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533 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.47, n.77, p.533-650, jan./jun.2008 ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01102-2006-024-03-00-0 Data: 16.04.2008 DECISÃO DA 24ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MG Juíza Substituta: Drª NATÁLIA QUEIROZ CABRAL RODRIGUES No dia 16 do mês de abril de 2008, às 17h01min, a 24ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE-MG, em sua sede, pela lavra da MM. Juíza do Trabalho Substituta, NATÁLIA QUEIROZ CABRAL RODRIGUES, na AÇÃO CIVIL PÚBLICA movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de TIM NORDESTE S/A, proferiu a seguinte DECISÃO: I) RELATÓRIO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, devidamente qualificado na inicial, propõe a presente ação civil pública em face de TIM NORDESTE S/A, alegando, em síntese: que promoveu inquérito civil público em face da ré, tendo em vista a informação obtida mediante ofício expedido pelo MM. Juízo da 40ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, dando notícia de que trabalhadores estariam prestando serviços por intermédio de empresas interpostas, todavia emprestando sua força de trabalho nas atividades-fim da ré; que referida irregularidade foi objeto de acurada fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, donde se aferiu a presença de empregados das empresas prestadoras de serviços atrelados às atividades-fim da tomadora; que foram realizadas duas audiências na sede da Procuradoria Regional do Trabalho, sendo a primeira em 24 de maio de 2006 e a segunda em 05 de setembro de 2006, tendo sido proposto Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, objeto de pronta recusa pelo preposto da ré; que as investigações surgiram a partir do ofício extraído dos autos do Processo n. 00017-2005-140-03-00-0, que tramitou perante o Juízo da 40ª Vara do Trabalho desta Capital, onde figuram, como reclamante, Andréia Atadeu da Silva e, como reclamadas, SELPE - Seleção de Pessoal Ltda. e TIM-Maxitel S.A; que referida demanda resultou na declaração da ilicitude da terceirização de mão-de-obra, tendo em vista a modalidade dos serviços prestados pela então reclamante, sem que da pactuação surgissem vantagens asseguradas aos empregados da tomadora do serviço, o que denota a prática de atos discriminatórios e, concomitantemente, a redução ilegal de custos operacionais e, por conseguinte, a declaração da existência do liame empregatício diretamente com a tomadora dos serviços; que referida manobra se aperfeiçoou entre a ré e mais três empresas, quais sejam: SELPE - Seleção de Pessoal S/C Ltda., já citada, Líder Terceirização Ltda. e A&C Soluções Ltda.; que, no tocante à primeira empresa prestadora de serviços, seus empregados empreendiam seus misteres realizando atendimento de ligações telefônicas de todas as lojas e pontos de vendas (os famosos PDVs) da TIM-Maxitel, tendo por escopo a análise de créditos, autorização ou aprovação do cadastro do cliente consultado pelos lojistas, bem como digitação de aproximadamente 100 (cem) planilhas referentes aos procedimentos realizados no setor, sendo certo que, durante todo o período sobre o qual perdurou a contratualidade, os empregados eram subordinados ao

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01102-2006-024-03-00-0Data: 16.04.2008DECISÃO DA 24ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuíza Substituta: Drª NATÁLIA QUEIROZ CABRAL RODRIGUES

No dia 16 do mês de abril de 2008, às 17h01min, a 24ª VARA DO TRABALHODE BELO HORIZONTE-MG, em sua sede, pela lavra da MM. Juíza do TrabalhoSubstituta, NATÁLIA QUEIROZ CABRAL RODRIGUES, na AÇÃO CIVIL PÚBLICAmovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de TIM NORDESTES/A, proferiu a seguinte DECISÃO:

I) RELATÓRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO, devidamente qualificadona inicial, propõe a presente ação civilpública em face de TIM NORDESTE S/A,alegando, em síntese: que promoveuinquérito civil público em face da ré,tendo em vista a informação obtidamediante ofício expedido pelo MM. Juízoda 40ª Vara do Trabalho de BeloHorizonte/MG, dando notícia de quetrabalhadores estariam prestandoserviços por intermédio de empresasinterpostas, todavia emprestando suaforça de trabalho nas atividades-fim daré; que referida irregularidade foi objetode acurada fiscalização por parte doMinistério do Trabalho e Emprego,donde se aferiu a presença deempregados das empresas prestadorasde serviços atrelados às atividades-fimda tomadora; que foram realizadas duasaudiências na sede da ProcuradoriaRegional do Trabalho, sendo a primeiraem 24 de maio de 2006 e a segundaem 05 de setembro de 2006, tendo sidoproposto Termo de Ajustamento deConduta - TAC, objeto de pronta recusapelo preposto da ré; que asinvestigações surgiram a partir do ofícioextraído dos autos do Processo n.00017-2005-140-03-00-0, que tramitouperante o Juízo da 40ª Vara do Trabalhodesta Capital, onde figuram, comoreclamante, Andréia Atadeu da Silva e,

como reclamadas, SELPE - Seleção dePessoal Ltda. e TIM-Maxitel S.A; quereferida demanda resultou nadeclaração da ilicitude da terceirizaçãode mão-de-obra, tendo em vista amodalidade dos serviços prestados pelaentão reclamante, sem que dapactuação surgissem vantagensasseguradas aos empregados datomadora do serviço, o que denota aprática de atos discriminatórios e,concomitantemente, a redução ilegal decustos operacionais e, por conseguinte,a declaração da existência do liameempregatício diretamente com atomadora dos serviços; que referidamanobra se aperfeiçoou entre a ré emais três empresas, quais sejam:SELPE - Seleção de Pessoal S/C Ltda.,já citada, Líder Terceirização Ltda. eA&C Soluções Ltda.; que, no tocante àprimeira empresa prestadora deserviços, seus empregadosempreendiam seus misteres realizandoatendimento de ligações telefônicas detodas as lojas e pontos de vendas (osfamosos PDVs) da TIM-Maxitel, tendopor escopo a análise de créditos,autorização ou aprovação do cadastrodo cliente consultado pelos lojistas, bemcomo digitação de aproximadamente100 (cem) planilhas referentes aosprocedimentos realizados no setor,sendo certo que, durante todo o períodosobre o qual perdurou a contratualidade,os empregados eram subordinados ao

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coordenador da TIM-Maxitel, de nomeMarcos Antônio Lacerda, estando esteinvestido do poder de promover acontratação ou dispensa deempregados; que, na fase do inquéritocivil público, a referida empresa aventouem sua defesa que já havia uma açãocivil pública em trâmite envolvendo ospedidos de terceirização e que aterceirização estava agasalhada porpermissão expressa na Resolução 316de setembro de 2002, expedida pelaANATEL, com fincas nas Leis n. 9.472e 8.987, suscitando a ilustrerepresentante do parquet que ademanda outrora proposta não tempertinência com esta e, ainda, que, notocante à citada resolução, a mesmarefere-se ao regime público, hipóteseque não engloba o regime privado,conforme é o caso dos autos; que,referentemente ao contrato deprestação de serviços firmado com aempresa Líder Terceirização Ltda.,esclarece que seu objeto social é omesmo da Maxitel, ou seja,“comercializar, alugar e dar emcomodato aparelhos telefônicos, seusacessórios e peças de reposição”,salientando que a ré é quem diligenciano sentido de montar stands de vendasem shoppings, grandes supermercados,farmácias, lojas de departamentos,dentre outras, utilizando-se de materialpróprio, vindo a prestadora dos serviçoscontribuir apenas com o pessoal pararealização das vendas; que a ré mantémduas categorias de vendedores nomercado, sendo aqueles intitulados tipo“A”, que comercializam produtos paragrandes empresas, realizando grandesnegócios, o que exige conhecimento demercado e o tipo “B”, consistente nosvendedores de rua ou para pessoascomuns; que, finalmente, no queconcerne à empresa A&C Soluções,restou confirmada pelo Relatório de

Fiscalização do Ministério do Trabalhoe Emprego a existência de contrato deprestação de serviços revelando aexistência de subordinação epessoalidade na prestação dos serviços,donde se transferiu para a prestadorados serviços a responsabilidade peloatendimento telefônico a clientes da rée em atividades-fim, notadamente noatendimento a clientes “pós-pagos”, emnotória discriminação entre ostrabalhadores; que da manobraperpetrada pela ré brota a obrigação deindenizar a classe de trabalhadores, quese submeteram a restrições quanto àcolocação no mercado de trabalho, bemcomo no tocante às reduções dasvantagens daí decorrentes, fatos quecontribuíram para o enriquecimentoilícito da reclamada, devendo, pois, estaarcar com o pagamento de indenizaçãopor danos morais, a ser fixada no valorde R$6.000.000,00 (seis milhões dereais), revertida em favor do FAT (Fundode Amparo ao Trabalhador).

Com esses argumentos, requersejam acolhidos os pedidos para o fimde que os empregados das empresascitadas sejam contratados diretamentepela demandada; que a ré se abstenhade efetivar novas contratações nosmoldes anteriormente adotados; queseja compelida a pagar a indenizaçãopor danos morais, no importe acimafixado e a multa no valor deR$2.000.000,00 (dois milhões de reais)para cada cláusula descumprida. Porfim, requereu a concessão de liminartotal ou parcial dos efeitos da tutela, comfincas nas disposições dos artigos 273e 461 do Código de Processo Civil.Atribuiu à causa o valor deR$6.000.000,00 (seis milhões de reais).Com a inicial, documentos (f. 26/1591).

Indeferiu-se o pedido deantecipação de tutela, conformedespacho de f. 1592.

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Regularmente citada (f. 1593), areclamada, primeiramente, formuloupedido de adiamento da audiênciadesignada para o dia 20 de novembrode 2006 (f. 1594/1595), vindo seupedido a ser indeferido (f. 1606).

Rol de testemunhas da réapresentado à f. 1602.

A ré compareceu à audiênciadesignada, ocasião em que apresentousua defesa escrita, em 74 laudas, sendodas f. 1607 até 1681, eriçando, em sedede preliminar, a necessidade desuspensão do presente feito, com esteionas disposições do artigo 265, inciso IV,alíneas “a” e “b”, do Código de ProcessoCivil, adotando o argumento de quesubsiste processo administrativo nointuito de se inviabilizar a multa aplicadano âmbito da fiscalização efetuada peloMinistério do Trabalho e Emprego;sustenta a necessidade de formação delitisconsórcio necessário, tendo em vistaque o deslinde da presente demandapoderá afetar os contratos de prestaçãode serviços firmados com as empresasmencionadas no libelo; requer odesmembramento do presente feito emprocessos distintos, direcionando-se osobjetivos da lide a cada empresaenvolvida nos contratos de prestação deserviços, distintamente, com fulcro denão se comprometer a celeridade e oexercício do contraditório e ampladefesa; que a inicial padece do vício deinépcia, tendo em vista a ausência deindicação de um interesse a ser objetode tutela e, ainda, porque não sevislumbra pedido juridicamentepossível; que a instauração do presentefeito faz brotar a hipótese de coisajulgada, tendo em vista a ação civilpública anteriormente ajuizada, onde sediscute a licitude da terceirização deserviços com enfoque amplo eabrangendo todos os prestadores deserviços (Processo n. 00813-2002-017-

03-00-5); que falece legitimidade aoMinistério Público do Trabalho paraajuizamento da presente ação, visto quesuas funções institucionais estãoatreladas a promover inquérito civil eação civil pública visando a proteção dopatrimônio público e social, do meioambiente e de outros interesses difusos,sendo que no âmbito desta JustiçaEspecializada tal função está atreladaà defesa de interesses coletivos,quando desrespeitados os direitossociais constitucionalmenteassegurados; que a ilegitimidade seestende ainda mais na medida em quea ordem jurídica brasileira nãocontempla especificamente a definiçãodo que seja interesse coletivo, excetono tocante às relações de consumo, nosmoldes da previsão constante dasdisposições dos incisos I e II do artigo81 da Lei n. 8.078/90; ainda, no que dizrespeito à legitimação do autor, sustentaque a pretensão deduzida no libelo nãoabarca a hipótese de defesa deinteresses coletivos, mormente porquepertinente a interesses individuais e decaráter disponível, envolvendo gruposdeterminados. No mérito, propriamentedito, sustenta a ré que a possibilidadede terceirização, mediante contrataçãopor empresa interposta, encontraamparo na legislação pátria, o queconstitui óbice intransponível paraaplicação de qualquer sanção, devendoser considerado que os contratosfirmados com as prestadoras deserviços contam com a chancela daordem jurídica, em especial da Lei n.9.472/97, especificamente no seu artigo60, §§ 1º e 2º, que regulamenta aorganização dos serviços detelecomunicações e no Regulamento -SMP, exarado pela ANATEL, aspectosque viabilizam a prestação de serviçospúblicos, assegurando maior garantiada população ao acesso às

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telecomunicações de forma mais ampla,regular e adequada, não podendoentendimento jurisprudencial,consubstanciado no Verbete Sumular n.331 do Colendo Tribunal Superior doTrabalho, sobrepor-se à aplicação dalegislação ordinária específica arespeito, pelo que se impõe observar oprincípio da legalidade; que não restamdúvidas de que as contrataçõesentabuladas com as três empresascitadas na inicial se revestiram desupedâneo legal, mostrando-seperfeitamente adequadas e autorizadas,devendo ser salientada a aplicação doprincípio do livre exercício da atividadeeconômica, que encontra amparo nasdisposições do artigo 170 daConstituição da República de 1988; quea competência para instituição de regrasquanto à forma de prestação e execuçãoda delegação dos serviços detelecomunicações recai sobre a União,que a exerce por intermédio da ANATEL- Agência Nacional deTelecomunicações, sendo certo queessa delegação se processa medianteconcorrência e a ré logrou êxitoofertando a melhor proposta,celebrando contrato e dando início àprestação dos serviços, aspectosignorados pelo autor; que merecerelevância o fato de que emdeterminados casos a legislaçãobrasileira equipara a permissão àconcessão dos serviços, conforme ostermos do parágrafo único do artigo 40da Lei n. 8.987/95; sustenta que, aoestabelecer a base normativa daautorização da terceirização, a ANATELliberou expressamente a contrataçãodas empresas com terceiros, visando odesenvolvimento das atividadesinerentes, acessórias oucomplementares do serviço autorizado,aspecto que encontra amparo no incisoV do artigo 15 do Regulamento Móvel

Pessoal - SMP, aprovado pelaResolução n. 316, de 27 de setembrode 2002 da ANATEL, razão pela qualnão se pode ter por ilícita a terceirizaçãodos serviços firmada com as empresasmencionadas na inicial; afirma que apretensão do autor tem por escopoprovocar desequilíbrio econômico-financeiro nas relações firmadas entrea ANATEL e a reclamada, em flagranteofensa aos preceitos do inciso XXI doartigo 37 da Constituição da Repúblicade 1988, devendo, no entanto, serconsiderado o fim social da licitude daterceirização, sendo necessária aaplicação, no caso aventado nestesautos, do princípio da primazia darealidade sobre a forma; assevera queo Ministério do Trabalho e Emprego,através da Delegacia Regional doTrabalho, não tem competência paralavrar auto de infração com supedâneona suposta caracterização da relação deemprego, notadamente considerandoque daí brota flagrante usurpação dostermos do artigo 114 da Constituição daRepública de 1988; que, no tocante àsatividades empreendidas pelasprestadoras de serviçosespecificamente, deve-se ter em miraque a A&C Soluções Ltda. tem objetosocial distinto da ré, hipótese que elidea possibilidade de irregularidade naterceirização, mormente considerandoque a pactuação havida entre a citadaempresa e a reclamada se fez comobjetivo de propiciar atendimentotelefônico dos clientes pré-pagos destamediante call center, devendo sersalientado que o simples fato de vir a réa possuir esse serviço não tem o condãode elevar à hipótese de terceirizaçãoilícita, eis que os focos de atendimentossão distintos e as atividadesdiferenciadas; afirma que a hipótese deter a DRT mediado negociação coletivaentre o SINTTEL, entidade sindical

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representativa da categoria profissional,e a A&C Soluções Ltda., dado este que,em face da conduta do órgãofiscalizador, demonstra reconhecimentoda licitude da terceirização; aduz quenão havia ingerência da ré sobre osempregados da empresa mencionada,notadamente considerando que a mão-de-obra de que se valia a prestadora dosserviços era tecnicamente qualificada,dispondo de vasta experiência no ramode teleatendimento, o que justifica aseleção da mesma, sendo certo que oreconhecimento do liame empregatíciodiretamente com a ré implicaria violaçãoaos preceitos dos artigos 2º e 3º daConsolidação das Leis do Trabalho;quanto ao contrato firmado com aempresa Líder Terceirização Ltda.,impende salientar que seu ramo deatividade está atrelado ao demerchandising, sendo este o seu objetosocial, o que não traz qualquercorrelação com as finalidades da ré,afastando a hipótese de irregularidadena contratação entre ambas,especialmente porque não haviaingerência da ré sobre os empregadosda empresa Líder, visto que ogerenciamento e supervisão consistiamem atividades empreendidas pelospróprios empregados da contratada, aeste incumbindo a seleção de pessoal,bem como o treinamento adequado paraexecução dos serviços: em suma, haviatotal autonomia da prestadora dosserviços; que, em relação à SELPE -Seleção de Pessoal S/C Ltda., deve-seter em mira que seu objeto social édiverso do empreendido pela ré, sendocerto que os serviços por ela prestadospertinentes à sua atividade-meio, nãoconstituindo parte integrante do núcleodo objetivo empresarial da ré,inexistindo elementos firmes queconduzam à ilação de que pudessebrotar qualquer fraude na contratação,

podendo-se citar que várias outrasempresas se valiam da prestação deserviços dessa prestadora de serviços;que, no que concerne ao alegado danomoral coletivo, é de bom alvitreesclarecer que as empresascontratadas são pessoas jurídicasidôneas, sendo certo que não sevislumbrou qualquer mácula napactuação havida, hipótese que afastaa possibilidade de acolhimento dopedido de indenização por danosmorais, ante a flagrante ausência deculpa decorrente de negligência,imprudência ou qualquer outro elementocapaz de atrair a aplicação dos preceitosdos artigos 186 e 927 do novo CódigoCivil; que os fatos articulados neste feitoinviabilizam a possibilidade de aplicaçãode multa, notadamente no importepretendido pela ilustre representante doparquet, eis que não se averiguouconduta ilegal; rechaça a possibilidadede acolhimento do pedido deantecipação de tutela, tendo em vistaque não se configuraram os requisitosestampados nas disposições do artigo273 do Código de Processo Civil; porderradeiro, requer sejam os efeitosdesta decisão adstritos aos limitesterritoriais do Município de BeloHorizonte, em face da competênciaterritorial desta 24ª Vara do Trabalho.

Pugna pela improcedência detodos os pedidos formulados na inicialpela ilustre representante do MinistérioPúblico do Trabalho.

Com a defesa, vieram aos autosos documentos de f. 1682/2579 e cartade preposto de f. 2580.

Determinou-se a expedição decartas precatórias para oitiva dastestemunhas arroladas pela ré para umadas Varas do Trabalho do Rio de Janeiroe de São Paulo.

Instado a se manifestar sobre ostermos da defesa, o Ministério Público

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do Trabalho exarou pronunciamento àsf. 2604/2619, vindo a impugnar uma auma as questões preliminaresaventadas na peça de resistência e,quanto ao mérito, propriamente dito,rechaçou os argumentos brandidos nadefesa, requerendo, ao final, sejamacolhidos os pedidos estampados nolibelo. Trouxe aos autos os documentosde f. 2620/2632. O MM. Juízo da 61ªVara do Trabalho de São Paulo devolveua este Juízo a CP n. 2131/2006, sob ofundamento de que os autos não foraminstruídos com os documentosnecessários à perfeita compreensão dacontrovérsia, além do endereçoresidencial e profissão da testemunha,razão pela qual não foi ouvida atestemunha Cínthia de Oliveira Limaindicada pela ré (f. 2645). A demandadaveio a sanar as irregularidades queentendeu pertinentes às f. 2649/2651.Registrou-se na ata de f. 2663, pelo MM.Juízo da 13ª Vara do Trabalho deSalvador/BA, que a testemunha GeraldoMagela Criscolo não mais residianaquela capital, mas em Belo Horizonte,tendo a ré, naquela assentada,comprometido-se a conduzi-la peranteeste Juízo para que se procedesse suaoitiva, razão pela qual a carta precatóriafoi devolvida para esta 24ª Vara doTrabalho de BH.

Procedeu-se à retificação daspeças processuais a partir do 6º volumea pedido da ilustre representante doparquet, formulado às f. 2668/2669,ocasião em que se declarou a preclusãoda prova testemunhal que deveria tersido produzida perante o MM. Juízo daJustiça do Trabalho de São Paulo (f.2693), tendo a ré se insurgido contra talato às f. 2716/2718 e 2729/2730,registrando seus protestos, que foramconsignados nos autos, conformedespacho de f. 2731. Ouviu-se atestemunha Gabriel de Oliveira Ramos,

indicada pela ré, perante a 11ª Vara doTrabalho do Rio de Janeiro (f. 2699).

A empresa A&C Centro deContatos S/A interveio nos presentesautos na qualidade de assistente, combase nas disposições do artigo 50 doCódigo de Processo Civil, suscitandopara tanto a licitude da terceirização, sobo argumento de que os serviçoscontratados e efetivamente prestadosnão pertinentes à atividade-fim da ré,bastando para tal que se examine ocontrato de prestação de serviçosfirmado entre ambas. Afirma que osserviços executados pela assistenteestão relacionados com serviços de callcenter, atendimento a clientes e usuários,extração de dúvidas e esclarecimentossobre os serviços e produtosdisponibilizados, hipóteses que refletema licitude da terceirização, tudo emconformidade com o disposto nas Leisn. 9.472/97, em seu artigo 94, inciso IIe 8.987/95, em seu artigo 25, § 1º.

A assistente trouxe aos autos osdocumentos de f. 2750/2968 einstrumento de mandato de f. 2969.

A ré requereu em audiência asubstituição da testemunha Cínthia deOliveira Lima, que seria ouvida peranteo MM. Juízo de São Paulo por outratestemunha a ser ouvida perante estejuízo, requerimento que restou deferido.

O Ministério Público do Trabalhoapresentou seus protestos contra aindicação de testemunhas peloassistente, suscitando para tanto queincumbia à ré a produção desse tipo deprova, podendo o assistente indicar astestemunhas para a mesma e esta, sim,apresentá-las em juízo (ata de f. 2970).

A assistente manifestou-se às f.2977/2979, ocasião em que carreoupara os autos os documentos de f. 2980/2984, requerendo a este juízo a daçãode vista aos demais litigantes, porentender que os mesmos têm

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relevantes informações, capazes,inclusive, de influenciar no desate dasquestões tratadas neste feito, o que foiobjeto de indeferimento, conforme ostermos do despacho de f. 2985.

Em decisão exarada às f. 2988/2989 indeferiu-se o pedido desuspensão do processo, formulado sobo argumento de que subsiste demandana orla administrativa versando acercade matéria correlata.

Adiou-se a audiênciaanteriormente designada para o dia 1ºde abril de 2008, às 15h20min,passando para o dia 04 de abril de 2008às 08h30min, a fim de evitar qualquermácula ao exercício da ampla defesa eao contraditório, pelos fundamentosesposados na ata de f. 2993.

Nesta última assentada, foramcolhidos os depoimentos do autor e dopreposto da ré e das testemunhasindicadas pelas partes (f. 3007/3014),sendo certo que a testemunha Gabrielde Oliveira Ramos, indicada pela ré, jáhavia sido ouvida perante o MM. Juízoda 11ª Vara do Trabalho do Rio deJaneiro (f. 2699/2700).

Juntaram-se aos autos osdocumentos de f. 3015/3021, exibidosem juízo pela ilustre representante doMinistério Público do Trabalho.

Sem outras provas e com aanuência das partes e da assistente,encerrou-se a instrução processual, naaudiência do dia 04 de abril de 2008.

Razões finais orais pelas partese assistente.

II) FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - Preliminar de inépcia dainicial

A ré eriça em sua peça defensivaa prefacial de inépcia da inicial,suscitando que o pedido deve sempre

ser precedido de causa de pedir,guardando pertinência com a narrativada demanda, sendo certo que, no casoapresentado nos presentes autos, oexórdio não induz clareza quanto aoobjeto pretendido e o necessárioenquadramento nas hipóteses deveiculação de ação civil pública.

Sustenta que a peça de ingressonão permite a articulação de uma defesaampla, tendo em vista a falta defundamentos jurídicos tendentes ajustificar um pedido, o que, por certo,servirá de supedâneo paracomprometer a prestação jurisdicionalbuscada.

Data maxima venia, nãovislumbro possibilidade de acolhimentoda argüição de inépcia da exordial,formulada pela ré, por esse fundamento.Infere-se dos argumentos que a matériabrandida tem pertinência íntima com omérito da causa e, por conseguinte, nãotorna possível sua veiculação na formacomo articulada pela parte.

As questões postas a examedevem ser analisadas à luz dasalegações das partes e do exame dasprovas coligidas nos autos,possibilitando que o julgador possaformar sua convicção e exararpronunciamento a respeito. Verificando-seque a peça exordial apresenta-sedevidamente delineada, onde o autorexpôs sua causa de pedir e pedido,possibilitando o total exercício docontraditório e da ampla defesa (hajavista a extensão da defesa formulada),não há que se cogitar de inépcia dainicial. No que tange à alegação deinépcia pela ocorrência de pedidojuridicamente impossível, melhor sortenão assiste à demandada. Suasalegações cingem-se ao fato de que ostermos postos na inicial violam o livreexercício do trabalho e a liberdade dacontratação, pois inexiste “previsão

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relativa à proibição de terceirização”.Novamente, a ré suscita, em

sede preliminar, matéria ínsita aodeslinde meritório da causa, além de seolvidar de que a impossibilidade jurídicado pedido, aventada pelo inciso IV doartigo 267 do Digesto Processual Civildiz respeito à ausência de vedação, noordenamento jurídico, ao provimentojurisdicional postulado. Trata-se deexame preliminar e abstrato do pedido,que não se confunde com o exameconcreto e posterior sobre aprocedência ou não do pleito.

Além do que, tecnicamente,cuida-se de uma das condições da açãoe não de inépcia da inicial.

Saliente-se que o parágrafoúnico do artigo 295 do Código deProcesso Civil deve ser interpretado naesfera juslaboral em combinação comos §§ 1º e 2º do artigo 840 daConsolidação das Leis do Trabalho, quede substancial exigem apenas, comoconteúdo das reclamações escritas everbais, “uma breve exposição dos fatosde que resulte o dissídio” e “o pedido”,aspectos que, por certo, não sedistanciam da hipótese de veiculação deação civil pública, mormente quando setem notícia consentânea do fato alegadoilícito e o correto enquadramento naesfera legal.

Esclareço, ainda, que não sedeve confundir pedido inepto compedido improcedente. Isso porque oprimeiro viola norma processualatrelada à intelecção da pretensãodeduzida em juízo pelo autor, de formaque o réu não possa, querendo, contraela se insurgir. A segunda, pertinente àrazão, ou seja, à questão de ser ou nãolegítimo o direito que busca ser tutelado.

Por derradeiro, é de bom alvitreressaltar que não se visualiza ainexistência de pressupostos deconstituição e desenvolvimento válidos

do processo, notadamente porque aspartes envolvidas no processado sãolegítimas e o direito vindicado encontraamparo na ordem jurídica, sendo oprocesso instrumento válido e eficazpara a composição do litígio, que nãofoi objeto de composição amigável eespontânea na esfera extrajudicial.

Destarte, impõe-se rejeitar aprefacial em questão.

2.2 - Preliminar de coisajulgada

Alega a ré que a instauração dopresente feito faz brotar a hipótese decoisa julgada, tendo em vista a ação civilpública anteriormente ajuizada, onde sediscute a licitude da terceirização deserviços com enfoque amplo eabrangendo todos os prestadores deserviços (Processo n. 00813-2002-017-03-00-5).

Não há suporte para acolhimentoda preliminar suscitada pela ré, uma vezque, cotejando os termos da r.decisãoproferida nos autos do processosupracitado, infere-se claramente que oobjeto da demanda é diverso, visto quenaqueles autos a pretensão visavafrustrar a contratação de “estagiários”provenientes de diversos cursos, taiscomo o de comunicação social,administração de empresas, ciênciascontábeis e letras, sem proporcionar adevida experiência na esfera daformação profissional de cada curso(vide decisão de f. 1831/1843), tendo adecisão acolhido, em parte, o pedidoformulado pelo Ministério Público doTrabalho.

A hipótese aventada nestesautos é bem outra, aliás, frise-se, chegaaté mesmo ser mais abrangente, namedida em que envolve não sótrabalhadores, mas empresasintermediando a mão-de-obra dos

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mesmos, cuja aferição da legalidade ounão se fará por ocasião do exame domérito da causa, tendo em vista que nãoé passível de deslinde em sede depreliminar, conforme recomenda a boatécnica processual.

Em face do exposto, rejeito aprefacial em questão.

2.3 - Preliminar de carência daação

2.3.1 - Ilegitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho

A prefacial de ilegitimidade ativaeriçada na defesa da ré não mereceacolhida, senão vejamos.

E o faço, tendo em vista que oinciso III do artigo 83 da LeiComplementar n. 75/93 estipula quecompete ao Ministério Público doTrabalho

promover a ação civil pública noâmbito da Justiça do Trabalho, paradefesa de interesses coletivos,quando desrespeitados os direitossociais constitucionalmentegarantidos. (grifos acrescidos)

Tal dispositivo legal não pode serinterpretado isoladamente, sem o cotejocom as demais disposições legais econstitucionais relativas à matéria.

Na esteira do que preconiza oinciso III do artigo 129 da Constituiçãoda República de 1988, dentre asfunções institucionais do MinistérioPúblico, encontra-se a de

promover o inquérito civil e a açãocivil pública, para a proteção dopatrimônio público e social, do meioambiente e de outros interessesdifusos e coletivos. (grifosacrescidos)

Não obstante a normaconstitucional não faça menção aosdireitos individuais homogêneos, é debom alvitre esclarecer que não se podeolvidar de que essa expressão (“direitosindividuais homogêneos”) surgiu nodireito pátrio após a ConstituiçãoFederal de 1988 e posteriorpromulgação e vigência da Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor -que, no seu artigo 81, definiu o que sãodireitos difusos, coletivos stricto sensue individuais homogêneos. Trata-se aquide aplicação dos preceitos dehermenêutica jurídica.

Além disso, segundo o dispostono inciso IX do artigo 129 daConstituição da República de 1988,compete ao Ministério Público “exerceroutras funções que lhe foremconferidas, desde que compatíveis comsua finalidade, [...]”. E, a teor do caputdo artigo 127 da Constituição daRepública de 1988,

o Ministério Público é instituiçãopermanente, essencial à funçãojur isdic ional do Estado,incumbindo-lhe a defesa da ordemjurídica, do regime democrático edos interesses sociais e individuaisindisponíveis. (grifos acrescidos)

Também é importante mencionarque a Lei da Ação Civil Pública (Lei n.7.347/85), no artigo 21, estabelece quese aplicam

à defesa dos direitos e interessesdifusos, coletivos e individuais, noque for cabível, os dispositivos doTítulo III da Lei n. 8.078, de 11 desetembro de 1990, que instituiu oCódigo de Defesa do Consumidor.

Nesse passo, não há comoafastar a conclusão de que se insere na

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função institucional do Ministério Públicoa defesa de direitos individuaishomogêneos de natureza indisponível.

Veja-se, a propósito, a doutrinade Luiz Guilherme Marinoni e SérgioCruz Arenhart, in Manual do processode conhecimento, 2ª edição, 2001, Ed.Revista dos Tribunais, p. 761:

[...] O Ministério Público também élegitimado para as ações atinentesa direitos individuais homogêneos,por expressa previsão do Código deDefesa do Consumidor (artigo 82, I)e autorização de sua lei específica(no âmbito federal, artigo 6º, XII, daLei Complementar 75/93). Poderiaalguém supor como inconstitucionaisessas previsões de lei, portransbordarem os limites fixados nanorma constitucional antes apontada(artigo 129, III, da CF). Não se deveolvidar, todavia, que a própriaConstituição Federal permite aampliação, por lei, da competênciado Ministério Público, ao estabelecer,em seu artigo 129, IX, que tambémé atribuição desse órgão “exerceroutras funções que lhe foremconferidas, desde que compatíveiscom sua finalidade, sendo-lhevedada a representação judicial e aconsultoria jurídica de entidadespúblicas”. Ora, indubitavelmente, adefesa de interesses individuaishomogêneos, porque dizem com aproteção da ordem jurídica (artigo127 da CF), é atribuição harmônicacom a finalidade do MinistérioPúblico. Não há, portanto, razão paranegar-se a este órgão a legitimidadepara a propositura de ações coletivaspara a tutela de interessesindividuais homogêneos. A únicaressalva que merece ser feita aludeà relevância social do interesseindividual homogêneo a ser

defendido pelo Ministério Público. Defato, para que se justif ique aintervenção do Ministério Público nadefesa de interesses individuais(ainda que homogêneos), énecessário que estes secaracterizem como interessessociais ou individuais indisponíveis(artigo 127 da CF). Não é, assim,qualquer direito individual (ainda quepertencente a várias pessoas) queadmite a tutela por via de açãocoletiva proposta pelo MinistérioPúblico, mas apenas aquelescaracterizados por sua relevânciasocial ou por seu caráterindisponível.

Nesse mesmo sentido, assimdispõe a Súmula n. 07 do ConselhoSuperior do Ministério Público de SãoPaulo:

O Ministério Público está legitimadoà defesa de interesses ou direitosindividuais homogêneos que tenhamexpressão para a coletividade, taiscomo: a) os que digam respeito adireitos ou garantias constitucionais,bem como aqueles cujo bem jurídicoa ser protegido seja relevante para asociedade (v.g., dignidade da pessoahumana, saúde e segurança daspessoas, acesso das crianças eadolescentes à educação); b) noscasos de grande dispersão doslesados (v.g., dano de massa); c)quando a sua defesa pelo MinistérioPúblico convenha à coletividade, porassegurar a implementação efetivae o pleno funcionamento da ordemjurídica, nas suas perspectivaseconômica, social e tributária.

Por arremate, convém colacionara esta decisão o aresto seguinte, quecuida do tema em foco, in verbis:

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EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA -“DIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS” - LEGITIMIDADEATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. Insere-se na funçãojurisdicional do Ministério Público adefesa de direitos individuaishomogêneos de natureza indisponível,conforme interpretação do artigo 129,IX, da Constituição da República de1988; do artigo 82, I, da Lei 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor); doartigo 21 da Lei 7.347/85 (Lei da AçãoCivil Pública) e do artigo 6º, VII, “d”, doCapítulo I da Lei Complementar 75/93.Assim, considerando-se que oMinistério Público é uma instituição unae indivisível, como exposto no artigo127, § 1º, da Constituição da Repúblicade 1988, quando o artigo 83, III, da LeiComplementar 75/93, dispõe quecompete ao MPT “promover a açãocivil pública no âmbito da Justiça doTrabalho, para defesa de interessescoletivos, quando desrespeitados osdireitos sociais constitucionalmentegarantidos”, está se referindo aosdireitos coletivos em sentido amplo,que abrangem os direitos ouinteresses difusos, coletivos strictosensu e individuais homogêneos.Quanto a estes, cumpre assinalar, noentanto, que devem ser aqueles quedigam respeito a direitos ou garantiasconstitucionais, bem como aquelescujo bem jurídico a ser protegido sejarelevante para a sociedade, ou noscasos de grande dispersão doslesados, e, ainda, quando a sua defesapelo Ministério Público convenha àcoletividade, por assegurar aimplementação efetiva e o plenofuncionamento da ordem jurídica.(00415-2006-134-03-00-6 RO, JuízaRelatora Denise Alves Horta, OitavaTurma, DJ/MG 07.10.2006, p. 27 -grifos e destaques acrescidos)

Nesse diapasão, inconteste alegitimidade do Ministério Público doTrabalho para o empreendimento dosmisteres envolvidos na presentedemanda.

2.3.2 - Litisconsórcio necessário

Ponderou a ré ser a hipótese dosautos de formação de litisconsórcionecessário, uma vez que as empresascitadas no libelo pelo Ministério Públicodo Trabalho (SELPE - Seleção PessoalS/C Ltda., Líder Terceirização Ltda. eA&C Soluções Ltda.) têm interessedireto no desfecho da presentedemanda, notadamente considerandoque a mão-de-obra, cuja legitimidade decontratação constitui a essência dapresente demanda, tem pertinênciadireta com o objeto da presentecontrovérsia e, como não foramincluídas no pólo passivo para participardo feito, subsiste nítida possibilidade deprejuízo futuro.

Sem razão que acoberte suainsurgência.

Isso porque a jurisprudência jáassentou seu entendimento no sentidode que, in verbis:

Em face das peculiaridades dosinteresses tutelados na ação civilpública, não se aplica com relação aela, pura e simplesmente, o princípiodos limites da coisa julgada, pois,contrariamente ao Processo Civiltradicional, onde a coisa julgada selimita às partes do processo, na açãocivil pública a sentença, quando estanão for julgada improcedente porinsuficiência de prova, fará coisajulgada erga omnes, ou seja, tanto aação julgada procedente como aimprocedente adquirem autoridadede coisa julgada perante todos osmembros da coletividade. Ademais,

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considerando-se que na ação civilpública se busca a proteção dedireitos difusos, transindividuais, denatureza indivisível, cujos titularessão pessoas indeterminadas, não hácomo aplicar as normas processuaisdestinadas à citação em demandasde natureza individual, sob pena denão se viabil izarem as açõescoletivas. Desse modo, não há quecogitar da obrigatoriedade de citaçãodos eventualmente atingidos pelosefeitos da decisão prolatada naaludida ação coletiva, porque alegitimação para figurar no pólopassivo da ação civil pública édaquele ou daqueles que praticaremo ato causador do dano.(TST - ROAR 42447 - SBDI 2 - Rel.Min. Emmanoel Pereira DJU10.12.2004)

Não bastasse isso, tem-se que,quando, e se for o caso, sobreviereventual dispensa de cada umadaquelas citadas na hipótese aventadana inicial, será a elas facultadoabstratamente o direito de manejar asações assecuratórias dos eventuaisdireitos subjetivos que entenderempossuir, não havendo usurpação dodireito de acesso ao Poder Judiciário,ocasião que terão eventuais direitostutelados pela ordem jurídicainstrumental, mediante o intento demecanismo próprio.

Destarte, rejeito a prefacial emquestão.

2.4 - Requerimento desuspensão do processo

A matéria referente à pretensãoda ré, no sentido de que seja suspensoo andamento do presente feito, tendoem vista que sobre o auto de infraçãomencionado na inicial houve insurgência

na esfera administrativa, sendo que, aoseu sentir, poderiam surgir decisõesconflitantes, aspecto que ensejariadesequilíbrio e descrédito das partes,restou sobejamente dirimida, consoantese infere dos termos da decisão exaradaàs f. 2988/2989, a cujos fundamentosme reporto, reservando-me ao direito denão transcrevê-las nesta decisão, sobpena de incorrer em redundância.

Nada a prover, no particular.

2.5 - Requerimento dedesmembramento do processo

A demandada requer odesmembramento do presente feito emprocessos distintos, direcionando-se osobjetivos da lide a cada empresaenvolvida nos contratos de prestação deserviços, distintamente, com fulcro denão se comprometer a celeridade e oexercício do contraditório e ampladefesa. A questão aqui tratada nãomerece guarida, notadamenteconsiderando os fundamentos expostosacima, nos tópicos atinentes àpreliminar direcionada ao pedidoformulado pela ré de formação delitisconsórcio necessário. Não havendonecessidade de incluir as empresascitadas pela ilustre representante doparquet no pólo passivo da presenterelação processual, tem-se que esseaspecto, isoladamente considerado,inviabiliza o atendimento ao pedido dedesmembramento do feito. Trata-se,aqui, de aplicação dos preceitossegundo os quais, “o acessório seguea mesma sorte do principal”.

Rejeito o pedido em questão porabsoluta impropriedade.

2.6 - Protestos

Passo à análise dos variadosprotestos consignados nestes autos. O

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primeiro deles foi registrado às f. 2716/2718, manifestado pela ré, visavafrustrar os termos do despacho de f.2693, na parte que declarou preclusa aoportunidade de produção de provatestemunhal perante o MM. Juízo dacidade de São Paulo.

Infere-se dos autos absolutaperda de objeto da insurgência da ré,uma vez que, na assentada do dia 04de dezembro de 2007, houverequerimento no sentido de que atestemunha Cínthia de Oliveira Lima,que seria ouvida perante aquele juízo,fosse substituída por testemunha a serouvida neste juízo, tendo o pedido sidoprontamente deferido, sob condição deque a ré informasse, em cinco dias, onome e endereço da testemunha.

Destarte, não se vislumbrouprejuízo, razão pela qual o protestoperde seu efeito jurídico.

Da mesma forma, osfundamentos ac ima expostosprestam-se para elidir o protestolançado na petição de f. 2729/2730, umavez que a pretensão é a mesma, qualseja, a insistência quanto à oitiva datestemunha citada. A ilustrerepresentante do Ministério Público doTrabalho requereu deste juízo aconsignação de seu protesto no tocanteao deferimento de produção de provatestemunhal pela assistente (A&CCentro de Contatos S/A), o que ficouregistrado na ata de f. 2970.

Prima facie, é de bom alvitreesclarecer que a referida empresaingressou nos autos na condição deassistente, com supedâneo nopermissivo constante do caput do artigo50 do Código de Processo Civil.

O artigo 52 do mesmo diplomalegal preconiza o seguinte, verbis:

O assistente atuará como auxiliar daparte principal, exercerá os mesmos

poderes e sujeitar-se-á aos mesmosônus processuais que o assistido.

A hipótese de sujeição doassistente aos mesmos ônus quepesarem sobre os ombros do assistidoatrai sobremaneira o direito aocontraditório e à ampla defesa, o quecertamente abarca a possibilidade deprodução de prova oral, sendo essa amelhor exegese que se extrai dodispositivo legal acima transcrito. Ora,se suporta os encargos, com muito maisrazão poderá se valer dos mecanismoslegais para tutela de seu direito. Eis aaplicação do brocardo segundo o qual“quem suporta o ônus deve usufruir dosbônus”.

Por derradeiro, registre-se que,considerando-se que o assistenteingressa no processo no estado queestiver e, ainda, que no caso dos autosa produção da prova testemunhal aindaera perfeitamente possível, nada obstaque o mesmo, naquele momento,pudesse se valer dessa faculdade.

Mais um protesto foi registradona petição de f. 3003/3005, dessa vezpelo autor da demanda, que consignouseu inconformismo com os constantesadiamentos das audiênciasanteriormente designadas, bem comoquanto às amplas possibilidades deprodução de prova oral por parte da rée da assistente.

As questões trazidas na referidapeça processual foram superadas, namedida em que a instrução oral dopresente feito transcorreutranqüilamente, sem entraves quanto aoque se alegou, razão pela qual nada adeferir, no particular.

Na audiência realizada no dia 04de abril de 2008, consignou-se oprotesto da ré e da assistente, tendo emvista a recusa da i. representante doMinistério Público do Trabalho em dar

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prosseguimento ao depoimento pessoalque vinha prestando. Restou, ainda,consignado o acatamento damanifestação da i. Procuradora doTrabalho, razão pela qual se deu porencerrada a formulação de perguntasem relação à parte autora da presentedemanda.

Não obstante o estado deexaltação que contagiou os procuradorestanto da ré quanto da assistente naquelemomento, em face da concordânciadeste juízo com o encerramento dodepoimento citado, num primeiro prisma,insta ressaltar que tal se deu em facede não ter a i. representante do parquetse dirigido ao estabelecimento da ré,conforme por ela mencionado.

Todavia, pontue-se que esseaspecto, isoladamente considerado, emnada alteraria o desfecho dacontrovérsia posta em juízo, pois, aocontrário do que bradavam os ilustresadvogados da reclamada e da parteassistente, as disposições contidas noartigo 81 do Código de Processo Civilnão devem ser interpretadasliteralmente, como tentavam fazer crerreferidos procuradores.

Deve ser ressaltado, poroportuno, que, somente emhomenagem ao bom andamento dainstrução processual, esta magistradapermitiu que a ré e a parte formulassemperguntas ao autor da ação, exatamentepara tentar diminuir o estado deexaltação do mencionado, apesar de terplena consciência que uma breveanálise a respeito da legislação e melhordoutrina sobre a atuação dosintegrantes do parquet ajudaria a partedemandada e seu assistente à melhorcompreensão acerca da possibilidadede depoimento pessoal prestado peloMinistério Público.

Adicione-se a isso o fato de queo depoimento pessoal tem por objetivo

obter a confissão da parte contrária,hipótese inviável em se tratando doMinistério Público do Trabalho, situaçãoque elide qualquer possibilidade deinsatisfação da ré e assistente,notadamente considerando que oparquet é parte especial na demanda esua atuação está pautada na defesa dosinteresses de toda a sociedade, comopreleciona a própria Constituição daRepública de 1988.

Destarte, merece ser rechaçadoo protesto lançado pelos i. procuradoresda ré e da assistente.

Ainda em audiência, a ré e aassistente apresentaram contradita àtestemunha Margarida Barreto deAlmeida Campos, suscitando que amesma tem interesse direto no deslindeda controvérsia instalada nestes autos,visto que foi a mesma quem procedeuà lavratura do auto de infração queoriginou o inquérito civil público e, porconseguinte, a presente ação civilpública. A contradita foi indeferida e osprotestos foram lançados em ata.

Restou consignado na ata oentendimento deste Juízo nos termosseguintes, verbis:

Contradita indeferida uma vez que osfiscais do trabalho pautam seuprocedimento e atuação profissionalcom base em conduta ilibada e deboa-fé, não sendo crível a este Juízoque o simples fato de receber achancela judicial de uma fiscalizaçãoanteriormente realizada poderiamacular o depoimento de umrepresentante do Ministério doTrabalho, com suposta alegação desuspeição. Ademais, referidatestemunha goza de fé pública. (f.3008)

Adicione-se a isso que oprocesso constitui mecanismo tendente

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a viabilizar a composição dos conflitosde interesses caracterizados porpretensões resistidas e insatisfeitas naesfera extrajudicial. Assim, busca-se aaferição da verdade real medianteacurado exame das alegações eriçadaspelas partes e das provas produzidas,seja por iniciativa das partes, seja pordeterminação do juiz.

Nesse contexto, a ilação a quese chega é a de que o depoimento datestemunha acima aludida revestiu-sede extrema utilidade para compreensãoda controvérsia posta a exame,notadamente considerando aproximidade da mesma com os fatosnarrados pelas partes e os aspectosfísicos que os envolveram.

Por fim, consignou-se o últimoprotesto por parte da ré, no tocante àcontradita acolhida em relação àtestemunha Ricardo Ferreira, quepassou a ser ouvido na condição deinformante.

A contradita operou-se pelo fatode que

na condição de gerente de execuçãoe nesta condição tem poder deadmitir, dispensar e aplicar puniçãoa um empregado da referidaempresa; explica ainda que, paraexercer tais condutas, se reporta àDiretoria da empresa.

Os fundamentos paraacolhimento da contradita seaperfeiçoaram nos seguintes termos,verbis:

Diante de tais declarações,considero que a testemunha exerceo cargo de gestão e, como tal, nãotem condições de prestardepoimento totalmente desvinculadodos interesses da reclamada. (f.3012)

A isenção de ânimo constituifator fundamental para que se considereo depoimento de determinadatestemunha, visto que opronunciamento judicial exarado nadecisão reflete o sentimento de justiçaque recaiu sobre o julgador no momentoda prolação da sentença.

As pessoas que comparecem ajuízo, movidas pelo chamamento judicialimpulsionado pelas partes que asindicaram, devem demonstrar totalimparcialidade em se pronunciarperante o magistrado, com a nítidaintenção de dizer somente a verdade.Não é ocioso mencionar que astestemunhas prestam seusdepoimentos mediante juramento dedizer somente a verdade.

Empregado que presta serviçosna empresa, dispondo de poderes quenormalmente são conferidos aoempregador, tais como efetivaradmissões e dispensas, bem comoaplicar punições aos seussubordinados, constituem verdadeirolonga manus do empregador, naexpressão cunhada pelo saudoso DélioMaranhão, o que lhe retira por completoa isenção de ânimo, o que tornatemerária a sua oitiva na condição detestemunha, podendo o juiz, ao seualvedrio, ouvi-la como informante, cujasdeclarações pesarão ou não nojulgamento, valendo-se o julgador doconluio com as demais provasproduzidas nos autos.

Por fim, não há razões para oinconformismo lançado na ata deaudiência no tocante ao protesto peloindeferimento do pedido do assistente,no sentido de que fossem ouvidas maistrês testemunhas para perquirir arespeito das condições fáticas nas quaiso trabalho era prestado pela empresaA&C em favor da reclamada e, ainda,de produção de prova a respeito de

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subordinação e pessoalidade havida emreferida prestação de serviço, comrelação à ré, assim como rediscutireventual declaração quanto à naturezado serviço ser atividade-meio ouatividade-fim.

Impertinente o protesto, uma vezque a prova produzida nos autos notocante a esses fatos já havia sidoproduzida, razão pela qual restouindeferida a oitiva de tais testemunhas.

Ressalte-se que restouesclarecido ao i.patrono que a valoraçãoda qualidade do depoimento dastestemunhas é tarefa adstrita aojulgador e quantidade de testemunhasnão tem pertinência com a qualidade noconteúdo e no volume das informaçõesprestadas.

Ressalte-se, ainda, que osartigos 130 do Código de Processo Civile 765 da Consolidação das Leis doTrabalho permitem ao magistrado queconduza a audiência de modo a evitaratos que entenda desnecessários einúteis ao deslinde da causa.

Assim, entendendo que aprodução da prova não trará efeitoprático no desfecho da controvérsia,deve mesmo o julgador indeferi-la.

2.7 - Terceirização -Contratação por empresa interposta

Cuidam os presentes autos deação civil pública movida pelo MinistérioPúblico do Trabalho, visando obter aregularização na contratação deempregados que se encontravamprestando serviços em benefício da ré(TIM NORDESTE S/A), medianteintermediação de mão-de-obra porempresas interpostas.

Para tanto, o autor se ancora noargumento de que promoveu inquéritocivil público em face da ré, tendo emvista a informação obtida mediante

ofício expedido pelo MM. Juízo da 40ªVara do Trabalho de Belo Horizonte/MG,dando notícia de que trabalhadoresestariam prestando serviços porintermédio de empresas interpostas eemprestando sua força de trabalho nasatividades-fim da ré.

Referida conduta traduz-se emirregularidade, mormente considerandoque esse fato foi objeto de acuradafiscalização por parte do Ministério doTrabalho e Emprego, donde se aferiu,de fato, a presença de empregados dasempresas prestadoras de serviçoscitadas no libelo (SELPE - Seleção dePessoal S/C Ltda., já citada, LíderTerceirização Ltda. e A&C SoluçõesLtda.) atrelados às atividades-fim datomadora.

A ré (TIM NORDESTE S/A)resiste ao pleito constante da inicial,sustentando que há possibilidade deterceirização, mediante contratação porempresa interposta, haja vista opermissivo presente na legislaçãopátria, o que constitui óbiceintransponível para aplicação dequalquer sanção, devendo serconsiderado que os contratos firmadoscom as prestadoras de serviços contamcom a chancela da ordem jurídica, emespecial da Lei n. 9.472/97,especificamente no seu artigo 60, §§ 1ºe 2º, que regulamenta a organizaçãodos serviços de telecomunicações e noRegulamento - SMP, exarado pelaANATEL.

Além do que essa delegação seprocessa mediante concorrência, sendocerto que a ré logrou êxito ofertando amelhor proposta, celebrando contrato edando início à prestação dos serviços,aspectos ignorados pelo autor; quemerece relevância o fato de que, emdeterminados casos, a legislaçãobrasileira equipara a permissão àconcessão dos serviços, conforme os

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termos do parágrafo único do artigo 40da Lei n. 8.987/95.

Com fincas nas disposiçõeslegais mencionadas na peçadefensiva, a ré defende sua tese deque as at iv idades empreendidaspelas empresas prestadoras dosserviços estão amparadas pela ordemjurídica, não havendo supedâneopara maculá-las de fraudulentas.

Essa é a síntese do conflitoconfigurado nos presentes autos.Inicialmente, insta ressaltar, porrelevante, que, via de regra, atransferência, para terceiros, de serviçosque normalmente seriam executadospelos empregados da própria empresa,ou seja, dos serviços queordinariamente seriam feitos porobreiros da própria contratante, só éadmissível nos casos de atividades tidascomo complementares à sua finalidade(as denominadas atividades-meio),aquelas que geralmente nãocomprometem ou colocam em risco oempreendimento, não sendo crível essatransferência em relação às atividadesfundamentais do empreendimento(atividades-fim).

A modalidade de contrataçãoentabulada entre a ré e as empresassuscitadas no libelo, por si só, limita osserviços a serem empreendidos.Exemplo disso pode ser extraído docontrato firmado entre a ré e a empresaLíder Terceirização Ltda. (f. 2374), cujoobjeto da avença estava direcionado à

[...] prestação, pela CONTRATADAà CONTRATANTE, no Estado deMinas Gerais, de serviços deatendimento ao público emquiosques instalados nos PDV -Pontos de Vendas Credenciados, aserem indicados pelaCONTRATANTE. (Cláusula Primeira,item 1.1)

Dispõe, ainda, o referido contratoque

Para fins deste contrato, o serviçoespecializado de atendimento aopúblico compreende: argumentaçãode vendas, exposição edemonstração de produtos daCONTRATANTE, comercializadospelos PDV Credenciados. (Item1.1.1)

A pactuação havida com aempresa SELPE - Seleção de PessoalS/C Ltda., segundo os termos docontrato, deu-se para fins de prestaçãode serviços de mão-de-obra temporária,com o fito de atender “acúmulotransitório/extraordinário de serviços”(vide Cláusulas 1 - f. 115 e Sexta - f.120).

No tocante ao contrato firmadocom a empresa A&C Soluções Ltda., oobjeto seria

[...] a prestação de serviços deatendimento e vendas, prestadospela CONTRATADA, através dadisponibilização de Posições deatendimento (“PA”) nas quantidadesindicadas a seguir, doravantedenominado simplesmente Serviços.(Cláusula primeira, item 1.1 - f. 2051)

Segundo relato constante doRelatório de Fiscalização (Anexo ao AI013061755), exarado pelos i. AuditoresFiscais do Trabalho Margarida BarretoA. Campos e Geraldo Sérgio CarneiroSantos (f. 1171/1181),

A fiscalização realizada na Maxitelconstatou a utilização, despida decritério legal, da terceirização demão-de-obra necessária à execuçãodas atividades conectadas àdinâmica da empresa.

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E prossegue, aduzindo oseguinte:

Os contratos celebradosentre a Maxitel e as diversasempresas de prestação de serviçosmencionadas estão eivados deilegalidade, eis que, travestidos daforma de contratos de “prestação deserviços”, representam, na realidade,autênticos contratos de“intermediação de mão-de-obra”,instituto repudiado pelo DireitoObreiro, à exceção do trabalhotemporário (Lei n. 6.019/74). Essascontratações foram detectadas nassituações abaixo mencionadas:

1 - Líder Terceirização Ltda.

A convicção sobre a ilicitudeda terceirização perpetrada porintermédio da Líder TerceirizaçãoLtda. foi extraída de entrevistas comos prepostos da empresa contratadae com os empregados terceirizadose, ainda, da análise do contrato deprestação de serviços celebrado.

Percebe-se, sem muitoesforço, uma clara inversão na lógicada terceirização. A rigor, naterceirização lícita, o serviço deve sertransferido a uma empresaespecializada para que ela o executede forma mais dinâmica e eficiente,buscando uma maior eficácia. Ora,aqui ocorre exatamente o inverso:não há transferência do serviço, massimplesmente do ônus dacontratação; e, muito menos, é aempresa contratada especializada, jáque provém da Maxitel todaespecificação técnica e operacionaldo trabalho a ser executado,ministrando, inclusive, treinamentoinicial para os trabalhadores dacontratada. (f. 1173)

Seguindo na leitura do Relatóriode Fiscalização, infere-se o seguinte,verbis:

2 - A&C Soluções Ltda.

A Maxitel transferiu para aA&C Soluções Ltda. boa parte deseus serviços de atendimentotelefônico a clientes (telemarketingativo e receptivo). Todavia, paraexecução de atividades destamesma natureza, referente aosclientes “pós-pagos”, cujas faturasde serviços mensais são superioresa R$80,00 (oitenta reais), mantémserviço próprio de atendimento (CallCenter).

Os serviços de atendimentopor telemarketing receptivo e ativoconsistem, o primeiro, noatendimento das ligações originadasdos clientes da Maxitel(reclamações, solicitações deserviços, informações, migrações declientes para o sistema GSM, ofertasaos clientes que já optaram pelosistema GSM etc.) e noencaminhamento das demandasrecebidas aos setores competentes,quando for o caso; o segundo, naoferta de produtos da Maxitel, viatelefone.

Em verificação físicaefetivada nas centrais deatendimento telefônico (localizadasna sede da Maxitel e nos CallsCenters localizados na RuaInconfidentes, n. 1.051 e na Av. RajaGabaglia, n. 1.781, 9º andar), eanalisando-se a documentaçãoapresentada, constatou-se aexistência de vínculo empregatíciodiretamente com a tomadora dosserviços (Maxitel), estando presenteos requisitos de onerosidade,pessoalidade, subordinação e não-

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eventualidade previstos no TextoConsolidado. Foram encontrados1.485 (um mil quatrocentos e oitentae cinco) empregados prestandoserviços à Maxitel, nessa condição.

Verificou-se que a Maxitelexerce controle, gerenciamento esupervisão direta de todo o processode telemarketing receptivo e ativo,atuando a empresa A&C SoluçõesLtda. como mera intermediadora demão-de-obra, haja vista o objetocontratual, constante da cláusulaprimeira, alínea b, do contrato deprestação de serviços celebrado. (f.1175)

Por fim, consta do citado relatórioque:

O contrato celebrado com aSELPE indica em sua cláusulaprimeira que o objeto da contrataçãoé o fornecimento de mão-de-obra deacordo com a necessidade dacontratante. Não se trata de trabalhotemporário e não há especificaçãodo serviço a ser executado, o que,por si só, já desnatura a terceirizaçãonos moldes preconizados peloEnunciado TST 331.

[...] Os empregadoscontratados pela SELPE exercematividades de suporte na Maxitel,vinculadas à sua dinâmicaempresarial, como auxil iaradministrativo, assistente de vendase compras, atendente e analista,estando presentes na relaçãojurídica os pressupostos dasubordinação (direta e indireta) e dapessoalidade em relação à tomadorados serviços. (f. 1178 - item 4)

Adicione-se a isso trecho da r.sentença proferida pelo i. Juiz doTrabalho Dr. Bruno Alves Rodrigues, nos

autos do Processo n. 00017-2005-140-03-00-0, em trâmite perante a 40ª Varado Trabalho de Belo Horizonte/MG, ondefiguram, como reclamante, AndréiaAtadeu da Silva e, como reclamadas,SELPE - Seleção de Pessoal Ltda. eMaxitel S/A - TIM, e que deu ensejo àdenúncia por parte daquele Juízo aoMinistério Público do Trabalho e, porconseguinte, a instauração de inquéritocivil público, desaguando na presentedemanda, cujos termos são osseguintes, verbis:

[...]É evidente, assim, que o que

há entre a primeira e a segundareclamadas não é um contrato deprestação de serviços, mas, sim, decessão de mão-de-obra, sendo otrabalho humano tratado comosimples mercadoria. Tal forma deterceirização deve ser rechaçada,uma vez que representa afronta aoart. 1º, inciso IV da ConstituiçãoFederal, o qual estabelece comofundamento da República Federativado Brasil o valor social do trabalho.(f. 63)

Não bastasse o acima visto,remetendo a solução do conflito aostermos constantes da prova produzidana instrução oral do presente feito,infere-se dos depoimentos do prepostoda ré e das testemunhas ouvidas porindicação das partes que os objetivosconstantes dos contratos de prestaçãode serviços firmados entre a ré e asempresas citadas no libelo, de fato, nãoforam objeto de cumprimento,evidenciando assim que, na verdade,visou-se a inserção de trabalhadores noempreendimento da atividade-fim, semque houvesse qualquer previsão, sejaela legal ou contratual. Os finsdestinavam-se à obtenção de redução

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ilícita de custos operacionais com acontratação de mão-de-obra.

Vejamos, pois, alguns trechosdas declarações prestadas, verbis:

1. depoimento do preposto da ré- f. 3007/3008.

[...] explica que a ré contratouempresa especializada ematendimento e hoje a A&C Soluçõespresta todo o serviço de call centerpara a reclamada; [...] ratifica quetanto o serviço pré-pago quantopós-pago são atendidos pelaempresa terceirizada; conhece o Sr.Carlos Alberto Augusto de Almeidae informa que o mesmo já trabalhouna reclamada, como coordenador deadministração de pessoal; não podeprecisar o mês exato da alteração doatendimento no call center, passandotodo o trabalho para a empresaterceirizada, mas ratifica que o fatose deu no primeiro semestre de2006.

2. depoimento da testemunhaMargarida Barreto de Almeida Campos- f. 3008.

[...] em trabalho de fiscalizaçãorealizado antes do noticiado nestesautos, verificou-se a existência deterceirização em atividade-fim, maso trabalho não tinha sido finalizado;por conta disso, foi repassada àdepoente e a seu colega GeraldoSérgio uma ordem de serviço parareiniciar a fiscalização na reclamada;também houve denúncia por parte doSINTTEL, que motivou reinício dostrabalhos; durante a fiscalização,uma média de 50 empregados,considerando os contratadosdiretamente pela ré e osterceirizados foram entrevistados

pela depoente e seu colega detrabalho, todos prestando serviço noprédio da ré, e, na ocasião, verificou-seque o local de trabalho e ascondições físicas eram as mesmas;informa ainda que muitos sereportavam à mesma chefia, em quepese, com relação aos terceirizados,por vezes, existir um intermediário,que poderia ser também terceirizadoou contratado diretamente pela ré;[...] com relação à subordinaçãodireta e pessoalidade para prestar oserviço, as entrevistas foramesclarecedoras e seu conteúdo nãofoi reduzido a termo por conta denormas internas de fiscalização eorientação da própria OIT; [...] explicaque a empresa SELPE - Seleção dePessoal inicialmente trabalhou comfornecimento de trabalhadortemporário e, após aumentar suasatividades, também passou afornecer mão-de-obra terceirizada; ecom relação à reclamada, houvefornecimento de trabalhadoresterceirizados, apesar de atuarem naatividade-fim da ré; a empresa LíderTerceirização fornecia trabalhadoresque atuavam em pontos de venda dareclamada, após realizaremtreinamento fornecido pela TIM,conforme acredita que ocorreu,informando a depoente que não podeprecisar exatamente tais nomes dasempresas, porque talvez estejafazendo alguma confusão, uma vezque a fiscalização já se deu há algumtempo, mas ratifica que todas asinformações ora prestadas estãodescritas detalhadamente norelatório de fiscalização e no auto deinfração; [...] a empresa A&CSoluções atuava no ramo detelemarketing, receptivo e ativo, nopré e pós-venda, fornecendotrabalhadores para realizar tais

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funções; [...] à época da fiscalizaçãoinforma que esteve no 11º andar doprédio objeto de fiscalização, ondesó existiam trabalhadores da A&Ctrabalhando; na entrada do andarhavia identif icação de referidaempresa; não sabe dizer a quempertencia referido, ou seja, se omesmo era alugado ou depropriedade de qual empresa, emque pese a fachada do prédio ter onome da reclamada.

3. depoimento da testemunhaTeodolina de Oliveira Peixoto Paulino -f. 3009.

[...] trabalhou na empresa A&C de21.11.2004 a 01.06.2005, exercendoa função de atendente pleno; explicaque recebia ordens da Srª Joice,supervisora de cobrança da TIM, quecoordenava uma equipe de 12empregados da A&C; [...] informaque ao ser contratada lhe foi dito quea reclamada estaria realizando umacobrança específica com cliente comcontas atrasadas e sua contrataçãoseria de modo temporário, na épocado Natal, para atuar em referidacobrança, em favor da reclamada,em que pese ter sido entrevistada econtratada por pessoal da A&C;durante todo o período do contratorealizou referidas tarefas decobrança; [...] caso houvessepunição, quem aplicaria seria“pessoal da TIM”; participou detreinamento patrocinado pelareclamada antes de desempenharsozinha suas funções, explicandoque permaneceu durante um tempocomo “carrapato”, do que a TIMchamava os atendentes emtreinamento que permaneciam aolado de um empregado maisexperiente ouvindo o atendimento via

telefone realizado por este, paraaprender as tarefas; diz, ainda, quereferido profissional mais experienteera empregado da reclamada; nãorecebia o mesmo salário que osatendentes da TIM, uma vez quepercebia salário mínimo e eles não,assim como o plano de saúde eradiverso e não recebia ticket-refeição;era possível realizar, também, outrastarefas, além das de cobrança, taiscomo ativar algumas promoções, odébito automático da conta e efetuarcancelamento de linha.

4. depoimento da testemunhaGislaine Mendonça - f. 3009/3010.

[...] trabalha na A&C desde 2002,exercendo a função de coordenadorade operações, desde fev./2007; foicontratada como atendente detelemarketing, atendendo clientes daTIM, exclusivamente; até aaprovação do processo de seleçãonão sabia para qual empresa iriaprestar serviço, tendo tido ciência dofato após a aprovação; [...] recebeutreinamento patrocinado pela TIM, aoser contratada, e, quando mudou defunção, o treinamento foi fornecidopela própria A&C; [...] é possível atransferência de empregadoscontratados pela A&C do contratofirmado para a TIM para contrato comoutras empresas, como as já citadas;[...]é possível que ocorra pedido daTIM de troca do atendente paraaquela operação, por conta de máqualidade na prestação de serviço.

Com relação à referidatestemunha, Srª Gislaine Mendonça,faço breve digressão, uma que o autorda presente requereu a juntada da atade audiência da RT 02375-2006-014-03-00-9, presente às f. 3020/3021, de

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modo a comprovar o crime de falsotestemunho, já que citada testemunhalá também prestou depoimento e, deacordo com o parquet, conflitante comas informações prestadas perante estamagistrada.

Cotejando-se o conteúdo dosdois depoimentos, não vislumbrocontradições ou qualquer tentativa deinduzir este juízo a erro, sendo que asdiferenças de informações se devem aofato de a instrução da ação individualmencionada estar direcionada parafatos mais específicos. Sendo assim,indefiro o requerimento de remessa deofício ao Ministério Público Federal paraapuração de suposto crime de falsotestemunho.

5. depoimento da testemunhaEduardo Brito Góes - f. 3011.

[...] trabalha na A&C desde julho/2004, promovido há 6 meses agerente de operações; suas funçõesbaseiam-se especificamente emrelacionamento com o cliente; foicontratado como supervisor dasoperações da TIM, posteriormentegalgou a função de coordenador deatendimento, também nas operaçõesda TIM, como já mencionado; [...] oatendente de cliente TIM podedesempenhar as seguintes tarefas:repassar informação sobrepromoções e ativá-las, se for o caso,abrir uma reclamação de um serviçoprestado pela TIM, como o de caixapostal, assim como solicitar ocancelamento de uma linhatelefônica; explica, com relação aocancelamento, que o pedido é feitona hora, por telefone, mas há oprocessamento interno da demanda,feito no sistema da A&C e, se nãohouver muita movimentação deinformações, a solicitação é enviada

on-line para a TIM e o cancelamentorealizado; [...] o sistema utilizado naA&C pelos atendentes que trabalhampara a TIM é da reclamada; [...]explica que, caso um cliente soliciteativar um produto TIM, será atendidopor empregado da A&C que fará oregistro imediato no sistemaoperacional e daí a poucos minutoso produto será ativado, informandoque há um sistema back-officedentro da TIM que ratifica a medidaoperacionalizada no sistema peloatendente da A&C; trabalhou noprédio da Raja Gabaglia no 11º andarpor 20 dias, substituindo colega deférias; que também existiamtrabalhadores da A&C, prestandoserviço para a TIM, situados na R.Inconfidentes; o 11º andar era todoocupado pela A&C, a TIM ocupavaoutros andares e outras empresasatuavam no local; [...] informa queexistem os seguintes setores naA&C: pré-pago, pós-pago,televendas (também corporativo),retenção, back-office de atendimento(e não de ativação de serviço),migração.

Apenas para que não sesuscitem discussões estéreis no futuro,é de bom alvitre esclarecer que odepoimento prestado pela testemunhaGabriel de Oliveira Ramos, perante a 11ªVara do Trabalho do Rio de Janeiro (f.2699), em nada desnatura o teor dosdepoimentos prestados perante estejuízo, notadamente considerando queestes se encontram eivados deelementos de convicção capazes deproporcionar regular e justo deslinde dacontrovérsia instalada nestes autos.

Outro aspecto que mereceabordagem é o de que o simples fatode ter havido intermediação daDelegacia Regional do Trabalho no

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processo de negociação entre oSINTTEL e a empresa A&C Soluções,porquanto os rumos da fiscalização eas diretrizes traçadas na averiguação daregularidade da presença dosempregados dessa empresa noempreendimento dos seus misteres noespaço físico da ré é que constitui oobjeto da presente demanda. Esseaspecto da demanda é distinto donarrado pelo i. patrono da ré no item3.2.1.1 e não merece ser confundido.

O acórdão colacionado aosautos às f. 2981/2984 não serve desupedâneo para guarnecer a tesesuscitada pela assistente, no sentido deque a terceirização perpetrada entre aré e a empresa A&C Soluções serevestiu de legalidade.

O cerne da questão reveste-sedo alcance a ser empreendido segundoas disposições do inciso II do artigo 94da Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997.

Assim dispõe referida Lei naparte que mais interessa a estes autos,verbis:

Art. 94. No cumprimento de seusdeveres, a concessionária poderá,observadas as condições e limitesestabelecidos pela Agência:[...]II - contratar com terceiros odesenvolvimento de atividadesinerentes, acessórias oucomplementares ao serviço, bemcomo a implementação de projetosassociados. (grifos acrescidos)

Na esteira do que preconiza oparágrafo único do artigo 1º da referidaLei, atividade-fim das empresas queinterligadas ao ramo de atividade da rédeve ser entendida como aquelas que

inclui, entre outros aspectos, odisciplinamento e a fiscalização da

execução, comercialização e uso dosserviços e da implantação efuncionamento de redes detelecomunicações, bem como dautilização dos recursos de órbita eespectro de radiofreqüências.

No caso da r. decisãocolacionada aos autos pela assistente,tem-se que as expressões “inerentes,acessórias ou complementares aoserviço” traçadas pela Lei não sãopertinentes ao caso dos autos, visto querestou sobejamente demonstrado queas atividades dos empregados atreladosàs empresas terceirizadas volviam-seclaramente para a essência de vida daré, ou seja, “comercialização e uso dosserviços e da implantação efuncionamento de redes detelecomunicações”, esta, sim,verdadeira atividade-fim.

Assim considerando, a ilação aque se chega é a de que a hipótesetratada no v. acórdão é bem outra, nãotendo a extensão das questõesdiscutidas neste feito.

Conforme já mencionadoalhures, é possível perceber comclareza solar que os objetivosperseguidos pela ré visavam claramentea obtenção de mão-de-obra mais barata,notadamente considerando que, doconjunto probatório emergente dosautos, especialmente do relatório deinfração, resulta claro que haviatrabalhadores contratados diretamentepela ré executando as mesmas tarefasque os empregados das empresasterceirizadas, com a única diferençaentre o fruto da contraprestação pelotrabalho prestado, fatos que repugnama ordem jurídica e que não merecem achancela do Poder Judiciário.

É de bom alvitre esclarecer que,do exame da vexata quaestio, a ilaçãoa que se chega é a de que a

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irregularidade na modalidade decontratação atrai sobremaneira oresultado danoso não só para aquelesque reverteram sua força de trabalho emprol da reclamada, com os efeitosmaléficos que seguramente incidirãosobre os ombros da sociedade,notadamente considerando que osórgãos previdenciários sobrevivem dosrecursos provenientes dos seguradosobrigatórios, sejam decorrentes doRegime Geral da Previdência, sejamaqueles oriundos da PrevidênciaEspecial (os servidores públicos,exempli gratia).

Pontue-se que já se passou domomento de se aplicar um basta nosatos praticados com fulcro de provocarprejuízos não só ao trabalhador, comoà coletividade.

As fraudes devem serveementemente denunciadas, a fim deque o prejuízo seja coibido. Não se podetolerar que se tenha por ordinário oaproveitamento de mão-de-obra deforma irregular, como forma dediminuição de custos. Deve-se darguarida e respeito aos preceitos dadignidade da pessoa humana. Ressalte-seque “os valores sociais do trabalho...”constituem fundamentos do EstadoDemocrático de Direito, consoanteexpressão contida nas disposições daLex Mater (artigo 1º, inciso III). Adicione-sea isso que a tese brandida pelasrequeridas não serve de supedâneopara macular os argumentos trazidospela ilustre Representante do MinistérioPúblico do Trabalho, até mesmo porquea vasta prova colacionada aos autosdenuncia de maneira cabal a fraude nacontratação de mão-de-obra.

Ressalte-se que a hipótese dosautos dá conta de que o fenômeno daterceirização, instituído como forma dese agilizar o processo produtivo doempreendimento empresarial, com a

delegação de certas atividadesautorizadas por lei, vem sendo utilizadopela ré na contramão dos interesses detoda a sociedade, banalizando ospreceitos consignados na ordemjurídica, o que não pode, nem deve serobjeto de tolerância. A manobra ardilosade que vem se valendo a ré frustra,ainda, os preceitos atinentes à isonomiade tratamento entre os trabalhadores,notadamente no pertinente àdistribuição dos salários.

Aliás, é bom que fique bem claroàs partes que a isonomia salarial éprincípio geral decorrente de preceitoconstitucional (inciso XXX do artigo 7ºda Constituição da República de 1988),referindo-se a uma política, a um critériopara a fixação da remuneração dosempregados que prestem serviçossubmetendo-se às mesmas condiçõese funções, merecendo tratamentoigualitário, aspectos totalmenteignorados pela ré.

Faz-se necessário colacionar osensinamentos doutrinários do professorPaulo Renato Fernandes da Silva, aocitar o não menos prestigiado FábioKonder Comparato, in Cooperativas detrabalho, terceirização de mão-de-obrae direito do trabalho, Rio de Janeiro:Lumem Júris, 2005:

A noção de terceirizaçãoapresentada parte da concepção deque o trabalho pode ser coisificadoe (sobre o assunto, Comparatomanifesta sua preocupação, ao dizerque “no campo econômico, opera-se,com isto, uma completa inversãoontológica: enquanto o capital épersonificado e elevado à posição desujeito de direito, o homem éreificado como simples mercadoriaou instrumento produtivo a serviçodo capital”) locado, o que podecomprometer as conquistas

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históricas da cidadania social noBrasil. O princípio da dignificação dotrabalho pode restar ferido de mortecom a idéia de terceirização abusiva,em larga escala e sem nenhum tipode regulamentação, tanto ematividade-meio quanto em atividade-fim.A própria noção de empresa passaa ser alvejada porquanto o seuelemento trabalho, como fator daprodução (a ser organizado peloempresário no estabelecimento)passa a ser dispensável para oenquadramento jurídico dasociedade como empresária.

Por entender configurado oquadro da terceirização ilegal, não hácomo o magistrado permanecerimpassível diante de tal panorama, atéporque se espera imparcialidade dojulgador e não neutralidade.

O cidadão, ao ser investido dopoder-dever da jurisdição, deve ter acoragem e a persistência de sempretentar melhorar as condições sociaisque o circundam e não se furtar emrechaçar com firmeza e retidão osataques ao Estado Democrático deDireito que se lhe apresentam.

Um Estado que realmente sequer democrático de direito não podecompactuar com a discriminaçãosuportada pelos trabalhadores dasempresas terceirizadas, que, apesar deverterem sua força de trabalho para omesmo empregador, dele não obtinhamo mesmo tratamento jurídico. O princípioda proteção, quiçá os valores sociais dotrabalho e o princípio da dignidade dapessoa humana, de berçoconstitucional, impossibilitam que otrabalhador, a parte hipossuficiente darelação e dela dependente, divida como empregador os riscos doempreendimento e sirva apenas defonte de produção mais econômica.

Por outro giro, não há que selançar mão do argumento pífio, comotentou a ré, de que qualquer ingerênciado Poder Judiciário na contrataçãoterceirizada noticiada nestes autosestaria a ferir o princípio da livreiniciativa, previsto no artigo 170 daCRFB/88, pois exatamente o mesmodispositivo determina a obediência aovalor social do trabalho, de modo aassegurar a todos existência digna.

Também é a própria Carta Magnaque relativiza o direito de propriedade enão o considera absoluto, tanto que talprerrogativa deverá ser util izadaobservando-se a função social dapropriedade.

Destarte, restando sobejamentecomprovado que a ré vem se valendo daterceirização como forma de obter mão-de-obra qualificada e a baixo custo, foradas hipóteses previstas na ordem jurídica,forçoso acolher a súplica do MinistérioPúblico do Trabalho, compelindo-a a seabster de terceirizar os serviços de vendasde aparelhos de telefonia celular, bemcomo efetivar a habilitação dos mesmospor intermédio de interpostas pessoas.

Não obstante tudo que acima seexpôs, restou demonstrado nos autosque a empresa SELPE - Seleção dePessoal S/C Ltda., já não mais prestaserviços para a demandada, nãohavendo mais trabalhadores vinculadosàquela empresa nos quadros desta. Atítulo ilustrativo, é bom citar trecho dodepoimento da testemunha KátiaChristina Oliveira Rocha Pereira:

[...] por volta do meio do anopassado, o contrato firmado entre areclamada e a SELPE terminou edesde então não há maisempregados da referida empresatrabalhando para a reclamada, nemem suas dependências nem emoutro local. (f. 3013)

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Nesse contexto, o pedidoarticulado no libelo perde o objeto emrelação à empresa SELPE - Seleção dePessoal S/C Ltda., no pertinente àobrigação de não fazer, pois o danosocial já se verificou.

Ante o acima exposto, a soluçãoa ser emprestada ao conflito instaladonos presentes autos é no sentido de quea ré (TIM NORDESTE S/A) proceda àcontratação direta dos empregados quelhe prestam serviços por intermédio dasempresas interpostas (LÍDERTERCEIRIZAÇÃO LTDA. e A&CSOLUÇÕES LTDA.), dando porencerrados os contratos de prestaçãode serviços firmados com referidasempresas.

Para tanto, deverá comprovarque, de fato, contratou diretamentetodos os trabalhadores que lhe prestamserviços terceirizados através dasempresas LÍDER TERCEIRIZAÇÃOLTDA. e A&C SOLUÇÕES LTDA.,apresentando em juízo relação dessesempregados e a respectiva cópia daCTPS dos mesmos, constandoadmissão quando iniciaram a prestaçãode serviços terceirizados em favor daré.

2.8 - Indenização por danosmorais coletivos

Pretende o autor seja a récondenada a pagar indenização pordanos que recaíram sobre acomunidade do trabalho, argumentandoque, ao longo dos anos sobre os quaisperdurou a pactuação por meio deterceirização ilícita, os trabalhadoresenvolvidos se viram privados deempreender seus misteres galgandomelhores condições de trabalho emelhor patamar salarial, hipótese queatrai a obrigação de reparar mediante opagamento de indenização por danos

morais, reversível ao Fundo de Amparoao Trabalhador.

Impõe-se acolher o pedidoquanto a esse particular.

Segundo a doutrina,

a idéia e o reconhecimento do danomoral coletivo (lato sensu), bemcomo a necessidade de suareparação, constituem mais umaevolução nos contínuosdesdobramentos do sistema daresponsabilidade civil, significando aampliação do dano extrapatrimonialpara um conceito não restrito aomero sofrimento ou à dor pessoal,porém extensivo a toda modificaçãodesvaliosa do espírito coletivo, ouseja, a qualquer ofensa aos valoresfundamentais compartilhados pelacoletividade, e que refletem oalcance da dignidade dos seusmembros. (MEDEIROS NETO, XistoTiago de. Dano moral coletivo, LTr,2004, p. 136)

Da obra citada, extrai-se adefinição de João Carlos Teixeira aodano moral coletivo como

a injusta lesão a interessesmetaindividuais socialmenterelevantes para a coletividade (maiorou menor), e assim tuteladosjuridicamente, cuja ofensa atinge aesfera moral de determinado grupo,classe ou comunidade de pessoasou até mesmo de toda a sociedade,causando-lhes sentimento derepúdio, desagrado, insatisfação,vergonha, angústia ou outrosofrimento psicofísico. (p. 140/141)

Nessa linha de pensamento, adoutrina não tem resistido aoreconhecimento do dano moral coletivo,consolidando-se a idéia da possibilidade

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de violação ao patrimônio moral dasociedade que, do mesmo modo que odo indivíduo, deve ser respeitado.Porém, para a aferição respectiva,devem ser examinadas asparticularidades de cada caso. Nahipótese em apreço, restaramconstatadas irregularidades cometidaspela ré na contratação de trabalhadorespara o exercício de seus misteres noâmbito das mesmas em atividade tidacomo finalística por intermédio deinterpostas pessoas, donde se podeextrair daí a existência de um sentimentocoletivo de indignação, de desagrado ede vergonha capaz de ferir a“moralidade” da coletividade, tida comoa comunidade de trabalho, inseridanesse contexto, notadamenteconsiderando que perpetrado o ato dapactuação entre as empresasenvolvidas ao arrepio da lei.

Assim considerando, certo é quehouve reversão de benefícios aostrabalhadores e à sociedade, tendo emvista a inobservância dos preceitosconstantes da lei, devendo, ainda, serconsiderada a sonegação fiscal eprevidenciária.

Para a configuração do danomoral coletivo, o ilícito e seus efeitosdevem ser de tal monta que a repulsasocial seja imediata e extrapole aquelarelativa ao descumprimento pelo agentede determinadas normas de condutatrabalhista, além do que a vantagemobtida de forma ilícita há que ser objetode ponderação, visto que a ordemjurídica repugna o enriquecimento semcausa seja por qualquer das partesenvolvidas na contratualidade dotrabalho.

Destarte, considerando aextensão do dano, especificamente pelovolume de trabalhadores que se viramenvolvidos na irregularidade perpetradapela ré, vislumbro necessidade de se

deferir indenização por danos morais àcoletividade, fixando-a emR$6.000.000,00 (seis milhões de reais),que deverão ser revertidos em prol doFundo de Amparo ao Trabalhador (e,caso este não exista à época dopagamento, diretamente à União).

2.9 - Multa por descumprimentodas obrigações de fazer e não fazer

À vista de tudo que acima seexpôs, impõe-se fixar multa para o casode descumprimento de qualquer dasdeterminações acima traçadas, pelo queatingirá o importe de R$2.000.000,00(dois milhões de reais) para cadaobrigação de fazer ou não fazerinfringida.

Desse modo, esclareço que,caso a contratação direta dosempregados das empresas LÍDERTERCEIRIZAÇÃO LTDA. e A&CSOLUÇÕES LTDA. pela ré não sejacomprovada nos termos definidos nestadecisão, para cada contrato serácobrada a multa em debate, além de seraplicada multa caso a ré volte acontratar por intermédio de empresainterposta, para cada novo contratofirmado em desacordo com estadecisão.

2.10 - Antecipação dos efeitosda tutela

O autor postulou a concessãoliminar total ou parcial dos efeitos datutela pretendida, ao argumento de quehavia prova inequívoca,verossimilhança e receio de danoirreparável, nos termos dos artigos 273e 461 do Código de Processo Civil.

À época da propositura dademanda, o magistrado que atuava na24ª Vara do Trabalho de Belo Horizonteentendeu por bem indeferir a concessão

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da antecipação da tutela, como severifica à f.1592.

Contudo, tal decisão reveste-sedo caráter da provisoriedade, além depossuir natureza de decisãointerlocutória, motivo pelo qual pode serrevista, como dita a regra esculpida no§ 4º do artigo 273 do CPC.

No caso sob exame, trata-se deantecipação dos efeitos da tutelapositiva e negativa ou, como dizem osdoutrinadores, da tutela inibitória, quetambém pode ser concedidaantecipadamente, já que se postula adeclaração da ilegalidade dacontratação de empregados porempresa interposta e a obrigação denão contratar trabalhadores nessacondição. Como se trata de relação detrato sucessivo, situação típica doscontratos regulados pelas leistrabalhistas, tanto que referida condiçãoé considerada como uma dascaracterísticas do contrato de emprego,a lesão permanece acontecendo,enquanto os efeitos da decisão não seefetivarem. Explico melhor.

Os efeitos da decisão oraconfeccionada somente serão percebidospelos ofendidos - trabalhadoresterceirizados - e toda a comunidade detrabalho que assiste a esta situação deprecarização da mão-de-obra brasileira,quando sobrevier o trânsito em julgado,o que não pode ser admitido, pois otempo do processo deve ser suportadopor aquele que possui melhorescondições para tanto, no caso, areclamada.

O que o Judiciário não podepermitir é que a lesão continue a seimplementar, diariamente, até porque,mesmo que se discuta o conflito entredois interesses fundamentais: - a livreiniciativa e o valor social do trabalho -deve prevalecer aquele que éprivilegiado pelo princípio da justa

medida e o da manutenção do núcleoessencial.

O critério da probabilidade dosinteresses é o norte que deve serseguido pelo julgador e, no caso dosautos, toda a explicitação doconvencimento que deu ensejo aodeferimento das obrigações de fazer,não fazer e pagar traz à baila a certezado direito daqueles representados pelopostulante. Exatamente por conta daausência de efetividade do provimentojurisdicional é que a antecipação dosefeitos da tutela é medida tãoprestigiada, pois é a única maneira dese alterar a realidade social, com aintervenção do Judiciário e homenagearo primado constitucional da razoávelduração do processo.

Não se está a concluir, entretanto,que a celeridade é o fator mais importanteda relação jurídico-processual, apesar dejamais poder ser olvidada, pois asegurança jurídica deve ladear referidaceleridade. Contudo, no caso dos autos,a celeridade já cedeu lugar à segurançajurídica, pois a antecipação de tutela, nolimiar do processo, foi indeferida, hajavista que a inicial foi protocolizada em19.10.2006 e somente na data de hoje,14.04.2008, a decisão está sendopublicada. Nesse compasso, osrequisitos presentes nos artigos 273 e461 do CPC foram exaustivamenteapreciados, assim como houve totalrespeito aos princípios da ampla defesae do contraditório.

Sendo assim, todas ascondições para a concessão da tutelaantecipada estão adimplidas, quaissejam: há prova inequívoca do ato ilícitopraticado, as alegações sãoverossímeis e, caso a prática continue,os danos sociais serão irreparáveis e degrande repercussão, tanto que estedecisum já deferiu a reparação coletiva.

Além do que, é a própria Lei de

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Ação Civil Pública que aventa apossibilidade de antecipar os efeitos doprovimento pretendido, como indicaseus artigos 4º, 11 e 12, quandomenciona ser possível ao juiz conceder“mandado liminar, com ou semjustificação prévia”, de modo a coibirdano ao meio ambiente, ao consumidor,à ordem urbanística ou aos bens edireitos de valor artístico, estético,histórico, turístico e paisagístico e,quando for o caso de cumprimento deobrigação de fazer ou não fazer,determinar que se proceda à prestaçãoespecífica da atividade ou cessação damesma.

Também é o próprio artigo 11 daLACP que permite a cominação demulta diária, de modo a obrigar o réu aobedecer ao comando sentencialexarado, independentemente derequerimento do autor, assim comoprevisto nos §§ 3º e 4º do artigo 461 doCPC.

Por derradeiro, faço questão demencionar os ensinamentos deGregório Assagra de Almeida, in Direitoprocessual coletivo brasileiro - um novoramo do direito processual, São Paulo:Saraiva, 2003, acerca da tutela dosinteresses metaindividuais:

É dentro do Estado Democrático deDireito que o Poder Judiciáriobrasileiro tem a função detransformar positivamente arealidade social, no sentido deimplementação da igualdadematerial. O Poder Judiciário deixa deser neutro e distante da problemáticasocial para assumir o papel deinstituição de resolução de conflitossomente interindividuais, e assumir,ainda, o compromisso constitucionale fundamental de instituição deresolução de conflitos demassificados.

Como muito bem já vaticinouMauro Cappelletti, as relações domundo atual geram problemas emmassa e necessitam de soluções domesmo padrão. Diante dasconsiderações expendidas, defiro aconcessão parcial dos efeitos da tutelapretendida, visto tratar-se de cogniçãoexauriente, determinando à ré que, noprazo de 30 dias a partir da publicaçãoda decisão, comprove o adimplementodas obrigações estipuladas no item 2.7deste decisum.

O descumprimento daantecipação dos efeitos da tutela, comrelação à tutela inibitória - não contratartrabalhadores por empresas interpostas- e a obrigação de fazer - contratardiretamente os trabalhadores queprestam serviços através das empresasLÍDER TERCEIRIZAÇÃO LTDA. e A&CSOLUÇÕES LTDA., no prazo de 30 diasa partir da publicação desta sentençaacarretará a incidência da multa jáestipulada no item 2.9 desta decisão,para cada obrigação inadimplida.

2.11 - Efeitos da decisão

Esclareço, de modo a nãoacarretar qualquer dúvida futura, que ospedidos foram formulados em face deempresa que possui abrangência eatuação nacional, porém a inicial (f.05)deixa claro que os contratos objeto deinvestigação circunscrevem-se aoEstado de Minas Gerais.

Assim, apesar de ser possívelque uma ação civil pública espraieseus efeitos em todos os estados dafederação, se se tratar de um danodifuso, por exemplo, neste caso, emobediência aos limites do pedido, apresente decisão somente surtiráefeitos no Estado de Minas Gerais,com relação aos contratos jámencionados.

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2.12 - Multa pela litigância demá-fé

O Ministério Público do Trabalho,ora postulante, reiterou o requerimentode aplicação da multa por litigância demá-fé à ré, ao elaborar suas razõesfinais, pois a iniciativa de ouvir trêstestemunhas através de cartasprecatórias retardou sobremaneira oandamento do feito. Em especial, atestemunha que seria ouvida na cidadede Salvador, indicada pela ré, mas que,na verdade, residia nesta capital, porquenem mesmo a qualificação profissionale o endereço de tal pessoa foraminformados ao juízo deprecado, o queimpossibilitou a oitiva (f. 2663). Fatosemelhante ocorreu com a testemunhaque seria ouvida em São Paulo, tantoque a carta precatória foi devolvida pornão estar acompanhada dosdocumentos necessários a suaformação (f. 2645). O que, na realidade,causa preocupação a este juízo é acircunstância de a reclamadademonstrar tanta preocupação com oexercício regular do seu direito dedefesa que, por sinal, em momentoalgum foi vilipendiado, mas ter praticadoatos inúteis e protelatórios.

A oitiva da testemunha Gabriel deOliveira Ramos, em São Paulo (f. 2699),em nada acrescentou para o desate dacontrovérsia, como já mencionadoalhures, assim como as outras duascartas precatórias enviadas para o Riode Janeiro e Salvador não foramcumpridas por irregularidades praticadaspela ré (falta de documentos e ausênciade endereço da testemunha).

E mais: era totalmente possívelque a ré trouxesse tais testemunhas paraserem ouvidas nesta capital, no diadesignado para a instrução, tanto quesolicitou a permissão para tanto viapetição e o juízo acolheu o requerimento.

Ora, se realmente era essenciala oitiva de tais testemunhas, por que nãoforam desde logo contactadas pelademandada e trazidas para depor?Assim, verifica-se o intuito meramenteprotelatório, ao invés do regularexercício de defesa, tendo a ré incididona hipótese do inciso VI do artigo 17 doCPC.

Destarte, procede o pagamentode multa no valor de 1% sobre o valoratribuído à causa, nos termos do artigo18 do Digesto Processual Civil.

2.13 - Juros e correçãomonetária

Juros no percentual de 1%simples, nos termos da Lei n. 8.177/91,a incidir a partir deste decisum ecorreção monetária de acordo com oartigo 39 da CLT e Súmula n. 381 do C.TST.

III) DISPOSITIVO

Pelo exposto, em decisãoproferida perante a 24ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte, nos autos da AÇÃOCIVIL PÚBLICA, Processo n. 01102-2006-024-03-00-0, rejeito aspreliminares eriçadas na defesa, bemcomo os incidentes ocorridos no cursoda instrução processual e JULGOPROCEDENTES, EM PARTE, ospedidos formulados pelo MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO em face deTIM NORDESTE S/A, condenando a ré,nos termos da fundamentação supra,que a este dispositivo integra:

a) ao cumprimento da obrigaçãode fazer:

- que a ré (TIM NORDESTE S/A)proceda à contratação direta dosempregados que lhe prestam serviços

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por intermédio das empresasinterpostas (LÍDER TERCEIRIZAÇÃOLTDA. e A&C SOLUÇÕES LTDA.),dando por encerrados os contratos deprestação de serviços firmados comreferidas empresas. Para tanto, deverácomprovar que, de fato, contratoudiretamente todos os trabalhadores quelhe prestam serviços terceirizadosatravés das empresas LÍDERTERCEIRIZAÇÃO LTDA. e A&CSOLUÇÕES LTDA., apresentando emjuízo relação desses empregados e arespectiva cópia da CTPS dos mesmos,constando admissão quando iniciarama prestação de serviços terceirizadosem favor da ré, no prazo de 30 dias apósa prolação desta decisão.

b) ao cumprimento da obrigaçãode não fazer:

- abster-se de terceirizar, a fimde obter o mero fornecimento de mão-de-obra;

- abster-se de terceirizar e nãocontratar interposta pessoa para osserviços de vendas de aparelhos eserviços de telefonia celular;

- abster-se de terceirizar paracontratar trabalhadores que prestematendimento aos seus clientes via callcenter ou telemarketing;

c) obrigação de pagar:

- indenização por danos moraisà coletividade, fixando-a emR$6.000.000,00 (seis milhões de reais),que deverão ser revertidos em prol doFundo de Amparo ao Trabalhador (ecaso o mesmo não exista à época dopagamento, em favor da União);

- multa para o caso dedescumprimento de qualquer dasdeterminações acima traçadas, pelo que

atingirá o importe de R$2.000.000,00(dois milhões de reais) para cadacláusula infringida.

Diante das consideraçõesexpendidas, defiro a concessão parcialdos efeitos da tutela pretendida, vistotratar-se de cognição exauriente,determinando à ré que, no prazo de 30dias a partir da publicação da decisão,comprove o adimplemento dasobrigações estipuladas no item 2.7deste decisum.

O descumprimento daantecipação dos efeitos da tutela, comrelação à tutela inibitória - não contratartrabalhadores por empresas interpostas- e a obrigação de fazer - contratardiretamente os trabalhadores queprestam serviços através das empresasLÍDER TERCEIRIZAÇÃO LTDA. e A&CSOLUÇÕES LTDA., no prazo de 30 diasa partir da publicação desta sentença,acarretará a incidência da multa jáestipulada no item 2.9 desta decisão,para cada obrigação inadimplida.

A ré deverá arcar com multa novalor de 1% sobre o valor atribuído àcausa, nos termos do artigo 18 doDigesto Processual Civil.

Juros, no percentual de 1%simples, nos termos da Lei n. 8.177/91,a incidir a partir deste decisum ecorreção monetária de acordo com oartigo 39 da CLT e Súmula n. 381 do C.TST.

Custas no importe deR$120.000,00 (cento e vinte mil reais),calculadas sobre R$6.000.000,00 (seismilhões de reais), valor arbitrado àcondenação, às expensas da ré.

Intimem-se as partes, inclusive oassistente, sendo o Ministério Públicodo Trabalho, pessoalmente, através demandado, já que o julgamento foiantecipado.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00935-2007-086-03-00-0Data: 23.01.2008DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE ALFENAS - MGJuiz Titular: Dr. FREDERICO LEOPOLDO PEREIRA

Aos vinte e três dias do mês de janeiro do ano de 2008, às 17h25min, emsua sede, a Vara do Trabalho de Alfenas, MG, sob a Presidência do MM. Juiz doTrabalho, Dr. FREDERICO LEOPOLDO PEREIRA, deu início à audiência dejulgamento da ação ajuizada por VICENTE IZIDIO MAIA em face de ALFETURALFENAS TRANSPORTE TURISMO LTDA.

Aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz Presidente, apregoadasas partes, ausentes.

A seguir foi proferida a seguinte decisão:

RELATÓRIO

VICENTE IZIDIO MAIA ajuizouação trabalhista em face de ALFETURALFENAS TRANSPORTE TURISMOLTDA., afirmando, em síntese, oseguinte: ingressou com açãotrabalhista em face da empresareclamada em 27.04.2007, com oescopo de receber horas extras,feriados e reflexos; em 09.05.2007, apósreceber a notificação da demanda, aempresa empreendeu a rescisão docontrato de trabalho; a despedidaimotivada ocorreu em represália aoajuizamento da demanda, importandoato abusivo, malicioso e arbitrário; oreclamante contava com mais de dezanos de serviço e o desligamentocausou-lhe frustração de ânimo; deve aempresa ser condenada pelocometimento de ato ilícito, já que adispensa teve por objetivo inibir oajuizamento de ações judiciais pelacoletividade de empregados, impondoo achatamento dos direitos trabalhistaspelo influxo da prescrição. Pleiteia,assim, a condenação da reclamada aopagamento de indenização por danosmorais, no valor estimado deR$140.800,00.

Juntados com a inicial osdocumentos de f. 10/86.

Em audiência (f. 89), recusada aproposta de conciliação, a reclamadaapresentou a defesa escrita de f. 90/98,instruída com as peças de f. 99/106,aduzindo, em síntese, que: a despedidado reclamante não foi discriminatória ouofensiva à honra e imagem, mas resultoudo exercício do poder diretivo que a leiconfere ao empregador; não houve adivulgação do fato ou a imposição deprejuízo ao obreiro; não estão presentesos elementos que habilitam o deferimentode indenização por dano moral, devendoo reclamante ser condenado por litigânciade má-fé, pois formula pretensãodestituída de fundamento.

Seguiu-se a audiência deinstrução da causa, conforme registroslançados na ata de f. 110/111, sendoouvido o preposto da empresa einquirida uma testemunha do autor. Emseguida, as partes declararam odesinteresse na produção de outrasprovas, sendo requerido e assinalado oencerramento da instrução processual,com razões finais remissivas e recusada derradeira proposta de conciliação.

É o relatório, em apertadasíntese.

FUNDAMENTOS

A dispensa imotivada do

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empregado é considerada direitopotestativo do empregador, vale dizer,ressalvadas as hipóteses deestabilidade precária, tais como agestacional, a decorrente do acidentedo trabalho e a dos membros dacomissão de prevenção de acidentes,impõe ao empregado sujeição à opçãopatronal, desde que pagas asindenizações previstas em lei.

Tal raciocínio seria fundamentosuficiente à rejeição da pretensãoobreira, uma vez que sob todos osmatizes apresenta a atitude dareclamada contornos de liceidade.

Todavia, não se esgota o direitona lei, fincando suas raízes no rizomada busca da paz social e da justiçadistributiva.

A Justiça do Trabalho vem sendoalcunhada, não sem razão, de “Justiçados desempregados”.

Isso porque, justamente pelotemor da dispensa que pode ocorrercomo conseqüência do ato, ostrabalhadores preferem abster-se deajuizar ações quando ainda em curso arelação de emprego, de regra.

O operador do direito devebuscar em fontes principiológicas e noescopo de aplicar a lei com seu maiseficaz conteúdo social (artigos 8º da CLTe 5º da Lei de Introdução ao CódigoCivil) os subsídios para lidar com o casoconcreto, diante da miríade de hipótesesde conflitos não alcançados pelolimitado e nas mais das vezes exaustivocasuísmo da lei.

Já se vão mais de dezenoveanos desde que a “Constituição Cidadã”veio a lume no universo jurídicobrasileiro, sem que se regulamentasseo texto do inciso I do artigo 7º da referidaLei de Ápice.

Não cabe, aqui, discussãomeramente acadêmica acerca danatureza da norma em exame: se de self

executing, se meramente programática,mas principalmente cabe-nos aquilatarseu conteúdo teleológico e a vontadepopular manifestada na AssembléiaConstituinte.

A inércia do legislador em burilarnorma de conteúdo infraconstitucionalque prestigie aquele princípio de tutelanão deve servir de móvel a que seafaste, com o gesto brusco do merorigorismo formal, a essência ou almainspiradora de uma norma que, nadaobstante prestigiada no pórtico daConstituição, justamente onde se tratade direitos e garantias fundamentais,queda quase como letra morta emfunção da letargia parlamentar.

A vida efêmera da ratificação daConvenção n. 158 da OIT serve deexemplo claro de que as forças políticasestão mesmo marchando contra ointeresse tão bem consagrado na LexMajus, remetendo à condição deineficácia absoluta o desideratocristalizado na norma.

A aparência é, portanto, de umobjeto meramente decorativo, semqualquer função peculiar, e assimseguirá sendo tratado o princípio daconquista da estabilidade como garantiacontra a precarização das relações detrabalho e contra a inibição da busca demecanismo de tutela a ela inerentes.

Essa mentalidade provoca umatal abstinência no trabalhador, que setornou mais do que comum o decretoda prescrição parcial no exame das lidestrabalhistas.

No curso do contrato, é pecadomortal bater às portas do Judiciário paraque se busque a salvaguarda de umdireito social.

Nunca é demais lembrar que nomesmo título e no mesmo capítulo olegislador constitucional amparou oprincípio de acesso irrestrito à Justiça, noinciso XXXV do artigo 5º da Constituição.

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Daí por que o manejo dalegislação ordinária deva ser afinadocomo um títere ao cordame da Lei Maiorem que se ampara.

Tão sagrado é o direito de açãoque a própria CLT criou mecanismo derepressão contra o empregador quedispensa o empregado por haverservido como testemunha em processonesta Especializada (§ 2º do artigo 729da Carta de Vargas).

No caso ora em exame, estácomprovado às f. 12 e 14/20 haver oautor ajuizado ação nesta mesma Varado Trabalho, isso em 27 de abril de2007, ação onde persegue direitos comohoras extras, férias não concedidas emultas por descumprimento deconvenções coletivas de trabalho.

Também se percebe haver sidorecebida a citação postal no dia 02 demaio de 2007, seguindo-se a dispensaimotivada do reclamante uma semanaapós (f. 12 e 13).

A alegação do autor na primeirareclamação trabalhista foi de queprestou serviços à ré de formaininterrupta desde 01 de junho de 1995.

Mesmo que não haja disso provaainda consolidada, o que se reconhecenas anotações de sua carteiraprofissional, ali está estampado que osuplicante teria trabalhado para a ré dejunho de 1995 a 31 de dezembro de2000, de 01 de agosto de 2001 a 31 demarço de 2004 e também desde 02 dejaneiro de 2005.

Mais de nove anos, no mínimo,portanto.

No depoimento de f. 110, opreposto da reclamada historiou terocorrido uma reação em cadeia dedeslocamento de outros empregadospara suprir a vaga gerada pela dispensado reclamante.

Pretendeu o preposto, na mesmafala, impingir ao reclamante

comportamento inadequado (faltas eatrasos), sequer cogitado na tuitiva, eque teria restado impune.

Referido depoimento consolida atese inaugural de que a dispensa doreclamante fora efetivamentediscricionária, evocando, aliás, a defesa,eventualmente, uma causa de resistirfundada no raciocínio de que ninguémé obrigado a manter em seus quadrosde trabalhadores quem contra sidemanda.

Todos os visos, todos ossintomas, todas as características sãode uma dispensa por retaliação,perpetrada uma semana após a citaçãoda ré e por um empregado que, nomínimo, prestara serviços à reclamadaem quatro oportunidades distintas, porperíodo próximo de dez anos, compassado laboral sem qualquer tisna.

É evidente a dispensadiscriminatória, ofensiva de todos osmecanismos de tutela acima examinados.

Diz a ré ter exercidoregularmente um direito seu.

Todavia, a hodierna legislaçãorepudia, mesmo em situações da vidaprivada onde se presume a equipolênciadas partes envolvidas, o manejo abusivode um direito, sendo os excessosequiparados, no artigo 187 da Lei Civil,ao próprio ato ilícito.

Com albergue nas fontes citadasem linhas transatas, e verificando apertinência da alegação da dispensa porretaliação, enquadra-se, sim, a condutapatronal no modelo de antijuridicidadepreconizado pelo citado artigo doCódigo Civil, que merece aplicaçãoanalógica ao caso sub examinen, porimperativo do artigo 8º, consolidado.

Mais ainda deve surgir talmecanismo de tutela já que não se tratade cidadãos colocados em um mesmopatamar de potencialidade econômica,técnica ou correlata, mas de um

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hipossuficiente sujeito à pessoa jurídicada reclamada por vínculos desubordinação, sujeição e necessidadede subsistência.

Uma dispensa com o escopo depunir o empregado que vem a juízo é degravíssimo efeito sob o aspecto social.

Se não reprimidas condutas de taljaez, seja na comunidade, seja no âmbitorestrito da empresa, mais adelgaçadasestarão as garantias de recomposição daameaça ou turbação a direitos sociais,diante do temor do desempregoinculcado nos trabalhadores.

Assim sendo, além doscaracteres usuais de arbitramento daindenização pelo dano moral daídecorrente, há que se acrescentar oenfoque repressivo da reiteração daconduta, à míngua da coexistênciaparalela no ordenamento jurídico pátriodo punitive damage do direito alienígena.

A propósito, nada obstante havera testemunha do autor relatado à f. 111haver percebido que na sua dispensa oreclamante estava “meio deprimido”,pelo caráter subjetivo do dano não-patrimonial, sua ocorrência nãodepende, na generalidade dos casos,de qualquer prova, por se tratar deprejuízo in re ipsa.

Releva destacar que oreclamante conta hoje com 51 anos deidade, por isso as portas do mercadode trabalho já não têm a mesmalargueza das épocas juvenis.Evidentemente que a despedidadiscriminatória lhe causou maioressofrimentos anímicos e espirituais, issoporque a consecução iria depender desorte e esforços especiais.

Por outro lado, o seu desligamentoda empresa constrói um panoramanocivo aos ideais de solidariedade e devalorização do trabalho, sendo aconduta patronal um exemplo nocivo àedificação da cultura social.

Não é desperdiçado constar quea empresa reclamada, como únicaconcessionária do transporte coletivourbano de Alfenas, naturalmentedesenvolve sua atividade com oestímulo de lucros vultosos, enquantoo reclamante, hipossuficiente, utiliza suaforça de trabalho como meio único deprover as suas necessidades vitais.

Nesse contexto, considerando agravidade e repercussão da falta, osefeitos pedagógicos da sanção judicial,o grau de culpa e a postura renitente daempresa, a condição social da vítima eda ofensora, as circunstâncias em quese deram a prática da dispensadiscriminatória, os incômodospsicológicos experimentados peloreclamante, o potencial econômico daempresa, os caracteres retributivos erepressores da sanção, enfim, todosaspectos que norteiam o ressarcimentode dano moral, este juízo, com fincasno artigo 944 e seu parágrafo único eno parágrafo único do artigo 953 da LeiCivil (artigo 8º da CLT), arbitra aindenização em R$15.000,00 (quinzemil reais), valor que estará sujeito àatualização monetária a partir destadata, época da constituição do crédito.

Ao reclamante ficam concedidosos benefícios da justiça gratuita, nosmoldes do § 3º do artigo 790 da CLT.

CONCLUSÃO

Diante do examinado, resolve aEg. Vara do Trabalho de Alfenas, MG,julgar PROCEDENTE, EM PARTE, opedido formulado na ação ajuizada porVICENTE IZIDIO MAIA em face deALFETUR ALFENAS TRANSPORTETURISMO LTDA., para condenar areclamada a pagar ao reclamante, emoito dias, a indenização por dano moralfixada em R$15.000,00 (quinze milreais), valor que estará sujeito à

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atualização monetária a partir destadata.

Serão efetuados os descontoscabíveis a título de imposto de renda,conforme legislação aplicável.

Concedidos ao reclamante osbenefícios da justiça gratuita.

Custas processuais pelareclamada, no importe de R$300,00,considerando-se o valor arbitrado àcondenação de R$15.000,00.

Intimem-se as partes dapublicação.

Nada mais havendo, encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01156-2007-007-03-00-0Data: 19.06.2008DECISÃO DA 7ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuiz Substituto: Dr. FÁBIO AUGUSTO BRANDA

Na quinta-feira, dia 19 de junho de 2008, às 16h38min, na sala de audiênciasda 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, presente o MM. Juiz Dr. FÁBIO AUGUSTOBRANDA, foram, por ordem do MM. Juiz, apregoados os litigantes: Regina Bahiade Souza, reclamante, e Lavanderia Classic Ltda. - ME, reclamada.

Ausentes as partes. Submetido o processo a julgamento, foi proferida aseguinte

SENTENÇA

A reclamante alega que foiadmitida em 06.04.2007, como auxiliarde lavanderia, e sofreu acidente dotrabalho em 31.07.2007. Afirma que, aoajustar um lençol em uma máquina dedesamarrotar roupas (calandra), teve amão presa nas engrenagens, o queresultou na amputação.

Requer: rescisão do contrato dotrabalho; indenização por danosmateriais, sob a forma de pensãomensal, até completar 72 anos;indenizações por danos morais eestéticos; expedição de ofícios aosórgãos fiscalizadores e concessão dosbenefícios da justiça gratuita.

Deu à causa o valor deR$250.000,00.

Em defesa, a reclamada impugnao valor da causa. No mérito, afirma quesempre cumpriu as normas desegurança e higiene do trabalho; queforneceu todos os EPIs; que concedeutreinamento adequado; que fiscalizava o

cumprimento de normas e rotinas desegurança; que não agiu com a culpa;que não há critérios legais para fixaçãode danos morais; que a condenação àpensão mensal importará bis in idem; quea expectativa de vida da mulher é de 60anos; que não é cabível a inversão doônus da prova; que a autora nãocomprovou os requisitos para concessãodos benefícios da justiça gratuita. Pleiteiaa improcedência dos pedidos (f. 36/47).

Provas documentais (f. 18/21 ef. 48/134).

A autora desistiu do pedido derescisão contratual, o que foihomologado (f. 34/35).

Manifestação à defesa (f. 139/150).Laudo pericial (f. 166/179).Manifestação sobre o laudo da

autora (f.186/187 e f. 189/190).Laudo do assistente técnico (f.

191/192).Esclarecimentos do perito (f.

199/202).Nova manifestação da ré (f. 211).Provas orais (f. 212/214).

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Encerrada a instrução, comrazões finais orais e sem êxito aspropostas conciliatórias (f. 214).

DECIDO:

1. Impugnação ao valor dacausa

O valor da causa, no Processodo Trabalho, serve, apenas, para ditaro procedimento (ações de alçadacontida e rito sumaríssimo) e, ambas ashipóteses estão afastadas pelo valorindicado na petição inicial. Salvo essassituações, esse valor será base decálculo de custas, na hipótese desucumbência da autora (CLT, art. 789,II), pois as custas do réu são fixadassobre a condenação (CLT, art. 789, I).

Por se tratar de lide fundada emrelação de emprego, não há qualquerfundamento legal para condenaçãodecorrente de eventual sucumbênciarecíproca (§ 3º do art. 3º da IN n. 27, de05.07.2005 do TST). E, eventuaishonorários advocatícios têm por base decálculo a condenação (CPC, art. 20, §3º) que não guarda relação depertinência com o valor da causa.

Logo, não há interesse do réu emimpugnar o valor da causa. Ademais,tratando-se de ação que visa opensionamento mensal vitalício deex-empregada que conta com 27 anos(f. 20), R$250.000,00 é algarismocompatível. Mantenho o valor da causa.

2. Inépcia

A ré diz inepta a petição inicialpela arbitrariedade e ausência defundamentação jurídica dos valoresatribuídos aos danos morais e estéticos.

Não é crível que, no atual estágiodo ordenamento jurídico e construçãojurisprudencial, seja argüida, salvo

hipótese de má-fé, a inexistência defundamentos legais para a fixação dedanos pessoais.

A Constituição Federal inseriu aproteção à intimidade, à honra, à vidaprivada e à imagem dentre os direitosindividuais (art. 5º, X), assegurandoreparação compatível ao dano material,moral ou à imagem (art. 5º, V). Essadiferenciação permite afirmar, porinjunção constitucional, a previsãodiferenciada entre danos morais e àimagem.

Nesse contexto, o advento doCódigo Civil de 2002, permeado deconceitos abertos e outorgando ao juiza obrigação de preencher taisdisposições, completa o sistema deproteção às lesões imateriais. Veja-seque, até mesmo no âmbito da reparaçãomaterial, cabe ao juiz intervir e reduzir“equitativamente” a indenização emcaso de desproporção entre o grau deculpa e a indenização (CC, art. 944,parágrafo único), ou ainda, a cláusulapenal, livremente estipulada pelaspartes, na medida do cumprimento daobrigação principal (CC, art. 413).

Tudo a demonstrar que, atémesmo no âmbito da reparaçãomaterial, cabe ao julgador a fixação deparâmetros equitativos na reparação.Assim, a indicação do valor pretendidonão depende de requisitos objetivos, atéporque a exata extensão do dano sóserá fixada após a produção doselementos de convicção.

Por fim, a certeza de que aindenização por perda ou redução dacapacidade laborativa deve serarbitrada pelo juiz advém do artigo 950do CC, verbis:

Se da ofensa resultar defeito pelo qualo ofendido não possa exercer o seuofício ou profissão, ou se lhe diminuaa capacidade de trabalho, a

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indenização, além das despesas dotratamento e lucros cessantes até aofim da convalescença, incluirá pensãocorrespondente à importância dotrabalho para que se inabilitou, ou dadepreciação que ele sofreu.Parágrafo único. O prejudicado, sepreferir, poderá exigir que aindenização seja arbitrada e paga deuma só vez. (enfatizei)

Reputo que a petição inicial estáapta a deflagrar a atividade jurisdicional.

3. Acidente do trabalho

A ré não nega o acidente dotrabalho nem os efeitos físicos ouestéticos. Afirma, contudo, que não agiucom culpa, pois sempre cumpriu asnormas de higiene e saúde do trabalho,fornecendo EPIs e treinamento para aoperação das máquinas.

Muito se discute acerca damodalidade de responsabilidade civilaplicável em sede de acidente dotrabalho. Para os defensores daresponsabilidade subjetiva, aConstituição Federal dispôsexpressamente que o empregadorresponderá, apenas, em caso de doloou culpa. Fundamentam esseposicionamento no art. 7º, XXVIII.1

Mas em sede de direitosfundamentais de segunda dimensão,notadamente, os direitos sociais,prevalecem cláusulas abertas visandoa ampliação da proteção inicialmenteimaginada. Como é da lógica dasdicções constitucionais, não sedescrevem situações tais quais as que

se fazem em sede infraconstitucional,pois se relega aos operadores do direitoa completude do sistema de proteçãoaos direitos fundamentais.

O § 2º do artigo 5º da CF/88dispõe que os direitos e garantiasprevistos no Texto Constitucional nãoexcluem outros decorrentes do regimee princípios adotados pela Constituição2

e, portanto, quaisquer regras queampliem esses direitos, por injunçãoconstitucional, devem ser aplicadasimediatamente.

A certeza que a Constituição nãopretendeu estabelecer direitos egarantias em numerus clausus é tiradade nova referência à proteção dosdireitos sociais, sem prejuízo de outrosque visem à melhoria da condição socialdos trabalhadores (CF, art. 7º, caput).3

Nesse sentido, ainda, o Enunciadon. 38 da recente Jornada de DireitoMaterial e Processual do Trabalho,realizada no TST, nos seguintes termos:

RESPONSABILIDADE CIVILOBJETIVA NO ACIDENTE DOTRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO.Aplica-se o art. 927, parágrafo único,do Código Civil nos acidentes dotrabalho. O art. 7º, XXVIII, daConstituição da República, nãoconstitui óbice à aplicação dessedispositivo legal, visto que seu caputgarante a inclusão de outros direitosque visem à melhoria da condiçãosocial dos trabalhadores.

1 XXVIII - seguro contra acidentes detrabalho, a cargo do empregador, semexcluir a indenização a que este estáobrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

2 Os direitos e garantias expressos nestaConstituição não excluem outrosdecorrentes do regime e dos princípios porela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte.

3 Art. 7º. São direitos dos trabalhadoresurbanos e rurais, além de outros que visemà melhoria de sua condição social: [...].

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É nesse contexto que deve serinterpretada a disposição do parágrafoúnico do artigo 927 do CC/20024, quantoà definição do que seja

[...] quando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem.

Trata-se de norma ampliativa deum direito social e, portanto, aplicávelno âmbito de proteção dostrabalhadores, sem que isso importecontradição ao artigo 7º, XXVIII, senão,completude do sistema.

Uma referência importante paraa interpretação dessa regra é dada peloEnunciado n. 38 do Centro de EstudosJudiciários do Conselho da JustiçaFederal, resultante da I Jornada deEstudos de Direito Civil, nos seguintestermos:

Art. 927: a responsabilidade fundadano risco da atividade, como previstana segunda parte do parágrafo únicodo art. 927 do novo CC, configura-se quando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danocausar à pessoa determinada umônus maior que aos demaismembros da coletividade.(www.jf.jus.br)

Para parte da doutrina, portanto,para se consagrar a responsabilidadeobjetiva, não basta que a atividade doempregador crie riscos para o direito deoutrem, mas que esse risco sejaconsiderado extraordinário e geradoriminente de perigo. Mas essa conclusãopoderia gerar contradiçõesinconciliáveis, pois o dano causado aum terceiro, por um preposto, importaresponsabilidade objetiva doempregador, independentemente deculpa (art. 933 do CC/20025).

Então, não há sentido, por todaa lógica protetiva do Direito do Trabalhoe do sistema de proteção socialestruturado pela Constituição Federal,que aquele que concorreu para aformação da riqueza do empregadorfosse sobrecarregado, sob o aspecto damodalidade de responsabilidade civil,em comparação com um terceiro quenão guarda qualquer relação com oautor do dano.

É lícito, portanto, concluir que odever de indenizar decorre de aatividade do autor do dano expor avítima a um risco acima do risco normala que estão sujeitos os demaismembros da sociedade. Se é certo quetodos podem tropeçar, cair, sofreracidente de automóvel ou qualqueroutro infortúnio, determinadasatividades profissionais sujeitam oempregado a um risco peculiar e acimadaquele que a vida cotidianaproporciona.

Nesse sentido, a l ição deSebastião Geraldo de Oliveira:4 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.

186 e 187), causar dano a outrem, ficaobrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação dereparar o dano, independentemente deculpa, nos casos especificados em lei, ouquando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do dano implicar,por sua natureza, risco para os direitos deoutrem.

5 Art. 933. As pessoas indicadas nos incisosI a V do artigo antecedente, ainda que nãohaja culpa de sua parte, responderão pelosatos praticados pelos terceiros alireferidos.

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Assim, se a exposição do trabalhadorestiver acima do risco médio dacoletividade em geral, caberá odeferimento da indenização, porquanto,nessa hipótese, foi o exercício dotrabalho naquela atividade que criouesse risco adicional. Em outraspalavras, consideram-se de risco, parafins da responsabilidade civil objetivaprevista no art. 927, parágrafo único,do Código Civil, as atividades queexpõem os empregados a uma maiorprobabilidade de sofrer acidentes,comparando-se com a média dosdemais trabalhadores.(in: Indenizações por acidente dotrabalho ou doença ocupacional; 4.ed.; Ed. LTr, 2008, p. 112)

A propósito, a jurisprudênciamais atual sobre o tema:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.RECURSO DE REVISTA. ACIDENTEDO TRABALHO. AUXILIAR DESERVIÇOS OPERACIONAIS.APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.RESPONSABILIDADE CIVIL DOEMPREGADOR. A regra geral doordenamento jurídico, no tocante àresponsabilidade civil do autor dodano, mantém-se com a noção daresponsabilidade subjetiva (arts. 186 e927, caput, CC). Contudo, tratando-sede atividade empresarial, ou de dinâmicalaborativa (independentemente daatividade da empresa), fixadoras de riscopara os trabalhadores envolvidos,desponta a exceção ressaltada peloparágrafo único do art. 927 do CC,tornando objetiva a responsabilidadeempresarial por danos acidentários(responsabilidade em face do risco).Agravo de instrumento desprovido.(AIRR-92/2006-015-04-40; Rel. Min.Mauricio Godinho Delgado; DJ:13.06.2008)

No caso dos autos, a autora tevea mão direita presa a um lençol, quandoalimentava uma calandra (máquinadestinada a desamarrotar peças deroupas, f. 170) que, segundo a ré,dispunha de todos os dispositivos desegurança necessários para que oacidente não ocorresse.

O perito constatou que a 40cmda borda da máquina há uma barra desegurança que é acionada mediante odeslocamento para trás (empurrão) queprovoca a parada do mecanismo ereversão do movimento (f. 170).

As fotos das f. 51/52 e 54/62,reconhecidas pela autora como sendoda máquina em que se acidentou(depoimento pessoal, f. 212), dão bemas dimensões e distâncias entre osoperadores e os mecanismos damáquina.

Segundo o laudo, o gradil verde,mais evidente na f. 178, é o dispositivoque permite a parada e reversão doequipamento, mas o que chama aatenção é a distância entre o local deoperação e as engrenagens que odispositivo visa proteger, bastanteevidente na foto 01 da f. 178. Veja-seque, sem qualquer esforço, o braçoalcança o gradil, como se vê tambémnas fotos da f. 179, em que há mulheresoperando a máquina.

Pois bem, o dispositivo tem queser de tal forma eficaz que o acionamentodeve ser simples e rápido, a ponto deque o próprio operador, sem ajuda deninguém, possa fazê-lo sozinho, comodispõe o item 12.2.1, “a”, da NR-12.6 Masnão foi isso o que aconteceu, conforme

6 12.2.1. As máquinas e os equipamentosdevem ter dispositivos de acionamento eparada localizados de modo que: a) sejaacionado ou desligado pelo operador nasua posição de trabalho;

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depoimento de Daiana Virgínia de Paula,presente no momento do acidente: odesligamento da máquina foi feito poruma colega de trabalho (f. 212).

Logo, denota-se a ineficiência dosistema de desligamento. Segue ainsegurança do equipamento com aconstatação de que o suposto sistemade segurança estava tão próximo daárea de perigo, que a autora, com 1m52(f. 169), teve a mão presa àsengrenagens operando a máquina dolocal normal de trabalho.

Esse fato denota odescumprimento do item 12.2.1, “b”, daNR-127 e fica evidente pelas fotos dasf. 54 e 178/179. O gradil não cumpriusua função de supostamente evitar ocontato das mãos dos operadores comas engrenagens e sua real função ficamais evidente com as declarações daencarregada da ré:

que a barra se destinava a reverter amáquina, quando pressionada paratrás, a esteira alterava o sentido,trazendo a roupa para fora; que esseprocedimento não exigia alteração daaltura da barra; que a barra permitiaretornar uma peça que eventualmentetravasse a máquina. (Romilda Maria,f. 213)

Melhor a impressão de quem eraresponsável pelo treinamento dasoperadoras e trabalhava no dia-a-dia dalinha de produção sobre a real funçãodo dispositivo, e não era uma conotaçãode segurança, e sim de permitir o melhoracabamento da roupa.

A responsabilidade objetiva,contudo, poderia excluir o dever deindenizar se comprovada a culpaexclusiva ou dolo da vítima, mas não háqualquer evidência de que a autoratenha agido diversamente do que era ohabitual na ré.

O ajuste das peças, depois deinseridas nas esteiras (fotos das f. 178/179), era uma situação comum e vistapela encarregada que, só no momentodo lanche, advertia para as funcionáriasterem cuidado (Daiana Virgínia e UbianeSilva, f. 212/213). A própria encarregadainforma que, se visse esseprocedimento, advertia verbalmente(Romilda Maria, f. 213).

Novo descumprimento de regrasde proteção e segurança do trabalho.Cabia à empresa a expedição de ordensde serviços, ainda que verbais, quantoàs precauções para se evitar o contatocom as engrenagens da máquina (CLT,art. 157, II), advertindo o empregado ouaplicando punições compatíveis, até adispensa por justa causa de quem seomitisse no cumprimento dessasnormas (CLT, art. 158, parágrafo único,“a”).

O que a prova oral demonstrou,principalmente pelo depoimento daencarregada, é que as admoestaçõesnão passavam de conselhos nomomento do café (Daiana Virgínia,Ubiane Silva e Romilda Maria, f. 212/213).

Não há uma advertência sequer,ou referência nos depoimentos, de quea autora era uma contumaz, ou atéeventual, descumpridora de normas desegurança, pois não se tem qualqueradvertência ou suspensão da autora poresses motivos. E, diante dessarealidade, é indiferente a experiênciaanterior da autora ou o tipo de treinofornecido pela ré, pois a máquina nãooferecia segurança bastante.

7 12.2.1. As máquinas e os equipamentosdevem ter dispositivos de acionamento eparada localizados de modo que: [...] b)não se localize na zona perigosa damáquina ou do equipamento;

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Ainda sobre o supostotreinamento, mais convincente foram asdeclarações de Daiana Virgínia e UbianeSilva, corroborando as afirmações daautora, de que não houve treinamentoalgum (f. 212/213). O depoimento deRomilda Maria, encarregada esupostamente responsável pelotreinamento que diz ter ministrado, émenos exato, pois, se houvesse tamanhocuidado na preparação, as advertênciaspor descumprimento de normas desegurança não se resumiriam aconselhos durante o café.

E, por todos esses motivos,reputo comprovado o acidente dotrabalho típico por fato exclusivo da ré epasso a regular os efeitos condenatórios:

3.1. Redução da capacidadelaborativa

O acidente importou amputaçãoda mão direita da autora (fotos de f. 176).Ainda que tecnicamente se classifiquecomo “amputação parcial da mão D, nívelde metacarpo e falange distal do polegarD” (f. 168), o fato é que para umatrabalhadora braçal e destra (item 18, f.173) a perda total da capacidadefuncional da mão importou incapacidadetotal para as funções que exercia (f. 169).Sequer há como graduar a capacidadefuncional residual, pois os ferimentosainda estão em recuperação (f. 169). Asfotos falam por si (f. 176).

Isso aconteceu quando a autoracontava com apenas 26 anos(nascimento em 19.04.1981 e acidenteem 31.07.2007) e não poderá exercermais quaisquer atividades compatíveiscom o grau de formação (primeiro graucompleto, f. 167).

Defiro o pagamento de umapensão mensal, equivalente a umsalário-mínimo mensal (CPC, art. 475-Q, § 4º), remuneração percebida pela

autora à época do acidente, pois ainabilitação foi total para o trabalho (art.950 do CC/2002). Não há provas de quehá salários normativos.

Considerando a expectativa devida da autora, contada a partir dos 26anos, de 52,7 anos, conforme tabelafornecida pelo IBGE (http://www.ibge.com.br/home/estatistica/p o p u l a c a o / t a b u a d e v i d a / 2 0 0 6 /feminino.pdf), acolho o limite temporalindicado na petição inicial de 72 anos.

Por fim, a alegação da ré de queo benefício previdenciário exclui aindenização a cargo do empregadorimporta tentativa de compensação derubricas com natureza completamentediversas. O benefício previdenciárioadvém da situação de segurado e paraa qual a autora contribuiu mensalmente;a natureza do benefício é alimentar. Aindenização a cargo do empregadordecorre da responsabilidade civil e temnatureza indenizatória. A cumulação dasduas reparações é situação autorizadapela própria Constituição Federal, nostermos do artigo 7º, XXVIII.

3.2. Danos morais e estéticos

As reparações inerentes aodireito material, em que vige a máximade restituição ao status quo, cederampasso à nova dimensão de pretensõesadvindas das chamadas lesõesimateriais.

Todo o ordenamento jurídico doséculo XIX, fundado em idéias liberais,notadamente, l ivre iniciativa epropriedade privada, tinha por principalobjeto de proteção a propriedadematerial. E isso se vê pela própriaevolução do Direito Processual denosso país, profundamente influenciadopelos sistemas jurídicos da EuropaOcidental, especialmente, França,Portugal e Espanha.

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Só em 1994, com o advento dasérie de reformas do Código de ProcessoCivil, a Lei n. 8.952/94 ampliou apossibilidade de antecipação dos efeitosda tutela de maneira generalizada noprocesso de conhecimento. Até então,além das cautelares, impropriamentechamadas de “satisfativas”, apenas asações especiais sobre imóveis contavamcom disciplina avançada.

Ao contrário das ações comuns,em que se exige relação lógica entre alesão e a pretensão deduzida (CPC, art.295, III), nas ações possessórias, oajuizamento de uma por outra permiteque se conceda a proteção legal, sepresentes os requisitos necessáriospara essa tutela (CPC, art. 920).

A disciplina dessa ação já estavatão avançada a ponto de permitir osefeitos antecipatórios da tutela, semoitiva da parte contrária, mediantecomprovação formal de algunsrequisitos que o legislador elegeu comoimprescindíveis para a concessão daordem (CPC, art. 928).

Mas os fatos sociais vãoreclamando novas soluções e aproteção ao patrimônio imaterial é umanovidade em comparação com aproteção aos bens materiais.

Nada obstante a época em quefoi promulgado, o Código Civil de 1916trouxe um grande avanço em relação àproteção pessoal, e o art. 1538dispunha:

Art. 1.538. No caso de ferimento ououtra ofensa à saúde, o ofensorindenizará o ofendido das despesasdo tratamento e dos lucros cessantesaté o fim da convalescença, além delhe pagar a importância da multa nograu médio da pena criminalcorrespondente. (Redação dada peloDecreto do Poder Legislativo n.3.725, de 15.01.1919)

§ 1º Esta soma será duplicada, sedo ferimento resultar aleijão oudeformidade.§ 2º Se o ofendido, aleijado oudeformado, for mulher solteira ouviúva, ainda capaz de casar, aindenização consistirá em dotá-la,segundo as posses do ofensor, ascircunstâncias do ofendido e agravidade do defeito. (pus os grifos)

Com expressa referência adanos estéticos, nosso Código Civilanterior já previa uma indenizaçãocorrespondente à lesão ao corpo. Masfoi com a Constituição Federal de 1988que a separação entre danos materiais,morais e à imagem restou evidenciada,consistindo direito individual areparação respectiva (art. 5º, X).

Complementando o sistema dereparações imateriais, o Código Civil de2002 ampliou a possibilidade deindenizações ou compensações pordanos imateriais e os artigos 948 e 949indicam a possibilidade de ressarcimentopor outras reparações ou prejuízos que oofendido tiver sofrido, incluindo-se aí, semmargem de dúvida, os danos estéticos.

A doutrina, por sua vez, emprincípio, não firmou separação entredanos morais e estéticos, considerandoque as reparações imateriais abrangeriamessas duas ordens de lesões.

A propósito a lição de PinhoPedreira:

Pinho Pedreira afirma não serautônomo, distinto do dano moral ese caracteriza quando a lesão sofridapelo empregador causar: impressãopenosa ou desagradável,repugnância ou ridículo.(apud Acidente de trabalho eresponsabil idade civil doempregador, BRANDÃO, Cláudio, 2.ed., Ed. LTr, 2006, p. 140)

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Mas o recente posicionamentomajoritário admite a separação entredanos morais e estéticos, conformelição de Sebastião Geraldo de Oliveira:

Além das indenizações por danomaterial e moral, pode ser cabível aindenização por dano estético,quando a lesão decorrente doacidente do trabalho compromete oupelo menos altera a harmonia físicada vítima. Enquadra-se no conceitode dano estético qualquer alteraçãomorfológica do acidentado como, porexemplo, a perda de algum membroou mesmo um dedo, uma cicatriz ouqualquer mudança corporal quecause repulsa, afeiamento ouapenas desperte a atenção por serdiferente.(in: Indenizações por acidente dotrabalho ou doença ocupacional, 4.ed., Ed. LTr, 2008, p. 218/219)

A jurisprudência assimilou commais rapidez essa separação e conferiuindenizações, quando forem passíveisde apuração em separado, por danosmorais e estéticos consagrados poracidente.

Colho, ao acaso, algunspronunciamentos jurisprudenciais:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃODE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DETRABALHO. DANO MORAL.ARBITRAMENTO MODERADO.CUMULAÇÃO COM DANOSESTÉTICOS. CABIMENTO. PENSÃOMENSAL. TERMO INICIAL. DATA DOEVENTO DANOSO. JUROSMORATÓRIOS. HONORÁRIOS.SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ.1. A revisão do valor da indenizaçãopor danos morais apresenta-seinviável em sede de recurso especial,

na medida em que, arbitrado commoderação na instância ordinária, nãoconcorreu para a geração deenriquecimento indevido da vítima,mantendo a proporcionalidade dagravidade da ofensa ao grau de culpae ao porte socioeconômico doscausadores dos danos. 2. É cabível acumulação de danos morais comdanos estéticos quando, ainda quedecorrentes do mesmo fato, sãopassíveis de identificação emseparado. 3. A pensão mensal vitalíciadeve ser paga desde a data do eventodanoso, sendo irrelevante a data dodesligamento do empregado. 4. Osjuros de mora, em se tratando deindenização decorrente de acidente detrabalho, devem incidir a partir doevento danoso. Aplicação da Súmulan. 54/STJ. 5. Tendo o Tribunal a quoafastado a sucumbência recíproca, arevisão dos critérios por ele adotadosimportaria apreciação de matériafático-probatória. Incidência daSúmula n. 7/STJ. 6. Recurso especialde Francisco Francelino de Souzaconhecido parcialmente eparcialmente provido. Recursoespecial de Volkswagen do Brasil Ltda.não-conhecido.(REsp 717425/SP, Rel. João Otáviode Noronha; DJ: 31.03.2008, p. 1)

CIVIL. DANOS ESTÉTICOS EMORAIS. CUMULAÇÃO. Os danosestéticos devem ser indenizadosindependentemente do ressarcimentodos danos morais, sempre quetiverem causa autônoma. Recursoespecial conhecido e provido.(REsp n. 533328/MG; Rel. AriParglender; DJ: 19.12.2007, p. 1222)

CIVIL E PROCESSUAL.INDENIZAÇÃO. ACIDENTE.AMPUTAÇÃO. PARTE DISTAL DO PÉ

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DIREITO. DANO ESTÉTICO.CÓDIGO CIVIL DE 1916, ART. 1.538.EXEGESE. INCLUSÃO COMO DANOMORAL. POSSIBILIDADE DECUMULAÇÃO. CONDIÇÕESAUSENTES. REVISÃO DE MATÉRIAFÁTICA. SÚMULA N. 7-STJ.VEDAÇÃO. I. As questões federaisnão enfrentadas pelo Tribunal estadualrecebem o óbice das Súmulas n. 282e 356 do C. STF, não podendo, porfalta de prequestionamento, serdebatidas no âmbito do recursoespecial. II. Podem cumular-se danosestético e moral quando possívelidentificar claramente as condiçõesjustificadoras de cada espécie. III.Importando a amputação traumáticado pé em lesão que afeta a estéticado ser humano, há que ser valoradapara fins de indenização, ainda quepossa ser deferida englobadamentecom o dano moral. IV. Sucumbentesas partes em parcelas equivalentes,consistente na exata metade dospedidos formulados, dá-se odecaimento recíproco. V. Recursoespecial conhecido em parte e provido.(REsp 705457/SP; Rel. Min. AldirPassarinho Júnior; DJ: 27.08.2007,p. 260)

A autora, repito, teve amputadaa mão direita aos 26 anos de idade. Asfotos dispensam comentários (f. 176). Aharmonia corporal, corolário da projeçãoexistencial da pessoa, foi abruptamentemaculada. Os efeitos psicológicos dofato são evidentes. O sentimento deincapacidade, olhares de pena oucuriosidade, como pude perceber naprópria audiência, são lesões de difícilquantificação, mas que exigemreparação compatível.

Não se trata aqui só da afliçãoou sentimento de perda e humilhaçãopelos quais irá passar a autora pelo

resto da vida, como também do danoimposto ao corpo.

O fato de não contar mais com aintegridade corporal e ter exposto oestigma da imperfeição, tão caro a umajovem pelos padrões estéticos impostosna sociedade, importa lesão autônomae diversa da redução da capacidadelaborativa.

E, por todos esses fatores, idadeda vítima, gravidade da lesão, quebrada harmonia corporal, reputo 100salários mínimos a título de dano morale 100 salários mínimos por danosestéticos, valores compatíveis com aslesões e aflições impostas à autora (CC,art. 953, parágrafo único).

Utilizo o salário-mínimo comoparâmetro, nos termos de jurisprudênciarecente do STJ:

DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO.SALÁRIOS MÍNIMOS.A fixação do valor de indenização pordanos morais pode ser em saláriosmínimos, pois não há vedação legal;o que não é admitido é sua utilizaçãocomo fator de correção monetária.AgRg no REsp 959.072-MS, Rel.Min. Castro Meira, julgado em03.06.2008.

4. Critérios de liquidação

Os cálculos observarão juros de1% ao mês, pro rata die (art. 39 da Lein. 8.177/91), a contar do evento danoso,para os danos morais e estéticos, quefixo como a data do acidente(31.07.2007). Aplicação da Súmula n. 54do STJ.8 A correção monetária incidirá

8 54 - Os juros moratórios fluem a partir doevento danoso, em caso deresponsabilidade extracontratual.

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a partir da mesma data, nos termos daSúmula n. 43 do STJ9 e os juros de 1%ao mês, pro rata die (art. 39 da Lei n.8.177/91).

Para o pensionamento mensal,a correção incidirá a partir dovencimento da obrigação, tal qual osalário, nos termos da Súmula n. 381do C. TST.

5. Correção monetária

Os índices são os previstos noartigo 39 da Lei n. 8.177/91.

6. INSS e IR

Autorizo, apenas, a tributaçãosobre a indenização por danos moraise estéticos (art. 718 do Decreto n.3.000/99), pois as parcelas nãocompõem a base de cálculo dacontribuição previdenciária (art. 214, §9º, V, “m”, do Decreto n. 3.048/99).

A tributação respeitará o regimede caixa e será calculada ao final, sobreo montante da condenação, nos exatostermos da Súmula n. 368 do C. TST.

7. Constituição de capital

A ré deverá constituir capitalrepresentado por imóveis, títulos dadívida pública ou aplicações financeirasem banco oficial, que será inalienável eimpenhorável, enquanto durar aobrigação referente à pensão mensal,sob pena de penhora do equivalente,nos termos do artigo 475-Q do CPC.

Fixo em R$500,00 a multa diáriapor atraso na obrigação de fazer.

8. Justiça gratuita

A autora firmou declaraçãobastante (f. 22) que não tem condiçõesde arcar com as despesas do processosem prejuízo do sustento próprio e dafamília (CLT, art. 789, § 3º). Defiro osbenefícios da justiça gratuita.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, julgoPROCEDENTES EM PARTE ospedidos, para condenar a ré a pagar àautora, com juros e correção monetária,o que se fizer apurado, respeitada afundamentação, a título de:

a) pensão mensal desde31.07.2007, no valor de um saláriomínimo, até a data em que autoracompletar 72 anos;

b) 100 salários mínimos a títulode danos morais;

c) 100 salários mínimos a títulode danos estéticos.

Custas e honorários periciaispela ré. Estes, no valor de R$1.000,00;aquelas, sobre o valor da condenaçãode R$100.000,00, no importe deR$2.000,00.

Concedo os benefícios da justiçagratuita à autora.

A ré deverá constituir capitalrepresentado por imóveis, títulos dadívida pública ou aplicações financeirasem banco oficial, que será inalienável eimpenhorável, enquanto durar aobrigação referente à pensão mensal,sob pena de penhora do equivalente,nos termos do artigo 475-Q do CPC.Fixo em R$1.000,00 a multa diária poratraso na obrigação de fazer.

Publicada em audiência. Datasupra. Cumpra-se.

9 43 - Incide correção monetária sobre dívidapor ato ilícito a partir da data do efetivoprejuízo.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01857.2007.063.03.00-8Data: 17.03.2008DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE ITUIUTABA - MG - POSTO AVANÇADODE ITURAMA - MGJuiz Substituto: Dr. RANÚLIO MENDES MOREIRA

Aos 17 (dezessete) dias do mês de março de 2008, por determinação doEx.mo Sr. RANÚLIO MENDES MOREIRA, Juiz do Trabalho Substituto, realizou-sesessão exclusivamente para publicação de decisão relativa à ação que tramitaperante a Vara do Trabalho de Ituiutaba, Posto Avançado de Iturama/MG sob n.01857.2007.063.03.00-8 entre partes:

AUTOR: NILCE MARIA GONÇALVES FERREIRA.RÉU: S/A USINA CORURIPE AÇÚCAR E ÁLCOOL.Aberta a audiência às 16h50min, foram apregoadas as partes, ausentes,

sendo então proferida a seguinte:

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

NILCE MARIA GONÇALVESFERREIRA ajuizou ação em face deS/A USINA CORURIPE AÇÚCAR EÁLCOOL, narrando vínculo jurídicoentre as partes, postulando agratuidade judiciária e a satisfação,em síntese, dos seguintes pedidos:

estabilidade acidentária,indenização por danos morais, materiaise honorários advocatícios, além dedespesas para tratamento médico.

Deu à causa o valor deR$476.500,71, juntando procuração edocumentos.

Em audiência, frustrada aconciliação, a reclamada apresentoucontestação escrita com documentos,refutando os pedidos da inicial,prescrição, apresentou impugnação aovalor da causa, alegou litigância de má-fé da autora e fatos impeditivos,modificativos e extintivos dos direitospostulados na peça vestibular.

Impugnação às defesas às f.324/327.

Realizada a perícia médica, cujolaudo foi juntado às f. 362/401.

Em audiência emprosseguimento, encerrou-se a instrução,seguindo-se razões finais orais eremissivas, permanecendo inconciliados.

É o que, de relevante, havia arelatar.

1 - Acidente do trabalho -Competência

Tratando-se de demandadecorrente da relação de trabalho acompetência é da Justiça do Trabalhoex vi do inciso VI do art. 114 da CF, aindaque utilizados dispositivos da lei civil nasolução do litígio (nesse sentido aSúmula n. 392 do TST), o queexpressamente admitido pelo DiplomaConsolidado (CLT, art. 8º, parágrafoúnico).

A competência da JustiçaEstadual decorrente do inciso I do art.109 da CF limita-se às lides acidentáriasem face do ente previdenciário, atéporque a indenização devida peloempregador nos casos em que concorrepara o acidente foi expressamenteelencada pelo constituinte como direitotrabalhista (CF, art. 7º, XXVIII), sujeito,

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pois, à Justiça do Trabalho, como enfimreconheceu o STF em junho de 2005(Conflito de Competência 7.204-1 - MG,Relator Ministro Carlos Ayres Britto).

Destarte, a competência é daJustiça do Trabalho.

2 - Impugnação ao valor dacausa

Rechaço a impugnação oposta,haja vista que o valor atribuído peloautor corresponde à soma de todos ospedidos cumulados, conformedetermina o inciso II do art. 259 doDiploma Processual Civil Pátrio, orasubsidiário, em face do permissivo doart. 769 da CLT.

3 - Prejudicial de prescrição

A reclamada alega a prescriçãodas pretensões da autora, afirmandoque a dispensa ocorreu em 03.01.2005,e, tendo a reclamante ajuizado apresente ação em 23.10.2007, suaspretensões estariam fulminadas pelaprescrição bienal do inciso XXIX do art.7º da CF/88.

Sem razão a reclamada.A questão não é tão simplória

quanto imagina a reclamada, ou comoela quer induzir.

A reclamante ajuizou a presenteação, postulando indenizações pordanos morais e materiais decorrentesde doença ocupacional equiparável aoacidente do trabalho.

Para determinar a prescrição nestecaso, não basta verificar a data dadispensa, como ocorre nos litígios comunsque tramitam nesta Especializada, mas háque se perquirir com todo o cuidadonecessário a actio nata.

A prescrição se inicia, quandoexiste uma ação ajuizável (actio nata),e, nos casos de doença ocupacional

equiparável a acidente do trabalho, essaocorre não na data da dispensa dotrabalhador, mas no momento em que oobreiro toma ciência inequívoca daexistência e efeitos deletérios da doença,o que somente se pode dizer queocorreu a partir da realização de períciamédica juntada às f. 65/68, determinadapela Justiça Federal de Jales/SP, cujolaudo foi concluído em 13.10.2006,sendo esta, portanto, a actio nata.

Nesse sentido a Súmula n. 230do Excelso Pretório:

ACIDENTE - INDENIZAÇÃO. Aprescrição da ação de acidente dotrabalho conta-se do exame pericialque comprovar a enfermidade ouverificar a natureza da incapacidade.

Também nesse sentido aJurisprudência do Superior Tribunal deJustiça, em sua Súmula n. 278:

PRESCRIÇÃO - PRAZOPRESCRICIONAL - AÇÃO DEINDENIZAÇÃO - INCAPACIDADELABORAL. O termo inicial do prazoprescricional, na ação deindenização, é a data em que osegurado teve ciência inequívoca daincapacidade laboral.

Ainda nessa linha o Enunciadoda 1ª Jornada de Direito Material eProcessual na Justiça do Trabalhopromovida pela ANAMATRA:

46. ACIDENTE DO TRABALHO.PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. Otermo inicial do prazo prescricionalda indenização por danosdecorrentes de acidente do trabalhoé a data em que o trabalhador teveciência inequívoca da incapacidadelaboral ou do resultado gravoso paraa saúde física e/ou mental.

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Não posso admitir que a actionata seja a data da dispensa da obreira,especialmente porque esta foi induzidaem erro pela reclamada, que, de formanada ética e responsável, fez areclamante crer que estava apta para otrabalho na data de dispensa, uma vezque realizou exame médico sem oscuidados e rigores necessários em03.01.2005 (f. 401).

Não pode a reclamadabeneficiar-se da própria torpeza, pois,ao induzir, por meio de seu médico, areclamante a pensar que não estavadoente, não apenas lhe agravou osinfortúnios, como também a fez esperartempo precioso para ajuizar ascompetentes ações para ver reparadosos danos que entende que sofreu.

Portanto, claro resta que não háprescrição, porquanto a pretensãosomente nasceu no momento em que areclamante teve a ciência inequívoca dasua doença e o grau dos distúrbios quesuporta, o que ocorreu a menos de doisanos da propositura da presente ação.

Para espancar quaisquerdúvidas, valho-me da doutrina maisabalizada acerca da matéria, extraídada obra do Des. Sebastião GeraldoOliveira, in verbis:

[...] Diz o art. 189 do Código Civil que,violado o direito, nasce para o titulara pretensão, a qual se extingue, pelaprescrição. Leciona o mestreHumberto Theodoro que “no caso daprescrição, o termo a quo é aqueleem que nasce a pretensão e o finalé aquele em que se completa o lapsotemporal assinalado pela lei para oexercício da ação destinada a fazeratuar em juízo a pretensão.”Se o empregado foi acometido deincapacidade decorrente de doençado trabalho ou profissional epreenche os pressupostos para o

deferimento das indenizaçõescabíveis, surge a indagação: a partirde que momento poderemos dizerque ocorreu o termo a quo para oinício da contagem do prazoprescricional?A pergunta realmente é embaraçosaporque o adoecimento é umprocesso que pode levar anos atéatingir o grau irreversível deincapacitação para o trabalho.Normalmente, no início daenfermidade, o tratamento começacom simples acompanhamentomédico, sem interrupção do trabalho;depois, com o agravamento dossintomas, surgem afastamentostemporários, às vezes intercaladoscom altas e retorno ao trabalho; emseguida, ocorre afastamento maisprolongado, como o pagamento deauxílio-doença pela PrevidênciaSocial; f inalmente, após aconsolidação da doença, constata-sea invalidez total ou parcial para otrabalho. Ao longo desse processo avítima foi submetida a inúmerasconsultas médicas, perícias,tratamentos diversos ou atéintervenções cirúrgicas, semprealimentando a esperança derecuperação total ou parcial dasaúde e da capacidade laborativa. Apartir de que momento, portanto,ocorreu a violação do direito (actionata) e a pretensão reparatóriatornou-se exigível?Essa questão, há muito, suscitacontrovérsias. O STF em 1963adotou a Súmula 230 que prevê: “Aprescrição da ação de acidente dotrabalho conta-se do exame pericialque comprovar a enfermidade ouverificar a natureza da incapacidade.”Em 2003 o STJ editou a Súmula 278consolidando o entendimento de que“o termo inicial do prazo

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prescricional, na ação deindenização, é a data em que osegurado teve ciência inequívoca daincapacidade laboral.”Como se vê, o termo a quo dacontagem do prazo prescricional nasdoenças ocupacionais não estávinculado à data da extinção docontrato de trabalho, ou doaparecimento da doença ou dodiagnóstico ou mesmo doafastamento. Não se pode exigir davítima o ajuizamento precoce daação quando ainda pairam dúvidassobre a doença, sua extensão, apossibilidade de recuperação total ouparcial etc. A lesão (actio nata) sófica mesmo caracterizada quando oempregado toma conhecimento,sem margem a dúvidas, daconsolidação da doença e dos seusefeitos na capacidade laborativa, ou,como diz a Súmula 278 do STJ,quando ele tem “ciência inequívocada incapacidade laboral”. O prazo daprescrição só começa a fluir quandoo direito se torna exigível. Esseposicionamento é de grandeimportância, porque diversaspatologias decorrentes de exposiçãoaos agentes nocivos do ambiente detrabalho só se manifestam muitosanos depois, como é o caso daasbestose. (grifei)(OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de.Indenizações por acidente dotrabalho ou doença ocupacional, LTr,p. 281/282). (grifei)

Destarte, repito, não pode a rédizer que a reclamante estava indenede dúvida quanto ao seu estado desaúde ao ser dispensada da empresa,porquanto o próprio médico da empresaatestou que a reclamante estava aptapara o trabalho na véspera de suadispensa.

Destarte, diante das súmulassupramencionadas e da doutrina maisabalizada acerca da matéria, como alição supratranscrita, que se encaixacomo uma luva no caso vertente,impõe-se, por justiça, rejeitar aprescrição aventada pela ré.

Destarte, rejeito a prejudicial.

4 - Da doença ocupacional

Afirmou a reclamante, em sua peçavestibular, que, em virtude das condiçõesem que trabalhou para a ré, semconcessão de intervalos intrajornadasregulares para alongamentos e exercícioslaborais, e devido ao excesso de esforçorepetitivo, desenvolveu doenças que atornaram inapta para o trabalho, além delhe ocasionar dores.

Postula o pagamento deindenização por danos materiais emorais decorrentes das doençasadquiridas e indenização estabilitária.

Assevera a responsabilidade dareclamada, afirmando a aplicação daresponsabilidade objetiva no casovertente.

A reclamada refuta as alegaçõesda obreira, aduz que não tem nenhumaculpa pelo estado de saúde da reclamantee que cumpria as normas de medicina,higiene e segurança do trabalho, inclusiveafirmando que promove ginástica laboral,juntando fotografias para comprovar suasalegações.

Afirma a ré, à f. 92, que o CódigoCivil exige a concorrência do elementoculpa para a obrigação de indenizar,além do ato ilícito e do nexo causal. Cita,também, o art. 927 do Código Civil Pátrioe seu parágrafo único, onde se pode lerque:

Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, noscasos especificados em lei, ou

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quando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem.

Também afirma que areclamante desempenhou as mesmastarefas por dezoito anos e somente nosúltimos 4 anos e 7 meses na empresaré, asseverando que a reclamante podeter desenvolvido as suas doenças antesde ingressar na empresa ré, ou foradela, pelo exercício de outras atividades.

Quanto ao fato de a reclamanteter adquirido as doenças que ostentaatualmente (tendinite dos membrossuperiores, síndrome do túnel do carpobilateral, bursite do ombro esquerdo ecervicobraquialgia, conforme laudo def. 363 e segs.) antes do início do pactolaboral entre as partes, não há que sedar razão aos argumentos da ré, pois areclamante se submeteu a exameadmissional, em maio de 2000 (f. 129),onde o médico da empresa atestou queela estava apta para o trabalho, e, assimsendo, presume-se que gozava deperfeita saúde física.

Se o médico da empresa não foicompetente, ou não fez os examesadmissionais com o rigor e o critérionecessários, não pode agora a ré tentarfazer crer que a reclamante já estavadoente quando ingressou na empresa,pois, se já estivesse doente, o examedo médico da empresa deveria terdetectado, e, se não detectou, eraporque a reclamante estava saudável,e, se não estava, e mesmo assim omédico da ré deu laudo errado, expôs arisco a saúde da obreira, o que tambémimpõe indenização.

Destarte, refuto o argumento deque a reclamante já estaria doentequando ingressou na empresa.

Registro, porém, que a períciarealizada pela perita designada por este

juízo detectou que atualmente areclamante ostenta as seguintesdoenças ocupacionais: tendinite dosmembros superiores, síndrome do túneldo carpo bilateral, bursite do ombroesquerdo e cervicobraquialgia (f. 369).

Quanto ao nexo causal, dasquatro doenças ora ostentadas pelareclamante, com as atividades quedesempenhava na empresa, não tenhonenhuma dúvida, porquanto o laudopericial juntado às f. 362/401 foi precisoe categórico quanto ao nexo decausalidade entre as doenças dareclamante e as atividades quedesempenhava na ré.

A empresa afirmou em suadefesa que estabelecia ginástica laboralno local de trabalho, o que foidesmentido pela testemunha da própriaré à f. 438, que afirmou com todas asletras que “sabe dizer com certeza queaté o final do ano de 2004 não existiaginástica laboral no campo...”.

Desse modo, concluo que asfotos colacionadas aos autos tiveram oúnico propósito de induzir o juiz em erro,embora nas fotos datadas se pudessever com precisão que as ginásticasfotografadas ocorreram após a dispensada obreira.

A realização de ginástica laboralpara trabalhadores que exercematividades com esforço repetitivo édecorrência lógica do disposto na NR-17, especialmente no item 17.6 quedispõe sobre a organização do trabalho,da seguinte forma:

17.6.1 - A organização do trabalhodeve ser adequada às característicaspsicofisiológicas dos trabalhadores eà natureza do trabalho a serexecutado.17.6.2 - A organização do trabalho,para efeito desta NR, deve levar emconsideração, no mínimo:

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a) as normas de produção;b) o modo operatório;c) a exigência de tempo;d) a determinação do conteúdo detempo;e) o ritmo de trabalho;f) o conteúdo das tarefas.17.6.3 - Nas atividades que exijamsobrecarga muscular estática oudinâmica do pescoço, ombros, dorsoe membros superiores e inferiores,e a partir da análise ergonômica dotrabalho, deve ser observado oseguinte:a) todo e qualquer sistema deavaliação de desempenho para efeitode remuneração e vantagens dequalquer espécie deve levar emconsideração as repercussões sobrea saúde dos trabalhadores;b) devem ser incluídas pausas paradescanso;c) quando do retorno ao trabalho,após qualquer tipo de afastamentoigual ou superior a 15 (quinze) dias,a exigência de produção deverápermitir um retorno gradativo aosníveis de produção vigentes na épocaanterior ao afastamento. (grifei)

As normas de medicina, higienee segurança do trabalho dizem respeitoao meio ambiente do trabalho,especialmente protegido (art. 200, VIII e§ 3º do art. 225 da CF/88), competindoao empregador demonstrar que ascumpria, encargo do qual a ré não sedesvencilhou, especialmente por não tercomprovado pausas regulares,realização de exames periódicos anuaise observância dos deveres deproporcionar ambiente de trabalhosaudável, com pausas regulares eprocedimentos que pudessem minimizaros efeitos das condições ergonômicasdas atividades desempenhadas pelareclamante (Lei n. 8.213/91, art. 19, § 1º).

A reclamada, em sua defesa,repito, afirma, à f. 92, que o Código Civilexige a concorrência do elemento culpapara a obrigação de indenizar, além doato ilícito e do nexo causal. Cita,também, o art. 927 do Código Civil Pátrioe seu parágrafo único, onde se pode lerque:

Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, noscasos especificados em lei, ouquando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem.

Já verificadas algumas condutasculposas da ré, mas isso não é o quemais influi na formação do meuconvencimento. Vejamos se ela seenquadra ou não no disposto na partefinal do parágrafo único do artigo 927do Código Civil, acima mencionado.

Para isso, devemos analisar oque é uma atividade que por suanatureza implica risco para os direitosde outrem.

Parto da premissa de que a saúdeé um direito humano fundamental, nostermos do art. 196 da CF/88, e, dessaforma, se a atividade normalmentedesenvolvida pela empresa implicariscos para a saúde do trabalhador, porconseqüência, insere-se na previsão daparte final do parágrafo único do art. 927do Código Civil.

Não precisaríamos recorrer aoscientistas e estudiosos para verificar quea atividade de cultivo e corte de cana épenosa e causa danos à saúde dotrabalhador, pois isso é fato notório.

No entanto, para espancarqualquer dúvida e para não havernenhuma alegação de que a sentençafundou-se apenas na observação doque ordinariamente acontece e nos

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* Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.E-mail: [email protected]

conhecimentos do senso comum, cito oestudo do Professor Francisco Alves, daUniversidade de São Carlos, quepublicou artigo com o título sugestivo“Por que morrem os cortadores decana?”, acerca da matéria.

Transcreverei alguns trechos doreferido artigo, para delinear a situaçãodos trabalhadores no setorsucroalcooleiro, enfatizando que, aquinas Minas Gerais, as condições detrabalho são bem parecidas:

POR QUE MORREM OS CORTADORES DE CANA?

Francisco Alves*

INTRODUÇÃO

Segundo o Serviço Pastoral do Migrante de Guariba, SP, entre as safras 2004/2005 e 2005/2006 morreram 13 cortadores de cana na Região Canavieira de SãoPaulo. Eram trabalhadores jovens, com idades variando entre 24 e 50 anos, todoseram migrantes, que tinham vindo de outras regiões do país (Norte de Minas, Bahia,Maranhão, Piauí) para o corte de cana em São Paulo. As causas mortis em seusatestados de óbitos são vagas a respeito do que ocasionou verdadeiramente as mortes,os atestados dizem apenas que morreram por parada cardíaca. Os amigos e familiaresfalam que antes das mortes haviam reclamado de dores no corpo, haviam tido câimbrase cansaço excessivo, falta de ar, desmaios etc. Desta forma, entendemos que taismortes são decorrentes das condições de trabalho destes trabalhadores. Portanto,para respondermos à questão formulada no título deste trabalho é necessárioentendermos o processo de trabalho empreendido por estes trabalhadores no cortede cana. Este é o objetivo deste trabalho, mostrar o processo de trabalho a que estãosubmetidos estes trabalhadores e apontar uma solução para esta questão, que é crucial,não apenas para os trabalhadores e suas famílias, mas também, para toda a sociedadee para o próprio complexo agroindustrial canavieiro, que produz, à custa do trabalhodestes trabalhadores, produtos destinados aos mercados interno e externo.

PROCESSOS DE PRODUÇÃO E DE TRABALHO CANAVIEIRO

O processo de produção passou por mudanças significativas da década de80 até a presente década. Na década de 80, logo no seu início, o país, e maisespecificamente o complexo agroindustrial canavieiro, vivia o seu período áureo, emplena vigência do Proálcool, na sua segunda fase (após 1979), que incentivava aprodução de álcool hidratado e anidro, produzido em destilarias autônomas e anexas.O álcool hidratado passa a ser o principal produto deste complexo e visava substituira gasolina para atender ao enorme crescimento da produção nacional de automóveismovidos unicamente a este novo combustível. O Proálcool foi o maior programapúblico mundial de produção de combustível renovável, constituindo-se numaalternativa ao uso dos derivados do petróleo, que atravessava sua grande crise dosanos 70.

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FIGURA: PRODUÇÃO DE VEÍCULOS POR TIPO DE COMBUSTÍVEL -BRASIL (1979-2003)

Em decorrência do Proálcool cresceu a produção de cana-de-açúcar, novasdestilarias e usinas foram instaladas e cresceu o número de empregos diretos emtoda a cadeia produtiva; da indústria produtora de máquinas e equipamentos para osetor sucroalcooleiro à comercialização de álcool e açúcar, isto é, houve a criaçãode novos postos de trabalho industrial a novos postos de trabalho agrícola.

Naquele período, cresceu também a produtividade da cultura agrícola, medidaem quantidade de cana por hectare ocupado com a atividade que saiu de 50 toneladaspor hectare e atingiu mais de 80, entre as décadas de 60 e 80 (ALVES, 1991). Cresceutambém a produtividade do trabalho no corte de cana, medida em toneladas de canacortadas por dia por homem ocupado. Se na década de 50 a produtividade do trabalhoera, em média, de 3 toneladas de cana por dia de trabalho, na década de 80 aprodutividade média passa para 6 toneladas de cana por dia por homem ocupado eno final da década de 90 e início da presente década atinge 12 toneladas de canapor dia (ALVES, 2003).

Para entendermos o processo de trabalho no corte de cana é necessárioentendermos que a cana é uma gramínea plantada em linhas contidas num talhão.Cada linha de cana dista uma da outra em média 1,5 metros. Como a cana é gramíneae sua germinação é feita por gemas existentes na cana madura e não por sementes,em cada linha de cana são plantados toletes (pedaços de cana) de aproximadamente30 centímetros de comprimento. Em uma linha de 1000 metros, por exemplo, sãoplantados 333 toletes de 30 centímetros. De cada tolete deverá germinar em torno de10 novas canas, dependendo da quantidade de gemas existentes no tolete e dascondições edafo-pedológicas da área em que a cana foi plantada. O talhão é umretângulo onde a cana é plantada, que tem por limites os carreadores, que são estradasonde circulam os veículos e máquinas agrícolas. O tamanho destes retângulos (talhões)varia em decorrência de fatores tecnológicos e físicos. Os fatores físicos se referemaos acidentes geográficos existentes na área: declives e aclives acentuados, existênciade rios e córregos, existência de cercas de delimitação de propriedade agrícola, grandespedras irremovíveis, etc. Os fatores tecnológicos variam em decorrência da tecnologiautilizada no processo de produção. Houve um aumento bastante acentuado da áreado talhão quando o processo de produção passou da tração animal para a traçãomotomecânica. A área dos talhões expandiu-se e expande-se em decorrência dapotência das máquinas agrícolas e de suas autonomias. Houve um grande aumentoda área dos talhões com a introdução das máquinas carregadeiras e das máquinascolheitadeiras de cana. Isto porque, principalmente estas últimas necessitam de talhõesmais longos, porque isto reduz a quantidade de manobras e a redução da quantidadede manobras reduz o gasto com combustível e aumenta a quantidade de horas defuncionamento efetivo, isto é, horas em que a máquina trabalha colhendo cana.

O processo de trabalho no corte de cana consistia na década de 80 e perduraaté hoje no trabalhador cortar toda a cana de um determinado retângulo; com 8,5metros de largura, contendo 5 ruas de cana (linhas em que é plantada a cana), por umcomprimento que varia de trabalhador para trabalhador. Este pequeno retângulo, contidono retângulo maior, que é o talhão, é chamado pelos trabalhadores de eito e ocomprimento do eito varia de trabalhador para trabalhador, porque depende do ritmo

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de trabalho e da resistência física de cada um. Portanto, trata-se de um retângulo decana com área variável, porque a largura é definida, mas o comprimento é determinadoao final do dia quando o trabalho é concluído. É o comprimento do eito, que serámedido ao final do dia de trabalho, que será o indicador do seu ganho diário. Portanto,o que o trabalhador receberá pelo dia de trabalho é o comprimento do eito, medido emmetros lineares, multiplicados pelo valor do metro de cana apurado para todo o talhão.

Estima-se que para cortar 6 toneladas de cana num dia, considerando umacana de primeiro corte, de crescimento ereto, que o comprimento do eito seja deaproximadamente 200 metros. O trabalhador, além de cortar a cana contida na áreadeste retângulo (1.700 m²), deve cortar também as pontas da cana e transportar acana para a linha do meio (3ª linha) que dista 3 metros de cada uma das extremidadesdo eito.

Até hoje está mantido o corte em 5 ruas, embora haja usinas que burlemesta determinação, a qual foi resultado de um acordo feito entre os trabalhadores eas usinas para por fim à greve de Guariba de 1984. A greve de Guariba foi decorrente,dentre outros fatores, da mudança que as usinas haviam empreendido no tamanhodo eito, passando-o para 7 ruas de cana. Devido à greve e ao acordo necessáriopara que ela terminasse, houve a volta ao eito de 5 ruas, que está mantido até hoje(ALVES, 1991).

[...]No corte de cana os trabalhadores têm o controle da atividade, o que não

ocorre em outros processos de produção, em que, através do sistema de máquinas,há a subordinação do trabalhador e do processo de trabalho ao sistema; os aumentosde produtividade são alcançados através do sistema de máquinas. Como cadatrabalhador é diferente do outro, embora a atividade seja a mesma, os trabalhadorestêm produtividades diferentes, porque esta depende da habilidade, da força física eda resistência de cada trabalhador. No corte de cana, o trabalhador recebe o eito decana definido pelo supervisor da turma e realiza as atividades exigidas: começa acortar pela linha central, a linha que será depositada a cana, em seguida corta asduas linhas laterais à central, de forma a que todas as linhas do eito sejam cortadassimultaneamente, sem deixar linhas sem cortar (deixar telefone).

Depois de definido o eito, quando o trabalhador começa a cortar a cana, eleabraça um feixe de cana (contendo entre cinco e dez canas), curva-se e flexiona aspernas para cortar a base da cana. O corte da base tem que ser feito bem rente aosolo, porque é no pé da cana que se concentra a sacarose. O corte rente ao chãonão pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota. Depois de cortadas todas ascanas do feixe na base, o trabalhador corta a ponta, o pendão, isto é, a parte de cimada cana, onde estão as folhas verdes, que são jogadas no solo. Em algumas usinasos trabalhadores têm de cortar a ponta no ar, em outras, é permitido que ele as corteno chão e em outras, ainda, é permitido aos trabalhadores o corte do pendão nochão, na fileira do meio, onde os feixes de cana são amontoados. Neste caso, aocortar o pendão no chão, os trabalhadores têm que realizar um movimento com ospés, para separá-los das canas amontoadas na linha central, por uma distância de0,5 metro, para que as máquinas carregadeiras carreguem os caminhões apenascom cana, sem pontas e palhas. Em algumas usinas em que é permitido o corte daspontas no chão, na fileira do meio, os trabalhadores desenvolveram uma novaferramenta para separar as pontas da cana, eliminando um penoso movimento que

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1 A cana é plantada em toletes de aproximadamente 30 cm, cada um, a cana brotadas gemas existentes nos toletes e cada tolete tem, aproximadamente, de 10 a 15gemas, considerando que 10 destas gemas brotem, tem-se que a cada 30cm hajaum feixe com 10 canas, como o trabalhador corta 200 metros de cana em 5 ruas,isto equivale a 100.000 cm. Como, a cada 30 cm, há um feixe de 10 canas a sercortado, o trabalhador terá que dar, pelo menos, 10 golpes para cortar cada canabem rente ao solo, portanto ele dará 10 golpes multiplicados por 33.333 feixes em30 cm. Portanto ele dará 33.333 golpes, como isto é multiplicado por 2, porque elecorta a cana em baixo e em cima, chegamos a marca de 66.666 golpes por dia,por trabalhador, cortando 200 metros de cana, equivalente a 6 toneladas de peso.Estes valores são aproximados, porque dependem do tipo de cana e da formacomo cada trabalhador executa a atividade.

é separar as pontas da cana com os pés. Este movimento é muito cansativo, dearraste lateral dos pés, para a direita e para a esquerda, assemelha-se a um passo deuma dança típica do sertão nordestino, que é o xaxado. Este instrumento desenvolvidopelos trabalhadores é uma haste de madeira com uma ponta, semelhante a umaforquilha invertida, que possibilita o afastamento das pontas com os braços.

Em algumas usinas, as canas amontoadas na fileira central devem serdispostas em montes, que distam um metro um do outro, em outras usinas é permitidoao trabalhador fazer uma esteira de canas sem a necessidade dos montes separados.Com isto, fica claro que a quantidade cortada por dia por trabalhador dependeexclusivamente de sua força e habilidade na execução deste conjunto de atividades.Portanto, a quantidade cortada não varia de acordo com a necessidade da usina emproduzir açúcar e álcool, mas depende apenas da habilidade do trabalhador e dasua necessidade em cortar mais, para ganhar mais. O ganho do trabalhador durantea safra de cana deve ser suficiente para mantê-lo e a sua família por todo o ano,porque na entressafra há o risco de não ter trabalho, porque cai a demanda portrabalhadores pelas usinas.

Eu comparo o cortador de cana a um atleta corredor fundista e não a umcorredor velocista. Os trabalhadores com maior produtividade não sãonecessariamente os que têm maior massa muscular, tão necessária aos velocistas.Para os fundistas, é necessário maior resistência física para a realização de umconjunto de atividades repetitivas e exaustivas, realizadas a céu aberto, sob o sol,na presença de fuligem, poeira e fumaça, por um período que varia entre 8 a 12horas de trabalho diárias.

Um trabalhador que corta 6 toneladas de cana, num eito de 200 metros decomprimento por 8,5 metros de largura, caminha durante o dia uma distância deaproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 20 golpes com o podãopara cortar um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes no dia1 (considerandouma cana em pé, de primeiro corte, não caída e não enrolada e que tenha umadensidade de 10 canas a cada 30cm). Além de andar e golpear a cana, o trabalhadortem que, a cada 30cm, abaixar-se e torcer-se para abraçar e golpear a cana bemrente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disto, ele ainda amontoavários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Istosignifica que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seusbraços, 6 toneladas de cana em montes de peso equivalente a 15 Kg, a uma distânciaque varia de 1,5 a 3 metros. (grifos inexistentes no original)

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2 Mangote é vestimenta que reveste o braço esquerdo do cortador de cana destro, ou obraço direito do cortador canhoto, ela serve para proteger o braço que abraça o feixe decana para o corte de base. O mangote é revestido de brim e tem um forro de espuma.

3 Ministrar soro na veia de cortadores de cana é um procedimento médico comumem todos os hospitais da zona canavieira de São Paulo. No final da tarde e inícioda noite, principalmente nos dias mais quentes e secos, comuns durante o pico dasafra de cana, é comum que os ambulatórios destes hospitais se encham decortadores de cana tomando soro.

Além de todo este dispêndio de energia andando, golpeando, contorcendo-se,flexionando-se e carregando peso, o trabalhador, sob o sol, utiliza uma vestimenta compostade botina com biqueira de aço, perneiras de couro até o joelho, calças de brim, camisa demanga comprida com mangote2, também de brim, luvas de raspa de couro, lenço no rostoe pescoço e chapéu, ou boné. Este dispêndio de energia sob o sol, com esta vestimenta,leva a que os trabalhadores suem abundantemente e percam muita água e juntocom o suor perdem sais minerais e a perda de água e sais minerais leva à desidrataçãoe à freqüente ocorrência de câimbras. As câimbras começam, em geral, pelas mãos epés, avançam pelas pernas e chegam no tórax e são chamadas pelos trabalhadoresde birola, o que provoca fortes dores e convulsões, que fazem pensar que o trabalhadoresteja tendo um ataque nervoso. Para conter as câimbras, a desidratação e a birola,algumas usinas já levam para o campo e ministram aos trabalhadores soro fisiológicoe, em alguns casos, suplementos energéticos, para reposição de sais minerais. Emoutros casos, são os próprios trabalhadores que, ao chegarem à cidade, dirigem-seaos hospitais onde lhes é ministrado soro diretamente na veia.3 (grifei)

[...]A partir da década de 90 houve um grande aumento da produtividade do

trabalho. Os trabalhadores para manterem seus empregos na cana necessitam hojecortar no mínimo 10 toneladas de cana por dia e a média cortada expandiu-se para12 toneladas de cana por dia. Portanto, a produtividade média cresceu em 100%,saiu de 6 toneladas/homem/dia, na década de 80, e chegou a 12 toneladas de canapor dia, na presente década (ALVES et alli, 2003).

O fato de os trabalhadores hoje terem uma produtividade duas vezes superiorà da década de 80 se deve a um conjunto de fatores:

- O aumento da quantidade de trabalhadores disponíveis para o corte decana e esta maior disponibilidade se deve a três fatores:I. aumento da mecanização do corte de cana;II. o aumento do desemprego geral da economia, provocado por duasdécadas de baixo crescimento econômico eIII. expansão da fronteira agrícola para as regiões do cerrado, atingindo osul do Piauí e a região da pré-amazônia maranhense, destruindo as formasde reprodução da pequena propriedade agrícola familiar, predominantenestes estados.

- Possibilidade de seleção mais apurada pelos departamentos de recursoshumanos das usinas. Esta seleção mais apurada de trabalhadores leva a:seleção de trabalhadores mais jovens, redução da contratação de mulherese a possibilidade de contratação de trabalhadores oriundos de regiões maisdistantes de São Paulo (Norte de Minas, Sul da Bahia, Maranhão e Piauí).

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- A seleção mais apurada permite que as usinas implementem a contrataçãopor período de experiência, onde os trabalhadores que não conseguematingir a nova média de produção, 10 toneladas de cana por dia, sãodemitidos antes de completarem três meses de contrato.

Um trabalhador que corta hoje 12 toneladas de cana, em média, por dia detrabalho realiza as seguintes atividades no dia:

- Caminha 8.800 metros;- Despende 133.332 golpes de podão;- Carrega 12 toneladas de cana nos braços, em montes de 15 kg. em média

cada um;- Faz 800 trajetos carregando cana e cada trajeto varia de 1,5 a 3 metros;- Faz 800 flexões de costas e pernas para despejar a cana na linha central

do eito;- Faz 36.630 flexões e entorses toráxicos para golpear a cana rente ao solo;- Perde, em média, 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade

sob sol forte do interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligemexpelida pela cana queimada, trajando uma indumentária que o protege,da cana, mas aumenta a temperatura corporal.

Com todo este detalhamento da atividade do corte de cana, fica fácilentendermos porque morrem os trabalhadores rurais cortadores de cana em SãoPaulo. Os cortadores de cana morrem devido ao excesso de trabalho. (grifei)

[...]

CONCLUSÃO

Finalmente, o que vai ao centro da questão, que são as mortes dostrabalhadores cortadores de cana pelo excesso de trabalho, é o fim do pagamentopor produção. Enquanto o setor sucroalcooleiro permanecer com esta dicotomiainterna: de um lado, utiliza o que há de mais moderno em termos tecnológicos eorganizacionais, uma tecnologia típica do século XXI (tratores e máquinas agrícolasde última geração, agricultura de precisão, controlada por geoprocessamento viasatélite etc.); mas mantiverem, de outro lado, relações de trabalho, já combatidas ebanidas do mundo desde o século XVIII, trabalhadores continuarão morrendo. Istoporque os 13 que morreram nas duas últimas safras são, infelizmente, uma amostrainsignificante do total que deve morrer todas as safras clandestinamente,silenciosamente. Ao longo dos últimos 20 anos que me dedico à análise das condiçõesde vida e trabalho dos trabalhadores rurais, colhi vários depoimentos de trabalhadoresque relatavam mortes como as agora tornadas públicas através do excelente trabalhodo Serviço Pastoral dos Migrantes de Guariba.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- ALVES, F. (1991). Modernização da Agricultura e sindicalismo: as lutas dos

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trabalhadores assalariados rurais na região canavieira de Ribeirão Preto. Tese dedoutoramento, IE/UNICAMP, Campinas.

- ALVES, F. et alli (2003). Políticas Públicas para o desenvolvimento auto-sustentávelda Bacia Hidrográfica do rio Mogi-Guaçu. Relatório de Pesquisa, FAPESP, DEP/UFSCar, São Carlos, mimeo.

- SMITH, A. (1979). Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza dasnações, Editora Abril Cultural, São Paulo.

- MARX, K. (1975). O Capital, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.

Mantenho as referênciasbibliográficas para eventual cotejo dasinformações.

Mas acrescento outrasinformações sobre as condições detrabalho no ramo de atividadedesenvolvido pela ré, sendo que agora

lanço mão de outros estudos:Texto a ser publicado na Revista

Nera (Núcleo de estudos, pesquisa eprojeto de reforma agrária). Edição n.7, 2006. Revista eletrônica do PPG/Geografia e dep. de Geografia daUNESP/PP.

DO KAROSHI NO JAPÃO, À BIRÔLA NO BRASIL: AS FACES DO TRABALHONO CAPITALISMO MUNDIALIZADO

Em memória dos mortos.Em busca do fim da banalização da morte e da vida.

Maria Aparecida de Moraes SilvaProfessora colaboradora do PPG/Geografia/UNESP/PP e pesquisadora visitante

do PPG/Geografia /USP. Pesquisadora do CNPq.

Rodrigo Constante MartinsBolsista de Pós-doutorado da FAPESP, junto ao PPG/Ciências Sociais/UFSCar

Fábio Kazuo OcadaDoutorando do PPG/Sociologia/UNESP/Araraquara

Stela GodoiMestranda do PPG/Ciências Sociais/UNICAMP

Beatriz Medeiros de MeloMestranda do PPG/Geografia/UNESP/PP

Andréa VettorassiMestranda do PPG/Ciências Sociais/UFSCar

Juliana Dourado BuenoBolsista de IC do Curso de Ciências Sociais/UFSCar

Jadir Damião RibeiroBolsista de IC do Curso de Direito da UNIARA

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[...]No ano de 2004, o agente da Pastoral dos Migrantes, Jadir Ribeiro, denunciou

à imprensa três mortes de trabalhadores rurais, cortadores de cana, ocorridas nasusinas do Estado de São Paulo. Em 2005, 10 outras mortes foram registradas. Valedizer que todas elas aconteceram em situações similares, durante o trabalho noscanaviais. Todos os mortos eram migrantes temporários, exceto um deles. Todoseram homens, exceto uma mulher. Os sintomas registrados se referiam a dores decabeça, fortes cãibras, seguidas de desmaios e, finalmente, parada cardiorespiratória.

Os nomes dos mortos são os seguintes:- José Everaldo Galvão, 38 anos, natural de Araçuaí/MG, falecido em abril

de 2004, no hospital de Macatuba/SP. A causa da morte foi paradacardiorespiratória;

- Moisés Alves dos Santos, 33 anos, natural de Araçuaí/MG, falecido nohospital de Valparaíso/SP, devido a uma parada cardiorespiratória;

- Em maio de 2004, o trabalhador Manoel Neto Pina, 34 anos, natural deCaturama/BA, faleceu após uma parada cardiorespiratória no hospital deCatanduva/SP;

- Lindomar Rodrigues Pinto, 27 anos, natural de Mutans/BA, falecido emmarço de 2005, em Terra Roxa/SP;

- Ivanilde Veríssimo dos Santos, 33 anos, natural de Codó/MA, teve mortesúbita; trabalhava para a usina São Martinho, faleceu em Pradópolis/SP;

- Valdecy de Paiva Lima, 38 anos, natural de Codó/MA, falecido no hospitalSão Francisco de Ribeirão Preto/SP, em julho de 2005, devido a um acidentecerebral hemorrágico;

- Natalino Gomes Sales, 50 anos, natural de Berilo/MG, falecido em agostode 2005, por parada cardiorespiratória, num hospital em Batatais/SP;

- Domício Diniz, 55 anos, natural de Santana dos Garrotes/PE, falecido emsetembro de 2005 no trajeto para o hospital em Borborema/SP; teve mortesúbita;

- Em 04 de outubro de 2005, faleceu o trabalhador Valdir Alves de Souza,43 anos; a causa da morte foi enfarte.

- Ainda no mês de outubro, dia 21, faleceu o trabalhador José Mário AlvesGomes, 47 anos, natural de Araçuaí/MG; a causa da morte foi enfarte, apóscortar 25 toneladas de cana; morava no alojamento Jibóia, mantido pelaUsina Santa Helena, do Grupo Cosan., no município de Rio das Pedras/SP.

- No dia 21 de novembro, faleceu Antônio Ribeiro Lopes, 55 anos, naturalde Berilo/MG, residente há 20 anos em Guariba, durante o trabalho nausina Engenho Moreno no município de Luiz Antônio.

- Duas outras mortes estão sendo averiguadas, pois as denúncias ocorreramapós os corpos terem sido enterrados em seus locais de origem, no Valedo Jequitinhonha/MG.

Entretanto, desde o ano 2000, durante a realização de pesquisa de campo4,alguns trabalhadores rurais da macrorregião de Ribeirão Preto mencionavam a morte

4 Pesquisa, gênero e exclusão social na agricultura, financiada pela FAPESP e CNPq,coordenada por Maria Aparecida de Moraes Silva (2000-2004).

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de parentes em função de cãibras. Rumin (2003) encontrou situação similar na regiãoda Alta Paulista, em função da “birôla”: morte pelo esforço excessivo no trabalho.

Estas denúncias, inicialmente encaminhadas ao Ministério Público, chamarama atenção da Procuradoria-Geral da República de São Paulo, da Plataforma DHESC- Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais -DHESC Brasil, com apoio institucional do Programa de Voluntários das Nações Unidas(UNV/PNUD) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - PGR/MPF - asquais organizaram duas audiências públicas na cidade de Ribeirão Preto durante omês de outubro de 2005, e também da Assembléia Legislativa do Estado de SãoPaulo, representada pela Comissão de Agricultura e Pecuária, que se responsabilizoupela organização da terceira audiência pública, na cidade de São Paulo, em dezembrode 2005. Vale ainda mencionar que tais acontecimentos vieram a público, inicialmente,por meio dos meios de comunicação locais e regionais e alcançaram a imprensa eos meios televisivos de abrangência nacional, e até mesmo internacional.5

Os autores acima referidos - integrantes do Grupo de Pesquisa do CNPq,Terra, Trabalho, Migração e Memória, coordenado pela professora Maria Aparecidade Moraes Silva - se propõem, neste texto, à análise sociológica destes fatos, apartir de dois eixos:

- a compreensão deste trabalho sob a ótica da ontologia do ser social;- a compreensão da luta de classes à luz deste momento histórico

caracterizado pelo capitalismo mundializado, cujo enjeu envolve nãosomente os trabalhadores e os capitalistas, como também outros atoressociais, originários dos organismos institucionais e da sociedade civil.

As reflexões que se seguem visam à análise das mortes como sendo a pontade um verdadeiro iceberg, cuja maior parte referente à vida e ao trabalho de milharesde pessoas, empregadas temporariamente no corte de cana nas grandes usinassituadas no interior do estado de S. Paulo, é desconhecida pela sociedade e silenciadapela academia. Portanto, nosso objetivo é dar visibilidade a estes fatos e tambémcontribuir para o debate acerca do trabalho em tempos de mundialização do capital,chamando a atenção para as especificidades do caso analisado, especificamente, aexploração do trabalho pelo chamado agronegócio sucroalcooleiro na macrorregiãode Ribeirão Preto que concentra as maiores usinas do país, muitas delas, com capitais

5 As notícias circuladas pela grande imprensa se reportam aos Jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo e o Jornal Brasil de Fato de São Paulo. As Emissorasde Televisão que acompanharam as audiências públicas e seus desdobramentosforam a TV Globo e TV Cultura, além das EPTVs regionais, da TV Cube e SBT deRibeirão Preto e da TV Universitária da UNAERP. As notícias das mortes e dasituação destes trabalhadores apareceram em vários jornais locais e regionais,como: A Cidade de Ribeirão Preto,O Imparcial de Araraquara, Primeira Página deSão Carlos, O Regional de Catanduva, O Regional de São José do Rio Preto eJornal de Piracicaba, Diário de Ribeirão Preto, Correio Popular e Diário do Povode Campinas, além dos jornais universitários: USP, UNESP. Internacionalmente,o Boletim Trabajador Azucarero (V. V, N. 11, nov./05) noticia as mortes detrabalhadores, ocorridas por esgotamento.

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transnacionais. A fim de dar conta desta proposta, optamos por abordar os diferenteselementos que compõem o mundo do trabalho nos canaviais paulistas. A referênciaacima sobre as mortes constitui-se no ponto de partida e também será o ponto dechegada, como processo de síntese. Na Introdução de 1857, Marx afirma que nainvestigação científica o concreto existe como pressuposição ao espírito.

O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é,unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como oprocesso da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda queseja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida da intuição e darepresentação. (MARX, 1878, p.116).

[...]O título aludido ao fenômeno do Karoshi no Japão se reporta ao fato de que

a intensidade da exploração no momento atual não é apanágio das chamadaseconomias emergentes.

[...]Partindo de uma revisão crítica sobre a dimensão relacional da categoria

trabalho em Marx, Arendt (2005) estabelece a distinção de três momentos no cursodeste movimento de formação, quais sejam, o labor, o trabalho e a ação. O labor sereferiria, na perspectiva da autora, às atividades fundamentais do ser humano sobrea natureza, provendo suas condições de existência orgânica. O trabalho diria respeitoao exercício de dominação do indivíduo sobre a natureza, onde a atividade teleológicaorientaria a criação e o emprego de técnicas de transformação socialmentecondicionada ao ambiente natural. A ação, por sua vez, designaria quadros dereferência onde o indivíduo transcenderia sua condição de trabalhador em direção àpolítica em sentido amplo. Este seria o momento da construção de ambientes paraa experimentação de outras esferas de sociabilidade, de tal sorte que as barreirasda natureza ao labor seriam socialmente contornadas e o universo das técnicas detrabalho seria politicamente direcionado para a promoção do domínio da liberdade.

Nas sociedades capitalistas, estes momentos não formam quadros absolutos.Ao serem interpretados a partir de conjunturas historicamente situadas, compõemquadros distintos de interação. No caso do complexo sucroalcooleiro da região deRibeirão Preto, é possível verificar menos a emergência de liberdades sociais doque a reprodução de exercícios de violências material e simbólica no universo dotrabalho. No caso específico dos trabalhadores que migram de outros estados paratrabalharem na colheita da cana-de-açúcar da região, é possível inclusive verificarindícios de supressão das esferas da ação e do trabalho em benefício da prevalênciada dimensão do labor no cotidiano do canavial, tal como será aprofundado maisadiante.

Silva (1993), em seu estudo sobre trabalhadores e trabalhadoras rurais nestaregião, aponta o fenômeno do desenraizamento através de um processo deproletarização que não se encerrava na perda das condições objetivas de trabalho,decorrente da mecanização da colheita. Este fenômeno se estende à negação dosujeito enquanto ser, em um processo onde, ao não ser absorvido como portador deforça de trabalho, o trabalhador também perde sua identidade de pessoa com direito

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a ter direitos. Neste contexto, vários processos contribuem para a progressão dotrabalho em direção a simples labor. Dentre outros, a autora destaca as listas negras,proibindo a desobediência de normas; ganchos, suspendendo trabalhadores porsuposta desobediência aos feitores; atestados de esterilidade por parte das mulheres6,e; renovação do sistema barracão, de tal sorte que o trabalhador não possui direitosequer ao status de consumidor livre.

A ocorrência destes processos coercitivos na região foi reiterada em relatóriorecente da missão realizada pela Relatoria Nacional para o Direito Humano aoTrabalho (Plataforma DHSC). Dentre outros, o relatório menciona as jornadas detrabalho que chegam às 18 horas diárias; a média de 12 toneladas de cana colhidaspor dia; os níveis de esforços exigidos para o corte da cana (com a necessidade dedesferimento de 9.700 golpes de facão para o corte de 10 toneladas de cana),somados à não reposição adequada dos nutrientes e calorias perdidos no eito, e onão esclarecimento sobre o volume da produção diária do trabalhador. (grifei)

[...]

O TRABALHO COMO SOFRIMENTO

Às discussões levadas a cabo até o momento se acrescentam aquelasprovenientes da psicodinâmica do trabalho, desenvolvidas por Dejours (1992; 2000),para a análise da dimensão do sofrimento subjetivo implicado no processo de trabalho.

Enquanto disciplina científica, a psicodinâmica do trabalho interroga o impactoda realidade exterior sobre o sujeito que vivencia as pressões reais impostas pelascondições de trabalho. Numa perspectiva internacional, a disciplina assinala queuma parte importante do sofrimento engendrado pelo trabalho acumula-se nos paísesem desenvolvimento do hemisfério sul. Os estudos da psicodinâmica do trabalhoatribuem estes efeitos deletérios à própria organização do trabalho, ou seja, à divisãodas tarefas e à divisão dos trabalhadores. A organização do trabalho é freqüentementeperigosa para a integridade física e mental do coletivo operário. Nesse sentido, oóbito decorrente destas condições deve ser considerado como o resultado final deum processo predatório de consumo da força de trabalho.

[...]Existe uma certa tendência em se acreditar que o sofrimento no trabalho foi

bastante atenuado, ou mesmo eliminado, pela mecanização, pela automação e pelarobotização, que teriam abolido as obrigações mecânicas e o trabalho desumanizante.Infelizmente, tudo isso não passa de um discurso retórico, pois só o que as empresas

6 Neste aspecto, é significativo o depoimento de uma trabalhadora ante o quadro deabsoluta ausência de direitos nas relações de trabalho impostas pelas usinas: “Sea usina é dona de nosso trabalho, de nossa força, ela também é dona de nossabarriga. Ela tem que assumir nossa barriga. Por isso, eu fui até o escritório exigiro pagamento da laqueadura” (SILVA, 1993: 120). Tem-se aqui a expressão acabadada negação do ser incorporada nos corpos e no universo de representações destastrabalhadoras. Sua corporidade é negada não somente no sentido de capacidadeestritamente física (a fecundidade), mas também na relação que lhe fornececaracterísticas identitárias decisivas para outras esferas de sociabilidade, qualseja, a maternidade.

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revelam são as suas fachadas, oferecidas aos olhares dos curiosos visitantes. Portrás destas vitrinas iluminadas do progresso, existe o sofrimento dos trabalhadores,que assumem inúmeras tarefas arriscadas para a saúde, em condições tãoprecarizadas quanto aquelas de antigamente e, por vezes mesmo, agravadas pelaintensificação do trabalho e por freqüentes infrações das leis trabalhistas.

Os estudos mostram, por trás destas vitrines, um mundo de sofrimento. Daesfera da produção e do trabalho ouvem-se apenas os ecos amortecidos na imprensa,o que leva a se acreditar que as informações que chegam sobre o sofrimento notrabalho são de caráter excepcional. As pesquisas realizadas por Dejours (1992;2000), nas indústrias, mostram que o sofrimento dos que trabalham assume formasnovas e inquietantes. A organização do trabalho nessas fábricas mudou radicalmentedesde que introduziram métodos inspirados no “modelo japonês” de gestão.7

Como mostra o trabalho de Rifkin (1995), no Japão, o estresse dostrabalhadores vem atingindo proporções alarmantes. O governo japonês, preocupadocom o fenômeno que atinge, sobretudo, os trabalhadores da indústria automobilística,designou o termo karoshi, para designar a patologia de uma nova doença relacionadaà produção e ao trabalho. O Instituto Nacional de Saúde Pública do Japão define okaroshi como uma condição pela qual as práticas de trabalho psicologicamentenocivas são toleradas, levando o trabalhador a um acúmulo de fadiga do corpo e auma condição crônica de excesso de trabalho, resultando em um esgotamento fatal.

Tendo em vista o mesmo fenômeno, Sargentini (1996) também denuncia asituação enfrentada pelos trabalhadores no Japão. Anualmente, cerca de dez milpessoas são vítimas de “overdose de trabalho”. O diretor de uma Associação deAdvogados, responsável pela defesa das famílias dos mortos por “overdose detrabalho”, declara que muitos trabalhadores, principalmente da indústriaautomobilística japonesa, morrem de karoshi, ou se suicidam vencidos peladepressão. São raros os casos de indenizações e os sindicatos não dispõem depoderes para intervir na situação. Com a crise econômica, a situação tende a piorar,pois as indústrias reduzem a mão-de-obra, intensificando ainda mais o ritmo detrabalho.

De acordo com Antunes (1997), o chamado “modelo japonês” de gestão dotrabalho e da produção demonstrou um enorme potencial universalizante, agindoem favor da lógica neoliberal8 e trazendo conseqüências negativas para o mundo dotrabalho nos países europeus, americanos e nos tigres asiáticos. A incorporação

7 O modelo japonês diz respeito a um conjunto de técnicas de produção, a custosbaixos, que atende, sobretudo, aos mercados estagnados, às economias decrescimento lento, ou, ainda, mercados em expansão. A produção baseia-se emuma resposta imediata às variações na demanda do mercado, cuja venda passa ainformar a quantidade e a qualidade do que deve ser produzido. O método,desenvolvido pela Toyota, consiste numa fórmula flexível de produção em série,capaz de conceber, na mesma linha de montagem, produtos diferenciados, exigindopara isso uma organização flexível e integrada do trabalho e da mão-de-obra.Nesse sistema, segundo Antunes (1997), a flexibilização da força de trabalho éimprescindível para a efetiva flexibilização do aparato produtivo.

8 O neoliberalismo, como formação socioeconômica, define-se como umaconfiguração de diferentes configurações, não é sistêmico, contradições,descontinuidades e obscuridades também o caracterizam (TOLEDO, 2000).

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destas inovações pelo Ocidente conformou uma aquisição definitiva do capital contrao trabalho, provocando uma redução das conquistas sociais válidas para o conjuntoda população. Atualmente, segundo Toledo (2000), nos países da América Latina, aflexibilização do mercado de trabalho tornou-se uma das tarefas já consolidadasnesta formação socioeconômica neoliberal.

A intensificação da exploração e a flexibilização das relações de trabalho -mediante o emprego de contratações temporárias, terceirizações e subcontratações,como alternativa para a rigidez organizacional do padrão de produção anterior, vemconfrontando os trabalhadores com novas situações de trabalho, produzindo novasformas de sofrimento, até então insuspeitas. No contexto brasileiro, as mortes detrabalhadores rurais, na macrorregião canavieira de Ribeirão Preto - que apenasrecentemente chegaram ao conhecimento do Ministério Público Federal -, atestam oavançado estágio de desenvolvimento da agroindústria canavieira, no contexto deuma economia globalizada e neoliberal.

Segundo o presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariadosdo Estado de São Paulo (FERAESP), Élio Neves, as denúncias de superexploraçãodo trabalho, no setor açúcar/alcooleiro, vêm sendo realizadas desde a década de1980. De acordo com o sindicalista, da década de 1990 até o momento presente, foipossível constatar uma “verdadeira precarização das condições de trabalho” (Ata daAudiência Pública). Conhecida pelos trabalhadores rurais como “birôla”, as mortesdecorrentes do excesso de trabalho estão circunscritas, portanto, dentro de umaconjuntura internacional de banalização da vida e da injustiça social, que contribuisobremaneira para a reafirmação da simples condição de labor da força de trabalho.

É preciso, portanto, atentar ao tipo de tratamento que os trabalhadores dosetor canavieiro recebem no ambiente em que exercem suas atividades. Podem-seidentificar três formas de violação aos direitos do trabalhador: a primeira delas é oatentado às condições de trabalho - além da baixa remuneração, os trabalhadoresestão submetidos a condições precárias de trabalho no eito: desferem intensos golpescom o facão, exigindo-lhes um movimento do corpo todo, principalmente dos braçose da coluna. Conforme já destacamos, em média, o trabalhador que corta 10 toneladasde cana por dia desfere cerca de 9700 golpes de facão, o que, muitas vezes, provocaacidentes como cortes profundos nos dedos, lesões por movimentos repetitivos nospunhos e braços, além de graves problemas na coluna. Exercendo movimentos tãopesados, os corpos desses trabalhadores ficam desidratados; no entanto, além denão disporem de água fresca no eito - como exige a lei -, mal podem interromper aatividade para um descanso, uma vez que isso prejudicaria o rendimento do trabalho(SILVA, 2003, 2005).

[...]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste texto, procuramos desvendar os aspectos que subjazem àsmortes ocorridas nos canaviais paulistas por excesso de esforço, cujosdesdobramentos culminaram na realização de três audiências públicas.

O trabalho como definidor da ontologia do ser social foi o elo necessário àcompreensão da concreticidade do trabalho dos cortadores de cana na macrorregiãode Ribeirão Preto, sede das maiores usinas de açúcar e álcool do país.

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Em vários momentos durante as audiências públicas, representantes deorganismos estatais e de partidos políticos ressaltaram que a pujança do agronegóciodo setor sucroalcooleiro não poderia conviver com a situação de mortes de trabalhadores,sobretudo em se tratando do estado mais rico do país. Os representantes das empresasprocuraram demonstrar os índices de desenvolvimento, traduzidos em números deprodução, produtividade, afirmando que estas denúncias poderiam trazer sérios prejuízosà imagem do setor e prejudicá-lo internacionalmente. A ideologia desenvolvimentista,ancorada no progresso econômico, esteve embutida nos discursos em vários momentos.Deste modo, o que aparece nas audiências públicas como uma descontinuidade dalógica modernizadora do sistema no Brasil: “...o agronegócio da região é tão moderno,os dados especificados pela administração das usinas tecnologicamente são fantásticos,do ponto de vista do aumento da produção, ... é tão poderoso o setor, modernonuma questão e tão antiquado noutro momento”, se expressa como a contradiçãopermanente e inexorável entre o moderno e o arcaico, não ferindo a lógica do capital.

Ademais o apelo a esses símbolos que dicotomizam moderno e arcaico, atémesmo por parte de quem busca uma alternativa, é o que torna assombrosa a ideologiado desenvolvimento, arquitetada neste país na década de 1950, cujo eixo era a idéiade progresso. A existência das redes centrais e periféricas que caracterizam o modusfaciendi do capitalismo atual contribui para desmontar esta tese, como vimos acima.

[...]

Para os amantes da doutrinajustrabalhista mais conhecida, lançomão dos ensinamentos do Des. CláudioBrandão, do TRT da 5ª região, acercadas atividades penosas:

d) As atividades penosas sãoconceituadas como as que:

“[...] sem acarretar diretamentedoenças provocam desgastes e atéo envelhecimento precoce, em razãoda natureza do serviço, da forma deexecução, do esforço requerido, daintensidade das tarefas, ou do seucaráter repugnante, incômodo oudesagradável”.

É o trabalho acerbo, árduo, amargo,difícil, molesto, trabalhoso,incômodo, laborioso, dolorido, rude,na lição de José Cretella Júnior,“onde o agente agressivo é o própriotrabalho que se executa”. São as quegeram grande desconforto físico,pela sua complexidade, atenção e

dispêndio de energia física e mental.Causam esforço físico e/ou mental,incômodo, sofrimento ou desgasteda saúde, e que Sebastião Geraldode Oliveira, com base em Leny Sato,exemplifica como:

“esforço físico intenso nolevantamento, transporte,movimentação, carga e descarga deobjetos, materiais, produtos e peças;- posturas incômodas, viciosas efatigantes;- esforços repetitivos;[...]Util ização de equipamentos deproteção individual que impeçam opleno exercício de funçõesfisiológicas, como tato, audição,respiração, visão, atenção, que leveà sobrecarga física e mental;[...]”

( in Acidente do trabalho eresponsabil idade civil doempregador, LTr, 2006, p. 359/360)

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Das lições do Professor CláudioBrandão e do Des. Sebastião Geraldode Oliveira, por ele citado, podemosverificar que o cultivo e corte de cana,atividades desenvolvidas pelareclamante, em benefício da ré,enquadram-se perfeitamente noconceito de atividade penosa, pelapostura, excesso de repetição demovimentos e flexões, peso dos EPIsutilizados, desgaste físico, desidrataçãoe outras características penosas acimacitadas, inclusive nos textos dos artigossupratranscritos.

Raimundo Simão de Melo épreciso e categórico, quando afirma:

Penoso, é o trabalho desgastantepara a pessoa humana; é aquele tipode trabalho, que por si ou pelascondições em que exercido, expõeo trabalhador a um esforço além donormal para as demais atividades eprovoca desgaste acentuado noorganismo humano. É próprio dealgumas das atividades dotrabalhador rural e também na áreaurbana. Quanto ao trabalhador rural,pode-se imaginar a atividade docortador de cana que, em jornadasnormalmente superiores a 8 horaspor dia, em altas temperaturas eexposto a um sol escaldante, ativa-se em contato direto com o pêlo dacana, quando crua, ou com oinsuportável pó, quando queimada,além do contato direto com muitostipos de animais peçonhentos.

Arremata Raimundo Simão deMelo, em nota de rodapé:

se alguém tem dúvida se essaatividade é penosa, basta tentarexercê-la por apenas 1 (uma) horaem um único dia, especialmente nohorário da tarde.

Não há falar que não existeregulamentação para as atividadespenosas, e, portanto a atividadedesenvolvida pela reclamante em favorda reclamada não se enquadraria ematividade de risco, uma vez que aausência de regulamentação não mudaa natureza das coisas, mas apenasdemonstra a insensibil idade doregulamentador com o sofrimento daspessoas que laboram em atividadespenosas, sendo que, nesses casos,exige-se a atividade proativa do juiz.

Como afirmou Hanah Arendt, emsua obra, Eichmann em Jerusalém: umrelato sobre a banalidade do mal (1999,Companhia das Letras, p. 153), em umaproposição kantiana “todo homem é umlegislador, no momento em que começaa agir”. Não podemos permitir quedistorções inconscientes do corretofaçam com que nossa espécie sofratodo tipo de insanidades para obenefício e o desfrute de um númeroreduzidíssimo de pessoas, que seapropriam indevidamente dos bensuniversais, pois, conforme afirmouRousseau, no Século XVIII, no seuDiscurso Sobre a Origem e osFundamentos da Desigualdade entre osHomens (1994, Ediouro, p. 84):

mas sei com certeza que nenhumhomem honesto pode jamaisgabar-se de ter lazer enquantohouver bem a fazer, uma pátria aservir, infelizes a aliviar.

Ainda que não se admitisse aculpa da reclamada pela ausência deexames médicos periódicos, prevençãode acidentes e doenças por meio deginástica laboral e intervalos periódicosdurante a jornada de trabalho, com essefim específico, entendo que, no presentecaso, aplica-se a teoria daresponsabilidade objetiva, nos termos

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do parágrafo único do art. 927 do CódigoCivil, porquanto a atividadenormalmente desenvolvida pela ré, porsua natureza, implica risco ao direito àsaúde e integridade física dos seusempregados, o que ficou evidenciadonos textos acima transcritos e nasdoutrinas abalizadassupramencionadas.

Também confirma a atividade derisco da reclamada a classificaçãocontida na NR-4 do Ministério doTrabalho, que classifica a atividade daré como de risco 3, em seu quadro I,especificamente no item 01.13-9.

Nesse sentido a jurisprudência:

EMENTA: DOENÇAOCUPACIONAL - INCAPACIDADETEMPORÁRIA - NEXO CAUSAL -ATIVIDADE DE RISCO -RESPONSABILIDADE - DEVER DEINDENIZAR. A atividadedesenvolvida pela empresareclamada é enquadrada comoatividade de risco, uma vez que otrabalho com manuseio de reses eprodutos da carne é consideradopelo Ministério do Trabalho comosendo um trabalho com grau 3 derisco, conforme dispõe a NR 4, doMinistério do Trabalho, em seu item15.11-3 e as condições de trabalhoa que estava submetido oreclamante, realizando movimentosritmados e constantes com osbraços, aptos a desencadear adoença que o acometeu, mesmoque indiretamente, caracterizadoestá o nexo concausal e aresponsabil idade objet iva daempresa (art. 927, parágrafo único,CC). [...](RO 00254.2006.096.23.00-0. Rel.Desembargadora Leila Calvo. Pub.DJE/TRT 23ª R, n. 0311/2007 de03.09.2007)

Outra jurisprudência, específicapara atividade da reclamada, onde areclamada é também uma usina (UsinaJaciara S/A):

EMENTA: RESPONSABILIDADEOBJETIVA - ATIVIDADE DE RISCO.É cediço que quando a atividadedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem (parágrafo únicodo artigo 927 do Código Civil), torna-sedesnecessária a comprovação daculpa, v isto que, nesse caso,aplica-se a teoria do risco, sendo oempregador responsabilizado deforma objetiva. Tal modalidade deresponsabilização, embora seja maisfacilmente vislumbrada nasatividades consideradas insalubresou perigosas, não deve ficar a elasrestrita, porquanto as atividadesempresariais são dinâmicas e nãopoucas vezes de porte a criarsituação que expõe o trabalhador aperigo mais agravado do que àqueleque normalmente se sujeita nas suasatividades normais, sem que hajaprevisão legal de pagamento dosadicionais de periculosidade ouinsalubridade, porém não afastandoa possibilidade de enquadramento noparágrafo único do art. 927 do CódigoCivil, competindo à doutrina e àjurisprudência, analisando as maisdiversas atividades e operações quea realidade da prestação de trabalhooferece, erigir algumas delas comohábeis, pelos graves riscos a queexpõem os trabalhadores, a renderensejo à responsabilização objetivado empregador em caso de acidentede trabalho ou doença profissional aeste equiparável.(RO 00707.2005.071.23.00-0 - Rel.Des. Roberto Benatar. Pub DJ/MT31.05.2007)

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Portanto, a jurisprudênciareconhece a responsabilidade objetivade empresas que atuam em atividadede risco, especialmente em casossimilares ao da reclamada, que seenquadra no risco 3 da NR-4 doMinistério do Trabalho.

Também cabe aqui registrar oentendimento prevalente daMagistratura nacional acerca damatéria, conforme Enunciados da 1ªJornada de Direito Material e Processualna Justiça do Trabalho promovida pelaANAMATRA:

37. RESPONSABILIDADE CIVILOBJETIVA NO ACIDENTE DETRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO.Aplica-se o art. 927, parágrafo único,do Código Civil nos acidentes dotrabalho. O art. 7º, XXVIII, daConstituição da República, nãoconstitui óbice à aplicação dessedispositivo legal, visto que seu caputgarante a inclusão de outros direitosque visem à melhoria da condiçãosocial dos trabalhadores.

38. RESPONSABILIDADE CIVIL.DOENÇAS OCUPACIONAISDECORRENTES DOS DANOS AOMEIO AMBIENTE DO TRABALHO.Nas doenças ocupacionaisdecorrentes dos danos ao meioambiente do trabalho, aresponsabilidade do empregador éobjetiva. Interpretação sistemáticados artigos 7º, XXVIII, 200, VIII, 225,§ 3º, da Constituição Federal e doart. 14, § 1º, da Lei 6.938/81.

39. MEIO AMBIENTE DETRABALHO. SAÚDE MENTAL.DEVER DO EMPREGADOR. Édever do empregador e do tomadordos serviços zelar por um ambientede trabalho saudável também do

ponto de vista da saúde mental,coibindo práticas tendentes ou aptasa gerar danos de natureza moral ouemocional aos seus trabalhadores,passíveis de indenização.

41. RESPONSABILIDADE CIVIL.ACIDENTE DO TRABALHO. ÔNUSDA PROVA. Cabe a inversão do ônusda prova em favor da vítima nasações indenizatórias por acidente dotrabalho.

42. ACIDENTE DO TRABALHO.NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO.Presume-se a ocorrência de acidentedo trabalho, mesmo sem a emissãoda CAT - Comunicação de Acidentede Trabalho, quando houver nexotécnico epidemiológico conforme art.21-A da Lei 8.213/1991.

Além de tudo isso, a própriareclamada admite em seu examemédico admissional de f. 129 aexistência de risco físico, biológico,ergonômico e de acidente.

Assim sendo, com supedâneonas conclusões da douta perita, e,especia lmente por não ter a réobservado as normas de medicina,higiene e segurança do trabalhorelativas à ergonomia e realização deexames periódicos, reconheço que asdoenças ocupacionais ostentadaspela rec lamante ocorreramexclusivamente por culpa da ré, e,mesmo que não tivesse a ré agidocom culpa, apl icar-se-ia ao casovertente a responsabilidade objetiva.

Também verifiquei que areclamada não observou a normaconstante no art. 157 da CLT, quedetermina que as empresas cumprame façam cumprir as normas desegurança e medicina do trabalho,instruindo os seus empregados com

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ordens de serviços quanto àsprecauções a tomar no sentido de evitaracidentes do trabalho ou doençasocupacionais, uma vez que não juntounos autos nenhuma ordem de serviçoassinada pela reclamante, o quecomprova que ela não tinhaconhecimento dos riscos do meioambiente de trabalho, robustecendomais ainda a culpa da reclamada noevento danoso que vitimou a obreira.

Dispõe a Declaração dos DireitosHumanos, aprovada pela ONU em 10de dezembro de 1948, em seu art. I:

Todos as pessoas nascem livres eiguais em dignidade e direitos. Sãodotadas de razão e consciência edevem agir em relação umas àsoutras com espírito de fraternidade.

Nesse ponto falhou a reclamada.Esqueceu-se de que a produção existepara o homem e não o homem para aprodução. Ao invés de proporcionarcondições de trabalho seguras e ummeio ambiente de trabalho saudável,não o fez, e, depois do sinistroacontecido, nega a suaresponsabilidade, deixando atrabalhadora largada à própria sorte,sem sequer se dignificar em reconhecere reparar o dano causado, fazendo atrabalhadora ter de vencer mais umabatalha: a jurídica, para ver minimizadoo seu sofrimento e reconhecida a suadignidade.

Dispõe a Constituição Federalbrasileira, em seu art. 1º, III e IV, que aRepública Federativa do Brasil temcomo fundamentos, entre outros, “adignidade da pessoa humana e osvalores sociais do trabalho e da livreiniciativa”. No art. 6º, do mesmoDiploma, prevê no elenco dos direitossociais, entre outros, a saúde, o trabalhoe a segurança.

O art. 7º, caput, e seu incisoXXVIII, da Carta Magna prevêem:

São direitos dos trabalhadoresurbanos e rurais, além de outros quevisem à melhoria de suas condiçõessociais [...]Seguro contra acidentes de trabalho,a cargo do empregador, sem excluira indenização a que este estáobrigado, quando incorrer em dolo ouculpa.

Portanto, tinha a reclamadaobrigação de propiciar um meioambiente de trabalho seguro, garantindoa redução dos riscos. Isso não ocorreu,o que proporcionou as doençasocupacionais ora ostentadas pelaautora.

Para a configuração do dever deindenizar pelo dano material, caso seaplicasse a teoria da responsabilidadesubjetiva, seria necessário que existisseo evento danoso, o dolo ou culpa doresponsável e o nexo causal entre oevento e o dano experimentado pelavítima.

No caso em comento, os eventossão as várias doenças ocupacionais quea reclamante sofre no momento, emvirtude das condições de trabalhopeculiares em benefício da ré.

O dano experimentado foi aperda total (100%) da capacidadelaboral da reclamante, quando tinha 46anos.

A culpa da reclamada restouevidenciada pelas provas dos autos,especialmente pela inobservância dasregras de higiene, medicina e segurançado trabalho.

O nexo causal é patente, umavez que as condições de trabalhopotencializaram os riscos das doençasocupacionais que provocaram a perdatotal da capacidade laboral da autora.

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Não tendo tomado os cuidadosnecessários à prevenção, não pode aincúria do empregador onerarsubstancialmente a autora pelo resto desua vida, devendo minorar os efeitos desua conduta culposa, através dareparação cabível, pelos danosmateriais, morais e estéticos.

Não há falar nesse caso emindenização, na acepção literal dapalavra, pois, indenizar significa tornarindene, ou seja, tornar ileso, incólume,íntegro, restaurar, retornar ao status quoante. No caso vertente, verifico que issonão será possível, visto que nenhumasentença poderá restituir à reclamantea sua integridade física e psicológica.

O que se pode fazer écompensar, tentar reparar a culpa dareclamada e a sua responsabilidadeobjetiva, fazendo-a pagar pelos danosque causou, a fim de que o valorrecebido possa ser util izado pelareclamante como um lenitivo para a suador.

A compensação financeirapoderá propiciar à reclamante aaquisição de equipamentos eproporcionar a ela condições de realizareventuais cirurgias que lhe façamarrefecer o sofrimento diário de quemsofre com a perda da capacidadelaboral.

A Constituição Federal, em seuart. 5º, V, assegura o direito àindenização por dano material, moral ouà imagem. O inciso X desse mesmoartigo também assegura o direito àindenização por dano material ou moral,decorrente da violação da honra e daimagem.

O Código Civil de 2002 prescreveem seu artigo 186:

Aquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ouimprudência, violar direito e causar

prejuízo a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete atoilícito.

No art. 927 complementa:

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186e 187), causar dano a outrem, ficaobrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigaçãode reparar o dano,independentemente de culpa, noscasos especificados em lei, ouquando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem.

Portanto, legis habemos. E,desse modo, como o dano moral nãoexige comprovação, pois decorre do fatodanoso, ou seja, é um damnun in reipsa, deverá o reclamado reparar o danomoral causado à autora,consubstanciado no sofrimento que elaexperimentou, experimenta e sentirápela dor, pela angústia, pela humilhaçãoe outros sentimentos decorrentes dasensação de perda da capacidadefísica.

A indenização por dano moralvisa reparar a dor pungente da alma dotrabalhador, o seu sofrimento, a suaangústia, o esvaimento de seus sonhos,o sentimento de inferioridade e outrossentimentos relacionados à tristeza quefoi proporcionada à reclamante emdecorrência das doenças ocupacionaisque suporta.

Destarte, deverá a reclamadareparar o dano moral causado àreclamante, tendo em vista o grau daofensa, as condições econômicas daspartes, a intensidade do sofrimento e aausência de arrependimento doempregador e o caráter pedagógico dapena, que ora arbitro em R$41.500,00

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(quarenta e um mil e quinhentos reais),correspondente a cem saláriosmínimos.

Os referidos valores deverão seratualizados somente a partir dapublicação desta sentença, eis que jáos arbitrei em valores atuais e não sobreos que seriam devidos à época doevento danoso.

No que tange aos danosmateriais, a reclamante postulou acondenação da reclamada aopagamento de pensão por 33 anos, combase na sua expectativa de vida, o queestá de acordo com os critérios fixadospelo IBGE em relação à sobrevidaencontrada à página 218 da obraIndenização por acidente do trabalho oudoença ocupacional do Professor eDesembargador deste Egrégio TRT da3ª Região, correspondente ao trabalhopara o qual se inabilitou ou depreciaçãoque sofreu.

Com base nas conclusões daperita às f. 362/401, tenho por correta aconclusão da perda de capacidadelaborativa da ordem de 100%, uma vezque não existe nos autos nenhumaprova ou indício que possa desautorizaras conclusões da douta perita, que temprestado serviços da mais altarelevância a este juízo, sempre comprofissionalismo e muito critério ededicação.

Fixo o salário-base dareclamante, para efeitos destacondenação, no importe de R$497,98,média do último ano trabalhado,conforme TRCT de f. 118 juntado pelareclamada, sendo esse o valor pago atítulo de férias indenizadas.

Assim, considerando os limitesdo pedido (artigos 128 e 460 do CPC),e que a capacidade laboral dareclamante foi reduzida em 100%,condeno a reclamada a pagar à autoraindenização por danos materiais

decorrentes de perda de capacidadelaboral, por 33 anos, no valor deR$497,98 por mês, totalizandoR$213.633,42 (33 anos X 100% deR$497,98 X 13 meses ao ano, incluídoo 13º salário), valores atualizáveis comcorreção monetária a partir da data dadispensa da reclamante (03.01.2005),com juros a partir do ajuizamento daação, nos termos da legislaçãopertinente.

Portanto, condeno a reclamadaa pagar à reclamante a importâncialíquida de R$213.633,42 (duzentos etreze mil, seiscentos e trinta e três reaise quarenta e dois centavos) atualizáveisa partir da data da dispensa, de umaúnica vez, tendo em vista o potencial daofensa, a capacidade econômica dareclamada e a pequena eficácia dadeterminação de pagamento em formade pensionamento e que o princípio darazoabilidade e o princípio protetor quenorteiam o Direito e o Processo doTrabalho orientam para o pagamento deuma única vez, eis que se trata deparcela de caráter alimentar e areclamante não pode ficar vulnerável àsvicissitudes do mercado financeiro e dorisco do empreendimento da ré. Nessesentido a jurisprudência, in verbis:

ACIDENTE DE TRABALHO - DANOMATERIAL- PENSÃO1. Não importa afronta ao art. 1539do Código Civil de 1916 a fixação emparcela única, e não medianteestipulação de pensão, daindenização por dano materialdecorrente de acidente de trabalhoque implique redução parcial dacapacidade laborativa doempregado. 2. Toca ao magistradotrabalhista nortear-se pelo princípioda razoabilidade que informa oDireito do Trabalho para, criteriosa eprudentemente, determinar a forma

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de pagamento, em parcela única,da indenização devida pelaEmpresa em virtude de danospatrimoniais causados por acidentede trabalho. 3. A circunstância decuidar-se de crédito de naturezatrabalhista e, assim, alimentar,just i f ica a condenação aopagamento de indenização únicapara que ex-empregados não sesujeitem aos riscos do mercado aque se sujeitam as empresas. 4.Embargos não conhecidos.(TST - E- ED-RR 930/2001-010-08-00.6 - Ac. SBDI-I, 07.08.06- Rel. Min.João Oreste Dalazen)

Não há falar, em hipótesealguma, de impossibil idade decumulação de indenização por danosmateriais e morais, haja vista que areferida matéria já foi há muito temposepultada pela Súmula n. 37 do STJ,que informa:

São cumuláveis as indenizações pordano material e moral oriundos domesmo fato.

A condenação não só deveproporcionar ao autor uma minimizaçãodo seu sofrimento e uma reparaçãopela dor, angústia e restabelecimento,na medida do possível de uma vidamais próxima possível do normal, comotambém deverá ter caráter pedagógico,a fim de que o lesionador se veja inibidoa negligenciar com a vida, a saúde e aintegridade física dos seusempregados.

Também não exime a reclamadado dever de indenizar o fato de estar areclamante atualmente recebendobenefício previdenciário, porquanto aresponsabilidade do ente previdenciárionão exime a obrigação do empregador(Lei n. 8.213/91, art.121).

As parcelas decorrentes dedanos morais deverão ser pagas noprazo de cinco dias do trânsito emjulgado desta sentença e serãoatualizadas com juros e correçãomonetária apenas após a publicaçãodesta sentença, eis que já atualizadaspor este juízo de forma razoável e quefacilita a liquidação da sentença.

A reclamada também deveráentregar à reclamante, em até 5 diasapós o trânsito em julgado destasentença, CAT, devidamentepreenchida, considerando oreconhecimento judicial das doençasocupacionais equiparadas a acidente dotrabalho adquiridas pela reclamantedurante o seu vínculo empregatício coma ré, sob pena de multa diária, noimporte de R$1.000,00 (art. 461 doCPC).

O lucro jamais poderá sesobrepor à sacralidade indelével dadignidade humana. Por isso, DEFIRO,em parte, os pedidos da inicial, na formaestabelecida nesta sentença, e forte nalegislação e jurisprudênciasupramencionadas.

Não há falar em indenizaçãoestabilitária, porquanto não acumulávelcom os lucros cessantes acimadeferidos, nem de pagamento detratamento médico, porquanto areclamante não comprovou essesgastos.

Não há falar em dedução denenhum valor, haja vista que nenhumaparcela foi paga à reclamante a igualtítulo das postuladas nesta ação.

5 - Dos honorários periciais

Quanto aos honorários periciais,considerando o trabalho realizado, olocal da perícia, os valores envolvidos,fixo-os em R$1.660,00, (um mil eseiscentos e sessenta reais), a cargo da

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parte reclamada, sucumbente no objetoda perícia, que deverá efetuar opagamento em até 05 dias após otrânsito em julgado, havendo incidênciade juros e correção monetária sobreessa parcela a partir da publicaçãodesta sentença (art. 790-B da CLT).

6 - Justiça gratuita ehonorários advocatícios

Declarando-se a parte autorah ipossu f i c ien te e não havendoe lementos que desmereçam ta lcondição, prestigiada por presunçãolega l (Le i n . 7 .115/83 , a r t . 1 º ) ,defere-se-lhe a gratuidade judiciária(§ 3º do art. 790 da CLT).

Não se tratando da hipótese doart. 16 da Lei n. 5.584/70 e persistindoo ius postulandi no Processo doTrabalho (CLT, arts. 791 e 839), nãocabem honorários advocatícios(Súmulas n. 219 e 329 do TST e OJ n.305 da SDI-I do TST).

7- Recolhimentos previdenciáriose fiscais

Comprove a parte ré orecolhimento das contribuições sociais,cota do empregado - a ser deduzida deseu crédito - e do empregador,incidentes sobre as verbas salariaisdecorrentes da condenação (não hátributação sobre os valores de FGTS -Lei n. 8.036/90, art. 28 - títulosindenizatórios e demais parcelasexcluídas pelo § 9º do art. 28 da Lei n.8.212/91 e Decreto n. 3.048/99, art. 214,§ 9º), sob pena de execução pelosvalores respectivos (CF, art. 114, VIII),ressalvada a hipótese, quanto à cotapatronal, de comprovação de opçãopelo SIMPLES (Lei n. 9.317/96).

Observem-se, outrossim, asincidências fiscais cabíveis sobre títulos

de natureza salarial, nos termos do art.46 da Lei n. 8.541/92 e dos Provimentosn. 01/96 e 03/2005 da CGJT.

8 - Efeito secundário - Hipotecajudiciária

A sentença condenatória é vazia,sem nenhum efeito, caso não segarantam ao credor os meios para queobtenha efetividade do provimentojurisdicional que lhe foi deferido. Agir demodo diverso, não efetivandoconcretamente a entrega da justiça,significa admiti-la apenas como umapromessa do Estado e não como umaobrigação.

O Direito existe para realizar-se,e, destarte, os comandos jurisdicionaisexarados pelos órgãos legalmenteconstituídos devem ser cumpridos, sobpena de desmoralização do Estado-Juize descrédito das instituições do EstadoDemocrático de Direito.

Nas palavras do meu doutocolega Marcel Lopes Machado:

[...] nos termos do art. 466 do CPC,a sentença condenatória do réu aopagamento de uma prestação valerácomo título constitutivo de hipotecajudiciária.9

9 “A hipoteca judiciária, prevista no art. 466do CPC, decorre da disposição do art. 824do CC, de 1916, que atribui ao exeqüenteo direito de prosseguir na execução dasentença contra os adquirentes dos bensdo executado. Este é, sem dúvida, um dosmais expressivos efeitos secundários dasentença condenatória e suacompatibil idade com o processo dotrabalho parece-nos incontestável.(TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Asentença no processo do trabalho. LTr,2004, 3ª ed., p. 309).”

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O título constitutivo da hipotecaé efeito secundário da sentença,decorrente da própria legislação.10

Assim, imprescindível aconstituição de hipoteca judiciária, paraque o perecimento ou dilapidação dopatrimônio do devedor não afete odireito reconhecido do trabalhador nestasentença.

A norma insculpida no art. 466 doCPC trata-se de autêntica normaprocessual que visa, fundamentalmente,perquirir a efetividade da entrega datutela jurisdicional, garantia fundamentaldo cidadão jurisdicionado, CR/88, art. 5º,LXXVIII, garantindo-se a concretudeprática do comando seqüencial,atribuindo ao credor o direito de seqüelasobre o patrimônio do devedor.

Nesse sentido a jurisprudência:

EMENTA: GARANTIA DEEXECUÇÃO - HIPOTECAJUDICIÁRIA. O art. 466 do CPCdetermina que “A sentença quecondenar o réu no pagamento de umaprestação, consistente em dinheiro oucoisa, valerá como título constitutivode hipoteca judiciária, cuja inscriçãoserá ordenada pelo juiz na formaprescrita na Lei de Registros Públicos.Parágrafo único: A condenaçãoproduz a hipoteca judiciária: I -embora a condenação seja genérica;

II - pendente arresto de bens dodevedor; III - Ainda quando o credorpossa promover a execuçãoprovisória da sentença. Portanto,havendo condenação em prestaçãode dinheiro ou coisa,automaticamente se constitui o títuloda hipoteca judiciária, que incidirásobre os bens do devedor,correspondentes ao valor dacondenação, gerando o direito real deseqüela, até seu pagamento. Ahipoteca judiciária é de ordem pública,independe de requerimento da partee visa garantir o cumprimento dasdecisões judiciais, impedindo odesbaratamento dos bens do réu, emprejuízo da futura execução. Ao juizcabe envidar esforços para que asdecisões sejam cumpridas, pois arealização concreta dos comandosjudiciais é uma das principais tarefasdo Estado Democrático de Direito,cabendo ao juiz de qualquer graudeterminá-la, em nome do princípioda legalidade. Para o cumprimento dadeterminação legal o juiz oficiará oscartórios de registro de imóveis. Ondese encontrarem imóveis registradosem nome da reclamada, sobre elesincidirá, até o valor da execução, ahipoteca judiciária...(TRT 3ª Região - 01500-2007-063-03-00-9 RO - 4ª T. - Juiz Relator AntônioÁlvares da Silva - DJMG 15.09.2007)11

10 “Tais efeitos produzem-se tão-só pelo fatode existirem sentenças dessas espécies,pouco importando o que nelas conste arespeito do tema. [...]. Efeito secundário éaquele que, embora independa de pedidoda parte para que seja produzido, precisaestar contemplado na sentença para quese produza. Portanto, e assim como efeitoprincipal, é uma conseqüência dasentença considerada como ato jurídico.(WAMBIER, Luiz Rodrigues. Coord. Cursoavançado de processo civil. RT: 2001. Vol.I, 4ª ed., p. 629).”

11 No mesmo sentido, são os seguintesacórdãos da 4ª Turma: RO 00689-2005-043-03-00-7 - Juiz Relator Carlos HumbertoPinto Viana - DJMG 25.02.2006, p. 11 eRO 00955-2004-103-03-00-0 - Juiz RelatorAntônio Álvares da Silva - DJMG11.12.2004, p. 14. Ainda, o acórdão da 1ªTurma: AP 1019/98 - 1ª T. - Juiz RelatorEduardo Augusto Lobato - DJMG18.09.1998, p. 03 e RO- 00536-2005-043-03-00-0 - 4ª T. - Juiz Relator Antônio Álvaresda Silva - DJMG 13.05.2006, p. 11.

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Destarte, seguindo a trilha daefetividade necessária à promoção daJustiça, determino à secretaria destaVara, nos termos do art. 399 do CPC,expedir ofícios aos Cartórios deRegistros de Iturama, Carneirinho,União de Minas e Limeira do Oeste, paraque seja registrado à margem da(s)matrícula(s) do(s) imóvel(eis) do(s)reclamado(s) o título constitutivo dahipoteca judiciária, conforme preceituao art. 167, I, “2” da Lei n. 6.015/73 c/cinciso II do art. 1.489 do CC/2002 e art.466 do CPC.

Esses ofícios serão expedidosimediatamente, independentemente dotrânsito em julgado desta sentença.

9 - Amplitude da cognição -Moderação

Expostos os fundamentos pelosquais decididos os pleitos submetidosa julgamento, restam atendidas asexigências da CLT, art. 832, caput, e daCF, art. 93, IX, não sendo exigívelpronunciamento explícito acerca detodas as argumentações das partes12,até porque o recurso ordinário não exigeprequestionamento viabilizando ampladevolutividade ao Tribunal (CLT, art. 769c/c § 1º do art. 515 do CPC e Súmula n.393 do TST).

10 - Expedição de ofícios

Expeçam-se os ofíciosdeterminados no item 8 também ao MPTe DRT, com cópia desta sentença, paraas providências cabíveis, diante do

quadro verificado nesta sentença,inclusive para que se faça um estudode casos semelhantes, em que ostrabalhadores foram dispensados logoapós retornar de auxílio-doença, o quesugere que a empresa reclamada estápromovendo o Darwinismo social emseus quadros.

11 - Da litigância de má-fé

Não há falar no caso em comentode litigância de má-fé por parte denenhum dos litigantes, uma vez que aautora exerceu o seu direito de ação,previsto no inciso XXXV do art. 5º daCF/88, e a ré utilizou-se do seu direitode contraditório e ampla defesa,assegurado no inciso LV do art. 5º daCF/88, sem qualquer abuso.

III - DISPOSITIVO

Em face do exposto, na ação n.01857.2007.063.03.00-8, em que figuracomo parte autora NILCE MARIAGONÇALVES FERREIRA, sendo réS/A USINA CORURIPE AÇÚCAR EÁLCOOL, concedendo a gratuidadejudiciária àquela, rejeito as preliminarese a prejudicial de prescrição argüidas,e DEFIRO PARCIALMENTE os pedidosformulados em face desta para o fim de:

a) condenar a ré ao pagamentode:

1) indenização por danosmorais, no valor deR$41.500,00 e materiais(lucros cessantes), noimporte de R$213.633,42,nos termos do item 4 dafundamentação;

2) honorários periciais,no valorde R$1.660,00, nos termosdo item 5 da fundamentação;

12 STJ - AGA 470095 - PR - 1ª T. - Rel. Min.Luiz Fux - DJU 28.06.2004 - p. 00190 eSTJ - REsp 331797 - MG - 2ª T. - Rel. Min.Franciulli Netto - DJU 26.04.2004 - p.00158.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01655-2007-047-03-00-7Data: 13.02.2008DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE ARAGUARI - MGJuiz Substituto: Dr. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO

Aos 13 dias do mês de fevereiro do ano de 2008, às 15h59min, na sede daVARA DO TRABALHO DE ARAGUARI, tendo como titular o MM. Juiz do TrabalhoMARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO, realizou-se a audiência de julgamentoda reclamação trabalhista movida por CLEIRY ALVES DE BRITO contra CÂMARADOS DIRIGENTES LOJISTAS DE ARAGUARI, ocasião em que foi proferida aseguinte SENTENÇA:

Partes ausentes.Vistos, etc.

b) determinar à parte ré que:

1) comprove os recolhimentosprevidenciários (cota doempregado - deduzida docrédito deste - e doempregador) e fiscaiscabíveis, sob pena deexecução, observando-se osProvimentos n. 01/96 e 02/93da Corregedoria-Geral daJustiça do Trabalho;

2) entregue à reclamante, noprazo de 5 dias após otrânsito em julgado destasentença, CAT, sob pena demulta diária de R$1.000,00,nos termos do item 4 dafundamentação.

Tudo na forma dafundamentação, que ora passa aintegrar o presente dispositivo paratodos os efeitos legais.13

Cumpra-se no prazo de cincodias quando outro não houver sidoestipulado.

Liquidação, por cálculos, comcorreção monetária (com índices domês seguinte ao da prestação deserviços - Súmula n. 381 do TST,conversão da OJ n. 124 da SDI-I) ejuros, na forma da lei (Lei n. 8.177/91,art. 39, caput e §1º), observado quantoa estes o disposto no art. 883 da CLT ena Súmula n. 200 do TST.

Para efeitos do § 3º do art. 832da CLT, não existem parcelas salariais.

Custas, pela parte ré, sobreR$300.000,00 (trezentos mil reais) (valorprovisoriamente fixado para acondenação), no montante de R$6.000,00(seis mil reais) (CLT, art. 789).

Expeçam-se os ofíciosdeterminados nos itens 8 e 10,independentemente do trânsito emjulgado desta sentença.

Cientes as partes (CLT, art. 834e Súmula n. 197 do TST).

Intime-se a Procuradoria-GeralFederal (União), nos termos do § 4º doart. 832 da CLT, com redação dada pelaLei n. 11.457/2007.

Intime-se a perita.Encerrou-se às 16h51min.Nada mais.

13 O dispositivo não é apenas a partetopográfica final da decisão, mas sim todoe qualquer pronunciamento judicial,independentemente de localização, noqual acolhido ou rejeitado o pedido doautor, com ou sem julgamento de mérito.

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RELATÓRIO

CLEIRY ALVES DE BRITOajuizou reclamação trabalhista em facede CÂMARA DOS DIRIGENTESLOJISTAS DE ARAGUARI, alegandoque foi admitida em 01.11.2004, paralaborar no cargo de recepcionista e,posteriormente, na função de assistentecomercial; a alteração contratual não foianotada em sua CTPS; relata quelaborava em regime extraordinário, sema devida contraprestação; aduz queajuizou ação anterior, pedindo arescisão indireta de seu contrato detrabalho, que foi declarada extinta, semresolução do mérito; nesse período, areclamada promoveu a dispensamotivada da trabalhadora, sob diversasalegações, o que não deve prevalecer;faz jus à indenização por danos morais,seja pela inexistência da justa causaimputada pelo empregador, seja peloassédio moral que diz ter sofrido duranteo pacto laboral. Em conseqüência,postulou as parcelas arroladas naexordial, acrescidas de juros e correçãomonetária, além dos benefícios dajustiça gratuita. Atribuiu à causa o valorde R$103.272,13.

A reclamada apresentou regulardefesa escrita, contestando os pedidosformulados na exordial e pugnando, aofinal, pela improcedência daspretensões deduzidas nestareclamatória. Apresentou, também,reconvenção, alegando que a ruptura docontrato de trabalho, orquestrada pelareclamante junto com outrasfuncionárias, trouxe enormes prejuízosà empresa; aduz que foi veiculadamatéria no jornal da cidade, abalando aimagem da ré perante seus associados;requer, por essas razões, a condenaçãoda reconvinda em indenizações pordanos morais e materiais. Atribuiu àreconvenção o valor de R$900,00.

A autora-reconvinda, por suavez, apresentou defesa à reconvenção,alegando preliminares deincompetência da Justiça do Trabalho,carência da ação e inépcia da petiçãoinicial; no mérito, pelos fundamentosexpostos, requereu a improcedênciados pedidos formulados.

Juntaram-se, no momentooportuno, os documentos. Depoimentopessoal das partes e oitiva de 02testemunhas. Encerrada, em seguida,a instrução processual, sob protestosdas partes. Razões finais orais.Infrutíferas as propostas conciliatórias.

Em seguida, foi determinada aconversão do julgamento em diligência,uma vez que o depoimento dastestemunhas indicadas pelas partes,anteriormente indeferidas por este juízo,mostrou-se relevante para o deslinde dofeito. Além disso, foi determinada aintimação de outra pessoa, alémdaquelas indicadas pelas partes, paraser ouvida na qualidade de testemunhado juízo.

Designada, assim, novaaudiência de instrução. Oitiva de mais04 testemunhas. Encerrada, emseguida, com a concordância daspartes, a instrução processual. Razõesfinais orais. Nova tentativa conciliatóriarejeitada pelos litigantes. É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

I. Preliminares argüidas emreconvenção

a) Incompetência da Justiça doTrabalho - Carência de ação - Inépciada petição inicial

Afasto, desde logo, aspreliminares invocadas pela autora-reconvinda, em resposta à reconvençãoofertada pela ré-reconvinte. Isso porque,

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ao contrário do alegado, a Justiça doTrabalho é a única que possuicompetência para apreciar e julgar ospedidos de indenização por danosmorais e materiais, ainda que praticadospela empregada, contra a empregadora,decorrentes da relação de empregoexistente entre as partes, conformepreceitua o inciso VI do artigo 114 daCF.

Além disso, apenas ocorre achamada “carência de ação” quandoestão ausentes a lgumas dascondições essencia is para oajuizamento da presente demanda,ou seja, a legitimidade de parte, apossibilidade jurídica do pedido e ointeresse processual. No presentecaso, o pedido é jur id icamentepossível, uma vez que inexiste normalegal que o vede expressamente. Aspartes são detentoras de uma relaçãojurídica posta em juízo, na qual a ré-reconvinte julga-se pretensa credorade determinadas verbas devidas pelaautora-reconvinda, o que, por si só,tornam-nas legítimas. O provimentojurisdicional torna-se necessário paraa pacificação do conflito, além de tersido intentado pela via adequada.Estão presentes, portanto, todas ascondições da ação, no caso dosautos.

Por fim, é de se ressaltar que apetição inicial da reconvenção atendeaos requisitos previstos no artigo 282do CPC e § 1º do artigo 840 da CLT.Os pedidos formulados são certos edeterminados (artigo 286 do CPC),além de possibi l i tarem a efetivaprodução de defesa por parte daautora-reconvinda (inciso LV do artigo5º da CF), razão pela qual entendo queo princípio do contraditório foiamplamente respeitado. Inexiste,portanto, qualquer inépcia a serdeclarada.

II. Mérito dos pedidosformulados na ação principal

a) Forma de extinção docontrato de trabalho - Verbasrescisórias - Assédio moral -Indenização por danos morais

Afirma a reclamante, na exordial,que foi admitida em 01.11.2004, paralaborar na qualidade de recepcionista;posteriormente, foi promovida para afunção de assistente comercial; aduzque tais anotações não foram apostasem sua CTPS.

Com razão, a autora, nesseparticular. Pela simples análise dosrecibos acostados aos autos,constata-se que a reclamante, a partirde 01.08.2006, passou a desempenhara função de assistente comercial, comefetiva alteração salarial, não anotadaem sua CTPS. Sendo assim, determinoque a reclamada, no prazo de 10 dias acontar do trânsito em julgado destadecisão, proceda às anotações devidas,para constar que a partir da datamencionada a obreira passou a ocuparo cargo de assistente comercial, comremuneração composta de salário fixo,acrescido de comissões e DSR, sobpena de ser feita pela Secretaria daVara. Ressalte-se, com vistas a se evitarfuturos questionamentos, que aausência de pedido expresso constanteno rol de f. 12/14 não impede aapreciação dessa matéria por este juízo,uma vez que as anotações na CTPS sãorevestidas de imperatividade legal, jáque decorrentes de normas de ordempública (artigo 29 da CLT).

No que concerne à forma deextinção do contrato de trabalho,algumas considerações iniciais sãonecessárias. Com efeito, é fatoincontroverso nesta Vara do Trabalho, jáque presenciado, pessoalmente, por este

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magistrado, que aproximadamente 08funcionárias resolveram, no mesmo dia,ajuizar, individualmente, reclamaçõestrabalhistas, com pedidos de rescisãoindireta do contrato de trabalho. Nocurso dessas reclamatórias, aempregadora, por sua vez, promoveu adispensa dessas empregadas por justacausa, sob o argumento de que astrabalhadoras teriam praticado atos deindisciplina e insubordinação, desídia nodesempenho das funções, além deabandono de emprego.

Diante da rescisão contratualapresentada pela reclamada, cujasparcelas rescisórias foram, inclusive,quitadas mediante ação de consignaçãoem pagamento, as autoras começarama apresentar, nas demandas originárias,emendas à petição inicial, para, agora,requererem a conversão da justa causaaplicada, ao invés da rescisão indiretaanteriormente postulada. Houve,portanto, nítida alteração da causa depedir, inclusive, com apresentação deum segundo rol de pedidos (em grandeparte, estranho às pretensõesdeduzidas anteriormente).

O processo, do jeito que estava,era impossível de ser julgado. Assim,com o intuito exclusivo de se evitarprejuízos, entendeu-se por bem,apenas, declarar extintos, semresolução do mérito, os pedidosformulados nas ações originariamentepropostas, para que, agora, pudessemas partes trazer aos autos osquestionamentos que, realmente,merecem detida análise pelo PoderJudiciário. Tais fatos merecem serressaltados, uma vez que fazem partedas alegações apresentadas tanto pelaautora como pela reclamada, em suaspeças (petição inicial e defesa).

Feitas essas considerações,passo à análise da forma de extinçãodo contrato de trabalho e do alegado

assédio moral. A reclamada, na extensadefesa apresentada, aduz que areclamante foi dispensada por justacausa, em síntese, por 04 argumentosdiversos: desídia no desempenho dasfunções, indisciplina, insubordinação eabandono de emprego; contestou,ainda, as acusações de perseguiçãoexpostas na exordial.

No que se refere às 03 primeirasfaltas que teriam sido praticadas pelaautora, a própria testemunha dareclamada, Srª Carmem Lucia Sicari,prestou depoimento em sentidoabsolutamente contrário ao relatadopela empregadora, em defesa. Veja quea testemunha afirmou, de maneiracategórica, que

a reclamante sempre trabalhou demaneira satisfatória (na ata deaudiência, de maneira equivocada,está escrito “suficiente”; assim,aproveito a oportunidade para, deofício, corrigir o erro materialencontrado, como autoriza o artigo833 da CLT) no trabalho pelo qualfoi contratada; que nunca presencioua reclamante praticar qualquer ato deindisciplina ou insubordinação comseus superiores, o mesmo sepodendo dizer com relação àtestemunha anterior. (f. 575)

Além disso, o atual Presidente dareclamada, em audiência, tambémdeclarou que

algumas vezes, na ansiedade dascoisas funcionarem mais rápido, odepoente repassava alguns pedidosdiretamente à reclamante visandoauxiliar o próprio depoente, mas, namaioria das vezes, as ordens erampassadas pela gerência; que areclamante atendia normalmente aospedidos feitos pelo depoente. (f. 571)

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Como se vê pelas declaraçõesacima, a reclamante sempre se mostrouser uma pessoa cumpridora de suastarefas, jamais praticando qualquer atoque pudesse ser enquadrado nashipóteses previstas nas alíneas “e” e “h”do artigo 482 da CLT. As questõeslevantadas em defesa, no sentido deque existe, dentro da empresa, por forçado Estatuto, uma diretoria criadaexatamente para resolver problemasinternos, que era do conhecimento datrabalhadora, cuja norma foidesrespeitada, não merececredibilidade. Isso porque, pelo simplesdepoimento das partes litigantes e dastestemunhas ouvidas, constata-se quehouve uma reunião entre Presidente,Vice-Presidente, Diretor-Secretário etodas as trabalhadoras, procurandoresolver, amigavelmente, através dediálogo, os problemas derelacionamento envolvendo oPresidente e algumas funcionárias daempresa, então existentes.

Assim, a tentativa de solução dos“problemas”, de maneira amigável edemocrática, com direito de todosfalarem exatamente o que pensam,realizada dentro do próprio local detrabalho, como declarado em audiência(a primeira testemunha da reclamante,Srª Rosimeire, chegou, inclusive, a dizerque essa reunião foi marcada para se“lavar a roupa suja” - f. 572/574) deveser privilegiada, notadamente quandovivemos num Estado Democrático deDireito.

É de se ressaltar, nestemomento, que as empregadas da réestavam questionando, exatamente, osatos praticados pelo Conselho-Diretor,na pessoa de seu responsável: oPresidente em exercício. Assim, não écrível que o Conselho-Diretor fossechamado, justamente, para solucionarproblemas apontados pelas funcionárias

que teriam sido praticados pelo próprioConselho-Diretor, por um simplesmotivo: não é dado a um determinadoórgão, ainda que administrativo, julgaros atos praticados por esse mesmoórgão, pois, caso contrário, aparcialidade nas decisões seriamanifesta. Assim, o fato de asempregadas questionarem algumas dasatitudes praticadas pelo Presidente emexercício, diretamente, ao ConselhoDeliberativo e Fiscal (sem passar peloConselho-Diretor), não se configuraafronta ao poder de direção conferidoao empregador, pouco importando,dessa forma, a existência de eventualprevisão estatutária em sentidocontrário.

E, para ser bem criterioso,sequer inexistiu a alegada violação aoEstatuto da empresa. É que, comoesclarecido pela testemunha da própriaré, Srª Carmem, após a reuniãorealizada entre as empregadas, oPresidente, Vice-Presidente e Diretor-Secretário, “não houve alteraçõessignificativas no que diz respeito àrelação entre trabalhadores epresidente” (f. 575). Portanto, existiuevidente tentativa de se “apaziguar” osânimos, diretamente, com o Conselho-Diretor, o que não foi concretizado.Nada mais lógico, portanto, que asempregadas, insatisfeitas com a novaadministração, buscassem a soluçãodesses problemas com a intervenção deum órgão superior àquele que estavasendo questionado, notadamente, apósa tentativa frustrada de solução entre aspróprias partes envolvidas. Não há falar,dessa forma, em qualquer ato deindisciplina ou insubordinação praticadopelas trabalhadoras e, maisprecisamente, neste caso, pelareclamante.

Não podemos nos esquecer deque, num processo de modernização da

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estrutura administrativa de umaempresa, como afirmado pelareclamada, em sua defesa, é semprenecessária a oitiva do trabalhador.Estudos mais avançados nesse ramodemonstram, inclusive, que o sucessodos grandes empreendedores está,cada vez mais, na “abertura” dada aosempregados para exporem as suasidéias, seus pensamentos esentimentos em prol da empresa, já quea produção do trabalhador não estáligada tanto ao “suor”, mas ao “amor” e“plena satisfação” pelo trabalhodesenvolvido. O poder de direção nãoé absoluto, como quer fazer crer a ré.

Na realidade, como bemassinala ENEIDA MELO CORREIA DEARAÚJO

um novo perfil de empresa deveconsiderar a participação ativa dostrabalhadores nas decisõesempresariais, por meio deconselhos, comitês, representaçãosindical, edição parti lhada deregulamentos, como medida depromoção social do empregado edesenvolvimento integral doempreendimento.(in Um novo perfil da empresa comofator de prevenção do assédio moral,apud, Direitos humanos: essência dodireito do trabalho. Coordenadores:DA SILVA, Alessandro; SOUTOMAIOR, Jorge Luiz; FELIPPE,Kenarik Boujikian; SEMMER,Marcelo. São Paulo: LTr, 2007, p. 225)

A reunião promovida entre asempregadas, dentro do próprio“expediente” de trabalho, devidamenteregistrada em ata, assinada por todasas participantes (vide documentojuntado às f. 69/75) é, portanto, atitudeplenamente lícita, instrumento dedemonstração da irresignação pelos

fatos que estavam ocorrendo, aocontrário do exposto pela reclamada.Basta analisar a história do Direito doTrabalho para chegar-se à conclusão deque foram através de reuniões dessetipo que surgiram os sindicatos detrabalhadores; e, pelo mesmoarcabouço histórico, chegar à conclusãoinequívoca de que a atitude daempregadora, ao declarar que taisreuniões pacíficas possuíam o únicopropósito de “derrubar” os detentores domeio de produção, fez surgir oentendimento, felizmente superado, quea greve, ao invés de ser considerada ummeio legítimo de resistência dotrabalhador, era, na realidade, um delito,um crime praticado pelos empregados,tanto que chegou a ser proibidaexpressamente em nosso ordenamentojurídico.

Essa reunião, realizada dentrodo próprio horário de trabalho, jamaispoderia ser considerada ilícita. Afinal decontas, o que se estava discutindo era,exatamente, o “ambiente” de trabalhocriado pelo Presidente atual, estando,portanto, relacionada diretamente aocontrato de trabalho havido entre oslitigantes. Reuniões como essa jamaispoderiam ocorrer fora da jornada normalde trabalho. A atitude das empregadasrestringiu-se ao fato de relatar, comveracidade, todas as situações vividasaté então, além de demonstrarem oprofundo descontentamento queestavam vivenciando. E, nada disso foi“orquestrado” ou feito de maneira“escondida” pelas trabalhadoras, comoinsiste a reclamada, em defesa. A provadisso é que o inteiro teor da ata redigidaao término da reunião foi encaminhadodiretamente para o Presidente doConselho Deliberativo, para que fossemtomadas as providências cabíveis. Asempregadas tiveram o legítimopropósito de expor os seus

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pensamentos. Esse é o meuentendimento sobre este ponto.

Agora, veja só o trecho dadefesa, que simplesmente corroborauma visão arcaica do conceito de umaadministração empresarial, em sentidoabsolutamente oposto àquele externadopor ENEIDA MELO CORREIA DEARAÚJO: “Tenha dó! Que história éessa de funcionário celetista poder sedar o luxo, sem autorização de seupatrão, de fazer assembléia, durante oexpediente, bem debaixo do nariz doempregador, para conspirar contra omesmo” (f. 123, último parágrafo). E,veja que, em diversas passagens, areclamada denomina suas funcionáriasde “COLABORADORAS”! Mas, afinal decontas, que “colaboração” é essaquando a empresa adota um sistema deadministração em que a reclamada,efetivamente, impede a participação dastrabalhadoras nas decisõesempresariais, chegando ao ponto dedizer que “elas deveriam se colocar emseus devidos lugares, comoempregadas que são”?!

Como novamente esclarece ailustre Desembargadora Federal doTrabalho da 6ª Região,

um novo foco deve ser remarcado:o da necessidade de colocar otrabalhador como o pressuposto docrescimento empresarial, motivopelo qual é preciso adequar seusconhecimentos às novas exigênciasda economia, elevando suascondições de trabalho e vida. Não édesprovido de propósito reafirmarque a Constituição da República, aose assentar, entre outrosfundamentos, na dignidade humanae valores sociais do trabalho, semdúvida que está a exigir que toda aconstrução legislativa observe esseprincípio. (op. cit., p. 226)

Nada disso passou a serpraticado na empresa, após o atualPresidente assumir o encargo.

Os princípios da dignidade dapessoa humana e do valor social dotrabalho são, sem dúvidas, limitaçõesefetivas impostas pela Magna Carta aopoder empregatício conferido aoempregador. Tais limitações, no entanto,foram desrespeitadas. Com efeito, atestemunha da reclamada, Srª CarmemLucia Sicari, declarou que

participou de uma reunião apenasentre as funcionárias para discutir oque estava ocorrendo na empresa;que foi redigida uma ata destareunião, assinada por todas queparticiparam, ao que se recorda; quetudo o que foi discutido nesta reuniãoconsta nesta ata; que o que adepoente assinou nesta ata constaseu sentimento com relação ao queestava acontecendo na CDL com adepoente; que o sentimentoindividual foi exposto e assinadonesta ata.

Anteriormente, a mesmatestemunha relatou que

cerca de 15 pessoas trabalham nareclamada; que desta reuniãoapenas os empregados participaram,no total de 11 aproximadamente; quedas 11 pessoas que participaram, 08optaram por se desligar da empresa;que as rescisões começaram aocorrer acerca de 01 mês e meio/02meses após a reunião; [...] que nestareunião praticamente todos queparticiparam questionaram os atosdo presidente. (f. 574/575)

O que se percebe, pelodepoimento da testemunha dareclamada, é que na referida reunião

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realizada apenas entre as funcionárias,dentro do horário de trabalho, todas as“colaboradoras” que participaramexpuseram, com veracidade, os fatosque ocorriam, no dia-a-dia, na empresa.Esse fato, inclusive, foi confirmado nodepoimento da terceira testemunha dareclamada, Srª Marta Roseli Duarte, aodeclarar que

participou de uma reunião entretodas as funcionárias; que nestareunião a depoente expressou, comsinceridade, seus pensamentos eacredita, pelo clima da reunião, queas demais participantes estavamdizendo aquilo que realmentepensavam; que tudo que foi discutidona reunião foi transcrito em uma atae assinado por aqueles queparticiparam. (f. 590)

Transcrevo, agora, porconsiderar importante, as declaraçõesprestadas naquela oportunidade pelaprópria testemunha da ré, Srª Carmem:“Carmem alega estar vivenciando umclima de incerteza, insegurança,fofocas, mal-entendidos, fica muitoentristecida com o jogo de confusãoarmado, envolvendo os colaboradores,pois passamos a nos sentir impotentese incapazes” (f. 73). A outra testemunhada reclamada, Srª Marta, por sua vez,naquela mesma reunião, chegou a dizerque “desde o início da contrataçãodeparou com um clima derelacionamento de completo estresseentre colaboradores e diretores” (f. 73).E, anteriormente, disse Marta:

Marta mencionou que foi acusada defazer fofoca, relatou a conversa queteve com a Diretora Selma, e quedevia sua entrada para o quadro decolaboradores por intermédio daDiretora e que considerava normal

relatar a mesma preocupação navenda da campanha do dia das mãespara os Supermercados;complementou dizendo que não tevea preocupação de prejudicarninguém. (f. 72)

Não tenho dúvidas que oambiente de trabalho ficouabsolutamente conturbado, após o atualPresidente assumir esse posto. Comodisse a testemunha da reclamante, SrªRosimeire Aparecida,

este comportamento a depoentejamais tinha presenciado nos 20anos anteriores que trabalhou na réantes da atual presidência.

Este depoimento, firme, de umatrabalhadora que prestou serviços nareclamada por 21 anosaproximadamente, merece credibilidadepela demonstração de sinceridadeexternada perante este magistrado,quando da colheita da prova oral.

Além disso, as declaraçõesprestadas pelo antigo Presidente, Sr.Silvio Presley dos Reis, ouvido naqualidade de testemunha do juízo,reforçam a credibil idade dessedepoimento:

que foi presidente da CDL entre2003/2005; que nunca teve qualquerproblema de relacionamento comfuncionárias durante este período;que as funcionárias sempremostraram-se atenciosas ecumpridoras de suas tarefas; quehavia possibil idade, quandosolicitado, de as trabalhadorasserem chamadas para expressaremsuas opiniões a respeito de temasda CDL, de maneira democrática,visando sempre a melhoria dosserviços prestados pela reclamada;

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que nessas reuniões discutiam-seapenas aspectos relacionados aotrabalho desenvolvido pela CDL,procurando, em consenso com ostrabalhadores, o melhor caminhopara a entidade; que ao que sabedizer tal fato ocorria nas diretoriasanteriores; que nestas reuniões asdecisões eram tomadas sempre pelamaioria e mesmo aqueles contráriosà palavra final acatavam plenamenteo que foi decidido, não criandoqualquer tipo de resistência contra aimplementação daquilo que foidecidido. (f. 598)

Todo o sentimento fraterno, decolaboração e mútuo respeito entretodos aqueles que laboravam dentro daempresa (entre as próprias funcionáriase entre estas e as diretorias) foi“dilacerado”, quando o atual Presidenteassumiu esse posto. O ambiente detrabalho sofreu radical alteração, comose pode perceber pelas declaraçõesconstantes na ata de reunião realizada,apenas, entre as “colaboradoras”,prestadas por cada uma dasempregadas, que, emboraextrajudiciais, constituem-se eminequívoco elemento de prova contrárioaos interesses da reclamada, que, pelasua extensão, não serão transcritasnesta sentença.

Porém, merecem realce asdeclarações de Elaine (trabalhou 19anos na empresa), ao dizer quedesapareceu, por completo, o clima deunião e respeito, passando a ser vítimade pressão psicológica, terrorismo,contra colegas do trabalho; de Clery eRose, dizendo que os mesmos serviçossão solicitados a mais de uma pessoa;Elaine, novamente, disse que nuncaouviu gritos, xingamentos e humilhaçãopor parte dos diretores, como estáacontecendo agora, com o atual

Presidente; de Márcia e Adélia, nosentido de que o diretor disse, em umareunião com o pessoal da AgênciaComercial, que na CDL (ré) só existempessoas negativas e resistentes, e queo momento era para posicionamentoobjetivo, que deveriam dizer se teriamou não empenho em vender acampanha que estava sendopromovida; diante disso, a empregadanão pode manifestar a sua opinião, poisseria mal-interpretada, já que erasempre tachada de “conservadora”,“bitolada”, “arcaica” e que “estariaresistindo ao formato da campanha”.Existem várias outras declaraçõesnesse sentido (outras, inclusive, “maisfortes”), como se vê pela leitura atentada ata de f. 69/75, assinada,exatamente, por 11 funcionárias daempresa.

Veja que o ambiente de trabalhoexistente na reclamada, antes do atualPresidente assumir o encargo, era muitobom, havendo respeito mútuo entretodos os funcionários, cujas decisõeseram tomadas em regimeabsolutamente democrático. Jamaisexistiu qualquer “briga pelo poder”,como quer fazer crer a ré. As“colaboradoras” efetivamente“colaboravam” com o sucesso doempreendimento, expressando opiniõese respeitando a decisão tomada pelamaioria, ainda que em sentido contrárioao pensamento individual. As decisõescoletivas, para o bem da empresa,prevaleciam, sempre, sobre eventuaisinteresses puramente individuais decada uma das funcionárias. Esse é osentido exposto por ENEIDA MELOCORREIA DE ARAÚJO, em sua obra,que foi literalmente “quebrado” pelasatitudes praticadas pelo atualPresidente.

Não há dúvidas que os fatosacima descritos configuram a presença

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do alegado assédio moral. O terrorismopsicológico, como também é conhecido,é um mal, que, apesar de não ser novo,somente agora começa a ganhardestaque na sociologia e medicina dotrabalho. Pode ser definido como sendoqualquer conduta abusiva (gesto,palavra, comportamento, etc.) queatente, por sua repetição ousistematização, contra a dignidade ouintegridade psíquica ou física de umapessoa, ameaçando seu emprego oudegradando o clima de trabalho. Podeser revelado através de atos como trataro empregado com rigor excessivo,confiar tarefas inúteis ou degradantes,críticas em público, isolamento,inatividade forçada, ameaças,exposição ao ridículo, como porexemplo, uso de fantasias, divulgaçãode problemas pessoais, dentre outros.

É, utilizando-se, mais uma vez,dos ensinamentos de ENEIDA MELOCORREIA DE ARAÚJO,

todo e qualquer ato, comportamento,gesto, escrito, palavras que possamferir a dignidade física, moral oupsíquica de uma pessoa, colocandoem perigo seu emprego, suaintegridade corpórea ou espiritual oudegradando o ambiente de trabalho.As atitudes reiteradas de isolamento,que desacreditam o trabalhador, queo induzem a erro, que impeçam acomunicação da vítima com osdemais colegas de trabalho,configuram essa modalidade deviolência que a doutrina denomina deassédio moral. (op. cit., p. 220)

Todos os elementos necessáriospara a configuração do assédio moral,no meu entendimento, foramsobejamente comprovados. A análise docontexto probatório produzido aponta,sem dúvidas, para esse sentido. A

defesa apresentada pela reclamadaprocura de todas as formas transformaro “ofensor” em “vítima” e as “vítimas” em“ofensoras”, com conceitos por mimconsiderados superados.

Por todas essas razões, entendoque a justa causa aplicada à empregadanão deve prevalecer. Não existiu oalegado “abandono de emprego”,“desídia”, “indisciplina” e“insubordinação”, mas uma reaçãolegítima e justa da trabalhadora emconsiderar seu contrato de trabalhorescindido por culpa da empregadora,como expressamente autorizado pelasalíneas “b” e “d” do artigo 483 da CLT.E, por todas essas razões, afasto a faltagrave imputada à autora e julgoprocedentes os pedidos de pagamentode aviso prévio, 6/12 do 13º salárioproporcional, 7/12 das fériasproporcionais acrescidas de 1/3 (noslimites do pedido), que serão calculadasobservando a remuneração de R$639,77, conforme TRCT de f. 211. Julgoprocedente, também, o pedido depagamento da multa de 40% do FGTS,que deverá ser calculada na formaprevista na OJ n. 42 da SDI-I do TST.

Rejeito o pedido de fériasvencidas acrescidas de 1/3 e saldo desalário (25 dias), uma vez que essasparcelas foram regularmente quitadasem ação de consignação em pagamento(vide documentos de f. 210/215). Oprazo para ajuizamento da consignaçãonão é aquele estabelecido no artigo 477da CLT, dada a existência de normaprópria (§ 3º do artigo 890 do CPC). E,analisando os documentos carreadosaos autos, constata-se que a referidaconsignatória foi ajuizada no prazo legal.Além disso, a ampla controvérsiaexistente nos autos é motivo suficientepara afastar a penalidade requerida (OJn. 351 da SDI-I do TST). Éimprocedente, assim, o pedido de

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aplicação da multa prevista no artigo477 da CLT. Rejeito, também, o pedidode aplicação da multa prevista no artigo467 da CLT, diante da ausência deverbas rescisórias incontroversaspassíveis de quitação, em audiência.

Tendo em vista a forma deextinção do contrato de trabalho orareconhecida, determino que areclamada, no prazo de 10 dias a contardo trânsito em julgado desta decisão,independentemente de qualquerintimação, entregue as guias TRCTcódigo 01 e CD-SD devidamentepreenchidas, para que a autora possalevantar o FGTS depositado em suaconta vinculada e fazer jus ao benefíciodo seguro-desemprego (casopreenchidos os demais requisitoslegais), sob pena de arcar comindenização substitutiva (inclusive, nahipótese de desrespeitado o prazo oraconcedido), conforme entendimentoconsagrado na Súmula n. 389 do C.TST, hipótese em que os valoresdeverão serão apurados conformeregras estabelecidas nas Leis n.7.998/90 e 8.900/94 e Resoluções doCODEFAT, respeitando-se, ainda, oteto do benefício.

A prática de assédio moralreconhecida é passível de indenização,eis que afeta diretamente a dignidadedo trabalhador e a sua integridadepsíquica e até física, violando princípiofundamental da Constituição daRepública, como já explicitado. E, nostermos das disposições contidas nosartigos 948, 949 e 953, parágrafo únicodo CC, cabe ao juiz analisar a extensãodos danos e arbitrar os respectivosmontantes, levando-se emconsideração a capacidade econômicade quem paga e de quem recebe, a fimde que se traduza em compensaçãopara o lesado e um desestímulo para olesante.

Arbitro, com base nas normassupra, a indenização por danos moraisno importe de R$7.667,24 (sete mil,seiscentos e sessenta e sete reais evinte e quatro centavos), equivalente a12 (doze) vezes a remuneração daautora utilizada para fins rescisórios(conforme TRCT de f. 211), que reputoser o montante razoável, entre o cotejodas capacidades econômicas de quempaga e de quem recebe, bem como agravidade e a intensidade do dano, onúmero de trabalhadoras envolvidasnessa situação e a certeza de que essesfatos apenas passaram a ocorrerquando o atual Presidente assumiu oencargo. Os valores serão corrigidos eatualizados a partir da data dapublicação desta sentença, uma vezque para a quantificação do dano moralfoi levada em consideração a situaçãoatual vivenciada pela vítima.

Rejeito, no entanto, o pedido deindenização por danos morais pelaalegada dispensa motivada. Com efeito,o simples fato de o empregador imputarà trabalhadora a prática de uma supostafalta grave, como elemento ensejadorpara a ruptura do pacto empregatício,por si só, não caracteriza qualquerofensa ou violação à imagem dotrabalhador, que pudesse ser passívelde ressarcimento.

Estão analisados, dessa forma,os pedidos formulados nas alíneas “b”,“d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “l”, “m”, “n”, “o”, “p” e“q”, do rol de f. 12/13.

b) Jornada de trabalho

A reclamada, em audiência,reconheceu que a reclamanteparticipava de eventos, que não eramanotados nos cartões de ponto. Àexceção dessas participaçõesespeciais, a jornada de trabalhoprestada era corretamente anotada nos

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espelhos de ponto, já que a autora, emaudiência, declarou que apenas otrabalho em datas comemorativas eeventos não era registradocorretamente.

De acordo com o depoimento datestemunha Rosimeire (f. 572/573), aspalestras e seminários, nessas datascomemorativas, duravam, em média, 03horas cada, sendo que era comumocorrer, pelo menos, um evento dessepor mês. É de se ressaltar, ainda, quetais horas extras, exatamente por nãoterem sido anotadas nos registros deponto, jamais poderiam ser destinadasà compensação de jornada. Nenhumadas outras testemunhas ouvidas prestouqualquer declaração relativa a esse fato.A petição inicial, no entanto, limita opedido ao pagamento de 02 horasextras, por dia laborado, o que deveráser respeitado, sob pena de ofensa aodisposto nos artigos 128 e 460 do CPC.

Sendo assim, julgo procedente opedido, para condenar a reclamada aopagamento de 02 horas extras por mês(já que, em média, ocorria um eventomensal), durante todo o períodocontratual, cujos valores serãocalculados, observando os seguintesparâmetros: número de horas extrasmensais fixado; adicional de 70% parao período posterior a 01.05.2007 até arescisão contratual e 50% para orestante, observando, neste caso, adata-base e o período de vigência daúnica CCT anexada aos autos (f. 79/91);divisor 220. A base de cálculo serácomposta das seguintes parcelas:salário-base, anuênio, comissão e DSR,nos termos da Súmula n. 264 do TST,observando, obviamente, os valores emeses em que essas parcelas foramquitadas, nos recibos de salário.

E, por serem habituais, as horasextras geram reflexos em aviso prévio,férias vencidas e proporcionais

acrescidas de 1/3, 13º salários, FGTS emulta de 40%. Não há falar em reflexosno DSR e o reflexo dessa verba emoutras parcelas, pela expressa ausênciade pedido (vide alínea “j” do rol de f. 13).

III. Mérito dos pedidosformulados em reconvenção

a) Indenização - Danos moraise materiais

Afirma a ré-reconvinte que asreclamantes, indevidamente,veicularam matérias no jornal local que,por serem inverídicas, acarretaramefetivo dano à imagem da empresaperante seus associados, além deprejudicar os andamentos dasatividades desenvolvidas pelareclamada, com o “abandono” dospostos de trabalho por 08 funcionáriasrealizado no mesmo dia.

A autora-reconvinda, por suavez, em defesa, aduz que não autorizouqualquer veiculação, no jornal local, damatéria noticiada, não sendo, assim, aautora de qualquer ato ilícito quepudesse ensejar a reparação pretendidaem sede de reconvenção. Afirma, ainda,que não estão presentes ospressupostos necessários para ensejara responsabilidade civil.

Pois bem. A autora, de fato, emaudiência, negou que tenha concedidoqualquer autorização para veicular, nojornal local, matéria referente aoprocesso em epígrafe. E, analisando aprocuração ad judicia anexada aosautos (f. 96), constata-se que,realmente, em momento algum, foramconcedidos poderes pela mandantepara que o mandatário divulgasse essesfatos na imprensa local.

É de se frisar que o procuradorresponsável pela veiculação da matéria,Dr. Mário Celso Oliveira, sequer consta

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do rol de advogados constituídos pelaautora, originariamente, como se inferepela leitura atenta do instrumento demandato de f. 96. Tal procuradortambém não foi o responsável pelaassinatura da petição inicial e nãoparticipou de qualquer uma dasaudiências realizadas perante estejuízo, como se infere pela leitura dasrespectivas atas. Portanto, os atospraticados por esse advogado nãopodem gerar a responsabilizaçãopessoal da autora.

E, ainda que os procuradoresanteriormente constituídos fossemindiretamente responsáveis pelaveiculação da matér ia junto àimprensa local, é de se verificar, nahipótese, a existência de verdadeiroexcesso de mandato e aos poderesque lhe foram conferidos, devendo,nos termos do artigo 667 do CC, seremos únicos responsáveis por eventuaisdanos causados à imagem daempresa. Diga-se “procuradoresanteriormente constituídos” porquehouve, posteriormente, a outorga desubstabelecimento, sem reserva depoderes, para novos advogados de“escritório” absolutamente diverso(vide documentos de f. 568/569).

A reclamante, neste caso, nãoagiu com culpa ou dolo, elementoindispensável para a caracterização daresponsabilidade civil postulada.Ressalte-se que a procuração adjudicia, conforme disposição contida noartigo 38 do CPC, outorga poderes aomandatário apenas para a prática deatos “dentro” do processo, o que,portanto, não inclui o poder derepresentar a autora extrajudicialmente,muito menos, perante a imprensa local.

Por fim, o direito da trabalhadorade requerer a rescisão indireta docontrato de trabalho estáexpressamente garantido no artigo 483

da CLT. Não ficou demonstradoqualquer abuso, por parte datrabalhadora, de seu direitoconstitucional de ação, que pudesseensejar o reconhecimento dasindenizações pretendidas em sede dereconvenção. Tanto assim o é que opronunciamento jurisdicionalrelacionado aos pedidos deduzidos naação principal (reconhecimento darescisão indireta e indenização pordanos morais decorrentes do alegadoassédio moral) foi favorável àtrabalhadora, o que demonstra, maisuma vez, que inexistiu qualquer abusocapaz de autorizar a condenaçãopretendida nesta ação incidental.

Entendo, por tais motivos, que ospedidos formulados contra atrabalhadora (indenização por danosmorais e materiais) são improcedentes.Porém, fica expressamente ressalvadoo direito da reclamada em postulareventual indenização, perante a Justiçaque julgar competente, contra oadvogado responsável pela veiculaçãoda referida matéria junto à imprensalocal, sem autorização da outorgante,como reconhecido expressamente nadefesa à reconvenção apresentada, porexcesso e/ou abuso dos poderes que,porventura, tenham sido conferidos.

IV. Demais pedidos e cominações

a) Justiça gratuita

A declaração de pobreza firmadana petição inicial por advogadoregularmente constituído nos autos ésuficiente para que se configure oestado de miserabilidade da autora.Adoto, nesse sentido, o entendimentofirmado nas OJs n. 304 e 331 da SDI-Ido C. TST. Concedo, destarte, osbenefícios da justiça gratuita para areclamante.

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b) Litigância de má-fé

Não restou demonstradoqualquer ato que pudesse serenquadrado nas condutas tipificadas noartigo 17 do CPC, ao contrário doalegado pela reclamada, em defesa.Ademais, a matéria trazida em juízoapresentou razoável controvérsia, capazde afastar a aplicação da penalidaderequerida pela ré. Por tais razões, rejeitoo pedido de aplicação de litigância demá-fé à autora.

c) Compensação

Rejeito, uma vez que as verbasdeferidas nesta sentença não sãopassíveis de serem compensadas, pelainexistência de quitação de parcelas sobidênticos títulos e rubricas.

d) Cumprimento da sentença

Dispõe o § 1º do artigo 832 daCLT que, quando a decisão concluir pelaprocedência do pedido, o juizdeterminará o prazo e as condições parao cumprimento da tutela jurisdicional demérito.

Com o intuito de promover aefetividade desse comando celetista,de natureza absoluta e imperativa, éque esclareço, desde já, que entendoser aplicável ao sistema processualtrabalhista a multa inscrita no artigo475-J do CPC, sob pena de rejeiçãodas reformas processuais adotadaspelo legislador ordinário, que foramcriadas, justamente, no intuito desepultar a principal mazela do processode execução, qual seja, a injustificadademora do credor em receber osvalores reconhecidos pelo PoderJudiciário. Para fundamentar aaplicação dessa penalidade, invoco aslições do DESEMBARGADOR DO TRT

DA 3ª REGIÃO LUIZ RONAN NEVESKOURY, in verbis:

O objetivo deste estudo édemonstrar a aplicabilidade da multade 10% prevista no artigo 475-J doCPC, introduzida pela Lei 11.232 de22.12.2005, ao processo do trabalho.

A multa tem aplicação nahipótese de o devedor, condenadoao pagamento de quantia certa ou jáfixada em liquidação, não efetuar orespectivo pagamento no prazo de15 dias. Tal fato acarreta umagravamento de sua situação e, aomesmo tempo, representa umincentivo àqueles que,voluntariamente e no prazo legal,cumprem as suas obrigaçõesreconhecidas judicialmente.

A principal objeção à suaaplicação no processo do trabalhorefere-se a uma supostaincompatibil idade dos sistemasprocessuais, da qual decorreria aimpossibil idade de uti l izaçãosubsidiária de normas do processocivil ao processo do trabalho, queconta, no caso, com procedimentoespecífico e regras próprias.

Embora reconhecendo aespecificidade do processo dotrabalho, tal fato não é suficiente paraafastar a inovação introduzida noordenamento processual civil,considerando o objetivo do processodo trabalho de tornar efetivo o direitomaterial, representado pelasatisfação do crédito trabalhista, denatureza alimentar.

[...]Fixada essa premissa, não

se justifica o entendimento de que amulta prevista no artigo 475-J doCPC, que visa atender aos reclamosde efetividade e celeridadeconsagrados na Constituição

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Federal, artigo 5º, XXXV e LXXVIII,não se aplica ao processo dotrabalho, sob o argumento de quetem sistema próprio, não sendoomisso quanto ao procedimento naexecução.(In Aplicação da multa de 10%prevista no artigo 475-J do Códigode Processo Civil ao Processo doTrabalho, apud Direito processual dotrabalho: reforma e efetividade;CHAVES, Luciano Athayde, LTr,2007, p. 276/277)

E, nem se diga que o artigo 769da CLT veda a incidência dessapenalidade. Na minha forma de pensar,a referida disposição legal foi criada nointuito de se evitar a aplicação denormas processuais que se mostremcontrárias à rápida satisfação do créditotrabalhista. A norma processualtrabalhista, portanto, está diretamenteafeta ao princípio da proteção, razãopela qual não se torna possível invocara sua incidência, exatamente, paraafastar a aplicação da penalidadeprevista no CPC, já que a regra inscritano artigo 475-J do CPC foi criada com oúnico propósito de dar efetividade aoprincípio da “duração razoável doprocesso”, previsto no inciso LXXVIII doartigo 5º da CF, cuja aplicação na searatrabalhista é incontestável.

Ademais, o § 1º do artigo 832 daCLT determina que, quando a decisãoconcluir pela procedência, ainda queparcial do pedido, o juízo “determinaráo prazo e as condições para o seucumprimento”. Essa norma processual,de natureza absoluta e imperativa,amolda-se perfeitamente ao disposto noartigo 475-J do CPC, apenas reforçandoa aplicabilidade desta última regra aosistema processual trabalhista.

Ressalte-se, por fim, que na 1ªJornada de Direito Material e Processual

na Justiça do Trabalho, promovida peloTribunal Superior do Trabalho,Associação Nacional dos Magistradosda Justiça do Trabalho (ANAMATRA) ea Escola Nacional de Formação eAperfeiçoamento de Magistrados doTrabalho (ENAMAT), com o apoio doConselho Nacional das Escolas deMagistratura do Trabalho(CONEMATRA), foi aprovado oEnunciado n. 71, que assim dispõe, inverbis:

ARTIGO 475-J DO CPC.APLICAÇÃO NO PROCESSO DOTRABALHO. A aplicação subsidiáriado artigo 475-J do CPC atende àsgarantias constitucionais da razoávelduração do processo, efetividade eceleridade, tendo, portanto, plenocabimento na execução trabalhista.

Por todas essas razões,esclareço, desde já, que, tornadalíquida a sentença condenatóriadefinit iva (ou seja, transitada emjulgado), deverá a reclamada efetuar opagamento do valor líquido devido àreclamante, com base nos cálculos deliquidação devidamente homologados,no prazo de 15 (quinze) dias, sob penada aplicação da multa inscrita no artigo475-J do CPC, que, por sua vez,incidirá sobre o montante total daexecução.

e) Ofícios

Determino, para eventuaisapurações cabíveis, a expedição deofício ao Ministério Público do Trabalho,que, obrigatoriamente, deverá fazer-seacompanhar de cópia dos documentosanexados às f. 68/78, desta decisão edas atas de instrução de f. 570/576, 594/599, independentemente de seu trânsitoem julgado.

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DISPOSITIVO

Ante o exposto, nos termos dafundamentação supra, julgo:

a) PARCIALMENTE PROCEDENTESos pedidos formulados, para condenara reclamada CÂMARA DOSDIRIGENTES LOJISTAS DEARAGUARI a pagar à reclamanteCLEIRY ALVES DE BRITO as seguintesparcelas: aviso prévio indenizado; 6/12do 13º salário proporcional; 7/12 dasférias proporcionais acrescidas de 1/3,multa de 40% do FGTS; indenização pordanos morais, pela prática de assédiomoral; horas extras e reflexos.

b) IMPROCEDENTES ospedidos formulados em sede dereconvenção.

Deverá a reclamada, no prazo de10 dias a contar do trânsito em julgadodesta decisão, efetuar as devidasretificações na CTPS da autora, paraconstar que, a partir de 01.08.2006, areclamante passou a desempenhar afunção de assistente comercial, comremuneração composta de salário fixo,acrescido de comissões e DSR, sobpena de ser feita pela Secretaria daVara, nos termos do artigo 39 da CLT.

E, diante da forma de extinção docontrato de trabalho ora reconhecida,determino que a reclamada, no prazo de10 dias a contar do trânsito em julgadodesta decisão, independentemente dequalquer intimação, entregue as guiasTRCT código 01 e CD-SD devidamentepreenchidas, para que a autora possalevantar o FGTS depositado em suaconta vinculada e fazer jus ao benefíciodo seguro-desemprego (casopreenchidos os demais requisitos legais),sob pena de arcar com indenizaçãosubstitutiva.

Concedem-se os benefícios dajustiça gratuita para a reclamante. Osdemais pedidos formulados sãojulgados improcedentes. Os valoresserão apurados em regular liquidaçãode sentença, respeitando todos oslimites e parâmetros estabelecidos nafundamentação, parte integrante destedispositivo.

Os juros serão contados a partirda data do ajuizamento da ação (artigo883 da CLT), calculados na base de 1%,pro rata die, incidentes sobre o valor jácorrigido monetariamente (Súmula n.200 do TST). Para o cálculo da correçãomonetária deverá ser observado oíndice do mês subseqüente ao daprestação de serviços, a partir do dia 1º,conforme o disposto na Súmula n. 381do TST. Para o cômputo de juros ecorreção monetária, observar-se-á odisposto na Súmula n. 15 do TRT da 3ªRegião.

Os valores fixados a título deindenização por danos morais serãocorrigidos e atualizados a partir da datada publicação desta sentença, uma vezque para a quantificação do dano moralfoi levada em consideração a situaçãoatual vivenciada pela vítima.

Descontos fiscais eprevidenciários na forma prevista naConsolidação dos Provimentos do TST,considerando-se, como de naturezasalarial, para fins da regra prevista noartigo 832 da CLT, as seguintes verbas:13º salário proporcional; horas extras ereflexos em férias gozadas e 13º salárioproporcional.

A importância devida a título deIR deverá incidir sobre a totalidade dasverbas tributáveis, a teor do que prevêo Decreto n. 3.000/99. Autoriza-se,desde já, a retenção das parcelasdevidas pela reclamante. Os valoresfiscais e previdenciários deverão sercalculados conforme entendimento

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firmado na Súmula n. 368 do TST, erecolhidos e comprovados pelareclamada, no prazo de 10 dias a contarda data do trânsito em julgado destadecisão, sob pena de execução dasquantias equivalentes.

Tornada líquida a sentençacondenatória definitiva (ou seja,transitada em julgado), a reclamadadeverá efetuar o pagamento daimportância líquida devida à reclamante,com base nos cálculos de liquidação aserem oportunamente homologados, noprazo de 15 (quinze) dias, sob pena deaplicação da multa inscrita no artigo475-J do CPC incidente sobre omontante total da execução.

Determino, para eventuaisapurações cabíveis, a expedição deofício ao Ministério Público do Trabalho,que, obrigatoriamente, deverá fazer-seacompanhar de cópia dos documentosanexados às f. 68/78 desta decisão e

das atas de instrução de f. 570/576, 594/599, independentemente de seu trânsitoem julgado.

Atentem as partes para a previsãocontida nos artigos 17, 18 e 538, parágrafoúnico do CPC, não cabendo embargosde declaração para rever fatos, provas ea própria decisão ou, simplesmente,contestar o que foi decidido.

Custas processuais, pelareclamada, sobre a ação principal, noimporte de 2% (dois por cento),calculadas sobre o valor dacondenação, ora arbitrado emR$15.000,00 (quinze mil reais). Custasprocessuais, pela ré-reconvinte, sobrea reconvenção, no importe de 2% (doispor cento), calculadas sobre o valoratribuído à causa, nos termos do incisoII do artigo 789 da CLT. Decisãoproferida e publicada em audiência, nostermos da Súmula n. 197 do TST.Cientes as partes. Nada mais.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00556-2008-037-03-00-1Data: 30.05.2008DECISÃO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA - MGJuíza Titular: Drª MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT

Aos 30 dias do mês de maio do ano de 2008, às 16h50min, na sede da 3ªVARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA, tendo como titular a MM. Juíza doTrabalho MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT, realizou-se ojulgamento da reclamação ajuizada por DÉCIO FREITAS JÚNIOR em face de MRSLOGÍSTICA S/A, pleiteando diferenças salariais e reflexos, retificação de CTPSquanto à admissão e às funções, enquadramento do autor na categoria “b”, horasextras pelo excesso de jornada, horas extras de prontidão, horas in itinere, reduçãoda hora noturna, horas extras pela supressão do intervalo intrajornada, reflexosdas horas extras pleiteadas; indenização por dano moral, diárias, multasconvencionais, multas dos artigos 467 e 477 da CLT, diferenças de FGTS e INSS,honorários advocatícios e assistência judiciária, no importe de R$150.000,00.

RELATÓRIO

DÉCIO DE FREITAS JÚNIOR,qualif icado nos autos, propôsreclamação trabalhista em face de MRS

LOGÍSTICA S/A, também qualificada,alegando, em síntese: que foi admitidoem 01.03.2004, para exercer as funçõesde maquinista, sendo incorretos oslançamentos contidos na CTPS,

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pleiteando as diferenças salariaisadvindas da percepção do salário deauxiliar de maquinista para o demaquinista, que lhe foi asseguradoapenas a partir de julho/2006; queestava afeto ao labor em turnosininterruptos de revezamento, emregime chamado de “monocondução”,realizando suas atividades de formapenosa, insalubre e perigosa edesdobrando-se na realização defunções atinentes a manobradores,técnicos e auxiliares de maquinista,porque atua sozinho dentro dalocomotiva; que laborava em regime deescala programada, em dia e horáriosalternados, apresentando-se no bairroBenfica, em Juiz de Fora, para sertransportado até a cidade de BomJardim de Minas-MG, em “van”contratada pela reclamada, sendogastas, em média, 03 horas para quefosse vencido tal percurso; que após achegada era conduzido ao alojamento,lá permanecendo até próximo ao iníciode sua jornada, quando, novamente, eradeslocado para a estação, em períodonão computado em sua jornada detrabalho; que, antes do início de suajornada, era chamado pelo operador deescalas, em média 30 minutos antes dotrem chegar, para a preparação prévia(trocar de roupa, equipar-se, aprontar asgarrafas de água e fazer o teste doetilômetro obrigatório); que havia laborem período tanto diurno quanto noturno;que não lhe era concedido intervalointrajornada, já que era obrigado aalimentar-se dentro do trem, emmovimento, sem a suspensão dasatividades de condução; que entre asjornadas não era observado o períodode 11 horas para descanso; que deveser enquadrado na categoria “b” do art.237 da CLT, por causa das atividadesque exercia; que não era observada aredução da jornada noturna; que

cumpria 10 escalas por mês, em jornadaque extrapolava, em média, 180 horasmensais; que foi assediado moralmenteno exercício de suas funções, haja vistaestar exposto a tratamento vexatório,porque, impossibilitado de se ausentarde seu posto de serviço, não podiasequer ir ao banheiro durante as 08horas de sua jornada; que, incorporadasas horas em excesso, fará jus aorecebimento de uma diária a mais porescala. Com esteio nas alegaçõesacima, postulou os títulos elencados noexórdio, às f. 21/25, pediu assistênciajudiciária gratuita. Atribuiu à causa ovalor de R$150.000,00 e juntou osdocumentos de f. 26/116.

Na audiência de f. 19/122, apósinconciliadas as partes, a reclamadaapresentou defesa escrita (f. 123/169),com documentos (f.170/424), ondeargüiu a prescrição qüinqüenal eargumentou, em suma, que são reais osregistros contidos na CTPS do autor; queas normas coletivas (cláusula 22ª ACT2002/2003, por exemplo) esclarecem odescabimento das horas itinerantes, umavez que remuneradas como passe; queas horas de prontidão foram quitadas;que foi contado como tempo de trabalhoo período no qual o autor realizava suasrefeições, em observância à normadescrita pelo art. 238, § 5º da CLT,descabe a aplicação do art. 71 da mesmanorma; que, ad cautelam, caso deferidaa pretensão, será devido apenas oadicional de horas extras, porque járemunerada a hora; que foi observada aredução da jornada noturna e pago orespectivo adicional, conforme descritosnos demonstrativos de pagamento,sendo este último sob a legenda 124;nega a possibilidade de enquadramentodo autor na categoria “b” do art. 237 daCLT, haja vista que suas funções, comoem geral a dos maquinistas e auxiliares,estão vinculadas à letra “c” da norma

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celetizada; que não havia labor emturnos ininterruptos de revezamento,mas, sim, sujeição à jornada de 08horas e regime de prontidão; que todasas horas extras foram quitadas eobservados os instrumentosnormativos aplicáveis, ressaltando queapenas são devidas a partir da 8ª hora;que nenhuma de suas ati tudescomprometeu a moral do autor, tendoa ré pautado-se, sempre, emproporcionar as melhores condições detrabalho aos seus empregados; que,observadas que foram as normascoletivas, descabe falar em aplicaçãodas multas por elas impostas; quedescabem, conseqüentemente, asmultas descritas nos artigos 467 e 477da CLT; insurge-se, ainda, contra apretensão relativa à assistênciajudiciária e honorários advocatícios,buscando ver compensados os valorespagos a idêntico título, bem comoapontando critérios de cálculo. Ao final,pugna pela improcedência.

Sobre a defesa, o autormanifestou-se na própria assentada,quando declarei preclusa a provadocumental, passando à oitiva dopreposto da reclamada, após indeferiros requerimentos formulados pelademandada. Na seqüência, tomei odepoimento do autor e procedi à oitivade duas testemunhas, encerrando ainstrução processual.

As partes arrazoaram e não seconciliaram.

ISSO POSTO:

DA PRESCRIÇÃO

Considerando que a ação foiproposta em 12.05.2008, estãoprescritos eventuais direitosperseguidos anteriores a 12.05.2003,nos termos do que dispõe o art. 11 daCLT c/c inciso XXIX do art. 7º da CF/88.

DA SITUAÇÃO DO AUTOR

Narrando contratação em dataanterior à consignada em seudocumento de trabalho, sempreexercendo as funções de maquinista, oautor pretende sejam feitas asretificações em sua CTPS, com ocorrelato pagamento de salários, parao período não anotado e diferençassalariais para o segundo período, quecompreende o lapso temporal de01.03.2004 a 17.08.2004.

O ônus da prova impõe-se aoautor, ante a negativa direta dareclamada frente à pretensão.

Quanto à data de admissão, aprimeira testemunha do reclamanteafirmou

[...] que trabalhou para a reclamadade agosto-04 a 01.11.07 comomaquinista; que foi contratado nomesmo dia do reclamante; quesempre foram maquinistas [...]; queconduziam sozinhos, sem ajudante,em caráter de monocondução,depois de 10 meses da admissão,mais ou menos o mesmo tempo doreclamante; que o reclamante antestrabalhou com um maquinistamonitor por uns 08 meses, mas nãotem certeza.

A segunda testemunha (FlavioTavares Gonçalves) nada pôdemanifestar sobre os fatos, porque a elesnão contemporânea:

[...] que trabalhou para reclamada dedezembro de 2004 a março de 2008,como maquinista [...]; que trabalhouno esquema de monoconduçãodesde abril de 2007 [...]

A existência de prova contrária àpretensão afasta a possibilidade de

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deferimento dos pleitos que vieramestampados no item “b” do rol depedidos, e seus consectários dos itens“d”, “e” e “f” de f. 21/22.

Em relação à funçãodesempenhada, conforme destaquescontidos nos depoimentos transcritos,há que se reconhecer que o autor nãose ativou, desde o nascimento de seucontrato de trabalho, como maquinista,apenas assumindo a monoconduçãoapós determinado período de trabalhona empresa.

No entanto, como afirmado pela2ª testemunha, o prazo para a promoçãofoi inferior àquele considerado pelademandada, que apenas promoveu oautor em junho/2006, apesar de suacontratação em 17.08.2004.

Decorrência dessa constatação,a existência de diferenças salariais emfavor do autor, que entendo, com basena prova oral descrita, ter sido alçado àcondição de maquinista em 17.06.2005.

Procedem parcialmente o pedidoda letra “g”, e conseqüentemente osreflexos perseguidos na letra “h”, emrelação às parcelas que eramregularmente pagas pela demandadaaos títulos ali definidos (férias + 1/3; 13ºsalário, FGTS e multa de 40%, INSS,horas extras, de repasse e de prontidão,e adicional de periculosidade).

Quanto às horas itinerantes, aquestão será apreciada em tópicoespecífico, porque não eram pagas comhabitualidade pela reclamada.

ENQUADRAMENTO NACATEGORIA “B” DO ART 237 DA CLT

Apesar de todo o razoadodesenvolvido pelo autor, o que de fatopretende é que a sua atividade demonocondução autorize seuenquadramento na categoria “b” do art.237 da CLT, por entender que trabalhava

em lugares ou trechos determinados eque suas tarefas exigiam atençãoconstante.

Seus argumentos, portanto, nãoprosperam, porque maquinista, ainda quetrabalhe sozinho, na forma como alegadae comprovada nos autos, é enquadradona categoria das equipagens de trensem geral, exatamente como consta doitem “c” do art. 237 da CLT, porque, aqui,o que se leva em consideração é o localda prestação de serviços, tendo ficadoevidenciado que o autor trabalhava nacondução de trens e não em lugar outrecho determinado.

Correto o enquadramento.

HORAS EXTRAS

Busca o autor o ressarcimentodas horas extras, descrevendo que seativava vinculado a 10 escalas no mês.Afirma que sua faina iniciava-se nomomento em que se apresentava naestação do bairro de Benfica, quandoembarcava, após um período de espera,em transporte fornecido pela reclamada,gastando de 2 horas e 30 minutos a 3horas, para chegar à localidade de BomJardim de Minas, onde aguardava oserviço, viajava e depois permanecia emalojamento por 10 horas, quandonovamente era conduzido para seapresentar ao responsável, aguardando30 minutos antes de assumir suasfunções de maquinista, dentro damáquina, momento no qual passava aser computado seu período laboral,cumprindo, a partir daí, 08 horas detrabalho, dentro da máquina, semintervalo para repouso ou alimentação.

As horas extras pleiteadasequivalem ao deslocamento, à prontidão,à supressão do intervalo entre jornadas,e à supressão do intervalo intrajornada,bem como à inobservância da reduçãoda hora noturna.

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Argumenta, ainda, que cumpriajornadas em turnos ininterruptos derevezamento, o que lhe outorga direitoà jornada legal de 06 horas, sendoextraordinárias as 7ª e 8ª que assim nãoforam remuneradas.

A reclamada refuta aspretensões, embasada no cumprimentodas normas celetizadas especiais dacategoria obreira e das cláusulasconvencionais. Argumenta com opagamento da parcela denominadapasse, para fazer frente às horas init inere, bem como das horas deprontidão. Informa ter respeitado ointervalo entre jornadas (10 horas),argumentando que o autor estava afetoa turno de 08 horas e não a turnosininterruptos de revezamento,apontando norma convencionalespecífica pertinente ao intervalointrajornada, que era computado najornada.

A - Primeiramente há que serdefinida a jornada de trabalho do autor,que não está atrelada ao regime deturnos ininterruptos de revezamento,mas, sim, a 08 horas diárias de labor,tal qual preconiza o art. 239 da CLT, emseu caput:

Para o pessoal da categoria “c”, aprorrogação do trabalho independede acordo ou contrato coletivo, nãopodendo, entretanto, exceder de 12(doze) horas, pelo que as empresasorganizarão, sempre que possível,os serviços de equipagens de trenscom destacamentos nos trechos daslinhas de modo a ser observada aduração normal de 8 (oito) horas detrabalho.

Logo, a remuneração das 7ª e 8ªhoras na forma procedida pelademandada se mantém, improcedendo

o pedido correlato, que veio no item I dopedido da letra “j” e seus consectários.

B - A observância da redução dahora noturna foi considerada pelareclamada. Por amostragem, da leiturado documento de f. 265, que dá contada ativação do autor no período de02.12.2005 a 01.01.2006, observa-se olabor noturno registrado nos dias 06(03h21min às 10h18min); 07 (01h02minàs 06h07min); 08 (18h09min às22h45min); 12 (15h51min às 22h13min);16 (01h26min às 06h31min); 18(19h26min às 01h22min); 23 (20h30minàs 02h30min); 24 (03h15min às07h45min e 19h30min às 07h30min); 26(14h45min às 23h02min) e 01(22h20min às 08h33min), uma vez que,no detalhamento das freqüências,vieram registradas as horas noturnas(sob a rubrica “hor not”).

No entanto, apenas foramcomputadas a tal título, para osrespectivos dias, as seguintes horasnoturnas: dia 06 - 6,42; 08 - 0,86; 12 -0,25; 14 - 4,08; 18 - 3,85; 23 - 12,00; 26- 0,75; 01 - 12,71; registrando-se horasextras noturnas apenas nos dias 23, àbase de 1,50 e 26, à base de 0,43.

À toda evidência, nem todas ashoras extras laboradas no períodonoturno foram computadas com adevida redução.

A sistemática adotada pelademandada trouxe prejuízo ao autor, oque impõe seja deferida a pretensão dever pagas, como extraordinárias, ashoras noturnas laboradas e nãocomputadas com a devida redução.

C - Na dicção do § 1º do art. 239da CLT:

Para o pessoal sujeito ao regime dopresente artigo, depois de cadajornada de trabalho haverá um

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repouso de 10 (dez) horas contínuas,no mínimo, observando-se,outrossim, o descanso semanal.

Expressa a norma legal, descabea aplicação do art. 66 ao autor, dada àsua condição de maquinista, cujaregulamentação é específica.

D - Em relação aos demaispedidos, necessário se torna o exameda prova testemunhal, produzida comexclusividade pelo autor.

Declarou Wesley Cesar SouzaTeles, às f. 120/121:

[...] que tinha a mesma rotina detrabalho do autor, qual seja,chegavam em Benfica, aguardavama van para ir para Bom Jardim, cercade 2 a 3h, levando 2,5 a 3h nopercurso; chegando em Bom Jardim,aproximadamente 1h, 1:30h damanhã; que a escala poderia ser às4 ou 4:30h da manhã e deveriamficar esse tempo em prontidão atéserem chamados ao serviço; queassumiam o serviço, trabalhavamem viagem umas 8h, chegavam aoutra cidade, tiravam 10h dedescanso, permaneciam umas 3 ou4h de prontidão e em seguidaassumiam o trem, gastando mais 8hde serviço, chegando novamente emBom Jardim, aguardando a van paravoltar, por cerca de 3h, para voltarpara Benfica, quando chegavam 2 ou3h depois; que o ponto era fechadoem Bom Jardim e todo o temporestante era contado como folga; queaconteceu de chegarem em casa demanhã e já terem que assumir àtarde [...]; que 10 horas de descansoeram passadas no dormitório de SãoBrás, mas não havia quartosuficiente para todos e aconteciasempre de terem que desocupar o

quarto após as 10 horas de descansoe irem para o pátio de manobras; queentão ficavam no pátio ou ficavamvendo televisão acordados demadrugada ou ficavam no containerquando estava vago [...] que poderiamusar o transporte público se ooperador de escala disponibilizassea passagem, o que nem sempreocorria; que a van levava de 02 horase meia a 03 horas [...]

Afirmou Flavio Tavares Gonçalves:

[...] que se apresentavam para pegara van em Benfica, de onde partiamem viagem por 2,5h até Bom Jardim;que esperavam 2 ou 3h em média,até entrar na prontidão, por 3 a 4h,quando assumiam o trem; quefaziam viagem de 8h em média,chegavam, aguardavam a conduçãoe deslocavam até o dormitório; quetiravam 10h de descanso, entravamem prontidão por 4h em média,retornavam ao P1 7 e lá aguardavam2 ou 3h até assumir o tremnovamente; que retornavam a BomJardim, gastando em média 8h,aguardavam a van por 4 ou 5h eretornavam a Benfica, gastando mais2h ou 2,5 de viagem; que não tinhamtempo para se alimentar; [...] nãohavia acomodação adequada paradescanso; que a empresa forneciamarmitex dentro da máquina; quenão havia parada ao longo dopercurso, porque não haviaestações; que viajou junto com oreclamante uma vez, bem antes damonocondução; que, em algunshorários, quando não tinha van, aempresa pagava a passagem deônibus, me parece que no primeiroàs 7:30h da manhã e no últimohorário, às 22:40h; que o horário depercurso da van não era registrado;

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que o ponto era fechado em BomJardim; que as horas de prontidãoeram registradas. (f. 122)

D.1 - Horas de prontidão

A segunda testemunha ouvidaatestou que as horas de prontidão eramregistradas regularmente, o quetambém se extrai dos cartões de ponto(f. 250/281).

No entanto, nem sempre oencerramento da hora de prontidão(período no qual o autor permaneceuaguardando ordens da reclamada)coincide com o início da jornadacomputada dentro do trem. Para ilustrar,veja-se o registro, contido à f. 270,relativo ao labor no período de02.05.2006 a 01.06.2006, onde, no dia04/05, permaneceu o autor emprontidão de 12h às 12h30min, iniciandosua faina às 12h50min; tendo ocorridono dia 05 a prontidão entre 05h15min e06h, com reinício de prontidão às06h18min com término no exatomomento do início da jornada, às07h10min.

Tal situação aponta para fraudenos registros, porque não é razoávelsupor que, por ex., o autor tivesseinterrupção da prontidão entre as 6h eas 6h17min. Ademais, entre o início dajornada e o término da prontidão existelapso temporal pequeno, no qual,obviamente, o autor estava obrigado aosatos preparatórios, ou seja, ainda emdisponibilidade da empresa.

Ao exame conjunto dosdepoimentos das testemunhas e dosdocumentos trazidos pela reclamada,convenço-me da existência de horas deprontidão não quitadas como tal em suaintegralidade.

Defiro ao autor, emconseqüência, o pagamento dediferenças de horas de prontidão,

segundo se apurar da prova documentaljá contida nos autos (e, caso inexistente,pela média verificada para os 12 mesesantecedentes), considerando-se comode prontidão todo o tempo decorridodesde o início da marcação dela (quadroHORAS DE PRONTIDÃO) até o inícioefetivo do trabalho de condução(primeiro quadro dos registros).

D.2 - Intervalo intrajornada

Ainda que haja normaespecífica que autorize o cômputo dointervalo intrajornada na duração dajornada do maquinista, como expressao teor do § 5º do art. 238 da CLT, elanão deve ser aplicada ao autor.

É que a regra de hermenêuticadetermina que, para aplicação danorma, seja observado também o seuespírito, a sua intenção e o momentono qual foi constituída.

As interpretações sistemática eteleológica do ordenamento jurídicoevidenciam que a mens legis não é asubtração de direito do trabalhador, masa compatibilização de seu interesse como do empregador. Sendo assim, é certoentender que a norma visou permitir queo maquinista, sem interrupção dofuncionamento da máquina ferroviária,gozasse do intervalo para repouso ealimentação, fazendo-se substituir,nesse momento, por outro maquinista,pelo assistente de maquinista ou porquem suas vezes fizesse. Tanto é assimque o art. 237, “c”, refere-se aequipagens de trens, ou seja, quando alei foi criada, havia previsão de que umaequipe, ainda que composta apenas demaquinista e auxiliar, estivesse à frenteda condução da máquina.

Naquele momento de edição danorma, não foi cogitada a hipótesevivenciada neste feito, qual seja, a damonocondução, quando um único

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maquinista está obrigado a conduzir por08 horas ininterruptas, sem apossibilidade sequer de usar o banheiro,pressionando permanentementedispositivo denominado homem-morto.

Não pode, portanto, beneficiar-sede tal previsão legal a demandada, oque arrasta a análise do tema à valacomum, cabendo sua apreciação sob aótica do art. 71 celetizado.

Sendo assim, competirá aoempregador conceder ao empregado ointervalo de 01 hora quando submetidoestiver à jornada de 08 horas.

Nesse contexto, defiro ao autor01 hora extra por dia trabalhado, a seracrescida com o adicional convencional,observado o período imprescrito.

D.3 - Das horas in itinere

Busca o autor o ressarcimentopelo tempo despendido no percurso queestava obrigado a fazer até assumir assuas atividades, compreendido no trechoque liga Juiz de Fora-MG a Bom Jardimde Minas-MG, em trajetos de ida e volta.

Argumenta a reclamada que talperíodo era considerado e pago comoviagem de passe, instituída pelacláusula 22ª da norma coletivadestacada no ACT 2005/2006 - f. 370,assim expressa:

A MRS pagará aos maquinistas,auxiliares de maquinistas e aosinspetores de tração, como horasimples, sem acréscimo, o tempodespendido na viagem de passe,bem como o tempo de espera detransporte, não se computando taishoras para a complementação dajornada efetivamente trabalhada.

Essa cláusula foi repetida nosoutros ACTs vigentes durante o períodoimprescrito.

Mesmo considerando aassert iva da ré, da leitura dosdocumentos que vieram às f. 250/280,em cotejo com o teor dos depoimentosprestados pelas testemunhas ouvidas,sobressai a informação que o tempogasto no percurso descrito acimaequivale a 2 horas e 30 minutos, pelamédia. Tal período não foiintegralmente computado no cálculodas horas de passe, como se extrai, poramostragem, do documento de f. 250.

Sendo assim, há que se arbitraro número de horas a seremconsideradas como horas de passe, jáque estas substituem, em tese, as horasitinerantes, nos moldes do pactuadoentre as partes. Fixo-as, então, em 5horas, por dia de escala, contemplandonelas o percurso de ida e volta.

Considerando que o que estásendo deferido são diferenças, parachegar-se ao total das horas devidas,será abatido o tempo diário superior a30 minutos já registrado como HORASDE PASSE nos quadros de registro.

O tempo registrado, inferior a 30minutos, é considerado comoremuneratório de pequenos trajetosentre o alojamento e a estação.

D.4 -Reflexos

As horas extras deferidas geramreflexos no RSR e a estes somadasincidirão sobre as férias simples,vencidas e proporcionais + 1/3, no 13ºsalário, no FGTS.

DIÁRIAS

Não apontou o autor,especificamente, estar a diária quitadaligada efetivamente às horas extrasdeferidas. Demais disso, as horas extrasnão foram deferidas na forma pleiteada.

Improcede a pretensão.

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MULTAS CONVENCIONAIS

Ao não quitar regularmente ashoras extras em favor do autor,desrespeitou a demandada normacoletiva, que a tanto apontava, atraindoa aplicação da penalidade prevista, adexemplum, na cláusula 47ª do ACT/2006/2007 - f. 105, no importe de 5% aincidir sobre o menor salário praticadopela MRS.

MULTAS DO ART. 467 DA CLT

A controvérsia válida afasta apretensão obreira.

MULTA DO ART. 477 DA CLT

Nada alegou o autor sobre odescumprimento do prazo para acertoresilitório, não havendo fundamentaçãoespecífica para o pleito, que resta extintosem resolução de mérito, porque ineptonos moldes do disposto no art. 295,parágrafo único, I c/c inciso I do art. 267do CPC.

DO DANO MORAL

A identificação do assédio moralnas relações de trabalho constitui tarefaextremamente delicada, revestida queé a sua tipificação de ingredientes denatureza jurídica e de ordempsicológica. De qualquer maneira,necessário se torna que a dignidade dotrabalhador seja violada por condutasabusivas desenvolvidas dentro doambiente profissional, durante a jornadade trabalho e no exercício das funções.

No caso dos autos, o juízo nãoconsidera provada a existência deassédio moral, que necessita, para suaidentificação, da figura do assediador.O ente coletivo - a empresa reclamada- não pode ser sujeito ativo do assédio.

Somente a pessoa física, ainda querepresentante do empregador, assedia.Ainda que o reclamante tenha sofridodano moral no ambiente do trabalho - oque o juízo reconhece, como se verá -não o foi sob o manto de assédio.

Afastada a hipótese de assédio,cumpre perquirir acerca da existência dedano moral, já que o direito àindenização por dano moral alicerça-sesobre três inarredáveis pressupostos,quais sejam, erro de conduta do agente,contrária ao direito, ofensa a um bemjurídico, material ou imaterial, e nexo decausalidade entre a ação antijurídica eo dano verificado.

No caso dos autos, o pedidorepousa nas condições de trabalho sobo regime da monocondução.

A monocondução éprocedimento relativamente recente esuas regras ainda não estãodefinitivamente estabilizadas. A AgênciaNacional de Transportes Terrestres(ANTT) apresentou, nesse sentido,Proposta de Resolução que “Dispõesobre a operação em regime demonocondução pelas Concessionáriasde Transporte Público Ferroviário deCargas e Passageiros.”1 O art. 2º dessaProposta dispõe que:

As operações ferroviárias emregime de monocondução, inclusiveas que envolvam compartilhamentode infra-estrutura, serão realizadaspela concessionária, desde queatendidas as seguintes exigências:[...]

I - em locomotiva comandante,composta de:

1 Disponível em http://appeantt.antt.gov.br/a c p u b l i c a s / a p u b l i c a 2 0 0 8 _ 8 1 /PropostadeResolucao_ap081.pdf

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a) cabine com posicionamentofrontal, considerando o sentido domovimento da composição;b) equipamentos de bordo instaladosna cabine, de forma a não causardificuldades nas visualizaçõeslaterais e frontal do maquinistasentado;c) condições ergonômicasadequadas para o maquinistasentado, com posicionamentospróximos de instrumentação,equipamentos de comunicação eauxiliares, de forma a minimizarproblemas de desvio de atenção efadiga, atendendo às seguintesexigências:

1. assento em boas condições,atestado pelo Instituto Nacional deMetrologia, Normalização eQualidade Industrial - INMETRO;2. dispositivo para apoio adequadodo terminal de comunicação, emcasos de utilização de sistema ACTou similar.

d) dispositivo indicador de velocidadeaferido e funcionandoadequadamente;e) dispositivo de homem-morto ousimilar de mesmo efeito;f) registrador de eventos funcionandoadequadamente;g) equipamentos de proteçãoindividual - EPIs, equipamentosauxiliares e ferramentas adequadosaos serviços de emergênciaprevistos no RegulamentoOperacional Ferroviário - ROF daconcessionária;h) sistema de comunicação terra-trem, com cobertura e continuidadede transmissão garantidas em todaa extensão do trecho ferroviário.

[...]

IV - elaboração e distribuição, paratodo o pessoal de operação, doRegulamento OperacionalFerroviário - ROF, com osprocedimentos a serem adotadosnas operações em regime demonocondução e contendo, nomínimo, as seguintesdeterminações:

a) higiene, segurança do trabalho eprimeiros socorros, com ênfase emcuidados com a saúde [...]

[...]

VII - rigoroso controle documprimento das escalas detrabalho, por maquinistas econtroladores de tráfego, emconformidade com a legislaçãotrabalhista e acordos sindicais emvigor, no sentido de evitar aextrapolação regular dos horáriosescalados e possível fadiga e/ouestresse destes funcionários.

Da leitura da Proposta e dosdispositivos transcritos, em especial osdestacados, percebe-se a preocupaçãocom a preservação da saúde e dadignidade do trabalhador. De acordocom essa Proposta, a Monocondução édefinida como o

regime de operação em que alocomotiva ou a composiçãoferroviária é conduzida pelomaquinista, sem a presença doauxiliar de maquinista ou qualqueroutra pessoa habilitada a auxiliá-loem intervenções internas e externas.

E o Dispositivo Homem-Morto o

equipamento integrado ao sistemade tração e de frenagem do trem que

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verifica em períodos curtos ealeatórios de tempo a vigíl iaconstante do maquinista, que casonão ocorrida, proporciona o corte datração e o acionamento do freio dacomposição, mediante aplicação deserviço total.

A justificativa mais utilizada paraa adoção do regime de monoconduçãoé a de que, se o ordenamento jurídiconacional exige o disposi t ivo dohomem-morto2, é porque permitiria acondução por um único maquinista, queacionaria o dispositivo permanentemente,dando evidências de que a viagemtranscorreria sem problemas.

A exigência legal parece tersurgido por motivos de segurança, poiso maquinista em serviço é obrigado apisar no pedal do “homem-morto” otempo inteiro, senão o trem pára(depoimento unânime dastestemunhas). Permanece, pois, omaquinista sempre alerta e emconstante vigília, enquanto no exercícioda função. Isso é admissível quando hápossibilidade de revezamento ou, pelomenos, da existência de pausas nocomando da máquina. Mas o sentido danorma legal foi desvirtuado e odispositivo - inserido por motivo desegurança - foi transformado emelemento justif icador para ainobservância de condições adequadas

de trabalho - causando,paradoxalmente, insegurança...

A prova oral aponta para a tristerealidade vivenciada pelos maquinistasda empresa. Declarou a primeiratestemunha do autor, WESLEY CESARSOUZA TELES:

[...] que deveriam se alimentardurante o trajeto; que quando alocomotiva tem banheiro, não davapara utilizá-lo porque não tinhamanutenção e chegavam a ter queusar fita isolante para calafetar aporta por causa do cheiro; que amaioria das locomotivas não tinhabanheiro; que urinavam pela janelae defecavam em uma sacola emcima do banco, porque tinham queficar apertando um pedal chamado“homem-morto” o tempo inteiro; quese não apertassem o pedal o tremparava; que não podiam parar o trempor pressão do rádio, porque ocontrolador exigia a produção; que ocontrolador não permitia queparassem; que já ouviu casos deparada, mas não sabe se issorealmente ocorreu; que se parasse,deveria ir no mato ou fazer asnecessidades na locomotiva; que aparada era arriscada porque poderiavir outra locomotiva atrás; que 10horas de descanso eram passadasno dormitório de São Brás, mas nãohavia quarto suficiente para todos eacontecia sempre de terem quedesocupar o quarto após as 10 horasde descanso e irem para o pátio demanobras; que então ficavam nopátio ou ficavam vendo televisãoacordados de madrugada ou ficavamno container quando estava vago;que considera essa situaçãodesumana; que conduziam sozinhos,sem ajudante, em caráter demonocondução [...] (f. 120/121).

2 O Decreto n. 98.973/90 - Regulamento doTransporte Ferroviário de ProdutosPerigosos -, em seu art. 4º, parágrafoúnico, estabelece que

A locomotiva-comandante será equipadacom dispositivo de homem-morto evelocímetro registrador e conduzirá oconjunto de equipamentos de proteçãoindividual destinado à equipagem eaparelho de comunicações.

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Nos mesmos moldes, a segundatestemunha manifestou-se à f. 121:

[...] que não tinham tempo para sealimentar; que o banheiro dalocomotiva não funcionava, por faltade manutenção; que, se precisassefazer as necessidades, faziam asnecessidades pisando o dispositivode segurança que tem na máquina,às vezes pela janela, às vezes emsaco; que se não apertassem odispositivo de segurança o tremparava; que havia um intervalo deno máximo 1 minuto sem parar, quealguns não podiam tirar o pé; quenão paravam o trem, porque tinhamcobrança; que faziam as refeiçõestrabalhando no trem, emmovimento; que trabalhou noesquema de monocondução desdeabril de 2007; que, no P1 7, nãohavia acomodação adequada paradescanso; que a empresa forneciamarmitex dentro da máquina; quenão havia parada ao longo dopercurso, porque não haviaestações [...]

Com efeito, segundo resultou daprova oral colhida, o trabalho eraexecutado em situação desumana,porque o maquinista, exposto a longajornada de trabalho, não podia terpausas para ir ao banheiro ou sealimentar, estando constantementesujeito a pressões e cobranças porprodutividade, porque não podia pararo trem e, se o parasse, não haviainstalação sanitária para utilização(deveria fazer “no mato”). A parada,ademais, “era arriscada, porque poderiavir outra locomotiva atrás”, sendo certoque, apesar da obrigação de avisar oCCO caso fosse parar, “no ponto desombra, o rádio não pegava e eramvários os pontos de sombra”.

A reclamada, uma dasconcessionárias da malha ferroviáriabrasileira, ao submeter o reclamante àscondições descritas, não cogitou darealização das necessidadesfisiológicas do trabalhador, quais sejam,pausa para ir ao banheiro (e ele deveexistir em condições higiênicas deuso...) e pausa para alimentação.3

Além disso, quer se valer dedispositivos legais celetistas quesuprimem a concessão de pausas fixaspara o maquinista... É certo que, nesseponto, a CLT considera que, em tese,as pausas estariam diluídas na jornadae que o maquinista, em revezamentocom outro colega de trabalho, teria,durante uma viagem, tempo suficientepara dedicar-se ao atendimento de suasnecessidades fisiológicas de eliminaçãode urina e fezes e alimentação.

O regime da monocondução é,pois, contrário à legislação trabalhistae deve ser fortemente coibido peloJudiciário Especializado. Também fereos conceitos da dignidade da pessoahumana, que tem status constitucionalde fundamento da República Brasileira(inciso III do art. 1º da Constituição) ede trabalho decente, utilizado pelaOrganização Internacional do Trabalho(http://www.ilo.org/global/Themes/Decentwork/lang-en/index.htm).

Da mesma forma, a ConstituiçãoFederal, em seu artigo 7º, XXII, tratandodos direitos dos trabalhadores urbanose rurais, arrola entre eles a redução dosriscos inerentes ao trabalho, por meiode normas de saúde, higiene esegurança do trabalho. Obviamente, aausência de manutenção de banheiro

3 Veja-se que até mesmo o § 5º do art. 238da CLT menciona a existência de “tempoconcedido para refeição”, que poderá serinferior a uma hora para o pessoal “dasequipagens de trens em geral”.

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no local de trabalho fere normas dehigiene e saúde, porque reduz otrabalhador à condição subumana.

Ao descumprir norma de higienee segurança do trabalho, a empresasujeita seu empregado a situaçãodegradante, impondo-lhe humilhaçãoinjusta e atingindo a dignidade psíquicae física do trabalhador.

Portanto, provado o ato contrárioao direito e estando presente o nexo causalentre o dano e a conduta ilícita, impõe-seo dever de reparação, como previsto noartigo 186 c/c artigo 927 do Código Civil.

Considerando a capacidadeeconômica do ofensor; considerando oprincípio que impede seja a indenizaçãofator de enriquecimento de um eempobrecimento de outro; considerandoo tempo de serviço e de sujeição àhumilhação, considerando, ademais, anatureza pedagógica daresponsabilização como efeito inibidorpara prevenir que futuros empregados dareclamada tenham o mesmo tratamentodispensado ao reclamante (Teoria doDesestímulo), arbitro o valor daindenização em R$30.000,00, atualizadosaté a data de hoje, observado o limite dopedido, valor que considero bem módicodiante da gravidade da situação, dacapacidade econômica da ré e do caráterpreventivo-punitivo da sanção.

DA COMPENSAÇÃO

A única compensação possível jáfoi deferida alhures.

DA JUSTIÇA GRATUITA

Apesar de impugnada a pretensão,as alegações empresárias não sãosuficientes para infirmar a necessidadeobreira quanto à assistência judiciária.

Sendo assim, concedo aoreclamante os benefícios da justiça

gratuita, uma vez que basta, para tanto,simples declaração de ser pobre nosentido da lei, firmada pela própria partecomo ocorreu no presente caso (f. 61), éo bastante para tanto. Inteligência da lei(artigo 4º da Lei n. 1.060/50, artigo 1º daLei n. 7.115/83, artigo 38 do CPC e § 3ºdo artigo 790 da CLT), da jurisprudência(OJs n. 304 e 331, ambas da SDI-I doTST) e dos princípios pertinentes(simplicidade, informalidade, além dagarantia de amplo acesso ao Judiciário,principalmente para os que detêm parcosrecursos financeiros - CF/88, artigo 5º,incisos XXXV e LXXIV).

DOS CRITÉRIOS DE CÁLCULOS

Sobre o principal devido incidiráatualização monetária, cujo índice seráaquele do 1º dia útil do mês seguinteao da prestação de serviços, conformeSúmula n. 381 do TST, observada aTabela Única para Atualização eConversão de Débitos Trabalhistas doConselho Superior da Justiça doTrabalho prevista na Resolução n. 8/2005/CSJT. O mesmo critério aplica-seàs correções do FGTS (OrientaçãoJurisprudencial n. 302 da SDI-I do TST).

Atualizados os valores, incidirãojuros de mora (Súmula n. 200 do TST)contados do ajuizamento da ação (art.883 da CLT), à taxa de 1% ao mês, prorata die (Lei n. 8.177/91), de formasimples, não capitalizados.

Descontos em prol do INSSincidem apenas sobre verba de cunhosalarial, no presente caso, horas extrase reflexos no 13º salário e RSR.

A reclamada deverá comprovaras quitações nos autos, pena deexecução.

Os cálculos a título de impostode renda seguirão as diretrizes traçadaspela lei aplicável à espécie e na épocada liqüidação dos débitos.

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Por tais fundamentos,

Julgo PROCEDENTE EM PARTEa pretensão deduzida em juízo peloreclamante DÉCIO FREITAS JÚNIOR,para condenar a reclamada MRSLOGÍSTICA S/A a pagar, com juros ecorreção monetária, feitos os descontosfiscais e previdenciários, como se apurarem liqüidação, observada afundamentação e a prescrição qüinqüenalacolhida, parte integrante deste decisum:

a) horas extras, observados osadicionais convencionais, com reflexos noRSR e incidência desse resultado no 13ºsalário, nas férias +1/3 e no FGTS + 40%;

b) diferenças das horas de passe,com reflexos no RSR e incidências desseresultado no 13º salário, nas férias +1/3e no FGTS + 40%;

c) indenização por danos moraisno valor de R$30.000,00;

d) multa convencional.

A reclamada deverá comprovar nosautos os recolhimentos previdenciáriossobre verbas de cunho salarial, definidasna fundamentação (tópico CRITÉRIOS DECÁLCULO), autorizada a dedução da

parcela devida pelo empregado, tudo sobpena de execução.

Fica igualmente autorizada aretenção do IR na fonte, mas a ré deverácomprovar o respectivo recolhimentoincidente sobre o montantecondenatório, sob pena de expedição deofício à Receita Federal.

Diante da gravidade da situaçãorevelada nestes autos, expeçam-se,imediatamente e independentemente dotrânsito em julgado desta sentença,ofícios ao Ministério do Trabalho eEmprego, ao Ministério Público doTrabalho, ao Ministério dos Transportese à Agência Nacional de TransportesTerrestres (ANTT), esta última noendereço do Setor Bancário Norte(SBN), Quadra 2, Bloco C, Brasília - DF,CEP 70.040-020, com cópia do termode audiência e desta sentença, paraconhecimento e adoção de providênciascabíveis, se for o caso.

Custas pela reclamada, noimporte de R$1.600,00, calculadassobre R$80.000,00, valor arbitrado àcondenação.

Cientes as partes para os fins daSúmula n. 197 do TST.

Encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00527-2007-136-03-00-0Data: 24.03.2008DECISÃO DA 36ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MGJuiz Substituto: Dr. CLÁUDIO ANTÔNIO FREITAS DELLI ZOTTI

No dia 24 do mês de março do ano de 2008, às 16h58min, na sede da 36ªVARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE-MG, sob o exercício jurisdicional doMM. Juiz do Trabalho Substituto, CLÁUDIO ANTÔNIO FREITAS DELLI ZOTTI,realizou-se a audiência de julgamento da AÇÃO TRABALHISTA ajuizada por JÂNIOALVES DE OLIVEIRA em face de IOB - INFORMAÇÕES OBJETIVASPUBLICAÇÕES JURÍDICAS LTDA.

Aberta a audiência, por ordem do MM. Juiz, foram apregoadas as partes.Partes ausentes. Conciliação final prejudicada.Vistos, etc.Submetido o processo a julgamento, profere-se a seguinte SENTENÇA:

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RELATÓRIO

JÂNIO ALVES DE OLIVEIRApropõe reclamatória trabalhista em facede IOB - INFORMAÇÕES OBJETIVASPUBLICAÇÕES JURÍDICAS LTDA.,ambos qualificados na inicial, expondo,em síntese, que: foi admitido em07.01.2003 (f. 277), como vendedorexterno, sem registro na CTPS, edispensado em 05.04.2006; foiobrigado, após o início de suasatividades, a constituir uma empresa derepresentação comercial, com o objetivode mascarar a relação de emprego; oreclamado, em 01.02.2006, assinou suaCTPS, embora tenha havido o distratodo contrato de representação comercialsomente em 06.03.2006; laborava deforma pessoal, onerosa, não-eventual esubordinada, devendo ser reconhecidaa relação de emprego e pagas asparcelas trabalhistas, inclusive horasextras; faz jus às multas dos artigos 467e 477 da CLT; sofreu dano moral a serindenizado; no caso de nãoreconhecimento da relação de emprego,devem ser pagos os valores devidospela rescisão do contrato derepresentação comercial, além dascomissões em aberto. Formula ospedidos e requerimentos alinhados àsf. 28/32. Atribui à causa o valor deR$212.149,38 (duzentos e doze mil ecento e quarenta e nove reais e trinta eoito centavos). Colaciona documentos(f. 34/273).

Audiência una designada para17.05.2007. Aberta a audiência (f. 278),compareceram o reclamante e seuprocurador e a reclamada por suapreposta e advogado.

A reclamada apresentou defesaescrita com documentos (f. 279/670),argüindo, preliminarmente, aincompetência da Justiça do Trabalhoe a ilegitimidade ativa do autor. Pede a

aplicação da prescrição bienal e, nomérito propriamente dito, sustenta, emresumo, que: nunca houve relação deemprego antes de fevereiro/2006 e, sim,relação estritamente civil com empresade representação comercial constituídapelo reclamante; jamais houvesubordinação ou controle nas relaçõescom o autor; rescindiu o contrato derepresentação comercial com aempresa do demandante e quitoucorretamente o saldo rescisório; nãopoderia controlar a jornada de trabalhodo reclamante, que era externa; nãocausou dano moral ao obreiro; osupervisor acusado de tortura moral éo próprio irmão do autor; o reclamanteé litigante de má-fé.

O reclamante se manifestou àsf. 673/697.

Juntada de cartas precatóriasinquiritórias às f. 724/732, 747/763 e784/794.

Audiência de instruçãodesignada para 11.03.2008. Aberta aaudiência, compareceram as partes eseus advogados (a reclamada por suapreposta). Foram ouvidas trêstestemunhas. As partes declararam nãoter outras provas a produzir,encerrando-se a instrução (f. 955).

Razões finais orais.Frustradas as tentativas de

conciliação.É o RELATÓRIO.Decide-se.

FUNDAMENTOS

1 - Preliminares

1.1 - Da incompetência daJustiça do Trabalho

Argüiu a reclamada a preliminarem epígrafe, ao argumento de quefalece à Justiça do Trabalho

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competência para apreciar e julgarmatéria envolvendo contratação depessoas jurídicas para a prestação deserviços.

O reclamante pretende verdeclarado que foi de emprego a relaçãomantida com a reclamada e, portanto,não há como afastar a competênciadesta Justiça Especializada paraexaminar a sua pretensão.

Salienta-se que, se a relaçãoentre as partes trata ou não de vínculoempregatício, é questão jungida aomérito, e, assim, será analisada adiante.

REJEITA-SE a preliminar.

1.2 - Da carência de ação porilegitimidade ativa

Não se vislumbra qualquerhipótese que possa ensejar acolhimentoda preliminar de carência da ação, poisos pedidos são juridicamente possíveis(previsão no ordenamento jurídico), aspartes são legítimas para figurarem nopólo passivo e ativo (titularidade dodireito em conflito) e está presente ointeresse processual do reclamante(necessidade e utilidade do provimentode mérito pretendido e adequação davia processual eleita).

Ressalta-se que a legitimidadede parte é a pertinência subjetiva daação, ou seja, basta que o reclamanteafirme ser credor da reclamada para seafigurar sua legitimidade para a causa(teoria da asserção). A análise que orase faz é abstrata, haja vista que arelação jurídica de direito processualindepende da relação jurídica de direitomaterial.

Ademais, o reclamante alega, nainicial, que foi empregado da reclamada,requerendo seja reconhecida aexistência de relação de emprego.Sendo assim, não há como negar sualegitimidade.

Se a prestação dos serviços doautor para a reclamada se deu ou nãono âmbito de um contrato de emprego,essa é uma questão de mérito, ondeserá analisada.

REJEITA-SE a preliminar.

2 - Prejudiciais de mérito

2.1 - Dos protestos

A reclamada protestou em facedas decisões que indeferiram ascontraditas das testemunhas AntônioAlves Anacleto e Hélio Simões da Rochacom fundamento no disposto na Súmulan. 357 do C. TST.

O acolhimento da contraditaapenas é possível diante das hipótesesaventadas pelo art. 829 da CLT e § 3º doart. 415 do CPC. As referidas testemunhasnão se enquadram nos casos previstosnos mencionados dispositivos legais.

Ademais, o fato de astestemunhas possuírem ação em face dareclamada não macula os depoimentosofertados pelas mesmas, tendo em vistao entendimento jurisprudencial acimacitado e os princípios constitucionais daampla defesa e do contraditório.

Mantém-se a decisão atacada,ficando REJEITADOS os protestos.

Em conseqüência, a ré, aoapresentar seus protestos de f. 952 e953/954, em desacordo com o dispostono aludido dispositivo legal ejurisprudência já pacificada, provocouincidente manifestamente infundado(CPC, art. 17, VI); o que caracterizalitigância de má-fé, assim consideradaa atuação francamente maliciosa.

A reclamada exerceu seu direitoconstitucional de ação de formairregular, desarrazoada e atentatória àdignidade da justiça.

Por isso, considera-se que aatitude da ré caracteriza litigância de

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má-fé, ensejando a APLICAÇÃO daMULTA de 1% (um por cento) sobre ovalor da causa e INDENIZAÇÃO de 1%(um por cento), conforme o disposto nosarts. 17, II e 18, caput, do CPC; noimporte de R$2.121,49 (dois mil, centoe vinte e um reais e quarenta e novecentavos) cada uma.

2.2 - Da prescrição

A reclamada suscitou aprejudicial de prescrição sobre apretensão autoral.

O prazo prescricional deve sercontado da ciência da lesão do direito(actio nata). Isso representa que estãoprescritas todas as parcelas vencidas hámais de 05 (cinco) anos contados dapropositura da ação (CR/88, art. 7º,XXIX; item I da Súmula n. 308 do TST),ou seja, anteriores a 27 de abril de 2002,tendo em vista que a presente ação foiajuizada em 27.04.2007.

Todavia, o reclamante alegouque foi empregado da reclamada noperíodo de 07.01.2003 (f. 277) até05.04.2006, não havendo qualquerprescrição a ser declarada, seja bienalou qüinqüenal.

Ressalta-se que o reconhecimentodo vínculo de emprego no período de07.01.2003 a 05.04.2006,considerando-se, inclusive, adeclaração da própria reclamada, emsua defesa, de que o reclamante foicontratado como empregado em02.02.2006 (f. 287), é questão relativaao mérito propriamente dito, resultandona procedência ou não dos pedidos.

2.3 - Da valoração da provatestemunhal

No Processo do Trabalho, emface da oralidade do procedimento, emque o julgador tem contato direto com

as partes e as provas (princípio daimediação), as impressões deixadaspelos depoentes na instruçãoprocessual tendem a influirinegavelmente no convencimento dojuiz e no provimento jurisdicional.

Assim, este juízo entende que aosdepoimentos dos Srs. Cláudio JoãoTeixeira e Jailson Alves Barbosa,testemunhas arroladas pela reclamada eouvidas por carta precatória, deve serdado um menor valor, porque elas tiverampouco ou nenhum contato direto com oreclamante. A 1ª declarou que conheceupouco o reclamante, pois esteeventualmente ia a São Paulo paraalguma campanha, quase anualmente (f.731). Já a 2ª, conforme se depreende desuas declarações (f. 793/794), trabalhouem São Paulo e na Região Nordeste, nãotendo também relação direta com oreclamante. Portanto, tal prova oral nãoserve para estabelecer a convicção destejulgador e está descartada.

Considerar-se-ão como provaoral apenas os depoimentos dos Srs.Antônio Alves Anacleto e Hélio Simõesda Rocha (testemunhas apresentadaspelo reclamante) e do Sr. Jésus Alves deOliveira (testemunha apresentada pelareclamada), tendo em vista que merecemum valor probante maior, uma vez quetiveram mais contato com o reclamante,além de que se mostraram seguros,respondendo às perguntas que lhesforam feitas de forma consistente e clara.O valor ora atribuído a essa prova oralserá considerado no julgamento dasquestões presentes neste feito.

3 - MÉRITO

3.1 - Da relação entre as partes

O cerne da lide em tela é aconfiguração ou não de relação deemprego havida entre as partes.

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O reclamante pugna pelorecebimento de verbas trabalhistas,entendendo que no vínculo ocorrido entreele e a reclamada estiveram presentes oselementos fático-jurídicos da relação deemprego (arts. 2º e 3º da CLT).

A reclamada, por sua vez, refutaa pretensão obreira, assentando suadefesa, notadamente, na negativa devínculo empregatício; argumenta que oreclamante prestava serviçosautônomos como pessoa jurídica.

Embora o reclamante tenhaprestado serviços de vendedor em nomede pessoa jurídica constituída para essefim, a prova dos autos é robusta esuficiente a demonstrar que a relaçãohavida entre as partes é de naturezaempregatícia, uma vez que presentestodos os elementos fático-jurídicos que acaracterizam, conforme se verá a seguir.

A testemunha Antônio AlvesAnacleto revelou que

[...] todos os vendedores tinhamque trabalhar no horário comercial,de 8 às 18 horas, com intervalo de1:30/2 horas [...]; que o supervisordo depoente era o mesmo doreclamante (Sr. Jésus Alves deOliveira); que o supervisor ligava,em média, duas vezes por dia; querecebia ligações do supervisor tododia às 7 horas; [ . . . ] que odocumento de f. 188/196 refere-seao código de ética implantado pelareclamada, ao qual se submetiamo reclamante e o depoente; [...] queas metas de vendas fixadas eramoriundas do departamentocomercial em São Paulo e eramrepassadas aos vendedores pelosupervisor [...]. (f. 953)

No mesmo sentido, atestemunha Hélio Simões da Rocha,que declarou que

[...] supervisor Jésus Alves instruiuo depoente a constituir uma pessoajurídica para prestar serviços; que sóreceberia quem tivesse empresaconstituída; que a reclamada exigiaexclusividade na venda de seusprodutos [...] que trabalhava das 8às 18 horas, com 1 hora de intervalo,de segunda a sexta-feira; queacredita que o reclamante fazia omesmo horário, conformedeterminação do supervisor Jésus[...] que a reclamada fornecia acarteira de clientes que era escolhidapelo vendedor; que o vendedorinformava o potencial de clientes dapraça; que a reclamada tambémpossuía fichas de clientes; que se ovendedor não constituísse empresanão iria receber [...]. (f. 954)

Nessa mesma esteira, odepoimento da testemunha apresentadapela reclamada, Jésus Alves de Oliveira:

[...] que a reclamada queria que osvendedores atuassem comorepresentantes comerciais atravésde pessoa jurídica; [...] que areclamada não possui nenhumvendedor empregado; que areclamada queria que os vendedoresabrissem as empresas; que nãosabe responder se esse expedientevisava a reduzir a carga fiscal eprevidenciária; que a empresa sóqueria representantes comerciais;que ligava para o reclamante paraincentivá-lo e cobrá-lo acerca documprimento de metas; que, por umacordo de cavalheiros, restouestabelecido que os vendedores queainda não tinham empresasconstituídas receberiam comissõesatravés da empresa do depoente;que na época em que era supervisortambém tinha uma empresa; que

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quando era supervisor recebia porcontracheque; que enquanto tinhaempresa também tinha a CTPSassinada pela ré; que quando oreclamante foi destituído da condiçãode representante comercial, ele tevesua CTPS assinada e continuouvendendo produtos da reclamada[...]. (f. 955)

De acordo com a prova oral,o reclamante consti tuiu empresatão-somente para atender às exigênciasda reclamada, que o submetia àfiscalização, por meio de um supervisor,e fixava metas, cujo cumprimento eracobrado, além de horários. Ainda, eraexigida exclusividade na venda dosprodutos da ré e o autor estava sujeitoà observância de código de condutaeditado pela demandada.

Ora, a prestação de serviços peloreclamante não se dava de formaautônoma, uma vez que a reclamada,segundo se infere dos aludidos fatos,ditava regras sobre a forma deprestação dos serviços.

O fato de a reclamada exigir ocumprimento de uma determinadajornada de trabalho e fixar metas devendas, inclusive, cobrando seucumprimento, torna certo que oreclamante a ela estava subordinado,em especial se considerar que ele aindaestava sujeito a um código de conduta.

Destarte, o reclamante não tinhaautonomia para prestar seus serviços,pois seguia a orientação de umsupervisor, além do código de condutaeditado pela reclamada (f. 188/196).

Ressalta-se ainda que o caráterde pessoalidade é revelado pelosdocumentos de f. 127/128, nos quais ascomissões eram pagas diretamente aoreclamante e, não, à pessoa jurídicacom quem supostamente o contrato deprestação de serviços fora firmado.

Os demais elementos fático-jurídicos da relação de emprego (art. 3ºda CLT), não-eventualidade eonerosidade, são inquestionáveis nopresente caso, pela remuneração pagae pela natureza dos serviços que oreclamante prestava, contínua ediretamente ligados às precípuasatividades econômicas da reclamada,empresa que explora o ramo de vendas(f. 657).

Além de todo o exposto, em01.02.2006, a reclamada contratou oreclamante como empregado,assinando sua CTPS (f. 39) com omesmo cargo exercido anteriormente -vendedor externo.

Observa-se, portanto, que otrabalho foi prestado por pessoa física, deforma pessoal e não-eventual, comsubordinação jurídica, medianteonerosidade, o que leva à configuraçãodo vínculo empregatício no presente caso.

Portanto, não correspondendoa relação havida entre as partesàquela defendida pela reclamada,reconhece-se a ocorrência da fraudeà legislação trabalhista, com fulcro noart. 9º da CLT, bem como a existênciado liame empregatício, nos termos dosarts. 2º e 3º da CLT.

Em relação ao termo inicial docontrato, prevalece que a relação deemprego iniciou-se em 07.01.2003, dataalegada pelo reclamante (f. 277) ecompatível com a defesa da ré, dataessa que deverá constar da CTPS.

Quanto à data do término docontrato, deve prevalecer aquelainformada pelo reclamante, qual seja,05.04.2006, uma vez que a mesmaconsta, inclusive, da CTPS doreclamante e da antecipação decontrato de trabalho (f. 39 e 416). Dessaforma, fixa-se como data de saída05.05.2006, já computada a projeção doaviso prévio indenizado.

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Reconhecida a relação deemprego no período de 07.01.2003 a05.05.2006 (OJ n. 82 da SDI-I do TST),considerando a dispensa sem justacausa (Súmula n. 212 do TST) e ante aausência de documentos quecomprovem o pagamento das verbaspedidas, ônus probatório que cabia àreclamada e do qual não sedesincumbiu (CLT, art. 818 e CPC, art.333, II), DEFEREM-SE ao autor asseguintes parcelas: aviso prévioindenizado; 13º salários referentes a2003, 2004 e 2005; 4/12 de 13º salárioreferente a 2006; férias, em dobro,referentes aos períodos aquisitivos2003/2004 e 2004/2005, acrescidas doterço constitucional; férias referentes aoperíodo aquisitivo 2005/2006,acrescidas do terço constitucional; 4/12de férias referentes ao período aquisitivo2006/2007, acrescidas do terçoconstitucional; FGTS sobre todo operíodo contratual, incidente, inclusive,sobre as verbas rescisórias, comexceção das férias indenizadas (OJ n.195 da SDI-I do TST), e multa de 40%sobre o FGTS, conforme se apurar emliquidação de sentença.

Tendo em vista que areclamada já havia reconhecido ovínculo de emprego com o reclamanteno período de 01.02.2006 a05.04.2006, constata-se, às f. 413/414e 421/429, o pagamento de algumasparcelas trabalhistas, que deverão sercompensadas com aquelas aquideferidas a idêntico título.

As parcelas deferidas deverãoser calculadas pela média de comissõespercebidas mensalmente pelo autor,garantindo-se o piso da categoria fixadonas CCTs de f. 41/107.

Considerando a decisão supra epor uma questão de lógica jurídica,DEFERE-SE, ainda, o pedido depagamento de repousos semanais

remunerados sobre as comissõesrecebidas, nos termos da alínea “c” doart. 7º da Lei n. 605/49, observando-sea média mensal a ser apurada emliquidação.

Dada a natureza salarial ehabitualidade dos repousos semanaisremunerados, DEFEREM-SE osreflexos desses em aviso prévioindenizado, 13º salários, férias+1/3 eFGTS+ 40%.

Caso sejam deferidas horasextras, os repousos semanaisremunerados decorrentes dascomissões deverão integrar sua base decálculo.

A reclamada deverá proceder àretificação da CTPS do autor, para fazerconstar a admissão em 07.01.2003 edata de saída em 05.05.2006 (OJ n. 82da SDI-I do TST), e salário compostopor comissões (média).

Deverá ainda a reclamadaentregar ao autor novas guias TRCT -Cód. 01, bem como novas guias CD/SD,sob pena de pagamento da indenizaçãosubstitutiva, caso o reclamante sejaprivado do gozo do seguro-desempregopor culpa exclusiva da ex-empregadora.

Reconhecida a relação deemprego, fica prejudicado o exame dopedido alternativo.

Considerando o decidido acimae diante da ausência de efeitosuspensivo de um eventual recursoordinário a ser interposto pelareclamada, resta prejudicada a análiseda tutela antecipada pretendida.Ressalte-se a possibil idade deexecução provisória deste julgado.

3.2 - Horas extras e reflexos

O reclamante pleiteia opagamento de horas extras, aofundamento de que trabalhava das 8 às19 horas, de segunda a sexta-feira, sob

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o controle de seu supervisor, sem adevida contraprestação.

A reclamada afirma que o autorrealizava serviços externos, inclusive,em cidades do interior, organizando suajornada de trabalho de acordo com suadisponibilidade.

Com razão a reclamada. A análiseda prova revela que o reclamante eravendedor externo, sem possibilidade decontrole efetivo da jornada de trabalho,incidindo na hipótese o disposto no incisoI do art. 62 da CLT.

A 1ª testemunha, Antônio AlvesAnacleto, afirmou, em depoimento (f.953), que:

[...] só encontrava com ele (oreclamante) nas reuniões (uma vezpor mês); [...] que o reclamante,como o depoente, trabalhava,durante todo o período,externamente; [...] que o reclamantetrabalhava em toda a região dotriângulo mineiro [...]. (grifos nossos)

Nessa mesma esteira, a 2ªtestemunha, Hélio Simões da Rocha,declarou:

[...] que havia em média uma reuniãopor mês realizada aos sábados noescritório da reclamada em BeloHorizonte [...]. (f. 954)

A testemunha apresentada pelareclamada, Jésus Alves de Oliveira,nesse diapasão, disse que:

[...] ligava, em média, 03 vezes porsemana para cada vendedor; queligava apenas para incentivar ovendedor [...]. (f. 955)

Ressalta-se que a 2ªtestemunha, inclusive, afirmou, emconsonância com o depoimento da

testemunha da reclamada, que “[...] osupervisor ligava, em média, 4 vezes porsemana para o depoente [...].” (f. 954)

Assim, considerando osdepoimentos das testemunhas, formouo juízo sua convicção de que oreclamante trabalhava externamente,atuando no interior de Minas Gerais eque comparecia obrigatoriamente naempresa apenas em reuniões mensais,não havendo como aferir a jornadaefetivamente cumprida.

Salienta-se que as testemunhasapresentadas pelo reclamante disseramsaber que o supervisor ligava para oreclamante apenas através decomentários:

[...] que, através de comentários,sabe que o supervisor ligava demanhã para o reclamante; que nãosabe informar o horário [...]. (1ªtestemunha apresentada peloreclamante - f. 953)

[...] que, conforme comentários doreclamante e de outros vendedores,ficou sabendo que o supervisorligava mais para o autor [...]. (2ªtestemunha apresentada peloreclamante - f. 954)

Diante desse panorama, não háprova cabal de que a reclamadacontrolava, direta ou indiretamente, deforma efetiva, a jornada de trabalho doreclamante.

Ademais, a própria testemunhaapresentada pelo reclamante nãoconfirma a jornada alegada, conformese observa no depoimento datestemunha Antônio Alves Anacleto:

[...] que todos os vendedores tinhamque trabalhar no horário comercial,de 8 às 18 horas, com intervalo de1:30/2 horas [...]. (f. 953)

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São, portanto, IMPROCEDENTESos pedidos de horas extras e seusreflexos.

3.3 - Danos morais

O reclamante alega que erasubmetido às mais variadas agressõespsicológicas, sendo pressionado avender cada vez mais, a alcançarquotas, na maioria das vezes,impossíveis, além de ser alvo dechacotas, ofensas e injúrias a cargo dosupervisor e não ter respeitada suacondição de empregado.

A reclamada, por sua vez, negaas assertivas obreiras e afirma que osupervisor nunca foi de ofender osempregados e, além disso, é irmão doreclamante.

Cumpre dizer que o assédiomoral se caracteriza pela condutaexcessiva e prejudicial do empregadorou seus prepostos em relação aosempregados, cobrando-lhes produçãoacima dos limites normais por meio deameaças, brincadeiras vexatórias eoutros artifícios censuráveis queperturbam o ambiente de trabalho,humilham e desequilibrampsicologicamente os empregados, queacabam se submetendo aosdesmandos com medo de perder oemprego.

A Juíza do Trabalho MARTHAHALFELD FURTADO DE MENDONÇASCHMIDT, em seu artigo “O assédiomoral no direito do trabalho” (ABMCJ emRevista, v. 02, p. 109/135), conceituouassim o assédio moral:

Juridicamente, o assédio moral podeser considerado como um abusoemocional no local de trabalho, deforma maliciosa, não-sexual enão-racial, com o fim de afastar oempregado das relações

profissionais, através de boatos,intimidações, humilhações,descrédito e isolamento. [...] Oassédio pode ser também vistoatravés do ângulo do abuso de direitodo empregador de exercer seu poderdiretivo ou disciplinar. Porque é sobo manto do exercício normal de suasprerrogativas patronais que oassédio se manifesta maisfreqüentemente. Nessas hipóteses,as medidas empregadas têm porúnico objetivo deteriorar,intencionalmente, as condições emque o trabalhador desenvolve seutrabalho.

Segundo ainda a i. Juíza, oempregado que sofre assédio moral

é objeto de condutas abusivas,manifestadas por comportamentos,palavras, atos, gestos ou escritosrepetidos, os quais podem agredirsua personalidade, sua dignidade ousua integridade física ou moral,degradando o clima social.

A Convenção n. 155 da OIT(aprovada pelo Decreto Legislativo n.02/92 e promulgada pelo Decreto 1.254/94) dispõe em seu art. 3º, alínea “a”, que

o termo “saúde” com relação aotrabalho abrange não só a ausênciade afecções ou de doenças, mastambém os elementos físicos ementais que afetam a saúde e estãodiretamente relacionados com asegurança e a higiene no trabalho.

Nesse diapasão, não se negaque as conseqüências psicológicas doassédio moral são de tal monta que,segundo avaliações científicas sobre otema, têm causado males quepermanecem por toda a vida.

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Entretanto, no presente caso,não restou demonstrado, de formarobusta e indubitável, que o reclamantetenha sofrido assédio moral. A análiseda prova testemunhal produzida nãoautoriza a conclusão de que houveofensa moral grave suficiente a justificarindenização por danos morais.

Não se constata que a reclamadatenha exercido seu poder de direçãosem razoabilidade, parcimônia eurbanidade, com grosseriasdesnecessárias e util ização deexpressões ofensivas e discriminatórias,conforme se verifica no depoimento da2ª testemunha apresentada peloreclamante, Hélio Simões da Rocha:

[...] que nunca foi xingado pelosupervisor; que o reclamante não foixingado pelo supervisor com termode baixo calão; que todos ficavamchateados com o jeito rígido dosupervisor; que já viu o supervisorxingando o reclamante de 6 a 10vezes; que após ser xingado pelosupervisor o depoente viu oreclamante ficar chateado ecarrancudo [...]. (f. 954) (grifosnossos)

Dessa forma, não se convenceuo juízo de que o reclamante tenha sofridoassédio moral. O fato de o supervisor serrígido, que, ao que tudo indica, é o queincomodava os empregados, não éconduta capaz de gerar direito àindenização pelo reclamante.

Embora o reclamante possa nãoter apreciado algum comentário dosupervisor, f icando “chateado ecarrancudo” por umas 6 a 10 vezesdurante o contrato de trabalho,fr isando-se que esse vigorou de07.01.2003 a 05.04.2006, a situaçãonão se reveste da gravidade necessáriapara caracterizar o assédio.

Nesse sentido, o entendimentoconsubstanciado na seguintejurisprudência:

EMENTA: ASSÉDIO MORAL -CONFIGURAÇÃO. O assédio moralno ambiente de trabalho ocorrequando uma pessoa ou um grupo depessoas exercem sobre um colega,subordinado ou não, uma violênciapsicológica extrema, de formasistemática e freqüente, durante umtempo prolongado, com o objetivo decomprometer seu equilíbrioemocional. Esse comportamento nãose confunde com outros conflitos quesão esporádicos, ou mesmo commás condições de trabalho, pois oassédio moral pressupõe ocomportamento (ação ou omissão)por um período prolongado,premeditado, que desestabilizapsicologicamente a vítima. Aexigência de metas peloempregador, ainda que elevadas,não traduz ataque sistemático eprolongado, nos moldes descritosacima, e é insuficiente paracaracterizar o assédio moral.(TRT 3ª Região, Sétima Turma,Relatora Alice Monteiro de Barros,R O - 11 7 9 - 2 0 0 5 - 0 1 4 - 0 3 - 0 0 - 1 ,publicado em 23.02.2006)

No caso em tela, ainda que areclamada exigisse metas e as cobrassedo reclamante, não se nota a intençãode dirigir contra este um ataquesistemático e prolongado nos moldesdescritos acima. Além disso, não háevidência de rigor excessivo.

Salienta-se que a simplesexigência de cumprimento de metas éinerente à atividade, decorrendo dacompetitividade do mercado, nãoconfigurando, por si só, condutaantijurídica. Conquanto a cobrança

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excessiva por produtividade possa serum fator de estresse em qualquerambiente de trabalho, não caracterizaum ato ilícito violador da integridadepsíquico-física da pessoa humana dotrabalhador, exceto em casos extremos,o que não é a hipótese dos autos.

Ademais, o desrespeito àlegislação trabalhista quanto ao vínculoempregatício e verbas respectivas, emque pesem os dissabores causados,não possui o condão de abalar a moraldo reclamante, de modo a lhe gerar odireito à indenização, pois se trata demero não-cumprimento contratual,passível de correção pela via judicial, oque já ocorreu com a presente decisão,que reconheceu a relação de empregoe as verbas trabalhistas pertinentes.

Registra-se que a 1ª testemunhaapresentada pelo autor nada declarou,em seu depoimento (f. 953), quanto ahaver ou não assédio moral.

Destarte, os fatos narrados sãoinsuficientes à condenação da reclamadapor danos morais, sendo que cabia aoautor provar o fato constitutivo de seudireito, ônus do qual não se desincumbiua contento (CLT, art. 818 e CPC, art. 333,I), pelo que é IMPROCEDENTE o pedidode pagamento de indenização.

3.4 - Da multa do § 8º do art.477 da CLT

Acolhendo-se o entendimento daSDI-I do TST, consubstanciado na OJn. 351, INDEFERE-SE a multa do art.477, § 8°, da CLT, tendo em vista aexistência de ampla controvérsia sobrea existência de relação empregatíciahavida entre as partes.

3.5 - Da aplicação do art. 467da CLT

INDEFERE-SE também o pedido

de pagamento da multa prevista no art.467 da CLT, considerando acontrovérsia e o debate travado entreas partes nos presentes autos.

3.6 - Dos benefícios da justiçagratuita

Considerando-se a declaraçãode f. 272, CONCEDEM-SE aoreclamante os benefícios da justiçagratuita, com base no art. 4º da Lei n.1.060/50, § 3º do art. 790 da CLT e OJn. 269 da SDI-I do Col. TST.

3.7 - Dos honorários advocatícios

São indevidos, nesta JustiçaEspecializada, os honoráriosadvocatícios quando não preenchidosos requisitos dos §§ 1º e 2º do artigo 14da Lei n. 5.584/70, na forma dasSúmulas n. 329 e 219 do TST e OJ n.305 da SDI-I do TST, ou seja, aconcessão do benefício da justiçagratuita ao reclamante e a assistênciapor sindicato de sua classe.

O reclamante não se encontraassistido pelo sindicato de suacategoria, sendo IMPROCEDENTE opedido de honorários advocatícios.

3.8 - Da litigância de má-fé

Não se cogita da aplicação dapenalidade por litigância de má-fé, umavez que o reclamante apenas exerceuseu direito de ação, utilizando-se dosmeios e recursos a ele inerentes, sendo,inclusive, vitorioso, ainda queparcialmente, em sua pretensão.

3.9 - Dos juros e da correçãomonetária

A correção monetária incidirá naforma do parágrafo único do art. 459 da

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CLT, da Súmula n. 381 do TST e da OJn. 302 da SDI-I do TST.

Os juros incidirão conforme odisposto no art. 883 da CLT, art. 39 daLei n. 8.177/91, Lei n. 10.192/01 eSúmula n. 200 do TST, ou seja, à razãode 1% (um por cento) ao mês, a partirdo dia da distribuição da petição inicial;incidentes sobre o valor da condenaçãojá corrigido monetariamente.

3.10 - Dos recolhimentosfiscais e previdenciários

Os descontos fiscais deverão serrecolhidos e comprovados peloreclamado na forma do artigo 46 da Lein. 8.541/92, do Decreto n. 3.000/99 eda Consolidação dos Provimentos daCorregedoria-Geral da Justiça doTrabalho (arts. 74 a 77).

Os recolhimentos previdenciários- incidentes sobre as verbas salariaisdeferidas: 13º salários referentes a2003, 2004 e 2005; 4/12 de 13º salárioreferente a 2006; repousos semanaisremunerados sobre as comissõesrecebidas e reflexos em 13º salários -deverão ser efetuados e comprovadosna forma do art. 28 da Lei n. 8.212/91,dos arts. 198, 201 e segs. e 276 doDecreto n. 3.048/99 e da Consolidaçãodos Provimentos da Corregedoria-Geralda Justiça do Trabalho (arts. 78 a 92);sob pena de execução direta pelaquantia equivalente (inciso VIII do artigo114 da CR/88).

CONCLUSÃO

Pelo exposto, resolve o juízo da36ª VARA DO TRABALHO DE BELOHORIZONTE-MG REJEITAR aspreliminares de incompetência da Justiçatrabalhista e de ilegitimidade ativa, bemcomo a prejudicial de prescriçãosuscitada, e, no mérito, JULGAR

PARCIALMENTE PROCEDENTES ospedidos formulados por JÂNIO ALVESDE OLIVEIRA em face de IOB -INFORMAÇÕES OBJETIVASPUBLICAÇÕES JURÍDICAS LTDA., nosautos do Processo n. 00527-2007-136-03-00-0, para condenar a reclamada apagar ao reclamante, conforme se apurarem liquidação de sentença:

1) aviso prévio indenizado;2) 13º salários referentes a

2003, 2004 e 2005;3) 4/12 de 13º salário referente

a 2006;4) férias, em dobro, referentes

aos períodos aquisitivos2003/2004 e 2004/2005,acrescidas do terçoconstitucional;

5) férias referentes ao períodoaquisitivo 2005/2006,acrescidas do terçoconstitucional;

6) 4/12 de férias referentes aoperíodo aquisitivo 2006/2007,acrescidas do terçoconstitucional;

7) FGTS sobre todo o períodocontratual, incidente,inclusive, sobre as verbasrescisórias, com exceção dasférias indenizadas (OJ n. 195da SDI-I do TST);

8) multa de 40% sobre o FGTS;9) repousos semanais

remunerados sobre ascomissões recebidas, nostermos da alínea “c” do art.7º da Lei n. 605/49, e seusreflexos em aviso prévioindenizado, 13º salários,férias+1/3 e FGTS+ 40%.

As parcelas deferidas deverãoser calculadas pela média de comissõespercebidas mensalmente pelo autor,

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garantindo-se o piso da categoria fixadonas CCTs de f. 41/107.

Tendo em vista que areclamada já havia reconhecido ovínculo de emprego com o reclamanteno período de 01.02.2006 a05.04.2006, constata-se, às f. 413/414e 421/429, o pagamento de algumasparcelas trabalhistas, que deverão sercompensadas com aquelas aquideferidas a idêntico título.

A reclamada deverá proceder àretificação da CTPS do autor, para fazerconstar a admissão em 07.01.2003 edata de saída em 05.05.2006 (OJ n. 2da SDI-I do TST), e salário compostopor comissões.

Deverá ainda a reclamadaentregar ao autor novas guias TRCT -Cód. 01, bem como novas guias CD/SD,sob pena de pagamento da indenizaçãosubstitutiva, caso o reclamante sejaprivado do gozo do seguro-desempregopor culpa exclusiva da ex-empregadora.

A fundamentação acima é parteintegrante deste dispositivo.

DEFEREM-SE os benefícios dajustiça gratuita requeridos peloreclamante.

CONDENA-SE a reclamada aopagamento de MULTA e INDENIZAÇÃOno importe de R$2.121,49 (dois mil,cento e vinte e um reais e quarenta enove centavos) cada uma, uma vez quesua conduta foi considerada litigânciade má-fé.

A correção monetária incidirá naforma do parágrafo único do art. 459 daCLT, da Súmula n. 381 do TST e da OJn. 302 da SDI-I do TST.

Os juros incidirão conforme odisposto no art. 883 da CLT, art. 39 daLei n. 8.177/91, Lei n. 10.192/01 eSúmula n. 200 do TST, ou seja, à razãode 1% (um por cento) ao mês, a partir

do dia da distribuição da petição inicial;incidentes sobre o valor da condenaçãojá corrigido monetariamente.

Os descontos fiscais deverão serrecolhidos e comprovados pelareclamada na forma do artigo 46 da Lein. 8.541/92, do Decreto n. 3.000/99 eda Consolidação dos Provimentos daCorregedoria-Geral da Justiça doTrabalho (arts. 74 a 77).

Os recolhimentos previdenciários- incidentes sobre as verbas salariaisdeferidas: 13º salários referentes a2003, 2004 e 2005; 4/12 de 13º salárioreferente a 2006; repousos semanaisremunerados sobre as comissõesrecebidas e reflexos em 13º salários -deverão ser efetuados e comprovadosna forma do art. 28 da Lei n. 8.212/91,dos arts. 198, 201 e segs. e 276 doDecreto n. 3.048/99 e da Consolidaçãodos Provimentos da Corregedoria-Geralda Justiça do Trabalho (arts. 78 a 92);sob pena de execução direta pelaquantia equivalente (inciso VIII do artigo114 da CR/88).

Custas pela reclamada, noimporte de R$1.800,00 (mil e oitocentosreais), calculadas sobre R$90.000,00(noventa mil reais), valor arbitrado àcondenação.

Atentem as partes para aprevisão contida nos artigos 17, 18 e538, parágrafo único; todos do CPC.Registre-se que não cabem embargosdeclaratórios para rever fatos, provas,a própria sentença ou, simplesmente,para contestar o que foi decidido (CLT,art. 897-A e CPC, art. 535).

Cientes as partes da data depublicação da sentença, nos termos daSúmula n. 197 do TST.

Intime-se a União Federal.Nada mais.Encerrou-se.