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Aula O Que é Filosofia

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introdução a filosofia

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O QUE É FILOSOFIA?

Responder a questão “o que é filosofia?” não é tarefa fácil. Não há uma resposta definitiva, nem há concordância entre os filósofos sobre o que seja esse campo de conhecimento. Uma boa razão que explique essa dificuldade é que, até pouco tempo atrás, a filosofia abrangia toda investigação teórica, contudo, quando certa área de investigação atingia um ponto em que uma teoria principal dominava e, por conseguinte, se desenvolviam métodos uniformizados de crítica e confirmação, acontecia dessa área ser separada da árvore mãe da filosofia e tornava-se independente. Dessa forma, poderíamos falar de uma tendência à contração da esfera da filosofia na própria medida em que o conhecimento se expande. Porém, a autonomia de uma determinada ciência, conquistada à custa de esforço filosófico, corresponde tão somente a períodos de estabilidade. Quando seus métodos e pressupostos já não se conformam a um campo fenomênico qualquer, eis que tanto o cientista quanto o filósofo voltam a contribuir com seus trabalhos. A filosofia é o “lar” dos problemas intelectuais com os quais as outras disciplinas são incapazes de lidar. Em consequência disso, está cheia do interesse intelectual da controvérsia e da disputa que têm lugar nas fronteiras da investigação racional.

Percebemos que as definições acerca da natureza filosófica diferenciam-se segundo o momento histórico e, de certa forma, dependem do pensamento filosófico erigido por cada autor, ou melhor, do direcionamento dado por um pensador a uma questão que considera preponderante. Por exemplo, os filósofos da antiguidade consideravam de extrema importância saber o que é a felicidade e como podemos alcançá-la, logo, a filosofia nessa época assumia essa função. Na modernidade, uma das questões principais era conhecer os limites da razão, isto é, investigar até onde podemos conhecer algo. Assim, para parte dos modernos, filosofar era efetuar uma crítica da razão. Muito embora não haja consenso, é possível traçar características gerais da natureza da filosofia, sem a pretensão de responder à sua especificidade:

• A filosofia é uma atividade crítica, ou seja, cabe à filosofia avaliar criticamente um certo tipo de ideias;

• O pensamento filosófico é consequente. O filósofo tem de fundamentar, defender com argumentos, tudo que afirmar. Caso sua ideia não resista à discussão racional aberta, então terá de mudar de ideia.

• A filosofia é um estudo a priori. A maior parte dos problemas da filosofia não requerem qualquer informação empírica, ou requerem pouca informação empírica. A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, não assenta em experimentações nem na observação, mas apenas no pensamento. E, ao contrário da matemática, não tem métodos formais de prova. Os problemas filosóficos são tratados através de métodos de argumentação e contra-argumentação. A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e pensando em argumentos possíveis contra elas, analisando os termos e conceitos utilizados nesses argumentos.

• A filosofia é diferente da história da filosofia. A filosofia não se reduz a fazer relatórios e interpretações das ideias dos filósofos anteriores a nós. Isso é o que faz a história da filosofia. Em filosofia, esse trabalho é feito com um objetivo: discutir essas ideias, para saber se tais ideias são verdadeiras ou não, quais são seus pontos fortes e os seus pontos fracos.

Muitas pessoas se questionam sobre a serventia da filosofia. “Para que serve a filosofia? Afinal, pensamentos não enchem a barriga de ninguém”, dirão alguns. Podemos dar três respostas a essa pergunta. A primeira delas se refere ao valor intrínseco do conhecimento. Que queremos dizer quando perguntamos para que serve a filosofia? A reflexão não coze o pão, mas também a arquitetura não o faz, nem a música, a arte, a história ou a literatura. Acontece apenas que queremos compreender-nos. Queremos isto pelo seu valor intrínseco, tal como os

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especialistas em ciências ou matemáticas puras podem querer compreender o princípio do universo, ou a teoria dos conjuntos, pelo seu valor intrínseco, ou como um músico pode querer resolver alguns problemas na harmonia ou no contraponto pelo seu valor intrínseco. São momentos que desenvolvemos a nossa saúde mental e que, no fim das contas, há uma recompensa em termos de prazer.

A segunda resposta é que a reflexão é importante porque está na continuidade com a prática. O modo como pensamos sobre o que estamos a fazer afeta o modo como o fazemos, ou até mesmo se o chegamos a fazer; pode conduzir a nossa investigação, ou a nossa atitude relativamente a pessoas que fazem as coisas de modo diferente, ou até toda a nossa vida. Por exemplo, passar a crer em um deus pode vir a ser um fator de mudança de comportamento, ou acreditar que a natureza do ser humano é egoísta e que só procura tirar vantagem das situações pode transformar sua relação com os outros, tornando-o mais desconfiado e menos cooperativo.

A terceira resposta alerta para os riscos de se viver uma vida irrefletida. Há sempre pessoas prontas a dizer-nos o que queremos, a explicar como nos vão dar essas coisas e a mostrar-nos no que devemos acreditar. As convicções são contagiosas, e é possível convencer as pessoas de praticamente tudo. Geralmente, estamos dispostos a pensar que os nossos hábitos, as nossas convicções, a nossa religião e os nossos políticos são melhores do que os deles, ou que os nossos direitos dados por Deus anulam os direitos deles, ou que os nossos interesses exigem ataques defensivos ou dissuasivos contra eles. Em última análise, trata-se de ideias que fazem as pessoas matarem-se umas às outras. É por causa de ideias sobre o que os outros são, ou quem somos, ou o que os nossos interesses ou direitos exigem, que fazemos guerras ou oprimimos os outros de consciência tranquila, ou até aceitamos por vezes ser oprimidos. Quando estas convicções implicam o sono da razão, o despertar crítico é o antídoto. A reflexão permite-nos recuar, ver que talvez a nossa perspectiva sobre uma dada situação esteja distorcida ou seja cega, ou pelo menos ver se há argumentos a favos dos nossos hábitos, ou se é tudo meramente subjetivo.

A filosofia tem exercido, por mais que ignoremos isso, uma admirável influência indireta até mesmo sobre a vida de gente que nunca ouviu falar dela. Indiretamente, tem sido destilada através da música, da literatura, dos jornais, do cinema e da tradição oral, afetando assim toda a perspectiva geral do mundo. O nosso cotidiano é perpassado por concepções religiosas, artísticas, científicas e filosóficas. O homem que não tem umas tintas de filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados da infância e do senso comum, das crenças habituais de sua época e de seu país. Para tal homem o mundo tende a tornar-se óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e a possibilidade das coisas serem diferentes daquilo que ele acredita é desprezada. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos damos conta de que até as coisas mais ordinárias conduzem a problemas para os quais somente respostas muito incompletas podem ser dadas. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

Filosofia tem a ver com liberdade. Aquele que não exerce a reflexão dirige cegamente a própria vida, preso a dogmas e preconceitos. A atitude reflexiva é condição de possibilidade das decisões livres, e a filosofia permite-nos usar essa capacidade reflexiva com cada vez mais profundidade, levando-nos a pensar mais claramente e, em consequência disso, a usar a capacidade de escolha em sua plenitude.