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Caracterizando o asmático de difícil controle Liberado/Revisado FONTE: http://www.pneumoatual.com.br/secao/boletim/boletimExpressoExibe.aspx?idAssunto=15&i dBoletim=18 1 A asma é uma doença com alta prevalência mundial, com cerca de 300 milhões de asmáticos no mundo, que na grande maioria dos casos apresenta evolução benigna e ótima resposta terapêutica. No entanto, em uma parcela de pacientes (5% a 10%) a doença se comporta de forma agressiva, mesmo quando o tratamento é realizado de forma adequada. Esses pacientes apresentam sintomatologia persistente, exacerbações e internações freqüentes, limitação para realização das atividades do cotidiano e, conseqüentemente, comprometimento significativo da qualidade de vida e aumento dos custos com o seu tratamento. Para se estabelecer um programa terapêutico adequado para esses asmáticos é fundamental identificá-los corretamente, caracterizando a gravidade de sua doença. Introdução Há muita confusão quanto à terminologia mais apropriada para essa forma de comportamento da asma, havendo uma grande variedade de denominações: asma persistente grave, asma grave, asma refratária, asma resistente, asma dependente de corticóides, asma instável, asma de difícil controle, entre outras. Asma de difícil controle parece ser o termo mais adequado, pois vai ao encontro das novas determinações do GINA, que enfatizam a necessidade de se avaliar o estado de controle da doença durante o seu tratamento. A antiga classificação de gravidade da asma, que estratificava a doença em intermitente, persistente leve, moderada ou grave, tem pouca aplicabilidade clínica, pois a gravidade da asma deve levar em consideração não só a apresentação da doença, mas, principalmente, a sua resposta ao tratamento estabelecido, algo não compreendido pela antiga classificação. Terminologia e definição O grupo de Consenso Latino-Americano propõe a seguinte definição para asma de difícil controle (ADC): “Asma insuficientemente controlada, apesar de uma estratégia terapêutica adequada e ajustada ao nível de gravidade clínica (de acordo com os consensos internacionais)”. Em 2000, a ATS (American Thoracic Society) organizou um workshop com especialistas que elaboraram critérios diagnósticos para asma de difícil controle. Esses critérios foram revisados e atualizados pela Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SEPAR) e apresentados em 2005 no seu consenso sobre o assunto (tabela 1). O diagnóstico desta condição é estabelecido quando há presença dos dois critérios maiores ou um critério maior associado a pelo menos dois critérios menores. Tabela 1. Critérios diagnósticos de ADC (SEPAR – 2005) Critérios maiores Uso de corticóides orais de forma contínua ou por mais de seis meses no último ano. Uso contínuo de corticóides inalados em altas doses (budesonida ou equivalente > 1200 mcg/dia ou fluticasona > 880 mcg/dia) associados a outra droga de manutenção, como beta-2 agonista de longa duração. Critérios menores

Asma de difícil controle

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Revisão expressa sobre asma de dificil controle publicada no site pneumoatual.

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Page 1: Asma de difícil controle

Caracterizando o asmático de difícil controle

Liberado/Revisado

FONTE:

http://www.pneumoatual.com.br/secao/boletim/boletimExpressoExibe.aspx?idAssunto=15&idBoletim=18 1

A asma é uma doença com alta prevalência mundial, com cerca de 300 milhões de asmáticos no mundo, que na grande maioria

dos casos apresenta evolução benigna e ótima resposta terapêutica. No entanto, em uma parcela de pacientes (5% a 10%) a

doença se comporta de forma agressiva, mesmo quando o tratamento é realizado de forma adequada. Esses pacientes

apresentam sintomatologia persistente, exacerbações e internações freqüentes, limitação para realização das atividades do

cotidiano e, conseqüentemente, comprometimento significativo da qualidade de vida e aumento dos custos com o seu

tratamento. Para se estabelecer um programa terapêutico adequado para esses asmáticos é fundamental identificá-los

corretamente, caracterizando a gravidade de sua doença.

Introdução

Há muita confusão quanto à terminologia mais apropriada para essa forma de comportamento da asma, havendo uma grande

variedade de denominações: asma persistente grave, asma grave, asma refratária, asma resistente, asma dependente de

corticóides, asma instável, asma de difícil controle, entre outras. Asma de difícil controle parece ser o termo mais adequado,

pois vai ao encontro das novas determinações do GINA, que enfatizam a necessidade de se avaliar o estado de controle da

doença durante o seu tratamento. A antiga classificação de gravidade da asma, que estratificava a doença em intermitente,

persistente leve, moderada ou grave, tem pouca aplicabilidade clínica, pois a gravidade da asma deve levar em consideração

não só a apresentação da doença, mas, principalmente, a sua resposta ao tratamento estabelecido, algo não compreendido pela

antiga classificação.

Terminologia e definição

O grupo de Consenso Latino-Americano propõe a seguinte definição para asma de difícil controle (ADC): “Asma

insuficientemente controlada, apesar de uma estratégia terapêutica adequada e ajustada ao nível de gravidade clínica (de

acordo com os consensos internacionais)”.

Em 2000, a ATS (American Thoracic Society) organizou um workshop com especialistas que elaboraram critérios diagnósticos

para asma de difícil controle. Esses critérios foram revisados e atualizados pela Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia

Torácica (SEPAR) e apresentados em 2005 no seu consenso sobre o assunto (tabela 1). O diagnóstico desta condição é

estabelecido quando há presença dos dois critérios maiores ou um critério maior associado a pelo menos dois critérios menores.

Tabela 1. Critérios diagnósticos de ADC (SEPAR – 2005)

Critérios maiores

• Uso de corticóides orais de forma contínua ou por mais de seis meses no último ano. • Uso contínuo de corticóides inalados em altas doses (budesonida ou equivalente > 1200 mcg/dia ou

fluticasona > 880 mcg/dia) associados a outra droga de manutenção, como beta-2 agonista de longa duração.

Critérios menores

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• Necessidade diária do uso de beta-2 agonista de curta duração como medicação de resgate. • VEF1 menor que 80% do teórico previsto ou variabilidade do PFE (pico de fluxo expiratório) maior que 20%. • Uma ou mais visitas por asma a serviços de urgência no último ano. • Três ou mais cursos de corticóide oral no último ano. • Episódio prévio de crise asmática com risco de vida. • Rápida deterioração da função pulmonar.

Para que os critérios diagnósticos tenham valor, é preciso que fatores que contribuem para o fracasso do tratamento tenham

sido afastados. A maioria dos pacientes encaminhados para avaliação em função de dificuldade de controle da doença não

alcançam melhora clínica devido a presença de fatores que não podem ser atribuídos à asma propriamente.

Fatores que contribuem para a dificuldade no controle da doença

O consenso da SEPAR sugere a estratificação dos pacientes em dois grupos: pacientes com ADC verdadeira e indivíduos com

ADC falsa. Estes últimos seriam aqueles em que outros fatores, que não a própria doença, comprometem a resposta ao

tratamento, ou seja, a doença é apenas aparentemente difícil de ser controlada. Os principais fatores que devem ser

considerados na avaliação desses pacientes são:

• Diagnóstico incorreto de asma: o paciente que é portador de outra doença respiratória (DPOC, bronquiectasia, pneumonia eosinofílica crônica, alveolite alérgica extrínseca, etc) ou mesmo condições não respiratórias (insuficiência cardíaca) podem erroneamente receber o diagnóstico de asma.

• Comorbidades: o asmático pode ter outras doenças associadas que contribuem para o não controle da asma. As principais condições são: obstrução da via aérea superior (disfunção de cordas vocais, estenose traqueal, apnéia obstrutiva do sono), síndrome de hiperventilação, ansiedade, rinossinusite, refluxo gastroesofágico e bronquiectasia. A obesidade, principalmente entre as mulheres, é fator que prejudica significativamente o controle da asma.

• Fatores agravantes: a exposição continuada a tais fatores é motivo para que se não alcance o controle da doença. Os fatores principais são os alérgenos domiciliares ou aqueles encontrados no ambiente de trabalho, uso de determinados medicamentos (beta bloqueadores e antiinflamatórios não hormonais) e o tabagismo.

• Aderência ao tratamento: como em qualquer doença crônica, a adesão ao tratamento proposto é fundamental para seu sucesso. Estudos mostram que a aderência ao tratamento entre os asmáticos pode variar de 30% a 50%. Assim, na elaboração de uma estratégia terapêutica para esses indivíduos, é fundamental prescrever esquemas posológicos que facilitem a adesão do doente.

• Técnica inalatória: uma freqüente causa de fracasso no tratamento da asma é o uso inadequado do dispositivo inalatório. O médico precisa orientar adequadamente o paciente a respeito da técnica inalatória e avaliar periodicamente a capacidade do indivíduo em executá-la.

A asma de difícil controle é uma condição bastante heterogênea, que inclui diferentes fenótipos, ou seja, diferentes

apresentações clínicas. O fenótipo da ADC pode servir para entender a fisiopatogenia e a história natural dessa doença e, por

conseqüência, orientar a terapêutica.

O fenótipo do paciente com asma de difícil controle

Em uma tentativa de entender melhor o comportamento desses asmáticos, foi realizado, em nove países europeus, o estudo

ENFUMOSA (European Network for Understanding Mechanisms of Severe Asthma). Esse trabalho observacional comparou

indivíduos adultos com asma de difícil controle (denominada no estudo de asma grave) com asmáticos que alcançavam o

controle da doença com doses baixa/moderada de corticóide inalado (<1.000mcg/dia de budesonida ou equivalente). Foram

considerados asmáticos com doença grave os pacientes que, apesar do uso contínuo de corticóide inalado em doses altas

(>1.200 mcg/dia de budesonida ou equivalente), haviam apresentado pelo menos uma exacerbação no último ano. Foram

incluídos 321 indivíduos, sendo 163 no grupo de ADC e 158 no grupo de pacientes com doença facilmente controlada. As

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principais diferenças entre os pacientes com asma grave quando comparados com aqueles com doença controlada foram:

• Proporção significativamente maior de mulheres entre os pacientes com ADC. • IMC (índice de massa corpórea) maior entre as mulheres com ADC. • Mais de um terço dos asmáticos com doença grave necessitaram de hospitalização no último ano. • Análise de marcadores de atopia (IgE sérica e testes cutâneos de alergia) mostraram relação inversa com a gravidade

da doença. • Pacientes com ADC apresentaram pior função pulmonar. • A citologia do escarro mostrou número significativamente maior de neutrófilos entre os pacientes com ADC. Não

houve diferença entre os números de eosinófilos.

O consenso da Sociedade Espanhola de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SEPAR) propõe, de forma didática, a seguinte

seqüência na avaliação diagnóstica do paciente com suspeita de ADC:

1º passo - Confirmar o diagnóstico de asma e afastar outras doenças que possam ser responsáveis pelo quadro clínico.

2º passo – Avaliar a presença de comorbidades que possam prejudicar o controle da asma (exemplo: rinite, refluxo gastro-

esofágico, bronquiectasia, etc) e tratá-las de forma adequada.

3º passo – Avaliar a aderência ao tratamento proposto para a asma, bem como estabelecer estratégias que permitam melhorar

essa aderência.

4º passo – Identificar os fatores agravantes e estabelecer programa específico para combatê-los.

Abordagem do paciente com suspeita de asma de difícil controle

Quando todos esses procedimentos tiverem sido realizados e o paciente persistir preenchendo os critérios diagnósticos,

podemos afirmar que o indivíduo é portador de asma de difícil controle.

Assembly on Asthma of the Spanish Society of Pulmonology and Thoracic Surgery (SEPAR). Guidelines for the diagnosis and

management of difficult-to-control asthma. Arch Bronconeumol 2005;41:513-523.

Leitura recomendada

Carrillo CT, Neffen HE. Consenso latino-americano sobre asma de difícil controle. Drugs of today 2006;42 (Supl. X/BR):1-27.

Chanez P, Wenzel SE, Anderson GP et al. Severe asthma in adults: what are the important questions? J Allergy Clin

Immunol 2007;119:1337-1348.

Heaney LG, Robinson DS. Severe asthma treatment: need for characterising patients. Lancet 2005;365:974-976.

The ENFUMOSA Study Group. The ENFUMOSA cross-sectional european multicentre study of the clinical phenotype os chronic

severe asthma. Eur Respir J 2003;22:470-477.

Editoria PneumoAtual

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