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Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedade Capítulo 1 - Dra. Sandra Roberta Gouvea Ferreira 1 O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é considerado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal. A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia. Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM2; a retinopatia representa a principal causa de cegueira adquirida e a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e transplante; o pé diabético se constitui em importante causa de amputações de membros inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cateterismo, bypass coronariano, fotocoagulação retiniana, transplante renal e outros), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da população diabética. Ainda, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os custos totais exorbitantes. Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença como de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. Em termos mundiais, 135 milhões apresentavam a doença em 1995, 240 milhões em 2005 e há projeção para atingir 366 milhões em 2030, sendo que dois terços habitarão países em desenvolvimento (1,2), como mostra a figura 1. 1 Material extraído de http://www.diabetesebook.org.br/modulo-1/4-fisiologia-e-fisiopatologia-das- celulas-beta-implicacoes-clinicas-e-terapeuticas- e-Books: diabetes na prática clínica

Aspectos gerais do dm

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Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedadeCapítulo 1 - Dra. Sandra Roberta Gouvea Ferreira1

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é considerado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal.A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia. Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM2; a retinopatia representa a principal causa de cegueira adquirida e a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e transplante; o pé diabético se constitui em importante causa de amputações de membros inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cateterismo, bypass coronariano, fotocoagulação retiniana, transplante renal e outros), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da população diabética. Ainda, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os custos totais exorbitantes.Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença como de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. Em termos mundiais, 135 milhões apresentavam a doença em 1995, 240 milhões em 2005 e há projeção para atingir 366 milhões em 2030, sendo que dois terços habitarão países em desenvolvimento (1,2), como mostra a figura 1.

Fig. 01 – Evolução do diabetes no mundo (2000 – 2030)

1 Material extraído de http://www.diabetesebook.org.br/modulo-1/4-fisiologia-e-fisiopatologia-das-celulas-beta-implicacoes-clinicas-e-

terapeuticas- e-Books: diabetes na prática clínica

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No Brasil, o SUS (Sistema único de Saúde) vem progressivamente atendendo desde 1994 um número crescente de pessoas com DM. A figura 2 mostra a evolução destes atendimentos no período de 1998 a 2004.

Fig. 02 – Evolução dos atendimentos do SUS no período de 1998 – 2004

Dados sobre prevalência de DM representativos da população residente em 9 capitais brasileiras datam do final da década de 80 (3). Nesta época, estimou-se que, em média, 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, que incidia igualmente nos dois sexos, mas que aumentava com a idade e a adiposidade corporal. As maiores taxas foram observadas em cidades como São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na patogênese do DM2, conforme mostra a figura 3. 

Fig. 03 – Prevalência do diabetes no Brasil conforme o Censo Nacional de Diabetes – 1986-1988

 

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Um achado relevante foi o de que cerca da metade dos indivíduos diagnosticados diabéticos desconhecia sua condição. Isso significa que os serviços de saúde têm diagnosticado casos de DM tardiamente, dificultando o sucesso do tratamento em termos de prevenção das complicações crônicas.

Infelizmente, as informações deste estudo multicêntrico sobre prevalência de  DM no Brasil não foram atualizadas. Dados representativos da população de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foram mais recentemente publicados (4), conforme mostra a figura 4.

Fig. 04 – Prevalência de TGD e de DM no estudo de Ribeirão Preto

Segundo os dados do estudo de Ribeirão Preto, a prevalência do DM, na faixa dos 30 aos 69 anos, foi de 12,1% (em comparação com o Censo Nacional de Diabetes de 1988, no qual a prevalência nessa mesma faixa etária foi de 7,6%) sugerindo que o DM deve estar se tornando mais prevalente, pelo menos na população adulta residente neste estado. Para uma estimativa mais atualizada da prevalência do DM numa determinada população, como num município, por exemplo, deve-se levar em consideração a prevalência média do DM em 3 faixas etárias: abaixo de 30 anos, entre 30 e 69 anos e com 70 anos ou mais, aplicando esses índices de prevalência às respectivas populações de cada faixa etária, conforme o último censo populacional do IBGE. Com esta metodologia de cálculo, utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto (12,1%) ao invés da prevalência do Censo Nacional de Diabetes (7,6%) para a faixa etária de 30 a 69 anos, o número estimado de portadores de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões, conforme mostra a figura 6.

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Fig. 05 – Estimativa da população diabética em 2006 – Prevalência de 12%

Dados ainda mais preocupantes têm sido relatados para um subgrupo da nossa população, o de ascendência  japonesa (5). Estes apresentam pelo menos o dobro da prevalência de DM quando comparado à população geral brasileira e os pesquisadores têm atribuído este fato tanto ao ambiente ocidental como à predisposição genética, conforme mostra a figura 6.

Fig. 06 – Prevalência de diabetes em descendentes de japoneses vivendo no Brasil

Com base nas estimativas e projeções sobre os números de indivíduos com DM e hipoteticamente considerando uma ocorrência constante da doença ao longo do tempo, a Sociedade Brasileira de Diabetes criou um “relógio” que continuamente alertaria sobre a ocorrência de novos casos de DM no mundo. Este contador pode ser visto na home page do site da SBD. Apesar das grandes limitações na criação deste relógio, é louvável a iniciativa de relembrar a todo o momento a

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relevância deste problema de saúde. Para 2006, estima-se que existam 11 milhões de brasileiros com DM (6).

Diante deste quadro alarmante sobre a situação do DM, tem-se buscado compreender causas ou fatores determinantes, passo fundamental na tentativa de reverter a progressão desta epidemia. Parte desta pode ser atribuída ao aumento global da expectativa de vida, observado inclusive no Brasil, segundo o IBGE. Isso tem ocorrido principalmente devido à redução da mortalidade infantil, o que também implica em aumento do percentual de casos de DM (7), de acordo com dados do censo de 2005, contidos nohttp://www.ibge.org.br, mostrados na figura 7.

Fig. 07 – Expectativa de vida dos brasileiros

Não cabe aqui citar os avanços na identificação de fatores causais do DM2, mas é fundamental que se reforce o papel definitivo do estilo de vida moderno que implica em acúmulo de adiposidade corporal, sendo especialmente deletério na região visceral. Como contraprova para a importância do estilo de vida para o risco de DM, estudos de grande porte, conduzidos em diferentes partes do mundo, provaram que hábitos de vida mais saudáveis (dieta balanceada, rica em fibras, visando peso corporal realisticamente adequado, associada à atividade física de, pelo menos, 150 minutos semanais) são capazes - em indivíduos pré-diabéticos - de reduzir seu risco de DM em 58% (8), conforme mostra a figura 8 que resume os resultados do estudo conduzido pelo Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) sobre a prevenção do DM2 em pessoas com tolerância diminuída à glicose.

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Fig. 08 – Risco de desenvolver diabetes - Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS)

Mais interessante ainda foi a observação no estudo desenvolvido pelo Diabetes Prevention Program Research Group, conduzido nos EUA, no qual a tentativa de prevenção farmacológica da doença, por meio da metformina, trouxe resultados piores que os observados com a mudança do estilo de vida, com reduções no risco de DM de 31% e 58%, respectivamente (9), conforme mostra a figura 9. Outros estudos de intervenção farmacológica, conduzidos em diferentes populações, empregando medicamentos destinados ao tratamento da obesidade ou do DM2, obtiveram sucesso na redução de risco, embora de magnitude inferior à alcançada com mudanças no estilo de vida.

Fig. 09 – Eficácia das alterações do estilo de vida na redução cumulativa do diabetes

A literatura dispõe de amplas evidências sobre a relevância do bom controle glicêmico e dos demais fatores de risco cardiovascular na prevenção das complicações. Em se tratando do DM2,

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o UKPDS, que no século passado questionou se a eficácia do controle glicêmico na preveniria as complicações crônicas diabéticas, foi, até certo ponto frustrante. Isto porque, apesar de comprovar significantes benefícios do controle da glicemia na prevenção da microangiopatia (retino e nefropatia) - à semelhança do previamente documentado em portadores de DM1 no DCCT (10) - não demonstrou redução de eventos cardiovasculares e morte (11). Ponderações sobre estes resultados foram diversas na literatura e as razões para tais achados foram em parte explicadas. A figura 10 resume os benefícios do controle da hipertensão e da glicemia em termos de redução relativa de complicações.

Fig. 10 – Benefícios do controle da hipertensão e da glicemia sobre a ocorrência de complicações

Outro marco importante na prevenção secundária foi a divulgação do estudo Steno-2 que convenceu a sociedade científica da necessidade de se tratar intensivamente os múltiplos fatores de risco (níveis glicêmicos, pressóricos, perfil lipídico e a microalbuminúria) para obter redução significante também dos eventos cardiovasculares e mortalidade em indivíduos com DM2 (12). Tal programa de tratamento intensivo dos múltiplos fatores de risco em pacientes com DM2 e microalbuminúria reduz o risco de eventos cardiovasculares e microvasculares em cerca de 50%, como mostra a figura 11.

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Fig. 11 – Resultados do estudo STENO 2: eficácia da abordagem intensiva

Há consenso de que o indivíduo diabético é de altíssimo risco cardiovascular, comparável àquele não-diabético que já apresentou um infarto do miocárdio (13). O estudo de Haffner e colaboradores mostrou que a incidência de infarto agudo do miocárdio em indivíduos diabéticos sem história prévia de doença arterial coronariana (DAC) é similar àquela dos indivíduos não diabéticos com história prévia de DAC, conforme ilustra a figura 12.

Fig. 12 – Incidência de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos com ou sem história prévia de

doença arterial coronariana

Dessa forma, justificam-se as metas rigorosas em termos de valores de glicemia (jejum e pós-prandial), hemoglobina glicada, pressão arterial e lipoproteínas estabelecidas por sociedades científicas como a SBD, American Diabetes Association (14) e American Heart Association.

O estudo DECODE avaliou a correlação entre a tolerância à glicose e a mortalidade, fornecendo convincentes evidências sobre a importância de se obter também a normalização da glicemia pós-

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prandial como uma das metas importantes para a redução do risco cardiovascular (15), como mostra a figura 13.

Fig. 13 – Estudo DECODE: a importância da normalização da glicemia pós prandial

Um dos grandes questionamentos atuais dos diabetologistas é o quanto abaixar a HbA1c para reduzir o risco de eventos cardiovascular. Estudos desenvolvidos (ACCORD, ADVANCE e VADT) para responder a esta questão trouxeram resultados preocupantes no sentido de relatarem até aumento na mortalidade cardiovascular com controle glicêmico rigoroso de indivíduos com DM2 de longa duração (16).

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DIAGNÓSTICO DO DIABETESCapítulo 2 Dr. Leão Zagury. Dr. Roberto Luis Zagury.Dr. Ricardo de Andrade Oliveira

O diabetes mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina ou ambas. Independente de sua etiologia, o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural.

Atualmente, em todo o mundo ocorre uma pandemia de obesidade e diabetes mellitus (DM) do tipo 2. Dados norte-americanos indicam que naquele país, por exemplo, cerca de 24 milhões de pessoas são afetadas por esta enfermidade, estimando-se, ainda, cerca de 1 milhão e meio de novos casos por ano. Esta epidemia afeta tanto os países desenvolvidos quanto aqueles ainda em desenvolvimento, de modo que se prevê que aumente dramaticamente até o ano de 2025. Entretanto, um número ainda mais expressivo de indivíduos, na faixa de 57 milhões norte-americanos, tem pré-diabetes, termo utilizado para enquadrar aqueles indivíduos cujos níveis glicêmicos encontram-se acima dos valores normais da população não-diabética, porém não preenchem os critérios de DM. Destes, uma parcela considerável já tem lesão de órgãos-alvo, em especial lesões microvasculares características do DM que podem levar a cegueira, insuficiência renal e amputações. O aumento do numero de diabéticos e pré diabéticos se deve ao estilo vida contemporâneo que induz sobrepeso e obesidade. Essas alterações, acompanhadas de predisposição genética e resistência insulínica, resultam no aumento dos níveis glicêmicos. A doença pode ser reconhecida nos estágios iniciais a que chamamos de intolerância a glicose. O DM pode se apresentar com sintomas característicos, como sede, polúria, visão turva, perda ponderal e hiperfagia, e em suas formas mais graves, com cetoacidose ou estado hiperosmolar não-cetótico. Estes últimos, na ausência de tratamento adequado, podem levar ao coma e até a morte. Frequentemente, os sintomas não são evidentes ou estão ausentes, principalmente no estagio de pré-diabetes. Desta forma, hiperglicemia pode já estar presente muito tempo antes do diagnóstico de DM. Consequentemente, o diagnóstico de DM ou pré-diabetes é frequentemente descoberto em decorrência de resultados anormais de exames de sangue ou de urina realizados

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em avaliação laboratorial, ou quando da descoberta de complicação relacionada ao DM. Estima-se que o número de casos não-diagnosticados seja igual ao dos diagnosticados. Existem evidências sugerindo que as complicações relacionadas ao DM começam precocemente ainda na fase de mínimas alterações na glicemia progredindo nos estágios de pré-diabetes e, posteriormente, DM. Por esse motivo se torna extremamente importante diagnosticar alterações na glicemia precocemente. Níveis glicêmicos elevados em jejum e, principalmente, pós-prandiais implicam em maior risco cardiovascular.

Os idosos diabéticos constituem um grupo peculiar, onde os sintomas clássicos costumam estar ausentes e manifestações menos comuns podem ocorrer. Enquanto nos jovens a glicosúria pode ser observada com valores de glicemia acima de 180 mg/dL, nos idosos geralmente só ocorre quando a glicemia ultrapassa 220 mg/dL, em virtude de uma fisiologicamente menor taxa de filtração glomerular nesta faixa etária. Além disso, nesta população é comum a atenuação nos mecanismos da sede. Sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional e incontinência urinária são frequentes. As dores musculares podem ocorrer em consequência da chamada amiotrofia diabética, condição clínica caracterizada por fraqueza dolorosa e assimétrica na musculatura pélvica, com curso benigno e resolução com o tratamento do DM. Caracteristicamente, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) costuma estar presente nestes indivíduos e tais pacientes apresentam maior taxa de complicações micro e macrovasculares. A diurese osmótica ocorre quando os níveis glicêmicos se tornam muito elevados, acima da taxa de reabsorção tubular, podendo levar aos sinais e sintomas característicos (poliúria, polidipsia e perda ponderal), os quais, em última instância, podem induzir desidratação. Com frequência, estes indivíduos apresentam queixas de turvação visual, nem sempre valorizada, em razão das alterações visuais comuns nessa faixa etária. Infecções fúngicas e bacterianas podem ser o primeiro sinal de descompensação glicêmica tanto em idoso quanto nos mais jovens.

Aplica-se o termo pré-diabetes àqueles indivíduos com uma glicemia de jejum alterada (GJA) e/ou tolerância à glicose diminuída (TGD). Define-se GJA valores de glicemia em jejum mais elevados do que o valor de referência normal, porém inferiores aos níveis diagnósticos de DM: GJ entre 100 e 125 mg/dL. Embora a Organização Mundial de Saúde ainda não tenha adotado esse critério, tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes assim como a Academia Americana de Diabetes já utilizam tal ponto de corte (GJ normal até 99 mg/dL). Já a TGD é caracterizada por uma alteração na regulação da glicose no estado pós-sobrecarga (TOTG: teste oral de tolerância à glicose com 75 g de dextrosol). Níveis glicêmicos 2 horas após o TOTG entre 140 e 199 mg/dL definem a TGD.

O método de escolha para a aferição da glicemia é a mensuração plasmática. Coleta-se o sangue num tubo com fluoreto de sódio, centrifugado, com separação do plasma, que deverá ser congelado para uma posterior utilização. A glicemia de jejum deve ser realizada pela manhã, após jejum de apenas 8 horas. A realização do TOTG deve obedecer a alguns pré-requisitos: jejum entre 10 e 16 horas; ingestão de um mínimo de 150 gramas de carboidrato nos 3 dias que antecedem a realização do teste; atividade física habitual; comunicar a presença de infecções ou medicações que possam interferir no resultado do teste; utilização de 1,75 g de glicose (dextrosol) por quilograma de peso até o máximo de 75 gramas.

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Aos indivíduos com GJA e/ou TGD, aplica-se, então, a expressão pré-diabetes, em virtude do alto risco de que venham a desenvolver DM no futuro. Tais condições representam um estado intermediário de alteração do metabolismo da glicose, não devendo ser encaradas como uma condição benigna, uma vez que aumentam em até 2 vezes a mortalidade cardiovascular. Cerca de metade dos pacientes portadores de TGD preenchem os critérios de síndrome metabólica. A progressão para DM nos pacientes com GJA é de 6-10% por ano, enquanto que a incidência cumulativa de DM nos portadores de GJA e TGD é da ordem de 60% em 6 anos. No entanto, tais condições não devem ser encaradas como entidades clínicas isoladas e distintas, e sim, como fatores de risco para DM, assim como para doença cardiovascular. Com base nisso, recentemente a Academia Americana de Diabetes definiu as chamadas “Categorias de Risco Aumentado para Diabetes”, nomenclatura vista por vários autores como mais adequada do que o termo pré-diabetes, uma vez que nem todos os indivíduos com esta condição evoluirão para DM. Dentro destas categorias de risco aumentado, encontram-se, além da GJA e TGD, aqueles com níveis de hemoglobina glicada (A1C) entre 5,7 e 6,4%( Tabela 2).

Nos últimos anos, o interesse no estudo desta fase que antecede o DM vem aumentando exponencialmente. Ensaios clínicos randomizados mostraram que aos indivíduos de alto risco de progressão para DM (GJA, TGD ou ambos) podem ser oferecidas intervenções que diminuam tal taxa de progressão. Estas medidas incluem: modificação do estilo de vida, qual se mostrou ser muito eficaz com redução do risco significativa; uso de medicações (metformina, acarbose, orlistat, tiazolidinedionas e outros), os quais reduzem em graus variados tais taxas de progressão da doença. O Finish Diabetes Prevention Study (DPS) e o Diabetes Prevention Study (DPP) mostraram que mudanças no padrão alimentar e na atividade física implicaram numa redução do risco de progressão para DM de até 58%. O DPP, o qual testou a metformina (MTF), e o STOP-NIDDM, o qual testou acarbose, identificaram uma redução no risco de progressão para DM de 31% e 32%, respectivamente. O estudo XENDOS, o qual utilizou orlistat por 4 anos em indivíduos obesos e portadores de pré-diabetes, mostrou uma redução de 37% na progressão para DM nestes indivíduos. O ACT-NOW, o qual encontra-se em andamento, avaliará o impacto da pioglitazona neste contexto. O estudo NAVIGATOR, o qual avaliou o papel na nateglinida e do valsartan sobre a progressão para DM, no entanto, não encontrou redução de risco alguma. A ADA, em sua mais recente diretriz (2011) recomenda, de modo consensual, a MTF como única droga a ser considerada no estado de pré-diabetes, em virtude do baixo custo, segurança e persistência de seu efeito a longo prazo. É válido, no entanto, registrar que foi significativamente

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menos eficaz do que modificação do estilo de vida e atividade física, as quais indubitavelmente devem ser sempre tentadas ao máximo. Ela deve, portanto, ser considerada para aqueles pacientes de muito alto risco (vários fatores de risco para DM e/ou hiperglicemia progressiva e de grande magnitude). Ressalta-se, ainda, que no estudo DPP ela foi mais eficaz até do que a modificação do estilo de vida nos indivíduos com índice de massa corporal maior que 35 kg/m2 e não foi mais eficaz do que o placebo naqueles com idade superior a 60 anos.Há décadas o diagnóstico de DM vem se baseando na GJ e no TOTG, utilizando os níveis de GJ e sua associação com retinopatia para se definir o ponto de corte acima do qual o risco de comprometimento da retina aumenta. Com base nisso, chegou-se aos pontos de corte de 126 mg/dL em jejum e 200 mg/dL após a sobrecarga de glicose anidra.A hemoglobina glicada, também conhecida como glicohemoglobina ou HbA1C, embora seja utilizada desde 1958 como ferramenta na avaliação do controle glicêmico de diabéticos, passou a ser cada vez mais empregada e aceita pela comunidade científica após 1993 quando foi validada pelos estudos DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom Proscpective Diabetes Study). A A1C é sabidamente um marcador de hiperglicemia crônica, refletindo a média dos níveis glicêmicos nos últimos 2 a 3 meses. Tem impacto crucial no acompanhamento dos diabéticos, uma vez que possui uma boa correlação com lesão microvascular e, em menor proporção, com lesão macrovascular. Até pouco tempo sua utilidade era apenas para acompanhamento do controle glicêmico, e não, para fins diagnósticos, uma vez que não havia padronização adequada do método. Atualmente já existe padronização do teste, que deve ser realizado pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC). O HPLC foi validado em diferentes populações com uma boa reprodutibilidade entre elas e permanece estável após a coleta, o que não ocorre quando se afere a glicose diretamente. É válido lembrar que, mesmo quando se realiza a dosagem da glicemia nas condições ideais, há chance de erro pré-analítico, de modo que reduções na ordem de 3 a 10 mg/dL na glicemia plasmática podem ocorrer mesmo em não-diabéticos, determinando erro de até 12% dos indivíduos. A determinação da A1C, além de não requerer jejum, tem as seguintes vantagens: maior estabilidade pré-analítica, menor interferência de outras condições agudas que possam interferir com a glicemia como infecções e outros estresses metabólicos. Recomenda-se que os laboratórios clínicos usem preferencialmente os métodos de ensaio certificados pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) com rastreabilidade de desempenho analítico ao método utilizado no DCCT (HPLC).Com base nisso, em 2009, após publicação em seu compêndio oficial, a ADA passou a adotar a hemoglobina glicada como mais uma ferramenta diagnóstica para o DM. Valores de A1C maiores ou iguais a 6,5% indicam o diagnóstico de DM(Tabela 3). O ponto de corte de 6,5% não é arbitrário, e representa o ponto de inflexão da curva de prevalência de retinopatia, assim como ocorre com os valores diagnósticos da GJ e TOTG. Os já consagrados e conhecidos critérios diagnósticos de DM baseados na GJ e no TOTG permanecem válidos e inalterados.

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FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DAS CÉLULAS BETA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E TERAPÊUTICASCapítulo 3 - Dr. Lício Velloso. Dr. Augusto Pimazoni Netto

O Pâncreas EndócrinoA porção endócrina do pâncreas é composta por agregados celulares denominados ilhotas de Langerhans (Fig. 1) distribuídas no parênquima pancreático em um número que varia de 300 mil a 1,5 milhão, compostas por quatro tipos celulares [1,2]:

 

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Células alfa, produtoras de glucagon (15-20% do total);

Células beta, produtoras de insulina (70-80%);

Células delta, produtoras de somatostatina (5%);

Células PP produtoras de peptídeo pancreático (1%) (Figura 2).

Fig. 01 - Estrutura das ilhotas de Langerhans

Fig. 02 - Células secretoras nas ilhotas de Langerhans

Com os avanços alcançados na obtenção e caracterização de células-tronco, torna-se importante conhecer a origem embrionária e as características de expressão gênica do pâncreas endócrino, e particularmente da célula beta.Evidências histológicas revelam que o pâncreas endócrino se origina a partir de precursores do epitélio endodérmico [3], que podem ser identificados, por volta da metade da gestação, como agregados de poucas células ainda fundidas ao epitélio dos ductos pancreáticos em formação. Ainda durante o segundo terço do período gestacional, ilhotas já apresentando características mais próximas às de adultos, podem ser vistas ligadas a ductos pancreáticos. Somente poucas semanas antes do final da gestação serão identificadas ilhotas totalmente envoltas por parênquima pancreático exócrino e com morfologia e distribuição celular definitiva [4].

Os mecanismos de diferenciação celular que levam ao desenvolvimento das células beta são alvos de intensa investigação, pois podem revelar meios de se obter células produtoras de insulina a partir de precursores indiferenciados.

Genes da família Notch são expressos em ductos pancreáticos e parecem atuar como repressores do desenvolvimento de células do pâncreas endócrino [5].Sua supressão faz com que genes comprometidos com as diferentes linhagens endócrinas possam ser ativados. Desses, os mais importantes são; Pdx1, envolvido na ativação do gene da insulina e de GLUT2; Isl1, envolvido no controle transcricional do gene da insulina; genes da família Pax, importantes na maturação da célula beta; e genes Nkx, importantes na expansão numérica da população de células beta [6].

Produção e Secreção de InsulinaA expressão do gene da insulina é restrita à célula beta pancreática, o que confere a esse tipo celular o controle total sobre o único hormônio hipoglicemiante existente [7]. O gene da insulina se localiza no cromossomo 2 (2p21) sendo composto por 3 exons que codificam uma proteína

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imatura denominada pré-proinsulina [8], a partir da qual formar-se a pró-insulina com 86 aminoácidos. Este peptídeo é então direcionado para grânulos secretórios, onde, por ação de três enzimas, PC2, PC3 e carboxipeptidase H, gerará a insulina com 51 aminoácidos e o peptídeo C, o qual é armazenado e secretado em concentração equimolar à insulina (Fig. 3) [9].

Fig. 03 - As moléculas de insulina e de peptídeo C

Mutações no gene da insulina são raras, porém algumas formas são relacionadas ao desenvolvimento de DM por levarem à produção de uma forma de insulina com baixa atividade biológica. Pacientes com tais mutações são hiperinsulinêmicos e inicialmente intolerantes à glicose, progredindo para a hiperglicemia. De forma interessante e diferente do que ocorre com pacientes com forma clássica de DM2, tais indivíduos tem resposta normal à insulina exógena [10].Sob condições fisiológicas, as concentrações sanguíneas da glicose oscilam numa faixa estreita. Tal fenômeno, que garante simultaneamente oferta adequada de nutrientes aos tecidos e proteção contra a neuroglicopenia, só é possível graças a um sistema hormonal integrado e eficiente, composto por um hormônio hipoglicemiante, a insulina, e alguns hormônios hiperglicemiantes como, o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. Por se tratar do único hormônio hipoglicemiante, a insulina dispõe de um eficiente e finamente regulado sistema de controle de secreção.A glicose é o principal estimulador da secreção de insulina (Fig. 4). Sua entrada na célula beta é garantida por um transportador de alta capacidade e baixa afinidade denominado GLUT2. Após sua entrada, a glicose é fosforilada em glicose-6-fosfato pela ação da enzima glicoquinase (hexoquinase IV), sendo a seguir direcionada à glicólise, etapa que consome 90% da glicose transportada ao interior da célula beta e responsável pela geração de piruvato [11]. Mutações do gene da glicoquinase não são infrequentes e levam a uma forma de DM chamada MODY2 (maturity-onset diabetes of the young).

Fig. 04 - Mecanismo de ação dos

secretagogos de insulina

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O piruvato é direcionado à mitocôndria, transformado em acetil CoA e metabolizado pelo ciclo de Krebs para produção de ATP (Fig. 4). Com o aumento da relação ATP/ADP no intracelular, ocorre o fechamento de canais de K+ - ATP dependentes o que leva à despolarização da membrana. A abertura dos canais de Ca2+ - voltagem dependente permite influxo de Ca2+ para a célula beta, que ativa um complexo sistema efetor, cujo resultado é a secreção de insulina (Fig. 4) [11]. Além da glicose, poucos nutrientes (leucina, a glutamina, a alanina, a arginina, a frutose, e alguns ácidos graxos) podem induzir de forma independente ou de forma potencializadora (do efeito primário da glicose) a secreção de insulina [12].Vários mecanismos complementares desempenham papel importante na regulação da secreção basal e estimulada da insulina, sendo os mais importantes, os hormonais, particularmente o glucagon, a somatostatina, a adrenalina, o cortisol, o hormônio de crescimento, a leptina e a própria insulina; e os neurais, que por estímulo colinérgico aumentam, e por estímulo adrenérgico inibem a secreção da insulina [13,17].É importante ressaltar que alguns medicamentos em uso clínico modulam a secreção de insulina por atuarem em etapas fundamentais do processo secretório. As sulfoniluréias e as glinidas se ligam a uma proteína componente dos canais de K+ - ATP dependentes, chamada SUR1. Tal interação promove o fechamento desses canais, despolarizando a célula beta e induzindo a abertura de canais de Ca2+ - voltagens dependentes.Referência ao DM NeonatalDe forma inversa, a diazoxida também interage com proteínas SUR1, porém neste caso impedindo o fechamento dos canais de K+ - ATP dependentes, mesmo quando a relação ATP/ADT intracelular favorece tal evento. Essa droga, utilizada em algumas condições oftalmológicas, inibe a secreção de insulina estimulada por glicose. Bloqueadores de canais de Ca2+ como verapamil e nifedipina, utilizados no tratamento da hipertensão arterial, reduzem o influxo de Ca2+ e inibem a secreção de insulina induzida por glicose, entretanto seu efeito inibitório, por ser moderado, raramente se torna um problema na prática clínica [18]Distúrbios funcionais das Ilhotas Pancreáticas nas principais Forma de DMAs perdas funcionais, totais ou parciais, da capacidade produtora e secretória da célula beta pancreática, foram consideradas, em tempos pregressos, como um fenômeno presente apenas em DM tipo 1, em algumas formas genéticas de diabetes, hoje reconhecidos como MODY, e em algumas formas de DM decorrentes da perda funcional pancreática produzida por drogas, agentes tóxicos ou doenças do pâncreas exócrino que afetem a função endócrina.Hoje, reconhece-se que na forma mais prevalente de DM, o DM2, a perda funcional da célula beta é condição sine qua non para o desenvolvimento do quadro hiperglicêmico.

Fig. 05 - Perda da função pancreática com o decorrer do tempo de diabetes

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Serão discutidas a seguir as principais características dos distúrbios funcionais da célula beta no DM1A, DM2 e em algumas formas de MODY.

Diabetes mellitus tipo 1AA destruição progressiva e específica das células beta pancreáticas por mecanismo autoimune é a base fisiopatológica do DM1A. As razões pelas quais alguns indivíduos na população passam, em um determinado momento de suas vidas, a apresentar reatividade autoimune contra antígenos próprios da célula beta é questão de intensa investigação.Entre as razões mais aceitas no momento, encontram-se a falha na seleção linfocitária no timo durante a ontogênese do sistema imune; a expressão anômala de auto-antígenos através de algumas moléculas do MHC (o que explicaria o risco relativo elevado oferecido por alguns genótipos de HLA, particularmente DR3 e DR4); a infecção por alguns tipos de vírus ou bactérias em indivíduos geneticamente predispostos; ou ainda a exposição a fármacos, alimentos ou a outros fatores ambientais pouco conhecidos [19].A destruição da célula beta é dependente de uma resposta imunológica predominantemente celular, com ativação de linfócitos T- CD4 e -CD8.Em modelos animais, a doença pode ser induzida independente da presença de linfócitos T-CD8, mas não da presença de T-CD4, o que sugere que a expressão ?, coordenada por taisg? e IFNblocal de citocinas, principalmente TNF-alfa, IL-1 linfócitos, é fator necessário à destruição celular. Na prática clínica, detecta-se a presença de autoanticorpos contra antígenos da célula beta em todos os pacientes com DM1A.Tais anticorpos não desempenham papel importante na destruição das células insulino-produtoras, mas servem como marcadores da doença e são utilizados como fatores preditivos para screening populacional ou na investigação de indivíduos sob risco acentuado de desenvolver a doença. Os principais autoanticorpos que podem ser determinados por métodos disponíveis em laboratórios de referência são ICA, insulina, GAD65 e ICA512 [20,21].Como a lesão das células beta pancreáticas é dependente de mecanismos autoimunes estudos clínicos com uso de imunossupressores, na tentativa de se impedir a progressão da doença, foram realizados nas últimas décadas. O uso do potente imunossupressor ciclosporina A foi capaz de deter o avanço da doença enquanto em uso, entretanto as consequências da potente imunossupressão associadas a outros efeitos colaterais do fármaco inviabilizam seu uso clínico. Outras abordagens imunossupressoras ou imunomoduladoras como metotrexate, nicotinamida, BCG, timodulina e insulinoterapia oral, tiveram resultados insatisfatórios no controle da doença [22].

MODY

Maturity-onset diabetes of the young é definido como uma forma de DM monogênica, dominante, decorrente de mutações em genes que levam a disfunção da célula beta. De uma forma geral, há baixa produção de insulina frente a necessidades básicas periféricas. Pacientes são jovens, magros e há recorrência familiar por pelo menos duas gerações. De acordo com dados de vários estudos populacionais os genes mais frequentemente envolvidos são: HNF-1 alfa (MODY3), 52% dos casos; e, glicoquinase (MODY2), 14% dos casos; outros genes afetados de forma mais rara são HNF-4 alfa (MODY1) e HNF-1 beta (MODY5). Aproximadamente 10% dos pacientes que preenchem critérios clínicos e familiares para diagnóstico de MODY não têm genes envolvidos identificados [24].

Diabetes Mellitus Tipo 2

Page 19: Aspectos gerais do dm

A incapacidade da célula beta em responder à crescente demanda periférica de insulina, observada durante a evolução progressiva da insulino-resistência em indivíduos intolerantes à glicose, é aceito hoje como o fenômeno determinante no desenvolvimento do DM2. Alguns fatos corroboram tal conceito. Primeiro, todos os pacientes com DM2 tem disfunção mensurável da célula beta; segundo, a magnitude da insulino-resistência, após instalada sofre pequeno ou nenhum incremento com o tempo, por outro lado, a deterioração da função da célula beta é progressiva; terceiro, há perda progressiva da resposta da célula beta à terapêutica com sulfoniluréias [20].

A primeira e mais marcante evidência clínica da disfunção da célula beta em pacientes com predisposição para DM2 é a perda da primeira fase de secreção de insulina. (Fig.6).

Fig. 06 - As duas fases da secreção fisiológica da insulina

Alterações na segunda fase de secreção e modificação no padrão pulsátil de secreção aparecem com a evolução da doença. Durante a evolução da resistência à insulina, particularmente em indivíduos obesos, observa-se aumento progressivo da concentração sanguínea basal de insulina. Esse incremento pode ser mantido em algumas pessoas, e perdido em outras. As primeiras se manterão normoglicêmicas e resistentes à insulina, enquanto as segundas perderão definitivamente a capacidade de manter a homeostase da glicose [23].

Várias causas têm sido apontadas como determinantes da perda funcional da célula beta. Alguns polimorfismos, como do fator de transcrição TCF7L2 ou da proteína Kir6.2, foram identificados em populações especificas, porém alterações genéticas comuns a múltiplas populações não foram identificadas.

Entre causas aparentemente não-genéticas discutem-se os papéis da disfunção mitocondrial com aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, da glicotoxicidade, da lipotoxicidade, do estresse de retículo endoplasmático e finalmente da própria ação autócrina e parácrina da insulina, promovendo controle de sua própria síntese e secreção [14,15,23].

Dada a complexidade genética e a multifatorialidade ambiental de DM2, acredita-se que no futuro distintos mecanismos fisiopatológicos serão caracterizados, todos levando a um quadro clínico comum com coexistência da resistência à insulina e falência da célula beta.

Resistência à insulina X deficiência insulínica: aspectos clínicos e implicações terapêuticas.

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Conforme mencionado, a hiperglicemia do DM2 resulta de dois mecanismos básicos, a resistência periférica à ação da insulina e a deficiência da produção deste hormônio pelas células beta do pâncreas, como mostra a figura 7.

Fig. 07 - Fatores geradores da hiperglicemia

Tais mecanismos podem ser precipitados pela presença de certos fatores como uma predisposição genética, a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento, que interferem ou na reserva funcional das células beta ou na sensibilidade tecidual à insulina ou em ambos os defeitos. É difícil definir, para cada paciente, qual a participação do componente de resistência à insulina e da deficiência insulínica mas, na maioria dos casos, as duas condições coexistem em proporções diferentes para diferentes pacientes. Os indivíduos obesos são em geral mais resistentes à insulina, apresentam insulinemia elevada e mais frequentemente intolerância à glicose. Uma linha de investigação sugere o envolvimento do acúmulo de gordura visceral na gênese da resistência à insulina. Porém, não está totalmente esclarecido qual defeito ocorre primeiro.

A perda de função da célula beta é um fator que aparece precocemente no desenvolvimento do DM2. Em condições normais, a secreção insulínica ocorre em dois picos ao se iniciar uma refeição: o primeiro pico é necessário para a utilização da glicose proveniente da refeição e também para sinalizar o fígado e inibir a produção endógena de glicose logo após a refeição. No indivíduo sadio, as duas fases de secreção de insulina estão preservadas enquanto no portador de DM, há perda da primeira fase e atraso na segunda fase deste processo (figura 8).

Fig. 08 - No portador de DM2, o estímulo de glicose não promove a primeira fase da secreção de insulina

Há evidências de que o declínio da função da célula beta possa ocorrer até 10 anos antes do momento do diagnóstico. Como o diagnóstico do DM em geral é feito tardiamente, o que se

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observa é que ao diagnosticar a doença o paciente já apresenta deficiência na capacidade secretória de insulina da ordem de 50%.

Na evolução do DM, cada um dos mecanismos básicos tem um padrão de evolução específico, podendo ter início até 10 anos antes do diagnóstico. Na fase inicial do processo, tanto a resistência à insulina como a deficiência insulínica apresentam uma curva ascendente, refletindo a situação clínica que ocorre progressivamente na fase de pré-diabetes: à medida que a resistência à insulina progride, as células beta respondem com aumento inicial na secreção de insulina, com o objetivo de superar os efeitos hiperglicemiantes da resistência à insulina.

Em geral, quando a doença é diagnosticada já existe um estado de deficiência insulínica progressivo, manifesto por níveis cada vez mais baixos de insulinemia. Entretanto, é importante salientar que a resistência à insulina pode aumentar substancialmente se o indivíduo continuar a ganhar peso, devido à hipertrofia do tecido adiposo particularmente visceral.

Por outro lado, quando o indivíduo perde 5% a 10% do peso corpóreo, essa perda aparentemente discreta já apresenta um impacto positivo importante na diminuição da resistência à insulina, o que se reflete por necessidades de doses menores de antidiabéticos, que eventualmente poderão ser inclusive suspensos se o componente de resistência à insulina for significativo e se a perda de peso for mais acentuada.

Glicotoxidade e Lipotoxicidade como fatores Hiperglicemiantes

A glicotoxicidade caracteriza-se por efeitos adversos da hiperglicemia crônica sobre a função da célula beta e incluem três consequências distintas: diminuição da tolerância à glicose; exaustão das células beta e redução da massa de células beta por apoptose. A diminuição da tolerância à glicose deve-se a uma refratariedade reversível do mecanismo de liberação da insulina produzida após a exposição a níveis elevados de glicemia devida a auto-oxidação da célula beta. Nessas circunstâncias, ocorre um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta, reduzindo a primeira fase de produção de insulina e promovendo menor supressão da liberação hepática de glicose após as refeições, aumentando ainda mais a hiperglicemia pós-prandial.

A consequência prática direta da glicotoxicidade é a incapacidade de alguns pacientes com glicemia bastante elevada, geralmente acima de 300 mg/dl em jejum, no sentido de não conseguirem uma redução adequada dos níveis  glicêmicos apenas com o tratamento oral, necessitando de um período variável de terapia insulínica para restaurar os níveis glicêmicos para patamares aceitáveis. Para muitos pacientes, essa conduta terapêutica controla a glicotoxicidade e permite que o paciente passe a responder adequadamente aos antidiabéticos orais.

Page 22: Aspectos gerais do dm

Fig. 09 - Fatores geradores da hiperglicemia

A lipotoxidade geralmente ocorre em portadores de DM2 e obesidade, com adiposidade visceral. Neste caso, são os níveis elevados de ácidos graxos, por períodos prolongados, que resultam em resposta diminuída das células beta aos níveis de glicose sanguínea. Em condições normais, os ácidos graxos são uma forma de energia para as células beta mas se tornam tóxicos quando em concentrações cronicamente elevadas e em indivíduos geneticamente predispostos ao DM2. Os efeitos deletérios dos ácidos graxos são mediados pela presença do excesso de glicose, uma vez que os lípides aumentados não alteram a função das células beta em modelos animais mantidos em níveis normais de glicemia.

Implicações terapêuticas da resistência à insulina e da deficiência insulínicaAtualmente, dispomos de várias opções farmacológicas para o tratamento do DM2, as quais foram desenvolvidas graças aos conhecimentos adquiridos sobre a fisiopatologia da resistência à insulina e da deficiência insulínica. Os medicamentos que agem combatendo a resistência periférica à ação da insulina exercem seus efeitos terapêuticos através de dois mecanismos básicos: estimulando a captação de glicose pelos músculos e tecido adiposo e reduzindo a liberação de glicose pelo fígado. Este grupo de fármacos é conhecido como “grupo dos sensibilizadores da insulina” e inclui duas classes terapêuticas: as biguanidas (metformina) e as glitazonas. Ambas apresentam os mecanismos de ação semelhantes, porém, com intensidades e tecidos distintos. Por exemplo, a metformina age preponderantemente no fígado, reduzindo a liberação hepática de glicose, mas também age secundariamente em nível dos músculos e do tecido adiposo, diminuindo a resistência à ação da insulina. Por outro lado, a preponderância de mecanismos de ação é inversa no caso das glitazonas, ou seja, estas agem preponderantemente nos músculos e no tecido adiposo e também apresentam ação redutora sobre a liberação de glicose pelo fígado, embora em menor escala que a metformina.

Por outro lado, o grupo terapêutico que age estimulando a produção interna de insulina pelas células beta é representado pelos chamados “secretagogos de insulina”, os quais podem ser de curta duração (como as glinidas, para uso prandial, com duração aproximada de 2 horas) ou de duração mais ampliada (como as sulfoniluréias, para cobertura insulínica por períodos de 12 a 24 horas).

É importante notar que os sensibilizadores da ação periférica da insulina não costumam causar hipoglicemia, mesmo quando o paciente não se alimenta nos horários previstos. Por outro lado, os secretagogos de insulina de duração mais prolongada continuarão a exercer seu efeito

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estimulador da secreção de insulina pelas células beta, independentemente do paciente ter ou não se alimentado nos horários previstos. Por essa razão, deve-se sempre ter em mente a possibilidade da ocorrência de hipoglicemias nestes pacientes, principalmente quando as refeições não acontecem nas quantidades e nos horários previstos.

Outro grupo terapêutico é constituído por fármacos que retardam a absorção intestinal da glicose e, assim, reduzem a hiperglicemia pós-prandial. Esses quatro grupos terapêuticos mencionados e seus respectivos mecanismos de ação estão resumidos na figura 10 a seguir.

Fig. 10 - Os diferentes mecanismos de ação dos antidiabéticos orais

Mais recentemente, uma nova classe de medicamentos está sendo introduzida, com uma abordagem terapêutica direcionada à inibição da secreção de glucagon, um hormônio produzido pelas células alfa das ilhotas pancreáticas e que apresenta um efeito oposto ao da insulina, ou seja, um efeito hiperglicemiante. Os chamados hormônios intestinais ou incretinas exercem fisiologicamente essa função.Dois grupos terapêuticos exercem uma ação farmacológica semelhante à das incretinas: os incretinomiméticos e os inibidores da enzima DPP-IV. Por se tratar de agentes terapêuticos ainda não lançados em alguns países, ainda não se definiu a participação desse grupo nos algoritmos de tratamento do DM2. Devido à grande atualidade deste tema, sugerimos a leitura de capítulos específicos sobre o assunto mencionados a seguir.

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O sistema renina-angiotensina na resistência à insulina e hipertensãoCapítulo 4 - Dra. Sandra Ferreira

IntroduçãoDM e hipertensão arterial (HA), isoladamente, estão associados à elevada morbi-mortalidade cardiovascular. Estudos epidemiológicos revelam que HA é cerca de 2 vezes mais frequente nos indivíduos diabéticos quando comparados à população não-diabética (figura 1). A associação das 2 doenças é amplamente conhecida e tal fato potencializa os efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. O Multiple Risk Factor Intervention Trial - MRFIT

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mostrou que, em particular no portador de DM, à medida que a pressão arterial (PA) se eleva cresce a taxa de mortalidade por esta causa (figura 2).

Fig. 01 - Frequência da hipertensão arterial na população diabética e não diabética.

Fig. 02 - Aumento da mortalidade proporcional ao aumento da pressão arterial em indivíduos com ou sem

diabetes.

A resistência à insulina – defeito básico na etiopatogenia do DM tipo 2 – é considerada um elo fisiopatogênico entre o DM e a HA. Os mecanismos intracelulares geradores da redução da ação hormonal são hoje satisfatoriamente conhecidos. Amplas evidências confirmam a associação da HA a outras condições de resistência à insulina, como é o caso da obesidade e DM tipo 2, integrantes da chamada síndrome metabólica. A HA presente no espectro da síndrome metabólica é considerada “sal-sensível”, ou seja, responsiva às variações no consumo de sal.

Em resposta à resistência tecidual à ação da insulina, há secreção insulínica aumentada pelas células beta e consequente hiperinsulinemia. Concentrações elevadas de insulina exacerbam seus efeitos sobre a reabsorção renal de sódio, bem como ativam do sistema nervoso simpático; ambos os efeitos contribuem para elevar a PA. Porém, este raciocínio fisiopatológico para gênese de HA esbarrava nos resultados conflitantes de experimentos nos quais a insulina administrada no intravascular determinava efeito vasodilatador. O estado de resistência à insulina, presente inclusive em células do endotélio de indivíduos com síndrome metabólica, explica, em parte, o aparente efeito hemodinâmico contraditório.

Page 26: Aspectos gerais do dm

Hoje se sabe que a condição de resistência à insulina é um fator relevante para a instalação de estado pró-hipertensivo. A angiotensina II, potente agente vasoconstritor, está envolvida no desenvolvimento de ambas, resistência à insulina e HA; agentes que inibem a ação da angiotensina (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores do seu receptor) não apenas reduzem a PA, mas também são capazes de restaurar a sensibilidade à insulina.

Com base nestas observações postulou-se que destas interrelações da angiotensina II às vias de sinalização de insulina poder-se-ia compreender como a angiotensina geraria resistência à insulina, predispondo à intolerância à glicose, além de elevação da PA. Estudos experimentais apontam efeito inibidor da angiotensina II sobre a secreção de insulina; em paralelo, estudos in vitro evidenciam o mecanismo intracelular pelo qual a angiotensina reduz a captação de glicose.

Os mecanismos que elevam a PA do indivíduo com manifestações da síndrome metabólica são múltiplos, mas certamente envolve, dentre outros, o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), como gerador e mantenedor dos níveis pressóricos aumentados. Em adição ao efeito vasoconstritor direto da angiotensina II, este hormônio estimula a secreção adrenal de aldosterona, cuja ação principal é a reabsorção renal de sódio, aumentando o débito cardíaco e a PA.

Um estado hiperglicêmico crônico provoca hiperfiltração glomerular e per se desencadeia mecanismos renais retentores de sal. O conteúdo corporal de sódio aumentado em indivíduos com DM potencializa a ação pressórica da angiotensina II. Além da vasoconstrição, estimulando receptores AT1 e AT2 presentes nos túbulos proximais, a angiotensina II contribui para agravar a retenção de sódio e água.

Na musculatura lisa vascular e nos rins, a angiotensina II exerce sua ação essencialmente via receptores AT1, sobre os quais atua importante classe de agentes anti-hipertensivos (bloqueadores do receptor da angiotensina – BRAs), largamente empregados na prática clínica para controle da PA. 

Adicionalmente, há evidências in vitro de que a angiotensina II, atuando sobre seus receptores AT2, possa ser dotada de efeitos promotores de proliferação celular na parede vascular. A somatória de ações vasoconstritoras, tróficas e sobre a volemia resulta em papel definitivo do SRAA na elevação da PA em indivíduos com DM. Porém, a retenção renal de sódio tende, em médio prazo, a determinar compensatoriamente supressão deste sistema. Assim, a manutenção de níveis pressóricos aumentados deve ser, portanto, dependente de mecanismos outros, especialmente a ativação do sistema nervoso simpático.

Já se observou que indivíduos diabéticos apresentam sensibilidade vascular aumentada a substâncias vasopressoras como a angiotensina II e noradrenalina. Alterações no transporte de cátions na musculatura lisa do vaso, provocada pela hiperinsulinemia, pode resultar em aumento do cálcio e sódio intracelular, o que o torna hiperativo a estímulos com substâncias endógenas vasopressoras. Fechando-se um ciclo vicioso, o comprometimento do fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética, principal sítio de ação da insulina, poderia agravar um estado de resistência à insulina.

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Outra linha de investigação reforça a estreita ligação do SRAA com anormalidades do metabolismo da glicose, distribuição central da adiposidade corporal e HA. Adiposidade excessiva comumente precede a instalação do DM tipo 2. O tecido adiposo – especialmente visceral – tem sido implicado na ativação do SRAA, uma vez que pré-adipócitos humanos são capazes de produzir angiotensinogênio, a enzima conversora e de secretar angiotensina II. 

Outros genes controladores da produção de substâncias relevantes para este sistema (da renina, proteína ligadora da renina e do receptor 1 da angiotensina) são expressos em pré-adipócitos, reforçando a participação deste tecido no controle da PA. Achados em tecido adiposo visceral humano comprovam ser este metabolicamente mais ativo que o subcutâneo, sendo importante fonte de angiotensinogênio para a circulação, além do fígado. A renina é responsável pela transformação deste precursor hormonal em angiotensina I. Em órgãos-alvo, sob a ação da enzima conversora da angiotensina (ECA), é convertida à forma ativa, a angiotensina II, que estimula a síntese adrenal de mineralocorticóides e, consequentemente, a expansão do volume extracelular (figura 3).

Fig. 03 - Fatores envolvidos na gênese da hipertensão arterial.

Mais recentemente, foi identificado novo fator sintetizado no tecido adiposo, cuja ação principal é estimular a produção e liberação de minerolocorticóide pelas adrenais. Este novo hormônio representa mais um elo fisiopatogênico da obesidade com a HA.

Além do angiotensinogênio e do fator liberador de mineralocorticóide que interferem mais diretamente no controle da PA, o tecido adiposo produz outros hormônios (leptina, resistina, adiponectina) e citocinas (TNF-alfa, PAI-1, interleucinas) que atuam na sensibilidade à insulina, função endotelial e/ou na hemodinâmica, contribuindo para aterogênese e risco de fenômenos trombo-embólicos. A este conjunto de anormalidades presente em indivíduos obesos somam-se as consequências da resistência à insulina sobre o metabolismo lipídico. A dislipidemia também desempenha papel fundamental no processo aterosclerótico do indivíduo obeso diabético hipertenso, conforme abordado neste e-book. Partículas pequenas e densas de LDL-colesterol penetram mais facilmente no espaço subendotelial, desencadeando a formação de células espumosas, inflamação e espessamento da parede arterial, que oferecem resistência ao fluxo sanguíneo, contribuindo, assim, para elevar os níveis pressóricos.

No que diz respeito aos efeitos intracelulares da angiotensina II sobre a sensibilidade à

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insulina, os achados na sua maior parte associam este hormônio à resistência à insulina, apesar de alguns sugerirem que em condições normais a angiotensina II melhoraria a sensibilidade. Resultados obtidos estudos in vitro e in vivo auxiliam no entendimento destas divergências (Folli F, Saad MJ, Velloso L, Hansen H, Carandente O, Feener EP, Kahn CR. Crosstalk between insulin and angiotensin II signalling systems. Exp Clin Endocrinol Diabetes 1999; 107:133-9). À semelhança da insulina, observou-se que a angiotensina II, atuando via receptores AT1, estimula a fosforilação dos substratos do receptor de insulina (IRS-1 e IRS-2), os quais habitualmente ativariam a PI3-kinase e, em última análise, promoveria o transporte de glicose. Porém, em contraste com o efeito da insulina, a angiotensina II inibe a atividade desta enzima, comprometendo a captação de glicose. Em situações de hiperatividade do SRAA (por exemplo, na obesidade), há comprometimento da via de sinalização da insulina, agravando para resistência à insulina e anormalidades características da síndrome metabólica. Conforme apresentado na figura 4, é aceito que indivíduos com acúmulo de gordura visceral apresentam diversos mecanismos ativadores do SRAA, predispondo-os à HA. Somando aos efeitos decorrentes da hiperinsulinemia (retenção de sódio e água, ativação simpática e hipertrofia da parede arterial), da resistência à insulina e vasoconstrição induzidas pela angiotensina no processo hipertensivo, outros investigadores aventam que o excesso de gordura intra-abdominal poderia estimular o SRAA por compressão mecânica dos rins, favorecendo a liberação de renina pelo aparelho justaglomerular. Ainda em decorrência da obesidade, a apnéia do sono tem sido implicada na geração ou perpetuação da HA por estímulo simpático e da córtex adrenal (Lavie P et al. BMJ 2000; 320:479-482).Numa linha oposta, outros defendem que a ativação do SRAA é que seria geradora de hipertrofia do tecido adiposo, obesidade central e a resistência à insulina. Assim, é possível que estas relações causa-efeito na PA, envolvendo o SRAA e a adiposidade corporal, sejam bidirecionais e se retroalimentem na geração da HA.

Fig. 04 - Possíveis mecanismos geradores de hipertensão arterial associada à obesidade.

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O papel dos hormônios intestinais no controle glicêmicoCapítulo 5. Dr. Ney Cavalcanti.Dr. Daniel da Costa Lins

IntroduçãoHoje sabemos ser o trato gastrointestinal o nosso maior órgão endócrino. Ele produz muitos hormônios, dos quais conhecemos apenas alguns, que desempenham importantes ações na nossa homeostase. Os primeiros estudos com os hormônios gastrointestinais sugeriam que as suas ações se restringiam apenas ao funcionamento do tubo digestivo, como secreção ácida do estômago e contração da vesícula biliar. Somente a partir de 1973 quando foi demonstrado, que um deles, a colecistoquinina (CCK) tinha influência sobre o apetite, surgiu aumento de interesse nestes peptídeos e a descoberta de que também outros destes hormônios tinham ações fora do sistema digestivo.  O sistema nervoso central (SNC) os receptores para estes peptídeos se localizam principalmente para o controle no hipotálamo e tronco encefálico. É através dessas mensagens que controlamos a nossa fome, saciedade e gasto energético. Estudos recentes indicam a existência de um sistema no tubo digestivo que identifica a presença de alimentos e sinaliza o SNC via mecanismos neurais e endócrinos a regular a curto prazo o apetite e a saciedade.

Neste capítulo será discutida a função do trato gastrointestinal no balanço energético e avaliar a possibilidade de utilização destes peptídeos ou seus receptores como novas rotas no controle da obesidade e suas comorbidades.

Colecistoquinina (CCK)A colecistoquinina (CCK) é um peptídeo produzido pelas células I do duodeno e jejuno, assim como no cérebro e no sistema nervoso entérico. A CCK é secretada em resposta aos nutrientes no lúmen intestinal, especialmente gorduras e proteínas. Esta molécula de CCK é clivada em pelo menos 6 peptídeos que se ligam aos seus receptores. Há dois tipos distintos de receptores para a CCK. O receptor CCK1 predomina no tubo digestivo enquanto o receptor CCK 2 predomina no cérebro.

Apesar de a CCK apresentar como funções principais o controle da vesícula biliar, da saciedade e das secreções pancreáticas, este peptídeo também exerce ação relevante no controle do metabolismo dos carboidratos. A CCK exerce suas funções no controle glicêmico via receptor CCK2 no pâncreas. Em ratos a CCK estimula a secreção de insulina “in vivo” ou em cultura de pâncreas. Em humanos, níveis acima do fisiológico estimulam a secreção de insulina. Entretanto o bloqueio do receptor da CCK não diminui a secreção de insulina pós-prandial. Estes resultados levam a conclusão que a CCK pode estimular a secreção de insulina, mas não é essencial para a secreção pancreática de insulina. O uso da CCK reduz a hiperglicemia e estimula a proliferação de células beta em ratos após injúria pancreática. A demonstração através da infusão de CCK-8 do aumento da secreção da insulina pós-prandial em humanos sem alterar significativamente os níveis de GIP, GLP-1 e glucagon sugerem que o CCK pode ser explorado no futuro como uma forma de tratamento para o DM2.

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Glucagon-like peptídeo 1 (GLP-1)O GLP-1 é um peptídeo intestinal de 30 aminoácidos produzido pelas células l localizadas no íleo distal e colón. O GLP-1 é rapidamente secretado no intestino distal logo após a refeição. A secreção deste peptídeo é controlada pela combinação de estímulos neurais e endócrinos. Posteriormente o contato direto do nutriente com as células l do intestino também estimulam a secreção do GLP-1.

Figura 1 – As diversas ações fisiológicas do GLP-1

A maioria do GLP-1 circulante é degradado pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) em apenas 2 minutos. Os receptores do GLP-1 são expressos no trato intestinal, pâncreas endócrino e SNC.

O GLP-1 na fisiologia da alimentação tem grande importância no "ileal brake" mecanismo inibitório no qual o trato intestinal distal regula a passagem de alimentos através do tubo digestivo. O GLP-1 através do "ileal brake" inibe a motilidade do trato gastrintestinal, reduz as secreções gastroentéricas e diminui o esvaziamento gástrico. O GLP-1 diminui o apetite em várias espécies animais inclusive no homem. A injeção periférica do GLP-1 aumenta a saciedade em indivíduos de peso normal, obesos e em diabéticos. Pacientes tratados tanto com o GLP-1 ou agonistas do receptor do GLP-1 perderam peso em estudos de até 2 anos. Os efeitos anoréticos são mediados principalmente através do receptor GLP-1 r, porque o efeito está ausente em ratos com deficiência deste receptor e são prontamente revertidos com o bloqueio seletivo através do antagonista do GLP-1 r.

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Figura 2 – Ações fisiológicas dos inibidores da DPP-IV

A constatação que os obesos apresentavam um menor nível circulante de GLP-1 e uma resposta pós-prandial atenuada trouxe ânimo no meio científico com a utilização do agonista do GLP-1 na perda de peso. Porém a observação de casos de hipoglicemia com este peptídeo em pacientes não diabéticos limitou o seu uso como droga antiobesidade isoladamente.

A secreção de GLP-1 tem se mostrado deficiente em pacientes com DM2.Estudos recentes indicam que a redução do efeito incretínico nos pacientes com DM2, esteja mais relacionado a hiperglicemia crônica, do que um defeito primário na ação do GLP-1.No momento, as pesquisas clínicas estão focadas no efeito incretínico do GLP-1 e seu uso como droga hipoglicemiante. O GLP-1 aumenta a secreção de insulina glicose dependente, inibe a secreção de glucagon e aumenta o crescimento de células beta pancreáticas. A infusão subcutânea por 6 semanas do GLP-1 melhorou o controle glicêmico em pacientes diabéticos descompensados. O maior obstáculo para o uso da molécula do GLP-1 é o seu tempo de meia vida curto via inativação pelo DPP-4. Por isso alguns agonistas do GLP-1 resistentes a degradação do DPP-4 (exenatida e liraglutida) e drogas inibidoras do DPP-4 (vidagliptina e sidagliptina) foram desenvolvidas como uma nova classe de agentes hipoglicemiantes. Os ensaios clínicos com os incretinomiméticos (exenatida e liraglutida) mostraram uma redução nas glicemias de jejum, pós-prandial e hemoglobina glicada (1 a 2%) associado à perda de peso. O efeito adverso mais comum com os agonistas do GLP-1 foi a náusea, porém de forma leve e que melhorava com o passar do tempo. Os inibidores da DPP-4 (sidagliptina, vidagliptina e saxagliptina) reduziram a hemoglobina glicada em 0,5 a 1% com menos efeitos adversos e sem ganho de peso. Esta nova classe de medicamento parece também expandir a massa de células beta em estudos pré-clinicos.

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Estudo recente com pacientes no pós-operatório de gastroplastia com bypass sem perda de peso importante ainda já apresentavam um aumento no GLP-1 pós-prandial. Este trabalho sugere que a modificação na anatomia do tubo digestivo pela cirurgia faria com que o alimento entrasse em contato mais rápido com as células l levando a esta resposta hormonal.

O GLP-1 apresenta importância fisiológica na homeostasia da energia e no metabolismo dos carboidratos, transformando esta molécula num atrativo para o tratamento da diabetes mellitus tipo 2, pois a hiperestimulação do receptor do GLP-1 leva a uma melhora do controle glicêmico, mantendo ou até reduzindo o peso corporal.

Polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP)O GIP é uma incretina secretada pelas células k após absorção de carboidratos e lipídios. Estas células estão presentes principalmente no intestino delgado, porém mais densamente no duodeno. A secreção do GIP é muito aumentada em resposta ingestão alimentar aumentando 10 a 20 vezes a sua concentração plasmática. O GIP assim como o GLP-1 quando secretado é degradado pela enzima DPP-4 tendo a sua atividade biológica de apenas 5 a 7 minutos em humanos.

A principal ação do GIP é estimular a secreção de insulina glicose dependente. A diminuição ou anulação da ação do GIP em experimentos animais gerou uma deficiência de insulina após a administração de glicose, demonstrando a função do GIP como uma incretina essencial. O GIP é uma potente incretina em indivíduos normais, porém as suas ações glicoregulatórias via GIP exógeno estão diminuídas nos diabéticos tipo 2. A secreção do GIP basal e pós-prandial em pacientes diabéticos tipo 2 é praticamente normal quando comparada a indivíduos sadios. Alguns trabalhos mostram que aproximadamente 50% dos parentes não diabéticos de primeiro grau dos diabéticos tipo 2 já apresentam uma menor responsividade ao GIP. Portanto, a redução das ações insulinotrópicas do GIP nos diabéticos pode ser devido à combinação de defeitos adquiridos e genéticos.

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Figura 3 – Mecanismos de estimulação das células beta do pâncreas para a produção de insulina.

A cirurgia bariátrica, principalmente a derivação gástrica em Y de Roux, que inclui o bypass do intestino delgado, seria esperada a redução do GIP. Porém alguns trabalhos demonstraram uma não modificação e outros grupos aumento do GIP no pós-operatório. A diferença na secreção deste peptídeo pode ser devido a variações na técnica cirúrgica. O impacto da alteração da dinâmica da secreção do GIP no pós-operatório e seus efeitos hipoglicemiantes não ficaram bem elucidados até o momento.

Oxintomodulina

A oxintomodulina assim como o GLP-1 é um produto do gene do pré-pró-glucagon secretado na circulação pelas células l no período pós-prandial. Originalmente caracterizado como um inibidor da secreção ácida gástrica, este peptídeo também reduz a ingesta alimentar quando administrado centralmente a roedores ou perifericamente a roedores e humanos. A oxintomodulina estimula a secreção de insulina, lentifica o esvaziamento gástrico e inibe a secreção de ghrelina. A oxintomodulina se liga ao receptor do GLP-1.

Trabalho recente mostrou que a oxintomodulina quando administrada subcutaneamente em indivíduos com obesidade e sobrepeso por 4 semanas levou a uma significativa perda de peso de 2,3 kg comparada com 0,5 kg do grupo controle. Além disto, a oxintomodulina parece ter um efeito no aumento do gasto energético. Recente trabalho demonstrou através de calorimetria indireta um aumento de 25% no gasto calórico com a utilização deste peptídeo.

Estudo recente demonstrou um aumento na oxintomodulina no pós-operatório da Gastroplastia em Y de Roux (GYR) quando comparado ao grupo de tratamento clínico. De maneira similar ao GLP-1 a oxintomodulina aumenta secreção de insulina e pode ser considerada uma incretina. O aumento da oxintomodulina sugere uma contribuição indireta desta na melhora do controle glicêmico após GYR.

A oxintomodulina é uma das primeiras terapias que demonstra diminuição do apetite associado a aumento espontâneo do gasto energético. A sua limitação assim como o GLP-1 é a inativação em grande parte pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4). Na prática clinica seria necessário à utilização de análogos resistentes a degradação como opção no tratamento da obesidade.

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Peptideo YY (PYY)

O PYY é um peptídeo de 36 aminoácidos da família do PP e do NPY. O PYY é produzido pelas células l do trato gastrointestinal principalmente na sua porção distal do íleo, cólon e reto. O PYY apresenta uma secreção pós-prandial bifásica, inicialmente estimulada pela inervação do tubo digestivo seguida pelo estímulo direto dos alimentos no intestino distal. As células l do intestino secretam o PYY chegando a um platô sérico 1 a 2 horas após a refeição sendo influenciado pelo tipo de alimento e tamanho da refeição.

O PYY circula em duas isoformas: o PYY 1-36 e o PYY 3-36. O PYY 3-36 que atua como peptídeo com efeito anorético resulta da clivagem do DPP-4. O PYY apresenta inúmeras ações no trato gastrointestinal como o retardo do esvaziamento gástrico, inibição da secreção gástrica e pancreática e uma maior absorção ileal de fluidos e eletrólitos. A administração periférica do PYY 3-36 também inibe a ingestão de alimentos e reduz o ganho de peso em ratos e primatas e melhora o controle glicêmico em ratos diabéticos. Em humanos a infusão intravenosa do PYY diminui a fome e a ingesta alimentar em 36% sem causar náusea ou alterar o paladar.

Os obesos apresentam níveis plasmáticos mais baixos do PYY e uma relativa deficiência em sua secreção pós-prandial o que poderia contribuir para a manutenção da obesidade. Entretanto, esses indivíduos obesos se mantêm sensíveis as ações anoréticas do PYY 3-36 quando administrado perifericamente. O mecanismo pelo qual o PYY 3-36 reduz o apetite é controverso. A sua ação parece ser através do receptor Y2 inibindo a atividade dos neurônios NPY/AGRP e estimulando as células POMC/CART no núcleo arqueado do hipotálamo.

Os estudos com a cirurgia bariátrica têm trazido novas descobertas na fisiologia do PYY. Estudo recente mostrou uma resposta pós-prandial do PYY aumentada no pós-operatório precoce da gastroplastia com bypass, mesmo sem uma perda ponderal significativa em 6 semanas. A secreção do PYY no pós-operatório da cirurgia bariátrica apresenta diferentes respostas de acordo com a técnica cirúrgica utilizada, podendo influenciar na perda e manutenção de peso desta diferentes técnicas. Estudo recente demonstrou um aumento nos níveis de PYY3-36  um mês depois da GYR, este efeito não foi observado após uma perda de peso com restrição alimentar. Similar a Ghrelina, há estudos recentes que sugerem efeitos mais diretos do PYY na sensibilidade à insulina, no entanto, o papel de PYY independente da ingestão de alimentos ainda precisa ser confirmada. A administração em longo prazo do PYY 3-36 por uma rota diferente (oral ou nasal) pode contribuir efetivamente no tratamento da obesidade e suas comorbidades.

Polipeptídeo pancreático (PP)

O PP e um peptídeo de 36 aminoácidos produzido pelas células f do pâncreas, mas também secretado pelo pâncreas exócrino e tubo digestivo distal. Após uma refeição, o PP é secretado rapidamente na circulação, se mantendo elevado por até 6 horas. No SNC, o PP exerce uma função predominantemente orexígena quando administrada diretamente no terceiro ventrículo. No trato gastrointestinal, o PP inibe o esvaziamento gástrico, a secreção pancreática exócrina e a motilidade da vesícula biliar. Em contraste ao seu efeito central a infusão intraperitoneal do peptídeo leva a diminuição do apetite e aumento do gasto

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energético.

Em trabalhos científicos foram observados alterações na secreção do PP em síndromes associadas com modificação no hábito alimentar em humanos. Indivíduos com a síndrome de prader-willi, uma forma genética de obesidade caracterizada por extrema hiperfagia, há uma menor resposta do PP após as refeições. Uma diminuição na secreção pós-prandial do peptídeo também foi observada em obesos mórbidos. Enquanto indivíduos com anorexia nervosa têm uma resposta pós-prandial exacerbada do PP. Em trabalho publicado com humanos a infusão de 90 minutos do PP reduziu significativamente não só a ingesta alimentar 2 horas após a infusão na refeição como também reduziu o apetite por pelo menos 24 horas. O PP parece ter um potencial de agir como inibidor do apetite podendo ser utilizado futuramente como uma opção de droga no tratamento da obesidade.

Ghrelina

A ghrelina é um peptídeo de 28 aminoácidos que se apresenta em duas isoformas: a acilada e a não acilada. Baseado em sua estrutura é um membro da família do peptídeo motilina e um ligante natural do receptor dos secretagogos do hormônio do crescimento (GHS - R1A) na hipófise e hipotálamo. A ghrelina apresenta em curto prazo a função de estimular o apetite, mas em longo prazo apresenta a função de controlar os estoques de gordura corporal. A ghrelina em doses fisiológicas rapidamente estimula o apetite e a ingestão alimentar, sugerindo que este hormônio participe do início da refeição e da fome pré-refeição. A ghrelina também aumenta a motilidade e esvaziamento gástrico e a secreção ácida. Os níveis plasmáticos de ghrelina se elevam antes e caem rapidamente após cada refeição, sendo este peptídeo o originador da fome na hora da refeição. Os animais de laboratório que são alimentados continuamente apresentam os níveis séricos da ghrelina mais constantes com pequenos aumentos antes da ingestão alimentar. Em animais e humanos que apresentam um intervalo entre as refeições, os picos da ghrelina são maiores e controlados pelo sistema nervoso simpático.

Os nutrientes, principalmente os carboidratos e as proteínas mais que as gorduras levam a supressão da ghrelina de forma dose dependente. Interessantemente, após a ingestão de carboidratos, há um rebote excedendo os níveis basais de ghrelina, podendo explicar a pequena duração da saciedade após refeições com altos níveis de carboidratos. A redução nos níveis séricos de ghrelina requer a presença de nutrientes na porção distal do intestino delgado e parece ser mediada pelo sistema nervoso entérico, envolvendo a serotonina e a secreção de insulina. Os efeitos a longo prazo da ghrelina sugerem o seu papel como importante sinalizador da regulação da massa corpórea. Os níveis de ghrelina sobem com a perda de peso,quer por câncer, restrição calórica,caquexia, anorexia nervosa ou exercício crônico. Em contrapartida, os níveis da ghrelina caem com o ganho de peso por hiperalimentação, glicocorticóide, uso de antipsicóticos ou tratamento para doença celíaca. Os receptores da ghrelina estão presentes no núcleo arqueado, no nervo vago e em todo o seu percurso ao núcleo e trato solitário, uma região do cérebro que recebe informações das vísceras e estão relacionadas à via NPY/agouti.

A administração crônica de ghrelina aumenta o peso corporal, podendo apresentar efeitos terapêuticos em doenças que levam a perda de peso. A ghrelina também aumenta a preferência por gordura e diminui o gasto energético pela redução da atividade simpática do

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sistema nervoso autônomo. Os níveis plasmáticos da ghrelina são inversamente proporcionais ao índice de massa corpórea (IMC). Os indivíduos anoréticos têm este hormônio elevado que cai a níveis normais com o ganho de peso. Os obesos têm os níveis da ghrelina suprimidos que normalizam com a perda de peso induzida pela dieta. Entretanto ao contrario dos magros os obesos não têm uma queda rápida da ghrelina no pós-prandial o que pode resulta na hiperfagia e manutenção da obesidade. Grande entusiasmo com a ghrelina tem sido a observação que esta participa do mecanismo de controle do metabolismo dos carboidratos através dos receptores GHS - R1A no pâncreas. A ghrelina e o seu receptor GHS - R1A são expressos nas ilhotas pancreáticas. A ghrelina suprime a secreção de insulina in vitro e in vivo e leva hiperglicemia em roedores e humanos através de mecanismos parácrinos. Além disso, o tratamento crônico com agonistas do receptor GHS - R1A causam hiperglicemia e resistência insulínica em humanos. Recentemente foi observado que ratos ob/ob com deficiência do receptor GHS - R1A têm uma melhora da tolerância a glicose e um aumento da secreção de insulina.

A perda de peso e melhora da tolerância a glicose na gastroplastia com bypass no pós-operatório foi associado com uma queda da ghrelina quando comparada com a dieta, sendo uma das justificativas para a manutenção dos resultados neste procedimento. Estes achados não foram observados em todos os serviços de cirurgia. Estas diferenças foram devido a variações nas técnicas cirúrgicas que afetam a integridade do fundo gástrico assim como a inervação do tubo digestivo.

Em animais, vários estudos têm sido desenvolvidos com o objetivo de diminuir a atividade da ghrelina. Nesta linha de pesquisa têm sido desenvolvidos antagonistas do receptor da ghrelina, estes podendo ter espaço no tratamento de obesos diabéticos.

Cirurgia bariátrica

No Brasil ocorreu um grande aumento do número de cirurgias bariátricas. No Brasil, em 1999, foram realizadas 5.000 cirurgias e, em 2010, mais de 30.000 cirurgias, um aumento de 500% na última década. Esse crescimento coloca o Brasil na segunda posição do ranking mundial de cirurgias bariátricas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que realiza anualmente 300 mil procedimentos por ano. A cirurgia bariátrica é o único procedimento que leva a uma perda de peso em longo prazo e pode melhorar e, em alguns casos, curar o diabetes, dislipidemia, hipertensão e apnéia do sono.

Atualmente, no Brasil, a derivação gástrica em Y de Roux (GYR) é o procedimento mais realizado pelos cirurgiões. Esta consiste num pequeno reservatório gástrico que limita as refeições, uma pequena área de disabsorção e um efeito hormonal através da sinalização dos peptídeos intestinais que se acredita serem o crucial na eficácia do procedimento. O controle glicêmico melhora rapidamente após o procedimento de GYR antes mesmo da perda de peso mostrando que as modificações nestes hormônios intestinais têm grande relevância nesta modalidade de tratamento.

Estudos mostram que no pós-operatório da GYR ocorre um aumento do PYY e do GLP-1. A ghrelina por sua vez tem os seus níveis séricos diminuídos ou não aumentados após grande perda de peso no pós-operatório da GYR. Atualmente a cirurgia bariátrica é o único

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procedimento respeitando as suas indicações que consegue resultados efetivos na obesidade e em suas comorbidades.

Cirurgia x mecanismo de resolução do diabetes

Uma comorbidade que melhora dramaticamente após a gastroplastia é o DM2. Um dos primeiros estudos acompanhou um grupo de 146 diabéticos. Desses, 121 (83%) ficaram euglicêmicos após a cirurgia bariátrica, num seguimento de 14 anos. Adicionalmente, 150 dos 152 pacientes com intolerância à glicose se tornaram normoglicêmicos. O Swedish Obese Subjects Study (SOS) mostrou similar redução na prevalência de diabetes após a gastroplastia no período de 2,8 a dez anos de seguimento.  Recente metanálise estudou o tipo de procedimento cirúrgico e o grau de resolução do DM2 no pós-operatório. Em relação à resolução do dm2, houve uma variação que partiu de 98,9% com as derivações biliopancreáticas, passando por 83,7% para a gastroplastia em Y de Roux, assim como para 71,6% para a gastroplastia vertical.

Várias teorias tentam justificar a efetiva melhora metabólica, muitas vezes evoluindo para a resolução do quadro de diabetes. O mecanismo mais óbvio para explicar a resolução do diabetes consiste no impacto da perda de peso com a melhora da sensibilidade insulínica. Entretanto, esses efeitos benéficos no perfil glicêmico não podem ser explicados apenas pela perda ponderal. Isso se deve à observação de que a maioria dos pacientes diabéticos, no momento da alta hospitalar (uma semana após a gastroplastia), já estava sem fazer uso dos antidiabéticos orais, sem esse fato poder ser justificado exclusivamente pela perda ponderal. A explicação mais simplória seria de que no pós-operatório imediato os pacientes ficam sem se alimentar e suas células beta pancreáticas são poupadas. Posteriormente, a perda ponderal subsequente melhoraria ainda mais a sensibilidade insulínica. Outra teoria que poderia explicar seria que alterações favoráveis na secreção dos hormônios entéricos melhorariam a secreção e ação insulínicas. Os principais candidatos seriam a ghrelina, o peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1) e o PYY (21). A grelina, que tem os níveis séricos diminuídos ou não-aumentados após a perda de peso no pós-operatório da GYR, exerce ações diabetogênicas. Portanto, ela age como uma antiincretina, limitando a utilização glicêmica, e sua supressão no pós-operatório melhoraria o metabolismo dos carboidratos.

Atualmente, acredita-se que a ghrelina varia com o estado nutricional e está relacionado a respostas alimentares aprendidas. Isto sugere que a ghrelina parece agir como um hormônio de fase cefálica, aumentando a sua importância na homeostase da glicose. O GLP-1, por sua vez, é uma incretina produzida pelas células l no íleo distal em resposta ao contato do quimo. Em humanos a infusão intravenosa do GLP-1 leva a menor ingesta de alimentos por uma diminuição do apetite alem de uma sensação de plenitude gastrointestinal em diabéticos e obesos. O GLP-1 potencializa a secreção de insulina e possivelmente a sensibilidade insulínica. Em roedores, o GLP-1 aumenta a neogênese e a proliferação de células beta pancreáticas, assim como inibe a sua apoptose. No pós-operatório da GYR os alimentos chegam mais rapidamente ao íleo distal, podendo elevar o GLP-1 em até 10 vezes, assim como o PYY e o enteroglucagon, melhorando a utilização periférica de glicose. Já o PYY, um hormônio gastrointestinal, demonstrou diminuir a ingesta alimentar em humanos e o peso corpóreo em roedores. Em ratos a infusão do PYY não demonstrou influência sobre a glicemia de jejum, porém aumenta a captação de glicose no clamp hiperinsulinêmico. Este efeito é possivelmente mediado pela captação da glicose no músculo e no tecido adiposo e

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não pelo efeito na secreção de insulina. Estudo recente mostra secreção pós-prandial aumentada do PYY no pós-operatório da GYR, podendo contribuir para o efeito da melhora da homeostase da glicose. Outro trabalho recente comprova que a melhora da sensibilidade insulínica está relacionado ao efeito incretínico e não à perda de peso. Um grupo de 8 pacientes diabéticos mostrou no primeiro mês pós-operatório de um bypass gástrico que houve um aumento no GLP-1 e GIP após estimulo com glicose antes da perda de peso importante. Esses achados sugerem que fatores tróficos às células beta pancreáticas podem aumentar a massa de células beta, levando à hiperfunção das ilhotas após a cirurgia bariátrica. No entanto, embora os casos sejam raros, pode desencadear hipoglicemia pós-prandial.Apesar de todas as formas de diminuição do peso levarem a melhora do controle glicêmico, estudos recentes tem demonstrado um melhor controle glicêmico com a GYR do que as perdas ponderais equivalentes(clinicas ou cirúrgicas). Laferre e colaboradores demonstraram no pós-operatorio da GYR um importante aumento nos níveis de GLP-1 em comparação a perda de peso induzido pela dieta após 4 semanas.Este estudo sugere que a modificação da anatomia do trato gastrointestinal é quem estimula este efeito incretínico.

A dúvida atual em relação à fisiopatologia consiste em saber se o efeito do aumento das incretinas é devido ao bypass do duodeno ou a rápida chegada do alimento ao final do trato gastrointestinal. Estudo recente em ratos demonstra que a exclusão ou bypass do duodeno levaria a um aumento da incretinas teoricamente  pela exclusão da ação de anti-incretinas desta região.

Figura 4 – Efeitos da cirurgia metabólica sobre a secreção dos hormônios intestinais.

ConclusãoUm novo conhecimento do papel dos hormônios gastrointestinais na obesidade e no balanço energético foi recentemente descoberto. A lista de peptídeos intestinais que atuam no mecanismo apetite e gasto energético continua a crescer, e acredita-se que muitos outros hormônios serão identificados. Alem do mais, a aparente importância das alterações nos peptídeos intestinais causadas pelas intervenções cirúrgicas no trato gastrointestinal podem abrir caminho para novas técnicas cirúrgicas como modalidade de tratamento. Claro que muitos questionamentos continuam em aberto como a possibilidade dos peptídeos intestinais participarem da etiologia genética da obesidade e diabetes assim como o um melhor

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entendimento da interação entre sinalizações dos peptídeos a longo e curto prazo na manutenção do peso corporal.

Adquirindo estes conhecimentos, intervenções tanto farmacológicas ou cirúrgicas que modulem sinais dos peptídeos intestinais com a saciedade podem nos oferecer uma nova arma no controle da epidemia de obesidade e diabetes.

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O risco cardiometabólico e suas relações com a síndrome metabólica e a resistência à insulinaCapítulo 6. Dr. Luciano Ricardo Giacaglia

IntroduçãoA Síndrome Metabólica (SM) representa uma constelação de distúrbios metabólicos que, em conjunto, determinam aumento do risco de desenvolver diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doenças cardiovasculares (DCV), como doença coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência arterial periférica. Dados do III National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) apontam para uma prevalência de SM ao redor de 25% da população adulta norte-americana, não existindo diferença entre os sexos. Observa-se uma progressão linear da prevalência com a idade, fazendo com que mais de 40% da população acima dos 60 anos seja portadora de SM.

Atualmente entende-se que a resistência insulínica (RI) é o pilar fisiopatológico da SM. O diagnóstico padrão-ouro da RI se baseia no clampe euglicêmico hiperinsulinêmico. Na prática ambulatorial utilizamos o índice HOMA-IR ((glicemia jejum x insulinemia jejum) ÷ 405), de menor custo e menor dificuldade técnica, com boa correlação com o clampe. Considera-se como valor normal um HOMA-IR de até 2,8. Ainda assim, pela limitação desta mensuração em vários meios, diversas organizações de saúde buscaram estabelecer parâmetros clínicos capazes de identificar fenótipos sugestivos da presença de RI. A definição da International Diabetes Federation (IDF) inclui a presença de obesidade abdominal, com circunferência abdominal superior a 94cm em

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homens (90cm em asiáticos) e 80cm em mulheres, e ao menos duas das seguintes alterações: distúrbio do metabolismo glicêmico, que inclui a hiperglicemia de jejum, a intolerância a glicose ou o DM; a hipertensão arterial sistêmica (HAS), quando maior ou igual a 130/85mmHg; hipertrigliceridemia superior a 150mg/dl; e HDL-c inferior a 40mg/dl para o homem e 50mg/dl para a mulher. A mensagem principal é que o clínico diante do aumento de circunferência abdominal deve considerar a possibilidade outros distúrbios metabólicos coexistentes.

A circunferência abdominal é medida na linha média entre a borda superior da crista ilíaca e a borda inferior da última costela que, na maioria, coincide com a cicatriz umbilical. Os métodos de imagem como ultrasonografia, tomografia e ressonância magnética embora mais precisos na quantificação específica da gordura visceral, apresentam alto custo, especialmente no caso de rastreamento populacional.

Obesidade Visceral e síndrome metabólicaA obesidade visceral é um dos aspectos mais relevantes na determinação da RI. O tecido adiposo, mais que um simples depósito de lipides, é hoje reconhecido como um tecido endócrino ativo, capaz de produzir diversos hormônios (angiotensina, cortisol, leptina, resistina, estrona,adiponectina) e adipocinas (TNF-alfa,IL-6, MCP-1,PAI-1), além de expressar receptores que respondem a sinais aferentes de diversos sistemas reguladores do metabolismo.

A gordura visceral responde por somente 15% da gordura corporal total em indivíduos obesos, comparado a 10% em magros. Porém, enquanto o adipócito visceral expressa hormônios de ação anti-insulínica e adipocinas pró-inflamatórias, o adipócito subcutâneo expressa hormônios pró-insulínicos, anti-aterogênicos e anti-inflamatórios, como a adiponectina.

A gordura visceral, com maior expressão de receptores catecolaminérgicos e menor expressão de receptores insulínicos, é mais ativa em termos de turn-over lipídico, com maior liberação de ácidos graxos livres (AGL) na circulação. Muito deste aporte de AGL acaba se depositando ectopicamente em órgãos como o fígado, músculo esquelético e pâncreas.

O aumento da oferta de AGL para o fígado estimula a produção de partículas VLDL-c, ricas em triglicérides, e aumenta a depuração plasmática de partículas HDL-c, com redução de seus níveis circulantes. O fígado se torna gorduroso e resistente à insulina, o que acaba estimulando a gliconeogenese e a glicogenólise, representado pelo aumento da produção hepática de glicose. Os casos extremos de depósito gorduroso, com ativação de citoquinas inflamatórias, evoluem para esteatohepatite e eventualmente cirrose, podendo além da clássica elevação enzimática apresentar dor a palpação de hipocôndrio direito.

No músculo esquelético, os AGL levam ao acúmulo intracelular de diacilglicerol e ativação da enzima PKC, que fosforila um resíduo alternativo do substrato do receptor de insulina (IRS-1), inibindo a cascata de resposta intracelular da insulina. No pâncreas, a deposição ectópica de gordura compromete a função das células beta, acelerando o processo de apoptose celular e aumentando o risco futuro de DM.

Do ponto de vista prático, é importante salientar que reduções modestas da adiposidade visceral, mesmo não acompanhadas de redução do IMC, o que é comum para quem inicia a atividade física, podem ter um impacto positivo no perfil cardiometabólico, fazendo com que a circunferência abdominal seja uma das medidas antropométricas mais confiáveis no controle terapêutico do paciente.

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Causas da Resistência Insulínica e Síndrome MetabólicaDiversas mutações monogênicas foram descritas como causadoras de RI e SM, interferindo nas diferentes etapas da ação insulínica, na viabilidade das ilhotas pancreáticas, na proliferação, e na diferenciação adipocitária, embora elas correspondam a uma mínima porcentagem dos casos. 

A expressão fenotípica da SM deriva, na maior parte das vezes, da inter-relação entre diversos genes (distúrbio poligênico). Já foram descritos vários padrões alélicos polimórficos que modulam os mais diversos eixos do controle metabólico. Recentemente, a persistência da gordura marrom vem sendo implicada na proteção contra a obesidade e SM, por ser rica em mitocôndrias e proteínas desacopladoras (UCPs) que determinam escapes de prótons, com menor formação de ATP e menor risco de ganho ponderal. 

Apesar da clara participação genética/étnica na SM, com interação poligênica e elevada prevalência familiar, fica evidente que a progressão epidêmica da SM nas últimas décadas só pode ser explicada pela interferência de agentes externos, decorrentes das mudanças ambientais e do estilo de vida moderno. 

Os avanços tecnológicos atuais reduziram em muito a nossa atividade espontânea. Em termos da ação insulínica, a musculatura esquelética aumenta o deslocamento dos transportadores de glicose GLUT4 para a membrana celular, estimulando a captação celular de glicose, além de ativar o fator nuclear da classe PPAR, que modula a resposta celular à insulina. Atualmente, recomenda-se como modelo de atividade terapêutica a atividade aeróbia por 40 a 60 minutos, ao menos 5 dias na semana, que pode ser complementada com atividade anaeróbia por 30 minutos, ao menos 2 dias na semana. 

Ao caminhar em espaços abertos propiciamos a exposição aos raios ultravioletas, responsáveis pela síntese de vitamina D. A vitamina D, além de seu efeito no metabolismo ósseo, estimula a síntese de adiponectina, com ações pró-insulínicas. Naqueles com restrição ao sol pode-se recorrer à reposição oral ou parenteral da vitamina D.

A dieta contemporânea apresentou drástica mudança em relação à dieta de nossos antepassados, para a qual nossa genética foi adaptada. O aumento no consumo atual de carboidratos simples promove uma absorção acelerada, com aumento na carga glicêmica e hiperresposta beta-pancreática, levando a um estado de hiperinsulinemia crônica e falência precoce do órgão. Aliada à baixa ingesta de fibras vegetais, ocorre redução da chegada de nutrientes nas porções finais do intestino, inibindo a secreção de incretinas, como o GLP-1.

Os vegetais, frutas e grãos integrais, alem das fibras, são fonte de importantes micronutrientes, como vitaminas, sais minerais e anti-oxidantes, que podem exercer papel preventivo na SM. Eles ajudam a regularizar a flora intestinal, favorecendo cepas com menor expressão de endotoxinas e menor geração de AGL voláteis, diretamente ligados à SM.

As gorduras saturadas e as gorduras “trans” podem desencadear diversos distúrbios metabólicos, alem de estimular o eixo endocanabinóide, que ativa as áreas de prazer hipotalâmico, intensificando a procura por alimentos gordurosos, e estimula  a expansão do tecido adipocitário visceral. Alem de seu elevado conteúdo gorduroso, o excesso de proteínas de origem animal é capaz de estimular as vias celulares mTOR e serina-6-quinase, que interferem na resposta insulínica e estão associadas à proliferação neoplásica. Inclusive, esta via é estimulada pela oferta excessiva de AGL e açúcares, razão pela qual diversos modelos animais demonstram aumento da

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expectativa de vida frente a restrições do conteúdo calórico total.

A estrutura social moderna, extremamente produtiva, com a ajuda da luz artificial, sacrificou horas de sono e interferiu em seu relógio biológico. Nas últimas décadas a média de 7,5 horas de sono ao dia diminuiu para próximo de 6 horas. O cansaço gerado pela falta de repouso adequado desestimula a atividade física, reduz os níveis de leptina e aumenta os níveis de grelina, promovendo assim um aumento na ingesta alimentar e uma redução do gasto energético basal. Esta situação é evidente nos trabalhadores de turno noturno ou turno variável. A associação com hipo/apnéia pode reduzir a oxigenação sanguínea, comprometendo a frequência e qualidade do sono REM. Portanto, estes distúrbios devem ser pesquisados e o paciente orientado quanto adequação do sono e a métodos de auxílio respiratório. Descobriu-se também uma forte correlação entre RI e redução do tônus dopaminérgico no hipotálamo, na região regulatória do relógio biológico, abrindo assim novo campo de abordagem terapêutica.

O estresse cotidiano ativa o eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal, com aumento dos níveis circulantes de cortisol e promoção de RI. Em contrapartida, inúmeros trabalhos demonstram o papel protetor da meditação e de diversas técnicas de relaxamento na prevenção da SM. 

Finalmente, subprodutos de produtos industriais aos quais a humanidade está exposta há décadas, como o ftalato e o bisfenol-A presentes em polimeros, são capazes de desregular a resposta insulínica. O problema é que as consequências podem se perpetuar por várias gerações, pelo efeito epigenético na RI, já bem estudado em fetos submetidos a estresse na vida uterinana.

Marcadores não-clássicos da Síndrome Metabólica e doenças associadasNos últimos anos, o espectro de distúrbios metabólicos associados à SM vem se ampliando, alertando o clínico a outros marcadores não-clássicos como a hiperuricemia; a microalbuminúria, um sinal indireto de disfunção endotelial renal; a elevação de enzimas hepáticas e de marcadores de inflamação hepática, como a gamaGT e a ferritina; o aumento na expressão de partículas lipídicas ricas em apolipoproteina B (ApoB), em oposição a apolipoproteina A (ApoA); a história pregressa de eclampsia e diabetes gestacional; a síndrome dos ovários policísticos na mulher; e mais recentemente, os baixos níveis de testosterona e de globulinas carreadoras de hormônios esteróides (SHBG) no homem.

Diversas doenças vêm sendo vinculadas, ao menos em parte, à resistência insulínica, como a doença de Alzheimer; as neoplasias de cólon, mama e próstata; as síndromes vestíbulo-cocleares; neuropatias periféricas; a depressão; as doenças inflamatórias crônicas; a gota úrica e a litíase renal; entre outras. Na prática clínica, fica implícita a necessidade de avaliar os riscos cardiometabólicos em portadores destas patologias associadas.

Síndrome Metabólica, Inflamação e Risco CardiovascularApesar dos inúmeros avanços na prevenção e tratamento, a DCV ainda representa a principal causa de mortalidade em nosso meio. A disfunção endotelial (DE) constitui o elo entre SM e DCV. Inúmeros fatores da SM podem contribuir para o risco de DE, incluindo o perfil lipídico pró-aterogênico, com partículas pequenas e densas tanto de LDL-c como de HDL-c, esta ultima com níveis totais reduzidos; elevação de triglicérides, AGL e VLDL, alem de partículas ricas em ApoB; o aumento do inibidor do ativador do plasminogênio 1 (PAI-1), de ação pró-trombótica; o efeito oxidativo e de glicação protéica da hiperglicemia; e a hipertensão arterial sistêmica (HAS).

A relação entre RI e HAS já está bem estabelecida. Os adipócitos viscerais sintetizam

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angiotensina II que, de ação vasoconstritora direta e promotora de reabsorção tubular de sódio. A própria RI favorece a vasoconstricção arterial, uma vez que a insulina é um potente estimulante da oxido nítrico sintase, enzima que produz o óxido nítrico endotelial, e também estimula a reabsorção tubular renal de sódio, atividade esta que não se reduz na RI. Através de receptores híbridos a insulina promove hipertrofia da camada muscular média dos vasos, aumentando a resistência arterial periférica, exacerbada pela hiperatividade do sistema autônomo simpático. 

O acúmulo de gordura visceral promove a secreção de adipocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-alfa) ao mesmo tempo em que suprime o hormônio protetor adiponectina, favorecendo a instalação de processo inflamatório crônico. Nesta circunstância ocorre um acúmulo de macrófagos no local, atraídos pela proteína de atração monocitária (MCP-1), produzida pelos adipócitos. Os macrófagos ativados sintetizam ainda mais citoquinas e acabam perpetuando o processo inflamatório. As células endoteliais também produzem MCP-1 quando expostas às adipocinas, atraindo macrófagos para o espaço subendotelial e causando dano oxidativo local, de maneira semelhante ao observado na aterosclerose. As partículas pequenas e densas de LDL-c são mais propensas a ultrapassar a parede endotelial, sendo capturadas na íntima pelos macrófagos, acentuando a inflamação.

Além disso, a SM também está relacionada à disfunção diastólica, hipertrofia do ventrículo esquerdo e a um aumento do risco arritmogênico, provavelmente por efeito de lipotoxicidade induzida pelos AGL. Observa-se aumento do intervalo QT ao eletrocardiograma, com menor refratariedade miocárdica e maior instabilidade elétrica, aumentando o risco de morte súbita.

Síndrome Metabólica e o ciclo vicioso da Resistência InsulínicaUm dos aspectos marcantes da SM é sua capacidade de autoperpetuação. Se por um lado o excesso de AGL promove RI, por outro a RI intensifica o processo de lipólise periférica, com liberação de mais AGL, além de levar a um estado catabólico muscular, que resulta em sarcopenia e piora da RI. O excesso de AGL nas mitocôndrias induz à formação de radicias superóxidos, que ativam a via promotora NFkappa-B. Esta via inibe a ação intracelular da insulina e está envolvida na produção de mais citocinas inflamatórias, que ativam ainda o sistema. Doenças inflamatórias crônicas, como lúpus, artrite reumatóide, hepatites crônicas e a SIDA, estão associadas a diferentes graus de RI. Os AGL e as endotoxinas bacterianas ativam os receptores “toll-like” (TLR) que também ativa a via NFkappa-B. Embora o uso de salicilatos esteja sendo avaliado no tratamento da RI, devemos lembrar que os vegetais são rica fonte natural de ácido salicílico.

A RI reduz a excreção renal de ácido úrico, elevando a sua concentração plasmática, e este é capaz de agravar a RI e induzir disfunção endotelial, uma vez que modelos animais não hiperuricêmicos, tratados com alopurinol apresentam melhora do perfil cardiometabólico.

A RI nos núcleos hipotalâmicos que regulam a saciedade e o gasto energético basal reduz a taxa metabólica basal e aumento a ingesta alimentar. No sistema límbico, pela interação com neurônios dopaminérgicos e serotoninérgicos, a RI pode levar a transtornos depressivos, dificultando a prática de atividade física e favorecendo alimentação compulsiva. 

A gordura visceral, por expressar a enzima 11beta-HSD, aumenta a síntese local de cortisol, intensificando a RI e o acúmulo de gordura visceral. A angiotensina II determina alterações morfológicas e funcionais nas mitocôndrias, propiciando o acúmulo de AGL e a geração de radicais superóxidos. Mutações mitocondriais e o acúmulo de danos celulares oxidativos podem

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ser um dos vínculos da RI com o envelhecimento. Tanto a renovação da mitocôndria como de outras organelas celulares pode ser promovida pela enzima AMPK, estimulada pela atividade física e pelas sirtuínas, que se elevam frente à restrição calórica ou por elementos naturais, como o resveratrol.

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Resistência à insulina no diabetes tipo 2Capítulo 7. Dr. Mário José Abdalla Saad. Dr. Henrique Gottardello Zecchin

IntroduçãoDiabetes melito é um grupo heterogêneo de doenças metabólicas caracterizado por hiperglicemia. Na forma mais comum da doença, o tipo 2, as etiologias ainda não estão estabelecidas. Há um componente genético, ainda mal definido, e a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento desencadeiam ou aceleram o aparecimento da doença. O DM2 parece ser poligênico, com polimorfismos que devem facilitar a instalação da resistência à insulina, bem como a redução de massa de células β No paciente com DM2 a hiperglicemia e outras alterações metabólicas agravam a resistência e pioram a secreção de insulina, dificultando a investigação da sequência patogênica nessa forma de diabetes. Nesse sentido, diversos estudos procuraram investigar em parentes em primeiro grau de pacientes com DM2 e em indivíduos com intolerância à glicose, possíveis alterações primárias, tentando caracterizar como se dá a instalação do DM2. Nos últimos anos houve grande progresso na definição das características clínicas de indivíduos que desenvolverão DM2, bem como em alterações moleculares envolvidas na patogênese dessa forma de diabetes.Diabetes melito é um grupo heterogêneo de doenças metabólicas caracterizado por hiperglicemia. Na forma mais comum da doença, o tipo 2, as etiologias ainda não estão estabelecidas. Há um componente genético, ainda mal definido, e a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento desencadeiam ou aceleram o aparecimento da doença. O DM2 parece ser poligênico, com polimorfismos que devem facilitar a instalação da resistência à insulina, bem como a redução de

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massa de células β No paciente com DM2 a hiperglicemia e outras alterações metabólicas agravam a resistência e pioram a secreção de insulina, dificultando a investigação da sequência patogênica nessa forma de diabetes. Nesse sentido, diversos estudos procuraram investigar em parentes em primeiro grau de pacientes com DM2 e em indivíduos com intolerância à glicose, possíveis alterações primárias, tentando caracterizar como se dá a instalação do DM2. Nos últimos anos houve grande progresso na definição das características clínicas de indivíduos que desenvolverão DM2, bem como em alterações moleculares envolvidas na patogênese dessa forma de diabetes.

Estudos transversais em diferentes populações mostram que indivíduos com intolerância à glicose são em geral mais obesos, resistentes à insulina e apresentam níveis insulinêmicos mais elevados. Eles também apresentam alterações na fase rápida de secreção de insulina (menores elevações insulinêmicas após estímulo glicídico). Assim, alterações na sensibilidade e na secreção de insulina são eventos metabólicos que podem ser identificados em indivíduos que desenvolverão diabetes, anos antes da doença se tornar evidente. Estas anormalidades se agravam na evolução de uma situação de tolerância à glicose normal para intolerância, e finalmente DM2. Aumento da produção hepática de glicose é evidente somente após início do DM2, e piora em proporção à gravidade da hiperglicemia.

A hiperglicemia crônica, mesmo que discreta, agrava a resistência e a secreção de insulina. Entretanto, o mecanismo preciso dessa glicotoxicidade não está bem estabelecido. Adicionalmente, o conceito de lipotoxicidade também é usado para explicar a patogênese do DM2. Os autores que propagam esta teoria sugerem que a elevação dos níveis de ácidos graxos livres circulantes e no meio intracelular induz alterações na secreção e ação insulínicas que caracterizam o desenvolvimento do DM2. Nos últimos anos observou-se que a resistência à insulina e o DM2 estão associados à ativação do sistema imune inato, manifestada por elevação dos níveis circulantes de marcadores inflamatórios. As citocinas pró-inflamatórias ou reagentes de fase aguda que elas estimulam induzem resistência à insulina, bem como alterações de secreção deste hormônio. A origem da associação entre inflamação e DM2 permanece desconhecida. Entretanto, o tecido adiposo produz algumas citocinas (TNFα, IL-6), e é possível que o sistema imune medeie o efeito da superalimentação na resistência à insulina, na alteração da secreção de insulina e no desenvolvimento do DM2.

Para que sejam compreendidos os mecanismos moleculares que contribuem para a patogênese do DM2, é necessário inicialmente descrever como a insulina transmite seu sinal celular desde o receptor específico até os efetores finais. A seguir descreveremos os possíveis mecanismos moleculares de resistência à insulina, o controle celular e molecular da massa de células b, sugerindo possíveis mecanismos moleculares que integram as alterações encontradas no DM2, resistência à insulina, aumento da produção hepática de glicose e alteração na secreção de insulina.

Etapas Iniciais da Sinalização InsulínicaA insulina é um hormônio polipeptídico anabólico produzido pelas células beta do pâncreas, cuja síntese é ativada pelo aumento dos níveis circulantes de glicose e aminoácidos após as refeições. A insulina age em vários tecidos periféricos, incluindo músculo, fígado e tecido adiposo. Seus efeitos metabólicos imediatos incluem: aumento da captação de glicose, principalmente nos tecidos muscular e adiposo, aumento da síntese de proteínas, ácidos graxos e glicogênio, bem como bloqueios da produção hepática de glicose (via diminuição da neoglicogênese e glicogenólise), da lipólise e da proteólise. Além disso, a insulina tem efeitos na expressão de

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genes e síntese protéica, assim como na proliferação e diferenciação celulares. Outras funções da insulina incluem o aumento da produção de óxido nítrico no endotélio, a prevenção da apoptose ou morte celular, a promoção da sobrevida celular e o controle da ingestão alimentar.

O Receptor de InsulinaA figura 1 mostra um esquema simplificado das etapas de sinalização intracelular desde a ligação da insulina ao seu receptor (IR) até a ativação do transporte de glicose. Os eventos que ocorrem após a ligação da insulina ao seu receptor são altamente regulados e específicos . A sinalização intracelular da insulina começa com sua ligação a um receptor específico de membrana, uma proteína heterotetramérica com atividade quinase intrínseca, composta por duas subunidades a e duas subunidades b, que atua como uma enzima alostérica na qual a subunidade a inibe a atividade tirosina quinase da subunidade b. A ligação da insulina à subunidade apermite que a subunidade b adquira atividade quinase levando à alteração conformacional e autofosforilação do receptor nas subunidades b em múltiplos resíduos de tirosina (1158, 1162, 1163), o que aumenta ainda mais a sua atividade quinase.

Fig. 01

Os Substratos do Receptor de InsulinaUma vez ativado, o IR fosforila vários substratos protéicos em tirosina. Atualmente, dez substratos do receptor de insulina já foram identificados. Quatro desses pertencem à família dos substratos do receptor de insulina, as proteínas IRS . Outros substratos incluem Shc, Gab-1, p60, Cbl, JAK2 e APS . A fosforilação em tirosina das proteínas IRS cria sítios de reconhecimento para moléculas contendo domínios com homologia a Src 2 (SH2), dentre as quais se destaca a fosfatidilinositol 3-quinase (PI 3-quinase). As funções fisiológicas do IRS-1 e IRS-2 foram estabelecidas através de camundongos sem os genes que codificam estes substratos (camundongos knockout para IRS-1 e -2). O camundongo que não expressa IRS-1 apresenta resistência à insulina e retardo de crescimento, mas não é hiperglicêmico. Foi sugerido que o IRS-2 poderia compensar parcialmente a ausência de IRS-1, o que explicaria o fenótipo de resistência à insulina sem hiperglicemia do camundongo knockout para IRS-1. O camundongo que não expressa o IRS-2 foi então gerado e apresenta um fenótipo diferente do camundongo sem IRS-1: hiperglicemia acentuada devido a diversas anormalidades na ação da insulina nos tecidos periféricos e a falência da atividade secretória acompanhada de redução significativa da massa de células b pancreáticas. Em contraste, camundongos knockout para o IRS-3 e IRS-4 têm crescimento e metabolismo de glicose quase normal .

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A PI 3-quinase e a proteína quinase B (PKB/Akt)A PI 3-quinase é importante na regulação da mitogênese, diferenciação celular e transporte de glicose estimulado pela insulina . Atualmente, essa é a única molécula intracelular considerada essencial para o transporte de glicose. A PI-3 quinase foi originalmente identificada como um dímero composto de uma subunidade catalítica (p110) e uma subunidade regulatória (p85). A ligação dos sítios YMXM e YXXM (onde Y=tirosina, M=metionina e X=qualquer aminoácido) fosforilados das proteínas IRS ao domínio SH2 da subunidade p85 da PI 3-quinase ativa o domínio catalítico associado da sununidade p110 . A enzima catalisa a fosforilação dos fosfoinositídeos na posição 3 do anel de inositol produzindo fosfatidilinositol-3-fosfato, fosfatidilinositol-3,4-difosfato e fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato . Este último produto liga-se aos domínios PH (pleckstrin homology) de diversas moléculas sinalizadoras alterando sua atividade e localização subcelulares . Além disso, a PI 3-quinase também possui atividade serina-quinase e, como suas duas subunidades podem interagir com outras proteínas sinalizadoras, esta enzima pode ser importante na ação da insulina independentemente da produção de fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato.O produto fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato gerado pela PI 3-quinase pode regular a PDK-1 (phosphoinositide-dependent kinase 1), uma serina/treonina quinase que fosforila e ativa outra serina/treonina quinase conhecida por Akt ou PKB. Esta última possui um domínio PH que interage diretamente com fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato, promovendo o direcionamento da proteína para a membrana celular, bem como sua atividade catalítica. Seus efeitos são dependentes da ativação de várias quinases intracelulares envolvidas na transmissão do sinal de insulina até a captação de glicose, a síntese de glicogênio e a síntese protéica. Além de fosforilar a Akt, há evidências de que a PDK-1 seja capaz de, em resposta à insulina, fosforilar isoformas atípicas da PKC (ζ e λ) envolvidas na síntese protéica e no transporte de vesículas de GLUT4 para a membrana celular para promover a captação de glicose. Isso demonstra que o transporte de glicose pode ser mediado por diferentes vias de sinalização intracelular (Akt e PKCζ/λ); essa diversidade de sinalização pode proporcionar mecanismos compensatórios em casos de mutações afetando a Akt ou isoformas da PKC.Permanecem obscuros os mecanismos pelos quais as etapas iniciais de sinalização da insulina convergem para as vesículas que contêm GLUT4 promovendo o seu transporte para a membrana celular. No jejum, GLUT4 é continuamente reciclado entre a membrana celular e os vários compartimentos intracelulares. Na presença do estímulo da insulina, a taxa de exocitose das vesículas contendo GLUT4 aumenta intensamente, além de ocorrer pequena redução na taxa de internalização. A exocitose estimulada pela insulina é similar à exocitose de vesículas sinápticas. As vesículas de GLUT4, em particular, contêm as proteínas V-SNARE, VAMP2 e VAMP3, que fisicamente interagem com seus pares t-SNARE (sintaxina 4 e SNAP23) na membrana celular durante a translocação das vesículas de GLUT4. Apesar de essas interações serem essenciais para a translocação do GLUT4, nenhuma dessas proteínas parece ser alvo da insulina. No entanto, pode-se especular que alterações específicas dos complexos de proteínas SNARE, que atuam paralelamente à via da PI 3-quinase, possam contribuir para a resistência à insulina.

 

A via CAP/CblAlém da ativação da PI 3-quinase, outros sinais também podem ser necessários para que a insulina estimule o transporte de glicose. Essa segunda via envolve a fosforilação do protoncogene c-Cbl e aparentemente não depende da ativação da PI 3-quinase. Na maioria dos

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tecidos sensíveis à insulina, Cbl está associado com a proteína adaptadora CAP (Cbl-associated protein). Após a fosforilação, o complexo Cbl-CAP migra para a membrana celular e interage com a proteína adaptadora CrkII, que também está constitutivamente associada à proteína C3G. A C3G é uma proteína trocadora de nucleotídeos que catalisa a troca de GDP por GTP da proteína TC10, ativando-a. Uma vez ativada, a proteína TC10 desencadeia um segundo sinal para a translocação de vesículas contendo GLUT4 para a membrana celular, em paralelo à ativação da via da PI 3-quinase. Recentemente foi demonstrado que a insulina estimula agudamente a fosforilação em tirosina de Cbl e sua associação com a CAP no tecido adiposo de animais normais, e também que esta via pode participar do controle da massa de tecido adiposo em modelos animais de resistência à insulina. 

Cascatas de fosforilação estimuladas pela insulinaSemelhante a outros fatores de crescimento, a insulina ativa a via da MAP (mitogen-activated protein) quinase. Essa via inicia-se com a fosforilação das proteínas IRS e/ou Shc, que interagem com a proteína Grb2. A Grb2 está constitutivamente associada à SOS, proteína que troca GDP por GTP da Ras, ativando-a. A ativação da Ras requer a participação da SHP2. Uma vez ativada, Ras estimula a fosforilação em serina da cascata da MAP quinase, o que estimula a proliferação e diferenciação celulares. O bloqueio farmacológico dessa via inibe a ação da insulina sobre o crescimento celular, mas não tem efeito nas ações metabólicas do hormônio.Diversos estudos têm demonstrado que a ativação da via da MAP quinase pela insulina não está reduzida no diabetes tipo 2 e em outros estados de resistência à insulina, podendo até mesmo estar aumentada. Assim, a regulação diferencial da sinalização de insulina que ocorre nas artérias, com ativação normal ou aumentada da via da MAP quinase, poderia contribuir para o desenvolvimento de aterosclerose associada à resistência à insulina.

Regulação da síntese de glicogênioA insulina inibe a produção e liberação de glicose no fígado através do bloqueio da neoglicogênese e glicogenólise (figura 2). A insulina estimula o acúmulo de glicogênio através do aumento do transporte de glicose no músculo e síntese de glicogênio no fígado e no músculo. Este último efeito é obtido via desfosforilação da glicogênio-sintetase. Após estímulo com insulina a Akt fosforila e inativa a GSK-3, o que diminui a taxa de fosforilação da glicogênio-sintetase, aumentando sua atividade. A insulina também ativa a proteína fosfatase 1, por um processo dependente da PI 3-quinase, que desfosforila a glicogênio-sintetase diretamente. Na neoglicogênese, a insulina inibe diretamente a transcrição de genes que codificam a fosfoenolpiruvato-carboxiquinase (PEPCK), enzima chave no controle desse processo. Este hormônio também diminui a taxa de transcrição do gene que codifica a frutose-1,6-bifosfatase e a glicose 6-fosfatase e aumenta a transcrição de genes de enzimas glicolíticas como a glicoquinase da piruvato quinase. Apenas recentemente tornou-se conhecido o mecanismo através do qual a insulina regula a expressão de genes no fígado, apesar do grande progresso na compreensão dos mecanismos de ação da insulina.

Experimentos genéticos no verme C. elegans identificaram um fator de transcrição da família forkhead denominado Daf16, como um efetor chave da sinalização de insulina. O ortólogo do Daf16 em mamíferos é um fator de transcrição conhecido por FoxO (FOrkhead boX-containing gene, O subfamily) e este tem ação negativa sobre a sinalização de insulina. As proteínas Foxo são substratos da Akt in vivo. Na ausência de insulina, Foxo1 permanece amplamente desfosforilada e localizada no núcleo, onde se liga ao PGC-1a (peroxisome proliferator activated receptor-g coactivator-1a) e Cbp/p300 para promover a transcrição dos genes Pck1 e G6pc. Na

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presença do estímulo desencadeado pela insulina através da via da PI 3-quinase, a Akt cataliza a fosforilação da Foxo1 em Ser253, resultando em saída deste fator do núcleo e promoção da produção hepática de glicose. A insulina promove a fosforilação do complexo Foxo1/PGC-1a, dissociando-o e permitindo que a Foxo1 se redistribua para o citoplasma.A haploinsuficiência do gene da Foxo1 restaura a sensibilidade à insulina em camundongos resistentes à insulina através da redução da expressão hepática de genes glicogenéticos e do aumento da expressão de genes no tecido adiposo que elevam a sensibilidade à insulina. Ao contrário, mutações que resultam em aumento de função da Foxo1 no fígado resultam em diabetes melito em decorrência do aumento da produção hepática de glicose. Além de restaurar a sensibilidade à insulina em um modelo genético de resistência à insulina, a haploinsuficiência da Foxo1 protege contra diabetes induzido por dieta em camundongos, sugerindo que o controle dos níveis teciduais da Foxo1 pode representar um alvo terapêutico potencial para o diabetes.

A insulina também altera a quantidade de ácidos graxos livres liberados da gordura visceral. É necessário destacar que os ácidos graxos livres não são substratos da neoglicogênese, mas atuam modulando esta via de produção de glicose.

Fig. 02

Regulação da síntese e degradação de lipídiosA homeostase de lipídios em células de vertebrados é regulada por uma família de fatores de transcrição designada SREBP (sterol regulatory element-binding proteins) (figura 3). Estes fatores ativam diretamente a expressão de aproximadamente 30 genes implicados na síntese e captação de colesterol, ácidos graxos, triglicérides e fosfolipídios, assim como de NADPH, um cofator necessário para a síntese dessas moléculas. No fígado, três SREBPs regulam a produção de lipídios. SREBP-1c aumenta preferencialmente a transcrição de genes envolvidos na síntese de ácidos graxos, entre eles a acetil-CoA carboxilase (ACC), que converte a acetil-CoA em malonil-CoA e a ácido graxo-sintetase (FAS), que converte a malonil-CoA em palmitato. Uma ação clássica da insulina é estimular a síntese de ácidos graxos no fígado em períodos de excesso de carboidratos. Várias evidências sugerem que esses efeitos da insulina são mediados pelo aumento do SREBP-1c. In vivo, a quantidade total de SREBP-1c no fígado é reduzida pelo jejum, que suprime a secreção de insulina, e aumenta com a realimentação. De forma semelhante, os níveis de mRNA do SREBP-1c diminuem em animais com diabetes induzido por estreptozotocina e aumentam após tratamento com insulina.A hiperexpressão do SREBP-1c no fígado de animais transgênicos previne a redução do mRNA das enzimas lipogênicas. Muitos indivíduos com obesidade e resistência à insulina apresentam

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esteatose hepática. As evidências indicam que a esteatose hepática da resistência à insulina é causada pelo acúmulo de SREBP-1c, que está elevado em resposta aos altos níveis circulantes de insulina. De maneira semelhante, os níveis de SREBP-1c estão elevados no fígado de camundongos ob/ob. Apesar da presença de resistência à insulina nos tecidos periféricos, a insulina continua a ativar a transcrição do SREBP-1c no fígado desses camundongos. O nível elevado de SREBP-1c nuclear aumenta a expressão de genes lipogênicos, a síntese de ácidos graxos e o acúmulo de triglicérides. Em adipócitos a insulina também reduz a lipólise através da inibição da lipase hormônio-sensível. Esta enzima é ativada pela PKA (proteína quinase A). A insulina inibe a atividade da PKA, ativando a fosfodiesterase AMP cíclico específica (PDE3B), que reduz os níveis de AMP cíclico nos adipócitos. A ativação da PDE3B é dependente e distal à ativação da PI 3-quinase e Akt pela insulina.

Fig. 03

O que causa resistência à insulina?A resistência à insulina da obesidade e do diabetes tipo 2 é caracterizada por alterações em diversos pontos da via de transmissão do sinal da insulina, com redução da concentração e da atividade quinase do IR, da concentração e da fosforilação do IRS-1 e -2, da atividade da PI 3-quinase, da translocação dos transportadores de glicose (GLUTs) e da atividade das enzimas intracelulares. Isso pode ocorrer em paralelo à manutenção da ativação normal da via mitogênica, representada pela MAP quinase.

Fatores genéticos e adquiridos podem influenciar a sensibilidade à insulina. Defeitos genéticos no IR são relativamente raros, mas representam as formas mais graves de resistência à insulina, e são exemplificados pelo leprechaunismo, pela síndrome de Rabson Mendenhall e pela síndrome de resistência à insulina tipo A. Diferenças na apresentação clínica podem ser decorrentes da gravidade do defeito genético, da capacidade dos receptores mutantes de formar híbridos com outros receptores (por exemplo, o de IGF-1), e outros fatores de base, genéticos e adquiridos, que modificam o estado de resistência à insulina. A síndrome de resistência à insulina e o diabetes tipo 2 são poligênicos e podem envolver polimorfismos em vários genes que codificam as proteínas envolvidas nas vias de sinalização da insulina, na secreção de insulina e no metabolismo intermediário.

Deleções selecionadas de componentes da sinalização de insulina in vivo usando recombinação homóloga permitiram novas interpretações sobre a complexidade destes mecanismos. Embora

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alguns defeitos únicos na via de sinalização da insulina possam resultar em diabetes (knockout do IR, do IRS-2 ou da Akt2), outros não (knockout da subunidade p85 da PI 3-quinase, do IRS-1 e do GLUT4). Além disso, knockout de genes que estão envolvidos em “desligar” o sinal de insulina, como a PTP1B e a SHIP2, melhoram o diabetes em roedores obesos.Combinações de knockouts foram produzidas para mimetizar o diabetes tipo 2 poligênico, com deleções heterozigotas do IR e do IRS-1; do IR, do IRS-1 e do IRS-2; e do IRS-1 e da glicoquinase. Em algumas dessas combinações houve clara evidência de epistasis genética (interação gene-gene). Por exemplo, embora o knockout heterozigoto do IR ou do IRS-1 isolados não resultem em diabetes, o knockoutduplo-heterozigoto leva 50% dos camundongos a desenvolver diabetes. Este achado marcante propiciou novas possibilidades etiopatogênicas para o diabetes tipo 2, no qual alterações únicas na expressão do IR ou do IRS-1 geram alterações modestas na capacidade de transmissão intracelular do sinal, mas quando combinadas podem levar à doença.Um modelo genético que produziu um fenótipo intrigante com relação à homeostase de glicose surgiu a partir dos knockouts das subunidades regulatórias p85a da PI 3-quinase. Embora a PI 3-quinase seja central nas ações metabólicas da insulina, o camundongoknockout heterozigoto para a p85a exibe aumento da sensibilidade à insulina. Além disso, quando essa mutação é produzida em conjunto com o duplo knockout heterozigoto IR/IRS-1, ela protege contra o diabetes. Esta surpreendente proteção parece ser decorrente de um fator único na via de sinalização da insulina, na qual o balanço estequiométrico entre a p85a, a subunidade catalítica p110 e as proteínas IRS é crítico para a transmissão do sinal.A participação de tecidos específicos na patogênese da resistência à insulina e do diabetes tipo 2 tem sido explorada usando a tecnologia de recombinação de DNA Cre-lox para criar knockouts tecido-específicos do IR e do GLUT4. Apesar da ausência de diabetes em camundongos com knockout global de GLUT4, knockouts tecido-específicos do GLUT4 no músculo e tecido adiposo resultaram em diminuição acentuada da tolerância à glicose. Os knockouts tecido-específicos do IR também produziram resultados interessantes. Como observado acima, apesar do conhecimento prévio de que a insulina estimula a captação de glicose primariamente no músculo, camundongos com knockout do IR no músculo apresentam tolerância à glicose normal . Isto ocorre, ao menos parcialmente, como resultado do redirecionamento da captação de glicose para a gordura, com subsequente aumento na massa de tecido adiposo, ácidos graxos livres circulantes e triglicérides. Camundongos com knockout adiposo-específico do IR também apresentam tolerância à glicose normal, enquanto o knockout fígado-específico do IR apresenta diminuição da tolerância à glicose e redução do clearence de insulina, com acentuada hiperinsulinemia.Talvez os resultados mais surpreendentes, entretanto, tenham surgido de estudos de camundongos com knockout tecido-específicos do IR na célula beta e no sistema nervoso central. O primeiro exibe defeito acentuado na secreção de insulina estimulada por glicose, semelhante ao observado no diabetes tipo 2, enquanto o último exibe aumento da ingesta alimentar, adiposidade discreta, resistência à insulina e hipertrigliceridemia, assim como redução da fertilidade em decorrência de hipogonadismo hipotalâmico. Em conjunto, esses achados sugerem uma hipótese unificadora para o diabetes tipo 2, na qual a resistência à insulina em órgãos-alvo clássicos (fígado, músculo e tecido adiposo), combinada à resistência à insulina na célula beta, cérebro e outros tecidos, pode resultar no diabetes tipo 2.

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Fig. 04

Inflamação, estresse e diabetes A associação entre obesidade e diabetes tem sido reconhecida há décadas. No entanto, os mecanismos através dos quais o aumento de tecido adiposo pode resultar em defeitos sistêmicos da ação da insulina ainda não são completamente conhecidos. Diversos estudos clínicos e epidemiológicos realizados na última década têm demonstrado forte correlação entre metabolismo e imunidade, apoiando até mesmo teorias evolucionárias. Hoje está claro que, na obesidade e no diabetes tipo 2, vários tecidos sensíveis à insulina, particularmente o tecido adiposo, exibem um estado de inflamação crônica de baixo grau.

A sobrevivência de organismos multicelulares depende da sua habilidade para combater infecções e reparar danos e da capacidade de armazenar energia para os períodos de maior demanda energética ou escassez de nutrientes. Talvez por isso, durante a evolução, as vias imunológicas e metabólicas tenham sido altamente conservadas e interdependentes. Muitos hormônios, citocinas, proteínas sinalizadoras, fatores de transcrição e lipídios bioativos podem desempenhar tanto funções metabólicas quanto imunológicas. Além de usar as mesmas estruturas celulares, os sistemas metabólico e imunológico também se regulam um ao outro. A resposta inflamatória básica favorece um estado catabólico e suprime as vias anabólicas, incluindo a altamente conservada via de sinalização da insulina. A integração entre metabolismo e imunidade, altamente benéfica para a manutenção da homeostase em situações normais, pode tornar-se prejudicial em situações de desnutrição ou obesidade. A associação entre desnutrição e imunossupressão é bastante clara. No entanto, no último século, com a pandemia de obesidade, doenças inflamatórias associadas à sobrecarga metabólica têm se tornado cada vez mais comum: diabetes tipo 2, NAFLD (nonalcoholic fatty liver disease), inflamação de vias aéreas e aterosclerose. 

Obesidade e inflamaçãoPouco mais de uma década atrás, o primeiro elo molecular entre inflamação e obesidade, o fator de necrose tumoral-a (TNF-a), foi identificado quando descobriu-se que esta citocina inflamatória apresenta expressão aberrante no tecido adiposo de modelos animais de obesidade. Assim como nos camundongos, TNF-a é hiperexpresso no tecido adiposo e no músculo esquelético de humanos obesos. O tratamento de células em cultura ou de modelos animais com TNF-a recombinante reduz a ação da insulina, e camundongos obesos sem receptores de TNF-a ou com receptores não-funcionais têm melhor sensibilidade à insulina comparada aos seus controles.

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Assim, particularmente em modelos experimentais, está evidente que o produção aumentada de TNF-a no tecido adiposo é uma característica importante da obesidade que contribui significativamente para a resistência à insulina.

A partir de então, surgiram cada vez mais evidências da existência de uma resposta inflamatória ampla na obesidade, além da demonstração de que muitos mediadores inflamatórios exibem padrões de expressão e têm impacto sobre a ação da insulina semelhante ao TNF- na obesidade, em diversos modelos animais. Diversos estudos têm demonstrado que os genes de resposta inflamatória e de resposta ao stress estão entre os genes mais intensamente regulados no tecido adiposo de animais obesos. Algumas das citocinas inflamatórias que regulam o metabolismo também participam da regulação da resposta imune, como a leptina, adiponectina, resistina e visfatina.Os lipídios também participam da regulação coordenada da inflamação e metabolismo. A elevação da concentração de lipídios no plasma ocorre na obesidade, infecção e em outros estados inflamatórios. A hiperlipidemia na obesidade contribui para o agravamento da resistência à insulina periférica e para o desenvolvimento da aterosclerose. É interessante notar que as alterações metabólicas da resposta inflamatória aguda são também pró-aterogênicas; assim, a alteração metabolismo de lipídios é benéfica de forma aguda na defesa contra infecções, mas é prejuducial se for mantida por longos períodos. Os lipídios bioativos também têm importância crítica na regulação de determinadas vias de sinalização através das FABPs (fatty acid-binding proteins) e de receptores nucleares.O alto grau de coordenação entre as vias inflamatórias e metabólicas é ressaltado pela sobreposição das atividades e funções biológicas de macrófagos e adipócitos na obesidade. A expressão de genes por estes dois tipos celulares é muito semelhante.

Fig. 05

Vias inflamatórias e resistência à insulina

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Fig. 06

Dentre outras quinases que podem fosforilar resíduos de serina no IRS-1 e assim, possivelmente, alterar a ação celular da insulina, estão algumas isoformas da PKC (e, a, d, b2 e q) e a MEK (MAP quinase quinase) 1/2. Recentemente, também foi descrito que a mTOR (mammalian target of rapamycin) pode fosforilar o IRS-1 em serina na presença do TNF-a. A supressão de serinas/treoninas-fosfatases ou a ativação de proteínas-tirosinas-fosfatases (PTPases) também pode ser importante na resistência à insulina provocada pelo TNF-a.

Além da via da JNK, outra via inflamatória ativada pelo TNF-a tem recebido muita atenção nos últimos anos devido ao seu potencial para estabelecer conexões entre resposta inflamatória e resistência à insulina: a via da IkK-NFkB (Fig. 7). Em células em cultura, o bloqueio da atividade desta via pode evitar o surgimento de resistência à insulina induzido pelo TNF-a. Em animais com obesidade induzida geneticamente ou por dieta, o bloqueio da atividade da IkKb através da administração de altas doses de salicilatos ou da mutação em um alelo da IkKb resulta em melhora da sensibilidade à insulina. A IkKb pode interferir na sinalização de insulina através de pelo menos duas vias: primeiro, ela pode fosforilar diretamente o IRS-1 em resíduos de serina; segundo, ela pode ativar indiretamente o NFkB, um fator de transcrição que, dentre outros alvos, pode estimular a produção de vários mediadores inflamatórios, incluindo o TNF-a e a IL-6. É interessante notar que, tanto IkKa quanto IkKb podem, in vitro, agir nos mesmos resíduos de serina que a JNK, o que levanta a possibilidade de existir um cross-talk entre essas duas vias na regulação da ação da insulina. A ativação destas quinases na obesidade, especialmente IkK e JNK, ressalta a sobreposição das vias metabólicas e inflamatórias: estas são as mesmas quinases que são ativadas na resposta imune inata pelo TLR (Toll-like receptor) em resposta aos LPS, peptidoglicanos, RNA de dupla fita e outros produtos microbianos.

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Fig. 07

iNOS (inducible nitric oxide synthetase) e SOCS (suppressors of cytokine signaling), cujos genes são alvos das vias da JNK e IkK, também estão implicados na resistência à insulina promovida pelo TNF-a. A expressão da iNOS é estimulada pelo TNF-a e está elevada na obesidade; camundongos com mutações no gene da iNOS desenvolvem menos resistência à insulina associada à obesidade do que seus controles com gene intacto da iNOS. A expressão de várias isoformas de SOCS, especialmente da SOCS-3, aumenta na presença de TNF-a e na obesidade e pode induzir resistência à insulina, provavelmente através do aumento da degradação do IRS-1 mediada por proteossomos. Recentemente, um novo mecanismo de resistência à insulina foi descrito: a S-nitrosação do receptor de insulina, do IRS-1 e da Akt. O óxido nítrico produzido pela iNOS pode induzir resistência à insulina no músculo através de um mecanismo que envolve a S-nitrosação do IR, IRS-1 e Akt in vitro e também em modelos animais de obesidade e resistência à insulina.Recentemente descobriu-se que vias de sinalização inflamatórias podem também ser ativadas pelo stress metabólico originado do interior da célula ou de moléculas sinalizadoras extracelulares. Foi demonstrado que a obesidade sobrecarrega a capacidade funcional do retículo endoplasmático (RE) e que este “stress do RE” leva à ativação de vias de sinalização inflamatórias e assim agrava a resistência à insulina. Além disso, o aumento do metabolismo de glicose pode levar a um aumento na produção mitocondrial de espécies reativas de oxigênio (EROs). O aumento da produção de EROs na obesidade leva à maior ativação de vias inflamatórias.

Fig. 08

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Devido ao uso crescente de agonistas do PPARg (as tiazolidinedionas) como drogas sensibilizadoras da ação da insulina, tem-se avaliado melhor a capacidade que o TNF-a e o PPARg têm de se antagonizar mutuamente. As tiazolidinedionas podem suprimir a resposta inflamatória em geral e inibir a atividade transcripcional do promotor do TNF-a em particular, bem como antagonizar os efeitos da administração exógena de TNF-a in vivo e in vitro, independentemente do efeito adipogênico do PPARg 162. O acúmulo de colesterol nos macrófagos promove aterosclerose, e o acúmulo de lipídios no músculo e fígado promove resistência à insulina; no entanto, como foi observado em camundongos tratados com TZD e em camundongos que não expressam FABP, se os lipídios forem “forçados” a permanecer no tecido adiposo, a resistência à insulina presente na obesidade pode ser reduzida. Não está estabelecido ainda se, na obesidade, o aumento da resposta inflamatória em geral e o aumento da expressão do TNF-a em particular podem ser consequentes à redução da atividade do PPARg.Na busca de alvos terapêuticos na via inflamatória para a resistência à insulina e diabetes, é bem possível que a modulação de mediadores individuais não seja uma estratégia efetiva pois outros componentes redundantes da via podem ser suficientes para continuar a propagação do sinal inflamatório inibidor da via metabólica. O bloqueio de citocinas inflamatórias individuais pode não proporcionar uma resposta tão ampla e robusta quanto, por exemplo, a inibição das quinases IkK e JNK, uma vez que estas últimas integram sinais acionados por diferentes citocinas. A via de stress do RE pode ser ainda mais central neste processo de integração, pois ela pode ativar tanto a JNK quanto a IkK; assim, a inibição do stress do RE através da adição de chaperones (proteínas responsáveis por auxiliar outras proteínas a adquirir sua conformação funcional) ou outros mecanismos poderia inibir estes dois braços da via inflamatória e restaurar a ação da insulina normal.

Fig. 09

Considerações evolucionárias As relações entre a resposta imune e o controle metabólico são muito íntimas e suscitam muitas questões evolucionárias. Três conceitos fundamentais têm sido levantados. Primeiro, as estruturas que controlam funções metabólicas e imunológicas evoluíram de ancestrais comuns. O melhor exemplo é o corpo adiposo da Drosophila, o qual contém os homólogos do fígado, do sistema hematopoiético, de componentes do sistema imunológico e do tecido adiposo de mamíferos. Assim, pode-se especular que vias comuns possam regular tanto as funções metabólicas quanto as imunológicas através das mesmas moléculas. Segundo, a regulação coordenada do metabolismo e das funções imunológicas parece ser vantajosa, uma vez que o organismo precisa organizar e redistribuir seus recursos energéticos durante a instalação e o curso de respostas inflamatórias. Finalmente, a sobrevivência de espécies isoladas depende muito da habilidade de utilizar fontes de energia de forma eficaz para combater a fome e as

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infecções. Do ponto de vista evolutivo, a atual pandemia de obesidade poderia ser entendida como resultado da seleção de indivíduos que foram capazes de resistir, ao mesmo tempo, à escassez de alimentos e às infecções. No mundo atual, no entanto, isso favoreceria o desenvolvimento de respostas imunológicas intensas frente ao stress metabólico da obesidade/hiperalimentação, agravando e perpetuando a resistência à insulina através do eixo inflamatório-metabólico em humanos. 

Falência da Célula BetaSecretar insulina adequadamente para as demandas metabólicas, por disfunção secretória adquirida e (ou) diminuição da massa de células β . A disfunção secretória bem caracterizada é uma redução relativa da fase rápida de secreção de insulina, demonstrada durante o teste oral ou endovenoso de tolerância à glicose, ou mesmo após refeições mistas. Esta menor secreção pode ser consequência de alterações funcionais genéticas e (ou) adquiridas da célula β, mas a hipótese mais provável, para a maior parte dos casos de DM2, é que esta disfunção secretória seja consequência de redução da massa dessas células.A massa de células β no adulto é plástica, e um ajuste nos mecanismos de crescimento e sobrevivência destas células é o que mantém o balanço entre oferta de insulina e demanda metabólica. Indivíduos obesos que não desenvolvem diabetes apresentam um aumento de massa das células beta, que parece compensar a maior necessidade metabólica da resistência à insulina associada à obesidade. Esta adaptação da célula beta não ocorre de maneira apropriada em obesos que desenvolvem diabetes. Nesse sentido, a maioria dos pacientes com DM2, magros ou obesos, apresenta uma redução de massa de células beta. Assim, o diabetes tipo 2 pode ser visto como uma doença de deficiência relativa de insulina.

Considerando-se o papel central da massa de células beta, determinando se um indivíduo irá progredir ou não para DM2, é necessário destacar, inicialmente, os mecanismos que controlam o crescimento e a sobrevivência da célula beta e, a seguir, as implicações na patogênese do DM2.

 Mecanismos celulares que controlam a massa de células beta e implicações na patogênese do DM2

A massa de células beta é regulada por pelo menos quatro mecanismos independentes: replicação de células beta; tamanho da célula beta; neogênese da célula beta e apoptose. A contribuição desses mecanismos é variável e pode mudar em diferentes fases da vida ou frente a adaptações metabólicas. No período neonatal a replicação e neogênese dessas células estão aumentadas e apoptose é baixa. Há uma associação entre baixo peso ao nascer e desenvolvimento de DM2, e parece que esta neogênese e replicação, logo após o nascimento são críticas para a manutenção da massa de células beta na vida adulta. Na infância e adolescência a replicação, a neogênese e a apoptose diminuem de maneira marcante. No adulto o tamanho das células beta se mantém relativamente constantes, com baixa taxa de apoptose, compensada por replicação. Nos idosos a massa de células b pode se reduzir, porque a apoptose supera a capacidade de replicação. Isto pode explicar por que os idosos estão mais propensos a apresentar DM2.

Quando ocorre uma sobrecarga metabólica, como na obesidade, a massa de células beta aumenta, incrementando a replicação, a neogênese, e também ocorre hipertrofia.

Aproximadamente 1/3 dos obesos desenvolve diabetes, provavelmente em decorrência da predisposição genética que envolve esse controle da massa de células beta.

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No DM2 há um maior grau de apoptose de células beta, provavelmente decorrente dos seguintes fatores: hiperglicemia, lipotoxicidade, stress oxidativo, stress do retículo endoplasmático e algumas citocinas. É importante destacar neste ponto, o papel do IRS-2 na sobrevivência da célula beta. O aumento de expressão do IRS-2 induz replicação, neogênese e maior sobrevida de células beta, e a diminuição de expressão desse substrato causa apoptose espontânea destas células. Assim, o IRS-2 é fundamental para a manutenção da massa de células b, promovendo a sobrevivência destas células, e mecanismos que induzem menor expressão ou maior degradação deste substrato do receptor de insulina podem contribuir para a instalação do DM2.A hiperglicemia crônica, a geração de espécies reativas de oxigênio, o aumento dos níveis de ácidos graxos ativam serinas-quinases, como a PKC e a JNK, que podem induzir a fosforilação do IRS-2 em serina. Quando o IRS-2 está fosforilado em serina ele é mais facilmente degradado, deixando desprotegida a célula b. Algumas citocinas podem ter papel fundamental na apoptose de células b, e consequentemente na patogênese do DM2. Além da elevação dos níveis circulantes de TNFa e IL-6 em obesos, a hiperglicemia aumenta a expressão de IL-1 dentro das ilhotas. Estas citocinas, ativando serinas quinases como IKKb e JNK também vão induzir fosforilação em serina do IRS-2, com consequente degradação deste substrato, induzindo apoptose de células beta.

Fig. 10

ConclusõesO DM2 apresenta resistência à ação da insulina no tecido muscular, no adiposo e no fígado, acompanhado de menor secreção de insulina. Nos últimos anos, ficou evidente que inúmeros fatores podem regular negativamente a ação da insulina, agindo tanto no receptor de insulina quanto em moléculas pós-receptor. Assim, diversos fatores produzidos por adipócitos podem promover a ativação de serinas-quinases, especialmente a IKK e a JNK, capazes de fosforilar moléculas da via em resíduos de serina, como IRS-1 e -2, inibindo a sinalização da insulina. Estas alterações podem explicar a resistência à insulina no fígado, músculo e adiposo, e na célula b esta regulação acelera a apoptose, reduzindo a massa dessas células. Assim, é possível que mecanismos comuns possam explicar a resistência e a alteração de secreção de insulina, processos essenciais na patogênese do DM2. Naturalmente, polimorfismos genéticos podem facilitar o efeito da obesidade, da inatividade física e do envelhecimento nessa regulação, justificando a base poligênica e ambiental do DM2. Apesar da necessidade de se definir muitas outras etapas desta via, todas estas descobertas abrem novas perspectivas para o tratamento e prevenção da síndrome de resistência à insulina e do diabetes tipo 2.

Módulo 2

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Complicações do diabetes e principais co-morbidades.Acesse: http://www.diabetesebook.org.br/modulo-2 e faça seu cadastro para ter acesso ao conteúdo relacionado a baixo.

1 Nefropatia no Paciente Diabético

2 Neuropatia Diabética Periférica

3 Neuropatia Diabética Autonômica

4 Retinopatia Diabética

5 A síndrome do pé diabético e aspectos práticos e fisiopatologia

6 Osteomielite em pé diabético

7 As complicações macrovasculares e seus fatores de risco

8 Manifestações dermatológicas do diabetes

9 Doenças otoneurológicas comumente associadas ao diabetes

10 Infecções no paciente diabético

Módulo 3Tratamento do diabetes: abordagens educacionais e alterações no estilo de vidaAcesse: http://www.diabetesebook.org.br/modulo-3 e faça seu cadastro para ter acesso ao conteúdo relacionado a baixo.

1 Automonitorização glicêmica e monitorização contínua da glicose

2 Monitorização contínua da glicose: novas tecnologias

3 Prevenção primária no diabetes tipo 2: eficaz, porém efetiva?

4 A educação em diabetes e a equipe multiprofissional

5 Evidências e mitos na terapia nutricional do diabetes mellitus tipo 1 e 2

6 Atividade física no diabetes tipo 1 e 2: bases fisiopatológicas, importância e orientação

7 Adesão ao tratamento, importância da família e intervenções comportamentais em diabetes

8 Depressão e Diabetes

9 A mídia eletrônica na educação em diabetes: Internet e outras novas tecnologias

Módulo 4Tratamento do diabetes: abordagens farmacológicasAcesse: http://www.diabetesebook.org.br/modulo-4 e faça seu cadastro para ter acesso ao conteúdo relacionado a baixo.

1 Visão geral dos antidiabéticos orais tradicionais: secretagogos, inibidores da alfa-

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glicosidase e sensibilizadores de insulina

2 Visão geral dos análogos de GLP1 e dos inibidores da DPP-IV

3 Visão Geral e Perfis das Insulinas e Análogos de Insulina

4 Insulinização Basal no tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2

5 Esquemas de insulinização no diabetes tipo 1

6 O papel da bomba de insulina nas estratégias de tratamento do diabetes tipo 1

7Algoritmo para o tratamento do diabetes tipo 2 – Atualização 2009 - Posicionamento Oficial SBD 2009 nº 3

8 Tratamento do diabetes gestacional e da gestante com diabetes

9 Peculiaridades do tratamento no idoso com diabetes

10 Hiperglicemia intra-hospitalar: prevenção e tratamento

11 Dislipidemia no paciente diabético: aspectos etiopatogênicos, clínicos e terapêuticos

12 Hipertensão no paciente diabético: aspectos etiopatogênicos, clínicos e terapêuticos

13 Tratamento da obesidade e controle do excesso de peso no paciente diabético

14 Diagnóstico e tratamento da dor neuropática

15 Indicações e técnicas para o tratamento cirúrgico do diabetes

16 Terapias Inovadoras em Diabetes: 1 - Transplante de Ilhotas

17 Terapias Inovadoras em Diabetes: 2 - Transplante de Pâncreas

18 Terapias Inovadoras em Diabetes: 3 - Terapia Gênica e Terapia Celular