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ASSOCIAÇÃO ENTRE ALCOOLISMO E TUBERCULOSE PULMONAR * Márcia Caron-Ruffino ** Antônio Ruffino-Netto * * * RSPUB9/462 CARON-RUFFINo, M. & RUFFINO-NETTO, A. Associação entre alcoolismo e tuber- culose pulmonar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 13:183-94, 1979. RESUMO : Estudou-se a associação entre o hábito de ingestão alcoólica e tuberculose pulmonar. Foi desenvolvida pesquisa utilizando metodologia do tipo caso-controle. Para cada caso (paciente portador de tuberculose pulmonar) tomou-se um controle (paciente não portador de tuberculose pulmonar), que foram pareados com respeito a idade, sexo, procedência e estado civil. Foram entrevistados 427 casos e 427 controles obtendo-se informações sobre o hábito de ingestão alcoólica (qualitativa e quantitativa). Concluiu-se que: 1. associação entre alcoolismo e tuberculose pulmonar; 2. no período menor de 2 anos que precede a doença, é mais forte a associação entre tuberculose pul- monar e bebedores excessivos; 3. no período de dois a quatro anos que precede a doença, é mais forte a associação entre tuberculose pulmonar e bebedores adictos; 4. entre os alcoólatras, não diferença significante quanto ao tipo de bebida consumida e/ou o ritmo de ingestão entre casos e controles. UNITERMOS: Tuberculose pulmonar. Tuberculose, fatores de risco. Alcoolismo. * Parte da Dissertação apresentada pela autora principal na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP. Dezembro de 1977. ** Do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto — USP "Campus" de Ribeirão Preto 14100 Ribeirão Preto, SP Brasil. *** Do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina do "Campus" de Ribeirão Preto — USP 14100 Ribeirão Preto, SP Brasil. 1. INTRODUÇÃO A tuberculose continua merecendo a atenção dos pesquisadores e/ou admi- nistradores sanitários dado o problema que ela ainda representa em saúde pú- blica 10,18,19 . Fatores ambientais como alcoolismo, traumatismos psíquicos, uso do tabaco, situações de "stress" e estados fisiológicos ou patológicos têm sido apontados como fatores que alterariam no sentido negativo a resistência orgânica propiciando assim a patogenia endógena da doença 13,14,15 . Feldman 3 (1961) assinala que o alco- olismo é um fator que altera negativamente a resistência individual porque o etilista encontra no álcool suficientes calorias e não se alimenta bem. Está propenso a uma gastrite, que por sua vez produz inapetência, agravando o estado nutricional, baixando a resistência e finalmente aumen-

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ASSOCIAÇÃO ENTRE ALCOOLISMO ETUBERCULOSE PULMONAR *

Márcia Caron-Ruffino **Antônio Ruffino-Netto * * *

RSPUB9/462

C A R O N - R U F F I N o , M. & RUFFINO-NETTO, A. Associação entre alcoolismo e tuber-culose pulmonar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 13:183-94, 1979.

RESUMO : Estudou-se a associação entre o hábito de ingestão alcoólica etuberculose pulmonar. Foi desenvolvida pesquisa utilizando metodologia dotipo caso-controle. Para cada caso (paciente portador de tuberculose pulmonar)tomou-se um controle (paciente não portador de tuberculose pulmonar), queforam pareados com respeito a idade, sexo, procedência e estado civil. Foramentrevistados 427 casos e 427 controles obtendo-se informações sobre o hábitode ingestão alcoólica (qualitativa e quantitativa). Concluiu-se que: 1. háassociação entre alcoolismo e tuberculose pulmonar; 2. no período menor de2 anos que precede a doença, é mais forte a associação entre tuberculose pul-monar e bebedores excessivos; 3. no período de dois a quatro anos que precedea doença, é mais forte a associação entre tuberculose pulmonar e bebedoresadictos; 4. entre os alcoólatras, não há diferença significante quanto ao tipode bebida consumida e/ou o ritmo de ingestão entre casos e controles.

UNITERMOS: Tuberculose pulmonar. Tuberculose, fatores de risco. Alcoolismo.

* Parte da Dissertação apresentada pela autora principal na Escola de Enfermagem deRibeirão Preto — USP. Dezembro de 1977.

** Do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem deRibeirão Preto — USP — "Campus" de Ribeirão Preto — 14100 — Ribeirão Preto, SP— Brasil.

*** Do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina do "Campus" de RibeirãoPreto — USP — 14100 — Ribeirão Preto, SP — Brasil.

1. INTRODUÇÃO

A tuberculose continua merecendo aatenção dos pesquisadores e/ou admi-nistradores sanitários dado o problemaque ela ainda representa em saúde pú-blica 10,18,19.

Fatores ambientais como alcoolismo,traumatismos psíquicos, uso do tabaco,situações de "stress" e estados fisiológicosou patológicos têm sido apontados comofatores que al terariam no sentido negativo

a resistência orgânica propiciando assim apatogenia endógena da doença 13,14,15.

Feldman3 (1961) assinala que o alco-olismo é um fator que altera negativamentea resistência individual porque o etilistaencontra no álcool suficientes calorias enão se alimenta bem. Está propenso auma gastrite, que por sua vez produzinapetência, agravando o estado nutricional,baixando a resistência e f inalmente aumen-

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tando o risco do ind iv íduo de adqu i r i r atuberculose.

Encontramos na l i t e r a tu ra médica estran-geira alguns trabalhos analisando a asso-ciação entre inc idênc ia de tuberculose ealcoolismo ou associação entre alcoólatrascrônicos e/ou idosos com susceptibi l idadeà doença tuberculosa 11,12,13,14.

Dado que o alcoolismo gera anormal i -dades no f ígado e coração ( fa to já com-provado (Banner 1 , 1973)), levou algunspesquisadores a pensarem na possibi l idadede comprometimento da função pu lmonar .Corroborando com essa hipótese, sabe-seque metabólitos do etanol podem se acu-mular nos pulmões. Banner1 comenta aindasobre o efei to adverso do álcool sobre o"clearance" bacteriano.

Em vista do exposto pretendemos nopresente t rabalho estudar o alcoolismo co-mo fa tor de risco de tuberculose pu lmonarem nosso meio.

2. MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia ut i l izada foi a de caso-controle, segundo modelo apresentado por

Fora t t i n i 4 , 1976.

2 . 1 . Casos

Definição de casos de tuberculose: fo-ram chamados de casos de tuberculosepulmonar , os pacientes internados em hos-pitais especializados (dentro do Estado deSão Paulo) , em tratamento com tuberculos-táticos.

Fontes dos casos: pacientes portadoresde tuberculose pulmonar , internados noSanatório Nestor Goulart dos Reis, emAmérico Brasiliense — SP, e pacientesinternados no Abrigo Ana Diederichsen,Ribei rão Preto — SP.

Critério de seleção ( inclusão de pacien-tes) : pacientes de ambos os sexos, qual-quer raça ou cor, do grupo etário de 10a 80 anos, que tivessem condições de luci-dez para responder à entrevista.

Tamanho amostral: no Sanatório NestorGoulart dos Reis fo ram entrevistados todosos pacientes (385 casos) internados naépoca da coleta de dados ( fevere i ro de1975), desde que satisfizessem o cr i té r iode seleção; no Abrigo Ana Diederichsenfo ram entrevistados 42 pacientes, perfa-zendo, em ambos os hospitais, um total de427 entrevistas.

2 . 2 . Controles

Definição de controle: pacientes i n t e r -nados em serviço de assistência médica,com outras patologias, que não fosse atuberculose.

Fontes dos controles: pacientes in terna-dos no Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina de Ribeirão Preto, da Univer-sidade de São Paulo, das enfermar ias deOrtopedia, C i rurg ia , Otorr inolar ingologia,Cl ín ica Médica, Dermatologia e Ginecolo-gia. Foram excluídos os pacientes porta-dores de algum tipo de tuberculose, mesmoque já estivesse curado e os pacientes daClínica Pediátrica e Obstétrica.

Tamanho da amostra e/ou razão de pa-reamento: foram entrevistados 427 contro-les, ou seja, o número correspondente aonúmero de casos, sendo que a razão depareamente foi de 1 :1 .

2 .3 . Variáveis que foram pareadas

Para cada caso, tomou-se um controle,pareado com respeito às seguintes variá-veis: idade, sexo, estado civil (classificadoem solteiro, casado, amasiado e outros) ,procedência (classificada em zona rura l ezona u rbana) .

2 . 4 . Ingestão alcoólica

Aos casos e controles foi perguntadoqual o hábito de ingestão de álcool noperíodo que precedeu a doença (períodomenor que 2 anos e período de 2 a 4 anos).

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Os entrevistados foram divididos emabstêmios, bebedores moderados, bebedoresexcessivos e bebedores adictos (classifica-ção essa adaptada daquela referida porMarconi 8 , (1959) — e chamados de:

não bebe — aquele que refere ser abstêmio;

bebedor moderado — aquele que bebe an-tes das refeições, ou ao fim do dia, ou nodia do pagamento. Características: não seembriaga (a não ser muito raramente);não apresentam dependência psíquica oufísica pelo álcool (se bem que podem apre-sentar dependência cu l tu ra l ) ;

bebedor excessivo — aquele que a distri-buição de ingestão é igual ao grupo an-terior, porém, em maior quantidade. Carac-terísticas: chegam até à embriaguez; pro-curam momento de eufor ia art if icialmenteatravés do álcool, para mudar um estadode ânimo depressivo. Apresentam depen-dência psíquica pelo álcool;

bebedor adicto — aquele que apresentadependência psíquica, cul tural e física. Adistribuição da ingestão é maior do quenos grupos anteriores. Apresentam mani-festações de abstinência ou síndrome deprivação (cefaléia, tremores de extremida-des, incapacidade de deter-se, incapacidadede abster-se, insônia).

Quanto ao tipo de bebida predominante-mente ingerida, foi classificado baseado nasbebidas passíveis de serem consumidas emnossa área, ou seja: aguardente, cerveja,vinho e outros.

Quanto ao ritmo de ingestão, foi classi-ficado como:

mensal ou ocasional — aquele que referiaingerir alguma bebida uma ou duas vezespor mês, ou ficava em abstinência até doismeses.

semanal — aquele que referia ingerir algu-ma bebida pelo menos uma vez por se-mana.

diário — aquele que referia ingerir algumabebida pelo menos uma vez por dia.

Foi investigado, também, qual o hábitode ingestão precedendo o diagnóstico porum período de 2 a 4 anos, classificadocomo (não bebe, moderado, excessivo,adicto) definidos anteriormente. Quanto abebida predominantemente ingerida e aoritmo de ingestão, foram classificados damesma forma que a mencionada no pará-grafo anterior.

2.5. Outras variáveis

Foram observadas nos grupos de casose controles, as seguintes variáveis: profis-são, religião, cor, instrução, categoria deinternação e uso do tabaco. Especifica-mente a associação entre tabagismo e tu-berculose pulmonar será analisada emoutra publicação. Os casos foram classi-ficados segundo o grau de evolução dadoença em 3 grupos: NTA I, NTA II eNTA I I I (de acordo com a National Tuber-culosis Association — NTA).

2.6. Instrumento de medida

Foi realizada através de uma entrevistapessoal com o paciente, dirigida no sentidode preencher um questionário pré-estabele-cido. As entrevistas (com o caso estudo ecom o seu controle) foram feitas todaspela mesma pessoa.

3. RESULTADOS

Nas Tabelas l e 2 são apresentadasrespectivamente a distribuição dos casos econtroles segundo o sexo e grupo etário esegundo a fonte dos dados.

Na Tabela 3 é vista a distribuição doscasos e controles, segundo o hábito deingestão alcoólica no período menor que 2anos precedendo ao diagnóstico da doença;a distribuição segundo a mesma variável,para o período compreendido entre 2 a 4anos precedendo ao diagnóstico é visto naTabela 4.

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A distribuição dos casos e/ou controles(habituados à ingestão alcoólica), segundoo ritmo e tipo de bebida predominante-mente consumida, nos últimos 2 anos pre-cedendo ao diagnóstico, e no período de2 a 4 anos precedendo ao diagnóstico, são

apresentadas respectivamente nas Tabelas5 e 6.

O grau de classificação dos casos detuberculose internados, (segundo a NTA)é visto na Tabela 7.

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4. DISCUSSÃO

4 . 1 . Considerações gerais

Como é sabido, a metodologia caso-con-trole, apresenta alguns pontos críticos ouvulneráveis. Num trabalho deste tipo tive-mos que nos precaver com esses pontos,quais sejam:

a) Com respeito aos casos — Quantoao critério diagnóstico, tratamos de traba-lhar apenas com casos hospitalizados, defi-

nitivamente diagnosticados como portadorde tuberculose pulmonar e como já foi vistona Tabela 7, 97% estavam já especificadossegundo a classificação NTA; quanto àfonte, buscamos aquelas mais próximaspara fornecer os casos, ou seja, os hospi-tais referidos (Nestor Goulart dos Reise Abrigo Ana Diederichsen); quanto ao

critério de seleção, foi tomar todos oscasos disponíveis no período da entrevista,desde que satisfizessem os critérios deinclusão;

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b) Com respeito aos controles — Umafonte razoavelmente boa seria fami l i a resdos casos ou v iz inhos . Dada a d i f i c u l d a d eou quase i n v i a b i l i d a d e do uso dessa fonte ,optamos por uma mais accessível e nem porisso menos adequada — tomar pacientesde um hospital geral , como é o caso doHospital das Cl ín icas da Faculdade de Me-d i c i n a de R ibe i r ão Preto.

O critério de seleção adotado foi aquelede procurar o p r ime i ro controle que satis-fizesse as condições de pareamento dasvar iáve is anter iormente assinaladas.

c) Quanto à medida do "grau de expo-sição", ou o possível fator de risco asso-ciado, os pontos importantes que devemser lembrados com respeito a característicadas informações são: comparab i l idade eval idade .

Com respeito a comparabil idade, tenta-mos obter as informações entre casos econtroles, da fo rma mais semelhante possí-vel. Para a t ingir tal objetivo, um únicoobservador entrevistou os casos e os con-troles.

Quanto ao tempo gasto com a entrevista,é um aspecto que deve ser levado em contapara garant i r a comparabil idade — noestudo presente, os tempos gastos (comrespectivas va r i ab i l i dades ) com entrevistasf o r a m :

Ou seja, não houve uma d i fe rença esta-t is t icamente s ignif icante entre o tempogasto para entrevistar os casos e os con-troles, assegurando assim a comparabil i-dade entre os dois grupos, no concernentea este aspecto.

Quanto à va l idade (medida através desens ib i l idade e especif ic idade do ins t ru-mento de avaliação) foi tentado obter suamaximização , excluindo-se pessoas (casosou controles) menores que 10 anos, emaiores que 80 anos, assim como pacientesem coma, traqueostomizados, com proble-mas foniátricos, débeis mentais ou d i f i c u l -dade de comunicação de outras espécies.

4 . 2 . Alcoolismo

Na Tabela 3 verifica-se que a percenta-gem de abstêmios é maior nos controles(70,96%) que entre os casos (55,73%),dados estes referentes ao hábito de inges-tão alcoólica no período de 2 anos oumenos precedendo o diagnóstico.

Reconstruindo com os dados da Tabela3, uma tabela 2 x 2, teremos:

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que resultou ao teste de associação um2 = 21,30 (p < 0,01), isto é, existe umaassociação entre hábito de beber e a tuber-culose pulmonar (estatisticamente signifi-cante).

O risco adicional (16) resultou:

Analisando a Tabela 3 como um todo,obtemos um 2 = 41,65 (p < 0,01) ha-vendo uma diferença significante, sendoque esta diferença parece ser mais evidentepara os bebedores excessivos.

Calculando os riscos adicionais para cadauma das 3 categorias de bebedores emrelação aos abstêmios, encontramos: abstê-mios: 1,00; bebedores moderados: 1,45;bebedores excessivos: 6,11; bebedores adic-tos: 6,37.

Se recalcularmos agora os riscos adi-cionais das categorias excessivos e adictosem relação a abstêmios + moderados,encontramos: abstêmios + moderados:1,00; bebedores excessivos: 5,46; bebedo-res adictos: 5,69.

Se retirarmos da Tabela 3, o grupo deabstêmios, e analisarmos apenas os bebe-dores, teremos:

que resulta ao teste de associação um2 = 21,26 (p < 0,01) sendo que nova-

mente a diferença é mais evidente no gru-po dos bebedores excessivos.

Na Tabela 4 verifica-se que a percenta-gem de abstêmios é maior nos controles(70,25%) que entre os casos (57,37%),dados estes referentes ao hábito de inges-tão alcoólica, no período de 2 a 4 anosprecedendo o diagnóstico.

Analisando-se a Tabela como um todo, oteste de associação nos dá evidências deque existe associação significante pois

2 = 27,57 (p < 0,01). Novamente aevidência é maior para o grupo dos bebe-dores excessivos.

Reconstruindo a Tabela 4, de forma apermitir a análise dos grupos de bebedores(eliminando os abstêmios) temos:

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Isto nos dá um 2 = 12,64 (p < 0,01)havendo, portanto, associação s igni f icanteentre diferentes hábitos de ingestão alco-ólica (por 2 a 4 anos antes do diagnóstico)e a tuberculose pulmonar. Ocorre, contudo,que a maior diferença encontra-se no gru-po dos adictos.

Dado que são bebedores, não há di fe-rença significante quanto ao tipo de bebidaconsumida e/ou ritmo de ingestão entre oscasos e controles (Tabelas 5 e 6).

Concluimos, assim, que há associaçãoentre alcoolismo e tuberculose pulmonar.Entre os casos predominam os alcoólatrasexcessivos no período menor que 2 anosprecedendo ao diagnóstico; para o períodode 2 a 4 anos precedendo ao diagnósticopredominam os alcoólatras adictos entre oscasos.

Smith e Demone 17 (1961) encontraramuma prevalência de alcoolismo de mais de28% em pacientes tuberculosos admitidospara tratamento em sanatórios, em Massa-chusetts. Nos não-tuberculosos, o alco-olismo é estimado, de modo conservador,para somente 5,3%. Um estudo de alco-ólatras admitidos para tratamento dealcoolismo, em Bridgewater, mostraram umataxa de tuberculose pulmonar de 5,5%.

Burch e Pasquale2 (1967) a f i rmam queé alta incidência de doenças pulmonaresem alcoólatras, dando a impressão de quea doença pulmonar seja "endêmica" nessaspessoas. Os médicos explicam a doençapulmonar em alcoólatras com base na mánutrição, infecções freqüentes de trato res-piratório, pneumonias por aspiração e fumoexcessivo. Não há dúvidas de que estesfatores contribuem significantemente paraa alta incidência de doença pulmonar crô-nica em alcoólatras. Entretanto, é inte-ressante investigar que o álcool por si sópode produzir danos pulmonares. Sabe-seque o álcool é eliminado passivamentepelos pulmões durante a expiração, con-tudo estudos experimentais têm mostradoque metabólitos do etanol são fixados notecido pulmonar e que o álcool não meta-bolizado atinge os pulmões.

Funthermore e col. (citado por Burch ePasquale 2 , 1967) têm encontrado que otecido pulmonar do rato é capaz de oxidarcompletamente o álcool e de utilizá-lo nasíntese de ácidos graxos. Os tecidos deli-cados dos pulmões recebem todo o álcoolque não é imediatamente f ixado pelo fígado,e no alcoolismo crônico a concentração deálcool que passa pelos pulmões deve serconsiderável. Então, por toxicidade direta(exemplo, desnaturação de proteínas) oupor interferências por processos metabóli-cos, o álcool pode produzir danos celulares.O fato das células já estarem lesadas porinfecção e/ou hábito de f u m a r podem fazercom que elas sejam mais susceptíveis deserem lesadas pelo álcool. Há evidênciasque o álcool pode produzir doença car-díaca independente de fatores nutricionais.Considerando que os pulmões recebem umamaior concentração é razoável a f i rmarque eles podem também ser lesados peloálcool, independente de outros fatores.Estudos anteriores conduzidos em labora-tórios têm demonstrado alteração histoquí-micas nos pulmões de camundongos querecebem injeções intraperitoniais de álcool.Os autores estimulam estudos sobre a inci-dência de doença pulmonar em alcoólatrasque não fumam, e sugerem que a freqüenteassociação de alcoolismo e doença pulmonaré devido, em parte, ao dano do tecido pul-monar pelo álcool.

Kok-Jensen 7 (1970), observa que o nú-mero de alcoólatras entre pacientes tuber-culosos é alto, e que a incidência de tuber-culose entre alcoólatras é significantementemais alta do que na população não alco-ólatra. Em 428 tuberculosos examinados,20% eram alcoólatras. A alta percentagemde alcoólatras entre os pacientes com tu-berculose pulmonar poderia ser o resultadode um risco aumentado de infecção e/ouuma baixa resistência à infecção, endógenaou exógena. Refere ainda que já se mos-trou que o risco de desenvolver tuber-culose ativa aumenta com a quantidade deálcool consumido. Parece que o indivíduocom um alto consumo de álcool gasta uma

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maior parte de sua vida em "estravagân-cias", onde ele é mais exposto a infecçãopor M. tuberculosis do que o indivíduocom um consumo baixo de álcool; mas umabaixa resistência geral do organismo estáprovavelmente relacionada com a quantida-de do álcool consumido, e este pode sero fator mais importante.

Massé 9 (1972) encontrou na França umaforte correlação existente entre alcoolismoe a tuberculose do aparelho respiratório,o câncer, os acidentes e os suicídios; assi-nala uma menor correlação entre alcoolis-mo e doenças cardíacas e as lesões cere-brovasculares.

Hudol in 6 (1975) evidencia na Yugosla-via a relação entre tuberculose e nívelsócio-econômico, assim como a f reqüenteassociação com alcoolismo. Assinala queapós a 2a Guerra Mundial, vários estudosforam feitos no sentido de avaliar efeitosdo álcool sobre a função pulmonar.

Hackney 5 (1975) assinala a complexida-de do tratamento dos tuberculosos de mé-dia idade, dos negros e dos alcoólatras.Estes últimos, desenvolvem a moléstia commais freqüência e geralmente são mal nu-tridos.

5. CONCLUSÕES

No material estudado encontrou-se asso-ciação entre hábito de ingestão alcoólica etuberculose pulmonar. No período menorque 2 anos, que precede o diagnóstico dadoença, é mais forte a associação entretuberculose pulmonar e bebedores exces-sivos. No período de 2 a 4 anos, queprecede a doença, é mais forte a associa-ção entre tuberculose pulmonar e bebedo-res adictos. Entre os alcoólatras não hádiferença significante quanto ao tipo debebida consumida e/ou ritmo de ingestãoentre os casos e controles.

RSPUB9/462

CARON-RUFFINO, M. & RUFFINO-NETTO, A. [Alcohol consumption and pulmonarytuberculosis]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 13:183-94, 1979.

ABSTRACT : A study to analyze the association between alcohol consumptionand pulmonary tuberculosis was made using the casecontrol method. Each givencase (patient with pulmonary tuberculosis) was matched with a control (patientwithout pulmonary tuberculosis) regarding, sex, origin (residence), and maritalstatus. Four hundred and twenty-seven cases and their controls were interviewedand information was gathered on the risk factors involved. The conclusions were:there is association between alcohol consumption and pulmonary tuberculosis;when drinking was excessive less that two years before diagnosis of the disease,association was stronger, association between mild drinking (dependent drinkers)was greater from two to four years preceeding diagnosis.

U N I T E R M S : Tuberculosis, pulmonary. Tuberculosis, risk factors. Alcoholism.

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Recebido para publicação em 19/03/1979

Aprovado para publicação em 19/06/1979