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ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO PRINCÍPIO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA SOB UMA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Resumo: As três pesquisas que compõe o painel aqui proposto, encontram-se ancoradas nos pressupostos da teoria histórico-cultural, com ênfase na teoria da atividade. O foco está na atividade de formação contínua de professores. São apoiadas nos estudos de Vigotski, Leontiev, Davidov e seus seguidores, onde os pesquisadores buscam importantes contribuições para análise e compreensão das ações que estruturam a atividade docente e que, a partir dos movimentos de formação realizados no decorrer de cada investigação, desencadeiam singulares processos de significação. A primeira pesquisa investigou o processo de significação da atividade de ensino de matemática que pode emergir durante uma atividade de formação contínua e que é desencadeado pela mediação proporcionada pela atividade orientadora de ensino. A segunda busca analisar forma e conteúdo da atividade de formação, nas evidências emergentes das atividades de planejamento e organização do ensino, tomadas como elementos da dialética em Kopnin e de atividade em Leontiev. Ambas possuem como protagonistas professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A terceira pesquisa, voltada a professores da Educação Infantil, buscou evidenciar as contribuições do conceito de “atividade orientadora de ensino” como desencadeador da mudança das práticas de tais professores. São utilizadas unidades de análise, tal como descreve Vigotski, e episódios de formação que evidenciam como as pesquisas aqui abordadas se materializam. Das análises apresentadas, conclui-se que há significação da atividade de ensino quando os professores se tornam sujeitos da atividade de formação e em tal condição, passam a desenvolver suas atividades pedagógicas fundamentadas na perspectiva de um ensino capaz de impulsionar o desenvolvimento psíquico e humano de seus alunos. Para isso, é preciso que o movimento de formação contribua para que o professor passe a compreender seu trabalho como “atividade” sendo tal movimento estruturado como tal, na perspectiva de Leontiev. Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação continuada de professores. Teoria histórico-cultural. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 811 ISSN 2177-336X

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ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO PRINCÍPIO DE

FORMAÇÃO CONTÍNUA SOB UMA PERSPECTIVA DA TEORIA

HISTÓRICO-CULTURAL

Resumo:

As três pesquisas que compõe o painel aqui proposto, encontram-se ancoradas nos

pressupostos da teoria histórico-cultural, com ênfase na teoria da atividade. O foco está

na atividade de formação contínua de professores. São apoiadas nos estudos de

Vigotski, Leontiev, Davidov e seus seguidores, onde os pesquisadores buscam

importantes contribuições para análise e compreensão das ações que estruturam a

atividade docente e que, a partir dos movimentos de formação realizados no decorrer de

cada investigação, desencadeiam singulares processos de significação. A primeira

pesquisa investigou o processo de significação da atividade de ensino de matemática

que pode emergir durante uma atividade de formação contínua e que é desencadeado

pela mediação proporcionada pela atividade orientadora de ensino. A segunda busca

analisar forma e conteúdo da atividade de formação, nas evidências emergentes das

atividades de planejamento e organização do ensino, tomadas como elementos da

dialética em Kopnin e de atividade em Leontiev. Ambas possuem como protagonistas

professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A

terceira pesquisa, voltada a professores da Educação Infantil, buscou evidenciar as

contribuições do conceito de “atividade orientadora de ensino” como desencadeador da

mudança das práticas de tais professores. São utilizadas unidades de análise, tal como

descreve Vigotski, e episódios de formação que evidenciam como as pesquisas aqui

abordadas se materializam. Das análises apresentadas, conclui-se que há significação da

atividade de ensino quando os professores se tornam sujeitos da atividade de formação e

em tal condição, passam a desenvolver suas atividades pedagógicas fundamentadas na

perspectiva de um ensino capaz de impulsionar o desenvolvimento psíquico e humano

de seus alunos. Para isso, é preciso que o movimento de formação contribua para que o

professor passe a compreender seu trabalho como “atividade” sendo tal movimento

estruturado como tal, na perspectiva de Leontiev.

Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação continuada de professores.

Teoria histórico-cultural.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

811ISSN 2177-336X

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A SIGNIFICAÇÃO DA ATIVIDADE DE ENSINO DE MATEMÁTICA EM

UMA ATIVIDADE DE FORMAÇÃO

Ana Paula Gladcheff

Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo – FEUSP

[email protected]

Manoel Oriosvaldo de Moura

Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo – FEUSP

[email protected]

Resumo: Esta comunicação, ancorada na perspectiva da teoria histórico-cultural, expõe

parte de uma pesquisa de doutorado de um dos autores concluída em dezembro de 2015.

Foi investigado o processo de significação da atividade de ensino de matemática que

pode emergir durante uma atividade de formação contínua para professores que ensinam

matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tal atividade de formação,

integrada ao Programa Observatório da Educação da CAPES, foi desenvolvida durante

quatro anos e dela participaram professores e coordenadores pedagógicos de escolas

públicas da cidade de São Paulo. A tese defendida foi a de que em uma atividade de

formação de professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, a significação da

atividade de ensino de matemática desenvolve-se nos sujeitos a partir das ações que

realizam coletivamente para objetivar a aprendizagem teórica de conhecimentos

matemáticos. O trabalho teve, portanto, como objeto de investigação, as ações propostas

e realizadas em uma atividade de formação de professores no processo de significação

da atividade de ensino de matemática a partir dos princípios teóricos metodológicos da

Atividade Orientadora de Ensino – AOE. As análises dos dados da pesquisa,

fundamentadas teoricamente com base nos princípios teórico-metodológicos da teoria

histórico-cultural e da teoria da atividade, ressaltam o modo como uma atividade de

formação em matemática pode ser estruturada e evidenciam como os professores se

mobilizaram e agiram ao realizar as ações do projeto. Neste artigo, o foco está nas ações

dos professores ao desenvolverem coletivamente a tarefa proposta e são destacadas as

fases que a compõe evidenciando os princípios teórico-metodológicos da AOE.

Destaca-se, dessa forma, que a organização que sustentará o processo de significação,

convergindo para o significado social da atividade de ensino, construído coletivamente

por sujeitos orientados pela mesma perspectiva teórica que fundamenta tal formação,

deve ser estruturada como atividade, na perspectiva de Leontiev.

Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação continuada em

matemática. Significação.

Introdução

Na perspectiva da teoria histórico-cultural, a educação escolar deve ser

compreendida como uma via para o desenvolvimento psíquico e principalmente

humano, por meio da socialização do saber produzido ao longo da história, visando à

máxima humanização dos indivíduos (MARTINS, 2007). Esse saber, expresso em

conceitos científicos, é apropriado pelo sujeito por meio de uma atividade cuja

finalidade básica é a própria aprendizagem. Tal atividade, identificada como atividade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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de estudo, é caracterizada por possuir conteúdo e estrutura especiais, na qual se permite

o surgimento das funções psíquicas, e resulta no desenvolvimento psíquico e na

formação da personalidade do indivíduo (DAVIDOV, MÁRKOVA, 1987). Dessa

forma, o ensino torna-se desenvolvimental, ou seja, capaz de impulsionar o

desenvolvimento, tal como o designa Davidov.

Nesse sentido, a escola é compreendida como um espaço privilegiado para

apropriação do conhecimento mais elaborado pela humanidade, tido como

conhecimento teórico ou científico, permitindo que o indivíduo transforme a forma e o

conteúdo do seu pensamento na direção do desenvolvimento do pensamento teórico

(DAVIDOV, 1988). Para isso, o ensino deve ser organizado por meio de um movimento

de aprendizagem decorrente de uma atividade intencional, sistematizada e organizada,

que tem como objetivo a formação do pensamento teórico nos alunos. Tal atividade,

designada ao professor, constitui, na perspectiva dialética da relação teoria e prática, a

sua atividade: a atividade de ensino. O professor, portanto, sendo sujeito da atividade

pedagógica, é o responsável pela transmissão do saber historicamente acumulado, e é

possível compreender que seu trabalho, como mediador entre os alunos e o

conhecimento, possui especificidades dentro do processo educativo na educação formal,

já que sua finalidade é garantir que eles se apropriem do conhecimento elaborado e não

do conhecimento espontâneo; do saber sistematizado e não do saber fragmentado; da

cultura erudita e não da cultura popular (SAVIANI, 2011). Cabe a ele planejar

atividades de ensino que, além de garantir a apropriação do conhecimento pelo aluno,

possibilite a este acesso ao processo de produção desse conhecimento para que, assim, o

aluno torne-se sujeito e constitua-se como tal ao participar ativa e intencionalmente do

processo de apropriação do saber, superando o modo espontâneo e cotidiano do

conhecer (BASSO, 1998).

Mas a essência do movimento de formação do pensamento teórico (que

envolve a análise, a reflexão e o plano interior das ações) “se trata de um procedimento

especial com o qual o homem enfoca a compreensão das coisas e dos acontecimentos

por via da análise das condições de sua origem e desenvolvimento” (DAVIDOV, 1988,

p.6, tradução nossa, grifos do autor) e, tal como afirmam Rosa et al. (2010), a

perspectiva de ensino encontrada nas escolas é a de que o processo de apropriação dos

conhecimentos científicos esteja baseado na observação refletindo apenas propriedades

exteriores, construídas a partir de comparações entre objetos.

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Por isso, entende-se a necessidade de se compreender, cada vez mais, como são

desenvolvidos os processos de formação, sejam eles iniciais ou contínuos, a fim de que

se verifique a possibilidade de que o professor, ao participar do processo, entre em

atividade desenvolvendo o pensamento teórico em suas ações de ensino para, assim,

sistematiza-las com o objetivo de desenvolver o pensamento teórico nos estudantes.

Ancorada na perspectiva da teoria histórico-cultural, com ênfase na teoria da

atividade, a pesquisa que ora apresentamos investigou o processo de significação da

atividade de ensino de matemática que pode emergir durante uma atividade de formação

contínua realizada com professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Significação, nesse caso, compreendida pela perspectiva de Leontiev, que

a interpreta como um processo, isto é, como “a forma em que um homem determinado

chega a dominar a experiência da humanidade” (LEONTIEV, 1983, p. 225, tradução

nossa).

A tese defendida é a de que em uma atividade de formação contínua de

professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, a significação da atividade de

ensino de matemática desenvolve-se nos sujeitos a partir das ações que realizam

coletivamente para objetivar a aprendizagem teórica de conhecimentos matemáticos.

Nesta comunicação, o foco encontra-se nas ações dos professores durante uma

atividade de formação em matemática, considerada o cenário para a investigação,

destacando-se as fases que a compõe e evidenciando os princípios teórico-

metodológicos da atividade orientadora de ensino (AOE).

O processo de formação contínua como atividade

O sentido que atribuímos ao conceito de atividade está baseado na concepção

sistematizada por Leontiev (2010), aos princípios da teoria da atividade. Orientado

pelos pressupostos teóricos estabelecidos por Vigotski, o autor define atividade como

“os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um

todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a

executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2010, p.68). O conceito exposto

é estruturado, segundo o mesmo, por elementos de orientação (objeto, necessidade e

motivo da atividade) e de execução (ações, operações e objetivos da atividade) que

devem ser compreendidos em uma relação indissociável. E complementa que há, entre

eles, uma interconexão e um dinamismo que podem fazer com que se transformem

reciprocamente no decorrer do processo (LEONTIEV, 1983).

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No contexto da pesquisa aqui relatada, ao compreendermos o trabalho do

professor como atividade, podemos inferir que esta compreende ações e operações –

uma delas o estudo – que, nas condições de uma atividade de formação contínua,

apresenta-se como uma proposta formativa coletiva. Formação contínua por nós

entendida como a descreve Moretti (2007), sendo “um processo que ocorre na

continuidade da formação inicial e que visa à transformação da realidade escolar por

meio da articulação entre teoria e prática docente” (p.24). Nessa formação, o professor

deve ser “sujeito” a fim de que reflita sobre suas ações e se perceba como o organizador

do conteúdo teórico, na sua ação pedagógica, que é o elemento mediador entre o aluno e

a sua aprendizagem. Na pesquisa, investigamos, como já mencionado, o processo de

significação da atividade de ensino de matemática que pode emergir durante uma

atividade de formação contínua realizada com professores que ensinam matemática nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, portanto, apresentamos inicialmente a Figura I,

que ilustra um esboço do esquema que representa a nossa compreensão de como deve

ser estruturada uma atividade de formação contínua em matemática.

O esquema (Figura I) está baseado nas ideias de Leontiev, sobre a estrutura da

atividade humana, e nos princípios teórico-metodológicos que orientaram o processo de

formação que foi desenvolvido no decorrer da investigação. Neste, encontra-se

sintetizado o que entendemos por cada elemento que compõe a atividade e que, por sua

Figura I: : Estrutura interna de uma atividade de formação contínua em matemática, formulada

pelos autores.

operações

Leituras; discussões;

intervenção no processo

educativo

objeto

Organização

do ensino

sujeito

Professor atividade

Formação contínua necessidade

Intervir no

processo educativo

motivo

Intervir no processo educativo

por meio da articulação entre

teoria e prática

objetivo

Apropriar o conhecimento

teórico e prático para intervir

no processo educativo

ações

Apropriar conceitos teórico-

metodológicos da THC e da TA;

apropriar conhecimento teórico

matemático; planejar atividades de

ensino

condições

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

815ISSN 2177-336X

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vez, medeia a relação entre o sujeito (professor) e seu objeto de trabalho (organização

do ensino de matemática).

Leontiev assinala que as ações, mediante as quais se realiza a atividade,

constituem seus componentes fundamentais ao afirmar que “a atividade humana não

pode existir de outra maneira, senão na forma de ações ou grupo de ações”

(LEONTIEV, 1983, p.84, tradução nossa). Podemos perceber, portanto, o quanto as

ações que compõem uma atividade de formação contínua podem ser reveladoras das

mudanças nas ações dos professores relacionadas à sua atividade de ensino, ou seja, o

processo de significação da atividade de ensino do professor pode ser desencadeado

pelas ações organizadas na atividade de formação contínua, que possui uma estrutura na

qual o trabalho coletivo é constituído e constitutivo. O coletivo é o modo como a

produção se integra às necessidades dos sujeitos que dele fazem parte. Essas ações, por

sua vez, devem seguir metodologia e procedimento sistemáticos que visem ao

desenvolvimento do pensamento teórico dos professores, envolvendo-os em atividade.

Isso significa que, ao participarem da atividade de formação, os professores

desenvolvem ações de estudo, orientados pelas ações que são organizadas e realizadas

durante o processo de formação, e que devem possibilitar que os sentidos atribuídos por

eles à atividade de ensino, gerados no decorrer do processo, não se formem

espontaneamente, mas na direção da perspectiva teórico-metodológica da teoria

histórico-cultural, de modo a contribuir para que seu trabalho passe a ser entendido

como atividade, na perspectiva de Leontiev. Tal processo, sendo estruturado como

atividade, compreende ações individuais com resultados intermediários que juntos

levam à satisfação de uma necessidade do grupo que busca um resultado comum, e isso

significa que podem convergir para uma mesma objetivação, uma vez que a atividade

(coletiva) “envolve parcerias, divisão de trabalho e busca comum de resultados”

(MOURA, 2012, p.156).

Nesse movimento, destacamos o papel atribuído à atividade orientadora de

ensino (AOE) proposta por Moura (1996, 2012) ao focar a prática pedagógica

baseando-se no conceito psicológico de atividade. Segundo o autor, a AOE se estrutura:

[...] de modo a permitir que sujeitos interajam, mediados por um conteúdo

negociando significados, com o objetivo de solucionar coletivamente uma

situação-problema (MOURA, 1996). É atividade orientadora porque define

os elementos essenciais da ação educativa e respeita a dinâmica das

interações que nem sempre chegam a resultados esperados pelo professor.

Este estabelece os objetivos, define as ações e elege os instrumentos

auxiliares de ensino, porém não detém todo o processo, justamente porque

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816ISSN 2177-336X

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aceita que os sujeitos em interação partilhem significados que se modificam

diante do objeto de conhecimento em discussão.

Os princípios que regem a atividade orientadora de ensino proporcionam

atenção às diferenças individuais, às particularidades do problema colocado em ação e

aos vários conhecimentos presentes no ambiente educativo. Dessa forma, uma

particularidade extremamente relevante que a constitui é a intencionalidade, o que,

segundo Moura (2012), imprime uma responsabilidade ímpar aos que organizam o

ensino. É com essa perspectiva que o movimento da pesquisa é apresentado a seguir.

O movimento da pesquisa e as ações dos professores para a realização da tarefa

proposta durante a atividade de formação

Entendemos que o processo de significação da atividade de ensino de

matemática dos professores é orientado pelas ações organizadas e praticadas na

atividade de formação, e tal movimento ocorre ao assumirmos os pressupostos

vigotskianos e davidovianos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento, e marxiano

sobre o trabalho. No caso de Vigotski e Davidov, em especial, entendendo que a

apropriação do conhecimento teórico na direção do desenvolvimento do sujeito é

considerada o objetivo essencial no processo educativo, e que essa apropriação se dá no

movimento do interpsíquico ao intrapsíquico. Isso significa que, para se apropriar de um

novo conceito, o sujeito primeiro se relaciona com ele por meio das atividades sociais

(interpsíquico) para depois torná-lo para si (intrapsíquico) (VIGOTSKI, 2009).

Ao compreendermos significação como um processo, orientamos a investigação

pelos princípios metodológicos elaborados por Vigotski ao estudar as formas

caracteristicamente humanas de atividade psicológica, e entendendo o pressuposto de

Leontiev ao estabelecer a atividade humana como unidade básica para compreensão do

psiquismo. Tais princípios contêm, nas palavras do autor:

(1) Uma análise do processo em oposição a uma análise do objeto; (2) uma

análise que revela as relações dinâmicas ou causais, reais, em oposição à

enumeração das características externas de um processo, isto é, uma análise

explicativa, e não descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que

reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem o desenvolvimento de uma

determinada estrutura (VIGOTSKI, 2007, p.69).

Assim, realizamos uma análise do fenômeno de forma dinâmica, visando à

busca da essência do objeto de investigação. Identificamos, no decorrer do movimento

realizado durante um processo de formação, a ocorrência de mudança de qualidade nas

ações relacionadas à atividade de ensino de matemática dos professores. Isso por

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entendermos serem as ações dos professores reveladoras do sentido que estão atribuindo

à atividade de ensino e por ser desta forma que se dá o processo de significação.

O projeto de pesquisa que constituiu o cenário da investigação fez parte do

Programa Observatório da Educação da CAPES, e trabalhou com formação contínua em

matemática, orientado pela perspectiva da teoria histórico-cultural, tendo como título

“Educação matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental: princípios e práticas

da organização do ensino”. Composto por quatro núcleos de investigação, situados em

quatro diferentes universidades, tal projeto possuiu uma organização fundamentada nos

pressupostos da teoria da atividade partindo das premissas de que se aprende no

coletivo e o sujeito se faz ao construir seu objeto. Por isso, proporcionava-se momentos

de discussão coletiva em todos os encontros, para que o processo de significação da

atividade de ensino de matemática dos professores se encontrasse em movimento para

uma atividade coletiva desde seu início. O núcleo escolhido, como campo empírico, foi

o de São Paulo, o qual promoveu, durante quatro anos, 134 encontros semanais de três

horas, e contou com a participação efetiva de quatro escolas públicas da capital. Nesses

encontros, estiveram presentes o coordenador geral do projeto, quatro coordenadores

pedagógicos (que atuavam nas escolas participantes), 14 professoras do Ensino

Fundamental, três alunas do curso de Pedagogia com projetos de iniciação científica,

três doutorandos e um mestrando, com pesquisas integradas ao projeto.

Foi no decorrer dos encontros realizados semanalmente que buscamos apreender

o movimento de significação da atividade de ensino de matemática dos professores.

Suas ações e reflexões foram observadas com o intuito de identificar mudanças nos

modos de ação relativos à organização do ensino de matemática, caracterizando a

significação de sua atividade de ensino de matemática. As mesmas eram observadas por

meio de intervenções realizadas nos encontros coletivos de formação, nas manifestações

e ações dos professores durante os encontros e nas apresentações de suas ações na

prática educativa. Utilizamos, para isso, os instrumentos de vídeo-gravações, realizadas

nos encontros de formação; gravações em áudio, utilizadas quando o trabalho era

realizado em subgrupos; anotações de campo, feitas durante os encontros. Ressaltamos

aqui a participação da pesquisadora em todos os encontros de formação, a partir do

segundo semestre de desenvolvimento da atividade de formação. Na finalização da

atividade, foram realizadas entrevistas com o objetivo de revalidar dados apreendidos

e/ou complementar dados que não foram explicitados em outros momentos. Por fim,

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foram aproveitados dados relatados pelos professores e coordenadores durante uma

sessão reflexiva da qual participaram todos os integrantes do núcleo São Paulo. Nesta

última, alguns pesquisadores propuseram questões para o grupo geral, abordando a

atividade de formação, e o grupo era estimulado a relatar sua opinião sobre o que estava

sendo perguntado. Com base nisso, os professores e coordenadores faziam relatos sobre

sua participação nas várias ações do projeto.

Junto aos princípios metodológicos elaborados por Vigotski, foi utilizada a ideia

do método de análise por unidades proposto pelo mesmo autor (VIGOTSKI, 2009).

Como já descrito, entendemos que a organização do processo de formação de

professores, na perspectiva da teoria histórico-cultural, deve compor um movimento que

se estruture como atividade. Deve, portanto, fundamentar-se nas premissas de que se

aprende no coletivo e que o sujeito se faz ao construir seu objeto. Por outro lado, por

ser o trabalho a atividade criadora do homem e constituir a unidade de análise de seu

desenvolvimento, ao analisarmos o trabalho dos professores, podemos inferir que essa

unidade encontra-se na organização do ensino desses professores que, ao organizarem o

ensino de matemática, orientados pelos princípios da AOE, possuem como elementos

essenciais o conhecimento teórico matemático e a intencionalidade pedagógica no

planejamento das suas ações de ensino. Temos, portanto, a justificativa para que a

estruturação da atividade de formação e a organização do ensino de matemática,

fossem consideradas as duas unidades de análise para a apreensão do processo de

significação da atividade de ensino de matemática dos professores.

No movimento do processo de formação estruturado como atividade, há um

destaque atribuído à AOE. Esta, por ser constituída como a unidade de formação do

professor e do aluno, possui, nesse contexto, o papel de desencadeadora do processo de

aprendizagem do professor, pois

[...] a AOE constitui-se em um modo geral de organização do ensino, em que

seu conteúdo principal é o conhecimento teórico e seu objeto é a constituição

do pensamento teórico do indivíduo no movimento de apropriação do

conhecimento. Assim o professor, ao organizar as ações que objetivam o

ensinar, também requalifica seus conhecimentos, e é esse processo que

caracteriza a AOE como unidade de formação do professor e do estudante

(MOURA et al., 2010).

Dessa forma, fez parte de tal atividade de formação em matemática uma ação

que pode ser considerada como central no movimento formador: desenvolver atividades

de ensino para conceitos matemáticos, fundamentadas na perspectiva de um ensino

capaz de impulsionar o desenvolvimento psíquico e humano dos alunos, com o objetivo

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de organizar o ensino. Isso, porque desenvolver atividades de ensino, que se

concretizam na escola, é o núcleo da atividade do professor, é o que o forma. E os

princípios teórico-metodológicos da AOE, como pode ser constatado, possibilitam que

as atividades objetivem o desenvolvimento do pensamento teórico nos alunos.

Na atividade de formação, constituída como o campo de investigação dessa

pesquisa, os professores foram colocados no movimento de desenvolvimento de

atividades de ensino, como pode ser observado na Figura II.

Para executar a tarefa constituída por desenvolver atividades de ensino para o

conceito de medida de determinadas grandezas, elaboradas com o objetivo de organizar

a atividade de estudo dos seus alunos, os professores deveriam percorrer as orientações

teórico-metodológicas dadas pelos princípios da AOE, tal como apresentado na Figura

II. Em tal esboço, evidenciamos que o processo inicia com o grupo de formação sendo

dividido em subgrupos, cada um com a tarefa de desenvolver atividades de ensino para

o conceito de medida de uma determinada grandeza. Para isso, seguindo as orientações

teórico-metodológicas da AOE, o professor deveria: estudar o processo de

desenvolvimento da atividade humana que foi encarnada no conceito a ser trabalhado,

para assim, explicitar, através do histórico, a essência das necessidades humanas que

motivaram a produção do conceito e, através do lógico, a sistematização lógica do

conceito, ou seja, a lógica formal que evidencia as respostas que o ser humano criou

Figura II: Movimento concretizado pela tarefa dada aos professores durante a atividade de

formação. Elaborado pelos autores.

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para satisfazer tais necessidades; elaborar, com isso, uma situação desencadeadora de

aprendizagem criando um problema desencadeador de aprendizagem que contém a

gênese do conceito a ser trabalhado, e que reproduz a necessidade humana que motivou

a criação de tal conceito, e planejando ações de ensino que orientam os alunos à solução

do problema, colocando o conceito em movimento para que seja apropriado por eles;

levar à sua prática a atividade de ensino planejada e, com ela, modificar o pensar de

seus alunos, mas, também, aprender e transformar seu conhecimento e a si mesmo, num

processo dialético; em seguida, refletir e avaliar o vivenciado na escola mediado pelo

coletivo proporcionado na atividade de formação, trazendo mudanças na atividade de

ensino desenvolvida.

Esse modo de desenvolvimento permitiu aos professores apropriarem-se do

conhecimento teórico matemático a ser ensinado, levando-os à prática educativa na

forma de situações desencadeadoras de aprendizagem, pois, pelas orientações dadas,

“para reelaborar a gênese do conceito ou o problema desencadeador em forma de

atividade de estudo”, precisaram “esboçar o percurso de ensino e de aprendizagem que

educador e educandos” iriam trilhar (NASCIMENTO, 2010 , p.95).

Como é possível evidenciar, os princípios teórico-metodológicos que orientam o

desenvolvimento de atividades de ensino, segundo a AOE, tornam-se mediadores na

relação entre o conhecimento teórico matemático e o planejamento das ações de ensino.

Nesse movimento, os professores, mediados pela possibilidade de trabalho coletivo,

significaram sua atividade de ensino alternando momentos de reflexão teórica e ação

prática em seu trabalho docente, o que pode ser observado por meio de alguns relatos

expostos a seguir.

Professora 1: Me senti mais segura em relação a trabalhar com matemática na sala de

aula e me deu mais condições de buscar mais conhecimento, de pesquisar mais, de ler

mais... o grupo me dava segurança, tirava minhas dúvidas... O fato de eu aplicar as

atividades em sala de aula e trazer as minhas dúvidas tanto me ajudava a refletir sobre o

processo de aprendizagem dos alunos e eu acho que ajudava ao grupo porque eles

tentavam solucionar minhas dúvidas, o que acontecia na sala que é um tanto

imprevisível. [...]só foi me dando segurança e a certeza de que eu preciso estudar muito

mais, buscar muito mais (Sessão Reflexiva, 2/12/2014).

Professora 2: [...] A gente, enquanto professor, a gente precisa se respeitar e respeitar

os alunos, com esse tempo. Às vezes a gente fica muito ansioso, a gente quer passar

logo aquilo ali sem refletir se o aluno realmente aprendeu, tomou posse daquele

conceito. É muito prazeroso, gratificante. Hoje eu já não sei mais trabalhar de outro

jeito (Encontro de Formação, 8/10/2013).

Professora 3: Esse trabalho no coletivo ficou muito. Não que eu era individualista.

Mas, hoje em dia eu penso muito no coletivo. E isso eu peguei muito de vocês e do

professor. E é o que dá certo. Quando eu fiz parceria com a minha colega na escola,

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nossa, eu vi, eu não penso sozinha. Vem outra pessoa e te mostra o caminho. É muito

boa essa troca. Isso eu levo comigo. A aprendizagem que tive aqui, levo comigo pelo

resto da vida. Hoje sou outra pessoa. Mudei totalmente. (Entrevista, 9/12/2014).

Defendemos, portanto, com essa investigação, que o processo de significação da

atividade de ensino de matemática é desenvolvido durante a execução da tarefa

designada aos professores: organizar o ensino. No entanto, compreendemos que não é

“qualquer” forma de organização que sustentará a atribuição de sentido às ações que

possuem potencial para desencadear o processo de significação. É preciso que a

significação convirja para o significado social da atividade de ensino fundamentado na

teoria histórico-cultural e, para isso, é necessário que o desenvolvimento das atividades

de ensino esteja integrado a um processo de formação estruturado como atividade. Mais

do que isso, que a execução da ação dada pela tarefa ressaltada seja mediada pelos

fundamentos teórico-metodológicos da atividade orientadora de ensino (AOE).

Considerações finais

No recorte de pesquisa de doutorado aqui apresentada, defendemos que as ações

de estudo dos professores, orientadas pelas ações organizadas e praticadas durante um

processo de formação estruturado como atividade, constituíram-se como modos de

estudo incorporando as ações coletivas como conteúdo, e modo geral de ação para as

ações dos professores. Isso significa que as ações dos professores, na sua atividade de

ensino, incorporaram as ações coletivas praticadas na atividade de formação de maneira

singular e foram influenciadas tanto pela sua relação com o conhecimento teórico

matemático como com o planejamento de suas ações de ensino. Todo esse movimento

convergiu para a formação do pensamento teórico dos professores, dado pela articulação

entre a teoria e a prática, e fez com que o processo de significação da atividade de

ensino emergisse. Este processo, por sua vez, convergindo para o significado social da

atividade de ensino proposto na atividade de formação que foi baseada nos pressupostos

da teoria histórico-cultural, em especial da teoria da atividade. Foi possível evidenciar a

relação de unidade que existe entre as ações de estudo e as ações de ensino, mediada

pelos princípios da AOE. Com isso, pudemos concluir que as ações praticadas e

organizadas durante a atividade de formação, caracterizadas pelas ações de estudo dos

professores, devem ser sistemáticas e interdependentes, que se concretizam com o

objetivo central da atividade de formação: desenvolver o pensamento teórico dos

professores dado pela articulação entre a teoria e a prática educativa.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

822ISSN 2177-336X

13

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

823ISSN 2177-336X

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FORMA E CONTEÚDO DA ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR

QUE ENSINA MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS

Anelisa Kisielevski Esteves

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS

[email protected]

Neusa Maria Marques de Souza

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS

[email protected]

Resumo: Este artigo é referenciado em uma pesquisa de doutorado, em que se

investiga a forma e conteúdo da atividade de formação do professor, que ensina

Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nas evidências emergentes das

atividades de planejamento e organização do ensino, os elementos forma e conteúdo

são tomados na perspectiva da dialética em Kopnin e em consonância com o conceito

de atividade em Leontiev. Com base no que revelam as ações observadas no

movimento de formação dos professores, são discutidos os formatos que assumem as

atividades de ensino dos professores e as possibilidades de novas significações a partir

do conceito de Atividade Orientadora de Ensino (AOE). O trabalho de formação

continuada que abarcou as ações em pauta foi desenvolvido pela pesquisadora, durante

os anos de 2013 e 2014, junto a um grupo professores de uma escola municipal, em

tempo integral, no município de Campo Grande/MS. Foram propiciadas ações de

discussão acerca de conhecimentos matemáticos, análise das práticas pedagógicas dos

participantes, planejamento coletivo de atividades de ensino a serem desenvolvidas,

além da partilha de suas experiências. O trabalho desenvolvido junto a esse grupo de

professores e as análises realizadas fundamenta-se nos princípios teórico-

metodológicos da teoria histórico-cultural, com enfoque na teoria da atividade e no

método em Vigotski. Os dados analisados revelam que ao se tomar o conhecimento

científico como conteúdo da atividade de formação do professor, objetivando o

desenvolvimento de seu pensamento teórico, as ações realizadas – visando à

apropriação de novas significações acerca da organização do ensino de Matemática –

propiciam que ocorram mudanças na forma e no conteúdo da atividade de ensino dos

professores envolvidos.

Palavras-chave: Forma e conteúdo da atividade de formação. Organização do ensino

de Matemática. Teoria da Atividade.

Introdução

Os processos de formação contínua, intensificados no Brasil a partir da década

de noventa, principalmente os que têm sido destinados aos professores da Educação

Básica, tem se mostrado insuficientes como solução para os baixos índices de

desempenho dos alunos desse nível de ensino, ou mesmo para cumprir o papel de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

824ISSN 2177-336X

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complemento do processo de formação inicial, como lhes atribuem alguns setores

responsáveis por esses processos.

As análises do quadro geral em que interferem as atuais políticas para formação

contínua de professores desenvolvidas nas pesquisas de Gatti e Barreto (2009) apontam

que, de modo geral, essas formações – tanto programas desenvolvidos pelo governo

federal como propostas de formação organizadas pelas próprias secretarias de educação

– têm contribuído pouco para mudanças significativas nos processos de ensino e de

aprendizagem.

Ainda nesse campo, ao discutir sobre o legado do século XX para a formação

de professores, Martins (2010) chama atenção para o modo de organização da maioria

dos processos de formação docente, nos quais se privilegia a forma em detrimento do

conteúdo supervalorizando as dimensões técnicas da prática de ensino em detrimento

de seus próprios fundamentos, como se bastasse aos professores apropriarem-se de

metodologias de ensino.

Tais constatações nos sugerem a necessidade de repensar a formação contínua

do professor a partir de um referencial teórico e metodológico que considere a atividade

de ensino, que é objeto do trabalho do professor, a partir do conceito de atividade

proposto por Leontiev (1983, 2004), fundamental para o entendimento do trabalho do

professor enquanto sujeito do ato de ensinar.

A teoria da atividade traz, assim, – com base nos princípios da teoria histórico-

cultural – contribuições importantes para repensarmos o papel da educação no

desenvolvimento humano, com especial atenção à educação escolar, consequentemente

à formação de professores.

Nesse sentido, os processos formativos devem possibilitar que o professor entre

em atividade de formação, para que assim, possa apropriar-se tanto de conhecimentos

relativos ao conteúdo a ser ensinado como às formas de organização do ensino. Devem,

ainda, subsidiar aos professores o acesso aos saberes do espaço educacional e propiciar

o envolvimento na busca constante de conhecimentos balizadores da organização do

ensino e da concretização de um projeto educativo proposto pelo coletivo escolar.

(MOURA, 1996).

Como proposta teórica, a teoria histórico-cultural direcionou nosso propósito de

observar e discutir os formatos que assumem as atividades de ensino dos professores

em um movimento de formação, e as possíveis vias que lhes permitem o acesso a novas

significações em tal contexto que se constituiu em campo de coleta de nossa pesquisa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

825ISSN 2177-336X

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de doutorado, cujo recorte das análises será apresentado neste artigo, por meio do caso

singular de uma das professoras participantes.

Atividade de formação e o desenvolvimento do pensamento teórico do professor

Conforme estudos de Leontiev (1983, 2004), a atividade do sujeito nasce de

uma necessidade, orientada para um objeto, o que gera um motivo, o qual impulsiona o

sujeito a agir, por meio de ações e operações, que visam atingir um determinado

objetivo. A partir desse entendimento, um movimento formativo que pretende se

consolidar como atividade de formação demanda estruturas organizacionais que

propiciem aos professores estarem em atividade.

Ao considerar as necessidades dos professores, frequentemente relacionadas à

sua atividade de ensino cujo objeto consiste na aprendizagem dos alunos, os processos

de formação contínua podem assumir modos de organização pensados a partir da

estrutura da atividade, que se materializem por meio de situações geradoras de motivos

que os impulsionem a agir coletivamente, através de ações e operações que envolvam

estudo, planejamento e avaliação do trabalho que desenvolvem em sala de aula.

Para tanto, as ações propostas devem ser planejadas com o objetivo de propiciar

aos professores a articulação dos conceitos teóricos específicos do campo de formação

em questão com os tocantes aos aspectos metodológicos, considerando as

aproximações com o objeto do conhecimento voltado à atividade de ensino e

aprendizagem, nos vários aspectos de sua organização teórica e prática.

Neste sentido, o objetivo de investigar a forma e o conteúdo da atividade de

formação do professor que ensina Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental,

se estabelece para a pesquisa de doutorado que realizamos junto a um grupo de

professores e coordenadores pedagógicos de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, que

lecionam em uma escola municipal em tempo integral, em Campo Grande/MS.

Iniciou-se nessa escola um processo que denominaremos por movimento

formativo, desenvolvido a partir do segundo semestre de 2013 e finalizado no

encerramento do segundo semestre de 2014, com participação de dezesseis professores

e três coordenadores pedagógicos, que atuavam nas turmas de 1º ao 5º ano do Ensino

Fundamental.

Este movimento formativo – que objetivou se tornar atividade de formação –

propiciou momentos de discussão de questões relacionadas aos conhecimentos

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826ISSN 2177-336X

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matemáticos em si, de análise das práticas pedagógicas dos participantes, de

planejamento coletivo das atividades de ensino a serem desenvolvidas, além da partilha

de suas experiências.

Os pressupostos da teoria histórico-cultural – consequentemente os princípios do

materialismo histórico dialético – foram ponto de partida e de chegada desde as ações

desenvolvidas até a apreensão e análise dos dados. No desenvolvimento de nossa

investigação também consideramos, como defendido por Vigotski (2001), a necessidade

de estudarmos o fenômeno em movimento.

Para tanto, ao longo da pesquisa, procuramos direcionar nossa atenção para as

ações desenvolvidas pelos professores ao longo do processo de formação, de modo a

apreender possíveis mudanças na forma e conteúdo de sua atividade de ensino, no

percurso estabelecido pelo grupo em formação, referenciado no conceito de Atividade

Orientadora de Ensino (MOURA, 1996, 2002).

A atividade orientadora de ensino (AOE) mantém os elementos da estrutura da

atividade (necessidade, motivos, objetivos, ações e operações), mediando a dimensão

teórica e prática da atividade do professor e do aluno, podendo, assim desencadear

tanto a formação do aluno como a do próprio professor. (MOURA et al, 2010). Ao

referenciar as ações desenvolvidas no movimento de formação na AOE, consideramos

seus princípios como orientação teórico-metodológica, principalmente, no que se refere

à organização do ensino, ao compartilhamento das ações desenvolvidas e à

intencionalidade da atividade de ensino.

No processo em que se desenvolve a pesquisa objeto dessa narrativa,

compreendemo-nos como pesquisadores aliados na busca de possíveis soluções para

problemas enfrentados pelos professores na escola, contribuindo, por meio de uma ação

mediadora, pesquisadora-conhecimento-professores, para o desenvolvimento do

pensamento teórico do professor e para uma educação escolar que seja propulsora do

desenvolvimento humano.

O pensamento teórico é aqui entendido com base nos estudos de Davídov (1982,

1988), que ao considerar as diferenças entre os processos de formação dos conceitos

espontâneos e dos conceitos científicos, analisa o desenvolvimento de dois tipos de

pensamento: o empírico e o teórico.

Segundo o autor, o pensamento empírico “[...] se constitui como uma forma

transformada e expressa verbalmente da atividade dos órgãos dos sentidos, ligada com a

vida real; é derivado diretamente da atividade objetal-sensorial das pessoas”.

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(DAVÍDOV, 1988, p. 123, tradução nossa). Já o pensamento teórico tem como

conteúdo a existência mediatizada, refletida, essencial e consiste em “[...] um processo

de idealização de um dos aspectos da atividade objetal-prática, a reprodução, que

representa as formas universais dos objetos.” (DAVÍDOV, 1988, p. 125, tradução

nossa).

Para Kopnin (1978, p.152-153), “tanto o empírico como o teórico são níveis do

movimento do pensamento”. Ele considera que é apenas no nível teórico que “o

conhecimento assume caráter realmente universal e procura produzir a verdade em toda

a concretude e objetividade do conteúdo desta”. Deste modo, considerando a dialética

entre forma e conteúdo, é o desenvolvimento do pensamento teórico que possibilita o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores em sua máxima potencialidade.

Tarefa esta que cabe à educação escolar e que por isso é conteúdo da atividade de

ensino.

Mudanças na forma e conteúdo da atividade de ensino do professor

Ao considerarmos que o desenvolvimento ocorre em função da mudança de

conteúdo (KOPNIN, 1978) e que o conteúdo da atividade de ensino é o conhecimento

teórico, analisaremos, por meio do caso singular de uma das professoras participantes

de nossa pesquisa, os novos formatos que assumem sua atividade de ensino, a partir do

movimento de formação desenvolvido, o qual foi concebido como uma atividade de

formação.

Para realização desta análise, destacamos algumas reflexões da professora,

identificada nesta pesquisa por P4A, apreendidas por meio dos diálogos realizados ao

longo do movimento formativo.

É importante destacarmos que as falas da professora P4A apresentadas neste

artigo estão relacionadas ao trabalho desenvolvido pelas professoras do 4º ano do

Ensino Fundamental, durante o segundo semestre de 2014, a partir do jogo “Caracol do

Resto”. As professoras do 4º ano, ao final do 1º semestre de 2014, apontaram a

dificuldade de muitos de seus alunos em compreender o algoritmo da divisão. Então,

durante nossos encontros, que aconteceram no horário de planejamento, surgiu a

necessidade de repensarmos o ensino da divisão e, a partir dessas discussões, foi

proposto o planejamento de uma atividade de ensino a ser desenvolvida com os alunos

do 4º ano.

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Para o planejamento dessa atividade de ensino, o jogo foi escolhido como uma

situação desencadeadora. Também foram realizados alguns estudos acerca do ensino e

aprendizagem da divisão e de seu algoritmo. O planejamento coletivo das ações foi

realizado pelo grupo de professoras de 4º ano em parceria com a pesquisadora.

Durante a realização dessas ações, que antecederam o trabalho em sala de aula,

o estudo sobre ensino e aprendizagem da divisão e de seu algoritmo foi fundamental

para o planejamento da atividade de ensino, pois consideramos ao longo de todo

movimento formativo, que

O conhecimento é necessário ao homem para ação prática, deve conduzir a

essa ação, converter-se nela. E para atuar com êxito à base do conhecimento,

o homem deve estar convencido da veracidade desse conhecimento e da

verdade do plano de sua ação prática. O homem que empreende uma ação

prática sem convicção na veracidade da ideia que ele se propõe a realizar na

vida, carece de vontade, clareza de objetivos e motivação emocional, tão

necessárias para a feliz realização dessa ação. (KOPNIN, 1978, p. 347).

Assim, para que as professoras pudessem organizar sua atividade de ensino,

planejar ações com objetivo de possibilitar aos alunos a aprendizagem do conceito de

divisão, mais especificamente a compreensão de seu algoritmo, foi necessário que elas

se apropriassem de conhecimentos acerca do próprio objeto de ensino.

Contudo, para que os conhecimentos apropriados, como exposto na citação

anterior, conduzam sua ação, o professor precisa estar convencido de sua veracidade,

ter convicção desta ideia. Por isso, o desenvolvimento da atividade de ensino planejada

e depois sua avaliação, em conjunto com o grupo de professoras do 4º ano, foram ações

que propiciaram mudanças na forma e conteúdo da atividade de ensino, como revela o

diálogo da professora P4A com a pesquisadora, em um dos encontros em que

avaliamos o trabalho realizado com os alunos, ocorrido em outubro de 2014.

P4A [Ao comentar sobre sua atitude em relação às questões que estavam

sendo discutidas a partir do trabalho que foi desenvolvido em sala de aula]:

Mas engraçado, eu comecei a me envolver mais também, a entender

melhor, eu acho, como estava sendo colocado. Porque geralmente, muitas

vezes, na hora, fica meio confuso pra você entender, não fica? Na formação

[oferecida pela Secretaria Municipal de Educação], não é? Não sei se é o

tempo, se muita coisa [...] Então, depois você vê de novo, você vai ler, vai

refletir... Ligou com o que você falou [se referindo à pesquisadora]. Então,

você já vai construindo outra coisa aqui também [se referindo ao trabalho

de sala de aula], você vai sentido vontade de... Deu-me até vontade de fazer o

mestrado lá [Mestrado em Educação Matemática], mas aí eu falei não, não

vou... [risos]

[...]

Pesquisadora: [...] porque você falou assim: “Eu ouvi isso, mas ouvi lá na

formação [oferecida pela Secretaria Municipal de Educação], mas não tinha

me atentado, então a gente volta, discute de novo”, não é?

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

829ISSN 2177-336X

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P4A [Referindo-se ao trabalho realizado com jogo “Caracol do Resto”, com

um olhar para os erros cometidos por seus alunos ao realizar o algoritmo de

divisão]: É, e até teve um momento em que eu pensei: é, ele errou, está

errado. Ele errou mesmo, ele errou. Mas depois eu tive que voltar; gente, ele

não errou tanto, olha, ele pensou assim. Então, até o aluno já fica mais

animado. [...] Ele percebe que pensou alguma coisa diferente, que ali era uma

coisa diferente. Ele, então, diz: “eu não errei, eu pensei diferente”.

Pesquisadora: Eu me lembro de um encontro nosso, já faz um tempo, que

você estava estressada com o processo americano [algoritmo não

convencional da divisão], você se lembra? Você disse assim: “Não aguento

mais esses guris desse jeito, eu não quero mais essa divisão”. [risos]

P4A: Eu mudei meu pensamento, já.

Pesquisadora: É, eu me lembro que você estava muito incomodada. Você

olhava para aquilo e via: “olha ele erra, não dá certo”. Mas quando você

percebe e olha que ele só pensou...

P4A: Diferente. Pensou diferente. Pensou mesmo. Ele está se enrolando

porque ele entendeu [...], mas ainda está confuso, não resolveu ainda na

cabeça dele. Por exemplo, esse Lúcio mesmo [referindo-se a um de seus

alunos], ele começou. Quando eu pedia pra ele, faz aí, sozinho, eu quero ver.

O Lúcio começou a querer dividir das unidades, então todo mundo [outros

alunos da turma, disseram]: “Lúcio não tem como você dividir assim”. Mas

ele estava dividindo, só que começando da outra ordem [unidade]. Quer

dizer, não era porque ele não sabia dividir, então. Essas coisas, assim que a

gente foi trabalhando. Não é não sabe, não. Ele começou a pensar de outro

modo, usamos o material dourado [...], ele começou a fazer diferente. [...] Só

que agora também eu vi que ele [Lúcio] ficou mais interessado. Ele não

gostava de ir ao quadro. Só que agora ele já começou a ver que ele vai

errando, mas todo mundo está querendo ajudar, então ele vai.

Pesquisadora: Mas é porque alguma coisa mudou, não é?

P4A: Eu mudei, né. Porque eu sou bem... [Fez cara de brava] [risos]. Mas

depois, eu fui mudando. [...] Mas eu estou aprendendo também muito com

eles. Eu achei legal isto, que a gente está aprendendo juntos.

A professora P4A, ao avaliar o trabalho desenvolvido com seus alunos, sinaliza

algumas mudanças que ocorreram com ela ao longo do processo formativo: “[...]eu

comecei a me envolver mais, a entender melhor”; “[...] mudei meu pensamento, já”.

Ela exemplifica essa mudança no modo de ver os erros cometidos por seus alunos,

identificando a partir deles conhecimentos que já possuíam e a possibilidade de que

eles poderiam “pensar diferente”; indícios de que sua forma de organizar o ensino

também foi alterada.

É importante, contudo, observarmos que essa alteração na forma de organizar o

ensino está relacionada à apropriação, por parte da professora P4A, de conhecimentos

acerca do próprio objeto matemático a ser ensinado, como ela mesma aponta: “Então,

depois você vê de novo, você vai ler, vai refletir... [...] Então, você já vai construindo

outra coisa aqui também [...]”. Essa situação singular corrobora a afirmação de Fisher

(1976, p. 144), ao discutir sobre a dialética forma e conteúdo, de que “[...] o conteúdo

novo rompe os limites estabelecidos pelas velhas formas, criando formas novas”. Cabe

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destacar, entretanto, que esse é um processo que demanda tempo, pois, conforme este

mesmo autor, “sempre e em todas as partes, a forma [...] oferece resistência ao novo”.

Assim considerando, para que haja mudanças na forma da atividade de ensino

do professor é imprescindível que seu conteúdo seja modificado e, como já defendido

por Moretti (2007, p. 187), torna-se

[...] fundamental que sejam propiciados aos professores referenciais teóricos

que possam ser (re)visitados, quando necessário, de modo que, num

movimento entre teoria e prática, os professores produzam propostas de

ensino que, por um lado respondam às necessidades de ensinar e das quais

eles se apropriem e, por outro, criem condições de superação do senso

comum de forma que seus alunos possam apropriar-se do conhecimento

humano construído sócio-historicamente.

As propostas de formação contínua, ao serem estruturadas precisam, então,

estar respaldas no conhecimento científico, possibilitando ao professor o

desenvolvimento de seu pensamento teórico, o que não é feito quando se propõe a eles

cursos centrados em sugestões de novas abordagens para o ensino em sala de aula. As

formações que tem como foco apenas aspectos metodológicos, contribuem pouco para

mudanças na forma de organizar o ensino, como podemos observar na fala da

professora P4A:

Eu lembro lá atrás [no começo do processo de formação, em 2013], eu

pensava: imagina não conseguir fazer nada [risos]. Então, você vê que é

difícil, [...], há uma resistência. [...] Você sempre fica achando que não

precisa. Essa resistência, assim, é horrível, dói demais! Eu aprendi

Matemática, muito sofrido, nunca tirei nota boa em Matemática, nunca,

nunca entendi essas coisas. [...] Mas era uma coisa que me inquietava muito,

eu preciso vencer esse negócio, mas era tudo tão difícil [se referindo aos

conteúdos de Matemática e às formas de ensiná-los]. Então, eu pensava

assim, se eu aprendi desse jeito, isso daí [novas formas de se ensinar

Matemática] não vai me servir, eu posso ensinar do jeito que eu aprendi, não

posso? Eu ignorei tudo [...] Eu vou ensinar do jeito que eu aprendi,

porque o que falavam era muito interessante, mas muito difícil pra mim.

Não é porque eu não queria, era muito difícil, vai que eu não dou conta

desse jeito. Mas hoje em dia, eu acho que isso mudou. (Outubro/2014)

Ao comentar sobre as mudanças no modo de organizar o ensino de Matemática,

ao longo do processo de formação realizado, a professora P4A aponta que a resistência,

que ela tinha – e que muitos professores também demonstram em relação às novas

abordagens para o ensino de Matemática – era consequência de suas dificuldades em

relação ao objeto de conhecimento matemático, o que a levava a repetir os mesmos

modelos a partir do quais havia aprendido.

O motivo que a impedia de mudar sua forma de organizar o ensino de

Matemática, não era o desconhecimento das possibilidades de utilizar novas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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metodologias, mas suas dificuldades em relação aos próprios conhecimentos

matemáticos, e de como se explicitavam as relação dos nexos conceituais do objeto do

conhecimento teórico com as possibilidades de novas abordagens para ensinar, como

ela bem explicita: “Eu ignorei tudo [...] Eu vou ensinar do jeito que eu aprendi, porque

o que falavam era muito interessante, mas muito difícil pra mim. Não é porque eu não

queria, era muito difícil, vai que eu não dou conta desse jeito.”

Esta situação, que não se restringe apenas à professora P4A, mas aparece em

outros momentos no universo geral dos dados de nossa pesquisa, reforça as

preocupações de Facci (2004, p.244) acerca da formação do professor, quando

questiona, “como exigir do professor que ele ensine bem, que ele transmita as formas

mais desenvolvidas do saber objetivo, se ele próprio não teve e continua não tendo

acesso a esse tipo de ensino e de saber?”.

Sendo assim, a apropriação de conhecimentos científicos deve ser também uma

preocupação na formação de professores. Preocupação esta que é contemplada pela

atividade orientadora de ensino (AOE) – entendida aqui como um modo de

organização do ensino – ao dar destaque ao aspecto histórico e lógico do conceito

como elemento constituinte do planejamento de situações desencadeadoras de

aprendizagem.

De acordo com Moura (2014, p. 11):

O ato do educador é o de apreensão do movimento histórico do conceito para

daí retirar o que considera como sendo relevante para ser sistematizado na

escola como conteúdo de ensino. É por isso que a história do conceito deve

ser vista não como ilustradora do que deve ser ensinado. Ela é o verdadeiro

balizador das atividades educativas. Os conceitos são sínteses produzidas na

história humana, já nos dizia Vygotsky. Este ensinamento nos dá o norte do

ensino, da organização curricular, da organização das atividades de ensino.

Ao se apropriar do aspecto histórico e lógico dos objetos de ensino, o professor,

como exposto na citação anterior, poderá identificar a essência do objeto de ensino,

seus nexos conceituais, o que propiciará que ele possa organizar sua atividade de

ensino a partir de outros formatos, superando as formas de ensino de Matemática

baseadas no treino, repetição e memorização, as quais não contribuem para o

desenvolvimento do pensamento teórico.

Destarte, na discussão sobre a dialética entre forma e conteúdo na atividade de

ensino do professor, destacamos o papel determinante do conteúdo – o qual se encontra

em contínuo desenvolvimento – em relação à forma. (ROSENTAL, STRAKS, 1960).

Então, se pretendemos que os processos de formação contínua contribuam para

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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mudanças na forma de organização do ensino, é fundamental considerarmos que ao

possibilitar o desenvolvimento do pensamento do teórico do professor, estaremos

propiciando a ele a apropriação dos conceitos científicos que definirão um novo

conteúdo à atividade de ensino, o qual incidirá sobre sua forma.

Considerações Finais

Discutir acerca da formação de professores, seja ela inicial ou contínua, significa

também discutir sobre o papel da escola na sociedade atual. Ao nos basearmos nos

pressupostos da teoria histórico-cultural, acreditamos que a escola deve possibilitar aos

alunos a apropriação de conhecimentos elaborados, os conceitos científicos. Compete à

escola, o ensino do conhecimento historicamente elaborado pela humanidade, de modo

a possibilitar aos alunos o desenvolvimento máximo das potencialidades humanas,

reforçando a tese dos estudos vigotskianos de que o ensino deve promover o

desenvolvimento.

Contudo, não é qualquer ensino que garante desenvolvimento. Frequentemente,

no contexto escolar atual, como apontando por Bernardes (2012), nem os professores

nem os estudantes realizam ações que propiciem o movimento de humanização por

meio da apropriação do conhecimento elaborado historicamente, ou seja, o modo de

organização do ensino atual não tem possibilitado o desenvolvimento das máximas

potencialidades humanas. A preocupação que permeia a escola, na maioria das vezes, é

apenas a preparação dos estudantes para o atendimento das exigências do mercado de

trabalho, objetivo defendido pelos ideários neoliberais presentes nas políticas públicas

da educação brasileira atual. A educação escolar, então, acaba se limitando ao trabalho

com os conceitos espontâneos, não propiciando o desenvolvimento do pensamento

teórico pelos estudantes.

Assim, se pretendemos operar mudanças no quadro atual da escola brasileira,

necessário se faz rever forma e conteúdo dos modos de organização nos processos de

formação de professores, objetivando organizar

[...] ambientes formativos que a eles [professores] possibilitem superar o

pensamento empírico pelo teórico que, na sua continuidade, interação e

complexização promova a mudança dos sentidos que atribuem aos objetos

que sustentam sua ação pedagógica. [...] pois é nos processos de interação

que estes podem se modificar, podem tomar lugar das antigas concepções

novas construções e conhecimentos, movimento que leva o professor à

superação de uma qualidade antiga por uma nova e outra qualidade.

(SOUZA, 2013, p. 43).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

833ISSN 2177-336X

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Sendo assim, a superação de uma qualidade antiga por uma nova e outra

qualidade nas ações dos professores envolverá, como defendido ao longo deste artigo,

se tomar o conhecimento científico como conteúdo da atividade de formação do

professor, objetivando o desenvolvimento de seu pensamento teórico, de modo que as

ações realizadas – visando à apropriação de novas significações acerca da organização

do ensino de Matemática – propiciem mudanças na forma e no conteúdo da atividade de

ensino dos professores, considerando, como posto por Fisher (1976, p. 146), que “a

forma [...] está sempre sujeita a ser destruída pelo movimento e pela mudança do

conteúdo”.

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MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL? ATIVIDADE ORIENTADORA

DE ENSINO E A (RE)ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE

Gisele Mendes Amorim

Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

[email protected]

Vanessa Dias Moretti

Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

[email protected]

Resumo

O presente trabalho apresenta uma pesquisa de mestrado que buscou evidenciar as

contribuições do conceito de Atividade Orientadora de Ensino como desencadeador da

mudança de prática de professores de Educação Infantil, especificamente na

organização do ensino de noções matemáticas. Partindo de um contexto escolar no qual

as professoras manifestaram dificuldades em organizar e desenvolver atividades

matemáticas que superassem a cotidianização dos conceitos, e ancorando-nos na

psicologia Histórico-Cultural, na Teoria da Atividade e no conceito de Atividade

Orientadora de Ensino, desenvolvemos um curso de extensão, tomado como

experimento didático, com o objetivo de problematizar, a partir de tais pressupostos

teóricos, o processo de ensino da matemática. As ações docentes de planejamento,

desenvolvimento das situações-problema e avaliação, bem como a socialização dessas

ações, constituíram os dados que foram coletados e organizados em três isolados

interdependentes, posteriormente divididos em episódios cuja análise revelou indícios

do movimento de mudança da prática docente na organização do processo de ensino da

matemática. Para os fins deste texto apresentamos o isolado “Conceitos Matemáticos

em Movimento” no qual se revela que as aprendizagens docentes em relação aos

conceitos matemáticos partiam dos conceitos espontâneos ou cotidianos e, ao longo do

experimento didático, foram se transformando mediadas pela apropriação de elementos

do conceito de AOE. A análise dos dados demonstrou que as professoras

ressignificaram o motivo e o sentido de sua atividade, diante de uma reorganização que

se mostrou para elas mais eficaz do que a prática anterior pautada apenas em situações

cotidianas. Desta forma, ao acompanhar o movimento de aprendizagem docente em

experimento didático fundamentado na perspectiva histórico-cultural, esta pesquisa

pôde constatar a potencialidade do conceito de Atividade Orientadora de Ensino como

propiciador de mudança da prática docente a partir de uma nova organização do ensino

da matemática na Educação Infantil.

Palavras-chave: Atividade orientadora de ensino. Formação de professores que

ensinam matemática. Educação infantil.

Motivação para a pesquisa e objetivo

O interesse em tomar como objeto de pesquisa e investigação a Educação

Matemática e, em particular, como o processo de ensino e de aprendizagem da

matemática é realizado nas escolas de Educação Infantil, surgiu da observação escolar

cotidiana de que tal dificuldade costuma ser vivenciada por grande parte dos professores

que atuam nessa etapa da educação. No contexto escolar específico no qual se

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

836ISSN 2177-336X

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desenvolveu a parte empírica dessa pesquisa, a análise do processo de avaliação coletiva

do plano de ação 2013 da instituição escolar evidenciou a necessidade de

aprimoramento das discussões sobre a prática docente em torno do eixo de matemática

na Educação Infantil uma vez que as professoras apresentavam naquele momento

dificuldades em planejar situações significativas para a exploração de noções

matemáticas de forma lúdica e contextualizada, limitando a educação matemática às

noções de cores e números, focados em uma abordagem cotidiana e utilitária dos

conceitos por meio de exercícios de repetição e memorização.

Em busca de compreender mais profundamente essa realidade e algumas

possiblidades de superação das dificuldades apontadas pelas professoras enveredamos

para o estudo dos referenciais teóricos da psicologia Histórico-Cultural proposta por

Vigotski (2007, 2009), na Teoria da Atividade desenvolvida por Leontiev (1983, 2012)

e no conceito de Atividade Orientadora de Ensino (AOE) proposto por Moura (1996,

2010). Apoiados nesses estudos o objetivo dessa pesquisa constitui-se em investigar a

potencialidade do conceito de Atividade Orientadora de Ensino – AOE (MOURA,

1996, 2010) como propiciador do movimento de mudança da prática docente, a partir de

uma nova organização do ensino da matemática na educação infantil.

Neste texto, apresentamos uma síntese da fundamentação teórica da pesquisa,

sua forma de organização e metodologia, a análise de um dos isolados (CARAÇA,1951)

investigados e as considerações pertinentes a esse isolado.

Teoria Histórico-Cultural e Teoria Da Atividade: Contribuições para a Educação

Infantil

Buscando superar as correntes psicológicas idealista e mecanicista, vigentes no

começo do século XX período pós-revolução russa, Vigotski idealizou a psicologia

histórico-cultural.

Influenciado por Marx, Vigotskii concluiu que as origens das formas

superiores de comportamento consciente deveriam ser achadas nas relações

sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior. Mas o homem não é

apenas um produto do seu ambiente, é também um agente ativo no processo

de criação deste meio. (LURIA, 2012, p. 25)

Tal conclusão justifica a importância dada às relações sociais como pressuposto

fundamental para o processo de aprendizagem e desenvolvimento humano na

perspectiva histórico-cultural, uma vez que o processo de aprendizagem “pressupõe

uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na

vida intelectual daqueles que a cercam” (VIGOTSKI, 2007, p.100). Nesta perspectiva,

Vigotski propõe que a aprendizagem deve estar à frente do desenvolvimento, de modo a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

837ISSN 2177-336X

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atuar na zona de desenvolvimento proximal, que são as formas psicológicas mais

sofisticadas que emergem das relações humanas na vida social e que “permite-nos

delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento,

propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento,

como também àquilo que está em processo de maturação” (VIGOTSKI, 2007, p. 98).

Considerando o homem como ser social cujas funções do desenvolvimento

humano aparecem primeiramente no nível social (função interpsicológica), e

posteriormente no nível individual (função intrapsicológica) (VIGOTSKI, 2007), vemos

a importância do trabalho pedagógico para o desenvolvimento humano que se

estabelece por meio do processo de aprendizagem, processo intencional e planejado

com vistas ao desenvolvimento do sujeito.

De acordo com Vigotski (2007) o conhecimento não se dá de forma direta entre

o sujeito e o objeto de conhecimento, mas sempre de forma mediada, o que ocorre por

meio de um signo ou instrumento. O conceito de mediação implica a ideia de que o

homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo, por meio de representações

mentais. O traço fundamental do psiquismo humano é que este se desenvolve por meio

da atividade humana social mediada por signos e instrumentos que se interpõem entre o

sujeito e o objeto. Nesta perspectiva a escola é compreendida como local privilegiado de

apropriação dos conhecimentos historicamente constituídos, onde a organização

intencional do acervo cultural produzido historicamente representa a essência do

trabalho docente, considerada como atividade principal do professor, pois

[...] se, dentro da perspectiva histórico-cultural, o homem se constitui pelo

trabalho, entendendo este como uma atividade humana voltada a um fim e

orientada por objetivos, então o professor constitui-se professor pelo seu

trabalho – atividade de ensino – ou seja, o professor constitui-se professor na

atividade de ensino. (MORETTI, 2007, p. 101)

Assim, a formação docente continuada ancorada na perspectiva histórico-

cultural tem por objetivo o desenvolvimento profissional do professor em atividade de

ensino cuja referência se estabelece nos conhecimentos historicamente constituídos pela

humanidade em constante movimento, de modo que

Não se trata de um desenvolvimento pautado por aquisições meramente

práticas, utilitaristas ou metodológicas, nem tampouco de um

desenvolvimento marcado pelo acúmulo de cursos ou conceitos

desarticulados da prática docente, mas sim de uma formação desencadeada

por necessidades pedagógicas que impulsionam o professor a buscar formas

de modificar ou qualificar o seu trabalho com a finalidade de organizar o

processo de ensino de forma a desenvolver nas crianças as máximas

capacidades humanas. (AMORIM, 2015, p. 63)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

838ISSN 2177-336X

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Tais necessidades podem ser compreendidas como premissa para a atividade de

ensino uma vez que Leontiev (2012) afirma que toda atividade nasce de uma

necessidade e dirige-se a um objetivo que se transforma no motivo dessa atividade

(LEONTIEV, 2012, p. 68). Desta forma, a necessidade pedagógica se apresenta como

“mola” propulsora para a atividade de ensino, que por sua vez se relaciona com os

motivos que remetem às ações pedagógicas direcionadas a objetivos.

Assim, se o professor almeja que as crianças se apropriem do conceito de

número e compreendam o sistema de numeração decimal em seu movimento lógico-

histórico, essa necessidade pedagógica passa a mobilizá-lo no sentido de desenvolver

ações condizentes com seu objetivo e sua atividade de ensino passa a se constituir por

meio da apropriação do conceito de número assim como dos meios necessários para

propiciar às crianças essa apropriação. Para tanto, “um elemento essencial na formação

do professor é o conhecimento da história dos conceitos, pois essa história é a história

do desenvolvimento dos problemas e das soluções criadas nas relações humanas”

(MOURA, 2012, p. 188). A partir da necessidade pedagógica de colocar o

conhecimento a ser aprendido como uma necessidade para aquele que aprende

fundamentado no conhecimento do movimento lógico-histórico do conceito, o professor

“lançará mão de instrumentos e de estratégias que lhe permitirão uma maior

aproximação entre sujeitos e objeto de conhecimento” (MOURA, 1996, p. 04), criando

situações desencadeadoras de aprendizagem.

Educação Matemática na Infância

Ao tomarmos os conceitos matemáticos na perspectiva histórico-cultural,

reconhecemos os conceitos matemáticos como produção humana constituída

historicamente a partir de necessidades sociais. Assim, por exemplo, o sistema de

numeração decimal em sua complexidade, embora tenha sua presença no cotidiano

“[...]teve seu inicio na pré-história, [quando] o ser humano utilizou diferentes estratégias

para controlar, registrar e comunicar as quantidades, bem como para realizar cálculos e

operações” (MOURA, 1996, p. 01).

Assim, pensar sobre a produção desse sistema é pressuposto básico para a

apropriação do conhecimento de número, o que diverge totalmente da apropriação do

número de forma mecânica, por meio de memorização. Moura (1996, p.02) alerta para o

fato de que uma tarefa que proponha à criança a contagem de uma determinada

quantidade de palitos a fim de determinar a quantidade existente no conjunto pode não

ser uma necessidade de contagem para a criança, que a realiza apenas pela solicitação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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do professor. Embora a identificação dos números em calendário e contagem de rotina

revelem a função social do número e sua utilidade, compreendemos que a escola se

constitui como espaço de ampliação da experiência humana e, portanto, deve organizar-

se objetivando o acesso aos bens culturais constituídos historicamente.

O ensino da matemática na educação infantil pressupõe a participação da criança

como sujeito ativo em sua complexidade, tanto no aspecto cognitivo quanto corporal, o

que transcende a função motora exercida em uma atividade de grafia de numerais

resultante da contagem de um conjunto de objetos. Além disso, o conceito de número é

constituído de elementos que superam a mera grafia numérica, tais como a

correspondência um a um, a

[...] cardinalidade, ordinalidade, contagem seriada, contagem por

agrupamento, composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de

símbolos, representação numérica, operacionalização numérica, percepção de

semelhanças e diferenças, percepção de inclusão e percepção de invariância”

(LORENZATO, 2008, p.31-32).

Desta forma, ao se conceber o sistema de numeração como produção humana

constituída historicamente compreende-se que embora as crianças ingressem na escola

com certo conhecimento sobre números, isso não significa que elas tenham se

apropriado deste complexo sistema e dos elementos que o compõem, e disso decorre a

importância do trabalho do professor na organização do processo de ensino da

matemática, na seleção dos conceitos e nas formas de se abordar esses conhecimentos.

Nesse sentido, Moura (1996, 2010) apresenta a Atividade Orientadora de Ensino

como conceito orientador da organização do ensino da matemática e propõe que ao

desenvolverem-se atividades desencadeadoras de aprendizagem as mesmas deverão

conter a síntese histórica do conceito, os recursos teórico metodológicos do processo de

apropriação do conceito e a análise e a síntese da solução coletiva, mediada pelo

professor. O conceito de Atividade Orientadora de Ensino busca colocar em atividade

tanto o professor, que organiza o ensino com o objetivo de possibilitar ao estudante a

apropriação dos conhecimentos e das experiências histórico-culturais da humanidade,

quanto o estudante, que se envolve no processo de aprendizagem com a finalidade de se

apropriar desses conhecimentos.

A organização da pesquisa e metodologia

Partindo do objetivo já indicado de investigar a potencialidade do conceito de

Atividade Orientadora de Ensino – AOE como propiciador do movimento de mudança

da prática docente na Educação Infantil, desenvolvemos um curso de extensão

universitária tomado como experimento didático (MOURA e CEDRO, 2012). O

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

840ISSN 2177-336X

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experimento didático fundamenta-se nos estudos de Vigotski (2007) ao propor a

investigação do objeto em movimento e oferece uma possibilidade metodológica na

pesquisa em educação matemática, por se apresentar como

[...] método de investigação psicológica que permite estudar a essência das

relações internas entre os diferentes procedimentos da educação e do ensino e

o correspondente caráter de desenvolvimento psíquico do sujeito. (MOURA e

CEDRO, 2012, p. 31).

No caso da pesquisa apresentada, o experimento didático possibilitou estudar o

desenvolvimento da atividade docente em movimento de modo a compreender a gênese

da mudança ou ressignificação da prática docente a partir da apropriação pelos

professores do conceito de Atividade Orientadora de Ensino (MOURA, 1996, 2010).

Desta etapa empírica da pesquisa resultou um vasto acervo de dados oriundos do

acompanhamento sistemático de oito professoras em vinte e sete encontros didáticos por

meio de conversas individuais, planos de aula, atividades desenvolvidas com as

crianças, análise das atividades realizadas, socialização das atividades produzidas e

relatórios, além do diário de campo da formadora-pesquisadora, com registros de

observação dos encontros didáticos. Tanto a organização dos diferentes encontros e

ações que constituíram o experimento didático quanto a análise dos dados fundamentou-

se no conceito de Atividade Orientadora de Ensino elaborado por Moura (1996, 2010),

sustentado pela Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1983, 2012), em coerência com a

perspectiva histórico-cultural (VIGOTSKI, 2007, 2009). Respeitando o sigilo das

identidades, nomeamos as professoras de forma fictícia, a fim de assegurar o seu

anonimato.

Os dados empíricos foram analisados e categorizados em isolados (CARAÇA,

1951) e episódios (MOURA, 2004). Segundo Caraça (1951), os isolados podem ser

compreendidos como uma

[...] secção da realidade, nela recortada arbitrariamente [...] de modo a

compreender nele todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja

acção [sic] de interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar.

(CARAÇA, 1951, p.112).

Já os episódios permitem o detalhamento do isolado de modo que “revelam a

natureza e qualidade das ações em um isolado” (MOURA, 2004, p. 273). No caso dessa

pesquisa, os isolados organizados para análise buscaram revelar indícios do movimento

de mudança da prática docente decorrente da apropriação do conceito de AOE e

constituíram-se em três: Conceitos Matemáticos em Movimento; Mediação como

elemento fundamental para ensinar e aprender Matemática; e Organização do Ensino da

Matemática na Educação Infantil. Neste artigo nos deteremos no primeiro isolado o qual

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

841ISSN 2177-336X

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revela o movimento dos conhecimentos docentes e a atribuição de novos sentidos sobre

o processo de organização do ensino de números.

Professores em Atividade de Ensino: conceitos matemáticos em movimento

O isolado “Conceitos Matemáticos em Movimento” foi organizado em dois

episódios: I – Discussões iniciais sobre o processo de ensino da matemática na educação

infantil; II – O Segredo da Canastra.

O primeiro episódio evidencia os motivos das professoras em participar da

formação continuada e suas expectativas em relação à formação com vistas à atuação

pedagógica, o que revelou uma prática pautada em conhecimentos empíricos resultantes

de situações cotidianas por meio de exercícios de repetição, conforme relata a

professora Eva:

Na educação infantil acabamos trabalhando a matemática na rotina não

elaborando uma atividade específica. (EVA, ED 01)

Já o relato da professora Bia, demonstrou a compreensão de que a matemática

está presente nas brincadeiras e em ações cotidianas, mas questionou como explorar os

conceitos decorrentes destas situações:

Penso que trabalhamos matemática todo tempo, mas como chamar a atenção

da criança sobre o fato daquela atividade ser matemática...., por exemplo,

numa brincadeira de pega-pega eu trabalho espaço, mas como evidenciar isso

para o aluno ou levar essa prática para meus registros? (BIA, ED 01)

A partir dos relatos das professoras vimos a necessidade de colocá-las diante de

uma situação que oportunizasse a apropriação de conceitos matemáticos como produto

de um processo histórico e cultural a partir da necessidade humana. Nessa perspectiva é

que desenvolvemos a história virtual “O Segredo da Canastra” (AMORIM, 2015,

p.113), abordada no segundo episódio. A história virtual “O Segredo da Canastra”

apresenta um sistema de numeração fictício, de base quatro, e foi inspirada em uma

situação desencadeadora de aprendizagem denominada “Carta dos Caitités” (MOURA,

1996). Sua elaboração teve por objetivo problematizar o sistema de numeração decimal

como produção histórica decorrente das necessidades humanas, explicitar alguns dos

elementos que compõem, e envolver as professoras na resolução coletiva dessa

situação-problema com vistas à apropriação ou ressignificação desse conceito.

Na resolução da situação desencadeadora de aprendizagem algumas professoras

se revelaram tensas, relatando que seria impossível resolver o problema; outras

professoras tentaram substituir os símbolos contidos na situação por numerais, o que

não propiciou a compreensão do sistema de numeração fictício. Após algumas tentativas

as professoras perceberam a regularidade de variação de símbolos, a base do sistema e a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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importância do valor posicional do número zero de forma análoga ao sistema de

numeração decimal. O compartilhamento da solução da situação desencadeadora de

aprendizagem entre as professoras revela o movimento dos significados do conceito de

sistema de numeração, compartilhados pelo grupo, como podemos identificar nos

relatos das professoras Camila e Eva:

Esse processo de entender como funciona o sistema de numeração decimal

também nos leva a pensar como a gente ensina para a criança, para trabalhar

com o sistema de numeração de base quatro, houve a necessidade de

desconstruir conceitos já concretizados. (CAMILA, ED 03)

Essa exploração do sistema de numeração não acontece nem no ensino

fundamental. (EVA, ED 03)

Esse não seria um dos motivos pelo qual as crianças possuem dificuldade em

matemática? (CAMILA, ED 03)

Isso me fez pensar o quanto foi complexa a construção do sistema de

numeração que hoje utilizamos e ainda como podemos trabalhar esse

conhecimento, essa história com as crianças (EVA, ED 03).

Embora no episódio I as professoras tivessem indicado não terem dificuldade

com a matemática e seu ensino, no episódio II, diante da necessidade do conceito, elas

ressignificam seus conhecimentos ao se depararem com um sistema de numeração com

base diferente da habitual. Esse movimento de apropriação ou ressignificação do

conceito de sistema de numeração só foi possível diante da apropriação conceitual, que

se apresenta como premissa da atividade de ensino, pois se é inerente à docência

propiciar às crianças a apropriação do acervo cultural historicamente constituído,

conhecer os elementos que constituem esse acervo e organizar as formas de acessá-lo

são condições fundamentais da prática docente.

A apropriação ou ressignificação conceitual permite ao professor a ruptura do

processo de ensino direto de conceitos, por meio da compreensão dos conceitos

matemáticos em sua gênese e modos de constituição, o que não se desenvolve

espontaneamente nem por meio de um contato superficial com o conceito. Tal

compreensão caracteriza o professor como aquele que aprende constantemente para

ensinar, em um processo de formação contínua, o qual pressupõe a apropriação tanto

dos conceitos a serem ensinados quanto dos meios para ensinar, direcionando-os às

ações planejadas e conscientes num movimento de reversão de ações ou

comportamentos fossilizados.

A reversão do comportamento fossilizado

As primeiras ações das professoras em relação à organização do processo de

ensino do sistema de numeração decimal (episódio 1) indicavam comportamentos

fossilizados que referem-se a “comportamentos mecanizados ou automatizados que

perderam sua origem ao longo do tempo” (VIGOTSKI, 2007, p. 68); o que dificulta,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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senão impossibilita, “estudar alguma coisa historicamente [...] no processo de mudança

[...] requisito básico do método dialético” (ibidem). No entanto, esse comportamento

fossilizado parece ter se modificado à medida que as professoras começaram a

questionar a compreensão resultante de seu processo de aprendizagem sobre o sistema

de numeração decimal, assim como a atuação na organização do ensino de matemática

na educação infantil, o que pode ser observado nos relatos analisados de Camila e Eva

sobre a realização da situação desencadeadora “O Segredo da Canastra”.

A apropriação do movimento lógico-histórico do conceito de número propiciada

a partir da situação desencadeadora de aprendizagem “O segredo da Canastra”

ocasionou contradições nas compreensões até então apresentadas pelas professoras

sobre o conceito de sistema de numeração e a forma de apresentá-lo às crianças. Ao

mesmo tempo em que as professoras tomavam consciência da necessidade de organizar

o processo de ensino pautado na história do conceito, evidenciando sua criação como

uma produção humana, o trabalho pedagógico realizado de forma expositiva e repetitiva

ressurgia como memória de uma prática enraizada e empírica, num movimento contínuo

de oscilação entre apropriação teórica e ação prática. Assim, muitas vezes um trabalho

pedagógico pautado na exposição, memorização e repetição revela uma prática docente

derivada de uma formação empírica focada em ações procedimentais, embasada no

saber fazer e não na apropriação conceitual que traz em si a gênese do conceito,

tornando-se uma prática de rotina sem a devida reflexão sobre sua origem ou finalidade.

Este comportamento fossilizado pode ser superado quando ocorre a tomada de

consciência sobre esse comportamento, o que se dá por meio da reflexão teórica e de

ações práticas dos professores em atividade de ensino, uma vez que é

[...] oscilando entre momentos de reflexão teórica e ação prática e

complementando-os simultaneamente que o professor vai se constituindo

como profissional por meio de seu trabalho docente, ou seja, da práxis

pedagógica. (MORETTI, 2007, p. 101)

No entanto, ressaltamos que não se trata de uma reflexão qualquer sobre a

prática docente, mas de um processo “mediado por fundamentos ou referenciais que

possibilitem a compreensão do objeto no caminho da solução de problemas da prática”

(RIBEIRO, 2011, p. 74). Trata-se de uma reflexão pautada por referenciais, que neste

trabalho ancora-se na abordagem histórico-cultural.

No caso dessa pesquisa, temos que o movimento de ressignificação conceitual

das professoras sobre o conceito de número impulsionou a mudança da prática docente

decorrente da mudança do sentido atribuído inicialmente ao conceito de número e aos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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meios de ensiná-lo. Se inicialmente havia entre as professoras a convicção de que o

conceito de número poderia ser apresentado às crianças de forma direta por meio de

situações cotidianas e exercícios de repetição, a inserção no processo coletivo de

formação docente e a apropriação de elementos do conceito de AOE direcionaram as

professoras para a reversão de um comportamento que se apresentava fossilizado. Os

motivos manifestos pelas professoras na organização do ensino de número se

transformaram, pois houve uma “nova objetivação de suas necessidades, [...]

compreendidas em um nível mais alto” (LEONTIEV, 2012, p. 71), isto é, a necessidade

da organização do ensino passou a ser propiciar às crianças a apropriação do conceito de

sistema de numeração em sua gênese, e não mais em sua aparência. Com esta

transformação dos motivos, vemos que organização e as ações docentes passam a ser

conscientizadas e coordenadas com os objetivos do ensino.

Diante do movimento de aprendizagem conceitual sobre o sistema de numeração

como conceito derivado de uma necessidade humana que contempla elementos como

correspondência um a um, noção de cardinalidade, ordinalidade, agrupamento,

composição e decomposição de quantidade, reconhecimento de símbolos e

representação numérica, as ações das professoras se alteraram, posto que o objetivo e a

necessidade da atividade de ensino se modificaram. As professoras passaram a ter como

necessidade a requalificação do processo de ensino da matemática na Educação Infantil

visando à apropriação da gênese dos conceitos, sendo motivadas a organizar o processo

de ensino da matemática na perspectiva histórico-cultural.

Nesse sentido, a AOE respaldada pelos aportes teóricos da psicologia histórico-

cultural (VIGOTSKI, 2007) e da Teoria da Atividade (LEONTIEV, 2012) se apresentou

como conceito capaz de propiciar o movimento de mudança da prática docente, a partir

de uma nova organização do ensino da matemática na educação infantil por favorecer o

contínuo movimento de reflexão docente sobre a própria prática e a ressignificação da

atividade de ensino por meio da apropriação conceitual.

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