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1 Educação Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.1-12, jul. 2001-jul. 2002 LEITURA - UM DESAFIO SEMPRE ATUAL “Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?” Carlos Drummond de Andrade Maria de Lurdes de Souza Kriegl 1 RESUMO Este artigo abordará a importância da leitura na educação escolar, tendo como ponto principal o objeto de conhecimento em si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens, proporcionando a ampliação de horizontes das séries iniciais do ensino fundamental. Também abordará as relações entre a leitura, a aprendizagem e a compreensão, as estratégias de leitura, etc. Pode-se dizer que a leitura tem dois objetivos fundamentais: serve como meio eficaz para aprofundamento dos estudos e aquisição de cultura geral. Este trabalho estará sensibilizando o educando para uma leitura prazerosa e eficaz. Palavras-chave: leitura; aprendizagem; texto; estratégia; motivação. 1 Pedagoga pelas Faculdades Positivo, Especialista em Psicopedagogia pela PUC/PR, Mestranda em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento pela UFSC. Professora do ensino fundamental do Colégio Bom Jesus. E-mail:[email protected]

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Educação

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.1-12, jul. 2001-jul. 2002

LEITURA - UM DESAFIO SEMPRE ATUAL

“Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem milfaces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pelaresposta, pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?”

Carlos Drummond de Andrade

Maria de Lurdes de Souza Kriegl 1

R E S U M O

Este artigo abordará a importância da leitura na educação escolar, tendo como ponto principal o objetode conhecimento em si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens,proporcionando a ampliação de horizontes das séries iniciais do ensino fundamental. Também abordaráas relações entre a leitura, a aprendizagem e a compreensão, as estratégias de leitura, etc.Pode-se dizer que a leitura tem dois objetivos fundamentais: serve como meio eficaz para aprofundamentodos estudos e aquisição de cultura geral. Este trabalho estará sensibilizando o educando para uma leituraprazerosa e eficaz.

Palavras-chave: leitura; aprendizagem; texto; estratégia; motivação.

1 Pedagoga pelas Faculdades Positivo, Especialista em Psicopedagogia pela PUC/PR, Mestranda em Engenharia de Produçãocom ênfase em Mídia e Conhecimento pela UFSC. Professora do ensino fundamental do Colégio Bom Jesus.E-mail:[email protected]

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INTRODUÇÃO

O ato de ler é o processo de “construir significado” a partir do texto. Isso se torna possível pelainteração dos elementos textuais com os conhecimentos do leitor. Quanto maior for a concordânciaentre eles, maior a probabilidade de êxito na leitura.

Aprender é, para cada criança, um processo social de construção dos significados em seus encontrose interações com as idéias, as pessoas e os acontecimentos. Na leitura e na produção de textos, comoem qualquer outra atividade humana, é cada criança que auto-aprende a agir, em relação a seuscompanheiros, ao educador, à comunidade, etc.

Para aprender a ler, as crianças precisam que seja construída uma representação adequada dosfins da leitura, assim como da tarefa de ler. A criança necessita de conhecimento e reflexão sobre osprocessos de aquisição. Ao mesmo tempo que ela ensaia aprender a ler, deve aprender a aprender a ler.

A leitura é um desafio que tem como objetivo o trabalho de linguagem que:• leve o aluno a observar, perceber, descobrir e refletir sobre o mundo e interagir com seu

semelhante através do uso funcional de linguagens;• desenvolva a competência do educando no uso da língua para a solução de problemas cotidianos;• possibilite o acesso à produção cultural da humanidade e a participação plena no mundo letrado.

O que é ler?

Ler significa conhecer, interpretar, decifrar.A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; nesse processo tenta-se satisfazer

(obter uma informação pertinente para) os objetivos que guiam a leitura, isto é, o leitor constrói osignificado do texto.

Essa afirmação tem várias conseqüências. Em primeiro lugar, envolve a presença de um leitorativo que processa e examina o texto. Também implica que sempre deva existir um objetivo para guiara leitura; em outras palavras, sempre lemos para algo, para alcançar alguma finalidade. O leque deobjetivos e finalidades que faz com que o leitor se situe perante um texto é amplo e variado: devanear,preencher um momento de lazer desfrutar; procurar uma informação concreta; seguir uma pauta deinstruções para realizar uma determinada atividade (cozinhar, conhecer as regras de um jogo); informar-se sobre determinado fato (ler o jornal, ler um livro de consulta sobre a Revolução Francesa); confirmarou refutar um conhecimento prévio ou aplicar a informação obtida com a leitura de um texto narealização de um trabalho, etc.

Uma nova implicação derivada da anterior é que a interpretação que os leitores realizam dostextos que lêem depende em grande parte do objetivo da leitura. Isto é, ainda que o conteúdo de umtexto permaneça invariável, é possível que dois leitores com finalidades diferentes extraiam informaçãodistinta do mesmo. Assim, os objetivos da leitura são elementos que devem ser levados em contaquando se trata de ensinar as crianças a ler e a compreender.

Ainda com relação às implicações da afirmação sobre o que é ler, ressalte-se o fato de que o leitorconstrói o significado do texto. Isso não quer dizer que o texto em si mesmo não tenha sentido ousignificado; felizmente, para os leitores, essa condição costuma ser respeitada. Entenda-se que o significadode um escrito para o leitor não é uma tradução ou réplica do significado que o autor quis lhe dar, mas uma

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construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor. Os textos que se lêem também sãodiferentes e oferecem diferentes possibilidades e limitações para a transmissão de informação escrita. Nãose encontra a mesma coisa em um conto e em um livro de texto, em um relatório de pesquisa e em umromance policial, em uma enciclopédia e em um jornal. O conteúdo muda, naturalmente, mas não se trataapenas disso. As diferentes estruturas do texto – ou “superestruturas” (VAN DIJK, 1983) – impõemrestrições à forma como se organiza a informação escrita, o que obriga os leitores a conhecê-las, mesmoque, intuitivamente, para compreender a informação de maneira adequada.

Para encerrar esta descrição das implicações da definição sobre o que é ler, há que se ressaltar quea leitura sempre envolve a compreensão do texto escrito. Isso, que hoje parece óbvio, nem sempre foiclaramente aceito nas diversas definições da leitura que foram emergindo ao longo da história, nas quaisse detecta uma identificação desta atividade cognitiva com aspectos de recitação, declamação e pronúnciacorreta, por exemplo.

Importância de ler

Ler para quê? A interação que se estabelece entre o texto escrito e o leitor é diferente daquelaestabelecida entre duas pessoas quando conversam. Nessa última situação, estão presentes, além daspalavras, muitos aspectos, como: gesticulação, expressão facial, entonação da voz, repetições, perguntasque dão significado à fala.

Na leitura, o leitor está diante de palavras escritas pelo autor que não está presente para completaras informações. Por isso, é natural que o leitor forneça ao texto informações enquanto lê. Contudo, otexto também atua sobre os esquemas cognitivos do leitor. Quando alguém lê algo, aplica determinadoesquema alterando-o ou confirmando-o, mas principalmente entendendo mensagens diferentes porqueseus esquemas cognitivos, ou seja, as capacidades já internalizadas e o conhecimento de mundo de cadaum são diferentes.

A leitura constitui-se em um dos fatores decisivos do estudo e é imprescindível em qualquer tipode investigação científica. Favorece a obtenção de informações já existentes, poupando o trabalho dapesquisa de campo ou experimental propiciando assim a ampliação de conhecimentos, abrindo horizontespara a mente, aumentando o vocabulário, permitindo melhor entendimento do conteúdo das obras.Pela leitura pode-se obter informações básicas ou específicas, isto é, quando se quer saber do que setrata um texto, saber o que acontece, e ver se se quer continuar lendo.

Estratégias de leitura

O ato de ler ativa uma série de ações na mente do leitor, por meio das quais ele extrai informações.Essas ações são denominadas estratégias de leitura e, na sua maioria, passam despercebidas pelaconsciência. Elas ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou desenvolvidasdurante a apropriação do conteúdo.

Ao ler um texto qualquer, a mente da pessoa seleciona o que lhe interessa: nem tudo o que estáescrito é igualmente útil. Escolhem-se alguns aspectos, chamados relevantes, ignoram-se outros, irrelevantesou desinteressantes, e faz-se uma seleção, isto é, presta-se a atenção aos aspectos que interessam, ou seja,àqueles sem os quais seria impossível compreender o texto.

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São hipóteses que o leitor levanta, antecipando informações com base nas pistas que vaipercebendo durante a leitura. Essa estratégia ocorre, por exemplo, quando no início da leitura de umconto de fadas espera-se que apareçam personagens e lugares característicos desse tipo de texto: madrastaruim, princesas e príncipes lindos e bons, fadas, bruxas, castelos, reinos, florestas encantadas, etc. Alémdisso, o leitor espera encontrar palavras ou expressões iniciais e finais que marcam o conto de fadas:“era uma vez uma bruxa malvada”, etc. durante a leitura, comprovando as antecipações estavam corretasou não. Se aparecerem termos, palavras ou personagens com características muito diferentes dessas,ocorre um estranhamento do leitor que precisará voltar e analisar o que foi lido.

• Inferências são os complementos que o leitor fornece ao texto a partir de seus conhecimentosprévios. É tão freqüente o uso dessa estratégia que é comum o leitor não lembrar se determinadoaspecto estava implícito ou explícito no texto.

• Auto-regulação é a ponte que o leitor faz entre o que supõe (seleção, antecipação, inferência)e as respostas que vai obtendo através do texto. Trata-se de avaliar as antecipações e asinferências, confirmando-as ou refutando-as, com a finalidade de garantir a compreensão.

• Autocorreção acontece quando as expectativas levantadas pelas estratégias de antecipação nãosão confirmadas, havendo um momento de dúvida. O leitor, então, repensa a hipótese anteriormentelevantada, constrói outras e retoma as partes anteriores do texto para fazer as devidas correções. Éo caso do leitor, por exemplo, que volta para corrigir a palavra que leu erradamente.

Há uma relação recíproca entre usar estratégia de leitura e interpretar o texto. Emprega-se umaestratégia porque se está entendendo o texto; entende-se o texto porque se está aplicando a estratégia.

Pode-se dizer que leitor eficiente é aquele que:• formula perguntas enquanto lê e se mantém atento;• seleciona índices relevantes para a compreensão;• supre os elementos ausentes, complementando informações;• antecipa fatos;• critica o conteúdo;• reformula hipóteses;• estabelece relações com outros aspectos do conhecimento;• transforma ou reconstrói o texto lido;• atribui intenções ao escritor.

Como obter uma leitura proveitosa com motivação

Um fator que, sem dúvida, contribui para o interesse da leitura de determinado material consiste emque este possa oferecer ao aluno certos desafios. Assim, parece mais adequado utilizar textos não-conhecidos,embora sua temática ou conteúdo deveriam ser mais ou menos familiares ao leitor; em uma palavra, trata-sede conhecer e levar em conta o conhecimento prévio das crianças com relação ao texto em questão eoferecer ajuda necessária para que possam construir um significado adequado sobre ele – o que não deveriaser interpretado como explicar o texto, ou seus termos mais complexos, de forma sistemática.

Também é preciso levar em consideração que existem situações de leitura mais motivadoras do queoutras; por exemplo, a prática da leitura fragmentada – um parágrafo cada um, duas páginas por dia... –,muito freqüente em nossas escolas, é mais adequada para “trabalhar a leitura” em determinados aspectos quepara as crianças lerem. De qualquer forma, este tipo de leitura nunca deveria ser usado com exclusividade.

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As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é, aquelas em que a criançalê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre aela. Ou aquelas outras em que, com um objetivo claro de resolver uma dúvida, um problema ou adquirira informação necessária para determinado projeto, aborda um texto e pode manejá-lo à vontade, sem apressão de uma audiência. Como ressaltam, acertadamente, COLOMER e CAMPS (citado por KLEIMAN,1997), seria mais produtivo que as escolas dedicassem boa parte do tempo atualmente oralizar os textos,a discutir e a comentar o que e como ele foi lido, o que se pretendeu, etc.

A motivação está intimamente vinculada às relações afetivas que os alunos possam ir estabelecendocom a língua escrita. Esta deveria ser mimada na escola, e mimados os alunos para os quais a leitura setransformou em um espelho que lhe devolve uma imagem pouco favorável de si mesmo acarretando,conseqüentemente, pouca vontade de ler. Só com ajuda e confiança, a leitura deixará de ser uma práticaenfadonha para alguns e poderá se converter naquilo que sempre deveria ser: um desafio estimulante.

Portanto, motivar as crianças para a leitura não consiste em que o professor diga: “Fantástico!Vamos ler!”, mas em que elas mesmas o digam – ou pensem. Isso se consegue planejando bem a tarefade leitura e selecionando com critério os materiais que nela serão trabalhados, tomando decisões sobreas ajudas prévias de que alguns alunos possam necessitar, evitando situações de concorrência entre ascrianças e promovendo, sempre que possível, aquelas situações que abordem contextos de uso real,incentivem o gosto pela leitura e façam o leitor avançar em seu próprio ritmo para ir elaborando suaprópria interpretação – situações de leitura silenciosa, por exemplo (note-se que essas são as maishabituais na leitura cotidiana, porém as mais distantes das que costumam acontecer na escola).

Ainda que, muitas vezes, se preste atenção à presença e funcionalidade do aspecto escrito na salade aula, é necessário insistir novamente que essa vinculação positiva se estabelece principalmente quandoo aluno vê que seus professores e, em geral, as pessoas importantes para ele valorizam, usam e desfrutamda leitura e da escrita e, naturalmente, quando ele mesmo pode desfrutar com sua aprendizagem edomínio. Para que uma criança se sinta envolvida na tarefa de leitura ou simplesmente para que se sintamotivada com relação a ela, precisa ter alguns indícios razoáveis de que sua atuação será eficaz ou, pelomenos, de que ela não vai fracassar totalmente.

PROCESSO INTERATIVO DA LEITURA

A linguagem não pode ser estudada separadamente da sociedade que a produz e sem a noção deque em sua constituição entram em jogo os processos histórico-sociais. E a leitura é produzida uma vezque o leitor interage com o autor do texto. Segundo ORLANDI (1987, p.180):

O texto não é uma unidade completa, pois sua natureza é intervalar. Sua unidade não se faz nem pela soma deinterlocutores nem pela soma de frases. O sentido do texto não está em nenhum dos interlocutores especificamente,está no espaço discursivo dos interlocutores; também não está em um ou outro segmento isolado em que se podedividir o texto, mas sim na unidade a partir da qual eles se organizam. Daí haver uma característica indefinível no textoque só pode ser apreendida se levarmos em conta sua totalidade.

Pesquisadores concordam em considerar que as diferentes explicações podem ser agrupadas emtorno dos modelos hierárquicos ascendentes – buttom up – e descendente – top down.

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No primeiro, considera-se que o leitor, perante o texto, processa seus elementos componentes,começando pelas letras, continuando com as palavras, frases... em um processo, ascendente, seqüenciale hierárquico que leva à compreensão do texto.

É um modelo centrado no texto e que não pode explicar fenômenos tão correntes como o fatode: continuamente inferirem-se informações; ler e não perceber determinados erros tipográficos; e atémesmo compreender um texto sem necessidade de entender em sua totalidade cada um dos seus elementos.

O modelo descendente afirma o contrário: o leitor não procede letra por letra, mas usa seuconhecimento prévio e seus recursos cognitivos para estabelecer antecipações sobre o conteúdo dotexto fixando-se para verificá-las. Dessa forma, quanto mais informações o leitor obtiver sobre o textoa ser lido, menos precisará se “fixar” nele para construir uma interpretação.

O modelo interativo não se centra exclusivamente no texto nem no leitor, embora atribua grandeimportância ao uso que este faz dos seus conhecimentos prévios para a compreensão do texto.

O leitor usa, simultaneamente, seu conhecimento do mundo e seu conhecimento do texto paraconstruir uma interpretação sobre o que lê.

O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir construindouma idéia sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em função dos seus objetivos. Isso sópode ser feito mediante uma leitura individual, precisa, que permita o avanço e o retrocesso, que permitaparar, pensar, recapitular, relacionar a informação com o conhecimento prévio, formular perguntas, decidiro que é importante e o que é secundário. É um processo interno, mas deve ser ensinado.

Os leitores, de maneira geral, prevêem, elaboram hipóteses, contrastam, interagem constantementecom o texto.

LER OU APRENDER A LER

Um dos múltiplos desafios a ser enfrentado pela escola é o de fazer com que os alunos aprendama ler corretamente.

O problema do ensino da leitura na escola não se situa no âmbito do método, mas na própriaconceituação (creio ser mais interessante falar em entendimento, que é mais amplo, do que conceituação)do que é a leitura, da forma como é avaliada pelos professores, do papel que ocupa no projetopedagógico da escola, dos meios que se arbitram para favorecê-la e, naturalmente, das propostasmetodológicas que se adotam para ensiná-la.

É necessário fazer uma distinção entre ler e aprender a ler. Ler é estabelecer uma comunicação comtextos impressos, por meio da busca da compreensão. A aprendizagem da leitura constitui uma tarefapermanente, que se enriquece com novas habilidades, na medida em que se manejam adequadamente textoscada vez mais complexos. Por isso, a aprendizagem da leitura não se restringe ao primeiro ano da vida escolar.Atualmente, sabe-se que aprender a ler é um processo que se desenvolve ao longo de toda a vida.

Quando chega à escola, a criança já é um “bom” leitor do mundo, pois desde muito novacomeça a observar, antecipar, interpretar e interagir, dando significado a seres, objetos e situações quea rodeiam. E são essas as mesmas estratégias de busca de sentido para compreender o mundo letradoque utilizará.

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Essa aprendizagem natural da leitura deve ser considerada pelo professor e incorporada às suasestratégias de ensino, com o fim de melhorar a qualidade desse processo contínuo, iniciado no momentoem que a criança é capaz de captar e atribuir significado às coisas do mundo. Assim, a ação de ler o mundoé enriquecida na medida em que a criança enfrenta progressivamente numerosos e variados textos.

O trabalho de leitura na escola tem por objetivo levar o aluno à análise e à compreensão dasidéias dos autores e buscar no texto os elementos básicos e os efeitos de sentido. É muito importanteque o leitor se envolva, emocione-se e adquira uma visão dos vários materiais portadores de mensagempresentes na comunidade em que vive.

Leitura como meio de aprendizagem

A leitura é um dos meios mais importantes na escola para a consecução de novas aprendizagens.É necessário que se continue reservando um tempo para a leitura, geralmente na matéria de “Linguagem”,pois à medida que se avança na escolaridade, aumenta a exigência de uma leitura independente porparte dos alunos.

A partir do ensino fundamental pode-se afirmar que o ato da leitura pretende levar crianças, jovense adultos a melhorar sua habilidade, a familiarizar-se, progressivamente, com ela, a adquirir o hábito de lere a utilizá-la para ter acesso a novos conteúdos de aprendizagem nas diversas áreas de conhecimento.

É o que se pode fazer para que crianças de segundas séries do ensino fundamental aprendam aler e façam da leitura uma aprendizagem?

Todos os professores de diferentes níveis já usaram muitas estratégias, materiais e métodos esabem que o que funcionou em um momento pode não funcionar em outro e, em certas ocasiões,nada parece adequado. Assim, muitas vezes, é preciso usar diferentes estratégias para que o aluno sesinta estimulado para a leitura.

Como ter acesso e aprender a fazer uma boa leitura

Para ler, qualquer leitor precisa ter acesso ao texto cuja leitura foi transformada em objetivo. Parater acesso ao texto, é preciso ter acesso ao seu código, assim como para ter acesso à mensagem emitidaem um noticiário radiofônico ou televisivo, é necessário conhecer o código que o locutor utiliza paratransmitir as notícias.

É importante a autonomia pessoal para compreender o papel das habilidades de decodificaçãoquando se fala das crianças que aprendem a ler.

Aprende-se a ler e a escrever lendo e escrevendo, vendo outras pessoas ler e escrever, tentando eerrando, sempre guiados pela busca do significado ou pela necessidade de produzir algo que tenham sentido.

Como aprender a ler e a escrever não é uma questão simples, seria muito útil não despenderesforços e energias discutindo se a leitura deveria começar na escola de educação infantil, ou se seriamais adequado adiá-la para o ensino fundamental, ou seria melhor fazer uma abordagem do código oude uma palavra global.

É necessário acabar com a idéia de que existe apenas um caminho para ir construindo noçõeseficazes dos procedimentos da leitura e da escrita. Uma abordagem ampla, não-restritiva, daaprendizagem inicial da leitura e da escrita, segundo SOLÉ (1998), pressupõe o seguinte:

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- Aproveitar os conhecimentos que a criança já possui e que costumam envolver o reconhecimento global de algumaspalavras – caso contrário, a primeira tarefa da escola será a de proporcionar oportunidades para que esse conhecimentoe outros que já mencionamos.

- Aproveitar e aumentar seus conhecimentos prévios em geral, para que possam utilizar o contexto e aventurar-se nosignificado de palavras desconhecidas.

- Utilizar integrada e simultaneamente todas essas estratégias em atividades que tenham sentido ao serem realizadas sódesta maneira e meninos e meninas poderão se beneficiar da instrução recebida.

Para SOLÉ (1998), a leitura inicial deve garantir a interação significativa e funcional da criança coma língua escrita, como meio de construir os conhecimentos necessários para poder abordar as diferentesetapas da sua aprendizagem.

O que mais motiva as crianças a ler e a escrever, conforme afirma SOLÉ (1998), é ver os adultosque tenham importância para elas lendo ou escrevendo, assistir à leitura em grupos pequenos ou grandes,tentar e sentir-se aprovadas em suas tentativas.

É imprescindível que professores explorem os conhecimentos dos alunos sobre o texto escrito.Essa exploração pode ser feita de muitas maneiras: observando-se as crianças ao olhar e ler livros, sugerindo-lhes que acompanhem seus desenhos com uma explicação, ficando atento às perguntas formuladas, quecostumam ser um indicador eficaz tanto das dúvidas como dos conhecimentos mais assustadores...

Aprender a ler é muito diferente de aprender outros procedimentos ou conceitos. Exige que acriança possa dar sentido àquilo que se pede que ela faça, que disponha de instrumentos cognitivos parafazê-lo e que tenha ao seu alcance a ajuda insubstituível do seu professor, que pode transformar em umdesafio apaixonante e cheio de emoções o que para muitos é um caminho duro e cheio de obstáculos.

A aprendizagem da leitura para KLEIMAN (1997, p.61) é um empreendimento de risco, se nãoestiver fundamentado numa concepção teórica firme sobre os aspectos cognitivos envolvidos nacompreensão do texto. Tal aprendizagem pode, facilmente, desembocar na exigência de mera reproduçãodas vozes de outros leitores, mais experientes ou mais poderosos do que o aluno.

Para que haja uma possibilidade de interação com o autor, é crucial que a divergência nainterpretação esteja fundamentada na convergência, que se baseia, por sua vez, não em uma leituraautorizada, mas na análise crítica dos elementos da língua que o autor utiliza.

Atividades de pensamentos para iniciantes em leitura

De acordo com RATHS (1977), quando se pede às crianças que façam observações, solicita-sedelas, em certo sentido, que consigam informações de várias maneiras. Ao proporcionar experiênciasde observação às crianças dos últimos anos do curso fundamental, sugere-se que o professor procuretarefas que são destinadas a dar prática em notar e descrever. Tais tarefas podem exigir que a criançanote e descreva objetos, condições, acontecimentos, minúcias pertinentes. Nas descrições, as criançassão auxiliadas a avaliar a diferença entre o que é realmente observado e o que é suposto. Por exemplo,o professor pode pedir às crianças que notem o que está fazendo e depois descrevam isso. Se oprofessor se levanta de sua cadeira, vai até à janela e a fecha, porém a criança diz que o professor sai dacadeira, anda até a janela e a fecha porque o professor está com frio, o aluno pode ser auxiliado a verque fez uma suposição. Isso poderia ser feito através de perguntas hábeis, por exemplo: “Como é quevocê sabia que eu estava com frio?” ou “Havia outras razões para que eu fechasse a janela?”. Dessaforma, a criança poderia ser levada a compreender a diferença entre o que realmente viu e o que supôs

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que fosse verdade. Algumas crianças dos últimos anos de curso fundamental podem ser capazes decompreender o conceito de suposição. Para as crianças que podem fazê-lo, o professor pode estimularo exame de observações e a identificação de suposições feitas nesse caso (qual a relação entre essesprocessos mentais e a leitura?).

Nem todas as observações precisam ser visuais. Algumas podem exigir audição, outras aindapaladar. Em todos esses casos, as crianças são auxiliadas a compreender a diferença entre o que foirealmente observado e quais as suposições – se houve alguma – feitas a partir da observação. A listaseguinte sugere vários tipos de experiências através das quais as crianças podem fazer observações.

Quando, na segunda, na terceira ou na quarta séries o professor oferece às crianças oportunidadespara que façam comparações, deve inicialmente ajudá-las a compreender que a comparação exige quese observem diferenças e semelhanças. Por exemplo, uma professora da segunda série pediu às criançasque pensassem nas numerosas semelhanças entre pássaros e borboletas. Depois, pediu-lhes que iniciassemalgumas diferenças entre pássaros e borboletas. À medida que a criança desenvolve a capacidade paracomparar, a professora pode ajudá-la a tornar-se sensível à diferença o que é certo e o que a criançapoderia supor como certo.

Quando a resposta de uma criança a uma atividade de comparação é muito limitada, a professorapoderia, através de perguntas hábeis, ajudá-la a encontrar outros aspectos de comparação.

A LEITURA E A TECNOLOGIA

Nada mais discutível do que afirmar que crianças, jovens e adultos, muitas vezes, não gostam deler ou que a televisão é a grande vilã da história ou que, antigamente, as pessoas liam mais. Esquece-se deque ninguém se torna leitor apenas por um ato de obediência e de que ninguém nasce gostando deleitura. Como ninguém nasce gostando de futebol ou de cinema. Dessas coisas aprende-se a gostar, eessa aprendizagem é cultural.

Uma pessoa desenvolverá o gosto pela leitura se desde cedo tiver experiências gratificantes comos livros ou até mesmo através da internet buscando textos significativos.

Pesquisas recentes mostram que a televisão não é obstáculo à leitura, atende a certas expectativasdas pessoas, mas não ocupa o lugar do livro. Muitas vezes, ela até chama atenção sobre determinadostítulos, estimulando a leitura.

Se as pessoas não têm acesso a livros interessantes, se passaram apenas por experiências negativascom o ato de ler, como esperar que de repente passem a gostar de ler?

Um leitor forma-se aos poucos, com o passar do tempo. Daí a importância de se começar oquanto antes o contato da criança com o mundo dos livros, antes mesmo que ela aprenda a ler.

O número de leitores no Brasil sempre foi insignificante. Antigamente, a oferta de materiais deleitura era reduzida e lia-se muito pouco. Hoje, a oferta é enorme, além de ter muitas coisas, dentre elasa tecnologia, que concorrem com o livro.

Portanto, muitas das pessoas que não gostam de ler não foram estimuladas ou passaram porexperiências negativas, lendo livros que nada lhes acrescentaram. Acredito que, quando o texto é acessívele significativo, as pessoas se animam e a leitura acontece.

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Assim, deve-se buscar soluções para que as crianças tenham mais oportunidades de conhecerlivros que tornem o ato de ler uma experiência gratificante, cheias de emoções e não uma rotineiratarefa escolar.

MATURANA (1998) sustenta que por trás de todo o comportamento do ser humano estaria umemocionar.

Emoções são fundadoras de comportamentos individuais e de grupo, assim poderíamos aplicartécnicas e metodologias em que buscaríamos em nossas salas de aula resgatar uma leitura mais emotiva,seja ela através da tecnologia ou através de livros significativos.

Sentir o prazer da leitura

Muitos livrinhos coloridos e vários CD-ROM educativos não fazem a criançada gostar de ler. Noentanto, quase sempre é por aí que vão os pais quando percebem o baixo rendimento dos filhos nasaulas de Português, sua dificuldade de compreender um texto, a inaptidão para as letras e – portanto –a pobreza na comunicação com o mundo, sem saber que presenteá-los com livrinhos de historinhasnão resolve o problema. No máximo, eles acabam se acostumando com mais essa atividade. Ter prazerna leitura é o que funciona como motivação, e o segredo para aplicá-la é: escolher um bom conto defadas, empostar a voz e ler para eles.

Parece pouco, mas é um acontecimento grandioso. Ouvir uma história contada ao vivo poralguém como o professor é uma experiência que marca para sempre. Aí, juntam-se elementos fundamentaisno desenvolvimento. A presença e a dedicação do adulto naquele instante, sua entonação e semblante,seu estado de espírito e o conteúdo da narrativa, tudo isso se junta e se mistura aos sentimentos e àimaginação das crianças, jovens e adultos. É um raro momento de integração profunda, que geraenergia de crescimento. E o prazer dessa hora se liga ao texto. Assim, inscreve-se a leitura na memóriadas coisas boas e assim abrem-se as portas para uma criativa busca do conhecimento.

Bastam alguns minutos por dia, ou a cada dois ou três dias, ou só no fim de semana... Nãoprecisa – e nem pode – ser nada forçado ou complicado. Apenas um momento reservado regularmentepara um adulto afetivo se sentar, abrir um bom livro e ler em voz alta. Para as crianças, é um momentopara ouvir, sentir e fantasiar, como quiserem e puderem. Por isso, não vale cobrar nada deles. Elasouvem historinhas cantarolando, andando, falando, mexendo e se mexendo e, às vezes, até vão paraoutros cômodos da casa sem pedir pausa na leitura. Não importa. Sua maneira de prestar atenção, seuritmo, tudo é diferente. O que importa é a voz que conta o conto, que repete infinitas vezes um trechoa pedido do ouvinte, que responde às perguntas sem reclamar da “interrupção”.

É indispensável deixar que toquem o livro, virem a página para ver a ilustração seguinte, sintama textura do papel e a harmonia das letras... Vale até atiçar a curiosidade e sua vontade de ver a históriaescrita. É bom lembrar: essa é uma experiência que os adultos oferecem às crianças, de graça, sem exigirnada em troca, sem policiá-las nem chateá-las.

Ensinar o prazer da leitura é também se apresentar às crianças como alguém que gosta de ler eque ganha com isso. Quem se sente bem com um livro nas mãos deve se exibir orgulhosamente. Aosmenos habituados cabe um esforço, que não é tão grande assim. Afinal, quem não pôde se apaixonarpela literatura na infância tem agora a chance de mergulhar na fantasia por alguns minutos.

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C O N C L U S Ã O

É preciso entender que ler não é um ato mecânico de decodificação; é muito mais que isso. É oestabelecimento de relações dentro de contextos, de vivências de mundo; não são frases ou palavrassoltas, lidas proficientemente, que nos levam a entender que isso seja o ato de ler. Ler é um ato complexoque exige sacrifício, é ir e voltar pelo texto. Ler é descobrir e descobrir-se; não é simplesmente passar osolhos por cima das palavras.

É também criar mecanismos para que a palavra tenha vida, significado, emoção e prazer.Enfim, ler é bom desde que se leve em conta o contexto de uma escola e de uma sociedade

comprometida com a leitura, com a formação de leitores para toda a vida e não somente leitoresescolares, leitores de momento, leitores da moda.

Deve haver empenho de todos, incluindo jovens, adultos e crianças, para que se criem bons programasde leitura em que sejam discutidos e refletidos o papel da leitura, o que dela se poderia aproveitar – numbom sentido – e o que ela poderá ajudar, transformar e mudar. Para que isso aconteça, serão necessáriascondições de trabalho para a formação de leitores como, por exemplo, que as escolas disponham de boasbibliotecas com o acervo atualizado de livros, jornais, revistas, de um bom computador ligado à internetpara a descoberta da palavra do mundo virtual etc. Além disso, devem-se criar, nas salas de aula, o hábitoe o gosto pela leitura, através de leituras individuais e coletivas, e a leitura em voz alta para que se descubraque a palavra tem melodia, encanto, vida e emoção. Palavra esta que mostra seus segredos de contarhistória a quem sabe contar, que estimula e leva à reflexão e ao prazer.

“Se descrever o mundo tal como é”, dizia Tolstói, “não haverá em tuas palavras senão muitasmentiras e nenhuma verdade”. As palavras nos dizem que estamos destinados a voar, a saltar abismos,a visitar mundos inexistentes: “pontes de arco-íris que ligam coisas eternamente separadas”.

“Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitaras estrelas, entrar, no corpo de animais, fluir com a seiva dasplantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundode rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram deexistir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas,ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando,ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder,passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dosnúmeros, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho...Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!”

Rubem Alves

Page 12: Aula 1 - Leitura Um Desafio Sempre Atual

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REFERÊNCIAS

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