Aula 08 - Administracao Publica - Tcu e Cgu

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recomenda-se a sua impresso no modo econmico da impressora.

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Aula 08Ol, Pessoal! Est nossa oitava e ltima aula do curso. Gostaria de agradecer a todos pela confiana no nosso trabalho. Espero que as aulas tenham sido proveitosas e que vocs possam aproveit-las no momento que mais importa, que a prova. Sintam-se vontade para criticar este curso, pois com as opinies de vocs que poderemos melhor-lo. A cada novo curso eu procuro melhorar as aulas de acordo com as crticas de vocs. Por exemplo, no ltimo curso um aluno pediu para que fosse colocado um sumrio em cada aula para facilitar a localizao dos assuntos. Isso foi uma das mudanas que fiz para este curso. Portanto, sintam-se vontade para criticar e fazer sugestes. Nesta ltima aula veremos os seguintes itens dos editais: TCU: 14. Processo de formulao e desenvolvimento de polticas: construo de agendas, formulao de polticas, implementao de polticas. 15. As polticas pblicas no Estado brasileiro contemporneo. Descentralizao e democracia. Participao, atores sociais e controle social. Gesto local, cidadania e eqidade social. 16. Planejamento e avaliao nas polticas pblicas: conceitos bsicos de e planejamento. Aspectos administrativos, tcnicos, econmicos financeiros. Formulao de programas e projetos. Avaliao de programas e projetos. Tipos de avaliao. Anlise custo-benefcio e anlise custoefetividade. CGU: 1. Processo de Formulao e Desenvolvimento de Polticas: construo de agendas, formulao de polticas, implementao de polticas. 2. As Polticas pblicas no Estado brasileiro contemporneo. Descentralizao e democracia. Participao, atores sociais e controle social. Gesto local, cidadania e eqidade social. Instrumentos e recursos da economia pblica (poltica fiscal, regulatria, cambial e monetria). 3. Planejamento e Avaliao nas Polticas Pblicas - Conceitos bsicos de planejamento. Aspectos administrativos, tcnicos, econmicos e www.pontodosconcursos.com.br 1

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financeiros. Formulao de programas e projetos: diagnstico, rvore de problemas, rvore de objetivos, matriz de planejamento, objetivos, metas e impactos. Avaliao de programas e projetos. Tipos de Avaliao. Anlise custo-benefcio e anlise custo-efetividade.

ERRATA: Vamos corrigir algumas coisas que saram erradas em aulas anteriores. Aula 07: Questo 08, pg. 71. Deve-se desconsiderar a palavra SEM no seguinte trecho: a administrao pblica pode sem valer-se dos mesmos instrumentos que a gesto privada. Aula 06: A questo 06 da teoria (pg. 08) ERRADA, e no certa. O gabarito da questo 89 A e no E. Aula 05: Na pgina 28, logo aps as definies de estratgia, deve desconsiderar o termo SEM no seguinte trecho: "as vrias definies trazem em comum que a estratgia estabelece os objetivos, o caminho a ser seguido para alcan-los, sem levando em considerao o ambiente em que a organizao est inserida" A Questo 12 da teoria (pg. 42) traz o conceito de Mudana Organizacional, e no de cultura.

NDICE

1 4 2 3 4 5 6

PROCESSO DE FORMULAO E DESENVOLVIMENTO DE POLTICAS................................................ 3 AS POLTICAS PBLICAS NO ESTADO BRASILEIRO CONTEMPORNEO .......................................... 22 DESCENTRALIZAO E DEMOCRACIA.............................................................................................. 28 CONCEITOS BSICOS DE PLANEJAMENTO ....................................................................................... 36 PROJETOS SEGUNDO O PMBOK......................................................................................................... 42 FORMULAO DE PROGRAMAS E PROJETOS .................................................................................. 56 AVALIAO DE PROGRAMAS E PROJETOS ...................................................................................... 63

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ANLISE CUSTO-BENEFCIO E ANLISE CUSTO-EFETIVIDADE.......................................................... 70 QUESTES COMENTADAS................................................................................................................... 75 LISTA DAS QUESTES ......................................................................................................................... 109 GABARITO .......................................................................................................................................... 123 LEITURA SUGERIDA............................................................................................................................. 124 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 125

1 Processo de formulao e desenvolvimento de polticasVamos comear nosso estudo sobre polticas pblicas com uma questo da ESAF, que fala sobre a sua definio.

1. (ESAF/MPOG/2008) O processo das polticas pblicas mostra-se como forma moderna de lidar com as incertezas decorrentes das rpidas mudanas do contexto scio-poltico nacional e internacional, que favoreceu uma concepo mais gil da atividade governamental, na qual a ao baseada no planejamento deslocou-se para a idia de poltica pblica. Todos os componentes abaixo so comuns s definies correntes de poltica pblica, exceto: a) Ideolgico: toda poltica requer um discurso legitimador, ou seja, destinado a reforar a convico dos diversos atores quanto ao acerto das aes governamentais e sua orientao para o bem de todos. b) Decisrio: qualquer poltica envolve um conjunto seqencial de decises, relativo escolha de fins e/ou meios, de curto ou longo alcance, numa situao especfica e como resposta a problemas e necessidades. c) Comportamental: toda poltica pode envolver ao ou inao, mas uma poltica , acima de tudo, um curso de ao e no somente uma deciso singular. d) Causal: toda poltica um produto de aes e, por sua vez, provoca efeitos sobre o sistema poltico e social. www.pontodosconcursos.com.br 3

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e) Institucional: as polticas so elaboradas ou decididas por autoridades formal e legalmente constitudas no mbito da sua competncia e so coletivamente vinculantes. Esta questo foi tira da Enrique Saraiva, que afirma que nas definies dos dicionrios de cincia poltica encontram-se os seguintes componentes comuns: a) Institucional: a poltica elaborada ou decidida por autoridade formal legalmente constituda no mbito da sua competncia e coletivamente vinculante; b) Decisrio: a poltica um conjunto-seqncia de decises, relativo escolha de fins e/ou meios, de longo ou curto alcance, numa situao especfica e como resposta a problemas e necessidades; c) Comportamental: implica ao ou inao, fazer ou no fazer nada; mas uma poltica , acima de tudo, um curso de ao e no apenas uma deciso singular; d) Causal: so os produtos de aes que tm efeitos no sistema poltico e social. Podemos perceber que o componente que no est presente o ideolgico. A resposta da questo a letra A. Enrique Saraiva define poltica pblica como: Um fluxo de decises pblicas, orientado a manter o equilbrio social ou a introduzir desequilbrios destinados a modificar essa realidade. Decises condicionadas pelo prprio fluxo e pelas reaes e modificaes que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, idias e vises dos que adotam ou influenciam na deciso. Com uma perspectiva mais operacional, ele coloca que: Poderamos dizer que ela um sistema de decises pblicas que visa a aes ou omisses, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vrios setores da vida social, por meio da definio de objetivos e estratgias de atuao e da alocao dos recursos necessrios para atingir os objetivos estabelecidos. Vamos ver algumas definies de polticas pblicas: Dye: o que o governo decide fazer ou no.

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Lynn: um conjunto especfico de aes do governo que iro produzir efeitos especficos. Lowi: uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa uma inteno de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo atravs do uso de sanes positivas ou negativas. Maria G. Rua: As polticas pblicas (policies) so outputs, resultantes das atividades poltica (politics): compreendem o conjunto das decises e aes relativas alocao imperativa de valores. Carvalho: Polticas pblicas so construes participativas de uma coletividade, que visam garantia dos direitos sociais dos cidados que compem uma sociedade humana. Percebemos nas quatro primeiras definies uma grande valorizao do Estado como responsvel pelas polticas pblicas. Quando a Maria das Graas Rua fala em alocao imperativa de recursos, o que ela quer dizer que uma das suas caractersticas centrais o fato de que so decises e aes revestidas da autoridade soberana do poder pblico. No podemos negar isso. Maria das Graas Rua afirma ainda que as polticas pblicas so pblicas e no privadas ou apenas coletivas. Contudo, um tanto equivocado considerar que o termo pblica se refere ao Estado. Vamos ver uma questo do CESPE.

2. (CESPE/PMRB/2007) O termo pblico, associado poltica, no se refere exclusivamente ao do Estado, mas, sim, coisa pblica,ou seja, quilo que de todos. A questo CERTA. Segundo Potyara Pereira: Poltica pblica no sinnimo de poltica estatal. A palavra pblica, que acompanha a palavra poltica, no tem identificao exclusiva com o Estado, mas sim com o que em latim se expressa como res publica, isto , coisa de todos, e, por isso, algo que compromete simultaneamente, o Estado e a sociedade. , em outras palavras, ao pblica, na qual, alm do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, poder de deciso e condies de exercer o controle sobre a sua prpria reproduo e sobre os atos e decises do governo e do mercado. o que preferimos chamar de controle democrtico exercido pelo cidado comum, porque controle coletivo,

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que emana da base da sociedade, em prol democracia e da cidadania

da ampliao da

Portanto, poltica pblica no sinnimo de poltica estatal. Temos que entender que a presena do Estado fundamental, assim como a participao da sociedade. Pereira conceitua poltica pblica como: Polticas pblicas so aes coletivas que tem por funo concretizar direitos sociais, demandas da sociedade e previstos nas Leis. Podemos perceber que Maria das Graas Rua afirma que as polticas pblicas no so apenas aes coletivas. J Pereira afirma que so aes coletivas. Esta divergncia parece ser mais no tocante ao significado de ao coletiva do que se pode haver poltica pblica sem o Estado. O Estado fundamental e sem a sua participao no h poltica pblica. Vamos ver como pensa o CESPE.

3. (CESPE/TJ-AP/2007) Poltica pblica significa ao coletiva cuja funo concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis. A questo CERTA. Podemos perceber que ela cpia da definio de Potyara Pereira. Assim, temos que entender que as polticas pblicas so uma construo coletiva, formadas por um conjunto de atores, apesar de caber ao governo o papel central. Segundo Raquel Raichelis: Na formulao, gesto e financiamento das polticas sociais deve ser considerada a primazia do Estado, a quem cabe a competncia pela conduo das polticas pblicas. Esta primazia, contudo, no pode ser entendida como responsabilidade exclusiva do Estado, mas implica a participao ativa da sociedade civil nos processos de formulao e controle social da execuo. Tambm podemos observar na definio de Pereira que a funo das polticas pblicas concretizar direitos sociais previstos nas leis, o que significa que as polticas pblicas estaro tornando possvel o exerccio dos direitos sociais como educao, sade, assistncia social, etc. Vamos ver uma questo do CESPE:

4. (CESPE/CHESF/2002) Poltica pblica uma ao coletiva que tem por funo concretizar direitos sociais demandados pela

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sociedade e previstos nas leis. Os direitos declarados e garantidos nas leis s tm aplicabilidade por meio de polticas pblicas. Esta questo foi dada como CERTA. Ela foi copiada da definio de Pereira que afirma: Polticas pblicas so aes coletivas que tem por funo concretizar direitos sociais, demandas da sociedade e previstos nas Leis. Em outros termos, os direitos declarados e garantidos nas leis s tm aplicabilidade por meio de polticas pblicas correspondentes, as quais, por sua vez, operacionalizam-se mediante programas, projetos e servios. Quando a autora afirma que os direitos declarados e garantidos nas leis s tm aplicabilidade por meio de polticas pblicas, na realidade ela est se referindo aos direitos sociais. Se pensarmos na classificao dos direitos fundamentais, os direitos de primeira gerao se referem aos direitos de no interveno do Estado na vida privada, direitos como o de liberdade, livre associao, livre manifestao do pensamento; os de segunda gerao envolvem os direitos sociais; e os de terceira os direitos coletivos, como os ligados proteo do meio-ambiente, do patrimnio histrico, etc. Os direitos de primeira gerao, em que se prega a no-interveno do Estado, no precisam de polticas pblicas para serem concretizados. As polticas pblicas tornam-se necessrias com os direitos sociais, que exigem uma atuao positiva do Estado No considero correto o CESPE reproduzir a definio da autora e dizer, de forma geral, que os direitos declarados e garantidos nas leis s tm aplicabilidade por meio de polticas pblicas. Mas, ele faz isso e ns temos que saber. Portanto, as polticas pblicas so instrumentos de concretizao dos direitos previstos e garantidos nas leis, ou seja, somente com a existncia de uma poltica pblica que as pessoas podero exercer seus direitos sociais. Dessa concretizao resulta que vlida a interveno do Poder Judicirio exigindo a implementao de polticas pblicas. O Judicirio no pode elaborar polticas pblicas, mas pode compelir o poder pblico a implement-las, caso estejam previstas na Constituio e nas leis. Em julgamento de 2005, o STF decidiu que o municpio de Santo Andr (SP) deveria garantir a matrcula de um menino de quatro anos na creche pblica administrada pela prefeitura. O entendimento o de que obrigao do municpio garantir o acesso creche a crianas de at seis anos de idade, independentemente da oportunidade e convenincia do poder pblico. Segundo Celso de Mello: Quando a proposta da Constituio Federal impe o implemento de polticas pblicas, e o poder pblico se mantm inerte e omisso, legitimo sob a perspectiva constitucional garantir o direito educao e www.pontodosconcursos.com.br 7

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atendimento em creches. O direito no pode se submeter a mero juzo de convenincia do Poder Executivo. Assim, se h um direito previsto na lei e necessria uma poltica pblica para que ele seja exercido, um dever do Estado implementar tal poltica e cabe ao Judicirio exigir o cumprimento desta obrigao. Tambm importante distinguir poltica pblica de deciso poltica. Na primeira questo da ESAF, vimos que um dos componentes das definies de poltica pblica o decisrio, que a poltica um conjunto-seqncia de decises. Segundo Maria das Graas Rua, uma poltica pblica geralmente envolve mais do que uma deciso e requer diversas aes estrategicamente selecionadas para implementar as decises tomadas. J uma deciso poltica corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas, conforme a hierarquia das preferncias dos atores envolvidos, expressando certa adequao entre os fins pretendidos e os meios disponveis. Assim, embora uma poltica pblica implique deciso poltica, nem toda deciso poltica chega a constituir uma poltica pblica. Um exemplo est na emenda constitucional para reeleio presidencial. Trata-se de uma deciso, mas no de uma poltica pblica. J a privatizao de estatais ou a reforma agrria so polticas pblicas. Podemos identificar alguns pontos comuns que poderiam nos ajudar a formular um conceito mais genrico de poltica pblica: Conjunto de aes governamentais; Distribuio de recursos ou bens pblicos; Atendimento s demandas da sociedade ou sistema poltico. Participao da sociedade em todo o processo.

Cada poltica pblica passa por diversos estgios. A isso damos o nome de ciclo da poltica (policy cycle). Normalmente, consideram-se trs etapas nas polticas pblicas: formulao, implementao e avaliao. No entanto, vrios autores acrescentam outras fases. Enrique Saraiva afirma que necessria certa especificao na Amrica Latina. Por isso ele distingue entre elaborao e formulao, em que a primeira a preparao da deciso poltica e a segunda a prpria deciso, formalizada em uma norma jurdica. Alm disso, deve-se separar a implementao propriamente dita, que a preparao para a execuo, da execuo, que pr em prtica a deciso poltica. Ainda antes de todas estas fases, ressaltada a construo da agenda, que se refere ao processo de incluso de determinada necessidade scia, determinada demanda, na lista de prioridades do poder pblico. A seguir vamos dar uma olhada em cada uma dessas fases, exceto a avaliao, que ficar para um momento posterior desta aula. Contudo, antes de iniciarmos este estudo, www.pontodosconcursos.com.br 8

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preciso ficar claro que esta separao do processo de polticas pblicas em fases distintas constitui mero exerccio de abstrao, um instrumento para facilitar a compreenso do funcionamento das polticas pblicas. O que ocorre na realidade que estas fases se confundem, no h uma ordenao tranqila na qual cada ator social conhece e desempenha o papel esperado. Segundo Enrique Saraiva, as modernas teorias do caos so as que mais se aproximam de uma visualizao adequada da dinmica social.

1.1 ConstruodaAgendaPodemos dizer que a construo da agenda a primeira fase das polticas pblicas, j que neste momento que so definidos os problemas que sero atacados por meio de uma poltica pblica. Segundo Enrique Saraiva: Na sua acepo mais simples, a noo de incluso na agenda designa o estudo e explicitao do conjunto de processos que conduzem os fatos a adquirir status de problema pblico, transformando-o em objeto de debates e controvrsias polticas na mdia. Podemos dizer que a agenda refere-se ao conjunto de temas que so debatidos com vistas escolha dos problemas que sero atacados por meio de polticas pblicas. O estudo da agenda busca entender porque alguns temas recebem mais ateno do que outros. Segundo Kingdon: A agenda a lista de temas ou problemas que so alvo em dado momento de sria ateno tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do governo, mas estreitamente associadas s autoridades. Evidentemente essa lista varia de acordo com os diferentes setores do governo. Esta definio do autor focaliza os temas que so considerados pelos governantes, por isso que ele chama de agenda de governo. Mas podemos dizer que existem trs tipo de agenda: 1 No-Governamental (ou sistmica): contm assuntos e temas que so reconhecidos pelo pblico em geral sem, contudo, merecer ateno do governo.

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2 Governamental: inclui os problemas que esto a merecer ateno formal do governo (temas que, de alguma maneira, esto incorporados na estrutura administrativa e no discurso das autoridades). 3 De Deciso: contm a lista dos problemas e assuntos que efetivamente sero decididos, que sero tema de uma poltica pblica. Nem sempre um tema que chegue a agenda governamental ser alvo de alguma poltica pblica. preciso ainda que ele chegue agenda de deciso, ou seja, que as autoridades realmente decidam fazer alguma coisa. Um exemplo: quando ocorrem crimes hediondos, geralmente os polticos surgem com discursos exigindo maior severidade na legislao, reduo na maioridade penal, mais investimentos em segurana pblica; no entanto, dificilmente ocorre alguma mudana substancial. O assunto esfria e as coisas voltam a ser como antes. Um ponto importante nesta definio de Enrique saraiva que na agenda os fatos adquirem o status de problema pblico. Para que determinado tema entre na agenda, ele deve ser considerado como um problema. Maria das Graas Rua diferencia entre o momento pr-agenda, quando determinado tema no recebe ateno, quando este tema permanece um estado de coisa, e o momento da agenda, quando o tema se torna um problema. Segundo a autora: Uma dada situao pode perdurar durante muito tempo, incomodando grupos e gerando insatisfaes sem, entretanto, chegar a mobilizar as autoridades governamentais. Neste caso, trata-se de um "estado de coisas" algo que incomoda, prejudica, gera insatisfao para muitos indivduos, mas no chega a constituir um item da agenda governamental, ou seja, no se encontra entre as prioridades dos tomadores de deciso. Quando este estado de coisas passa a preocupar as autoridades e se toma uma prioridade na agenda governamental, ento torna-se um "problema poltico". Portanto, na formao da agenda, importantssima a diferenciao entre o que seja uma situao e aquilo que um problema. Para Kingdon: Existe uma diferena entre uma situao e um problema. Toleramos vrios tipos de situaes todos os dias, e essas situaes no ocupam lugares prioritrios em agendas polticas. As situaes passam a ser definidas como problemas e aumentam suas chances de se tornarem prioridade na agenda quando acreditamos que devemos fazer algo para mud-las. A diferenciao entre situao e problema ocorre dentro de um dos trs dinmicas de processos que Kingdon utiliza para explicar como os participantes influenciam agendas www.pontodosconcursos.com.br 10

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e alternativas. A Teoria dos Fluxos Mltiplos defende que existem trs dinmicas de processos que fazem com que alguns temas sejam priorizados enquanto outros so negligenciados: a dos problemas, a da poltica e a das polticas pblicas. As pessoas reconhecem os problemas, geram propostas de mudanas por meio de polticas pblicas e se envolvem em atividades polticas, tais como campanhas eleitorais ou lobbies. Cada participante pode, em princpio, estar envolvido em cada um desses processos (reconhecimento do problema, formulao de alternativas, e poltica). Por exemplo, as polticas pblicas no constituem o nico modo de atuao dos analistas, como a poltica tampouco o nico cenrio de atuao dos polticos. No entanto, na prtica, os participantes geralmente tendem a se especializar em um ou outro processo. Os acadmicos se envolvem mais com a formulao de polticas do que com a poltica propriamente dita, enquanto os partidos se envolvem mais na poltica do que na formulao de propostas detalhadas. Aqui podemos diferenciar duas categorias de atores nas polticas pblicas: os visveis e os invisveis. A diferena entre eles que os visveis definem a agenda e os invisveis formulam as alternativas. Este o critrio de classificao, apenas este. Portanto, so exemplos de atores visveis polticos, mdia, partidos, grupos de presso, etc. J os atores invisveis compreendem acadmicos, consultores, assessores e funcionrios legislativos, burocratas de carreira e analistas ligados a grupos de interesses. Em relao ao primeiro fluxo, o do reconhecimento dos problemas, Kingdon se faz a seguinte pergunta: Porque alguns problemas recebem mais ateno do que outros por parte das autoridades governamentais?. E ele mesmo responde: A resposta est tanto nos meios pelos quais esses autores tomam conhecimento das situaes, quanto nas formas pelas quais estas situaes foram definidas como problemas. Os meios podem ser: Eventos-foco: um desastre, uma crise, uma experincia pessoal ou smbolo poderoso. Chama a ateno para algumas situaes mais do as outras. Contudo, tal evento tem efeitos apenas passageiros se forem acompanhados por uma indicao mais precisa de que h problema. um que no um

Feedback: as autoridades tomam conhecimento de situaes por meio de feedback a programas existentes, sejam eles formais (ex.: monitoramento de rotina sobre custos ou estudos de avaliao de programas) sejam informais (ex.: reclamaes que chegam ao Congresso).

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Indicadores: so usados para avaliar a magnitude de uma situao (como por exemplo a incidncia de uma doena ou o custo de um programa) e discernir mudanas ocorridas nessa situao. Tanto uma alta magnitude quanto uma grande mudana chamam a ateno das autoridades.

J as formas podem ocorrer das seguintes maneiras: Situaes que colocam em cheque valores importantes so transformadas em problemas; Situaes se tornam problemas por comparao com outros pases ou com outras unidades relevantes; A classificao de uma situao em certa categoria ao invs de outra pode defini-la como certo tipo de problema. Por exemplo, a falta de transporte pblico adequado para as pessoas portadoras de necessidades especiais pode ser classificada como um problema de transporte ou como um problema de direitos civis.

Alm de definir os problemas, a agendas tambm podem faz-los desaparecer. Isso ocorre porque, primeiro, o governo pode tratar do problema ou no. Tanto na ao como na omisso, a ateno acaba se voltando para outro tema, ou porque alguma coisa est sendo feita ou porque se frustram pelo fracasso e decidem investir em outra coisa. Segundo, as situaes que chamaram a ateno para o problema podem mudar. Terceiro, as pessoas podem se acostumar com a situao ou conferir outro rtulo ao problema. Quarto, outros itens surgem e colocam de lado antigas prioridades. Outro fluxo na Teoria dos Fluxos Mltiplos o da poltica. Independentemente do reconhecimento de um problema ou do desenvolvimento de propostas de polticas pblicas, a discusso poltica tem vida prpria. Os acontecimentos no mundo poltico tero um papel importantssimo na formao da agenda. Um novo governo, por exemplo, pode mudar completamente as agendas ao privilegiar outros temas. aqui que atuam principalmente os atores visveis. Esses atores incluem o Presidente e seus assessores, importantes membros do Congresso, a mdia, e atores relacionados ao processo eleitoral, como os partidos polticos; so atores que trabalham para formar a agenda. J os atores invisveis, como acadmicos, burocratas e funcionrios do Congresso, trabalham com as alternativas. Por isso que os polticos eleitos e seus assessores so mais importantes do que funcionrios pblicos de carreira no processo de estabelecimento da agenda. O terceiro fluxo o das solues, as alternativas de ao da poltica pblica. Alm do conjunto de temas ou problemas que esto na agenda, um conjunto de alternativas de ao governamental seriamente considerado pelas autoridades governamentais e www.pontodosconcursos.com.br 12

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pessoas estritamente associadas a elas. Em grande parte da literatura, a construo da agenda se refere tanto ao processo de discusso de problemas quanto de alternativas. Kingdon prefere diferenciar estes dois processos e afirma que a formulao de polticas pblicas um processo que envolve: 1. O estabelecimento de uma agenda; 2. A especificao das alternativas a partir das quais as escolhas so feitas; 3. Uma escolha final entre estas alternativas especficas; 4. A implementao desta deciso. A ESAF cobrou a seguinte questo no ltimo concurso da CGU:

5. (ESAF/CGU/2008) A formao ou construo da agenda de polticas pblicas consiste em um processo de identificao e reconhecimento de problemas, o que a distingue da formulao, que consiste na especificao das alternativas de ao governamental. A questo ERRADA. A agenda, segundo alguns autores, envolve a discusso tambm das alternativas. Mas como podemos observar, a questo traz o texto usado por Kingdon para descrever uma etapa posterior agenda, que Enrique Saraiva define como a Elaborao. J a formulao definida por Saraiva como a seleo e especificao da alternativa considerada mais conveniente. Tentando agora entender esta questo da ESAF, podemos dizer que o erro est no fato de que a formulao no consiste na especificao das alternativas (isso a elaborao), mas sim na especificao da alternativa (singular), a escolha de uma delas. Na realidade, em virtude das divergncias doutrinrias, esta questo no deveria ter sido cobrada desta forma. Podemos dizer que um erro seria dizer que a especificao das alternativas no est na agenda, j que muitos autores consideram dessa forma. Mas, como eles usaram um texto igual ao de Kingdon, creio que eles seguiram a linha do autor, diferenciando o processo de discusso dos problemas da discusso de solues, colocando esta fora da agenda. Vamos ver ento como o processo de discusso das alternativas, colocando este processo como uma fase separada da agenda, a elaborao.

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1.2 Elaborao

Segundo Enrique Saraiva: O segundo momento a elaborao, que consiste na identificao e delimitao de um problema atual ou potencial da comunidade, a determinao das possveis alternativas para sua soluo ou satisfao, a avaliao dos curtos e efeitos de cada uma delas e o estabelecimento de prioridades. Portanto, aps uma situao ser reconhecida como um problema que comearia o processo de discusso das alternativas de soluo. O modelo dos fluxos mltiplos de Kingdon se baseia no modelo Garbage Can, de Cohen, que pode ser traduzido como lata de lixo. Segundo esse modelo, problemas e solues no so pensados conjuntamente. As solues no so criadas para um problema especfico, elas so pensadas sem ter relao com um problema, e depois de criadas procura-se adapt-las aos problemas existentes. Portanto, os diversos problemas e solues existentes so jogados numa grande lata de lixo e l dentro tenta-se formar os pares. Segundo Kingdon, as agendas no so estabelecidas em primeiro lugar, para depois serem geradas as alternativas. Em vez disso, as alternativas devem ser defendidas por um longo tempo antes que uma oportunidade de curto prazo se apresenta na agenda. Para estudar o processo de discusso de alternativas, Kingdon se pergunta como a lista das alternativas possveis para a escolha de polticas pblicas filtrada at se chegar s que realmente recebem sria ateno?. E o autor mesmo responde: H dois tipos de respostas: 1) as alternativas so geradas e filtradas na dinmica prpria das polticas pblicas; e 2) o envolvimento dos participantes relativamente invisveis, que so especialistas na rea especfica dessas polticas. Vimos que os atores visveis definem a agenda, diferenciam situaes de problemas, enquanto os atores invisveis formulam as alternativas. As alternativas, propostas e solues so geradas por comunidades de especialistas, que podem ser acadmicos, pesquisadores, consultores, burocratas de carreira, funcionrios do Congresso, analistas que trabalham para grupos de interesses. Esses participantes relativamente invisveis formam comunidades de especialistas que trabalham de forma mais ou menos coordenada. O momento de formulao das alternativas um dos mais importantes no processo decisrio. Segundo Maria das Graas Rua, quando se colocam as preferncias dos atores, manifestam-se seus interesses, resultando da o confronto, em que cada ator vai usar seu poder, sua influncia, capacidade de afetar o funcionamento do sistema. A esses atores que investem para que suas preferncias sejam consideradas nos www.pontodosconcursos.com.br 14

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processos de polticas pblicas damos o nome de empreendedores da poltica (policy entrepreneurs). Segundo Rua, uma preferncia uma alternativa de soluo para um problema que mais beneficia determinado ator. Assim, dependendo da posio de cada ator, eles podem ter preferncias muito diversas uns dos outros, ou ento defender as mesmas preferncias, formando as coalizes de defesa (policy coalition). Este modelo, proposto por Sabatier e Jenkins-Smith, meio que um contraponto ao modelo garbage can. Segundo os autores, os modelos anteriores negligenciavam elementos importantes para entender os processos de formulao das polticas pblicas so as crenas, os valores e as idias. Uma determinada questo pode ser defendida por um grupo que partilha dessas crenas, valores ou idias. Forma-se a uma coalizo de defesa. As preferncias se formam em torno de issues, que podem ser entendidos como pontos importantes que afetam os interesses de vrios atores e que, por causa disso, mobiliza suas expectativas quanto ao resultado da poltica e catalisa o conflito entre eles. Rua cita como exemplo do conceito de terra improdutiva na reforma agrria, em que, dependendo da deciso, alguns atores ganham e outros perdem. Com base nas preferncias dos atores, formam-se alianas e d-se o conflito, da surgem as arenas polticas. A maioria dos autores fala em trs tipos de arenas: distributivas, redistributivas e regulatrias. Outros citam ainda as constitutivas. Vamos dar uma olhada em cada uma: Polticas distributivas so caracterizadas por um baixo grau de conflito dos processos polticos, visto que polticas de carter distributivo s parecem distribuir vantagens e no acarretam custos - pelo menos diretamente percebveis - para outros grupos. Em geral, polticas distributivas beneficiam um grande nmero de destinatrios, todavia em escala relativamente pequena; potenciais opositores costumam ser includos na distribuio de servios e benefcios. Polticas redistributivas, ao contrrio, so orientadas para o conflito. O objetivo o desvio e o deslocamento consciente de recursos financeiros, direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade. O processo poltico que visa a uma redistribuio costuma ser polarizado e repleto de conflitos. Polticas regulatrias trabalham com ordens e proibies, decretos e portarias. Elas estabelecem imperativos seletivos: quem pode ou no pode ter ou fazer alguma coisa, quem paga o que e em que situaes. Os efeitos referentes aos custos e benefcios no so determinveis de antemo; dependem da configurao concreta das polticas. Custos e benefcios podem ser distribudos de forma igual e equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como as polticas tambm podem atender a interesses particulares e www.pontodosconcursos.com.br 15

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restritos. Assim, as arenas regulatrias podero envolver um maior ou menor grau de conflito, j que podem adotar formas variadas. Polticas constitutivas ou polticas estruturadoras determinam as regras do jogo e com isso a estrutura dos processos e conflitos polticos, isto , as condies gerais sob as quais vm sendo negociadas as polticas distributivas, redistributivas e regulatrias.

Vamos voltar agora para o modelo dos fluxos mltiplos de Kingdon. Os trs fluxos, dos problemas, da poltica e das solues tm, cada um, vida prpria. Os problemas so identificados e definidos de acordo com processos que so diferentes daqueles nos quais as polticas pblicas so elaboradas, ou de como se do os eventos polticos. Contudo, em determinados momentos estes processos se unem. Um problema urgente demanda ateno e uma proposta de poltica pblica associada ao problema e oferecida como soluo. Quando estes trs fluxos convergem, ocorre a abertura de uma janela poltica (policy window), permitindo que determinado tema v direto para a agenda de deciso, ou seja, que seja realmente escolhido para ser combatido por uma poltica pblica.

1.3 Formulao

Segundo Enrique Saraiva: A formulao inclui a seleo e especificao da alternativa considerada mais conveniente, seguida da declarao que explicita a deciso adotada, definindo seus objetivos e seu marco jurdico, administrativo e financeiro. Portanto, a formulao compreende o processo de escolha da alternativa, dentro do cardpio formado no processo de elaborao, que consiste na especificao das possveis alternativas. Alm da deciso de escolher uma alternativa, tambm realizada aqui a formalizao dessa deciso, o que significa o estabelecimento de normas que permitiro a sua implementao pelos diversos atores envolvidos. Em relao ao estudo do processo de tomada de deciso, so utilizadas algumas teorias. Podemos dividi-las nos modelos: racional-compreensivo, incrementalismo e mixed-scannig. Vamos v-los: Compreensivo, segundo o dicionrio Houaiss, significa pleno de entendimento ou conscincia, aquele que compreende, que entende. racional porque usa a razo. A escolha da alternativa feita com base em critrios impessoais. Parte-se do princpio de que possvel conhecer o problema de tal forma que se possa tomar decises de www.pontodosconcursos.com.br 16

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grande impacto. Os decisores estabelecem quais os valores a serem maximizados e quais as alternativas que melhor podero maximiz-los. A seleo da alternativa a ser adotada feita a partir de uma anlise abrangente e detalhada de cada alternativa e suas conseqncias. A deciso mais lenta, uma vez que precisa de um levantamento de todas as informaes disponveis sobre o assunto, o estudo de todas as possibilidades tcnicas e polticas para solucionar o problema. A viso da poltica pblica como um processo incremental foi desenvolvida por Lindblom. Baseado em pesquisas empricas, o autor argumenta que os recursos governamentais para um programa, rgo ou uma dada poltica pblica no partem do zero e sim, de decises marginais e incrementais que desconsideram mudanas polticas ou mudanas substantivas nos programas pblicos. Assim, as decises dos governos seriam apenas incrementais e pouco substantivas. Lindblom questionou a nfase no racionalismo argumentando que os diversos interesses presentes na sociedade no podem ser deixados de lado, inclusive sob pena de a poltica pblica receber objees intransponveis. Ele props a incorporao de outras variveis formulao e anlise de polticas pblicas, tais como as relaes de poder e a integrao entre as diferentes fases do processo decisrio o que no teria necessariamente um fim ou um princpio. Da por que as polticas pblicas precisariam incorporar outros elementos sua formulao e sua anlise alm das questes de racionalidade, tais como o papel das eleies, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse. Abordagens distintas de literatura descrevem a idia incrementalista, a despeito de todas convergirem para o mesmo tema. So elas: o incrementalismo desarticulado, o incrementalismo lgico, o empreendimento estratgico e a compreenso retrospectiva. a) Incrementalismo Desarticulado: Lindbloom descreve a gerao de polticas como um processo serial, teraputico e fragmentado, no qual as decises so tomadas mais para resolver problemas do que para explorar oportunidades, considerando pouco as metas definitivas ou mesmo diferentes conexes. b) Incrementalismo Lgico: Quinn concorda com Lindbloom sobre a natureza incremental do processo, mas no sobre sua desarticulao. Nesse sentido ocorre um direcionamento por parte dos gerentes na busca de estratgias conscientes. c) Empreendedorismo Estratgico: Para Mintzberg, iniciativas estratgicas tm origem na base hierrquica das organizaes, que ento se difundem e ganham apoio. Uma vez que tenham conseguido difundir sua idia alta gerncia, essas aes isoladas tendem a ganhar corpo de estratgias organizacionais.

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d) Compreenso Retrospectiva: Weick descreve que toda compreenso origina-se no comportamento passado. Assim, os gerentes necessitam de uma ampla gama de experincias e de competncias para criarem estratgias novas e vigorosas. Aprender no possvel sem agir. Dentro do mtodo dialtico, da filosofia grega, temos a Tese, a Anttese e a Sntese. A tese uma afirmao ou situao inicialmente dada. A anttese uma oposio tese. Do conflito entre tese e anttese surge a sntese. O mesmo ocorre em quase tudo. Aqui no nosso estudo, o racionalismo a tese, o incrementalismo a anttese e o modelo mixed-scannig a sntese. Ambos os modelos de tomada de deciso acima apresentam problemas. Entre outros, o modelo incremental mostra-se pouco compatvel com as necessidades de mudana e pode apresentar um vis conservador. J o modelo racional-compreensivo parte de um pressuposto ingnuo de que a informao perfeita e no considera adequadamente o peso das relaes de poder na tomada de decises. Assim, buscando solucionar essas dificuldades e outras, elaboraram-se propostas de composio das duas abordagens. Entre elas destaca-se a concepo defendida por Etzioni, do mixed-scanning, chamado tambm de rastreio combinado. A idia , atravs da combinao das duas perspectivas, reduzir o conservadorismo e os horizontes estreitos dos processos marginais, bem como trazer a viso racional para bases mais realistas e exeqveis. Etzioni distingue entre decises ordinrias ou incrementais; e decises fundamentais ou estruturantes. As decises estruturantes so aquelas que estabelecem os rumos bsicos das polticas pblicas em geral e proporcionam o contexto para as decises incrementais. Para as decises estruturantes seria usado o modelo racional; para as ordinrias o incremental. Etzioni considera o mixed-scanning o mtodo adequado para lidar com as decises estruturantes porque permite explorar um amplo leque de alternativas. Basicamente, o mixed-scanning requer que, nas decises estruturantes, os tomadores de deciso se engajem em uma ampla reviso do campo de deciso, sem se dedicar anlise detalhada de cada alternativa (conforme faz o modelo racional-compreensivo). Esta reviso permite que alternativas de longo prazo sejam examinadas e levem a decises estruturantes. As decises incrementais, por sua vez, decorrem das decises estruturantes e envolvem anlise mais detalhadas de alternativas especficas.

1.4 Implementao

Segundo Enrique Saraiva: www.pontodosconcursos.com.br 18

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A implementao constituda pelo planejamento e organizao do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnolgicos necessrios para executar uma poltica. Trata-se da preparao para pr em prtica a poltica pblica, a elaborao de todos os planos, programas e projetos que permitiro execut-la. A implementao constitui assim a traduo, na prtica, das polticas que emergem do complexo processo decisrio. O autor diferencia a implementao da execuo, afirmando que esta: o conjunto de aes destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela poltica. pr em prtica efetiva a poltica, a sua realizao. Essa etapa inclui o estudo dos obstculos, que normalmente se opem transformao de enunciados em resultados, e especialmente, a anlise da burocracia. O fato de determinada poltica pblica ter chegado at uma deciso, at a formulao, no significa que ela ser implementada. Segundo Maria das Graas Rua, o que garante a transformao de uma deciso em ao a resoluo de todos os pontos de conflito envolvidos em determinada poltica pblica. Uma boa deciso seria aquela em que todos os atores relevantes acreditam que saram ganhando algo e nenhum deles acredite que saiu completamente prejudicado. Como isso muito difcil de ser conseguido, considera-se uma boa deciso aquela que foi a melhor possvel naquele momento especfico. Considera-se que, desde os anos 1970, o estudo das polticas pblicas indica haver um elo perdido situado entre a deciso e a avaliao dos resultados: a implementao. Vimos que as fases do ciclo da poltica no so perodos estanques, muito bem separados. ainda mais importante a relao entre formulao e implementao. Na viso clssica de ao governamental, a implementao era vista como uma das fases do ciclo poltico e corresponde execuo de atividades que permitem que aes sejam implementadas com vistas a executar o que j foi pensado e planejado. Na implementao, no ocorreriam decises que definiriam os rumos da poltica pblica, apenas seria executado o que foi planejado na fase de formulao. Esta viso clssica no considera os aspectos relativos implementao e seus efeitos retroalimentadores sobre a formulao de poltica. A implementao entendida, fundamentalmente, como um jogo de uma s rodada, onde a ao governamental, expressa em programas ou projetos de interveno, implementada de cima para baixo (top down). O modelo bottom-up assume que implementao algo que envolve o reconhecimento de que as organizaes tm limitaes humanas e organizacionais, e que isso deve ser www.pontodosconcursos.com.br 19

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reconhecido e interpretado como um recurso. Implementao efetiva se constri com a experincia e o conhecimento daqueles que executam as polticas. Poltica feita enquanto est sendo administrada, e administrada enquanto esta sendo feita. Diz-se que a implementao a formulao em processo, formulao de poltica levada a efeito por outros instrumentos. Os prprios objetivos da poltica, e os problemas envolvidos, no so conhecidos antecipadamente em sua totalidade, ao contrrio, vo aparecendo na medida em que o processo avana. Justifica-se que algumas decises devem ser deixadas para o processo de implementao porque: No h como resolver conflitos durante a fase de formulao; Se considera necessrio permitir que as decises-chave sejam tomadas s quando todos os fatos estiverem disponveis para os implementadores; Acredita-se que os implementadores esto mais bem preparados que outros para tomar decises-chave; Pouco se sabe previamente sobre o verdadeiro impacto das novas medidas; As decises dirias tero que envolver negociaes e compromissos com grupos poderosos.

Devemos entender que a implementao pode sim mudar os rumos da poltica publica, uma vez que os administradores que esto em contato direto com a populao, os burocratas de nvel de rua, tm um grande grau de discricionariedade. Assim, as decises que esses servidores tomam, as rotinas que estabelecem e os procedimentos que inventam para lidar com a incerteza e as presses do trabalho vo dar as caractersticas reais das polticas pblicas. O conceito de burocracia de nvel de rua surgiu da percepo da importncia dos servidores que interagem direta e continuamente com o pblico. O autor que formulou o conceito chegou a sustentar que a implementao de uma poltica, no final, resume-se s pessoas que a implementam. Para implementar uma poltica pblica formulada nos altos escales, necessria uma contnua negociao a fim de que a burocracia de nvel de rua se comprometa com suas metas. Alm dos enfoques top-down e bottom-up, h ainda um terceiro modelo, que o de ao de poltica, ou interativo-iterativo, que considera a implementao como um processo que vem a evolucionrio. Foram desenvolvidos modelos comportamentais implementao como resultado das aes de indivduos que so constrangidos pelo mundo de fora de suas instituies e pelo contexto institucional no qual eles atuam. A implementao pode ser mais bem entendida em termos de uma ao poltica contnua, na qual um processo interativo e de negociao que acontece no tempo, entre aqueles www.pontodosconcursos.com.br 20

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responsveis pela implementao.

formulao

da

poltica

e

aqueles

responsveis

por

sua

Poder central para a dinmica dessa relao. Para esse modelo, a implementao um processo de barganha interativa entre os responsveis por aprovar uma poltica e aqueles que possuem o controle dos recursos. Nesse modelo maior nfase posta em questes de poder e dependncia, interesses, motivaes e comportamentos, do que nos modelos top-down e bottom-up. O modelo de ao enfatiza que implementao envolve mais do que uma cadeia de comando. um processo que requer o entendimento sobre a maneira com que os indivduos e as instituies percebem a realidade, e como essas instituies interagem com outras instituies para a obteno de seus objetivos. Maria das Graas Rua, A implementao diz respeito s aes necessrias para que uma poltica saia do papel e funcione efetivamente. Pode ser compreendida como o conjunto de aes realizadas por grupos ou indivduos, de natureza pblica ou privada, com vistas obteno de objetivos estabelecidos antes ou durante a execuo das polticas. A autora diferencia dois tipos de implementao: Implementao administrada: quando uma poltica requer a constituio de uma estrutura complexa para sua execuo. o caso no Brasil de polticas como a sade, educao, etc. Implementao no-administrada: quando uma poltica estabelece apenas regras e condies e deixa aos interessados as iniciativas destinadas sua realizao. A autora cita como exemplo o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade que estudamos na Aula 06.

Segundo Maria das Graas Rua, h estudos que indicam 10 pr-condies ideais necessrias para que haja uma implementao bem sucedida: 1. As circunstncias externas no devem impor restries que a desvirtuem; 2. O programa deve dispor de tempo e recursos suficientes; 3. Em cada estgio da implementao, a combinao necessria de recursos deve estar efetivamente disponvel; 4. Teoria adequada sobre a relao entre a causa (de um problema) e o efeito (de uma soluo que est sendo proposta); www.pontodosconcursos.com.br 21

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5. Esta relao entre causa e efeito deve ser direta; 6. Deve haver uma s agncia implementadora, que no depende de outras agncias para ter sucesso; 7. Deve haver completa compreenso e consenso quanto aos objetivos; 8. Deve ser possvel especificar, com detalhes completos e em seqncia perfeita, as tarefas a serem realizadas por cada participante; 9. necessrio que haja perfeita comunicao e coordenao entre os vrios elementos envolvidos no programa; 10. Os atores que exercem posies de comando devem ser capazes de obter efetiva obedincia dos seus comandados. No entanto, ainda existem agentes pblicos que no compreendem a complexidade da implementao e tomam atitudes que podem prejudic-la, como: Os que decidem supem que o fato de uma poltica ter sido definida, garante, automaticamente, que seja implementada; Todas as atenes concentram-se na deciso e no grupo decisrio, enquanto a implementao fica ignorada ou tratada como se fosse de responsabilidade de outro grupo; Supe-se que a implementao resume-se em executar o que foi decidido, logo, apenas uma questo de os executores fazerem o que deve ser feito para implementar a poltica; A implementao vista como uma atividade de menor importncia e desprovida de contedo poltico propriamente dito.

4 As polticas pblicas no Estado brasileiro contemporneoVamos ver agora como est a conjuntura das polticas pblicas no Brasil. Maria das Graas Rua aponta algumas caractersticas nas polticas pblicas brasileiras. A autora usa o termo regularidades para se referir a essas caractersticas. Regular pode significar algo que est em conformidade com as regras, as leis, mas pode significar tambm algo que demonstra constncia, continuidade. A autora usa o termo aqui no segundo sentido, ou seja, fala de caractersticas que esto presentes na grande maioria de nossas polticas pblicas. www.pontodosconcursos.com.br 22

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Segundo a autora, um dos aspectos que primeiro chamam a ateno nas polticas pblicas brasileiras a fragmentao. Embora as demandas da sociedade geralmente necessitem ser resolvidas de forma articulada, em que diferentes agncias setoriais atuem de forma coordenada, na prtica o que ocorre a existncia de linhas rgidas mas nem sempre consensuais e respeitadas de demarcao das reas de atuao de cada uma delas. Como conseqncia da fragmentao, as polticas muito freqentemente emperram devido competio interburocrtica. As polticas ou so fragmentadas em reas de controle de cada agncia, na busca de uma convivncia pacfica; ou estabelecem-se superposies que levam baixa racionalidade e ao desperdcio de recursos. Uma terceira caracterstica recorrente a descontinuidade administrativa. Segundo a autora, em regra, inexistem concepes consolidadas de misso institucional, uma vez que as preferncias, convices e compromissos polticos e pessoais dos escales mais elevados possuem muita influncia sobre a definio dos rumos das polticas. Como esses cargos so na maioria das vezes preenchidos conforme critrios polticos, h muita alternncia entre seus ocupantes. Cada mudana dos titulares dos cargos, como regra, provoca alteraes nas polticas em andamento. Essas podem ser alteraes de rumo, de prioridade, etc. Em conseqncia, com a mudana de dirigentes, freqentemente programas e polticas so redimensionados, reorientados, suspensos, ou deixam de concentrar as atenes e energias dos quadros daquelas agncias. Alm disso, nas raras situaes em que se logra superar a fragmentao e a disputa interburocrtica e so estabelecidas formas cooperativas de ao entre as agncias, nem sempre os novos dirigentes mantm os vnculos de solidariedade dos seus antecessores, porque tambm as relaes de cooperao tendem a ser personalizadas. Outro aspecto recorrente nas polticas pblicas, principalmente nas polticas sociais, o de que as decises e aes tendem a ser pensadas a partir da oferta e muito raramente so efetivamente consideradas as demandas. Os instrumentos de avaliao (indicadores e procedimentos) na maior parte das vezes so inadequados ou precrios e os mecanismos de controle social so absolutamente incipientes ou inexistentes. Disso resultam descompassos entre oferta e demanda de polticas, acarretando desperdcios, lacunas no exerccio da cidadania, frustrao social, perda de credibilidade governamental, desconfiana e bices plena utilizao do potencial de participao dos atores sociais, etc. Uma quinta regularidade a presena de uma clara clivagem entre formulao/deciso e implementao. Clivagem, segundo o Dicionrio, significa separao, diferenciao ou oposio entre duas ou mais coisas quaisquer. Portanto, no Brasil ainda se adota a viso clssica da implementao, top-down, uma cultura que www.pontodosconcursos.com.br 23

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enfatiza a formulao/deciso, tomando a implementao como dada. A percepo da complexidade das polticas pblicas se restringe a fase da formulao, enquanto a implementao vista como um conjunto de tarefas de baixa complexidade, acerca das quais as decises j foram tomadas. Por outro lado, essa clivagem se manifesta nas diferenas de status e de capacitao dos quadros funcionais encarregados, respectivamente, da formulao/deciso e da implementao. Concretamente, esta caracterstica tem como resultado a tendncia centralizao, a reduzida autonomia das agncias implementadoras, a baixa adaptabilidade dos modelos adotados para as polticas pblicas e uma acentuada fragilidade dos nveis e agncias implementadores. O produto final, freqentemente, o desperdcio de recursos pela ineficcia das polticas pblicas. De fato, luz dessa clivagem possvel entender a constatao recente de que, em lugar da suposta paralisia decisria, o que tem se observado a incapacidade do governo no sentido de implementar as decises que toma. Dessa forma, hiperatividade decisria da cpula governamental contrape-se a falncia executiva do Estado, que no se mostra capaz de tornar efetivas as medidas que adota e de assegurar a continuidade das polticas formuladas. Esses problemas so ainda mais aflitivos na rea das polticas sociais, onde acentuada a ineficcia e disperso organizacional. De fato, comparadas com outras reas, a maior parte das agncias e dos seus quadros so pouco modernos, exibem capacitao insuficiente e reduzida eficcia/eficincia gerencial; as diversas agncias so desarticuladas entre si e freqentemente constituem nichos de interesses polticos personalizados. Alm disso, como se trata de agncias (e polticas) que consomem recursos, ao invs de ger-los, a clivagem acima mencionada se torna ainda mais acentuada com a sua excluso da maioria das decises relevantes, ou seja, as decises quanto a recursos, que so tomadas em outras esferas governamentais. Isso, por sua vez, tem a ver com outra recorrncia observada: a hegemonia do economicismo e a desarticulao entre poltica econmica e poltica social. Como regra, as polticas econmicas assumem a primazia em todo o planejamento governamental, cabendo s polticas sociais um papel absolutamente secundrio, subordinado e subsidirio. So vrias as concepes que sustentam o primado da poltica econmica. Uma delas supe que o mercado perfeito e que, se for permitido o seu livre funcionamento, aos poucos as distores sero resolvidas; logo, as polticas sociais devem ficar restritas aos interstcios nos quais no cabe a ao do mercado e onde, por isso mesmo, no sero capazes de transtornar a sua dinmica. Outra perspectiva admite que o mercado no perfeito, mas mantm o crescimento econmico como prioridade mxima; assim, caberia s polticas sociais a funo de corrigir os desvios sociais advindos em conseqncia. www.pontodosconcursos.com.br 24

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Uma variante desta concepo, em poca relativamente recente, encontrava-se na mxima do regime militar de que primeiro preciso deixar o bolo crescer, para depois dividir. S muito recentemente que comeou a ser abandonada a percepo de que as polticas sociais se destinam a corrigir deficincias. Isso porque s h muito pouco tempo desenvolveu-se a concepo de que poltica social - mais at que direito de cidadania - investimento produtivo e de que deve haver coordenao e equalizao entre os objetivos da poltica econmica e os das polticas sociais, uma vez que os novos parmetros do processo produtivo enfatizam o capital humano. O exame dos programas sociais do governo federal mostra claramente diversos dos aspectos acima mencionados. De fato, observa-se nitidamente a ocorrncia de aes dispersas entre as diferentes agncias e de programas desarticulados no interior de cada uma delas. Alm disso, a maior parte das aes reflete a concepo tpica do primado da economia: so propostas de correo de desvios e seqelas. No chegam sequer a expressar concepes de preveno de problemas, e muito menos ainda, de investimento consistente na formao de capital humano, visando o destino futuro do pas. Neste ponto talvez fosse til lembrar o conceito de decises estruturantes, de Etzioni. Segundo tal conceito, caso o conjunto das polticas sociais fosse efetivamente orientado por uma concepo de investimento na formao de capital humano visando o destino futuro do pas, caberiam decises estruturantes. No o que ocorre. Nos diversos programas em andamento, os problemas so tratados numa perspectiva incremental. Finalmente, cabe assinalar que a maioria dos programas existentes peca pela falta de focalizao. Este um tema bastante controvertido. Na forma defendida pelo Consenso de Washington, a focalizao e seletividade das polticas sociais ameaa a idia da universalizao, to cara a certos setores polticos brasileiros, j que corresponde ao estreitamente do grupo beneficiado pelas polticas, restringindo-as progressivamente aos estratos sociais mais excludos, cabendo aos demais recorrer oferta de servios pelo mercado. Na realidade, embora tal estratgia seja potencialmente vivel nas economias desenvolvidas do ps-welfare state - onde o bem-estar mais ou menos generalizado e identificam-se apenas minorias excludas no caso dos pases em desenvolvimento, suas imensas assimetrias sociais e uma macia maioria de excludos, a focalizao parece perder totalmente o sentido. Entretanto, possvel pensar que, exatamente porque os recursos so escassos e os contingentes a serem atendidos so to numerosos, a focalizao uma estratgia a ser considerada. Qual seria, ento, o seu significado? Em primeiro lugar, focalizao e seletividade implicariam a eliminao de privilgios e vantagens cumulativas. Em segundo lugar, focalizao e seletividade significariam, em sociedades como a nossa, www.pontodosconcursos.com.br 25

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que os direitos so universais, mas os recursos so redistribudos segundo as necessidades sociais, setoriais, locais e regionais, que so, sempre, extremamente diferenciadas. Por fim, focalizao e seletividade implicam clara definio de clientelas prioritrias, e a decorrente disposio de arcar com o custo poltico dessa deciso. A questo da universalizao/focalizao tambm est na anlise que o IPEA realiza sobre as polticas sociais. Segundo o IPEA, a trajetria recente das polticas sociais tem sido marcada por mudanas que vm introduzindo transformaes importantes no perfil do Estado Social brasileiro herdado do regime autoritrio, e vm permitindo avanos no cumprimento dos princpios de responsabilidade, de transparncia e de parceria Estado/sociedade. Essas mudanas podem ser agrupadas em dimenses representativas: universalizao, descentralizao, participao da sociedade, focalizao ou seletividade das aes, regulamentao e regulao, promoo de inovaes sociais, adoo de medidas que visam a elevar a eficincia e a eficcia do aparelho governamental, e progressiva elevao do gasto social federal. Enquanto a Maria das Graas Rua fala de problemas em nossas polticas, o IPEA trata de tendncias de melhoria. Essas dimenses so, na maior parte dos casos, movimentos ainda embrionrios que no se constituem em um conjunto coeso de diretrizes claras sobre os rumos das polticas sociais brasileiras. A universalizao das aes encontra seu fundamento na Constituio de 1988. Em que pese o fato de o sistema de proteo social brasileiro ainda estar distante de um padro redistributivo e eqitativo, a universalidade das polticas de sade, de assistncia, de previdncia e de educao tem sido objeto de inmeros avanos nos ltimos anos. Assim, em relao sade consolida-se, progressivamente, o Sistema nico de Sade SUS, que busca garantir o acesso igualitrio de toda a populao aos servios de sade por intermdio da organizao de uma rede descentralizada. Alm da descentralizao, enfatiza-se tambm o atendimento integral cujas prioridades so as atividades preventivas e a participao da comunidade. A descentralizao das aes, da Unio, para os estados, municpios e instituies da sociedade civil , por seu turno, um movimento que vem ganhando fora desde a dcada de 1980, e bem emblemtico em algumas reas. O setor sade pioneiro nesse processo a ponto de, atualmente, 97% dos municpios j estarem adscritos a uma ou a outra forma de gesto local do Sistema nico de Sade - SUS. A rea de educao tambm tem se destacado no processo de descentralizao. A promulgao, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases - LDB da educao nacional explicitou com maior clareza as atribuies dos trs nveis de governo, tendo por fundamento o regime de colaborao entre as instncias da Federao.

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Outra linha de mudanas, a participao da sociedade na formulao, na implementao e no controle das polticas sociais ocorre essencialmente por intermdio dos conselhos. Atualmente, a maioria absoluta das polticas sociais est atrelada a conselhos que, em geral, desdobram-se nas trs esferas de governo federal, estadual e municipal e contam com integrantes governamentais e no governamentais. As composies e as competncias variam de conselho para conselho; alguns, por exemplo, so paritrios, e outros no o so; alguns so deliberativos, e outros, apenas consultivos. Ademais, em alguns setores, como o da sade e o da assistncia, so as conferncias nacionais integradas por representantes do governo e da sociedade que legalmente definem os rumos das respectivas polticas. Porm, h o reconhecimento de que esses instrumentos, que visam partilha das decises e da gesto das polticas sociais entre Estado e sociedade, ainda necessitem de ser aprimorados. No que se refere focalizao ou seletividade das aes, observa-se um esforo em dar prioridade a grupos social e biologicamente vulnerveis no mbito das polticas sociais. Trata-se de um caminho para a universalizao do atendimento, que, assim, configura-se em uma prtica cujo objetivo beneficiar a todos e mais a quem tem menos. Isto , esse movimento busca contemplar tanto a garantia dos direitos sociais quanto a execuo de programas expressivos de combate pobreza. Esse o caso, por exemplo, do Projeto Alvorada. As mudanas no padro de regulao e a regulamentao de bens e servios pblicos vm gradativamente definindo novos parmetros para a gesto e para o controle da produo de bens e de servios de natureza social. Um exemplo expressivo desse movimento pode ser encontrado na rea se sade, na qual foram recentemente criadas duas agncias regulatrias: a Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) e Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA). A primeira visa a controlar a oferta dos planos de sade, e a segunda, como j foi comentado em captulo anterior, busca resguardar a sade da populao por meio do controle sanitrio. Outro exemplo de interveno regulatria, que pode ser bastante eficaz na garantia da qualidade, e na acessibilidade, de um importante insumo de sade, o estmulo difuso de medicamentos denominados genricos, h pouco regulamentados pela ANS. Outro movimento de transformao das polticas sociais pode ser observado no conjunto de medidas e de instrumentos que o governo federal vem implementando para melhorar seu gerenciamento, buscando maximizar sua eficincia e eficcia. Nesse sentido, tem-se procurado aperfeioar a qualidade dos servios prestados, por medidas dentre as quais se destacam: A contratao de gestores via concurso pblico e o treinamento regular dos servidores;

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O aperfeioamento dos sistemas de informao e uma maior divulgao deles, com o uso dos meios propiciados pela informtica e pela internet, entre outros; A mensurao dos resultados para que se conhea melhor o alcance das polticas. A implementao de mecanismos de aproximao dos usurios ao acesso a bens e a servios pblicos, tais como a instalao, em praticamente todos os ministrios sociais, de centrais de atendimento gratuito (linhas 0800).

Nesses ltimos anos, tem-se assistido emergncia de uma srie de inovaes sociais, ainda muito restritas, e que tm em comum uma forte vertente de localismo (o local como ponto privilegiado para impulsionar um desenvolvimento mais sustentvel) e a busca de processos de participao democrtica. Essas experincias mais pontuais tm procurado rearticular o espao social no qual se processam as polticas, promovendo uma mudana nos modos de produzir e distribuir os bens e servios sociais. Exemplos nessa linha ainda que com magnitudes e naturezas diferenciadas podem ser encontrados em propostas como a Agenda 21 Local, a Comunidade Ativa, os programas de desenvolvimento local impulsionados pelo Banco do Nordeste ou pelo as Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, os programas de renda mnima e experincias municipais de oramento participativo. Pode-se concluir que esse movimento de reformas est em andamento. Sua consolidao depender do reforo da capacidade de coordenao e de controle estatais, bem como de maior permeabilidade em relao sociedade civil organizada. Coordenao, planejamento e mobilizao de recursos condizentes com o tamanho da dvida social, de um lado, e, de outro, slidas instituies legais guardis dos direitos constituem condies necessrias conquista de maior eqidade e justia social e, conseqentemente, realizao do direito humano alimentao adequada.

2 Descentralizao e DemocraciaA descentralizao de polticas pblicas representa a transferncia da gesto de servios sociais, como sade, educao fundamental, habitao, saneamento bsico e assistncia social do Governo Federal para os estados e municpios e tambm para a sociedade civil. Durante o regime militar, as relaes intergovernamentais do Estado brasileiro eram, na prtica, muito mais prximas s formas que caracterizam um Estado unitrio do que quelas que caracterizam as federaes. Governadores e prefeitos das capitais e de cerca de 150 cidades de mdio e grande porte foram destitudos de base prpria de autonomia poltica: selecionados formalmente por eleies indiretas e, de fato, por www.pontodosconcursos.com.br 28

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indicao da cpula militar, sua autoridade poltica no era derivada do voto popular. Alm disto, todos os governadores e prefeitos detinham escassa autonomia fiscal: a centralizao financeira instituda pela reforma fiscal de meados dos anos 60 concentrou os principais tributos nas mos do governo federal e, ainda que tenha ampliado o volume da receita disponvel dos municpios, uma vez realizadas as transferncias, estas estavam sujeitas a estritos controles do governo federal. Foi um Estado dotado destas caractersticas que consolidou o Sistema Brasileiro de Proteo Social, at ento um conjunto disperso, fragmentado, com reduzidos ndices de cobertura e fragilmente financiado de iniciativas governamentais na rea social. Esta forma de Estado moldou uma das principais caractersticas institucionais do Sistema brasileiro: sua centralizao financeira e administrativa. Aps a CF/88, a redefinio de competncias e atribuies da gesto das polticas sociais tem-se realizado sob as bases institucionais de um Estado federativo, o que significa dizer que o modo pelo qual os governos locais assumem funes de gesto de polticas pblicas inteiramente distinto daquele sob o qual elas foram assumidas no regime militar. Segundo Maria Hermnia Tavares de Almeida: O Federalismo caracteriza-se, assim, pela no centralizao, isto , pela difuso dos poderes de governo entre muitos centros, cuja autoridade no resulta da delegao de um poder central, mas conferida por sufrgio popular. A autora coloca que aps a redemocratizao o Brasil caminhou na direo da descentralizao. Desde os anos 80, o Brasil vive a lenta mudana de uma forma de federalismo centralizado para um modelo cooperativo descentralizado. As polticas sociais situam-se em um dos eixos centrais dessa mudana, na medida em que constituram uma das dimenses da centralizao de prerrogativas e funes no governo federal, especialmente marcante sob os regimes autoritrios. J vimos algumas vezes a questo do CESPE do ltimo concurso do TCU que fala que temos uma forte tradio municipalista. A CF/88 realizou uma grande descentralizao poltica, em contraponto centralizao da ditadura. No contexto da luta contra um regime autoritrio de fortes traos centralizadores, a descentralizao se tornou, para as oposies, sinnimo de democracia, de devoluo cidadania da autonomia usurpada pelos governos militares. Segundo a percepo oposicionista dominante na poca, a descentralizao era condio para o aumento da participao, e ambas compunham uma utopia democrtica cujo horizonte remoto era o autogoverno dos cidados. Assim, a CF/88 definiu um novo arranjo federativo, com significativa transferncia de capacidade decisria, funes e recursos do governo nacional para os estados e, especialmente, para os municpios. A descentralizao para os municpios est baseada na suposio de que mais fcil o controle democrtico exercido pelos cidados quando www.pontodosconcursos.com.br 29

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as decises so tomadas prximas a eles. na comunidade que nas pessoas tm a chance de participar. Segundo Arretche: J no nenhuma novidade afirmar que nas ltimas dcadas a gesto local de polticas pblicas tem sido portadora de expectativas as mais positivas com relao a resultados desejveis da ao do Estado. Democratizao do processo decisrio; eficincia na gesto das polticas pblicas; controle social; qualidade da informao entre decisores, provedores e beneficirios esto no topo da lista dos resultados virtuosos da descentralizao, em oposio aos vcios e problemas gerados pelas estruturas centralizadas institudas ao longo do sculo 20. Contudo, a descentralizao tambm apresenta problemas. Em Estados federativos, estados e municpios porque dotados de autonomia poltica e fiscal assumem funes de gesto de polticas pblicas ou por prpria iniciativa, ou por adeso a algum programa proposto por outro nvel mais abrangente de governo, ou ainda por expressa imposio constitucional. Assim, a transferncia de atribuies entre nveis de governo supe a adeso do nvel de governo que passar a desempenhar as funes que se pretende que sejam transferidas. A recuperao das bases federativas do Estado brasileiro tem impacto sobre o processo de descentralizao das polticas sociais no pas pelo fato de que, resguardados pelo princpio da soberania, estados e/ou municpios assumem a gesto de polticas pblicas sob a prerrogativa da adeso, precisando, portanto, ser incentivados para tal. Isto significa que as agncias federais j no dispem dos mecanismos de alinhamento dos governos locais autoridade poltica delegada pelo centro e centralizao fiscal de que dispunham sob o regime militar. Assim, no Estado federativo, tornam-se essenciais estratgias de induo capazes de obter a adeso dos governos locais. Ou, dito de outro modo, as dificuldades para que a Unio ou um governo estadual delegue funes a um nvel de governo menos abrangente so maiores hoje do que sob o regime militar. No caso brasileiro, a responsabilidade pblica pela gesto de polticas sociais passou a ser um dos elementos da barganha federativa. Dadas as dimenses da pobreza brasileira e, portanto, da populao-alvo dos programas sociais, a gesto de polticas sociais em nosso pas tende a ser simultaneamente cara e inefetiva, na medida em que tende a consumir um elevado volume de recursos e apresentar baixos nveis de proteo efetiva. Neste caso, nas situaes em que os custos polticos e/ou financeiros da gesto de uma dada poltica forem avaliados como muito elevados, a barganha federativa consiste em buscar atribu-los ou imput-los a outro nvel de governo. Tais custos sero tanto maiores quanto mais elevados forem os recursos exigidos pela

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engenharia operacional de uma dada poltica e na medida direta da extenso legal do escopo de beneficirios. No h nenhuma garantia intrnseca autonomia dos governos locais que os torne responsveis, comprometidos com as necessidades dos cidados e determinados a administrar com eficincia. Em primeiro lugar, descentralizao e autonomia da gesto local so termos muito genricos, dizem muito pouco quanto natureza dos arranjos institucionais sob os quais a gesto local das polticas pode ocorrer. Em segundo lugar, a autonomia dos governos pode produzir resultados opostos aos esperados pelos defensores mais otimistas da descentralizao. Governos locais dotados de autonomia para contrair emprstimos e dependentes de um sistema nacional de transferncias fiscais tendem a produzir dficits fiscais sistemticos, contrariamente expectativa de que a descentralizao fiscal produziria responsabilidade fiscal. J vimos na Aula 02 que, nos EUA, a autonomia poltica e fiscal dos estados produz a conhecida corrida para baixos patamares de gasto social (race to the bottom) devido ao temor dos governos de que programas sociais generosos atraiam migrantes pobres, o que os obrigaria a elevar impostos para financi-los, afastando, assim, os investimentos privados. A autonomia local para a gesto de polticas cria oportunidades institucionais para que os governantes implementem decises de acordo com suas prprias preferncias, as quais no so necessariamente compatveis com o interesse pblico e o bem-estar da populao. So as regras institucionais de uma poltica pblica isto , regras do processo decisrio, mecanismos de controle e punio, arenas institucionalizadas de representao de interesses, etc. que propiciam os incentivos ao comportamento dos governos locais. J a descentralizao social ocorre por meio do processo de transferncia do poder decisrio para a sociedade civil, principalmente por meio dos conselhos gestores de polticas pblicas que j estudamos na Aula 04. Os Conselhos so canais importantes de participao coletiva e de criao de novas relaes polticas entre governos e cidados e, principalmente, de construo de um processo continuado de interlocuo pblica. Por meio desta interlocuo objetiva-se propor alternativas de polticas pblicas, criar espaos de debate, estabelecer mecanismos de negociao e pactuao, penetrar a lgica burocrtica estatal para transform-la e exercer o controle socializado das aes e deliberaes governamentais. Neste processo, a sociedade civil tambm interpelada a modificar-se, a construir alianas em torno de pautas coletivas, a transcender a realizao de interesses particularistas e corporativistas, convocada ao exerccio de mediaes sociais e polticas para o atendimento de demandas populares. Trata-se, portanto, de um movimento que

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pretende modificar tanto o Estado quanto a sociedade em direo construo de esferas pblicas autnomas e democrticas no campo das decises polticas. So espaos que esto sendo construdos pela ao coletiva de inmeros sujeitos sociais, especialmente no mbito dos municpios, que buscam a ampliao e o fortalecimento do poder local. Os Conselhos representam, dessa forma, uma conquista da sociedade civil. Tais rgos assumem o gozo da capacidade de determinar, conduzir ou fiscalizar as polticas pblicas eleitas e as demais aes tomadas pela Administrao Pblica, a qual passa a ter um vis participativo que aproxima o pblico do privado. Essa descentralizao administrativa passa a ser vista como resultado da implantao do modelo democrtico participativo. Tais "rgos administrativos" permitem um cogerenciamento do patrimnio pblico e o encaminhamento de aes destinadas ao atendimento do interesse coletivo. A competncia de cada conselho gestor reserva a tais rgos a prerrogativa de intervir na promoo, defesa e divulgao dos direitos e interesses coletivos voltados s suas reas especficas de atuao, de acordo com os moldes previstos na legislao que os constituiu. Assim, os assuntos discutidos como pauta de agenda de um conselho devem ser todos direcionados ou interligados sua pertinncia temtica, conforme o setor pblico objeto de seu funcionamento, no obstante a possibilidade de entrelace com outros conselhos no caso de discusses de polticas plurisetoriais. No entanto, j vimos que so inmeros os problemas que limitam a efetividade dos conselhos gestores. Segundo Luciana Tatagiba: A diviso das funes entre Conselhos e as instituies administrativas e burocrticas quanto definio, execuo e/ou acompanhamento das polticas pblicas no est resolvida no mbito da legislao pertinente. Dessa institucionalizao incompleta dos Conselhos decorrem as dificuldades em definir at onde as suas deliberaes possuem poder vinculante. No consenso, no mbito da literatura pertinente, se deve ou no o Estado acatar as decises dos Conselhos. Ao fazer um balano de alguns estudos, Tatagiba mostra que as avaliaes mais comuns presentes na literatura so de que os conselhos no esto cumprindo sua vocao deliberativa, sugerindo que essa participao assume contornos mais reativos que propositivos. Tambm, do ponto de vista institucional, a autora alerta que a ausncia de um marco legal que defina com clareza as funes dos conselhos em relao ao papel exercido pelas instncias administrativas e burocrticas, produz ambigidades que passam ou a favorecer o executivo municipal, ou a depender de negociaes e acordos em cada situao particular. Embora se observem algumas www.pontodosconcursos.com.br 32

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conquistas mais pontuais, de maneira geral os conselhos apresentam, no cenrio atual, uma baixa capacidade propositiva, executando um reduzido poder de influncia sobre o processo de definio das polticas pblicas.

Eqidade Social Vamos ver uma questo do CESPE.

6. (CESPE/IEMA/2007) Para se alcanar a justia, preciso superar o conceito de igualdade e aplicar o conceito de eqidade. O conceito de equidade vem desde a Grcia Antiga e ele surgiu referindo-se disposio de reconhecer o direito de cada um, mesmo que isso implique em no obedecer exatamente ao direito objetivo, pautando-se sempre pela busca de justia e moderao. A equidade um dos instrumentos de integrao no direito e consiste na adaptao da regra existente situao concreta, observando-se os critrios de justia e igualdade. Pode-se dizer, ento, que a eqidade adapta a regra a um caso especfico, a fim de deix-la mais justa. Ela uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais prximo possvel do justo para as duas partes. Podemos perceber que o conceito de equidade est diretamente relacionado justia. Esta a principal diferena de equidade para igualdade. Com freqncia os termos igualdade e equidade so traduzidos e incorporados de modos semelhantes. Apesar de serem muito confundidas, as palavras tm dois significados distintos e so conceitualmente diferentes. Igualdade semelhana; equidade justia. Dessa forma, ser igual no significa necessariamente ser equnime, e vice-versa. O Dicionrio Houaiss traz algumas definies para o verbo superar. Vejamos duas delas: 4 - fazer desaparecer, livrar-se de; remover, afastar, solucionar. 6 - ir mais alto que, subir alm; ultrapassar, sobrelevar-se a, avantajarse a. Nas questes, s vi o CESPE usar o termo no segundo sentido. Veremo-lo novamente em uma questo mais para frente. Assim, quando falamos que preciso superar o conceito de igualdade, estamos dizendo que devemos ir alm dele, ultrapass0lo, mas sem abandon-lo. isso que a equidade faz. Ela no abandona o conceito de igualdade. Com a equidade dizemos que os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual. www.pontodosconcursos.com.br 33

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Com base nesta diferenciao, a equidade pode ser dividida em duas: horizontal e vertical. A eqidade vertical exige que seja dado desigual tratamento para desiguais. Normalmente isto significa que os cidados com maior renda devam pagar mais impostos que os com menor renda. Uma das aplicaes da eqidade vertical o princpio de capacidade de pagamento sugere que os contribuintes devem arcar com cargas fiscais que representem igual sacrifcio de bem-estar, interpretado pelas perdas de satisfao no setor privado. A eqidade horizontal implica tratar a todos iguais igualmente e a eqidade vertical implica um tratamento desigual para os desiguais, ou seja, o estabelecimento de aes afirmativas para incluso dos mais desfavorecidos social, cultural ou economicamente. A chamada discriminao positiva visa dar prioridade aos que tm menos condies ou capital, favorecendo-os. Nesse sentido, os que no dispem de alternativas de atendimento no setor privado, os que tm menos vez e voz, os que tm menos recursos, devero contar com um atendimento diferenciado. Turner (1986) diferencia quatro tipos diferentes de oportunidade, de condies e de resultados. eqidade: ontolgica, de

A eqidade ontolgica se refere igualdade fundamental entre as pessoas. Varia das abordagens religiosas de igualdade perante Deus, passando pela abordagem marxista para a qual a natureza do ser humano forjada por sua "praxis" livre e transformadora, que busca um domnio cada vez maior sobre a natureza e maior comunicao, autonomia e conscincia - at as perspectivas "relativistas" modernas, de que a natureza humana especfica de certas culturas e sistemas sociais. O segundo tipo diz respeito eqidade de oportunidades de se alcanar os objetivos almejados. Esta concepo, herana das revolues francesa e americana, est na base da teoria social da meritocracia, sendo uma caracterstica da doutrina poltica do liberalismo clssico, que considera ser possvel uma mobilidade social perfeita, a partir da igualdade de oportunidades. Uma vez garantida a universalidade dos direitos fundamentais vida, liberdade e propriedade, todos tm, independente de sua origem, as mesmas oportunidades de alcanar as mais altas posies individuais. Assim, de acordo com esta concepo, as posies na estrutura ocupacional da sociedade so preenchidas apenas pelo mrito pessoal, a partir da igualdade de oportunidades para o ingresso nas instituies sociais. Por exemplo, na ndia, a diviso em castas impede a igualdade de oportunidades. De maneira apropriada, Turner resgata que a igualdade de oportunidade praticamente inseparvel da noo de eqidade de condies. Para haver, de fato, oportunidades iguais para todos os membros da sociedade, a eqidade precisa ser observada tambm no "ponto de partida": apenas pessoas submetidas s mesmas condies de vida podem

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vir a ser consideradas "em igualdade" para competir com base em habilidades e mritos individuais. Finalmente, o quarto tipo a eqidade dos efeitos ou resultados. Nele, a legislao e outras medidas polticas procuram compensar os efeitos das desigualdades de condies sociais. Mecanismos de discriminao positiva precisam operar em favor de grupos menos privilegiados que tm, assim, suas oportunidades aumentadas, assegurando a eqidade nos resultados. Vamos ver um exemplo. Uma forma de equidade de oportunidades permitir que todas as pessoas possam ingressar nas universidades pblicas. Eliminam-se barreiras relacionadas raa, classe social, etc. Contudo, como alguns tm mais condies de receber uma melhor educao, tm mais chances que outros de conquistar a vaga. Por isso a equidade de condies prega que sejam colocadas em prtica polticas sociais que busquem melhorar as condies de pessoas mais necessitadas. J a equidade de resultados vem dizer que no basta tentar melhor as condies preciso dar tratamento diferenciado diretamente no processo de seleo, criando assim as cotas nas universidades pblicas. Atualmente, as tendncias preponderantes reconhecem como pilares principais do conceito de eqidade a distribuio de recursos atravs de uma discriminao positiva em favor dos mais desfavorecidos e a diminuio das desigualdades que resultam de fatores que esto fora do controle individual. O princpio da discriminao positiva a base das chamadas aes afirmativas, que foram conceituadas por um Grupo de Trabalho Interministerial do Governo FHC como: Aes afirmativas so medidas especiais e temporrias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontnea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminao e marginalizao, decorrentes de motivos raciais, tnicos, religiosos, de gnero e outros. Portanto, as aes afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminaes ocorridas no passado. Atualmente, as aes afirmativas podem ser definidas como um conjunto de polticas pblicas e privadas de carter compulsrio, facultativo ou voluntrio, concebidas com vistas ao combate discriminao racial, de gnero, por deficincia fsica e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminao praticada no passado, tendo por objetivo a concretizao do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educao e o emprego. Diferentemente das polticas governamentais anti-discriminatrias baseadas em leis de contedo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem s respectivas www.pontodosconcursos.com.br 35

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vtimas to somente instrumentos jurdicos de carter reparatrio e de interveno depois do fato ocorrido, as aes afirmativas tm natureza visam a evitar que a discriminao se verifique nas formas usualmente conhecidas. Em sntese, trata-se de polticas e de mecanismos de incluso concebidos por entidades pblicas, privadas e por rgos dotados de competncia jurisdicional, com vistas concretizao de um objetivo constitucional universalmente reconhecido - o da efetiva igualdade de oportunidades.

3 Conceitos bsicos de planejamentoJ vimos na Aula 06 que o planejamento dividido em trs tipos: estratgico, ttico e operacional. O planejamento estratgico de longo e se refere organizao como um todo, sendo de responsabilidade dos ocupantes dos cargos estratgicos da organizao. J o planejamento ttico traduz os objetivos e planos estratgicos mais amplos em objetivos e planos especficos. Ele faz a decomposio dos objetivos, estratgias e polticas estabelecidos no planejamento estratgico. a setorizao do planejamento estratgico, ou seja, cada gerncia ir desenvolver seu planejamento com base nas premissas do planejamento estratgico. J o planejamento operacional o planejamento que aplica os dois anteriores, que define os procedimentos necessrios sua operacionalizao. Cada um destes trs planejamentos resulta num produto, num documento. O estratgico formula o plano, o ttico o programa e o operacional o projeto. Portanto: Plano: um documento utilizado pa