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Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT7- Gênero e Trabalho Coordenação: Cássia Maria Carloto As condições de vida e trabalho de costureiras em São Paulo: uma aproximação com migrantes bolivianas Vanessa Gomes Zanella 1 1 Aportes metodológicos Os estudos apresentados neste ensaio concentram-se em apontar os determinantes para o aumento significativo dos fluxos migratórios oriundos da Bolívia com destino ao Brasil e realizados por mulheres. O tema exige urgente atenção, ressaltando a importância de se criar políticas públicas que atendam às mulheres desamparadas frente à indocumentação e às opressões de gênero de que são vítimas. Para tanto, faz-se necessário o uso de uma metodologia que abarque não apenas os estudos recentes do assunto, mas também uma vivência no microcosmo social em que as imigrantes se inserem na cidade de São Paulo. Por isso, foram feitas diversas visitas ao Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), no bairro do Canindé em São Paulo, para que através de depoimentos e da observação social o trabalho fosse realizado obedecendo à inseparabilidade da pesquisa à realidade, dos estudos à práxis, e vice-e-versa. O CAMI é uma entidade sem fins lucrativos que há 6 anos atua, na área de Direitos Humanos, como a ponte que conecta o migrante à sociedade brasileira, promovendo a diversidade cultural e a cidadania através dos cursos de português e de informática para imigrantes, bem como dando apoio jurídico em trâmites para a regularização migratória. Durante as visitas realizadas, notou-se a demanda pela inserção do debate de gênero entre os imigrantes que costumam freqüentar o CAMI aos finais de semana, girando em torno de 60 pessoas. Também foram realizadas entrevistas individuais com algumas mulheres que se pré dispuseram a contar um pouco sobre suas trajetórias, dentre elas a Rose, mulher, imigrante, boliviana. Sua fala é discutida nos limites deste trabalho no item 5, que não tem a pretensão de tirar conclusões generalizadas, mas sim apresentar, após análise 1 Universidade Estadual Paulista „Júlio de Mesquita Filho‟ – Campus Franca. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Curso de Relações Internacionais, 4º ano. E-mail: [email protected]

FORMULARIO DE INSCRIPCIÓN Y PRESENTACIÓN DE · ambiente e o aumento de trabalhadores no setor informal da nova população urbana, agravando, assim, a situação de mendicância

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Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT7- Gênero e Trabalho – Coordenação: Cássia Maria Carloto

As condições de vida e trabalho de costureiras em São Paulo: uma aproximação

com migrantes bolivianas

Vanessa Gomes Zanella1

1 Aportes metodológicos

Os estudos apresentados neste ensaio concentram-se em apontar os

determinantes para o aumento significativo dos fluxos migratórios oriundos da Bolívia com

destino ao Brasil e realizados por mulheres. O tema exige urgente atenção, ressaltando a

importância de se criar políticas públicas que atendam às mulheres desamparadas frente à

indocumentação e às opressões de gênero de que são vítimas.

Para tanto, faz-se necessário o uso de uma metodologia que abarque não

apenas os estudos recentes do assunto, mas também uma vivência no microcosmo social em

que as imigrantes se inserem na cidade de São Paulo. Por isso, foram feitas diversas visitas ao

Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), no bairro do Canindé em São Paulo, para que através

de depoimentos e da observação social o trabalho fosse realizado obedecendo à

inseparabilidade da pesquisa à realidade, dos estudos à práxis, e vice-e-versa.

O CAMI é uma entidade sem fins lucrativos que há 6 anos atua, na área de

Direitos Humanos, como a ponte que conecta o migrante à sociedade brasileira, promovendo

a diversidade cultural e a cidadania através dos cursos de português e de informática para

imigrantes, bem como dando apoio jurídico em trâmites para a regularização migratória.

Durante as visitas realizadas, notou-se a demanda pela inserção do debate

de gênero entre os imigrantes que costumam freqüentar o CAMI aos finais de semana,

girando em torno de 60 pessoas. Também foram realizadas entrevistas individuais com

algumas mulheres que se pré dispuseram a contar um pouco sobre suas trajetórias, dentre elas

a Rose, mulher, imigrante, boliviana. Sua fala é discutida nos limites deste trabalho no item 5,

que não tem a pretensão de tirar conclusões generalizadas, mas sim apresentar, após análise

1 Universidade Estadual Paulista „Júlio de Mesquita Filho‟ – Campus Franca. Faculdade de Ciências Humanas e

Sociais. Curso de Relações Internacionais, 4º ano. E-mail: [email protected]

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de vivência e de entrevistas, o contexto opressor, de desamparo público e de precarização de

trabalho em que bolivianas estão incluídas.

1 Imigração boliviana para o Brasil

A América Latina como um todo, na década de 1970, encontrava-se num

contexto de transição, pois ambicionava um rápido desenvolvimento através da abertura de

seus mercados para então agregar-se à nova ordem internacional ditada pelos mercados

internacionais, pelo capitalismo global. Para corresponder à demanda do novo sistema global

e se aproximar das economias mais avançadas, os países latino-americanos aceitaram os altos

riscos do projeto. De fato a América Latina integrou-se na nova economia global, unindo os

mercados financeiros e passando por diversas mudanças em sua base econômica, mas a

integração se deu de forma desigual, com altos custos sociais e econômicos na transição.

(CASTELLS, 2001).

A Bolívia, como outros países da América Latina, passou por um rígido

período militar que se encerrou em 1985, data da adoção do regime neoliberal. Contudo, tal

modelo não foi capaz de amenizar a crise econômica, social e política do país, sendo hoje

considerado um dos países mais pobres da América Latina.

Não houve a industrialização do país, que ainda se mantém pela exportação de

matérias-primas; em meio a um sistema de latifúndio dominado por uma pequena

elite branca que explora a grande massa de camponeses indígenas. A questão étnica não discutida, o forte racismo, e as grandes diferenças regionais fazem ressurgir

com, força e urgência, o problema da unidade nacional. Um sistema econômico

frágil e a falta de um projeto nacional dificultam a superação da debilidade

econômica do país. (VANINI, 2008).

Como conseqüência da acelerada urbanização na América Latina observa-se

a marginalização social e política, diversas tensões sociais, o deterioramento do meio

ambiente e o aumento de trabalhadores no setor informal da nova população urbana,

agravando, assim, a situação de mendicância e de extrema pobreza nas cidades. (CASTELLS,

2001).

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Por outro lado, a demanda por mão-de-obra de baixo custo nas grandes

aglomerações urbanas com alta concentração de fluxos de capitais transformou São Paulo em

um pólo receptor de migrantes, tanto externos como internos, que vendem sua força de

trabalho, em troca de salários irrisórios, e se sujeitam a jornadas de trabalho com horários

cada vez mais flexíveis, sem o amparo das leis trabalhistas, sob regime de clara precariedade e

exploração.

Para melhor explicitar a migração boliviana no Brasil, Sidney Antônio

da Silva aponta que

[...] num contexto de globalização dos processos econômicos e culturais, cujas

características, segundo Harvey (1993), seriam a flexibilização dos mercados, dos processos de trabalho e dos padrões de consumo, surge o lado perverso desse

processo, ou seja, tanto nos países industrializados como também nos países menos

industrializados, como é o caso do Brasil, existe o fenômeno da crescente

clandestinização da mão-de-obra. Em geral esse mercado de mão-de-obra é formado

por migrantes internos, como também por imigrantes oriundos de países latino-

americanos, os quais são obrigados a venderem a sua força de trabalho por salários

aviltantes e sem nenhum direito contemplado pela legislação trabalhista, além de

serem estigmatizados pelo fato de advirem de países pobres e regularmente

associados ao tráfico de entorpecentes. (SILVA, 1997)

Assim, o ato de migrar representa um processo que permeia a natureza

humana e que em tempos de globalização é impulsionado pelos efeitos de expulsão e

absorção de capitais – incluso o capital humano – e que direciona a mão-de-obra ao redor do

globo. Não obstante, o fenômeno das migrações internacionais se apresenta numa

complexidade que ultrapassa os limites do trabalho, pois se trata do movimento de sujeitos

socioculturais. Rotular a imigração como um simples deslocamento de mão-de-obra é anular

todos os aspectos da vida humana que envolvem o fenômeno, é simplificar um processo

complexo que abarca as mais diversas esferas dos sujeitos. Dentre elas, as relações de gênero,

que, na sociedade atual, hierarquiza e atribui a homens e mulheres papéis que se espera serem

desempenhados, mesmo que isso signifique e subordinação e a opressão das mulheres.

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3 O Brasil como receptor de imigração latino-americana – alguns apontamentos

O Brasil possui características fundamentais que o classificam como um

país receptor de imigrantes: uma crescente economia, um bom desempenho macroeconômico,

uma ampla criação de empregos com alta absorção de mão-de-obra sob regime de

subcontratação e a reputação de acolhimento e hospitalidade próprios do povo brasileiro, que

nem sempre, como delineado ao longo do ensaio, correspondem à realidade.

Em sua maioria, a imigração latino-americana no Brasil se concentra nas

zonas fronteiriças e nas capitais, principalmente São Paulo, devido às diversificadas

oportunidades de emprego. Dentre o grande contingente de peruanos, bolivianos, chineses,

coreanos, libaneses e africanos que residem e trabalham na condição de indocumentados, a

população boliviana recebe maior destaque por ser a mais abundante, contando com cerca de

60 mil moradores da capital paulista – documentados ou não – segundo dados do Consulado

da Bolívia. (MARTES, 2009).

O Censo Brasileiro de 20002 aponta um total de, aproximadamente, 400 mil

imigrantes recentes no Brasil. No entanto, as estatísticas governamentais são insatisfatórias

uma vez que não contabilizam os imigrantes indocumentados, impossibilitando assim a

veracidade dos dados. Segundo estimativas da Pastoral do Migrante, entre documentados e

indocumentados, concentram-se no Brasil um total aproximado de 1 a 1,5 milhões de

imigrantes que, quantitativamente, entre os sexos, tendem ao equilíbrio. (MARTES, 2009).

Recém chegados no Brasil, os imigrantes seduzidos pelo discurso de

hospitalidade, de acolhimento e de boa receptividade da sociedade brasileira, se deparam com

uma realidade cruel e de profunda discriminação e marginalização de sua cultura, sendo esta

estigmatizada por “atributos profundamente depreciativos”. (GOFFMAN, 1975 apud SILVA,

1997). Os estigmas que os classificam como “índios”, “clandestinos”, “morenos” e muitas

vezes como “traficantes”, ressaltam sua condição de desigualdade e de “intrusos” ou de

“indesejados” na sociedade de estranhamento brasileira. (SILVA, 1997). Nesse sentido, as

mulheres imigrantes, além de sofrerem as diversas discriminações expostas acima, ainda

enfrentam as discriminações e opressões de gênero, tanto pela sociedade receptora quanto

pelos próprios conterrâneos e companheiros de jornada.

2 O último recenseamento no Brasil foi feito pelo IBGE no ano de 2010, porém apenas foram divulgados os

primeiros resultados. A divulgação das estatísticas sobre migração e deslocamento no Brasil faz parte da

agenda de 2012.

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A notável aversão brasileira à imigração latino-americana e à boliviana, em

específico, traz em seu bojo a “percepção do índio herdada da concepção européia do povo

exótico e não „civilizado‟.” (SILVA, 1997, p. 19).

4 A Feminização dos processos migratórios

No artigo intitulado „Os pássaros de passagem também são mulheres‟,

Mirjana Morokivasic (1984) chama atenção para a invisibilidade do crescente fluxo de

mulheres que saem de seus países em busca de melhores condições de vida e trabalho. Até

então, o homem havia sido considerado o protagonista dos mais diversos fenômenos

migratórios ao redor do mundo, ocupando, a mulher, o papel de passividade e de espera ou de

mero acompanhamento, estando à mercê das decisões de seu irmão, pai ou marido sobre o seu

destino.

No entanto, os estudos acerca do assunto não correspondiam à atual

conjuntura de feminização do processo em que os fluxos migratórios se encontram. Por ser

considerado um fenômeno, em geral, essencialmente masculino, a variável gênero não era

incluída na análise e muitas mulheres tiveram a sua condição de imigrantes ignorada. Entre os

anos 1960 e 2000 houve um aumento de mulheres migrantes passou de 44,7% para 50,2% do

total de migrações internacionais3.

O aspecto trabalho comporta-se como elemento capital nos processos de

imigração feminina, isso porque não só representa um dos principais motores dos fluxos, mas

também “traz conseqüências nas relações de gênero dos casais e no ganho de „poder‟ da

mulher dentro da família.” (PADILHA, 2007, p.128). As mulheres imigrantes continuam

desempenhando um papel de submissão no âmbito familiar e no âmbito laboral, sendo este

caracterizado pela divisão sexual do trabalho. Carregadas de estereótipos de gênero e

naturalizações hierarquizantes, as tarefas consideradas femininas são largamente associadas

aos afazeres ligados ao cuidado, à atenção, à delicadeza, à limpeza. (GIL, 2007).

Nas sociedades de acolhimento as mulheres acabam por ocupar cargos

desvalorizados, como empregadas domésticas; cozinheiras; babás ou garçonetes que exigem

um árduo trabalho em troca de um exíguo rendimento mensal. Outras tantas vezes inserem-se

3 O World Economic and Social Survey 2004 – Informe da ONU

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num outro mercado de séria desigualdade e opressão: o mercado sexual. (LISBOA, 2007, p.

808).

As mulheres migrantes, nesse contexto, além de sofrerem todas as

discriminações pela sociedade receptora, simplesmente por possuírem diferentes valores

culturais, sofrem também a opressão de gênero, e muitas vezes de classe, raça e etnia,

caracterizando uma quádrupla e até quíntupla opressão. Se a mulher é “o outro” do homem e

o imigrante é “o outro” de dada cultura, a mulher imigrante é “o outro” do “outro”.

Isto porque, as precárias condições de vida (trabalho, habitação, saúde, educação,

formação, a fraca inserção na sociedade de acolhimento e outros tantos problemas

culturais e psicológicos) com que a imigrante se debate são acrescidos daqueles que

resultam da sua condição de mulher, e ainda, no caso concreto de atitudes

discriminatórias e xenófobas com base na cor da pele e outras características do seu

tipo humano, de que tantas vezes são vítimas. (TOLENTINO, 2006, p.3).

É neste panorama excludente e opressor que as imigrantes bolivianas se

inserem social, cultural e laboralmente em São Paulo. Vale ressaltar que o papel de

inferioridade é atribuído às mulheres antes mesmo de nascerem, por um processo de

socialização e internalização de papéis construídos social e historicamente que afirmam a

supremacia masculina, impondo às mulheres o lugar da subalternidade.

5 Condições de vida e trabalho de imigrantes bolivianas em São Paulo: um recorte de

gênero

„Ninguém nasce mulher, torna-se mulher’. (BEAUVOIR, 1980).

Oportunidades de emprego na cidade de São Paulo são anunciadas

diariamente nas rádios em diversas regiões da Bolívia. A promessa de salário gira em torno de

US$ 500,00. O valor contrastante em relação ao diminuto salário mínimo boliviano calculado,

aproximadamente, em apenas US$ 44, atrai a atenção de milhares de bolivianos e bolivianas

que passam a considerar o deslocamento para São Paulo uma forma de melhorar de vida, e

talvez, conseguir juntar dinheiro suficiente para montar um negócio próprio ao voltarem para

a Bolívia. (SILVA, 1997, p. 95). É fácil compreender porque mulheres de diferentes

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regiões do país são seduzidas pela tentadora proposta, como, por exemplo, as de origem

cochabambina que passam o dia “à espera de alguém que as contrate para um dia de trabalho,

geralmente no trabalho doméstico, recebendo uma quantia de US$ 2 (dólares) por um dia de

serviço.” (SILVA, 1997, p. 34).

Em São Paulo, as migrantes bolivianas se deparam com uma condição

bastante diferente da proposta no momento da viagem. (MARTES, 2009, p.69). Encontrar

emprego não é um problema, uma vez que são contratadas na Bolívia pelos donos das

oficinas, que para lá se deslocam em busca de novos trabalhadores. Muitas vezes a relação

entre empregador e empregado é de parentesco, de favores ou de amizade, estando os últimos

de certa maneira vinculados aos primeiros devido a uma necessidade inicial. A existência da

constante sensação de endividamento, pelo fato de o empregador financiar a viagem; a estadia

e a alimentação na cidade de destino, cria uma relação de fidelidade no trabalho, o que cerceia

a liberdade de muitas imigrantes mudarem de oficina caso apareça uma oportunidade melhor.

(SILVA, 2003, p. 293)

Outro problema bastante recorrente diz respeito à re-alocação de muitas

mulheres que migram para São Paulo acreditando na promessa de que irão trabalhar em

oficinas de costura, mas acabam exercendo o trabalho de empregadas domésticas ou de

cozinheiras nas oficinas.

Se o emprego não constitui um problema para a maioria, por outro lado, as mulheres

que se dedicam ao serviço doméstico enfrentam sérios problemas, seja no país de

origem ou no exterior. [...] Entretanto, quando chegam aos locais de trabalho

aviltantes, trabalham pelo menos 15 horas diárias, sem descanso semanal e sem

nenhum direito trabalhista, porque em geral são indocumentadas. Muitas sofrem

assédio sexual de seus patrões [...]. (cf. M. Cordero, in Presencia, La Paz, 13/11/94).

(SILVA, 1997, p.95)

A jornada de trabalho é extensa e exaustiva com início às 8hs e fim às 21hs.

O salário não é fixo, e a flexibilização da jornada bem como do pagamento – feito de acordo

com a quantidade de peças confeccionadas diariamente, podendo variar entre US$ 0,20 e US$

2,00 por peça – são prerrogativas para a precarização do trabalho destas mulheres. Além

disso, os horários flexíveis, tanto das oficinas de costura quanto das casas que trabalham

como empregadas domésticas, praticamente extinguem o tempo dedicado a afazeres pessoais,

ao lazer e ainda dificultam a inserção da imigrante na sociedade paulistana, sendo o controle

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sobre o tempo e autonomia pessoal muito mais evidente nas mulheres migrantes do que nos

homens.

O cotidiano dessas mulheres reflete a reprodução das relações de gênero nas

sociedades que atribuem a elas os afazeres domésticos, mesmo depois de cumprir 15 horas

diárias nas oficinas de costura e, além disso, são responsáveis pelo cuidado dos filhos.

No caso das mulheres o trabalho é ainda pior, porque elas devem ajudar nas tarefas

da cozinha, lavando a louça, que em geral não é pouca, posto que o número de

pessoas que vivem e trabalham nessas oficinas é grande. Para as casadas com filhos,

a situação é ainda pior, pois em suas mãos está a administração da cozinha, o que

significa a compra e a preparação dos alimentos, além do cuidado dos filhos, da roupa e outras responsabilidades. Assim sendo, como constatou Thompson, o ritmo

de trabalho da mulher do lar ainda obedece aos parâmetros de sociedade pré-

industrial (cf. E. P. Thompson, op. Cit., p.270). (SILVA, 1997, p.143).

Em visita ao CAMI em São Paulo, para uma maior aproximação com a

temática, foi possível conhecer algumas mulheres bolivianas, entre elas estava Rose4 que

conta que trabalha como empregada doméstica e como babá de duas crianças em uma casa de

família. A ela foi oferecido um quarto e alimentação pelo valor de R$ 700,00. O salário acima

da média tem uma justificativa e um custo muito alto para Rose, que só pode sair da casa aos

finais de semana e em horários regulados – 10hs da manhã às 17hs da tarde aos domingos –

dedicando ao trabalho um tempo quase integral. Devido sua condição de indocumentada,

Rose não tem a quem recorrer, pois não é assegurada pelos direitos trabalhistas como férias e

remuneração por hora extra.

Rose também afirma que não se importa em passar a maior parte do tempo

trabalhando, porque tampouco tem para onde ir. Ela alega que “enquanto os homens vão jogar

futebol ou vão se embebedar num bar qualquer nós mulheres não temos o que fazer, ficamos

em casa trabalhando mesmo.”

O caso de Rose não é único, muitas outras imigrantes se encontram em

situação de encarceramento nas oficinas até que paguem as infindáveis dívidas de viagem e de

aluguel aos empregadores, muitas sofrem violência ou assédio sexual, mas permanecem

caladas pois, por não possuírem documentos, não desfrutam de um aparato legal que as

protejam além de terem medo de no momento da denúncia a polícia as identifique como

irregulares e as deporte. (SILVA, 1997, p.96).

4 Nome fictício.

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Segundo a legislação vigente no Estatuto do Estrangeiro de 1988, a

regularização só é liberada em dois casos: quando há casamento com cônjuge brasileiro ou

quando se tem um filho nascido em território nacional. Nessa perspectiva, sabe-se que as

mulheres são social e historicamente responsáveis pela criação dos filhos devido ao fato de

gestarem e gerarem os mesmos, e assim, sofrem as maiores conseqüências quanto às novas

responsabilidades que terão ao gerarem filhos. Além disso, no caso de uma gravidez

indesejada, os pais muitas vezes abdicam totalmente do cuidado do filho, restando somente à

mãe a tarefa de criá-lo, alimentá-lo e sustentá-lo por toda a sua vida. Sabe-se que muitas

imigrantes, não restando alternativas – já que é grave o machismo entre os bolivianos e alto o

gasto com os documentos de regularização – acabam se casando com brasileiros, ou então

engravidando, para então conseguir, de certo modo, a tão desejada „tranqüilidade‟.

As jovens costureiras confirmaram a existência de forte machismo entre os bolivianos, chegando-se ao extremo de uso da violência, e, por isso, manifestaram

mais abertas à exogamia, uma vez que essa seria também uma estratégia para se

permanecer no país sem problemas e em condições confortáveis, caso se casem com

um brasileiro que tenha uma condição econômica razoável. (SILVA, 1997, p.210).

5.1 A invisibilidade dessas mulheres para as políticas públicas

Um dos maiores problemas que as mulheres migrantes se deparam devido à

indocumentação diz respeito às políticas públicas e às necessidades básicas as quais não têm

acesso mínimo, como por exemplo, à saúde, à educação e aos direitos trabalhistas.

Em seu depoimento acerca do acesso à saúde, Rose relata que:

“Quando precisamos ir ao médico temos que marcar as consultas com muita

antecedência porque demoram muito para arrumarem um horário. Mas em caso de

emergência não há nada para fazer, eles nos mandam comprar remédios e ir para

casa.”

Nesse caso, vale lembrar que as mulheres grávidas devem fazer um

acompanhamento pré-natal, e acabam prejudicando a saúde do bebê e a própria, pois não

conseguem marcar as consultas seja pela dificuldade de comunicação ou pela falta de horários

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disponíveis. Além disso, muitas imigrantes se recusam a fazerem tratamentos médicos na rede

pública com medo de serem identificadas como indocumentadas e conseqüentemente serem

deportadas para a Bolívia. Em casos de emergência, devido ao medo do reconhecimento,

pagam clínicas particulares, que custam em torno de R$ 100 a consulta, sendo esta uma

medida paliativa que dificilmente poderão utilizar com freqüência. (SILVA, 2003, p. 296).

Rose apontou a falta de domínio do idioma e a indocumentação como os

maiores problemas por elas enfrentados, afinal todos os outros problemas derivariam destas

debilidades. Fica difícil evitar extorsões quando não se compreende o idioma, quando não se

tem informações sobre direitos e gratuidades, quando a ausência de documentos vira moeda

de troca para policiais corruptos, enganadores ou para assediadores sexuais.

Considerações Finais

Ao aprofundar o estudo sobre a temática das migrações bolivianas em São

Paulo notou-se a insuficiência de políticas públicas que atendam às necessidades mínimas das

mulheres que enfrentam não apenas estigmatizações sócio-culturais devido ao seu tipo

humano ou à situação de indocumentadas, mas também opressões oriundas da hierarquização

de gênero e conseqüente inferiorização da mulher.

A vulnerabilidade em que essas mulheres, em sua complexidade, se

encontram é ainda mais acentuada pelos ditames mercadológicos da economia global que

muitas vezes determinam a saída e permanência de imigrantes em sociedades que as

discriminam.

Conclui-se que o aparato governamental faz “vistas grossas” à situação das

imigrantes de São Paulo, mesmo absorvendo a sua mão-de-obra, como uma maneira de não

prejudicar as tão rentáveis empresas que terceirizam e mantém em regime de subcontratação a

mão-de-obra imigrante. Tal política evidencia o objetivo de manutenção do status quo e de

maximização dos lucros no mais curto prazo, mesmo que custe a total invisibilização da

população imigrante.

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