Upload
dangnhu
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
AS SEGURADORAS E O SEU MERCADO CONCORRENCIAL
Coordenação Professora Liliana Bittencourt
Direito Empresarial - Faculdade de Direito - Universidade Federal de Goiás
Alunos Alexandrina Benjamin Esteves de Faria
Pedro Cruvinel Thallyta Ranyelle de Fátima Borges
2011
AS SEGURADORAS E O SEU MERCADO CONCORRENCIAL
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal despertar inquietações sobre os efeitos da regulação do setor de seguros sobre a concorrência, tomada esta do ponto de vista de interesse do consumidor.
Além disso, o Grupo de Estudos se propôs a evidenciar os marcos e princípios do direito antitruste no Brasil (inclusive no direito constitucional e econômico), analisar, brevemente, a figura do contrato de seguro, especialmente o risco, analisar as circunstâncias que determinam a forma de operação do mercado de seguros e averiguar a composição do ranking de maiores seguradoras e da permeabilidade do mercado.
Por fim, sem pretender mapear o caminho para a conclusão definitiva sobre a atual situação dos consumidores frente à pouca permeabilidade do mercado, indica-se, como sinal de que nem tudo vai bem para estes, a tendência de criação de associações de fundos mútuos entre caminhoneiros autônomos.
1. GENERALIDADES DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA PARA INSERÇÃO
DO RAMO DE SEGUROS
Com o fito de facilitar a compreensão das peculiaridades que marcam o ramo
de seguros quando é estudado sob o aspecto concorrencial, opta-se por registrar, nos sub-tópicos
seguintes, um breve histórico da concorrência e do seu tratamento jurídico.
1.1 HISTÓRICO DA CONCORRÊNCIA NO MUNDO
A ideia da concorrência sempre esteve presente no relacionamento entre os
homens; entretanto, a inserção da noção de livre concorrência no mundo do Direito é bastante
recente. Para a análise histórica do Direito da Concorrência, é essencial retomar o panorama
mundial no período das Revoluções Industriais.
Com as Revoluções Industriais, observou-se o desenvolvimento da política do laissez-
faire ou liberalismo econômico. Como resultado, surgiram grandes sociedades anônimas,
conglomerados de empresas (holdings) e acordos internacionais para dividir mercados e limitar a
concorrência (cartéis). Como ensina Vicente Bagnoli1:
A economia em franca expansão faz com que a concorrência tome cunhos predatórios entre as empresas, como a disputa das estradas de ferro pela clientela. Os empresários de diversos setores logo perceberam que a concorrência não era benéfica para eles, razão pela qual optavam por firmar acordos de atuação no mercado e assim neutralizar a concorrência; adotavam a cartelização. Porém, a prática cartelizadora não garantia aos membros do cartel que os acordos estabelecidos entre eles seriam respeitados por todos os integrantes, diferentemente do que ocorria com as corporações de ofício na Idade Média.
Sobre a prática cartelizadora desse período, ensina Paula Forgioni2:
Essa forma de organização dos agentes econômicos, porém, apresentou um grande inconveniente: a instabilidade. Os termos dos acordos não eram juridicamente vinculantes para qualquer das partes, ou seja, não havia como, legalmente, fazer-se respeitar o acordo caso um de seus partícipes decidisse descumpri-lo. Como foi posteriormente estudado pela teoria econômica, a tentação de desrespeitar um cartel é bastante grande, quase irresistível em determinadas circunstâncias.
1 BAGNOLI, Vicente. Introdução Ao Direito da Concorrência. Brasil – Globalização – União Européia – MERCOSUL – ALCA. São Paulo: Editora Singular. 2005, p. 50
2 FORGIONI, Paula Andréa. Fernando de Magalhaes Furlan. Questões polêmicas em direito antitruste. São Paulo, 2004
Diante da insegurança da prática cartelizadora, passou-se a utilizar um tradicional
instituto anglo-saxão, o trust. Por ele, “o industrial transferia o poder derivado de suas ações a um
trustee, em troca de um trust certificate”3. Assim, os agentes econômicos atuantes no mesmo
mercado possuíam uma administração centralizada, de forma a evitar a concorrência e garantir o
lucro. O Standart Oil, de 1882, foi o primeiro e mais famoso de todos os trustes. Ele foi
administrado por John Rockfeller, e assegurou o controle da indústria americana do petróleo por
muito tempo.
No final do século XIX, a liberdade de atuação no mercado, pregada pelo liberalismo,
começa a ser contestada nos Estados Unidos da América (EUA) por consumidores, agricultores,
trabalhadores, pequenos empresários e pela imprensa. A forte reação social à tendência de
concentrar o capital, por meio de monopólios, trustes e cartéis, leva à promulgação, em 1896, do
Sherman Act, considerado o marco legal do antitruste. Posteriormente, em 1914, é promulgado nos
EUA o Clayton Act, que complementa a lei Sherman.
O contexto em que foi promulgado o Sherman Act é marcado pela visão dos direitos
sociais como merecedores de proteção estatal. Notória era sua preocupação com a proteção dos
consumidores contra os malefícios dos cartéis e monopólios. Citam-se, para ilustrar, alguns desses
malefícios: os monopólios desestimulam as inovações tecnológicas e a elevação da qualidade dos
produtos, tendo em vista que a concorrência é que gera a necessidade de investir e inovar para que a
empresa se mantenha no mercado. No mesmo sentido, os cartéis possibilitam o aumento arbitrário
dos lucros dos agentes econômicos, aumentando, por conseguinte, os preços dos produtos para os
consumidores4.
É importante dizer que, para alguns autores, como Vicente Bagnoli5, a primeira lei
contra os acordos restritivos da concorrência não foi o Sherman Act, e sim uma lei introduzida um
ano antes da Lei Sherman, em 1889, no Canadá, que é o Act for the Prevention and Suppression of
Combinations formed in Restraint of Trade, que tinha por objetivo atacar colusões restritivas à
produção.
Saliente-se ainda que, em 1914, nos EUA, também foi promulgado o Federal Trade
Commission Act que criou a FTC, agência antitruste norte-americana. Já em 1936 é promulgado o
Robson-Patman e em 1950 o Celler-Kefauver, que constituem a legislação básica de defesa da
concorrência dos EUA6. A experiência norte-americana influenciou a adoção e disseminação dos
3 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao Direito da Concorrência: Brasil – Globalização – União Européia – MERCOSUL – ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005, p. 51.
4 Sobre os malefícios gerados pela formação de cartéis e monopólios, interessante a leitura do Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência, 3ª ed. rev. e ampl., São Paulo: CIEE, 2007.
5 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao Direito da Concorrência: Brasil – Globalização – União Européia – MERCOSUL – ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005, p. 52, nota de rodapé 96.
6 Ibidem, p. 52, nota de rodapé 97.
mecanismos antitruste pelo mundo todo, tanto de forma direta, quando indireta.
1.2 HISTÓRICO DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL
No Brasil, o desenvolvimento industrial foi fortemente marcado pela intervenção
governamental que tinha por objetivo desenvolver, incentivar e reforçar os empreendimentos
privados, agindo também diretamente através da criação de empresas públicas de grande porte. Daí
conclui-se que “[...] o antitruste não nasce, no Brasil, como elo lógico de ligação entre o liberalismo
econômico e (manutenção da) liberdade de concorrência. Nasce como repressão ao abuso do poder
econômico e tendo como interesse constitucionalmente protegido o interesse da população, do
consumidor”7.
Nesse contexto, as primeiras normas legais que trataram da concorrência tiveram a
defesa da economia popular como elemento motivador, e não a regulação da atividade econômica
como instrumento para promover a livre concorrência e gerar ganhos de eficiência e
competitividade. A discussão sobre a necessidade de criação de diplomas legais foi ganhando força,
principalmente na década de 30, em razão do avanço do processo de industrialização.
O Decreto-lei n. 869, de 18 de novembro de 1938, foi o primeiro diploma legal
brasileiro destinado a reprimir práticas atentatórias à livre concorrência. Só que, na prática, ele
pouco fez pela defesa da concorrência. Em 1945, foi promulgado o Decreto-lei n. 7.666 (Lei
Malaia), de iniciativa do então Ministro da Justiça, Agamenon Magalhães. Tal Decreto arrolava os
atos contrários à ordem moral e econômica, tendo criado a Comissão Administrativa de Defesa
Econômica (CADE), órgão autônomo, com personalidade jurídica própria e subordinado
diretamente ao Presidente da República. Entretanto, com a queda de Getúlio Vargas, o referido
Decreto foi revogado, sem ter sido aplicado.
A Constituição de 1946 sofreu influência do Decreto n. 7.666, de forma que dispôs em
seu artigo 148 que “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as
uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que
tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente
os lucros”8. Assim, em 1948, Agamenon Magalhães, pioneiro do antitruste no Brasil, encaminhou o
Projeto de Lei nº 122, para regulamentar o artigo 148, referido.
Em 1962, foi publicada a Lei nº 4.137, resultado da tramitação do Projeto de Lei nº 122.
O art. 8º dessa Lei criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com a
7 FORGIONI, Paula Andrea. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 114. 8 Cf. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>.
finalidade de apurar e reprimir os abusos do poder econômico. Após o período da ditadura militar,
aos 23 de janeiro de 1986, o Decreto nº 93.323 aprovou o novo Regulamento9 para a Lei nº
4.137/62.
No governo Collor, a estrutura a que o Brasil estava habituado, a de um Estado
interventor e de empresas em competição restrita, em razão da economia até então fechada, não
permitia que se pensasse em livre concorrência, embora tenham existido tentativas de fazer a
concorrência vingar, como se observa da criação, em 1990, da Secretaria Nacional de Direito
Econômico (SNDE), por meio do Decreto nº 99.244; da publicação, em 1990, da Lei nº 8.137, pela
qual os atos contrários à ordem econômica são configurados como crimes; e, em 1991, da Lei nº
8.158/91, com a finalidade de instruir normas para a defesa da concorrência. Sobre o tema, convém
mencionar BAGNOLI, mais uma vez:
[…] o que se viu foi uma gama de legislações distintas
versando sobre um mesmo tema que, além de não contribuir com a
defesa da concorrência, impedia sua aplicação aos casos concretos.
A explicação é que a Lei nº 8.258/91 mantinha as definições de
ilícitos da Lei nº 4.137/62, bem como o entendimento de crime
contra a ordem econômica da Lei nº 8.137/90, além de fazer sua
própria tipificação10.
Nos anos seguintes, a defesa da concorrência se inseriu num contexto indefinido, no qual
ganhou destaque o Projeto de Lei nº 3.712-E, de 1993, que propunha a transformação do CADE em
autarquia e ainda dispunha sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.
Com fundamento na Constituição Federal de 1988, foi promulgada a Lei n. 8.884, de 11 de junho de
1994 (Lei Antitruste ou Lei de Defesa da Concorrência).
Observa-se, ao longo da história, que o Estado brasileiro passa por um importante
processo: de interventor, atuando diretamente na economia, inclusive como empresário e fixador de
preços, para regulador e garantidor da concorrência em benefício do consumidor. Dessa forma, o
Estado busca garantir melhores condições de vida aos desfavorecidos, corrigindo também o
funcionamento cego das forças de mercado11.
No Brasil, é interessante notar que, a partir da Constituição de 1934, todas as
Constituições seguintes dedicaram um de seus capítulos à ordem econômica. Na Constituição atual,
a disciplina da ordem econômica e financeira está prevista no Título VII (arts. 170 a 192), sendo
dividida em quatro capítulos: o primeiro destinado aos princípios gerais da atividade econômica
9 O primeiro Regulamento da Lei n.º 4.137/62 foi editado pelo Decreto n.º 52.025/63, no governo de João Goulart. 10 BAGNOLI, Vicente. Introdução ao Direito da Concorrência: Brasil – Globalização – União Européia – MERCOSUL – ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005.
11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 986-987.
(arts. 170 a 181); o segundo, à política urbana (arts. 182 e 183); o terceiro, à política agrícola e
fundiária e à reforma agrária (arts. 184 a 191); e o quarto, ao sistema financeiro nacional (art. 192).
As normas acima referidas formam um sistema geral da ordem econômica e dentro de
suas disciplinas algumas indicam formas de atuação e intervenção do Estado no domínio
econômico. O Estado atua, pois, de duas formas na ordem econômica. Numa primeira, ele é o
agente regulador do sistema econômico, criando normas, estabelecendo restrições e fazendo um
diagnóstico social das condições econômicas. Pode-se dizer que seria um Estado Regulador.
A outra forma de atuação do Estado possui caráter especial: o Estado executa atividades
econômicas que, em princípio, estão destinadas à iniciativa privada. Nesse caso, o Estado ingressa
efetivamente no plano da execução das atividades econômicas, como se particular fosse, devendo,
entretanto, ter em mira o interesse, direto ou indireto, da coletividade. Aqui temos um Estado
Executor.
É indispensável dizer que a Lei atual e a prática do antitruste no Brasil, em geral, não
deixam a desejar em relação às práticas em outros países; no entanto, é fundamental possibilitar a
continuidade da evolução institucional que se tem verificado desde a Lei n. 8.884/94.
1.3 INTERDISCIPLINARIEDADE DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA
O Direito da Concorrência relaciona-se com diversos ramos do Direito, bem como com
outras ciências, como a Economia, a Sociologia e a Filosofia. Sua implicação sobre os outros
aspectos da vida humana exige abertura de suas fronteiras às demais ciências humanas.
Merece destaque a estreita relação existente entre o Direito Constitucional e o Direito
Concorrencial, porquanto é na Constituição Federal que se encontram os princípios e os
fundamentos para se defender a livre concorrência. Assim, a análise dos casos de matéria
concorrencial deve pautar-se pelos fundamentos da República e seus objetivos, estabelecidos,
respectivamente, nos artigos 1º e 3º da Constituição.
O artigo 5º da Constituição garante os direitos à igualdade, segurança e propriedade,
necessários à prosperidade de uma economia de mercado. Há ainda a garantia do direito de inventos
industriais, marcas, nomes e signos distintivos em vista do desenvolvimento tecnológico e
econômico do país, assim como a promoção da defesa do consumidor.
Os artigos 6º a 11 da Constituição, por sua vez, disciplinam os direitos dos
trabalhadores. O Direito da Concorrência tem implicações diretas na vida dos empregados, já que
estes podem ter suas situações no trabalho alteradas completamente por questões concorrenciais.
No Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, o artigo 170 contém os princípios
gerais da atividade econômica, princípios estes buscados pelo Direito da Concorrência.
1.4 PRINCÍPIOS E REGRAS NA CONSTITUIÇÃO
Os princípios e as regras compõem o universo das normas jurídicas, distinguindo-se,
segundo Canotilho12, pelos seguintes critérios: (a) grau de abstração – os princípios possuem grau
de abstração superior às regras; (b) grau de determinabilidade – na aplicação ao caso concreto, as
regras, ao contrário dos princípios, são suscetíveis de aplicação direta; (c) caráter de
fundamentabilidade – os princípios ocupam notória posição dentro do sistema jurídico, por sua
importância estruturante e hierárquica no sistema das fontes de direito; (d) “proximidade” da idéia
de direito – os princípios são standarts juridicamente relevantes radicados nas exigências de justiça
ou na idéia de direito, enquanto as regras podem ser vinculativas em razão de conteúdo meramente
funcional; (e) natureza “normogenética” - os princípios constituem a ratio das regras jurídicas.
Apesar de interessante e necessário conhecer, não nos cumpre neste texto aprofundar a
questão das diferenciações entre princípios e regras. Nosso objetivo é abordar, de forma sucinta,
alguns princípios que estruturam a ordem econômica na Constituição de 1988, bem como certas
regras.
1.4.1 PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA
Conforme disposição do artigo 170 da Constituição Federal, a ordem econômica funda-
se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Por livre iniciativa entende-se a
liberdade do sujeito para a realização de qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão,
obedecendo, apenas, às restrições comuns, aplicáveis.
O princípio em questão foi incorporado na Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste), em seu
artigo 1º. Ele se completa com a regra do artigo 170, parágrafo único, da Constituição, segundo o
qual a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de
autorização de órgãos públicos, à exceção dos casos previstos em lei.
A livre iniciativa, com princípio, não pode ser interpretada em caráter absoluto,
demandando ponderação e atenção estatal para que a liberdade econômica concedida pelo Estado a
uns não resulte restrição de liberdade a outros.
1.4.2 PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA
O princípio da livre concorrência, previsto no artigo 170, inciso IV, da Constituição,
baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida ou subvertida por agentes
econômicos com poder de mercado. Nesse sentido, é dever do Estado zelar para que as
organizações com poder de mercado não abusem desse poder de forma a prejudicar a livre
12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.
concorrência. No artigo 173, §4°, a Constituição determina expressamente que o Estado poderá
interferir na liberdade de atuação dos particulares na hipótese de abuso do poder econômico que
vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Merece destaque a necessária ponderação que deve haver entre, de um lado, a livre
iniciativa, e de outro, a livre concorrência. A primeira corresponde ao direito que o particular tem de
livremente exercer atividade econômica. Essa liberdade é limitada pela livre concorrência, que é o
direito que os outros particulares tem de também exercerem atividade econômica, sem se
prejudicarem.
1.4.3 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O princípio da função social da propriedade reforça o papel social do princípio da livre
concorrência e também especifica seu plano de atuação; “com denotação específica relacionada à
atividade econômica, faz com que a liberdade de exploração da propriedade de direitos e/ou bens de
produção não possa levar a abusos de modo a restringir a liberdade de outros agentes econômicos”
(GABAN; DOMINGUES, 2009, p. 84)
Acerca da função social da propriedade, dispõe a Constituição, em seu artigo 5º, XXIII,
“a propriedade atenderá a sua função social”, referindo-se a ela também no artigo 170, inciso III.
Estão acobertadas, pois, tanto a acepção de utilização da propriedade para efeitos de habitação e
reforma agrária, quanto para os efeitos da atividade econômica. A finalidade precípua do princípio
em questão reside na consecução e manutenção da existência digna de todos, bem como da
operação da justiça social.
1.4.4 PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR
A resguarda constitucional do consumidor de que trataremos não se confunde com as
normas especificamente estabelecidas para as relações de consumo, mas sim a uma das finalidades
últimas da aplicação conjunta dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, que é o bem
estar do consumidor, expresso, por exemplo, pelos ganhos em eficiências, como menores preços,
maior qualidade dos produtos e serviços ofertados.
Assim, um dos focos finais da legislação antitruste é a atenção dirigida aos interesses
do consumidor quanto à matéria concorrencial, uma vez que são os consumidores os destinatários
finais dos efeitos benéficos advindos de um regime de livre concorrência no mercado.
1.4.5 REPRESSÃO AO ABUSO DO PODER ECONÔMICO
Consoante disposição do artigo 173, §4º, da Constituição, “a lei reprimirá o abuso do
poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento
arbitrário dos lucros”. Sob esse conteúdo é desenvolvida a regra em comento pela Lei Antitruste, a
qual estabelece sanção para a prática de abuso do poder econômico não apenas em virtude da
intenção do agente, mas também em atenção aos efeitos nocivos, em estado potencial ou concreto,
advindos da prática.
O poder econômico pode ser entendido como a possibilidade de exercício de uma
influência notável e até certo ponto previsível pela empresa dominante sobre o mercado, a qual
influi na conduta das demais concorrentes em dado mercado (NUSDEO, 2002, p. 240-241). A regra
em análise veicula, portanto, que é proibido abusar de ou utilizar mal uma posição de vantagem
competitiva num mercado determinado.
1.5 O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é integrado pela Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direito
Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, que atuam à luz da Lei n. 8.884/94 (Lei
Antitruste). A SEAE e a SDE são órgãos encarregados da instrução dos processos, enquanto que o
CADE é a instância administrativa judicante.
Cumpre aos órgãos do SBDC promover a defesa da livre concorrência, através de
atividades repressivas (por meio da punição aos que praticam ilícitos econômicos), preventivas (a
partir da análise de atos de concentração) e, inclusive, educativas (por meio da difusão da defesa da
concorrência). No que se refere especificamente ao papel repressivo exercido pelo SBDC, tem-se
que compete ao CADE decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as
sanções pertinentes.13
A estabilidade da moeda, a privatização e a desregulamentação comercial a partir dos anos 1990 tornaram vital o desenvolvimento
de uma política de defesa da livre concorrência para atender a nova realidade do mercado, ocorrendo a transformação do CADE em autarquia, com a
ampliação de seus poderes, concessão de maior autonomia, e a elevação à condição de principal órgão tutelador da livre concorrência.
Convém dizer que os atos de concentração apreciados pelo CADE podem ser fusão, incorporação ou aquisição. Atualmente, só
são admitidos atos de concentração cuja operação resultar em participação superior a 20% do
mercado relevante, ou no caso de pelo menos um dos grupos de empresas envolvidos na operação
tenha obtido faturamento igual ou superior a 400 milhões anuais no Brasil. Nesses casos, os atos de
concentração obrigatoriamente vão para o CADE, que avaliará se há uma conduta anti-
concorrencial aí. Esclareça-se que conduta anti-concorrencial pode ser definida como qualquer
13 Lei 8.884 de 12 de novembro de 1994, Art. 7º. “Compete ao Plenário do CADE: (...) II – decidir sobre a existência de infração contra a ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei.”
prática adotada por um agente econômico, que possa, ainda que potencialmente, causar danos à
livre concorrência, mesmo que o infrator não tenha tido a intenção de prejudicar o mercado.
1.6 CONCEITO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA E FINALIDADES
Com origem na América do Norte, o direito da concorrência, ou do antitruste, como é
conhecido, objetiva a construção ou manutenção de um ambiente concorrencial saudável. Com
outras palavras, pode-se dizer que o ambiente saudável a que nos referimos associa-se intimamente
à ideia de concorrência perfeita, ou seja, àquele ambiente em que os consumidores têm liberdade
para tomar suas decisões de consumo, já que os preços são próximos aos custos marginais e a
quantidade de produtos oferecidos é máxima. Sobre esse tema, transcrevemos:
[...] O antitruste é um ramo do direito que procura disciplinar as relações de mercado entre os agentes econômicos visando o estabelecimento de um ambiente de livre concorrência cujos destinatários finais são os consumidores.
[…] costuma-se considerar que o direito da concorrência corresponde a um conjunto de regras relacionadas ao combate de acordos que restringem a concorrência, o abuso de posição dominante e as tentativas de fechamento de mercado por meio de concentrações empresariais14.
É importante ressalvar, entretanto, que as regras para regular a conduta dos agentes
econômicos existiram desde a antiguidade.
1.7 CONCORRÊNCIA EM SEGUROS
O Estado, reconhecendo a insuficiência do exercício do poder de polícia na
organização das relações econômicas dos agentes do setor dos seguros, adotou um perfil
notadamente regulador15. O mercado das seguradoras merece, pois, um cuidado especial por se
tratar de um mercado bastante regulado, o que modifica a forma da análise concorrencial quando
comparado a um mercado que não sofre tal interferência estatal.
A regulação funciona como uma exigência à prestação adequada dos serviços de
seguros, impondo a estes a observância dos princípios norteadores da ordem econômica, de maneira
a evitar que a dinâmica do mercado gere desequilíbrios econômicos e sociais. Assim, a regulação
atua estabelecendo um verdadeiro sistema de concorrência nos setores em que exigências estruturais
14 DOMINGUES, Juliana Oliveira. GABAN, Eduardo Molan. Coordenadores. Estudos de Direito Econômico e Economia da Concorrência - Em Homenagem ao Prof. Dr. Fábio Nusdeo. Curitiba: Juruá. 2009. p. 89.
15 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. princípios e fundamentos jurídicos. 2. ed.
rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 20.
específicas impedem sua manutenção pela simples aplicação da legislação concorrencial.
A atividade regulatória do Estado, direcionada à coordenação e implementação dos
princípios da ordem econômica, compreende a criação de normas, a fiscalização do cumprimento de
leis, contratos e regulamentos, a aplicação de sanções, a solução de conflitos etc16.
Esse introito sobre a regulação estatal é necessário porque, conforme visto, as
seguradoras estão subordinadas a rígido controle, que determina o seu modus operandi. Elas se
submetem às limitações legais, que, apesar da consistência técnica e razoabilidade, inibem a
criatividade dos departamentos financeiros. Referidas limitações ignoram as especificidades de cada
ramo. Dentro desse contexto, a problemática que se impõe é até que ponto essas normas de controle
de desempenho influenciam a prestação de serviços por parte das seguradoras.
No âmbito dos seguros, é possível observar uma alta concentração no mercado. Assim,
a associação entre fatores macroeconômicos e forte regulamentação governamental parece impedir
o avanço na questão concorrencial. De outro lado, a atividade de seguros requer capacidade de
administração de riscos, experiência, grande soma de capitais, não oferecendo, portanto, margem a
alterações abruptas de preços.
Situação bastante interessante e ilustrativa é a do monopólio legal do resseguro. Apesar
de ter sido extinto por lei desde 1996, é vigente na prática ainda hoje, e impede qualquer
movimento eficiente em favor da livre concorrência. Para ilustrar, citamos:
Quando duas ou mais seguradores pedem taxa para ressegurar o mesmo risco, nos casos em que estejam concorrendo entre si, não haverá diferença entre elas. A taxa de resseguro será a mesma para todas. Então o diferencial será dado pela própria seguradora nos limites de sua retenção. A que tiver maior patrimônio, automaticamente tem retenção maior e, por conseguinte, poderá oferecer melhores condições. Nesse suceder de casos, as maiores se tornam ainda mais alavancadas. Não é de se estranhar que, há muitos anos, o ranking das seguradoras praticamente se encontra inalterado. E as cinco primeiras dominam mais de 50% do mercado, este composto por mais de 90 seguradoras, já considerados os grupos. Isto não permite inferir se positivo ou negativo para o consumidor. Todavia, faculta avizinhar-se a ausência do pressuposto básico da concorrência perfeita, se é que existe17.
Assim, parece-nos que o espaço para a concorrência no mercado de seguros é muito
restrita, pelo menos no modelo atual. A própria atividade de seguros não oferece, por exemplo,
margem a alterações abruptas de preços, devido às limitações dos índices que medem sinistros e
prêmios recebidos. Baixar o preço de um contrato de seguro para aumentar a participação no
mercado pode representar o risco de deixar o segurador sem a provisão de fundos para honrar
16 MEDAUAR, Odete. Regulação e auto regulação. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,
n. 228, p. 123-128, abr./jun. 2002, p. 127. 17 MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
2. DO MERCADO DE SEGUROS
Enquanto as previsões de crescimento médio da economia brasileira são de 5,9% ao ano
até 201419, a Superintendência de Seguros Privados prevê um crescimento médio do mercado
brasileiro de seguros de 20% em 2010, e que tal crescimento se sustente nos próximos anos. Hoje, o
mercado de seguros representa 3,1% de participação no Produto Interno Bruto do país, e a meta,
segundo o antigo superintendente da SUSEP, Armando Vergílio, é que esse mercado represente 6%
do PIB20.
Por ser de grande representatividade, o mercado de seguro deve ser protegido pelo Sistema
Nacional de Defesa da Concorrência, ao mesmo tempo em que é muito regulado por parte do
Estado, responsável também pela preservação da concorrência natural, a despeito de sua atividade
reguladora.
2.1 DO CONTRATO DE SEGURO
Segundo o artigo 757 do Código Civil, contrato de seguro é aquele pelo qual uma das
partes, denominada segurador, se obriga para com a outra, o segurado, mediante o pagamento de um
prêmio, a garantir interesse legítimo relativo à pessoa ou à coisa e a indenizá-la de prejuízo
decorrente de riscos futuros. O segurador deve, necessariamente, ser uma sociedade anônima, uma
sociedade mútua ou uma cooperativa, devendo ter capacidade financeira para suportar o risco21.
Para o exircício da atividade securitária, a empresa seguradora deve possuir autorização do
Governo Federal e sujeitar-se à fiscalização da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP22.
Tal autorização será concedida através de portaria do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e
do Comércio Exterior, mediante requerimento dos incorporadores, dirigido ao Conselho Nacional
de Seguros Privados – CNSP23 – e apresentado por intermédio da SUSEP24, instruído com a prova
de regularidade da constituição da sociedade, do depósito no Banco do Brasil da parte já realizada
do capital e o exemplar do estatuto25.
Em relação à sua natureza jurídica, o contrato de seguro é bilateral (ou sinalagmático), por
gerar obrigações tanto para o segurado, que deve pagar o prêmio, como para o segurador, que
19 � Segundo informações da Assessoria de Comunicação Social do Gabinete do Ministério da Fazenda. 20 � Jus Brasil Notícias < http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2112461/mercado-de-seguros-deve-representar-6-do-pib-brasileiro-ate-a-metade-desta-decada-preve-susep> Acesso em: 22/01/2011. 21 � Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, v. 3, p. 500. 22 � Art. 192, II, CF; art. 757, parágrafo único, CC; art. 21 da Lei nº 8.177/91. 23 � Resolução nº 14/91, CNPS; Decreto nº 4.986/2004. 24 � Deliberação nº 59/2001, SUSEP. 25 � Arts. 983, 984 e 985, CC; Dec-lei. nº 2.063/40, art. 1º; Dec. nº 60.459/67, art. 42, parágrafo único.
deverá arcar com a indenização em caso de sinistro. Oneroso, pois ambos contratantes assumem
uma obrigação a fim de obter uma vantagem. É um contrato de adesão, uma vez que se forma pela
aceitação do segurado as cláusulas impostas ou previamente estabelecidas26 pelo segurador sem
qualquer alternativa de discussão. O contrato de adesão é necessário para que a socialização dos
riscos seja efetivada, “se cada segurado negociasse em condições específicas, poderia resultar
frustrada a socialização dos riscos” 27. Em relação à forma, há uma divergência na doutrina; alguns
consideram o contrato de seguro como formal (ou solene), no qual se exige a forma escrita, ou seja,
o contrato só se aperfeiçoa com a emissão da apólice; enquanto outros consideram o contrato como
consensual, independendo de formalidade específica para se aperfeiçoar28. Finalmente, classifica-se
o seguro entre os contratos comulativos29, uma vez que o Código Civil de 2002 torna obrigatório à
seguradora “garantir interesse legítimo do segurado30” (art. 757). “Desse modo, o seguro deve ser
considerado contrato comulativo porque inexiste álea na obrigação contraída pela seguradora.
Enquanto vigorar a cobertura, ela é obrigada a administrar os recursos pagos a título de prêmio puro
por seus segurados, de modo a poder honrar os compromissos contratados com estes na hipótese de
sinistro” 31.
Segundo Renato Macedo Buranello, “ao contrato de seguro é imperativa a existência de
cinco elementos, a saber: garantia, interesse, risco, prêmio e empresarialidade” 32. O contrato de
seguro objetiva garantir ao segurado a eliminação ou a subtração dos efeitos de um possível
sinistro, e “as operações de seguro representam a garantia de um interesse contra a realização de um
risco, mediante pagamento antecipado de um prêmio” 33. O interesse é a relação existente entre o
segurado e a coisa, portanto é o que lhe faz contratar o segurador para assumir as consequências do
dano decorrente de um possível sinistro.
26 � Frequentemente, as cláusulas dos contratos de seguro são estipuladas pelos órgãos governamentais reguladores da atividade securitária. 27 � Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v. 3., p. 155. 28 � Nas palavras do Ulhoa Coelho; “até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a maioria da doutrina tinha por solene o seguro, porque somente se constituía o contrato após a sua documentação, isto é, o registro em instrumento escrito [...] como dizia o Código Civil de 1916 que o seguro ‘não obriga antes de reduzido a escrito, e considera-se perfeito desde que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros o lançamento usual da operação’, a solenidade do seguro resultava clara [...] Atualmente, não mais reproduzindo a lei aquela norma de exigência da documentação como elemento constitutivo do vínculo contratual, moderniza-se o direito do seguro brasileiro”, in Curso de Direito Comercial, cit., p. 156. 29 � Na lição de Renato Macedo Buranello; “a comutatividade está representada no fornecimento de garantia que perdura durante toda a vigência contratual; não se restringe ao pagamento de eventual indenização no caso de sinistro, o afastamento da repercussão pelo dano causado pelo sinistro é que representa a garantia prestada pela seguradora”, in Do Contrato de Seguros – O Seguro Garantia de Obrigações Contratuais, cit., p. 110. 30 � Para Carlos Roberto Gonçalves; “a afirmação constante do art. 757 do novo Código Civil de que, pelo contrato de seguro o segurador se obriga a garantir ‘interesse legítimo do segurado’, representa, pois, um avanço, dando a necessária amplitude aos bens que podem ser objeto da proteção para abranger todo interesse segurável relativo a pessoa ou a coisa” in Direito Civil Brasileiro, cit., p. 504-505. 31 � Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v. 3, p. 157. 32 � In Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações Contratuais, p. 114. 33 � Ibidem, p. 115.
O risco é considerado o elemento central do contrato de seguros; na ausência desse,
portanto, não há como falar em contrato de seguro. Conceitua-se o risco como “o acontecimento
possível, futuro e incerto, ou de data incerta, que não depende somente da vontade das partes” 34. A
seguradora avalia o risco estatisticamente, determinando o valor do prêmio para cobrir tal risco,
variando de acordo com os vários tipos de seguros. Pelo pagamento do prêmio transferem-se os
riscos para o segurador. A socialização dos riscos, segundo Fábio Ulhoa Coelho, originária da
evolução das técnicas de mutualismo, é a função econômica da atividade securitária. O risco deve
atender às seguintes condições, enumeradas por Renato Macedo Buranello: a) ser possível, futuro e
incerto; b) que o sinistro resulte em prejuízo econômico mensurável; c) ser fortuito; e d) ser lícito.
O prêmio pode ser definido pela remuneração necessária para a transferência de certo risco
do segurado para o segurador, ou seja, é a compensação pela assunção do risco. Os prêmios pagos
pelos segurados, excetuando a parte que se destina ao benefício da seguradora, formam um fundo
chamado reserva técnica, que deve ser conservado integralmente para o pagamento das quantias
prometidas aos segurados. Entende-se por reserva técnica, o limite criado pelo Conselho Nacional
de Seguros Privados, que obriga cada companhia seguradora a manter parcela de seu patrimônio
imobilizado. Veja-se:
Para onerar ou alienar bens da reserva técnica, a seguradora precisa de específica e
prévia autorização da Superintendência de Seguros Privados, autarquia responsável
pela fiscalização da atividade securitária. É, aliás, crime contra a economia popular a
ação ou omissão de que decorra insuficiência das reservas técnicas, fundos ou
provisões legais ou regulamentares (artigos 84, 85 e 110 do DL nº 73/66). As
reservas técnicas têm natureza de reservas de lucro, apropriadas pelas demonstrações
financeiras das sociedades anônimas em geral, e são retenções de prêmios puros, as
de lucro correspondem a retenções de resultado, que a lei ou o estatuto determinam
ou os acionistas entendem prudente realizar 35.
O prêmio decompõe-se em duas partes: a) prêmio puro, correspondente ao valor do risco
assegurado, que é a contribuição para o fundo, gerido pela seguradora, que garante o pagamento das
prestações na hipótese de verificação do evento coberto pelo seguro; e b) carregamento, que
remunera especificamente os serviços securitários, cobrindo as despesas operacionais e
proporcionando o lucro necessário para toda atividade econômica 36. Ainda nas palavras de
BURANELLO: “O fundo formado pela arrecadação dos prêmios deve ser matematicamente
calculado e destacado em linha específica no passivo de cada balanço, como um débito da 34 � Pedro Alvim, O Contrato de Seguro, cit., p. 214-215. 35 � Renato Macedo Buranello, Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações Contratuais, p. 125/136. 36 � Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, p. 153.
companhia para com os segurados” 37.
Em relação à empresarialidade, cabe ressaltar que a atividade de seguro é complexa, no
aspecto técnico da natureza econômica, determinante na apreciação da atividade como uma
operação técnica comercial, isto é, como atividade de empresa. Por isso deve ser exercida
profissionalmente, e tendo como finalidade o lucro. O nosso ordenamento, só admite compor o
contrato de seguro, como segurador, pessoa jurídica autorizada pelo Governo Federal (art. 757,
parágrafo único, do CC; art. 1º do Dec-lei nº 2.063/40; arts. 42, parágrafo único, e 48 do Dec. nº
60.459/67), uma vez que a Constituição Federal estabelece como competência exclusiva da União
“fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização,
bem como as de seguros e de previdência privada” (art. 21, VIII, CF)38. Havendo a presunção legal
de que seus agentes são seus representantes (art. 775, CC).
A boa-fé, como princípio fundamental do Direito, está presente em todos os contratos, no
entanto, como observa Carlos Roberto Gonçalves (2010: p. 505), “é mais energeticamente exigida
nos contratos de seguro”, no qual o Código Civil, em seu art. 765, requer, tanto do segurado como
do segurador, a mais estrita boa-fé e veracidade na conclusão e execução do contrato de seguro.
Logo, “se o segurador, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir
circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à
garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido” (art. 766, CC). Por sua vez, o “segurador que,
ao tempo do contrato, saber estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não
obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado” (art. 773). Todavia, enquanto a
boa-fé é presumida, a má-fé de ambos deverá ser comprovada, “pois, se o segurador ignorava que o
risco passara nulo será o contrato, repondo-se a situação ao estado anterior, sem qualquer sanção” 39.
Os contratos securitários distinguem-se em sociais e privados. Enquanto o primeiro é
realizado pelo Estado por via direta ou indireta, como política de seguridade social, “financiada por
toda sociedade, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” 40; como exemplo, o Seguro de Acidente de
Trabalho41 (SAT), contribuição de natureza tributária que tem como segurador o Instituto Nacional
de Seguridade Social (INSS), autarquia do Governo Federal. Os seguros privados são, em regra,
37 � Buranello, p. 121-122. 38 � Cabe ressaltar, como bem fez Paulo Gustavo Gonet Branco, que o artigo 21 da nossa Magna Carta “não esgota o elenco das competências materiais exclusivas da União, como se nota do artigo 177 da CF” in Curso de Direito Constitucional, cit, p. 869. 39 � Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, p. 530. 40 � Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, p.827. 41 � BRASIL. Ministério da Previdência Social. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=20. Acesso: 28/02/2011.
facultativos e dividem-se em duas espécies: de dano e de pessoa, que compreende o de vida, de
acidentes pessoais, de natalidade, de pensão, de aposentadoria, de invalidez e o seguro-saúde.
A diferença fundamental entre as espécies de seguro diz respeito à natureza da
prestação da seguradora na hipótese de verificação do evento segurado. No caso do
seguro de danos, a prestação tem indiscutível caráter indenizatório; no de pessoa, o
pagamento ao beneficiário não tem sentido de indenização (aliás, nem poderia ter, já
que a vida, jurídica e economicamente falando, não pode ser objeto de avaliação,
não tem preço) 42.
Dessa feita, no seguro de dano, o valor da apólice não pode ser superior ao do bem (art. 778, CC),
pois, se assim o fosse, a liquidação do seguro iria enriquecer o segurado, tornando de seu interesse a
ocorrência do sinistro, o que aumentaria o risco e consequentemente as bases atuariais da operação.
Pelo mesmo motivo, não é lícito ao segurado a prática do sobresseguro43. Já no seguro de pessoa,
por inexistir prestação de natureza indenizatória, o segurado pode livremente contratar o número de
seguros que lhe convir (art. 789). No seguro de pessoa, a verificação do evento segurável nunca
parecerá vantajosa ao segurado.
2.2 A REGULAMENTAÇÃO ESTATAL DO MERCADO DE SEGUROS
A regulamentação é uma forma indireta de intervenção do Estado no mercado. Para o
jurista espanhol Santiago Muñoz Machado:
A regulação é um conjunto de técnicas de intervenção pública no mercado, devendo
ser entendida como um controle prolongado e localizado, exercido por uma agência
pública, sobre uma atividade a qual a comunidade atribuiu relevância social 44.
O seguro consiste numa atividade de interesse público com intensa atuação estatal, uma vez que a
função do seguro é socializar entre aqueles expostos a determinado risco as repercussões
econômicas de sua realização.
O Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, estabelece que a competência legislativa
e fiscalizatória sobre seguros privados é privativa da União (art. 7º). Note-se que a referida norma é
anterior à Constituição vigente, “diz-se, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde
42 � Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v. 3, p. 157. 43 � Sobresseguro é a contratação pelo valor integral de mais de uma seguradora para a transferência dos riscos de um mesmo interesse. 44 � Servicio Público y Mercado: los fundamentos, t. I, p. 264.
a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição” 45. Ademais,
institui o Sistema Nacional de Seguros Privados, que é constituído pelo Conselho Nacional de
Seguros Privados, da Superintendência de Seguros Privados, dos Resseguradores, das Sociedades
autorizadas a operar em seguros privados e dos corretores habilitados.
2.2.1 Conselho Nacional de Seguros Privados
O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP – é o órgão de cúpula do Sistema
Nacional de Seguros Privados, sendo integrado, de acordo com a Lei nº 10.190/2001, pelo: Ministro
da Fazenda, ou seu representante; representante do Ministério da Justiça; representante do
Ministério da Previdência e Assistência Social; Superintendente da SUSEP; representante do Banco
Central do Brasil; e pelo representante da Comissão de Valores Mobiliários. Tal conselho deve
reunir-se pelo menos a cada três meses.
Tem como principais atribuições fixar as diretrizes e normas da política de seguros
privados; regular a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos que exercem a
atividade subordinadas ao Sistema Nacional de Seguros Privados, bem como a aplicação das
penalidades previstas; fixar as características gerais dos contratos de seguro, previdência privada
aberta e capitalização; estabelecer as diretrizes gerais das operações de resseguro; prescrever os
critérios de constituição das sociedades seguradoras, de previdência privada aberta e de
capitalização, com fixação dos limites legais e técnicos das respectivas operações; e, por fim,
disciplinar a corretagem do mercado e a profissão de corretor. Através dessas atribuições amplas, o
CNSP detém praticamente todo poder normativo sobre a atividade das empresas de seguros, o que
tornou possível “dar à política de seguros a flexibilidade necessária para que suas normas
estivessem sempre atualizadas em face da evolução do mercado” 46.
2.2.2 Superintendência de Seguros Privados
A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP – é uma autarquia vinculada ao
Ministério da Fazenda, dotada de personalidade jurídica de Direito Público, com autonomia
administrativa e financeira (art. 35 do Dec-lei nº 73/66). É administrada por um conselho diretor,
composto pelo superintendente e por quatro diretores, que são indicados pelo Ministro da Fazenda e
nomeados pela Presidente da República. Conforme Renato Macedo Buranello, a SUSEP “é o órgão
45 � Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, p.239. 46 � Renato Macedo Buranello, Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações Contratuais, p. 36.
executor das políticas adotadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados com responsabilidade
pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros, previdência privada aberta, capitalização e
resseguro, podendo, para tanto, baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das
operações de seguros” 47.
Compete à SUSEP fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das
Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência Privada Aberta e
Resseguradoras, na qualidade de executora das políticas traçadas pelo CNSP; atuar no sentido de
proteger a captação de poupança popular que se efetua através das operações de seguro, previdência
privada aberta, de capitalização e resseguro; zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos
mercados supervisionados; promover o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos
operacionais a eles vinculados, com vistas à maior eficiência do Sistema Nacional de Seguros
Privados e do Sistema Nacional de Capitalização; promover a estabilidade dos mercados sob sua
jurisdição, assegurando sua expansão e o funcionamento das entidades que neles operem; zelar pela
liquidez e solvência das sociedades que integram o mercado; disciplinar e acompanhar os
investimentos dessas entidades, em especial os efetuados em bens garantidores de provisões
técnicas; cumprir e fazer cumprir as deliberações do CNSP e exercer as atividades que por este
forem delegadas.
2.2.3 Resseguro
O resseguro é a operação na qual determinada seguradora repassa o risco de um contrato
de seguro superior à sua capacidade financeira – reserva técnica – a uma resseguradora, como forma
de mitigar o risco, preservar a sua estabilidade e garantir a liquidação do sinistro ao segurado. Até a
edição da Emenda Constitucional nº 13 de 1996, a Constituição só admitia “um órgão oficial
ressegurador”, tal órgão era o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, que após a referida emenda
e a abertura do mercado ressegurador passou a se chamar IRB Brasil Resseguros S/A, enquanto as
companhias resseguradoras passaram a operar no mercado interno, criando alternativas econômicas
ao monopólio estatal que até então existia.
O IRB Brasil Resseguros S/A é uma sociedade anônima de economia mista, dotada de
personalidade jurídica própria de Direito Privado, com controle acionário da União e vinculada ao
Ministério da Fazenda. “Criada originalmente como entidade reguladora, sua principal atribuição
era de regular o cosseguro48, o resseguro e a retrocessão49, além de promover o desenvolvimento
47 � Idem, p. 38. 48 � Divisão do valor do bem segurado entre duas ou mais seguradoras. 49 � Retrocessão é a pulverização dos riscos realizada entre companhias resseguradoras internacionais.
das operações de seguros no País. Com o advento da Lei Complementar nº 126/2007 não mais
exerce funções regulatórias, passando a ser um mero operador do mercado de resseguros” 50.
Hodiernamente, atuam no Brasil trinta e quatro companhias resseguradoras registradas na
SUSEP51, vez que pela Lei Complementar 126, de 15 de janeiro de 2007, passou a fiscalizar as
operações de resseguro, co-seguro e retrocessão (art. 3º). Por conseguinte, não há mais o monopólio
no mercado de resseguros de outrora, havendo concorrência entre resseguradores locais, admitidos e
eventuais.
Pela referida Lei Complementar, ressegurador local é aquele sediado no país constituído
sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de resseguro e
retrocessão. Enquanto ressegurador admitido é o sediado no exterior, com escritório de
representação no Brasil, cadastrado na SUSEP, e, por fim, ressegurador eventual é a companhia
resseguradora estrangeira que não possui escritório de representação no Brasil, sendo vedado o
cadastro de empresas estrangeiras sediadas em paraísos fiscais52 (art. 4º, § 1º, LC 126/2007).
50 � Leonardo Vizeu Figueiredo, Lições de Direito Econômico, p. 293. 51 � Fenaseg <http://www.fenaseg.org.br/main.asp?View={CA8C360A-637B-434F-BC5F-3E012D0B6417}> Acesso: 02/03/2010. 52 � A norma considera paraísos fiscais países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade.
3. A COMPOSIÇÃO DO RANKING DE MAIORES SEGURADORAS NO BRASIL E A PERMEABILIDADE DO MERCADO DE SEGUROS
Mesmo após crise econômica que abalou o mundo nos últimos anos (crise imobiliária norte-
americana de 2008), a atividade seguradora no Brasil tem demonstrado um considerável
crescimento anual, em comparação com outros setores.
Espera-se que o crescimento sustentado do PIB brasileiro, a aceleração dos investimentos
em infra-estrutura, tendo em vista os eventos assumidos pelo país como a Copa do Mundo em 2014
e as Olimpíadas em 2016, e a nova fronteira de exploração do petróleo, bem como de outras fontes
de energia, através de seus efeitos para os mais diversos setores possam gerar oportunidades para as
variadas áreas de seguro. Segundo Acacio Queiroz, em palestra sobre o tema: “Economia do Brasil
e o Mercado Segurador – Perspectivas 2011”, no Sindicato das Seguradoras de São Paulo –
Sindseg/SP,” nos próximos anos, os seguros com maior potencial de crescimento são os de riscos de
obras (17%), grandes riscos empresariais (15%), habitacional (13%), previdência (12%), saúde
(12%) e vida e acidentes pessoais (11%).”.
Do ponto de vista concorrencial, observa-se que o setor apresenta peculiaridades que
interferem na intensidade da concorrência entre as empresas, diferentemente do que ocorre nas
demais áreas da economia. Vale ressaltar que as características próprias do seguro, como um fundo
financeiro para garantia das possíveis indenizações, contribuem para o padrão concorrencial
existente.
Conforme os estudos patrocinados pela SINCOR-SP, baseado em dados da SUSEP nota-se
que, ao comparar a colocação das dez maiores seguradoras no ranking nacional, elaborado pelo
sindicato, nos últimos anos, não há relevantes alterações no índice de participação no setor. Pode-se
dizer que há uma “manutenção” do crescimento e expansão de mercado das empresas, ou seja, não
alteram sua posição relativa no ranking. O quadro abaixo o demonstra:
TABELA I Ranking de Seguros em 2009 – Total (sem VGBL)
Grupos Valores Part. % 1 Bradesco 5.082.920 18,68% 2 Sul-América 4.128.331 15,17%
3 Itaú-
Unibanco 3.629.076 13,33% 4 Porto Seguro 2.398.360 8,81% 5 Mapfre 1.854.142 6,81%
6 Allianz 1.087.321 4,00%
7 Aliança do Brasil 934.459 3,43%
8 Tókio Marine 788.055 2,90%
9 Liberty 734.930 2,70%
10 Caixa Seguros 697.047 2,56%
TABELA II Ranking de Seguros em 2010– Total (sem VGBL)
Grupos Valores Part. % 1 Bradesco 6.151.927 20,16% 2 Sul-América 3.871.764 12,69%
3 Itaú-
Unibanco 3.595.796 11,78% 4 Porto Seguro 2.629.809 8,62% 5 Mapfre 1.915.441 6,28%
6 Banco do Brasil 1.868.173 6,12%
7 Allianz 1.242.506 4,07% 8 Liberty 918.413 3,01%
9 Caixa Seguros 834.794 2,74%
10 Santander 826.880 2,71% Por ser o seguro fundamentalmente sinônimo de segurança e estabilidade, as
seguradoras normalmente possuem clientes (consumidores) cativos, ou seja, dificilmente esses
clientes trocariam a marca enraizada em seu imaginário por uma empresa recém-chegada no
mercado. Além disso, o fato das grandes seguradoras operarem com economia de escala (aumento
do produto ocasiona a redução do custo unitário do produto, em um determinado período) é mais
um entrave para os novos players, pois, inicialmente, não conseguem apresentar preços
competitivos.
Outra barreira alta para a entrada de novas empresas no mercado securitário diz
respeito aos canais de distribuição. Conforme previsão legal, os seguros são “distribuídos” pelos
corretores de seguros e pelas próprias seguradoras. Apesar das corretoras terem um caráter
independente, observa-se uma proximidade na relação dessas duas figuras. Ou seja, seria necessário
ao novato no mercado romper essa consolidada relação ou criar novos canais de distribuição, o que
exige alto investimento. Vale ressaltar que o fator financeiro talvez não seja o grande entrave na
formação desses novos canais de distribuição, pois, normalmente, as seguradoras estão “ligadas” a
consideráveis grupos financeiros que poderiam garantir tal investimento. Porém, a realização de tal
gasto para ingresso no mercado não é interessante.
A mão-de-obra utilizada nesse mercado é bastante especializada. Em seguros o
capital humano é vital para o bom funcionamento da empresa. Tal aperfeiçoamento leva tempo e
alto custo. O novo player teria que investir na captação dessa mão-de-obra especializada, que não se
desloca com facilidade, ou preparar seus próprios funcionários, tarefa nem um pouco vantajosa,
consolidando, assim, mais uma barreira de entrada.
Também há entraves para a saída de uma empresa do setor. Pode-se destacar que há
um alto custo de saída em razão do passivo trabalhista (todos os pagamentos e gastos normais de
uma empresa com os funcionários, como salário e pagamento de férias, por exemplo, e as
reclamações trabalhistas feitas pelos funcionários) que geralmente é alto. Porém, o principal
impedimento consiste na necessidade das seguradoras manterem provisões técnicas para o
pagamento de obrigações futuras. Assim, devido às inviabilidades práticas para saída do mercado,
nota-se que a fusão ou a venda para outras companhias é o meio mais utilizado.
Como bem afirma João Marcos Brito Martins, “a rivalidade entre as empresas
seguradoras existe de forma mitigada” 53. Ao se observar o ranking das 10 (dez) maiores
seguradoras no Brasil, não se nota grandes alterações ano após ano.
Não há uma concorrência acirrada. Ou seja, devido aos limitadores apontados
(características do próprio sistema e limitações de caráter jurídico), no mercado securitário há uma
concorrência limitada, mais aparente que real. As empresas buscam novos clientes e supostamente
programam novas políticas para a expansão do mercado, porém não se notam mudanças
consideráveis no cenário concorrencial.
4. A INSERÇÃO DOS CONTRATOS DE SEGURO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
O Código de Defesa do Consumidor, a grosso modo, foi uma forma do Estado
brasileiro chamar para si a responsabilidade de defender o consumidor, ou seja, o Estado passou a
intervir na relação fornecedor e consumidor.
53 MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguros. 1ªed. Rio de Janeiro: Forense, p.133.
A defesa do consumidor está prevista nos direitos e garantias fundamentais da Carta
Magna Brasileira, nos artigos 5°, inciso XXXII, e 170, inciso V do Diploma. Com o advento da Lei
n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), diversas modalidades de contratos tiveram suas
realidades jurídicas alteradas com a imposição de novas obrigações, sob novos princípios que
passariam a regê-los. A apólice – instrumento material do contrato de seguro – foi uma dessas
modalidades contratuais submetidas à nova disciplina jurídica do CDC, como se vê pelo § 2º do seu
artigo 3º. Porém, trata-se de uma relação complexa, haja vista a possibilidade de conflitos com
princípios técnicos- normativos que regem a matéria.
Conforme Angélica L. Carlini, o seguro é ”fundado na formação de um fundo
comum para o qual contribuem todos os segurados com o pagamento de suas parcelas de prêmio, o
seguro somente encontra sustentabilidade quando desse fundo são retirados valores que
efetivamente deveriam ser pagos.” 54 Ou seja, cada segurado (consumidor de seguro) é também
responsável pela correta manutenção do fundo comum. No seguro, tanto as seguradoras como os
segurados apresentam papel relevante na manutenção desse sistema.
O contrato de seguro tem também, como característica relevante, o risco, sendo
assim importante a boa relação entre as partes contratantes no momento da elaboração deste
contrato. Torna-se evidente, então, a necessária boa-fé do segurador, e, também, do segurado
(consumidor) na “execução” dos contratos de seguro, desde o momento da avaliação dos riscos aos
quais está sujeito até o registro do sinistro para futura indenização.
No entanto, a busca por ampliação de mercado, por meio, principalmente da
massificação do consumo, tem alterado o verdadeiro sentido do contrato de seguro. Ao invés do
seguro significar, no imaginário da população, uma promessa de restituição/indenização que a
seguradora faz ao segurado mediante o recebimento do prêmio, a apólice é percebida como um
conjunto de serviços previamente contratados junto à seguradora para “salvá-lo” diante de qualquer
intempérie. Olvida-se de que o consumidor também tem obrigações para o funcionamento do
seguro, por exemplo, através do correto pagamento das parcelas do prêmio.
Na procura por novos usuários/consumidores do seguro, as seguradoras, além das
propagandas fomentadoras de uma falsa ideia de seguro, ou seja, o contrato de seguro ao invés de
54 CARLINI, Angélica L. e outros. Cadernos de Seguro – Pesquisa. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Seguros – Funeseg, 2006.
ser uma proteção contra para riscos futuros previstos no contrato, passa a ser tratado como um
pacote de vantagens em que os riscos ficam em segundo plano, acrescentam novos serviços às
apólices (o seguro do carro com mecânica de urgência, e o seguro de vida com auxílio funerário,
por exemplo) como atrativos para os novos segurados. Percebe-se que, com esse comportamento, o
consumidor-segurado tem a impressão de que está utilizando um serviço, mesmo que não ocorra um
sinistro. Aos poucos o contrato de seguro vem sendo descaracterizados, colocando em risco seu
funcionamento.
Com isso, pode haver tendência de escolha de uma das grandes seguradoras pelo
cliente, devido às diversas vantagens apresentadas, dificultando ainda mais a concorrência para os
menores, nesse mercado.
Vale lembrar que o seguro, segundo as palavras de João Marcos Brito Martins55:
(...) é um sistema que permite a uma pessoa, família ou empresa,
transferir as conseqüências financeiras de uma perda para uma
companhia de seguros, a qual, por sua vez, indeniza o segurado pelos
prejuízos sofridos (desde que cobertos no contrato) e distribui os
custos entre os segurados.
Ao ser tratado como um produto/serviço, o seguro passa a ser monitorado, também,
pelo Código de Defesa do Consumidor e sofrer os reflexos desse controle. O pagamento indevido
de indenizações, por exemplo, a restituição de prejuízos devidos a fraude do consumidor (tanto nos
casos em que há omissão de informações no momento da celebração do contrato como a prática de
atos delituosos) em que não foi possível ser provada pela seguradora o dolo, colocando em risco o
fundo financeiro constituído pelos prêmios pagos, pode ser citado como um dos reflexos dessa
descaracterização.
Embora o panorama dos julgados nacionais revelem a ampla aplicação dos
princípios asseguradores da defesa do consumidor hipossuficiente aos contratos de seguros, os quais
tem suas cláusulas esmiuçadas, revistas, suspensas e limitadas pelos juízes, não se observa nenhuma
preocupação com os efeitos da concentração de mercado de seguros.
Para efeito de indicação de um fenômeno que sinaliza o descontentamento de
consumidores com o atual estágio do mercado restrito e regulado, cita-se o caso dos caminhoneiros
autônomos que tem se reunido em associações ou cooperativas com o fito de formarem fundos
particulares, não submetidos às exigências das normas legais de seguros e da SUSEP. Com tais
fundos, prometem cobrir os prejuízos sofridos pelos associados ou cooperados, especificados em
55 MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguros. 1ªed. Rio de Janeiro: Forense, p.11.
cláusulas próprias. Funcionam denominando-se clubes de seguros.
Já há caso de multa da SUSEP sobre uma tal associação, conforme notícia publicada
em http://www.cargapesada.com.br/noticias/noticia_ver.php?id=3018, com último acesso em 11 de
março de 2011.
Entre os caminhoneiros, há os que parecem ter um descontentamento com o valor do
prêmio e com as dificuldades para se contratar o seguro de veículos mais erados. Assim, desenha-se
um cenário de tensão entre as companhias de seguros e o público consumidor caminhoneiro.
É matéria para um próximo trabalho investigar as hipóteses de outros cenários
concorrenciais, inclusive hipoteticamente, para se poder concluir com firmeza se haveria ou não
outro desenlace para tal tensão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 2ª Ed – Rio de Janeiro: Forense, 1986.
BAGNOLI, Vicente. Introdução ao Direito da Concorrência: Brasil – Globalização – União
Européia – Mercosul – ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005.
BRASIL. Lei nº. 8.8884/94, de 11 de junho de 1994. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>. Acesso em: 20.01.2011.
BRASIL. Resolução nº. 20 do CADE, de 09 de junho de 1999. Disponível em:
<http://www.globalcompetitionforum.org/regions/s_america/Brazil/20.pdf>. Acesso em:
11.01.2010.
BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações
Contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
CADE. Guia Prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3. ed. Revista, ampliada,
bilíngue. São Paulo: CIEE, 2007.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.
CARLINI, Angélica L. e outros. Cadernos de Seguro – Pesquisa. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Escola
Nacional de Seguros – Funeseg, 2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, v.3. 5ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.
DAMASCENO, Arthur Sabino e outros. Em debate 6. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Seguros – Funeseg, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V. 3: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. 25ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense,
2010.
GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito Antitruste: o combate aos
cartéis. São Paulo: Saraiva, 2009.
KHEMANI, R. Shyam, et al. Diretrizes para elaboração e implementação de política de defesa da
concorrência. São Paulo: Ed. Singular, 2003.
MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MEDAUAR, Odete. Regulação e auto regulação. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Renovar, n. 228, p. 123-128, abr./jun. 2002, p. 127.
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da concorrência e globalização econômica – o controle
da concentração de empresa. São Paulo: Malheiros, 2002.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. princípios e fundamentos
jurídicos. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
SANTOS, Ricardo Bechara dos. Direito de seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria. 1ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
TZIRULNIK, Ernesto. Estudos de direito do seguro - Regulação de Sinistro (ensaio jurídico) e Seguro e fraude. 1ª ed. Editora Max Limonad, 1999.
Referências Acessos
http://www.ratingdeseguros.com.br/pdfs/rankbra0610.pdf Acessado no dia 27/01/2011 http://www.segs.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=30572:mercado-de-seguros-nao-deve-ter-pressa-em-crescer-aconselha-presidente-da-chubb&catid=45:cat-seguros&Itemid=324 Acessado no dia 07/03/2011