvo o homem - utiliza sempre os mesmos meios para sobreviver, tem sempre a mesma relao com o meio ambiente (ou, no mximo, tem um campo de adaptao muito limitado). A espcie humana, pelo contrrio, trabalha sobre a natureza, arrancando-lhe mais e melhores matrias primas e fontes de energia, desenvolvendo mais e melhores ferramentas e tcnicas para produzir mais e mais riquezas. A esta relao entre os homens e a natureza denominamos infraestrutura, ou meios de produo, ou foras produtivas. Para arrancar da natureza suas riquezas, para explora-la mais e melhor, o homem, com seu trabalho, dispe das mais diversas matrias primas, que s ele descobre e explora, e das diversas tcnicas e ferramentas que s ele cria desenvolve e aperfeioa. O desenvolvimento das foras produtivas, que sinnimo de avano no desenvolvimento da sociedade, se d por mudanas em alguns destes elementos, fundamentalmente nas ferramentas e nas tcnicas. Mas, de qualquer modo, para o marxismo, a mais Importante fora produtiva o prprio homem, j que quem cria e move as ferramentas, desenvolve a tcnica e trabalha as matrias primas. O desenvolvimento das foras produtivas o principal motor do avano histrica Veremos depois, com o esboo histrico, quais as mudanas no desenvolvimento das foras produtivas que esto ligadas ao surgimento de cada tipo de sociedade. Mas podemos tomar como exemplo a passagem do artesanato manufatura, no sculo XVIII. Os capitalistas manufatureiros fizeram uma mudana na tcnica: com as mesmas matrias primas e ferramentas que os artesos usavam individualmente, agruparam operrios em grandes oficinas, onde cada grupo fazia uma parte da produo total, que at ento era feita por cada arteso. Com essa mudana, conseguiram um grande aumento da produo e abriram caminho para o surgimento da mquina-ferramenta e da grande indstria, entre fins do sculo XVIII e comeo do XIX. Depois, por exemplo, j neste sculo, a indstria txtil deu um salto colossal mudando uma matria prima, quando se comeou a usar as fibras sintticas (nylon e outras). Por serem mais fortes que a fibra animal ou vegetal, essas fibras permitiam que a mesma mquina trabalhasse a uma velocidade muitssimo maior. Assim como as diferenas entre os diversos tipos de sociedades se explicam pelo diferente desenvolvimento das foras produtivas, dentro de nosso mundo capitalista-imperialista ocorre algo semelhante, em relao s diferenas

entre os pases. Os Estados Unidos so os pases do mundo com o maior desenvolvimento das foras produtivas. por essa razo que, por exemplo, os Estados Unidos conseguiram tantos prmios Nobel e o Paraguai nenhum (e muito difcil que algum dia o consiga). No que os norte-americanos sejam uma raa de gnios, mas que se apiam sobre um maior desenvolvimento das foras produtivas.A Argentina hoje um pas totalmente decadente, ao passo que h tempos ocupou o quinto lugar entre os pases do mundo. Por isso tinha uma participao destacada nas olimpadas. Agora h anos no consegue nem um prmio de consolao. Existe um pas onde ocorreu o contrrio: Cuba. Enquanto antes da revoluo no conseguiam nada, faz anos que os cubanos ganham muitas medalhas, embora continuem atrs dos Estados Unidos, URSS, Alemanha e outros grandes pases.

Estrutura ou relaes de produoA segunda categoria fundamental interna sociedade, a relao dos homens entre si, para produzir e distribuir os produtos. Se a infraestrutura a relao homem-natureza, externa sociedade, esta a relao homemhomem, dentro da economia da sociedade. Hoje em dia, podemos perceber, primeira vista, que h diferenas muito grandes entre os homens com relao ao trabalho. H os que trabalham como bestas de carga, nas fbricas, nas usinas, nas minas, etc. So os operrios que trabalham na manufatura ou indstria . H os lavradores, que trabalham a terra, e os latifundirios que no fazem nada, so parasitas que vivem de arrendar a terra. H o industrial que dirige ou dono da fbrica; o comerciante, que dirige o intercmbio dos produtos, das mercadorias. H o financista, o banqueiro, que dirige o movimento do dinheiro e vive de emprestar esse dinheiro. E h os que vivem margem das classes, que se arranjam como podem, os marginais ou lumpem-proletrios. Tudo o que acabamos de enumerar descreve situaes diferentes com relao produo e distribuio. Aos homens que tm uma mesma relao com a propriedade do aparato produtivo e seus produtos, chamamos de classes sociais (ou setores de classes). Nas sociedades de classe existe a propriedade privada dos meios de produo. A burguesia dona dos meios de produo e de troca (as fbricas, as usinas, o dinheiro, os transportes, etc), os latifundirios so donos das terras e das minas. Burgueses e latifundirios, pelo direito de herana, passam suas propriedades a seus descendentes. Os operrios no tm propriedade, e so obrigados a trabalhar para os capitalistas, para obter um salrio com que sobreviver. A burguesia e o proletariado so as classes fundamentais e antagnicas da sociedade capitalista. Tambm existem os latifundirios, os pequenos proprietrios, o lumpem-proletariado. Contraditoriamente, apesar desta categoria de classe social ser bsica para toda a concepo de Marx, ele nunca a definiu nem a desenvolveu com preciso. Por exemplo, no Manifesto Comunista, que um dos primeiros textos onde Marx sustenta e desenvolve que a histria da humanidade a histria da luta de classes, no h nenhuma definio do que uma classe social. Quarenta anos depois, em uma das tantas reedies do Manifesto, Engels acrescentou uma nota onde diz: Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietrios dos meios de produo socia4 que empregam o trabalho assalariado. Por proletrios entende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de produo prprios, se vem obrigados a vender sua fora de trabalho.

A discusso sobre a moderna classe mdiaTrotsky assinalou a existncia da nova classe mdia, caracterstica da poca imperialista. Esta preciso necessria pode trazer confuso, se a interpretarmos como um desenvolvimento uma continuidade artificial da antiga pequena burguesia, e no como um novo fenmeno. A moderna classe mdia se compe, no de pequenos proprietrias independentes (tal como era na poca de Marx), mas de assalariados: os bancrios; os comercirios; os professores; os mdicos, advogados, arquitetos e engenheiros que trabalham como empregados de grandes clnicas ou empresas construtoras; os tcnicos e empregados da publicidade, diverses e meios de comunicao (rdios, TV, cinema, teatro, etc) e assim por diante. A existncia desta importante massa de populao, que assalariada sem ser operria industrial, e que para ns a moderna classe mdia, nos coloca o problema da definio de Marx. Marx, em O Capital, embora no tenha desenvolvido exaustivamente o conceito utilizava, como critrio para definir o proletariado, o de assalariado. Este enfoque nos parece correto porque estava associado a uma determinada relao com a produo: que no eram donos dos meios de produo e que vendiam sua fora de trabalho, produzindo mais-valia.E por outro lado, do ponto de vista da sociedade de sua poca, o carter de assalariado era praticamente sinnimo de operrio industrial, pois quase no existiam assalariados que no fossem operrios (da indstria, da manufatura, do campo). A antiga pequena burguesia era integrada fundamentalmente pelos pequenos proprietrios urbanos ou rurais.

SuperestruturaA terceira categoria a mais discutida, a que provocou e provoca maiores polmicas e a que menos foi trabalhada e definida por Marx, embora tenha sido seu descobridor. Aclaremos que, de qualquer maneira, em que pesem todas essas limitaes, hoje em dia quase no h socilogo srio - marxista ou no - que no aceite a existncia da superestrutura. O que descobriu Marx? Que, acima dessa estrutura econmica, organizada em torno da produo e da distribuio, existia outra srie de fenmenos da vida social que eram diferentes, que no entravam na infraestrutura nem na estrutura, e os denominou superestrutura. Em primeiro lugar, as Instituies, como o estado, a polcia, o exrcito, a igreja, a escola, o parlamento, e poderamos agregar os partidos polticos, os sindicatos, etc. As instituies foram aparecendo medida que a humanidade foi avanando, que surgiu a explorao e que a vida social foi se complicando e desenvolvendo cada vez mais. Grupos de homens foram se especializando em atividades no-econmicas, no-produtivas, destinadas a administrar, j no a irrigao das plantaes ou a armazenagem de gros, mas os prprios homens. E esses especialistas comearam a viver de e para essa atividade. Surgiram os especialistas em fazer a guerra, os padres, os professores, os juizes, os polticos. Segundo suas especialidades, esses homens se organizam no exrcito, nas igrejas, na escola, na justia, na polida, nos partidos polticos. A essas organizaes chamamos Instituies. Em segundo lugar, as crenas, as Ideologias ou falsas conscincias, como acreditar em Deus ou na ptria. Evidentemente, nos referimos a crenas sociais, a crenas que so compartilhadas por muita gente. Por exemplo, existem cerca de 800 milhes de catlicos. A maior parte das crenas so falsas, so ideologias ou falsas conscincias, e habitual incute so um entrave para o desenvolvimento, o avano da humanidade. Por exemplo, a ideologia da colaborao de classes um entrave para a luta dos trabalhadores. Mas tambm conhecemos crenas falsas que foram teis, em determinados momentos para a luta de classes. Durante milhares de anos a luta de classes se fez em base a crenas religiosas. Na Idade Mdia houve terrveis guerras civis entre os senhores feudais e correntes camponesas comunistas. Embora ambos os setores citassem a Bblia e dissessem lutar por questes religiosas, na realidade lutavam por interesses sociais antagnicos. A Bblia no um chamado ao comunismo, nem nada do gnero mas quando os camponeses tomavam passagens bblicas para lutar contra os senhores feudais que os exploravam, para defender posies comunistas, igualitrias, essa ideologia tinha um papel positivo. Depois, no sculo XVIII, durante a Revoluo Francesa, se ergueram templos razo, em lugar de templos a Deus, e essa ideologia cumpria um papel positivo, porque os revolucionrios da poca diziam que toda a sociedade deveria estar organizada racionalmente, e que portanto no deveria haver um rei, mas que deviam governar os cidados. No passado, embora todas fossem falsas conscincias, algumas foram episodicamente progressivas. Por isso, o marxista no s constata que a ideologia falsa, mas tambm analisa seu papel em cada momento histrico, para ver se, ainda quando seja falsa, no pode cumprir conjunturalmente um papel progressivo, ao estar alimentando uma luta justa. A partir do sculo passado, quando o proletariado comea a se organizar e surge o marxismo, todas as ideologias passam a ser, em geral, negativas, porque pela primeira vez uma corrente poltica e social passa a se apoiar, a se guiar pela cincia e pelo que ocorre na realidade. Desde ento, as falsas conscincias no passam de entraves para a interpretao cientfica da realidade. As diferentes classes se refletem na superestrutura. H instituies e ideologias prprias da burguesia, dos exploradores, e h as da classe operria. Por exemplo, a CGT, os sindicatos, os partidos operrios reformistas e burocrticos (como o partido comunista ou os partidos social-democratas), os partidos operrios revolucionrios (como o partido bolchevique de Lnin e Trotsky na Rssia, ou o partido que estamos construindo) so superestruturas institucionais da classe operria. A UCR, o Partido Justicialista, o P1, a o parlamento, a justia, a igreja catlica, o governo de Alfonsn e, evidentemente, a polcia co exrcito, so superestruturas burguesas. Se a infraestrutura tem a ver com o desenvolvimento das foras produtivas, com a produo da riqueza social; se a estrutura tem a ver com a organizao da vida econmica da sociedade, com a produo e a distribuio, a superestrutura tem a ver com a organizao e o funcionamento de toda a sociedade, com todas as suas atividades, no apenas a econmica. Nas sociedades baseadas na propriedade privada dos meios de produo,-a classe dos proprietrias (hoje em dia, a burguesia imperialista), a mesma que domina a produo e a distribuio dos produtos (a estrutura), domina tambm a superestrutura. Controla o estado, o exrcito e a polcia, a justia e as demais instituies fundamentais, divulga as diversas falsas conscincias burguesas, para se manter no poder e continuar explorando e oprimindo as demais classes e setores. O governo burgus administra e dita leis que mantenham a ordem a favor dos patres, a polcia reprime e prende os que no as cumprem, e a justia os castiga e os condena priso; Os padres convencem de que as coisas tm que ser assim porque assim Deus quer, e prometem uma vida melhor aos descontentes, mas depois de mortos. Os professores fazem algo parecido aos padres, mas atravs da educao das crianas e jovens para que cumpram o papel que lhes cabe na produo e distribuio, segundo a classe a que pertenam. Padres, professores e, hoje em dia, fundamentalmente os meios de comunicao de massa, em particular o rdio e a

televiso, transmitem populao as idias e as crenas que, a cada momento, os ricos e privilegiados utilizam para se manterem no poder. H milhares de anos diziam: o fara, ou o inca, governam porque descendem de Deus: depois diziam que o rei governava pela vontade de Deus. Hoje em dia explicam que a propriedade privada um direito natural, que todos somos iguais e que trabalhando muito qualquer um pode ficar rico, e assim por diante. Uma das mais colossais tarefas do partido revolucionrio ajudar a erradicar da cabea dos trabalhadores e do povo essas falsas conscincias.

O problema da arte e da cinciaH duas especialidades muito importantes na sociedade humana que no mencionamos e que tambm fazem parte da superestrutura. Estamos nos referindo arte e muito em particular, cincia. Em princpio, nos parece que a cincia, a arte e os esportes surgem ligados diviso natural de tarefas econmicas e gerais que vai se fazendo de modo natural, sem opresso para ningum, porque surgem da melhor utilizao das aptides e caractersticas de cada indivduo ou setor. A sociedade desenvolve no apenas a produo de bens econmicos, mas tambm culturais: conceituais ou do conhecimento (a cincia), e emocionais ou dos sentimentos (a arte). Tambm se desenvolve a produo de atividade para o tempo livre, o esporte, que busca tanto a distrao como o adestramento e aperfeioamento de condies fsicas naturais.

Diferentemente de quase todas as diversas especialidades que enumeramos antes (exrcito, polcia, padres e juizes), que tm a ver diretamente com funes opressoras, a arte, a cincia ou o esporte foram surgindo de forma independente e anterior ao surgimento do estado, quando comearam as funes de administrao violenta dos homens.Essas atividades, embora possam estar a servio da opresso e da explorao, no tm esse objetivo especifico, como o caso das outras instituies que mencionamos, que esto diretamente vinculadas ao estado opressor. Tambm h que se estudar muito bem o papel da educao, da escola.

Quem faz a histria?O marxismo afirma que quem faz a histria no Deus, nem determinadas raas privilegiadas ou homens geniais, nem as idias, e sim a luta de classes. Este ponto de vista hoje aceito por muitos historiadores, socilogos, especialistas dce diferentes temas, mesmo quando no se dizem marxistas. Para o marxismo, a mudana, o progresso da humanidade ou seu retrocesso, se explica pela luta de uma classe contra outra, ou de vrias classes, ou entre diferentes grupos de uma mesma classe. Nesse contexto se situa o papel do indivduo: pode ser muito importante, como chefe, representante ou idelogo, mas de determinados interesses de classe, e o decisivo este ltimo. Com a ideologia religiosa, que pode ser muito importante para uma classe ou setor declame, acontece algo parecido. Por exemplo, a concepo muulmana da vida depois da morte diz que quem morre lutando por sua religio vai direto ao paraso, onde cada homem pode ficar todos os dias com uma mulher virgem diferente. Todos sabemos que os muulmanos quase dominaram o mundo. Conseguiram conquistar quase todo o sul da Europa. O marxismo explica que suas vitrias no se devem a que lutassem como feras para ir rpido ao paraso gozar sua recompensa, e sim a profundas razes sociais e econmicas. Os muulmanos tinham uma localizao geogrfica privilegiada (o Oriente Mdio e norte da frica), intermediria para o comrcio entre a Europa e a sia, o que fez com que se formasse uma burguesia comerciante dinmica, vigorosa, que buscou conquistar todos os portos que lhes permitisse dominar o comrcio entre a Europa e a sia. Ento, os muulmanos lutaram como feras por Maom por essas razes econmicas e sociais e, dentro disso, as idias religiosas os ajudavam, eram uma grande ferramenta em favor dos interesses da burguesia comercial rabe. Alguns historiadores da revoluo francesa haviam comeado a esboar uma interpretao parecida com a de Marx, mas foi ele o primeiro a afirmar categoricamente que a histria de todas a sociedades que existiram at nossos dias a histria da luta de classes (1848- Manifesto Comunista). Este um enfoque novo, revolucionrio, e pedra angular do marxismo. Com o desenvolvimento posterior da investigao histrica, torna-se necessrio esclarecer alguns pontos. J na poca de Marx e Engels, sabia-se que existiu um prolongado perodo da vida humana durante o qual no existiram classes, e hoje sabemos que esse perodo pode haver durado pelo menos um milho de anos. As classes s existem h quatro mil anos, mais ou menos. Teramos que dizer que histria da humanidade a histria do desenvolvimento das foras produtivas e, durante um perodo, da luta de classes. As trs categorias que j vimos (infraestrutura, estrutura e superestrutura) permitem uma classificao das diferentes sociedades. Partindo do desenvolvimento das foras produtivas, fazemos uma primeira grande diviso: o comunismo primitivo e a civilizao, a partir de quando o homem se torna independente da produo de alimentos.

A origem do homem: o comunismo primitivoA primeira forma de organizao social humana, o comeo da histria da humanidade, foi o selvagismo ou selvageria. O desenvolvimento das foras produtivas era mnimo, incipiente. Os primeiros homens viviam da coleta de alimentos, da caa e da pesca. Suas ferramentas eram a lana, o arco e a flecha, as armadilhas e as redes. No havia verdadeira produo, ou seja, transformao da matria prima. Como os primeiros homens tinham que ir atrs do alimento, eram tribos nmades. Existia uma certa diviso natural do trabalho entre homens e mulheres. Estas cuidavam dos filhos e dos afazeres domsticos, e aqueles saam para caar. Em relao estrutura, era uma sociedade igualitria, sem explorao e sem proprietrios, sem classes, que o marxismo denomina comunismo primitivo. Todos trabalhavam segundo suas capacidades e habilidades.A tribo no podia permitir que nenhum dos seus membros ficasse sem trabalhar, porque condenaria fome todos os outros. Havia um esboo de superestrutura: as crenas religiosas e os feiticeiros. O melhor caador ou guerreiro era o chefe ou cacique. Mas trabalhava igual aos outros e era trocado sempre que sua tribo considerava necessrio. Surge a linguagem, mas apenas oral. A segunda etapa do comunismo primitivo que se conhece a barbrie. Nasceu como conseqncia de uma revoluo no desenvolvimento das foras produtivas: se comea a produzir alimentos, em vez de colet-los, calos ou pesc-los. Comeou-se a cultivar cereais e a domesticar animais. Isto mudou completamente a vida. Embora no se tenha superado a fome, a alimentao se tornou mais segura, porque deixou de depender do acaso. Os povos deixaram de ser nmades, porque j no precisavam mover-se constantemente perseguindo a caa, e ficavam amarrados lavoura ou ao rebanho: uma pequena horta ao lado da cabana, onde tambm ficavam as vacas ou os porcos domesticados. O cultivo se fazia com mtodos multo rudimentares, apenas raspando o solo. Apareceram as aldeias, que eram muito pequenas. A populao se tornou estvel. Outros avanos na infraestrutura foram o descobrimento da roda, o fogo, os tecidos e a metalurgia. Do ponto de vista da estrutura e da superestrutura, a barbrie essencialmente igual ao selvagismo. Continuou sendo uma sociedade igualitria, na qual a diviso das tarefas se fazia de maneira natural, com uma superestrutura funcional muito elementar, onde o mais capaz para determinada atividade ocupava o posto de chefe, e podia ser mudado a qualquer momento pela assemblia da tribo. Ao nvel que lhes permitiram os conhecimentos da poca, e baseando-se fundamentalmente no livro de Morgan A Sociedade Primitiva, publicado em 1877, Marx e Engels estudaram os estgios do selvagismo e da barbrie e, depois da morte de Marx, Engels uniu suas concluses no livro A Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado, que foi publicado em 1884. Para ns, pode ser familiar a meno de algumas populaes comunistas primitivas, como os peles-vermelhas, que habitavam o territrio da Amrica do Norte, ou as tribos que habitavam o territrio sul-americano: os pampas, os araucanos, os querandis, os charruas (no Uruguai) etc. A campanha do deserto que o general Roca encabeou no sculo passado tinha como objetivo terminar de exterminar as tribos comunistas que ainda subsistiam, para tomar-lhes as terras. Como j dissemos as pesquisas mais recentes situam o surgimento do primeiro homem h aproximadamente um milho de anos. Isto quer dizer que o comunismo primitivo de longe o maior perodo histrico por que passou a humanidade ( um milho de anos de igualdade contra oito mil de explorao e trs ou quatro anil de proprietrios privados).

O surgimento da civilizao e da explorao: a sociedade asiticaFaz aproximadamente oito mil anos que se produziu a maior revoluo das foras produtivas, anterior revoluo girada pelo capitalismo: a inveno da agricultura de Irrigao. Foi uma revoluo to. gigantesca, que abriu toda uma poca ou perodo histrico novo para a humanidade, infinitamente superior ao comunismo primitivo, e do qual ainda no samos: a explorao do homem pelo homem Quando o homem comea a utilizar as guas dos grandes rios (o Nilo, no Egito, por exemplo), para a agricultura de irrigao, se comea a produzir muitssimo mais, aproximadamente trs ou quatro vezes mais do que cada habitante necessitava para sobreviver. Assim aparece pela primeira vez um excedente na produo de toda a sociedade, que pode ser armazenado para as pocas do ano em que a produo baixa ou para enfrentar as catstrofes. Pela primeira vez surgem povos que podem se defender da fome que sistematicamente atacava os comunistas primitivos. Coma agricultura de irrigao surge a civilizao, quer dizer, as cidades, o comrcio, a escrita e todas as instituies bsicas que hoje conhecemos (estado, exrcito, igreja, escola, etc). Embora para ns, a mais familiar seja a egpcia, por sua proximidade com a Europa e pelos filmes com pirmides e faras, a maior das sociedades asiticas foi a chinesa. Tambm existiram povos que desenvolveram a agricultura de irrigao e deram lugar a grandes civilizaes na ndia, na Mesopotmia ( que se estendia desde o que hoje o Lbano at o Ir ). Na Amrica do Sul se desenvolveram povos que cultivavam em degraus os declives frteis das montanhas e

aproveitaram para a irrigao a gua do degelo da neve das altas montanhas o imprio inca. Foram parecidas s grandes civilizaes dos astecas no Mxico e dos maias na Guatemala ainda mais adiantadas que a dos incas. Na estrutura social, um sistema de castas. J no so todos iguais e, embora no predomine propriedade privada nem o direito de herana, surgem setores privilegiados (as castas superiores) que exploram brutalmente os camponeses e os artesos (agrupados nas castas inferiores ). Os privilegiados no so donos das guas, nem das terras e canais, nem das ferramentas (por isso no so classes), mas usufruem de sua situao de burocratas, como administradores da distribuio da gua, e por esse meio, da produo dos outros e da distribuio. Em pequena escala existe o comrcio, e neste se d uma propriedade privada mnima. Mas o comrcio no intenso, j que em geral toda a produo era mais ou menos igual, pois vinha de terras e climas semelhantes, e fornecia portanto produtos semelhantes. Desenvolve-se ento um fino artesanato, que a base do comrcio e que elaborado em grandes oficinas dependentes do estado. Pela primeira vez se d a diferenciao social entre os que trabalham produzem e os que administram o trabalho e a produo alheia. Essa diferenciao se d por um lado, porque h abundncia de comidas, o que permite que exista gente que no produz e come. Mas tambm tem a ver com a soluo de uma necessidade. A irrigao requer juizes que administrem as guas. Quem cultiva trata de fazer com que a gua v para o seu lado. E ento tem que haver um administrador, para evitar que alguns (os mais fortes) fiquem com toda a gua e os demais sem nada. A repartio da gua gera antagonismo, e tem que aparecer algum que a regule, para evitar que esse antagonismo destrua a vida social. Surge ento, pela primeira vez na histria da humanidade, o estado, para administrar as guas e a construo de canais e diques. Sem festejar ou aprovar seu carter totalitrio e explorador, temos que assinalar que, contraditoriamente, o estado cumpria uma funo progressiva, positiva; conseguir a distribuio pacfica das guas, evitando que os camponeses e as aldeias guerreassem entre si para control-las. Na sociedade asitica se desenvolve a superestrutura em seus traos atuais. Surge o estado, os que administram, os que ensinam, os que escrevem, os sacerdotes, os soldados e os policiais. Eles no trabalhavam na terra, nem nas oficinas artesanais, mas obrigavam os outros a trabalhar, e impediam que os camponeses e artesos tivessem armas ou administrassem. medida que aumenta a extenso das terras irrigadas e em conseqncia a populao e a produo, a explorao se intensifica e o estado se torna cada vez mais gigantesco, um aparato imenso, com milhares de burocratas ou funcionrios que controlam milhes de pessoas, administrando os maiores rios do mundo, e encabeados por imperadores onipotentes. Toda a complexa vida social totalitariamente controlada por esse estado burocrtico. Aparentemente, a escrita cumpria uma funo estatal, que era servir contabilidade, coisa que se fazia nos templos e a servio do imperador ou monarca absoluto. Os trs principais segmentos da burocracia asitica so os militares, os burocratas e os sacerdotes. Em seu desenvolvimento, essas sociedades comeam a ter uma importante mo-de-obra ociosa. H grandes construtores e engenheiros que, respondendo s necessidades da produo, constroem grandes canais e diques, mobilizando dezenas de milhares de camponeses que so obrigados a trabalhar gratuitamente. Concludas as obras para a irrigao, ocupam essa mo-de-obra na chamada arte monumentalista, que caracteriza essas civilizaes: enorme, inexpressiva, geralmente geomtrica e praticamente sem nenhuma expresso humana. A grande muralha da China, as pirmides do Egito ou os grandes templos do Sol e da Lua no Mxico so alguns dos mais conhecidos exemplos. H um desenvolvimento importante da cincia, mas emprico: d solues parciais e no se eleva a formular leis gerais. Isto se deve ao escasso desenvolvimento do comrcio, que ser o grande motor para o desenvolvimento da aritmtica, da geometria e das cincias mais abstratas. Mas no campo das aplicaes concretas e mtodos e tcnicas novas se conseguiram avanos espetaculares. A cincia asitica foi formidvel, desde a plvora at a imprensa, passando pela escrita e a soluo de casos concretos do teorema de Pitgoras. Suas numerosas invenes e descobertas preparam o terreno para o surgimento da moderna cincia abstrata, a das leis mais gerais, que se dar com os gregos, como conseqncia do grande desenvolvimento do comrcio do Mediterrneo. Resumindo: Infraestrutura : agricultura de irrigao, construo de diques e canais e um mnimo de comrcio, surgimento das cidades. Estrutura: Castas e embries de classes. Superestrutura j surgem as instituies que caracterizaro as diversas sociedades civilizadas: estado, exrcito, igreja, escola, etc. Arte monumentalista e cincia emprica. Sobre o regime asitico h uma grande discusso, j que, mesmo tendo sido Marx quem o estudou e lhe ps esse nome, o stalinismo tem negado sistematicamente sua existncia. provvel que isto se origine na polmica que se desenvolveu sobre a China, na qual Stlin sustentava que a China era feudal e da conclua a necessidade da revoluo por etapas, da capitulao burguesia, enquanto Trotsky e outros sustentavam que na China o decisivo era a combinao do regime asitico com o capitalismo.

O surgimento da propriedade privada e das classes: o mundo antigo ou escravistaH aproximadamente trs mil anos, ao redor do mar Mediterrneo (sul da Europa, norte da frica e Oriente Mdio), surgiu um novo tipo de sociedade de exploradores, a escravista, cujos mximos expoentes foram as civilizaes grega (cuja cidade principal foi Atenas) e latina (cuja principal cidade foi Roma). Embora nos parea o contrrio, (porque temos uma mentalidade educada no Ocidente, que glorifica a Europa), lembremos que naqueles primeiros tempos as civilizaes mais adiantadas eram as asiticas, em particular a China. A nova sociedade nasceu como produto de dois grandes saltos no desenvolvimento das foras produtivas. O primeiro foi a inveno do arado de metal, que permitiu estender a agricultura s terras secas. Como um arado leve, seus sulcos so pouco profundos e s serve para cultivar terras planas, sem pedras, com as que existem nas margens do mar Mediterrneo. O segundo salto o desenvolvimento da navegao martima, que permitiu o intercmbio das diversas produes que se davam nas margens do Mediterrneo, como produto dos diferentes climas e solos. O trigo da Siclia e do Egito comeou a ser trocado pela uva e pelo vinho da Grcia e da Itlia, e por produtos da metalurgia - primeiro o bronze e depois o ferro e o ao - que comearam a desenvolver-se na Grcia e Oriente Mdio. O desenvolvimento do comrcio deu fundamento para o aparecimento de uma nova relao: a propriedade privada Individual. Comea a aparecer o dono de um negcio, o dono de algumas terras, ou das mercadorias que se trocam. Aparecem tambm homens que so donos de outros homens, que fazem trabalhar como bestas, at morrer: os escravos. At ento, quando nas guerras se faziam prisioneiros, ou os matavam ou os assimilavam como iguais na sociedade. Ao aparecer o escravismo, pela primeira vez os povos derrotados foram transformados em escravos. Com a propriedade privada, o homem adquiriu um novo valor: pode trabalhar para seus senhores, pode ser transformado em escravo, em mais uma propriedade rendosa do senhor. Na estrutura social do mundo antigo, ento, aparecem pela primeira vez as classes, bem diferenciadas: h os proprietrios de terras e escravos, os senhores; h os comerciantes e h os escravos. Aparece tambm, embora em escala muito reduzida, um proletariado: trabalhadores livres que recebiam salrios para trabalhar nas pequenas oficinas de Atenas e Roma. As classes fundamentais so os senhores e os escravos. O senhor proprietrio dos escravos - que no so considerados homens, e sim um tipo especial de ferramenta - e os faz trabalhar at o seu limite fsico, com direito de vida e morte sobre eles. Aristteles, uma das maiores cabeas da humanidade, fazia a seguinte definio da sociedade grega: existem seres humanos, os donos de escravos, e existem ferramentas. As ferramentas se dividem em trs grupos: as falantes, ou seja, os escravos; as semi-falantes, os animais domsticos (que latem, mugem ou relincham); e as mudas, como os instrumentos de cultivo, o martelo, etc. Com o surgimento das classes aparece tambm, e se desenvolve, a luta de classes. Toda a antiguidade atravessada por grandes insurreies de escravos. Tambm h antagonismos de classe entre os donos de escravos e os comerciantes, entre os plebeus e os donos de escravos e os comerciantes. Tambm h guerra entre cidades e inclusive entre naes. Aparecem poderosos contingentes de homens armados, com a finalidade de reprimir sangrentamente as insurreies de escravos e guerrear contra outros povos, para escraviz-los ou coloniz-los. O desenvolvimento do comrcio internacional e de grandes cidades que o monopolizavam originaram os grandes imprios, como o de Alexandre na Grcia, os de Cartago, Roma e Alexandria, que oprimiam inmeros povos. nesta poca que o estado adquire as caractersticas comuns a todas as sociedade de classes: seu surgimento produto do carter irreconcilivel dos interesses de classe, seu trao fundamental so os destacamentos especiais de homens armados e sua funo defender os interesses da classe mais poderosa, da classe dominante. O estado no mundo antigo era um rgo dos donos de escravos e dos grandes imprios. O regime poltico uma democracia oligrquica, na qual tinham direitos de cidado exclusivamente os donos de escravos e os comerciantes. Os plebeus no eram cidados e os escravos no eram considerados homens. Contraditoriamente, essa sociedade de brutal explorao permitiu um grande desenvolvimento da arte e da cincia, dado que os cidados dispunham de todo o seu tempo para o cio especulativo, para pensar ou se divertirem, e esse foi um cio relativamente criativo. Por outro lado o grande desenvolvimento do comrcio possibilitou um grande salto para as matemticas. Na Grcia nasceu a cincia moderna, com a matemtica, a lgica, a medicina e outras. Os gregos fizeram precises na questo do objeto da cincia - o que se estuda - e formularam as primeiras leis do pensamento abstrato. Tambm nasceu na Grcia a arte moderna, em particular o teatro e a escultura. Esta foi essencialmente individualista, refletindo a existncia do homem individual. Tanto a arte como a cincia foram estticas, tambm como produto de que os donos de escravos no eram uma classe dinmica, vigorosa, lanada ao domnio do mundo ou da natureza, mas simplesmente preocupada em gozar a produo que Lhe davam seus escravos. Salvo o discbolo e a vitria alada de Samotrcia, todas as esculturas gregas so estticas. Por isso tambm a cincia era esttica e muito pouco vinculada produo. Em Alexandria, por exemplo, havia um gnio, chamado Hieron, que usava os mtodos da mecnica moderna para fazer brinquedos, e nunca ningum pensou em us-la para melhorar a produo.

O mundo antigo, a sociedade escravista que se desenvolveu ao redor da Grcia e de Roma, entrou num inexorvel processo de decadncia e desintegrao, porque deixou de progredir. Os donos de escravos no tinham interesse em desenvolver a produo, porque viviam luxuosamente da explorao destes. Os comerciantes tampouco tinha interesse em desenvolver a produo, porque viviam da troca dos produtos regionais e se mantinham muito bem com o que ganhavam comerciando produtos das distintas regies sob influ8ncia do imprio. No sculo IV da era crist (ano 313), o Imprio Romano, j em plena decadncia, adotou oficialmente a religio crist. No sculo V deu-se a queda do Imprio Romano do Ocidente, perante o avano das tribos brbaras, e o ano de 476 (queda do ltimo imperador) considerado a data de incio da Idade Mdia.

O FeudalismoO sistema feudal, que corresponde, grosso modo, ao que se denomina a Idade Mdia, se inicia mais ou menos nos sculos IV e V, e comeou a ser superado pelo capitalismo no sculo XV. Nas escolas nos pintam a Idade Mdia como um perodo de total obscuridade e retrocesso na histria da humanidade, mas na realidade foi um perodo complexo, contraditrio, onde inegveis retrocessos se combinaram com grandes avanos no desenvolvimento das foras produtivas. Por um lado, devido invaso dos rabes, se fechou durante sculos o comrcio no Mediterrneo (que, como j vimos, foi um fator muito dinmico para o desenvolvimento das sociedades anteriores); toda a Europa se transformou numa economia agrcola, baseada no auto-abastecimento, e desapareceram as cidades. Mas, ao mesmo tempo, se produziu um grande salto no desenvolvimento das foras produtivas, que permitiu a colonizao de todo o continente europeu. A utilizao do arado de ferro, muito mais pesado, permitiu o cultivo de zonas de bosques e das terras duras do centro e norte da Europa. Tambm houve uru grande avano tcnico: a rotao, ou rodzio dos terrenos cultivados: se temos trs terrenos, deixamos um sem cultivar um ano inteiro, para que recupere sua fertilidade. (fica em pousio), e assim vai se rodando um a um. Esse sistema foi utilizado durante mais de mil anos, at este sculo, quando foram introduzidos os adubos qumicos. Assim como a Argentina foi colonizada no sculo passado, a Europa foi colonizada h apenas mil e poucos anos, durante a Idade Mdia, e graas ao arado de ferro e o cultivo rotativo. As relaes feudais fundamentais foram surgindo ao final do Imprio Romano e se combinaram com o avano das tribos brbaras, o que produziu um acoplamento, uma integrao de duas Civilizaes, o que no tem nada a ver com o quadro que se faz habitualmente das invases dos brbaros. O sistema de servido, caracterstico do feudalismo, surgiu do colonato romano. Devido decadncia do Imprio e falta de produtividade das terras cultivadas pelos escravos, os grandes donos de terras comearam a libert-los, amarrando-os a um pedao de terra que lhes entregavam para que a explorassem e lhes exigiam, em troca dessa liberdade, uma porcentagem da produo. A exigncia fundamental era que o colono no podia abandonar a terra que lhe entregavam. De fato, esse sistema a servido feudal. Essa nova relao de produo foi se estendendo com a colonizao, desde a Itlia e o Sul da Frana para toda a Europa. Surgem novas relaes de produo, uma estrutura diferente. Desaparece a escravido- ou melhor, permanece como fenmeno marginal, domstico - e surgem as relaes de servio: o servo tem que prestar servios para o senhor feudal. O servo pertence terra e no ao senhor feudal. Se o senhor vai para outro lugar e deixa suas terras, ou se as tomam, ou se ele as d de presente a um parente, os camponeses que trabalham essas terras, os servos, no vo com ele, mas ficam com essa terra e trocam de senhor. No escravismo, o explorador dono dos homens e das terras. No feudalismo, dono da terra, com os homens que a trabalham. No escravismo, tudo o que o escravo produz para o seu dono. No feudalismo, se delimita claramente a magnitude da explorao: a dcima parte para a Igreja (o dzimo) e, dos sete dias da semana, um descansa, trs trabalha para o senhor, e trs para ele mesmo. A princpio os senhores feudais foram muito progressivos. Colonizaram as novas terras e, para conseguir que os camponeses os acompanhassem davam muitas liberdades e garantias. Era habitual que firmassem um contrato, onde se comprometiam a defender seus servos, em particular dos ataques armados (o senhor feudal formava ao seu redor uma instituio militar), e os servios que exigiam no eram muitos. medida que foi aumentado a populao e a produo, o feudalismo foi se tornando cada vez mais explorador, mais reacionrio. Na segunda metade e at o final da Idade Mdia a situao dos camponeses era terrvel. Aumentaram de forma selvagem os impostos e servios co senhor feudal tinha todo o tipo de direitos, alguns at de simples caprichos. Por exemplo, todos eram fanticos pela caa, e ento tinham direito de entrar com seus cavalos e seus ces nos campos cultivados para ir atrs da presa, e destruam as plantaes. Os camponeses eram oprimidos por dezenas e dezenas de direitos dos senhores e da Igreja, que era outra grande exploradora e um dos maiores proprietrios de terras. A Frana foi o pas mais feudal e l chegou a haver quase duzentas obrigaes, s vsperas da grande Revoluo Francesa. Na superestrutura, as duas instituies principais eram o estado e a Igreja. O estado era organizado em escales hierrquicos. Primeiro h o cavaleiro ou baro, que domina uma pequena extenso de terra, chamado feudo, onde ele mandava. Um conde ou duque manda em vrios senhores. Um prncipe manda em vrios condes ou duques.

Acima dos prncipes h o rei. Embora alguns tenham sido muito fortes, em geral os reis eram dbeis, porque era uma manobra dos prncipes para que no os dominassem. A igreja crist (que se manteve unida at o sculo XVI) teve uma importncia decisiva, e durante todo um perodo foi um fator de dominao superior aos prprios reis, porque era a instituio que dava unidade ao sistema feudal, j que monopolizava o ensino, o registro civil, quase todas as expresses culturais, a arte e a cincia. De fato, durante um perodo, a Igreja controlava toda a superestrutura, salvo o estado (os nobres e o rei), sobre os quais tambm influa de certa forma, indiretamente. Nas primeiras etapas do feudalismo, a inexistncia de grandes cidades, o desaparecimento do comrcio e o papel da Igreja fizeram com que a populao fosse muito inculta. At mesmo o nobres eram, em sua maioria, analfabetos, como por exemplo o grande imperador Carlos Magno. A arte medieval no comeo era essencialmente rural e girava em torno dos nobres e das igrejas. medida que as cidades foram se desenvolvendo, surgiu uma arte muito mais evoluda, cuja mxima expresso so as grandes catedrais gticas, e tambm a pintura e a escultura do Renascimento. A cincia muito mais atrasada que a do mundo rabe. H um estancamento ou retrocesso, em conseqncia do quase desaparecimento do comrcio. A partir do Renascimento (sculo XV), se comea a traduzir do rabe suas conquistas cientficas, que servem de base para o colossal desenvolvimento das cincias e tcnicas modernas. O restabelecimento das vias de comunicao com o Oriente foi dando lugar ao ressurgimento do comrcio e, em conseqncia, das cidades. Nas cidades, que se chamavam burgos, se concentravam o comrcio e o dinheiro, e os comerciantes e agiotas tomavam muito cuidado em se manterem independentes dos nobres. Os reis volta e meia acudiam s cidades em busca de ajuda, para tomar dinheiro emprestado e ento lhes faziam firmar um compromisso de que respeitariam a autonomia da cidade. Junto aos comerciantes e agiotas se fortaleceram os artesos. O mais importante centro de desenvolvimento artesanal foi a Itlia, em particular em Florncia, e depois nos Pases Baixos (atuais Holanda e Blgica). No seio do feudalismo, entre os sculos XIII e XIV, foram aparecendo esses novos setores sociais, fundamentalmente ligados primeiro ao comrcio e usura, que comeavam a formar uma burguesia comercial e financeira, que recebeu novo impulso medida que se restabeleceu o comrcio com o Mediterrneo. Com o desenvolvimento do comrcio, a burguesia e o artesanato foram se desenvolvendo cada vez mais e entraram em luta. Os artesos tinham organizaes corporativas, com regulamentos muito severos, muito rgidos, que lhes permitiam guardar os segredos do ofcio e viver bem. O grmio dizia: um par de sapatos com tais caractersticas e qualidade se cobra tanto, e todos cumpriam. Isto no convinha burguesia, porque fixavam preos muito altos, e a burguesia queria produtos de preos baixos e produo em larga escala. Os artesos eram pequenos burgueses, proprietrios e muito ricos, uma classe urbana muito forte, e em cada ofcio havia escales hierrquicos muito estritos: se comeava como aprendiz, depois se passava a meio-oficial, a oficial, e alguns finalmente se tornavam mestres. Esse sistema no convinha burguesia que necessitava de mode-obra barata para produzir e ganhar mais. Estabeleceu-se uma luta implacvel, e a burguesia fazia de tudo para roubar os segredos dos artesos. O capitalismo nasceu atacando a estrutura dos grmios e levando matria-prima s casas dos camponeses, para que lhes fizessem parte do trabalho, muito mais barato. A burguesia tambm se chocava com os proprietrios de terras e com a Igreja, porque queria que a terra pudesse ser comprada e vendida Livremente, em vez de ser entregue perpetuamente, por razes de nobreza ou por determinados servios prestados ao monarca. Por outro lado, a existncia dos pequenos feudos era um freio ao desenvolvimento do comrcio interno, e por isso a burguesia lutava pela liquidao dos feudos e pela unidade dos estados nacionais, sem fronteiras internas. No sculo XV a produo capitalista j comea a mudar a fisionomia do mundo feudal, e com o descobrimento da Amrica (1492) e dos demais territrios e vias interocenicas e as grandes descobertas da cincia e da tcnica moderna, esto dadas as condies para que um novo sistema de produo se imponha no mundo todo.

O sistema capitalistaVeremos cate sistema muito brevemente. O capitalismo significou uma revoluo colossal na produo e em todos os aspectos da vida social. O sistema capitalista desenvolveu mais fontes de energia que todos os sistemas anteriores juntos. inesgotvel a lista de descobertas e invenes que revolucionaram constantemente a produo. Atualmente, num s ano se publicam mais livros do que o fez a humanidade em toda a sua histria at o sculo XIX. Os sucessivos avanos no desenvolvimento das foras produtivas marcam a passagem do artesanato manufatura e depois grande indstria. A manufatura foi a liquidao do trabalho artesanal, agrupando muitos trabalhadores num mesmo local de trabalho e especializando cada um deles em uma parte do processo produtivo, com o que se produz muitssimo mais rpido e mais barato do que numa oficina artesanal. Entre 1770 e 1830 se produziu a revoluo industrial, com a introduo da energia a vapor e das mquinas-ferramenta; com isso, teve incio o perodo da grande indstria e a burguesia adquiriu pleno domnio.

Depois continuou a haver avanos colossais, como as novas fontes de energia (a eletricidade, o petrleo, etc.), a inveno do automvel, os tratores, a maquinaria agrcola, os avies, etc. A produo capitalista foi se estendo ao mundo todo e se transformou num sistema mundial. No sculo XX, com a ciberntica, os foguetes, a petroqumica, a eletrnica e outros avanos, se produziu a chamada terceira revoluo industrial. Na estrutura da sociedade capitalista, as duas classes principais e antagnicas so a burguesia e o proletariado. No comeo deste texto j descrevemos as classes e sua relao na sociedade capitalista. Na superestrutura, na primeira etapa, onde se combina o feudalismo como capitalismo, surgem as monarquias absolutas, tambm chamadas de despotismo esclarecido. So regimes muito fortes, que arbitram entre a nobreza e a burguesia, fazendo a esta grandes concesses, sobretudo burguesia financeira, qual os reis deviam muito dinheiro. Essas monarquias absolutas eram uma continuao do sistema feudal. A explorao dos camponeses cada vez pior, mas ao mesmo tempo o monarca ia tomando poder dos senhores feudais, apoiando-se na burguesia. Depois apareceu claramente o estado burgus, com regimes que liquidaram todos os privilgios da nobreza e concederam aos cidados o direito de eleger seus governantes. No sculo XVII se produziu a grande revoluo inglesa, que imps o regime da monarquia parlamentar, que se mantm at hoje. No final do sculo XVIII se produziu a grande revoluo francesa, com a qual surgiu o primeiro regime republicano, a democracia burguesa parlamentar. A arte e a cincia conheceram um desenvolvimento sem precedentes nos sistemas anteriores.

O imperialismoO colossal desenvolvimento das foras produtivas e da riqueza social provocado pelo capitalismo chegou ao seu ponto culminante no sculo XIX. A partir do final do sculo passado, com o surgimento dos monoplios, o capitalismo comeou a transformar-se na sua etapa imperialista. E desde 1914 a existncia da burguesia (dona dos meios de produo e de troca), dos estados burgueses e suas fronteiras nacionais, se transformaram em uma barreira, um freio absoluto para o crescimento. As foras produtivas deixaram de crescer. A primeira Guerra Mundial, com sua seqela de milhes de mortos (uma sangrenta e fabulosa destruio de foras produtivas), foi uma expresso monstruosa da decadncia do capitalismo. A humanidade entrou, no sculo XX, na poca do capitalismo imperialista, na poca de freio e decadncia das foras produtivas, uma poca de crises, guerras e revolues. No desenvolveremos aqui este perodo, j que tema de outra parte do curso. Digamos simplesmente que em 1917 a cadeia de domnio mundial da burguesia imperialista se rompeu em um dos seus elos mais dbeis, o regime czarista na Rssia. Triunfou a primeira revoluo operria, dirigida pelo Partido Bolchevique, surgiu o primeiro estado operrio e se imps o regime da ditadura revolucionria do proletariado de Lenin e Trotsky. Apesar de o estado operrio ter ficado isolado, porque a revoluo mundial no continuou avanando, apesar de ter-se burocratizado e de ter-se imposto o regime contra-revolucionrio de Stlin, as foras produtivas da Rssia, reorganizadas segundo uma economia planificada, a abolio da propriedade privada dos meios de produo, a socializao da produo e da distribuio, tiveram um desenvolvimento espetacular. A Russia atrasada e camponesa comeou a colocar-se entre os primeiros pases do mundo em vrios aspectos da produo, tocando os calcanhares (e superando as vezes) os Estados Unidos e outras grandes potncias imperialistas.

AS REVOLUES DO SCULO XXESTADO, REGIME E GOVERNOA definio precisa do estado, dos regimes polticos e dos governos de importncia decisiva para o partido marxista revolucionrio, porque esse o terreno da ao poltica. O partido quer alcanar uma sociedade sem classes nem explorao, a nvel mundial, para que a humanidade progrida, haja fartura para todos, no haja guerras e se conquiste a plena liberdade. Para conseguir isso, luta para expropriar o imperialismo e os grandes exploradores, acabar com as fronteiras nacionais e conquistar uma economia mundial planificada, a servio das necessidades e do desenvolvimento da espcie humana. Mas o partido no atua diretamente sobre as foras produtivas: no desenvolve novas ferramentas, ou tcnicas, ou setores produtivos. Tambm no pode atuar diretamente sobre a estrutura social: no expropria, por conta prpria a classe capitalista, O partido atua na poltica, na superestrutura. Luta para chegar ao governo e, a partir da, destruir o estado capitalista, ou seja, quer destruir as instituies governamentais burguesas. Quer o poder poltico assumido pelas instituies democrticas da classe operria. Quer construir, em cada pas onde triunfe a revoluo, um catado operrio forte, que ajude a revoluo a triunfar nos demais pases. A partir do governo desse estado operrio, quer

planificar a economia, formando federaes com os outros estados operrios, para fazer avanar as foras produtivas. A partir desse estado operrio, quer revolucionar o sistema social, eliminando a propriedade burguesa dos meios de produo, a nvel nacional, e colocar o estado a servio dessa tarefa, a nvel mundial. E s depois de liquidar a resistncia da classe capitalista no mundo todo, esses estados operrios ou federaes de estados operrios comearo a desaparecer e, com eles, tambm desaparecero o estado e o partido. At ento, os problemas do estado, dos regimes polticos e dos governos so questes essenciais da poltica do partido marxista revolucionrio internacional e nacional, porque nesse terreno que se concentra a atuao do partido revolucionrio e a de seus inimigos: os partidos burgueses., pequeno-burgueses e burocrticos.

O surgimento do estadoAt a revoluo russa, o estado foi sempre o rgo de domnio poltico dos exploradores sobre os explorados. Ao contrrio do que nos ensinam na escola, no algo neutro, imparcial, que protege toda a sociedade, todos os habitantes. O estado defende a classe ou setor que explora o resto da sociedade. Por isso, o elemento mais importante, fundamental, de qualquer estado, so as foras armadas. Sem elas, nenhum setor ou classe exploradora - que sempre minoria - poderia impor sua vontade s classes exploradas, que so sempre maioria. Quando a sociedade humana no estava dividida em exploradores e explorados, no havia estado. Na selvageria e na barbrie, havia diviso de tarefas para as funes ou necessidades no diretamente produtivas. Os feiticeiros administravam as crenas. Os chefes ou caciques dirigiam as guerras. Havia tambm organizaes especificas como, por exemplo, as de jovens ou adolescentes. Na selvageria, essas funes e divises de tarefas eram mais fluidas, ao passo que na barbrie, ao se superar a etapa nmade, com o estabelecimento de aldeias, tornaram-se mais slidas e permanentes. Mas em nenhum caso configuraram instituies de um estado. No uma diviso de trabalho dentro da tribo, propiciando privilgios econmicos, nem permanente. No acontece que uns se dediquem exclusivamente e para sempre a trabalhar, e outros exclusiva e permanentemente a chefiar. Todos trabalham e todos podem chefiar. uma diviso natural do trabalho, relacionada s capacidades individuais. O melhor guerreiro o chefe, mas nem por isso deixa de trabalhar. E esse chefe ser indicado ou substitudo, a qualquer momento, pela assemblia da tribo. O chefe no possui o monoplio das armas; nas assemblias, levam suas lanas todos os homens da tribo. assim porque nessa sociedade no havia explorao, isto , a tribo no se dividia entre uma parte majoritria, que trabalhava, e outra minoritria, que no trabalhava e ficava com o melhor. Existia sim, opresso. Os adultos oprimiam os jovens e crianas. Precisamente por isso trata-se de opresso e no de explorao: quando cresciam eles se libertavam. Tambm existia, em muitos casos, opresso do homem sobre a mulher, e uma diviso natural do trabalho: a mulher cuidava das crianas e o homem guerreava e caava. Por isso as mulheres nunca tinham armas. Mas no existiam castas nem, muito menos, classes. Isto , no existia um setor de homens, mulheres e crianas da tribo que no trabalhava, e outro setor que trabalhava. Por isso mesmo, no existia estado. O estado apareceu h uns seis ou oito mil anos, na sociedade asitica. Em qualquer sociedade, cujo modo de produo se fundamenta na irrigao, aparecem os administradores das guas e seus seguidores armados. Se for bem pequenas, ser um administrador auxiliado por dois guerreiros. Se for muito grande, veremos os enormes aparatos de milhares de funcionrios ou burocratas especializados. Mas em qualquer caso, apresentam um trao distintivo: as armas j no esto nas mos de toda a sociedade, e sim do estado. E as decises no so tomadas por nenhuma assemblia da populao, e sim pelo estado. O estado surge ento, acima de tudo, como a organizao de que se dota uma casta, que aparece pela primeira vez no regime asitico, uma casta especializada na administrao, controle e conduo da vida social: a burocracia. Surgem grupos de homens privilegiados, que monopolizam as tarefas que anteriormente eram feitas pela tribo, democraticarnente. Na tribo se administrava justia, se ensinava e se lutava, com a participao de todos. As armas eram de todos. A partir do surgimento do estado e da sociedade asitica, as castas cumprem essas tarefas. Essas castas organizadas sero as burocracias com suas organizaes, as instituies. Em linhas gerais, essas instituies e burocracias continuaram sendo quase as mesmas ao longo da histria. A burocracia que controla e administra a f do povo so os sacerdotes, organizados na Igreja. A que administra o ensino so os professores; suas instituies so as escolas, colgios e universidades. Os burocratas que defendem o estado dos ataques externos so os militares, organizados nos exrcitos. Os que administram a represso interna so os agentes e oficiais, cuja instituio a polcia. Os que administram a justia so os juzes e seus empregados. Finalmente, h os que administram o prprio estado, cobrando os impostos e cumprindo todas as tarefas necessrias para que o aparato governamental funcione. Na sociedade escravista, ao surgirem as classes sociais, o estado assume o seu carter atual, definido por Marx: o de instrumento para que a classe exploradora imponha sua ditadura sobre as classes exploradas. Continua sendo um aparato conformado por instituies que organizam as diversas burocracias, segundo a funo que cumprem. Mas, agora, j um estado classista, a ferramenta de uma classe social para manter s relaes de propriedade e de produo, ou seja, urna dada estrutura de classes.

Os diversos estadosO carter do estado se define, pois, pela classe exploradora que o utiliza para continuar explorando as outras classes. No pode ser definido pelo desenvolvimento das foras produtivas. A partir destas, podemos nos referir ao mundo mediterrneo (escravismo), economia de auto-abastecimento (feudalismo), s mquinas e a grande indstria (capitalismo). Mas esses termos no servem para definir o estado. Tampouco podemos definir o estado pelas relaes de produo existentes ou predominantes, embora as expresse de forma muito mais direta que ao desenvolvimento das foras produtivas, O capitalismo, como vimos, a forma de produo dominante h 400 anos, mas durante sculos os estados continuaram sendo feudais, com maiores ou menores adaptaes, porque o poder estatal estava nas mos da nobreza que, a partir dele, defendia suas propriedades e privilgios ameaados pela burguesia. O estado se define ento, pela casta ou classe que o utiliza para explorar e oprimir as demais classes e setores. At hoje, se deram cinco espcies de estado: 1)O estado asitico, que defendia a casta burocrtica, com seus faras, e oprimia os agricultores. 2)O estado escravista, que defendia os donos de escravos, e oprimia os escravos. 3)O estado feudal, que defendia os senhores feudais e as propriedades da Igreja, e oprimia os servos. 4)O catado burgus, que defende os capitalistas e oprime os operrios. 5)O estado operrio, no capitalista ou transicional.

O estado operrio ou transicionalEsse ltimo estado, que surge a partir da Revoluo Russa de outubro de 1917, , pela primeira vez, um estado que no serve explorao por parte da classe exploradora dominante no mundo, a burguesia e o imperialismo. Por isso, um estado provisrio, transicional, que precisa avanar at o socialismo no mundo todo, alcanando assim o desaparecimento do estado, ou ento retroceder novamente ao capitalismo. O estado operrio vai existir enquanto continuar havendo burguesia em algum lugar do planeta. Mas, quando o socialismo triunfar no mundo inteiro, quando forem desaparecendo as classes sociais e, com elas, a explorao, no vo ser necessrias foras armadas, nem polcia, nem juzes, nem governo. Isto , no vai ser necessria a sobrevivncia do catado, porque ser o povo, em seu conjunto, a cumprir todas as tarefas de administrao, controle e conduo da sociedade, como fizeram, durante mais de um milho de anos, as tribos primitivas.

Os diferentes tipos de estadoNuma mesma sociedade, existem setores das classes ou castas dominantes que monopolizam o estado durante uma poca, e depois so substitudos por outros setores. O exemplo mais significativo desse fenmeno o atual domnio por parte dos grandes monoplios capitalistas, que substituram a burguesia no-monopolista do sculo passado. Tanto o estado do sculo XIX como o do sculo XX so estados capitalistas. Mas, ao mesmo tempo, so de diferentes setores da burguesia. Por isso, dividimos ou classificamos os estados com base nos setores da classe que dominam em determinada poca. So tipos de estado porque tm a ver com setores sociais, e no com as instituies que governam. Por exemplo, sob uma monarquia burguesa, numa poca o estado pode ser dominado pela burguesia comercial e industrial da livre concorrncia e, noutra etapa, pela burguesia monopolista, ou podem se dar diversas combinaes. Infelizmente, a mesma coisa comeou a ocorrer com os estados operrios: surgem diferentes tipos, de acordo com os setores que os controlam. Se for a maioria da classe operria, atravs de suas organizaes democrticas, um estado operrio. Mas se for controlado pela burocracia, que impem um regime totalitrio, um estado operrio burocratizado.

Os regimes polticosA definio do carter do estado s nos serve para comear a estudar o fenmeno. S responde pergunta: Qual classe ou quais setores de classe tm o poder poltico?. O regime poltico outra categoria, que responde a outra pergunta: Atravs de que instituies governa essa classe em determinado perodo ou etapa?. Isto porque o estado um conjunto de instituies, mas a classe que est no poder no as utiliza sempre da mesma forma para governar, O regime poltico a combinao ou articulao especfica das instituies estatais, utilizada pela classe dominante, ou por um setor dela, para governar. Concretamente, para definir um regime

poltico, devemos responder s perguntas: Qual ta instituio fundamental de governo? Como se articulam com ela as outras instituies estatais?. Os cinco estados que enumeramos passaram, por sua vez, por diferentes regimes polticos. O estado escravista de Roma, muda seu funcionamento trs vezes. Primeiro uma monarquia, com seus reis; depois, uma repblica, e finalmente um imprio, com os imperadores governando. Mas continua sendo sempre um estado escravista. O rei ou o imperador defendem a estrutura social; que os donos de escravos continuem sendo donos de escravos. A repblica tambm, embora nessa caso no haja a autoridade de uma s pessoa, mas sim do Senado, j que neste Senado s votam os donos de escravos e nunca os escravos. O estado burgus deu origem a muitos regimes polticos: monarquia absoluta; monarquia parlamentar, repblicas federativas e unitrias, repblicas com uma s cmara ou com duas (uma de deputados e outra, muito reacionria, de senadores), ditaduras bonapartistas, ditaduras fascistas, etc. Em alguns casos, so regimes com ampla democracia burguesa, que at permitem que os operrios tenham seus partidos legais e com representao parlamentar. Em outros casos, d-se o contrrio, e no existe nenhuma liberdade, nem mesmo para os partidos burgueses. Mas, atravs de todos esses regimes, o estado continua sendo burgus, porque quem continua no poder a burguesia, que utiliza o estado para continuar explorando os operrios. No se deve confundir os diferentes regimes com os diferentes tipos de estado. O estado se define, como vimos, pelas classes ou setores de classe que o dominam. O regime, pelas instituies. A Alemanha nazista e a URSS stalinista tiveram regimes muito parecidos: governo de um s partido, sem a mnima liberdade democrtica e com uma feroz represso. Mas seus tipos de catado so diametralmente opostos: o nazismo o estado dos monoplios mais reacionrios e belicistas; a URSS um estado operrio burocratizado, no capitalista. O mesmo ocorre com as monarquias. Existem monarquias asiticas, escravistas, feudais e capitalistas. Do jeito que esto as coisas, existem governos familiares tambm nos estados operrios: os Castro em Cuba, os Mao na China, os Tito na Iugoslvia, os Ceausescu na Romnia, pai e filha na Bulgria... Chegaremos a ver monarquias operrias? Isto no nega que, s vezes, exista certa coincidncia, mais ou menos generalizada, entre um tipo do estado e o regime. Todo estado operrio burocratizado tende a ser totalitrio. Os estados burgueses dos grandes monoplios tambm tendem ao totalitarismo, que s podem impor quando derrotam, com mtodos de guerra civil, classe

Os governosQuanto aos governos, em troca, so os homens de carne e osso que, em determinado momento, esto cabea do estado e de um regime poltico. Essa categoria responde pergunta: Quem governa?. No a mesma coisa que regime, pois podem mudar muitos governos sem que mude o regime, porque as instituies continuam sendo as mesmas. Nos Estados Unidos, por exemplo, faz dois sculos que h um regime-democrtico burgus, com seu presidente, seu Congresso eleito e seu sistema judicirio. Durante um certo tempo governa o partido Republicado, depois o partido Democrata. Nestes ltimos anos, tivemos o governo Kennedy, Johnson, Nixon, Carter e Reagan (podemos cham-los assim porque, no conjunto de instituies que constituem a democracia burguesa norte-americana, a mais forte a presidencial). Atravs de todos esses governos, o regime no mudou, continuou sendo uma democracia burguesa presidencialista.

O exemplo argentinoNa Argentina, o Processo (ditadura militar) teve trs governos. Podemos cham-los de Videla, de Viola e de Galtieri. Mas seria mais correto dizer que foram os governos de Videla-Massera-Agosti, de Viola-LambruschiniGraffigna e de Galtieri-Anaya-Lami Dozo. Porque a instituio fundamental do regime, isto , do Processo, no era o presidente, mas sim aJunta de Comandantes em Chefe. No entanto, foi sempre o mesmo regime, com as mesmas instituies de governo, articuladas em torno da instituio fundamental que era a Junta. E, obviamente, foi tudo dentro do mesmo estado burgus. Em sntese, o estado que setor social governa, que classe social tem o poder. O regime como governa esta classe, num dado perodo; atravs de quais instituies e articuladas de que forma. O governo quem exerce o poder num dado momento; quais as pessoas, grupos de pessoas ou partidos so a cabea, os que tomam as decises nas instituies do regime e do estado.

REFORMA E REVOLUOAfirmamos que na Argentina, como na Bolvia e no Peru, houve uma revoluo vitoriosa, e alguns companheiros dizem que no assim, com diferentes argumentos.

Alguns sustentam que s h revoluo quando o movimento de massas destri as Foras Armadas de um estado ou de um regime, como ocorreu na Nicargua. Outros definem que h revoluo quando muda o carter do estado, ou seja, quando o poder passa s mos de outra classe, como aconteceu na Rssia em outubro de 1917. Finalmente, outros ainda asseguram que a revoluo se produz quando se expropria a classe dominante, como se deu, por exemplo, em Cuba, mais de um ano depois do triunfo castrista. So trs concepes distintas do que uma revoluo. E logicamente concordamos em que esses trs fenmenos tem que ser chamados de revoluo. Tambm aceitamos, evidentemente, que nenhum desses trs fenmenos aconteceu na Argentina, na Bolvia ou no Peru: no foram destrudas as Foras Armadas da burguesia, nem mudou o carter do estado - que continua sendo burgus - , nem se expropriou a burguesia e o imperialismo. Mas as mudanas que aconteceram na Argentina, na Bolvia e no Peru foram to espetaculares que a teoria precisa explic-las e defini-las. Sem cair numa discusso de palavras, imprescindvel definir teoricamente o que aconteceu nesses pases. Para isso, comearemos por definir o que quer dizer revoluo, e estudaremos como se produzem as mudanas e que tipos de mudanas existem.

Reforma e revoluoReforma e revoluo se produzem em tudo o que existe, pelo menos em tudo o que vivo. Reforma, como o nome indica, significa melhorar, adaptar alguma coisa, para que continue existindo. J revoluo o fim do velho e o surgimento de algo completamente novo, diferente. Tomando como exemplo o desenvolvimento da aeronutica, podemos ver que passou por trs revolues. A primeira foi quando o homem comeou a voar com aparelhos mais leves que o ar, os bales. A segunda foi quando inventou aparelhos mais pesados que o ar, os avies com motor a exploso. A terceira revoluo so os motores de retropropulso, a jato. Por que chamamos de revolues esses trs grandes avanos? Porque cada um deles substancialmente distinto do anterior, e liquida com o anterior. Os avies com motor a exploso acabam com os bales. Os avies a jato acabam com os avies a exploso. Um avio no tem nada a ver com um balo, e um motor a jato no tem nada a ver com um motor a exploso. Porm, entre casas revolues, ocorrem progressos, melhoramentos, ou seja, reformas. O balo de ar quente, que voava para onde o vento soprava e s podia transportar trs ou quatro pessoas, vai sendo melhorado at chegar aos grandes Zeppelins alemes, cheios de gases mais leves que o ar, com motores que lhes pemitia voar para onde quiserem e capazes de transportar dezenas de passageiros. Isso foi uma reforma. Os avies monomotores, biplanos, usados na Primeira Guerra Mundial, s levavam uma ou duas pessoas, podiam subir poucas centenas de metros e tinham escassa autonomia de vo; os ltimos avies com motor a exploso foram os enormes bombardeiros quadrimotores da Segunda Guerra Mundial, que voavam a milhares de metros de altura, levavam toneladas de bombas e tinham grande autonomia, ou os Super Constellation que transportavam mais de cem passageiros, atravessando os oceanos. Tambm foi uma reforma. Outra reforma a que vai desde os primeiros avies a jato alemes, ou os Gloster Meteor usados pelos americanos na Guerra da Coria, que eram pequenos e com velocidades subsnicas, at os caas supersnicos atuais, ou o Concorde. Todos cases avanos foram reformas; porque um Zeppelin continuava sendo um balo; um super Constellation, um avio com motor a exploso, e um Concorde, um avio a jato, embora infinitamente superiores ao primeiro balo, ao monomotor da Primeira Guerra ou aos Messerschmidt a jato alemes da Segunda Guerra. Como toda definio marxista ou cientfica, revoluo e reforma so relativos ao segmento da realidade que estamos estudando, ou seja, ao objeto em relao ao qual aplicamos essas categorias. Se, em vez de estudar a aeronutica, estivermos estudando os meios de transporte em geral, a coisa muda de figura. H vrias revolues. O homem primeiro anda, depois cavalga, ou seja, utiliza os ps ou as patas de animais; depois inventa a roda, que constitui a maior revoluo no transporte, at hoje. Graas roda, desenvolvem-se muitos meios de transporte terrestre: as carroas e carruagens puxadas por cavalos, os trens, os automveis. Por outro lado, o homem navega por diferentes meios o barco, o navio, o transatlntico, impulsionados por diferentes meios de energia. Por fim, voa. Se considerarmos os meios pelos quais o homem se transporta, s h quatro revolues; terra, mar, ar e espao. Em relao a essa classificao, todas as outras mudanas so reformas: roda para a terra, as canoas ou navios para a gua, os bales ou avies para o ar, os foguetes para o espao. Mas se analisarmos, por exemplo, o transporte terrestre em si, todas essas mudanas que mencionamos constituem revolues. Essas categorias de reforma e revoluo aplicam-se tambm no campo histrico-social. Para poder us-las corretamente, no devemos esquecer seu carter relativo. Revoluo em relao a que? Reforma em relao a que? Se nos referimos estrutura da sociedade, s classes sociais, a nica revoluo possvel a expropriao da velha classe dominante pela classe revolucionria. Essa expropriao muda totalmente a sociedade, porque faz desaparecer a classe que at ento dominava a produo e a distribuio, e seu papel assumido por outra classe. Qualquer outro fenmeno uma reforma. Se nos referimos ao estado, a nica revoluo possvel que uma classe destrua o estado da outra; que a expulse e o tome em suas mos, construindo um estado distinto. Tudo o que possa acontecer com os regimes e governos so apenas reformas, na medida em que no mudam o carter de classe do catado.

Mas ns sustentamos que a mesma lei se aplica em relao aos regimes polticos. Nos regimes polticos pode haver reformas e revolues; ou seja, dentro de um mesmo estado - por exemplo, o estado burgus - ocorrem mudanas no regime poltico da burguesia, mudanas que podem se dar por duas vias: reformista ou revolucionria. Em relao ao estado, d na mesma: so todas reformas, porque ele continua sendo burgus. Mas em relao ao regime no a mesma coisa. Esse problema muito importante para a ao, a poltica e o programa do partido revolucionrio. Porque o partido no luta em abstrato contra o estado burgus. Luta contra o estado tal como ele se d em cada momento, isto , luta contra o regime poltico, contra as instituies de governo que assumem esse estado em cada circunstncia, e contra o governo que as encabea.

As mudanas no Estado e na sociedadeEm linhas gerais, ns, marxistas revolucionrios, afirmamos que a mudana no carter do estado e da sociedade, nesta poca de transio do capitalismo ao socialismo, s possvel por via revolucionria. Essa questo dividiu o movimento marxista, precisamente entre reformistas e revolucionrios. Os reformistas argumentavam que era possvel chegar ao socialismo gradativamente, sem revolues, conquistando hoje a jornada de oito horas, amanh o voto universal, depois de amanh a legalidade para os partidos operrios e, por fim, com esses partidos operrios, a maioria parlamentar e o governo. J os revolucionrios sustentavam que para fazer o socialismo era preciso derrotar a burguesia, fazendo uma revoluo, isto , tirando-lhe o poder para que fosse assumido pela classe operria. No negavam a existncia de reformas. Mas sustentavam que todas as conquistas que a classe operria pudesse obter, sem derrotar poltica e socialmente a burguesia - isto , sem tomar o poder e expropri-la - nunca poderiam levar ao socialismo por esse processo gradual, paulatino, de soma de conquistas, preconizado pelos reformistas. Mais ainda, sustentavam que se no se fizesse a revoluo social, se retrocederia, perdendo as conquistas adquiridas. Efetivamente, nacionalizar um banco ou uma ferrovia, impor a jornada de oito horas, levar representantes operrios ao parlamento, so reformas no sistema capitalista. Servem para preparar a revoluo, mas no mudam o sistema, porque a burguesia continua dominando o estado e a economia. E se por acaso um partido operrio revolucionrio conseguisse ganhar as eleies por maioria, as Foras Armadas do estado burgus o impediriam de assumir o governo, ou o derrubariam dentro de poucos dias, a menos que fossem derrotadas por uma revoluo operria e socialista. A primeira revoluo operria vitoriosa, a russa, deu razo aos revolucionrios. Foi uma revoluo, porque liquidou o estado capitalista no terreno poltico e a burguesia no econmico, expropriando-a e eliminando-a como classe social. J os reformistas nunca conseguiram chegar ao socialismo, apesar de existirem pases que foram governados, durante anos afio, por esses partidos operrios reformistas que ganharam eleies, como a socialdemocracia sueca ou alem. Por isso mesmo, retrocederam tambm nas reformas conquistadas pela classe operria, ou esto retrocedendo: os salrios caem, o desemprego aumenta, as leis sociais so revogadas, etc. Tambm existe reforma, portanto, no estado e na sociedade. A legalizao dos partidos operrios e dos sindicatos, pelo estado burgus, uma reforma, j que introduz na superestrutura elementos de democracia operria. O mesmo se d no terreno econmico. Os bolcheviques, por exemplo, realizam a revoluo econmica quando expropriam a burguesia e nacionalizam as empresas. Mas, no campo, aceitam a repartio das terras, em pequenas propriedades, para os camponeses, enquanto preparavam um plano para convenc-los da vantagens da nacionalizao da terra. O processo de transformao do campons, de pequeno proprietrio a operrio rural assalariado nas terras do estado, seria revolucionrio em relao ao campons, que passaria de pequeno-burgus a operrio. Mas reformista em relao economia do estado: antes e depois deste fato, o estado no capitalista, mas operrio, transicionaL O que indiscutvel que o carter do estado e da sociedade no muda se no se der uma revoluo social e econmica, que destrua o estado burgus, coloque o proletariado no poder e exproprie a propriedade burguesa.

As mudanas no regimeSustentamos que tambm existem mudanas revolucionrias e reformistas nos regi-moa polticos. Comparando o processo argentino, boliviano ou peruano com o brasileiro ou espanhol, surgiu uma discusso teoria apaixonante. So iguais ou so diferentes? Se so iguais, isso significa que houve uma revoluo no regime no Brasil com Geisel, e na Espanha com Juan Carlos, como na Argentina, na Bolvia ou no Peru? Ou no houve revoluo em nenhum desses cinco pases? De um ponto de vista superficial, nesses cinco pases aconteceu algo parecido: o regime de governo mudou, passando de ditatorial e totalitrio a relativamente democrtico. Sob Franco, Videla, Garrastazu Mdici e Garcia Meza, no havia liberdades democrticas e mtodos de represso fsica eram utilizados para esmagar o movimento

operrio e de massas. Sob o rei Juan, Geisel, Bignone, Sues Zuazo e Belande Terry, existem amplas liberdades democrticas e sindicais, os partidos polticos funcionam e h eleies. No entanto, ns dizemos que a Argentina, a Bolvia e o Peru, por um lado, e o Brasil (antes da mobilizao de abril de 84) e a Espanha, pelo outro, so totalmente diferentes. Na Argentina, Bolvia e Peru houve uma revoluo, e na Espanha e Brasil, no houve. Mas na Espanha e no Brasil houve, sim, reformas, e to importantes que mudaram o carter do regime. Em primeiro lugar, a diferena mais visvel entre esses dois processos que na Argentina, Bolvia e Peru houve urna crise revolucionria, e no Brasil (antes de abril de 84) e na Espanha, no. Como j descrevemos em outras ocasies, na Argentina, entre a queda de Galtiere a posse de Bignone, h um perodo no qual praticamente no existe governo, nem regime, nem nada. O presidente e a instituio fundamental do regime, a Junta Militar, no se fazem presentes. O mesmo acontece na Bolvia aps a queda de Garcia Meza. Durante semanas, o parlamento eleito em 1980, auto-convocado, no entra em acordo sobre quem deve ser governo. De fato, at Siles assumir, no h governo. A mesma coisa se passa no Peru quando a Assemblia Constituinte, convocada pela prpria ditadura em crise total, para tentar uma sada mais ou menos controlada, volta as costas aos militares e, durante certo tempo, ningum sabe que constituio nem que novo regime vai dirigir o pas. No Brasil (antes de abril de 84) e na Espanha, pelo contrrio, em nenhum momento se d essa crise revolucionria, esse vazio institucional de poder. Existem, sim, crises polticas, mas no desaparecem de cena as instituies fundamentais do governo. E se no h crise revolucionria, no pode ter havido revoluo. Esta a primeira condio. A segunda condio para que existia mudana de regime por via revolucionria, que o regime anterior desaparea, no controle mais nada, e o que aparece depois seja total e absolutamente distinto. J uma reforma um processo gradual, no qual o regime sofre grandes modificaes, mas planificadas e dosadas pelo poder. Surgem at regimes diferentes. Evidentemente, na Espanha e no Brasil, as liberdades, as cortes ou parlamentos, a eleio direta dos governos estaduais, etc., constituem um regime diferente daquele de Franco ou de Mdici. A crise econmica e poltica, e a presso do movimento de massas em ascenso, obrigam o regime a se adaptar, a se auto transformar at o ponto de sofrer mudanas qualitativas. Mas sempre tendo um elemento de continuidade: o bonapartismo. No Brasil, ningum elegeu o presidente; ele era e continua sendo indicado pelos militares. E na Espanha ningum elege o rei. Na Argentina, ao contrrio do Brasil (antes de abril de 84) e da Espanha, o novo regime oposto ao anterior. No existe tal processo gradual e planejado de reformas do velho regime. Todo mundo sabe que as aberturas democrticas no Brasil e da Espanha foram pensadas e preparadas pelo velho regime, antes mesmo que a crise econmica e poltica, e o ascenso de massas, o obrigassem a coloc-las em prtica. Os militares na Argentina tinham o mesmo plano, os do Uruguai ainda tm. Mas esse piano no funcionou - a menos que algum acredite que Videla, Massera e companhia planificaram e controlaram que iam ser presos, acusados de homicdios e torturas. Na Espanha e no Brasil (at abril de 84), todos os passos so previsveis, at que uma revoluo acabe com eles. Na Argentina, pelo contrrio, ningum, nem mesmo os partidos polticos burgueses, previu ou controlou que Galtieri ia cair, nem o que ia acontecer depois. Por isso mesmo, durante vrios meses, sob o governo de Bignone, ningum no pas sabia que tipo de constituio ia ser aprovada nem como iam ser as eleies. Tambm ningum planejou que as massas teriam liberdades de insultar ou bater, nas ruas, impunemente, nos oficiais mais importantes das Foras Armadas. Agora, v um militante revolucionrio brasileiro ou espanhol insultar os oficiais das Foras Armadas, para ver o que lhe acontece!! Para terminar de esclarecer este ponto, vejamos o programa dos nossos partidos. No Brasil (at abril de 84) e na Espanha, o eixo poltico fundamental continua sendo a luta contra o bonapartismo. Todo o programa revolucionrio deve ter como palavra de ordem central: Abaixo o rei! (ou o presidente militar). Pela repblica democrtica. Pelo direito do povo eleger seu governo!. Na Argentina, no. No poderemos atacar Alfonsn, Luder ou quem ganhar as eleies por ser um governo ou regime bonapartista, no eleito livremente pelo povo. A tal ponto triunfou a revoluo poltica, democrtica, que atacamos o novo regime e o novo governo porque so capitalistas e pr-imperialistas. E lutamos pela revoluo poltico-social, pela tomada do poder pelo proletariado, pelo socialismo. Essa diferena no programa reflete a mudana que h na realidade. Na Espanha e no Brasil com Geisel-Figueiredo (at abril de 84), houve uma reforma espetacular, que modificou qualitativamente o regime, fazendo concesses democrticas muito importantes s massas. J no um bonapartismo fascista ou semifascista. Mas conserva a instituio central bonapartista. o que chamamos de bismarckismo senil. No se fez a revoluo democrtica que destrua esse poder bonapartista. Na Argentina, esse poder bonapartista j foi destrudo, quer dizer, revolucionado. Ou, pelo menos, destrudo tanto quanto pode ser num pas que ainda no fez sua revoluo socialista, nica forma de eliminar pela raiz os poderosos elementos bonapartistas e de totalitarismo de qualquer regime burgus. Uma ltima discusso sobre esse problema tem a ver com o fato de que na Argentina, no Peru e na Bolvia, o movimento de massas no destruiu as Foras Armadas burguesas, como ocorreu, por exemplo, na Nicargua. J assinalamos que consideramos fundamental esta diferena, e que se trata de dois tipos distintos de revoluo

democrtica. Mas no queremos discutir sobre palavras. Pode ser incorreto, efetivamente, chamar de revoluo um fenmeno como o argentino, o peruano ou o boliviano. Podemos usar outro nome para diferenci-lo, desde que digamos que tambm totalmente diferente do processo reformista, gradual, de concesses democrtico-burguesas controladas, como na Espanha e no Brasil (at abril de 84). As liberdades democrtico-burguesas da Argentina atual foram produto da crise geral do regime militar e da burguesia, e do colossal ascenso do movimento de massas. No foram concesses planejadas e controladas pela burguesia e os militares, mas sim conquistas arrancadas pela ao das massas trabalhadoras, que originaram um novo regime de liberdades democrtico-burguesas completamente diferente, nesse aspecto, do regime anterior. A isso chamamos de revoluo democrtica, assim como Lenin definiu como revoluo democrtica a revoluo de fevereiro de 1917, ou Trotsky a revoluo espanhola de 1931 (que foi produto da crise e de uma eleio, e no de um enfrentamento de rua das massas contra o governo).

Contra-revoluo e reaoO processo oposto revoluo a contra-revoluo. O oposto da reforma a reao. Contra-revoluo e reao tambm se produzem nos trs campos: econmico-social, poltico-social e poltico. Para a contra-revoluo e a reao, tambm se aplica a lei de que so termos relativos. Pode haver uma contra-revoluo poltica, no regime, que em relao sociedade e ao estado no seja uma contra-revoluo, mas sim uma reao. Por exemplo: o stalinismo faz uma contra-revoluo poltica: destri o regime de Outubro e implanta um regime contrarevolucionrio. Muda inclusive o tipo de estado: de estado operrio a estado operrio burocratizado. Mas, em relao ao carter do estado, no uma contra-revoluo: no se restaura a economia capitalista nem a burguesia toma o poder de volta; o estado continua sendo operrio. A mudana do estado sovitico, como produto da contrarevoluo poltica stalinista, no contra-revolucionria mas reacionria. Uma reao no terreno econmico-social , por exemplo, a poltica da burocracia chinesa de incentivar a propriedade privada das pequenas indstrias. Em relao aos setores industriais que forem privatizados, ser uma contra-revoluo, porque deixaro de ser propriedade estatal coletiva e passaro a ser propriedade privada. Mas em relao a estrutura global da sociedade e do estado chins, uma reao. Introduz elementos regressivos capitalistas numa sociedade no capitalista. Mas no uma contra-revoluo. Contra-revoluo seria a restaurao da propriedade privada sobre os recursos fundamentais da economia chinesa, porque a mudaria abrupta e totalmente o carter da sociedade e, com ela, do estado: voltaria a ser um estado burgus, capitalista. Finalmente, tambm existe reao e contra-revoluo em relao aos regimes do estado burgus. Se se passa a um regime fascista ou bonapartista, que esmaga o movimento operrio com mtodos de guerra civil, uma contrarevoluo. Exemplos: Pinochet, Videla, Hitler, Franco, etc. (E contra-revoluo em relao ao regime poltico, no ao estado, que continua sendo burgus e no retrocede ao feudalismo ou a outra sociedade mais regressiva. Em relao ao estado burgus, uma reao.) Se se passa de um regime democrtico a um mais totalitrio, repressivo, masque no esmaga os trabalhadores com mtodos de guerra civil, uma reao, no uma contra-f revoluo. Exemplo: Ongana derruba Illia e instaura o estado de stio, mas sob um e outro regime a Justia funciona, e o estado de stio aplicado segundo a mesma Constituio. Essa diferena entre contra-revoluo e reao se manifesta tambm no terreno institucional. Tanto sob Illia como sob Ongana, a instituio fundamental, sobre a qual se apia o regime poltico, so as Foras Armadas. Illia sobe ao poder atravs de eleies condicionadas pelos militares, que proscrevem o partido majoritrio, o peronismo. So essas mesmas Foras Armadas que levam Ongana ao poder. Trata-se de uma mudana reacionria de regime. bem diferente do golpe de Videla ou de Pinochet. Esse ltimo aniquila o velho regime democrtico burgus, com seu parlamento e seus partidos, que funcionava no Chile h dezenas de anos, e instaura um novo regime, diametralmente oposto ao anterior: sua instituio fundamental o bonaparte Pinochet que se apia nas Foras Armadas Trata-se de uma contra-revoluo. Essas definies nos permitem corrigir um erro terminolgico que cometemos muitas vezes: falar de contrarevoluo democrtica. Assim denominvamos os processos nos quais a burguesia tenta desviar e frear a revoluo, iludindo as massas com o mecanismo da democracia-burguesa. certo que seu objetivo contrarevolucionrio, mas no se trata de uma contra-revoluo, justamente porque no muda radicalmente o regime. A burguesia tenta frear a revoluo atravs de manobras, aproveitando as iluses democrticas das massas, e eventualmente reprimindo-as, mas sempre dentro da legalidade democrtico-burguesa. Ela no destri o regime democrtico-burgus, mas se apia nele. Por isso no se trata de uma contra-revoluo. De agora em diante, chamaremos esse tipo de processo de reao democrtico-burguesa.

AS POCAS E ETAPAS DA LUTA DE CLASSESQuando se produzem as revolues sociais? Por que ocorrem essas mudanas bruscas, abruptas e violentas,

geralmente sangrentas, nas classes sociais e no estado? Como vimos, a lei fundamental que move a espcie humana o desenvolvimento das foras produtivas, isto , o avano da capacidade humana de explorar, cada vez mais e melhor, a natureza, atravs das ferramentas e da tecnologia, melhorando continuamente as condies de vida da humanidade. Nesse avano vo acontecendo revolues, com a descoberta ou inveno de novas ferramentas e tcnicas, que permitem explorar mais facilmente as matrias primas oferecidas pela natureza e, inclusive, permitem que certos recursos naturais que no eram usados como matria-prima para a produo, passem a s-lo (por exemplo o urnio, que antes das descobertas da fsica e da tecnologia nuclear no servia para produzir nada). Esse desenvolvimento das foras produtivas, quando chega a um determinado ponto, choca-se com a estrutura social existente, ou seja, com as classes em que a sociedade est dividida nesse momento e com as relaes entre elas. Choca-se tambm com a superestrutura dessa sociedade, com o estado que se encarrega de manter igual estrutura de classes, mantendo o domnio e a opresso da classe exploradora sobre a classe exploradora. Um bom exemplo disso o desenvolvimento da produo capitalista nas cidades independentes na sociedade feudal. Enquanto a produo permanece limitada, a estrutura soci