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ADALTO HERCULANO GUESSER AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS PARA O BRASIL: uma análise dos documentos do BIRD e do BID para o período de 2000-2003 Florianópolis 2003

Atualidade da Comuna de Paris: participação …geocities.ws/aguesser/publications/mosaico.pdfcaracterização fora feita pelo próprio Karl Marx, em textos reunidos em um livro intitulado

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ADALTO HERCULANO GUESSER

AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS PARA O BRASIL:uma análise dos documentos do BIRD e do BID para o período de 2000-2003

Florianópolis2003

ADALTO HERCULANO GUESSER

AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS PARA O BRASIL:uma análise dos documentos do BIRD e do BID para o período de 2000-2003

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de CiênciasSociais, do Departamento de Sociologia e Ciência Política, doCentro de Filosofia e Ciências Humanas, como exigência paraobtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais pela UniversidadeFederal de Santa Catarina, sob orientação do prof. Dr. FernandoPonte de Sousa.

Florianópolis2003

ADALTO HERCULANO GUESSER

AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS PARA O BRASIL:uma análise dos documentos do BIRD e do BID para o período de 2000-2003

O presente trabalho foi apresentado ao Curso de Ciências Sociais do Departamento deSociologia e Ciência Política, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, como requisitopara obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais. Após ser examinado por uma bancade professores deste departamento, foi considerado APROVADO, cumprindo as exigênciasnecessárias para a obtenção do grau. A banca examinadora foi composta pela profa. Dra. NiseJinkings e pelos professores Dr. Ary César Minella e Dr. Fernando Ponte de Sousa(orientador), em XX de fevereiro de 2003.

Profa. Dra. Nise Jinkings

Prof. Dr. Ary César Minella

Prof. Dr. Fernando Ponte de Sousa (orientador)

Florianópolis, XX de fevereiro de 2003.

Dedico aos meus pais...pela oportunidade da vida e pelo carinho.

AGRADECIMENTOS

Ao prof. Fernando Ponte de Sousa: pela orientação, amizade e estímulo à reflexão crítica;

A profa. Nise Jinkings e ao prof. Ary Minella: pela participação na banca examinadora e

pelas contribuições importantes na defesa do projeto;

Ao amigo Ricardo: pelo companheirismo, pela força e pela ajuda durante toda a graduação;

Aos colegas do LASTRO: pelas oportunidades das discussões realizadas neste núcleo de

pesquisa, sem as quais minha formação não seria a mesma, em especial a Liamara, Elisa,

Sirlei, Juliana, Eliane, Ana Paula, Valcionir, João, Rafael, Linoberg; Adir, prof. Paulinho

Tumolo, Ricardo Velho e Guilhermo.

A Rede Brasil: pela confiança e pela concessão do direito de uso dos documentos traduzidos;

Aos meus familiares (pais, irmãos, sobrinhos, cunhados(a): por acreditarem e apoiarem,

mesmo diante de tantas dificuldades;

Aos professores do Curso de Ciências Sociais: pelo que me propiciaram a aprender durante

a graduação, em especial as profas. Luzinete Minella e Janice Sousa, pela amizade e pela

força nos momentos difíceis, a profa. Mirian Grossi, pela contribuição na disciplina de

metodologia e ao prof. Remy Fontana, pelo seu exemplo de simplicidade e decência.

A coordenação do Curso (na pessoa da profa. Ligia Luchmamm): pela confiança em ter me

permitido realizar o TCC (oitavo) e o sétimo semestre juntos, e pela atenção e dedicação;

Aos colegas/amigos da turma SPO 99.2: pelos momentos de estudo produtivo, de

companheirismo e de lazer que sempre existiram. Em especial os mais próximos, Karla,

Raquel, Junara, Júlia, Camila, Carol, Diana, Sirlei, Lidiane, Ivandro, Crespo, Germano,

Ribeiro, Elflay e Roberto.

Aos colegas de outras fases e cursos: igualmente importantes para minha formação;

Aos amigos do grupo de estudo para o mestrado: porque sem eles eu não teria conseguido

ser aprovado, obrigado de coração a Ana Júlia, Mauro, André, Gabriel, Emerson, Viviane,

Silvana e Valdete.

As amigas da secretaria do curso e da secretaria do PPGSP: pela paciência e pela dedicação

dispensada, em especial a Lourdes, Alaide, Albertina e Fátima.

De quem é o poder?Cazuza/ George Israel/ Nilo Romero

De quem é?De quem é?

De quem é o poder?Quem manda na minha vida?

De quem é?De quem é?

Uns dizem que ele é de DeusOutros, do guarda da esquina

Uns dizem que é do presidenteOutros, quem vem lá de cima

De quem é?De quem é?

Quem inventou essa tara?Uns dizem que ele é do povo

E saem pra trabalharOutros, que é dos muito loucosQue não têm contas a prestarMe dê poder e eu te mostroO mais inteiro dos sonhosPorque as verdades da vidaSão sempre ditas na camaÉ do ativo ou do passivo?

De quem é?De quem é?

Às vezes você me dominaPensando que eu sou teu dono

Às vezes você me dá nojoSeguindo feliz o rebanhoOnde vai dar tudo isso?

Prender alguém ou ser presoQuem é o mais infeliz?

Eu, dando ordem o dia inteiro?E você, que nem sabe o que diz?

Me dê poder e eu te mostroO mais inteiro dos sonhosPorque as verdades da vidaSão sempre ditas na cama

RESUMO

O presente trabalho constitui-se de uma análise documental dos principais documentos deestratégia de atuação dos bancos multilaterais, a Estratégia de Assistência ao País,amplamente conhecida pela sua sigla em inglês CAS (Country Assistance Strategy) e oDocumento de País, conhecido pela sua sigla em inglês CP (Country Paper), emitidos peloBanco Mundial (BIRD) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),respectivamente. Os documentos descrevem as estratégias de cada banco para os empréstimosque serão concedidos ao país em cada área (agricultura, infra-estrutura, reforma agrária, meioambiente, saúde, educação, etc.), contendo também os planos para cada tipo de operação deempréstimo e um aporte técnico de estratégias a serem implementadas (reformas econômicase ajustes). O objetivo do trabalho é avaliar em que medida as estratégias de atuação,preparadas pelos bancos multilaterais influenciaram ou determinaram a implementação depolíticas no país durante o seu período de vigência, qual seja 2000 a 2003.

Pavras-Chave: Estratégia de Assitência ao País (CAS), Documento de País (CP), BancoMundial (BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Globalização Financeira,Neoliberalismo, Desenvolvimento, Políticas Sociais, Macroeconomia, Reformas.

ABSTRACT

Xxxxxxxxx

Keywords :

LISTA DE SIGLAS

BM – Banco MultilateralBID – Banco Interamericano de DesenvolvimentoBIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial)BNDES – Banco Nacional de DesenvolvimentoCAS – Country Assistance Strategy (Estratégia de Assistência ao País do BancoMundial)CFH – Centro de Filosofia e Ciências HumanasCFI – Corporação Financeira InternacionalCNA – Confederação Nacional da AgriculturaCP – Country Paper (Documento de País do BID)DOU – Diário Oficial da UniãoFASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e EducacionalFGV – Fundação Getúlio VargasFHC – Fernando Henrique CardosoFMI – Fundo Monetário InternacionalFumin - Fundo Multilateral de InvestimentosIBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e EconômicasIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIDH – Indicador de Desenvolvimento HumanoIFM – Instituição Financeira MultilateralINESC – Instituto de Estudos Sócio EconômicosMAB – Movimento Nacional dos Atingidos por BarragensMEC – Ministério da Educação e CulturaMDA – Ministério do Desenvolvimento AgrárioMPO – Ministério do Planejamento, Orçamento e GestãoMS – Ministério da SaúdeMST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem TerraOCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento EconômicoOIT – Organização Internacional do TrabalhoOMC – Organização Mundial do ComércioONG – Organização não-governamentalONU – Organização das Nações UnidasOSC – Organização da sociedade civilPIB – Produto Interno BrutoPEM – Pequenas e Médias EmpresasPT – Partido dos TrabalhadoresPSDB – Partido da Social Democracia BrasileiraSEAIN – Secretaria de Assuntos InternacionaisRede Brasil – Rede Brasil sobre Instituições Financeiras MultilateraisRJU – Regime Jurídico ÚnicoRGPS – Regime Geral da Previdência SocialUFSC – Universidade Federal de Santa CatarinaUSP – Universidade de São PauloUNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................12

2. AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS (IFMS)................................................16

2.1. IFM S: O QUE SÃO E QUEM SÃO? .............................................................................................................16

2.2. A CRIAÇÃO DO BIRD...............................................................................................................................17

2.3. MEMBROS DO BANCO MUNDIAL............................................................................................................19

2.4. A CRIAÇÃO DO BID..................................................................................................................................21

2.5. OS PAÍSES MEMBROS DO BID..................................................................................................................23

2.6. OS ATORES ENVOLVIDOS.........................................................................................................................24

2.6.1. Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) .............................................................24

2.6.2. O governo brasileiro (Executivo)................................................................................................26

2.6.3. O Parlamento brasileiro (Legislativo).......................................................................................27

2.6.4. A sociedade civil brasileira (OSC) .............................................................................................28

2.6.5. A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais...................................................30

2.7. A CAS E O CP...........................................................................................................................................30

3. GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA, HEGEMONIA E IMPÉRIO ..................................................32

3.1. O DINHEIRO E AS MOEDAS.......................................................................................................................32

3.2. A HISTÓRIA DAS MOEDAS........................................................................................................................34

3.3. OS BANCOS E AS NOTAS BANCÁRIAS.....................................................................................................37

3.4. O IMPERIALISMO E A FORMAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO.............................39

3.5 A S PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO IMPERIALISMO ..........................................................................40

3.6. O SETOR BANCÁRIO E A CONCENTRAÇÃO DE CAPITAL .......................................................................41

3.7. OS MONOPÓLIOS INTERNACIONAIS E A DIVISÃO DO MUNDO ..............................................................44

3.8. HEGEMONIA E IMPÉRIO ...........................................................................................................................45

3.9. O PADRÃO OURO......................................................................................................................................50

3.10. BRETTON WOODS E O PADRÃO DÓLAR ...............................................................................................53

3.11. A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA............................................................................................................55

3.12. A IDEOLOGIA NEOLIBERAL ...................................................................................................................59

3.13. O BRASIL NO CENÁRIO NEOLIBERAL DE GLOBALIZAÇÃO ................................................................62

3.14. O BRASIL E AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS........................................................65

4. AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS DE DESENVOLVIMENTO (BMDS)PARA O BRASIL..................................................................................................................................................68

4.1. A IMPORTÂNCIA DO BIRD E DO BID PARA O BRASIL ........................................................................68

4.2. UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS...........................................................................................................70

4.2.1 Desafios ao desenvolvimento do Brasil segundo a CAS e o CP .............................................72

4.2.2. A análise da “macroeconomia” brasileira na CAS e no CP .................................................73

4.2.3. A necessidade e a contradição do ajuste fiscal.........................................................................74

4.3. A S PROPOSTAS DE REFORMAS.................................................................................................................76

4.3.1. Reforma do mercado de trabalho................................................................................................78

4.3.2. Reformas da seguridade social....................................................................................................79

4.3.3. Reforma fiscal .................................................................................................................................81

4.3.4. Reforma administrativa.................................................................................................................82

4.4. OS PROJETOS APROVADOS PARA O PERÍODO 2000-2003.....................................................................83

4.5. UMA ANÁLISE GLOBAL SOBRE A CAS E O CP......................................................................................87

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................92

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................................96

ANEXOS...............................................................................................................................................................99

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - CLASSIFICAÇÃO DE PAÍSES POR QUANTIDADE DE VOTOS NO BIRD, DEZEMBRO 2002.............................20

TABELA 2 – DÍVIDA PÚBLICA INTERNA E ENCARGOS, EM MILHÃO DE REAIS (R$)..........................................................63

TABELA 3 – MOVIMENTAÇÃO DO BRASIL COM O BIRD E O BID NOS ÚLTIMOS TREZE ANOS, EM MILHÃO DE

DÓLARES (US$). .............................................................................................................................................................68

TABELA 4 – TOTAL DE CRÉDITOS FINANCIADOS PELOS BMDS EM 2002. ........................................................................69

TABELA 5 – OPERAÇÕES DO BID POR LINHA DE CRÉDITO, EM 2000................................................................................84

TABELA 6 – DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA POPULAÇÃO POBRE NO BRASIL, 1998......................................................89

TABELA 7– DISTRIBUIÇÃO URBANA/RURAL DA POPULAÇÃO POBRE NO BRASIL, 1998.................................................90

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é estudar as políticas das instituições financeiras

multilateriais (IFMs) para o Brasil a partir da análise das estratégias dos bancos

multilaterais de desenvolvimento (BMDs) para o financiamento de projetos, estabelecidas

para o período de 2000-2003 com o governo brasileiro, verificando as consonâncias e

divergências entre as duas partes.

Nossa proposta consistiu em apresentar uma reflexão sobre a questão do

endividamento externo brasileiro e suas conseqüências para o país. O processo de

endividamento brasileiro se deu por intermédio de diversos agentes financeiros. Dentre

estes estão órgãos governamentais de países desenvolvidos, instituições financeiras

privadas e das IFMs. Nosso primeiro recorte deu-se pelo endividamento específico gerado

por empréstimos e financiamentos de projetos com fundos das IFMs. No entanto, são

inúmeras as IFMs que operam no mercado, com características e objetivos muito diferentes

umas das outras. Nosso interesse foi por aquelas que operam como bancos de

desenvolvimento (BMDs) e que possuem características mais similares, ao menos em seus

convênios constitutivos.

No caso brasileiro, o volume mais vultuoso de recursos foram sempre recebidos

dos dois principais bancos multilaterais presentes no continente, o BID e o BIRD, nos

quais o Brasil participa como acionista em maior ou menor grau dependendo do banco. O

conjunto de relações que o país estabelece com tais entidades vai além do acordo comercial

de empréstimo de dinheiro. O Brasil, além de cliente tomador de empréstimos, é também

sócio proprietário, obrigando-se a outras relações administrativas e creditícias, que não nos

interessarão neste trabalho. Nosso foco consiste em estudar a relação existente nos casos de

empréstimos de recursos ou financiamento de projetos dos bancos para o Brasil e as

conseqüências daí advindas.

13

De fato, os reflexos das operações com os BMDs são bastante visíveis, percebe-se

a influência de cada operação financeira no resultado do balanço das contas. O custo do

endividamento aumenta a cada novo empréstimo e as condições sócio-econômicas do

Brasil quase não sofrem alterações consideráveis. Por outro lado, a linguagem

desenvolvida por tais agentes é composta por um tecnicismo tão acurado, que pouco se

pode compreender do processo analisando apenas a matemática das operações,

impossibilitando a sociedade civil de interpretá-la integralmente. De nossa parte,

entendemos que não basta acusar as IFMs pelas crescentes ondas de privatizações ou pelo

aumento da pobreza nos países do sul. É necessário, antes de tudo, apontar de que maneira

estas tendências mundiais se implementam no cotidiano das políticas de governo. Qual a

relação que o governo possui com tais instituições e em que medida elas interferem ou

influenciam as ações e orientações políticas e em qual âmbito se opera o processo

decisório.

A relevância do tema para a compreensão da conjuntura sócio-econômica

brasileira é o componente central que nos motiva a empreender este trabalho, pois, apesar

da grande importância da temática, constatamos uma carência de estudos acadêmicos com

relação às IFMs e sua relação com o governo brasileiro. Devido ao grande número de

conseqüências oriundas deste tipo de transação, argüimos que nossa contribuição poderá

ser um importantante instrumento de análise e compreensão da estrutura macroeconômica

brasileira, servindo como base para diversos setores da sociedade civil e para o meio

acadêmico nos campos da sociologia, economia e ciência política.

Para atingir o desiderato principal perseguiremos outros objetivos mais

específicos que nortearão nosso trabalho, são eles: verificar qual o discurso dos BMDs

sobre o Brasil, identificando que tipo de interesses tais organismos possuem com relação

ao país ao desenvolverem suas operações de crédito e financiamento; verificar se existe

relação entre as políticas do governo brasileiro e as estratégias de atuação dos BMDs no

país, e em que medida são influenciadas pela assessoria técnica ou por imposições dos

BMDs; analisar o cenário construído com as políticas econômicas e sociais no governo

brasileiro de Fernando Henrique Cardoso e apontar aquelas que sofreram influência seja

por orientação direta dos BMDs, seja em conseqüência de suas condicionalidades; e

estudar os efeitos dos compromissos das autoridades brasileiras no processo de

14

endividamento junto aos BMDs e as conseqüências sociais advindas deste tipo de

transação.

Para o desenvolvimento deste trabalho, realizamos uma análise bibliográfica e

documental sobre a temática proposta, servindo-nos de material publicado e

principalmente dos documentos oficiais preparados e emitidos pelas IFMs. Buscamos nas

bibliografias disponíveis dar conta da complexidade do tema identificando ou construindo

os principais conceitos utilizados.

Como orientação epistemológica partimos de uma perspectiva histórica, num

processo sistêmico e dialético com vistas a compreender os interesses políticos e as

conflitualidades presentes nas políticas que orientam as estratégias destes organismos. Para

tanto, fizemos uma revisão teórica das principais categorias de análise que formaram a

base para nossa compreensão da realidade observada e apreendida pela pesquisa. São

categorias fundantes que revimos e estudamos: imperialismo, mundialização, dependência,

financiamento, endividamento, sistema financeiro e monetário, globalização e

neoliberalismo.

O trabalho está organizado da seguinte maneira, neste primeiro é apresentado um

panorama geral sobre todo o trabalho, seus objetivos e a forma como se procedeu a

pesquisa, metodologia empregada e o referencial epistemológico. No segundo capítulo

iniciamos uma revisão bibliográfica sobre a temática proposta. Através de uma revisão

histórico conjuntural do momento em que se instituiu cada uma das IFMs verificamos

quais foram as motivações que deram origem a criação dos BMDs, e acompanhamos a sua

evolução de modo a perceber como se orientam atualmente, quais são os seus objetivos e

interesses ao coordenar suas atividades financeiras. No terceiro capítulo continuamos a

revisão bibliográfica, desta vez mais centrada na fundamentação teórica que balizou e

sustentou as nossas análises futuras. Procuramos rever os antecedentes do sistema

financeiro mundial, percorrendo a trajetória histórica, desde a da criação da moeda até a

formação dos sistemas monetários internacionais. Realizamos também uma incursão no

sistema capitalista contemporâneo, voltando alguns séculos, partindo da fase da

mundialização imperialista, e acompanhamos o seu desenvolvimento até os dias de hoje,

terminando com a fase da globalização financeira. No quarto capítulo realizamos uma

15

análise documental, estudando os dois principais documentos da nossa pesquisa, que são o

CP (Country Paper – Documento de País) e a CAS (Country Assistence Strategy –

Estratégia de Assistência ao País), do BID e do BIRD, respectivamente. Estes documentos

são compostos por um grande estudo e exprimem a visão que cada IFM possui do país.

Também analisamos alguns documentos preparados pelo governo brasileiro, detendo-nos

apenas naqueles oficiais emitidos pelo poder executivo, através do Itamarati, dos

Ministérios (principalmente do Ministério da Fazenda e do Desenvolvimento) e do Banco

Central do Brasil. No último capítulo são descritas algumas algumas considerações finais

relacionando o conteúdo do material analisado com a revisão teórica estudada. Este

capítulo contém, de maneira resumida, todo o esforço de análise empreendido no capítulo

anterior.

Por fim, queremos antecipar que este trabalho não buscou apresentar

exaustivamente todas as relações possíveis e existentes entre as estratégias de atuação dos

BMDs para o período proposto e as políticas do governo FHC. Foi apenas uma pequena

tentativa de destacar algumas das principais políticas estratégicas apresentadas nos

documentos.

2. AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS (IFMs)

2.1. IFMs: o que são e quem são?

As IFMs são conhecidas atualmente como grandes instituições financeiras,

constituídas mediante a associação de governos nacionais, voltadas para o financiamento

de políticas e projetos de desenvolvimento nos países membros. “As IFMs, apareceram e

se multiplicaram extraordinariamente após a Segunda Guerra Mundial” (DIAMOND,

1961, pg. 28).

Existem diversas entidades “multilaterais”, como a Organização Mundial do

Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU), etc. São multilaterais porque

são organizações coletivas que atendem a interesses de mais de dois (bilaterais) associados.

No caso da ONU são 189 Estados associados1, com direito a voz e voto (proporcional à

quantidade de quotas) nas assembléias decisórias. Da OMC participam 144 países2. Porém,

o caráter de cada entidade varia de acordo com a finalidade para as quais foram criadas. No

caso das IFMs, são, como o próprio nome diz, entidades financeiras, que operam com

capital monetário de caráter bancário.

Na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas de Bretton Woods,

realizada em New Hampshire, EUA, foram criadas duas das mais importantes IFMs, que

são o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD), como

mecanismos de cooperação internacional intergovernamental para a reforma do sistema

econômico-financeiro global, cujo colapso era identificado com a Grande Depressão e os

efeitos da Segunda Guerra Mundial. Os objetivos primordiais estabelecidos para o Banco

Mundial, segundo seu Convênio Constitutivo (Articles of Agreement), estavam

1 Fonte: Site Oficial da ONU – Página: Centro de informações das Nações Unidas (Versão em espanhol),disponível em http://www.onu.org/NU/miembros.htm, acessado em 28/08/2002.2 Fonte: Site Oficial da Organização Mundial do Comércio – (Versão em espanhol) – Página: La OMC –Ficha Descriptiva, disponível em http://www.wto.org/spanish/thewto_s/thewto_s.htm, acessado em28/08/2002

17

relacionados com o auxílio à reconstrução e desenvolvimento dos países membros, à

promoção do crescimento equilibrado a longo prazo do comércio internacional e à

manutenção do equilíbrio da balança de pagamentos.

Tais instituições nasceram como forma de efetivar um novo modelo monetário

internacional, de acordo com necessidades específicas de uma época histórica de crises e

mudanças no cenário internacional. Não nasceram apenas da boa intenção dos países ricos

em ajudar os países mais pobres ou em dificuldades por causa das conseqüências da

guerra. Foi mais a necessidade histórica de reorganizar as estruturas de poder hegemônico,

com bases na economia internacional, que o desejo de desenvolvimento equilibrado que

impulsionou a criação das IFMs. Sobre este tema, retornaremos mais detidamente no

próximo capítulo deste trabalho.

Inicialmente, a filiação dos governos ao Banco Mundial foi condicionada à

filiação ao FMI, no entanto o Banco Mundial diferenciou-se originalmente do FMI pela

natureza e pelos objetivos de suas operações. “O FMI foi criado como um fundo

internacional voltado especificamente à estabilização monetária, para manter a

ordenação de pagamentos entre todos os países e emprestar a membros em situação de

déficit substancial de balanços de pagamentos” (BARROS, 200, pg. 35). O Banco

Mundial prevê o auxílio para o desenvolvimento econômico e social dos países membros.

Destina-se a financiar projetos específicos na promoção de atividades que visem o

desenvolvimento sustentável e progressivo dos países associados, nas áreas de agricultura,

saúde, educação, saneamento básico, ecologia, ciência e tecnologia, etc.

2.2. A Criação do BIRD

O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também

conhecido como Banco Mundial, foi criado no dia 1° de julho de 1944, durante a

Conferência Monetária organizada pela ONU , em Bretton Woods, nos Estados Unidos. As

motivações que determinaram a criação do banco, segundo a versão oficial, foram

primordialmente duas: a) financiar a reconstrução dos países destruídos pela Segunda

18

Guerra Mundial; e b) financiar o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos ou em vias

de desenvolvimento.

A criação do BIRD não se deu ao acaso, foi um projeto elaborado criteriosamente

e maturado, principalmente pelos Estados Unidos e pelos países preocupados com os

destinos da economia mundial no pós-guerra. Segundo Paul Kouamé (1974), os

especialistas das nações aliadas aos Estados Unidos começaram a se preocupar com os

problemas econômicos em conseqüência da crise e perceberam que precisavam criar

alternativas rápidas e em diversos sentidos, de modo a evitar um colapso mundial.

Deram-se conta que não somente seria necessário realizar a tarefa de socorroimediato e de reconstrução material das economias destruídas pela guerra, comotambém da necessidade de promover a expansão, mediante medidas nacionais einternacionais apropriadas, da produção e do emprego. Os especialistasconstataram também a necessidade de resolver os problemas de intercâmbio e deconsumo que são as bases materiais da liberdade e do bem-estar de todos ospovos (KOUAMÉ, pg. 30).

Em meados de 1944, após demoradas deliberações entre Estados Unidos e

Inglaterra e de consultas a outros países, foram apresentadas propostas para criação de duas

novas organizações. Convocaram uma reunião, chamada de Conferência Monetária e

Financeira das Nações Unidas, em Bretton Woods, EUA. Participaram representantes de

44 nações. Após três semanas os projetos dos estatutos do FMI e do BIRD estavam prontos

e foram submetidos à aprovação dos governos participantes da conferência3. Em 25 de

junho de 1946, menos de um ano após a primeira conferência, o Banco Mundial iniciou

suas atividades e procedeu o requerimento do pagamento do capital dos países membros.

O montante da subscrição de um país que solicita seu ingresso é determinado nabase de sua situação econômica e financeira e é função da sua participação ouquota no FMI. Do valor da sua subscrição, o país membro paga 10% sendo 1%em ouro ou dólares dos Estados Unidos da América e 9% em sua moedanacional. O valor depositado em moeda nacional só pode ser emprestado com oconsentimento do país membro interessado. Os 90% restantes da subscrição nãosão pagos. Porém estão sujeitos a uma chamada quando forem necessários parafazer frente a obrigações decorrentes das atividades creditícias do banco”(KOUAMÉ, pg. 31).

3 Um estudo mais atento das motivações históricas que determinaram a Conferência de Brettom Woods, seráapresentada no próximo capítulo.

19

O primeiro empréstimo do banco, no valor de US$ 250 milhão, foi feito à França,

em 1947, para reconstrução do país destruído pela guerra4. O Brasil foi o 32° país a assinar

os artigos de entendimento do Banco Mundial no dia 14 de janeiro de 1946. No dia 27 de

maio daquele mesmo ano, o presidente Eurico Gaspar Dutra promulga a convenção sobre o

BIRD, oficializando a participação do Brasil no Banco. O primeiro empréstimo para o

Brasil deu-se menos de três anos após, em 27 de janeiro de 1949, o governo recebeu US$

75 milhão para investimentos em projetos de energia e telefones. De lá para cá, o BIRD já

financiou mais de 380 operações de crédito, que juntas somam aproximadamente US$ 33

bilhão, enquadrando-se como o segundo país que mais recebeu recursos do BIRD, ficando

atrás apenas do México5.

O Banco Mundial cresceu e hoje é constituído por cinco organizações além do

Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Compõe o grupo a

Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira

Internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o

Centro Internacional para Acerto de Disputas de Investimentos (CIADI).

2.3. Membros do Banco Mundial6

Somente podem fazer parte do Banco Mundial, segundo seu Convênio

Constitutivo, países independentes e membros do FMI. Por outro lado, para fazer parte do

FMI não há necessidade de ser sócio-membro do Banco Mundial. Neste caso, um país que

resolver dissociar-se do Banco Mundial poderá continuar associado ao FMI e a outras

instituições multilaterais do grupo. Atualmente, fazem parte do Grupo Banco Mundial 184

países dos cinco continentes do globo, apenas cinco países associados à ONU não compõe

a lista dos membros do BIRD, dentre eles apenas Cuba no continente Americano.

4 Fonte: Site Oficial do Banco Mundial – (Versão para o Brasil) – Página: O Banco Mundial, disponível emhttp://www.worldbank.org, acessado em 06/01/2003.5 Ibidem - Página: Atuação no Brasil.6 A fonte dos dados aqui apresentados foram extraídos do Convênio Constitutivo do BIRD, com as últimasmodificações de 16 de fevereiro de 1989 (ainda em vigor), no Site Oficial do Banco Mundial (versão emespanhol) – Página: Convênios Constitutivos, disponível em http://www.worldbank.org.

20

Os países membros estão representados nos três órgãos que assumem a conduta

das atividades do Banco Mundial: a Junta dos Governadores, a Direção Executiva e a

Presidência das Juntas de Diretores e das instituições filiadas. Junto com o presidente do

Banco Mundial, que também é o presidente da diretoria, os diretores executivos são

responsáveis pela condução geral das operações do banco e desempenham suas funções em

virtude das faculdades delegadas pela Junta dos Governadores. Conforme as disposições

do Convênio Constitutivo do banco, cinco dos vinte e quatro diretores executivos são

nomeados pelos países membros que detém o maior número de ações7, os outros 19

diretores são eleitos pelos governadores dos demais países que participam em grupos de

países representados por um diretor eleito por eles. O mandato da diretoria é de dois anos e

cada país eleito designa os seus próprios suplentes. Uma maioria de diretores executivos

representando pelo menos a metade da totalidade dos direitos de votos constitui o quorum.

Cada diretor designado emite o número de votos a que têm direito o país que o indicou, e

cada diretor eleito emite o número total de votos dos membros que o elegeram.

Tabela 1 - Classificação de países por quantidade de votos no BIRD, dezembro 2002

País (%) dos votosEUA 16,40Japão 7,87

Alemanha 4,49França e Inglaterra 4,31*

Arábia Saudita, Canadá,China, Itália, Índia e Rússia 2,79*

Holanda 2,21Brasil 1,63

*correspondente a cada paísFonte: http://www.worldbank.org

O valor do voto corresponde a quantidade de ações que cada país possui do banco.

Atualmente o Brasil possui 33,537 votos, correspondendo a 1,63 % do total, ocupando o

décimo quinto lugar na classificação noBoard8 do BIRD (ver tabela 1). Em geral, o

representante brasileiro junto ao BIRD é o Ministro da Fazenda, cargo que também já foi

ocupado pelo presidente do Banco Central. O grupo ao qual o Brasil faz parte é o Grupo

7 Atualmente os cinco países que detém o maior número de ações do Grupo Banco Mundial são os EstadosUnidos, a Alemanha, a França, o Japão e a Inglaterra.8 noBoard é a classificação dos países pela quantidade de quotas de ações que detém.

21

Nº. 109 e corresponde à somatória de 3,61% dos votos totais, pela soma das quotas dos

países que dele participam.

2.4. A criação do BID

A criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) transformou em

realidade uma antiga aspiração dos países latino-americanos. Contar com um dispositivo

financeiro de caráter regional, em cuja gestão tivessem participação efetiva. Ao analisar a

própria significação do ponto de vista da perspectiva atual, o BID emerge como

instrumento principal de auto-afirmação regional latino-americana, assim no campo

econômico, como no campo financeiro. Longe de atenuar as suas características regionais,

a associação dos Estados Unidos com o BID contribui para lhe conferir a dimensão

multilateral. O amplo processo de gestão do BID põe em relevo os esforços realizados para

conciliar nele as características latino-americanas e a incorporação plena ao sistema

interamericano. Felipe Herrera (1971), ao fazer suas reflexões sobre os dez anos do BID,

na época, em um texto publicado pela Fundação Getúlio Vargas, escreve “Regionalismo e

multilateralidade definem, consequentemente, o caráter e a essência do novo organismo e

são os dois pólos em torno dos quais se articulam as ações do BID” (apud CALVO, 1971,

pg. XXIV).

O convênio constitutivo do BID firmou-se “ad referendum” no dia 8 de abril de

1959, no dia 30 de dezembro daquele ano, entrou em vigor com a ratificação dos países

membros da América Latina e Caribe e a adesão dos Estados Unidos da América. Fundado

por iniciativa dos próprios países da América Latina, o BID é a maior e mais antiga

instituição de desenvolvimento regional. O Banco foi a primeira instituição regional criada

com suas próprias políticas e instrumentos para apoiar o desenvolvimento econômico-

social do continente.

9 Compõem o grupo N° 10, nove países, o Brasil, a Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti,Panamá, Filipinas, Suriname e Trindade & Tobago

22

Desde então, tornou-se o modelo de instituições semelhantes que se

desenvolveram em outras partes do mundo. O Banco tem sido pioneiro no apoio a

programas sociais, no desenvolvimento de política econômica, social, educacional e de

saúde, na promoção da integração regional e no apoio direto ao setor privado, incluindo as

microempresas. Hoje o BID é a principal fonte de financiamento multilateral para projetos

de desenvolvimento econômico, social e institucional na América Latina e no Caribe.

Contam entre eles programas de reforma setorial e de política e apoio ao investimento

público e privado10.

Os antecedentes à criação do BID foram concomitantes a criação da antiga União

Pan-americana.

A união Pan-americana foi a entidade primigênia do atual sistemainteramericano. (...) Na primeira conferência internacional Americana (1889-1890) formulou-se uma proposição para o estabelecimento de um mecanismobancário de caráter privado, destinado a facilitar o comércio entre os paísesmembros da União Pan-americana, mediante o estabelecimento de sucursais emcada um deles (HERRERA apud CALVO, 1971, pg. XXVII).

A idéia foi maturada durante alguns anos, até que após 1939 a idéia ganhou nova

força despertando o interesse de países como os Estados Unidos. O advento do Plano

Marshall, em 1947, gerou grandes expectativas na América Latina. Em alguns setores,

alimentou-se a esperança de que os EUA, inspirados pelo programa anunciado para a

Europa, logo iniciariam a canalização de recursos importantes para o desenvolvimento da

região. Como esta expectativa não se confirmou, os países latino-americanos começaram a

fermentar a idéia de criar eles próprios o seu instrumento de fomento para o

desenvolvimento regional.

Hoje o BID cresceu e novas instituições foram criadas. O Grupo BID compreende

o Banco Interamericano de Desenvolvimento e duas outras entidades: a Corporação

Interamericana de Investimentos (CII) e o Fundo Multilateral de Investimentos (Fumin).

10 Fonte: Site Oficial do BID – (Versão para o Brasil) – Página: Informações básicas sobre o BID, disponívelem http://www.iadb.org, acessado em 04/09/2002.

23

2.5. Os países membros do BID

Atualmente o BID pertence a 46 países: 26 mutuários da América Latina e do

Caribe e 20 não mutuários, entre eles os Estados Unidos, Japão e 16 países europeus e

Israel. O poder de voto de cada país membro na Assembléia de Governadores e na

Diretoria Executiva do BID depende da sua subscrição de capital no Banco. A divisão

aproximada de subscrições é a seguinte: América Latina e Caribe, 50%; Estados Unidos,

30%; Japão, 5%; Canadá, 4%; outros países não mutuários, 11%. O convênio constitutivo

do Banco assegura a posição de acionista majoritário aos países membros mutuários como

grupo11. O Presidente do Banco, que é eleito pela Assembléia de Governadores para um

mandato de cinco anos, conduz as atividades diárias da instituição, juntamente com o Vice-

Presidente Executivo. Por tradição, o Presidente é latino-americano e o Vice-Presidente é

dos Estados Unidos. As reuniões da Diretoria Executiva são conduzidas pelo Presidente,

que também possui o direito ao Voto de Minerva (voto decisório e de desempate). O Banco

também tem um Vice-Presidente para o planejamento e a administração que responde ao

Vice-Presidente Executivo 12.

A Diretoria Executiva do BID, composta por 14 membros eleitos ou designados

pelos Governadores do Banco para mandatos de três anos, é responsável pelas operações

da instituição. A Diretoria conta também com 14 Suplentes com plenos poderes para atuar

na ausência dos titulares. Os Diretores Executivos pelos Estados Unidos e Canadá

representam seus próprios países, mas todos os outros representam grupos de países. A

Diretoria estabelece as políticas operacionais da instituição, aprova projetos propostos pelo

Presidente do Banco, fixa taxas de juros dos empréstimos, autoriza captações de recursos

em mercados de capital e aprova o orçamento administrativo da instituição13.

11 Ibidem, Página: Poder de voto, acessado em 04/09/2002.12 Ibidem, Página: Presidente e vice-presidente executivo, acessado em 04/09/2002.13 Ibidem, Página: Diretoria Executiva, acessado em 04/09/2002.

24

2.6. Os atores envolvidos

A questão da participação em projetos financiados por bancos multilaterais de

desenvolvimento (BMDs) no Brasil é uma preocupação antiga, que vem sendo

amadurecida e melhor articulada a partir dos últimos sete anos. A complexidade do tema,

causada, entre outros fatores, pela amplitude do conjunto de atores envolvidos, dificulta

uma análise mais generalizante. O conjunto de atores envolvidos se configura como um

prisma multifacetado, onde cada face desempenha um papel estratégico e fundamental nas

transações que nos propomos a estudar. Em um dos lados do prisma está o governo,

representado por suas três esferas, federal, estadual e municipal e seus três poderes

distintos, executivo, legislativo e judiciário. Cada qual com especificidades e orientações

políticas e ideológicas próprias e nem sempre consensuais. Para falar da posição do

governo é necessário, portanto, falar de um determinado tipo de governo, dependendo do

projeto que se analisa e das competências que cada um possui. Em outras faces estão os

trabalhadores, representados pelos seus sindicatos e suas centrais sindicais. Encontramos

também a sociedade civil, representada pelas ONGs, pelas entidades ambientalistas e pelos

movimentos sociais organizados. Existem faces preenchidas pelo setor privado, composto

pelo empresariado, pelos comerciantes, pelos bancos privados, etc e também aquelas faces

preenchidas pelos próprios BMDs. Como podemos perceber, é um prisma que reflete

interesses e motivações muitas vezes contraditórias e conflitantes. As alianças que se

conformam ao longo desse jogo de relações não são, nem poderiam ser, lineares e

automáticas. Vejamos abaixo um pequeno resumo dos principais atores envolvidos na

temática e de seus papéis nesta complexa trama de relações, que teremos em conta ao

desenvolver a proposta deste trabalho.

2.6.1. Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs)

Ao fazer uma breve retrospectiva dos últimos 50 anos de atuação dos BMDs no

Brasil, podemos verificar que a relação entre o governo e tais instituições foi marcada por

25

momentos de cooperação e de conflito14. Uma rápida análise mostra que “discordâncias em

torno da orientação política do governo, seja em termos ideológicos ou de política

econômica, motivaram por diversas vezes a redução ou a total paralisação de

empréstimos ao país” (SOARES, 1996, pg. 38). Nos primeiros anos da década de 80, com

a emergência da crise da dívida e, mais recentemente, com a implementação das políticas

de ajuste neoliberal, os BMDs passaram a exercer um papel de destaque na definição dos

rumos da política macroeconômica interna. Verifica-se neste período, ainda segundo

estudos de Leroy e Soares (1998), que essa influência foi caracterizada, em diversos

momentos, por acentuada pressão, sobretudo em função de sérias discordâncias entre o

BIRD e o governo brasileiro sobre o tipo de política econômica adotada. “As discordâncias

motivaram o decréscimo do fluxo de recursos para o país e a queda da participação

relativa do Brasil nos financiamentos” (Op. cit., pg. 14). Recentemente, esse cenário foi

revertido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso15, com a adoção das principais

orientações de ajuste.

Portanto, é importante ressaltar que os BMDs, em especial o BIRD desempenham

um papel político indiscutível na sociedade brasileira (bem como em outros países

periféricos), que vai além daquele de simples financiadores. As orientações

macroeconômicas defendidas pelos BMDs refletem os interesses de suas políticas

vinculadas aos grandes capitais internacionais e poderes hegemônicos da economia

internacional.

Com relação a questão da participação, cabe evidenciar que os BMDs tem sofrido

forte pressão de diversos setores, principalmente dos movimentos ambientalistas

internacionais e de diversas articulações da sociedade civil mundial. Em grande medida,

devido as crescentes evidências dos efeitos ambientais e sociais perversos das políticas e

projetos financiados pelos BMDs, bem como a constatação do alto percentual de fracasso

nas operações de empréstimos efetuadas, motivaram pressões para a definição de diretrizes

14 Uma análise detalhada da relação do governo com o BIRD pode ser encontrada em Soares (1996).15 Primeiro presidente do Brasil reeleito, permanecendo no cargo por 8 anos consecutivos, compreendendo operíodo de janeiro de 1994 a dezembro de 2002.

26

voltadas para a proteção ambiental, para a ampliação da participação e para maior

transparência nas ações dos BMDs.

Devido a este tipo de mobilização, os BMDs passaram a desenvolver estratégias

de participação, embora ainda muito limitadas. Mas, que se expressam como avanços

indiscutíveis com relação a temas como acesso a informações, participação, meio ambiente

e outros, de interesse das organizações situadas no campo democrático. Porém, cabe

ratificar que todo este conjunto de ações desenvolvidas pelos BMDs ainda estão muito

aquém das reais expectativas dos diversos segmentos articulados da sociedade civil. Muitas

das iniciativas de participação ainda são extremamente burocráticas, o acesso a

informações importantes ainda é muito moroso e dificultado de inúmeras maneiras,

caracterizando uma abertura que se efetiva apenas pró-forma. Um dos exemplos é a

disponibilização de documentos importantes apenas em inglês e/ou sob requerimento a ser

analisado conforme uma lista de critérios estabelecidos pelos próprios BMDs.

2.6.2. O governo brasileiro (Executivo)

Quanto ao governo brasileiro, antes de mais nada é necessário lembrarmos que

este, como acionista dos BIRD e do BID, possui representantes na diretoria dessas

organizações. Como ressaltamos anteriormente, ele não é apenas um cliente dos BMDs,

mas é também um de seus gestores através da proporcionalidade de votos que detém.

Com relação à questão da participação, cabe ressaltar que o Brasil no governo de

Fernando Henrique (FHC), foi sistematicamente contrário à aprovação das novas políticas

de acesso a informações dos BMDs. No caso do BIRD, que ainda se mantém mais austero

quanto a publicidade de suas transações e negociações, o Brasil foi o único voto contrário à

aprovação de uma proposta de política de acesso de informações (OLIVEIRA, 2002). Ao

nível interno, o governo (executivo) também tem dificultado bastante o acesso de

informações necessárias ao acompanhamento, quando solicitada por outros agentes ou

outras esferas do governo, como o legislativo (Congresso e Senado, p.e.). Soares (1998),

cita o caso que o Brasil obstruiu a aprovação da investigação pela diretoria do BIRD, a

27

despeito do parecer favorável encaminhado pelos membros do Painel de Inspeção16,

solicitados por entidades brasileiras ao banco. Um caso exemplar foi a afirmação de um

representante brasileiro de que o governo não aceitaria participar de um estudo

(envolvendo representantes do governo, do BIRD e da sociedade civil) sobre impactos das

políticas de ajuste no Brasil17, sob o argumento de que o ajuste no país decorria de uma

decisão de política econômica interna do governo FHC, sem qualquer relação com

financiamentos ou orientações do BIRD. No entanto, cabe ressaltar que a política

desenvolvida pelo governo já havia sido antecipada nos documentos de estratégia de

assistência ao país, elaborado pelo BIRD e negociada com o executivo brasileiro.

2.6.3. O Parlamento brasileiro (Legislativo)

De acordo com a legislação brasileira, presente na Constituição Federal, todo e

qualquer contratação de financiamento externo tem que ser analisada e aprovada pelo

Senado Federal 18. No entanto, apesar de todos os empréstimos passarem pelo Senado, estes

costumam não receber a devida atenção, caracterizando um procedimento meramente

formal. De fato, nunca nenhuma operação de crédito foi rejeitada até hoje, quando muito,

foram efetuadas apenas alguns ajustes, sem descaracterizar o principal.

Não queremos generalizar este tipo de atitude, devemos no entanto fazer

referência a algumas iniciativas que vão a contra pelo desta tendência mais geral. Alguns

parlamentares movidos pelas crescentes mobilizações de determinados setores da

16 O Painel de Inspeção é uma comissão transnacional, formada por reconhecidos especialistas emdesenvolvimento, que permite que pessoas negativamente afetadas por projetos do BIRD possam a elerecorrer e efetuar suas denúncias, obtendo deste fórum a oportunidade de ter algum grau de visibilidadediplomática, potenciais aliados de interesses públicos transnacionais, acesso à imprensa até mesmo apossibilidade de algumas concessões tangíveis por parte do BIRD. Funciona como uma entidade queacompanha os projetos solicitados, fiscalizando-o e avaliando sua viabilidade e conseqüências, articulandoestratégias de ação e reação, em caso de necessidade para defesa da população afetada. É composto porrepresentantes das entidadades envolvidas, representantes do BIRD e do governo.17 Depoimento de representante da SEAIN/MPO (Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão) no Seminário Participação em Projetos Financiados por BancosMultilaterais no Brasil, Brasília, 1 de julho de 1997.18 Ver Art. 52, Parágrafo V da Constituição Federal do Brasil.

28

sociedade civil, estão se sensibilizando para o assunto e iniciam um acompanhamento mais

atento das negociações, embora não tenha ocorrido ainda nenhum embate mais caloroso no

parlamento no sentido de resistência à aprovação de operações de crédito pelos BMDs.

Outros, estão sendo procurados por setores da sociedade civil organizada, ONGs e

entidades que representam, como porta vozes ou como meios de encaminhamento de

requerimentos de pedidos de informações sobre as operações de crédito e de projetos

financiados pelos BMDs, junto ao executivo.

Os documentos que serão analisados neste trabalho são um bom exemplo da

situação exposta acima. Somente tivemos acesso a este material devido a insistente

requisição por parte da Rede Brasil19, por intermédio de vários membros da Câmara dos

Deputados e também do Senado. Apesar de sua crucial importância para o

acompanhamento das operações de crédito externo e seus conseqüentes reflexos políticos e

econômicos, tais documentos ainda são firmemente negados à sociedade brasileira através

de seus setores representativos e associações civis, e mesmo ao Legislativo, que só os

obteve depois de uma tortuosa maratona de burocracias e após um longo tempo de espera20.

2.6.4. A sociedade civil brasileira (OSC)

As organizações da sociedade civil (OSC) brasileira tomam ciência dos reflexos

das operações de crédito e dos projetos financiados pelas IFMs através dos setores onde

atuam diretamente. As primeiras manifestações das OSCs se deram ao nível dos sindicatos.

As centrais sindicais do país, de longa data vem tomando consciência de que seu papel vai

além daquele do campo da oposição. Aos poucos, as OSCs percebem que devem ser um

instrumento de articulação e proposta. Logo, não basta condenar o sistema, é necessário

conhecê-lo profundamente, entender como se dão as relações no seu interior, conhecer os

agentes que operam no processo decisório, identificar a lógica que movimenta a política e

19 Sobre a Rede Brasil, nos deteremos mais detalhadamente no próximo tópico deste texto.20 Para um panorama detalhado de todo este processo tortuoso e moroso ver Vianna (1988) e Barros (2001).

29

os interesses, para poderem, então, desenvolver uma crítica consistente ao ponto de opor-se

ao estabelecido e também de propor alternativas novas. Nesta perspectiva, os sindicatos

começaram a identificar o papel das IFMs e sua importância no desenvolvimento das

políticas públicas e sociais e a influência político ideológica que exercem sobre os

governos.

De um outro lado, cresce a partir do final da década de 1970 e início da década de

1980 no Brasil, os movimentos sociais com bases em interesses regionalizados e

particulares. Também estes, muitas das vezes, eram frutos de conseqüências de projetos

financiados e apoiados por IFMs, como o caso do Movimento de Atingidos por Barragens

(MAB), quando do financiamento de projetos de construção de represas hidrelétricas, ou o

Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que passavam a ter suas

economias desestruturadas a partir do financiamento de um projeto de modernização e alta

especialização da agricultura, através da monocultura voltada para exportação, sendo

forçados a abandonar suas terras e a pequena produção. Enfim, uma infinidade de

pequenos e grandes movimentos da sociedade civil que se organizavam em torno de

objetivos bem característicos e específicos.

Na mesma linha, explode na década de 1990 as organizações não-governamentais

(ONGs) de várias espécies e objetivos, atuando nas mais diferentes áreas. Também as

ONGs começam a despertar para a realidade das IFMs e sua relação com suas causas. São

exemplos, os movimentos ecológicos que se aliam ao MAB para lutar contra a construção

de uma barragem e a destruição de um ecossistema local ou ONGs que atuam na área da

educação e sentem o impacto das orientações das reformas impulsionadas por

determinação das IFMs, ou ainda, ONGs preocupadas com a saúde das populações,

ameaçadas pelos cortes de verbas de saneamento e compra de medicamentos para ajustes

fiscais e orçamentários.

30

2.6.5. A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

A partir de 1993, as OSCs passaram a observar que os seus encontros não estavam

atingindo o principal objetivo: o de operar e modificar as políticas públicas no país. Desde

então, sentiram a necessidade de criar um espaço coletivo de socialização de informações e

de discussão sistemática sobre as políticas e os projetos desenvolvidos pelo governo

brasileiro com recursos financeiros ou aporte técnico das IFMs. Em 1995, surgiu a Rede

Brasil, que passou a ter um controle maior dessas instituições, através de ampla

participação da sociedade civil e do Congresso Nacional. Visando à democratização,

participação e transparência dos processos relativos à elaboração e implementação das

políticas das IFMs, bem como à transformação da própria estrutura de poder destas

instituições.

De acordo com o próprio nome, que já faz referência, a Rede Brasil sobre

instituições financeiras multilaterais é um rede de organizações da sociedade civil, sem

fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública, que reúne atualmente 64 entidades

filiadas cujo objetivo comum é intervir em questões relativas às ações das IFMs no Brasil.

O conjunto de organizações filiadas inclui OSCs, entidades sindicais, institutos de

pesquisa e assessoria, associações profissionais e ONGs de todas as regiões do país, com

atuação no âmbito local regional e nacional. Essas organizações trabalham em diversos

temas e setores das políticas públicas, como educação, saúde, trabalho, seguridade social,

infância e adolescência, infra-estrutura, meio ambiente, agricultura, reforma agrária,

urbanização, planejamento econômico e outros.

2.7. A CAS e o CP

Uma das grandes preocupações da Rede Brasil desde sua fundação é tornar

público os documentos e as operações realizadas pelas IFMs. Dentre estes documentos

encontram-se a CAS (Country Assistance Strategy – Estratégia de Assistência ao País),

emitido pelo BIRD e o CP (Country Paper – Documento de País), emitido pelo BID. A

CAS e o CP são documentos ao mesmo tempo de planejamento e de compromisso político

31

que determinam as estratégias para cada tipo de transação para cada país tomador de

empréstimo. Tais documentos ainda possuem um caráter de confidencialidade, sendo

aberto a apenas para alguns funcionários dos bancos e poucos funcionários dos governos.

Como citamos, o próprio Legislativo tem dificuldades de ter acesso a tais documentos.

Portanto, a CAS e o CP tornaram-se objetos de luta por transparência por parte de

diferentes redes de organizações da sociedade civil em todo o mundo.

Apesar do grande esforço da Rede Brasil em divulgar o discurso das IFMs,

através da divulgação da CAS e do CP21, pouco se tem produzido de estudos sobre a

relação que tais documentos desempenham com a política de Estado desenvolvida no país.

Muito se especula a respeito, grande parte devido a pouca transparência das transações

entre governo e IFMs, e devido a exclusão da participação da sociedade civil, ou de seus

representantes (parlamento) na elaboração das operações de crédito, restringindo-se às

esferas do executivo e dos bancos credores.

21 Estes documentos estão sendo continuamente requeridos pela Rede Brasil junto ao Senado Federalbrasileiro, traduzidos e disponibilizados às suas entidades filiadas para análise e acompanhamento,contrariando as orientações do Executivo brasileiro, que ao menos durante o governo de FHC mantinha umapolítica de exclusivismo e de confidencialidade deste material.

3. GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA, HEGEMONIA E IMPÉRIO

3.1. O dinheiro e as moedas

O dinheiro é a forma universal da riqueza22 e, segundo Belluzzo (1997), a história

do capitalismo é melhor contada através dos relatos que informam sobre as transformações

sofridas pelo comércio do dinheiro e da riqueza. Portanto, descreveremos em breves

termos os movimentos que marcam a produção de dinheiro e riqueza na economia

capitalista, de modo a compreendermos a dinâmica que orienta e determina o sistema

capitalista de produção contemporâneo.

Nesta perspectiva, percebemos que a história do capitalismo se escreve por

“alternâncias de fases de otimismo e prosperidade, seguidas de desalento e declínio do

ritmo de atividade” (BELLUZZO, 1997, pg. 152). Este comportamento cíclico, marcado

por períodos de euforia especulativa sucedidos por crises financeiras, variam de acordo

com as regras e instituições que presidem cada uma das etapas da economia capitalista.

A morfologia dos ciclos da economia capitalista é fortemente influenciada pela

interação constante dos regimes monetários com as estruturas financeiras, que atuam em

constante movimentação e transformação. Tal movimento gera novas formas de interação a

cada dia e novos instrumentos de intermediação, através dos agentes financeiros e

instituições financeiras, nacionais e internacionais. Para averiguar a natureza e o impacto

das transformações aludidas, “é preciso, em primeiro lugar, definir conceitualmente o

papel do dinheiro, do crédito e dos bancos na economia capitalista, entendida como uma

economia monetária de produção” (BELLUZZO, pg. 153).

Portanto, se pretendemos explorar o complexo mundo capitalista, mesmo que

apenas pelo prisma de um recorte analítico, não podemos nos privar de iniciar nosso

22 Marx, nos Grudrisse, é que discuti o dinheiro como a forma universal da riqueza (Belluzzo, 1997, pg. 154).

33

trabalho fazendo uma revisão deste conceito, que pode ser considerado central no

capitalismo. É pela moeda, pela sua existência e para sua manutenção e reprodução, que

todas as ações políticas, econômicas e sociais se orientam no capitalismo. Não podemos

prescindir de revisitar um pouco da história da moeda, suas origens e seus caminhos.

Utilizando uma analogia corrente, podemos afirmar que a moeda está para o

capitalismo assim como o sol está para a terra. Ou seja, o mundo gira em torno do sol, e o

capitalismo gira em torno do capital, do dinheiro, da moeda. É a moeda que delineia o tipo

de relação que as pessoas desenvolvem umas com as outras. É ela também que configura o

status que uma pessoa ou que um país possui com relação aos demais. Determina muitas

das formas de sobrevivência e reprodução humana, influindo diretamente na cultura, nas

artes, na religião, na educação, na política, na família e em todas as esferas da vida social.

A história da moeda se desenvolve em oscilações cíclicas prolongadas. As

orientações humanas em busca do dinheiro tem provocado e motivado a maior parte dos

acontecimentos históricos da civilização ocidental nos últimos séculos. O esforço para

ganhar dinheiro, ou qualquer outra associação com ele, marcou o cenário mundial de

sangrentos e bizarros episódios. Por um lado, proporcionou o progresso, facilitou as trocas,

democratizou os acessos, por outro demarcou profundamente a diferença entre os

possuidores de dinheiro e a exclusão daqueles desprovidos deste.

Dentro da sociedade capitalista, o dinheiro é o elo que une todos de uma forma ou

de outra. Seja pelos benefícios que ele proporciona, seja pelos malefícios da sua ausência.

Todos os demais bens materiais influem apenas àqueles que os possuem. Por exemplo, só

se beneficia de uma bela mansão e seu conforto o milionário que reside nela, pelo fato de

possuir dinheiro. Igualmente só sente o desconforto de um barraco o favelado que nele

habita pelo fato de ser desprovido de dinheiro. No entanto, possuindo ou não dinheiro,

todos são afetados pela sua existência. O sobe e desce da inflação afeta ricos e pobres

(mais os pobres, indiscutivelmente). A ganância ou a benevolência daqueles que o detém

afeta a si próprios, como também aos demais que gravitam ao seu redor (empregados,

subalternos, vizinhos, etc). Concluímos que a moeda desempenha um papel muito mais

amplo que o simples fato de ser um elemento facilitador de trocas. A moeda não é apenas

um bem material facilmente conversível em outro bem material, é também o determinante

34

de relações imateriais, tais como relações pessoais, de orientações religiosas, de políticas

sociais, etc. Portanto, compreender o papel que a moeda desempenha no mundo capitalista

contemporâneo, como se originou e como se mantém na história da humanidade é

fundamental para avançarmos em qualquer análise do capitalismo, por mais simples que

seja.

3.2. A história das moedas

As moedas como meio de troca não são uma novidade dos últimos séculos.

Estiveram sempre presentes nas civilizações mais ou menos desenvolvidas, e até mesmo

naquelas mais antigas ligadas a um modo de reprodução bastante simples, baseadas numa

vida rural primitiva. Muitos artigos foram utilizados como moeda, ou seja, como um

equivalente de troca de fácil conversibilidade e aceitação. Conchas, pedras, gado e fumo

são alguns exemplos que hoje podem nos parecer exóticos. No entanto, tais materiais

possuíram seu âmbito de validade e utilização bastante restritos no tempo e no espaço

geográfico.

Os metais estão, de forma mais próxima, ligados à história das moedas. De

maneira geral três tipos de metais foram sempre requisitados para a sua confecção, a prata,

o cobre e o ouro. No entanto, também o ferro e outras ligas foram utilizadas esparsamente

num ou noutro local do globo. “A associação histórica entre moeda e metal é mais do que

próxima; para todos os fins práticos, durante a maior parte do tempo, a moeda tem sido

representada por um metal mais ou menos precioso” (GALBRAITH, 1983, pg. 8).

As moedas de metal permitiam a sua modelação através da cunhagem. Por ser de

início uma atividade puramente artesanal, a cunhagem das moedas sempre esteve ligada à

arte. Segundo Galbraith (1983), alguns espécimes que sobreviveram e hoje se encontram

nas mãos de colecionadores e museus não podem ser examinados sem reconhecer a sua

espantosa beleza. Foi Alexandre, o Grande, que adotou o costume de cunhar as moedas

com a cabeça do soberano em uma das faces, inicialmente como uma forma de

homenagem. Posteriormente, na outra face, além do valor, cunhava-se alguma referência

35

ao reino ou ao império que pertencia, com o símbolo deste. Daí que se originou a

expressão “cara ou coroa”, quando se tira a sorte com uma moeda.

A cunhagem de moedas e as fraudes sempre andaram juntas. Era comum já nas

civilizações mais remotas a redução de material precioso em peso nas moedas

(adulteração), ou sua substituição por um metal de qualidade inferior (falsificação). A

utilização deste ou daquele tipo de metal estava ligada também às possibilidades

monetárias do reino ou do império. No império romano, por exemplo, no tempo das

Guerras Púnicas, “(...) ao tempo de Aureliano, a moeda básica de prata era 95% feita de

cobre. Mais tarde o seu conteúdo em prata caiu a 2%” (...) Com o tempo, seria afirmado

que a desvalorização da moeda provocou a queda de Roma” (GALBRAITH, pg. 9-10). As

moedas eram cortadas, limadas, refinadas, podadas e adulteradas de uma infinidade de

formas a fim de possibilitar um lucro extra para cada um dos intermediários que delas se

apossavam. Isso se tornou um problema para o comércio mundial, pois as moedas

circulavam entre as diversas jurisdições e acabavam convergindo para as principais cidades

comerciais. Foi então que em 1609, a cidade de Amsterdã, um dos principais centros

comerciais da época, reformou o sistema monetário vigente, aderindo de volta à pesagem.

A partir do século XV, precisamente após 1493, com as viagens de Cristóvão

Colombo, seguidas pelas viagens de Cortez e Pizarro, a história das moedas começou a ser

alterada com uma dinâmica mais ativa e veloz. Fatos novos alteraram o cenário monetário

mundial, como a inflação, a alta de preços e a queda dos salários. “A descoberta e a

conquista (da América)23 puseram em movimento um enorme fluxo de metal precioso na

Europa, e o resultado foi uma grande elevação de preços – uma inflação ocasionada por

um aumento da oferta do melhor tipo de dinheiro de boa qualidade” (GALBRAITH, pg.

11). O aumento de preços se deu primeiramente na Espanha, porta de entrada dos metais

vindos da América, depois foram atingindo em toda a Europa, à medida que os metais

eram carregados pelo comércio ou por contrabando. Na Espanha, entre os anos de 1500 e

1600 os preços subiram cinco vezes. Na Inglaterra os preços subiram cerca de três vezes e

meia a mais do que eram antes das viagens de Colombo. Este episódio ilustra aquilo que

23 Adendo nosso ao texto original.

36

ficou conhecido como a proposição mais básica quanto à relação entre moeda e preço. Ou

seja, a teoria quantitativa da moeda. Esta afirma “que os preços variam em relação direta

à variação da quantidade de moeda em circulação” (Ibidem, pg. 12).

A inflação passou a ter um efeito profundo sobre a distribuição da renda. Como

não é diferente nos dias atuais, a inflação acaba por prejudicar principalmente aqueles que

ganham menos. “As perdas dos que recebiam os salários mais baixos, em termos reais,

constituíam, por sua vez, ganhos dos que os remuneravam e recebiam os preços altos e

crescentes. O resultado era um lucro elevado” (GALBRAITH, pg. 12). Os altos preços e

baixos salários representavam altos lucros para os comerciantes e permitiam o surgimento

de poupanças e investimentos. Pequenos empresários mais astutos e agressivos ampliaram

seus negócios, passaram a produzir mais quantidade de produtos e puderam vendê-los

pelos mesmos preços altos e lucrativos. É de lembrar que o capitalismo europeu teria seu

início de uma forma ou de outra, mas que o fluxo de metal oriundo da América acelerou

este processo.

Amsterdã, no final do século XVI era o principal centro do mercado europeu. Ali

circulavam todo o tipo de moedas, das mais confiáveis até as falsificadas e adulteradas. A

Holanda possuía quatorze casas de cunhagem de moedas, que funcionavam de modo a

permitir uma certa garantia de confiabilidade ao mercado. Os comerciantes traziam suas

moedas de boa qualidade e as convertiam naquelas que eram facilmente aceitas no

mercado holandês. No entanto, era muito inconveniente que cada comerciante tivesse que

pesar suas moedas a cada operação de crédito. Outro fator que aumentava a preocupação

eram as balanças pouco confiáveis da época. Foi então que surgiu o primeiro banco, na

cidade de Amsterdã, como descreve Adam Smith ao publicar sua obra clássica Riqueza das

Nações (1884):

Para eliminar os inconvenientes, foi estabelecido um banco em 1609, com agarantia do governo da cidade. Este banco recebia as moedas estrangeiras e asmoedas leves (ou aviltadas) do país ao seu valor intrínseco em termos do padrãomonetário local, deduzindo apenas o necessário para cobrir as despesas decunhagem e os outros gastos de administração. Para o valor remanescente, apósessas pequenas deduções, era feito um crédito em seus livros (SMITH, ApudGALBRAITH, 1983, pg. 15)

O objetivo do banco era regulamentar e limitar o abuso da moeda. Estas

instituições aos poucos foram surgindo em outros principais centros comerciais

37

holandeses, como os da cidade de Roterdã, Delf e Milddlebourg. Com o tempo, outros

países também criaram seus bancos guardiães de moedas.

No início o princípio de funcionamento dos bancos era simples. Recebiam moedas

sob forma de depósito e o metal permanecia guardado até que o proprietário viesse a

requere-lo, sob a forma de saque, ou que autorizasse a transferência para outro indivíduo,

como forma de pagamento. Nada era emprestado. A Companhia Holandesa das Índias

Orientais foi a primeira empresa que começou a fazer uso daquilo que hoje é a operação

mais ortodoxa dos bancos. Ou seja, começou a receber empréstimos para custear a

armação de navios por curto prazo ou até que retornassem ao porto. Num primeiro

momento, enquanto o auge das navegações comerciais holandesas prosperavam, nenhum

problema ocorreu, no entanto a partir de 1870, com a guerra contra a Inglaterra, que trouxe

perdas de cargas e navios, a Companhia entrou num período recessivo. O governo

municipal também começou a solicitar empréstimos ao banco e deste período em diante,

caso os clientes resolvessem sacar todo o dinheiro de uma só vez, o banco já não teria

como pagá-los. “A recusa ou a incapacidade de cobrir depósitos de dinheiro tornar-se-ia

no futuro o sinal seguro de que um banco estava em dificuldades – sinal de que,

independente da maneira pela qual a medida fosse explicada, o fim estava à vista”

(GALBRAITH, pg. 17).

3.3. Os Bancos e as notas bancárias

Como mencionamos acima, os bancos nasceram como uma necessidade de

garantia da confiabilidade das moedas. Aos poucos tomaram novas feições como gestores

de tesouros ociosos, criando novas formas de circulação das moedas ali depositadas. Foi o

caso dos empréstimos a terceiros, que inicialmente consistiam em emprestar a um cliente

do banco uma soma de depósitos de um cliente depositário. Pelo empréstimo, o terceiro

pagaria uma certa quantia em juros, e esse “lucro” era dividido uma parte para o banco e

uma outra para o cliente depositário.

38

Neste procedimento, o depósito original ainda permanecia a crédito do

depositante, que poderia sacá-lo a qualquer momento. Porém criava-se agora um novo tipo

de depósito correspondente ao empréstimo. Ambos poderiam ser usados para realizar

pagamentos, ou seja, como moeda.

A inovação que surgiu na República Americana foram as notas bancárias. Ou seja,

o banco não mais emprestava dinheiro sob a forma de moeda real, mas sob a forma de um

título que poderia ser descontado (trocado) por moeda real, ou que poderia ser utilizado

como forma de pagamento, ou seja, também como moeda. Essa inovação fez surgir um

mundo novo de possibilidades para o montante de valores ociosos que permaneciam

depositados nos bancos. Os gestores dos bancos não se limitaram em criar novos tipos de

operações, pois o que estava em jogo era a possibilidade crescente destas instituições

ganharem cada vez mais juros com as transações financeiras.

Esta lógica somente pode funcionar enquanto existe um montante de depósito

ocioso depositado no banco e que serve como garantia (lastro) para os títulos e notas

emitidos por este. Neste caso, a emissão de notas bancárias somente pode ser efetuada no

valor correspondente à quantidade de depósitos que este possui em seu poder. Porém os

banqueiros gananciosos começaram a arriscar operações cada vez mais ousadas. Confiando

na quantidade de depósitos, estes emitiam notas em quantidade maior do que aquelas que

podiam garantir, uma vez que estas podiam ser utilizadas também como moeda, em geral o

depósito original nem sequer saía do banco. O problema se dava quando vários

depositários resolviam ao mesmo tempo sacar seu dinheiro. Neste caso o banco não tinha

como pagá-los e podia chegar ao ponto de falir.

No curso da história muitos episódios podem ilustrar fatos como o descrito acima.

O simples boato de que o banco não possuía valores em caixa suficientes para garantir seus

títulos era o suficiente para levar a grande maioria dos depositários a requerer o saque de

seus valores de uma só vez. Caso o banco tivesse emitido notas acima do valor que

possuíssem sob custódia, aqueles clientes que chegassem primeiro teriam sorte melhor dos

que chegassem depois.

39

A história dos bancos, da formação dos bancos centrais dos Estados e suas

variações ainda vai percorrer muitas etapas a partir dos episódios iniciais citados neste

texto. No entanto, nossa preocupação aqui não é exatamente fazer uma varredura pelo

histórico da formação dos bancos. Nosso intento é mostrar como se deu o processo de

formação da moeda e o surgimento das instituições que atuam hoje como os principais

atores do período do capitalismo identificado como de um capitalismo de cunho

predominantemente financeiro.

Neste ponto, faremos um salto temático e iniciaremos uma revisão sintética de

alguns conceitos fundamentais para nosso trabalho, como o de imperialismo, monopólios,

hegemonia financeira, instituições financeiras multilaterais e outros correlatos que derivam

destes primeiros.

3.4. O Imperialismo e a formação e concentração do capital financeiro

O conceito de imperialismo que utilizamos no presente trabalho toma como base a

obra de Vladimir Ilyich Lênin (2000) “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, que

deu origem a teoria marxista-leninista sobre o tema, amplamente utilizada para a

compreensão da realidade social, político e, principalmente, econômica do capitalismo do

final do século XIX, estendendo-se até nossos dias, com algumas revisões dadas às novas

conjunturas da ordem capitalista mundial que, através de outros autores contemporâneos

iremos abordar.

O imperialismo é caracterizado como uma resultante da concentração da produção

e do capital, que por sua vez dá origem aos monopólios, agrupamentos que dominam a

produção imperialista. O capital industrial e o capital bancário se unem e formam o capital

financeiro, que é utilizado pelos monopólios.

40

3.5 As principais características do imperialismo

O desenvolvimento do capitalismo é marcado pela concorrência, como forma de

sobrevivência das empresas capitalistas, e gera o fenômeno da concentração de capitais nas

mãos de poucos capitalistas que subsistem ao processo competitivo. A partir desta

constatação, já expressa por Marx em diversos momentos, e principalmente no texto sobre

a “acumulação do capital”, Lênin estabelece que o aumento da concentração da produção e

do capital24 a um grau elevado conduz ao monopólio. Os monopólios, por sua vez,

centralizam o capital através da reunião de vários capitais em um só, gerando cartéis e

trusts25.

As empresas que compõem os cartéis conservam a autonomia interna e a

autonomia produtiva. Para vencer a competição, os cartéis combatem as demais empresas

que não fazem parte do cartel26, de várias maneiras:

1) a privação de matérias-primas (“... um dos processos mais importantes paraobrigar a entrar no cartel”); 2) a privação de mão-de-obra mediante “alianças”(quer dizer mediante acordos entre os capitalistas e os sindicatos operários paraque estes últimos só aceitem trabalho nas empresas cartelizadas); 3) privação demeios de transporte; 4) a privação de possibilidades de venda; 5) acordo comcompradores para que estes mantenham relações comerciais unicamente com oscartéis; 6) diminuição sistemática dos preços (com o objetivo de arruinar os“estranhos”, isto é, as empresas que não se submetem aos monopolistas...); 7)privação de créditos; 8) declaração do boicote (LENINE, pg.20).

Lênin afirma que nas mãos dos cartéis e trusts concentram-se freqüentemente de

70 a 80% da produção global de um certo ramo industrial (Ibidem, pg. 18).

24 Cabe ressaltar que, segundo a teoria marxista, a concentração do capital é o aumento deste pelaincorporação da mais-valia resultante da exploração do trabalho assalariado. Portanto, concentração docapital é o crescimento das empresas mediante a incorporação da mais-valia extraída dos operários. Esteaumento de capital, gerando pela concentração, permite novas esferas de aplicação, como investimentos noprocesso produtivo (concorrência), operações bancárias (mercado especulativo, investimentos, etc.)25 Os cartéis são agrupamentos de monopólios que produzem mercadorias semelhantes. Os monopólios,diante da competição gerada pelo sistema, estabelecem acordos sobre as condições de venda, os prazos depagamento, etc. Nas palavras de Lênin: “Repartem os mercados de venda. Fixam a quantidade de produtos afabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre as diferentes empresas, etc.” Trusts sãoagrupamentos monopolistas em que os integrantes perdem a independência produtiva, comercial e jurídica,passando a ser dirigidos por uma companhia especial, a “holding company”, ou por uma das maioresempresas que o constituem.26 Os empresários que não fazem parte do cartel são conhecidos como “outsiders”.

41

Uma das características do capitalismo dos monopólios é o que Lênin chama de

“combinação”. Combinação é a reunião em uma só empresa de vários ramos industriais

que constituem etapas sucessivas de transformação de uma matéria-prima ou

desempenham um papel auxiliar na relação uns aos outros (como a utilização dos resíduos

ou dos produtos secundários de embalagens, etc) (LENINE, pg. 14). Lênin cita Hilferding

que explica a conseqüências da combinação da seguinte forma:

a combinação nivela as diferenças de conjunturas e garante, portanto, à empresacombinada uma taxa de lucro mais estável. Em segundo lugar, a combinaçãoconduz à eliminação do comércio. Em terceiro lugar, permite o aperfeiçoamentotécnico e, por conseguinte, a obtenção de lucros suplementares em comparaçãocom as empresas “simples” (isto é, não combinadas). Em quarto lugar, fortalecea posição da empresa combinada relativamente à simples, reforça-a na luta deconcorrência durante as fortes depressões (dificuldades nos negócios, crise),quando os preços das matérias-primas descem menos do que os preços dosartigos manufaturados” (HILFERDING apud LENINE, pg. 14).

No curso deste novo processo coletivo de produção, da combinação de empresas,

dos monopólios, dos cartéis e trusts, Lênin percebe que ocorre uma alteração no processo

produtivo. Para ele ocorre uma socialização da produção, através da cooperação forçada

entre as empresas devido à concorrência e as imposições da cartelização. No entanto a

apropriação continua privada.

Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de umreduzido número de indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre concorrênciaformalmente reconhecida, e o julgo de uns quantos monopolistas sobre o resto dapopulação torna-se cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável(LENINE, pg. 20).

3.6. O setor bancário e a concentração de capital

Os banco passaram por um processo de concentração de capital muito parecido

com o processo da área industrial. Tal concentração resultou igualmente na formação de

monopólios a partir do final do século XIX. Para compreender como se deu a concentração

de capital financeiro, é necessário acompanhar a evolução das atividades bancárias, que

transformaram suas atividades iniciais (basicamente à intermediação de pagamento e

depósitos), para atividades financeiras mais volumosas e lucrativas, como empréstimos

públicos e investimentos em papéis de títulos especulativos.

42

Da mesma forma que ocorreu com a indústria, os bancos passaram a centralizar-se

em um pequeno número de grandes estabelecimentos. Estes poucos grandes grupos

financeiros detêm a maior parte do capital monetário disponível. Na Alemanha, em fins de

1909, os nove maiores bancos detinham juntos quase a metade (47%) de todo o capital

bancário naquele país. Os pequenos bancos passam a ser sucursais dos grandes

estabelecimentos (LENINE, pg. 24).

Os grandes monopólios necessitavam de grandes somas de dinheiro para investir

em capital fixo (máquinas, equipamentos, instalações), e passaram a evitar os bancos

pequenos que não dispunham de grandes quantias e de grandes prazos para pagamentos,

devido a necessidade de maturação dos investimentos. As concessões de empréstimos

requeria (por uma questão de segurança) uma análise acurada das condições econômicas

das empresas.

Isto aliado ao agigantamento das operações financeiras e do movimento dascontas correntes fez com que os bancos passassem a conhecer com exatidão asituação dos distintos capitalistas, posteriormente controlando-os e exercendoinfluência sobre eles ao ampliar, reduzir, facilitar ou dificultar créditos, atéchegar ao ponto de decidir totalmente sobre o destino dos mesmos, determinandoa sua rentabilidade para mais ou para menos ou privando-os do capital. Com aconcentração dos bancos restringia-se o círculo de estabelecimentos dos quais sepodia obter créditos, aumentando assim o grau de dependência da indústria,restringindo sua liberdade (BENITEZ, 1990, pg.15).

Diante desta análise é possível prever as conseqüências advindas da relação

“bancos x empresas”, ou seja, mais que uma cooperação competitiva, ocorreu uma união

dos bancos com a indústria. “Não satisfeitos com os lucros dos empréstimos, os grandes

estabelecimentos bancários começaram a investir nas sabidamente mais rentáveis. Os

monopolistas industriais não tiveram uma conduta passiva e em contrapartida adquiriram

ações dos bancos” (BENITEZ, pg. 16). Neste quadro de inter-relação os bancos investem

seus capitais pesadamente na indústria. Este capital que se transforma em industrial forma

o que se chama de “capital financeiro”, noção criada por Hilferding e empregada por Lênin

em sua obra. O capital financeiro é portanto “um capital de que os bancos dispõem e que

os industriais utilizam” (LENINE, pg. 36).

Um característica importante do capital financeiro é o “sistema de participação”.

Para participar de uma sociedade anônima basta possuir uma fração relativamente pequena

43

das ações para gerir as atividades. Segundo análises, Lênin demonstra que “bastam 40%

das ações para dirigir uma sociedade anônima, pois uma certa parte dos pequenos

acionistas não tem na prática possibilidade alguma de assistir às assembléias gerais”

(LENINE, pg. 37).

Uma outra característica do capital financeiro é a sua união com os objetivos do

Estado. Este, por sua vez, se encarrega de defender os interesses dos grandes monopólios,

concedendo-lhes empréstimos, consolida o domínio da oligarquia financeira e impõe à

sociedade um pesado fardo por conta disso.

O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grausuperior, em que essa separação que fundamenta essa dominação adquireproporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demaisformas do capital implica o predomínio do ‘rentier’27 e da oligarquia financeira,a situação destacada de uns quantos Estados de ‘poder’ financeiro em relação atodos os restantes (LENINE, pg. 45).

No século XX ocorreu a passagem do velho capitalismo para o novo; da

denominação do capital industrial para o capital financeiro. “O que caracterizava o velho

capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de

mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a

exportação de capital” (LENINE, pg. 47). No início, deu-se a formação dos monopólios

com a união de capitalistas em todos os países desenvolvidos. Logo em seguida, a fase

monopolista avança e, algumas nações muito ricas, com enorme excedente de capital,

alcançam proporções gigantescas e ultrapassam as suas fronteiras internas, agindo também

no cenário internacional.

O grande excedente de capital produzido pelos Estados monopolistas como a

Inglaterra, França e Alemanha, não era investido na melhoria do nível de vida das classes

trabalhadoras, pois isto representaria uma diminuição da taxa de lucro. Este capital

excedente, então, passa a ser investido no exterior, tendo como destinatário os países

atrasados, onde o lucro é mais elevado, pois os capitais são escassos, o preço das terras e os

salários relativamente baixos e as matérias-primas baratas.

27 Rentier é aquele que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital-dinheiro.

44

Instalam-se no estrangeiro grandes empresas, principalmente de extração de

matéria-prima, isto garantia ao grande monopólio o controle e fornecimento desta

mercadoria, fundamental para a produção industrial dos países imperialistas. A presença do

capital estrangeiro em um país atrasado também é vantajosa, num primeiro plano, pois

permite um certo grau de desenvolvimento, mesmo que subordinado aos ditames dos

financistas imperialistas28. “O capital financeiro estende assim as suas redes, no sentido

literal da palavra, em todos os países do mundo. Neste aspecto desempenham um papel

importante aos bancos fundados nas colônias, bem como as suas sucursais” (LENINE, pg.

51).

3.7. Os monopólios internacionais e a divisão do mundo

Existe uma interdependência no capitalismo dos mercados interno e externo. Com

a formação dos monopólios, os mercados internos passaram a ser repartidos entre os

grandes capitalistas que se fundiram, ou aqueles que formaram os cartéis e trusts. Este

processo determinou que poucos monopólios passaram a se apoderar de maneira mais ou

menos absoluta de toda a produção de um país. No entanto, uma vez que esta fase já havia

se consolidado no interior dos países desenvolvidos, ela precisava expandir suas redes

também para o mercado externo. Neste caso, os monopólios passam a lutar pela divisão

dos mercados mundiais e nascem as associações monopolistas internacionais. Para Lênin,

este estágio do imperialismo é um novo grau da concentração mundial do capital e da

produção, um grau incomparavelmente mais elevado que os anteriores.

Formaram-se os grandes trusts que monopolizaram a produção de matérias primas

no mundo. Concorrência entre estes trusts é muito prejudicial para os preços e taxas de

lucro, o que os levou a estabelecerem acordos internacionais no sentido de fixar e limitar a

produção total, reservando para cada sócio uma fração da mesma, dividindo o mercado em

28 A exportação de capitais passa a ser uma importante forma de estimular a exportação de mercadorias.Segundo Lênin, é muito comum estabelecer nas cláusulas dos contratos de empréstimos o condicionante queparte do valor concedido deveria ser destinado para compra de produtos do país credor, em especial dearmamentos, barcos, etc.

45

zonas de venda exclusiva e de apropriação exclusiva de matéria-prima. Este novo grau de

concentração do capital e da produção é infinitamente maior do que os precedentes, quer

dizer, o controle dos monopólios em nível internacional é muitíssimo superior ao controle

monopolista nos próprios países de origem.

O capitalismo pré-monopolista, ou seja, o capitalismo da livre concorrência figura

entre os anos de 1860 a 1880. Depois deste período inicia-se a busca da conquista de

colônias por parte das grandes potências. Ocorre uma nítida passagem do capitalismo para

a sua fase monopolista e a exacerbação da luta pela partilha do mundo.

No final do século XIX e começo do século XX, já estava consumada a divisão do

mundo, com a conquista de todas as terras não ocupadas. Somente a Europa possuía sob

seu controle 3/5 do planeta. Os principais países colonialistas eram respectivamente, a

Inglaterra, a França, a Alemanha, a Bélgica e Portugal. Toda a África e grande parte da

Ásia estava submetida ao imperialismo destes países.

Embora o colonialismo não tenha sido produzido pela fase monopolista, ele

adquiriu neste período uma feição nova. De fato, como escreve Benitez,

A política colonial e o imperialismo existiam antes da fase monopolista docapitalismo e mesmo antes deste, como era o caso da antiga Roma. Contudo éimpossível estabelecer-se qualquer paralelo entre anteriores formaçõeseconômicas e o novo capitalismo, dadas as marcantes características deste. Oregime romano e este último aproxima-se entretanto em um aspecto: ambosempreendem a dominação. Aquela através da escravatura; este por meio docapital financeiro (BENITEZ, 1990, pg. 22).

3.8. Hegemonia e Império

O século XIX foi marcado pelo ponto alto do imperialismo de livre comércio da

Grã-Bretanha. As riquezas e o poder das classes proprietárias, não só da Grã-Bretanha, mas

de todo o mundo ocidental, atingiram níveis sem precedentes. No entanto, era a Grã-

Bretanha que possuía o controle da oferta de capital circulante, e suas classes capitalistas

podiam ditar aos Estados concorrentes as condições mediantes as quais elas os auxiliariam

na luta pelo poder (ARRIGHI, 1996, pg. 277). Porém este cenário passaria a ser alterado

46

pelas novas conjunturas mundiais que marcariam a transformação de toda a ordem até

então estabelecidas.

O primeiro momento significativo dessa mudança foi marcado pela Primeira

Grande Guerra Mundial. Antes da guerra, a Grã-Bretanha possuía o direito sobre ativos e

rendas de diversos países, incluindo os norte-americanos. Essa foi a garantia que lhe

permitiu destinar boa parte de sua produção aos investimentos de guerra, pois sabia que em

caso de necessidade de suprir o seu vasto e disperso império territorial, ela teria de onde

tirar os recursos necessários para não quebrar. No entanto, as necessidades britânicas de

custear armamentos, máquinas e matérias-primas superou a previsão inicial daquele

Estado. Esgotadas as suas capacidades produtivas, restou a Grã-Bretanha adquiri-los de

outros países dos quais ela possuía relações. Grande parte deste material era e só podia ser

produzido pelos EUA, e naquela atual conjuntura, só este país estava em condições de

fornecê-los.

A Grã-Bretanha ao depender do fornecimento de produtos americanos, deu inicio

a erosão aos direitos britânicos à renda produzida naquele país. Os Estados Unidos, por sua

vez, conseguiram então liquidar os ativos britânicos na Bolsa de Nova York por

verdadeiras pechinchas, permanecendo em uma condição mais confortável para negociar

seus interesses com a Grã-Bretanha.

Foi este o início da inversão financeira deste dois países, porém não foi o fator

decisivo para determinar uma alternância hegemônica. Apesar do enfraquecimento do

império britânico com a guerra, ele não esgotou de todo o seu potencial, que era imenso.

De fato, “as reservas de ouro em Londres eram maiores na década de 1920 do que antes

da guerra (...) e os direitos britânicos a rendas externas, apesar de reduzidos, ainda eram

consideráveis” (ARRIGHI, pg. 279). Os Estados Unidos encontravam-se já naquele

momento em uma condição mais vantajosa, no final da guerra sua balança comercial era

superavitária e possuía agora a vantagem de que seus direitos a rendas produzidas no

exterior se equilibravam com os direitos estrangeiros sobre as receitas internamente

produzidas, gerando um expressivo excedente líquido de conta corrente. Graças a esse

excedente e a seus créditos de guerra, os Estados Unidos equipararam-se à Grã-Bretanha

na produção e regulação do dinheiro mundial, mas não a substituíram (Ibidem).

47

Embora os Estados Unidos possuíssem agora uma participação muito expressiva

na produção e regulação mundial do dinheiro, ele não tinha ainda a capacidade de

administrar sozinho o sistema monetário mundial. Nova York continuava subordinada a

Londres por diversos fatores, desde os administrativos até os intelectuais. A nova potência

econômica que estava emergindo ainda era imatura e precisava de um parceiro forte e com

tradição, influência política e experiência administrativa. Neste caso, “Wall Street e o

Federal Reserve de Nova York simplesmente se aliaram à City londrina e ao banco da

Inglaterra para manter e impor o padrão ouro internacional” (ARRIGHI, pg. 281), no

entanto, o principal beneficiário ainda foi a Grã-Bretanha, pois permitiu que fosse

mascarada a sua real situação por muitos anos.

Existia uma posição majoritária dos governos ocidentais por volta de 1920, de que

somente o restabelecimento do padrão monetário pré-1914, restauraria a paz e a

prosperidade. Neste sentido, não foram só os Estados Unidos que estimularam, em vão,

que Londres voltasse ao centro das finanças mundiais. No entanto, esse esforço coletivo

surtiu o efeito inverso. Os governos pretendiam estabilizar suas moedas e viam na

liberalização do comércio a única possibilidade desta estabilização. No entanto, ao tentar

estabilizar suas moedas, o tiro acabou saindo pela culatra. As medidas tomadas pelos

governos acabaram por gerar um efeito estrangulador do comércio externo mundial,

afetando as balanças de pagamentos e a crise nas exportações e importações, terminado por

gerar a depressão do início de 1930.

Os governos recorreram a quotas de importação, moratórias e acordos desuspensão, sistemas de liberação e tratados de comércio bilaterais, acordos detrocas, embargos sobre as exportações de capital, controle de comércio exterior efundos de equalização de trocas, cuja combinação tendeu a restringir o comércioexterior e os pagamentos externos (ARRIGHI, pg. 282).

Durante toda a década de 1920, os Estados Unidos continuaram a aumentar sua

capacidade produtiva, superando todos os competidores internacionais. A medida que

aumentava sua vantagem competitiva, gerava por conseqüência dificuldades nos países

devedores de quitarem suas dívidas. O mundo foi ampliando sua dependência de

pagamentos em relação ao dólar norte-americano, e “os Estados Unidos foram adquirindo

ativos em moeda estrangeira com uma rapidez que (...) não têm paralelo na experiência de

48

nenhuma grande nação credora dos tempos modernos” (DOBB, 1963, pg. 332 apud

ARRIGHI 1996, pg. 282).

Esse conturbado cenário mundial deu origem a uma intensa movimentação de

capital, que circulavam de um lado para outro em busca de um território que lhe permitisse

uma segurança monetária temporária. Este movimento, que passou a ser chamado de

“capital especulativo” dominou a economia mundial deste período em diante. Foi a partir

dele que crises espetaculares do sistema financeiro ocorreram, como a de 1929, com a

quebra de Wall Street.

Como centro especulativo mundial, os Estados Unidos concentravam o maior

crescimento de investimentos, captando capitais da maioria dos países produtivos da

época. Neste cenário, um abalo como uma baixa especulativa repentina nos Estados

Unidos, poderia representar um colapso mundial. E foi o que acabou por acontecer em

1929.

A alta de Wall Street começou a desviar os recursos dos empréstimo externospara a especulação interna. À medida que os bancos norte-americanos foramcancelando seus empréstimos europeus, a exportação líquida de capitais dosEstados Unidos – que subira de menos de US$ 200 milhão em 1926 para mais deUS$ 1 bilhão em 1928 – voltou a despencar para US$ 300 milhão em 1929(LANDES, 1969, pg. 372 apud ARRIGHI, 1996, pg. 288).

Este episódio marcou o final de um período controlado pelo império britânico. “A

suspensão da conversibilidade da libra britânica em ouro, em setembro de 1931, levou à

destruição final da única rede de transações comerciais e financeiras em que se baseavam

os destinos da City londrina” (ARRIGHI, pg. 283). Uma nova era estava por se iniciar.

Precisamente, os Estados Unidos passaram a dominar a cena a partir de 1940,

quando a grande maioria das potências encontravam-se em meio a Segunda Guerra

Mundial. Esta, em contraponto com a primeira, diferenciava-se pela sua escala extra

continental, sua ferocidade e destrutividade sem precedentes (Ibidem). Antigas grandes

potências como a França, e a Itália estavam destruídas física e economicamente. A

ambição alemã de dominar o mundo estava desmoronando juntamente com o Japão, que

ambicionava o Extremo Oriente e o Pacífico. A Grã-Bretanha já estava em declínio, como

49

vimos, mesmo antes do início do segundo grande conflito mundial. Somente os Estados

Unidos sairam fortalecido deste marcante episódio da história mundial.

Ocorreu finalmente a reversão com o colapso do império britânico e a tomada do

poder por meio dos Estados Unidos. No final da Segunda Guerra Mundial, este país

detinha a concentração da maior riqueza do globo, com o monopólio de 70% das reservas

de ouro mundial, sendo que a demanda de dólares, por parte dos governos e empresas

estrangeiras, significava ainda um total controle norte-americano da liquidez mundial.

Em 1938, a renda nacional norte-americana já era aproximadamente idêntica àsoma das rendas nacionais da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e países doBenelux, e quase três vezes superior à da União Soviética. Mas, em 1948,eqüivalia a mais do dobro da renda do grupo supracitado de países da EuropaOcidental e a mais de seis vezes a da União Soviética (cálculos baseados emWOYTINSKY e WOYTINKS, 1953 apud ARRIGHI, 1996, pg. 284).

A Segunda Guerra Mundial demonstrou ao mundo que os Estados Unidos haviam

se firmado como a grande potência econômica e política do mundo. Porém, é importante

ressaltar um fato neste trabalho. A postura americana diante da conjuntura mundial e o seu

papel definido pelo presidente Roosewelt, que orientaria todas as políticas internacionais

desenvolvidas e controladas pela nova potência, incluindo àquelas dos organismos

multilaterais criados posteriormente.

O segundo conflito mundial gerou a crença de que os Estados Unidos eram

inviolável também do ponto de vista militar. No entanto o bombardeio de Pearl Harbour29

abalou esta crença. “O presidente Roosevelt usou astutamente os sentimentos

nacionalistas, despertados pelo primeiro ataque estrangeiro ao território norte-americano

29 Uma nova circunstância mudou o panorama da II Guerra. Enquanto o embaixador japonês em Washingtonprocurava relações cordiais com a Secretaria de Estado, um contingente aéreo nipônico atacou de surpresa abase naval norte-americana de Pearl Harbour, nas ilhas do Hawai, a 7 de dezembro de 1941. Navios, aviões einúmeras pessoas foram vítimas do insólito atentado. A notícia foi recebida em Washington precisamentequando o embaixador japonês apresentava-se ao secretário de Estado, Cordell Hull, para prosseguir asconversações diplomáticas. A indignação do ministro, que repeliu com violência o diplomata nipônico de seugabinete, foi o símbolo da reação norte-americana. Uma onda de indignação correu pelo país, que febrilmentecomeçou o preparo para a defesa e para o ataque, sob o governo de Franklin Delano Rooselvelt. Pouco depoisos Estados Unidos começavam a lutar ao lado dos aliados.

50

desde 1812, para enxertar uma visão unimundista30 em sua ideologia do New Deal”

(ARRIGHI, pg. 285).

A essência do New Deal era a idéia que os grandes governos deviam gastar comliberalidade para conquistar a segurança e o progresso. Assim, a segurança dopós-guerra exigiria uma certa liberalidade de desembolso por parte dos EstadosUnidos, a fim de superar o caos criado pela guerra. (...) A ajuda aos (...) paísespobres teria o mesmo efeito dos programas de bem-estar social dentro dosEstados Unidos – dar-lhes-ia segurança para superar o caos e impediria que elesse transformassem em revolucionários violentos. Enquanto isso, eles seriaminextricavelmente atraídos para o renascido sistema de mercado mundial. Aoserem introduzidos no sistema geral, tornar-se-iam responsáveis, tal como otinham sido os sindicatos norte-americanos durante a guerra. A ajuda à Grã-Bretanha e ao restante da Europa Ocidental reativaria o crescimento econômico,estimularia o comércio transoceânico e, desse modo, ajudaria a economia norte-americana a longo prazo. A América havia gasto somas enormes, acumulandodéficits imensos, para manter o esforço de guerra. O resultado fora umcrescimento econômico espantoso e inesperado. Os gastos do após-guerraproduziriam o mesmo efeito, em escala mundial (SCHURMANN, 1974, p 67Apud ARRIGHI, 1996, pg. 286).

No entanto, esta visão de Roosevelt era muito vasta e pouco realista, não tinha a

menor chance de ser aceita pelo Congresso norte-americano. Afinal, o mundo era

complexo demais e possuía uma conformação muito diversificada para que os Estados

Unidos conseguissem transformá-lo à sua imagem e semelhança. Foi Trumam que acabou

por reformular a filosofia do New Deal de Roosevelt, com sua visão bipolar. Não mais um

mundo único, mas, dois mundos extremamente opostos. O comunista, que precisava ser

combatido a todo custo, por ser retrógrado e ditatorial, e o reino da liberdade, aquele que

só os Estados Unidos podiam ensinar e garantir aos povos.

3.9. O Padrão Ouro

O “padrão ouro”, como já foi mencionado anteriormente, está intimamente ligado

ao auge e a decadência da hegemonia inglesa, tendo como seu período mais expressivo

aquele compreendido entre 1870 e a I Guerra, e aos anos de transição que separam esta da

30 O cerne dessa filosofia era que somente um governo grande, benevolente e competente poderia garantir aordem, a segurança e a justiça para os povos (...) Assim como o New Deal trouxera “segurança social” para aAmérica, o “mundo único” levaria segurança política ao mundo inteiro (Schurmann, 1974, pg. 40).

51

II Guerra. O padrão monetário baseado no ouro, representou um conjunto de regras

relativas à circulação do dinheiro nos países e no âmbito internacional. Samuel

Lichtensztejn e Monica Baer (1987) sintetizam os princípios básicos que regiam seu

funcionamento:

Ao nível nacional:

1) emissão do dinheiro baseada no ouro, o que admitia a utilização de moedasdesse metal ou notas cobertas por uma garantia proporcional;

2) Reconhecimento da livre conversão das notas ao ouro que as garantia, fossemos seus portadores nacionais ou estrangeiros.

Ao nível internacional:

1) o pagamento das transações seria realizado por intermédio do ouro, o qualpodia ser livremente exportado e importado;

2) as relações de câmbio entre moedas nacionais seriam efetuadas na proporçãodo seu conteúdo de ouro, enquanto tal conteúdo não se modificasse; ou seja quenão se produzisse uma desvalorização, o tipo de câmbio tendia a ser fixo(LICHTENSZTEJN et BAER, pg. 18).

Foi a legislação bancária inglesa de 1821 quem adotou esta forma de concepção

do padrão monetário. Porém, cabe ressaltar que “nem sua aplicação, nem os seus efeitos

foram homogêneos ou universais” (Ibidem, pg. 19). Muitos países mantiveram políticas

monetárias paralelas, alguns adotando o ouro somente no caso do mercado internacional, e

no âmbito interno conservavam padrões bimetálicos. Mesmo aqueles que se afiliaram de

forma clara ao padrão ouro, dependendo das circunstâncias, rompiam freqüentemente as

premissas de conversibilidade, suspendendo temporariamente a conversão das notas, ou do

papel-moeda pela garantia em ouro. “Nos países periféricos ou subdesenvolvidos, esse tipo

de fenômeno ocorreu paralelamente aos ciclos depressivos no seu comércio exterior e à

queda dos preços das suas matérias primas e do recolhimento de impostos” (Ibidem).

Portanto, essa realidade derrubava a tese da existência de um ajuste automático

que se atribuía ao padrão ouro. O equilíbrio das balanças de pagamentos ficava a mercê

dos resultados obtidos por cada país e sua capacidade de acumular reservas no resultado do

comércio internacional. Não é difícil antever que esta lógica é extremamente perversa

considerando as economias muito desiguais e pouco competitivas da época. Se

beneficiavam com esse sistema as economias mais fortemente estabelecidas, como a

inglesa, devido a sua hegemonia industrial e comercial. “A instauração da convertibilidade

52

e o reforçamento de importação ficavam sujeitos, então, à obtenção de empréstimos

internacionais” (LICHTENSZTEJN et BAER, pg. 19).

O padrão ouro, neste período foi antes de tudo, um padrão ouro/esterlina. A Grã-

Bretanha, devido ao seu incrível poderio econômico (comercial, industrial) e político-

militar, devido suas inúmeras colônias, desempenhava um papel fundamental na economia

do mundo. Era com este país que praticamente todos os demais países negociavam. Para

todos os demais países a libra esterlina desempenhava o papel de moeda internacional, de

fácil aceitação e circulação. No entanto, o ouro, em última instância ainda conservava o

papel de ativo de reservas e fator de convertibilidade.

Foi a partir da Primeira Guerra Mundial que este padrão passou a ser atacado

fortemente e iniciou seu processo de derrocada. Durante o conflito, a maior parte dos

países, principalmente os europeus, suspenderam a convertibilidade de suas moedas ao

ouro. Surgiu neste período também novas práticas creditícias, que somadas a alta

generalizada da inflação, foram aos poucos contribuindo para o detrimento do padrão ouro-

esterlina. O surgimento de uma nova potência, os Estados Unidos, e de um novo mercado,

o de Nova York, são também citados por Lichtensztejn e Baer como fatores determinantes

para o fim do padrão monetário que favorecia a Grã-Bretanha.

Com a internacionalização bancária americana, seu sistema financeiro passou da

condição de importador de líquido de capitais para exportador. Iniciava-se desta forma

uma nova corrida concorrencial, onde a Grã-Bretanha já não podia mais controlar e conter

sozinha, devido aos fortes abalos que havia sofrido com a Primeira Guerra e às suas

conseqüências econômicas. Após a Guerra, os países europeus encontravam-se diante de

uma realidade extremamente complicada. Inflação acentuada, perdas enormes de reservas e

um acúmulo de dívidas contraídas em função do armistício geraram uma situação de muita

instabilidade no cenário internacional do ocidente.

Uma iniciativa (...) em Gênova (1922), de implantar um sistema de câmbio-ouro(gold exchange standard) baseado no dólar e na libra como moedas de reservainternacionais, foi transitória e acidentalmente posta em prática. Entre outrastentativas, tampouco vingou a de revalorizar a moeda inglesa.

Finalmente, a ausência de um acordo conduziu a um período de transição aolongo do qual o centro hegemônico do sistema financeiro internacional se

53

deslocou parcialmente da Grã-Bretanha para os Estados Unidos(LICHTENSZTEJN et BAER, pg. 23).

Com a queda do padrão ouro, ocorreram a formação de outras praças comerciais e

monetárias. Deixou de existir um padrão uniforme baseado no ouro como garantia de

reserva. Surgiu a área dólar, a área libra, a área franco, a área marco, etc. Cada país

procurava manter suas reservas nessas moedas estrangeiras, além do ouro. Os países

optavam por diferentes maneiras para a emissão monetária interna (redesconto de

documentos, emissão de títulos de dívida pública, etc). No entanto, apesar desta

diversidade de procedimentos, o ouro continuou como referencial de emissão do dinheiro

local e manteve no cenário internacional a supremacia de moeda por excelência.

3.10. Bretton Woods e o padrão dólar

Ao final do segundo pós-guerra, a nova conformação monetária mundial passou a

ser orientada pelo conjunto de acordos estabelecidos na Conferência Monetária

Internacional de Bretton Woods, em New Hampshire, EUA. Foi nesta conferência que

nasceram algumas das principais IFMs que ainda hoje desempenham papel estruturante na

economia mundial, como o FMI e o BIRD, e que são especialmente objetos de estudos

deste trabalho.

A formação desse novo sistema de relações entre os países refletia uma reação aos

modelos desenvolvidos pelos governos nacionais como forma de sobrevivência e

desenvolvimento, baseadas em políticas bilaterais e protecionistas. Embora possuísse

muito de interesse dos setores privados expressos na redação de seus documentos, estas

IFMs consistiam substancialmente os interesses dos Estados e seus interesses mais globais.

Nunca é bastante ressaltar que, acima de tudo, a Conferência de Bretton Woods tinha como

principal objetivo, “dirimir a rivalidade e a luta na cúpula que se travou entre o velho

imperialismo inglês e o emergente norte-americano” (LICHTENSZTEJN et BAER, pg.

27).

54

Os antecedentes a Bretton Woods se deram na Conferência do Atlântico de Ajuda

Mútua (fevereiro de 1942). Neste encontro, cuja finalidade era conciliar políticas que

permitissem um desenvolvimento econômico mais equilibrado e multilateral das relações

econômicas internacionais, ficou clara a divergência de opiniões entre as duas potências da

época, Estados Unidos, emergindo arrasadoramente e Grã-Bretanha, bastante fragilizada,

mas ainda lutando para retomar seu posto de império hegemônico.

No ano seguinte, 1943, como resultado da Conferência do Atlântico de Ajuda

Mútua, foram apresentados dois planos para discussão, cada um deles proveniente dos dois

maiores países interessados. O Plano Keynes, desenvolvido pelo inglês John Maynard

Keynes, assessor do Ministério da Fazenda britânico e o Plano White, desenvolvido por

Harry Dexter White, técnico do Departamento do Tesouro norte-americano. Os dois

documentos eram bastantes divergentes, tanto no conteúdo quanto na forma de sua

implementação, embora ambos partissem de uma mesma linha de princípios baseados na

necessidade de multilateralidade das relações econômicas internacionais.

Ao final das negociações, o triunfo foi norte-americano. A Grã-Bretanha apesar de

relutar, não teve força política e econômica para se impor frente a nova potência. Os

acordos estabelecidos em Bretton Woods foram produto “(...) de uma negociação desigual

entre o Estado norte-americano e o da Grã-Bretanha, dirigida e plasmada pelo primeiro,

dentro de um quadro fictício de cooperação mundial (...) (LICHTENSZTEJN et BAER,

pg. 28). Em comentário a este fato, Lichtensztejn e Baer ratificam o fato de que grande

parte da literatura convencional econômica desconsideram o fator da grande assimetria

estrutural de poder existente entre os dois países e os comportamentos conjunturais que

caracterizaram os acordos de Bretton Woods, permanecendo apenas nas análises dos

planos em si.

Dois grandes temas foram os principais pontos de divergência entre os Planos

White e Keynes. Um primeiro refere-se sobre o que se pode aceitar como dinheiro ou meio

de pagamento internacional e como regulamentar a sua quantidade. O outro era relativo a

forma de como conseguir o equilíbrio nos intercâmbios internacionais. O primeiro

resolveu-se adotando o ouro como instrumento de reserva. Não obstante, toda moeda

55

nacional podia adquirir o status de meio de pagamento internacional, desde que fosse

conversível em ouro.

No cenário do pós-guerra, com os países destroçados economicamente, o único

país que podia manter a convertibilidade de sua moeda em ouro eram os Estados Unidos,

mesmo porque, este país sozinho possuía nesta época 70% da reserva de ouro mundial31, o

que significava dizer que o dólar americano passava a ser a moeda de reserva obrigatória

no sistema financeiro internacional e no FMI.

Quanto à questão das políticas de ajuste das balanças de pagamentos, ambos os

planos eram determinantes em eliminar todas as restrições ao comércio internacional e suas

formas de pagamento, repudiando as práticas cambiais discriminatórias. Cabe aqui

ressaltar que esta política favorecia mais os Estados Unidos do que qualquer outro país.

Cabe lembrar que o Plano White e, posteriormente, o FMI, só criaram obrigações e

condições de ajuste para os países deficitários. “(...) Os Estados Unidos ficaram desde o

início a salvo de prestar contas de suas políticas econômicas, enquanto todo o peso dos

ajustes (...) era descarregado sobre os países que recorriam ao apoio do Fundo (...)

(LICHTENSZTEJN et BAER, pg. 31).

3.11. A globalização financeira

Nos dias de hoje, é comum culparmos todas as desventuras mundiais como sendo

conseqüência da “globalização”. O conceito tornou-se uma válvula de escape para muitos

analistas e críticos econômicos despreparados que tendem a dar respostas rápidas para

problemas muito complexos. Segundo Maria da Conceição Tavares e Luiz Eduardo Melin,

em um artigo onde procuram analisar os mitos globais no que chamam de “a nova

desordem internacional”, consideram que

tornou-se lugar-comum em nossos dias tirar proveito da imprecisão do conceitode “globalização” para dizer-se que a tendência a uma crescente

31 As reservas de ouro dos EUA eram, em 1928, 55% das registradas ao nível mundial, logo após a guerra asmesmas encontravam-se ao nível de 70% (cfm. Triffin, apud Lichtensztejn et Baer, 1987, pg. 25).

56

interdependência das economias do mundo não é um fenômeno novo, mas velhocomo o capitalismo (TAVARES et MELIN, 1998, pg. 41).

Estes autores destacam algumas das divisões do processo de desenvolvimento do

capitalismo, de forma a chegar ao último estágio, a globalização financeira. Consideram

como um primeiro momento a “internacionalização do capital” sob a forma comercial e de

crédito. Este processo teria nascido com a expansão do capitalismo intra-europeu até o

estabelecimento dos impérios coloniais do século XVI. Um segundo momento, teve início

com a Primeira Revolução Industrial, foi a “internacionalização produtiva”, “com a

expansão das filiais inglesas no mundo, acompanhando a divisão internacional do

trabalho proposta pela Inglaterra, sob a égide do padrão ouro-libra” (Ibidem). Um

terceiro momento, foi marcado pela Segunda Revolução Industrial, onde a

internacionalização das grandes empresas foi impulsionada no pós-guerra pela

concorrência das empresas multinacionais “lideradas pela expansão das corporações de

origem americana” (Ibidem), marcado pela implantação do tratado de Bretton Woods, que

estabeleceu o padrão monetário dólar-ouro. O último estágio, o da globalização financeira,

é um fenômeno mais recente,

que ganhou impulso com as políticas de desregulamentação cambial e financeiraadotadas após a ruptura do padrão ouro-dólar. Estas políticas foram impostaspelo receituário neoliberal emanado das autoridades econômicas norte-americanas e submeteram o conjunto da economia mundial à preponderância deuma lógica financeira global numa velocidade sem precedentes históricos(TAVARES et MELIN, 1998, pg. 42).

Centrando mais suas preocupação a este último momento do capitalismo,

descrevem que a globalização financeira teve origem com a ruptura do padrão monetário

dólar-ouro, que foi o “passo prévio que possibilitou a flutuação cambial e a mobilidade

internacional do capital financeiro em volumes até então desconhecidos” (TAVARES et

MELIN, pg. 43). Os EUA passaram a adotar, a partir do final de 1979, um conjunto de

políticas obrigando o restante do mundo capitalista a liberalizar os fluxos internacionais de

capital (a chamada desregulamentação financeira). Tais políticas de liberalização de

mercados internacionais e taxas de juros elevados, desencadearam uma crescente onda de

desorganização das economias, “provocando o desenraizamento da grande e da pequena

indústria de muitos países, freqüentemente deslocadas para áreas com condições

momentaneamente mais favoráveis de produção e comercialização” (Ibidem). Este

processo de desregulamentação originou uma verdadeira “dolarização” dos mercados

57

financeiros globalizados. O dólar passou definitivamente ocupar o espaço por excelência,

considerado como unidade obrigatória de referência das finanças internacionais. Desta

forma, os mercados mundiais ficam submetidos à um capitaneamento do FED (Banco

Central dos EUA). Organizações como o FMI, o BID, o BIRD e outras instituições

multilaterais, passam a ter um papel secundário no processo decisório, e norteiam suas

políticas econômicas com base naquela estabelecida pelo FED e pela cúpula de

Washington.

A “financeirização global”, como denominam este momento histórico, produziu

uma classe de rentistas cosmopolitas, agravando a concentração de renda. Seus efeitos não

poderiam deixar de ser maléficos, afetando a distribuição de renda, o mercado de trabalho

e as políticas sociais na maioria dos países periféricos, que foram forçados a se

submeterem aos condicionantes do capital hegemônico. Relatórios da OIT, da Unctad32 e

de diversas outras agências apontam para um crescente aumento negativo das condições de

vida e trabalho da maioria da população mundial. As políticas neoliberais de globalização

tendem a elevar as taxas de juros e pressionar os orçamentos fiscais, influindo

desastrosamente no crescimento, no emprego e nas políticas públicas. Nota-se que este

impacto faz-se não apenas nas economias ditas periféricas, mas também é visível nas

economias mais avançadas, ampliando a dicotomia entre ricos e pobres, obviamente mais

agravada nos países onde esta distinção já era bastante acentuada no passado, como o caso

da América Latina e países do leste-europeu e a maioria da Ásia e quase a totalidade da

África.

Em princípio, os países periféricos aparecem apenas como receptores de capitais

especulativos, importam os padrões de “cultura”33 difundidos a partir do centro. Estes

países servem também como plataformas de exportação concorrencial de grandes

32 Conferência das Nações Unidas para o Comércio e desenvolvimento, órgão permanente da ONU, criadoem 1948, com sede em Genebra, com o objetivo de acelerar a taxa de crescimento dos países menosdesenvolvidos.33 O padrão hegemônico, fortemente difundido pela indústria cultural, que têm objetivos comprometidos como grande capital financeiro e pretende ampliar sua dominação e controle difundindo seu ideário através deestilos de vida e consumo. Esta “cultura” vai aos poucos sendo absorvida pela maioria da população queadere ao consumo exacerbado chegando ao ponto de moldar sua concepção de mundo, que passa a ser aqueladominada pela lógica do mercado, liberalizado e “sem” controle.

58

multinacionais, burlando desta forma acordos internacionais de protecionismo fixados

entre alguns países. São exemplos deste caso o fato de o Brasil recentemente estabelecer

um acordo automotivo com o México34, estabelecendo entre si taxas e cotas até 2006,

chegando ao comércio livre. Foram estabelecidos também acordos de cooperação de

contrapartida e complementaridade entre estes dois países. Neste caso o Brasil exporta

automóveis para o México e este outros produtos para o Brasil. No entanto, a produção

automotiva brasileira restringe-se a uma parte pequena do processo, o grosso é produzido

em outros países, como as peças e a tecnologia. Países estes, que o México não mantém ou

não quer estabelecer relações comerciais. Neste caso o Brasil passou a ser uma ponte para

que tais produtos, através das multinacionais, ingressem no mercado mexicano, sem

estabelecer com ele novos acordos de complementaridade. A globalização financeira

também vem se utilizando destes países periféricos para servirem como circuitos de

valorização patrimonial e financeiro, sobretudo via privatizações e aplicações de portfólio.

Em geral, no meio técnico (economia) e administrativo (político), ao se discutir a

economia internacional contemporânea, “freqüentemente se menciona a globalização

como sendo um fator favorável a uma expansão mundial benéfica e sustentada”

(TAVARES et MELIN, 1998, pg. 48). No entanto, a maioria dos países europeus e latino-

americanos não tem sido beneficiados em termos econômicos nacionais e nem em termos

sociais. Com a “globalização financeira” a economia mundial apresenta uma grande

assimetria, fixada em três pontos:

No plano geográfico, o crescimento deslocou-se do Bloco Atlântico do pós-guerra para o anel do Pacífico (EUA, Japão e Sudeste da Ásia) e concentra-seatualmente nos EUA (no Mundo Ocidental) e na China (no Mundo Asiático). Noplano social, aumentou brutalmente a desigualdade internacional e o espectro dodesemprego ronda a Europa, a América Latina e o antigo bloco soviético,enquanto a África encontra-se inteiramente desestruturada social eeconomicamente. A distribuição de renda piorou por toda parte, aumentando aparticipação dos rentistas e diminuindo a participação do trabalho (...) No planoeconômico, (...) as exportações “globais” (...), transformaram-se, no que toca àconcorrência, em uma verdadeira guerra comercial levando a deslocamentosfreqüentes de plantas industriais para áreas cambiais mais favoráveis ou comproteção regional. Por sua vez, o ritmo do investimento em ampliação decapacidade produtiva diminuiu, sendo preterido em favor do investimentofinanceiro e patrimonial (fusões e privatizações) além de uma aceleração brutal

34 Brasil e México mais perto. Jornal Gazeta Mercantil , Rio de Janeiro, 10 jun. 2002. Mercosul, p.3.

59

da circulação mundial de capitais especulativos (TAVARES et MELIN, 1998,pg.49).

As questões apontadas acima, nos direcionam a um problema central para o nossa

pesquisa, ou seja, a questão dos espaços de autonomia para formação de políticas nacionais

de desenvolvimento econômico e social sustentado e o alcance da soberania dos Estados.

Se considerarmos que as estratégias da globalização são políticas de uma potência

hegemônica (neste caso os EUA), não temos como negar que o avanço da “ordem

unipolar” implica em uma perda de autonomia da maioria dos Estados nacionais. A

implantação de políticas públicas e sociais passa a ser condicionada aos interesses

hegemônicos que determinam os rumos econômicos que os países periféricos (dominados)

devem seguir. Todo o esforço de governabilidade dos Estados nacionais passa a ser

regrado e condicionado pela interferência da cúpula de Washington, capitaneadas pelo

FED.

Em linhas gerais o processo de globalização financeira se desenvolveu mais

decisivamente a partir da implantação de políticas neoliberais no mundo ocidental, nas

últimas duas décadas. Foi o neoliberalismo que impulsionou todas as demandas de crédito

e especulação financeira, determinando um novo período do sistema capitalista tardio. Para

Robert W. McChesney, em texto de introdução ao livro O lucro ou as pessoas de Noam

Chomsky (2002),

O neoliberalismo é o paradigma econômico e político que define o nosso tempo.Ele consiste em um conjunto de políticas e processos que permitem a um númerorelativamente pequeno de interesses particulares controlar a maior parte possívelda vida social com o objetivo de maximizar seus benefícios individuais.Inicialmente associados a Reagan e Thatcher, o neoliberalismo é a principaltendência da política e da economia globais nas últimas duas décadas (Op. cit.,pg.7).

3.12. A ideologia neoliberal

Para realizar uma análise do neoliberalismo, e mais especificamente, do

neoliberalismo brasileiro, faz-se necessário apresentar uma caracterização sumária da

ideologia neoliberal. Ou seja, do conjunto de idéias fundamentais que norteiam as relações

capitalistas em nossa sociedade contemporânea.

60

Para Armando Boito (1999), a ideologia neoliberal contemporânea possui uma

característica específica que a distingue de maneira especial das demais teorias liberais pré-

existentes. Essencialmente, é um liberalismo econômico, diferente do liberalismo político

que estava preocupado com os direitos individuais do cidadão e com a implantação de um

regime político representativo adequado ao exercício daqueles direitos. Em uma

caracterização sumária, é uma ideologia “que exalta o mercado, a concorrência e a

liberdade de iniciativa empresarial, rejeitando de modo agressivo, porém enérgico e vago,

a intervenção do Estado na economia” (BOITO, pg. 23).

Na mesma linha, Chomsky (2002) avalia que para discutir o neoliberalismo é

necessário fazer uma distinção entre a doutrina e a realidade, considerando que o sistema

de princípios que orienta a nova tendência da ordem mundial é baseado em idéia antigas. O

neoliberalismo possui suas bases nas idéias liberais clássicas, tendo como Adam Smith seu

principal precursor. Portanto, é uma forma nova de uma antiga receita baseada num

conjunto de princípios orientados para o mercado, livre da intervenção estatal visando os

interesses individuais. A realidade que Chomsky considera para ser avaliada é a sua forma

atual, expressa pelo que chama de Consenso de Washington, ou seja, este mesmo conjunto

de princípios, desta vez traçados pelo governo dos EUA e pelas instituições financeiras

internacionais que ele controla. Basicamente suas regras são: “liberalização do mercado e

do sistema financeiro, fixação dos preços pelo mercado (“ajustes de preços”), fim da

inflação (“estabilidade macroeconômica”) e privatização” (CHOMSKY, pg. 22). Para que

este conjunto de orientações consiga ser implantado é necessário que os governos dos

países “fiquem fora do caminho” e deixem de intervir no mercado.

A economia privada (em geral empresas gigantescas) são os grandes mentores do

Consenso de Washington. Estas empresas controlam a maior parte da economia

internacional, possuindo meios e artifícios para determinar e formular as políticas que lhe

forem mais convenientes e lucrativas. Percebe-se, desta forma, que esse conjunto de

instituições, vinculadas diretamente ao governo norte americano, controla toda a economia

internacional, “como um núcleo de um governo mundial de fato de uma nova era imperial”

(CHOMSKY, pg. 22, grifos nossos).

61

O neoliberalismo, segundo nos remete a revisão apresentada por Chomsky, deve

parte de seu sucesso a um do grandes trunfos apresentados pelos seus defensores, a alegada

inexistência de alternativas. De fato, os socialismos comunistas, bem como as social-

democracias e mesmo o Estado de bem-estar social, como o americano, falharam. Isto faz

com que seus difusores utilizem tal alegação para apresentar o neoliberalismo como um

único sistema econômico possível e inevitável.

As relações entre liberalismo e democracia sempre foram complexas. Boito faz

referência que o liberalismo político do século XIX não era democrático, pois era contrário

ao sufrágio universal e igual, fato que persistiu historicamente até o século XX.

Na França, Benjamim Constant defendia o sufrágio censitário com bases napropriedade; na Inglaterra, John Stuart Mill defendia, ainda que de modorelutante, a extensão do sufrágio a todos alfabetizados, porém sob a forma devoto plural ou desigual, sendo o valor do voto de cada um definido pelo seu nívelde instrução. Para ambos as classes trabalhadoras deveriam usufruir de direitoscivis mínimos – entre os quais não se contava a plena liberdade de organização(BOITO, 1999, pg. 24).

O discurso neoliberal procura exaltar o mercado e tenta mostrar sua superioridade

frente à ação do Estado como determinante das tomadas de decisão baseadas na lei maior

da “livre concorrência”. O Estado perde seu papel de agente regulador e provedor dos

interesses gerais e passa suas atribuições ao mercado, que por si só teria os mecanismos

mais adequados para reger a vida social, baseada na “oferta” (produção) de produtos,

conforme a “procura” (necessidade). “ A liberdade que teria o cidadão de escolher, de

modo soberano, o que comprar ocupa, no liberalismo econômico moderno, um lugar

semelhante àquele que ocupava no liberalismo político (...) a liberdade de pensamento e o

direito de voto” (BOITO, 1999, pg. 25). O desenvolvimento moral e intelectual do cidadão

resulta primeiramente da liberdade e da decisão de consumo, depois, em segundo plano, da

sua liberdade de participação política.

Porém, o neoliberalismo contemporâneo, apesar de estar basicamente voltado para

o mercado, extrapola seu domínio de ação, ou seja, de um sistema econômico (infra-

estrutura), e reflete-se nas demais esferas da vida social (superestrutura)35, tornando-se um

35 Utilizamos aqui o conceito marxiano de infra-estrutura e superestrutura, onde a primeira refere-se a base

62

sistema político e cultural novo. A democracia passou a ser relacionada com a existência

de liberdade de mercado. Ser democrático, defender um Estado democrático é aderir e

garantir a liberdade “total” 36, sem intervencionismo, sem regulação.

3.13. O Brasil no cenário neoliberal de globalização

O Brasil, dentre os países latino-americanos, foi o último a ingressar no processo

de liberalização financeira e comercial, no início da década de 1990, com o governo de

Fernando Collor de Mello. Este governo, o primeiro eleito por voto direto após trinta anos,

iniciou com a “heróica” tentativa de derrotar a inflação com um único tiro. Foi derrotado

pela sociedade política organizada do país (TEIXEIRA, 1994, pg.121). Todos os esforços

do governo de Collor foram dirigidos ao controle da inflação, que havia chegado a

patamares absurdos de quase 1000% ao ano. Collor, não conseguiu sequer seu objetivo

mais elementar, mas tentou dar início ao processo de liberalização da economia brasileira,

cujo referencial marcou profundamente suas estratégias políticas e econômicas enquanto

esteve no governo.

Porém foi só a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), eleito em

1994, que o Brasil começou, de fato, a implementar as medidas neoliberais degradando a

economia e submetendo o país a uma crescente dependência internacional através do

endividamento progressivo (ver tabela 2). Num curto período de menos de uma década,

FHC, como ficou popularmente conhecido o presidente, empreendeu um número sem

contas de transformações na estrutura econômica e social do país. Privatizou as indústrias

estatais mais importantes e estratégicas, como o caso do setor de comunicações (telefonia,

concessões de rádio e TV), indústria de base (siderurgia, mineração), financeiro (bancos),

econômica da sociedade, pela qual todas as demais esferas da vida social, presentes na segunda, sãocondicionadas e determinadas. Em tese, que a esfera econômica influi, condiciona e determina as demaisesferas (política, ideológica, cultural, social, doméstica, etc).36 Entenda-se “liberdade total” apenas para o mercado, pois o que constatamos é um incrível aumento docerceamento das autonomias nos Estados independentes. Mesmo no interior do Estados, a liberdadeindividual fica, muitas vezes, cerceada pelos condicionantes econômicos que bloqueiam qualquer iniciativacontrária aos interesses do círculo hegemônico.

63

etc. Abriu os mercados brasileiros para importação de alimentos e tecnologia de

informação baratas e subsidiadas, relegando a segundo plano setores internos de produção

agrícola de pequeno e médio porte. Aumentou a dívida externa e interna do país como

jamais na história, comprometendo mais da metade do PIB com serviços da dívida junto ao

FMI, BID e BIRD, e os bancos privados dos EUA, Japão e União Européia. Com tudo

isso, a taxa de crescimento do país durante os anos 90 foi a mais baixa do século XX.

A situação mundial se agrava com a presença das constantes crises que vem

acompanhando o processo histórico, geradas pelas próprias contradições do sistema

capitalistas e fruto de sua dinâmica de antagonismos. Ou seja, para que o capitalismo se

mantenha é necessário que ele crie seus próprios mecanismos de autodestruição e

reestruturação.

Tabela 2 – Dívida pública interna e encargos, em milhão de reais (R$)

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Dívida Pública Federal* 61.782 108.486 176.211 255.509 323.860 414.901 516.114

Encargos daDívida Pública Federal

3.325 7.079 10.810 10.170 18.474 24.618 25.045

Despesas doTesouro Nacional

46.810 90.256 10.594 121.333 148.333 163.707 247.257

Encargos da Dívida /Total de Despesas 7,10% 7,84% 10,20% 8,38% 12,45% 15,04% 10,13%

*Divida mobiliária interna federal em poder do público.Fonte: Conjuntura Econômica, FGV, abril/20001.

O Brasil, a partir do seu processo de liberação de mercado, atraiu novamente

investimentos externos. Como citamos, o governo de FHC mergulhou o país num oceano

de dívidas pelos vultuosos empréstimo que solicitou para financiar o seu déficit interno e

externo e equilibrar a sua balança comercial. A dependência econômica externa brasileira

figurou como a maior de todo o século XX. Hoje o Brasil não consegue mais fugir da

necessidade de recorrer ao FMI, ao BID, BIRD e a outros agentes para solicitar

financiamentos para seu custeamento. Inclui-se neste cenário, setores da sociedade que

64

sempre foram considerados como esquerda37, contrários ao processo de endividamento e

hoje se curvam aos acordos com tais IFMs e recorrem a elas como uma das alternativas

para ajudar o país a vencer o risco de colapso econômico.

A dívida pública do Brasil representa hoje 60% do seu PIB. Uma situação

alarmante, que engessa qualquer possibilidade de investimento e crescimento econômico.

A situação do país é muito preocupante, atravessamos a maior crise dos últimos tempos,

onde a principal causa é justamente a fuga de capitais financeiros internacionais. A falta de

credibilidade no país dos investidores internacionais, é fruto do medo de que o país não dê

conta de honrar seus compromissos com os credores, declarando moratória, e se

encaminhando para a “bancarrota”.

O próprio “Plano Real”, desenvolvido pelo governo de FHC foi um conjunto de

medidas que consistiu, inicialmente, em uma combinação de abertura comercial e

liberalização financeira, simultâneas ao estabelecimento de uma taxa de câmbio

sobrevalorizada. Utilizando o recurso das importações de baixo custo como elemento de

força contra eventuais pressões inflacionárias internas nos setores de bens comercializáveis

internacionalmente. Toda a lógica do “Real” foi norteada e balizada pelas políticas de

liberalização da economia brasileira para adequá-la aos princípios do “Consenso de

Washington” e afiná-la aos interesses do comércio internacional e do sistema especulativo

de capitais. Como veremos mais adiante, esse conjunto de “remédios” importados de fora

não foram tão benéficos para o país, ao contrário, lhe conferiram uma dependência

inevitável da qual será muito difícil escapar nos próximos anos sem os inevitáveis reflexos,

principalmente aos setores mais fragilizados da sociedade.

37 Exemplo paradigmático é o caso do PT (Partido dos Trabalhadores), historicamente conhecido por manterposição firme com relação ao não pagamento da dívida externa brasileira e o rompimento com as IFMs(principalmente FMI e BID), apoiou o acordo estabelecido pelo governo brasileiro junto ao FMI, em junhode 2002, para um empréstimo de US$ 30 bilhão, e agora no poder (executivo) mantém a mesma política dogoverno anterior.

65

3.14. O Brasil e as Instituições Financeiras Multilaterais

A muito tempo que ouvimos afirmar que as IFMs são responsáveis pelas

orientações que determinam as políticas econômicas do Brasil. Acusam-se as IFMs de

afundarem o país num oceano de dívidas e de condicioná-lo à políticas de acordo com os

interesses dos países hegemônicos que as controlam. No entanto, as relações que existem

entre as IFMs e os governos não são unilaterais e não são formalmente imposições aos

países. De fato, embora sejam apresentadas como organismos internacionais destinados ao

desenvolvimento econômico, relatórios de organismos internacionais, como a ONU, e

também de instituições nacionais não governamentais38, demonstram que as IFMs têm

contribuído muito para o aprofundamento da pobreza, principalmente nos países pobres,

em virtude da forma como atuam e das condicionalidades39 impostas para a concessão de

seus empréstimos.

Um primeiro problema refere-se à lógica mercantil adotada para os empréstimos

concedidos. Afinal, são bancos, necessitam fazer empréstimos, dentro da lógica de

mercado. Não doam recursos, fabricam dívidas. Além do mais, são atores econômicos.

Atuam dentro de mecanismos atuais de reprodução do capital e a serviço dos mais fortes.

O governo brasileiro, principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso,

conduziu a política econômica por um caminho que praticamente forçou o país

repetidamente recorrer ao FMI, ao BIRD e ao BID, reforçando a atuação destas instituições

no cenário político e econômico de forma muito contundente. Os acordos com as IFMs, é

verdade, não criam sozinhos a situação de precariedade social do Brasil, no entanto, as

condições impostas por estes agentes agravam esta realidade.

O enorme poder das IFMs transparece não apenas nas condições embutidas nos

acordos firmados diretamente com estas instituições, mas também nas articulações destas

38 Desde 1999, o INESC (Instituto de Estudos Sócio Econômicos – Brasília) vem publicando análises sobre arelação entre os acordos com as IFMs e os gastos sociais. A este respeito, ver, dentre outras: Notas TécnicasINESC: nº. 07, dez 1999; nº. 60 mai 2002; nº. 66 jun 2002.39 O termo condicionalidades refere-se às condições exigidas pelo banco para a concretização de umempréstimo.

66

IFMs entre si e nas negociações do pacote de “ajuda”40. Entre as muitas condições impostas

pelas IFMs, merece destaque a geração de um superávit primário 41, exigência que se

estende a estados e municípios. Frente a esta prioridade estrutural dos acordos de

empréstimos, fica patente que qualquer declarada preocupação social é marginal e

subordinada ao pagamento da dívida.

O financiamento da área social sofre as conseqüências dos “ajustes econômicos”

promovido pelo governo federal para cumprir os acordos com as IFMs. Entre as várias

medidas que foram tomadas no intento de adequar as contas públicas às obrigações da

dívida encontra-se a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que nos últimos três anos

(2000-2002) têm submetido os investimentos no país, inclusive os sociais, à produção do

superávit primário. Algumas vezes, os recursos das próprias IFMs são utilizados para o

pagamento da dívida externa. Neste caso, as IFMs tornam-se credoras e emprestam

dinheiro para o pagamento de juros de outras dívidas contraídas delas mesmas,

aumentando ainda mais o valor principal do empréstimo. Em outros casos, os recursos são

utilizados como garantia de credibilidade, como recursos a serem gastos na estabilidade de

conversibilidade das moedas.

Um segundo aspecto importante a ser considerado no contexto das IFMs diz

respeito aos empréstimos para políticas setoriais42. Neste caso os Bancos não só emprestam

dinheiro, como também apoiam com assessoria técnica. Assim como os recursos para a

área econômica, que vêm acompanhados de orientações de natureza estrutural sobre o

modelo de desenvolvimento, o mesmo ocorre para os casos dos recursos setoriais. Os

bancos não só têm propostas para a área, como as adequam aos interesses maiores.

40 As IFMs utilizam o termo “ajuda” para designar os pacotes de projetos financiados aos países.Questionamos o termo, uma vez que todo projeto aprovado é antes de tudo uma operação financeira.Empresta-se dinheiro para o financiamento dos projetos, a serem pagos acrescidos de juros e correçõesmonetárias. Não é doação ou incentivo, portanto, não é ajuda.41 O superávit primário é o resultado da diferença entre receitas e despesas sobre o Produto Interno Bruto -PIB, excluídas as despesas com juros e amortização da dívida.42 Projetos financiados principalmente pelos bancos de desenvolvimento (BIRD e BID, p.e.) para políticasespecíficas e direcionadas a um dado setor, como educação, agricultura, saúde, etc.

67

Podemos argumentar que as IFMs não são sozinhas as únicas responsáveis pela

política de corte nos gastos sociais. Cabe ao governante do país e à sua orientação político-

ideológica a responsabilidade maior pela tomada de ações neste ou naquele sentido. Porém,

as condicionalidades impostas pelas IFMs para o seu auxílio aos países, forçam os

governantes a extraírem recursos mesmo sem um aumento da produção interna. FHC

mostrou-se estar bem afinado com as políticas estratégicas das IFMs, inserindo o Brasil em

um processo de dependência contínua destas instituições. A avaliação do próprio governo

de FHC segue neste rumo, determinando as políticas a serem seguidas pelo seu sucessor:

O cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas na legislação, peloterceiro ano consecutivo, consolida a reputação de responsabilidade fiscal ecomprova o compromisso do Governo com o Programa de Estabilidade Fiscal.(...) Para que o ajuste fiscal iniciado nos últimos anos seja permanente, faz-senecessária a continuidade dessa política nos próximos exercícios (...)43.

Do outro lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda na fase de campanha,

como foi amplamente divulgado pela imprensa, assumiu o compromisso de dar

continuidade aos acordos estabelecidos e a cumprir as metas e obrigações com o FMI,

BIRD e BID. Igualmente, durante o período de transição, nenhuma novidade em sentido

contrário aos acordos já firmados foram apresentadas. Nesta perspectiva, cabe questionar

se existirá possibilidades de o novo mandatário (Lula) implantar suas promessas de

campanha com a aplicação de gastos na área social conjuntamente com a garantia de

estabilidade monetária, seguindo a mesma política que orientou o governo de FHC e

subordinado às mesmas obrigações com as IFMs.

43 Anexo de Metas Fiscais. Avaliação das metas relativas ao ano anterior (Artigo 4º, §2º Inciso I da LeiComplementar nº. 101/2000).

4. AS ESTRATÉGIAS DOS BANCOS MULTILATERAIS DEDESENVOLVIMENTO (BMDs) PARA O BRASIL

4.1. A importância do BIRD e do BID para o Brasil

O BIRD e o BID desempenham um papel muito importante para o Brasil, no

entanto, deve-se ter em conta que esta importância se dá mais pela especificidade dos

projetos que são financiados por estas IFMs e pelas estratégias de atuação política (anexas

às operações de crédito), que pelo montante do valor aplicado no país. Com efeito, como

demonstra a tabela 3, nos últimos anos o Brasil recebeu um considerável montante de

investimentos destes BMDs, para investimentos em setores essenciais do país, como

educação, saneamento, saúde, educação básica, etc, no entanto, tais valores merecem

algumas observações.

Tabela 3 – Movimentação do Brasil com o BIRD e o BID nos últimos treze anos, emmilhão de dólares (US$).

Ano Desembolso Amortização Juros/Comissões Transf. Líquida1990 1.026 1.542 965 (1.481)1991 1.081 1.545 915 (1.379)1992 909 1.573 894 (1.558)1993 807 1.584 914 (1.691)1994 1.039 1.690 800 (1.451)1995 1.327 1.732 774 (1.179)1996 2.330 1.521 661 1481997 2.793 1.376 697 7201998 2.972 1.308 747 9171999 4.470 1.246 934 2.2902000 4.542 1.184 1.282 2.0762001 2.662 1.112 1.201 3492002* 2.533 1.379 983 171Totais 28.491 18.792 11.767 (2.068)

*até novembroFonte: SEAIN/MPO, 2003

Desde 1949, o BIRD já financiou mais de 380 operações de crédito ao Brasil,

totalizando um montante de 33 bilhão de dólares. Só no ano de 2002, o montante de

projetos financiados pelo Grupo Banco Mundial, em execução, foi de mais de 13 bilhão de

69

dólares, deste valor os empréstimos chegam a quase 5 bilhão de dólares44. O BID, desde

1961, financiou ao Brasil 289 operações de crédito, que juntas acumulam a quantia de

quase 18,5 bilhão de dólares. Só no ano de 2002, o valor correspondente aos 10

empréstimos concedidos ultrapassaram a casa dos 2,3 milhão de dólares45. De fato, o

montante de recursos aplicados no país não é pequeno (ver tabela 4), porém contribui com

uma fração muito reduzida do custeio dos gastos no país. O Orçamento Geral da União,

encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 2002 é da ordem de mais de 280

bilhão de dólares46. Considerando que os desembolsos do BIRD e do BID somados, para o

mesmo período, é de pouco mais de 2,5 milhão de dólares (ver tabela 3), observa-se que

corresponde a menos de 1% do Orçamento Geral da União.

Tabela 4 – Total de créditos financiados pelos BMDs em 2002.

BMDs Total de Projetos* Total de Empréstimos*BIRD 13.118,5 4.948,8BID 13.300,1 5.183,4

*Em bilhão de dólaresFonte: BIRD, Country Assistance Strategy, 2000 et BID, Country Paper, 2000.

Como vemos, o aporte externo recebido dos BMDs estudados, apesar de serem

expressivos, não são nada significativos se comparados ao Orçamento Geral da União. E

poderíamos nos perguntar se, diante do ônus que geram de juros e encargos, resulta

vantagem ao país em recorrer a este tipo de financiamento. É claro que existem outros

fatores que influem no momento do processo decisório para a tomada de empréstimo junto

as IFMs. O orçamento da União está comprometido com inúmeras finalidades e os

recursos são divididos entre várias obrigações. Muitas desta obrigações não correspondem

às áreas de atuação dos BMDs estudados. Neste caso, os BMDs preenchem o vazio

deixado pelo governo. Porém, percebemos que este vazio não é preenchido no todo.

Apenas alguns, das centenas de projetos encaminhados a estas IFMs são aprovados, e em

valores muito aquém dos solicitados, exigindo do governo uma contrapartida bastante alta.

44 Dados obtidos no Site oficial do Banco Mundial (Versão para o Brasil), Página: Operações no Brasil,disponível em http://www.obancomundial.org/index.php?action=/content/view_projeto&cod_object=555,acessado em 07 de jan. de 200345 Banco Interamericano de Desenvolvimento. Relatório Anual. Washington: BID, 2002, disponível emhttp:// www.iadb.org, acessado em 07 jan. 2003.46 BRASIL. Lei 10.470, de 10 janeiro de2002. Diário Oficial da União,Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan.2002. Seção 1, p.456.

70

Portanto, através desta análise, o Brasil não depende tão intensamente dos

recursos externos destes BMDs, de onde vem, então, a importância destas IFMs e o que as

fazem ser tão respeitadas pelos governos e tão criticadas pelas OSCs?

A primeira hipótese que pretendemos trabalhar é a de que as IFMs possuem uma

importância que extrapola a do valor dos recursos e dos projetos que financiam. Temos

percebido que, além de agentes financeiros, os BMDs têm atuado no país como uma

“inteligência auxiliar” do governo 47. As IFMs atuam na elaboração de projetos e programas

que irão, mais tarde, influenciar ou determinar muitos dos ajustes estruturais, da aplicação

e eleição das políticas públicas a serem implementadas e até no gerenciamento econômico

do país.

A nossa proposta de trabalho é justamente procurar identificar de que forma esta

“inteligência auxiliar” se efetiva através das estratégias de ação dos bancos no país. As

estratégias são estabelecidas através de um vasto estudo sobre o país e expressas nos

documentos que nos propomos a analisar, a CAS e o CP, do BIRD e do BID,

respectivamente.

4.2. Uma análise das estratégias

Ao se desenvolver uma leitura rápida e superficial sobre a CAS e sobre o CP, a

primeira impressão que nos resta é a de que se tratam de documentos puramente técnicos.

De fato, repletos de gráficos e tabelas, parecem desenhar um perfil muito bem delineado do

país, com riqueza de detalhes e quadros comparativos, e nos parece que nenhum detalhe foi

esquecido e que o estudo não poderia estar mais completo.

47 O termo “inteligência auxiliar” do governo foi utilizado primeiramente por Aurélio Vianna, consultor daRede Brasil, e citado fartamente em diversas de suas manifestações públicas como conferências, palestras, eentrevistas na mídia que participamos e ouvimos. Também consta de alguns trabalhos seus publicados, aosquais não conseguimos localizar a tempo de fazer aqui uma citação mais precisa.

71

No entanto, após alguns meses de manejo dos documentos e efetuando uma

análise mais detalhada de suas páginas, percebemos que a CAS e o CP são mais que

documentos de análise técnica que servem como base para a definição de projetos a serem

aprovados. Ambos os documentos estão repletos de orientações, sugestões e propostas que

acabam por delinear, às vezes de forma detalhada, as políticas macroeconômicas a serem

levadas adiante pelo governo brasileiro, os rumos estratégicos pensados para a

reestruturação da economia nacional e as chamadas “reformas” que julgam necessárias

para tal.

Os BMDs também possuem uma clara afinidade entre si e também com o FMI.

Esta afinidade está expressa nos itens 109 e 113 da CAS, caracterizados como “Parcerias

de Desenvolvimento” e nos itens 2.75 a 2.77 do CP, expressos neste documento como

“Complementaridades com Outras Fontes”. Nestes itens, ambos os documentos apontam a

complementaridade e reforço mútuo de suas políticas para o Brasil, sua visão e seus

projetos. De modo que podemos presumir que existem interesses maiores em jogo quando

se elaboram tais estratégias. A preocupação em estabelecer bases e condicionantes para a

aplicação de ajustes e políticas específicas, deve orientar-se, antes de tudo, com a visão que

tais IFMs procuram difundir e defender.

Como já foi apresentado neste trabalho, as IFMs seguem como orientação básica

o “Consenso de Washington”, para formulação de suas estratégias de ação. A sua visão de

mundo, portanto, é aquela do mercado, do receituário neoliberal. Esta proposição é

claramente definida na introdução da CAS, expressas já nas primeiras linhas do Resumo

Executivo.

No passado recente, o Brasil tem feito avanços impressionantes no seu programade reformas econômicas e sociais em direção a uma economia moderna,conduzida pelo setor privado e integrada com mercados internacionais (BIRD,2000, pg. 4, grifos nossos).

72

4.2.1 Desafios ao desenvolvimento do Brasil segundo a CAS e o CP

Após realizado vários estudos, os BMDs possuem um perfil bastante claro da

realidade do Brasil. A partir deste levantamento, determinam os desafios para o

desenvolvimento do país, e as frentes onde serão priorizadas a aprovação de projetos, de

forma a contribuir através de seu aporte financeiro e técnico.

O BID afirma cinco desafios para o desenvolvimento do Brasil, expressos nos

seguintes termos:

1) Voltar a ter crescimento econômico, em condições de equidade social erespeito ao meio ambiente, preservando a estabilidade obtida;

2) Reforma do setor público, considerando que a redução do déficit fiscal requera conclusão acelerada das principais reformas estruturais;

3) O melhoramento da competitividade mediante uma redução importante doCusto Brasil, a modernização e o apoio às pequenas e microempresas;

4) Os problemas sociais, em particular a pobreza, a distribuição desigual darenda, o acesso desigual da renda, o acesso desigual aos serviços sociais básicose as deficiências no esforço de investimento social que o país realiza.

5) Revitalizar e ampliar a integração regional (BID, 2000, pg. 3).

O BIRD, na presente CAS, mostrou-se bastante favorável às políticas adotadas

pelo governo FHC. De maneira muito enfática, o memorando executivo do presidente do

BIRD indica que as políticas adotadas pelo governo foram um sucesso, enfatizando a

“grande vitória conseguida de uma só vez” através da estabilização econômica, introduzida

com o Plano Real em 1994. Para o BIRD, tal política de ajuste econômico formou a base

para a redução da pobreza no país.

Os avanços substanciais conseguidos na consolidação das reformas assentaramas bases para um maior crescimento sustentável e para uma redução efetiva dapobreza no futuro, para além da grande vitória contra a pobreza conseguida deuma vez só com a estabilização e a introdução do Plano Real em 1994 (BIRD,2000, pg. 4).

Por isso, na mesma linha o BID, indica como questão primordial a ser priorizada a

redução da pobreza. Apresenta também cinco frentes temáticas de atuação no país, embora

todas relacionadas de alguma maneira com o a questão da redução da pobreza, através da

melhoria dos acessos e qualidade dos serviços públicos oferecidos. Ampliação da rede de

seguridade social, acesso ao mundo do trabalho por meio de melhoria no sistema

educacional, voltado para as necessidades da iniciativa privada, etc. Faz também menção a

73

necessidade de melhoria do ambiente, tornando-o propício para o desenvolvimento do

setor privado. Melhorar a eficiência das instituições públicas, aumentando a transparência

na administração e gestão do dinheiro público (principalmente nas esferas dos governos

subnacionais) e uma reforma efetiva do sistema judiciário brasileiro. Segue por último, um

tópico específico para a questão ecológica, ressaltando a presença de importantíssimas

reservas naturais dentro do território nacional e da necessidade de preservação de

importantes ecossistemas mundiais, através do controle da poluição (principalmente em

áreas urbanas) e conservação da biodiversidade.

Até aqui, nenhuma novidade. Se acompanharmos as políticas desenvolvidas pelo

governo de FHC, perceberemos um alinhamento entre as proposições destacadas nos

documentos dos BMDs e as políticas de governo. Existe também a possibilidade de uma

outra interpretação, a de que, ao contrário, foi o governo de FHC que se alinhou às

políticas das IFMs. No entanto, esta é uma resposta que não podemos dar até este momento

de nossa pesquisa. O que podemos afirmar com certeza é que existiu, de fato, um

ajustamento bastante visível entre as prioridades estabelecidas pelo governo FHC e aquelas

estabelecidas pelos BMDs.

No entanto, muitas das vezes os posicionamentos dos BMDs, expressos em seus

documentos são contraditório, ou pouco dignos de crédito. Vejamos abaixo algumas

considerações, que embora simplificadas, nos fizeram pensar sobre os desencontros das

estratégias, com relação à realidade concreta do país, no período estudado.

4.2.2. A análise da “macroeconomia” brasileira na CAS e no CP

Os BMDs expressam, através de seus documentos uma posição bastante otimista

quanto aos rumos econômicos do Brasil. Ambos apostaram no sucesso do Plano Real,

mesmo que elaborados durante a crise deste 1998 e publicados posteriormente. Quanto a

este momento histórico, bastante sofrido da economia brasileira, após um período de

euforia e estabilidade, o BIRD se pronuncia aplaudindo as atitudes do governo e aprovando

as iniciativas tomadas pela equipe econômica de FHC.

74

O governo respondeu de forma bem eficaz a uma série de choques externosacontecidos nos últimos dois anos, por meio de uma combinação de políticasativas de taxas de juros e um rigoroso ajuste fiscal, protegendo simultaneamenteas despesas sociais essenciais. (...) Acima de tudo, ficou provada a solidez daestabilidade econômica (BIRD, 2000, pg. 4).

O BID segue na mesma linha. Embora reconheça a crise do final de 1997 e início

de 1998 (itens 1.6 e 1.7 do CP), exprime declarações de reconhecimento e elogios as

iniciativas do governo, como sendo as mais adequadas e benéficas para o país, facilitando

o comércio, a atração de novos investimentos externos, etc. Em seqüência a análise do CP

aponta para uma contradição e textualiza um panorama bastante descolado da realidade ao

destacar o processo de privatizações levado a cabo no país. Para o BID,

O benefício acumulado das reformas estruturais, tais como a abertura, aintegração regional, maior responsabilidade fiscal e as privatizações, estãotransformando o Brasil em uma nação muito mais moderna. (...) Nesse contexto,merece destaque o programa de privatização (...). Este programa de privatização,um dos maiores do mundo, contribuiu para a modernização e competitividade daindústria (BID, 2000, pg. 6).

Aparentemente, pelo que atestam diversos analistas de diversas OSCs,

principalmente, as centrais sindicais e institutos de pesquisa econômica48, as privatizações

não cumpriram este papel modernizante do país. Ao contrário, desarmaram o país do

controle de importantes setores estratégicos da economia e da autonomia interna.

4.2.3. A necessidade e a contradição do ajuste fiscal

Ambos os documentos apontam para a necessidade fundamental de ajuste fiscal

das contas do governo. Tal elemento é citado em inúmeras partes do texto e sempre

atrelando a sua necessidade para o desenvolvimento e para a redução da pobreza no país. O

BID expressa claramente e com determinada ênfase que “o Brasil deverá aprofundar seus

esforços para conseguir um ajuste fiscal adequado, já que as finanças públicas continuam

sendo a principal fonte de desequilíbrio macroeconômico” (BID, 2002, pg. 7). O BIRD

dedica uma boa parte do texto da CAS para analisar a questão, e igualmente, define o

48 Ver INESC, Notas Técnicas n. 10, 14 e 15, 1999.

75

ajuste como uma das prioridades a serem determinadas pelo governo e assumidas pelo

país. A CAS determina os atrasos nos ajustes fiscais como “a fonte subjacente das

grandes demandas de financiamentos externos por parte do Brasil e da sua

vulnerabilidade aos sentimentos do mercado” (BIRD, 2002, pg. 31). Portanto, ambos

consideram que o ajuste precisa ser realizado com certa urgência de modo a estabilizar o

cenário macroeconômico do país.

No entanto, sabemos que o principal elemento de desajuste das contas públicas

têm sido as elevadas taxas de juros praticadas no país. Tais aumentos de taxas se justificam

pela necessidade do governo capturar dólares no exterior para equacionar o déficit das

transações correntes, resultantes da combinação de uma abertura comercial desenfreada, de

um câmbio valorizado e de pesados encargos financeiros do endividamento externo.

Manter uma política de taxas de juro alta de forma a atrair recursos externos

transforma-se, nesta perspectiva, numa faca de dois gumes. Mesmo que o governo

pretenda cortar apenas um lado, o outro também sairá ferido.

As conseqüências da reforma estrutural necessária para a estabilidade vai, mais

tarde, se refletir no corte investimentos, necessários para a diminuição dos gastos, de modo

a financiar a estabilidade fiscal.

4.2.4. A ênfase na redução da pobreza

Como citamos acima, transcrevendo dos próprios documentos, ambas IFMs

conferem a questão da redução da pobreza o elemento chave para o desenvolvimento do

país. Mesmo que possa parecer uma constatação irônica, uma vez que chega a ser

extremamente óbvia. Qual será o país onde não exista, ou exista pobreza em percentuais

bastante reduzidos, que não poderá ser considerado como desenvolvido?

De fato, condições de vida favorável, dignas e satisfatórias não são os referenciais

das IFMs. Um país será considerado “desenvolvido” quando puder competir no mercado e

76

lograr o êxito de ocupar as melhores posições no ranking dos indicadores econômicos

internacionais. Bem sabemos que para atingir tais objetivos, quaisquer meios são

utilizados. Na história da humanidade não faltaram guerras e crueldades para comprovar a

veracidade desta afirmação.

Embora os BMDs tenham eleito a erradicação da pobreza como uma de suas

principais metas, acabam eles mesmo sendo honestos ao reconhecerem os efeitos negativos

das tais políticas de ajustes sobre os pobres. Veja o texto da própria CAS ao avaliar as

conseqüências das medidas de ajuste implantadas pelo governo de FHC:

O impacto imediato das medidas de ajuste, contudo, foi um freio no crescimentoeconômico e uma reversão temporária da tendência anteriormente positiva para aredução da pobreza. (...) A sucessão de crises econômicas desde 1997 afetaramos pobres principalmente através da redução da demanda por trabalho e aredução resultante no emprego e/ou salários reais (BIRD, 2002, pg. 11).

O BID também faz sua avaliação, mostrando que as respostas do governo

brasileiro para a crise desde 1997 não foram tão benéficas à população, principalmente aos

mais pobres. O item 1.31 do CP traça um perfil bastante negativo dos reflexos dos ajustes

para a redução da pobreza.

Todavia, os benefícios produzidos pela estabilidade de preços deixaram de terefeito sobre o poder aquisitivo dos pobres no final de 1997, (...).Durante esteperíodo recente, a criação de empregos no mercado formal diminuiu e adistribuição da renda continua sendo muito desigual (em 1998, os 40% maispobres da população economicamente ativa receberam apenas 9,4% da rendatotal, enquanto que os 10% mais ricos receberam 46,5%) (BID, 2002, pg. 10).

4.3. As propostas de reformas

Como aludimos anteriormente, a CAS e o CP são, antes de tudo, instrumentos de

articulação política. Mais que instrumentos de análise conjuntural e técnica, são também

planos políticos bem desenhados e estrategicamente definidos. Vimos, até este ponto, que

tais documentos avaliam as políticas estabelecidas pelo governo e aplaudem ou criticam

todas as determinações tomadas, dependendo do grau de interesse que possam ter. A

articulação política fica explícita na série de recomendações que estes documentos

estabelecem, como orientações a serem observadas e seguida pelo governo, de modo a

garantir o sucesso e permitir o desenvolvimento.

77

Ancoradas numa forte corrente neoliberal, as orientações das IFMs correspondem,

aos interesses do mercado, da liberdade de iniciativa privada, da exacerbação do consumo

como meio de aumento da produção e circulação, da baixa intervenção estatal (ao menos

quando se trata de restrições ao mercado livre). Em resumo, tal política corresponde a um

Darwinismo Social, onde vence o mais forte – leia-se mais forte, o mais rico – o mais

competitivo.

Para que tais medidas sejam implantadas e determinem o sucesso do mercado no

Brasil, muitas mudanças deverão ser estabelecidas. Segundo o BIRD e o BID, o país ainda

está confinado em um mundo ultrapassado, repleto de restrições ao desenvolvimento que

se expressam na forma “arcaica” da estrutura político-administrativa, que não se adapta aos

novos tempos e às exigências do mercado livre.

Como já foi citado em nossa revisão, o governo de FHC foi aquele onde esta visão

de mundo mais se difundiu no Brasil, embora este ideário já tenha começado a ser

introduzido muito antes, vale ressaltar a série de ações do governo Collor49, que já se

encaminhavam neste sentido. No entanto, foi só no governo de FHC que o ataque

neoliberal foi deflagrado de fato, e a ideologia neoliberal passou a permear todas as esferas

da sociedade, sob a forma de um consenso generalizante.

Para adequar o país “atrasado” aos novos tempos, se faziam necessárias uma série

de reformas, tanto estruturais, como políticas. As IFMs foram as que mais influenciaram

neste processo de mudança, através de seus relatórios de desenvolvimento e seus

documentos de estratégias. Segundo o CAS,

à medida que estas reformas acontecerem, elas contribuirão para facilitar apolítica monetária. A retomada do crescimento impelida pelo setor privadolevará então à redução do aperto fiscal, a uma maior redução da pobreza e a umapoio sistemático aos programas de reforma (BIRD, 2000, pg. 13).

49 Fernando Collor de Mello foi presidente do Brasil de 1990 até outubro de 1992, quando foi deposto docargo devido a um processo de impeachment, no qual foi condenado por improbidade administrativa eenvolvimento com esquemas de corrupção e enriquecimento ilícito. Para maiores detalhes sobre esteepisódio, ver, dentre outros, Rodrigues (2000).

78

O governo, por sua vez (por afinidade ou influência das IFMs), não perdeu tempo

em encaminhar projetos de reformas, muitas das quais foram aprovadas pelo Parlamento,

outras rejeitadas e muitas ainda estão em tramitação.

Vejamos abaixo quais as principais reformas defendidas pelos documentos de

estratégias dos BMDs, expostas na CAS e no CP.

4.3.1. Reforma do mercado de trabalho

Estas reformas, estão vinculadas à questão da estabilização macroeconômica do

país. Segundo a CAS (item 7), este conjunto de reformas permitirá a redução da

vulnerabilidade e o estabelecimento de uma base para o crescimento e a redução da

pobreza. O CP dedica vários itens (itens 2.25, 2.26, 2.27) para o apoio ao país nas frentes

em que o governo pretende atuar, desde que os projetos sejam orientados no sentido da

implementação de uma nova reforma do mercado de trabalho, apoiando projetos de

desenvolvimento da iniciativa privada. Para apoiar a modernização dos setores produtivos,

o BID “aprofundará seu apoio à transição para mercados abertos e ajudará na

implantação e sustentabilidade das reformas, apoiando os agentes públicos e privados”

BID, 2000, pg. 20). Em síntese, tais reformas se constituem de desregulamentação do

mercado de trabalho e da redução do custo do trabalho.

A posição dos BMDs é de que a legislação trabalhista em vigor, no Brasil,

engessa demais a iniciativa privada, onerando muito o custo de produção, que no

entendimento destas IFMs é a principal responsável pelo desenvolvimento. Citam ainda a

forte presença do trabalho informal no país, que cresce vultuosamente a cada semestre,

segundo os dados dos institutos de pesquisa e da própria Organização Mundial do Trabalho

(OIT)50. A legislação trabalhista brasileira precisa ser flexibilizada de modo a permitir um

50 Ver relatórios disponíveis no site oficial da OIT, dentre vários, OIT . Fuentes y Métodos: Estadísticas delTrabajo: Población económicamente activa, empleo, desempleo, oras de trabajo, encuestas de hogares.Genebra: OIT, 1990.

79

maior número de acessos ao mercado de trabalho, incluindo também aquele que hoje é

ocupado pelo mercado informal. Isto somente ocorrerá, segundo os BMDs, quando as

restrições e obrigações trabalhistas e principalmente os custos, forem diminuídos.

4.3.2. Reformas da seguridade social

Na questão da seguridade social, a CAS é clara na sua determinação da

necessidade urgente da reforma previdenciária do país (item 39). Para o BIRD “a questão

da segurança social é a questão individual mais importante que os governos federal e

subnacionais têm de enfrentar” (BIRD, 2000, pg. 35). O Banco Mundial é enfático ao

afirmar que o déficit geral das pensões no país, incluindo-se os juros da dívida pública

alcança 9,5% do PIB. “Quatro quintos do déficit das pensões são causados pelas pensões

do setor público (RJU)51, metade desse valor em nível federal” (Ibidem). Segundo a CAS, o

déficit das pensões do setor privado (RGPS)52 também têm subido, mas ainda muito aquém

do da RJU. Nesse sentido a CAS propõe como desafio para o governo três metas a serem

alcançadas:

1) reduzir o custo das pensões RJU;

2) reduzir as diferenças entre as pensões RGPS e RJU, cortando mais osbenefícios RJU do que os benefícios RGPS e mantendo simultaneamente aeficácia do elemento da rede de segurança do sistema de pensões; e

3) encorajar o crescimento sustentável dos planos de pensões financiados(Ibidem).

O BID (item 2.17) aponta também “a gravidade do problema (...) e seu peso

sobre o déficit fiscal” (BID, 2000, pg. 40). E como medida de estratégia, estabelece como

prioridade apoiar “os esforços de reformas do sistema de previdência em todos os níveis do

governo” (Ibidem). Nesta questão o BID é mais concreto e estabelece que terá papel

significativo junto ao governo, garantindo o apoio e aprovação de projetos que concretizem

tais reformas.

51 RJU: Regime Jurídico Único, regime de pensão do funcionalismo público).52 RGPS: Regime Geral da Previdência Social, regime do funcionalismo do setor privado.

80

O Banco pode contribuir significativamente para fortalecer os aspectos de gestãodo sistema de previdência social privada e pública (contribuições e concessão debenefícios), bem como na definição de modelos de previdência social no âmbitosubnacional e na criação e gestão dos fundos de pensão (Ibidem, grifo nosso).

As reformas da RGPS já foram preparadas pelo governo e aprovadas pelo

parlamento. O conjunto das propostas que formam a Reforma da Previdência, foi editado

pelo governo FHC em março de 95 e, desde lá, percorreu os passos previstos em lei para

que fosse debatida e votada por deputados e senadores. Depois de passar por comissões

específicas, pela votação em dois turnos nos Plenários da Câmara e do Senado, em

dezembro de 98 o projeto foi promulgado pelas Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados

e do Senado Federal. A proposta original foi alterada sem que, contudo, os partidos de

oposição conseguissem impedir a aprovação de muitas mudanças que representam, de fato,

prejuízo para os trabalhadores53.

O trabalhador pode se aposentar desde que tenha contribuído para Previdência

pelo menos 35 anos, se homem, e 30 anos se mulher. Dessa maneira, ele não pode se

aposentar sem comprovar o tempo que descontou para a Previdência. Nesse caso, passa a

ser exigida, de todos os trabalhadores, a comprovação do tempo de contribuição para

aposentadoria, e não mais tempo de serviço. Fica também estipulado um valor máximo

para o benefício

As medidas da previdência promulgadas têm como meta adiar a data de

aposentadoria dos trabalhadores e controlar o nível de benefícios. Com isso o governo

corta gastos na área social e sobra mais dinheiro em caixa para poder equacionar as contas

públicas que hoje são um tormento na contabilidade oficial.

53 Uma explicação detalhada e numa linguagem bastante simples do conteúdo da reforma previdenciária podeser obtido em Pimentel, 1998.

81

4.3.3. Reforma fiscal

Os BMDs através dos dois documentos estudados, elogiam as ações tomadas pelo

então governo de FHC quanto às medidas de ajustes para o equilíbrio fiscal. Nesse sentido,

os bancos esperam que as medidas sejam mantidas e vão trabalhar para impor

condicionalidades cada vez maiores para que de fato se instaurem. A primeira medida

tomadas pelas IFMs, desde o FMI, e depois seguindo seus passos, também os BMDs, é a

exigência do cumprimento de metas de superávit primário. Ou seja, o resultado do balanço

de contas (receitas menos despesas), excluindo-se as obrigações com juros e serviços da

dívida, que deve ser positivo e dentro de uma margem previamente estabelecida.

Ora, uma vez que as IFMs preparam todo um trabalho técnico bastante acurado

sobre as reais condições de produção do país e conhecem bem as suas potencialidades e

fragilidades, fica fácil estabelecerem metas dentro do limite da possibilidade máxima que o

país pode alcançar. Uma vez estabelecido o máximo, não restará outra saída ao governo,

senão a de cortar gastos em outras frentes de modo a gerar um saldo positivo54.

A CAS reconhece (item 35) o esforço do governo e apoia as medidas. “O governo

sustentou este esforço com uma persistência e uma disciplina notáveis na presença de

grandes obstáculos” (BIRD, 2000, pg. 33), mesmo que os meios fossem os mais

agressivos para a grande maioria da população, principalmente, a classe trabalhadora. O

próprio BIRD não deixa de reconhecer que,

as medidas para reduzir as despesas englobam níveis baixos de ajustes salariais(o governo federal manteve a política iniciada em 1994 de não concederaumentos salariais lineares ao funcionalismo público), suspensão de contrataçõese promoções e cortes nos custos e investimentos sem envolvimento de mão-de-obra. As medidas para elevar as receitas englobam aumentos de CPMF, Cofins,contribuições para a Segurança Social, e de preços dos derivados de petróleo(Ibidem).

54 Sobre esta questão ver INESC. Nota Técnica N. 66, 2002 “.

82

4.3.4. Reforma administrativa

No quadro administrativo, os BMDs também se posicionam com relação as

reformas iniciadas por FHC. Nos documentos anteriores, existia uma proposição no

sentido de sugerir ao governo tais reformas. No atual, os termos são mais no sentido de

aprovação de tudo que já foi implantado e ressaltar a importância dos pontos ainda não

efetivados.

A mais importante reforma no campo administrativo foi a aprovação da Lei de

Responsabilidade Fiscal. Esta lei estabelece um limite máximo na razão entre as despesas

com pessoal e as receitas. Dentre outras inovações, a nova Lei permite que os governos

que excedam esses limites demitam o pessoal efetivo (por meio de PDI – Programa de

Demissão Incentivada). E mais, autoriza aos governos fazer contratações com base na CLT

(Consolidação das Leis Trabalhistas) que rege o setor privado e é mais flexível, reduzindo

dessa forma também custos com aposentadorias, e permitirá demissões em caso de

desempenho insatisfatório.

O BIRD estima que se forem tomadas “todas as medidas possíveis até os limites

máximos estabelecidos, a poupança fiscal será da ordem de 5% - 10% da conta dos

salários do setor público, ou 0,5% - 1% do PIB” (BIRD, 2000, pg. 36).

A CAS também apoia reformas no sistema tributário, que hoje incide impostos

sobre os produtos sob efeito cascata55, o que virá a beneficiar o desenvolvimento da

iniciativa privada, bastante onerada pelo sistema vigente. A reforma tributária, atualmente,

encontra-se paralisada no Congresso Nacional, por iniciativa do próprio executivo do então

governo de FHC. No entanto, o novo presidente, Lula56 prometeu em campanha e durante o

período de transição, viabilizar a aprovação da reforma tributária.

55 O termo efeito cascata é utilizado para designar o efeito cumulativo de impostos de diferentes naturezas efinalidades, nas diversas esferas da governaça nacional (União, estados e municípios).56 Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente da república, empossado em 1º de janeiro de 2003, para omandato de 2003-2007.

83

4.4. Os projetos aprovados para o período 2000-2003

É natural que o leitor, a este ponto do texto, esteja se perguntando qual a relação

que existe entre as propostas de reformas e as sugestões dos BMDs, com os projetos

aprovados, que de fato são a única intervenção concreta destas IFMs nas políticas do país.

Os projetos aprovados pelos BMDs devem refletir, coerentemente, as prioridades nas

análises apresentadas e estratégias explícitas nos seus documentos. Nossa intenção com

este trabalho é mostrar que tipo de relação existe entre as políticas apontadas (sugeridas ou

aplaudidas) pelos BMDs com os projetos por eles financiados.

Devido a ênfase dada nos documentos de estratégia para as reformas apontadas

como necessárias ao desenvolvimento do país, como os programas de ajuste fiscal e os

programas de reforma administrativa do Estado, é natural supor que os projetos que

tendam a viabilizar e implantar tais reformas sejam priorizados. Observando o montante de

recursos destinados aos projetos poderemos verificar se existe esta relação ou não.

No caso do BID, os principais projetos aprovados foram aqueles cujas finalidades

destinam-se aos apoio financeiro emergencial (item 2.9, pg. 16/17) capitaneado pelo FMI

no final de 1998 e início de 1999, devido às conseqüências da crise asiática que gerou a

crise cambial brasileira.

Na realidade, mais do que projetos, os valores serviram como auxílio aos gestores

da política econômica brasileira para equacionar o déficit em transações correntes. O

processo é simples, o BID entra com recursos e supri o governo da obrigação de efetuar

investimentos com recursos próprios, permitindo que o governo possa ajustar e equilibrar

sua balança de pagamento no período. Esse apoio se traduziu na prática em um projeto de

Proteção Social (no valor de US$ 2,2 bilhão), financiados em conjunto com o BIRD, e um

programa de crédito emergencial para pequenas e médias empresas, co-financiado pelo

BNDES brasileiro (no valor de US$ 1,2 bilhão)57, que juntas representaram US$ 3,4 bilhão,

57 Ver BID, Country Paper, 2000, pg. 17.

84

cerca de 25,6% das operações com o Brasil no período que somam US$ 13,3 bilhão (ver

tabela 5).

Tabela 5 – Operações do BID por linha de crédito, em 2000.

Operação em Execução Valor*Modernização do Estado e Reformas 999,5Melhoria da Competitividade e acesso ao mercado (Redução Custo Brasil) 2.110,7Energia 482,0Infra-estrutura de integração 690,00Crédito (setor financeiro, Apoio às PME e microempresas e desenv. tecnol.) 2.271,8Turismo e Cultura 473,5Agricultura 68,9Educação 703,4Saúde 635,0Assistência Social, Desenvol. Urbano, Habitação e Saneamento Básico 4.509,3Meio Ambiente e Recursos Naturais 356,0* Em milhão de dólaresFonte: BID, Country Paper, 2000.

Com relação às operações para o período de 2000-2003, o CP dá ênfase para a

questão fiscal, dos estados e municípios. Um montante de US$ 1,2 bilhão divididos em três

projetos, um no valor de US$ 500 milhão para reforma fiscal dos estados e dois no valor

total de US$ 700 milhão para a reforma dos municípios, correspondendo a um total de

aproximadamente 10% do total das operações no período.

O BID identifica como prioridade para o país a questão da modernização do

Estado. Nos termos do CP,

a modernização do Estado deve ser considerada como o desafio mais importanteque o Brasil enfrenta por duas razões inter-relacionadas. Em primeiro lugar, oprogresso nesta área permitiria reverter a tendência decrescente da poupançapública que, medida pelas contas nacionais, diminuiu de uma média de 5,9% doPIB na década de 70 para –0,7% do PIB em 1996-97. Em segundo lugar, éevidente que níveis mais altos de poupança pública determinariam em grandemedida o progresso que o país pode alcançar em seus outros desafios,especialmente na modernização dos setores produtivos, redução do “CustoBrasil”, redução das desigualdades sociais e, em particular, a capacidade demanter a estabilidade de preços e conseguir a volta a um crescimento sustentável(BID, 2000, pg. 18).

Outros setores que também se destacam quanto aos desembolsos aprovados pelo

BID, estão relacionados à questão dos Transportes (US$ 2,1 bilhão) e de Energia (US$

482 milhão). No setor de transportes, destacam-se três projetos em quantidade de recursos

liberados, o projeto Rodovia do Mercosul (US$ 450 milhão), o projeto Trens Urbanos de

São Paulo (US$ 420 milhão) e o projeto Descentralização das Rodovias Federais (US$

85

300 milhão). Segundo o CP, “o país depende de sua rede rodoviária para transportar

praticamente todos os passageiros interurbanos e 60% da carga; todavia, as estradas

pavimentadas representam somente 10% da rede total” (BID, 2000, pg. 19). No entanto as

estradas brasileiras existentes encontram-se em condições de uso muito aquém daquela

desejável para um bom escoamento da produção e da circulação interna do país. Por este

motivo, o BID

(...) apoiará o transporte rodoviário no âmbito federal e estadual,especificamente: vias de integração, que facilitem o comércio regional;descentralização e reabilitação da rede federal (incluindo transferência aosestados); reabilitação, ampliação e concessão de grandes rodovias troncais, comapoio especial do PRI; programas estaduais de rodovias, incluindo ofortalecimento dos organismos encarregados da gestão e manutenção; e ofinanciamento direto aos concessionários privados (BID, 2000, pg. 19).

No setor energético, destaca-se o projeto Interconexão Elétrica Norte-Sul (US$

307 milhão) e uma previsão para aprovação de um outro bem mais volumoso (US$ 500

milhão), o projeto Transmissão Norte-Sul58.

Cabe ressaltar que nesta linha de complementariedade ao orçamento nacional,

existem outros projetos nas áreas de Saúde (US$ 635 milhão em três projetos) e seis

projetos em Educação (US$ 703,4 milhão), sendo três destes (US$ 600 milhão) com

recursos do BID, um em parceria com o BNDES brasileiro (US$ 100 milhão) e dois

menores (US$ 3,4 milhão) em parceria com o Fundo Multilateral de Investimentos

(Fumin), do grupo BID. Também é expressiva a quantia de investimentos que

complementa o orçamento com relação a questão da Proteção Social (US$ 2,2 bilhão).

Outro setor bastante evidenciado e generosamente lembrado nas aprovações do

BID é o setor das Pequenas e Médias Empresas (PME) e Microempresas (US$ 2,2 bilhão)

já aprovados e liberados e mais uma quantia considerável em projetos já aprovados,

aguardando liberação (US$ 702,1 milhão). Para o BID, “as microempresas representam

90% de todas as firmas no país e 35% do total de empregos no comércio e indústria”

(BID, 2000, pg. 22). e devem ser incentivadas e ampliadas, principalmente como forma de

garantia de emprego a população.

86

O setor de Turismo, embora não receba tanto destaque no texto do CP, também

recebe no período um considerável investimento (US$ 473,5 milhão), de modo a permitir

um incremento no setor. A finalidade do investimento na área é a de auxiliar as PME e

microempresas na responsabilidade de gerar empregos no país.

O BIRD, dentre os dois BMDs estudados é aquele que mais claramente se

posiciona com relação à necessidade das reformas fiscais e administrativa. A CAS garante

para o período US$ 1 bilhão para projetos de reformas Administrativas e Fiscal (US$ 500

milhão) e de reformas da Seguridade Social (US$ 500 milhão).

Quanto aos empréstimos regulares, o BIRD prevê a possibilidade de repassar ao

Brasil até US$ 5 bilhão no período, porém ameaça condicioná-los a menos que ocorra um

progresso satisfatório nas seguintes áreas:

(i) reforma da segurança social, (ii) reforma fiscal estadual, (iii) reformas paraelevação da qualidade, da sustentabilidade e do impacto social de ajuste fiscal,e/ou (iv) reformas do setor financeiro e do ambiente regulamentador para ocrescimento, comércio e desenvolvimento do setor privado. Empréstimos deajuste seriam justificados com bases em razões fiscais e de balanço depagamentos, e no contexto de uma avaliação satisfatória do programamacroeconômico do governo por parte do FMI. O cenário de fundo deste casobase seria uma continuação do progresso macroeconômico com avançosadicionais na agenda de reformas e fortes restrições fiscais acompanhadas deuma incerteza externa inevitável (BIRD, 2000, pg. 97).

Ao que tudo indica, o BIRD espera muito mais segurança quanto ao cumprimento

das suas orientações do que o BID. O texto transcrito acima é claro ao impor as

condicionalidades que serão exigidas para a aprovação de projetos para o período. O país

que o BIRD espera é o país das reformas, de reformas que o adeqüe aos “novos tempos” e

às novas exigências do “mercado”.

Quanto à questão das Águas, onde o Banco possui uma considerável soma de

recursos em operações com o país, cabe ressaltar a sua preocupação com a questão das

privatizações. Segundo o BIRD, suas estratégias são orientadas para aumentar “ganhos em

eficiência pela modernização do setor, incluindo a privatização”(BIRD, 2000, pg. 83).

58 Até a presente data (janeiro de 2003) este projeto encontra-se aprovado, porém os recursos ainda não foramliberados.

87

Segundo a CAS uma das soluções para dar acesso e melhorar o sistema de água do país é a

transferência da responsabilidade do setor, que hoje é quase totalmente do setor público,

para o setor privado. A argumentação fica explícita quando o Banco assume que “estudos

recentes sobre regulamentação de serviços privatizados e participação do setor privado

nos serviços básicos de água e saneamento fornecem uma base sólida para o programa

conjunto de assistência ao setor” (Ibidem).

O BIRD também atua no campo da complementaridade com projetos que

deveriam ser financiados com recursos do orçamento nacional. A quantia mais expressiva

encontra-se justamente nas duas linhas de crédito que o Banco identifica como Educação,

Saúde e Proteção Social e Pobreza Rural. Juntos estes setores recebem do BIRD no

período mais de US$ 2,1 bilhão, divididos em 22 projetos. Merecem destaque os projetos

Fundescola I e II, que juntos recebem US$ 362 milhão para investimentos nas áreas de

ensino fundamental, e os projetos REFORSUS e VIGISUS, que recebem juntos US$ 400

milhão para reforma do Sistema de Previdência Social do país

O setor de transporte também é privilegiado pela CAS, incluído na linha de

crédito identificada como Infra-estrutura, recebe em 11 projetos a soma total de mais de

US$ 1,4 bilhão, com destaque para os projetos de Recuperação e Descentralização das

Rodovias Federais (US$ 300 milhão) e Linhas 4 de metrô de São Paulo (US$ 209 milhão).

4.5. Uma análise global sobre a CAS e o CP

Em todo o texto dos dois documentos analisados, verificamos que qualquer das

análises, sejam técnicas, sejam propositivas, orientam-se pelo binômio/meta “redução da

pobreza” e “ajuste fiscal”. São estas as duas grandes palavras-chave que se encontram-se

presentes em todas as elaborações estratégicas do BIRD e do BID e que servem ao mesmo

tempo como meta a ser alcançada e como justificativa para as estratégias propostas.

No entanto, cabe avaliarmos um pouco cada um destes termos e verificar qual o

significado que possuem para os BMDs, no contexto das estratégias de atuação para o

88

período em estudo. Logo, verificaremos que são termos imprecisos e que podem ser

articulados com qualquer interesse, desde que bem apresentados.

Quanto a pobreza, não fica claro em ambos os documentos de que se trata, pois é

tomada por um conceito generalizante e nivelador. A pobreza citada na CAS e no CP é

sempre a mesma pobreza, ou seja, aquela que atravanca o desenvolvimento e que aumenta

o “Custo Brasil”. Nos documentos de estratégia dos BMDs, o “Custo Brasil” é a

designação para um conjunto de problemas e obstáculos59 para o desenvolvimento do país,

que açambarca um pouco de tudo, de deficiências em infra-estrutura econômica à rupturas

no sistema de proteção social. Tais problemas e obstáculos que devem ser superados

oneram o país e formam então o chamado “Custo Brasil”.

Embora a CAS e o CP façam indicações das regiões mais afetadas pela pobreza e

um vasto estudo estatístico dos percentuais de cada região (ver tabela 6), não se atem a que

tipo de pobreza especificamente tratam. Qualquer sociólogo minimamente comprometido

saberia que este campo é muito complexo, e que não pode ser nivelado simplesmente por

um referencial único. Falar de pobreza no Brasil, ou em qualquer outra parte do mundo, é

falar de realidades distintas, dependendo da região, da cultura e das possibilidades de cada

comunidade. A pobreza existente no Nordeste brasileiro é muito diferente da pobreza

existente no Sul e Sudeste do Brasil. As causas da pobreza da população do semi-árido

nordestino são muito diferentes das causa da pobreza urbana das grandes cidades do

Sudeste, só para citar um rápido exemplo.

Portanto, são duvidosas as conclusões do BIRD e do BID60 ao afirmar que a

principal causa da pobreza no país é a baixa escolaridade. A CAS no item 14 (O perfil da

pobreza) apresenta o seguinte quadro:

63% dos pobres do país vivem nos nove estados do Nordeste. (...) As taxas depobreza são muito mais altas nas áreas rurais, o que dá como resultado que apopulação pobre está quase igualmente dividida entre as áreas rurais e urbanas(...) A pobreza no Brasil está intimamente associada a níveis de educação baixos:

59 Nos documentos de estratégia do BIRD (traduzido) que utilizamos, emprega-se a expressão em inglêshandicap (obstáculo, dificuldade, desvantagem).60 Cabe ressaltar que a fonte de dados estatísticos relativas ao perfil da pobreza no Brasil são dados oficiaisdo governo brasileiro, obtidos por institutos como o IBGE, por exemplo.

89

73% dos domicílios pobres têm como chefes de família indivíduos com quatroou menos anos de escolaridade (BIRD, 2000, pg. 18).

Tabela 6 – Distribuição geográfica da população pobre no Brasil, 1998

Região Percentual dePopulação Pobre

Distribuição dosPobres no Brasil

Nordeste 47,8% 62,7%Sudeste 8,8% 17,3%

Sul 12,4% 9,0%Norte 30,7% 6,7%

Centro-Oeste 13,7% 4,3%Total 22,0% 100,0%

Fonte: BIRD, Country Assistance Strategy, 2000

No entanto, se 63% da pobreza se concentra sozinha no Nordeste, é duvidosa a

conclusão da principal causa (73%) apontada pela CAS, associando a pobreza a baixa

escolaridade da população. Sendo que outros fatores são determinantes para a pobreza

naquela região, desde as condições climáticas, passando pelas possibilidades de produção,

até oportunidades de trabalho e emprego. É sabido que a educação é um fator bastante

relevante para a população, mas não é determinante de riqueza. A população rural, onde se

concentra mais da metade dos pobres (ver tabela 7) não depende de diplomas ou

certificados para sair da pobreza, e sim de oportunidades concretas de trabalho no campo.

Já nas cidades, o flagelo do desemprego atinge tanto a analfabetos quanto escolarizados e

as causas da pobreza ficam longe de ser apenas a baixa formação escolar.

O grande remédio apontado pelos BMDs para a redução da pobreza é o

crescimento da economia. Ou seja, apenas o crescimento da economia garantirá a redução

da pobreza, mesmo quando se sabe que a retenção do crescimento tem sido uma das

conseqüências da política econômica orientada pelos BMDs e quando já existe um largo

conhecimento do fato de que crescimento da economia não garante, por si só, a sua

redução.

Surpreendeu-nos verificar que, os atores principais apontados pelos BMDs,

responsáveis pelo crescimento econômico do país, são entes privados, e não os governos.

Reserva-se para as grandes empresas a tarefa de regular o mercado, através da

competitividade exigida pelo mercado mundial, e às PME e microempresas, o papel da

criação de empregos para a população. Desta forma, desconsidera-se o necessário controle

90

do Estado sobre a atuação do capital transnacional no país e o controle da preservação dos

postos de trabalho nas empresas privatizadas e o controle de remessa de lucros para o

exterior.

Tabela 7– Distribuição urbana/Rural da população pobre no Brasil, 1998

Área Percentual dePopulação Pobre

Distribuição dosPobres no Brasil

Rural 51,3% 51,7%Urbana 24,9% 48,3%Total 22,0% 100,0%

Fonte: BIRD, Country Assistance Strategy, 2000

Para o papel do Estado estão reservadas as “reformas” necessárias para a

modernização do país e a inserção definitiva no cenário atual de competição mundial pela

liberdade de mercado. Como apresentamos fartamente, cabe aos governos a missão de

possibilitar as reformas que irão garantir ao investimento privado (nacional e internacional)

obter mais lucro com menos ônus. Daí a ênfase na reforma fiscal e tributária. A

preocupação dos BMDs não é a de desonerar a população pobre do país da carga

enfadonha de impostos e tributos devidas ao Estado. A meta é desonerar a iniciativa

privada, de modo a torná-la atrativa e competitiva.

Aos poucos, o papel do Estado de garantir os diretos sociais mais elementares vai

sendo transferido para a iniciativa privada, que por interesse de mercado, vai atuar e

oferecer produtos e serviços. Afinal, o receituário neoliberal prega justamente isso, Estado

mínimo e liberdade total para o mercado, e o governo FHC mostrou-se bastante afinado a

esta corrente ideológica.

Quanto ao ajuste fiscal, deve-se verificar a ênfase dada nos dois documentos,

tanto no nível federal, quanto nos níveis dos estados e municípios. Prova desta

preocupação central dos BMDs são o expressivo número de projetos aprovados no sentido

de facilitar e permitir o ajuste, bem como o volume de recursos investidos. É considerável

também verificar a disposição em ampliar os financiamentos aos níveis de administração

subnacionais (estados e municípios), como um meio de garantir a afinidade e o

comprometimento com as políticas do governo federal, mesmo que por meio das

condicionalidades.

91

E por último, cabe ressaltar o alinhamento dos documentos com a política

econômica oficial, desenvolvida pelo governo FHC. Praticamente todas as propostas

contidas na CAS e no CP foram encaminhadas pelo governo e encontram-se hoje

aprovadas ou em tramitação nas esferas do legislativo.

A este ponto do trabalho, estamos entrando em um novo ano e início de um novo

mandato executivo. No entanto, ao que tudo indica, existem poucas perspectivas de

mudança no cenário econômico e as reformas que ainda não foram aprovadas estão sendo

encaminhadas pelo atual presidente, numa demonstração de continuidade e de ratificação.

Caberá, ao seu tempo, a possibilidade de uma análise que irá confirmar ou não esta

previsão. Mesmo porque, a este ponto, tanto o BIRD quanto o BID já devem estar

preparando os próximos documentos de estratégia para o período 2004-2007.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos documentos de estratégia dos BMDs para o período 2000-2003, nos

permitiu realizar algumas constatações que serão apresentadas a seguir. Muitas delas

ratificam o pensamento já cristalizado, presente no senso comum, nos vários segmentos da

sociedade civil, centrais sindicais, ONGs, movimentos sociais, partidos, etc. Outros,

revelam a face perversa escamoteada nos interesses defendidos pelos BMDs, e que nem

sempre são apresentados de forma clara e direta.

A primeira constatação que podemos realizar é aquela do forte alinhamento entre

a política oficial dos gestores brasileiros, com as políticas dos BMDs, contidas nos

documentos de estratégias estudados. Embora não possamos determinar, uma vez que esta

questão não foi objeto de nossas análises, se existiu algum grau de imposição direta dos

BMDs sobre os gestores brasileiros, ou se de fato o que ocorreu foi apenas uma simples

concordância ideológica. Podemos, no entanto, afirmar que o grau de afinidade presentes

entre estes dois agentes foi bastante grande, de modo que praticamente não existiram

resistências por parte de nenhuma das partes em desabonar ou recusar as políticas

propostas pela outra.

A este respeito podemos dizer que o governo FHC, ao menos no parecer dos

BMDs, foi o governo dos “novos tempos”, que possibilitou o país a inserção no cenário de

globalização financeira, regido pelo receituário neoliberal do “Consenso de Washington” e

seus interesses hegemônicos. Um tipo de governo bastante afinado aos interesses

internacionais e que deve ser continuado pelo seu sucessor. Resta-nos verificar no futuro se

o atual governo manterá uma continuidade tranqüila, ou se esta continuidade será garantida

pela implementação de condicionalidades nos próximos documentos estratégicos para o

próximo período (2004-2007), que já estão sendo elaborados.

No entanto, não podemos descartar a possibilidade de que os BMDs tenham

servido como uma “inteligência auxiliar” para o governo, de modo a servir como uma

garantia adicional, ao menos como base de justificativa, caso as políticas implementadas

não tivessem surtido o efeito esperado. Neste caso, os gestores podiam argumentar que não

93

estavam errando sozinhos, e que a culpa do insucesso caberia aos “imponderáveis” do

mercado.

Uma segunda constatação é aquela advinda da forte ênfase nas reformas

necessárias ao país. Com a argumentação da “redução da pobreza”, os BMDs incluem na

lista das ações estratégicas as reformas neoliberais mais evidentes. As reformas são a

garantia necessária que as IFMs precisam para ter certeza de que o Estado vai estar “fora

do caminho”, deixando o campo livre para a regulação do mercado, este ente monumental

que, segundo o neoliberalismo é capaz de garantir o desenvolvimento e o progresso.

Quanto esta questão é pertinente ressaltar a posição dos BMDs que, na defesa dos

interesses maiores do mercado (estabilização, ajustes, etc) não se fazem de rogados em

suprimir e relegar a segundo plano os interesses dos trabalhadores. A reforma da

previdência e a reforma do regime de trabalho brasileiro são exemplos claros desta

prioridade. Mais que beneficiar ou ampliar os direitos dos trabalhadores, prioriza o balanço

de contas dos governos. Os BMDs, no entanto, não fazem vistas grossas às conseqüências

negativas sobre os trabalhadores, porém, consideram um “mal necessário”, que deve ser

empreendido para assegurar o crescimento e o desenvolvimento. Mas afinal, quem cresce e

quem se desenvolve com estas políticas? A resposta, embora seja obvia, também encontra-

se escamoteada nos documentos dos BMDs. Fala-se muito de redução da pobreza. No

entanto as medidas de ajustes têm levado o país a uma crescente nivelação da população

brasileira, tendendo sempre para a base da pirâmide social. Ou seja, o cume está cada vez

mais cúspide e a base, cada vez mais larga.

O papel das IFMs, como “inteligências auxiliares”, aos governos nacional e

subnacionais, determina a difusão de uma ideologia dominante, controlada pelos poderes

hegemônicos, configurando desta forma a instauração do pensamento único, do qual não se

abre espaço para as alternativas. Com referência a esta questão, vale lembrar da presente

crise da esquerda mundial, da qual o Brasil compartilha, sendo mais evidente neste último

período, com a tendência de aproximação do Partido dos Trabalhadores (PT) ao centro.

O conjunto de reformas apoiadas e incentivadas pelos BMDs encaminham o país

para o cenário neoliberal bastante conhecido, abertura comercial, privatizações, Estado

94

mínimo, etc. As vitórias do neoliberalismo atingidas com as reformas no país são, diante

do cenário político-econômico atual, praticamente irreversíveis. Enquanto isso, a

importância das IFMs, como agências de fomento e regulação se evidenciam e torna-se

inevitável recorrer a este tipo de “ajuda” diante das crises constantes do sistema capitalista

atual.

Em se tratando dos BMDs, o volume de recurso aplicado no país, apesar de

considerável, é muito pequeno diante do orçamento da União, isto sem considerar o

orçamento dos estados e municípios, desconfigurando a tese de que o país não conseguiria

sobreviver sem ele. A importância dos BMDs aumenta quando pensadas no conjunto com

outras IFMs, seja pelo montante de recursos que estas instituições possam fornecer, em

momentos de emergência, como é o caso do FMI, seja no apoio político e estratégico,

como o caso da OMC. No entanto, a importância dos BMDs está mais na sua influência

política, com suas orientações estratégicas, do que financeira.

Os BMDs, seguindo a principal IFM reguladora, o FMI, atua no financiamento de

projetos impondo-lhes condicionalidades. A principal delas é a interferência na condução

da macroeconomia do país, determinando taxas de superávit primários e, por conseqüência,

determinando prioridades de investimentos internos, engessando todas a possibilidades de

financiamento com orçamento nacional. Para as demais áreas essenciais, entram em cena

os BMDs, que suprem o vácuo deixado pelos governos gerados pela necessidade de corte

de gastos, de modo a permitir o exigido superávit nas contas.

É também a questão das condicionalides que influenciam ou até determinam a

aplicação desta ou daquela política por parte dos governantes, uma vez que estes estão

dispostos a continuar a contar com os aportes e recursos financeiros destas IFMs. Portanto,

fica difícil determinar com precisão se a opção do governo FHC pela políticas foi uma

atitude livre e autônoma, ou se foi impelida pelas determinações das IFMs através de seus

planos estratégicos.

95

Quanto à questão da redução da pobreza, diante do que expomos acima, podemos

concluir que ela é utilizada mais como meio do que como fim. A redução da pobreza no

discurso dos BMDs serve mais como bode expiatório61 para determinar prioridades e como

forma de justificar as suas propostas de reformas, do que como prioridade efetiva a ser

alcançada. Prova disto são as constantes observações feitas tanto pelo BIRD quanto pelo

BID, com relação aos efeitos colaterais das políticas implementadas, sempre perversos e

atingindo principalmente a população mais pobre.

Antes de finalizar, gostaríamos de nos desculpar pela limitação técnica que nos

cerceou uma análise mais acurada da temática. Cabe ressaltar a grande dificuldade que

tivemos em compreender os termos técnicos da área econômica, presente nos documentos

analisados. Uma área que não dominamos e que apesar de nosso esforço, pode ter

simplificado demais algumas de nossas considerações.

61 Pessoa ou coisa a quem se fazem recair as culpas alheias ou a quem são imputados todos os reveses (Cfm.FERREIRA, 1986, pg. 267)

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ANEXOS

ANEXO 1

Operações de crédito com o BIRD, em vigência em janeiro de 2003.

Nome/Sigla Linha* Empréstimo** Projeto** Mutuário*** Referência1 Fundescola II 1 160 320 União BR 57652 DST/AIDS 1 165 300 União BR 43923 Assist. técnica p/ Prev. Social 1 5,05 5,05 União BR 45374 PADCT III 1 155 250 União BR 42665 PARSEP 1 5 10 União BR 43696 Fundescola II 1 202 402 União BR 44877 REFORSUS 1 300 750 União BR 40478 VIGISUS 1 100 200 União BR 43949 Educação Bahia 1 69,6 116 Bahia BR 459210 Escola novo milênio 1 90 150 Ceará BR 459111 Saúde da Família 1 68 136 União BR 710512 Combate pobreza rural II (RN) 2 22,5 30 Rio G. Norte BR 661713 Paraná 12 meses (PR) 2 175 353,5 Paraná BR 406014 PRORURAL II (PE) 2 30,1 40 Pernambuco BR 462515 Cédula da Terra 2 90 150 União BR 414716 Créd. Fundiário e PCPR I 2 202,1 404,19 União BR 703717 PCPR II (PI) 2 22,5 30 Piauí BR 462418 COOPERAR 2 60 117 Paraíba BR 425119 Comunidade Viva 2 80 80 Maranhão BR 425220 Projeto São José 2 37,5 50 Ceará BR 462621 PRODUZIR 2 54,35 75 Bahia BR 462322 PCPR II (SE) 2 20,8 28 Sergipe BR 464923 PROÁGUA – Semi Árido 3 198 330 União BR 431024 PGRH (BH) 3 51 85 Bahia BR 423225 PROGERIRH 3 136 247,2 Ceará BR 453126 Microbacias II 4 62,8 107,5 Sta. Catarina BR 438627 PEMH 4 55 123 São Paulo BR 423828 PNMA II 4 15 30 União BR 452429 PRODETAB 4 60 120 União BR 416930 PROARCO 4 15 27 União BR 438931 RS Rural 4 100 208,4 Rio G. Sul BR 414832 Saneamento II – CEF 5 75 300 União BR 783133 PROURB (CE) 5 140 140 Ceará BR 378934 Modern. Setor Saneamento II 5 25 300 União BR 429235 PRODUR 5 100 222 Bahia BR 414036 PROSANEAR II 5 30,7 47 União BR 453237 PROSAM 5 109 251,8 Paraná BR 350538 Bacia Guapiranga 5 119 606 São Paulo BR 350439 Ligação Barra Funda/Roosevelt 6 45 95,1 São Paulo BR 431240 Desc. trens metrop. Recife 6 102 203,8 União BR 391541 Prog. Rodoviário (RS) 6 70 167,9 Rio G. Sul BR 416542 Desc. trens metrop. BH (MG) 6 99 197,3 União BR 391643 Recup. Desc. rodovias federais 6 300 1.250 União BR 418844 PET/RT 6 186 373 Rio Janeiro BR 429145 PROCEL 6 43,4 125,5 União BR 449446 Transp. urbanos de Salvador 6 150 308 União BR 449447 Gasoduto Brasil/Bolívia 6 180 2.032 União PO 559248 Gestão rodoviária de Goiás 6 65 130 Goiás BR 463649 Linha 4 – Metrô/SP 6 209 933,9 São Paulo BR 464650 BACEN-PROAT I 7 20 24,6 União BR 424551 CrediAmigo 7 50 100 União BR 455452 PROGER 7 8,88 17,67 União BR 460453 Assist. ao setor financeiro 7 14,5 18,1 União BR 4637*Linhas: (1) Educação, Saúde e Proteção Social, (2) Probreza Rural, (3) Gestão dos Recursos Hídricos, (4) Meio Ambiente, Manejo do Soloe dos Recursos Naturais, (5) Desenvolvimento Urbano e Saneamento, (6) Infra-estrutura, (7) Desenvolvimento Financeiro e Fiscal.**em milhões de dólares (US$)***unidades da Federação (Governos Estaduais) ou União (Governo Federal)Fonte: Site oficial do Banco Mundial (Versão para o Brasil), Página: Operações no Brasil, disponível emhttp://www.obancomundial.org/index.php?action=/content/view_projeto&cod_object=555, acessado em 07 de jan. de 2003.

Operação em Execução Valor* Nova Operação Identificada Valor*Adm. Fiscal Estados 500 Modernização Arrec. Prev. Social 85Rede Ipea, IBGE, FGV e outros 25 Administração Fiscal Municipal 2 400Ct Relações Ezxteriores 10 Política pró-concorrência (Fumim) 0,05Ct Administração Tributária 78Reforma Administração - Mare 57Integração Legislativo 25Adm. Fiscal Municipios 300Quadro Reg. Previdenciária (Fumin) 1,2Mediação Trabalhista (Fumin) 1,5Proteção ao Consumidor (Fumin) 0,8Mediação e Arbitragem (Fumin) 1

Sub Total 999,5 Sub Total 485,05Rodovias de Sta. Catarina 102,5 Segurança no Trânsito PdRodovia Fernão Dias 267 Rodovias de São Paulo 150Trens Urbanos de São Paulo 420 Vias Urbanas Fortaleza 85Rodovia Fernão Dias 2 275 Transpo. Metropolitano Curitiba 135Transp.Urba. Curitiba 120 Rodoanel São Paulo 500Rodovias Rio G. do Sul 150 Linha 5 Metrô São Paulo 500Rodovias do Ceará 2 115 Curitiba - Apucarana (Pri) 72Descentral. Rodovias Federais 300 Porto Itapoã (Pri) 17,3Rodovias da Bahia II 146 Trem Urbano Supervia (Pri) 75Linha Amarela (Pri) 14 Modal. transp. e taxas de acid. (Estudo)Rodovia de pedágio dos Lagos (Pri) 13,5 Capacitação motoristas (Estudo)Pedágio Castelo Raposo Tavares (Pri) 55 Municipalização trânsito (Estudo)Pedágio Anhanguera-Bandeirantes (Pri) 50 Financiamento transportes (Estudo)Linha Amarela II (Pri) 6,6Rodovia Ecovia Imigrantes (Pri) 75Concessões de Transportes RG (Fumin) 1,1

Sub Total 2110,7 Sub Total 1534,3Interconexão elétrica Norte-Sul 307 Transmissão Norte-Sul 2 500Central hidrelétrica Ita (Pri) 75 Hidrelétrica Cana Brava (Pri) 75Expansão distribuição Vbc (Pri) 100 Hidrelétrica Machadinho (Pri) 75

Hidrelétrica Dona Francisca (Pri) 10Energia Térmica Norte (Pri) 23,9Térmica Pecem (Pri) 35

Sub Total 482 Sub Total 718,9Gasoduto Bolívia-Brasil 240 Rodovia Mercosul 2 322Rodovia Mercosul 450 Rodovia Mercosul 3 Pd

Sub Total 690 Sub Total 322Crédito Multisetorial PME BNDES 750 Microempresas Nordeste BN 50Microempresas BNDES 150 PME Nordeste 150PME BNDES (EMERGÊNCIA) 1200 Exportações PME BNDES 500Ciência e Tecnologia (Finep) 160 Ciência e Tecnmologia (Finep 2) PdEmpresas Base Tecnológicas (Fumin) 8,3 Microcrédito Nordeste (Fumim) 2,1Incubadoras Empresas SC (Fumin) 3,5

Sub Total 2271,8 Sub Total 702,1

Anexo 2

Operações com o BID, em vigência para o período de 2000-2003.

Prodetur 400 Prodetur 2 - Nordeste 300Patrimônio Histórico 62,5 Prodetur Sul 200Ecotur 11 Ecotur 2 Pd

Estratégia Ecoturismo (Estudo)Sub Total 473,5 Sub Total 500

Modernização agropecuária 67,5 Assentamentos rurais 50Novo modelo irrigação (Fumin) 1,4 Meteorologia 50

Pesq. Agropecuária 60Novo modelo irrigação 90Estratégia operacional setor rural (Estudo)

68,9 250Melhoria Ensino Médio Paraná 100 Ensino Secundário São Paulo 150Reforma Educação Profissional 250 Capacitação líderes sindicais (Fumin) 1,4Ampliação Ensino Mëdio 250 Capacitação micro e PME (Fumin) 1Investimento privao Educação - BNDES 100 Ensino Secundário Brasil (Estudo)Credenciamento Turismo (Fumin) 2,5Certificação Habilidades (Fumin) 0,9

703,4 152,4Reforma e investimento saúde 350 Agências Privadas de Saúde 35Investimento privado Saúde BNDES 100 Cartão Nacional de Saúde 50Profissionalização Saúde 185 Regulamentação Planos Saúde (Fumin) 1,3

Gasto em Saúde (Estudo)Uma década do Sistema Único (Estudo)

635 86,3Ação Social em Saneamento 50 Melhoria urbana Rio 2 200Saneamento e Rodovias, Belém 145 Saneamento igarapés Manaus 50Saneamento Bahia da Guanabara 350 Saneamento Distrito Federal 130Recuperação ambiental Guaíba 132,3 Saneamento Goiás 70Favela Rio de Janeiro 180 Recuperação habitação coletiva SP 70Desenvolvimento urbano Paraná 249 Ação Social em Saneamento 250Melhoria Favelas São Paulo 150 Recuperação ambiental Guaíba 2 100Ambiental Todos os Santos 264 Saneamento Baía Guanabara 2 350Baixada Viva estado Rio de Janeiro 180 Saneamento Ceará 100Desenvolvimento Municipal de POA/RS 76,5Melhoria de Bairros (Habitar) 250Controle enchentes (Campinas) 19,8Saneamento Tietê 2 200Reforma Social Ceará 42Proteção Social (EMERGÊNCIA) 2220Quadro regulatório água Goiás (Fumim) 0,7

4509,3 1320Drenagem de São Paulo 302 Desenv. Sustentável Pantanal 100Drenagem Rio de Janeiro 30 Zona da Mata Pernambuco 120Fundo Meio Ambiente 2 24 Microdrenagem São Paulo 300Outras atividades descritas em 2.60 Desenvolvimento ambiental Acre 50

Desenv. ambiental Tocantis PdControle poluição industrial (Estudo)

Sub Total 356 Sub Total 570Total Geral 13300,1 Total Geral 2878,7

* Em milhões de dólaresFonte: BID, Country Paper , 2000.