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5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7 1 Células com Extensão Espacial: O Modelo do Cabo Para neurônios com extensão espacial, o potencial de membrana varia de ponto para ponto ao longo da célula, de maneira que ela não pode ser tratada como uma estrutura isopotencial. Um modelo que leve em consideração a geometria do neurônio deve ser construído. Boa parte de uma célula nervosa, seu axônio e dendritos, pode ser modelada por finos e longos cabos cilíndricos condutores de eletricidade revestidos por uma membrana isolante. Em particular, os dendritos costumam ser modelados como cabos elétricos passivos, ou seja, cujas condutâncias não dependem da voltagem. A teoria a ser desenvolvida aqui se aplica a eles. A propagação de corrente elétrica por cabos condutores cilíndricos foi estudada no Século XIX por Lord Kelvin e outros com o intuito de modelar a propagação do potencial elétrico nos cabos telegráficos submarinos que uniam a Grã-Bretanha aos Estados Unidos. A equação obtida por eles para descrever o comportamento do potencial elétrico ao longo de um cabo assim é conhecida como equação do cabo. Essa equação começou a ser usada na modelagem do fluxo de corrente em axônios por Matteucci e Herman, no início do Século XX, dando origem ao modelo conhecido como modelo do condutor central (Kernleitermodel em alemão, ou core conductor model em inglês). Nas décadas de 1960 e 1970, o modelo do condutor central foi aplicado com grande sucesso por Rall à modelagem da propagação de potenciais de membrana por dendritos passivos, dando origem aos modernos modelos quantitativos de neurônios individuais com estrutura espacial. Modelo do condutor cilíndrico para uma célula Como o sistema de coordenadas natural para a modelagem de um cabo cilíndrico é o sistema cilíndrico, no qual as coordenadas de um ponto no espaço são descritas pela tríade (r, θ, z), dá-se abaixo um desenho ilustrando este sistema de coordenadas.

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    Células com Extensão Espacial: O Modelo do Cabo

    Para neurônios com extensão espacial, o potencial de membrana varia de ponto para ponto

    ao longo da célula, de maneira que ela não pode ser tratada como uma estrutura

    isopotencial. Um modelo que leve em consideração a geometria do neurônio deve ser

    construído.

    Boa parte de uma célula nervosa, seu axônio e dendritos, pode ser modelada por finos e

    longos cabos cilíndricos condutores de eletricidade revestidos por uma membrana isolante.

    Em particular, os dendritos costumam ser modelados como cabos elétricos passivos, ou

    seja, cujas condutâncias não dependem da voltagem. A teoria a ser desenvolvida aqui se

    aplica a eles.

    A propagação de corrente elétrica por cabos condutores cilíndricos foi estudada no Século

    XIX por Lord Kelvin e outros com o intuito de modelar a propagação do potencial elétrico

    nos cabos telegráficos submarinos que uniam a Grã-Bretanha aos Estados Unidos. A

    equação obtida por eles para descrever o comportamento do potencial elétrico ao longo de

    um cabo assim é conhecida como equação do cabo.

    Essa equação começou a ser usada na modelagem do fluxo de corrente em axônios por

    Matteucci e Herman, no início do Século XX, dando origem ao modelo conhecido como

    modelo do condutor central (Kernleitermodel em alemão, ou core conductor model em

    inglês). Nas décadas de 1960 e 1970, o modelo do condutor central foi aplicado com

    grande sucesso por Rall à modelagem da propagação de potenciais de membrana por

    dendritos passivos, dando origem aos modernos modelos quantitativos de neurônios

    individuais com estrutura espacial.

    Modelo do condutor cilíndrico para uma célula

    Como o sistema de coordenadas natural para a modelagem de um cabo cilíndrico é o

    sistema cilíndrico, no qual as coordenadas de um ponto no espaço são descritas pela tríade

    (r, θ, z), dá-se abaixo um desenho ilustrando este sistema de coordenadas.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    Hipóteses do modelo (para uma discussão mais detalhada dessas hipóteses, recomenda-se

    a leitura do capítulo 2 do livro de Koch (1999), indicado na Bibliografia):

    1. Os campos magnéticos podem ser desconsiderados.

    2. A membrana celular é uma fronteira anular cilíndrica que separa dois condutores de

    corrente elétrica, as soluções intracelular e extracelular, que serão consideradas como

    homogêneas, isotrópicas e obedecendo à lei de Ohm.

    3. Todas as variáveis elétricas têm simetria cilíndrica, ou seja, não dependem do ângulo θ

    (veja a figura acima).

    4. As correntes nos condutores externo e interno fluem apenas na direção longitudinal z.

    A corrente pela membrana flui apenas na direção radial r.

    5. Em uma dada posição longitudinal z ao longo da célula, os condutores interno e externo

    são equipotenciais. Portanto, a única variação de potencial na direção radial r acontece

    através da membrana.

    A partir dessas hipóteses, pode-se construir um modelo como o ilustrado na figura a

    seguir.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    Variáveis usadas para descrever as propriedades elétricas do modelo: • ( )tzie , = corrente total fluindo longitudinalmente na direção positiva de z pelo condutor

    externo (unidades: µA).

    • ( )tzii , = corrente total fluindo longitudinalmente na direção positiva de z pelo condutor

    interno (unidades: µA).

    • ( )tzJm , = densidade de corrente de membrana fluindo do condutor interno para o

    externo (unidades: µA/cm2).

    • ( )tzKm , = corrente de membrana por unidade de comprimento fluindo do condutor

    interno para o externo (unidades: µA/cm).

    • ( )tzKe , = corrente por unidade de comprimento devida a fontes externas fluindo

    radialmente pelo condutor externo (unidades: µA/cm). A inclusão desta corrente nos

    permite representar a corrente aplicada por eletrodos externos à superfície da célula.

    Um termo similar também poderia ser adicionado para representar a corrente radial

    aplicada por eletrodos internos.

    • ( )tzVm , = Potencial de membrana, definido como o potencial no interior da célula

    menos o potencial no exterior (unidades: mV).

    • ( )tzVi , = Potencial do condutor interno (unidades: mV).

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    • ( )tzVe , = Potencial do condutor externo (unidades: mV).

    • re = Resistência específica por unidade de comprimento do condutor externo (unidades:

    Ω/cm).

    • ri = Resistência específica por unidade de comprimento do condutor interno (unidades:

    Ω/cm).

    • a = Raio do anel cilíndrico.

    Para se lembrar do significado das resistências específicas por unidade de comprimento,

    pense num condutor cilíndrico de comprimento l e área da base A; a sua resistência R pode

    ser escrita como: rlAlR == ρ . Portanto, r = ρ/A. (unidades de ρ: Ω.cm; unidades de r:

    Ω/cm). r é uma resistência por unidade de comprimento.

    A partir dessas variáveis, podemos construir um modelo de circuito elétrico equivalente

    para o modelo do cilindro condutor:

    As variáveis elétricas têm que obedecer às leis de Kirchoff, assim como à lei de Ohm.

    Aplicando a lei da corrente de Kirchoff para o nó (a):

    ( ) ( ) ( ) ztzKtzzitzi mii Δ+Δ+= ,,, . (1)

    Para tornar mais clara a relação entre o modelo de circuito elétrico e a geometria do

    modelo do condutor cilíndrico, considere o desenho abaixo:

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    O desenho mostra um detalhe do condutor interno para o cálculo da lei das correntes de

    Kirchoff para o nó (a), Equação (1). A corrente longitudinal fluindo pelo meio interno que

    passa pela “tampa” em z do cilindro acima é ( )( )tzii , e a que passa pela “tampa” em z + Δz

    é ( )( )tzzii ,Δ+ . A corrente que passa radialmente pela superfície do cilindro é indicada pela

    densidade de corrente de membrana ( )( )tzJm , , de maneira que a corrente total passando

    pela membrana pode ser expressa como:

    ( ) ( ) ( ) .,, 2, ztzKtzJzatzi mmm Δ=Δ= π

    A Equação (1) representa o fato de que a carga não se acumula no elemento de volume

    cilíndrico: a soma das correntes que entram e que saem do elemento cilíndrico tem que ser

    zero: ( ) ( ) ( )tzitzzitzi mii ,,, +Δ+= .

    A lei da corrente de Kirchoff aplicada ao nó (d) nos dá:

    ( ) ( ) ( ) ( ) .,,,, ztzKtzziztzKtzi eeme Δ+Δ+=Δ+ . (2) Aplicando a lei de Ohm ao pedaço de circuito entre (a) e (b):

    ( ) ( ) ( )tzzizrtzzVtzV iiii , . ,, Δ+Δ=Δ+− . (3)

    Esta equação também pode ser interpretada em termos do desenho para um pedaço do

    condutor interno feito acima. Lembrando que a resistência do pedaço condutor deve ser

    2azR ii πρΔ= , onde ρi é a resistividade do meio interno (citoplasma): 2az

    Rr iii πρ

    =

    e

    ( ) ( ) ( ) ( )., ,,, tzzizrtzziRtzzVtzV iiiiii Δ+Δ=Δ+=Δ+−

    Aplicando a Lei de Ohm também para o pedaço de circuito externo entre (d) e (c):

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    ( ) ( ) ( )., ,, tzzizrtzzVtzV eeee Δ+Δ=Δ+− (4)

    Rearranjando os termos nas equações (1), (2), (3) e (4) e dividindo por Δz:

    ( ) ( ) ( )tzKz

    tzitzzim

    ii ,,, −=Δ

    −Δ+; (5)

    ( ) ( ) ( ) ( )tzKtzK

    ztzitzzi

    emee ,,,, −=

    Δ

    −Δ+; (6)

    ( ) ( ) ( )tzzir

    ztzVtzzV

    iiii ,,, Δ+−=

    Δ−Δ+

    ; (7)

    ( ) ( ) ( )tzzir

    ztzVtzzV

    eeee ,,, Δ+−=

    Δ−Δ+

    . (8)

    Tomando o limite Δz → 0 nas equações acima obtemos equações diferenciais que

    expressam a relação entre corrente e voltagem para todos os pontos do modelo do

    condutor cilíndrico.

    ( ) ( )tzKztzi

    mi ,, −=∂

    ∂; (9)

    ( ) ( ) ( )tzKtzKztzi

    eme ,,, −=∂

    ∂; (10)

    ( ) ( )tzirztzV

    iii ,, −=∂

    ∂; (11)

    ( ) ( )tzirztzV

    eee ,, −=∂

    ∂. (12)

    As equações (9) e (10) indicam que as variações nas correntes longitudinais externa e

    interna são causadas pela corrente radial (pela membrana ou pelo meio externo) por

    unidade de comprimento.

    Já as equações (11) e (12) expressam as relações entre potencial e corrente para os meios

    intra- e extra-celular.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    O potencial de membrana em um ponto z do condutor cilíndrico em um dado instante de

    tempo t é definido por:

    ( ) ( ) ( )tzVtzVtzV eim ,,, −= (potencial dentro menos potencial fora).

    Tomando a derivada parcial de ( )tzVm , em relação a z:

    ( ) ( ) ( )ztzV

    ztzV

    ztzV eim

    ∂−

    ∂=

    ∂ ,,,

    Substituindo nesta equação as equações (11) e (12),

    ( ) ( ) ( )tzirtzirztzV

    eeiim ,,, +−=∂

    ∂. (13)

    Note o que a Equação (13) nos diz: que a variação do potencial de membrana se dá no

    sentido oposto ao do fluxo de corrente interna e no mesmo sentido do fluxo de corrente

    externa ao condutor. Isto decorre do fato de se ter definido o potencial de membrana como

    o potencial dentro da célula menos o potencial fora da célula.

    Seria desejável, no entanto, ter uma equação que relacionasse o potencial de membrana Vm

    à corrente passando através da membrana Km. Esta equação pode ser obtida da seguinte

    maneira:

    Tome a derivada da Equação (13) em relação a z,

    ( ) ( ) ( )ztzir

    ztzir

    ztzV i

    ie

    em

    ∂−

    ∂=

    ∂ ,, , 2

    2

    .

    Substitua nesta equação as equações (9) e (10),

    ( ) ( ) ( )( ) ( )

    ( ) ( ) ( ) ( ).,,,

    ,,,,

    2

    2

    2

    2

    tzKrtzKrrztzV

    tzKrtzKtzKrztzV

    eemiem

    miemem

    −+=∂

    ∂⇒

    ⇒+−=∂

    (14)

    A Equação (14) incorpora as equações (9), (10), (11) e (12). Ela é chamada de equação do

    cilindro condutor, pois representa uma síntese do modelo do condutor cilíndrico proposto

    para modelar a célula.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    8

    A Equação (14) é completamente geral, independente das propriedades elétricas da

    membrana (capacitância, resistência etc.). Combinando o modelo construído aqui com o

    construído na aula 5 para uma membrana passiva temos o seguinte esquema.

    Neste desenho:

    - gm = condutância específica da membrana por unidade de comprimento (unidades:

    S/cm);

    - cm = capacitância específica da membrana por unidade de comprimento (unidades:

    F/cm).

    Note que gm = Gm.πa = (1/Rm).πa e que cm = Cm.πa, onde Gm é a condutância específica da

    membrana por unidade de área (unidades: S/cm2), Rm é a resistência específica da

    membrana por unidade de área (unidades: Ωcm2) e Cm é a capacitância específica da

    membrana por unidade de área (unidades: F/cm2).

    A corrente de membrana por unidade de comprimento, ( )tzKm , , pode ser escrita como:

    ( ) ( ) ( )( )rep,, , VtzVgttzVcKKtzK mmmmRmCmm −+∂

    ∂=+= . (15)

    Substituindo esta equação na equação do cilindro condutor, Equação (14), temos uma

    combinação dos dois modelos construídos até o momento:

    ( ) ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( )tzKrVtzVmgrrttzVmcrr

    ztzVm

    eemiemie ,, , , rep2

    2

    −−++∂

    ∂+=

    ∂. (16)

    Esta é a chamada Equação do Cabo.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

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    Definindo duas constantes:

    mmm

    m CRgc ==τ (constante de tempo)

    e

    ( ) mie grr += 1λ (constante de espaço),

    a equação do cabo pode ser reescrita como:

    ( ) ( ) ( ) ( )tzkrVtzVmttzVm

    ztzVm

    ee ,,,, 2

    rep2

    22 λτλ −−+

    ∂∂

    =∂

    ∂. (17)

    Como já visto antes, a constante de tempo τ não depende das dimensões da célula. Isto

    quer dizer que a constante de tempo é a mesma para células grandes ou pequenas feitas

    com uma membrana do mesmo material.

    Já a constante de espaço λ depende das dimensões da célula. Para ver isso, vamos assumir,

    por simplicidade, que re

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    10

    A constante espacial determina quão rapidamente o potencial varia ao longo do cabo

    (dimensão z), enquanto que a constante de tempo determina quão rapidamente o potencial

    varia ao longo do tempo t.

    A equação do cabo é uma equação diferencial parcial de primeira ordem no tempo e de

    segunda ordem no espaço, de mesmo tipo que a equação de difusão. A sua solução permite

    que se calcule o potencial de membrana para cada ponto da membrana de um neurônio a

    partir de uma distribuição espacial inicial de voltagem (condição inicial, V(z, t) = V(z, 0)) e

    de condições de contorno apropriadas impostas. As condições de contorno especificam o

    que acontece com o potencial de membrana em um nó, onde o cabo se ramifica, ou em um

    terminal, onde ele acaba.

    Concretamente, em um nó de ramificação o potencial V deve ser contínuo e a corrente

    longitudinal (ao longo do cabo) deve ser conservada, de maneira que a corrente chegando

    em um nó deve ser igual à corrente saindo pelos ramos partindo do nó. Já em um terminal,

    as condições de contorno são diferentes. Por exemplo, uma condição de contorno razoável

    para um terminal é a de que não deve haver fluxo de corrente longitudinal para fora do

    terminal.

    Soluções da Equação do Cabo para Alguns Casos Vamos assumir que re

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    11

    Após um período inicial em que a voltagem V se comporta de forma transiente, vamos

    supor que ela atinge um estado estacionário em que os valores de V ao longo do espaço

    não variem mais no tempo pelo restante do período em que a corrente constante

    permanecer aplicada. Neste caso, podemos escrever V(z, t) = V(z).

    Neste caso, podemos desprezar a parte temporal da equação do cabo e obter a sua versão

    estacionária (note que agora a derivada parcial em relação a z vira uma derivada total),

    022

    2 =−VdzVd

    λ . (19)

    A solução geral para esta equação diferencial ordinária pode ser expressa na forma (teste

    que ela é de fato solução derivando-a duas vezes e substituindo na equação): λλ //)( zz BeAezV += − , (20)

    onde as constantes A e B dependem das condições de contorno. Vamos considerar dois

    casos com condições de contorno diferentes, o caso do cabo semi-infinito, que se estende

    de z = 0 a z = ∞, e o caso do cabo finito, que se estende de z = 0 a z = l.

    Cabo semi-infinito

    Vamos supor para este caso que, para z = 0, V está fixo em V0. Para garantir que o

    potencial permaneça finito à medida que a distância z vá para o infinito, deve-se fazer a

    constante B igual a zero em (20). Desta forma, a solução final para este caso é (note que A

    deve ser igual a V0) λ/

    0)(zeVzV −= . (21)

    Esta solução deixa claro porque λ é chamada de constante de espaço, a voltagem é

    atenuada exponencialmente com a distância de acordo com λ.

    Por outro lado, poderíamos ter considerado que a corrente em z = 0 é mantida em um valor

    constante I0. Da Equação (13), temos que

    ( ) ( )zirdzzVd

    iim −=

    . (22)

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    12

    Substituindo (20) nesta equação (de novo, fazendo B = 0) e considerando que quando z =

    0, ii = I0, obtemos:

    λλz

    i eIrzV−

    = 0)( . (23)

    Define-se a resistência de entrada de um cabo como o potencial no estado estacionário

    dividido pela corrente constante injetada. Portanto, para z = 0 a resistência de entrada vale,

    ii rIIr

    IVR λ

    λ===

    0

    0

    0in

    )0(,

    ou

    imim

    i

    mi Rd

    Ra

    Raa

    R ρπ

    ρπρπ

    ρ23232in

    22

    12

    === . (24)

    A condutância de entrada para o cabo semi-infinito é, portanto:

    imRdGρ

    π

    2

    23

    in = . (25)

    Estas quantidades, resistência e condutância de entrada de uma célula, são úteis para a

    construção de modelos biofisicamente detalhados de neurônios (como veremos mais

    adiante).

    Cabo finito

    Vamos supor de novo para este caso que V(0) = V0. Com relação à outra

    extremidade do cabo, existem várias possíveis condições de contorno. Três delas são: (i) Extremidade selada, em que nenhuma corrente longitudinal pode passar pela

    extremidade, de maneira que (dV/dx)|x=l = 0;

    (ii) Curto circuito ou extremidade aberta, em que o valor da voltagem na extremidade

    está fixo em 0 para permitir a passagem de qualquer corrente;

    (iii) Extremidade com vazamento, que é uma mistura das duas anteriores em que alguma

    corrente pode passar, mas não toda.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    13

    Para facilitar a análise e evitar as divisões por λ nas exponenciais, é conveniente passar

    para a variável adimensional Z ≡ z/λ. A variável Z é chamada de distância eletrotônica ao

    longo do cabo. Nesta nova variável, a solução (20) fica escrita como ZZ BeAeZV += −)( . (26)

    Outra variável adimensional útil é o chamado comprimento eletrotônico do cabo: se um

    cabo tiver comprimento l e constante de espaço λ, o seu comprimento eletrotônico L é

    definido como a razão entre o seu comprimento e a sua constante de espaço: L = l/λ. Note

    que na extremidade do cabo Z = L.

    Para a condição de extremidade selada, a condição de contorno fica (lembre-se que

    def(x)/dx = (df(x)/dx).ef(x)):

    LLL

    LZ

    AeBBeAedZdV 20 −−

    =

    =⇒=+−= .

    Substituindo este resultado na equação (26), ( )( ) )cosh(2)( ZLAeeeAeZV LZLZLL −=+= −−−−− ,

    onde se usou a identidade cosh(x) = (ex + e-x)/2. Usando agora a condição V(0) = V0,

    )cosh(2)cosh(2 00 L

    eVALAeVL

    L =⇒= − .

    Substituindo este valor de A na equação para V(Z), chegamos à solução final para este caso

    )cosh()cosh()( 0

    LZLVZV −= . (27)

    Para a condição de extremidade em curto-circuito ou aberta, as condições de contorno são

    V(L) = 0 e V(0) = V0, de maneira que um cálculo similar ao feito acima resulta na solução,

    )senh()senh(

    )( 0LZLV

    ZV−

    = , (28)

    onde se usou a identidade senh(x) = (ex - e-x)/2.

    Exercício: Deduza a expressão da Equação (28).

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    14

    A figura abaixo mostra o comportamento de V(Z) para as três situações estudadas, cabo

    semi-infinito (equação 23), cabo finito com extremidade selada (equação 27) e cabo finito

    com extremidade em curto-circuito ou aberta (equação 28). Nos casos dos cabos finitos,

    com extremidade selada e extremidade aberta, usou-se L = 1. Note que a condição de

    extremidade selada implica numa atenuação menos acentuada que a condição de cabo

    infinito, enquanto que a condição de extremidade aberta implica numa atenuação mais

    acentuada.

    Bibliografia:

    • Koch, C., Biophysics of Computation: information processing in single neurons.

    Oxford University Press, Oxford, 1999.

    • Rall, W. and Agmon-Snir, H., Cable theory for dendritic neurons. In: Koch, C. and

    Segev, I., Methods in Neuronal Modeling: from ions to networks. (2nd Ed.), MIT Press,

    Cambridge, MA, 1998. Chapter 2, pp. 27-92.

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    15

    Apêndice 1: Resistência de entrada para o cabo finito

    A definição operacional de resistência de entrada é a seguinte: insere-se na membrana de

    uma célula um eletrodo que injeta corrente Ii e, a uma distância pequena comparada com

    λ, insere-se outro eletrodo para medir a voltagem de membrana. No limite em que a

    distância entre os dois eletrodos vai para zero, podemos escrever,

    )()(zIzVR

    iin = .

    Como visto acima, a resistência de entrada para o cabo semi-infinito é

    imi RdrR ρ

    πλ 23in

    2== .

    Note que a resistência de entrada do cabo semi-infinito é constante para todo o cabo

    infinito e homogêneo. Vamos passar a escrevê-la como R∞:

    imi RdrRR ρ

    πλ 23in

    2==≡ ∞∞ .

    De maneira equivalente, temos a condutância de entrada do cabo semi-infinito:

    imi Rd

    rG

    ρ

    πλ 21 23==∞ .

    Para a situação mais realista de um cabo finito, podemos calcular a sua resistência de

    entrada da maneira apresentada a seguir:

    Da equação (13) temos,

    ( ) ( )zirdzzVd

    ii−=

    ,

    que implica que,

    ( ) ( )⎟⎠

    ⎞⎜⎝

    ⎛−=dzzVd

    rtzi

    ii

    1, .

    Escrevendo esta equação em termos de Z = z/λ (dz = λdZ):

    ( ) ( )⎟⎠

    ⎞⎜⎝

    ⎛−=dZZVd

    rtzi

    ii

    1,λ .

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    16

    Lembrando que riλ é a resistência de entrada de um cabo semi-infinito com as mesmas

    características do nosso cabo finito, podemos escrever,

    ( ) ( )⎟⎠

    ⎞⎜⎝

    ⎛−= ∞ dZZVdGtzii

    , . (A1)

    Em particular, supondo que a corrente é injetada no ponto Z = 0,

    ( )⎟⎟⎠

    ⎞⎜⎜⎝

    ⎛−=

    =∞

    00

    ZdZZVdGI . (A2)

    A partir desta equação pode-se deduzir uma expressão para a condutância (e a resistência)

    de entrada de um cabo finito. Por exemplo, para o caso de um cabo com extremidade

    selada para o qual, segundo a equação (27),

    )cosh()cosh()( 0

    LZLVZV −= ,

    obtemos, derivando esta expressão (lembre-se que dcosh(x) = senh(x)),

    ( )( )

    ( )LVGLLVGI tanh

    coshsenh

    000 ∞∞ == ,

    o que nos dá,

    ( )LGVIG tanh0

    0in ∞== , (A3)

    e, para Rin,

    ( )LRIVR coth0

    0in ∞== . (A4)

    Um raciocínio análogo nos dá, para a condição de extremidade aberta em que V(Z) é dado

    pela equação (28),

    ( )LGG cothin ∞= (A5) e

    ( )LRR tanhin ∞= . (A6)

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    17

    Apêndice 2: Solução para o cabo finito com extremidade com vazamento

    Para a condição de extremidade com vazamento, fica mais conveniente escrever a solução

    geral (equação 26) na forma,

    ( ) ( )ZLBZLBZV −+−= senhcosh)( 21 , (A7) que pode ser obtida de (26) usando as definições de cosh(z) e senh(z),

    ( ) ( )2

    senh ;2

    coshzzzz eezeez

    −− −=

    +=

    e fazendo A = (B1 – B2)/2 e B = (B1 + B2)/2.

    Aplicando as condições de contorno, V(0) = V0 e V(L) = VL à equação (A7), obtemos

    (mostre como exercício),

    ( ) ( ) ( )( )L

    ZVZLVZV L

    senhsenhsenh0 +−= . (A8)

    A corrente que vaza pelo cabo em Z = L é dada por,

    L

    LL RVi = .

    Com o auxílio da equação (A1), ela também pode ser escrita como,

    ( )LZ

    L dZtZVd

    Ri

    =∞

    −=, 1

    .

    Igualando as duas expressões para iL:

    LZ

    LL dZ

    tZdVRRV

    =∞−=

    ),(. (A9)

    De (A8) temos,

    )senh()cosh(0

    LLVV

    dZdV L

    LZ

    +−=

    =,

    que substituída em (A9) nos dá,

    ⎥⎦

    ⎤⎢⎣

    +=

    ∞ )cosh()senh(0 LRLR

    RVVL

    LL . (A10)

  • 5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 7

    18

    Substituindo (A10) em (A8) e utilizando algumas identidades para as funções

    trigonométricas hiperbólicas (senh(a-b) = senh(a)cosh(b) – senh(b)cosh(a); cosh(a-b) =

    cosh(a)cosh(b) – senh(a)senh(b); senh2(a) + cosh2(a) = 1), obtemos finalmente:

    ( )( ) ⎥⎦

    ⎤⎢⎣

    +

    −+−=

    )senh()cosh()senh()cosh()( 0 LRRLZLRRZLVZV

    L

    L. (A11)

    Esta é a solução geral para a voltagem de estado estacionário em um pedaço de cabo finito

    de comprimento eletrotônico L.

    A partir dela podemos deduzir uma expressão para a resistência de entrada do cabo finito.

    A resistência de entrada, Rin, é definida como

    0in I

    VR = .

    Usando a equação (A1),

    ( )0

    0, 1

    =∞

    −=ZdZ

    tZVdR

    I .

    Derivando (A11) em relação a Z, depois fazendo Z = 0 e substituindo na equação acima,

    obtemos:

    ⎥⎦

    ⎤⎢⎣

    +

    +=

    ∞∞ )tanh(

    )tanh(LRRLRRRR

    L

    Lin . (A12)

    As equações (A11) e (A12) são as expressões gerais para a voltagem e a resistência de

    entrada de um cabo finito. Note que as soluções particulares para V(Z) e Rin para a

    extremidade fechada e a extremidade aberta podem ser obtidas a partir de (A11) e (A12)

    fazendo RL igual a ∞ ou 0, respectivamente. Além disso, no limite em que L → ∞

    recuperamos as equações para o caso do cabo semi-infinito.