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CURSOS ON-LINE – DIR. PENAL – CURSO BÁSICO PROFESSOR JÚLIO MARQUETI www.pontodosconcursos.com.br 1 AULA: 3 3.16.4 – DA SEMI-IMPUTABILIDADE. Tratamos linhas atrás da exclusão da imputabilidade. Agora, nos interessa hipóteses de redução da culpabilidade, ou seja, os casos em que a imputabilidade não é excluída, mas diminuída. Vimos que a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez completa acidental (fortuito e força maior), podem excluir a imputabilidade. Para tanto, não basta o aspecto biológico, ou seja, a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez. Necessário, além disso, que em razão das anomalias decorra a INTEIRA (ou plena) incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento 1 . Quanto, então, das anomalias arroladas decorre a completa privação da capacidade de entender e de determinar-se, há a exclusão da imputabilidade. Não podemos nos esquecer que a privação da capacidade intelectiva deve ser aferida no momento da atividade, ou seja, no momento da ação ou da omissão. 1 Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

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AULA: 3

3.16.4 – DA SEMI-IMPUTABILIDADE.

Tratamos linhas atrás da exclusão da imputabilidade. Agora, nos interessa hipóteses de redução da culpabilidade, ou seja, os casos em que a imputabilidade não é excluída, mas diminuída.

Vimos que a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez completa acidental (fortuito e força maior), podem excluir a imputabilidade.

Para tanto, não basta o aspecto biológico, ou seja, a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez. Necessário, além disso, que em razão das anomalias decorra a INTEIRA (ou plena) incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento1.

Quanto, então, das anomalias arroladas decorre a completa privação da capacidade de entender e de determinar-se, há a exclusão da imputabilidade. Não podemos nos esquecer que a privação da capacidade intelectiva deve ser aferida no momento da atividade, ou seja, no momento da ação ou da omissão.

1 Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

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Há, todavia, casos em que as anomalias2 não levam à privação completa, ou melhor, à inteira incapacidade de entender e de determinar-se.

A privação decorrente das anomalias pode ser relativa, oportunidade em que, de acordo com a letra da lei, o agente NÃO POSSUIA A PLENA CAPACIDADE DE ENTENDER E DE DETERMINAR-SE (artigo 28 parágrafo 2º do CP) ou NÃO ERA INTEIRAMENTE INCAPAZ DE ENTEDER E DE DETERMINAR-SE (artigo 26, parágrafo único do CP). Neste caso, as anomalias levam à imputabilidade relativa, ou seja, à semi-imputabilidade.

Quando há a privação relativa da capacidade de entendimento e de determinação, o sujeito é conhecido como FRONTEIRIÇO ou SEMI-IMPUTAVEL.

Não tem ele toda a imputabilidade, mas também não é inimputável. Em tais casos, a reprovabilidade da conduta é diminuída, pois ele não pode ser considerado imputável. Entretanto, inimputável também não o é.

Com a redução da imputabilidade, não podemos falar em ausência de culpabilidade. Esta não é excluída, mas sim diminuída, oportunidade em que não há isenção de pena.

O legislador, então, determinou a redução da pena de 1/3 a 2/3, quando o agente é semi-imputável. É o que prescreve o parágrafo 2º do artigo 28 e o parágrafo único do artigo 26 do CP. Observe a literalidade de ambos.

Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o

2 Doença mental; desenvolvimento mental incompleto ou retardado e a embriaguez completa acidental.

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caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Emoção e paixão Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Há, observe abaixo, algumas situações interessantes:

1- “A”, doente mental, pratica homicídio quando privado inteiramente da capacidade de intelecção. Portanto, inimputável. Posteriormente ao fato, restabelece sua sanidade mental. Assim, deixa de ser inimputável. A ele será aplicada pena ou será considerado, ainda, inimputável?

Resposta: A inimputabilidade deve ser aferida no momento da atividade. Assim, se, quando da pratica do delito, o agente era inimputável, não poderá ser a ele aplicada pena, já que isento de pena, mesmo que ao depois restabeleça sua sanidade mental. Portanto, no caso em tela aplica-se o disposto no artigo 26 do CP.

2- “A” pratica homicídio quando mentalmente saudável. Portanto, imputável. Após o fato, sobrevém debilidade mental que lhe retira inteiramente a capacidade de compreensão. Assim, agora, inimputável. A ele será aplicada pena ou será considerado inimputável?

Resposta: Como a inimputabilidade deve ser aferida no momento da atividade. Assim, se, quando da pratica do delito, o agente não era inimputável, a ele deverá ser aplicada pena. Todavia, como esta não pode ser aplicada a

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inimputável, mesmo quando a inimputabilidade é superveniente (posterior à atividade). Entretanto, não ficará ele isento de pena, já que quando da atividade não era inimputável. A lei, neste caso, determina que, se ainda não iniciou o cumprimento da pena, se aguarde o seu restabelecimento. Quando se restabelecer, deverá a ele ser aplicada pena.

Menoridade.

Doença mental. Incompleto.

Inimputabilidade Desenvolvimento mental

Embriaguez completa Retardado.

Acidente: Fortuito ou força maior

3.16.5 – DA PONTENCIAL CONSCIENCIA DA ILICITUDE.

O segundo dos elementos da culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude. Assim, para que o fato seja reprovável necessário que o agente tenha potencial consciência da ilicitude.

Primeiro, vamos conceituar consciência da ilicitude. A ilicitude (ou antijuridicidade) conceituamos no item 3.11. Naquela oportunidade, dissemos que ilicitude é a contrariedade da conduta frente o ordenamento jurídico.

Também tratamos da ilicitude quando falamos do erro de proibição (item 3.13). Agora, no entanto, nos interessa é a consciência da ilicitude. Ter consciência da ilicitude é saber que o fato é certo ou errado, justo ou injusto.

Aqui, não analisamos o conhecimento ou não da lei. Pois, de acordo com o legislador, o desconhecimento da lei é inescusável (artigo 21 do CP). O que nos interessa é um conceito leigo do que é certo ou errado, justo ou injusto. Diz a doutrina que a ilicitude é a consciência profana do justo ou injusto.

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Será reprovável, e, portanto, culpável a conduta quando o agente atua com consciência da ilicitude, isto é, consciente, sabedor, de que o que faz é injusto é errado. Quando o agente tem consciência da ilicitude, diz-se que a consciência é atual (ou consciência real).

No entanto, como elemento da culpabilidade não se exige a atual consciência da ilicitude, pois seria muito simples ao acusado alegar que no momento da ação não sabia que o que fazia era errado, injusto.

Assim, para que a conduta seja reprovável, culpável, basta potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade que tinha o agente, no caso concreto, de alcançar o conhecimento da ilicitude, isto é, saber o certo e o errado, o justo e o injusto. Assim, por meio de requisitos objetivos, externos, não mais íntimos, é possível saber se o agente, que não tinha a atual consciência da ilicitude, tinha ou não condições de conhecer a ilicitude, isto é, se tinha ele potencial consciência da ilicitude.

Caso, de acordo com o caso concreto, não tinha conhecimento do injusto e nem mesmo podia tê-lo, mesmo que extremamente diligente, há erro de proibição inevitável, que exclui a culpabilidade, pois ausente a potencial consciência da ilicitude. Assim, o agente ficará isento de pena.

Exemplo: “A”, holandês, vindo para o Brasil manuseia durante sua viagem um jornal de circulação nacional onde aparece estampado um caboclo fumando cigarro de palha. Acreditando ser maconha, pensa ele que, como em seu país, aqui, em determinados lugares, é permitido o uso do entorpecente. Ao chegar, passa a fumar seu cigarro de “maconha”, oportunidade em que é preso.

No caso, não tinha ele atual consciência da ilicitude, pois não sabia do injusto. Necessário perquirirmos se tinha ele condição de conhecer o injusto. Ao concluirmos que ele não tinha como conhecer o injusto, ausente a potencial consciência da ilicitude. Assim, excluída a culpabilidade.

Se, todavia, tinha como saber do injusto, sua culpabilidade será diminuída, já que não tinha atual consciência da ilicitude, mas possuía a potencial consciência da ilicitude, oportunidade em que a pena diminuída.

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Para melhor compreensão da matéria, sugiro uma releitura do que foi exposto quando tratamos do erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato (item 3.13).

Erro sobre a ilicitude do fato Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Quadro Sinótico:

Vencível (superável, inescusável) = diminui a pena.

Erro de proibição Reduzida a culpabilidade.

(Art.21 do CP) Não há atual consciência da ilicitude.

Mas, há potencial consciência.

Invencível (insuperável, escusável) = isenta de pena.

Exclui a culpabilidade.

Não há atual e nem mesmo a potencial

Consciência da ilicitude.

3.16.4 – DA EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.

Agora, vamos tratar do último dos elementos da culpabilidade. Para que o fato seja reprovável, culpável, necessário que do agente seja exigida conduta diversa.

Portanto, na situação em que agente se encontrava quando da prática do ilícito, se dele fosse exigida conduta diversa daquela que ele tomou, reprovável o seu comportamento.

Concluímos, então, que quando exigível dele conduta diferente daquela que ele tomou, o seu agir é dotado de reprovabilidade. Se reprovável, há culpabilidade.

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Em contrapartida, quando inexigível conduta diversa daquela por ele tomada, sua conduta não é dotada de reprovabilidade. Assim, não há culpabilidade.

De acordo com a letra da lei, não há culpabilidade diante da inexigibilidade de conduta diversa quando estivermos diante de coação irresistível e de obediência hierárquica. Observe o dispositivo abaixo.

Coação irresistível e obediência hierárquica Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Necessário que conceituemos as duas hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa, pois levarão à exclusão da culpabilidade.

3.16.4.1 – COAÇÃO IRRESISTIVEL3.

Primeiramente, devemos deixar claro que a coação de que trata o dispositivo é a coação moral irresistível, pois, quando há a coação física absoluta, não há conduta e, com isso, não há fato típico (item 3.2.1).

Aqui, então, estamos falando da COAÇÃO MORAL IRRESISTIVEL. Havendo coação moral irresistível, devemos observar a conduta do coator e do coato.

Aquele que sofre a coação é o coato. Se, coagido, pratica crime, não há reprovabilidade de sua conduta, pois dele não é possível se exigir uma conduta diversa.

3 TC MG – FCC (OUTUBRO 2005) – AUDITOR. 61 – A coação moral irresistível exclui a: a- conduta. b- culpabilidade. c- tipicidade. d- ilicitude. e- antijuridicidade. Gabarito oficial: B

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Observe o caso do maquinista que, coagido mediante o emprego de arma de fogo, é obrigado a passar com o trem sobre o corpo de outrem que estava amarrado na linha férrea. No caso em tela, dele não era exigida uma conduta diversa. Assim, ausente a culpabilidade.

Quando resistível a coação moral, há culpabilidade. Poderá haver, é certo, uma atenuante genérica. Mas, culpabilidade, reprovabilidade, existe.

Dica: Normalmente a coação moral irresistível ocorre por meio de uma aflição física (sofrimento físico), o que não dá a ela a qualidade de coação física absoluta. Observe o caso daquele que está sofrendo lesão corporal (queimaduras de cigarros) e, diante da promessa de cessar, pratica crime, sob pena de continuar o seu sofrimento físico. Em que pese o sofrimento físico, a coação continua sendo moral.

Atenção:

Coação física absoluta = exclui a conduta (gera atipicidade).

Coação moral irresistível = exclui a culpabilidade.

3.16.4.2 – DA OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA. A ordem de superior hierárquico, para aplicabilidade do disposto no artigo 22 do CP, deve ser aquela que, na estrutura hierarquizada da Administração Pública, é dada pelo funcionário com superioridade hierárquica (titular de função pública) a seu subalterno. Ao subalterno a lei impõe o dever de cumprir as ordens dadas pelos superiores hierárquicos, não lhe cabendo argüir, indagar, sobre sua legalidade. Só não está obrigado a cumprir quando a ordem for eivada de ilegalidade manifesta. Para ilustrar, observe o dever funcional contido no artigo 116 da Lei 8112/90 (Estatuto dos Servidores Civis da União).

Dos Deveres Art. 116. São deveres do servidor: IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

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A obediência à ordem de superior hierárquico exclui da culpabilidade, pois não se pode exigir do subalterno uma outra conduta que não seja o efetivo cumprimento do que lhe foi determinado. No entanto, quando a ordem foi MANIFESTAMENTE ILEGAL, haverá a reprovabilidade da conduta e, com isso, a culpabilidade. Observe o exemplo do Agente da polícia federal que recebe do Delegado, seu superior hierárquico, a ordem para, por meio de tortura, conseguir as informações necessárias do indiciado. Caso venha a cumprir a ordem, não poderá alegar a ausência de culpabilidade, pois a ordem dada é manifestamente ilegal. Assim, dele era, nas circunstâncias em que se encontrava, exigida uma conduta diversa. Excluirá, então, a culpabilidade o cumprimento de ordem não manifestamente ilegal. Questão interessante Pergunto:Quando funcionário público pratica crime em obediência a ordem ilegal, há exclusão da culpabilidade ou não? Respondo: O que faz excluir a culpabilidade é o cumprimento de ordem não manifestamente ilegal. Assim, se ilegal a ordem haverá a exclusão da culpabilidade. Só não ocorrerá a exclusão da culpabilidade quando a ilegalidade for manifesta. Sobre a obediência hierárquica, observe a questão abaixo. Vamos resolvê-la. TRIBUNAL DE CONTAS DO PI – (PROCURADOR) 2005 – FCC. 72- Para haver a exclusão da culpabilidade pela obediência hierárquica, deve o agente ter atribuições para a prática do ato, a ordem por ele cumprida deve ser emanada de autoridade: a- superior competente e não deve ser ilegal. b- superior competente e não deve ser manifestamente ilegal. c- superior, ainda que incompetente, e a ordem não deve ser manifestamente ilegal. d- superior, ainda que incompetente, e a ordem não deve ser ilegal. e- competente e não deve ser ilegal. Gabarito oficial: B Resolução: Quando se fala em exclusão da culpabilidade pela obediência hierárquica, a ordem do superior deve ser ilegal. Mas, a ilegalidade não deve ser manifesta. Caso manifesta a ilegalidade, não há exclusão da culpabilidade, já que exigível conduta diversa. A alternativa “a” está incorreta, pois fala em ato legal.

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Se o ato não é ilegal, não teremos crime, já que estaremos agindo em estrito cumprimento do dever legal. A alternativa “b” está correta, pois em que pese competente o superior hierárquico a ordem por ele dada é eivada de ilegalidade não manifesta. Assim, exclui-se a culpabilidade. A letra “c” se mostra equivocada pois a incompetência da autoridade da superior denota ilegalidade manifesta ou, quando não, ausência de subordinação, oportunidade em que não tenho a obediência hierárquica. A alternativa “d” traz em si uma contradição. Se a autoridade é incompetente, a ordem é ilegal. Mas, para o reconhecimento da exculpante necessário que a ilegalidade seja manifesta. Portanto, quando não se exige a ilegalidade, não se fala em exclusão da culpabilidade. A alternativa “e” padece do mesmo defeito da “a”, ou seja, pois aí não há ilegalidade, se não há ilegalidade, não há crime. Assim, para se falar em exclusão da culpabilidade a ordem deve ser ilegal. Caso legal, não há que se falar em exclusão da culpabilidade. Aqui, terminamos os temas afetos ao CRIME. Nas linhas seguintes passaremos a tratar da APLICAÇÃO DA LEI PENAL, outro item de nossos editais. 2 – DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. Vamos tratar de tema muito cobrado em concursos públicos. Portanto, nos impõe cautela excessiva. Trabalharemos dando atenção especial aos dizeres da lei. Nossa matéria está especialmente prevista na parte inicial do Código Penal, isto é, do artigo 1º ao 12 do Código Penal. Em que pese previsão legal, devemos tratar de princípios e teorias aplicáveis, sob pena de não compreendermos o tema. Ressalto, ademais, que tais princípios e teorias são muito cobrados nas provas objetivas. Quando se fala em aplicação da lei penal, devemos observar sua aplicabilidade no espaço (lugar) e no tempo (momento). Mas, para falarmos de sua incidência territorial e espacial, necessário que dispensemos prévia atenção ao princípio da legalidade, inclusive seus consectários, que está inserto na Constituição Federal e retratado no Código Penal. 2.1. DA LEGALIDADE4.

4 PROCURADOR DO BACEN – 2001 - ESAF 81- Indique, nas opções abaixo, dois princípios contidos no art. 1º do Código Penal:

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Tal princípio está inserto tanto na Constituição Federal, como também no Código Penal. Na Constituição Federal está previsto em seu artigo 5º, inciso XXXIX, e no Código Penal, no artigo 1º.

Código Penal. Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Constituição Federal (artigo 5º). XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Segundo o princípio da legalidade, a definição de crime só é possível por meio de LEI. O que deve ser respeitado também ao se estabelecer (cominar) a pena aplicável a tal fato criminoso. Assim, o princípio da legalidade se dirige à definição do crime como também à respectiva pena. Observamos, então, que o princípio da legalidade traz em si a necessidade de lei (reserva legal). A expressão LEI deve, no entanto, ser interpretada da forma mais estrita possível. Primeiramente, a lei que trata de direito penal deve ter origem no legislativo da União. Portanto, no Congresso Nacional. É o que preleciona o artigo 22 da Carta Política. No entanto, admite-se, excepcionalmente, que o legislativo Estadual (Assembléias Legislativas) legisle sobre direito penal. Para tanto, necessário que Lei Complementar autorize o Estado a legislar pontualmente sobre Direito Penal (artigo 22, parágrafo único, da Constituição Federal).

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA : Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

a) da legalidade e da anterioridade b) da reserva legal e da culpabilidade c) da proporcionalidade e da legalidade d) do duplo grau de jurisdição e da reserva legal e) da culpabilidade e do devido processo legal Gabarito oficial: A

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Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Além de ser de competência ordinária da União e, excepcional dos Estados, a Lei só será considerada como tal quando obedecer ao processo legislativo previsto na Constituição Federal para edição de LEI. Assim, ao se exigir LEI como instrumento para se tratar de Direito Penal, estamos excluindo a possibilidade de fazê-lo por meio de MEDIDAS PROVISÓRIAS e LEIS DELEGADAS, já que tais instrumentos, em que pese sua generalidade e imperatividade (qualidades de lei), não obedecem a processo legislativo previsto para edição de LEIS. Hoje pacífico o entendimento de que MEDIDA PROVISÓRIA não pode tratar de Direito Penal, pois com o advento da Emenda Constitucional 32 de 2001, proibiu-se expressamente a utilização de tal instrumento para dispor sobre várias matérias, dentre elas: DIREITO PENAL.

PROIBIÇÃO DE EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA : Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: b) direito penal, processual penal e processual civil;

Em suma, considera-se LEI, em sentido genuíno ou estrito, aquela que tem origem no legislativo da União, obedecido ao processo legislativo previsto para sua edição. Falamos, então, de LEI ORDINÁRIA OU COMPLEMENTAR. Quando se reserva à lei matéria de Direito Penal, diz-se que estamos diante do princípio da RESERVA LEGAL. Então, o princípio da reserva legal seria um princípio menor, mas não menos importante, que integra o princípio da legalidade. A exigência de LEI sintetiza o princípio da RESERVA LEGAL. Com isso, o princípio da legalidade passa a ser algo maior, isto é, não se resume à exigência de LEI.

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A LEI penal deve anteceder ao fato, pois o fato só pode ser considerado crime se há lei ANTERIOR que o defina como tal. Se não há lei anterior, não há como saber criminosa a conduta. Para a satisfação da LEGALIDADE, necessário que a LEI SEJA ANTERIOR AO FATO. Daí, concluímos que o princípio da LEGALIDADE é a exigência de LEI ANTERIOR para definir a conduta criminosa e cominar a respectiva penal. Portanto, o princípio da legalidade é integrado por dois princípios menores: RESERVA LEGAL e ANTERIORIDADE. Princípio da legalidade = reserva legal + anterioridade Alguns autores tratam como expressão sinônima de reserva legal a legalidade. Assim, para eles há o princípio da legalidade (lei) e o da anterioridade5. Autônomos e previstos tanto na constituição federal como no Código Penal. Então, para estes teríamos: LEGALIDADE e ANTERIORIDADE. Já vimos que se respeitar o princípio da reserva legal, necessário que o instrumento seja LEI ORDINARIA ou LEI COMPLEMENTAR. Eventualmente, lei estadual poderá tratar de direito penal. No que tange à anterioridade, a lei deve preexistir ao fato. Assim, só há crime quando o fato é praticado sob o império de lei que considere criminosa a conduta. Caso contrário, não se respeitaria o princípio da anterioridade. Necessitamos, então, saber quando foi praticado o crime para se saber qual a lei anterior, oportunidade em que, conhecendo-a, poderemos verificar se a conduta nela está prevista como crime.

5 PROCURADOR DO BACEN – 2001 - ESAF 81- Indique, nas opções abaixo, dois princípios contidos no art. 1º do Código Penal: a) da legalidade e da anterioridade b) da reserva legal e da culpabilidade c) da proporcionalidade e da legalidade d) do duplo grau de jurisdição e da reserva legal e) da culpabilidade e do devido processo legal Gabarito oficial: A

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Quando se fala em anterioridade e momento do crime, estamos falando de aplicação da lei penal no tempo. Então, logo após se falar dos princípios correlatos ao da legalidade, esse será o tema que nos ocupará. Quadro sinótico: Reserva Legal Lei ordinária ou complementar. Legalidade Anterioridade Excluídas: MP e Leis Delegadas Lei anterior ao fato 2.1.1. PRINCIPIOS CORELATOS. Há princípios que guardam relação íntima com o princípio da legalidade, mas que com ele não se confundem. Como a doutrina não é uniforme sobre o tema, trataremos dos mais interessantes, ou melhor, daquele em que há um certo consenso entre os doutrinadores. 2.1.1.1 – Princípio da fragmentariedade. O Direito penal deve tratar de ofensas a bens juridicamente relevantes a ponto de exigir a intervenção do Direito de Punir. Diante do todo, o legislador elegerá as condutas nocivas à sociedade que impõe a intervenção do Direito Penal. Portanto, podemos concluir que o Direito penal deve se ocupar daquilo que realmente é realmente grave. O remanescente, que apesar de nocivo, não é tão grave, exigirá a intervenção do Estado por outros meios que não seja através do exercício do direito de punir. 2.1.1.2 – Princípio da taxatividade. Para eficiência do princípio da legalidade ou da reserva legal, necessário que se imponha ao legislador o dever de, ao definir a conduta criminosa, se valer de conceitos o mais preciso possível.

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A previsão legal de tipos penais demasiadamente abertos, não permite que conheçamos a conduta ilícita. Assim, em respeito ao princípio da taxatividade, é deve do legislador descrever as condutas de forma precisa, clara, sob pena de ineficiência do princípio da legalidade. Pois, de nada adiantaria exigir a lei como instrumento e possibilitar a criação de crimes imprecisos. Crítica há, por exemplo, ao crime de gestão temerária previsto no parágrafo único do artigo 4º, da Lei 7492 de 1986.

Lei 7492 de 1986 – Crimes contra sistema financeiro. Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único. Se a gestão é temerária: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Não é possível se estabelecer o que é gestão temerária, máxime quando no sistema financeiro tenho casos em que a ousadia, o risco, é inerente à própria atividade. Portanto, a critica dirigida a tal dispositivo decorre de sua imprecisão. 2.2. DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO. Quando se fala em aplicação da lei penal no tempo, não podemos desprezar uma regra universal, isto é, “TEMPUS REGIT ACTUM”, ou seja, a LEI DO MOMENTO REGE OS FATOS OCORRIDOS EM SEU TEMPO. Assim, os fatos serão regidos pela lei que impera naquele momento. Aplicando-se essa regra, teremos respeitado o princípio da anterioridade. Todavia, para se aplicar a lei de seu tempo, necessário que saibamos quando ou em que momento foi praticado o crime. Para tanto lançaremos mão de três teorias. Teorias da ATIVIDADE, do RESULTADO e MISTA ou DA UBIQUIDADE. De acordo com a teoria da ATIVIDADE considera-se praticado o crime no momento em que foi praticada a CONDUTA (ação ou omissão), independentemente de quanto ocorrera o resultado. Já para a teoria do RESULTADO considera-se praticado o crime quando ocorre ou deveria ocorrer o resultado, independentemente de quanto ocorrera a conduta.

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Pela teoria mista, por sua vez, o crime ocorre tanto no momento da conduta, como no momento em que ocorre ou deveria ocorrer o resultado. De acordo com o que dispõe nosso legislador no artigo 4º do CP, a teoria sufragada por ele foi a teoria da ATIVIDADE. Assim, considera-se o momento do crime o momento da ação ou omissão. Observe a literalidade do dispositivo.

Tempo do crime Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Assim, por exemplo, o crime de homicídio é cometido no dia em que o agente desfere na vítima os golpes de faca, mesmo que o evento morte ocorra depois de certo tempo. Já que o crime é tido como cometido quando da conduta, independentemente de quando ocorrera o resultado, para se respeitar o princípio da anterioridade, necessário que a lei anteceda à conduta do agente. Atenção: Nos crimes permanentes, ou seja, naqueles em que a consumação se prolonga enquanto não cessa a atividade, aplica-se ao fato a lei que estiver em vigência quando cessada a atividade. O crime ocorre a todo o momento, enquanto não cessada a permanência. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de seqüestro e cárcere privado (artigo 148 do CP). Assim, será aplicada lei que estiver em vigência quando da soltura da vítima. Observa-se, então, o momento em que cessa a permanência para daí se estabelecer qual a norma a ser aplicada. Sobre os crimes permanentes observe a questão trazida em nota de rodapé6.

6 6 PGE SÃO PAULO (PROCURADOR DO ESTADO) 2002 FCC. 22- Em matéria de eficácia da lei penal no tempo, adotada a regra geral “tempus regit actum” (prevalência da lei do tempo do fato), a lei aplicável nos casos de crimes permanentes será a lei : a- vigente quando se iniciou a conduta ilícita do agente. b- mais benéfica, independente de quando se iniciou ou cessou a conduta. c- vigente quando cessou a conduta ilícita do agente. d- mais severa, independente de quando se iniciou ou cessou a conduta do agente. e- vigente quando da prolação da sentença.

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Da aplicação do princípio da anterioridade, levando-se em conta o momento em que o crime ocorre, isto é, a teoria da atividade, surge questões práticas interessantes, observe. Observe o caso em que “A”, em Campinas SP, desfere golpes de faca em “B” que, socorrido, é levado ao Hospital das Clínicas em São Paulo, aonde, depois de um mês, vem a falecer em decorrência dos ferimentos. Pensemos que entre a conduta e o resultado surja uma nova lei aplicando ao crime de homicídio pena mais grave. Neste caso, aplicar-se-á a lei da atividade (da conduta). Portanto, durante seu império, a lei regerá os atos praticados. Quando revogada, a lei deixa de regular os fatos futuros, já que fora de seu império. Entretanto, apesar de revogada, a lei ainda será aplicada a fatos ocorridos sob sua vigência, uma vez que a lei nova não pode retroagir, sob pena de afronta ao princípio da anterioridade. Diante do princípio da anterioridade, extraímos algumas regras a serem aplicadas quando da sucessividade de leis no tempo. A lei penal tem ultra-atividade, isto é, mesmo depois de revogada será aplicada a fatos ocorridos sob seu império. Se, por exemplo, um crime é cometido sob o império da lei A. A qual vem a ser revogada pela lei B, aplicar-se-á ao fato a lei A, mesmo que o fato só seja descoberto quando já vigente a lei B. Aqui, o princípio da anterioridade foi respeitado. Concluímos, então, que a lei penal é irretroativa, isto é, não se aplica aos fatos que lhe são pretéritos. Todavia, por mandamento constitucional, a regra é flexibilizada. Assim, será retroativa a lei nova que beneficiar o agente. Diz-se retroativa por produzirá efeito atingindo fatos que lhe são anteriores. Do que falamos, podemos concluir que a lei penal tem extra-atividade, isto é, mobilidade no tempo. Será ultra-ativa quando se aplica aos fatos praticados sob sua vigência mesmo que já revogadas. Mas, também terá retroatividade quando benéfica, oportunidade em que se aplica aos fatos que lhe são anteriores. Mobilidade da lei no tempo:

Gabarito oficial: C

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Ultra-atividade. Extra-atividade Retroatividade. 2.2.1. DA RETROATIVIDADE BENIGNA. A lei penal não tem efeito retroativo. Tal impossibilidade decorre do princípio da anterioridade. Se, para termos um crime e a respectiva pena é necessário que a lei anteceda ao fato, concluímos, então, que lei posterior ao fato não será a ele aplicado, uma vez que haveria afronta ao princípio da anterioridade. No entanto, a Constituição Federal vem flexibilizar essa regra em benefício do agente. De acordo com a Carta Política, a lei penal terá efeito retroativo - aplicando-se a fatos que lhe são anteriores (pretéritos), quando beneficiar o réu. É o que estatui o artigo 5º, inciso XL, da CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. O benefício da lei nova pode ser grandioso, ou seja, poderá ela não considerar mais criminoso fato que sob o império da lei anterior o era. Neste caso, há a conhecida “abolitio criminis”, ou abolição do crime. É o que ocorreu logo que entrou em vigência a lei 11.106/05. Os crimes de Sedução (artigo 217 do CP), Rapto consensual (artigo 220 do CP) adultério (artigo 240 do CP), dentre outros, passaram a não ser mais considerados como crimes. Portanto, trata-se de uma lei nova benéfica ao agente. Em outras oportunidades, todavia, o benefício pode não ser tão grandioso, mas, mesmo assim, a lei nova deve ser aplicada retroativamente. É o que ocorre, por exemplo, quando a lei nova prevê ao crime pena mais branda que aquela prevista anteriormente. 2.2.1.1. DA ABOLITIO CRIMINIS.

Lei penal no tempo Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

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Na abolitio criminis, a lei nova deixa de considerar como crime fato que sob o império da lei anterior era criminoso. A nova lei inova no ordenamento jurídico de forma extremamente benéfica ao agente. Assim, aquele que praticou tal fato sob a vigência da lei anterior, não mais responderá por ele. Com isso, é imperiosa a sua aplicação retroativa. Conseqüência: Cessa a execução penal e os efeitos penais decorrentes de eventual sentença condenatória. Portanto, se o agente foi condenado, estando cumprindo pena, cessar-se-á a execução da pena e também os efeitos penais reflexos (exemplo: reincidência). Observe, todavia, que os efeitos civis, como o dever de indenizar, são mantidos íntegros. Da aplicação retroativa da lei nova decorre a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE7 (item 6.1.3). Assim, constitui a abolitio criminis uma causa extintiva da punibilidade (artigo 107, III, do CP). Exemplo absolutamente atual é o que ocorreu com o crime de adultério (artigo 240 do CP) logo que entrou em vigor a lei 11.106/05. 2.2.1.2. DA NOVATIO LEGIS IN MELIUS8.

7 AUDITOR DO TRABALHO (FISCAL DO TRABALHO) ESAF – 2003 – Prova 2 26- A entrada em vigor de uma lei posterior que deixa de considerar determinado fato como criminoso exclui: a) somente a punibilidade. b) a ilicitude. c) a imputabilidade penal. d) somente a culpabilidade. e) a ilicitude, a imputabilidade penal e a culpabilidade, conforme o caso. Gabarito oficial: A 8 CGU – ANALISTA – CORREIÇÃO 2006 (ESAF) 41- A lei penal aplica-se retroativamente quando: a) a contravenção penal torna-se crime. b) o crime torna-se contravenção penal. c) a pena de detenção torna-se de reclusão. d) a pena de multa torna-se de detenção. e) ocorrer a prescrição da pretensão punitiva. Gabarito oficial: B

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Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Quando a nova lei beneficia o agente de qualquer modo sem que, contudo, passe a desconsiderar o fato como crime, não se tratando, portanto, de uma abolitio criminis, a sua aplicação retroativa também se impõe. O benefício aqui é qualquer outro que não seja a abolitio criminis. Há, no caso, uma nova lei em benefício. É o que ocorre, por exemplo, quando a nova lei prevê para o crime pena menor. Mesmo que o fato já tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado, a ele aplicar-se-á a lei nova mais benéfica. No entanto, só será possível estabelecer qual a lei mais benéfica quando diante do caso concreto. Lei posterior, segundo parte da doutrina, é inclusive aquela que, tendo sido publicada, ainda não entrou em vigência, pois em período de “vacatio”. No entanto, não deixa de ser considerada lei posterior. Sua aplicação retroativa, independe da vigência. Todavia, parece-me equivocada tal postura, pois se ainda não entrou em vigência não gerou a revogação da lei anterior. Se não há revogação, não posso aplicá-la retroativamente. 2.2.2. DA LEI EXCEPCIONAL E TEMPORÁRIA.

Lei excepcional ou temporária Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

As leis normalmente são feitas para duração por prazo indeterminado. Há, todavia, casos em que o legislador cria leis com vigência efêmera. São as denominadas leis intermitentes. Surge no ordenamento jurídico para tratar de situação anormal e transitória. Com isso, sua vigência é breve.

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É o que ocorre com as Leis excepcional e temporária previstas no artigo 3º do CP. A elas, todavia, não se aplica a regra da retroatividade benéfica, pois, daí, estaríamos instituindo a impunidade. Será EXCEPCIONAL a lei que tem sua vigência atrelada a uma situação anormal. No exato instante em que a situação de anormalidade cessa, ocorre a revogação da lei excepcional. É o que ocorre quando, diante da epidemia de dengue, o legislador estabelece que, durante a epidemia, àquele que deixar acumular água parada em sua propriedade será aplicada a pena de 1 a 2 anos de reclusão. Observe você que no exemplo dado o legislador atrela a vigência da lei à existência da situação anormal. Na TEMPORÁRIA, por sua vez, o legislador estabelece de forma certa o seu período de vigência. Estamos, então, tratando de situações anormais que, para o legislador, tem prazo certo para cessar. Assim, quando da edição da lei, o legislador estabelece de forma certa o seu período de vigência. Não fica ela atrelada à existência da situação anormal. O legislador, então, determina sua vigência, por exemplo, para durante o período das chuvas (outubro a março). Como são leis intermitentes, de vigência breve, os fatos cometidos sob seu império, mesmo depois de revogada, serão por ela regidos. Observe você que com a revogação da lei intermitente, o ordenamento jurídico volta a ser regido pela lei não intermitente. Aquela que não tratava das hipóteses anormais. Volta-se à normalidade, sendo certo que tal lei não prevê como criminosa a conduta que, de acordo com a lei intermitente, é ilícita. No entanto, após a revogação da lei intermitente, o ordenamento jurídico comum, mais benéfico ao agente, não retroage para atingir os fatos praticados sob o império da lei temporária ou excepcional. Estas, mesmo que prejudiciais, têm ultra-atividade. Aplicar-se-ão aos fatos ocorridos sob sua vigência mesmo depois de revogadas. Em suma: A Lei EXCEPCIONAL ou TEMPORÁRIA sempre se aplicará aos fatos ocorridos sob seu império. Assim, de regra, é ULTRA-ATIVA, isto é, mesmo que revogada será aplicada. No caso da temporária, é possível que a situação perdure por mais tempo que o previsto. Então, após sua revogação, o legislador edita uma nova lei temporária,

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tratando dos mesmos fatos e da mesma anormalidade, oportunidade em que estabelece uma pena menor. Esta nova lei, do mesmo quilate (status) da anterior, terá aplicação retroativa para atingir os fatos cometidos sob o império da outra lei. Atenção: não haverá ultra-atividade quando em confronto temporal leis temporárias, oportunidade em que a mais benéfica terá efeito retroativo. 2.2.3. DA NORMA PENAL EM BRANCO. Determinados tipos penais dependem de complemento para sua aplicação ou compreensão. Normalmente, trazem em sua descrição elementos que dependem de explicação (complemento). Não são, entretanto, poucas as oportunidades em que a explicação (o complemento) está prevista em outro instrumento que não seja lei, como, por exemplo, em ato administrativo. Tais tipos penais dependentes de complementos são conhecidos como tipos anormais9, dos quais decorre uma norma penal em branco. O comando que se extrai do tipo penal, isto é, a norma penal, depende de complemento para ser compreendido. Observe o que ocorre com o crime de prevaricação (artigo 319 do CP), cuja literalidade segue.

Prevaricação

9 TRIBUNAL DE CONTAS DO PI – (AUDITOR) 2005 – FCC (PROVA TIPO 1). 46 – Quando a descrição legal do tipo contém, além dos elementos objetivos referentes ao aspecto material do fato, outros, denominados elementos normativos do tipo ou elemento subjetivo do tipo, afirma-se na doutrina que se trata de um tipo: a- extensivo. b- anormal. c- ampliado. d- em branco. e- aberto. Gabarito oficial: B

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Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Trata-se de crime próprio, ou seja, que exige do agente uma qualidade especial, que, no caso, é ser funcionário público. E, não estando essa qualidade definida no próprio tipo penal, dependo saber o que é funcionário público, para compreender a norma penal. Dependo, portanto, do complemento que está previsto no artigo 327 do CP.

Funcionário público Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

A norma que se extraí do tipo penal que prevê o crime de prevaricação é uma norma penal em branco. Mas, a peculiaridade do crime de prevaricação não para aí. Observe, ainda, que para compreender o dispositivo necessito conhecer o que é ato de ofício. O tipo penal não explica o que é ato de ofício. Para tanto, devo me valer de conceito estabelecido em regulamentos administrativos. Agora, o complemento não está em lei penal, mas em instrumento outro. Para ilustrar, observe o crime de porte ilegal de entorpecentes (artigo 16 da lei de tóxico). A lei não define o que é entorpecente. Assim, para saber se houve ou não o crime, devo que me valer de um complemento de cunho administrativo que é a Portaria do Ministério da Saúde onde se define as substância ditas entorpecentes. Notamos, então que os complementos podem ou não estar em lei. Quando não estão, diz-se que a norma penal em branco é heterogênea; e quando previsto em lei, a norma penal em branco é conhecida como homogênea.

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O certo, entretanto, é que o COMPLEMENTO, legal ou não, deve preexistir ao fato. Assim, a ele também se aplica o principio da anterioridade. Como também a retroatividade benigna. No caso da substância entorpecente, se não consta como entorpecente o cloreto de etila, posso portá-lo sem que ocorra o crime. Mas, a partir do momento em que tal substância é conceituada como entorpecente pelo Ministério da Saúde, já não posso portá-la sem a devida autorização. Atenção: Quando o complemento tem a natureza de LEI EXCEPCIONAL ou TEMPORÁRIA, não se aplica a retroatividade benigna. Terá ele ultratividade. Observe no caso dos crimes contra a economia popular. O legislador estabelece que é crime desrespeitar tabelamento de preços. Quando surge a necessidade de tabelar, a tabela é um complemento que tem vigência efêmera. Sua revogação não proíbe a sua aplicação aos fatos ocorridos sob seu império. Portanto, aplicam-se as regras das leis intermitentes (TEMPORÁRIA OU EXCEPCIONAL). Por ser oportuno, abaixo segue uma questão da ESAF sobre a menoridade do agente como causa de exclusão da culpabilidade. Vamos resolvê-la. Veremos, aqui, que para resolver a questão vamos nos valer das regras atinentes à aplicação da lei penal no tempo. PROCURADOR DO BACEN – 2002 – ESAF. 84- Quanto à imputabilidade penal pode-se afirmar que: a) na hipótese de dúvida séria e fundada quanto à menoridade ou não do agente, deve-se optar pela responsabilização penal. b) se considera alcançada a maioridade penal a partir do dia em que o jovem completa os 21 anos, independentemente da hora do nascimento. c) se considera alcançada a maioridade penal a partir do dia em que o jovem completa os 18 anos, independentemente da hora do nascimento. d) se na véspera de completar 18 anos um jovem atira em alguém, e este entra em estado de coma, acabando por falecer meses depois, o autor do delito será responsabilizado criminalmente, pois o resultado morte aconteceu após a sua maioridade. e) ao jovem com idade inferior a 18 anos, que seja emancipado, não persiste a presunção legal de inimputabilidade. Gabarito oficial: C. Resolução. Para resolver a questão, basta se saber quando foi praticado o crime. Aplicada a teoria da atividade inserta no artigo 4º do CP, sabemos que o crime é cometido no momento da atividade. É, nesse momento, que aferiremos as hipóteses de inimputabilidade. Assim, se o agente pratica ação no dia em que completou seus 18 anos de idade, independentemente do horário de seu nascimento. Tem-se como cometido o crime quando já maior. Se, todavia, o

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crime ocorre antes do dia do 18º aniversário, menor o agente, independentemente de quando venha a ocorrer a consumação ou o resultado naturalístico. As alternativas que podem nos trazer dúvida são a “a” e a “e”. A letra “a” está incorreta, pois havendo dúvida sobre a maioridade, deve-se aplicar o brocardo jurídico “in dúbio pro reo”. Assim, opta-se pela não responsabilização. A emancipação não gera a maioridade penal. Aqui, o aspecto é primordialmente cronológico. A alternativa correta é a letra C.