33
APROXIMANDO-NOS DO ROMANCE

aula o cortiço

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: aula o cortiço

APROXIMANDO-NOS DO ROMANCE

Page 2: aula o cortiço
Page 3: aula o cortiço

1. O CORTIÇO e SEUS MORADORES

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. ...

A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns

pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os

outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias...

Page 4: aula o cortiço

Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns após outros, lavavam a cara... As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar, via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça

bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem

tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se

davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos...

Page 5: aula o cortiço

A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos

cabeludos e grossos, anca de animal de campo. Tinha duas filhas e um filho: a das Dores... que largara o

marido para meter-se com um homem de comércio... que, retirando-se para a terra, deixara o sócio em seu

lugar. 25 anos. A Nenen, 17 anos, franzina e forte, com uma proazinha de orgulho de sua virgindade, escapando

como enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem ser para casar. E Agostinho, menino

levado dos diabos, que gritava tanto ou melhor que a mãe.

Page 6: aula o cortiço
Page 7: aula o cortiço

.... Ao lado de Leandra, foi colocar-se à sua tina a Augusta Carne-Mole, brasileira, branca, mulher de Alexandre, um mulato de 40 anos, soldado de polícia... Augusta era de uma honestidade proverbial no cortiço, honestidade sem

mérito, porque vinha da indolência de seu temperamento e não do arbítrio de seu caráter. Junto

dela pôs-se a trabalhar a Leocádia, mulher de um ferreiro chamado Bruno, com uma fama terrível de

leviana....Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota, ... tinha

virtudes para benzer erisipelas e cortar febres por meio de rezas e feitiçarias.... Era extremamente feia, ...

dentes cortados à navalha, formando pontas, como dentes de cão... Chamavam-lhe “Bruxa”.

Page 8: aula o cortiço

Depois seguiam-se Marciana e mais a sua filha Florinda, que... tinha quinze anos, a pele de um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de

macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade e não cedia, nem à mão de Deus Padre, aos rogos de João Romão, que a desejava apanhar a troco de concessões na medida e

no peso das compras que Florinda fazia diariamente no armazém. Depois via-se a velha Dona Isabel... todos lhe

dispensavam consideração.. mulher comida de desgostos. Fora casada com o dono de uma casa de

chapéus, que quebrou e suicidou-se. ...Tinha uma cara macilenta de velha portuguesa devota, que já foi gorda,

bochechas moles de pelancas rechupadas, que lhe pendiam dos cantos da boca como saquinhos vazios...

Page 9: aula o cortiço

Sua filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha, que tinha o seu noivo, o João da Costa, moço do

comércio, com grande futuro... Dona Isabel não queria que o casamento se fizesse já. É que Pombinha,

orçando aliás pelos dezoito anos, não tinha ainda pago à natureza o cruento tributo da puberdade....

Fechava a fila das lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado... Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres... que o tratavam como uma pessoa do mesmo sexo... faziam-no até confidente dos seus

amores e das suas infidelidades. ( ibidem p. 28 a 32 )

Page 10: aula o cortiço
Page 11: aula o cortiço

ANÁLISE DE O CORTIÇO,DE ALUÍSIO DE AZEVEDO

EDIÇÃO CONSULTADA: O CORTIÇO. MARTINS, SP, 1967

PARTE II

Page 12: aula o cortiço

5. NARRADOR EM TERCEIRA PESSOA, ONISCIENTE.

6. ANÁLISE DO ENREDO E DOS PERSONAGENS

6.1. TRAMA CENTRAL: JOÃO ROMÃO x MIRANDA O CORTIÇO x O SOBRADO

Ponto de PartidaA vizinhança João Romão e aquilo que viria a ser o

cortiço x Miranda e seu novo sobrado.Definição dos elementos da trama centralO narrador, nos três capítulos, apresenta os elementos

básicos que irão constituir a trama central da narrativa; Assim:

Page 13: aula o cortiço

CAPÍTULO – I

– foco central: João Romão e BertolezaContraponto: Miranda e EstelaA história e as características de João Romão:

Bertoleza

O CONTRAPONTO

Miranda compra o prédio vizinho a Romão:

Page 14: aula o cortiço

TENSÃO PESSOAL DE MIRANDA

Miranda

“Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver-se novamente pobre”. Conflitos de Miranda: posição social, atração sexual por Estela, a quem devia odiar pelas infidelidades.

Estela, “senhora pretensiosa e com fumaça de nobreza” (p.25) “mulherzinha levada da breca”, que adultera desde “antes de terminar o segundo ano de matrimônio” ( p. 26 )

Page 15: aula o cortiço

Primeiro conflito Romão x Miranda

Miranda quer comprar parte do terreno de Romão.

Projeto de Romão: construir a estalagem. “Destinada a matar toda aquela miuçalha”.

A Construção do muro

Primeira tensão: vitória de Romão: Miranda constrói o muro. “Muro – símbolo da diferença, limite.”

Page 16: aula o cortiço

CAPÍTULO – II

Foco central: “Miranda e seu sobrado”.Contraponto: João Romão e a estalagem

Personagens do sobrado: Miranda – Estela

Zulmira

Henrique

Botelho

Page 17: aula o cortiço

IDÉIAS DE BOTELHO

“Isso é uma imprudência.. Numa casa, em que há tantos quartos, é preciso vir meterem-se neste canto de quintal. A senhora está moça, está na força dos anos; seu marido não a satisfaz, é justo que o substitua por outro! Ah! Isto é o mundo e, se é torto, não fomos nós que o fizemos torto!”.

O narrador insinua agrados homossexuais de Botelho a Henrique, que se afasta do velho “com um gesto de repugnância e desprezo”.

Compõe ainda a casa de Miranda; o moleque Valentim, filho de uma escrava que foi de Dona Estela, a mulata Isaura, a negrinha virgem Leonor.

Page 18: aula o cortiço

VERDADE DAS RELAÇÕES MIRANDA – ESTELA

DEFINIÇÃO DA TRAMA SOCIAL: OS CONFLITOS SOCIAIS DE MIRANDA: ANTE O SUCESSO

ECONÔMICO DE ROMÃO. MIRANDA QUESTIONA O SEU PRÓPRIO MODO DE VIDA.

A “escandalosa fortuna” de Romão incomoda a Miranda, ( Romão fizera fortuna, “sem precisar roer nenhum chifre”

Incomodava-o “grosseiro rumor que vinha da estalagem numa exalação forte de animais cansados”

Page 19: aula o cortiço

A SAÍDA PARA OS CONFLITOS: a idéia do baronato

“Foi da supuração fétida destas idéias que se formou no coração vazio de Miranda um novo ideal – o título” o baronato.

VIABILIDADE DA LUTA PELO TÍTULO

Para conseguir o título, contava com a vaidade de Estela.

DESENVOLVIMENTO DA TRAMA ROMÃO x MIRANDA

Evolução de Romão:

Page 20: aula o cortiço

Visconde Proprietário da avenida Proprietário da estalagem Proprietário do cortiço Proprietário do terrenovendeiro falseia a alforria de Bertoleza rouba materiai rouba Domingos e Libório cumplicidade implícita na morte de Bertoleza

Page 21: aula o cortiço

AGRAVAMENTO DA TENSÃO DE ROMÃO

O título de Miranda faz Romão questionar seu modo de viverSaídas: mudanças de hábitos, de roupas, transformação do

cortiço, casamento com Zulmira, título de visconde.

Comparar Cap. II com o cap. X

“Fui uma grandíssima besta

Uma grande besta...”

A partir do cap. XIII, o narrador nos dá notícias das mudanças de João RomãoBotelho começa a trabalhar para que Romão se case com Zulmira. Miranda já o tratava de forma diferente, convidando-o, até, para jantar.

Page 22: aula o cortiço

TENSÃO PESSOAL

Romão mudava, mas “tinha de estirar-se ali, ao lado daquela preta fedorenta a cozinha e bodum de peixe!” (p. 183). E lhe surge a idéia da morte de Bertoleza.

Cabeça de Gato. “O cortiço aristocratizava-se”.

CLÍMAX E DESFECHO

CAPÍTULO – XXIII

Chega o filho mais velho do antigo senhor de Bertoleza. Ao mandar prender Bertoleza, esta, “com ímpeto de anta bravia,” rasga o ventre de lado a lado. Romão foge até o canto mais escuro, tapando o rosto com as mãos. Nesse momento, uma comissão de abolicionistas vem entregar a Romão o diploma de sócio benemérito da causa abolicionista.

Page 23: aula o cortiço

O CORTIÇO x SOBRADO DE MIRANDA

Ponto de partida: Apresentação dos elementos da trama

No capítulo III, o narrador nos apresenta o outro elemento central da trama: o cortiço e seus moradores

A linguagem identifica homem, animal, inseto (visão monista).

Linguagem escandalizadora.

Page 24: aula o cortiço

PERSONAGENS DO CORTIÇO

Leandra

Augusta Carne-Mole

Léonie

Leocádia

Paula

Marciana

Dona Isabel e Pombinha

Albino

Rita Baiana

Domingos e Manuel

Jerônimo

Jerônimo – Piedade e a filha Marianita ( Senhorinha )

Firmo

Libório

Page 25: aula o cortiço

Conjunto 1 – Cortiço – coletivismo tribal ( cortiço= abelhas )

Conjunto simples, constituição primáriaNatureza, instinto, horizontal, violência.Sensualismo – sensíveis a impressões sensoriais

Conjunto 2 – Casa de MirandaConjunto complexoVertical, trocas

No conjunto complexo há um regime de trocas necessárias à sua própria sobrevivência: Estela / Miranda. Botelho, Hentique, Zulmira

João Romão X MirandaPersonifica a falta de escrúpulos e a exploração do homem pelo homem

Representa a simulação, forçada pelas convenções sociais.

O São Romão x o “Cabeça-de-Gato

Page 26: aula o cortiço

TRAMAS SECUNDÁRIAS

a) Jerônimo – Piedade- Rita Baiana – Firmo. b) Leocádia – Bruno – Henrique. c) Léonie, Pombinha, Senhorinha.d) O JUDEU – o velho Libório.e) Marciana – Florinda.

FUNÇÃO DA MULHER:

Mulher-objeto

Mulher sujeito-objeto

Mulher sujeito que regula os regimes de troca, capaz deImpor condições e manobrar o macho em beneficio próprio.

Page 27: aula o cortiço

ESPAÇO

O espaço físico retratado é o microcosmo de uma sociedade em formação: o cortiço x sobrado. Os dois locais ressaltam o engalfinhar constante de forças econômicas e sociais.

O espaço físico é urbano, pois o proletariado e a classe média ganharam campo e a mão-de-obra – principalmente de italianos e portugueses era muito necessária.

TEMPO

“Situa-se alguns anos antes da publicação do romance (1890).” O tempo do realista-naturalista é mesmo o agora. O enredo é linear: segue os passos do vendeiro João Romão desde a juventude pobre até a maturidade abastada e inescrupulosa. O tempo do romance é cronológico..

Page 28: aula o cortiço

LINGUAGEM

“A língua de Aluísio Azevedo em sua plurivalência de nacionalidades mostra como o Francês, o Italiano, o Português de Portugal, o falar do cortiço se mesclam, constituindo conjuntos que integralizam a língua brasileira num sentido mais amplo. Sua língua é mestiça como seus personagens e se espalha pelo simples e pelo complexo.”

Embora tenha, em vários momentos, ousado infringir as normas prescritas pela gramática normativa, no nível do narrador, a linguagem é sempre cuidada e presa aos cânones tradicionais.Ela acompanha o grau de instrução das personagens.

Page 29: aula o cortiço

Linguagem coloquial brasileira: (alguns exemplos)

Ao apresentar-nos Estela, o narrador diz que ela era uma “mulherzinha levada da breca” ( p.26), “com fumaça de nobreza.” ( p. 25 )

Miranda, ao pensar nas infidelidades de Estela, percebe que Romão progredira, sem precisar roer nenhum chifre”. (p. 35)

Estela se refere a Miranda como “aquele traste do senhor meu marido” , “uma besta daquela ordem!” ( p. 42 )

Ao descrever os movimentos do cortiço, o narrador nos diz que os homens “esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão.”, que “as portas das latrinas não descansavam.”( p. 47)

Léonie é “cocote de trinta mil-réis para cima” ( p. 50 )

Page 30: aula o cortiço

Observe os comentários que os moradores do cortiço fazem sobre Rita Baiana:

– E não é que o demo da mulata está cada vez mais sacudida?...– Então, coisa-ruim! por onde andaste atirando esses quartos?– Desta vez a coisa foi de esticar, hein?! [...] (p. 75)E a fala de Rita:– Ora, nem me fales, coração! Sabe? Pagode de roça! Que hei de fazer? é a minha cachaça velha!... (p. 75)

Page 31: aula o cortiço

Com quem te esfregavas tu, sua vaca?! Bradou ele a botar os bofes pela boca. Vá à pata que o pôs! Exclamou ela, com a cara que era um tomate. Já lhe disse que não quero saber de você pra nada, seu bêbado!

“Sai daí, safado! Toca lá no que quer que seja, que te arranco a pele do rabo!”.

“Eu quero saber quem lhe encheu o bandulho! E ela há de dizer quem foi ou quebro-lhe os ossos. (p. 121 )

E, após saber que Florinda fugira, diz Rita a Marciana: “Fugiu-lhe, é bem feito! Que diabo! Ela é de carne, não é de ferro! Agora chore na cama, que é lugar quente.”

Rita “estava inspirada! Divina!”

Page 32: aula o cortiço

Pula cá pra fora, perua choca, se és capaz.

Toma pro teu tabaco! Toma, galinha podre! Toma pra não te meteres comigo! Toma!Toma! Baiacu da praia!

“Qualquer pé-rapado”

“Quem me comeu a carne tem de roer-me os ossos.” (p. 253)

Page 33: aula o cortiço

Linguagem coloquial portuguesa. Diz Jerônimo:

Ó filha! “Por que não experimentas tu fazer uns pitéus à moda de cá.”. ... Pede a Rita que to ensino. Os camarões souberam-me tão bem”. ( p. 115 )

Um diálogo rápido, conciso, sugestivo e uma precisão descritiva extremamente aguda são os traços marcantes da personalidade literária de Aluísio