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Atos Encobertos
Registro 185.539 – FBN – 28/10/1999
Não mais é possível continuarmos tratando a terra como
propriedade somente nossa. Todos os seres vivos na terra também
merecem nosso carinho e respeito, pois são parte da obra de Deus.
Do autor,
Mourão Lobato
MATA-PAUS, MATA-RIOS...
- José! Acorda homem! Estão pondo fogo na casa!
- Meu Deus! Oras, Noé, não é na casa, é no mundo! A terra está em chamas! O
fogo consome toda espécie de árvore, deixando apenas rastro de carvão na terra e
poeira e fumaça no ar. Né, nestes tempos secos, em certas regiões a umidade do ar
chega a dez, doze por cento; as árvores sofrem o pão que o demo amassou – coitadas
delas! Sofrem com a secura da terra e do ar e para completar, o destino fez aparecer
piromaníacos e exterminadores de todos os tipos e intenções.
- Piromaníacos! Que nome difícil, Zé!
- A professora ensinou que são pessoas que usam o fogo para queimar tudo que
veem na frente. Ela contou que a um desses queimadores de matas e florestas, o
escritor Monteiro Lobato identificou-o como sendo o caboclo, eternizando-o na figura do
Jeca Tatu.
- Jeca Tatu!
- Sim, Né. Todo caboclo é antes de tudo um Jeca, um da roça, que não tem cultura,
não tem nada, não deseja nada, só viver o quanto a vida permitir-lhe; sua virtude é
queimar uma reserva de mata aqui, outra acolá e aos poucos eliminar, por onde
passam, ele e sua família, a fauna e flora silvestres.
- Mas, Zé, quanto tempo mais veremos esses maníacos incansáveis incendiarem
as matas!?
- Não sei, Né. Mas os matutos continuarão por muito tempo com seus ofícios em
destruir a fauna e flora silvestres. Alguns de seus descendentes foram para as cidades;
aprenderam ofícios outros, mas quando veem uma mata, lançam tocos de cigarro nos
capins que beiram as estradas, fazem fogueira à beira dos rios e esperam, com sorriso
de escárnio, a mata virar fogo para delírio de seus olhos – muda-se o habitat, mas o
instinto de matuto continua. Mas há outros incendiários.
- Então, Zé, é por isso que a terra arde em fogo e o céu esconde-se em fumaça!
Quem são esses outros incendiários!?
- Segundo a professora Marilda, são das cidades: o empreendedor imobiliário e o
criador de gado.
- Mas nós criamos gados e não fazemos mal à mata!
- Mas nós amamos a mata e sabemos que podemos criar o gado sem eliminá-la.
Aqueles, não têm amor às árvores, aos pássaros..., à fauna e flora silvestres. Os
empreendedores imobiliários (pessoas que vendem lotes de terra nas cidades) fazem
qualquer tipo de negócio para destruir as matas próximas à cidade e lotear a área em
pequenos lotes – a cada área roubada da mata, para esse fim, é uma parte acrescida à
cidade. Os criadores de gado não podem ver um terreno plano que logo criam na
imaginação milhares de cifras de dinheiro traduzidas em cabeças de gado; tomam
posse de matas, colocam fogo nas imóveis árvores, matam a flora e fauna existentes
na área e com suas máquinas pesadas limpam-na para plantação de capins destinados
ao alimento do gado – nem árvores ribeirinhas respeitam, limpam tudo! Mas isso não é
tudo. As matas e florestas também sofrem com a presença de outro tipo de
exterminador de árvores: os mata-paus (pessoas que sobrevivem à custa de corte de
árvores para empresários que fazem comércio com madeiras – os madeireiros). O pior
de tudo é que quem os alimentam são os moradores urbanos e o próprio governo, que
consomem móveis feitos de madeira e construtores de prédios, pontes, vias públicas,
pela utilização da madeira como estacas e armações. Esses mata-paus cortadores de
belas árvores provocam o mesmo dano à natureza que os caboclos, os
empreendedores imobiliários e os criadores de gados. No fundo, são todos mata-paus.
Lamentavelmente, a cada ano todos esses mata-paus deixam rastros de destruição
incomensuráveis na vida terrestre. Não isolam a área que queimam e esquecem-se
das centelhas que incendeiam outras áreas; não fazem florestamento para retirarem a
madeira que necessitam; e ao verem a mata ardente em fogo ou deitada na terra, não
enxergam fogo e morte. Uma espécie enxerga um acre de milho, de mandioca, de
cana...; outras, cifras de dinheiro constituídas de lotes urbanos, de gados em pé ou de
imensos lotes de madeira.
- Zé, o governo não pode acabar com essa matança? Não podem fazer leis que
punam esses loucos assassinos?
- Acho que podem, mas não adianta somente leis. É preciso ensinar aos adultos
amarem a natureza e ensiná-los é difícil. Mais fácil é ensinar as crianças a amarem as
árvores e animais silvestres; amarem a natureza. Talvez, se todas as crianças
amassem a natureza, os futuros adultos teriam mais respeito ao eliminarem parte da
natureza e os governos poderiam gastar menos no combate a muitas queimadas. Os
governos bem que poderiam premiar os industriais que fabricassem móveis de resina
de vidro ou sintéticos, beneficiando-os com isenção de impostos. Talvez inibisse a
matança de árvores sob o risco de extinção. As queimadas e o desmate de matas e
florestas são os primeiros agentes a destruir o solo. Com a terra exposta, o sol a seca;
em seguida as chuvas varrem seus minerais e provocam erosões – esses buracos que
vemos em áreas de terras sem árvores. As áreas ribeirinhas, com as enchentes, ficam
desprotegidas e desbarrancam-se dentro dos rios, fazendo com que esses saiam de
seus cursos naturais e inundem, permanentemente, as áreas próximas, matando a
fauna, riquezas dos transgressores e eliminando uma artéria fluvial que alimentava
outras nascentes, outros rios, quebrando uma sequência na cadeia dos ecossistemas
naturais dessas áreas afetadas.
- Né, mas a matança dessas árvores não fica somente nisso. Há outros, os mata-
rios (caçadores de metais preciosos e exploradores de areia para construção), que
levam suas máquinas para dentro dos rios e começam a cavar seus leitos; depois
destroem as margens; as chuvas completam a destruição, arrancando as árvores
ribeirinhas e deixando o rio largo, raso, quase sem vida. O dano maior ocorre nas
regiões rio abaixo, pela diminuição do fluxo d’água - e terra sem água é planta que
morre, é mata que desaparece. O que desanima qualquer amante da natureza é a falta
de punição a esses predadores ambientais da terra. O Jequitinhonha, por exemplo,
sofre com esses mata-rios, mata-matas, mata-tudo.
- Né, uma vez vi escrito em um jornal da escola, sobre as consequências da
retirada de árvores das terras. Não foi invenção; coisa verdadeira mesmo - com foto da
fazenda e da fazendeira. Um repórter escreveu o desabafo de uma fazendeira no
pantanal – terra muito longe daqui: “Isso tudo era pastagem, uma beleza de terra;
coberta por capim e gado em pé. Hoje apenas vejo água e o pasto nela imerso. O gado
morreu afogado”. O melhor foi o que o repórter falou a ela. Quer saber?
- Sim.
- “Minha senhora, porque não deixou as árvores florescerem às margens do rio?
Não sabias que era uma proteção natural contra a erosão e entupimento do rio?” Zé, foi
bom esse chamamento à memória dessa avarenta. Mas, meu deus, com todos esses
assassinos ambientais, o que será das árvores, das flores, dos animais, indefesos
diante de tanta maldade!? Será que esse mundo sobreviverá a tanta destruição das
sombras e irrigadores da terra?
GRILO
É designação de inseto da ordem dos saltatórios, tais como os gafanhotos, que, não
havendo predadores naturais como o pássaro anu para controlar sua propagação,
quando em grande quantidade formam nuvens, provocando devastação em lavouras
por onde passam.
Mas as nuvens de gafanhotos que devastam plantações inteiras, apesar de causarem
muito prejuízo, com certeza causam menos danos que os “grilos” que se arvoram nas
entranhas dos poderes públicos e consomem recursos da saúde, da educação, dos
campos, da pesquisa...; e são saltadores, pois sempre estão na posição, independente
de facções partidárias e ideologias políticas; são mutáveis ao longo dos tempos.
Mas há outras designações, caracterizando substantivos e expressões de sentido
figurado:
- “grilo”, designando terreno cujo título de propriedade é falso, dando origem ao
substantivo grileiro. Este, nas grandes cidades, é também conhecido como “empresário
de favelas”, pois, ao tomar posse ilegal de determinado terreno, constrói nele barracos,
alugando-os aos cidadãos mais humildes da população e quando as melhorias urbanas
acontecem no local, com a posse do terreno usucapto, os vendem à incorporação de
empreendimentos imobiliários, levando os antigos moradores, sem teto, a outra posse
invadida, com certeza bem mais distante da anterior e do centro da cidade;
- “grilo”, designando som estridente no automóvel e em aparelhos eletromecânicos,
provenientes de contato de duas partes que friccionam uma à outra pela ação do
movimento. Ouve-se o “grilo” nos assentos, nos painéis, no compartimento de
bagagem, e na parte mecânica. Pode ser, aos ouvidos do usuário um som que
incomoda ou um alerta mecânico de que algo não está funcionando bem no motor e
demais partes mecânicas;
- “grilo”, designando problema não solucionado e não precisamente identificado:
“estou com um grilo para ser resolvido”;
- “Grilo”, designando apelido de pessoa...
CASA NÃO É GALINHEIRO
O substantivo galinha designa várias espécies de aves ciscadeiras: as carijós, muito
conhecidas em fazendas; as de granja, geralmente brancas, conhecidas como
poedeiras, máquinas de produzir ovos, que ao esgotarem suas capacidades
produtivas, são abatidas e servidas como proteína em nossos cardápios diários; a
galinha d’angola, originária da África, e outras. Geralmente vivem em cercados
denominados galinheiros ou galpões de criação, ou soltas no quintal de casas ou
fazendas.
Mas, o mais interessante é uma pequena semelhança existente entre esse tipo de ave
e a mulher.
É bastante comum alguns casais, após o nascimento do filho, começarem a travar uma
insana guerra na educação dos “pintinhos”. É que muitas mães adotam a postura de
supermães, tais qual “galinha choca” cuidando dos pintinhos.
Com o passar dos anos os “pintinhos” aprendem os truques para arvorarem-se da
proteção da mãe contra as interferências do pai, o “galo”, sempre inconveniente.
A mãe, sempre ou quase sempre protetora, cobre os “pintinhos” de amores e os tornam
desde cedo irreverentes, impacientes, dependentes... – aos “galos” lhes é permitido
ceder... e doar o suor, o sangue, mas muitas vezes calado, subalterno.
Mas, por felicidade, alguns “galos” ainda cantam, não permitindo aos “pintinhos” o
domínio da situação e da casa.
LIDERANÇA
Quando o inverno chega ao Norte, milhares de aves voam sob a direção de alguns
líderes, para acasalamento em regiões quentes do Sul e preservação de suas
espécies.
Entre os mamíferos, podemos detectar comportamentos de “líderes” entre os humanos,
quadrúpedes de todas as espécies, aquáticos...
A liderança parece nascer no ser, pela firmeza de comportamento, pelo faro ou sentido
mais aguçado que os demais de sua espécie, que atenda a todos os anseios e
necessidades de determinada população ou grupo de animais.
Aparecendo ou manifestando o líder, os demais tentam imitá-lo, pois sentem,
instintivamente, que alcançarão a satisfação de seus desejos.
Há vários conceitos de liderança, mas destaco, no contexto do comportamento
humano, a capacidade salutar das pessoas, dentro e fora das organizações, para:
- influenciar pessoas;
- criar situações novas de prosperidade;
- derrubar barreiras contra o progresso da humanidade;
- frear a degradação da natureza e destruição do Planeta Terra;
- conduzir as pessoas ao propósito de obtenção de organizações mais sadias, sem
antagonismos pessoais exacerbados;
- utilizar a técnica da informalidade para alcançar bons resultados e ganhos de
produtividade e não para cobiçar posições hierárquicas;
- usar a criatividade para o bem-estar da coletividade, das organizações, das
famílias e das espécies vivas;
- conduzir as organizações com harmonia e respeito aos subordinados, aos
clientes, aos fornecedores, ao meio ambiente...;
- criar soluções para problemas pequenos e complexos;
- treinar e receber treinamento contínuo;
- não tratar o próximo com falta de respeito e desacato;
- saber dialogar e criar situações de respeito e de harmonia nas posições com
subordinados, clientes e fornecedores;
- saber fazer e fazer fazer os trabalhos com dedicação e direcionados a objetivos
factíveis, evitando-se desperdícios desnecessários e desgaste emocional das equipes;
- influenciar as decisões políticas para a melhoria das condições de vida dos seres
humanos, do meio ambiente e proteção da terra e de seus recursos;
- saber utilizar o tempo;
- não antecipar soluções sem conhecer os objetivos propostos;
- ser útil e solícito;
- lidar com situações de conflito, procurando soluções em harmonia com os
objetivos organizacionais;
- saber reivindicar recursos necessários ao bom andamento dos trabalhos, quando
não houver possibilidade de utilizar os recursos existentes;
- saber transmitir por escrito, por discurso ou atitudes, inovações comportamentais,
visando ao bem-estar coletivo;
- liderar quando não houver liderança formal;
- tratar todos os subordinados sem distinções e preferências;
- criar o hábito de reuniões diárias para administrar conflitos, verificar o grau de
relacionamento e de integração das equipes de trabalho, os ajustes necessários ao
bom relacionamento;
- não permitir intrigas no seio das equipes, uns contra os outros;
- ter transparência quanto ao relacionamento com os subordinados e equipes de
trabalho;
- saber ouvir;
- aperfeiçoar-se continuamente, através de leitura e verificação de suas
incoerências.
Às vezes necessitamos, nas organizações, questionar o direcionamento de suas
relações interpessoais e de sua interação com a produtividade.
Contemporaneamente, as empresas induzem seus empregados a um comportamento
de competitividade interna tão exacerbada que permitem confundir a hierarquia formal
nos níveis operacionais; e agregada a pressões de maior produtividade, maior salário,
maior preocupação derivada de fatores econômicos interno e externo, menos convívio
social e familiar e excessivas intrigas internas informais com objetivos de suprir
deficiências técnicas ou para angariar postos mais elevados na organização, fazem
com que o nível de adrenalina no corpo dos empregados chegue a ser tão elevado que
a ação dessa toxina no organismo acaba por acelerar o processo de debilitação
orgânica dos mesmos. Nesse ambiente, somos obrigados a tomar decisões até mesmo
agressivas conosco mesmos, modificar nosso comportamento, equilibrar nossas
energias para sobrevivermos nessas organizações, cujas diretrizes estão
fundamentadas na liberalidade da busca incessante do lucro e não do
engrandecimento do ser humano.
Por tudo isso, seria bom que conduzíssemos as organizações e pessoas na direção de
atitudes para amenizar o nível de toxinas no organismo dos empregados, dos
cidadãos, de todos os demais seres viventes, contribuindo para excluir de nosso
cotidiano atitudes e situações que nos possam desencadear mal-estar, para que
possamos vislumbrar um mundo cada vez melhor nesta nave navegante Terra.
PÁTRIA
Lá ou cá, em ruas ou viadutos de cidades grandes ou médias, certamente há crianças,
adolescentes, adultos ou velhos puxando uma carroça com papéis, latas de alumínio ...
jogados todos os dias no lixo urbano - são os catadores de matéria-prima para
reciclagem industrial.
Há, também, aqueles que se tornam mendigos e pequenos marginais pobres, viciados
em drogas para consumir-lhes a “droga” da vida mais rapidamente.
Certamente esses não constam na lista de beneficiados pela educação, pela saúde e
cidadania plena. São mais alguns tipos de escravos e produto do capitalismo sem
fronteiras, que privilegia o lucro e a concentração de rendas em vez do bem-estar
coletivo; talvez alguns nunca tenham conhecido uma escola ou nunca possuíram pai
nem mãe - filhos do mundo e herdeiros das ruas, aprendem com os olhos, mãos e com
o pouco que lhes restam da mente, selecionar latas, papéis, garrafas, lixo e comida
para sobreviverem.
E alguns “doutores” ainda insistem em dizer que esses possuem pátria e esquivam-se
ao dever de fazer cumprir a Constituição, propiciando condições de alimentá-los e
educá-los, pois que, já são muitos brasileiros órfãos de pátria.
E quando se fala em controlar a natalidade nas concentrações de miseráveis, alguns
assustam com a ideia. Contudo, é também obrigação do governo e das autoridades
que sustentam a importância da vida, dar condições de todos, sem distinção, viver em
condições dignas de um cidadão moderno - refiro-me ao cidadão que dispõe para si e
sua família de condições de usufruir de boa educação, saúde, moradia, higiene,
transporte, lazer e exercício pleno da cidadania, tal qual colocado por nossos
congressistas na Constituição.
Será que no novo século, nós, brasileiros, mereceremos mais respeito e dignidade dos
governantes, dos detentores de capitais, ao conduzirem a relação capital e bem-estar
coletivo? Será que esses órfãos de tudo, poderão algum dia recitar:
Ó Pátria amada,
Que me acolheste como gentil filho;
Amo teu solo, teu governo;
Sou parte de um povo belo e unido, uma nação.
E com amor, exclamar: Pátria amada Brasil!
ÁGUIAS E CAMUNDONGOS
A ave águia, voando sob as nuvens, grasna insistentemente para capturar sua presa.
Na terra, alguns camundongos roedores procuram um lugar seguro para não serem
capturados por ela, cujos grasnidos são ouvidos a metros de distância. Chegam até a
cochichar gargalhadas e sinais de zombaria: “Coitada da Águia tagarela – hi ... hi -,
quer pegar-nos; mas seus gritos denunciam sua vontade e salvam-nos, que continuem
assim, por várias gerações, a precaver-nos do perigo de suas garras assassinas.”
Mas falemos de outros tipos de águias e camundongos: os das cidades.
Nas cidades grandes, algumas águias possuem o auxílio de carros especiais de
combate ao crime; utilizam o mesmo artifício da ave águia para combater os
camundongos da cidade, que fizeram opção por ganhar o pão de cada dia pelo furto.
E lá vêm mais uma vez as águias, dentro do carro, com a sirene a tocar, ouvida a
quase um quilômetro de distância; estão indo ao alcance dos ladrões que assaltam o
banco que tocou o alarme antifurto.
Mas os camundongos assaltantes já ouviram a sirene e cronometraram o tempo
necessário para furtar o dinheiro e fugir antes da chegada daqueles.
Ah se fosse uma dessas águias! Substituiria a sirene por uma lâmpada azul e vermelha
muito intensa, de modo que, direcionada para outros carros, alertasse os motoristas da
necessidade de passagem. O motorista da frente perceberia o pisca-pisca intenso, mas
o camundongo no banco não mais poderia cronometrar o tempo para fazer o assalto.
Mas, o que é isso!? Só pode ser desabafo! Que tolice a minha! Com os modernos
meios de comunicação, aposto que outro comparsa dos ladrões, de tocaia na rua,
ligaria ao companheiro do banco e alertá-lo-ia do perigo. Contudo, continuo propenso a
escolher a luz, pois a exclusão da barulhenta sirene acabaria com os sobressaltos em
nossa tranquilidade, dentro de nossas casas.
Mas, nas cidades, há outros camundongos bem distantes de águias de qualquer
hierarquia. São aqueles que usam as aberturas dos artigos para burlar leis que deixam
interpretação diferente a todo tipo de interesse, menos os do Estado e do bem-estar
coletivo. Aproveitando-se da incompetência ou conivência dos legisladores, deixam de
pagar impostos e apropriam-se de elevadas somas de moeda, sem nenhuma punição;
são, certamente, os mais perniciosos dos camundongos que habitam as cidades,
porque nunca param de dilapidar os cofres públicos; e por causa de seus atos, a
educação, a saúde, a justiça..., sempre estão aquém do necessário aos cidadãos de
uma pátria moderna e civilizada.
CIDADES GRANDES... , VAZIAS
Dois colegas do curso de Psicologia resolveram fazer uma experiência, junto com seu
professor.
Combinaram sair ambos apenas de calção e andar pela cidade sem nenhum
compromisso. Caso houvesse algum incidente inesperado, deveriam comunicar
imediatamente ao professor, que supervisionava a pesquisa, para as providências
cabíveis.
José viajou para uma cidade bem pequena, mas com boa infraestrutura de saúde,
policiamento e educação. Antônio ficou na cidade grande, onde faziam o curso de
psicologia.
José hospedou-se, no sábado, num hotel da cidade. Antônio ficou em casa, na cidade
grande.
Bem cedo, no domingo, conforme combinado, saíram apenas de calção para o passeio
experimental.
José andou pela rua principal da cidade pequena, de uma ponta à outra num passeio e
depois voltou pelo passeio do lado oposto, até o início da caminhada. Durante o
percurso conversou com um e outro morador da cidade, conhecendo seus encantos e
desencantos e memorizou os locais onde poderia ficar sentado, conversar à vontade,
sem necessitar de pensar no dinheiro. Sentou-se no banco da praça, conversou com
crianças, com jovens, com adultos, com idosos e aos poucos foi familiarizando-se com
muitos e com a cidade. Entrou no bar, bebeu e comeu sem pagar – cortesia de amigos
recentes, que lhe ofereceram banho, calças, camisas, sapatos...
Antônio, na capital, andou dois quarteirões de seu bairro e aceitou alguns
cumprimentos calorosos. No terceiro e quarto quarteirões não mais havia conhecidos
nem cumprimentos; só olhares e uns até de desprezo. Durante o percurso, após o
sexto quarteirão, tentou conversar com um e outros, mas as pernas já sujas pelo
asfalto e o suor deteriorado no corpo, faziam-no um ser ínfimo, desqualificado, um não
cidadão. No vigésimo quarteirão sentiu fome e pediu esmola a um cidadão, a outro e
mais outro e começou a colecionar “não” – não podia desistir e chamar o professor por
socorro, pois a experiência era de apenas um dia. No vigésimo sétimo quarteirão
policiais patrulhavam a área:
- Ali! Para! É ele! Ei, venha cá seu pilantra! Mostre seus documentos!
- Não tenho documentos. Estão em casa.
- Andando sem lenço e sem documentos ... seu pilantra!
- Estudo psicologia.
- Que lindo! Estás em cana seu pilantra!
- Mas por quê?
- Calado Caetano.
- Meu nome é Antônio.
- Tonho! Toinho! Totonho! Não importa! Estais em cana e calado.
Antônio foi levado para o depósito de presos.
No camburão retirou o micro celular do bolso do calção, apertou uma tecla e
comunicou o acontecido ao professor. Quando chegou ao depósito de presos o
professor chegou junto e deu o caso por encerrado.
Na escola, os dois alunos e o professor estudaram as sensações vividas.
O que concluíram!?
Que a cidade grande esmaga seus hóspedes? Que não foi feita para o homem viver?
Que não mais há respeito às coisas do coração? Que nelas, perdemos o sentido
interior e sentimos somente o que vemos? - E se vemos só matéria, nos tornamos
como ela?
Que as cidades pequenas são próprias ao crescimento interior das pessoas? Seus
hóspedes, mais dóceis?
O que concluíram, leitores!?
PRAÇAS
O céu límpido, com alguns flocos de nuvens enfeitando o azul anil dos céus e o ar,
brisa quente e úmida a invadir a costa e estender-se mata adentro, até a serra, a uns
sessenta quilômetros da praia. No interior da mata, que começava a uns quinhentos
metros da praia, até ao pé da serra, aves e animais silvestres quebravam o silêncio
com sons de vários encantos. No meio de tantas árvores, quanta beleza, quantos
pássaros, mamíferos, vertebrados, invertebrados, insetos, águas, rios, peixes, plantas
aquáticas, oxigênio e sombra para a terra – e sombra significa temperaturas mais
brandas. Certamente o homem ainda não deveria ter passado por lá, pois, do contrário,
modificaria todo o espaço, limpando uma parte aqui, outra acolá, até formar um clarão
enorme no meio dela.
Acredito que o Continente Americano deveria ter sido como o paraíso de Adão e Eva,
coberto por:
- árvores de várias espécies coexistindo e fazendo parte de um mesmo habitat:
abricoteiros, abiuzeiros, açoita-cavalos, araracangas, araticunzeiros, baraúnas, barus,
batiputás, biribus, butuas-do-curvo, caaxiós, cabureicicas, caucaueiros, caimbés,
caimiteiros, cajazeiros, cajueiros, camboatãs, cambareiros, cambucazeiros, cambuís-
da-restinga, carapazeiros, caraubeiras, copaíbas, coquidas, corticeiras, cravoeiros,
cuipanas, cajumarizeiros, eucalíptos, goiabeiras, gravioleiras, guaiacos, ipês,
jeniparanas, jenipapos;
- cipós: batatões-roxos, cabaças-amargosas, campainhas-azuis, folhas-de-urubu,
guaimbés;
- trepadeiras: caaporongas, caapebas, ervas-silvinas;
- arbustos: abutuas, barbas-de-paca, barbas-de-cabra, caapebas, caboatãs-de-
leite, cafés, caferanas, carquejas, carrapichinhos, carucaás, ervas-de-soldado,
firmezas-dos-homens, girassóis, guabirobas;
- plantas herbáceas: funchos, gengibres, gergelins, gramíneas, agriãos,
bananeiras-do-mato, bananeiras, batatas, beijos-de-moça, caás, canas, coqueiros;
- capins: capins-açus, capins-amargoso, capins-cidreira, capins-de-burro, capins-
gordura, capins-limão;
- várias outras espécies de plantas...
Mas o homem, ao longo dos séculos, foi eliminando plantas com o ferro e o fogo, na
busca incessante de espaço para si e suas atividades; e a partir da Revolução
Industrial começou a devastar com maior intensidade as selvas e reservas florestais,
com a introdução das fazendas adaptadas ao cultivo de extensas plantações de
matérias-primas para a indústria – os fazendeiros a serviço dos capitalistas expulsaram
os pequenos lavradores, os pássaros, animais silvestres; secaram rios e fontes d’água.
Não houvesse o dinheiro corrompido o homem, as cidades brasileiras poderiam ser
diferentes. Mas o destino semeou o pai e depois fê-lo morrer – descaso puro. E esse
descaso iniciou com o casamento de um português com nome Mendes e uma índia
com nome Jaína. Casaram-se na cidade e foram morar na fazenda. Eram pequenos
lavradores, que usavam a terra para conseguirem o sustento de sua família, cultivando
mandioca, arroz, feijão, tomate, couve, alface, jiló, almeirão, abóbora, chuchu,
abobrinha, repolho, laranja, pêra, manga, mexerica, ameixa, goiaba, ervilha, hortelã,
boldo, gengibre, inhame, espinafre, amoras, jabuticaba, fruta-do-conde, caqui, coco,
banana... ; criando porcos, galinhas, capivaras, peixes (carpa, mandí, tilápia, dourado),
cavalos, jumentos, cabras e carneiros. Vê-se que dela tiravam o suficiente para dar o
de comer à família. O que sobrava vendiam na cidade, onde conseguiam o necessário
para pagar os estudos dos filhos, médico e vestuário.
Os filhos foram nascendo e a família crescendo. Todos aprendiam, desde cedo, os
segredos da terra, dos animais e da importância da conservação da fauna e flora
virgens. Mendes e Jaína acreditavam que cuidando da flora, das nascentes d’água e
da fauna silvestre, a terra poderia ser fonte perene de muita fartura.
Quando os filhos começaram a ter idade para estudar, Mendes adquiriu uma boa casa
na cidade, para facilitar e permitir aos pupilos mais tempo aos estudos. Nas férias,
todos iam para a fazenda até o início das aulas.
A primeira a nascer foi uma garotinha delicada, de cabelos longos, chamada pelo nome
Flora. Depois nasceram Falcon, por causa dos olhos; Minerva, Inimá e o último,
Aquiles, por causa de seu peso e tamanho ao nascer.
Aquiles tomou conta da fazenda dos pais. Falcon e Minerva formaram-se em medicina
e foram morar no Rio de Janeiro.
Inimá era o mais vivaz de todos, o mais dedicado aos estudos, à leitura e à floresta que
rodeava as plantações e criações, inserida no centro das terras da fazenda. Às vezes
ficava horas na mata aprendendo os segredos dos pássaros, dos animais silvestres e
das nascentes d’água. Estudioso e admirador da fauna e flora brasileiras, desde
criança, no tempo de escola, prometia a todos que havia de devolver boa parte das
árvores a muitas cidades dos homens e com elas quarteirões inteiros em forma de
praças, em várias partes das cidades, com pássaros e um pouco da fauna silvestre, tal
qual existia na fazenda. Mas, para que seu juramento fosse realizado, seria necessário
muito dinheiro – e essa mercadoria sempre foi escassa à maioria dos homens. Alguns
as tem e com sobra, mas quanto mais possuem, menos doam e mais arrecadam para
si – para que, ninguém sabe ao certo; talvez seja parte da cultura de nossos
antepassados que repetem aos filhos e netos: “é tão lindo morrer e deixar a família rica,
cheia de dinheiro e posses!”.
Muitas vezes Inimá foi caçoado por Flora e seus irmãos por suas promessas e sonhos
em repor à cidade o que os homens tiraram – as árvores, as nascente d’água, os
pássaros e animais silvestres.
- Inimá, como irás conseguir tanto dinheiro para comprar quarteirões inteiros e
construir praças?
- Oras! trabalhando, Flora. Vou ser juiz de Direito e todo o dinheiro que ganhar vou
dedicá-lo a meu sonho.
- Juiz de Direito! Ah! Essa é boa. Não sabes nem conversar em público!
- Mas aprenderei! Quando tiver bastante dinheiro, realizarei meu sonho e você será
minha secretária nesse empreendimento.
- Secretária! Pois serei professora!
- De que!?
- De biologia.
- Pois então..., precisarei de uma bióloga para classificar as plantas e animais nas
praças e nas fazendas que comprarei.
Inimá sempre foi um observador da natureza e aprendeu a dar valor a ela desde
criança. Não deu trégua a suas promessas – era preciso somente o dinheiro e muito
trabalho.
Começou a trabalhar na faculdade, conciliando os estudos universitários com o
trabalho.
Aos vinte e três anos tornou-se bacharel em Direito, conforme prometera aos pais.
Dedicou-se durante algum tempo à advocacia. Poucos anos depois prestou concurso
para a magistratura e após algumas tentativas fracassadas, conseguiu passar.
Aos trinta anos, com suas economias mensais, adquiriu uma pequena fazenda –
através dela começaria a realizar suas promessas. Dividiu-a em cinquenta partes
iguais, com sistema de irrigação e pequenos reservatórios d’água potável e começou a
desenvolver um sistema diversificado de plantações de árvores frutíferas e silvestres –
sete árvores frutíferas de cada espécie, misturadas repetidamente com sete árvores
silvestres, com espaços umas das outras de cinco metros, até encher todas as
quarenta partes da fazenda – Flora, que se formara em Ciências Biológicas, havia
deixado a profissão de professora, que tanto louvava, pois os ganhos minguados mal
davam para sustentar-se dignamente; passou a cuidar da seleção de árvores, de
animais e de aves que ficariam em cada parte da fazenda.
Em uma parte:
- laranjeira, mangueira, jabuticabeira, mamoeiro, abacateiro, goiabeira, jambeiro,
sibipiruna, pau-brasil, abricoteiro, biribus, cambarazeiros, cambucazeiros, paimiteiros...
Noutra parte:
- laranjeira, ipês de toda espécie, quaresmeiras, framboyants, ciprestes, pereira,
maçanzeira, castanheira, figueira, caquizeiro, fruto-do-Conde...
Noutra parte:
- Coqueiro, Cajuzeiro, Jambeiro, Jabuticabeira, Café, Limoeiro, Romanzeiro,
Pinheiro, Cipreste, Eucalipto, Unha-de-vaca, Sibipiruna, Coquidas, Cuipanas...
E assim, nas quarenta partes, com diversas árvores de muitas espécies.
As demais partes, com poucas árvores gigantes e frondosas, eram destinadas às
gramíneas, às flores e às hortaliças.
Nas partes destinadas às árvores, criava-se galinhas, patos, gansos e marrecos; nas
destinadas às gramíneas, veados, bovinos, equinos, coelhos e capivaras.
As aves, insetos e alguns animais silvestres, aos poucos, completaram a fauna da
fazenda.
Nada era criado ou cultivado em exagero. O sistema deveria imitar um pouco do que
deveria ter sido na criação do mundo – tudo misturado, num único ecossistema natural.
A fazenda, após quatro anos de intenso trabalho e aplicação de recursos, foi dando os
primeiros resultados. A produção começou a ser comercializada na cidade e os
recursos reinvestidos em aquisições de novas terras e novas culturas.
Após dez anos, Inimá tinha quinhentas partes de terras, todas em produção, com as
mesmas características, tamanho e culturas. Produzia-se de tudo nelas: açúcar, mel,
arroz, feijão, hortaliças, frutas, carnes...
Aos trinta e cinco anos casou-se com uma colega de escola de sua cidade, com a qual
teve três filhos: duas meninas e um menino. Às filhas deu-lhas os nomes de Janaína e
Silvana; ao filho, Imariná. Ensinou-os a conviver com as fazendas, dar valor às plantas,
aos rios, aos animais e peixes e respeitar os ciclos naturais dos ecossistemas.
Não comentarei sobre os estudos de Imariná e ater-me-ei a uma de suas redações de
Ciências sobre as palavras de Lavoisiere: “na natureza nada se perde, tudo se
transforma...”. Imariná começou a ler a redação, chamando atenção à frase de
Lavoisiere: “Podemos notar, professora, que, realmente, na natureza nada se perde,
tudo é reciclado e aproveitado como matéria-prima em outros produtos. Posso levá-los
qualquer desses dias às fazendas de meu pai e mostrar-lhes-ei que lá tudo se
aproveita - os peixes comem as suas próprias espinhas para crescerem e as galinhas
comem seus ossos para botarem ovos mais resistentes. “
Um aluno interpelou Imanirá:
- Como pode um peixe comer de sua própria espinha e ainda crescer!?
- É força de expressão meu caro colega, retrucou Imariná..
E continuou a ler sua redação:
“As galinhas e peixes abatidos na fazenda são desossados e a carne é vendida na feira
como filé e os ossos são triturados e misturados à ração. A ração dos peixes é feita
com farinha de osso de galinha e a ração das galinhas são feitas com farinha de osso
de peixe. Ao comer a ração feita com osso da galinha o peixe estará comendo a
espinha de seu irmão transformada em osso na galinha. As cascas de maracujá damos
ao gado, às capivaras e demais mamíferos que criamos; fá-los ficar calmos e ganham
peso mais rápido. O estrume das aves e dos animais são utilizados na fertilização do
solo e ajudam na produção de frutos e verduras saudáveis. Isso é que é
aproveitamento na natureza.”
Aos cinquenta anos, Inimá começou a olhar a cidade com vontade de cumprir sua
promessa.
- Flora, será que conseguiremos isenção de imposto sobre os terrenos na cidade?
- Talvez, Inimá. Lembra-se de um precedente há alguns anos?
- Não, Flora! Qual?
- Um proprietário, ao comprometer-se a manter o florestamento de uma grande
área de sua propriedade, destinada ao laser dos moradores do bairro, ficou isento do
pagamento desse imposto.
- Ôba! Está aí a saída, pois as áreas serão abertas ao público, como se área
pública fosse. Construirei apenas um prédio pequeno no centro do terreno para servir
de sanitários e restaurante. E você, Flora, ficará, também, responsável pela
administração da praça. Empregue o José no restaurante; o Vitório na manutenção e
limpeza da praça; a Flor no trato das árvores, das plantas ornamentais, das aves e
animais silvestres e o Paiva na portaria.
- Tudo bem!
Inimá entrou com o pedido de isenção tributária na prefeitura, demonstrando o projeto
da área a ser adquirida e finalidade: área de aproximadamente dezesseis mil metros
quadrados, constituída de um quarteirão, com a finalidade de construir uma praça
destinada ao bem-estar da coletividade. Os pressupostos básicos para a isenção eram
o interesse coletivo e o precedente anteriormente citado.
A resposta veio pelo correio em duas semanas.
- Flora, consegui! Poderemos verificar os locais e levar à apreciação das
autoridades ambientais municipais, para a concessão da isenção. Vamos, ainda hoje,
começar a procurar áreas na cidade. Começaremos a procurar nos bairros mais
modestos, depois no centro, por último nos mais abastados.
- A primeira área terá o teu nome: Praça Flora.
- Coloque praça Flora Inimá.
- Está bem, Flora.
A primeira praça foi construída após muitas negociações com moradores do bairro
frutal e muito trabalho de construtores. Noventa por cento da praça era constituída por
área verde. Foram plantadas: ipês, mangueiras, jabuticabeiras, sibipirunas,
quaresmeiras, framboyants, pau-brasil, frutas-do-conde, jaqueiras, jasmins, sempre-
vivas, amores-perfeitos, roseiras, coqueiros, palmeiras, jambeiros, margaridas; e
construído um lago com carpas, marrecos, gansos e cágado. O nome da praça foi
mesmo Flora Inimá.
No dia da inauguração, a praça ficou cheia de gente – crianças, adultos, velhos - e o
restaurante ficou o dia e a noite inteira cheio de fregueses.
Um ano passou e uma pesquisa ambiental apontou o sucesso da praça. Nota dez no
capricho, na beleza das árvores, das plantas ornamentais, no sossego e pureza do ar.
É que o parque ficou isolado pelo muro de três metros contornando a praça – do lado
de fora, a cidade; do lado de dentro, a praça, os pássaros, as árvores, os micos, as
crianças, os idosos, gente de toda idade.
Aos domingos foi criado a hora dos “músicos da praça” - música popular brasileira.
Os recursos para cuidar da praça eram provenientes: da renda do restaurante; dos
ingressos dos brinquedos e de entrada para a praça – tudo a cinquenta centavos por
pessoa, independente de idade.
A Segunda praça foi construída no bairro da graça, com todas as características da
primeira; o nome dado foi Praça Inimá Verdes.
Após certo tempo, o sucesso foi tanto que Inimá ficou conhecido em toda a cidade
como Inimá Praça.
Mais tarde, Inimá tornou-se prefeito da cidade. Em seu mandato, apresentou projeto
em que exigia que todo loteamento somente fosse aprovado com a reserva de uma
praça a cada sete quarteirões – as praças deveriam ter no mínimo dezesseis mil
metros quadrados e os quarteirões nunca maiores que aquelas. Infelizmente o projeto
não foi aprovado pela Câmara, por interesse de uma e outra bancada, financiadas por
grandes e ilustres proprietários de imóveis.
Inimá não deu trégua a sua luta. Foi às ruas, fez discursos em nome da natureza, das
praças, do lazer. Em um de seus discursos mais eloquentes, Inimá tentou levar a Praça
às consciências dos cidadãos:
“ Meu povo, para que tanto cimento nas cidades? Necessitamos de mais árvores, para
que a cidade fique mais bucólica, para que as pessoas fiquem mais calmas ao ver
flores, ao ver micos, bem-te-vis, periquitos, papagaios, canários, soltos sobre as
árvores. Necessitamos de sombra e terra exposta, para que a terra absorva a água da
chuva e não seque o solo das cidades. Necessitamos de que haja mais espaço para
que as crianças convivam com a beleza dos bosques, com a beleza da vida silvestre -
uma cidade sem praças não é uma cidade para os homens viverem. É pedra sobre
pedra, que fazem as pessoas perceberem somente a matéria e esquecerem-se da
beleza da natureza. São tantos os prédios, que muitas pessoas, diariamente, deixam
até mesmo de olharem para o céu e verem o quão pequenos somos para tanta
correria, tanta luta, tanta disputa.... Precisamos fazer nossos legisladores crerem que
as praças trarão nova vida às cidades, mais sentimentos às pessoas, mais sombras na
terra e mais encanto da natureza para as cidades.
Minha gente, não deixemos uma minoria de ilustríssimos doutores do capital pensar
somente em lucros e preservação de áreas verdes somente para eles. Todos nós,
seres humanos, sem distinções de tesouros embolsados, merecemos conviver com a
natureza e ser parte dela.
Ajudem-nos a fazer desta cidade uma cidade verdadeira, com espaço para os homens,
para as plantas, para os animais, para as pequenas nascentes d’água, para os
pássaros... Até quando seremos omissos e permitiremos que as cidades cresçam
eliminando as florestas?
Muitos países desenvolvidos já cometeram tantos crimes ecológicos que não mais
possuem espaços verdes, tantos quanto os nossos. Criemos, pois, uma forte
consciência de preservação da natureza dentro de nossas cidades e ensinemos às
gentes que as cidades não podem ser somente construídas de pedra e seres humanos
e que as nossas matas e florestas devem ser distanciadas da cobiça de capitalistas
nacionais e estrangeiros, sedentos de vontade de lucrar com a sua comercialização e
destruição;
Precisamos de árvores, de tico-ticos, de beija-flores, de pássaros-pretos, de bem-te-vis,
de sabiás, de rolinhas, de papagaios, de micos pretos, dourados, brancos, marrons, de
corujas..., soltos nas árvores das cidades, das selvas, das florestas; sombras para a
terra.
Condenemos também a matança de milhares de árvores em todo o mundo, pois a
ausência delas fará a secura da terra, trará a falta d’água e o esquentamento do solo e
do ar.
Não podemos ser deuses destruidores da obra de Deus, nosso criador e de todas as
coisas terrestres. Não permitamos que destruam a vida na terra. ”
A insistência de Inimá foi seu óbito, em plena praça de sua construção; decorrente de
um tiro à queima roupa, disparado por um desconhecido.
Depois de sua morte, todos se esqueceram das praças grandes; apareceram praças
miúdas que mal dão para cinquenta pessoas e dez árvores... Tudo esquecido, surgiram
políticos criando praças minguadas por todas as cidades brasileiras, com nomes de
Praças Bernardes, Câmara, Isidoro, Mintas, Flores...