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Autonomia Contratualização e Município Actas do Seminário realizado em 24 de Maio de 2000, no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho Coordenação de Joaquim Machado, João Formosinho e António Sousa Fernandes Centro de Formação de Associação de Escolas Braga/Sul ________________________________ Braga 2000

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Autonomia

Contratualização

e Município

Actas do Seminário realizado em 24 de Maio de 2000,

no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho

Coordenação

de

Joaquim Machado, João Formosinho e António Sousa Fernandes

Centro de Formação de Associação de Escolas Braga/Sul ���������������������������������������������������������������� ��������������������������������������������������������

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Esta publicação é co-financiada pelo Estado Português e pelo Fundo Social Europeu

Ministério da

Fundo Social Europeu

UNIÃO EUROPEIA

3

ÍÍNNDDIICCEE

Apresentação 5

RELAÇÃO AUTARQUIA/ESCOLA OU SUA ADMINISTRAÇÃO 9

Jorge Martins

O MUNICÍPIO E A ESCOLA PRIMÁRIA NO SÉC. XIX 19

José V. Capela

MUNICÍPIOS E ESCOLAS NORMATIVIZAÇÃO E CONTRATUALIZAÇÃO

DA POLÍTICA EDUCATIVA LOCAL 33

António Sousa Fernandes

A AUTONOMIA DAS ESCOLAS: LÓGICAS TERRITORIAIS E LÓGICAS AFINITÁRIAS 45

João Formosinho

A INTERVENÇÃO DOS MUNICÍPIOS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO 53

MUDAR A ESCOLA, MUDAR OS MUNICÍPIOS 55

Nuno Alpoim

JARDINS, ESCOLAS E MUNICÍPIO 57

João Nogueira

MUNICÍPIOS E AUTONOMIA DAS ESCOLAS 67

Rómulo de Sousa

QUE PAPEL PARA OS CONSELHOS LOCAIS DE EDUCAÇÃO? 87

António Esteves

DOMÍNIOS DE INTERVENÇÃO DOS MUNICÍPIOS 103

Manuela Marques

4

5

Apresentação

A acção dos municípios no domínio da educação vem assumindo uma

importância cada vez maior à medida que se aprofundam as políticas de

territorialização educativa e se procura uma reformulação organizacional que envolva

a educação pré-escolar e o primeiro ciclo do ensino básico em plano de igualdade com

os outros ciclos e níveis de educação e ensino. A implementação do regime de

autonomia e administração das escolas assume, pois, um papel central na agenda

política governamental.

Ao abordar o tema da Relação Autarquia/Escola ou sua Administração,

Jorge Martins faz incidir o olhar sobre a aprendizagem organizacional que as

autarquias vêm fazendo no Portugal democrático, impulsionadas quer pelo

alargamento das competências dos municípios no âmbito da educação quer pelos

processos de reestruturação interna que esse alargamento tem exigido, e destaca

importantes passos a dar ainda nos vários níveis de educação e ensino. São

realçados, assim, problemas e desafios importantes, como os das instalações, do

equipamento, do mobiliário, do material didáctico, do serviço de refeições, da

componente sócio-educativa e do período de funcionamento dos primeiros níveis da

educação básica.

Estes desafios envolvem verbas e investimentos, assim como exigem que a

educação seja considerada uma prioridade política da acção dos municípios e

emprestam pertinência à ideia de um «Projecto Educativo do Município» e ao lema

das «cidades educadoras», cuja utopia pode constituir farol orientador de uma política

educativa global. Assim, pelo menos a nível da retórica oficial, a descentralização

parece estar em marcha.

Foi um código descentralizador aquele que, em finais do século XIX, presidiu à

reforma da instrução pública primária de Rodrigues Sampaio. Em O Município e a

Instrução Primária no Século XIX, José V. Capela considera-a mesmo «a maior

experiência descentralizadora da Administração Pública e da Administração Municipal

e com elas da Administração do Ensino» até à instalação de um novo poder municipal

no Portugal democrático do terceiro quartel do século XX. A haver lições a tirar da

história, desta «aproximação financeira à Reforma de António Rodrigues Sampaio (Os

investimentos nos concelhos do Distrito de Braga)» importa reter os aspectos e as

realizações essenciais da reforma de Rodrigues Sampaio, bem como as suas

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insuficiências, sem, no entanto, sobrepor os contextos em que as políticas se

desenvolvem e sem fixação em críticas paralisadoras da acção inovadora. No

imaginário pedagógico português pairam, com efeito, alguns fantasmas que a história

explicará, sem dúvida, mas cuja explicitação contribuirá para ajuizar das condições em

que certas concretizações históricas se desenvolveram, bem como das

potencialidades que foram exploradas, mesmo em tempos de pouca autonomia local.

Surge-nos hoje um cenário em que os municípios desenvolvem um trabalho de

qualidade reconhecida em certos domínios e mostram capacidade para assumir novas

competências no que respeita à educação básica em geral. Em Normativização e

Contratualização da Política Educativa Local, António Sousa Fernandes aborda a

intervenção dos municípios na educação, contrapondo à perspectiva do estado

democrático centralizado a do estado democrático descentralizado. Nesta perspectiva

cabe ao Estado um papel regulador e estimulador da iniciativa local e reconhece-se a

esta a legitimidade própria para intervir nos processos educativos integrando-os numa

política educativa local. As normas reguladoras emitidas pelo Estado, os

financiamentos disponibilizados e as práticas desenvolvidas pelos municípios e pelas

escolas constituem indicadores elucidativos do crescimento progressivo da

intervenção municipal na educação, ultrapassando mesmo as definições legais das

suas atribuições educativas.

A evolução das políticas educativas locais e a cooperação entre os agentes

educativos locais, bem como a sua estimulação pelo governo central, têm contribuído

para a diluição de antagonismos e compartimentações próprias dos sistemas

centralizados. As relações entre a administração central, as escolas e as autarquias

continuam, no entanto, marcadamente assimétricas, pelo que se torna necessária a

exploração de vias, como o Conselho Local de Educação, que possibilitem a

concretização de políticas educativas locais e de uma relação mais equilibrada.

É esta percepção da administração pública como um sistema (ainda)

centralizado que leva João Formosinho a equacionar os conceitos de Participação,

Autonomia e Territorialização e questionar o interesse do Estado na autonomia das

escolas e na participação dos agentes locais, avançando com razões explicativas para

esse interesse. Assumindo as vantagens da autonomia como instrumento ao serviço

de uma educação de melhor qualidade para as crianças e os jovens, assina-lhe riscos

e estabelece contrapontos. De entre os riscos da retórica da autonomia, realça as

questões dos recursos financeiros e da capacidade dos agentes locais como condição

de possibilidade do seu exercício, da eventual utilização da autonomia como pretexto

de defesa de interesses «bairristas» ou «corporativos», da definição do conteúdo do

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serviço público de educação prestado pelo sistema público de educação e do perigo

de acentuação das desigualdades existentes entre as escolas. Como contrapontos,

traz à colação uma concepção da escola como comunidade educativa – implicando

não só a participação dos pais e outros agentes locais mas também a prestação de

contas, entendida como avaliação integrada nos programas de acção –, uma

regulação externa que preveja instrumentos capazes de ligar o grau de autonomia ao

grau de desenvolvimento organizacional das escolas e uma lógica territorial da acção

educativa condimentada com lógicas afinitárias dos profissionais de educação e

ensino em torno de modelos pedagógicos e de projectos.

É, pois, tempo, de equacionar os horizontes que se nos apresentam, os

desafios com que nos defrontamos e as linhas de rumo que queremos traçar para bem

das crianças que os nossos jardins e as nossas escolas acolhem e acompanham no

seu processo de desenvolvimento. Estas questões tomam uma faceta mais

pormenorizada e uma vivência talvez mais acalorada quando nos confrontamos com

diversificados tipos de intervenção dos municípios no âmbito da educação, que

dão conta das variadas sensibilidades de autarcas e de educadores e professores no

que respeita a esta temática e às suas concretizações locais. Nuno Alpoim afirma a

posição dominante dos municípios portugueses numa transferência contratualizada e

gradualizada de competências, mas acompanhada do respectivo pacote financeiro,

realçando que este aumento de competências obriga a Mudar a Escola e a Mudar os

Municípios. Em Jardins, Escolas e Municípios, João Nogueira insiste na

capacidade dos municípios para encarar esse desafio, alicerçando a sua opinião na

acção desenvolvida no Município de Braga no que respeita à educação pré-escolar e

ao 1º ciclo, bem como à construção dos pavilhões gimnodesportivos e das escolas

básicas do 2º e 3º ciclos. Por sua vez, Rómulo de Sousa insere a questão dos

Municípios e Autonomia das Escolas na tensão entre o decretado e o construído

para sublinhar os constrangimentos políticos e administrativos e a importância das

acções e decisões individuais e colectivas num processo de construção da autonomia

das escolas. Afirmando o papel da autarquia como agente local ao serviço da

autonomia decretada e corresponsável na construção da autonomia, levanta questões

cujas respostas têm que ser procuradas nas práticas e nos contextos locais. Já

António Esteves procura resposta para a questão Que Papel para os Conselhos

Locais de Educação? e dá a conhecer o regulamento do Conselho Municipal de

Educação de Paredes de Coura, enquanto Manuela Marques reafirma uma

perspectiva optimista alicerçada nos resultados das investigações sobre Domínios de

Intervenção dos Municípios, dando conta de um parceiro mais próximo, com

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conhecimentos mais específicos da realidade educativa local e capaz de uma resposta

mais rápida aos problemas, necessidades e anseios das populações.

Este debate em torno da acção dos municípios desenvolve-se num contexto de

maior autonomia das escolas e de constituição de agrupamentos de estabelecimentos

com vista a uma dimensão organizacional que permita ser e fazer escola. Estão em

debate os domínios de intervenção dos municípios na educação e eventuais modelos

organizacionais capazes de articular a acção dos diferentes organismos a quem

compete a resolução dos problemas locais ligados à infância e aos jovens, no respeito

pela autonomia relativa de cada entidade.

A adesão a este debate por parte de representantes dos órgãos directivos das

escolas, de autarcas e de trabalhadores dá conta de uma vontade de participação

responsável na construção de uma escola mais autónoma, capaz de pensar

globalmente e agir localmente, que dará corpo a políticas diferenciadas de

territorialização educativa.

Joaquim Machado João Formosinho

António Sousa Fernandes

9

RELAÇÃO AUTARQUIA/ESCOLA

OU SUA ADMINISTRAÇÃO

Jorge Martins Director Regional de Educação do Norte

O tema da ligação da autarquia com a escola e com a administração da

educação (central, regional ou local) reveste-se de extrema importância. Na verdade,

as autarquias têm tido um papel relevante no desenvolvimento de todo o sistema

educativo nos últimos 26 anos. Com efeito, para além do que formalmente lhes está

atribuído como competências, há toda uma série de acções, de actividades e de

intervenções que o demonstram.

Estas acções vêm rompendo com uma forte tradição de alheamento. No

entanto, quem está ligado à administração sente que, apesar de tudo, o rompimento

com esse passado não é ainda suficientemente forte. Localmente, as autarquias

debatem-se ainda com sérios problemas que, por um lado, são do foro das

competências que lhes são atribuídas pela legislação e pelo próprio governo e, por

outro, porque muitas ainda não encontraram internamente, no seu modo de

organização, no seu modo de trabalho, aqueles espaços e aqueles tempos que

permitissem envolverem-se directamente com a administração educativa naquilo que a

Escola tem de mais importante: a aprendizagem. Não nos podemos esquecer que o

nosso objectivo está na melhoria da qualidade das aprendizagens, está no aluno. A

escola é o centro, mas dentro do centro é preciso pensar que, antes dos professores,

dos funcionários e dos pais, estão os alunos.

Uma análise muito rápida aos vários níveis de ensino ao longo destes anos

tem-me mostrado que essa relação da autarquia com a educação e com a escola é,

na verdade, ainda muito deficitária

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1 - O caso do pré-escolar

No que respeita ao pré-escolar, foi necessário que, há 3 ou 4 anos atrás, na

vigência do governo anterior, tivesse havido uma iniciativa legislativa forte

determinando que nenhuma criança com 5 anos deixasse de ter possibilidades de

frequentar um jardim de infância. Isto num prazo de uma legislatura como se dizia na

altura. Naturalmente, foi preciso negociar muito, e duramente, com os vários

parceiros, nomeadamente com aquele parceiro-chave para que este programa de

expansão tivesse êxito. E esse parceiro-chave era a autarquia, concretamente cada

uma das câmaras municipais. Lembro-me de, nessas ocasiões, nomeadamente aqui

na região norte ter respostas muito díspares. Surgiram muitas autarquias que aderiram

imediatamente, com entusiasmo, pondo logo a máquina autárquica a trabalhar, mas

tive autarquias no outro extremo, com grande desconfiança relativamente à

administração central, atribuindo-lhe a intenção de, por um “acto de mágica”, alijar a

carga sobre os outros atirando para cima das autarquias aquilo que seria competência

do Governo. Numa região com 86 municípios, salvo erro, as posições oscilaram entre

a adesão entusiástica e benévola, muito motivada e muito motivante e o afastamento e

a desconfiança.

Passados estes anos de implementação do pré-escolar e da execução da sua

legislação, verificamos que a oferta para as crianças de 5 anos foi um êxito. Posso

dizer que é talvez dos êxitos mais fortes e seguros daquilo que foi uma colaboração

contratualizada entre poder central e poder local/autarquias.

Está tudo bem nesse domínio? Não está! E não está desde logo em questões

que são cruciais e que têm a ver com a outra parte que há pouco referi e que está

para além dos textos: a organização interna da própria Câmara, a sua atenção para o

domínio específico da Educação e, dentro desta, para o pré-escolar. Exige-se uma

reorganização de carreiras no interior do município, no seu quadro de pessoal e de

serviços; exige-se uma relação muito próxima com as populações quando se fala na

oferta, da componente sócio-educativa ou no calendário de funcionamento. Nestes

domínios alguns problemas importantes não conseguem ainda ser bem resolvidos por

quem está mais próximo das famílias e das próprias crianças. E quais são esses

problemas? Por exemplo, quem serve a refeição, a alimentação que está prevista e

paga pelo Ministério da Educação, quem fica com as crianças após a componente

educativa, quem assegura o funcionamento do jardim de infância durante os períodos

das férias das educadoras?

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Temos bons exemplos, como eu disse, mas infelizmente também temos

exemplos que assustam. A transferência de dinheiro é feita com base na informação

sobre o número de crianças que almoçam, mas, se for feita uma visita a alguns jardins

de infância à hora de almoço, verifica-se que as crianças que estão a comer não

correspondem nem a metade daquilo que contratualmente tinha sido estabelecido

entre a administração regional de educação e a autarquia. Chega a haver casos onde

não há uma única criança a comer. E, no entanto, a administração está a pagar a

todas as crianças a componente sócio-educativa, o que significa que houve qualquer

coisa ali que impediu que isso acontecesse. Não pretendo lançar pedras sobre o

telhado de ninguém, mas, tão só, chamar a atenção para factos que, mais do que

simbólicos, são demonstrativos de que há ainda no pré-escolar graves dificuldades

que não estão resolvidas.

Na componente sócio-educativa, para além da alimentação, há ainda o

prolongamento, isto é, a parte do dia após as actividades educativas em que a

educadora termina a sua acção e as crianças passam a ter a ocupação do seu tempo

livre com alguém. Quer num caso, quer no outro, alguns municípios não estão ainda

organizados para dar essas respostas, o que provoca uma reacção de desconfiança

por parte da população.

Ainda em relação ao pré-escolar e ao programa da sua expansão, como todos

sabem, foram abertos concursos de financiamento de infra-estruturas em 97, 98 e 99.

O Ministério da Educação propôs-se financiar, entre os 100% e os 25%, as obras ou

os melhoramentos feitos pelas autarquias, mediante candidaturas que estas

apresentam para reconversão e ampliação de salas, para a construção de raiz de

instalações, para o equipamento que é necessário para que as actividades decorram

bem. Ora, ao longo destes anos, nomeadamente 98 e 99, verifica-se que o grau de

execução por parte das entidades responsáveis, que neste caso são inequivocamente

as câmaras, o grau de execução, sobretudo financeiro, está muito abaixo daquilo que

seria o exigido. Por outras palavras, houve candidaturas que foram aprovadas, a obra

deveria ter começado, a execução física deveria ter começado, e nalguns casos até

começou, mas a execução financeira não se realizou atempadamente, ou seja, a

prestação de contas através de documentos, não chegou a ser feita. Há aqui um

desfasamento entre a aprovação de candidaturas e a execução física e financeira, só

explicável através das dificuldades internas, de organização ou financeira, das

próprias Câmaras.

Mas nem tudo é menos bom relativamente ao pré-escolar. Tivemos

oportunidade de verificar todo o esforço que foi feito pelas câmaras no domínio da

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integração das auxiliares, em quadros - e essa foi uma luta jurídica importante -, que

não existiam na estrutura orgânica das autarquias. Aí foi dado um passo importante.

Também o foi o crescimento da oferta no seu conjunto. Não podemos confundir a

árvore com a floresta. A floresta aqui é uma resposta muito boa, muito positiva, da

quase totalidade das 86 câmaras da Região Norte. Apenas 4 ou 5 não fizeram esse

contrato com a Direcção Regional para o pré-escolar. Isto significa que todas as

outras, de uma forma mais ou menos expedita, aceitaram o novo desafio.

2 - O caso do ensino básico: diferenças entre ciclos

Passando ao ensino básico e, dentro deste, ao 1º ciclo, é necessário lembrar

que este foi sempre considerado o parente pobre em todo o sistema educativo porque

viveu, durante todos estes anos de democracia, como se nunca nada tivesse

acontecido, isto é, a sua organização administrativa foi até há muito pouco tempo

exactamente o que era há 30 ou 40 anos atrás, com um isolamento profissional,

pessoal e físico muito acentuado e debaixo de uma cadeia hierárquica de gestão não

democrática, para falarmos claramente. Não havia processos democráticos de eleição

dos órgãos de direcção desses estabelecimentos de educação. E, depois, por aí

acima, passando pelas delegações e direcções escolares — isto sem qualquer

desprimor para o exercício profissional que os delegados, sub-delegados e

professores destacados nas delegações sempre fizeram da melhor forma que

puderam. Mas não podemos confundir as coisas. Havia, neste ciclo de ensino, uma

cadeia de informação e comando muito lenta e burocrática, muitas vezes impeditiva e

restritiva da actividade inovadora das escolas, que não tinha nada a ver com os

avanços que, entretanto, tinham acontecido no 2º e 3º ciclos do ensino básico e no

secundário.

Em parte por essa razão, o 1º ciclo tem problemas gravíssimos que estão

agora a ser resolvidos. Primeiro, pela possibilidade da sua total reorganização

administrativa de acordo com o Decreto-lei 115-A/98, alterado em 1999 por Lei da

Assembleia da República (Lei 24/99, que, aliás, introduz alguns mecanismos

perversos a que mais adiante voltarei). Isto foi muito importante. Em segundo lugar e

tão importante como o primeiro (do ponto de vista de um observador externo das

relações entre autarquia e escola) é tudo aquilo que diz respeito às condições físicas

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(de espaço, conforto, higiene, equipamento, etc.) em que vivem e trabalham alunos e

professores. E aí é que as coisas estão ainda muito mal na generalidade.

Diria que temos um país a duas velocidades, porque também temos o país da

velocidade espantosa na construção de escolas completas no 1º ciclo, apesar de

poucas.

Felizmente que muitas autarquias, apercebendo-se do estado miserável do

parque escolar do 1º ciclo, construíram de raiz (ou estão a fazê-lo), belíssimos

estabelecimentos, centros escolares magníficos, com biblioteca, cantina,

polidesportivo, Internet e equipamento informático.

Não é possível comparar essas escolas novas, talvez 2% ou 3%, com as

restantes escolas com quartos de banho completamente degradados, onde é

impossível entrar e ter um mínimo de higiene e pior do que isso, de educação para a

higiene. Com falta de espaços para uma biblioteca, para uma actividade qualquer que

os professores queiram fazer, com ausência de cantinas, polivalentes e recreios

cobertos, onde as crianças se possam alimentar, possam jogar ou estar quando

chove, etc. Este é o panorama de 98% das nossas escolas do 1º ciclo.

Não podemos ignorar os bons exemplos e as boas práticas, que são de

enaltecer e de apresentar como bandeira, como símbolo. Mas que isso não nos faça

esquecer as outras escolas, que não dispõem de praticamente nada, quer do ponto de

vista de instalações, quer do ponto de vista de equipamento, mobiliário e material

didáctico. E aqui está um grande desafio, que envolve verbas e investimentos,

financiamentos que muitas das câmaras, no balanço da sua actividade política, dizem

ser impossível de ganhar porque o seu orçamento não é capaz de o suportar, porque

simultaneamente têm que fazer saneamentos, tratar dos lixos e da sua recolha e de

tantas outras coisas.

Parece-nos que isto tem a ver, muitas vezes, não com ausência de meios, mas

com a falta de definição de prioridades políticas claras e com estratégias de

intervenção autárquica calendarizada, em termos de poder e de relação desse poder

com as populações, relativamente àquilo que são os anseios diários destas. Se

diariamente, aos autarcas, chegam pedidos para que o saneamento fique resolvido, ou

que a recolha do lixo seja resolvida, e se poucas são as manifestações quanto às

questões concretas das instalações e equipamento escolares, etc., esses autarcas vão

atrás daquilo que lhes parece ser a sintonia com o interesse popular e colectivo. Se

esse interesse pede que se faça o saneamento, se faça a rua e, só lá mais para

diante, é que se trata das escolas, o autarca sintonizado com essa população vai fazer

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o saneamento e a rua. E a escola fica adiada. E ficou adiada no primeiro mandato, no

segundo e assim sucessivamente. E, assim, temos assistido a melhorias espantosas

em cada município naquilo que são as competências da autarquia, só que o parque

escolar continua do “segundo” ou “terceiro mundos”.

Simultaneamente, temos nos 2º e 3º ciclos uma renovação profundíssima das

nossas escolas. Mesmo não sendo brilhantes as instalações mais antigas nestes

níveis de ensino, elas são muito melhores que no 1º ciclo. Uma escola do 2º e 3º ciclo

que há uns anos atrás não tinha pavilhão gimnodesportivo, já o tem. De um conjunto

de cento e tal escolas que estavam sem pavilhão gimnodesportivo, hoje podemos

dizer que, na região norte, restam cerca de quarenta escolas que ainda não o têm,

num universo de mais de quatrocentas escolas EB 2/3 e secundárias.

Simultaneamente, temos introduzido as bibliotecas escolares, a renovação dos

espaços, a instalação de equipamentos, a renovação do mobiliário, as novas

tecnologias, etc, o que faz que, mesmo naquelas escolas mais antigas, as coisas

estejam a mudar a um ritmo que não é compaginável com o ritmo das mudanças no 1º

ciclo.

Poder-me-ão dizer, nomeadamente aqui na cidade de Braga, que estou a ser

demasiado optimista. É verdade. Porquê? Porque Braga, infelizmente, do ponto de

vista da administração, é uma cidade em permanente crescimento de população

escolar no ensino básico, o que significa, por um lado, uma sobrecarga para as

escolas que já existem e, por outro lado, a sua correspondente degradação. Note-se

que uma escola sobrelotada é tendencialmente uma escola em degradação mais

rápida que uma escola que tem a sua população adequada às instalações. Além

disso, em Braga há grandes dificuldades no alojamento de alunos do 2º e 3º CEB,

dado o balanço desfavorável entre a necessidades de construir mais salas (escolas) e

a disponibilidade física de terrenos, com espaços adequados, bem localizados e em

sítios onde fazem falta. Recordo, a propósito disto, uma história que ouvi há tempos:

“Se alguém perde uma moeda de 50$00 não vale a pena ir procurá-la debaixo de um

candeeiro porque se vê melhor, é preciso é procurá-la onde ela caiu, mesmo que seja

no sítio escuro”. Aqui é a mesma coisa. Não posso resolver os problemas da

sobrelotação dentro da cidade se for construir uma escola a 10 ou 15 Km da cidade,

numa área qualquer onde tenha terrenos mas não tenha alunos. E depois não posso

pegar nos alunos e obrigá-los a ir para lá. Isto não é aceitável. É preciso fazer as

escolas onde elas fazem falta.

15

Isto vinha a propósito das duas velocidades que temos relativamente a

instalações. Mas será que a competência das autarquias relativamente ao ensino

básico, e em particular relativamente ao 1º ciclo, tem apenas a ver com essa questão

dos edifícios, do seu estado físico, do seu equipamento? Claramente que não. Os

municípios têm na sua mão o controlo de questões chave do 1º ciclo, como, por

exemplo, os transportes. Neste aspecto, houve uma melhoria da situação patente por

todo o lado. Já não é fácil encontrar escolas que se queixem da falta de adequação

dos transportes escolares relativamente aos alunos a deslocar e aos seus horários

lectivos. Tem havido um trabalho espantoso de coordenação e sobretudo de ligação

das autarquias aos órgãos de gestão das escolas.

Outra questão importante é a do regime de funcionamento das próprias

escolas. E aqui é que volta novamente a haver alguns problemas. A interiorização das

vantagens educativas do regime de funcionamento normal por parte das autarquias é

tão importante como a interiorização do mesmo regime por parte dos professores e

das populações. Muitas vezes os professores, pelas mais diversas razões, talvez

muito plausíveis e compreensíveis, dizem que seria óptimo se pudessem trabalhar só

de manhã ou só de tarde, porque, no outro período do dia, estariam mais disponíveis

para os seus «assuntos» privados. Em consequência, procuram arranjar algo que seja

justificável e justificado perante a Direcção Regional para pedir uma alteração do

regime de funcionamento da escola. E apoiam-se até no parecer dos pais, muitos

deles na maioria dos casos muito pouco escolarizados. Estes, perante meia dúzia de

argumentos acabam por aceitar as razões dos professores e são transformados em

seus porta–vozes.

Por outro lado, as câmaras começam a fazer contas às despesas com os

transportes, ao número de deslocações do autocarro e à conjuntura de política local

criada. Por vezes, embarcam nas reivindicações e apoiam-nas. Ora, isto não pode ser

assim. Felizmente há casos em que a autarquia diz que não a estes interesses e dá a

devida importância à escola a tempo inteiro. A escola tem que ser de manhã e à tarde,

de acordo com os horários que estão superiormente estabelecidos. As alterações ao

regime normal estão suficientemente previstas em lei para poderem ser justificadas e,

portanto, a autarquia tem que se assumir aqui (e muitas vezes assume-se), como a

primeira instância de resistência a essas reivindicações: a autarquia organiza-se e

explica a pais e famílias porque não pode ser atendida tal reivindicação, pedindo que

lhes mostrem que as crianças andam mais do que X Km ou que não há alternativa

para elas relativamente à alimentação. Muitas vezes os argumentos são esses: “A

escola não tem cantina, os meninos não comem e portanto não podem estar lá

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durante a hora de almoço ou então não podem ir a casa à hora de almoço porque têm

que andar mais do que X metros”.

Ora bom, quem conhece bem o terreno são as juntas de freguesia. Os

presidentes de junta de freguesia sabem a quantos metros fica a casa de alguns dos

signatários dos abaixo-assinados em questão. Dizendo exactamente o número de

metros e alertando para a não veracidade de alguns dados contidos em muitos abaixo-

assinados, os presidentes de junta e as câmaras, ou os pelouros da educação,

quando existem, estão a contribuir para uma maior justeza das decisões da

administração.

Há muitas câmaras que não têm pelouro da educação. Têm um vago pelouro

de serviços à comunidade (digo assim para abranger tudo) mas noto que muitas vezes

quem está nesse pelouro tem uma relação muito burocrática e administrativa com a

educação.

Felizmente temos muitos vereadores da educação que são professores e,

talvez por isso, não temos tido roturas importantes em muitos municípios. Esses

vereadores conhecem muito bem as regras e são os primeiros a dizer: “Sr. professor,

não esteja a reivindicar mudança de regime, não ponha regime duplo que, do ponto de

vista pedagógico, vai prejudicar objectivamente as crianças e do ponto de vista

administrativo vai criar aí uma confusão, na distribuição dos alunos, na ocupação de

salas, numa série de coisas”. Neste aspecto há uma actuação muito interessante de

muita gente das câmaras. Só que esta actuação nem sempre é visível. Há casos em

que é a própria câmara que no fundo quase que incentiva o aparecimento dessas

perversidades relativamente ao regime de funcionamento das escolas.

Para além disso, no 1º ciclo, as crianças têm direito aos apoios da acção social

escolar. Há verbas que são transferidas em sede do orçamento de um lado para o

outro. Se nós podemos ter (e temos) sistemas de controlo das crianças beneficiárias

desse apoio no 2º e 3º ciclos, temos algum défice de informação relativamente ao 1º

ciclo. E é aí que as coisas se ganham ou se perdem. Uma criança que não seja

suficientemente apoiada no 1º ciclo, provavelmente vai desenvolver situações

familiares que vão ser propícias a uma ponderação ou a um certo desejo de não

continuar a estudar, o que é dramático porque a escolaridade obrigatória é até aos 15

anos e, na medida do possível, fazendo o 9º ano de escolaridade até essa idade.

Tenho ainda ecos, por informações escritas, de que muitas vezes há

abandonos temporários, e nalguns casos definitivos, no final do 1º ciclo, por razões de

falta de apoio sócio-económico às famílias dessas crianças, o que é dramático E

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porquê? Não é por falta de vontade política, não é por falta de dinheiro, é porque a

câmara não tem estruturas objectivamente dedicadas, organizadas, com chefias que

responsabilizem cada um dos participantes neste processo e, portanto, as coisas

andam ao sabor da boa ou má vontade de actores particulares. Não pode ser! Temos

que qualificar o sector autárquico de educação. Esta é uma mensagem que deixo às

autarquias.

3 – Município, Assembleia de Escola e Projecto Educativo

Hoje em dia está muito mais reforçada a necessidade de qualificação do sector

educativo autárquico pelo facto de, obrigatoriamente, a câmara ter que estar

representada nos órgãos de gestão democrática das escolas. Não é mais possível

fazer parte de uma Assembleia de uma escola, decidir da vida da escola em

momentos cruciais, como seja a aprovação do seu Projecto Educativo, do seu

Regulamento Interno e Plano de Actividades se o representante da autarquia naquela

Assembleia não souber o que é que está lá a fazer. Há casos, que depois são

aproveitados por quem não gosta do sistema, de representantes de autarquias que ou

não aparecem ou se sentam numa Assembleia de Escola mas não participam. Isto

porque não fazem rigorosamente ideia nenhuma, não só da vida interna da escola,

que é suposto que conheçam porque vão decidir sobre ela, mas mais grave ainda,

sobre aquilo que são os seus poderes e as suas competências, enquanto membros de

um órgão decisório que tem que estar em consonância política com algo que, diria,

não existe em nenhum município, mas devia existir, isto é, o Projecto Educativo do

Município.

As escolas têm projectos educativos, as turmas têm os seus próprios projectos

de turma, uma cidade, um município, que deveria dar coerência localmente a esse

movimento de baixo para cima, geralmente não tem Projecto Educativo. Tem acções

no domínio educativo, muitas delas obrigatórias porque decorrem da lei, mas aquela

“utopia”, aquela ideia mobilizadora que depois se corporiza em textos que são

sancionados publicamente de x em x anos, durante as eleições, não conheço

nenhuma câmara que a tenha de uma forma intencional e sistemática. Têm sim

intervenções, mas um plano, que marque rumos, que marque etapas, que calendarize,

que tenha responsáveis, que tenha estruturas, que tenha meios, enfim, que seja algo

que hoje chamamos de plano, no nosso País não conheço nenhuma.

18

E as cidades na Europa estão a tê-los. E mais, estão a tê-los sob um lema

muito interessante - não são as cidades objecto de educação, são as cidades

promotoras de educação, chamadas cidades educativas e educadoras. A própria

cidade é vista nos seus diversos domínios e não apenas no estritamente escolar,

porque a educação não está só na escola, está na família, está no sector privado, nas

empresas, no comércio, está nos espaços públicos, está nos jardins, está na música,

está na arte, está no teatro, está na cultura, está numa série de sítios. Essas cidades

educadoras, como é o caso de Barcelona, conseguiram já esse salto de qualidade

espantoso que é apresentarem à sua população Projectos Educativos de Cidade. A

cidade educa o cidadão.

Para o 2º e 3º ciclos e para o secundário, o problema mais grave que se coloca

é o da participação das autarquias nas assembleias de escola e o da sua

representação estar entregue muitas vezes a pessoas que cumprem como mera rotina

a passagem por lá, não chegando a interessar-se verdadeiramente pela vida da

escola. Não chegam a ser representantes do colectivo na escola ou da escola no

colectivo, e por isso, parece que aqui se dá razão a quem se pronunciava contra o

Decreto-lei 115-A/98: a participação de alguns representantes na Assembleia de

Escola, seria mais retórica do que verdadeiramente algo que tivesse eficácia e

produzisse efeitos concretos.

O percurso é longo. Temos o caminho de 2 anos de experiência. É cedo ainda

para sermos definitivos em matéria de avaliação. O desafio que deixaria às autarquias

era que, em encontros deste género, que mais uma vez sublinho e saúdo como uma

iniciativa magnífica, ou em encontros mais institucionais, possa haver uma avaliação

do lado das autarquias. Não uma avaliação definitiva, mas uma avaliação formativa,

com retroacção para dentro do sistema - e o sistema aqui somos todos nós -, no

sentido de o enriquecer, de o tornar cada vez melhor em termos de satisfação das

necessidades da população e sobretudo em termos da melhoria da qualidade da

educação, que é esse o grande objectivo de todos.

19

O MUNICÍPIO E A ESCOLA PRIMÁRIA NO SÉC. XIX Uma aproximação financeira à Reforma de António Rodrigues Sampaio

(Os investimentos nos concelhos do distrito de Braga)

José V. Capela Universidade do Minho

1. O século XIX reclama, até à exaustão, por mais escolas públicas e mais

instrução. A instrução é a solução e a resposta para tudo. Quer-se mais

desenvolvimento, mais riqueza, mais comércio, mais indústria, há que a aplicar em

toda a extensão; quer-se mais formação, cultura, civilidade, moral, religião, nela é

necessário insistir; quer-se melhor política, mais seriedade e secretismo no processo

eleitoral, como fazê-lo sem mais instrução, como suporte da leitura e da escrita? Ela é,

finalmente, o fundamento da liberdade.

Com base nestes pressupostos, o Estado do século XIX depois que estabilizou

na Regeneração e no Capitalismo, fixou também as coordenadas e os objectivos

essenciais do programa instrucional: a escola pública e um corpo de ideias e doutrinas

que correspondessem aos objectivos políticos e sociais dominantes.

A escola pública deveria chegar a todos os lugares; o ideal era uma escola em

cada aldeia para homens e mulheres, novos e velhos, diferentes classes profissionais,

absentistas e proprietários (Félix Nogueira); a instrução oficial nos seus cânones e nos

seus valores deveria enquadrar todos os aspectos da vida das populações,

conformando e regulando profundamente todos os aspectos da vida, no plano da vida

privada e individual, da vida pública, colectiva, social e política. Tudo se deveria

aprender e ensinar na escola pública. Tal como na escola jesuítica dos tempos do

Absolutismo!

Na continuidade da tradição pombalina - centralista e dirigista - o Estado liberal

pretende assumir em pleno tal tarefa.

Mas depressa assume a incapacidade de só por si levar a cabo o projecto de

máxima escolarização que entende dever partilhar com os órgãos da administração

pública distrital e concelhia, os municípios e as juntas de paróquia.

Nesse contexto, no último quartel do século XIX o Estado Português promoveu

entre 1875 e 1900, sob o enquadramento do Código de Rodrigues Sampaio a maior

20

experiência descentralizadora da administração Pública e da Administração Municipal

e com elas da administração do Ensino.

Com os municípios, as juntas de paróquia e os serviços descentralizados da

Administração, promoveu em paralelo uma reforma da Instrução de que esta

Administração descentralizada e estas “autarquias” viriam a ser o principal suporte.

Mas efectivamente só com o novo poder municipal instalado no país pós 25 de Abril

de 1974 dotado de mais competência e mais meios financeiros é que foi possível ao

Município intervir de novo mais activamente nas tarefas da Instrução e Administração

Escolar e dar-lhe mais amplo e profundo desenvolvimento.

Mas a experiência do pós 25 de Abril pouco parece ter inovado e avançado

relativamente aquela grande Reforma, parecendo fixar-se nos limites das suas

realizações e não ter também ultrapassado as principais críticas e insuficiências da

realização daquela experiência do século XIX que parece pairar como “handicap” para

novos avanços e experiências de base municipal e autárquica em geral.

É por isso que neste Seminário decidi abordar aquela Reforma para lhe fixar os

aspectos e as realizações essenciais para de algum modo compaginar com as

realizações recentes e a envolvência municipal 1.

É corrente fazer-se uma certa associação entre município - municipalismo e

participação popular, desenvolvimento social, incluindo cultural e institucional, e

também desenvolvimento económico, regional e local.

Mas esta é uma associação que não se terá realizado no âmbito do nosso

município histórico. Quando muito ela teve algumas evidências e realizações em

experiências descentralizadoras do séc. XIX e é uma realidade patente do pós 25 de

Abril de 1974, por virtude das novas competências e meios com que foi dotado.

Tal associação mais do que uma realidade é uma aspiração, uma doutrinação

para o Município que se desenvolve intensamente ao longo do século XIX, mas que

mal se realiza. Esta é pois uma associação de aspirações não realizadas.

2 - O Município Antigo, anterior ao século XIX, pouco ou quasi nada tem a ver

com o desenvolvimento social e cultural e também com a Instrução.

A Educação e a Instrução é com efeito um objectivo que está praticamente

afastado do arquétipo do município antigo, régio ou senhorial, em particular antes das

grandes reformas territoriais de 1790/1820 e 1836, que persegue até esta etapa

sobretudo a defesa e promoção de objectivos e interesses, privados e particulares das

21

governanças e elites locais municipais, a que nunca pertenceram nesta etapa, os

professores.

No plano das despesas municipais do Antigo Regime são escassos os

encargos com ensino. Apenas nas contas das maiores municipalidades, vão aqui ou

ali lançadas verbas (em regra diminutas) com um ou outro mestre de meninos, de

primeiras Letras, de Gramática Latina, e até Retórica, Filosofia e Grego. Mais

frequentes são, porém, as imposições fixas pelo Estado (Coroa) nas sisas

encabeçadas concelhias, que não se devem, porém, confundir com a disponibilidade

da renda própria municipal. Normalmente aí vão fixados encargos com os partidistas

ligados ao ensino. Mas o seu peso continua pequeno no conjunto das despesas

concelhias. A rede local de professores pagos pelos concelhos foi sempre ao longo da

História Municipal portuguesa do Antigo Regime muito débil e presente sobretudo nas

sisas dos maiores concelhos e superintendências. E quando o ministro Pombal, já no

fim da sua governação, em 1772, se propôs alargar a rede dos professores e mestres

de primeiras letras, recorreu ao lançamento de um imposto público a tal destinado - o

Subsídio Literário - cuja cobrança pertence em grande parte aos concelhos, mas cuja

gestão é entregue a uma Junta Central para tal efeito criada, ficando o pagamento dos

professores matéria de uma administração centralizada.

Até ao fim do Antigo Regime municipal as câmaras nunca tiveram especiais

responsabilidades no ensino e, portanto, esta primeira grande organização

centralizada do serviço estatal do ensino com Pombal não se sucedeu, nem é o

resultado de qualquer “desmunicipalização” do ensino como o refere Rogério

Fernandes.

3 - A revolução de 1820, que completará a lei de 1790 no que diz respeito à

completa integração do município na ordem pública, redefinirá profundamente os

objectivos e finalidades deste municipalismo, inscrevendo-lhe agora também

responsabilidades no domínio da Educação, Instrução e do Ensino.

Mas será tão só o Liberalismo triunfante de pós 1832 que levará o município a

integrar-se e participar mais activamente nas reformas e na sustentação da Instrução

promovidas por Rodrigo da Fonseca Magalhães em 1835 e Passos Manuel de 1836, e

decerto modo também nas de Costa Cabral, em 1844 e D. António Costa em 1870.

A participação e colaboração neste domínio das câmaras corre agora em

paralelo com outras instituições e o Estado. As escolas que se pretendem estabelecer

em todas as freguesias - ou nas maiores (de 400 a 1500 fogos) ou onde concorram 60

22

alunos - correm pelo Estado, pelas câmaras municipais, pelas juntas das paróquias ou

pelas Comissões Promotoras do Ensino Primário.

A Constituição de 1838, como antes a Carta Constitucional de 1826, garantem

a gratuitidade do ensino a todos os cidadãos. Dividido o ensino elementar desde 1844

em dois graus, D. António Costa fixará a gratuitidade do 1º grau ou elementar, encargo

obrigatório das câmaras; o 2º grau, complementar, que só será gratuito para os que

provarem pobreza, é encargo, conjunto das câmaras e das Juntas Gerais do distrito.

Se o provimento temporário dos professores poderia ser feito pela autoridade

que dirige ou que cria a escola, o provimento definitivo é concebido pela autoridade

pública, o Ministério do Reino (1836) ou o Conselho Superior de Instrução Pública

(1844).

As câmaras pagarão uma gratificação (de 20.000 réis, em 1836), que é

acrescentada de uma gratificação extraordinária de 10.000 réis aos professores que

tiverem mais de 60 alunos nas cidades maiores, 40 alunos nas menores e vilas e 30

nas aldeias. A reforma de 1844 permite aos Conselhos de Distrito autorizar as

câmaras a fixar ordenados ou gratificações aos párocos ou outros indivíduos que se

queiram encarregar do ensino primário, não havendo professor público.

Os ordenados, esses são da competência governamental e variam conforme a

hierarquia das terras onde está sediada a escola, precariedade ou provimento vitalício,

método de ensino seguido pelo professor.

4 – As despesas com o Ensino e a Instrução só ganharão efectivamente

alguma relevância no orçamento municipal depois de 1835 conservando-se porém a

um nível bastante diminuto até à aplicação da reforma de Rodrigues Sampaio, a partir

de 1880.

Um estudo feito a partir dos orçamentos municipais das câmaras municipais do

Distrito de Braga permitiu seguir estes gastos (orçamentados) com a instrução até à

entrada em vigor da legislação de Rodrigues Sampaio em 1880 (e naturalmente seguir

a sua evolução posterior).

As verbas que cada município disponibiliza para a Instrução, quer em termos

absolutos, quer na sua relação com as despesas globais de cada município, são, de

um modo geral, nesta etapa de 1836 a 1880 bastante reduzidas. A diversidade dos

investimentos é muito pequena e os montantes investidos nos diferentes domínios não

representam, regra geral, um significativo esforço financeiro do município. Com efeito,

23

o essencial dos encargos continuará a passar, directamente, pelo Orçamento Geral do

Estado.

Nesta etapa a responsabilidade das câmaras, em termos de investimentos na

Instrução limitava-se ao pagamento de uma gratificação ordinária, que, não raras

vezes é paga com vários anos de atraso e por vezes em quantitativos inferiores aos

que a lei estipulava e uma gratificação extraordinária cujo recebimento estava

condicionado à frequência regular de um determinado número de alunos, bem como

ao seu aproveitamento2.

Como se pode observar no quadro seguinte, a despesa orçamentada e gasta

com a Instrução, limitava-se, em vários municípios, às gratificações aos professores.

Esta situação altera-se a partir da década de sessenta como resultado da entrada em

orçamento da construção de algumas escolas3 e na década de setenta com a

assumpção por parte de alguns municípios com o ensino nocturno, aluguer de casas

para escolas e habitação de professores, obras e reparações desses edifícios,

material pedagógico-didáctico de apoio ao ensino como livros ou quadros do novo

sistema métrico que, entretanto, se pretendia implementar. Esta situação mostra já,

em alguns casos um posicionamento totalmente diferente em relação à “causa da

Instrução” e do grau de responsabilização que podem ou devem assumir os

municípios nesse sector.

As gratificações aos professores nas despesas totais com a Instrução

(valores percentuais)

Concelho 1833-40 1841-50 1851-60 1861-70 1871-80

Amares - - - 42,3% 72,6%

Braga - - - - 49,0%

Esposende - - - - 86,0%

Fafe 100% 100% 100% 46,5% 61,9%

Guimarães - - - - 89,2%

Póvoa de Lanhoso - - - - 14,0%

Terras de Bouro - - - 100% 83,8%

Vieira do Minho 100% 100% 100% 92,1% 93,5%

V.N. Famalicão 100% 100% - - -

Vila Verde - - 99,3% 77,7% 82%

Médias decenais das despesas com a Instrução (em réis)

Concelho 1833-40 1841-50 1851-60 1861-70 1871-80

24

Amares - - - 347.379 136.455

Braga - - - - 836.786

Esposende - - - - 244.140

Fafe 50.000 71.111 166.000 518.172 458.892

Guimarães - - - - 480.500

Póvoa de Lanhoso - - - 16.000 437.392

Terras de Bouro - - - 96.162 110.513

Vieira do Minho 140.000 140.000 236.065 233.764 291.903

V.N. Famalicão 102.365 87.500 - - -

Vila Verde - - 299.350 350.295 392.967

O quadro anterior mostra-nos, por concelhos, em médias decenais, as verbas

gastas com a Instrução, onde se incluem todas as despesas orçamentadas pelos

municípios, gratificações ordinárias e extraordinárias, aluguer e reparações de escolas

e habitações para os professores, compras de livros, mobiliário e outras despesas.

É um período em que as despesas com a Instrução se situam, em termos

absolutos, em algumas centenas de milhares de réis, apenas Fafe, na década de

sessenta e Braga, na década seguinte, ultrapassam a barreira do meio milhão de réis.

Como podemos observar na tabela da página seguinte, nem sempre se verifica

um incremento dos gastos na Instrução permanecendo, a maior parte dos concelhos,

durante todo este período com um nível de investimentos muito reduzido.

Médias das despesas com a Instrução em valores absolutos e percentuais do decénio 1871-1880

Concelho Despesa (em réis) Percentagem do orçamento municipal

que é gasta na Instrução Amares 136.455 1,5%

Braga 836.786 1,0%

Esposende 244.140 2,4%

Fafe 458.892 5,3%

Guimarães 480.500 0,9%

Póvoa de Lanhoso 116.767 1,2%

Terras de Bouro 110.513 7,0%

Vieira do Minho 291.903 3,4%

Vila Verde 392.967 2,2%

A generalidade das câmaras gastou com a Instrução – investimento que neste

período quase se limita às gratificações – como se viu – um valor que em regra não

25

ultrapassa os 5% das despesas do município, com as excepções de Fafe, na década

de sessenta que atinge os 8%, Terras de Bouro que entre 1861 e 1880 atinge uma

média superior aos 7.5% e Vieira do Minho que nesta 1ª etapa se mantém com

valores acima dos 7%.

5 - Não tinham razão para estar satisfeitos todos os que desde a Revolução de

1820 apostavam na Educação e na Instrução Pública como factor de regeneração e

desenvolvimento da sociedade portuguesa, atendendo ainda à baixa participação -

designadamente financeira - camarária e das outras instituições locais neste processo.

Com boas razões os defensores das correntes municipalistas defendem o

revigoramento do papel desta instituição no combate àquela situação, que é associada

à política e administração centralizadora, que se vinha fazendo sobretudo desde o

Código centralizador de 1842.

De longe o mais esclarecido defensor do papel do município neste domínio é

como já referimos, Félix Nogueira, que em 1856, com o seu Município Novo, pretende

inverter e corrigir a situação.

Não é aqui lugar para explicar o papel do novo município que Félix Nogueira

quer que “para o futuro... seja tudo, ou quase tudo, na nossa organização política...” e

que lhe reserva e destina um papel e um lugar muito maior no capítulo da Instrução: “

O município difunde os conhecimentos úteis por todas as classes da sociedade.

Contribui para a manutenção de uma escola de ambos os sexos em cada lugar.

Franqueia em sua biblioteca tesouros de ciência aos estudiosos. Espalha no ambiente

feixes de luz por via da sua imprensa e do seu magistério. Jornais pequenos e baratos

levam a casa de cada um as novas que ora interessam, ora deleitam e sempre

satisfazem a curiosidade. Cursos normais e periódicos colocam a par da ciência

aqueles cujo mister dela carece.”

Nesta proposta de Município Novo (e de futuro) ele deve transformar-se numa

vasta escola posta ao serviço do bem estar, da promoção cultural, literária,

profissional, religiosa e científica dos municípios, da sede do concelho e dos seus

lugares ou paróquias.

Este municipalismo do século XIX estava longe de ter as condições que Félix

Nogueira lhe propunha para poder cumprir os seus objectivos de realização de “todo o

progresso físico e moral das povoações nele compreendidas” a saber, a

independência, a grandeza e a riqueza necessárias.

26

De facto, se no passado, o Absolutismo colocara o município ao serviço das

classes privilegiadas sem qualquer preocupação pelo desenvolvimento social e

cultural dos povos, o sistema administrativo imposto pela Revolução Liberal (definitiva

pós 1836) antepusera o egoísmo e interesse das novas classes administrativas ao

bem comum, totalmente dependente e subordinada dos interesses políticos. A penúria

das rendas, na maior parte dos concelhos, obstaculiza a todos os melhoramentos; e

nos mais ricos, a maior parte é destinada aos encargos com a administração e

funcionalismo. No Liberalismo, diz Félix Nogueira “nos concelhos de ínfima escala

tudo é absorvido pela gratificação do administrador, pelos ordenados dos escrivães e

outros empregados e pelas amas dos expostos. O concelho não possui edifícios

decentes. O código manda que as câmaras façam certas obras de pública utilidade. O

cofre municipal mostrando o fundo, determina o contrário. A pequenez da maior parte

dos concelhos que se mantém ainda apesar das primeiras reformas territoriais

verificadas pós 1836, contribuem poderosamente para as reduzidas rendas, mas

também para a falta de elites governantes e gente idónea para a sua governação,

atrofiando a administração municipal”.

Mas o que mais diminuía este município antigo é aquilo que Félix Nogueira,

chama a “falta de um arquétipo ou instituição modelo, que servisse de estímulo e lição

aos nossos concelhos e que marcasse o alvo a que todos deviam dirigir os seus

esforços”. Ora, entre os objectivos que Félix Nogueira impõe ao novo município, está,

ao lado da promoção da segurança, a da economia pública, e a da educação.

6 - Vai caber a António Rodrigues Sampaio promover e dar realização prática a

algumas das propostas de Félix Nogueira.

Fá-lo aprovando um Código Administrativo descentralizador, de 1876, onde o

município descentralizado vai exercer um papel importante designadamente no

suporte e implantação da Lei da Instrução Pública de 1878, colocando ao seu dispor

pela lei de 1880 de Luciano de Castro, os meios financeiros adequados.

Antes, (1870) sem sucesso, porque sem o correspondente suporte da reforma

administrativa e municipal e dos meios financeiros, D. António Costa propusera-se

idênticos objectivos.

Nesta Reforma que articula mais profundamente a Instrução Primária ao

Município uma das principais novidades é o modo de financiamento o pagamento aos

professores.

27

Na forma da lei de 11 de Junho de 1880, as câmaras para fazer face às

despesas, na falta de receitas próprias a tal destinadas, são obrigadas a lançar um

imposto especial para a Instrução primária, directo ou indirecto, que poderá atingir o

equivalente ao produto de 15% adicionais às contribuições gerais directas do Estado.

No caso de as despesas serem superiores a este montante, as câmaras têm o direito

a recorrer a subsídios complementares do Estado, que lhe devem ser disponibilizados

pelas Juntas Gerais de Distrito, ou na insuficiência destes, pelo Governo. Isto é, fixa-

se uma dotação assente nas contribuições públicas que os municípios devem e

podem gastar com a Educação.

A responsabilidade de percentagem dos lançamentos pertence ao Município.

Mas o seu impacto e cobrança diluem-se com as contribuições do Estado.

Em 1888 manda-se que todo o dinheiro realizado para o pagamento dos

encargos seja reunido num fundo especial da Instrução Pública, e depositado na Caixa

Geral de Depósitos. As receitas e as despesas são naturalmente todas geridas pelo

Orçamento Geral da Câmara.

Esta receita destina-se aos pagamentos obrigatórios dos professores e seus

ajudantes, dos seus ordenados, gratificações de frequência e exames, aposentações,

licenças com vencimento, júris, certidões e também com as conferências pedagógicas

e expediente da Junta Escolar. Despesas com mobílias, construção e instalação da

casa da escola e habitação do professor ficam ao encargo da Junta de Paróquia.

Com a descentralização financeira do pagamento dos ordenados dos

professores e demais encargos com as escolas, volve-se também em

descentralização da administração escolar expressa sobretudo na criação das Juntas

Escolares, concelhias, nomeadas pelas câmaras, compostas por três elementos

“escolhidos de entre os vereadores ou outros quaisquer cidadãos” com o fim de

auxiliar as câmaras e os inspectores nas suas atribuições e que são definidas como o

orgão por excelência, coordenador e animador deste projecto. Para cada paróquia a

Junta nomeia um delegado paroquial que estabelece a relação com a paróquia. Os

Inspectores e subinspectores, ainda que orgãos da administração centralizada da

Instrução, pagos e nomeados pelo Governo, na sua nomeação não deixam de intervir

as câmaras.

A nomeação dos professores e respectivos ajudantes é feita pelas respectivas

câmaras municipais, mediante o parecer da Junta Escolar que, como estrutura de

apoio à câmara, elabora uma “proposta graduada” dos candidatos com habilitação. No

caso de não haver candidatos habilitados para o magistério, pode ainda a câmara

28

nomear interinamente “pessoas que julguem idóneas” ouvida também nesta situação a

Junta Escolar entidade que tem também de ser ouvida em casos de “admoestação,

repreensão e suspensão” de professores e de dar o seu voto nos casos de

“suspensão por mais de um mês” .

E para além das garantias financeiras e logísticas ao funcionamento da Escola,

a Reforma preocupou-se com a formação dos professores, a constituição de um corpo

de profissionais competentes e autónomos, implementando o modelo de formação

pelas Conferências Pedagógicas de inegável alcance e sucesso.

E a envolvência das populações em grande medida responsável pelo sucesso

da reforma faz-se não só ao nível do município mas também da paróquia, unidade

administrativa de base agora fixada pelos Códigos Administrativos.

7 - A reforma da Instrução de Rodrigues Sampaio é assim largamente o

resultado da exigência de instrução colocada à Sociedade portuguesa que vai ser

implementada com o processo descentralizador que lhe criará as condições

administrativas, económicas e financeiras, mas também sociais e económicas, ao nela

fazer intervir mais intensamente a sociedade através dos seus orgãos administrativos

e os estratos neles particularmente envolvidos.

Ela exprime-se num processo de desenvolvimento que assentando na

assumpção de uma forte autonomia de cada um dos agentes envolvidos, os

contratualiza fortemente na realização de um programa que assim vai abranger

activamente um leque bem maior de intervenientes e parceiros no qual assentará, no

fim de contas, o sucesso desta Reforma.

Em primeiro lugar ela envolve uma forte colaboração entre todas as instâncias

da administração pública, o Estado (através da sua administração central ou distrital),

o município e a paróquia que só a descentralização permite e torna actuante. Esta

reforma da Instrução é, se assim nos poderemos exprimir, o verso da reforma

administrativa; ela suporta-se no Código descentralizador publicado nesse ano de

1876 por Rodrigues Sampaio.

Tem-se insistido muito no papel essencial que estes órgãos assim

descentralizados desempenharam na implementação e no sucesso desta reforma da

Instrução. Mas é necessário também atentar nas influências que o alargamento da

Instrução veio provocar nas instituições administrativas, verificado sobretudo ao nível

do alargamento da mobilização de receitas, equipamentos e até funcionários que

foram colocados ao serviço dos municípios para desenvolver e apoiar as tarefas da

29

educação que vieram trazer outras disponibilidades, outra dimensão e outro “elan” à

organização municipal e até paroquial.

A transformação e inovação verdadeiramente revolucionária neste Programa

de Reforma, traduziu-se na entrega pelo Estado aos Municípios das tarefas de

realização das verbas para o pagamento dos ordenados dos professores e na

nomeação dos próprios professores. Mas foi também por aqui que o sucesso da

Reforma começou a ser comprometido. Não tanto no que diz respeito à nomeação dos

professores, sujeitos a regras que poderiam evitar ao abusos e permitir escolher os

melhores. Os problemas surgiriam sobretudo com a responsabilidade financeira do

pagamento dos ordenados. É que nem sempre os municípios aplicavam as verbas

expressamente realizadas para o pagamento dos professores a tal fim, distribuindo-as

muitas vezes por outras necessidades municipais. Utilizaram e desviaram frequentes

vezes estas verbas com o geral protesto e prejuízo dos professores. As dívidas dos

ordenados aos professores tornou-se em certos anos tão corrente que muitas câmaras

aprovaram sistematicamente orçamentos extraordinários no fim do ano, para realizar

as verbas para efectuarem os pagamentos aos professores que não tinham sido

efectivados.

8 – A Reforma envolve também um grande esforço de formação de

professores, de equipamentos bibliográficos e outros das Escolas.

O Inquérito de 1875, extraordinária inquirição nacional feita à nossa realidade

escolar e instrucional, tinha mostrado o déficit e falta de condições dos edifícios e

equipamentos escolares, mas também a rudeza e deficiente formação da generalidade

dos professores, as baixíssimas taxas de escolarização, de frequência e

aproveitamento dos alunos.

Os edifícios muitos deles de propriedade particular a quem se pagava renda, a

maior parte não tem condições, não tem mobília, não tem materiais escolares. Estes

são dos próprios professores.

Os professores, entre leigos e eclesiásticos, na generalidade pobres docentes

e alguns deles muito desclassificados socialmente, muitos deles exercem o

professorado em “part-time”. A qualidade deste ensino é na generalidade muito

criticada porque a formação e instrução dos professores é muito elementar. O número

de escolas é ainda muito reduzido com um volume de população em idade escolar a

frequentar as escolas muito baixo. Por outro lado a frequência dos alunos é pequena,

o aproveitamento também baixo.

30

O diagnóstico proporcionado pelo Inquérito patenteava claramente as

dificuldades do ponto de partida. É por isso que se deve considerar muito corajosa

esta Reforma que atentou desde logo nos pontos chaves e mais críticos desta

realidade escolar, a saber, as infra-estruturas, e a qualificação do serviço docente, que

impediam o desenvolvimento do sistema escolar e educativo.

A melhoria e alargamento da rede escolar e da qualificação dos professores,

envolviam um extraordinário volume de meios que só o Estado não poderia suprir. A

formação de professores envolvia por outro lado um enorme esforço dos orgãos da

administração escolar, mas sobretudo um forte envolvimento da classe docente na sua

auto-promoção.

Para tal fim foram instituídas as Conferências Pedagógicas que puseram no

terreno um modelo de formação de professores que pelas suas virtualidades, nos

parece ser ainda hoje aplicável nos seus princípios gerais. Ele envolve uma

colaboração activa e participativa, ao longo do ano, de cada um e do conjunto de

professores. Elas contribuíram para a mobilização dos professores em torno das

finalidades e preocupações da Escola e contribuíram para a sua formação e foram um

elemento fundamental da sua organização e afirmação como classe profissional.

9 - Esta Reforma traduziu-se num aumento global de receitas aplicadas à

Instrução e muitos municípios utilizaram mesmo as taxas máximas permitidas por lei

para realizar as verbas destinadas a tal fim. Tal só foi possível com a disponibilidade

das Finanças Públicas mas também com assentimento dos concelhos e dos povos

que permitiram o agravamento das contribuições para suportar a Instrução.

Mas este aumento dos recursos aplicados ao Ensino e à Instrução contou

também largamente com a participação espontânea de mecenas e legatários que se

envolvem activamente neste projecto que se tornou não só um desígnio nacional mas

também humanitário, atendendo às baixíssimas taxas de escolaridade da população

portuguesa, expressão do seu atraso e da sua pobreza mas também bloqueadora de

progressos futuros. É de salientar sobretudo o contributo do legado do Conde Ferreira,

dada a sua dimensão nacional.

O resultado final destes investimentos e primeiro balanço desta Reforma pode

ser medido por 2 indicadores:

a) Crescimento do montante dos gastos

b) Crescimento do número de escolas e também dos professores.

31

É possível seguir para o caso estudado no Distrito de Braga esta evolução,

concelho a concelho, cujos dados globais vão no mesmo sentido. Vamos referir tão só

a evolução e percentagem dos meios financeiros agora aplicados às escolas.

Os encargos dirigidos essencialmente a suportar o pagamento dos ordenados

dos professores, pelo seu elevado valor percentual na despesa total, dão a ideia desta

evolução e crescimento. Poderemos comparar os montantes gastos com a Instrução e

a sua percentagem no Orçamento Geral das câmaras em dois momentos, antes e no

final da reforma de Rodrigues Sampaio, para atentar bem no caminho andado:

Gastos comparativos com a Instrução antes e com a reforma de Rodrigues Sampaio (médias anuais)

1886-1888 1888-1890

Concelhos Despesas % Orçamento Despesas % Orçamento

Braga 836$186 1,0% 7.042$989 3,3%

Guimarães 480$500 0,9% 3.707$340 4,2%

Fafe 458$892 5,3% 2.351$742 12,1%

Vila Verde 392$967 2,2% 2.946$843 18,0%

Vieira 291$903 3,4% 1.701$814 17,8%

Esposende 244$140 2,4% 1.921$046 16,6%

Amares 136$455 1,5% ------------- --------

Póvoa Lanhoso 116$767 1,2% 1.660$394 13,2%

Terras Bouro 110$513 7,0% 484$830 19,0%

Barcelos ----------- -------------- 4.144$318 4,5%

Não entrando em linhas de conta com os casos de Amares e Barcelos, para os

quais não temos valores totais dos conjuntos, o saldo das médias dos investimentos é

espectacular: passa-se de 2.932$68 réis (sem ordenados, pagos directamente pelo

Estado) para 22.815$98 réis o que significa um acréscimo nestes 8 concelhos do

distrito de Braga de 7 vezes. Em correlação com tal crescimento a média da

participação percentual da Instrução nos orçamentos camarários passou de 2% para

13%. Tal provocou, sem dúvida, um salto espectacular nos orçamentos municipais a

exigir, certamente, também um maior equipamento administrativo.

A expressão imediata e mais visível deste investimento foi o aumento

acentuado do número de Escolas e alunos. Ao nível nacional, tanto quanto os dados

dispersos nos permitem concluir, o parque das escolas públicas terá duplicado entre

32

1868 e 1901, saltando as escolas de 2.313 para 4.665. As escolas e o ensino

particular esse terá estabilizado.

Os efeitos ao nível da melhoria e crescimento global do sistema fizeram-se

naturalmente sentir no mesmo sentido: alargamento do número de população escolar,

do corpo docente, da formação dos professores, da frequência e aproveitamento dos

alunos. Mas esta é uma realidade que não é tão facilmente quantificável como o

volume de investimentos. Mas que precisa também de ser estudada e medida para

uma avaliação mais profunda desta importante Reforma de A. Rodrigues Sampaio.

10 – Em tempos de relativo crescimento económico e bom andamento das

finanças públicas, como o que se verificou em grande parte da etapa em que se inicia

e desenvolve a Reforma, este Programa pode manter-se. Mas com a crise financeira

do final do século XIX e o agravamento das condições económicas gerais, nem o

Estado poderia continuar a permitir que a sua receita global fosse cerceada ou

diminuída por estes adicionais municipais para a Instrução que as câmaras alargavam

e utilizavam muitas vezes para seu próprio uso, nem os povos estavam mais em

condições de suportar este agravamento da fiscalidade pública, municipal e paroquial.

O resultado foi o fim da experiência descentralizadora, a limitação à autonomia

do município e no que diz respeito à Instrução o regresso ao modelo e à orgânica

centralizadora que põe fim a esta experiência descentralizadora e municipalista de

promoção e desenvolvimento da Instrução Primária em Portugal no ocaso do século

passado.

Notas 1. Para a elaboração deste texto foi utilizado essencialmente o estudo de José Joaquim Sottomaior Faria – A instrução primária no Distrito de Braga, 1878-1890. Instituto de Inovação Educacional, 1998. 2. Em alguns municípios, a verba para cobrir a gratificação extraordinária é votada para todos os professores e, noutros casos, para alguns professores durante vários anos seguidos, sabendo-se actualmente (através de dados fornecidos pela inspecção), que em alguns desses casos a gratificação não corresponde, nem aproximadamente, ao número de alunos com frequência regular que dá direito à gratificação. Não sabemos é se as autoridades camarárias não tinham conhecimento dessa realidade ou se, pura e simplesmente, “fechavam os olhos” a tal situação. 3. Embora por lei todas as receitas e despesas tenham de ser orçamentadas, será de referir o facto de alguns municípios incluírem no seu orçamento municipal, as receitas e despesas, dos legados - verbas de que não são mais do que gestores - enquanto outros municípios elaboraram orçamentos próprios para essas movimentações de verbas. Esta situação pode assim criar uma falsa ideia em relação aos investimentos municipais na Instrução, de alguns municípios.

33

MUNICÍPIOS E ESCOLAS

NORMATIVIZAÇÃO E CONTRATUALIZAÇÃO

DA POLÍTICA EDUCATIVA LOCAL

António Sousa Fernandes Universidade do Minho

Município e escola na democracia participativa

A intervenção dos municípios na educação encontra-se fortemente implicada

com o lugar atribuído ao município e às escolas no conjunto das instituições públicas

dentro de uma certa concepção de estado democrático.

Na perspectiva de um estado democrático centralizado, a autonomia local

tende a ser interpretada restritivamente, representando apenas uma certa categoria de

interesses privados (cfr. Gaudin, 1999:60), e as escolas são basicamente encaradas

como serviços educativos locais que constituem um dos sectores da administração

periférica do Estado. Esta perspectiva traduz um ponto de vista do poder e da

administração central que prevaleceu durante a vigência do estado educador ou

desenvolvimentista com acento até à década de oitenta nos países latinos fortemente

marcados por uma matriz jurídica romana. Tal ponto de vista considera, como

instrumentos reguladores por excelência das relações sociais, as normas gerais e

abstractas expressas em leis ou regulamentos sendo estas normas de produção

exclusivamente estatal por via parlamentar ou governamental. A função de qualquer

administração local é dar uma execução adequada e fiel a estas normas e

orientações.

Numa concepção de democracia participativa o poder político central é

assumido como agente regulador e estimulador da iniciativa local à qual é reconhecida

uma legitimidade própria para intervir nos processos educativos integrando-os numa

política educativa local. Tal concepção tem algumas implicações: uma retracção das

normas imperativas de carácter geral e da regulamentação taxativa dos processos

34

pela administração central, o alargamento da auto-regulação local e o

desenvolvimento de várias modalidades de regulação voluntária, tais como parcerias,

contratos de desenvolvimento, protocolos e acordos de cooperação (Cfr. Fernandes,

2000). Estas novas formas de dar expressão aos sistemas democráticos encontram-se

em expansão nos países da união europeia, nomeadamente naqueles, como a

França, onde a marca centralizadora era mais acentuada. Isto levou já um estudo

recente, efectuado precisamente em França, a questionar se não estaremos no início

de uma nova modalidade de governar onde o império da lei tenderá a ser substituido

ou complementado, progressivamente, pelo recurso ao contrato na intervenção pública

(Cfr Gouverner par Contrat, por Jean-Pierre Gaudin, 1999).

A Constituição de 1976, a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 e várias

disposições normativas posteriores, nomeadamente o Decreto-lei 115-A/98, parecem

apontar para uma concepção do papel do Estado no sentido ele adoptar um regime

democrático descentralizado (Formosinho, 1999). Porém saber se, entre nós, estas

disposições são manifestação suficiente da integração do país neste movimento mais

vasto de democratização e contratualização que anima os restantes países (Cfr.

Reguzzoni, 1997) é questão que merece uma reflexão mais cuidada.

Ao analisarmos esta questão vamos centrá-la na política educativa local tendo

presentes três indicadores através dos quais ela pode ser visualizada: as normas

reguladoras emitidas pelo Estado, os financiamentos disponibilizados e as práticas

desenvolvidas pelos municípios e escolas. Aliás, sendo a política e a administração

educativas um dos sectores mais centralizados da administração pública esta análise

poderá servir também de referência para a dimensão dos processos de

descentralização e autonomia em curso noutros domínios da política e da

administração em Portugal.

As normas reguladoras

Em termos globais, a evolução normativa destes anos de governo democrático

revelam um reconhecimento crescente do papel do município na educação e alguma

contracção do monopólio estatal sobre a educação pública.

Em termos mais precisos poderemos distinguir três fases nesta evolução: de

1974 a 1986, o município é considerado apenas um contribuinte líquido para as

35

despesas públicas com a educação escolar; entre 1986 e 1996 ao município são

reconhecidas competências educativas de natureza privada em igualdade de

circunstâncias com as restantes instituições privadas e cooperativas e, como estas, é-

lhe também atribuído o estatuto de parceiro social; a partir de 1996 inicia-se uma fase

de reconhecimento da natureza pública da intervenção municipal na educação.

Vejamos esta evolução em mais pormenor.

Entre 1974 e 1986 a intervenção legislativa, que se verifica apenas em 1984,

destina-se a regular exclusivamente a distribuição de competências entre

administração central, regional e local em matéria de investimentos, entre os quais

figura a educação, matéria que trata o Decreto-Lei 77/84. Aí se referem como

competências autárquicas responsabilidades na construção, manutenção e suporte de

despesas correntes na educação pré-escolar e básica, nos transportes escolares para

os alunos do ensino básico e vários outros financiamentos no domínio da acção social

escolar para os mesmos níveis. Trata-se não tanto de definição de competências

educativas mas de encargos financeiros atribuidos às autarquias locais.

A LBSE de 1986 abriu uma nova fase no reconhecimento da autarquia como

agente educativo. Em várias disposições conferiu–lhe competências para criação de

estabelecimentos ou desenvolvimento de acções educativas na educação pré-

escolar, na educação especial, na educação recorrente e de adultos e na formação

profissional. Por esta via atribuia-se ao município um estatuto idêntico ao das

instituições privadas ou cooperativas tendo em vista prioritariamente as chamadas

modalidades especiais da educação para as quais a Lei de Bases apela à cooperação

desses sectores. É dentro do mesmo estatuto que os municípios passam a estar

representados no Conselho Nacional de Educação como parceiro social (Lei 31/87),

entram em parcerias para a criação de Escolas Profissionais a partir de 1989 (Decreto-

Lei 26/89) e participam no conselho de direcção das escolas básicas e secundárias

criado em 1991 (Decreto-Lei 172/91) como experiência pedagógica de um novo

regime de direcção e gestão.

Trata-se, sem dúvida, de um avanço em relação à fase anterior. Não obstante,

mantém-se dentro de uma concepção restritiva e privatística das atribuições

autárquicas comum aos regimes políticos centralizados, como diz aliás Gaudin

referindo-se à França: “Municípios e outras comunidades locais eram pois vistos como

representantes de uma categoria de interesses privados que requeriam uma tutela e

um enquadramento a fim de não contradizer o interesse geral”, (Gaudin, 1999: 60),

interesse esse representado naturalmente pelo Estado.

36

A partir de 1996 dá-se uma inflexão significativa neste posicionamento do

Estado perante o município. A Lei Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei 4/97) definiu

uma alocação do município dentro da esfera pública determinando a integração na

rede pública dos jardins de infância a funcionar na dependência directa das

autarquias locais. O novo regime jurídico da direcção e administração das escolas de

educação pré-escolar, básicas e secundárias (Decreto-Lei 115-A/98) e a nova Lei das

Atribuições e Competências Autárquicas ( Lei 159/99) vieram alargar o âmbito dessa

alocação devolvendo aos municípios competências na elaboração da carta escolar, na

constituição dos conselhos locais de educação e na gestão de pessoal não docente da

educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico.

Mais do que tecer considerações sobre a extensão e relevância concreta de

cada uma destas competências importa salientar a mudança de perspectiva que está

implícita nestas normas. De facto elas indicam que o município deixa de ser

considerado apenas um contribuinte do sistema educativo ou um gestor de interesses

privados no domínio da educação para ser entendido como uma instituição que

participa na gestão dos interesses públicos educativos ao lado do Estado e com o

mesmo estatuto de instituição pública. É a partir deste momento que se inicia, embora

de uma forma incipiente, um processo de devolução de competências que pode

conduzir a uma territorialização e construção de uma política educativa local.

As finanças locais

A captação e gestão dos recursos financeiros constituiu desde sempre uma

pedra de toque para definir o alcance real da política de descentralização educativa.

Daí que ela tenha emergido como ponto central de discussão e de tensões entre

municípios e governo, obscurecendo até, por vezes, o tratamento de outros aspectos

não menos relevantes da política educativa local.

A mudança política de 1974 teve também neste domínio efeitos profundamente

relevantes. Não que as questões financeiras deixassem de ocupar um lugar de relevo

nas preocupações ou reclamações do poder autárquico mas devido ao seu

enquadramento político e jurídico que as situou numa outra área de discussão menos

assimétrica onde o poder democrático local tem conseguido contrapor-se, com

sucessos vários, às decisões ou tentativas de decisão unilateral do poder centralizado.

37

A situação do município português antes dessa data era duplamente vexatória

em termos democráticos e económicos. Além de não dispor de qualquer autonomia

política nem de autonomia administrativa relevante, encontrava-se numa situação

financeira de pobreza crónica que mal dava para cobrir os encargos com as despesas

correntes não obstante o reduzido quadro de funcionários municipais. Por isso o

historiador César de Oliveira (1996) considera que instauração do regime democrático

constituiu para os concelhos portugueses uma verdadeira restauração, em termos

políticos e financeiros, do poder local perdido há mais de 150 anos com a implantação

dos regimes liberais.

Se a autonomia política foi alcançada com a constituição de 1976, a atribuição

de meios financeiros teve como enquadramento a Lei da Finanças Locais de 1979 (Lei

1/79) onde se estabeleceu o princípio da transferência de verbas do orçamento geral

do Estado para as autarquias através do Fundo de Equilíbrio Financeiro. É a partir

desta data que se consolida a autonomia financeira das câmaras municipais a qual

lhes permite dar realização prática às competências que lhes foram conferidas por lei.

Mas, como referimos em outro lado (Fernandes, 1999: 169), a atribuição de

maiores recursos financeiros aos municípios iniciou-se ainda antes da lei das finanças

locais, constituindo o impulso mais relevante para as intervenções municipais na

construção, recuperação, financiamento e equipamento de instalações educativas,

além de apoios vários de iniciativas educativas locais. A regulação normativa das

atribuições municipais quanto a investimentos educativos em 1984 veio apenas

formalizar uma prática já instituída com o anterior reforço das finanças locais.

Porém um efeito perverso resultou desta regulação que perturbou as relações

entre municípios e governo nos anos seguintes. De facto, entre 1986 e 1996 assistiu-

se a um conflito crescente entre municípios, representados pela ANMP, e governo

quanto à distribuição de verbas para corresponder aos novos encargos resultantes do

alargamento em 1986 da educação básica para nove anos. A tentativa de exigir ao

município as prestações definidas em 1984 para um quadro diferente de duração da

educação básica e ainda a pressão para uma participação autárquica nas construções

escolares do 2.º e 3.º Ciclo da Educação Básica sem reforço das verbas distribuídas

através do Fundo de Equilíbrio Financeiro gerou uma tensão permanente entre

municípios e governo.

Outros focos de fricção surgiram com base em questões financeiras. Refiramos

dois mais relevantes: a recusa por parte do Ministério de Educação de colocação de

educadoras de infância nos Jardins de Infância Municipais e a exclusão dos

38

estabelecimentos de educação de infância e de escolas de 1.º ciclo na distribuição de

fundos enviados pela União Europeia no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio

cujos encargos ficaram exclusivamente na responsabilidade dos municípios.

Os conflitos gerados pelos aspectos financeiros acabaram por centrar as

questões educativas nessas temáticas que passaram a constituir a referência

constante da agenda política quer nas reuniões com o poder central quer nos debates

e encontros entre autarcas, munícipes e escolas.

Para se compreender melhor as várias dimensões deste conflito importa referir

que o regime democrático implicou um acréscimo exponencial dos encargos

municipais em relação a carências básicas da população no que respeita a energia,

água, saneamento, rede viária, tratamento de lixos, edifícios escolares, etc. para os

quais os fundos disponibilizados pelo orçamento geral do Estado e as contribuições

locais se revelavam habitualmente insuficientes. Por outro lado, em termos

comparativos, os municípios portugueses constituíam, dentro da Europa Ocidental, os

que, em percentagem, menos comparticipavam na distribuição dos dinheiros públicos.

Em 1992 essa comparticipação situava-se na ordem dos 5 %, quando na Espanha

ultrapassava os 10 % sendo esta comparticipação, mesmo assim, abaixo da média

europeia que andava nos 15 % (Silva, 1996: 452).

Assim a distribuição de meios financeiros transformou-se num dos indicadores

mais significativos do grau de autonomia introduzido no sistema político. As

dificuldades financeiras induziram também o desenvolvimento de relações clientelares

entre autarcas e governo baseadas em afinidades partidárias ou relações pessoais

que funcionaram como sistema privilegiado para obter recursos para o

desenvolvimento local. Um investigador do poder autárquico nos inícios dos anos

noventa chamou ao Estado imbuído por este sistema de relações o Estado Labiríntico

(Fernando Ruivo, 2000) dada a sinuosidade e enviesamento das relações existentes

entre poder local e central.

Esta situação acabou todavia por ser atenuada através do reforço posterior da

participação autárquica e com o recurso a outras formas de financiamento entretanto

surgidas. Com referência ao primeiro, uma inflexão na política governamental

conduziu a que em 1997, a participação municipal no orçamento geral do estado

subisse para 8% (Fernandes, 1999: 168). Mas as novas formas de financiamento

acabaram por ter um papel decisivo não apenas na descoberta de novos recursos

monetários como utilização de formas contratuais como alternativa à atribuição

tradicional de verbas por via legislativa.

39

Esta modalidade de obtenção de recursos financeiros iniciou-se em 1989 com

a criação de parcerias para o desenvolvimento do ensino tecnológico, artístico e

profissional. Essas parcerias incluíam a atribuição de verbas através do fundo social

europeu para o financiamento dos cursos das escolas profissionais.

A expansão da educação pré-escolar, assumida como prioridade política do I

Governo Socialista conduziu também à disponibilização de verbas para construções,

equipamentos e acção social nesse nível educativo através de protocolos de

cooperação celebrados com os municípios na sequência da Lei Quadro de Educação

Pré-Escolar (1997).

O que nos importa relevar neste processo é que a regulação e distribuição

imperativa dos fundos e encargos financeiros municipais começam a ser

complementadas e, em certos casos, substituídas por regulações voluntárias assentes

em parcerias e protocolos de cooperação. Estamos perante uma evolução relevante

na distribuição e gestão dos recursos financeiros não tanto pelo conteúdo concreto

destas regulações como pelo modelo de regulação que parece emergir neste contexto.

Ele reforça as relações assentes na cooperação de parceiros, dotados de autonomia

própria, para o desenvolvimento de projectos educativos locais.

As práticas desenvolvidas pelos actores locais

Ao falarmos em actores locais temos em vista directamente os municípios e as

escolas como os parceiros que directamente se confrontam a este nível. Mas não

poderemos esquecer que subjacente e presente na mediação destas relações locais

está um actor educativo determinante que é a administração educativa quer através

dos seus órgãos centrais quer através dos seus órgãos periféricos. Embora a sua

presença possa nem sempre ser perceptível, o seu influxo nunca está ausente no

decurso dos processos relacionais entre municípios e escolas.

A intervenção municipal na educação começou cedo mesmo antes das

disposições normativas que surgiram só a partir de 1984. A compartimentação e uma

certa conflitualidade marcaram os inícios da intervenção municipal. Com o decurso do

tempo, estas desconfianças e resistências à cooperação local entre municípios e

escolas têm vindo a ser ultrapassados embora exista ainda a necessidade e a

exigência de maior clarificação nas relações e nos compromissos mútuos entre

40

escolas e municípios com vista à consolidação de uma acção educativa mais

integrada, mais territorializada e mais inovadora.

Passemos a indicar alguns elementos que nos dão um panorama da

intervenção municipal na educação.

Como já referimos, o investimento camarário na educação iniciou-se logo após

a restauração do poder local. Tendo incidido prioritariamente na educação pré-escolar

e 1.º ciclo que deste então se têm mantido como objecto prioritário da sua intervenção,

não deixou também de se estender directa ou indirectamente a outros níveis e

modalidades de educação. São relativamente conhecidos os consideráveis

investimentos camarários na educação. Façamos apenas uma sumária categorização

desses investimentos:

1. A maior fatia dos investimentos directos têm-se destinado desde o início à

renovação e conservação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e 1.º ciclo.

Quando esta intervenção se iniciou o parque escolar ou era inexistente, no caso da

educação pré-escolar ou insuficiente e extremamente degradado, no caso do 1.º ciclo.

Mais recentemente os municípios, passaram também a contribuir para a construção

dos estabelecimentos de 2.º e 3.º Ciclo com a oferta de terrenos que inicialmente foi

mal aceite devido a resultar de uma pressão unilateral do governo sem o necessário

acordo municipal, como referimos. Os transportes escolares são outro contributo dado

pelos municípios a todo o ensino básico. No conjunto constituem encargos dos

municípios legalmente estabelecidos.

2. Mas para além disso, vários outros equipamentos foram construídos pelos

municípios para serviço em geral dos munícipes e disponíveis para todas as escolas:

referimo-nos a centros culturais, bibliotecas, ludotecas e videotecas, pavilhões e

parques gimnodesportivos, piscinas, parques para actividades de lazer, instalações

para festas e espectáculos ou sedes de associações. Embora se trate de

equipamentos comunitários eles estão disponíveis para projectos e actividades

educativas de jovens estudantes de qualquer nível de ensino e são largamente

utilizados pelas escolas.

3. Os municípios têm estimulado o desenvolvimento de diversas actividades de

ensino quer em modalidades formais quer em modalidades menos formais. No

primeiro caso é de salientar o seu papel no ensino artístico e profissional, como já

antes referimos, o qual teve devido a isso uma grande expansão na década de

noventa. Outras actividades de formação menos formais são coordenadas a partir dos

seus departamentos culturais e educativos.

41

4. Finalmente os municípios vieram ainda a apoiar, através de prestações

diversas, as escolas, em geral, do seu concelho. A título exemplificativo refiramos

alguns desses apoios: transportes para visitas e passeios, ofertas de materiais,

arranjos de jardins e acessos, apoios logísticos de serviços municipais para

actividades desenvolvidas nas escolas, disponibilização de espaços para celebrações

e convívios. Não menos significativa tem sido a utilização do município como canal de

influência ou meio de pressão para construção de novas escolas, renovação de

edifícios e equipamentos, criação de cursos novos nas escolas já instaladas.

Esta enumeração deixa entrever com nitidez que o âmbito da intervenção

municipal na educação tem crescido progressivamente e que, embora centrado na

oferta de recursos também já apresenta algumas incursões na oferta e organização de

prestações educativas. Uma consequência organizacional desta expansão foi a

criação e crescimento dos departamentos municipais de educação necessários para

acompanhar o incremento de intervenção no terreno.

Tendo em conta a prática municipal constatada ao longo deste período pode

dizer-se que ela tem mesmo andado à frente das definições legais das suas

atribuições educativas. Dois exemplos permitem-nos comprovar esta conclusão: Os

investimentos municipais efectuados nas instalações educativas anteciparam a sua

consignação legal em 1984; também o alargamento da intervenção municipal para as

modalidades regulares ou modalidades especiais se verificou independentemente das

disposições normativas.

Para completar esta informação importa referir que, em termos quantitativos, os

investimentos municipais na educação, segundo cálculos da Associação Nacional dos

Municípios Portugueses rondam cerca de 10% do orçamento municipal o que os

aproximam da percentagem aplicada a nível nacional pelo orçamento geral do estado.

Mesmo assim há, pelo menos, um sector onde o apoio é ainda muito reduzido.

Referimo-nos aos serviços de refeições para o 1.º ciclo de que apenas beneficiam um

limitado número de escolas. Estamos perante uma lacuna injustificada do sistema,

embora as responsabilidades não se possam assacar exclusivamente, ou mesmo

maioritariamente, aos municípios.

As ligações e colaborações locais entre câmaras municipais e escolas tiveram

de superar bloqueamentos e tensões conflituais sobretudo nos tempos iniciais. Na sua

origem estavam algumas concepções e representações dos municípios que marcavam

o imaginário docente: o receio de uma excessiva politização da escola com a presença

dos eleitos locais no seu seio; as memórias negativas herdadas de más experiências

42

havidas durante a época liberal e a I República quanto a intervenções municipais; a

concepção da escola como organização fechada à participação comunitária que

dominava na escola tradicional. Em dois momentos essas tensões vieram

particularmente à superfície correspondendo a tentativas ou propostas para

alargamento da participação municipal na gestão escolar, para além na prestação de

financiamentos. O primeiro momento deu-se em 1984 quando o governo admitiu a

possibilidade de interferência das câmaras municipais na gestão do pessoal das

escolas básicas de 1.º ciclo e Jardins de Infância. O segundo momento surgiu em

1987 a propósito da proposta de organização e direcção dos estabelecimentos de

ensino não superiores elaborada pela Comissão de Reforma do Sistema Educativo

que introduzia a participação de pais, autarcas e outros representantes locais nos

órgãos de direcção. Em ambos os casos houve uma forte contestação protagonizada

por alguns movimentos sindicais e por conselhos directivos que levaram a que a

primeira proposta fosse abandonada no decreto de definição de competências e a

segunda protelada sucessivamente. De facto, a participação de autarquias e outros

participantes externos veio a consignar-se, primeiro como experiência pedagógica

apenas em 1991 e como regra geral em 1998. Também a intervenção na gestão do

pessoal não docente ficou recentemente consignada, sem que em ambos os casos se

tivessem originado os mesmos protestos. O que é que esteve na origem desta

mudança?

Penso que alguns factores influenciaram decisivamente quer o relacionamento

entre escolas e municípios quer a concepção de escola por parte dos professores. No

primeiro caso, a proximidade física entre as duas instituições, mais visível em

concelhos de média e pequena dimensão, veio possibilitar a permuta de recursos e a

colaboração em acções de interesse comum. No que respeita à permuta de recursos

se as escolas recorrem frequentemente ao município para apoios materiais e

logísticos, como antes referimos, também os municípios têm sido beneficiários de

quadros docentes que integram as assembleias municipais, fazem parte dos

executivos camarários, assessoriam presidentes ou vereadores, trabalham a tempo

inteiro em departamentos e colaboram em serviços ou projectos. Esta presença não

só veio dar uma imagem diferente e melhorada do município perante os professores

como veio sensibilizar os edis em relação às peculiaridades, necessidades e

importância das instituições educativas.

As culturas docentes têm sofrido também uma evolução progressiva quanto à

concepção de escola e quanto à sua abertura ao ambiente externo definido como

território ou comunidade educativa. A escola como centro de aprendizagens múltiplas,

43

o envolvimento dos professores e alunos em projectos locais e a colaboração dos

diferentes actores situados no território envolvente começam a ser lugares cada vez

mais comuns das representações docentes acerca da escola e das dimensões

educativas nela presentes. Em consequência, a participação externa é

progressivamente vista como um envolvimento natural que vem enriquecer e contribuir

para o enquadramento e qualidade do seu projecto educativo.

Esta evolução quer em termos de envolvimento de pessoas quer em termos de

concepções de escola e educação constitui um factor importante para substituir as

intervenções compartimentadas seja da escola seja da autarquia na educação por

processos coordenados conjuntamente e transformar as relações de conflito ou

concorrência em relações de permuta e cooperação.

Perspectivas de evolução da política educativa local

Da leitura que fizemos acerca da evolução das políticas educativas locais

durante o regime democrático ressaltam algumas tendências que marcam o seu

percurso e que podem ser sinteticamente resumidas nos seguintes pontos:

- Nota-se uma evolução normativa no sentido de dar maior autonomia à escola

e de envolver mais directamente o município na política educativa local;

- As modalidades contratuais de regulação das intervenções educativas entre

os vários parceiros começam a tomar relevo ocupando uma campo progressivamente

deixado em aberto pela descentralização administrativa;

- A cooperação local entre municípios e escolas mostra tendências para se

reforçar fazendo diluir ou desaparecer os antagonismos e compartimentações que

caracterizam os sistemas fortemente autocentrados e burocratizados.

Se estas tendências assumem algum relevo elas têm sido diferentemente

estimuladas pelos três actores mais directamente em presença: o governo central, a

escola e o município.

De facto o governo têm sido até agora o que tem marcado mais profundamente

a agenda da política educativa local quer nos momentos de retracção e contestação

quer nos momentos de abertura e de diálogo, levando os outros actores locais a agir

ou a reagir de acordo com essa agenda. É compreensível esta situação num modelo

44

de Estado que parte de uma situação de administração educativa fortemente

centralizada. Neste sistema, a iniciativa política é decisiva para alterar as relações

marcadamente assimétricas entre administração central, escolas e autarquias. A

observação do percurso da política educativa que sinteticamente fizemos mostra isso

mesmo.

Todavia para que esta evolução se consolide e aprofunde torna-se necessário

que os actores locais assumam um maior protagonismo para que a emergência de

relações contratuais não disfarcem uma persistente relação de dominação e a

contratualização não revista a configuração de “contratos leoninos” (cf. Fernandes,

2000:895; 897-898).

O desenvolvimento de formas locais de colaboração e de permuta já em curso

directamente entre escolas e municípios ou, de uma forma mais colectivamente

institucionalizada, através dos Conselhos Locais de Educação constitui um caminho a

percorrer para a construção de uma política educativa local e para uma relação mais

equilibrada com a administração.

Referências

Fernandes, A. Sousa “Os Municípios Portugueses e a Educação: entre as representações do passado e os desafios do presente” em João Formosinho et alii Comunidades Educativas: Novos Desafios à Educação Básica, Braga, Livraria Minho, 1999: 159-180

Fernandes, A. Sousa “Contratos de Autonomia e Autonomia Contratual na Escola Pública” em M. Alte da Veiga e Justino Magalhães Prof. Dr. José Ribeiro Dias: Homenagem, Braga, Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia, 2000, 887-901

Formosinho, João “De serviço do Estado a comunidade Educativa: uma nova concepção para a escola portuguesa” em o.c., 1999: 25-69

Gaudin, Jean-Pierre, Gouverner par Contrat: L’Action Publique en Question, Paris, Presses de Sciences PO, 1999

Oliveira, César, “Do liberalismo à União Europeia” em César Oliveira (Direcção), História dos Municípios e do Poder Local, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996

Reguzzoni, Mario “Experiencias e experimentaciones relacionadas com a autonomia escolar en los países europeos” em Garragori e Munício (coord.), Participación, autonomia y dirección en los Centros Educativos, Madrid, Editorial Escuela Española, 1997: 257-286

Ruivo, Fernando, O Estado Labiríntico. O Poder Relacional entre Poderes Local e Central em Portugal, Porto, Afrontamento, 2000

Silva, Carlos Nunes “O Financiamento dos Municípios” em César Oliveira História dos Municípios e do Poder Local, o.c.

45

A AUTONOMIA DAS ESCOLAS

LÓGICAS TERRITORIAIS E LÓGICAS AFINITÁRIAS

João Formosinho IEC/Universidade do Minho

O tema da autonomia e territorialização é um dos mais actuais da agenda

política educativa no nosso país. Nesta comunicação abordarei algumas questões

relacionadas com o tema, procurando analisar o interesse do Estado na autonomia

das escolas, os riscos e os contrapontos da autonomia. Finalmente, falarei do âmbito

territorial dessa autonomia.

1 – O interesse do Estado na autonomia das escolas

O sistema português da administração pública e, em particular, o sistema

educativo possuem características dos sistemas centralizados. Como se explica,

então,que haja um interesse do Estado na autonomia da escola e na participação na

vida da escola de outros agentes, nomeadamente pais, municípios e outros agentes

locais?

Temos que compreender que, durante a década de 70, que foi a década da

construção da escola de massas, da escola pós-primária de frequência obrigatória, as

escolas alteraram-se bastante. E num sistema centralizado que funcionava bem para

regular e dirigir um número de escolas (basicamente existia uma escola por concelho

ao nível do ensino preparatório e poucos liceus por distrito), deixou de ser um sistema

apto a regular o conjunto enorme de escolas e professores que agora existe.

Uma primeira razão deste interesse do Estado tem a ver com o falhanço que se

tornou mais visível na década de 80. Nesta década, a Lei de Bases do Sistema

Educativo estabeleceu que o sistema de administração das escolas deveria ser mais

participado e a interpretação que a Comissão de Reforma do Sistema Educativo deu

(sobretudo) à Lei de Bases, claramente mostrou que o sistema centralizado tinha os

46

seus dias contados. E, a partir daí, nunca mais se deixaram de discutir questões como

a participação na vida das escolas, a autonomia e outras.

Uma segunda razão tem a ver com o excesso de responsabilização pelo

Estado na crise social da educação. Podemos, obviamente, dizer que a educação está

em crise há bastante tempo. Mas essa é uma crise artificial porque, de facto, é a

própria expansão da escola de massas que é uma das causas dessa repercussão de

crise na opinião pública. O facto da escola ser para todos desvalorizou graus e

diplomas que antes eram importantes porque eram apenas obtidos por alguns. Ter

antigamente o 5º ano dos liceus era importante porque poucos o tinham. Quando

todos atingem o 9º ano, qual é a importância desse facto? Portanto, há algum

desconforto ligado também à escolarização massiva e a alguns aspectos que a

democratização da educação trouxe também às escolas. Por vezes, as escolas (de

massas) não têm qualidade, sobretudo num sistema de construção que foi de

expansão rápida e não pôde, de repente, ter em instalações, qualidade dos

professores e outras, os mesmo recursos que tinham a escola de elites, que em

Portugal não eram, no entanto, excessivos.

Ora, o Estado vinha a ser responsabilizado sistematicamente pela crise. Há

aqui um desejo de também transferir essa responsabilidade para as escolas. É uma

transferência que tem, por um lado, algum aspecto de desresponsabilização, mas

também de reconhecimento real de que o Estado não pode regular as escolas. Boa

parte das reformas dependem das escolas e dos professores e, portanto, de alguma

forma, corresponde a uma partilha de responsabilidades mais adequadas às

realidades actualmente existentes.

Uma quarta razão é a emergência do municipalismo em Portugal como uma

força importante depois do 25 de Abril. O municipalismo não era uma força antes do

25 de Abril, pois os municípios eram, durante o Estado Novo, mais ou menos caixas

de correio do governo central e, a partir da década de 80 e sobretudo na década de

90, ganharam um protagonismo bastante grande noutras áreas e, naturalmente, ele

acabou por chegar à educação. Também houve pressões municipais para que o

Estado partilhasse responsabilidades. Embora tenhamos que reconhecer que aí houve

sempre pressões mas também alguma desconfiança do poder local. Lembre-se

também que a transferência de responsabilidades pode ser vista como transferência

de desresponsabilidades. Daí que o poder local tenha tido algumas precauções nesse

pedido de responsabilidades.

47

2 – Os riscos da autonomia

Durante as décadas de 80 e 90, falamos muito das vantagens da autonomia.

Agora que ela está consagrada legalmente – e em construção – é também o momento

oportuno para falar dos seus riscos.

As formas de autonomia são sempre instrumentais: a autonomia das pessoas,

a autonomia das instituições, nomeadamente a autonomia universitária. Nunca

podemos, por conseguinte, valorizar a autonomia tomando-a como um fim em si.

Devemos, sim, valorizá-la como um meio para dar um contributo à sociedade. Assim,

a autonomia da escola também tem que ser uma autonomia instrumental. Essa

autonomia apresenta, no entanto, alguns riscos que importa analisar.

O primeiro é o risco da “autonomia da miséria”, que corresponde à

possibilidade do Estado se desresponsabilizar. Este argumento alerta para a questão

de que a autonomia implica recursos financeiros. Caso contrário, não há possibilidade

de exercício concreto da autonomia.

O segundo é o risco do “localismo”, ou seja, é o risco da “autonomia

provinciana”. É possível que a autonomia possa ser usada para fins provincianos e até

bairristas (que são coisas diferentes). O excessivo acentuar da questão do bairrismo

pode ser prejudicial para o conjunto nacional. De facto, este é um risco possível em

todas as autonomias. Não é um risco só das escolas, mas também das universidades

e de outras corporações.

Um terceiro risco é o da “autonomia por incompetência”. Apesar de a ideia de

autonomia ser normalmente encarada de forma optimista, o seu uso pode contrariar as

intenções, designadamente quando os agentes não têm preparação adequada para a

assumir e intervir em domínios tão complexos, como o administrativo-financeiro, o

organizacional e o pedagógico. Nessa medida, dar autonomia quando não há

capacidade para a exercer pode ter resultados desastrosos, pois não é por uma

decisão ser “autónoma” que ela se torna “boa”.

Um quarto risco é o da “autonomia corporativa”, ou seja, o de, sob a capa do

discurso autonómico, aparecerem decisões para servir, sobretudo, os interesses dos

professores, tal como nos hospitais também aparecem decisões de saúde pública a

favor dos interesses dos médicos, na justiça aparecem decisões que servem

interesses de juizes e advogados. Acontece, porém, que há corporações que têm uma

48

capacidade de argumentação extremamente elevada para disfarçar os seus interesses

e com eles fazer coincidir o interesse público. Temos, pois, de aceitar o princípio de

que todas as corporações estão sujeitas ao desvio corporativo. Porém, há situações

em que os próprios membros da corporação estão de tal modo socializados nas

lógicas internas que tomam as posições corporativas como interesse público.

Há, finalmente, o risco da desigualdade. Este é o risco que decorre do facto de

as escolas terem recursos desiguais e desempenhos desiguais, que proporcionam

oportunidades desiguais às crianças. De qualquer modo, temos que reconhecer que

não há escolas iguais, embora a burocracia esconda, de alguma forma, as

desigualdades. Para o sistema burocrático todas as escolas são formalmente iguais,

embora não sejam iguais na realidade. O mesmo se passa com os alunos, que são

formalmente iguais, com igualdade formal de direitos, mas não são iguais de facto.

Portanto, as escolas sempre foram diferentes. O risco da autonomia é o poder

acentuar essas diferenças no sentido de um agravamento das desigualdades.

Por isso, a autonomia carece de contrapontos.

3 – Os contrapontos da autonomia

Desde a Lei de Bases do Sistema Educativo e das propostas da Comissão de

Reforma apareceram, entre outros, dois contrapontos claramente definidos, que foram

muito frisados e debatidos – a participação e a prestação de contas.

A autonomia da escola obriga a uma alteração da concepção de escola. O que

está em causa, não é a escola dos professores mas a escola como comunidade

educativa. Isto implica, desde logo, a participação dos pais e outros agentes, entre os

quais, surge claramente a problemática municipal. Há, portanto, uma alteração dos

agentes da escola. A importância dessa questão tornou-a objecto de discussão e

estudo, incidindo nomeadamente na composição dos órgãos de governo das escolas e

no grau de representatividade desses agentes externos nos mesmos. Não obstante, a

questão da participação parece actualmente interiorizada e considerada fundamental

para a escola ser mais autónoma. É neste sentido que a participação constitui um

contraponto na questão da autonomia.

O segundo contraponto é a prestação de contas. Este aspecto não está,

porém, tão interiorizado. Num contexto de autonomia, a escola tem que prestar contas

49

daquilo que faz. Tal não significa que essa prestação de contas se reduza aos seus

aspectos formais. Numa cultura muito burocrática, que está ainda muito presente na

administração educativa portuguesa, a prestação de contas continua, em grande

medida, a ser identificada como a que era tradicionalmente feita pela inspecção e no

domínio da administração pública em geral. Neste sentido, trata-se de uma prestação

de contas pelo controlo normativo que se satisfaz com o mero cumprimento das regras

formais, mesmo que contrarie os fins que é pressuposto elas servirem. Por exemplo,

uma escola pode gerir os seus recursos financeiros de acordo com as normas legais

sem que, no entanto, o tenha feito da melhor forma para a consecução dos fins

pretendidos. Do mesmo modo, podem ser tomadas decisões de legalidade

inquestionável, embora na prática elas possam ser perfeitamente absurdas. Aliás, não

é nada invulgar que as decisões burocráticas sejam absurdas porque são previstas

para contextos gerais que, muitas vezes, não resultam em casos concretos. Ora, esta

forma burocrática de prestação de contas não serve uma escola autónoma.

A prestação de contas é, no entanto, essencial. Em Portugal, e particularmente

no sistema educativo, não existe uma cultura de avaliação, como existe em muitos

países da Europa. Aí, as iniciativas são avaliadas. Toma-se uma medida e os

programas incluem logo à partida a sua avaliação. Assim, se o desempenho das

escolas é diferente, ele terá que ser avaliado nessa diferença. Nesta perspectiva, o

elemento principal da prestação de contas é a avaliação em função dos fins visados,

mais que dos meios utilizados.

Um outro contraponto é a própria regulação do Estado. Mesmo num contexto

de autonomia, ele continua a dispor do poder de regular. Porém, não é fácil ao Estado

ou à administração passarem de uma lógica de controlo normativo a uma lógica de

regulação. Isso obrigaria a distinguir com muita clareza o que é ou não essencial, o

que pode ou não ser alterado. No entanto, na lógica burocrática todas as coisas têm

mais ou menos o mesmo valor, mesmo que todos reconheçam a diferente importância

dos diversos aspectos do funcionamento das escolas. Por exemplo, o horário de

funcionamento do jardim de infância ou da escola primária é uma questão de

importância essencial ou relativa? Analisando a questão tendo em conta a ocupação

das famílias e os seus horários de trabalho, conclui-se que se trata de uma questão

essencial. Ou seja, justifica-se que o Estado regule nesta como noutras áreas

relevantes. E porque é que a regulação é importante em determinadas áreas?

Precisamente porque a autonomia tem riscos e um deles é a “autonomia corporativa”,

sendo essa regulação um contraponto importante deste tipo de autonomia.

50

Por último, é necessário ter em conta os diferentes graus de desenvolvimento

das escolas e de autonomia. Isto implica que haja instrumentos que liguem o grau da

autonomia que as escolas têm ao seu grau de desenvolvimento. Não é por um lance

de mágica normativa que as escolas passam a ser autónomas. O processo da

construção da autonomia é gradual e lento.

Deve-se reconhecer, portanto, que há escolas que não têm condições para

serem autónomas. Veja-se, por exemplo, o caso das escolas com excessiva

mobilidade docente, onde não há sequer protagonistas para assegurar a autonomia.

Cabe à administração, nestes casos, primeiro criar as condições estruturais para o

exercício da autonomia.

4 – O âmbito territorial da autonomia

O Estado – e, melhor dito, o governo – tem algum interesse na participação e

reconhece, de algum modo, o fracasso do modelo centralizado. Assim, o Estado aceita

que deve haver mais autonomia para as escolas e consagra e elabora mesmo uma

retórica e legislação sobre a autonomia das escolas. Mas, como vimos, essa

autonomia tem perigos e exige contrapontos. Ela foi definida - pelo menos assim como

a caracterizam este governo e o anterior - no sentido de a territorializar, ou seja,

assumir que a autonomia das escolas, bem como outras configurações de escola –

Centros de Formação de Associação de Escolas, Territórios Educativos de

Intervenção Prioritária (TEIP), Agrupamentos de escolas – têm que assentar numa

lógica territorial.

De alguma forma, isto é muito importante pois remete igualmente para a

problemática municipal. E estamos a falar dos municípios e não das freguesias,

embora reconheça que as freguesias em relação ao ensino primário e educação de

infância também têm o seu papel, mas os municípios têm um papel mais importante.

Estes têm um papel de representação territorial e, portanto, numa lógica territorial

surgem envolvidos nas problemáticas da autonomia das escolas.

A lógica territorial torna-se clara se analisarmos, por exemplo, os Centros de

Formação de Associação de Escolas. O Estado cometeu-lhes a responsabilidade de

boa parte da formação contínua dos professores e outros agentes educativos

naqueles territórios. No caso dos TEIP, a lógica da sua criação também foi territorial.

51

De igual modo, os Agrupamentos de Escolas pressupõem esta mesma lógica.

Portanto, de uma maneira geral esta lógica territorial está em desenvolvimento nas

escolas. Mas há outras lógicas igualmente presentes que devem ser consideradas.

5 – A importância das lógicas afinitárias

A lógica territorial é importante mas não é nem deve ser a única presente nas

escolas. Na verdade, os professores, e as pessoas de uma maneira geral, não se

relacionam simplesmente por viverem num determinado território mas também por

terem afinidades, sejam elas ideológicas, teóricas, de métodos de ensino, etc.

Essas afinidades existem no terreno. Existem, por exemplo, no ensino primário

e na educação de infância, em que professores e educadores estão associados ao

Movimento da Escola Moderna, partilhando determinadas práticas pedagógicas.

Existem igualmente no terreno professores e educadores inseridos no movimento do

Instituto das Comunidades Educativas (ICE), que desenvolvem práticas, tendo em

comum a sua orientação para as famílias e as comunidades locais. Estes dois

exemplos são bastante evidentes, mas existem outros projectos ligados a

Universidades e Escolas Superiores de Educação que são também redes comunitárias

ligadas ao ensino superior. É o caso, para citar exemplos próximos, do Projecto

PROCUR, do LETHES, do Projecto Infância, do Projecto Escola de Pais, do Projecto

Ciência Viva e de outros.

Estas redes afinitárias não têm, por definição, uma lógica claramente territorial.

De alguma forma, cabe às escolas equilibrar essas duas lógicas. As lógicas afinitárias

são importantes porque há professores que também se movimentam por elas e é, não

só legítimo, mas sobretudo de interesse para o sistema educativo que haja pluralidade

e diversidade.

Para ilustrar o interesse da pluralidade e diversidade, veja-se modo como

foram construídos social e historicamente o ensino primário e a educação de infância.

O ensino primário é um sector estatizado, desde os finais do século XVIII, tendo

portanto mais de 220 anos. A estatização a que foi sujeito levou a que,

progressivamente, foram desaparecendo as diferenças e hoje assistimos a práticas

pedagógicas muito uniformes, apenas aqui e ali matizadas por práticas diferenciadas

alimentadas em grupos restritos.

52

Já a educação de infância nasceu mais tarde e não tem como pai o Estado,

que, no entanto, a tem vindo a adoptar. Aí podemos falar de pluralidade de modelos

nas práticas das educadoras. É o Movimento da Escola Moderna, é o modelo

High/Scope, é o trabalho de projecto. Estes três modelos, pelo menos, têm grande

incidência em Portugal. Há países onde esta diversidade é ainda maior e há escolas

de formação ligadas a esses modelos.

A tendência de estatização e a formação das educadoras na Universidade –

que é também uma máquina de alguma uniformização – poderão levar ao

desaparecimento dessas diferenças. No entanto, é importante que essa tendência seja

contrariada no terreno, mantendo-se a diversidade de modelos e práticas, não

descobrimos nem nunca descobriremos a «maneira óptima» de fazer as coisas. Aliás,

não há uma «maneira óptima» independente dos professores e das pessoas.

Conclusão

No sistema têm que coexistir as duas lógicas – a territorial e a afinitária, a

lógica do território e a lógica dos projectos. Fundamentalmente pretende-se que a

lógica territorial não suprima a outra lógica porque isso conduziria ao seu

empobrecimento.

As lógicas afinitárias poderão estar ancoradas em modelos pedagógicos, em

redes e projectos. Portanto, a autonomia exerce-se nestas lógicas, tal como nas

lógicas territoriais. Aliás, não é por acaso que na formação contínua coexistem os

Centros de Formação de Associação de Escolas, que assentam numa lógica territorial,

e os Centros de Formação de Professores, que se baseiam na lógica afinitária.

Em síntese, não podemos perder de vista que a autonomia tem um valor

instrumental ao serviço de valores mais elevados e que ela só é útil se proporcionar

uma educação de melhor qualidade às crianças. Quando tivermos dúvidas em saber

se uma área ou uma decisão é ou não adequada, o grande critério a ter em conta é o

da continuidade da relação pedagógica e da educação e bem-estar das crianças.

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A INTERVENÇÃO DOS MUNICÍPIOS

NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO

Coordenação

Nuno Alpoim Vice-Presidente da C. M. de Braga

Autonomia e Agrupamento de Escolas

João Nogueira Vereador da C. M. de Braga

Municípios e Autonomia das Escolas

Rómulo Sousa Delegado Escolar de Ponte da Barca

e Vereador da C. M. de Arcos de Valdevez

Que Papel para os Conselhos Locais de Educação? António Esteves

Vereador da C. M. de Paredes de Coura e membro do Conselho Municipal de Educação

Domínios de Intervenção dos Municípios

Manuela Marques Projecto Municípios e Educação

54

55

MUDAR A ESCOLA, MUDAR OS MUNICÍPIOS

Nuno Alpoim Câmara Municipal de Braga

A acuidade deste tema é notória para toda a gente, no contexto da assunção

de alguma responsabilidade dos municípios nesta área e no quadro de uma discussão

que hoje se faz entre o governo central e os municípios para a eventual transferência

de mais competências, nomeadamente na área da educação.

A posição dos municípios portugueses é clara. Na impossibilidade por motivos

que são conhecidos de fazer a regionalização administrativa, considera-se que está na

ordem do dia a descentralização dos municípios como forma de ultrapassar os

malefícios do centralismo que não foi possível corrigir pela via da regionalização.

No entanto, a Associação de Municípios Portugueses, as Câmaras de um

modo geral, consideram que esta transferência de competências tem de ser uma

transferência contratualizada, no sentido em que tem de ser negociada com os

municípios portugueses. Tem de ser gradualista, no sentido que não se pode fazer

uma transferência de competências dada pela Administração Central todas de uma

vez para os municípios, o que poderia ser contraproducente. E, por outro lado, implica

também que com a transferência de competências seja transferido o pacote financeiro

respectivo, com uma nuance - consideram os municípios portugueses que as

competências que estão sub-financiadas a nível do poder central não podem ser

transferidas com esse envelope financeiro para os municípios. Seria não uma forma

de transferir competências mas transferir o odioso da questão.

Este é o quadro em que as competências na área da educação se pode e deve

fazer e é esta a posição global da Associação dos Municípios.

As intervenções dos membros do painel mostram-nos que os municípios fazem

muito e muito mais do que são obrigados. Com o aumento das competências dos

municípios na área da educação há uma consciência que começa a fazer caminho

entre todos os actores, isto é, o aumento das competências obriga a mudar a escola e

também obriga a mudar os municípios. E este é o desafio que estamos todos a

encarar.

56

57

JARDINS, ESCOLAS E MUNICÍPIO

João Nogueira Vereador da Educação da C. M. de Braga

A temática deste seminário é de uma grande oportunidade, não só porque têm

saído algumas leis que vão transferir para os municípios muitas das competências ao

nível da educação, mas também porque, estamos na fronteira daquilo que era feito de

uma forma para começar a ser feito de outra forma, registando, por via disso, uma

participação cada vez mais activa quer dos pais, quer das autarquias, nas quais quero

também integrar as juntas de freguesia que têm tido um papel decisivo na construção

da logística para o Sistema Educativo. A oportunidade advém-lhe também do facto de

os municípios terem algumas competências delegadas e de, quer os municípios quer o

Ministério da Educação, terem algumas dificuldades em implementá-las porque

existem algumas barreiras. E, tudo o que se faça por forma a tentar eliminar os

impedimentos para uma efectiva realização dos objectivos da política educativa é

sempre óptimo. Por isso, desde Outubro do ano passado a Câmara de Braga integra

com mais nove municípios um grupo de trabalho no âmbito da Associação Nacional de

Municípios que tem vindo a discutir todas estas questões.

E fazemo-lo com base no princípio de que é preciso implementar de uma forma

global e desenvolver de uma forma exaustiva o nível educacional da educação pré-

escolar. Não só para ver o que já tem sido feito ao nível da contratualização para o

desenvolvimento e expansão deste nível de educação, como também para

caracterizar e definir o trabalho a fazer para que o apoio de animação sócio-educativa

seja extensível ao 1º ciclo. Na verdade, nesse grupo de trabalho entendemos que o 1º

ciclo é o parente mais pobre do Sistema Educativo, pelo que, neste momento, temos

um quadro de competências, um quadro de meios, pronto a negociar com o Ministério

da Educação que permite, de uma vez por todas, ao nível do pré-escolar, termos o

quadro geral das transferências e das competências, mas também estendê-las ao 1º

ciclo com as adaptações julgadas pedagogicamente mais correctas e didacticamente

mais aconselháveis.

58

Somos de opinião que algumas das competências actualmente exercidas pelo

Ministério da Educação podem ser desenvolvidas pelos municípios com muita maior

eficácia, com uma resposta muito mais pronta, já que estes estão muito mais perto das

populações e muito mais rapidamente podem obviar a alguns problemas, cuja solução

é atrasada pela burocracia ainda existente no Ministério que manieta a acção das suas

estruturas intermédias.

Mas não se extingue aqui esse trabalho. Nós próprios tivemos uma reunião, há

cerca de duas semanas, em Coimbra, onde se procedeu a algumas propostas de

alteração a uma lei que a Câmara Municipal de Braga, desde início, entendeu de

grande interesse para autonomizar pedagogicamente e administrativamente o trabalho

das escolas, do 1º. Ciclo, nomeadamente quando se agrupam. E, por isso é que nós

estivemos a trabalhar relativamente a alterações a introduzir no 115-A/98 porque,

efectivamente, dar autonomia sem definir que competências, que tarefas, pertencem

ao município é, de certa forma, ficar o trabalho manietado e ficar pelo meio.

Os municípios portugueses e a Câmara Municipal de Braga têm a noção do

trabalho que é preciso fazer. Trabalho que tem nas instituições, nas escolas, nos

docentes e em toda a comunidade educativa, os parceiros ideais para efectivamente

rompermos com algumas mentalidades e outros obstáculos que urge vencer e que

tem a ver como a forma como as escolas e jardins de infância trabalham e com

algumas leis ou regulamentações de leis que lhe dão ou terão de dar o respectivo

suporte ou enquadramento.

1 – Notas introdutórias

Antes de abordar cada um dos níveis de educação e ensino, queria dizer o que

a Câmara Municipal de Braga entende, aquilo que tem feito e qual é a posição que

defende. Assim, começaria por dizer que muitas das leis saem mas a sua

regulamentação acaba por fazer adiar no tempo aquilo que é a intervenção na prática,

como é o caso dos Conselhos Locais de Educação, um órgão de consulta importante

para a definição de todo o programa educativo que se pretende levar a cabo num

concelho. Na verdade, falta uma lei que regulamente efectivamente todo o quadro da

intervenção a fazer neste domínio. A lei que neste momento existe é extremamente

vaga e não define toda a abrangência que poderá ter um Conselho Local de

Educação.

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Outra questão importante é a da carta escolar, cujo papel é fundamental ao

nível do planeamento, ao nível da adequação de todo o sistema educativo, no sentido

de facilitar o acesso e promover o sucesso educativo. A própria Associação Nacional

de Municípios tem propostas concretas a apresentar ao governo relacionadas com a

sua elaboração, tendo em conta objectivos já definidos. Interessa, pois, que tenhamos

um conhecimento fundamentado da realidade, que se faça um levantamento de todos

os estabelecimentos de ensino, da sua situação, da oferta que têm, dos seus acessos

e da sua localização, de forma que a carta escolar venha a ser um documento de

planeamento e gestão de toda a estrutura educativa, sobretudo mais localizada e ao

nível de um concelho.

Foi aqui dito que os municípios não têm um plano educativo para o concelho. É

evidente que, como tal, com esse nome, pode não existir. Mas em todos os

municípios existe um plano de actividades, que não se restringe às competências que

estão definidas no Decreto-Lei nº 100/84 e, agora, nas Leis 159/99 e 169/99. Com

efeito, os municípios definem um conjunto de acções que ultrapassam aquilo que são

as competências e as responsabilidades do município no que concerne à educação:

para além das actividades que por responsabilidade nos dizem respeito, nós temos

um conjunto de actividades próprias, dinamizadas de uma forma autónoma pela

Câmara Municipal e ainda apoiamos e colaboramos noutras actividades desenvolvidas

pelas escolas ou agrupamentos de escolas. Assim, por exemplo, a escola fixa de

trânsito é uma actividade com grande sucesso e um projecto educativo de grande

relevância, que tem tido um papel preponderante. É um nicho de formação que,

estando fora da escola, também está dentro dela (escola), porque levamos os alunos a

frequentar essas aulas.

Referiu-se aqui o Projecto Educativo do Ayuntamiento de Barcelona, que eu

conheço. Posso mesmo adiantar que, no próximo Outono, vai ser organizado em

Lisboa um Congresso Internacional das Cidades Educadoras, em que a Câmara

Municipal de Braga vai participar com uma comunicação. É, de facto, fundamental que

os municípios tenham um papel educador e formativo no âmbito do seu território, um

papel que não se restringe apenas às escolas mas que abarca toda uma comunidade.

Este exemplo das Cidades Educadoras que nos vem do exterior merece-nos atenção

para que o ajustemos ao que são os interesses e especificidades da nossa região.

60

2 – O Município e a educação pré-escolar

No domínio da educação pré-escolar, o anterior governo e este deram ênfase

e potenciaram um nível educacional que, na perspectiva da Câmara Municipal de

Braga, tem um papel fundamental, porque, antes de mais, é factor de sucesso

educativo e corrector de assimetrias sócio-educativas. A Câmara Municipal, desde a

primeira hora, celebrou o contrato-programa que todos os anos é ajustado à realidade

que nos vai aparecendo e que nós vamos incrementando com o objectivo de dar

formação aos alunos que depois irão para a escolaridade básica obrigatória e, ao

mesmo tempo, corrigir formações que têm a ver, muitas vezes, com o local e a família

de cada um dos alunos. E fazemo-lo no sentido de oferecer a estes alunos, as

condições que são oferecidas aos alunos que frequentam os colégios particulares ou

instituições particulares de solidariedade social.

É um trabalho enorme que tem várias vertentes. E é um trabalho ainda mais

difícil porque nós temos que, efectivamente, lutar contra mentalidades que não são só,

infelizmente, de algumas educadoras e de algumas auxiliares de acção educativa mas

também, e diga-se aqui, com a própria mentalidade que está instalada nas estruturas

intermédias do Ministério da Educação, nomeadamente na Direcção Regional de

Educação do Norte. Alguns exemplos demonstram que é sempre fácil dizer que

determinado assunto é da competência da Câmara, quando todos os agentes

envolvidos neste processo têm responsabilidades. E este contrato que foi assinado

pela Câmara Municipal de Braga, enquadrada pela Associação Nacional de

Municípios, tem competências específicas. Há competências que são dos

agrupamentos ou de escolas e jardins, das educadoras, da Câmara Municipal e do

Ministério da Educação.

Este empenhamento que abrange já muita gente deve atrair mais gente ainda

para que o projecto possa vingar e possamos chegar a um jardim de infância, onde a

qualidade da educação é inegável, e podermos oferecer sobretudo a famílias onde os

casais trabalham, a possibilidade de eles poderem colocar o seu filho no ensino oficial,

estar lá, almoçar, ficar em prolongamento de horário após o período educativo, em

animação sócio-cultural-educativa e, depois, no fim do dia, o pai ou a mãe ir buscá-lo e

levá-lo para casa.

Esta é uma lacuna que existia e que ainda carece de ajustamentos. Assim,

torna-se um problema ter, no mesmo local de trabalho, funcionários já colocados pelo

município e funcionários do ministério da Educação que se recusam, algumas vezes,

61

em colaborar em tarefas de animação sócio-educativa, pelo que se torna importante

que as educadoras se apercebam do papel que têm que desempenhar para o

desenvolvimento e expansão deste nível educacional.

Por outro lado, este projecto complementa ou é complementado com o projecto

promovido pelos Centros Regionais de Segurança Social, enquadrados pelo Ministério

do Trabalho e da Solidariedade e, por conseguinte, muitas vezes, projectos que são

feitos pelos Municípios, correm o risco de constituir numa oferta superior às

necessidades, porque entretanto apareceu uma IPSS, um colégio que tem contrato

com o ministério e origina ali um conflito de “interesses”, a merecer concertação.

Existe, pois, um entendimento entre o Município e o Centro Regional de Segurança

Social para evitar que numa freguesia tenhamos uma oferta superior às necessidades

e permitir que estes dois sistemas se complementem um ao outro, de forma a

rentabilizar as economias e os recursos.

É evidente que a oferta que nós temos é de comparticipação por parte do

Estado a todos os alunos, independentemente da sua origem económica, no sentido

de estimular a frequência. A autarquia tem que gerir este sistema, quer ao nível da

comparticipação do Estado, quer ao nível da comparticipação dos pais. Por outro lado,

dizemos também que, nos últimos dois anos o município de Braga tem entregue

projectos nos prazos previstos no Ministério da Educação para a comparticipação de

novos jardins de infância. Assim aconteceu no passado e, neste ano lectivo, em

Outubro, o município de Braga entregou projectos de arquitectura para mais 13 jardins

de infância num total de 32 salas, que no seu conjunto rondam uma estimativa de

cerca de 700 a 800 mil contos. A comparticipação do Estado para este esforço é de

cerca de 9 mil contos por sala de actividade, mas o esforço para cada um dos jardins

de infância, mesmo que tenha duas ou três salas, é um investimento da ordem dos

quarenta e cinco mil contos. Isto significa uma comparticipação aquém da realidade,

mas vamos aproveitar.

Esta política de construir jardins de infância, que está definida no plano de

actividades da Câmara, quer no presente ano quer no plano anterior, prevê duas

situações: a construção de raiz e o aproveitamento das salas de actividades que vão

vagando nas escolas do 1º ciclo. Em Braga, assistimos a um aproveitamento das

escolas urbanas, dado que os pais trabalham na cidade e é-lhes muito mais favorável

tê-los aqui com eles. O que nós fazemos é aproveitar os espaços que vão sendo

deixados vagos nas escolas do 1º ciclo, construímos os espaços complementares, e

isso está a começar a ser feito agora, no sentido de oferecer as duas vertentes de

animação sócio-educativa – a refeição e o prolongamento de horário.

62

Ao nível da Associação Nacional de Municípios temos o quadro de

competências perfeitamente definido, as comparticipações, a formação dos agentes

educativos que no período pós-lectivo ficarão com os alunos, o perfil, o rácio entre o

número de turmas e o número de auxiliares de acção educativa e também temos

previsto o montante da comparticipação a ser transferida. Está perfeitamente definido,

temos isto há alguns meses e estamos à espera que, efectivamente, se realize a

reunião para que se regulamente e se concretize o que está previsto em leis e que eu

anteriormente já referi.

3 – O Município e o 1º ciclo

No grupo de trabalho de 10 municípios que já referi, nós entendemos que, para

os alunos do 1º ciclo, deve ser feito exactamente o mesmo que está a ser feito para

os jardins de infância. E também temos tudo definido. Temos definido que

competências, que transferências, a caracterização dos agentes que vão estar para

além do período educativo. E atenção, o processo será sempre gerido pelo conselho

escolar, pelo conselho executivo do agrupamento, sempre gerido pelo agente

educativo por excelência, que é o professor ou o educador. Os outros agentes

planificarão as suas actividades, mas sempre superintendidos pelo professor ou

educadora, director ou conselho executivo ou consultivo. Portanto, o que quer dizer é

que nós queremos para o 1º ciclo efectivamente verter também aquilo que são as

opções tomadas pelos municípios portugueses relativamente aos apoios sócio-

educativos.

É evidente que a maioria das escolas do 1º ciclo não foram construídas e

preparadas para a educação pré-escolar com os novos desafios. Temos algumas que

já respondem perfeitamente a essas solicitações. Nas outras faremos as construções

e as adaptações por forma a responder também e, devo dizer, que hoje é imperativo

legal que as novas escolas do 1º ciclo, cumulativamente, também tenham jardim de

infância. E a Câmara Municipal de Braga está a fazer isso por opção desde há dois

anos. Nas duas escolas que entraram este ano em funcionamento, têm

cumulativamente, para além do 1º ciclo, também o jardim de infância. E uma outra que

já tem o projecto de arquitectura feito e está localizada na quinta da Naia, em

Maximinos, zona onde registamos pressão demográfica e educativa do 1º ciclo. A

63

escola, em termos de arquitectura, está aprovada. O projecto contempla também estas

duas vertentes – educacional e de ensino.

Portanto, o grande esforço que compete ao município será o de ajustar à

realidade e à necessidade os actuais espaços educativos tendo como ponto de partida

a realidade de que havia há 5, 10, 15, 20, 50, 80 ou mais anos atrás. É certo que

temos a noção que algumas escolas não poderão nunca contemplar esta situação. E

não temos qualquer problema em dizer aqui que S. João do Souto é um caso. É uma

escola num edifício que funciona há 116 anos e que na época foi alvo de adaptação

mas que é sempre difícil de intervir, tendo em conta o número de alunos e a natureza

dos espaços existentes e o ajuste dos mesmos à realidade e necessidades didáctico-

pedagógicas. Neste momento há um entendimento tácito com a escola, através da sua

directora, no sentido de intervir de forma faseada que será antecedida de

entendimento entre a escola e o município. É pois um grande esforço e uma aposta do

município de Braga a intenção de também verter para os alunos do 1º ciclo os apoios

sócio-educativos. Está subjacente a preocupação social, sobretudo dos pais que

trabalham (realidade que já vem da Revolução Industrial) já que os pais não têm onde

deixar os filhos para poder trabalhar de uma forma descansada, sabendo que eles

estão entregues em activas educativas e formativas.

Por isto é que vai haver no futuro um grande esforço dos municípios no sentido

de construir os espaços complementares para as escolas do 1º ciclo poderem ter um

refeitório, um polivalente, gabinetes e salas de actividades específicas. Nós hoje

temos a realidade de que também existem actividades complementares à actividade

educativa ou extra-curriculares como sejam a Ciência-Viva, os projectos de carácter

informático, um conjunto de ofertas que hoje as escolas podem ter no seu âmbito e

nós temos a noção que a escola a que estávamos habituados há 10 ou 15 anos, onde

todos andamos, que tinha duas salas de actividade, um recreio meio coberto e o

logradouro, hoje é uma realidade que não pode existir.

De qualquer forma, para o 1º ciclo, pese embora as competências não estarem

definidas neste aspecto, nós aqui ao nível da cidade de Braga, temos que fazer

opções. Fazemos opções por uma realidade, pois como já foi dito de manhã, quando

em 85 o património das escolas do 1º ciclo e jardins passou para o município,

herdamos um parque escolar degradadíssimo. E estamos a falar de um passado com

15 anos em que teve que haver um grande esforço, não só de requalificação desses

espaços, mas também mercê do surto da escolarização e das novas perspectivas que

se abriam, de construir muitas escolas. E no município de Braga nós construímos

dezenas de escolas do 1º ciclo e dezenas de jardins de infância. E agora vamos entrar

64

numa outra fase que é a de construir os espaços complementares. Mas nós herdamos

um parque escolar degradadíssimo e complicado e daí que a nossa atenção se vá

também virar muito para esse lado.

Neste momento só queria deixar ficar duas ideias que são muito importantes. O

município de Braga no caso do 1º ciclo, que no percurso casa-escola-casa é perigoso,

sempre ofereceu transportes escolares.

4 – O Município e as EB 2/3

No que respeita ao 2º ciclo, abordamos apenas as questões dos pavilhões

gimnodesportivos e da construção das EB 2/3.

1) – O pavilhão gimnodesportivo é uma sala específica como é uma sala de

desenho, uma sala de física – química, ou outro espaço qualquer. A sua construção é

da exclusiva responsabilidade do Ministério da Educação. A Câmara Municipal de

Braga há uns anos foi confrontada com uma situação, e posso dizer que foi o caso da

Escola EB 2/3 de Cabreiros, em que eles pretendiam construir um pavilhão com

medidas que não previam a prática de todas as disciplinas desportivas cobertas. E eu

interroguei a DREN, “porquê Cabreiros e porquê deste tamanho?”. Não me souberam

dar resposta e nós na Câmara entendemos que a fazer-se pavilhões deveriam ser

com as medidas, de modo a permitir a prática desportiva. E como o município de

Braga tem um projecto de cobertura de pavilhões gimnodesportivos por todo o

concelho e sabendo que os pavilhões são mais procurados no período nocturno e ao

fim de semana do que no período diurno, nós pretendemos juntar o útil ao agradável.

Fazendo o acordo com o Ministério da Educação, construímos os pavilhões

gimnodesportivos, de dia serviriam para a escola e no período pós-lectivo e ao fim de

semana serviriam para a comunidade. E aceitaram este princípio a partir do governo

que foi eleito em 95. E isso já surtiu alguns efeitos, porque na sequência disso,

construiu-se o pavilhão de Real e estão-se a construir os de Gualtar e Cabreiros e, em

Janeiro deste ano, a Câmara Municipal oficiou ao Ministério da Educação para

negociar os quatro pavilhões que faltam – Nogueira, Celeirós, Francisco Sanches e

Sá de Miranda. E temos desta forma coberta a necessidade do concelho, quer o

interesse do município quer o educativo.

65

2) – Uma outra questão tem a ver com a construção das escolas EB 2/3. A

competência da construção de uma EB 2/3 é da exclusiva responsabilidade do

Ministério da Educação. E ele é que tem que arranjar terrenos e tem que construir a

escola. Nós quando pretendemos construir uma escola do 1º ciclo não vamos pedir

terrenos ao ministério. Em tempos o ministério obrigou, e estou a falar dos ministérios

de 80 e princípios de 90, a que quando se quisesse fazer uma escola, tinham que ser

as câmaras a dar o terreno. A Câmara Municipal de Braga nunca cedeu terreno para

isso e as escolas foram feitas. O que quer dizer que, quando nós há dois anos

enviamos estudos para o Ministério da Educação e para a DREN a dizer que se

justificava a construção de uma escola na zona do Cávado, para as freguesias de

Panoias, Merelim, Mire de Tibães e Padim da Graça, ajustaram para este ano o

PIDAC e eles próprios também têm que arranjar o terreno porque é da sua

competência.

Há naquilo que é conhecimento da situação no concelho a necessidade de

uma outra escola no centro da cidade. Isso é bem mais complexo porque,

efectivamente, quer a André Soares, quer a Francisco Sanches estão com um número

excessivo de alunos. De qualquer forma são desafios que se nos colocam e a verdade

é que, como somos um concelho em crescimento e com muita juventude, estes

desafios são importantes para que todos nós possamos construir a educação,

sobretudo numa altura em que estamos no virar da página daquilo que poderá vir a ser

a relação entre os municípios e a sociedade, tendo no meio a educação.

66

67

MUNICÍPIOS E AUTONOMIA DAS ESCOLAS

Rómulo de Sousa Delegado escolar de Ponte da Barca

e Vereador da C. M. de Arcos de Valdevez

Numa perspectiva realmente progressista, democrática e não autoritária, não se muda a ‘cara’ da escola por portaria. Não se decreta que, de hoje em diante, a escola será competente, séria e alegre. Não se democratiza a escola autoritariamente.

Paulo Freire, A Educação na Cidade

Parece, hoje, inquestionável que a Escola, enquanto organização social

complexa, vem merecendo, essencialmente a partir dos anos oitenta, uma reflexão

profunda por parte de todos os actores e, de modo muito especial, por parte de

destacados membros da comunidade científica, devido à (re)actualização permanente

de concepções de Escola e de conceitos de Educação.

Nesse quadro, significativas discussões, enquanto análises indispensáveis e

inadiáveis a um melhor conhecimento das organizações educativas, têm vindo a ser

produzidas, gerando novas perspectivas teóricas sobre essas temáticas.

Indubitavelmente, a instauração do regime democrático em Portugal veio

permitir, apesar de inúmeros momentos de hesitações, olhar a Escola como ponto de

cruzamento de políticas sociais e educativas, e, nessa lógica, a participação na

organização educativa passou a ser também permanente objecto de estudo,

designadamente depois da promulgação da Constituição da República em 2/Abril/76, e

mais concretamente depois da publicação da Lei n.º 46/86, de 14/Outubro (LBSE).

Nesse novo cenário, o envolvimento político dos cidadãos, a diversos níveis,

passou a constituir uma problemática de enorme interesse, já que o nível dessa

participação tem um papel preponderante na definição do que somos, como somos e o

que queremos.

Por isso, é nosso entendimento que as experiências, de índole diversa, por nós

vividas durante um longo período de mais de três décadas, na tripla qualidade de

docente, de responsável pela gestão de uma estrutura desconcentrada do sistema

educativo e ainda como autarca, influenciaram os nossos posicionamentos,

68

condicionando notoriamente as nossas perspectivas, os nossos interesses, as nossas

expectativas, os nossos mitos e até as nossas utopias.

Rejeitando, ao longo dessa nossa actividade profissional e de intervenção

cívica, uma atitude contemplativa, assumimos permanentemente um interesse pelas

questões do envolvimento dos diversos actores a vários níveis e, de modo especial,

nas questões educativas, tendo, no entanto, sempre presente que, como afirma Licínio

Lima, “(...) por paradoxal que possa parecer, o nosso conhecimento da escola é

bastante incipiente, não só porque a sua aparente falta de mistério representa para

nós um obstáculo que por vezes nos impede de a conhecer melhor, mas também

porque ela é uma realidade polifacetada, apresentando facetas dinâmicas que mudam

com os tempos e com os actores. Tratando-se do estudo da escola como organização

social complexa, formalmente construída e estabelecida, cremos que os obstáculos

serão possivelmente maiores, dado que não tem estado na nossa tradição e nos

nossos hábitos pensá-la nessa perspectiva.” (LIMA: 1998a - Prefácio).

Descentralização e Autonomia

A descentralização vem sendo habitualmente apresentada como

correspondente a um modelo de administração em que é dada “capacidade jurídica a

um agente ou órgão para poder regular e praticar actos definitivos e executórios, ou

seja, sem possibilidade de recurso hierárquico, numa área delimitada de atribuições”

(FERNANDES, 2000), e, por isso, traduz uma relativa independência administrativa

em relação aos órgãos hierarquicamente situados a níveis superiores.

Porém, esse novo quadro relacional parece ter sido incapaz de responder

eficazmente aos múltiplos e diferenciados problemas que, no decorrer dos tempos,

vêm assoberbando as comunidades. A inoperância da administração central para uma

resposta atempada às exigências das comunidades tem levado os Estados a procurar

alargar a esfera dessa descentralização – uns, no assumir de um novo projecto

político baseado na participação dos cidadãos na administração da res pública, e

outros, pela via de cedências face às prementes reivindicações dessa sociedade em

constante mutação.

Na consequência da necessária evolução do processo de descentralização,

surge a necessidade da desregulamentação por parte da Administração Central de

69

áreas de gestão mediante o endosso progressivo do poder de regulação ou decisão

concreta ao órgão ou agente local, e, nessa vivência relacional, o grau de

desregulação acaba por definir o grau de descentralização efectivada (cf.

FERNANDES, 2000).

A partir daí, e no âmbito do estudo dessa temática, passou a assumir particular

importância o conceito de autonomia relacionado com a ideia de emancipação ou de

auto-governo (conceito relacional pelas interdependências sempre estabelecidas na

sua acção), e que, para além do âmbito jurídico-administrativo, “implica uma

capacidade de acção determinada por factores de ordem psicológica, ética, política,

sociológica, técnica, científica e até fisiológica”, o que poderá justificar que, “por

natureza, e não apenas por contexto, apareça sempre como processo permanente de

construção individual e colectiva”(id., ibidem).

Em Portugal, se durante o regime do Estado Novo, a centralização atingiu a

expressão máxima, não é menos verdade que, apesar dos vários apelos à

democraticidade e à participação dos diversos actores no processo educativo, a lógica

centralizadora não sofreu, no período pós-“25 de Abril”, a mudança necessária e

sobejamente justificada para a descentralização e partilha de poderes, apesar de,

dado o contexto político e social então vivido, ter ocorrido, como afirma Licínio Lima,

“(...) um movimento de participação docente e discente polifacetado, contraditório e

conflituante, mas que num primeiro momento foi desenvolvido em torno da conquista

do poder e de autonomia face à administração central (...), em busca de um

ordenamento democrático e participativo da escola, com destaque para as

concepções autogestionárias” (LIMA, 1998a:204).

Legislação entretanto publicada, embora apelando à participação de outros

actores, designadamente de pais, autarquias, comissões de moradores e de aldeias

no processo de direcção e gestão das escolas, só lhes abriu espaços para uma

intervenção informal (meramente opinativa e/ou influenciadora), não lhes

proporcionando nunca espaço para um envolvimento com poder de decisão.

Promulgada a Lei Fundamental – Constituição da República – em 2 de Abril de

1976, esse diploma definiu a República Portuguesa como “um Estado de direito

democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e

organização política democráticas (...), que tem por objectivo a realização da

democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia

participativa” (art.º 2.º), consagrando, na versão de 1982 – primeira revisão

70

constitucional, a participação democrática no ensino (art.º 77.º), e, nesse

enquadramento, a LBSE (art.º 1.º) veio determinar:

1. – (...);

2. – O sistema educativo é o conjunto de meios pelos quais se concretiza o

direito à educação, (...) e a democratização da sociedade;

3. – (...) desenvolve-se segundo um conjunto organizado de estruturas e de

acções diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de diferentes instituições e

entidades públicas, particulares e cooperativas,

estabelecendo ainda que “o sistema de ensino deve ser dotado de estruturas

administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local” (art.º 43.º-2).

Todo este quadro legal, tendo acolhido, em certa medida, os diversos tipos de

intervenção, até essa data, já voluntariamente assumidos nas e pelas escolas, abriu a

porta ao modelo de gestão democrática que tem vindo a vigorar até à recente

publicação do DL n.º 115-A/98, de 4/Maio, como refere Almerindo Afonso ao destacar

que “(...) no decorrer de um período longo de normalização da vida portuguesa (que,

num sentido mais foucaultiano, vai para além do designado período de normalização

constitucional), a manutenção deste modelo de gestão, sucessivamente cerceado por

uma crescente regulamentação da tutela, acabou por induzir, com o passar dos anos,

uma desmobilização crescente dos actores escolares, acabando por legitimar a

tomada das decisões a nível central” (AFONSO, 1999:20).

Mas, a lógica centralizadora vem sendo justificada, segundo os seus

defensores, por uma visão de pretensas vantagens, nomeadamente aplicação mais

fácil do poder de controlo, existência de uma visão global dos administradores,

administração central mais preparada para exercer o poder de decisão, importância do

instrumento de controlo financeiro da administração central na organização do sistema

e outros (cf. BARROSO, 1996c), o que pode pressupor a existência de uma forte

tendência de, segundo João Formosinho, “(...) ter a tentação de vender

desconcentração, chamando-lhe descentralização”.

É certo que, em resultado da publicação da LBSE e dos trabalhos da CRSE, e

gerada a perspectiva de racionalidade de recursos proveniente da massificação da

educação, começaram a surgir novas visões do papel do Estado nos processos

complexos de decisão política e de administração da educação no sentido de transferir

determinados poderes e funções da administração central e/ou regional para o nível

local, reconhecendo a escola como centro nevrálgico do sistema educativo e a

comunidade local como parceiro indispensável na tomada de decisões, perspectivas

71

que terão a ver com a mudança operada nas formas do Estado – Estado Liberal para

Estado Providência -, com a penetração do Estado burocrático no mercado e na vida

privada e consequente neutralização dos “princípios liberais clássicos de legitimação”.

Nessas circunstâncias, o Estado, ao procurar “(...) relegitimar-se face à situação de a

sua administração prometer mais do que a economia suporta, aparecendo por isso a

questão de legitimação intimamente ligada à problemática das crises do sistema

político”, ter-se-á visto compelido a gerar um quadro conceptual para um modelo novo

de participação na implementação da política educativa (cf. ESTÊVÃO, 1998b:57,

citando J. Habermas, 1973 e 1978).

Nesse sentido, diplomas vários vêm criando condições para que a sua

abordagem se venha alongando no tempo. Ontem, com o aparecimento do Decreto-

Lei n.º 43/89, de 3/Fevereiro; mais tarde, com a divulgação do Decreto-Lei n.º 172/91,

de 10/Maio, (experimentado em reduzido número de escolas); posteriormente, com a

publicação do Despacho Normativo n.º 27/97, de 12/Maio; e, hoje, na sequência da

publicação do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4/Maio, essa temática continua presente

no dia a dia das nossas escolas, constituindo preocupação primeira não só dos

investigadores, mas também de todos os actores educativos, e, provavelmente, razão

primeira para a realização deste seminário.

Com a publicação desses diplomas dá-se um novo impulso à filosofia que

presidiu à elaboração dos documentos referentes à autonomia e administração das

escolas do ensino não superior, no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema

Educativo.

Nessa perspectiva, o citado Decreto-Lei n.º 43/89, reconhecendo a exigência

da alteração do quadro normativo, veio referir no seu preâmbulo, quanto ao conceito

de autonomia, que “(...) A autonomia da escola concretiza-se na elaboração de um

projecto educativo próprio, constituído e executado de forma participada, dentro de

princípios de responsabilização dos vários intervenientes na vida escolar e de

adequação a características e recursos da escola e às solicitações e apoios da

comunidade em que se insere”; e, mais adiante, continua: - “(...) A autonomia da

escola exerce-se através de competências próprias em vários domínios, como a

gestão de currículos e programas e actividades de complemento curricular, (...), e,

bem assim, na gestão administrativa e financeira”, lógica essa correspondente a uma

nítida visão limitada de autonomia.

Na versão do dito DL n.º 115-A/98, a autonomia é entendida como o poder

reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios

72

estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu

projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão

consignados, em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes

no processo educativo (art.º 3.º), o que acaba de consagrar um conceito mais alargado

de autonomia.

No entanto, e apesar de e contra todo esse novo quadro legal, cremos que o

nível administrativo do sistema educativo em Portugal, embora tendo posto de lado o

paradigma organizacional fortemente centralizado, continua ainda centralizado-

desconcentrado, onde a distribuição de poder pelos diversos actores sociais nas

decisões educativas é vista de forma limitada e essencialmente de carácter

instrumental, permitindo à administração central a criação de condições para continuar

a legitimar o controlo hierárquico sobre as estruturas desconcentradas, embora

tenhamos de reconhecer que, nos últimos tempos, a evolução desse processo vem

sofrendo algumas alterações.

Mas, a construção da autonomia da escola parece continuar seriamente

condicionada pela realidade político-social e pela tradição administrativa do nosso

País – poderes de tutela e de superintendência da administração central e ainda do

poder local - e também pelo nível do empenhamento responsável e permanente de

todos os parceiros, tendo em conta os contextos locais e suas especificidades e

dependente ainda do processo de transferência de competências e de meios para as

escolas e do nível da atribuição dessas competências na sua organização, gestão e

funcionamento.

Medidas a implementar, designadamente no quadro do processo de

contratualização já previsto no citado diploma de autonomia (Capítulo VII – art.º 47.º,

DL n.º 115-A/98), poderão não corresponder aos anseios da comunidade educativa e,

nesse caso, condicionar o processo de construção da autonomia. E tais medidas,

porque integradas na territorialização das políticas educativas e sociais, poderão ainda

vir a gerar um clima de tensões entre o Local e o Estado (“forcing local”) por estar em

causa a aceitação de tensões e contradições sempre presentes em todo o esforço

participativo e negocial, na busca de uma substantividade democrática (cf. GADOTTI

& TORRES, 1991:14, in Considerações Preliminares - Educação na Cidade, de Paulo

Freire), pelo que parece não ser legítimo, segundo alguns investigadores, e tendo em

conta o actual quadro legal, falar em reforço da autonomia se e quando verificados

“sistemáticos e opressivos sistemas de controlo”.

73

Nesse cenário, a construção da autonomia estará dependente, não meramente

de qualquer imperativo legal – “autonomia decretada”, mas fundamentalmente do nível

da sua importância assumido pelas comunidades locais – “autonomia construída”,

enquanto meio para a prestação de um serviço público de educação/ensino de melhor

qualidade, parecendo, por isso, não obter justificação suficiente decretar-se que a

escola vai ser autónoma, já que “(...) ‘a autonomia da escola surge como um valor

intrínseco à sua organização’ e como ‘um meio de esta realizar em melhores

condições as suas finalidades’ em benefício das aprendizagens dos alunos. Trata-se,

no entanto, de um processo complexo, composto por etapas sucessivas, que não será

possível materializar com êxito sem a iniciativa da escola e dos seus profissionais,

bem como da comunidade educativa” (Despacho Normativo n.º 27/97).

Nessa linha de pensamento, Licínio Lima afirma que “A autonomia da escola, a

autonomia da pedagogia (ou do campo pedagógico), não são concretizáveis à

margem de mobilização organizacional dos sujeitos pedagógicos, isto é, sem as

acções e as decisões individuais e colectivas, dos indivíduos, grupos, subgrupos

concretos, que fazem a educação e que são a escola” (LIMA, 1999:94). Por isso,

entendemos que a chamada dos vários actores para uma participação no actual

quadro de competências delimitadas, isto é, para uma intervenção com carácter

consultivo, não parece capaz de mobilizá-los para um envolvimento responsável e

inadiável, nem gerar condições à construção da escola da Reforma Educativa.

Mas, se com a publicação do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4/Maio, ficou

consagrado o regime de autonomia, administração e gestão das escolas, continua, no

entanto, ausente a componente relativa à criação de condições para o favorecimento

da dimensão local das políticas educativas e da partilha de responsabilidades, apesar

de, com a publicação da Lei Quadro de Transferência de Atribuições e Competências

para as Autarquias Locais (Decreto-Lei n.º 159/99, de 14/Setembro), poder considerar-

se alargado o respectivo quadro legal. De facto, o seu artigo 19.º consagra as

competências das autarquias no âmbito da Educação, destacando-se, no entanto, que

tais atribuições se situam essencialmente no domínio gestionário ou instrumental e,

por isso, nada condizentes com as exigências de emancipação dos diversos actores

educativos na construção da autonomia da escola.

É verdade que, hoje como ontem, e em jogadas de antecipação, a escola vem

tentando explorar todos os espaços de autonomia consagrados, embora, algumas

vezes, e devido a eventuais incongruências(?!) dos normativos legais e à falta de

meios adequados, se fiquem por um registo meramente ritualizado. Porém, vendo que

a construção da sua autonomia não depende só do quadro legal definidor de “(...)

74

normas e regras formais de partilha de poderes e da distribuição de competências

entre os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino”

(BARROSO, 1996c:17), mas também da autonomia dos diversos parceiros e do

aproveitamento da existência de “zonas de autonomia”, recorre frequentemente à

produção de regras próprias – “autonomias clandestinas” – traduzidas, no dizer de

Licínio Lima, em “infidelidades normativas”, a fim de, considerando “a diversidade e a

flexibilidade de soluções susceptíveis de legitimarem opções organizativas

diferenciadas em função do grau de desenvolvimento das realidades escolares” (art.º

4.º-2c, do DL n.º 115-A/98), concretizar o seu projecto educativo.

Mas, embora a conjugação da LBSE, com o Decreto-Lei n.º 43/89, de

3/Fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4/Maio, tenha vindo a criar enormes

expectativas no que se refere à descentralização efectiva do poder e à participação de

todos os actores sociais na definição da política educativa e na construção da

autonomia das escolas, não é menos verdade que, sendo a territorialização dessa(s)

política(s) um fenómeno essencialmente político desenvolvido sempre através de um

processo negocial assumido por uma determinada comunidade e numa relação

conflitual de legitimidades entre interesses distintos, não pode perspectivar-se

unicamente numa dimensão jurídico-administrativa. E, por ter a ver com questões de

organização política, administrativa e social dos portugueses, esse processo não

parece também concretizável na ausência de uma intervenção reguladora do Estado

nessa relação de parceria com as comunidades locais e no respeito pelas suas

identidades (e das suas autonomias) (cf. BARROSO, 1996c:9).

Perante todo esse cenário, parece confirmada a opinião de Paulo Freire,

quando afirma que “Numa perspectiva realmente progressista, (...), não se muda a

‘cara’ da escola por portaria” (FREIRE,1991:25); e, na mesma linha de pensamento,

João Barroso, citando Cutan - autor americano -, refere que “(...) nos Estados Unidos,

durante cem anos, a reforma tentou mudar a escola, mas o que aconteceu, sempre, foi

que a escola é que mudou a reforma. E é este sentido do normativo da mudança que

é intrínseco de todos os diplomas que tentam impôr por esta via a mudança nas

escolas” (BARROSO, 1997:42 – NOESIS - Jan-Março/97), sendo, por isso,

entendimento de diversos investigadores, nomeadamente Formosinho, Fernandes,

Lima e Afonso, que, apesar das reformulações introduzidas em todo o normativo-legal,

a descentralização conseguida em algumas áreas mais não constituiu que um espaço

de autonomia legitimado por esquema jurídico-administrativo para fazer face às

múltiplas exigências do sistema e não a qualquer autonomia localmente construída e

legitimada pela comunidade.

75

Autarquia - parceiro e participante (agente local ao serviço da autonomia

decretada e implicada na corresponsabilização da construção da autonomia)

Nesta época de escolarização de massas caracterizada por uma educação

escolar profundamente complexa, e deslegitimado o monopólio iluminista do Estado

Educador – “crise do Estado Educador” ou do “Estado-Pai de Família” e “da expressão

jurídica nos sistemas administrativos uniformes e centralizados” (cf. FERNANDES,

1995:47-48) –, o desenvolvimento das relações horizontais assume importância

preponderante na nova concepção do Estado democrático e no seu novo papel na

integração social, política e cultural da população, especialmente a partir do momento

em que a educação deixou de ser considerada um problema da exclusiva

responsabilidade da estrutura escolar para passar a ser partilhada por todos os

actores inseridos no espaço social onde são gerados aqueles problemas.

Surgida, deste modo, a necessidade de territorialização das políticas

educativas, no quadro das políticas públicas, e apontando para uma intervenção

centrada num território delimitado por um determinado espaço humano de convivência

e interacção, e não meramente como espaço geográfico, do qual os homens fazem

um certo uso social e político através da sua apropriação e utilização (cf.

FERNANDES, 2000, citando François Cardi), levanta-se a questão da

descentralização e da autonomia aparecerem como “condições de uma política

territorial onde o envolvimento dos actores locais seja utilizado não apenas como

estratégia mas como elemento integrante do processo educativo” (FERNANDES,

2000).

Neste quadro, a descentralização dentro do sistema educativo e a autonomia

da escola, cujos diversos parceiros educativos usufruam de um nível limitado na sua

participação, só por si, parecem não constituir factores suficientes à implementação de

uma política territorial consequente. Esse processo, segundo aquele autor, impõe a

“participação institucionalizada, e em igualdade de estatuto, de todos os parceiros

educativos e a criação de estruturas administrativas de âmbito local que assegurem a

coordenação, o apoio e a cooperação dos parceiros implicados” (id. ibidem), cenário

que, se concretizado, poderá, no dizer de Boaventura Sousa Santos, corresponder à

retração do território nacional (e o seu representante, o Estado), enquanto espaço

exclusivo e homogénio da intervenção política e social (cf. SANTOS, 1996).

76

No âmbito dessa abordagem, vêm, então, emergindo novos conceitos como

território educativo, comunidade educativa, partenariado ou parceria educativa,

enquanto preocupação de todos os investigadores com o objectivo de referir formas de

articular as relações horizontais entre a escola e os seus múltiplos parceiros sociais.

Nessa nova realidade educativa e nesse movimento de descentralização do

sistema educativo em Portugal, ocupa papel significativo o município, enquanto

instituição fulcral de um regime democrático e como legítimo representante das

comunidades junto da Administração Central, apesar da imagem de “extensão local do

Estado” que, até ao 25 de Abril de 1974, marcara toda a sua intervenção e apenas

para tarefas instrumentais.

Restaurada a democracia, a Constituição da República, no seu art.º 237.º - 1 e

2, referente à organização política do Estado, consagrou as autarquias locais, como

pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a

prossecução de interesses próprios das populações respectivas, adiantando, no seu

art.º 239, que “as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a

competência dos seus órgãos, são regulados por lei, de harmonia com o princípio da

descentralização administrativa”; por sua vez, a LBSE determina que “(...) o sistema

educativo é o conjunto de meios pelos quais se concretiza o direito à educação, (...)

para favorecer (...) e a democratização da sociedade” - (art.º 1.º-2), e “O sistema

educativo deve ser dotado de estruturas administrativas (...) que assegurem a sua

interligação com a comunidade mediante adequados graus de participação de (...), das

autarquias, (...)” - (art.º 43-2); o Decreto-Lei n.º 115-A/98, ao abrir espaço para a

desenvolvimento da autonomia, refere que “Os níveis de competência e de

responsabilidade a atribuir em cada fase do processo de evolução da autonomia são

objecto de negociação prévia entre a escola, o Ministério da Educação e a

administração municipal (...) - (art.º 47.º-2), adiantando que “Por contrato de autonomia

entende-se o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação e a

administração municipal e, eventualmente, outros parceiros (...) - (art.º 48.º-1); e, ao

ressalvar o envolvimento de todos os actores, designadamente do município, nos

órgãos de administração e gestão da escola, refere nomeadamente que “lei especial

determinará as funções de administração e apoio educativos que cabem aos

municípios” - (art.º 63.º-2 – disposições finais); e, finalmente, a Lei n.º 159/99, de

14/Setembro, consagra as competências do Município na área da Educação - (art.º

19.º).

Parecendo estar criado o alicerce normativo necessário ao processo de

construção da autonomia da escola, é nosso entendimento que, tendo em conta a

77

tradicional cultura centralizadora de muitos dos agentes, o quadro real pode vir a

obstaculizar a criação do clima político-administrativo indispensável à concretização

desse projecto.

Ora, nas divergências entre “quadro legal” e “quadro real” quanto à atribuição

de competências dos diversos níveis em áreas de política educativa, a escola, no

contexto da contratualização, vem estabelecendo parcerias com múltiplos actores,

nomeadamente com a autarquia, enquanto parceiro privilegiado, de modo a

restabelecer o equilíbrio necessário à construção da sua autonomia e com a finalidade

de concretizar muitas das actividades constantes do seu projecto educativo e do(s)

plano(s) anual(ais) de actividades, contrato(s) que pressupõe(m) a existência de uma

identificação consensual nos seus objectivos. Essa situação, só por si, parece justificar

o alargamento do âmbito das competências municipais nessa área. Aliás,

(re)conhecida a experiência de descentralização da administração, no âmbito das

autarquias locais, após o “25/Abril”, ao demonstrar, na generalidade dos casos, a

grande capacidade destas no êxito de muitas das políticas públicas, quer pelas

competências consagradas em normativos, quer pela imprescindibilidade do seu

envolvimento na dinamização dos restantes actores sociais, quer ainda no

planeamento e na gestão do seu projecto político, não só na área de

educação/ensino/formação, mas também no campo do desenvolvimento da(s)

comunidade(s) integrada(s) no seu território, empreendimentos que, a curto ou médio

prazo, o poder central dificilmente poderia concretizar, poderá justificar novas

atribuições e competências no município (algumas já consagradas em leis

específicas), a fim de passar a dispor de outras capacidades de investimento em

vários domínios, incluindo na educação.

Mas, a participação da autarquia na administração do sistema educativo,

segundo Sousa Fernandes, envolve três tipos diversificados de acções:

“por competências próprias, no âmbito dos equipamentos e apoios sócio-

educativos,

pela participação de representantes autárquicos na direcção dos

estabelecimentos de educação e ensino, e

por acordos pontuais ou protocolos, nas actividades de complemento educativo

– área-escola e complemento curricular e/ou outras – realizadas pelas escolas”

(FERNANDES, 1988:138-139).

A relação escola-autarquia tem vindo a estabelecer-se essencialmente no

princípio da cooperação e/ou partenariado em algumas actividades escolares, relação

78

que não corresponde a uma intervenção no âmbito de competências próprias, mas à

participação informal em acções programadas pelas escolas, pelo que a transferência

de competências da administração central para a autarquia no âmbito da educação

(art.º 19.º, Lei n.º 159/99, de 14/Setembro), não deixando de constituir um recurso

significativo na construção da autonomia da escola ao abrir espaço para satisfação

dos problemas da(s) comunidade(s) local(ais), em contexto(s) perfeitamente

identificado(s), na generalidade dos casos, não constitui mais que a legitimação “à

posteriori” das interacções referidas.

Verifica-se que a construção da autonomia da escola, e na falta de recursos

desta estrutura, essencialmente de ordem financeira para, sozinha, poder dispor de

meios para concretização do seu projecto educativo e corresponder às expectativas e

aos interesses das comunidades, continuando dependente do nível de envolvimento

da autarquia, enquanto parceiro e participante, poderá implicar o recurso à

contratualização, previsto no art.º 47.º do dito Decreto-Lei n.º 115-A/98,

prioritariamente numa relação com a autarquia. Mas, tendo em consideração a

incapacidade da maioria das escolas, pela sua reduzida dimensão e correspondentes

limitações de ordem vária, o recurso à contratualização parece só ter cabimento no

quadro de redes de escolas, através do associativismo, enquanto estratégia

indispensável à criação de capacidade(s) para o desenvolvimento de projectos

próprios, o que poderá vir, no âmbito de uma política local de educação, dar

visibilidade aos territórios educativos.

O protocolo de cooperação Ministério da Educação/Associação Nacional de

Municípios Portugueses relativo ao desenvolvimento daquele processo de construção

da autonomia, parecendo constituir um significativo contributo na criação das

necessárias condições, não é menos verdade que, ao definir os princípios gerais

relativos à implantação dos Conselhos Locais de Educação, ao enunciar os requisitos

a que se deve subordinar a constituição de agrupamentos de escolas e ao acordar

também as condições que viabilizem a construção da autonomia dos estabelecimentos

de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, bem como do

desenvolvimento da mesma através de contratualização, parece gerar um sério

condicionamento à construção dessa autonomia.

De facto, em nossa opinião, a criação dos Conselhos Locais de Educação (art.º

2.º, do Dec-Lei n.º 115-A/98, de 4/Maio), com base na iniciativa do município (como

estrutura eventualmente recentralizadora a nível local?!) e no respeito pelos princípios

de democraticidade e participação dos diversos agentes e parceiros sociais, poderia

constituir o espaço político, cultural e social na articulação da política educativa com

79

outras políticas sociais, nomeadamente em matéria de apoios sócio-educativos, de

organização de actividades de complemento curricular e de animação sócio-educativa,

ocupação de tempos livres, de propostas de criação de cursos profissionais

necessários às exigências das variantes de desenvolvimento previstas no plano

director municipal, de rede (quer quanto à reformulação da rede escolar a nível da

educação pré-escolar, e não só do 1.º ciclo do ensino básico, mas a nível de todo o

ensino básico - escolaridade básica -, e ainda de outros sectores – secundário, ensino

profissional e eventualmente a outros níveis) -, de horários, de transportes escolares e

de afectação de pessoal auxiliar no âmbito de quadros de pessoal, a concretizar, na

base de um estudo e planeamento a efectuar no âmbito dessa estrutura local.

Sabendo-se embora que tal intervenção poderá constituir um factor de maior controlo

sobre a organização-escola, reconhecer-se-á, no entanto, que esse órgão, enquanto

legítimo representante da(s) comunidade(s), está numa posição privilegiada para olhar

para a realidade local em termos de utilização das suas competências numa relação

de cumplicidades.

Impõe-se, na lógica do eventualmente imprevisível, a não politização desse

órgão por, se partidarizado, poder vir a gerar graves conflitos, quando deverá constituir

um espaço de negociação na procura do indispensável consenso, rejeitando-se, ao

mesmo tempo, um clima de unanimismo geralmente correspondente a uma

participação passiva dos parceiros (pelo menos da sua maioria).

Mas, a tentação de transformar as autarquias em novo ministério (embora de

outra dimensão) também poderá ocorrer nesse processo, o que poderia vir a gerar

uma recentralização, a nível municipal (municipalização), das políticas educativas,

condicionando, na nossa perspectiva, a construção da autonomia da escola.

Parece-nos oportuno referir, aqui, que, com a reforma de 1882, como primeira

tentativa de descentralização para as autarquias locais de responsabilidades na área

da educação, as competências do município estavam limitadas à construção e

manutenção de escolas, à criação e manutenção de cursos de alfabetização, à

nomeação de professores e à concessão de subsídios aos alunos, tendo ainda alguns

poderes sobre os professores (de superintendência) e na fixação de horários

escolares e na marcação das épocas de exames para os alunos, mantendo-se, porém,

o seu afastamento da administração das escolas.

Mas se o estado liberal não promoveu, não só por razões financeiras, algumas

reformas, não é menos verdade que, quer o estado republicano, quer o regime do

Estado Novo não demonstraram abertura para o fazer, pois a aposta na educação

80

nunca foi assumida como prioridade, apesar das elevadas percentagens de

analfabetismo e do baixo índice de desenvolvimento económico.

No entanto, a relação escola-autarquia, até à publicação recente da Lei-Quadro

de Transferência de Atribuições e Competências para as Autarquias Locais (Lei n.º

159/99, de 14/Setembro), e apesar da publicação de algumas disposições legais

avulsas, prevendo a participação dos municípios em áreas anteriormente reservadas

ao Estado (quase exclusivamente a nível da educação pré-escolar e do 1.º CEB,

educação especial, educação extra-escolar e formação profissional/escolas

profissionais), jamais se estabeleceu num quadro de correspondência às exigências

das comunidades educativas, situação que continuou a gerar condições para o

envolvimento informal da autarquia.

No entanto, a participação de representantes autárquicos na direcção dos

estabelecimentos de educação/ensino, já instituída através do artigo 8.º-2, do dito

Decreto-Lei n.º 115-A/98, pode obviamente vir garantir um princípio de partilha do

poder e uma influência na definição da política educativa e na elaboração e controlo

do Projecto Educativo da Escola.

A autarquia, enquanto instância política de maior influência e democraticidade

a nível local, aparece, assim e por direito próprio, como o parceiro privilegiado no

processo de decisão política e de administração da educação.

Mas a participação dos municípios depara com inúmeras resistências e gera

um clima de suspeição quanto ao seu envolvimento na área da educação, sempre que

se aborda a atribuição de competências a nível local, imagem negativa que, com

origem na época liberal, se estende pela I República e a vigência do Estado Novo, e

que ainda perdura, apesar de António Sérgio, na linha de Alexandre Herculano, ter

apontado os malefícios do centralismo, e, no seu livro “Educação Cívica”, ter

defendido a organização municipal como modelo a instituir na (re)organização da

escola. Embora consagrada na CRP e na LBSE, e apesar de, em atitudes discursivas,

essa visão do envolvimento do município na política educativa vir merecendo alguma

atenção, especialmente após os documentos elaborados pelo grupo de trabalho da

CRSE (cuja importância ainda hoje se faz sentir em todas as discussões sobre esta

temática), as práticas têm-se mantido à margem dessa perspectiva descentralizadora

e participada.

E, nessa linha de pensamento, frequentemente as escolas queixam-se da falta

de colaboração das autarquias, ao mesmo tempo que, até à publicação da Lei n.º

159/99, estas se queixavam da inexistência de quadro legal para essa parceria,

81

conforme referência feita pelo Presidente da Associação Nacional de Municípios

Portugueses, aquando da realização do Seminário Educação, Comunidade e Poder

Local, em 6 e 7 de Dezembro de 1994, ao comentar as áreas do poder central e local

na educação/ensino, numa perspectiva de descentralização (in Actas do Seminário.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO), e, actualmente, da falta de transferência

de recursos e meios financeiros.

Assim, o papel de interlocução entre Escola e Autarquia tem-se restringido a

espaços de parceria de carácter informal e, em muitos casos, porque indispensável,

na concretização de inúmeras actividades e/ou na resolução de problemas diversos,

embora, nas últimas décadas, venha emergindo uma tendência comum, na maior

parte dos países democráticos, em envolver os diversos agentes da(s) comunidade(s)

nas escolas e nas tomadas de decisão sobre a educação.

Pelas vantagens técnicas que, no dizer de João Formosinho, a

descentralização oferece – proximidade, previsibilidade e maior flexibilidade da

administração perante os administrados – coincidentes com as da desconcentração,

além de razões políticas inerentes ao estado democrático, a opção política por aquele

paradigma parece constituir a forma privilegiada de proporcionar condições e de

justificar a participação dos actores na construção da autonomia da escola e na

educação para a cidadania.

Recente a opção pela descentralização da administração no sistema educativo,

o que nos leva a abordá-la ainda numa perspectiva do dever ser ou parecer ser

aconselhável, em Portugal a representação do município na associação de escolas,

onde poderá intervir em áreas diversas no quadro das competências desse órgão, e

no Conselho Local de Educação, cuja criação é de sua iniciativa(!), parece poder

estabelecer o equilíbrio na construção daquela autonomia.

Mas, o Conselho Local de Educação, considerando a evolução do processo de

descentralização da administração educacional e a construção da autonomia da

escola, em nossa opinião, não parece dever ficar limitado a uma atitude passiva -

produtor de pareceres, propostas e/ou recomendações, mas, enquanto participação

local, ser um órgão de suporte das políticas educativas locais, assumindo tarefas

anteriormente da competência da administração central e/ou dos municípios, e

introduzindo ainda um novo relacionamento entre a administração central, as escolas

e os diversos parceiros sociais na construção de uma escola de interesse público.

82

Reflexões finais

Tendo em atenção o quadro de intervenção na definição de uma esfera

municipal da administração do sistema educativo registado na Europa -

descentralização local, nomeadamente nos países nórdicos, e um esquema

centralizado, mas a nível municipal, essencialmente em França, Portugal, não tendo

optado por qualquer destes processos, apostou nas eventuais disponibilidades das

comunidades, incluindo o município, para responder às exigências da(s)

comunidade(s), essencialmente na área da educação pré-escolar, da formação

profissional ou ensino recorrente e na prestação de colaboração e apoio às escolas do

Estado.

Ao mesmo tempo, vamos assistindo à flexibilização do sistema de ensino

público pela intenção de descentralização e autonomia das escolas, contando com

espaço para o estabelecimento de parcerias e pactos de colaboração de âmbito local

entre escolas, municípios e entidades privadas e ainda pelo propósito de investimento

em contratos de autonomia a celebrar entre escolas, administração central ou regional

e municípios com a finalidade de atenuar e/ou eliminar assimetrias que põem em

causa o desenvolvimento de projectos educativos. No entanto, a autarquia, embora

fornecendo os imputs positivos, os recursos financeiros e/ou equipamentos

indispensáveis à concretização das acções no âmbito do Projecto Educativo da Escola

e do Plano de Actividades, documentos que viabilizam a autonomia, e, sendo nosso

propósito deixar aqui o imprevisível, entendemos não ser aconselhável o controlo da

escola pela autarquia por, se verificado tal controlo, essencialmente de cariz politico-

partidário, ficar prejudicada ou inviabilizada a construção da autonomia da escola.

Pensando que se impõe o reforço da capacidade financeira do município, quer

através da Lei das Finanças Locais, quer pelo acesso aos programas comunitários,

sem prejuízo da atribuição de recursos e meios, de índole diversa, à escola, é nosso

entendimento que a sua participação na Assembleia de Escola e no Conselho Local

de Educação trará vantagens ao sistema público de ensino, designadamente em

domínios onde tem já larga experiência.

Mas, perante o enquadramento legal e real em que se vem registando a

participação do município na educação, e para além de razões políticas inerentes à

natureza do estado democrático, parece-nos oportuno deixar aqui, enquanto

momentos de reflexão, algumas questões que, quando exploradas pelos opositores da

83

descentralização, podem condicionar o papel da autarquia nesse processo, podendo

ainda pôr em causa a legitimidade política desse seu envolvimento:

* O que pensam os autarcas do papel da autarquia na organização-escola?

* Como vêem a sua presença no órgão de direcção da escola?

* Como vêem os professores a participação da autarquia no órgão de direcção

da escola?

* E qual a percepção dos pais e/ou encarregados de educação nesse

processo?

* Que relações de poder se estabelecem entre os órgãos da escola e a

instância Poder Local?

* Que práticas a desenvolver no quadro da afirmação do papel que

formalmente é reconhecido à autarquia?

* Até que ponto a participação decretada da autarquia põe (ou pode pôr) em

causa a construção da autonomia?

* Até que ponto a postura da autarquia pode ser um handicap à construção da

autonomia da escola?

* Até que ponto as novas atribuições da autarquia na educação (com

competências específicas no âmbito do ensino básico) podem constituir contributos

para a autonomia da escola?

* Em que campos se podem estabelecer parcerias com a Escola (ou com a

autarquia)?

* Será a participação decretada suficiente para uma participação organizada?

* Autonomia legal – envolvimento na construção da autonomia?

* Tendo a autonomia a ver com a capacidade de criar, quais as limitações à

sua construção?

* Os contratos de autonomia contribuirão para combater as assimetrias?

* Até que ponto uma eventual tentação de municipalização da escola poderá

ser contrária à construção da sua autonomia?

* O que pensa da intervenção do Conselho Local de Educação? – É órgão útil?

* Acha que a Escola devia intervir sem o envolvimento dos órgãos da

Administração Central e/ou Regional? – Em que áreas?

84

* Autonomia da Escola sem intervenção dos pais?

* Autonomia da Escola sem envolvimento da autarquia?

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86

87

QUE PAPEL PARA OS CONSELHOS LOCAIS DE

EDUCAÇÃO?

António Esteves Verador da C. M. de Paredes de Coura

e membro do Conselho Local de Educação

No contexto constitucional português pós 25 de Abril 74, participação e

democracia são princípios com que facilmente nos familiarizamos. Vários têm sido os

normativos legais que, nos seus articulados, apontam para estes princípios básicos.

Sabemos porém que para a sua implementação se têm sentido algumas

dificuldades e entraves. Umas vezes, porque a pesada escala hierárquica das

instâncias ministeriais, que nos foram impostas durante longos e pesados anos, não

quis largar mão do seu poder. Outras vezes, porque estes princípios nos exigiram uma

maior carga de responsabilização.

A consolidação democrática a que vimos assistindo e perante uma permanente

mutação e novas exigências da sociedade, tem-se originado uma mudança na própria

escola, organização que, cada vez mais, deverá responder às exigências dessa

mesma sociedade. Foi assim, paulatinamente, a Escola sido colocada no centro das

preocupações e do interesse da população.

Pretende-se então a construção da escola como lugar nuclear do processo

educativo, com a consequente confiança social, numa Escola exigente que obrigará ao

envolvimento e responsabilização dos agentes sociais. Este processo tem obrigado à

redefinição das competências especificas dos serviços centrais e regionais e

simultaneamente a um processo de desburocratização, eliminando mediações

desnecessárias, garantindo uma acção descentralizada com o poder local.

Participação e democracia subentendem no entanto autonomia, ou seja, no

caso concreto da escola, a sua concepção como local que, em parceria e articulação

sistemática com outras instituições da comunidade, se torna espaço de referência da

vida educativa.

Aliás, a Lei de Bases do Sistema Educativo – Lei 46/86 – define os princípios a

que deve obedecer a administração e gestão do sistema educativo a nível central,

regional e local, de entre os quais se destacam os princípios de democraticidade, de

participação de todos os implicados e da interligação com a comunidade. Esta

88

interligação e a capacidade de diálogo com a comunidade em que se insere continuam

a ser defendidas por outros normativos, designadamente o Decreto–Lei nº 43/89 de 3

de Fevereiro, que estabelece o regime jurídico da autonomia da escola. Aqui, o

conceito de autonomia é definido pela “capacidade de elaboração e realização de um

Projecto Educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os

intervenientes no processo educativo”.

Este princípio originará assim a devolução da escola à sociedade em geral,

assente num modelo de democracia participativa, ou seja, a concepção da escola

como uma “Comunidade Educativa” que a todos diz respeito deixando assim de ser

um serviço “local do estado”, mera executora de normativos, orientações e directrizes.

Os princípios orientadores do ordenamento jurídico dos orgãos de direcção,

administração, e gestão dos estabelecimentos de educação pré - escolar e dos

ensinos básico e secundário, estabelecido pelo Decreto - Lei nº172/91 de 10 de Maio

continuam a assentar numa política de representatividade, democraticidade e

integração comunitária, exigindo o apoio e a participação alargada da comunidade na

vida da escola.

Aparece aqui amplamente concebida, a representação no Conselho de Escola,

dos diferentes sectores da comunidade.

O incentivo à participação das autarquias e dos vários parceiros locais

aparece-nos entretanto ainda mais vincados com a publicação do Decreto – Lei nº

115-A/98, de 4 de Maio, que aprova o regime de autonomia, administração e gestão

ao conceber, para além de outras, a constituição de estruturas locais de participação,

ou seja, os Conselhos Locais de Educação. Aparece assim uma nova estrutura

intermédia de administração educativa entre o Poder Central e as escolas, neles

estando representadas as autarquias e os interesses económicos, sociais e culturais.

Aliás, o artigo que cria os Conselhos Locais de Educação, diz exactamente:

“Com base na iniciativa do município, serão criadas estruturas de participação dos

diversos agentes e parceiros sociais com vista à articulação da política educativa com

outras políticas sociais, nomeadamente em matéria de apoio sócio – educativo, de

organização, de rede, horários e transportes escolares”.

Reconhecida a importância de coordenação das acções da administração local,

a necessidade de conjugação de esforços de todos os intervenientes na comunidade

educativa e ainda a necessidade de institucionalizar a gestão participada que, a outros

níveis, vem sendo praticada, a Câmara e a Assembleia Municipal de Paredes de

89

Coura, em reuniões de 31-8 e 25-9-98 aprovaram o respectivo Conselho Municipal de

Educação, que passo a descrever.

No quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias

locais, Lei nº 159/99 de 14 de Setembro, no campo da educação, aparece como

competência dos municípios a criação deste mesmo órgão. Neste âmbito, conforme

aprovação no seu último congresso nacional, é entendimento da Associação Nacional

de Municípios Portugueses que :

- A criação dos Conselhos Locais de Educação deverá ser uma

competência universal;

- A sua criação deverá passar pela aprovação de diploma legal

específico que contemple os seguintes aspectos:

- A iniciativa será da responsabilidade da Câmara ;

- Deve ficar prevista a possibilidade da criação de secções ou conselhos

de zona;

- A definição da composição deve ser feita pela Câmara, devendo no

entanto o governo assegurar a efectiva participação das entidades por si

tuteladas;

- De entre as suas competências, de natureza consultiva, deverá

constar as que se prendem com a definição do projecto educativo

concelhio, a carta escolar, instrumentos do processo de autonomia das

escolas, agrupamentos, actividades extra-escolares, adopção de áreas

disciplinares de conteúdo local, transportes, entre outros;

- Deverão ser articuladas as competências do conselho local de

educação com as competências dos órgãos de gestão da escola.

90

91

CÂMARA MUNICIPAL DE PAREDES DE COURA

Aprovações

Câmara Municipal : 1998 08 31

Assembleia Municipal: 1998 09 25

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

INTRODUÇÃO

1- A Câmara Municipal de Paredes de Coura e a comunidade educativa concelhia reconhecendo:

• A importância da coordenação das acções de administração local:

• A importância da conjugação de esforços de todos os intervenientes da

comunidade educativa;

• A necessidade de institucionalizar a gestão participada que a outros níveis

vem sendo praticada;

Instituem o Conselho Municipal de Educação, adiante designado por C.M.E.

Artigo 1º Natureza

O C.M.E. é um órgão independente com funções consultivas que funciona

junto da Câmara Municipal de Paredes de Coura.

Artigo 2º Objectivo

O C.M.E. tem por objectivo contribuir para a melhor concretização dos

projectos educativos assegurando a participação alargada de todos os parceiros

potencializando uma afectiva ligação escola-meio.

92

Artigo 3º Atribuições

São atribuições do C.M.E. : • Dar parecer sobre o planeamento e organização da rede escolar do

concelho;

• Recomendar intervenções no âmbito das acções de conservação do parque

escolar;

• Dar parecer sobre o Plano Anual de Transportes Escolares;

• Recomendar as prioridades dos investimentos locais de

Educação/Formação.

• Emitir recomendações no âmbito da Acção Social Escolar (instalação e

funcionamento de cantinas, implementação auxílios económicos directo)

• Recomendar a implementação de medidas tendentes a correcção de

desigualdade entre escolas;

• Formular, receber e divulgar orientações tendentes à concretização de

projectos educativos de âmbito concelhio;

• Desenvolver iniciativas de carácter sócio-cultural enquadradas na dinâmica

que lhe é cometida e a propor aos diferentes agentes educativos;

• Aprovar o Regulamento Interno de Funcionamento.

Artigo 4º Composição

1- O C.M.E. tem a seguinte composição: - EDUCAÇÃO PRÉ ESCOLAR

• 1 representante da Rede Pública;

• 1 representante da OUSAM;

• 1 representante da SCMPC.

- 1º CICLO

• 1 Delegado Escolar;

• 1 representante dos docentes

- 2º e 3º CICLOS

• Presidente do Conselho Directivo

• 1 representante dos docentes

93

• 1 representante da Ass. Estudantes

• 1 representante da Assoc. Pais e Encarregados de Educação

- SECUNDÁRIO

• Presidente do Conselho Directivo

• 1 representante dos docentes

• 1 representante da Ass. Estudantes

• 1 representante da Assoc. Pais e Encarregados de Educação

- ENSINO PROFISSIONAL

• Director Pedagógico

• 1 representante dos docentes

• 1 representante da Ass. Estudantes

• 1 representante da Assoc. Pais e Encarregados de Educação

- ENSINO RECORRENTE E EDUCAÇÃO EXTRA ESCOLAR

•1 representante

- APOIOS EDUCATIVOS (ENSINO ESPECIAL)

•1 representante

- CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

•1 representante

- JUNTAS DE FREGUESIA

• O representante dos Presidentes das Juntas de Freguesia

- CÂMARA MUNICIPAL

• 1 representante

- ASSEMBLEIA MUNICIPAL

•1 representante de cada partido político com assento nesta

- ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAS

• Um elemento de cada associação representada nos concelho

2- Os membros com assento no C.M.E. elegerão em plenário o Presidente.

Artigo 5º Secretariado Executivo

1. O Conselho elegerá, de entre os seus membros, um Secretariado Executivo.

94

2. A composição do Secretariado a que se refere o nº 1 é determinada pelo

Conselho, devendo, no entanto, ter sempre um número ímpar de membros.

Artigo 6º Regime e Local de Funcionamento

1. O C.M.E. reúne em instalações da Câmara Municipal a quem compete

assegurar todo o apoio técnico/administrativo necessário ao seu

funcionamento.

2. O C.M.E. funciona em plenário, podendo caso se entenda necessário, criar

a título permanente ou eventual, comissões especializadas.

3. Por iniciativa do Presidente do C.M.E. ou de qualquer dos seus membros

efectivos e após aprovação prévia em plenário, poderão participar nas

reuniões representantes de outras entidades públicas ou privadas cuja

presença seja considerada útil à discussão da agenda.

4. No caso referido anteriormente, os convidados não terão direito a voto.

Artigo 7º Disposições Finais

Os demais aspectos relativos ao funcionamento do Conselho serão

considerados em Regulamento a aprovar pelo Plenário de Conselhos.

95

Conselho Municipal de Educação de Paredes de Coura

Preâmbulo

A modernização do sistema educativo português tem exigido, não só sucessivas reformas a nível da administração educacional, como também a criação e envolvimento de estruturas locais, aliás indispensáveis a uma efectiva descentralização e à construção de uma verdadeira autonomia pelas respectivas comunidades educativas.

Assim, se por um lado, a Lei de Bases do Sistema Educativo vem consagrar o direito a uma escolaridade básica de nove anos para todos, tal propósito democratizador exige, por outro lado, o desenvolvimento de novas concepções de ensino, lançando verdadeiros desafios a todo o sistema educativo em geral, e à escola, em particular.

Vencer estes desafios implica que a escola consiga afirmar a sua capacidade de autonomia, de produzir respostas coerentes e inovadoras, de melhorar a sua qualidade educacional, ou seja, de se assumir como um verdadeiro espaço de referência educativa. Tal só será possível se a escola se abrir ao meio em que se encontra inserida, estabelecendo verdadeiras parcerias com os vários sectores sociais, garantindo, assim, uma participação colectiva de todos quantos fazem parte da comunidade e vêem na escola a solução de problemas presentes e o garante de um futuro melhor.

Neste quadro, assumem particular relevância os Conselhos Locais de Educação, criados com base na iniciativa dos municípios, e aos quais, de acordo com o preceituado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, compete participar na articulação da política educativa com outras políticas sociais, nomeadamente a nível sócio-educativo, na organização de actividades de complemento curricular, na definição da rede escolar, na elaboração de horários e na organização dos transportes escolares.

Nesta conformidade, e reconhecendo a importância da coordenação das acções da administração local, a importância da conjugação de esforços de todos os intervenientes na comunidade educativa, e ainda a necessidade de institucionalizar a gestão participada que a outros níveis vem sendo praticada, a Câmara Municipal de Paredes de Coura e a comunidade educativa concelhia instituíram, em reunião de Câmara de 31.08.98, aprovado em sessão da Assembleia Municipal de 25.09.98, o Conselho Municipal de Educação de Paredes de Coura.

O regulamento em anexo define as regras da composição e funcionamento deste conselho.

96

Regulamento do Conselho Municipal de Educação de Paredes de Coura

CAPÍTULO I – PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 1º

O Conselho Municipal de Educação, adiante designado abreviadamente por C.M.E. é um órgão independente com funções consultivas que funciona junto da Câmara Municipal de Paredes de Coura, no âmbito do artigo 2º do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básicos e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio.

Artigo 2º

No âmbito da ligação da escola ao meio em que se encontra inserida, o C.M.E. tem por objectivo contribuir para a melhor concretização dos projectos educativos, assegurando uma participação alargada a todos os parceiros sociais e potencializando uma efectiva interacção escola-comunidade.

CAPÍTULO II – COMPOSIÇÃO

Artigo 3º

Conselho Municipal de Educação

O Plenário do C.M.E. tem a seguinte composição:

EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

• 1 representante da Rede Pública

• 1 representante do OUSAM

• 1 representante da SCMPC

1º CICLO DO ENSINO BÁSICO

• 1 Delegado Escolar (ou Presidente do Conselho Executivo / Director)

• 1 representante dos docentes

97

2º E 3º CICLOS DO ENSINO BÁSICO

• Presidente do Conselho Executivo / Director

• 1 representante dos docentes

• 1 representante da Associação de Estudantes

• 1 representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação

ENSINO SECUNDÁRIO

• Presidente do Conselho Executivo / Director

• 1 representante dos docentes

• 1 representante da Associação de Estudantes

• 1 representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação

ENSINO PROFISSIONAL

• Director Pedagógico

• 1 representante dos docentes

• 1 representante da Associação de Estudantes

• 1 representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação

ENSINO RECORRENTE E EDUCAÇÃO EXTRA-ESCOLAR

• 1 representante

APOIOS EDUCATIVOS (ENSINO ESPECIAL)

• 1 representante

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

• 1 representante

JUNTAS DE FREGUESIA

• Representante dos Presidentes das Juntas de Freguesia

CÂMARA MUNICIPAL

• 1 representante

ASSEMBLEIA MUNICIPAL

• 1 representante de cada partido político com assento nesta

98

ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS

• Um elemento de cada associação representada no concelho

Artigo 4º

Presidente

Os membros com assento no C.M.E. elegerão em Plenário o respectivo Presidente, que presidirá quer às reuniões do Plenário, quer às do Secretariado Executivo.

Artigo 5º

Secretariado Executivo

1. O Conselho elegerá, de entre os seus membros, um Secretariado Executivo.

2. O Secretariado a que se refere o nº 1 será constituído por um número ímpar de membros, num total de 7.

3. Fazem parte do Secretariado Executivo os seguintes membros:

• Presidente do C.M.E.

• Representante da Educação Pré-Escolar

• Representante do 1º Ciclo do Ensino Básico

• Representante dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário

• Representante do Ensino Profissional

• Representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação

• Representante da Associação de Estudantes

CAPÍTULO III – ATRIBUIÇÕES

Artigo 6º

Conselho Municipal de Educação

1. São atribuições do C.M.E.:

a) Eleger o respectivo presidente de entre os seus membros.

b) Dar parecer sobre o planeamento e organização da rede escolar do concelho;

c) Recomendar intervenções no âmbito das acções de conservação do parque escolar;

d) Dar parecer sobre o Plano Anual de Transportes Escolares;

99

e) Recomendar as prioridades dos investimentos locais de Educação / Formação;

f) Emitir recomendações no âmbito da Acção Social Escolar, nomeadamente a instalação e funcionamento de cantinas e a implementação de auxílios económicos directos;

g) Recomendar a implementação de medidas tendentes à correcção de desigualdades entre escolas;

h) Formular, receber e divulgar orientações tendentes à concretização de projectos educativos de âmbito concelhio;

i) Desenvolver iniciativas de carácter sócio-cultural enquadradas na dinâmica que lhe é cometida e a propor aos diferentes agentes educativos;

j) Aprovar o Regulamento Interno de Funcionamento.

k) Exercer as demais competências que lhe foram atribuídas no regulamento interno.

2. O Plenário do C.M.E. tem ainda a faculdade de requerer aos respectivos órgãos as informações que julgue necessárias ao eficaz desempenho das funções que lhe estão acometidas.

3. As deliberações que o C.M.E. julgue de interesse geral são publicitadas através dos órgãos competentes da Câmara Municipal.

Artigo 7º

Presidente

1. O presidente é a entidade que dirige e representa o C.M.E.

2. Compete, designadamente, ao Presidente:

a) representar o C.M.E., presidir aos respectivos órgãos colegiais e suas comissões e convocar as reuniões;

b) coordenar e dirigir as actividades do C.M.E.

c) zelar pelo cumprimento das deliberações, instruções e recomendações que forem aprovadas em Plenário.

3. O Presidente será coadjuvado pelo Secretariado Executivo.

4. O Presidente poderá designar, de entre os elementos do Secretariado Executivo, um seu representante, no qual pode delegar parte das suas competências.

5. Nas suas faltas e impedimentos, o Presidente é substituído pelo representante por si designado.

100

Artigo 8º

Secretariado Executivo

1. O Secretariado Executivo é o órgão responsável pela implementação, acompanhamento e avaliação das determinações, orientações e recomendações do C.M.E.

2. Compete, ainda, ao Secretariado Executivo:

a) Elaborar e submeter à aprovação do Plenário do C.M.E. o respectivo Regulamento Interno de Funcionamento;

b) Elaborar o Plano Anual de Actividades do C.M.E. e submetê-lo à aprovação do Plenário;

c) Lavrar as actas das reuniões do Plenário do C.M.E. e submetê-las a aprovação nos termos legais em vigor.

d) Exercer as demais competências que lhe forem atribuídas no Regulamento Interno de Funcionamento.

CAPÍTULO IV – REGIME E LOCAL DE FUNCIONAMENTO

Artigo 9º

Reunião do C.M.E.

1. O C.M.E. funciona em Plenário podendo, caso se entenda necessário, criar, a título permanente ou eventual, comissões especializadas.

2. O Plenário do C.M.E. reúne ordinariamente no início e no final de cada ano lectivo e extraordinariamente sempre que seja convocada pelo respectivo presidente, por sua iniciativa ou a requerimento de dois terços dos seus membros em efectividade de funções.

3. Por iniciativa do Presidente do C.M.E. ou de qualquer dos seus membros efectivos, e após aprovação prévia em Plenário, poderão participar nas reuniões representantes de outras entidades públicas ou privadas cuja presença seja considerada útil à discussão da agenda de trabalhos.

4. No caso referido no número anterior, os convidados não terão direito a voto.

5. As actas do plenário serão lavradas por um secretário a designar no início de cada reunião.

101

Artigo 10º

Reunião do Secretariado Executivo

1. O Secretariado Executivo reúne ordinariamente três vezes ao ano, designadamente em Setembro, Fevereiro e Junho, e extraordinariamente sempre que seja convocada pelo Presidente do C.M.E., por sua iniciativa ou a requerimento de dois terços dos seus membros em efectividade de funções.

2. Das reuniões do Secretariado Executivo serão lavradas e aprovadas as respectivas actas.

Artigo 11º

Local de Funcionamento

O C.M.E. reúne em instalações da Câmara Municipal, a quem compete assegurar todo o apoio técnico / administrativo necessário ao seu funcionamento.

CAPÍTULO V – ELEIÇÕES E MANDATO

Artigo 12º

Eleições

1. As eleições previstas neste Regulamento serão por sufrágio universal e secreto, em assembleias eleitorais expressamente convocadas para o efeito.

2. O Presidente do C.M.E. promoverá, coadjuvado pelo Secretariado Executivo e até dois meses antes do termo do mandato, a elaboração e afixação do regulamento eleitoral.

Artigo 13º

Mandato

1. O mandato dos membros C.M.E., incluindo o do respectivo Presidente, tem a duração de quatro anos, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, coincidindo com o mandato da Assembleia Municipal.

2. Os membros do C.M.E. são substituídos durante o exercício do cargo se, entretanto, perderem a qualidade que determinou a respectiva eleição ou designação.

3. O preenchimento das vagas resultantes da cessação do mandato dos membros eleitos ou designados é feito por votação nominal, em Plenário do C.M.E., sendo elegíveis os membros que reunam condições para ocupar a referida vaga.

102

CAPÍTULO VI – DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 14º

1. Este regulamento entra em vigor no dia seguinte ao da sua aprovação pelo C.M.E.

2. Todos os casos omissos no presente Regulamento serão analisados e decididos de acordo com o preceituado na Lei Geral.

103

DOMÍNIOS DE INTERVENÇÃO DOS MUNICÍPIOS

Manuela Marques Projecto Municípios e Educação

IEC/Universidade do Minho

Nos últimos anos, os municípios têm alargado o seu leque de intervenção na

educação, devido à crescente responsabilização nesta área, através da atribuição de

novas competências e do aumento da comparticipação financeira por parte do Estado.

Esta intervenção na educação é orientada por normas gerais, sendo assim

similar nos vários municípios, porém diverge de acordo com cada contexto local.

Nesta perspectiva, cada vez mais os municípios são sensíveis às necessidades

e interesses da comunidade educativa que se manifestam a nível local, reflectindo-se

este facto, no conjunto de iniciativas que organizam e promovem de forma

significativa.

Durante o ano de 1999, procedeu-se a uma análise da intervenção dos

municípios na educação em três concelhos do Distrito de Braga, designadamente

Braga, Fafe e Cabeceiras de Basto. Os dados referentes as estes três concelhos

servem para comprovar empiricamente a evolução e/ou trabalho desenvolvido pelos

respectivos municípios.

Estes dados que referimos são parte de uma investigação mais ampla que se

pretende alargar a todos os concelhos do Distrito de Braga, encontrando-se a

decorrer esta análise noutros municípios, prevendo-se também que venham a ser

publicados.

Vamos descrever a intervenção municipal segundo os níveis de ensino,

Educação Pré-Escolar, 1º, 2º e 3º Ciclo, Ensino Secundário e outras intervenções

educativas municipais.

Apresentamos ainda a estrutura organizacional do pessoal afecto à educação e

o investimento realizado nesta área por cada município.

Para a recolha dos dados, além da consulta da legislação existente,

recorremos aos planos de acção, relatórios de actividades e contas de gerência de

cada município. Tivemos também a oportunidade de fazer entrevistas directas com os

vereadores e responsáveis de departamentos.

104

1 - INTERVENÇÃO MUNICIPAL NA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

A partir da publicação da Lei Quadro da Educação Pré-Escolar e respectiva

regulamentação, em 1997, este nível de educação teve um crescimento quantitativo e

qualitativo.

Este novo regime jurídico, além de atribuir novas competências aos municípios,

veio enquadrar intervenções que estes já desenvolviam na Educação Pré-Escolar e

consequentemente definiu os apoios e comparticipações relativos aos domínios de

intervenção.

Assim, o Estado comparticipa directamente, as intervenções dos municípios,

nos domínios da construção e remodelação de infra-estruturas, do apetrechamento de

mobiliário e equipamento, da construção e montagem de cantinas, da criação de

novos espaços para desenvolver as componentes de apoio à família (refeição e

prolongamento de horário) e da acção social.

Para além destas intervenções, os municípios actuam noutros domínios,

nomeadamente:

- Manutenção dos edifícios, arranjos interiores e exteriores;

- Reparação de mobiliário e equipamento;

- Pagamento das despesas correntes (electricidade, água, gás e lenha);

- Atribuição de subsídios para material de desgaste;

- Transferência de verbas para as juntas de freguesias para custear o

expediente e material de limpeza;

- Cedência e encargo de transportes para visitas de estudo, passeios e

transporte diário;

- Celebração de protocolos com instituições para colocar telefones e promover

outras actividades;

- Colocação de pessoal auxiliar e encargo das respectivas remunerações

quando não é afecto ao Ministério da Educação;

- Organização de programas que vão desde o apoio psicológico, de recursos e

actividades especiais.

Como exemplo do trabalho desenvolvido pelos municípios no contributo para a

expansão deste nível de educação, através do estudo efectuado em três concelhos do

distrito de Braga, constatou-se em 1998, a existência de uma rede pré-escolar

composta por 104 Jardins de Infância, frequentados por 2757 crianças, com uma

cobertura média de 74%.

105

Neste ano, estes três municípios apresentaram 12 projectos para a criação de

novos Jardins de Infância com o valor total de 426.539.761$ sendo estes projectos

comparticipados directamente pelo Estado em 270.183.000$, cabendo assim aos

municípios o investimento de 156.356.761$.

Quadro I - Rede Pré-escolar existente em três concelhos do distrito de Braga

CONCELHO JARDINS DE INFÂNCIA Nº DE CRIANÇAS COBERTURA

Cabeceiras de Basto 23 480 80,2% Fafe 30 608 76%

Braga 51 1669 65% TOTAL 104 2757 73,7%

Quadro II - comparticipação do estado e o investimento dos municípios na construção de jardins de infância

Município Jardins de

infância Valor dos projectos

Comparticipação do estado

Investimento dos municípios

Cabeceiras de Basto 2 66.132.761$ 32.443.000$ 33.689.761$ Fafe 6 181.300.000$ 117.750.000$ 63.550.000$

Braga 4 179.107.000$ 119.990.000$ 59.117.000$ TOTAL 12 426.539.761$ 270.183.000 156.356.761$

2 – INTERVENÇÃO MUNICIPAL NO 1ºCICLO

As competências atribuídas aos municípios a nível 1ºciclo são no domínio da

construção e equipamento dos estabelecimento de ensino, acção social escolar,

transportes escolares e organização de actividades para ocupação de tempos livres.

Para além destas, a intervenção dos municípios verificam-se nos seguintes domínios:

- Construção de novas infra-estruturas e manutenção dos edifícios;

- Cedência e arranjos de mobiliário e equipamento;

- Construção de cantinas e apetrechamento de mobiliário e equipamento das

mesmas;

- Protocolos para instalação de telefones;

- Informatização das escolas e apetrechamento didáctico-pedagógico;

- Auxílios económico para livros, material escolar e alimentação;

106

- Transferência de verbas para as juntas de freguesia para custear as

despesas de expediente e material de limpeza;

- Subsídios para material de desgaste;

- Pagamento das despesas correntes de electricidade, água, gás e lenha;

- Transporte diário, cedência de transportes para visitas de estudo e passeios e

acesso a livros através da biblioteca itinerante.

3 – INTERVENÇÃO MUNICIPAL NO 2º e 3º CICLO

Os municípios a nível do 2º e 3º Ciclo têm competência em matéria de

transportes escolares e de acção social escolar, podendo-se verificar no entanto

outras intervenções, tais como:

- Arranjos exteriores nos estabelecimentos de ensino;

- Cedência de mobiliário e equipamento;

- Auxílios económicos para livros, material escolar e alimentação;

- Subsídios para actividades organizadas pelos alunos;

- Transporte diário, cedência de transportes para visitas de estudo e passeios;

- Organização de acções de formação e informação a nível da (saúde,

segurança, higiene, ambiente, etc.) junto dos alunos;

- Cedência de espaços camarários para os alunos desenvolverem diversas

actividades;

- Participação e desenvolvimento em diversos projectos.

4 – INTERVENÇÃO MUNICIPAL NO ENSINO SECUNDÁRIO

A nível do ensino secundário os municípios têm competência em matéria de

transportes para alunos que residam a mais de 4km do estabelecimento de ensino,

107

comparticipando em 50% do custo deste serviço. No entanto, os municípios apoiaram

este nível de ensino no que se refere à:

- Cedência de transportes para visitas de estudo e passeios;

- Atribuição de subsídios para organização de actividades;

- Apoio logístico em projectos e cedência de espaços camarários para

desenvolverem actividades nomeadamente, na área do desporto, teatro, música, entre

outras manifestações culturais promovidas por alunos deste nível de ensino.

5 - ACTIVIDADES SÓCIO-CULTURAIS, PEDAGÓGICAS E DESPORTIVAS DESENVOLVIDAS PELOS MUNICÍPIOS

Para além destas intervenções, os municípios promovem actividades sócio-

culturais, pedagógicas e desportivas dirigidas aos vários níveis de ensino, estas são

organizadas para a educação pré-escolar, 1º, 2º e 3º ciclos, no entanto, algumas

estendem-se ao ensino secundário e ensino universitário.

Estas actividades desenvolvem-se de acordo com a iniciativa de cada

município e por vezes tem uma organização direccionada somente para um nível de

ensino.

Destas actividades, destacam-se a comemoração de efemérides, tais como: o

Dia Mundial da Criança, Dia Mundial da Árvore, Dia Mundial do Livro, Dia Mundial do

Teatro, Dia Mundial da Dança, Dia Mundial do Ambiente, Dia da Floresta, Natal, Dia

dos Reis, Carnaval, Páscoa, etc. Em alguns eventos os municípios organizam

actividades que envolvam a participação das crianças, através de concursos,

representações, provas de desporto, etc., e atribuem prémios.

Para além destas iniciativas os municípios promovem outras actividades que

envolvem investimentos de grande vulto, contribuindo assim para aumentar a

qualidade e diversidade da educação a proporcionar aos educandos. Estas

actividades compreendem:

- Hábitos de leitura. Os municípios tem investido cada vez mais nas bibliotecas

municipais, aumentando o stock de livros, criaram espaços e adquiriram novas

tecnologias para obterem outros conhecimentos, alargaram também o serviço da

biblioteca itinerante, para além do 1ºciclo à educação pré-escolar e ao 2 e 3º ciclos;

108

- O teatro. Através de protocolos celebrados com grupos de teatro para

desenvolver esta arte de representação junto das escolas;

- A dança. Também através de protocolos celebrados com companhias de

dança;

- A Educação e Formação Musical. Desenvolvendo iniciativas que envolvem a

actuação de Bandas Filarmónicas e a criação de uma academia para aprendizagem

de música;

- Ocupação de Tempos Livres. Organizam em tempo de férias para

proporcionar férias na praia e em programas comunitários;

- O Desporto. Organizam e também cedem instalações em actividades ligadas

à prática do desporto, nomeadamente, natação, atletismo, futebol, andebol, etc.

Estas actividades organizadas pelos municípios, contam com a colaboração e

parceria de outras entidades, através da realização de protocolos tendo em conta o

evento a desenvolver e ainda garantem o transporte das crianças e alunos.

6 – INTERVENÇÃO MUNICIPAL NO ENSINO RECORRENTE E EXTRA-

ESCOLAR

A nível do ensino recorrente e extra-escolar os municípios têm competências

no que se refere ao apoio logístico, cedência de instalações e equipamentos. Na

análise realizada verificou-se que os municípios têm as seguintes intervenções:

- Cedem as instalações e fazem a manutenção das mesmas;

- Disponibilizam os espaços camarários para a realização quer de acções de

formação, quer de informação;

- Cedem material didáctico e outros necessários para o desenvolvimento das

diversas actividades;

- Disponibilizam transportes para acções de formação, convívios e visitas de

estudo;

109

7 – INTERVENÇÃO MUNICIPAL EM PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO

As assimetrias locais, em termos de carências e risco social, têm merecido por

parte dos municípios uma certa atenção e preocupação. Este facto reflecte-se no

desenvolvimento de programas de intervenção para colmatar e/ou atenuar problemas

que se manifestam a nível da comunidade local. Como exemplo do trabalho realizado

em municípios destaca-se :

O combate ao abandono escolar e trabalho infantil, através da realização de

várias actividades junto das escolas e respectivas famílias, envolvendo acções de

sensibilização para a importância da escolaridade obrigatória, exposição de trabalhos

realizados pelas crianças.

O apoio à deficiência infantil, através da criação de espaços com recursos a

nível de materiais e infra-estruturas adequados às necessidades educativas especiais

das crianças.

Estas intervenções, envolveram o acompanhamento de equipas de pessoal

especializados de acordo com o programa, nomeadamente sociólogos, psicólogos,

professor de natação, terapeutas, etc.

8 - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DOS SERVIÇOS CAMARÁRIOS DA

EDUCAÇÃO

A área da educação difere na estrutura e composição de município para

município, devido não só às necessidades educativas locais, mas principalmente

devido à forma como o executivo camarário se organiza, tendo em conta a

importância/prioridade dada a esta área.

Assim, verifica-se que é comum aos municípios integrarem a educação num

pelouro em conjunto com outras áreas de intervenção, nomeadamente, cultura,

tempos livres desporto e acção social, que desenvolvem actividades dirigidas à

comunidade educativa.

Este sector não é auto-suficiente para desenvolver toda a sua acção, pelo que

conta com outros sectores do município que lhe dão apoio, nomeadamente o sector

de obras, projectos, transportes, electromecânica, etc.

110

Quadro III – Pessoal afecto à Educação

MUNICIPIOS CATEGORIAS CABECEIRAS DE BASTO FAFE BRAGA

Educação, Cultura,

Desporto e Tempos Livres

Acção Social

Educação, Cultura, Desporto, Tempos

Livres e Acção Social

Educação, Desporto, Tempos

Livres e Acção Social

Cultura

Vereador (T/I) 1 1 1 Vereador (M/T) 1 Assessor 1 3 1 1 Coordenador 1 Chefe de Divisão 1 1 1 Chefe de Secção 1 Técnico Superior 2 4 1 5 Animador 2 1 2 2 Administrativo 5 1 8 2 6 Auxiliar 1 2 1 Subtotal 13 7 7 16 Total 20 17 23

9 - INVESTIMENTOS DIRECTOS DOS MUNICÍPIOS NA EDUCAÇÃO

Os municípios têm feito um investimento crescente na educação, segundo

informação da A.N.M.P. em média de 10% do seu orçamento anual

(Fernandes,1999,171).

No entanto, apurou-se que o investimento efectuado pelos municípios em

estudo, no ano de 1998, foi respectivamente de 10,6%, 15,8% e 22,8% do seu

orçamento global.

Assim verifica-se que o investimento de um destes municípios foi

sensivelmente igual à média, sendo o dos restantes muito superior, chegando mesmo,

um deles a ultrapassar o dobro, desta média.

Estas percentagens reflectem o investimento em educação, cultura, desporto,

tempos livres e acção social para os vários níveis de ensino, sendo no entanto de

salientar que a educação pré-escolar foi o nível de ensino privilegiado.

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Quadro IV - Investimentos directos do orçamento municipal na Educação MUNICIPIOS

CABECEIRAS DE BASTO

% FAFE % BRAGA %

Educação e Ensino 264.237.761$ 10,6 524.320.000$ 15,3 616.404.545$ 6,9

Cultura, Desporto, Tempos Livres

104.350.000$ 4,2 169.543.000$ 4,9 308.314.162$ 3,4

Acção Social 24.500.000$ 0,9 85.645.000$ 3,5 23.528.594$ 0,2 Total 393.087.761$ 15,8 779.508.000$ 22,8 948.247.301 10,6 Orçamento Global 2.477.580.000$ 3.412.610.000$ 8.915.481.089$

CONCLUSÃO

Os municípios têm desenvolvido uma intervenção a nível da Educação, para

além das competências que lhes são atribuídas legalmente.

Esta intervenção resulta, nomeadamente pela sensibilização do executivo

camarário relativamente às necessidades e interesses da comunidade educativa a

nível local e pelas novas responsabilidades e competências que lhe são inerentes a

partir da publicação da Lei Quadro para o Desenvolvimento e Expansão da Rede Pré-

Escolar.

Contudo, com as crescentes solicitações e atribuições nesta área, será de

repensar a necessidade de adequar a intervenção dos municípios neste domínio de

acordo com as novas exigências, em criar uma estrutura administrativa e organizativa

específica, com quadros técnicos especializados e conselheiros escolares, capaz de

dar execução a essas solicitações, podendo-se assim rentabilizar e gerir melhor quer

os recursos humanos, quer financeiros e materiais.

Será importante definir uma política educativa, através de um levantamento de

necessidades e carências no sentido de se obter resultados práticos e funcionais.

Espera-se que com a acrescida descentralização de competências para os

municípios, haja também um consequente reforço de verbas.

Finalmente, procura-se que trabalhos de investigação deste género, sejam um

contributo para a melhoria e incentivo no desenvolvimento do trabalho dos municípios,

através do apoio e troca de experiências entre municípios.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Formosinho, J., Fernandes, A.M., Sarmento, J.M. e Ferreira, I.F. (1999) Comunidades

Educativas: Novos Desafios à Educação Básica. Braga: Livraria Minho. Legislação Consultada: Lei nº 3/79. (1979, Janeiro 10). – D.R. I Série, Nº 8. – Definição dos critérios de actuação dos

municípios no que se refere à educação de adultos. Decreto_lei nº 77/84. (1984, Março 08). D.R. I Série, Nº57. – Competências Municipais em

relação a investimentos públicos. Decreto-Lei nº 299/84. (1984, Setembro 5). –Transferência para as Autarquias em matéria de

transportes escolares. Decreto-Lei nº 399/84. (1984, Setembro 28). D.R. I Série Nº 299. –Transferência para os

municípios em matéria de acção social. Decreto-Lei nº 35/90 (1990, Janeiro 25). D.R. I Série Nº21. – Gratuitidade da escolaridade

obrigatória. Lei nº 5/97. (1997, Fevereiro 10). D.R. I Série-A, Nº34. – Lei Quadro da Educação Pré-Escolar. Documentos Consultados: Relatório de Actividades da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto Relatório de Actividades da Câmara Municipal de Braga Relatório de actividades da Câmara Municipal de Fafe