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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO NÚCLEO DE BARRA DO BUGRES Avenida Hitler Sansão, n. 373, Centro – Barra do Bugres Fone/Fax: (65) 3361-2402 Ofício n.º 057/2015 - DPE/MT Barra do Bugres, 25 de Março de 2015. A Sua Excelência o Senhor MARCIO FREDERICO DE OLIVEIRA DORILEO Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso Rua Ten. Eulário Guerra, n°488, Esq. com Av. Pres. Afonso Pena Quilombo – Cuiabá - MT - CEP:78.043-528 Assunto: Projeto de Implantação da Audiência de Custódia no Estado de Mato Grosso Excelentíssimo Senhor Secretário, Como Vossa Excelencia terá conhecimento, a necessidade de realização da chamada Audiência de Custódia tem sido alvo de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais. O foco do debate se encontra na inexistência de previsão do ato em nosso Código de Processo Penal ao passo que o Pacto de São José da Costa Rica prevê como direito fundamental de todo preso ser conduzido, sem demora, à presença de um juiz para que este decida sobre sua prisão preventiva ou liberdade provisória.

Audiencia de Custódia - defensoriapublica.mt.gov.br · A propósito do Controle de Convencionalidade, trago a lição de Valério Mazzuoli de Oliveira: Se a constituição possibilita

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Avenida Hitler Sansão, n. 373, Centro – Barra do Bugres Fone/Fax: (65) 3361-2402

Ofício n.º 057/2015 - DPE/MT

Barra do Bugres, 25 de Março de 2015.

A Sua Excelência o Senhor

MARCIO FREDERICO DE OLIVEIRA DORILEO

Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso

Rua Ten. Eulário Guerra, n°488, Esq. com Av. Pres. Afonso Pena

Quilombo – Cuiabá - MT - CEP:78.043-528

Assunto: Projeto de Implantação da Audiência de Custódia no Estado de Mato

Grosso

Excelentíssimo Senhor Secretário, Como Vossa Excelencia terá conhecimento, a necessidade de

realização da chamada Audiência de Custódia tem sido alvo de intensos debates

doutrinários e jurisprudenciais.

O foco do debate se encontra na inexistência de previsão do ato

em nosso Código de Processo Penal ao passo que o Pacto de São José da Costa

Rica prevê como direito fundamental de todo preso ser conduzido, sem demora, à

presença de um juiz para que este decida sobre sua prisão preventiva ou liberdade

provisória.

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Alguns estados, como São Paulo, Amazonas, Maranhão e Bahia

já implementaram – de forma exitosa, diga-se de passagem – a Audiência de

Custódia, dando exemplo aos demais estados da federação. Outros já iniciaram as

tratativas com o CNJ para implementação do sistema por ele proposto.

No Mato Grosso, até onde temos notícia, não há uma

movimentação formal que busque a criação e manutenção da Audiência de

Custódia.

Diante disso, apresenta-se a presente provocação institucional

juntamente com alguns comentários sobre a Audiência de Custódia visando, ainda

que haja projeto similar em andamento, somar forças com os demais órgãos do

sistema de justiça para atender de forma mais adequada aos direitos fundamentais

de toda pessoa presa.

Em anexo, uma proposta para iniciar os debates, sem a

pretensão de extrapolar as atribuições funcionais da Defensoria Pública.

Aproveito o ensejo para renovar meus votos de apreço e

profunda admiração por Vossa Excelência e pela função exercida por esta

Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Barra do Bugres, 25 de março de 2015.

Fernando Antunes Soubhia

Defensor Público Substituto

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PROJETO

Audiência de Custódia

Fernando Antunes Soubhia Defensor Público Substituto

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1. Apresentação.

A Audiência de Custódia pode ser definida como a solenidade

onde o preso em flagrante é conduzido imediatamente à presença de um Juiz para

que este decida sobre a decretação de sua prisão preventiva ou concessão de

liberdade provisória.

Essa condução sem demora à presença de um Juiz é um direito

fundamental decorrente da aplicação direta do Pacto de San José da Costa Rica e

do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de modo que a aparente falta

de previsão em nosso sistema legal não pode obstruir o exercício de tal direito.

Explica-se.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,

incorporado pelo direito interno Brasileiro pelo Decreto 592/92, dispõe que qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções (Art. 9, 3)

No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos, internalizada pelo Decreto 678/92, prevê que toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (art. 7º, 5).

Por outro lado, o Código de Processo Penal (art. 306) se

satisfaz, a priori, com a comunicação imediata da prisão de qualquer pessoa ao Juiz

competente.

Como, então, harmonizar as disposições?

Simples: lembrando que após o julgamento do Recurso

Extraordinário 466.343-SP, os Tratados Internacionais sobre direitos humanos

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ratificados pelo Brasil podem ostentar dois status normativos: 1) norma

constitucional; 2) norma supralegal1.

Assim, de uma forma ou de outra, eles – os Tratados

Internacionais de Direitos Humanos subscritos pelo Brasil – se encontraram acima da lei, devendo ela a eles se conformar.

Destaco do Recurso Extraordinário 466.343-SP:

(...) O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão (RE 562051 RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 14/04/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-05 PP-00983 )

Repita-se: dado seu status supralegal, as normas

infraconstitucionais que estejam em desacordo com o Pacto dos Direitos Civis e

Políticos e/ou Convenção Americana de Direitos Humanos tornam-se inaplicáveis

ou, no mínimo, passíveis de uma releitura.

A propósito do Controle de Convencionalidade, trago a lição de

Valério Mazzuoli de Oliveira:

Se a constituição possibilita sejam os tratados de direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por questão de lógica deve garantir-lhes os meios que prevê a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem contra investiduras não autorizadas do direito infraconstitucional .Nesse sentido, é plenamente possível utilizar-se das ações do controle concentrado (...), não mais baseadas apenas no texto constitucional, senão também nos tratados de direitos humanos

                                                                                                                         1 Importante destacar que a doutrina especializada entende que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil ostentam natureza jurídica de norma constitucional ou até mesmo supra constitucional. A respeito, destaco a lição de Valério Mazzuoli de Oliveira: (…) qualquer tratado de direitos humanos ratificado pelo Brasil tem índole e nível de norma constitucional. (Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. 3a Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 15)

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aprovados pela sistemática do art. 5, §3, da Constituição em vigor no país. (...) Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pela maioria qualificada, passam eles a ser paradigma apenas do controle difuso de constitucionalidade.(Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. 3a Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 21/22)

Dessa forma, infere-se que o simples conhecimento formal da prisão, tal como previsto no art. 306 do Código de Processo Penal, não é suficiente devendo a pessoa presa ser efetivamente conduzida à presença do juiz para ser por ele ouvida.

Em caso semelhante, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos2 e 3 decidiu em desfavor do Equador em 03 oportunidades:

O fato de que um Juiz tenha conhecimento da causa ou lhe seja remetido o Inquérito Policial correspondente, como alegado pelo Estado, não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente perante o Juiz ou autoridade competente (Caso Tibi Vs. Equador. Sentença de 07/09/2004)

O simples conhecimento por parte de um Juiz de que uma pessoa foi detida não satisfaz a essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e fazer suas declarações perante o Juiz ou autoridade competente (Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24/06/2005).

                                                                                                                         2 Em obra de análise de sua jurisprudência, a CIDH aponta (tradução livre): Para a Corte Interamericana, o simples conhecimento pelo Juiz de que uma pessoa está presa não satisfaz a garantia estabelecida no art. 7o, n.5, da Convenção, pois é necessário que o preso compareça pessoalmente e preste declarações diante de um juiz ou autoridade competente (Corte Interamericana de Derechos Humanos. Análisis de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos em Materia de Integridad Personal y Privación de Liberdad:(Artículos 7 y 5 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos). San José: Corte IDH, 2010, p. 53/55) 3 Cumpre lembrar que, se o Pacto de São José da Costa Rica possui status normativo supralegal e, considerando que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é a guardiã do referido diploma, então, conclui-se que as decisões da CIDH possuem um poder vinculativo ainda maior do que as decisões dos Tribunais Superiores nacionais.

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A Corte não aceita o argumento estatal de que se cumpriu o art. 7o, n.5, posto que o Juiz da causa estava presente no momento das detenções e exerceu um controle judicial direto, dando a entender que não havia necessidade de levar as vítimas (dos abusos estatais) novamente ante ele. Ainda quando o juiz presencia a prisão, não é suficiente para se considerar satisfeita a exigência do art. 7o, n.5 de “ser levado” perante um Juiz. A autoridade judicial deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que este dê, para decidir se procede à soltura ou a manutenção da privação de liberdade. (Caso Chaparro Alvarez e Lapo Iñiguez Vs. Equador. Sentença de 21/09/2007)

Apenas para espancar qualquer dúvida, apesar de

desnecessário, o Delegado de Polícia não é “autoridade competente” para decidir

sobre a prisão ou liberdade de qualquer flagranteado (CF, art. 5o, LXI)4.

Fixada essa premissa, passa-se à analise do que deve ser

considerado “sem demora”.

Tendo em vista que o direito de ser conduzido “sem demora”

perante a autoridade judiciaria é um direito fundamental do detido, a interpretação e

aplicação desse direito deve ser realizada de acordo com os princípio da máxima

efetividade dos direitos fundamentais.

A respeito, trago a lição de José Joaquim Gomes Canotilho:

"a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos

                                                                                                                         4 Nos casos citados acima - Tibi Vs. Equador e Chaparro Alvarez e Lapo Iñiguez Vs. Equador – a CIDH manifestou-se especificamente, afirmando que “a declaração das vítimas (dos abusos estatais) ao “fiscal” (Delegado de Polícia) não podem ser consideradas como cumprimento do direito consagrado no art. 7o, n.5 da Convenção” (...).

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fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)." (Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 2006, p. 1208)

Outrossim, a interpretação ampliativa que permeia as normas

citadas possui previsão na própria Convenção Americana de Direitos Humanos (Art.

29, b), bem como no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 5o, n.2)

Nesse contexto, a única interpretação que se pode fazer sobre o

termo “sem demora” é aquela que privilegie os direitos do detido.

Sobre o tema, a Organização das Nações Unidas editou o

Guia dos Padrões Internacionais sobre Detenções Pré-Julgamento5, do qual

destaco os seguintes trechos (tradução livre):

A pessoa detida pela prática de uma infração penal deve ser apresentada a uma autoridade judiciaria ou outra autoridade prevista por lei, prontamente após sua captura. Essa autoridade decidirá sem demora a legalidade e necessidade da detenção. Ninguém pode ser mantido em detenção aguardando o início da instrução ou julgamento salvo por ordem escrita da referida autoridade. (...) O art. 9o, n.3, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos estabelece que todo individuo preso pela prática de uma infração penal será <prontamente> conduzido perante um juiz ou outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciarias. (...) O Comitê dos Direitos do Homem sustentou que um período de um mês entre a detenção e o comparecimento perante uma autoridade judiciária é demasiado longo para poder se considerar que a pessoa compareceu <prontamente>, de acordo com o art. 9o, n.3. Com efeito, alguns membros do Comitê consideraram que uma detenção de 48h sem intervenção judiciaria é excessivamente longo, tendo convidado o Estado em causa a reduzir essa duração.

                                                                                                                         5 Human Rights and Pre-Trial Detention: a handbook of International Standards relating to Pre-Trial Detention. Disponível em <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/training3_en.pdf>. Acesso em 16.03.2015

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(Organização das Nações Unidas. Human Rights and Pre-Trial Detention: a handbook of International Standards relating to Pre-Trial Detention. Nova Iorque e Genebra, 1994, p 12/13 e 49/50)

Em suma, considerando que o Código de Processo Penal

estabelece o prazo de 24h para que a prisão em flagrante seja comunicada ao Juiz,

parece-nos razoável que o termo “sem demora” seja compreendido como “nas

primeiras 24h após a prisão”.

Assim, conforme demonstrado, a Audiência de Custódia é um

direito da pessoa presa e a falta de previsão no Código de Processo Penal não

representa óbice à sua realização.

2. Justificativa

Não bastasse a previsão expressa da Audiencia de Custódia no

Pacto de São José da Costa Rica, de acordo com dados do Conselho Nacional de

Justiça6, até junho de 2014 o Brasil era detentor da 4a maior população carcerária

do mundo – 563.526 – ficando atrás apenas da Russia, China e Estados Unidos.

Mais além, em termos de crescimento da população

carcerária, o Brasil salta da 4a para a 1a posição, devendo ser apontado que nos

últimos 20 anos praticamente quadruplicamos nossa população carcerária, saindo

de 148.000 pessoas presas em 1995 para as referidas 563.000 em 2014.7

No entanto, para os efeitos deste projeto, o dado mais

importante não é o número absoluto de presos, mas, sim, o de presos preventivos

ou provisórios.

                                                                                                                         6 Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil . Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf>. Acesso em 16.03.2015 7 Segundo o professor Juarez Cirino dos Santos, somos o país que mais cresce numericamente em termos de encarceramento e fazemos isso sem voltar os olhos para a fonte da criminalidade. Entrevista publicada em 15.07.2012 no Jornal “A folha de Londrina”

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De acordo com o levantamento do CNJ, dos mais de meio

milhão de encarcerados, 41% seriam presos cautelares. No Mato Grosso, esse

índice é de 52%, o que nos coloca em 9o lugar entre os estados que mais prendem

provisoriamente.

Como podemos então sustentar que o princípio da presunção

de inocência ou não culpabilidade (CF, art. 5, LVII) vige no Brasil se quase metade

dos nossos presos ainda nem foram julgados ?

Esse mesmo questionamento foi realizado no ultimo relatório

apresentado pelo grupo de trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU8, que

apontou expressamente (tradução livre):

Embora o sistema de justiça criminal brasileiro trabalhe sobre matizes garantistas, a decretação da prisão cautelar continua sendo amplamente assumida pelo Judiciário local sem maiores reflexões. (...) A presunção de inocência consagrada na Constituição parece ser uma prática abandonada pelos Juízes, que recorrem em muitos momentos à prisão cautelar como primeira medida.

Diante deste quadro, considerando que as reformas trazidas

pela Lei 12.043/2011 não se mostraram suficientes, a adoção de medidas que

reduzam a decretação de prisões preventivas ou provisórias desnecessárias

mostra-se imperioso.

A implementação da Audiência de Custódia é, sem sombra de

dúvida, uma dessas medidas.

A Audiência de Custódia permitirá a melhor apreciação dos

requisitos ensejadores da prisão cautelar, uma vez que o Juízo terá contato direto

com o flagranteado ao invés de apenas receber o auto de prisão em flagrante em

seu gabinete, privilegiando, assim, o princípio da oralidade e da presença física do

Juiz.                                                                                                                          8 Report of the Working Group on Arbitrary Detention on its visit to Brazil. disponível em <http://ap.ohchr.org.> Acesso em 15.03.2015

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Note que ao ser apresentado à Autoridade Judicial, o

flagranteado também terá contato com seu Defensor Público ou Advogado, bem

como também será ouvido pelo membro do Ministério Publico, manifestando-se não

sobre o mérito da imputação, mas sobre o preenchimento ou não dos requisitos

para decretação da prisão preventiva.

Assim, além de uma análise mais apropriada dos requisitos do

art. 312 e 313 do Código de Processo Penal, a decisão que decretar a prisão

preventiva ou conceder a liberdade provisória se tornará mais humanizada.

Demais disso, a fiscalização de eventuais ocorrências

contempladas na Lei 9.455/97 durante a prisão em flagrante será realizada

imediatamente pelos próprios atores do sistema de justiça, potencializando a

prevenção e o combate a tortura no Brasil.

Por fim, com a devida estruturação da Audiência de Custódia,

poderá ser realizado um diagnóstico de movimentação criminal mais acurado,

auxiliando, assim, a escolha da politica criminal mais conveniente.

3. Projeto de Lei do Senado 554/2011

Consciente da necessidade de adaptação do Código de

Processo Penal ao disposto no pacto de São José da Costa Rica, foi proposto no

Senado Federal o PLS 554/2011, alterando o art. 306, §1o, nos seguintes termos:

“art. 306 (...) §1o No prazo maximo de vinte e quatro horas depois da

prisao, o preso devera ser conduzido à presença do juiz competente, ocasiao em que deverá ser apresentado o auto de prisao em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

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Após tramitação inicial, prevalece a aprovação do projeto

substitutivo, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão

de Direitos Humanos e Legislação Partipativa, com a propositura de emenda, com a

seguinte redação:

“Art. 306. .................................................................... § 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão

em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310.

§ 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.” (NR)

De acordo com o site do Senado Federal, as ultimas

movimentações do projeto se referem à juntada de pareceres favoráveis a sua

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aprovação, sendo o último deles do Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais –

IBCCRIM em 23.03.2015 (anexo).

4. Jurisprudência

A jurisprudencia tem se mostrado claudicante9 em reconhecer a

necessidade da realização da Audiencia de Custódia, mas, aos poucos, tem

reconhecido que a falta de previsao interna não afasta a imperiosidade do comando

convencional.

No dia 12.02.2015, a Desembargadora Monica Sifuentes da

Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região, deferiu, liminarmente,

pedido da Defensoria Pública da União, determinando a realização da audiência de

custódia, em Cuiabá, de 02 presos em flagrante (HC 0006708-76.2015.4.01.0000).10 e 11

Também do TRF1, destaca-se o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES - APRESENTAÇÃO PESSOAL DO PRESO PERANTE O JUIZ - ART. 7o, INCISO 5 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.

I - A grande quantidade de notas falsas apreendidas em poder do paciente, sua atuação, cooptando terceiro para fazer o repasse de tais notas, bem como o fato de já possuir ele prisão anterior por porte ilegal de armas, evidenciam a presença de risco para a ordem pública suficiente a ensejar a manutenção da custódia cautelar, ensejando a denegação da ordem quanto a este aspecto;

                                                                                                                         9 Em nota pessoal, posso dizer que há 02 anos venho impetrando pedidos de Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e, até a presente data, a tese sequer foi analisada. 10http://justificando.com/2015/03/10/pela-primeira-vez-tribunal-federal-determina-audiencia-de-custodia/ 11 http://www.conjur.com.br/2015-mar-10/trf-manda-juiz-promover-audiencia-custodia-ouvir-presos

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II - A apresentação pessoal do preso perante a autoridade judicial está prevista no art. 7o, inc. 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, incorporada ao direito pátrio antes da EC no 45, possuindo o status normativo supralegal, tornando inaplicável a legislação infraconstitucional conflitante;

III - Ordem parcialmente concedida. (TRF 2 - HC 2014.02.01.003188-7. 2a Turma. Rel. Des. Messod Azulay Neto. DJ 20.05.2015)

5. Objetivo Geral

Implementar no estado de Mato Grosso um projeto piloto da

Audiencia de Custódia, antes mesmo da eventual aprovação do PLS 554/2011.

6. Objetivos Específicos

I – verificar a legalidade das prisoes em flagrante ocorridas na cidade de

Cuiabá

II – Contemplar discussão mais democrática acerca da necessidade da prisao

cautelar, por meio de manifestações do Ministério Público e da Defesa em ato

concentrado e presencial

III – Revelar com maior precisão o movimetno criminal na cidade de Cuiabá

IV – Diminuir o encarceramento desnecessário através da adoção de medidas

cautelares diversas da prisao, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal

7. Modelos.

Apesar de não haver impedimentos para que o estado de Mato

Grosso implante um modelo próprio da Audiencia de Custódia, cabe trazer dois

exemplos que parecem ser bem sucedidos.

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7.1 – Modelo Baiano

Ainda no ano de 2011 o estado da Bahia, de forma bastante

vanguardista, criou o Núcleo de Prisao em Flagrantes por meio do Termo de

Compromisso Mutuo n. 19/2011-TC, firmado entre o Tribunal de Justiça do estado

da Bahia, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, a

Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, o Ministério Público do

Estado da Bahia, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e a Ordem dos

Advogados do Brasil.

O Tribunal de Justiça editou a Resolução n. 09/2011, instituindo

o Nucleo de Prisao em Flagrante, mas apenas após a realização de um Pedido de

Providencias ao CNJ pela Defensoria Pùblica do Estado da Bahia em 2013 é que o

núcleo foi efetivamente criado.

De acordo com a resolução, a autoridade policial,

concomitantemente à remessa dos autos de prisao em flagrante – ou seja, em 24

horas -, deverá apresentar o flagranteado preante a Direção da Cadeia Pública de

Salvador, para que fique recolhido no setor de triagem, aguardando análise da

custódia.

O interessante é que não é o preso que será levado até o fórum,

mas os proprios atores do sistema de justiça – Juiz, Promotor, Defensor Público e

Advogado – é que se dirigirao à Cadeia Pública para realização da audiencia.

No entanto, o preso não será recolhido à área comum antes de

ser efetivamente decretada sua prisao preventiva, evitando, assim, o contato

desnecessário entre os presos e aqueles cuja prisao se mostra desnecessária.

Para tanto, o estabelecimento teve que se adequar, deixando

uma área para estruturação de um cartório destinado à manutenção e

movimentação dos Autos de Prisão em Flagrante. Outrossim, tambem existe um

gabinete para o Ministério Público e outro para a Defensoria Pública, bem como

uma sala para Advogados.

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Dados informais apresentados pelo Dr. Alan Roque de Souza,

Defensor Público designado para atuar no NPF, houve uma redução de pelo menos

10% na decretação da prisao preventiva dos recolhidos após a criação do Nucleo de

Prisao em Flagrantes.

7.2 – Modelo Paulista/CNJ

Após anos de intenso debate, o Conselho Nacional de Justiça,

em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo, Governo do Estado de São

Paulo, Ministério de Justiça, Ministério Público do Estado de São Paulo, Defensoria

Pública do Estado de São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto de

Defesa do Direito de Defesa, criou um projeto para realização da Audiencia de

Custódia na cidade de São Paulo/SP.

O mesmo projeto tem sido paulatinamente levado aos demais

estados da federação,12, 13 e 14 já tendo sido implantado, s.m.j., no estado do

Amazonas15 e no estado do Maranhão16

De acordo com o projeto, todos os flagranteados são levados ao

fórum criminal da capital, no prazo de 24 horas, onde terão contato prévio com seu

Defensor Público ou Advogado. Posteriormente, serão ouvidos em perante o Juiz e

o membro do Ministério Público. Vencida essa etapa, o Ministério Público se

manifestará sobre a necessidade de decretação da prisão preventiva e a defesa

                                                                                                                         12 http://cidadeverde.com/cnj-apresenta-ao-tj-pi-projeto-audiencia-de-custodia-188363 13 http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/cnj-detalha-projeto-da-audiencia-de-custodia-ao-tjmg.htm 14 http://www.tjpr.jus.br/pt/destaques/-/asset_publisher/1lKI/content/tribunal-de-justica-estuda-projeto-de-audiencia-de-custodia-proposta-pelo-presidente-do-cnj 15 http://www.amazonasnoticias.com.br/audiencia-de-custodia-e-realizada-pela-primeira-vez-no-amazonas/ 16 http://tj-ma.jusbrasil.com.br/noticias/161979842/audiencia-de-custodia-e-realidade-no-judiciario-maranhense

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apresentará sua manifestação, requerendo o que entender cabível. Por fim, o Juiz

proferirá sua decisao nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

O projeto delineia de forma bastante detalhada quais seriam as

competencias e compromissos de cada um dos envolvidos, inclusive no que tange

ao investimento em infraestrutura e capacitação de pessoal para realização do ato.

Conforme vem sendo noticiado17, o projeto apresenta dados

iniciais promissores, apesar de estar em funcionamento há apenas um mes.

8. Conclusões.

Conforme já foi dito, a condução de toda pessoa presa à

presença de um juiz para que este decida sobre a sua prisão - audiência de

custodia - é um direito fundamental.

Outrossim, tal direito possui previsao expressa no Pacto de São

José da Costa Rica o que, por si só, autorizaria sua instituição em nosso

ordenamento interno, uma vez que o art. 306 do Código de Processo Penal não

passaria pelo Controle de Convencionalidade.

Por fim, demonstrou-se que diversos estados da federação tem

reconhecido a necessidade da realização da audiencia de custódia e, por meio de

convenios entre os poderes Judiciário e Executivo, com apoio dos órgãos essenciais

ao funcionamento da Justiça – especialmente da Defensoria Pública, diga-se de

passagem – até que uma alteração legislativa trate do tema de forma geral e

definitiva para todos os estados.

Nesse contexto, pede-se a esta Secretaria de Justiça e Direitos

Humanos que, no exercicio de suas funções, busque, por todos os meios

                                                                                                                         17 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/03/1606054-com-novo-modelo-justica-de-sp-solta-42-dos-presos-em-flagrante.shtml

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possíveis a instauração e manutenção da Audiencia de Custódia no estado de Mato Grosso.

Sugere-se, humildemente, que o projeto seja iniciado por um

piloto na comarca de Cuiabá.

Colocando-me à disposição de Vossa Excelencia e desta

Secretaria, renovo meus votos de apreço e profunda admiração.

Barra do Bugres, 25 de março de 2015.

Fernando Antunes Soubhia

Defensor Público Substituto