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133 matraga, rio de janeiro, v.16, n.24, jan./jun. 2009 MODELOS FORMAIS DE GRAMÁTICA: O PROGRAMA MINIMALISTA VS. GRAMÁTICAS BASEADAS EM RESTRIÇÕES – HPSG E LFG Érica dos S. Rodrigues PUC- RJ Marina R. A. Augusto UERJ RESUMO Este artigo apresenta alguns dos principais modelos formais mais discutidos e adotados na presente década. O Minimalismo, ver- são atual do gerativismo chomskyano, a Lexical Functional Grammar e a Head-Driven Phrase Structure Grammar são os modelos abordados. A comparação entre os objetivos de cada modelo, aspectos de sua formalização e alcance de aplicabilidade permite esboçar as principais tendências dos estudos formais no quadro dos estudos linguísticos. PALAVRAS-CHAVE: modelos formais – minimalismo – LFG – HDPS 1. Introdução O emprego do adjetivo formal para fazer referência a modelos linguísticos tem gerado muitas imprecisões devido às diferentes acepções que o termo pode assumir. O adjetivo formal é comumente empregado em Linguística em oposição a funcional, e remete a abordagens teóri- cas que se voltam à investigação de fatores linguísticos estruturais, estabelecendo uma separação entre aspectos gramaticais e elementos relacionados ao universo pragmático e comunicativo dos falantes de

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    MODELOS FORMAIS DE GRAMTICA:O PROGRAMA MINIMALISTA VS. GRAMTICASBASEADAS EM RESTRIES HPSG E LFG

    rica dos S. RodriguesPUC- RJ

    Marina R. A. AugustoUERJ

    RESUMOEste artigo apresenta alguns dos principais modelos formais maisdiscutidos e adotados na presente dcada. O Minimalismo, ver-so atual do gerativismo chomskyano, a Lexical FunctionalGrammar e a Head-Driven Phrase Structure Grammar so osmodelos abordados. A comparao entre os objetivos de cadamodelo, aspectos de sua formalizao e alcance de aplicabilidadepermite esboar as principais tendncias dos estudos formais noquadro dos estudos lingusticos.PALAVRAS-CHAVE: modelos formais minimalismo LFG HDPS

    1. Introduo

    O emprego do adjetivo formal para fazer referncia a modeloslingusticos tem gerado muitas imprecises devido s diferentes acepesque o termo pode assumir. O adjetivo formal comumente empregadoem Lingustica em oposio a funcional, e remete a abordagens teri-cas que se voltam investigao de fatores lingusticos estruturais,estabelecendo uma separao entre aspectos gramaticais e elementosrelacionados ao universo pragmtico e comunicativo dos falantes de

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    uma dada lngua. Como principal representante dessa linha de investi-gao, costuma-se apontar a gramtica gerativa chomskyana, a qual,em sua trajetria, pode ser caracterizada como um programa de pes-quisa que vem buscando construir um modelo formal de lngua queatenda tanto a condies de adequao descritiva quanto explanatria,isto , que, alm de permitir caracterizar as gramticas das lnguasparticulares, possa explicar como se d o processo de aquisio dalinguagem a partir de um input lingustico restrito. Formal, pois, naGramtica Gerativa, remete tanto primeira acepo do termo quantoao sentido de formalizado. Nessa segunda acepo, a GramticaGerativa pode ser entendida como uma gramtica formal, que faz usode uma notao matematicamente precisa para explicitar os mecanis-mos que definem as estruturas lingusticas. A Gramtica Gerativa, con-tudo, apenas um tipo de gramtica formal. Alm da abordagemgerativa, podem ser citadas propostas alternativas que compartilham aconcepo de lngua como um sistema de representao mental quepode ser modelado a partir de um vocabulrio definido. Neste artigo,busca-se comparar, em linhas gerais, a verso mais recente da propostagerativa o Programa Minimalista - a duas teorias alternativas, debase lexicalista, no-transformacionais a Lexical Functional Grammar(LFG) e a Head-Driven Phrase Structure Grammar (HPSG), ambas decerto modo herdeiras da tradio gerativista.

    O artigo apresenta a seguinte organizao. Faz-se inicialmenteum breve histrico, seguido da apresentao das trs propostas Minimalismo, LFG e HPSG, buscando-se destacar seus objetivos e asprincipais caractersticas de sua arquitetura formal. Finaliza-se comuma comparao entre os modelos.

    2. Breve histrico

    comum tomar-se o gerativismo como principal representantedo formalismo na Lingustica. A proposta de um novo modelo para osestudos lingusticos comeou a ser delineada em 1957, momento emque Chomsky props a adio de um componente transformacional auma gramtica de estrutura frasal do tipo context-free. Assumindo quecertas dependncias no poderiam ser capturadas por um modelo degramtica desse tipo, as transformaes tiveram como funo, nosurgimento da teoria gerativa, captur-las, relacionando uma estruturaprofunda, sede da interpretao semntica, a uma estrutura superficial.

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    Na dcada de 70, no entanto, o papel da estrutura profunda comosede da interpretao semntica ganha uma reinterpretao, na voz deKatz e Postal, que propem que toda a informao semntica estejarepresentada nesse nvel. o surgimento da semntica gerativa. Essanova corrente dissolve a distino entre lxico e sintaxe, uma vez queos tomos de sentido dos itens lexicais formam os prprios constituin-tes sintticos. A distncia entre estrutura profunda e superficial am-pliada, intensificando-se a necessidade de aumento do nmero e tiposde transformaes para relacionar esses dois nveis.

    H uma forte reao a essa proposta por parte de Chomsky,Jackendoff e outros gerativistas. Essa dcada assiste, assim, explicitaoda hiptese lexicalista, a qual defende que as transformaes tm umpapel limitado na manipulao de itens lexicais, podendo rearranj-los, mas jamais alter-los, restringindo, desse modo, a morfologiaderivacional ao componente lexical. Jackendoff, por sua vez, demons-tra que certo tipo de interpretao semntica no pode prescindir deinformao disponibilizada pela estrutura superficial, dando incio viso de uma forma lgica, locus da interpretao semntica, alimenta-da pelo output da sintaxe. Ao mesmo tempo, uma preocupao cons-tante pela delimitao do poder gerativo das regras transformacionaisganha espao cada vez maior.

    Esse conjunto de preocupaes ser responsvel, na dcada de80, pelo desenvolvimento do arcabouo terico mais fecundo da gra-mtica gerativa: Princpios e Parmetros (P&P), assim como pelosurgimento de modelos formais alternativos, como a Lexical-FunctionalGrammar (LFG) e a Head-driven Phrase Structure Grammar (HPSG).

    As teorias formais dissidentes da verso gerativista clssica tmem comum o fato de adotarem uma abordagem lexicalista forte e rejei-tarem a concepo de transformaes sintticas.

    3. Minimalismo

    A verso mais recente do gerativismo clssico - o ProgramaMinimalista (CHOMSKY, 2007) - tem como principal objetivo construiruma teoria da gramtica fundada sobre conceitos naturais exclusiva-mente, baseando-se em uma viso de economia que implica noes deque nenhuma teoria da gramtica possa prescindir e apenas essas. Aaquisio da linguagem se mantm como uma das preocupaes teri-cas centrais e questes relativas ao uso so reconsideradas. Vrios tra-

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    balhos passam a engendrar discusses relativas articulao entreprocessamento lingustico e gramtica e contemplam a possibilidadede adotar os pressupostos e mecanismos assumidos no minimalismopara o parsing e a formulao de enunciados (PHILLIPS, 1996 e CORRA;AUGUSTO, 2007).

    3.1. Arquitetura formal: principais caractersticas

    Assume-se a noo de Faculdade da Linguagem - entendida comoum componente especfico da mente/crebro humano, cujo estado ini-cial determinado biologicamente e cujo estado final estvel consti-tui a gramtica de uma lngua especfica, ou lngua-interna (Lngua-I).A gerao de estruturas da lngua resultado da atuao de um sistemacomputacional, que se encontra encaixado nos sistemas de desempe-nho. Recentemente, Hauser, Chomsky & Fitch (2002) tm se referido aosistema computacional em si como FLN (Faculty of Language in thenarrow sense) e ao conjunto desse e dos sistemas cognitivos com osquais FLN faz interface como FLB (Faculty of language in the broadsense). Assumem-se, assim, dois nveis de representao para uma sen-tena da lngua, responsveis pelo pareamento entre som/forma e sen-tido: os nveis de representao Forma Fontica (PF - do ingls PhoneticForm) e Forma Lgica (LF - do ingls Logical Form), conceptualmentemotivados por fazerem interface com os sistemas de performance: sis-tema sensrio-motor (interface fontico-fonolgica) e os sistemasconceituais-intencionais (interface semntica).

    3.1.1. Traos e operaes

    Na viso minimalista, no h regras especficas a serem adquiri-das. O lxico comporta toda a informao paramtrica peculiar a umadada lngua e o sistema computacional sensvel a esse tipo de infor-mao. Essa codificao paramtrica possibilitada pela concepo deque os itens lexicais constituem conjuntos de traos que retratam tantopropriedades fonticas e semnticas, como tambm propriedades gra-maticais, representadas por traos formais do tipo: gnero, nmero,pessoa, Caso, QU, etc.

    O sistema computacional composto por uma srie de operaes- Select, Merge, Agree/Move - que atuam sobre uma Numerao umconjunto de itens lexicais selecionados. Mais especificamente, o siste-ma computacional atua sobre os traos formais/gramaticais dos itens

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    lexicais, a fim de que, em um determinado momento da derivao sin-ttica (Spell-Out), em que s restem traos fonolgicos, semnticos ouformais passveis de interpretao pelos sistemas de pensamento, seenvie a cada uma das interfaces lingusticas a informao relevantepara os sistemas de desempenho.

    A seleo de itens lexicais e de seus respectivos traos para aformao da Numerao determina, portanto, a atuao das operaesdo sistema computacional. A combinao de elementos se faz pela atu-ao da operao Merge, de acordo com uma concepo de Teoria X-barra reformulada.1 A imposio de interpretabilidade dos traos,advinda dos sistemas de interface, impe ao sistema computacional oacionamento da operao Agree. Traos interpretveis e no-interpretveis de mesmo tipo podem ser associados a categorias quesero relacionadas no decorrer da derivao sinttica por meio dessaoperao. A operao Move passa a ser entendida como Copy + Merge.Nesse momento, assume-se que cpias do elemento deslocado so ge-radas, as quais, por sua vez, no sero pronunciadas no output fonti-co, embora possam ser relevantes para questes de interpretao, nocomponente semntico.

    Outro aspecto que crucial apontar diz respeito incorporao,em 1998, da noo de fase. A derivao procede por subarranjos deitens lexicais disponibilizados na Numerao.

    3.1.2. Princpios gramaticais

    No Minimalismo, identificam-se duas categorias de princpios:princpios relacionados ao mecanismo de derivao sinttica, os cha-mados Princpios de Economia e as Condies de Localidade, e aquelesrelativos aos nveis de representao que fazem interface com os siste-mas de desempenho - o Princpio de Interpretabilidade Plena e a Con-dio de Inclusividade.

    Em suma, no Minimalismo, tem-se uma caracterizao da Facul-dade da Linguagem mais restrita e enxuta, com princpios, de cartermais geral, e parmetros, definidos sobre propriedades do lxico.

    4. Lexical Functional Grammar

    A Lexical Functional Grammar (LFG) uma teoria notransformacional, baseada em restries, que assume um lxico alta-mente estruturado e toma como primitivos tericos funes gramaticais.

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    A proposta de arquitetura formal da LFG foi desenvolvida no final dadcada de 70 e descrita em detalhes pela primeira vez em Kaplan &Bresnan (1982). A LFG o resultado da convergncia de investigaesconduzidas, no incio dos anos 70, na rea da Lingustica, daPsicolingustica e das Cincias da Computao.

    Como visto na introduo, na Lingustica, havia um movimentode forte reao ao chamado Modelo Padro da Gramtica Gerativa. NaPsicolingustica, por sua vez, resultados experimentais colocavam emxeque a Teoria da Complexidade Computacional e, nas Cincias daComputao, ganhava destaque o trabalho de pesquisadores comoKaplan, Wanner & Maratsos, envolvidos com o formalismo daAugmented Transition Network, o qual operava livre do conceito detransformaes e permitia representar relaes gramaticais em termosde atributos e valores.

    Devido natureza matematicamente precisa, bem definida e flexibilidade do formalismo assumindo na LFG, a teoria tem sido parti-cularmente relevante para a investigao de lnguas tipologicamentedistintas, em especial das chamadas lnguas no-configuracionais, etambm para o desenvolvimento de recursos computacionais de parsinge gerao de sentenas. Bresnan (2001) observa que, alm da rea dasintaxe, h tambm um nmero expressivo de trabalhos nas reas desemntica e de morfologia. Destaca ainda as articulaes da LFG comTeoria de Otimalidade e com abordagens voltadas a anlises lingusti-cas de cunho probabilstico, como as do Data-Oriented Parsing.

    4.1. Arquitetura formal: principais caractersticas

    A LFG apresenta duas caractersticas definidoras: sua orientaofortemente lexicalista e sua orientao funcional, no sentido de tomarcomo primitivos tericos as funes gramaticais. Esse ltimo aspectorepresenta uma diferena crucial em relao s propostas gerativistas.Como observa Bresnan (2001), enquanto a Gramtica Gerativa concebeo design da gramtica universal de modo configuracional, a LFG assu-me uma abordagem relacional, em que a informao relativa estrutu-ra de predicados e argumentos, bem como a funes gramaticais, queseria relevante para a caracterizao do que h de universal entre asdiferentes lnguas.

    Outra caracterstica da LFG que o modelo opera com mltiplosnveis de representao, cada qual com sua prpria arquitetura, voca-

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    bulrio e restries, os quais so paralelos e ligados por meio de regrasde correspondncia.

    4.1.1 Nveis de representao

    Os principais nveis de representao assumidos na LFG so aestrutura argumental (estrutura-a), a estrutura funcional (estrutura-f) ea estrutura de constituintes (estrutura-c).

    A estrutura-a codifica informao lexical relativa ao nmero,tipo sinttico e organizao hierrquica dos argumentos de umpredicador, tendo uma natureza mista semntica e sinttica. Omapeamento dessa estrutura argumental em funes sintticas se fazcom base em alguns princpios que restringem as condies em que omapeamento pode ocorrer. Por exemplo, h um princpio que especifi-ca que todo predicador deve ter um sujeito; outro que especifica comobiunvoca a associao entre papis temticos e funes sintticas.

    A estrutura-f codifica funes gramaticais como sujeito, objeto,e tambm traos funcionais como tempo, aspecto, pessoa, nmero, etc.A funo gramatical e os traos so atribudos a um dado item pormeio de uma matriz atributo-valor (attribute value matrix AVM).

    O exemplo, a seguir, reproduzido de Bresnan (2001, p. 46) ilustraa estrutura-f (conjunto finito de pares de atributos e valores) da senten-a em ingls Lions live in the forest.

    Figura 1: estrutura-f

    Nessa representao, do lado esquerdo esto os atributos e, dolado direito, os valores a eles relacionados. Um atributo pode ser um

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    smbolo (SUBJ, TENSE, PRED, NUM). Um valor pode ser um smbolo,ou uma forma semntica (um smbolo complexo entre aspas simples),ou ainda outra estrutura-f. No exemplo considerado, o atributo PREDda sentena o verbo live, ao qual se associa o atributo TENSE (traode tempo), cujo valor presente. Os atributos expressos pelas funesSUBJ e OBLloc tambm tm sua estrutura interna representada emtermos de uma matriz atributo-valor, conforme indica a notao decolchetes utilizada.

    importante observar que a atribuio do nome funcional estrutura-f se deve no apenas ao fato de esta conter funes gramati-cais, mas tambm pelo sentido matemtico do termo funo, j que, deacordo com a Condio de Unicidade que atua sobre estruturas-f, todoatributo deve ter um nico valor.

    Alm da Condio de Unicidade, duas outras condies gerais deter-minam a boa-formao das estruturas-f: a Condio de Completude e a deCoerncia. Essas duas condies se aplicam aps a estrutura-f ter sidoconstruda e asseguram que todas as funes gramaticais requeridas porum predicado (e apenas elas) estejam presentes na estrutura-f da sentena.

    A estrutura-c codifica a forma sinttica superficial da sentena,incluindo informao de natureza categorial, ordem de palavras e es-trutura de constituintes. A estrutura da sentena representada pormeio de rvores, em geral utilizando-se a notao da Teoria X-barra, e gerada por regras de estrutura frasal. importante observar, contudo,que, diferentemente de P&P, as representaes da estrutura-c so sem-pre geradas na base; no, h, pois, movimentos sintticos e vestgios.

    Uma distino importante em relao teoria gerativachomskyana que nem todos os sintagmas so endocntricos. Almdesse tipo de sintagma, a LFG assume uma categoria frasal exocntricaS para representar certas relaes sintticas particularmente em ln-guas cuja ordem de palavras bem livre e a morfologia rica.

    Na LFG, um princpio de Economia de Expresso requer que se-jam eliminados da estrutura-c constituintes sintticos desnecessrios.Esse princpio limita fortemente o emprego de categorias vazias naestrutura-c, distanciando a LFG da proposta de Princpios e Parmetros.

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    4.1.2 Mapeamento entre estrutura-c e estrutura-f

    As correspondncias entre estrutura-c e estrutura-f se fazem pormeio de equaes funcionais. Cada n da rvore sinttica marcadocom uma varivel que permite estabelecer uma correspondncia commatrizes atributo-valor da estrutura-f. A ttulo de exemplificao, re-produzimos de Falk (2001, p. 66) a estrutura-c e a estrutura-f da sen-tena The hamster will give a falafel to the dinossaur:

    Figura 2: estrutura-c e estrutura f

    Um conjunto de todas as equaes funcionais, chamado de des-crio-f, permite o mapeamento entre a estrutura-c e a estrutura-f.Vejamos algumas das equaes funcionais que compem a descrio-fda sentena acima.

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    (f1SUBJ) = f2

    f1= f7

    f9= f10

    (f10 PRED)= give < (f10 SUBJ) (f10 OBJ) (f10 OBLGoalOBJ)>

    A equao funcional (f1SUBJ)=f2 indica que o sujeito da senten-a corresponde ao constituinte marcado com a varivel f2 o DPf2; f1=f7 indica que os constituintes marcados com essas variveis, respectiva-mente, o IP e o I possuem a mesma estrutura-f. A equao f9= f10indica que o ncleo do VP o V cuja estrutura de predicao dadapela funo (f10 PRED)= give < (f10 SUBJ) (f10 OBJ) (f10 OBLGoalOBJ)>.

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    As equaes funcionais representam relaes locais e podem serexpressas por meio de metavariveis de dois tipos: ? e ?. A seta ? usada para o n filho e a seta ? para o n me. A figura abaixo,reproduzida de Falk (2001, p.69) ilustra esses tipos de relaes:

    Figura 3: Metavariveis

    Operaes de unificao permitem verificar compatibilidade detraos e funes dos elementos da sentena. Esse mecanismo, associa-do ao formalismo das equaes funcionais, facilita a implementaocomputacional do modelo.

    5. Head-Driven Phrase Structure Grammar

    A HPSG, desenvolvida na dcada de 80 por Carl Pollard e IvanSag, descrita por Kim (2000, p.7) como a non-derivational, constraint-based, surface oriented grammatical architecture, cujo objetivo cons-truir uma teoria do conhecimento mental que permite a um falantefazer uso de uma lngua natural. Nesse ltimo aspecto, sua aproxima-o com a teoria gerativa clssica explcita. Por outro lado, a opopor uma arquitetura representacional, no derivacional, do tipouniestrato, a afasta das propostas chomskyanas, seja pelo fato de aP&P ter adotado, inicialmente, uma arquitetura de vrios nveisrepresentacionais, seja pelo fato de que o arcabouo mais recente, o

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    Minimalismo, adota uma verso derivacional. Uma consequncia daopo por uma representao unificada, qual se aplicam restriesdeclarativas, torna a idia de transformaes ou operaes como Moveprescindveis. Outra caracterstica da HPSG que se trata de um mode-lo lexicalista, em sua verso mais forte, uma vez que lana mo de umlxico altamente rico e complexo em suas representaes. A nfasecolocada na preciso matemtica a habilita como modelo formal paraimplementaes computacionais, embora seu objetivo principal seja o daadequao descritiva, isto , o de prover descries sintticas precisas.

    A HPSG tem mostrado uma abrangncia considervel, constitu-indo-se em um campo de notvel atividade. H vrias compilaesbibliogrficas devotadas a HPSG disponveis on-line a partir de dife-rentes universidades. reas de aplicao como a aquisio de primeirae segunda lnguas e a implementao computacional tm sido objetode interesse para a HPSG.3

    5.1 Arquitetura formal: principais caractersticas

    Conforme j mencionado, a HPSG um modelo baseado em res-tries de cunho fortemente lexicalista. Nesse sentido, tem-se um con-junto de restries, que, conforme salientam Levine & Meurers (2006),consistem em: (i) um lxico que licencia as palavras, (ii) regras lexicaisque governam a formao de palavras derivadas, (iii) esquemas dedominncia imediata que licenciam a estrutura de constituintes, (iv)definies de precedncia linear que restringem a ordem de constituin-tes, e (v) um conjunto de princpios gramaticais que expressam genera-lizaes sobre objetos lingusticos. Essas informaes so UNIFICADASna gerao dos objetos lingusticos particulares.

    5.1.1. Matrizes atributo-valor (Attribute-ValueMatrix - AVM)Uma AVM caracteriza uma palavra do lxico fornecendo infor-

    mao acerca do tipo de objeto: palavra ou sintagma, alm de informa-es acerca das caractersticas fonolgicas, sintticas e semnticas re-ferentes ao item lexical. A seguir, encontra-se a AVM simplificada doverbo pr:

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    Figura 4: Matriz atributo-valor

    A primeira informao encontrada na AVM refere-se ao tipo deobjeto. Nesse caso, uma palavra. O atributo fonolgico, no desenvol-vido aqui, especifica a representao fonolgica do item lexical. Asinformaes sintticas e semnticas aparecem a seguir. A informaosinttica indica a categoria qual o item lexical pertence - neste caso,trata-se de um ncleo verbal e indica informaes a serem compar-tilhadas entre o ncleo e a categoria mais alta com a qual este se combi-nar em uma estrutura maior. O trao VALNCIA especifica as seleessintticas requeridas, enquanto sob CONTEDO informaes semnticase papis temticos envolvidos so especificados. Os nmeros em caixas denominados tags indicam que certo tipo de informao comparti-lhada, idntica, ou seja, os valores especificados so os mesmos.

    5.1.2. Traos e princpios gramaticais

    A HPSG um modelo eminentemente composicional, ou seja,estruturas mais complexas so formadas levando-se em conta requeri-mentos expressos nas AVMs e princpios gramaticais de formao deestruturas de constituintes do tipo Teoria X-barra. O Princpio deDominncia Imediata apresenta os esquemas para a relao Ncleo/Complemento e Ncleo/Especificador. Alm desses, alguns esquemasso assumidos, como Ncleo/Adjunto, Ncleo/Filler, Ncleo/Marker. OPrincpio da Valncia determina que os requerimentos de um ncleolexical sejam identificados com os valores synsem de ns-filhos, sendoque os requerimentos no satisfeitos devem ser passados para o n-me em uma relao local.

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    O exemplo a seguir, retirado de Levine & Meurers (2006), apresentao esquema arbreo de uma sentena simples: John put a book on the table.

    Figura 5: Estrutura arbrea da HPSG

    A AVM plenamente desenvolvida, que aparece nesse exemplo, a do ncleo verbal put (confira Figura 4), que se combina com a book eon the table, satisfazendo suas exigncias de complementos, conformeas tags 5 e 6, identificadas com 2 e 3, permitem verificar. No nvelhierrquico seguinte, a necessidade de um argumento externo satis-feita, sob a tag 4, permitindo que, ento, todas as exigncias do ncleoapaream zeradas < > no nvel hierrquico mais alto.

    Outra caracterstica da HPSG a viso no-transformacional paratratar de dependncias de longa distncia, capturadas nos modelosgerativistas clssicos por meio da noo de movimento. Adota-se umtrao especfico denominado SLASH ou GAP, o qual indica que umargumento no est ocupando a posio de complemento esperada. Oexemplo a seguir, retirado de Carnie (2002), apresenta uma sentenarelativa: o objeto do verbo saw uma lacuna, sendo que essa informa-o percola para a sentena, sendo ento satisfeita pela presena dosintagma nominal the boy:

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    Figura 6: O trao slash/gap

    A matriz fonolgica de um gap vazia e suas propriedades soidentificadas com o elemento antecedente.

    6. Consideraes finais: comparaes entreMinimalismo, LFG e HPSG

    Como visto neste captulo, os modelos formais apresentados, em-bora partam de uma concepo semelhante de lngua como sistemacognitivo, diferenciam-se no que tange ao formalismo adotado,crucialmente quanto ao design da arquitetura da gramtica assumido. ALFG e a HPSG so modelos representacionais; j o Minimalismo optoupor uma concepo derivacional fraca. Essa diferena tem implicaesem termos da abrangncia dessas propostas tericas, fazendo com que osmodelos no-derivacionais da LFG e da HPSG, de orientao lexicalista,estabeleam uma forte aproximao com as cincias da computao. Aoassumirem um modelo matemtico de funes para a caracterizao dasestruturas da lngua, essas propostas tm se apresentado como modelosplausveis para implementaes computacionais. J o modelo formalgerativista, o Minimalismo, dada sua natureza derivacional e a incorpo-rao de questes de ordem conceitual na prpria concepo do modelo,tem apontado para dilogos promissores com modelos de processamento.O fato de o Minimalismo ser um modelo derivacional permite que a pr-pria caracterizao da derivao sinttica seja tomada, dadas as adapta-es necessrias, como proximamente equivalente formulao e ao parsingde enunciados lingusticos em modelos de processamento on-line. 4

    Outra diferena importante entre as propostas a relevncia dainformao codificada no lxico, a qual, quanto mais explcita, mais semostra acessvel para a implementao computacional. A LFG e a HPSGso modelos de carter fortemente lexicalista. No Minimalismo, embora

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    o lxico venha assumindo um papel cada vez mais importante, osistema computacional o responsvel pela gerao das sentenas dalngua. A caracterizao no Minimalismo das entradas lexicais em ter-mos de traos o aproxima, no entanto, da LFG e da HPSG, que operamcom matrizes de atributos e valores.

    A LFG e a HPSG tambm se distinguem do Minimalismo ao secolocarem como modelos no transformacionais. O Minimalismo, porsua vez, est atrelado a uma tradio transformacional que marcou oincio do gerativismo. No entanto, medida que a preocupao com opoder irrestrito das transformaes foi se delineando, constantes restri-es sua atuao foram se incorporando. Na atual verso minimalista,a operao Move tem sido reinterpretada como Merge Interno, que con-siste na concatenao, em uma determinada posio hierrquica, deuma cpia de um elemento j presente na derivao.

    Um ponto de aproximao parcial entre os modelos reside noprocedimento de compatibilizao de traos de elementos sintatica-mente relacionados. Na LFG e na HPSG, faz-se uso de uma operao deunificao de traos, que permite verificar a compatibilidade de infor-mao gramatical partilhada por elementos distintos. Nos primeirosdesenvolvimentos do Programa Minimalista, um mecanismo similar foiadotado a checagem de traos. A partir de 1998, o mecanismo dechecagem foi substitudo pelo de valorao.

    parte os mecanismos formais adotados, a proposta gerativistatem se destacado nos estudos acerca da aquisio da linguagem, embo-ra, como foi mencionado, existam vrios trabalhos em HPSG sobreaquisio de primeira e de segunda lngua. Com o Minimalismo, o pro-blema da aquisio da linguagem pode ser retomado de uma forma quese apresenta como bastante produtiva, na medida em que a idia deidentificao dos valores dos parmetros pode ser repensada em termosde como a criana, a partir da identificao de informao lingusticadisponvel nas interfaces, realiza o acionamento das operaes do sis-tema computacional lingustico universal (CORRA & AUGUSTO, a sair).

    A comparao entre os modelos permite verificar que, emborahaja distines formais entre os mecanismos adotados, uma srie deconvergncias pode ser verificada. A abrangncia com que cada mode-lo venha a responder a questes empricas de adequao descritiva eexplanatria possivelmente decidir se estamos realmente frente a ummodelo plausvel do conhecimento lingustico humano.

  • matraga, rio de janeiro, v.16, n.24, jan./jun. 2009148

    MODELOS FORMAIS DE GRAMTICA: O PROGRAMA MINIMALISTA VS. GRAMTICAS BASEADAS ...

    Recebido em 05/03/09

    Aprovado em 03/04/09

    ABSTRACTThis paper aims at briefly presenting the main tendenciesassociated with the most productive formal models of grammarcurrently under scrutiny: the Minimalist Program, a recent versionof generative linguistics; Lexical Functional Grammar; and Head-Driven Phrase Structure Grammar. A basic picture of the mainconcerns of these formal models of language emerges from thecomparison and contrast between their main objectives, the for-mal mechanisms they adopt and the kind of research tendencyeach model represents.KEY WORDS: formal models, Minimalism, LFG, HPSG

    REFERNCIAS

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    NOTAS

    1 A Bare Phrase Structure elimina os rtulos do tipo DP, CP da estrutura hie-rrquica ao assumir que h, na verdade, a projeo da matriz do ncleoselecionador.2 Para a lista completa das equaes funcionais da sentena exemplificada, verFalk (2001, p. 67).3 Ver http://hpsg.stanford.edu/hpsg-l/1996/0018.html;http://www.ling.ohiostate.edu/research/hpsg; http://www.sfu.ca/~dmellow/HPSGBibliography.html.4 Cumpre mencionar que alguns construtos da LFG se fazem visveis em pro-postas de processamento, como no modelo de produo de Levelt (1989) e deBock & Levelt (1994).