64
1 Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social Trabalho de Conclusão de Curso Autora: Ana Paula Coutinho Orientadora: Profª. Ms. Isabel Clavelin LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de trabalho do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante Brasília – DF 2014

Autora: Ana Paula C outinho Orientadora: Profª. Ms. … ·

Embed Size (px)

Citation preview

1

Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social

Trabalho de Conclusão de Curso

Autora: Ana Paula C outinho

Orientado ra: Profª. Ms. Isabel Clavelin

LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de tra balho d o Juizado

de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher d o Núcleo Bandeirante

Brasília – DF

2014

2

ANA PAULA COUTINHO

LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE

URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de trabalho do Juizado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante

Projeto apresentado ao curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª. MSc. Isabel Cristina Clavelin da Rosa

Brasília 2014

3

Artigo de autoria de Ana Paula Coutinho, intitulado, “Lei Maria da Penha e a

Apliação das Medidas Protetivas de Urgência: práticas de uma visão a partir do trabalho no

Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante”,

apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social da

Universidade Católica de Brasília, em 09 de junho de 2014, defendido e aprovado pela banca

examinadora abaixo assinada:

_____________________________________________

Prof.ª. Ms. Isabel Cristina Clavelin da Rosa

Orientadora

Cursos de Comunicação e Serviço Social - UCB

_____________________________________________

Maria Valéria Duarte de Souza

Profª. Ms. do Curso de Serviço Social - UCB

______________________________________________

Soraia da Rosa Mendes

Profª Drª. do Curso de Direito - UCB

Brasília

2014

4

AGRADECIMENTO

Agradeço minha família, que mesmo longe, estavam perto de coração. Em especial,

minha querida mãe que pelo seu exemplo de luta e de perseverança, sempre incentivou seus

filhos, a nunca desistirem de estudar, lutando pela conquista da felicidade, de uma vida

melhor, de justiça entre os homens, enfim, de escolher sempre o caminho do bem. Agradeço a

Deus por sempre ter colocado pessoas boas em meu caminho, oferecendo-me oportunidades

na vida, como é o caso do apoio do Superintendente da FAAP (Federação das Associações de

Atletas Profissionais), empresa em que trabalho, que financiou e apoiou na conclusão deste

curso à busca da tão sonhada carreira profissional.

Agradeço às pessoas mais próximas de mim, com quem convivo diariamente, em

especial minha filha. A vocês meu imenso amor.

Agradeço as colegas de trabalho e de faculdade, as quais sempre me apoiaram em

momentos difíceis.

Aos meus professores e professoras que, mostraram a excelência de mestres, me

proporcionado essa formação tão completa.

À minha orientadora que, com toda sabedoria, enfrentou comigo o desafio desta

pesquisa, dando-me forças para continuar no meu objetivo.

5

LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de trabalho do Juizado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante

ANA PAULA COUTINHO

Resumo:

Este presente trabalho tem o objetivo de verificar os encaminhamentos de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para a devida aplicação de medidas protetivas de urgência, conforme a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, tendo como foco o acesso das mulheres à justiça. A metodologia utilizada sobre a abordagem do tema foi uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, bibliográfica e documental de fontes primárias, com trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante, localizado no Distrito Federal, nos meses de abril e maio de 2014, durante dez visitas. No órgão, foram observados a rotina de trabalho do cartório judicial, analisados oito processos judiciais sigilosos, acompanhadas três audiências de julgamento e aplicadas três entrevistas semi-estruturadas com: uma mulher vítima de violência doméstica, uma assistente social do SERAV (Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais) e o juiz titular. Desse modo, tivemos condições de perceber como são aplicadas as medidas protetivas de urgência, para garantir a segurança da mulher com o propósito de protegê-la e para evitar novos episódios de violência doméstica. Palavras-chave: Violência Doméstica contra Mulheres. Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa apresenta à comunidade acadêmica e à sociedade considerações sobre

como é o acesso da mulher em situação de violência doméstica e familiar à justiça a partir dos

encaminhamentos empreendidos por um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher. Este é um dos serviços da rede especializada de atendimento à mulher em situação de

violência, acionado após a vítima ter feito denúncia do agressor numa delegacia especializada

de atendimento à mulher (DEAM), posto especializado ou delegacia civil. O presente estudo

acadêmico vale-se de trabalho de campo realizado no juizado do Núcleo Bandeirante, um dos

19 existentes no Distrito Federal, nos meses de abril e maio de 2014.

Durante a pesquisa documental de primeira mão, efetuada por meio de consulta de

processos judiciais arquivados no cartório do referido juizado, percebeu-se que a aplicação

das medidas protetivas de urgência estabelecidas pela Lei Maria da Penha encontra

6

dificuldades para ser mantida. Dos oito casos analisados, quatro, sofreram pedido de

arquivamento das medidas protetivas de urgência pela vítima de violência doméstica. A

fragilidade afetiva e a falta de conhecimento da mulher sobre a Lei Maria da Penha e de como

são importantes essas medidas protetivas para garantir sua proteção, ainda é um obstáculo a

ser vencido, pois, mesmo sendo acolhida por uma rede especializada em combater a violência

doméstica contra a mulher, algo a enfraquece diante do enfrentamento ao agressor.

Outro aspecto observado no trabalho de campo desta pesquisa exploratória com base

na análise dos processos judiciais diz respeito não é só à aplicação da Lei Maria da Penha, por

meio da justiça, que coibirá o agressor de usar da violência contra mulher, e sim de uma

mudança na cultura alicerçada no regime patriarcal e atrelada à dominação e exploração das

mulheres pelos homens.

Tais questões vão ao encontro do interesse motivador deste trabalho, surgido da

preocupação de estudar o tema da violência de gênero que, mesmo com a vigência da Lei

Maria da Penha (11.340/06) 1, não houve avanços na diminuição das agressões contra as

mulheres. No pós-denúncia do agressor na delegacia, o percentual de reincidência da

violência é superior a 50%, em mulheres com faixa etária de 30 a 60 anos, conforme o Mapa

da Violência – 2012.

A Lei Maria da Penha (11.340/06) cria medidas protetivas de urgência para as

mulheres vítimas de violência doméstica, a fim de protegê-las de novas agressões, uma vez

que, ao denunciarem o agressor. De acordo com especialistas, a Lei Maria da Penha é um

avanço, mas “sua vigência efetiva esbarra em um conjunto de obstáculos que necessitam ser

superados para que seus efeitos possam modificar comportamentos e valores discriminatórios

e violentos” (BARSTERD, 2011, p. 29).

Então, a efetividade da Lei Maria da Penha não atuará somente numa esfera de poder,

mas sim nos aspectos sociais e culturais, percebendo a necessidade de trabalhar a mudança da

visão da sociedade sobre a violência contra as mulheres. A opressão da mulher por sua

condição de gênero ocorre pelo uso da força, forjado pela dominação masculina, além do uso

da coação, intimidação, humilhação, discriminação, entre outras formas de violência, que fere

1 Esta norma tem como propósito criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; alterar o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; entre outros. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2012/lei-maria-da-penha-edicao-2012>. Acesso em: 26 mai. 2014

7

o interior da mulher, diminuindo sua auto-estima e a enfraquecendo diante o enfretamento a

essa dominação. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em 2010, aferiu que, a cada 24

segundos, uma mulher é espancada (cinco mulheres a cada dois minutos) no Brasil. Antes da

criação da Lei Maria da Penha, esse índice era de 15 segundos, em 2001. A despeito da

diminuição no espancamento, o número de mortes não diminuiu e, nesses últimos 30 anos,

passaram de 1.353 (em 1980) para 4.297 (em 2010), representando um aumento de 217,6%,

ou seja, mais que triplicou o número de homicídios de mulheres no país. Dentre os 84 países

do mundo, o Brasil ocupa a 7ª posição em óbitos violentos de mulheres, de acordo com o

Mapa da Violência, de 2012.

No estudo inédito de “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, do IPEA

(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima-se que, no Brasil, de 2001 a 2011,

ocorreram mais de 50 mil feminicídios2, ou seja, mulheres foram assassinadas pelo fato de

serem mulheres. Cerca de 40% desses óbitos, foram cometidos pelos parceiros ou ex-

parceiros das vítimas. Na maioria dos casos, ocorreram no âmbito familiar.

Em geral, os assassinatos representam o final cruel de um ciclo de violência

caracterizado por torturas, violações e impunidade dos agressores por parte do poder público e

da sociedade. Grande parte das vítimas fatais foi alvo de diversas formas de violência: física,

psicológica, moral, sexual ou patrimonial. Por conseguinte, tiveram negados os seus direitos

humanos universais, tais como a vida, a liberdade e a segurança.

METODOLOGIA

Este trabalho ancora-se na pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, agregando as

pesquisas bibliográfica, documental e exploratória com técnicas de entrevista semi-

2 Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. São crimes que ocorrem geralmente

na intimidade dos relacionamentos e com frequência caracterizam-se por formas extremas de violência e barbárie. Cometidos por homens contra as mulheres, suas motivações são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda da propriedade sobre elas. Para mais, recomenda-se o artigo Feminicídio: a última etapa do ciclo da violência contra a mulher, da socióloga Lourdes Bandeira Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/feminicidio-a-ultima-etapa-do-ciclo-da-violencia-contra-a-mulher-por-lourdes-bandeira/>. Acesso em 10 mar. 2014. O Projeto Lei do Senado 292/2013, sugerido pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência contra a Mulher no Brasil, propõe a tipificação do feminicídio, com pena de reclusão de 12 a 30 anos para autores de assassinatos de mulheres com circunstâncias de violência doméstica ou familiar, violência sexual, mutilação ou desfiguração da vítima. Disponível em:<

http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/07/18/crime-de-feminicidio-podera-ser-incluido-no-codigo-penal>. Acesso em: 26 mai. 2014.

8

estruturada e de observação não participante. Minayo (2010) compreende a pesquisa

qualitativa, desenvolvida no campo das Ciências Sociais, como relacionada à realidade a ser

pesquisada. Inscreve-se no universo dos significados, dos motivos, das crenças, pensamentos

e ações dos indivíduos Nesse conjunto, assenta-se a violência de gênero, resultante das

relações de poder incrustadas na ideologia patriarcal e sexista de subordinação e controle das

mulheres por diferentes formas de opressão.

Para a compreensão de tais fenômenos, esta autora valeu-se da pesquisa bibliográfica

(LAKATOS e MARCONI, 2003) e documental de fontes primárias (LAKATOS e

MARCONI, 2003), para a qual foram arrolados documentos sobre o acesso das mulheres à

justiça antes e durante o desenrolar do trabalho de campo. Conforme Minayo (2010), a fase

exploratória é a primeira etapa do processo de trabalho científico de uma pesquisa qualitativa.

Para este estudo, essa etapa foi composta pelo levantamento de informações sobre a Lei Maria

da Penha nos seguintes portais de internet: Conselho Nacional de Justiça (www.cnj.org.br);

Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (www.mulher.df.gov.br/); Secretaria de

Políticas para as Mulheres da Presidência da República (www.spm.gov.br); tribunais de

justiça do Estado do Rio Grande do Sul (www.tjrs.jus.br), do Espírito Santo

(www.tjes.jus.br), de Minas Gerais (www.tjmg.jus.br), do Maranhão e do Distrito Federal e

Territórios (www.tjdft.jus.br); Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha

(www.compromissoeatitude.org.br); Jusbrasil (www.jusbrasil.com.br), Fórum Nacional de

Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (www.amb.com.br/fonavid); e

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (www.ibge.gov.br). Em todas essas plataformas,

a consulta se deu por meio das palavras-chave: medidas protetivas, Lei Maria da Penha e

violência doméstica contra mulheres.

Os procedimentos teórico-metodológicos detalhados acima antecederam as saídas do

trabalho de campo, o qual “consiste em levar para a prática empírica a construção teórica

elaborada na primeira etapa” (MINAYO, 2010, p.26). Visto que o objeto desta pesquisa é o

estudo sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha por

juizado especializado, a complexidade da violência de gênero e as respostas parciais do poder

público, foram feitos contatos com pessoas da área sociojurídica e especialista em violência

doméstica, com o propósito de identificar um espaço para o desenvolvimento desta

investigação. A escolha do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do

Núcleo Bandeirante (JVDFM), no Distrito Federal, decorreu de indicação de Aparecida

Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da

9

Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em março de 2014,

tendo em vista a informação de que se tratava de uma das instâncias com atuação destacada

na perspectiva de gênero e na aplicação da Lei Maria da Penha.

Após definido o local para a realização do trabalho de campo, iniciaram-se as

tratativas para o desenvolvimento da investigação. Foram identificadas duas servidoras do

juizado, as quais poderiam colaborar para a deflagração do estudo. No entanto, as respostas

não vieram, causando expectativa quanto ao pouco tempo que teria para realizar minha

pesquisa. Com o apoio da orientadora da pesquisa, novo esforço de contato foi feito e logrou-

se com o agendamento de reunião com o magistrado para 15 de abril de 2014. Antes do

encontro, pensamos em analisar cinco processos judiciais, aplicar observação não participante

durante todo o tempo que esta pesquisadora estivesse em campo e observação não participante

de uma audiência de julgamento, além de entrevistas semi-estruturadas (MINAYO, 2010)

com vítima, assistente social e magistrado.

Mediante a disposição colaborativa do juiz, ficamos à vontade para o acionamento de

outras formas de coletas de dados, as quais pudessem se revelar como relevantes no percurso

da pesquisa. Assim, foram determinadas três fases para a exploração do campo: i) analisar

oito processos de lesão corporal, ameaças, honra, perturbação da tranquilidade,

compreendidos entre janeiro e março de 2014; ii) acompanhamento de audiência de

julgamento de instrução (aquela em que o juiz escuta as partes e testemunhas); iii) entrevista

semi-estruturada com vítima, assistente social e magistrado, a qual poderia ter questões

alteradas após o desenvolvimento das etapas anteriores. Estas etapas foram concluídas em dez

dias de pesquisa de campo, iniciando em 14 de abril de 2014 e terminando em 15 de maio de

2014, neste período houve alguns contratempos que contribuíram para prorrogar o tempo da

pesquisa, como: feriado prolongado e disponibilidades para fazer as entrevistas. Como

instrumentos de registro dos dados coletados, foram criados a ficha de análise dos processos

judiciais armazenados no cartório do juizado (ver anexo); o roteiro para a observação não

participante, a fim de documentar pontos de observação da rotina do juizado e da audiência; e

o questionário com perguntas semi-estruturadas, com disposição de incorporar respostas

espontâneas das partes entrevistadas.

Ao roteiro inicial da entrevista, foram adicionadas outras indagações decorrentes da

observação do campo: aplicação das medidas protetivas no juizado para coibição e prevenção

de novas violências, se elas trazem segurança à vítima e outros, se foram concluídas sobre

orientação, procedimentos de profissionais, e principalmente, o cuidado com mulher vítima de

10

violência doméstica, evitando assim, a revitimização. Conforme Minayo (2010), esta

pesquisadora apresentou-se à pessoa entrevistada, expôs a motivação e os procedimentos da

pesquisa, reiterando o compromisso com o anonimato e sigilo, e registrou a expressa

autorização da entrevista mediante a assinatura de documento. Vale registrar que a entrevista

com a vítima de violência doméstica foi realizada no oitavo dia do trabalho de campo, de

forma imprevista. A aproximação entre as partes foi feita por uma técnica judiciária. A

entrevista com a assistente social do SERAV e o juiz, foram realizadas no nono dia de campo.

Para a análise dos processos judiciais sigilosos, no Juizado de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, foi constituída uma ficha de sistematização para facilitar a consulta

destes documentos. Cada campo foi elaborado de acordo com os dados de coleta de

informações da Central de Atendimento à Mulher – Disque 1803, da Secretaria de Políticas

para as Mulheres, conforme percebido em relatórios divulgados: perfil da vítima, tipo de

violência, quem era o agressor, faixa etária da vítima e do agressor, frequência da agressão,

tempo de relacionamento, tipo de violência, rede de enfretamento que procurou primeiro,

situação dos filhos diante da violência, quantidade de filhos, quem estava presente ao fazer a

denúncia. Os campos sobre medida protetiva requerida, antecedentes criminais e se a vítima

possuía família por perto surgiram durante reunião com juiz, onde percebemos que estes

dados eram relevantes na hora de decidir sobre a medida protetiva. No referido instrumento,

foi incorporado campo livre para anotações, a fim de acrescentar itens para melhor ajudar na

sistematização para as análises de processo. Considerando o esgotamento metódico desse

documento frente à peculiaridade de informações contidas nos processos judiciais, esta

pesquisadora adotou outro instrumento: resumo do caso analisado na pesquisa documental de

fonte primária, tendo em vista a necessidade de registrar informações importantes, além das

colhidas pela ficha de sistematização.

Ao todo, foram analisados oito processos em dez dias de permanência no campo,

sendo: seis escolhidos aleatoriamente, de janeiro a março de 2014; dois escolhidos depois da

observação não participante de três audiências de julgamento (só estavam disponíveis dois

processos dos três observados, o outro estava no Ministério Público); um de 2011; e um de

2013. Sobre a observação não participante, inicialmente havia sido prevista a realização de

somente uma ocorrência. Em decorrência das possibilidades e da permissão do juiz, foram

efetuadas três observações no sexto dia de trabalho de campo – todas na mesma data. Os

3 De 2005 a 2013, foram computadas 3,6 milhões atendimentos com variadas solicitações, conforme balanço

anual do Disque 180, o qual passou a atuar, desde março de 2014, como disque-denúncia.

11

apontamentos no roteiro de observação foram registrados da seguinte forma: ambiente e

estrutura física, comportamento dos e das participantes (vítima, agressor, magistrado e equipe

de apoio), posicionamentos dos profissionais de justiça sobre a Lei Maria da Penha, entre

outros que viessem aparecer.

1 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E REGIME PATRIARCAL: a dominaçã o masculina

Para a teórica feminista Joan Scott (1989, p.21), gênero é “elemento constitutivo de

relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma

primeira de significar as relações de poder”. Se o gênero é inerente às relações de poder entre

mulheres e homens, estabelecendo formas de dominação e de controle, é imperativo saber

como se desenvolve o uso da força nas relações de gênero.

Segundo Heleieth Saffioti (2002, p.115), a “violência de gênero é um conceito mais

amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças, adolescentes de ambos os sexos”. A

autora traz a compreensão de que, não se trata só de uma dominação masculina, mas também

da exploração que as mulheres sofrem diante de uma cultura patriarcal. Desse modo, os

estudos feministas teorizaram sobre o conceito de gênero e a ideologia do patriarcado para

compreender a realidade das mulheres, dos homens e da sociedade.

O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, “neutralizando” a exploração-dominação masculina. Neste sentido, e contrariamente ao que afirma a maioria das(os) teóricas(os), o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana (SAFFIOTI, 2009, p.35).

Numa relação de dominador e dominada, é nítida a articulação dos homens. Primeiro,

para se perpetuarem no poder, e segundo, colocando a mulher numa ordem social inferior,

seja em papéis submissos de exploração, como, por exemplo, prestadora de serviços sexuais,

domésticos, entre outros. Saffioti (2009) traz o questionamento: “E o corpo? Não desempenha

ele nenhuma função? O ser humano deve ser visto como uma totalidade, na medida em que é

uno e indivisível” (IDEM, IBIDEM, p, 16). Para a autora, é no corpo que surge essa violência,

seja física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial e ainda diz que ao atingir o corpo, fere a

alma da mulher, destruindo sua própria identidade, se manifestando fisiologicamente, com

12

sintomas inexplicáveis aos homens, como desmaios, estresses ou algo que a leve ao

tratamento com calmantes e terapias com psicólogo, entre outros sem diagnósticos.

Segundo Tavares e Pereira (2007), a violência de gênero é uma manifestação de

relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, em que a subordinação

não implica na ausência absoluta de poder. O patriarcado também é discriminador, pois

quanto mais frágil seja seu objeto de dominação (mulher, pobre e negra), mais é explorado,

mais é opressor, sem nos esquecer de que essa discriminação é uma relação de violência, pois

não existe poder sem violência. E essa relação foi historicamente construída e aceita pela

sociedade, pois a mulher oprimida é atingida em sua identidade, sua essência, sua existência.

Considera‐se, assim, violência tudo aquilo que fere, destrói, agride ou machuca as

pessoas - ações que não preservam a vida e/ou prejudicam o bem-estar tanto individual,

quanto social. A origem da palavra violência vem do Latim violentia, que significa

veemência, impetuosidade. Contudo, a etimologia está relacionada à violação (violare), por

isso, toda forma de violência é uma violação dos direitos humanos seja nos seus direitos civis,

sociais, econômicos, culturais e políticos.

No Direito, podemos verificar violência como constrangimento físico ou moral

exercido sobre alguém, que também pode ser definida pela perspectiva de danos à pessoa e de

transgressão à norma social. Analisando o conceito citado, Faleiros (2003) aponta que “a

violência é relacional, ou seja, uma relação de agressão e vitimização. Sendo na relação entre

agressor e agredido que se visualiza e se mede o impacto prejudicial, por ação ou ameaça,

gerado pelo agressor ao agredido de forma física, moral ou psicológica” (IDEM, IBIDEM, p.

67).

E como seria a violência contra mulher? De acordo com Pereira e Pereira (2011, p.

28), “a violência contra a mulher geralmente se identifica com a violência doméstica”, mas

seu conceito possui vários seguimentos. Para Cavalcanti (2006), a violência contra a mulher

constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder

historicamente desiguais entre mulheres e homens; permeia todos os setores da sociedade,

independentemente de classe, raça, grupo étnico, renda, cultura, nível educacional, idade ou

religião e afeta negativamente suas próprias bases. Na IV Conferência Mundial da Mulher,

realizada pelas Nações Unidas, em Beijing, China, em 1995, o termo foi refinado. Pereira e

Pereira (2011) consideram ser a mais completa expressão de violência contra mulher, definida

como “qualquer ato de violência que tem por base o gênero e que resulta ou pode resultar em

dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, inclusive ameaças, a coerção ou

13

a privação arbitrária da liberdade, quer se produzam na vida pública ou privada” (ONU,

1995).

Percebemos que a violência contra mulher, por seus diversos conceitos, é aquela

violência oferecida pelo simples fato de a mulher ser mulher. Dada a análise de Pereira e

Pereira (2011) e presente no artigo 1º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1995), o conceito abrange as agressões de ordem

física, sexual e psicológica, nos relacionamentos íntimos ou familiares, pessoas da

comunidade em geral, e aquelas exercidas e toleradas pelo Estado e nas definições dos

diferentes conceitos de violência contra mulher e violência doméstica.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher4, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, estabelece no artigo 2º, que a

violência contra a mulher abrange agressões de ordem física, sexual e psicológica:

a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (OEA, 1994).

Desse modo, a violência contra mulher deve ser entendida em seu sentido mais amplo,

complexo e sério devido à proporção com que atinge as vítimas e a obscuridade em volta do

tema. Ela causa graves consequências em relação a todos seus direitos, seja políticos, sociais,

econômicos, patrimoniais, direito a saúde e integridade física, enfim, ao direito à vida.

2 LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/06)

No dia 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio

Lula da Silva, a Lei 11.340/06 – a Lei Maria da Penha, que recebeu esse nome em

homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, cearense. Ela foi vítima de

violência doméstica por parte do então marido, o professor universitário de economia, Marco

Antonio Herredia Viveros, o qual tentou matá-la por duas vezes. Na primeira tentativa, em

4 Foi promulgada pelo decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, pela Presidência da República do Brasil.

14

1983, o marido disparou contra Maria da Penha enquanto ela ainda dormia, deixando-a

paraplégica. Na segunda tentativa, o marido a empurrou da cadeira de rodas e tentou

eletrocutá-la embaixo do chuveiro.

Transcorridos 15 anos das tentativas de assassinatos (LIMA, 2009), Maria da Penha

enviou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), com o apoio do

CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher),

enquanto no Brasil, o réu poderia recorrer da decisão de culpado. Pela primeira vez, um

tribunal internacional acatava a denúncia de um crime de violência doméstica, no Brasil,

validando o argumento da peticionaria baseado na Declaração Americana dos Direitos do

Homem e na Convenção de Belém do Pará. Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado

pela OEA por negligenciar, omitir e tolerar a violência contra as mulheres. O ex-marido de

Maria da Penha foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu apenas dois anos de prisão.

Hoje, Maria da Penha atua em movimentos sociais contra a violência e a impunidade. É

diretora-executiva do Instituto Maria da Penha e coordenadora de Estudos, Pesquisas e

Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no

Ceará, e escreveu o livro “Sobrevivi, posso contar”, uma autobiografia (LIMA, 2009).

Tornou-se um símbolo de luta contra a violência doméstica contra a mulher.

O caso de Maria da Penha Maia Fernandes se soma ao empenho dos movimentos

feministas por cerca de três décadas, em prol da igualdade de gênero, tendo atuação junto aos

espaços públicos.

[...] a Lei Maria da Penha, em 2006, é um caso exemplar de exercício de uma cidadania ativa expressa no discurso e na atuação das feministas no espaço público. Sintetiza, também, a longa interlocução das feministas com os poderes legislativo e executivo e aponta para a necessidade de investimentos contínuos no diálogo com o poder judiciário e as demais instituições da justiça (BARSTERD, 2011, p15).

Com intenso debate entre operadores e operadoras de justiça e dos movimentos

feministas e de mulheres, a Lei Maria da Penha foi aprovada pelo Congresso por

unanimidade. Substituiu a Lei nº 9.099/95 por sua insuficiência de coibir a violência

doméstica e não atender as questões complexas que envolve a violência contra da mulher

(LIMA, 2009), devido a cobrança de pagamento de cestas básicas como punição aos autores

de violência de gênero. A lei anterior tinha como objetivo desafogar o Judiciário do volume

de processos de menor potencial ofensivo, no que se referiam à proteção da mulher. As

medidas adotadas serviam apenas como efeito pedagógico e não de punição.

15

2.1 DISPOSITIVOS: PREVENÇÃO E ASSISTÊNCA

A Lei Maria da Penha dispõe a criação dos Juizados de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em

situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2012). Depois de feita a denúncia, esta

não pode ser retirada, o que colabora para a investigação e punição adequada aos agressores,

garantindo proteção às mulheres, além de encorajá-las a denunciar seus agressores aos órgãos

competentes. São cinco formas de violência contra mulher prevista na Lei Maria da Penha:

física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, tendo por entendimento como as principais

violências cometidas contra as mulheres (BRASIL, 2012).

Em notícias recentes, tais como a primeira vez em que a Lei Maria da Penha é

aplicada na área cível5, de 12.02.2014, a Lei, apesar de não ter sua aplicabilidade ainda

garantida e efetiva, obteve um grande avanço no que tange à decisão do STJ (Superior

Tribunal de Justiça), que admitiu a aplicação de medidas protetivas em ação cível, sem a

necessidade de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor. A vice-

presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias, avalia que a

decisão do STJ “representa uma inovação e um avanço na aplicação da Lei Maria da Penha,

que é uma lei híbrida. Portanto, as medidas protetivas previstas na lei não devem ser

requeridas exclusivamente à autoridade policial”, dando grande repercussão no âmbito

nacional. A partir de então a autoridade judicial passa também ter a atribuição de solicitação e

autorização, entre outros órgãos, ampliando os elos de responsabilidade da rede especializada.

No Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres está prevista a

[...] rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência (BRASIL, 2011, p.13).

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil -

CPMIVCM 20136, ressaltando que os dados a seguir divergiram das informações dadas pelo

5 Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014. 6 Foi criada pelo requerimento nº 4 de 2012 – CN (do Congresso Nacional), em março de 2012, para investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência (SENADO FEDERAL, 2013). Encerrou os trabalhos em agosto de 2013.

16

TCU (Tribunal de Contas da União) e pela SPM, constatou, em 2013, os seguintes serviços

especializados de atendimentos às mulheres: 408 delegacias da mulher, 103 núcleos

especializados em Delegacias Comuns, 202 Centros de Referência de Atendimento à Mulher,

71 Casas abrigo, 66 Juizados Especializados de Violência Doméstica, 27 Varas Adaptadas, 64

Promotorias Especializadas da Mulher, 36 Defensorias Especializadas ou Núcleos da Mulher.

Tendo em vista que o Brasil possui 5.570 municípios, os serviços que possuímos hoje,

corresponderiam apenas a 1,72% dos municípios. Ademais do baixo percentual, são

constatados: falta de investimento de recursos, seja estaduais e municipais; concentração da

política em capitais e cidades metropolitanas; baixa qualidade do atendimento e à estrutura

dos equipamentos; falta da articulação em rede, entre outros, que chegariam à conclusão da

inexistência e ineficácia destes serviços.

Dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC (IBGE, 2013), apontam

que apenas 397 municípios brasileiros – note-se a divergência apurada pela CPMI - possuem

delegacias especializadas de atendimento à mulher, correspondendo cerca de 7% do total de

municípios do país. Como conseguiremos a eficácia a Lei Maria da Penha, se mais de 90% dos

municípios ao possuem serviço policial especializado? Ganha relevância a segurança pública

por ser porta-de-entrada das vítimas para a rede de serviços públicos, além da competência de

detenção de criminosos e investigação dos crimes. Enquanto isso, prevalece a certeza dos

agressores da impunidade da lei, fazendo com que não cause quase ou nenhum efeito de

coibição e prevenção sobre eles.

2.2 MEDIDAS PROTETIVAS

A Lei Maria da Penha criou medidas protetivas de urgência às mulheres. A maioria

delas sai de seus lares, deixando seus filhos ou os levando consigo, desprendendo-se de seus

pertences materiais por temer a própria segurança. Ao denunciarem seus agressores nos

órgãos públicos, eles podem ser presos logo após a agressão da mulher e se soltos passam por

restrições, entre elas de se aproximar da vítima e seus familiares (BRASIL, 2012). No artigo

22 da Lei Maria da Penha, ao ser constatada a prática de violência doméstica e familiar contra

a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as

seguintes medidas protetivas de urgência:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

17

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios (BRASIL, 2012, p.28-29).

Essas medidas podem também sofrer outras aplicações previstas em Lei, assegurando

a segurança da mulher vitimizada, devendo comunicar ao Ministério Público. Para garantir a

efetividade das medidas protetivas de urgência, o juiz poderá requisitar, a qualquer momento,

auxílio da força policial (§ 1º e 3º, art.22. 11.340/06). Estima-se que, desde a criação da Lei

em 2006 até 2011, foram expedidas 281.302 medidas protetivas, por projeção da SPM-PR7

apontou, em dezembro de 2012, que esse número ultrapasse 350 mil.

Das medidas protetivas de urgência à mulher vitimizada, conforme artigo 23 da Lei

Maria da Penha, o juiz poderá, quando necessário:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos (BRASIL, 2012, p.30).

No artigo 24, sobre a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles

de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar as seguintes medidas:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida (BRASIL, 2012, p.30-31).

7Projeção realizada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), uma vez que não se tem dados atualizados do Judiciário. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014.

18

São assegurados abrigos seguro às mulheres em situação de risco de vida, onde elas

são atendidas e amparadas por programas assistenciais do governo e por uma equipe

integrada, composta por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e saúde.

(BRASIL, 2012).

Nas disposições finais da Lei Maria da Penha, no artigo 35, a União, o Distrito

Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, para mulheres e respectivos

dependentes em situação de violência doméstica e familiar, serviços públicos e no Distrito

Federal, existem: i) casa abrigo, que é um espaço de garantia de defesa e proteção de

mulheres e adolescentes vítimas de violência doméstica e sexual, que correm risco de morte;

ii) Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), que são espaços de acolhimento

e atenção psicológica, social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de

violência, ele proporciona o passo a passo necessário à superação da situação de violência

ocorrida e contribuem para o fortalecimento da mulher no momento de sua maior fragilidade

e iii) os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica

(NAFAVDs), eles atendem as famílias das mulheres que passam pela Casa Abrigo durante e

após a situação de abrigamento. Também recebem encaminhamentos dos Juizados Especiais

Criminais referentes a processos de violências domésticas contra as mulheres.

No Brasil, apesar de não ter dados quantitativos específicos para os processos de

violência doméstica, a SPM-PR8, estima-se que, através de dados do CNJ de 2011, que em

2012 serão cerca de 860 mil procedimentos judiciais realizados desde 2006, destes, quase 200

mil inquéritos foram registrados e mais de 99 mil ações penais instauradas, além das medidas

protetivas. O fato é que, mesmo com esse aumento quantitativo de inquéritos, ações, medidas

protetivas, e outros, não houve diminuição de mortes de mulheres no Brasil nem da violência

de doméstica e familiar.

A iniciação da denúncia de violência doméstica contra mulher começa na delegacia,

então assim, se faz necessário que essa seja especializada para atender essas mulheres, pois

caso contrário, elas sofrerão duplamente a violência ao ser atendida por um policial

despreparado. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) compõem a

estrutura da Polícia Civil, que realizam ações de prevenção, apuração, investigação e

enquadramento legal, assim como o registro de Boletim de Ocorrência (BO), a instauração do

8 Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-

da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014.

19

inquérito e a solicitação à juíza e ao juiz das medidas protetivas de urgência nos casos de

violência doméstica contra as mulheres (SPM).

Crimes contra a mulher, segundo o Código Penal Brasileiro9, são: lesões corporais:

ofensa contra a integridade corporal ou a saúde de outrem; ameaça: ameaçar alguém por

palavras, escrito, gestos ou qualquer outro meio simbólico de causar-lhe mal injusto e grave,

estupro: quando a mulher é forçada, obrigada a manter relação sexual completa ou

incompleta, independente de ejaculação masculina; sedução: ato de conduzir, levar,

conquistar a confiança com vista a ofensa à integridade de menores; rapto violento ou

mediante fraude: ato de retirar a vítima de sua área de locomoção e proteção; rapto

consensual: ato de retirar a vítima de sua área de locomoção e proteção com consentimento

livre e consciente da vítima, maior de 14 e menor de 21 anos.

No que se diz a respeito de medidas protetivas, a mulher ao requerê-la, caberá ao juiz

ou à juíza apreciá-la em 48 horas, e somente após determinação judicial ela terá efeito. Assim,

caso o ofensor descumpra essas medidas, terá praticado crime de desobediência, previsto no

art. 330 do Código Penal, conforme instrução da Cartilha Lei Maria da Penha e Direitos da

Mulher10 e também poderá ser preso, como forma de prevenção, de acordo Código de

Processo Penal e medida protetiva de urgência, prevista na Lei 11.340/06.

Considerando o objeto desta pesquisa, a autora fez consulta na internet sobre

medidas protetivas pelo Brasil, destacando algumas iniciativas em favor da efetividade. Em

Vitória (ES), o botão do pânico foi iniciado, em 2013, como projeto piloto iniciado em 2013,

pelo Tribunal de Justiça em parceria com a prefeitura de Vitória. O botão capta a conversa

num raio de até cinco metros, que poderá ser utilizada como prova judicial e também envia

informações para a Central Integrada de Operações e Monitoramento (CIOM), com a

localização exata da vítima, enviando um carro da Patrulha Maria da Penha ao local. Em Belo

Horizonte (MG), no ao de 2013, o Programa Monitoração Eletrônica de Agressores criou

tornozeleiras a serem acopladas nos agressores. Os dispositivos emitem avisos caso os

agressores descumpram as medidas protetivas de se manterem afastados das vítimas. O

equipamento emite alerta sobre a aproximação do agressor, até mesmo por mensagem de

texto para o celular delas. Em Porto Alegre (RS), desde outubro de 2012, a Patrulha Maria da

9 Decreto-Lei nº 2.848 de 07.12.1940, alterado pela Lei nº 9.777 em 26/12/98. disponível em:

http://www.oas.org/juridico/mla/pt/bra/pt_bra-int-text-cp.pdf. Acesso em: 15/09/2013. 10 Elaborada para tirar dúvidas das mulheres sobre a Lei Maria da Penha. Cartilha Lei Maria da Penha e Direitos da Mulher, MPF E PFDC, 2011. Disponível em: http://www.prrr.mpf.mp.br/arquivos/pgr_cartilha-maria-da-penha_miolo.pdf. Acesso em: 15/09/2013

20

Penha reúne equipes de até quatro policiais militares (sendo dois homens e duas mulheres). São feitas

rondas em diversos bairros da capital gaúcha. São visitadas as vítimas de violência doméstica, que

estão sob medidas protetivas, para prestar-lhe apoio e monitoramento.

3 DA ROTINA/FUNCIONAMENTO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOM ÉSTICA

E FAMILIAR CONTRA A MULHER DO NÚCLEO BANDEIRANTE

O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, criado em outubro de

2011, está localizado no Fórum do Núcleo Bandeirante, na Avenida do Contorno, Área

Especial 13, próximo à 11ª Delegacia. Lá, são atendidas as regiões de Brasília, Núcleo

Bandeirante e Guará, que neste ano, de janeiro a abril, receberam em torno de 40 processos

instaurados mensais (conforme informações do juizado). Em reunião de apresentação da

pesquisa ao juiz, este fez breve histórico sobre o funcionamento do órgão. Em relação à rotina

de trabalho, segundo o magistrado, o trabalho é organizado para que as medidas protetivas de

urgência sejam deferidas no mesmo dia em que chegam, mesmo tendo o prazo de 48 horas

para concessão. Isso foi observado positivamente por meio dos oito processos destacados para

esta pesquisa. Apenas uma não transcorreu no prazo previsto na Lei Maria da Penha.

Na observação não participante ocorrida no cartório do juizado, a pesquisadora

verificou que, tão logo chegava um pedido de medida protetiva da delegacia, rapidamente o

juiz era informado via telefone ou mensagem de texto para celular. Ao ser deferida, já era

feita a expedição do mandado de intimação para o oficial de justiça localizado no mesmo

prédio. O desenrolar dos processos estava em ordem cronológica, permitindo boa

compreensão dos casos e dos procedimentos que envolvem um processo judicial de violência

doméstica como: envio/recebimento de intimação, envio/recebimento ao Ministério Público,

envio/recebimento ao CJM (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher

e Situação de Violência Doméstica e Familiar, à equipe do SERAV (Serviço de

Assessoramento aos Juízos Criminais), encaminhamentos ao CAPSI-ad (Centro de Atenção

Psicossocial – Álcool e Drogas), AA (Alcoólicos Anônimos), CRAM (Centro de Referência

de Atendimento à Mulher) e centros de saúde, dependendo das situações dos envolvidos.

No rol de entrada do Fórum Desembargador Hugo Auler, as instalações físicas e a

equipe de profissionais são adequadas. Há agente de segurança judiciária, recepcionistas

treinadas para facilitar os encaminhamentos de usuários e usuárias. No andar do juizado, há

cadeiras confortáveis, sala de audiência, um posto com um agente da polícia armado;

21

secretaria; sala de audiência; gabinete do magistrado titular e substituto/auxiliar; sala da

Defensoria Pública da ofendida; sala da Defensoria Pública do agressor; sala da equipe de

atendimento multidisciplinar; sala da equipe de apoio à execução penal e cartório. Esta

estrutura é prevista de acordo com o exigido pelo Manual de Rotinas e Estruturação dos

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CNJ/2010. Todavia, no juizado

do Núcleo Bandeirante, existe um diferencial: na sala de audiência, a bancada do juiz é

nivelada à mesa das partes. O juiz conta que, por iniciativa própria, solicitou essa mudança,

pois assim poderia deixar ofendida e agressor sem a intimidação de estrutura imponente. De

acordo com o magistrado, o objeto facilita a aquisição de confiança, contando mais detalhes,

ora antes não relatados no inquérito policial.

Do período de dez dias em que efetuei o trabalho de campo, saliento algumas

situações. Ofendida que ligou para o cartório pedindo ajuda para fazer uma ecografia, pois ela

estava grávida. Esta foi auxiliada pela vice-diretora do juizado, a qual identificou a

localização da vítima e se dispôs a ajudá-la. Profissionais da equipe multidisciplinar11

realizaram telefonemas para as ofendidas, indagando-as sobre integridade e tranquilidade,

bem, se haviam sofrido algum tipo de agressão, ou seja, monitoramento e acompanhamento

de vítimas com medidas protetivas de urgência concedidas, vale mencionar que essa Equipe

Multidisciplinar anteriormente era fornada por servidores do juizado, mas que, desde

setembro de 2012, o atendimento é realizado pela equipe do CJM, que funciona naquele

Fórum. Outro ponto positivo é que o juiz, além de atuar no juizado, participa de diversas

reuniões, palestras, seminários, eventos, para melhorias em relação ao enfrentamento à

violência doméstica contra mulher. No momento de realização da investigação, o magistrado

estava às voltas para firmar parceria com a Polícia Militar para fortalecer a rede para o

atendimento às mulheres em situação de violência. Outro episódio ocorreu num dia de

audiência, em que uma servidora do cartório foi até a ofendida buscá-la para participar da

sessão.

11 De acordo com o artigo 30 da Lei 11.340/06, compete à equipe de atendimento multidisciplinar fornecer, mediante laudo escrito ou verbalmente em audiência, informações que sirvam de subsídios às decisões do Juiz, e às manifestações do Ministério Público e da Defensoria Pública. Essa equipe é composta por profissionais especializados nas áreas de psicologia, serviço social, jurídica e de saúde, com o escopo prestar atendimento integral e humanizado à vítima de violência doméstica, bem como a todas as figuras familiares inseridas naquele cenário. Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CNJ/2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/manual_de_rotinas_e_estruturacao.pdf. Acesso em 15 mai. 2014.

22

Em relação ao requerimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da

Penha, os oito processos analisados demandaram: cinco de afastamento do lar, domicílio ou

local de convivência com a ofendida; oito de proibição de determinadas condutas, entre as

quais: aproximação da ofendida, contato com a ofendida, frequentação de determinados

lugares; uma restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; e duas prestações de

alimentos provisionais ou provisórios. Nos oito casos, as violências foram sobrepostas (mais

de um tipo) e classificadas como: seis físicas (chutes, socos, murros, empurrões, cotoveladas);

cinco de ordem psicológica (ameaça, constrangimento, humilhação, insultos) e seis de cunho

moral, expressas pelos seguintes xingamentos: “vagabunda”, “piranha”, “safada”, “nega

fedida”, entre outros do mesmo nível. Vale lembrar que mesmo não sendo evidenciado nas

ocorrências, em todos os casos havia posterior relato das mulheres (através dos atendimentos

psicossociais), que sofriam xingamentos, humilhações entre outras violências relacionadas à

sua moral e às psicológicas.

Nos oito processos judiciais, as vítimas de violência doméstica tinham a seguinte o

seguinte perfil: cinco delas com idade entre 18 a 29 e três, entre 31 a 44 anos. Cinco foram

agredidas por seus parceiros e três por ex-parceiros. Seis delas possuíam emprego, uma não

identificada e uma estudante. Quatro tinham filhos e/ou filhas com o agressor, três não

possuíam e uma estava grávida do agressor. O tempo do relacionamento foi assim registrado:

em dois casos, a relação tinha de 0 a 1 ano; em quatro, de 2 a 4 anos; uma, de 5 a 9 anos; e

uma, acima de 10 anos.

Sempre que é deferida uma medida protetiva de urgência também é definida uma

data para o atendimento da Equipe Multidisciplinar (E.M.), prevista no capítulo V, da Lei

Maria da Penha, que:

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições (...) fornecer subsídios por escrito ao juiz (...), mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares [...] (BRASIL, 2012, p. 32).

Após o atendimento do agressor e da ofendida pela Equipe Multidisciplinar, é feito

um relatório desse atendimento, que servirá de subsídio para a nova decisão do juiz sobre as

medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. O magistrado analisa o grau do risco

de novas violências domésticas, concluído pela Equipe Multidisciplinar, e mantém ou não as

23

medidas já existentes e também verifica novos procedimentos, acrescentando ou não outras

medidas protetivas, seja para o agressor, seja para ofendida.

3.1 CASOS ESTUDADOS: O DESENROLAR DE OITO PROCESSOS JUDICIAIS DE

MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Na percepção dos atendimentos feitos pela E.M. e o desenrolar das medidas

protetivas (estas duram por seis meses, caso não haja pedido de prorrogação), no primeiro

caso estudado nesta pesquisa, a mulher foi agredida fisicamente, além de ser alvo de

xingamentos (violência moral). O agressor negou as violências e alegou que os xingamentos

eram mútuos. No decorrer da primeira decisão do juiz sobre a medida protetiva de urgência,

até segunda decisão, feito após o atendimento da E.M. (geralmente acontece logo na primeira

semana da data da ocorrência), a mulher pediu para arquivar a medida, argumentando

reconciliação com o ex-parceiro. No atendimento, foi concluído o risco alto de novas

agressões devido à banalização da violência, separação recente e histórico de violência no

relacionamento. Ambos foram encaminhados ao SERAV, mas não compareceram.

No caso 2, a medida foi indeferida, mas mesmo assim houve encaminhamento para a

E.M. e ao SERAV. Na segunda decisão do juiz, depois da conclusão da E.M., manteve-se o

indeferimento de autorização de medida protetiva. O ofensor relatou à equipe que não iria

procurar novamente a vítima. No terceiro processo, foi feito o atendimento pela E.M., a qual

constatou histórico de violência no relacionamento e banalização. O homem foi preso em

flagrante e já havia sido preso pela mesma agressão anteriormente. O juiz fez nova

autorização das medidas, mantendo as outorgadas e inserindo novas: separação de corpos e

restrição de visitas aos menores dependentes. Destaca-se que as questões cíveis são

previamente definidas, através de acordo, no atendimento da E.M. Posteriormente, a vítima é

encaminhada ao Núcleo de Atendimento Jurídico (NAJ-UNICEUB), localizado no mesmo

prédio do juizado. Assim são os procedimentos enquanto o processo aguarda julgamento.

No caso 4, os envolvidos não compareceram ao atendimento da E.M. a despeito de

intimação. Pela observação de processos anteriores, percebi que o juizado continuará

enviando mandado para que haja a participação de ambos no atendimento da E.M., a fim de

ter elementos para decisão. Para a autorização da medida protetiva no caso 5, foi destacado o

histórico de violência durante o relacionamento, a naturalização da violência e a influência

dela no envolvimento de filhos e/ou filhas. Diante dessa situação, foi estabelecido acordo

24

entre as partes para a definição de visitas através do atendimento pela E.M. O agressor era ex-

marido da vítima, cuja separação tinha mais de quatro anos. A agressão ocorreu dentro da

casa da família da vítima.

Os casos 6 e 7 foram escolhidos pela observação não participante de audiências. O

mais grave foi o processo 6, pois a mulher estava no terceiro mês de gestação de gêmeos. Foi

espancada pelo companheiro, o qual sabia da gravidez. Agrediu-a com murros, chutes e socos

por todo o corpo, ocasionando-lhe fratura em uma das pernas. O agressor foi preso em

flagrante. Este processo é de 2013, o casal vivia junto por volta de dez meses. A mulher ficou

afastada do trabalho até o nascimento de seus filhos, ficando boa parte do tempo com

dificuldades de locomoção até a recuperação da fratura da perna. Durante o período em que o

processo aguardava inquérito policial, o atendimento à ofendida foi todo feito em sua casa,

recebendo visitas da E. M., das servidoras do cartório. O grupo acompanhou a ofendida em

cada nova situação que apareceu, a exemplo de novas agressões: física, moral ou psicológica.

O trabalho consistiu em encaminhamentos a partir da denúncia de novos fatos.

No caso 7, o diferencial foi que, além de ser um processo por agressão física,

xingamentos e ameaça de morte, o agressor também representou criminalmente contra a

mulher, por lesão corporal com laudo do IML (Instituto Médico Legal). Depois de quase seis

meses, ambos envolvidos, homem e mulher, pediram para não prosseguirem com o processo e

mencionaram que reataram o relacionamento, não sendo necessária a continuação das

medidas protetivas. No processo julgado, prevaleceu a determinação do juiz de que o

agressor não poderia se ausentar do DF por mais de 30 dias sem autorização prévia. Ademais,

deveria comparecer trimestralmente ao juízo, informando suas atividades por um período de

dois anos e que participasse dos grupos de atendimento junto ao SERAV. O casal manteve o

relacionamento e relatou ao juiz que não houve novos episódios de violência, seja parte do

homem e seja por parte da mulher.

No último caso, o de número 8, foi percebido que, além da agressão física (chutes na

perna, tapas no rosto e puxadas de cabelos) e da ameaça de morte, houve também a violência

moral por meio de xingamentos. Estes foram proferidos não só pelo fato de ela ser mulher,

mas também pela cor da pele. Foi xingada de negra fedida. A medida foi deferida após a

ocorrência na delegacia. O atendimento da E.M. foi marcado na mesma semana, a qual

classificou o caso como de alto risco de reincidência da violência. Tratava-se de reincidência

processual, com banalização e negação da violência. A mulher era dependente afetiva e

socioeconômicamente. Havia ocorrido separação recente devido à agressão, cometida na

25

presença de crianças. Além disso, havia elementos de crenças e estereótipos de gênero,

histórico de violência e notícia de uso excessivo de álcool do agressor. Na nova decisão, o

juiz determinou o afastamento do lar e proibição de contato e aproximação mínima. Contudo,

os termos foram readequados, pelo defensor público, por conta do trabalho do agressor,

ficando assim: afastamento de 10 metros no horário de trabalho e fora desse horário, a

distância é de 500 metros.

Dois dias depois que foi entregue a intimação da nova decisão, o agressor voltou a

agredi-la com a mesma violência anterior. Entretanto, as ameaças se tornaram mais

contundentes: de posse de um facão, o agressor disse que mataria a ofendida e a jogaria no

poço existente na chácara onde moram. A mulher não requereu medidas nesta denúncia, por

achar que entraria em acordo com o agressor. A despeito disso, a medida possui validade. A

vítima foi encaminhada ao IML e, no caso de incidência penal de vias de fato, o caso tornar-

se-á uma ação penal pública incondicionada, onde o Ministério Público deverá iniciar

mediante denúncia ao Judiciário. Este processo é do início deste ano e está aguardando

inquérito policial e também laudo do IML e do SERAV. O agressor não compareceu ao

atendimento do SERAV por estar fora do DF a trabalho por dois meses.

3.2 DA OBSERVARÇÃO DE AUDIÊNCIAS DE JULGAMENTOS DE MULHERES

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

No trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher do Núcleo Bandeirante, no período de dez dias, em um deles pude acompanhar três

audiências sobre: 1) agressão física, de 2011; 2) grávida espancada, prisão em flagrante, de

2013; 3) agressão física e ameaça de morte, de 2011.

Durante todo o tempo de observação, a audiência transcorreu sem animosidade entre

as partes envolvidas - réu ou vítima. Quanto aos profissionais de justiça, juiz, promotor e

defensor, houve, em alguns momentos, discordância em permitir uma testemunha do caso 3,

que tinha sido acionada pelas duas partes.

Todas as audiências foram compostas por: juiz, secretaria de audiência, promotor

público, defensor público, réu, vítima, advogada da vítima e testemunhas (apenas o caso 2 a

mulher vítima não participou). A organização para o início das audiências foi pontual somente

no primeiro caso. Nos demais, os réus atrasaram.

26

Em todos os julgamentos a ocorrência foi efetuada por, principalmente, violência

física, sendo elas: no caso 1, a vítima levou uma cotovelada no nariz. Fora levada ao hospital,

onde o agente policial registrou a ocorrência de crime de lesão corporal cometido pelo

parceiro. No caso 2, houve prisão em flagrante por espacamento da mulher que estava grávida

de três meses, na época, ocasionado-lhe fratura na perna. No caso 3, ambos eram réus e

vítimas, pois a mulher que denunciou o companheiro por agressão física e ameaça de morte,

também foi denunciada pelo seu companheiro por lesão corporal.

Dos três julgamentos, a mulher do caso 1 foi a que mais mostrou-se hostil ao ex-

parceiro. Na época da agressão, ela não quis representar criminalmente contra o parceiro pelo

relacionamento que tinham na ocasião. No momento da audiência, em maio de 2014, ela

queria ser ressarcida do prejuízo que teve. Alegou deformação do nariz e solicitava cirurgia

reparadora. O pleito de baseada na má aparência, a qual impossibilitava lograr emprego na

área de vendas. No caso 2, não houve ofendida, pois já havia sido ouvida em outra audiência.

No caso 3, a ofendida é esposa do agressor, mostrando um clima de cumplicidade e certa

harmonia, estando presente o filho de colo do casal.

Já os agressores, todos tiveram um comportamento parecido. Eles apenas observavam

os encaminhamentos. No caso 1, o réu só falava depois que o juiz já havia ouvido a vítima, as

testemunhas e visto outras provas para compor o processo. Era perceptível a orientação do

defensor em trazer o processo para a legítima defesa. Negou as discussões, argumentando

revide de agressão já cometida pela mulher, ou seja, legítima defesa. Meu entendimento

apontou para a banalização da violência.

Nas três audiências em que fiz a observação não participante, notei que o juiz as

comanda de forma tranquila. Além de ouvir as perguntas do promotor e do defensor, ele

também questiona e instiga testemunhas, vítimas e réus, a fim de obter mais detalhes sobre o

caso. Ou seja, não limita-se aos fatos e provas concretas, elementos-base para a sentença. No

caso 2, o juiz, ao final da audiência, perguntou ao réu se ele está mantendo contato com a

vítima. Comentou ter tido notícias de fotos dos dois em redes sociais. No caso 3, o juiz

conversou com o agressor, que continuava casado com a ofendida, dando-lhe conselhos como,

“quando estiver nervoso, tente se acalmar, mas não use da violência. O importante é buscar

uma ajuda para construírem uma relação mais sólida, sem conflitos”, disse o magistrado na

tentativa de fomentar novos valores para o relacionamento e a convivência entre as partes.

27

3.3 DAS ENTREVISTAS COM MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA,

MAGISTRADO E ASSISTENTE SOCIAL

A entrevista trouxe a percepção real da mulher sobre as medidas protetivas, seja na

sua aplicação, seja no objetivo que é proteger a mulher vítima de violência doméstica.

Quando perguntei à vítima sobre o atendimento recebido, desde a delegacia até o juizado, ela

respondeu-me que no geral, foi bom, pois haviam lhe informado sobre quais eram as medidas

que poderia requerer, lhe ofereceram a Casa-Abrigo e acompanharam-na até um lugar seguro,

escolhido por ela. E sobre a concessão da medida protetiva, ela afirma que “logo foi

concedida, mas eu também logo pedi pra arquivar. Vou confessar que gosto muito dele e eu

acabei ligando pra ele depois da denúncia, mas eu sei que tenho que me afastar, pois ele me

prejudica...”. Nesse relato, é visível a dependência afetiva da mulher, que volta para o

agressor, mesmo estando sob medida protetiva, e assim o agressor volta a agredi-la.

Seu acesso ao juizado, pós-denúncia, foi direto, tendo acesso à equipe

multidisciplinar, aos servidores e servidoras do cartório e também ao juiz. Este, ao ouvi-la

sobre a denúncia de nova agressão, deferiu prontamente seu pedido de manter as medidas

protetivas inicialmente requeridas. A vítima lamentou não terem prendido o agressor em

flagrante. E desabafou: “estava com muito medo do agressor e a delegacia não podia prendê-

lo, só se fosse em flagrante, então me senti desprotegida”. Mas quando recebeu o deferimento

das medidas protetivas, disse ter se sentido mais aliviada, pois “se acontecer alguma coisa,

vou estar protegida, vou saber que tem uma pessoa pra me proteger”. E complementa: “acho

que as medidas podem ajudar muito a diminuir a violência contra as mulheres. Mas mesmo

assim eles não vão ficar perto de você 24 horas, eles não vão ao seu trabalho saber se tá tudo

bem, se “ele” chegar a me matar, só irão saber quando eu morrer”. Ao analisar essa entrevista

percebi que, o atendimento da autoridade policial cumpria o previsto na Lei Maria da Penha,

assim como do atendimento do juizado especializado no que diz respeito à mulher vítima de

violência doméstica

Na entrevista com o juiz titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher do Núcleo Bandeirante, verifiquei a importância da rapidez em deferir a medida

protetiva de urgência, a fim para interromper a violência no momento derradeiro, pois ela tem

esse poder. De acordo com juiz, esse processo é feito da seguinte forma:

Quando eu recebo um pedido de medida protetiva, eu analiso as declarações da ofendida e as informações que aquele boletim de ocorrência traz: nível de instrução, os contatos do telefone, pra viabilizar um contato do juizado com essa mulher ou

28

não, então eu recebo o pedido. A primeira coisa que fazemos é o contato com essa mulher, confirmo aquelas informações ou alguma outra mudança que tenha ocorrido no quadro, do momento em que ela registrou ocorrência e fez o pedido, até o momento em que eu estou decidindo. Analiso esses aspectos e, depois, com base nessas novas informações que agregam, eu vejo o que ela está pedindo, vejo o histórico de violência que tem ali, qual ocorrência, como e o que aconteceu, se é crime e a partir daí eu defiro ou não as medidas protetivas.

E tudo isso é feito na hora em que chega, para ele “quando a mulher solicita, é

porque ela precisa. E a nossa experiência tem sido assim, de examinar a medida protetiva no

dia em que chega. E, na prática, quase sempre tem sido deferida todas as medidas que têm

sido requeridas”, diz o juiz.

Quando perguntado sobre a eficácia da medida protetiva de urgência, este foi

categórico em afirmar que ela tem muita eficácia pela intimidação do poder público. De

acordo com o magistrado, é nessa hora que o

[...] ofensor sente a mão do Estado no problema. Uma coisa é o homem estar agredindo aquela mulher dentro de casa, sem ninguém ver, sem ninguém falar nada. Outra coisa é um oficial de justiça bater na porta da sua casa e falar com ele: olha, você tem que sair de casa agora. Isso tem um valor pedagógico, agora ele sabe que tem alguém olhando, tem alguém que sabe que aquela mulher está sendo agredida.

E isso tem muito peso, é uma intervenção positiva na prevenção da violência contra

mulher. Corresponde ao efeito punitivo e da criminalização da violência sexista.

Com formação em Serviço Social, a assistente social do SERAV (Serviço se

Assessoramento aos Juízos Criminais), discorreu sobre a sua percepção acerca da aplicação

das medidas protetivas de urgência no DF.

[...] é uma medida muito importante, pois ela possui uma vinculação. Ela atua na área cível e vai atuar a mulher protegendo a mulher, pra que se previna que uma violência surja. O ideal é que as medidas protetivas fossem aplicadas sem que tivesse um crime, se a mulher tivesse sendo ameaçada, ela pudesse recorrer à medida protetiva. Mas o que agente percebe das medidas protetivas é que são medidas efetivas, que buscam garantir a segurança da mulher que, em geral, as mulheres sentem protegidas, quando estão com essa medida, e os homens temem essa medida.

Para a assistente social, as medidas protetivas de urgência correspondem a um dos

maiores avanços da Lei Maria da Penha. Sobre o conhecimento das mulheres vítimas de

violência doméstica sobre as medidas protetivas, a profissional respondeu que antes existia

uma confusão. Atualmente, são mais conhecidas tanto para o homem quanto para a mulher.

Pensando na divulgação, o SERAV e o CJM, estão elaborando uma cartilha para entregar ao

homem e à mulher no momento em que receberem a intimação de medida protetiva. Ela

29

explica: “quando o juiz deferir a medida protetiva e o oficial de justiça levar a intimação, ele

entrega também essa cartilha. É uma cartilha explicativa, de linguagem bem simples, sobre o

é a medida protetiva, acrescentando mais ainda nesta compreensão do direito da mulher de

usufruir dessa medida”, explicou.

Os casos de assassinatos de mulheres que estavam sob a proteção da medida

protetiva são vistos, pela assistente social, como algo ocasional. Conforme a sua

interpretação, o agressor mataria a vítima de qualquer forma, com ou sem medida. Mas ela

também percebe a falta de conhecimento da vítima para fazer novas denúncias, pois elas

acham que, depois que está com a proteção da medida protetiva, não precisam fazer outras

denúncias.

Para a assistente social, a medida protetiva pode sim contribuir para coibir e prevenir

a violência contra a mulher e que elas, no geral, se sentem protegidas. Segundo ela, há “o

simbolismo que tem da justiça falando o que deve ser feito ou não, é muito pesado,

principalmente para o homem”. Mas ela relata que não será só no espaço da justiça que

conseguirá dar combater a violência doméstica contra a mulher e que

[...] ela é apenas um ator dentro deste cenário, e precisa sim, é de políticas públicas, não é o papel de a justiça empoderar, mas ele tem esse significado quando dá uma medida protetiva. A mulher precisa sim de uma assistência e é por isso que precisa de políticas públicas, senão fica o peso só pra justiça. Às vezes é uma falsa ideia, quando se trabalha com isso, de achar que só as medidas protetivas ou Lei Maria da Penha, vai coibir a violência doméstica.

Como preconizam os documentos internacionais e a própria Lei Maria da Penha, a

violência de gênero é complexa e exige respostas do poder público e da sociedade de forma

ampla, rigorosa e em favor dos direitos das mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres vítimas de violência doméstica obtiveram um ganho com a Lei Maria da

Penha e com as medidas protetivas de urgência, pois ela atua no âmbito jurídico na forma de

urgência. O juiz ou a juíza tem obrigação de decidir, em menos de 48 horas, sobre a

concessão de uma medida que protegerá aquela mulher, rompendo com a violência, seja ela

física, psicológica, patrimonial ou moral no momento em que ela está acontecendo.

A partir do trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher do Núcleo Bandeirante, no período de dez dias, entre os meses de abril e

30

maio de 2014, obtive mais elementos para pensar sobre como são as aplicações de medidas

protetivas e se realmente elas contribuem para coibir ou prevenir a violência doméstica contra

a mulher. Ao fazer a pesquisa documental de fonte primária, isto é a consulta dos processos

judiciais sigilosos no cartório do juizado, observei a rotina daquele órgão sem interferir no seu

funcionamento. Notei que existe uma dinâmica dos servidores e servidoras daquele juizado,

para cumprir uma meta, proposta pelo juiz titular, para conceder as medidas protetivas

requeridas pela mulher em situação de violência doméstica na mesma hora em que ela chega.

Na prática, a busca por esse objetivo alterava a forma de comunicação do grupo. Em

alguns momentos, percebi que a troca de informações consistia em telefonemas e envio de

mensagens de texto para telefone celular numa articulação que visava conseguir a decisão em

tempo hábil de ser expedido o mandado e, ainda, entregá-la ao oficial de justiça, para que este

então fizesse a entrega da decisão do juiz sobre a autorização da medida protetiva de urgência

ao agressor. O requerimento dessas medidas, na sua maioria, eram as relacionadas com a

proibição de contato e de aproximação da vítima, sendo isso percebido nos oito processos

analisados. O objetivo coletivo do juizado foi alcançado em sete dos oito processos por mim

analisados, ou seja, as medidas protetivas foram expedidas em menos de 48 horas desde o

registro da ocorrência na delegacia.

Outro destaque presente em todos os casos foi o empenho para a realização dos

atendimentos da Equipe Multidisciplinar, manifestou em tentativas insistentes de oficiais de

justiça, dos servidores e servidoras do cartório em busca de contato telefônico. Na observação

não participante, constatei que a demora da entrega da intimação, dos encaminhamentos dos

atendimentos, seja para Equipe Multidisciplinar, ou seja, pelo SERAV (que faz um trabalho

em Grupo), decorreu de informações prestadas erradas referente aos contatos de telefone e

endereços.

A estrutura do juizado, seja física ou humana, proporciona um bom atendimento às

mulheres, protegendo-lhes, caso necessário, do contato com o agressor, através de salas

próprias e articuladas. Há espaços de transitação coletiva e privativa, os quais possibilitam a

circulação restrita com a Equipe Multidisciplinar, as servidoras do cartório/juizado e também

com o juiz. Na prática, identifiquei esse cuidado com o ambiente físico na fala da vítima de

violência doméstica entrevistada para esta pesquisa. As condições dos processos, no que foi

permitido observar, estavam sempre em boas condições de armazenamento, onde havia uma

separação, através de cores, pela gravidade dos casos. Estavam dispostos, em ordem

31

cronológica, os documentos do processo, favorecendo o manuseio, a identificação e o

entendimento do caso.

Das três audiências que presencie, era notório que a investigação do caso julgado

estava atrelada à condição do medo, intimidação e sofrimento da mulher. O juiz sempre

pergunta da participação dos envolvidos em atendimentos das Equipes Multidisciplinares e

psicossociais. Chamou a minha atenção a dificuldade de as testemunhas se lembrarem do fato

da época devido, principalmente, pelo intervalo de tempo entre a ocorrência e o julgamento.

Outro elemento evidenciado é o interesse de os profissionais do juizado em aplicar a

Lei Maria da Penha numa perspectiva de gênero. Em alguns casos, houve perguntas dos

profissionais sobre a ocorrência de trauma psicológico, mas como os próprios envolvidos irão

responder se não tiveram um acompanhamento de um profissional da área? A meu ver, por se

tratar de uma Lei complexa, pois se trata de violência contra a mulher, presente na cultura

ainda patriarcal, os danos emocionais poderiam ser arrolados no processo por meio de

diagnósticos médicos ou psicossocial, além dos relatórios que são feitos pelo sociojurídico.

Contudo, deveriam ser produzidos por profissionais com essa competência, compondo a

documentação obrigatória do processo e servindo para a decisão final do juiz.

Apesar de boa parte das vítimas terem tido acesso direto com o juizado, a pesquisa

documental de fonte primária revelou que poucas denunciavam seus agressores, no caso de

violação das medidas protetivas, por iniciativa própria. O registro era feito quando contatadas

pela Equipe Multidisciplinar ou quando os profissionais do cartório faziam o contato via

telefone - procedimento comum, inclusive em processo arquivado o qual tem

acompanhamento por, no mínimo, seis meses. Com tais recursos, as mulheres se abriam e

falavam que o agressor estava descumprindo as medidas protetivas. A partir da revelação,

eram aconselhadas a denunciar, pois só assim a justiça pode tomar medidas cabíveis junto ao

agressor. Sem dúvida, esse é um ponto a ser analisado com mais acuidade. Falta

conhecimento por parte das mulheres sobre como é a Lei Maria da Penha, quais são essas

medidas as quais elas têm direito e como agir quando receberem essa proteção. Verifiquei tais

questões nas entrevistas com a assistente social do SERAV e com a mulher vítima de

violência doméstica. Esta apontou: “não tenho conhecimento da Lei não... não recebi

nenhuma cartilha, nem no juizado, nem no posto de saúde, nem na delegacia, só me

informaram quais as medidas que poderia solicitar”.

Nos casos de prisão em flagrante, consta em dois processos judiciais analisados que,

os agressores eram soltos sob o pagamento de fiança, mas eram intimados sobre as medidas

32

protetivas que estavam vigentes e que caso descumpram, iriam responder e poderiam ser

presos novamente. Conforme entrevista com a mulher vítima de violência doméstica, no caso

de agressividade excessiva por parte do agressor, somente sua prisão a deixaria segura, pois a

justiça nem a segurança estariam do lado dela 24 horas. Ela temia por sua vida e os limites da

ação da justiça e da segurança pública.

Sobre o sentimento de proteção das mulheres que receberam medidas protetivas, isso

pode ser percebido nas entrevistas realizadas, pois tanto a mulher vítima de violência

doméstica, o juiz e assistente social, relataram que, em geral, elas se sentem protegidas sim, e

que essas medidas já amedrontam os agressores. Recupero, aqui, o pensamento do

magistrado: “o homem recebe a intimação e ele sabe que não pode se aproximar dessa

mulher. Se ele se aproximar, poderá ser preso, pois ele não que perder a liberdade”. A

assistente social compartilhou outro aspecto de sua vivência profissional favorável às medidas

protetivas: “existem casos em que as mulheres estão falando que estão seguras, que as

medidas protetivas “resolveu” (sic) o problema dela”. Porém, é taxativa sobre os limites da

justiça e a premência de investimento em políticas públicas.

O trabalho articulado em rede, através da: i) segurança: com acesso direto e estreito

com a justiça, dando atendimento capacitado na perspectiva de gênero para a mulher vítima

de violência: ii) da saúde: quando em casos mais graves de agressão, de gravidez ou a

qualquer outro que esteja relacionado à plena saúde da mulher; iii) da assistência social:

garantindo seus direitos, adquirindo conhecimento e dividindo experiências para o

enfrentamento da violência doméstica contra a mulher; iv) e da justiça: para que seja rápida

seu acesso, sua intromissão (intervenção) na violência dentro do lar ou nos relacionamentos

afetivos; enfim, em toda essa complexidade que gira entorno da violência contra mulher, a

medida protetiva conseguiu atingir, em parte, seu objetivo, coibindo e prevenindo a violência

doméstica e familiar contra mulher a partir desse juizado.

No começo desta pesquisa, minha opinião era que a justiça não conseguia cumprir as

medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, relegando o acesso das mulheres à

justiça somente à norma escrita e não à materialidade do direito. A percepção era baseada

somente no senso comum e numa realidade crescente de assassinato de mulheres, noticiada

pelos meios de comunicação.

É notória a persistente resistência à aplicação plena da Lei Maria da Penha em todo o

território brasileiro, desencadeando vítimas da cultura patriarcal e violenta com base nas

relações de gênero. Todavia, o trabalho de campo da pesquisa exploratória realizada no

33

Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante

evidenciou o empenho de um órgão da justiça parta a aplicação integral da Lei Maria da

Penha. Mas este trabalho é feito de forma personificada, onde o juizado possui rosto e corpo,

no caso, o juiz titular, que faz de tudo para não só aplicar a Lei Maria da Penha, mas também

de resolver os conflitos daquelas poucas mulheres que tiveram coragem de denunciarem seus

agressores. Assim, surge um questionamento, seria possível este juizado funcionar da forma

que funciona sem a presença deste atual juiz? Pois assim seria uma política pública, onde

independente da pessoa, a instituição pública continuará, sendo exemplo para ser socializado

com outros órgãos da rede especializada de atendimento à mulher em situação de violência, a

fim de fomentar outras iniciativas exitosas na dinâmica dos juizados, a exemplo das ações

complementares das medidas protetivas de urgência, seja como o botão do pânico,

tornozeleira eletrônica ou a Patrulha Lei Maria da Penha, que estão sendo experiências

socializadas.

Dos oito casos que estudei na pesquisa documental de fonte primária, da observação

não participante da rotina do juizado e de três audiências de instrução e das três entrevistas

com magistrado, vítima e assistente social, posso concluir que o juizado do Núcleo

Bandeirante trabalha obstinadamente para a aplicação das medidas protetivas de urgência.

Conseguiu, de certa forma, coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher

pelo menos daquela pequena parcela de processos que estudei. Tentava, assim, mudar a

realidade das poucas mulheres que tiveram coragem de denunciar. São poucas diante da

incidência da violência no cotidiano feminino. Tal fenômeno implica a transformação da

cultura, na perspectiva feminista, de igualdade de gênero, em que não haja mais banalização,

naturalização ou justificativa à violência contra as mulheres.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848 de 07.12.1940, alterado pela Lei nº 9.777 em 26/12/98. Disponível em: < http://www.oas.org/juridico/mla/pt/bra/pt_bra-int-text-cp.pdf>. Acesso em: 15 set. 2013.

BRASIL. Presidência da República. Lei 11,340/2006, Lei Maria da Penha. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2012. Disponível em:< http://www.spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2012/lei-maria-da-penha-edicao-2012>. Acesso em: 26 mai. 2014

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise da Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/06. Salvador: JusPODIVM, 2006.

34

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/manual_de_rotinas_e_estruturacao.pdf>. Acesso em 15 mai. 2014 CPMIVCM. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a.Mulher. 2013..Disponivel.em: <http://spm.gov.br/publicacoesteste/publicacoes/2013/relatorio_cpmi_mulher-pdf- parte1,http://spm.gov.br/publicacoesteste/publicacoes/2013/relatorio_cpmi_mulher-pdf-parte2>. Acesso em: 10 mar. 2014

FALEIROS, Vicente de Paula. A questão da violência. In: SOUSA Jr., José Geraldo de, et al. (Org). Educando para os Direitos Humanos. Brasília: Editora Síntese, 2003. FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços e Privado. 2010. Disponível em: <http://www.fpa.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf>. Acesso em 10 mar. 2014

IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros – 2013. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2013/>. Acesso em: 10 abr. 2014 IPEA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Garcia, Leila Posenato, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014.

LAKATOS & MARCONI, Eva Maria, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed.. São Paulo: Atlas 2003.

LIMA, Marcos Ferreira Lima. Violência Contra a Mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo. Ed. Atlas. 2009

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Cartilha Lei Maria da Penha e Direitos da Mulher, MPF E PFDC, 2011. Disponível em: <http://www.prrr.mpf.mp.br/arquivos/pgr_cartilha-maria-da-penha_miolo.pdf>. Acesso em: 15 set. 2013

PEREIRA, M. N. C. & PEREIRA, M. Z. C. A violência doméstica contra mulher. Revista Espaço do Currículo, v. 4, n. 1, p. 22 – 34. mar/set.2011. Disponível em: < http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rec/article/view/10540/5827>. Acesso em: 05 jun. 2013

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir E Erradicar A Violência Contra Mulher: adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 06 de junho de 1994, ratificada pelo Brasil em 27.11.1995. Disponível em:

35

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm>. Acesso em: 15 set. 2013

SAFFIOTI, Heleieth I.B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Estudos feministas, n. 1-2, jul./dez. 2002.

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Ontogênese e filogênese do gênero: ordem patriarcal de gênero e a violência masculina contra mulheres. Séries Estudos e Ensaios – Ciências Sociais/ FLACSO/Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO, 2009. SCOTT, Joan. Gender and the politics of history. Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. New York, Columbia University Press. 1989. SECRETARIA DE ESTADO DA MULHER DO DISTRITO FEDERAL. Pacto Nacional Pelo Enfrentamento Da Violência Contra As Mulheres: Câmara Técnica, 2012. Disponível em: <http://www.mulher.df.gov.br/sobre-a-secretaria/pacto-de-enfrentamento-a-violencia-contra-a-mulher--camara-tecnica.html>. Acesso em: 10 abr. 2013

TAVARES, F. A. & Pereira, G. C. Reflexos da dor: contextualizando a situação das mulheres em situação de violência doméstica. Revista Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 6 n. 2 p. 410-424. jul./dez.2007. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/2318/3255>. Acesso em: 05 jun. 2013

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012: atualização: homicídio de mulheres no Brasil. ago. 2012 . Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf>. Acesso em: 15 set. 2013

36

ANEXOS

37

Anexo 1: Relatórios das análises dos processos judiciais

CASO 1 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E MORAL: XINGAMENTOS E AMEAÇA DE

MORTE

O caso desse processo é de uma mulher de 19 anos, manicure em um salão de beleza,

baiana, não possui parentes próximos, que sofreu violência doméstica do seu namorado, um

homem de 37 anos, casado pai de 2 filhos, vive com a esposa, mas relata que não mantém

relação com ela. Ele trabalha como frentista, em um posto perto do trabalho da vítima, onde

depois de certo tempo da mulher ter terminado o relacionamento, o homem passou a agredi-la

moralmente, fazendo ameaças de morte, caso ela saísse com outro homem, e também a

perseguia no seu ambiente de trabalho, xingando, causando humilhação e denegrindo sua

imagem.

Diante disto, a mulher resolveu ir até a delegacia mais próxima, no caso 11ª para

denunciá-lo, requerendo assim, medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha.

Conseguindo a decisão do juiz favorável à mulher, em menos de 48hrs, o agressor já havia

recebido a intimação, onde o proibia de qualquer contato com a vítima e afastamento da

mesma.

Junto com a decisão da medida protetiva, foi também solicitado o atendimento com a

equipe multidisciplinar do juizado responsável, 8 dias após a ocorrência realizada na

delegacia, onde os envolvidos compareceram e relataram o que havia acontecido. A mulher

contou à equipe, que se relacionavam a mais de dois anos, não tiveram filhos e que durante o

relacionamento houve agressão física por parte do homem, como tapas e murros e que

gostaria que mantivessem as medidas protetivas. O homem negou que agrediu a mulher

fisicamente, e que os xingamentos eram feitos mutuamente, disse que a relação ainda não

havia acabado e que frequentava a casa vítima. A conclusão feita pela E.M. foi que existe um

risco alto de se repetir a violência doméstica contra a mulher, devido aos seguintes fatores:

banalização/justificação da violência, separação recente, ambiguidade de sentimentos, crenças

e estereótipos de gênero por parte do suposto ofensor, rede de apoio fragilizada por parte da

ofendida e histórico de violência. O juiz faz nova decisão ao caso, em cima da conclusão da

E. M., acrescentando medida cautelar para além das medidas protetivas, devendo a mulher ter

o acolhimento do núcleo familiar, para que fosse encaminhada à Rede de proteção à mulher e

38

a continuação do acompanhamento pela equipe multidisciplinar, através de contato telefônico

e outros meios.

Ambos foram encaminhados para o SERAV – Serviço de Assessoramento aos juízos

criminais, onde sofreriam uma análise psicossocial, para juntar ao processo, mas ambos não

compareceram.

A mulher teve acesso à justiça, através do NAJ - UNICEUB, onde através de

advogada, requereu a revogação da medida protetiva, no dia 09/04, com a justificativa de ter

voltado com o ex-parceiro.

Ao se deparar com esse caso, vejo a aplicação da Lei Maria da Penha, por todo o

processo, mas ainda nos deparamos com fragilidade afetiva e a falta de empoderamento da

mulher para enfrentar a violência, pois percebo que, de certa forma foi acuada e oprimida pelo

agressor, e se o trabalho em rede a atingisse, em tempo e talvez obrigatoriamente, ela não teria

desistido da medida. Mas o processo não foi arquivado e tanto o agressor como a vítima,

sabem que se voltarem os atos de violência doméstica, a justiça está ali para resolver nas

formas cabíveis da Lei. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.

CASO 2 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: PERTUBAÇÃO COM LIGAÇÕES E

MENSAGENS

A ocorrência deste caso foi registrada na DEAM (Delegacia Especial de Atendimento

a Mulher), sendo o pedido de medida protetiva para proibição de contato com a vítima e seus

familiares, onde foi negado pelo juiz no dia 21/02/2014.

A vítima possui 41 anos, é chefe de secretaria de uma escola, possui ensino superior, é

casada, mãe de um filho, fruto do seu casamento, possui família por perto e que denunciou

seu ex-namorado (no tempo em que ficou separada do marido, se envolveu com o agressor e

quando decidiu terminar, o mesmo veio a lhe perturbar), por perturbação da tranqüilidade,

pois as ligações e mensagens enviadas para sua irmã no facebook, dizendo que ainda é

apaixonado e que gostaria de voltar com ela, estavam sendo incômoda e o agressor também,

esperou o filho da vítima na porta da escola para conversar com ele sobre reatar o

relacionamento, e que a mesma pediu a medida protetiva, por temer que algo lhe aconteça.

Mesmo o juiz indeferindo a medida protetiva, é feito o encaminhamento para o

atendimento da Equipe Multidisciplinar, no dia 27/02/2014, onde ambos compareceram. O

agressor disse ter entendido que a ofendida não o quer mais, e que não irá procurá-la, que só

39

fez isso porque no início do relacionamento, em tempo, a ofendida sofreu violência doméstica

do ex-marido e que ele a acompanhou até a delegacia para denunciá-lo, e com medo do ex-

marido estar pressionando a voltar com ele, o mesmo queria conversar pessoalmente com a

vítima para entender a situação do rompimento, pois ainda a amava. A ofendida relata que

pediu as medidas, pois teme em prejudicar seu relacionamento com marido, devido a

insistência de contato do ex-namorado.

O Juiz faz nova decisão e mantém a primeira, negando a medida, mas encaminha

ambos para o SERAV, para uma análise psicossocial, onde nenhum dos envolvidos

compareceu.

Vejo a decisão do juiz como compatível, visto que o agressor não apresentou risco

eminente, mas devido sua fragilidade emocional, por recente separação, se faz necessário o

acompanhamento de profissionais da área, para atingir a prevenção de possível violência

doméstica. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.

CASO 3 – VIOLÊNCIA FÍSICA, MORAL: ESPANCAMENTO E XINGAMENTOS

(PRISÃO EM FLAGRANTE)

O caso desse processo é de uma mulher de 25 anos, professora, que possui

parentes próximos (pais), casada por 3 anos (e 7 anos que se conhecem), e possui um filho de

3 anos com o agressor, onde sofreu violência doméstica, sendo essa física, por espancamento.

O agressor possui 29 anos, mecânico, já foi preso pela mesma prática do crime, faz uso de

bebida alcoólica, e foi preso em flagrante. O casal, no dia do fato, começou uma discussão,

onde acabou em agressão física, começando com enforcamento, depois a empurrou contra a

parede, continuando com socos na barriga, tórax e braços. Isso foi em um domingo, caso em

que a vítima conseguiu fugir e ir a uma delegacia, onde foi atendida e o agente policial foi até

a sua casa e encontrou o marido que foi preso na hora.

No dia seguinte da denúncia o juiz expediu o deferimento de medidas protetivas

que obrigam o agressor a: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a

ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de

seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o

agressor, b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação, c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física

e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida

40

a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; prestação de alimentos

provisionais ou provisórios.

Além destas medidas o juiz também determinou medidas à mulher, como:

separação de corpos e encaminhamento ao SERAV para o pedido de restrição de visitas ao

filho, logo após sua saída da prisão, que ocorreu dias depois, através de pagamento de fiança.

Nesse processo, a disponibilização das medidas foi realizada também no diário da justiça

eletrônica, no dia 26/03/2014.

O atendimento da E.M. foi realizado com a ofendida no dia 27/03/2014, onde a

mesma relatou que está morando com a mãe e não este tendo contato com o agressor e que o

mesmo está cumprindo as medidas protetivas. No dia 02/04/2012, foi o atendimento com o

agressor, que justifica sua violência tendo em vista a legítima defesa, que o relacionamento

com a vítima sempre foi agressivo, com xingamentos e ofensas. A E.M. concluiu risco

moderado, naquele momento, tendo em vista que a violência doméstica é atemporal, podendo

mudar essa conclusão a qualquer momento. Os fatores que contribuíram foram: presença de

criança em meio ao conflito, naturalização da violência, consumo de álcool, reincidência

processual, notícia de conflitos violentos anteriores. Visto isso, é feito um relatório

informativo passado para o juiz, que faz nova decisão, no dia 07/04/2014, mantendo a medida

protetiva e acrescentando uma medida cautelar inominada, para que os envolvidos sejam

acompanhados pelo juizado durante seis meses, período em que arquiva o processo, caso não

aconteça nenhuma outra ocorrência. Ressalto que todos esses fatos são comunicados ao

Ministério Público, encaminhado para o CJM (Centro Judiciário de Atendimento à Mulher),

ao NAJ- UNICEUB (Núcleo de Assistência Jurídica) – que presta assistência jurídica às

mulheres vítimas de violência doméstica, ambos possuem salas de atendimento no mesmo

fórum em que fica o Juizado. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.

CASO 4 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E MORAL: XINGAMENTOS E AMEAÇA DE

MORTE

O caso número quatro tem dois jovens de 18 anos como protagonistas. Ela mora com a

mãe, estudante, namora o agressor a entorno de dois anos, sem filhos e foi junto à mãe para

fazer a denúncia. O agressor também estudante faz uso de drogas e ameaçou a namorada

dizendo que ia matá-la, e que se estivesse se relacionando com outra pessoa, iria batê-la.

41

Além das ameaças o namorado xingou-a de “piranha”, “rapariga”, entres outras calúnias do

tipo.

A vítima disse que queria terminar com seu namorado e depois disso, ele tornou-se

mais agressivo que antes, onde mencionou que durante o relacionamento há histórico de

violência física e verbal.

Depois do deferimento das medidas, foi solicitada, através de intimação, a participação

de ambos no juizado para o atendimento da Equipe Multidisciplinar, no dia 17/03/2014, mas

nenhum dos envolvidos compareceu, sendo assim composto de informações somente com

dados coletados no dia da ocorrência à delegacia.

Pela pouca idade de ambos e pelo comportamento conturbado, regrado de indícios

de machismo, seja pelo ciúme agressivo e pela não aceitação do fim do relacionamento,

rompido pela mulher. Vejo a necessidade de se trabalhar a questão de gênero, pois quanto

antes desconstruído essa perspectiva, mais cedo se evitará um relacionamento desigual entre

os gêneros, sobre o uso da força e da humilhação. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito

policial.

CASO 5 – VIOLÊNCIA FÍSICA E MORAL: AGRESSÕES FÍSICAS E XINGAMENTOS

O caso número cinco possui uma denúncia ao ex-marido de quatro anos de

separação. A mulher foi casada com o agressor por seis anos, e tiveram dois filhos e há quatro

estão separados. Ela tem 26 anos, mora com a família (pais e irmãos), possui curso superior e

trabalha como assistente administrativo. O agressor também com 26 anos, possui antecedente

criminal, no ano de 2010, sem identificação do julgamento.

No dia da ocorrência, o agressor foi até a casa da ofendida para ver seus filhos e

ao encontrá-la, iniciou-se uma discussão entre ambos, onde o ex-marido começou a xingá-la

de “piranha, vagabunda, vadia” e quando a ofendida o chamou de “covarde”, o ex-marido

começou a desferir socos em suas pernas e costas, e quando a mulher o empurrou para se

defender, ele deu-lhe uma pesada, onde caiu batendo a testa na quina da parede, deixando

assim, hematomas em sua face. Logo o irmão da vítima ouviu o barulho e veio socorrer a

vítima, que tirou fotos para compor o processo judicial e foram juntos à Delegacia

Especializada da Mulher (DEAM) para denunciar ao agressor e pedir medidas protetivas.

A medida protetiva requerida foi proibição de “aproximação da ofendida, de seus

familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor”

42

(alínea a, inciso III, artigo 22, Lei Maria da Penha), onde foi devidamente homologada no dia

seguinte à denúncia, tendo seu mandado expedido no mesmo dia, mas houve dificuldade na

entrega, devido a endereços inexistentes e telefones errados.

O atendimento com a Equipe Multidisciplinar foi realizada cerca de quinze dias

depois, pela demora em entregar a intimação, mas lembrando que os procedimentos legais

após decisão do juiz sobre a medida (conforme artigo 18, da Lei Maria da Penha), foi

cumprido, como o encaminhamento ao Ministério Público, Centros de Atendimento à

Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, quanto à justiça e quanto ao psicossocial.

No atendimento da equipe, foi solicitada pela ofendida, a revogação das medidas

protetivas, pois o pai estava sem ver os filhos e ela queria evitar mais conflitos. Nesse

atendimento houve acordo para a definição das visitas às crianças, mas a conclusão desse

atendimento é de um alto risco de reincidência da violência doméstica, tendo em vista que há

crianças envolvidas, naturalização da violência, reincidência de conflitos anteriores, onde a

ofendida relatou que durante o período em que estiveram casados, sempre havia agressões, até

mesmo quando estava grávida. O processo terá continuidade enquanto aguarda inquérito

policial, com encaminhamentos aos atendimentos psicossociais e da justiça, e sempre o

juizado avisa (através das intimações) aos envolvidos que, caso aconteça a reincidência, a

vítima deverá procurar a delegacia mais próxima e o agressor poderá ser preso no caso de

descumprimento. Este é de 2014 e caso aguarda inquérito policial.

CASO 6 – VIOLÊNCIA FÍSICA: ESPANCAMENTO E COMO CONSEQUÊNCIA,

FRATURA NA PERNA (PRESO EM FLAGRANTE)

Este caso é do ano de 2013, pois foi um dos casos em que houve a observação

participante da audiência, sendo importante o conhecimento do processo.

Aqui foi feito uma denúncia onde o agressor foi preso em flagrante por espancar sua

mulher, causando uma fratura na perna. A vítima tinha na época 31 anos, convivia

maritalmente com o agressor cerca de 10 meses, estava grávida de 3 meses de gêmeos e o

agressor sabia de sua gravidez. Ela trabalhava como promotora de vendas e seu grau de

instrução era o ensino médio. Ele também com 31 anos e havia em sua ficha criminal um

processo por pequenas causas já cumprido e encerrado.

A ocorrência da violência física começou depois de uma discussão boba, onde o

agressor passou a xingá-la, nisso houve xingamentos mútuos, logo a vítima foi empurrada,

43

levando socos, chutes, murros, em sua face, braços e pernas, que só depois a mulher revidou

com um tapa. Na casa havia uma criança, filha da ofendida, que presenciou as agressões a

chegaram logo após, a prima do agressor com o marido que chamaram o SAMU, e que o

SAMU não levou a vítima enquanto não chegaram os policiais para fazer a ocorrência.

O boletim de ocorrência foi realizado, o agressor foi preso, e os dois policiais que

estiveram na casa, servirão de testemunhas do processo. Foram deferidas, no dia seguinte, as

medidas protetivas: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus

familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b)

contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.

Estas medidas passarão a valer logo a soltura do agressor, que foi solto do dia 30/04/2013,

através de pagamento de fiança e além das medidas, foi sentenciado uma multa de um salário

mínimo diário caso o agressor a desrespeite. Se junta ao processo laudo do atendimento

médico à vítima e encaminha-se ao IML. A mulher incapacitada por mais 30 dias, tendo que

fazer mais exames do IML para anexar ao processo, mas por estar com a perna engessada.

Nasce os gêmeos depois de aproximadamente cinco meses da ocorrência, onde a

vítima é ouvida pela Equipe Multidisciplinar, uma semana depois, onde só o agressor

compareceu, pois a vítima estava sem capacidade de locomoção. O agressor menciona que

apenas revidou as agressões e que foram iniciadas pela vítima. A mulher foi ouvida pela

Equipe em seu domicílio e quer que mantenha as medidas protetivas. A conclusão do

Atendimento, é que o risco de reincidência da violência é moderado, devido aos fatores:

notícias de agressões verbais anteriores, impossibilidade de locomoção da vítima e separação

conjugal recente. Depois desse relatório, há nova decisão do juiz, que determina além das

medidas protetivas, será acrescentado medida cautelar inominada, encaminhado à mulher para

a Rede de Proteção (CRAS, CJM, posto de saúde, etc.), para o SERAV, e para o atendimento

da Equipe Multidisciplinar, onde a mulher será amparada nas questões cíveis, como decisão

de alimentos emergências, entre outros.

No atendimento psicossocial do SERAV, são realizados individualmente e em grupo,

onde os envolvidos não se encontram, mas um se depara com casos de outros, seja homens

com mulheres ou do mesmo gênero. Isso já se passou por volta de quatros meses aguardando

inquérito. A mulher foi atendida em casa pela assistente social do SERAV e o homem estava

participando dos encontros em grupo no SERAV. Assim eles emitiram um parecer para

encaminhar ao juiz e juntar ao processo. Nele foi mencionado que o ofensor teve um avanço

44

no processo de responsabilização pela situação de violência e que teve dificuldades de

verbalizar sua situação nos atendimentos grupais, mas individualmente conversava com os

profissionais. Na falta do atendimento do SERAV em domicilio da vítima, o serviço entra em

contato com o centro de saúde, para que a assistente social de lá faça acompanhamento a

vítima, que está próxima de dar a luz aos gêmeos.

Ao nascerem os bebês, o juiz determina que a Equipe Multidisciplinar visite a mulher,

tendo em vista seu resguardo e de locomoção. A equipe tem por objetivo orientar,

encaminhar, prevenir, entre outras medidas voltadas à vítima, ofensor e familiares. Nessa

visita a ofendida relatou que foi ofendida pela tia do agressor na rua e assim teve problemas

de pressão alta e que o agressor foi ao hospital sem aviso prévio e fica do lado de fora da casa,

causando-lhe medo. Mencionou que ele está descumprindo as medidas protetivas com a ajuda

de seus familiares. Conclui-se pela equipe um alto risco de conflitos, devido ao nascimento

dos filhos e o envolvimento da família do agressor, assim o juiz determina que as medidas

protetivas prevaleçam por mais 90 dias, determinando a continuação do atendimento da E.M.

e expedi mandado ao agressor de nova decisão.

Passado quase nove meses do início do processo judicial, sai a primeira audiência de

instrução de julgamento. Foi ouvida a vítima que declarou todo o ocorrido da ocorrência,

conforme informado a cima e relata que por conta da perna fraturada e gravidez teve muitas

dificuldades recuperação e ficou afastado do serviço pro sete meses e que logo tirou licença

maternidade, devido ao nascimentos dos filhos. Em resposta à defesa, a vítima declarou que o

ofensor é uma pessoa calma e que entende que foi coisa de momento e que na troca de

ofensas o seu marido deveria ser corno, onde neste fato, as agressões ficaram piores. Em

resposta ao juiz disse que em outras oportunidades ela já havia ofendido moralmente e que

depois do fato não se viram mais e que o ofensor estava cumprindo as medidas, onde na

ocasião a vítima pediu para retirar, devido o nascimento dos filhos, que ele paga os alimentos,

e que também ele voltou a xingá-la. Assim, nessa primeira audiência só foi ouvida a vítima,

onde o juiz designou nova audiência para daqui três meses para ouvir as testemunhas e

encaminha a vítima para o IML, para novo laudo, o juiz também revogou as medidas.

Assim termina o processo que teve seus encaminhamentos legais, como o ministério

público, junto com promotor e defensor público, aos serviços de atendimentos especializados

do sócio jurídico e da rede de proteção à mulher. Essa audiência é que participei como

observante.

45

CASO 7 - VIOLÊNCIA FÍSICA, PSICOLÓGICA E MORAL: VIAS DE FATO, AMEAÇA

DE MORTE, XINGAMENTOS

Este caso também participou da audiência, a autora deste artigo, sendo do ano de

2011, onde na época os envolvidos tinham: mulher 29 anos e homem 27, casados por

aproximadamente 3 anos e tinham uma filha de 3 meses. O homem possuía antecedentes

criminais não identificados. A natureza da ocorrência foi vias de fato, onde houve agressão

física, moral e psicológica.

Através do registro de ocorrência da mulher, a mesma relata que após um ano de

relacionamento, o autor tornou-se agressivo, chegando a agredi-la, mas nunca registrou

ocorrência. No dia do fato, a vítima perguntou quando é que ele iria sair de casa, já que tinha

falado que iria se separar e que sairia de casa. Nesse tempo, começaram os xingamentos,

ofensas, onde o homem ameaçou de morte a mulher e sua filha e que se iniciou a agressão

física, dando-lhe uma chave de braço, batendo com a cabeça no armário e também tentou

sufocá-la com o travesseiro, mas relata que isso não deixou com lesão corporal. Sua irmã foi

chamada pelo agressor para acalmar a ofendida.

Assim na mesma ocorrência, tem a versão do homem: ele conta que sua mulher

começou a discussão, pois não aceitava a separação e ao sair para o trabalho foi impedido pela

mulher que lhe jogou objetos e por fim pegou uma faca, onde ele retirou a faca da mulher e a

guardou. Nisso ligou para a sogra para pedir para acalmar a filha, mas só estava a irmã e

enquanto não chegava, a mulher voltou a agredi-lo com unhadas e jogar objetos. Ele disse que

não a agrediu fisicamente e que ligou para 197 (disque denúncia) pedindo auxílio e na

demora, foi direto à delegacia, conversou com os agentes, mas não registrou ocorrência. Que

pediu ajuda ao batalhão para pegar seus pertences, mas eles não foram e que logo soube que

registraram uma ocorrência em seu nome, na DEAM, e que foi lá esclarecer o fator e que

também quer representar criminalmente contra sua esposa, e também compareceu ao IML

para fazer o exame de corpo de delito.

Este fato de violência doméstica o agressor representou criminalmente contra a

mulher, e ambos estão respondendo judicialmente. As medidas protetivas solicitadas foram:

afastamento do lar, proibição de contato, restrição de visitas a menores e separação de corpos,

mas foram deferidas, dentro do prazo das 48hrs, somente as duas primeiras. Em menos de

duas semanas foi marcado audiência de justificação, onde o juiz manteve as medidas e juntou

esse termo ao inquérito policial.

46

Em curso o processo, depois de quase seis meses, ambos envolvidos, homem e

mulher, pede para não prosseguirem com o processo e mencionam que relataram o

relacionamento, não sendo necessária a continuação das medidas protetivas. Assim, as

medidas cessão, mas o processo continua, pois, conforme art. 16 da Lei Maria da Penha, o

arquivamento do processo só pode ser decido em audiência específica para tal. O trabalho do

Juizado não termina ali, sempre acompanhando o andamento do casal, seja por telefones ou

por atendimento da Equipe Multidisciplinar, onde quase um ano depois foi solicitado o

comparecimento de ambos ao juizado, mas foi possível, pois o homem estava viajando, e a

mulher não quis comparecer sozinha e reafirma que está junto com seu parceiro, que não quer

medidas e que está grávida do segundo filho do casal.

Nova audiência marcada, dois anos depois, ressaltando que ambos respondem a

processos judiciais. Nas audiências da ofendida, já foram ouvidas a mulher, a sua irmã e ainda

falta o último envolvido e agressor a falar, onde houvesse decisão do juiz em revogar pedido

da ofendida em arquivar processo e em outra audiência, juiz determina aceitação da proposta

do Ministério Público que o agressor não pode se ausentar do DF por mais de 30 dias sem

autorização prévia, que deverá comparecer trimestralmente ao juízo informando suas

atividades por um período de dois anos e sendo este definido pelo juiz dessa audiência: que

participe dos grupos de atendimento junto ao SERAV, e assim encerra, pois não houve tempo

(horário de funcionamento do juizado excedido) de ouvir o agressor, ficando para próxima

audiência. No depoimento da irmã, foi constatada a ameaça que o agressor fez à vítima, onde

a mesma presenciou a ligação do homem/agressor, dizendo que se tivesse uma arma mataria a

mãe e filha de apenas 3 meses na época. Ela também acredita que foi apenas um fato isolado,

pois o homem não faria mal a esposa, nem a filha, disse também que vivem bem, não soube

de novas agressões, sendo que a mulher em depoimento também confirma que não houve

mais agressões e que ele é um bom marido e bom pai.

Neste caso pude ver uma família, que existe o amor, e querem tentar continuar a serem

bons um com o outro e com seus filhos, tem família da mulher por perto, o homem trabalhão

em dois empregos dando a assistência devida à sua família. O que Lei Maria da Penha quer é

prevenir e coibir a violência, que ela possa dar a casais que se amam, a oportunidade de

viverem com mais respeito e direitos iguais ao homem e a mulher. O acompanhamento

psicossocial e das redes de enfrentamento de violência doméstica contra mulher são

fundamentais para o futuro desse casal.

47

CASO 8 – VIOLÊNCIA FÍSICA, PSICOLÓGICA E MORAL: ESPANCAMENTO,

AMEAÇA DE MORTE, XINGAMENTOS

Caso registrado na DEAM, de uma babá de 44 anos, natural do estado de RN, possui

ensino médio, que está casada há 10 anos e possui dois filhos (de 6 e de 4 anos) com o

agressor, que este possui idade de 49 anos, pedreiro, natural do estado de GO, possui ensino

fundamental.

A vítima foi agredida física e moralmente no dia da ocorrência, por conta de um

desentendimento, o agressor a xingou de “puta, piranha, nega fedida” e logo lhe deu vários

chutes na perna, com tapas no rosto e puxou violentamente seus cabelos. Após todas as

agressões, o homem a ameaçou dizendo: “vou te afogar, vou te matar e se sair de casa, vou

mandar os caras te pegar”. Este fato não houve testemunhas e foi denunciado pela mulher,

onde requereu as seguintes medidas: afastamento do lar e proibição de contato, onde foi

deferido dia seguinte, mas ao entregar a intimação, mas o ofensor trabalha na chácara ao lado

do domicilio, não podendo cumprir a medida de proibição de contato, de no mínimo, 500

metros. No caso o defensor público retifica a medida, dois dias depois da ocorrência, para

adequar, pois o agressor precisa trabalhar. Assim foi decidido o afastamento de 10 metros no

horário de trabalho e fora desse horário, a distância é de 500 metros. A mulher menciona que

já o denunciou antes pelo mesmo fato, mas não requereu medidas.

Atendimento da Equipe Multidisciplinar (E.M) foi marcado rapidamente, menos de

uma semana, onde foi ouvida a vítima e o agressor. Nesse atendimento, a mulher menciona

que possui mais dois filhos maiores de outro relacionamento e que ambos a apoiam. O

agressor, por sua vez, negou as acusações e que está morando na casa de amigos de favor. A

equipe conclui-se que este caso está com alto risco de reincidência da violência, pois é uma

reincidência processual, há a banalização e negação da violência, a mulher é dependente

afetiva e socioeconômica, separação recente devido a agressão, presença de crianças em meio

aos conflitos, crenças e estereótipos de gênero, histórico de violência, notícia de uso excessivo

de álcool do agressor. Assim, a equipe encaminha ao SERAV, e juiz faz nova decisão das

medidas protetivas, onde as mantém, e acrescenta a utilização do poder geral de cautela,

vinculando-se a E.M., encaminhamento da mulher para a Rede de proteção, encaminhamento

para atendimento psicossocial com retorno de parecer em 40 dias.

Depois destes tramites, dois dias depois do agressor receber a intimação da nova

decisão, o mesmo volta a agredir a vítima, com a mesma violência anterior, só que com

48

ameaças piores, pois dessa vez estava com um facão, e disse que a mataria e jogaria no poço

que tem dentro da chácara que eles moram. Percebesse que o homem não se separou de fato

da mulher, descumprindo a medida. Nesta denúncia, a vítima não quis requerer medidas

protetivas, na esperança de entrar em acordo com o agressor, mas mesmo ela não requerendo

a medida, ela continua valendo. A vítima é encaminhada ao IML. No caso de incidência penal

de vias de fato, torna-se uma ação penal pública incondicionada, onde o Ministério público

deverá iniciar, mediante denúncia ao judiciário.

Cerca de vinte dias após a nova agressão, há conclusão do SERAV, conforme pedido

pelo juiz. Nele a mulher é informou que o agressor está cumprindo as medidas, mas sente

medo e sofrimento, pois ainda é muito intimidada por ele. Assim ela é orientada a registrar

ocorrência desse fato. O agressor não compareceu por estar fora do DF a trabalho por dois

meses.

Processo é de 2014 e está aguardando inquérito policial e também laudo do IML e do

SERAV.

49

Anexo 2: Fichas de análises dos processos judiciais

50

Anexo 3: Relatórios da observação não participante de audiências de instrução

Audiência 1: Ao chegar à audiência, fui apresentada a secretaria de audiência e orientada a

permanecer na sala no tempo em que acontecer, para não atrapalhar. À 14h, horário marcado

para o início da primeira audiência, a vítima e testemunha já haviam chegado, a vítima é

chamada, aonde logo chegam o promotor, defensor e juiz, sendo que somente o juiz

cumprimentou a vítima, assim todos ficaram aguardando o réu.

Nesse momento, o promotor pega o processo que será julgado e percebe que não

poderá participar, por medida legal, pois já havia pedido para arquivar aquele processo.

Imediatamente pensam numa saída com intuito de não perderem aquela audiência, já

que havia uma testemunha que era agente policial, e não seria viável retirá-lo do seu trabalho

novamente para outra audiência, outro dia, protelando mais ainda o fim daquele processo

judicial. A secretaria de audiência, a pedido do juiz, liga outra vara dentro do fórum, para

conseguir outro (a) promotor (a), e conseguindo dá prosseguimento a audiência, no caso entra

uma promotora para substituir.

Enquanto esperavam, o juiz informalmente conversa com a vítima, perguntando se ela

teve algum tipo de problema com o agressor nesse tempo (o processo de 2011), e ela responde

que não tinha mais contato com ele e que após a ocorrência ele a procurou depois de uns seis

meses, mas ela não o atendeu. Em tempo, o juiz também pergunta se está trabalhando e a

vítima, diz estar morando com os pais e cursando o 3º semestre de direito.

O réu chega e a audiência de instrução de julgamento se inicia à 14h25min. A

promotora lê a denúncia de lesão corporal, que aconteceu em 2011, no Riacho Fundo. Chega

advogada da vítima, que pertence ao NAJ –UNICEUB do fórum do Núcleo Bandeirante,

assim o juiz explica a audiência perguntando à vítima se irá prestar depoimento, pois desde o

boletim de ocorrência a vítima negou a dar.

A vítima clama dano por não conseguir mais emprego, pois com agressão sofrida, seu

nariz ficou deformado. Ao observar o réu, vejo um homem jovem (entorno de 30 anos),

branco, com mechas no cabelo, roupas simples (camiseta, calça jeans e tênis), estava com

capacete e aparentemente calmo. Um agente policial do juizado, permanece tempo integral na

sala de audiência.

Audiência continua com o defensor fazendo perguntas à vítima, que responde de

forma sucinta o que aconteceu no dia, disse que se relacionava com o agressor acerca de 1 ano

51

e ao ser questionada o porquê de não dar declaração sobre a ocorrência, disse que na época, se

houvesse risco de morte para ela, já haveria morrido, pois só procuraram ela para prestar

depoimento depois de quase seis meses, pois isso não tinha mais nada a falar. Encerra o

depoimento da vítima às 14h50min.

É chamada a testemunha, um agente policial, que estava de plantão no pronto-socorro

que foi atendida. Foi perguntado a ele se lembra da vítima, o mesmo declara que não e que só

lembrou-se do que aconteceu depois que leu a intimação, não acrescentou nada além do que

estava no processo. Assim termina a declaração da testemunha.

Sem mais ninguém para ouvir, além do réu, o juiz inicia a declaração do agressor. Ele

faz perguntas pessoais, como profissão, escolaridade, endereço, onde trabalha e logo pergunta

se o réu foi testemunha de violência em sua família, seja quando criança, seja com os pais,

seja avós ou outros parentes, o réu diz que não. O juiz pergunta ao defensor, se quer conversar

a sós com réu antes de começar a depor, o defensor aceita e fica fora cerca de 10min com o

réu. Durante este intervalo, alguns dos participantes aproveitam para beber água e outras

coisas, percebi também que, durante a audiência, servidores do cartório e outros do juizado,

circulam pela sala que é ligada ao gabinete do juiz e a outras salas juizado.

Inicia-se o depoimento do réu. Primeiro o juiz faz certo levantamento de bens, de

dependentes e renda do réu. Reparo que o agressor sempre é cauteloso ao responder as

perguntas do juiz que com certa descontração, posso perceber que o juiz às vezes consegue

colher mais informações do que o réu estava disposto a oferecer. O réu relata que há

inverdades no depoimento da vítima, quando a mesma disse não ter tido discussão antes da

agressão, ele afirma que houve a discussão e que a mulher deu-lhe um tapa e no reflexo

devolveu com a cotovelada. Ao ver todo o depoimento do réu, a percepção é que o texto

estava pronto. O juiz volta a lhe investigar perguntando se ele já se envolveu em alguma

briga, ele afirma ter participado de uma briga na rua. O juiz pergunta novamente se havia

violência doméstica na família e o réu nega novamente. Afirmou também que depois da

agressão permaneceu junto com a vítima por mais um tempo, e que a discussão do dia da

agressão foi motivo do ciúme da vítima com os amigos dele. O réu afirma que ambos não

registraram ocorrência pelo fato das agressões.

Ao fim do depoimento, o juiz defere o pedido do Ministério Público, o réu fica em

liberdade, verifica-se a possibilidade com réu de negociação sobre o pagamento dos danos

causados à vítima, ele afirma está disposto em entrar em acordo. Encaminha-se a vítima ao

52

IML, para fins de comprovação da necessidade de cirurgia em seu nariz e assim encerra-se

essa audiência, às 15h55min.

Audiência 2

Logo em seguida ao término da primeira audiência, às 16h, a secretária chama os

envolvidos e inicia-se nova audiência. Esse caso foi de uma prisão em flagrante do agressor,

que espancou sua companheira, grávida de 3 meses. A vítima desse caso não compareceu,

pois já havia comparecido em outra audiência.

São chamadas as duas testemunhas, mas logo se dispensa uma, para que um

depoimento não interfira no outro. Estão na mesa do julgamento, réu, defesa e testemunha. O

réu é jovem de

O promotor do dia volta ao seu posto e inicia a audiência lendo a denúncia a todos. A

1ª testemunha é um policia militar que atendeu ao chamado de uma denuncia de agressão

naquele dia. Ao ser perguntado sobre o que se recorda do dia ou se recorda do réu e da vítima,

o policial diz que não recorda de nada daquele dia e nem dos envolvidos, que seu batalhão

recebe muitas denúncias de violência doméstica e que não consegue lembrar-se daquele

específico. A impressão é que o policial estava ali somente para cumprir a intimação que

recebeu, não querendo fazer contribuições ao caso ali julgado. Somente em um momento,

depois de sempre negar tudo que lhe perguntaram, ele fez um menção que talvez se tivesse a

cópia da ocorrência dele, da delegacia, do dia, se lembraria. Nessa negação de não se recordar

dos fatos, houve um grande trabalho do promotor e do juiz, para fazer com que o réu soltasse

algo que pudessem recordar de algo, pois não era um caso normal, era uma mulher grávida,

espancada e com fratura na perna. Mas a testemunha diz não lembrar, que a delegacia recebe

muitos telefonemas do tipo, no caso violência doméstica, mais do que de outros crimes. Ao

terminar o depoimento da 1º testemunha, depois de tanta insistência do juiz e promotor em

tentar fazer o policial lembrar-se de algo, por fim o juiz pergunta se possui algum problema de

memória, pois o fato é relativamente novo e um pouco fora da normalidade (espancamento,

gravidez e fratura na perna), o policial diz não ter problemas de memória. O réu e defesa estão

aparentemente tranqüilos, não trocam conversas entre si, e o juiz termina o depoimento

pedindo para juntar ao processo a cópia da ocorrência da delegacia do dia do fato, onde foi

mencionado pela testemunha.

53

Assim entra a segunda testemunha, outro policial (PMDF), que estavam juntos quando

do atendimento da vítima. Logo é perguntado se ele reconhece o réu, um homem jovem (cerca

de 30 anos), negro, vestindo camiseta e calça jeans, porte físico forte e estatura média pra alta,

onde o segundo policial afirma que se lembra do agressor e de alguns fatos do dia, o promotor

pergunta se ele lembra da vítima falar como foi as agressões e se lembra da lesões aparentes,

ele diz lembrar de algo parecido que a vítima tenha mencionado. Na instigação do promotor à

testemunha para tentar colher mais informações daquele dia, além das já mencionadas no

processo, a defesa o interrompe, dizendo que o promotor estaria pressionando a se lembrar,

mas o promotor nega a interferência. Voltando ao depoimento, o agente policial disse que a

mulher não aparentava estar grávida, que só soube por que a mulher falou.

Termina o segundo depoimento, às 16h25min. No ambiente da audiência, notasse

certo esforço dos profissionais da justiça para terem mais informações da ocorrência. Juiz

encerra solicitando o comparecimento de mais duas testemunhas, no caso, a prima do réu e o

marido dela que compareceram no dia da ocorrência. O réu só será ouvido depois do juiz

ouvir mais essas duas testemunhas.

Audiência 3

Julgamento de uma ocorrência de agressão e ameaça. Início às 17h, os envolvidos

estavam presentes, quando que o defensor os chama para conversar. Como os envolvidos

chegaram juntos e a mulher carregava o filho de colo, observei que se tratava de marido e

mulher, pela forma que um se comportava com o outro. Há uma testemunha e ela é irmã da

vítima, onde a mesma ficou com a criança enquanto a mãe participava da audiência.

É solicitado pelo juiz o comparecimento de uma advogada para a mulher, e

prontamente foi atendido. O juiz pergunta ao casal se ocorreram novos fatos de violência

doméstica entre o casal, desde 2011, ano em que deu início ao processo, e ambos disseram

que não e que estão bem. O promotor lê a proposta enviada pelo Ministério Público, que é de

suspensão condicional do crime, de não representar. A advogada então conversa com a vítima

para orientá-la sobre o pedido do promotor fora da audiência. Enquanto aguardam, os

profissionais da justiça conversam entre si sobre casos de outros processos. O juiz menciona

que ambos não participaram do SERAV e que ele colocará isso em proposta.

Advogada e mulher vítima voltam e logo começam o depoimento. Quando o promotor

começa a perguntar, a mulher, orientada pela advogada, diz que prefere o direito do silêncio,

54

então logo percebi algo diferente. No caso, esse julgamento, ambos são réus e vítimas, pois o

marido representou contra a mulher na época também, por lesão corporal. Então, como ambos

voltaram a se relacionar, estão ali somente para responder a justiça, mas sem compor prova

um contra o outro.

O juiz pergunta à mulher sobre o convívio do casal, se realmente estão bem, se

trabalha, se é bom pai, se houve xingamentos e se gostaria de fazer o depoimento longe do

agressor. Ela responde positivamente e não quer fazer o depoimento longe do marido. O

depoimento da vítima termina e sua irmã entra com a criança e também para testemunhar.

Como ambos são réus, o defensor diz não concordar que a irmã da vítima testemunhe,

pois ela não será neutra, podendo trazer prejuízos à própria irmã que também está sobre

processo judicial. O promotor discorda e diz que ela deve testemunhar, o juiz procura

entender e o promotor menciona que, tratando de violência doméstica, a aplicabilidade da Lei

Maria da Penha tem que ser vista com tal, na sua complexidade, e como esse processo já teve

outras audiências, ele percebe que assim não terá fim.

Então há discussão entre defesa e promotor para definirem se a irmã da vítima

testemunha ou não. Por fim, ela é ouvida e conta o que viu naquele dia. O ponto mais

importante foi quando ela afirmou ter ouvido o agressor falando com o pai ao telefone,

pedindo uma arma. Mas a testemunha também afirmou que acha que o agressor não teria

coragem de matar sua irmã, nem sua filha, como havia ameaçado no dia e que ele é um

homem tranquilo. Durante todo o depoimento da testemunha, o réu permaneceu de cabeça

baixa. Ao terminar o depoimento, a mulher (vítima) estava dentro da sala de audiência com a

criança, onde pude observar que ela ficou com certo espanto com tudo que sua irmã contou,

pois o dia da ocorrência estava ali presente e relembrar uma ameaça de morte feita pelo

marido e ainda ameaçando sua filha, fora toda a discussão que envolveu (agressões físicas

entre os dois, a separação e outors), não deve ser boas lembranças.

É mencionado com a vítima, pelo juiz, se ela está inserida em alguma rede de proteção

da mulher, pois ambos não participaram dos atendimentos do SERAV. A mulher responde

que após a ocorrência, passou a frequentar mais a igreja e mais nada.

Chega ao final da audiência, pois já era perto das 19h e o juiz não poderia continuar,

pois tinha um compromisso praquela hora e ainda faltaria do depoimento do réu, que

possivelmente não seria tão rápido. Mas o juiz define que os envolvidos serão intimados a

comparecerem nos atendimentos do SERAV, para acompanhamento, pois ambos não tiveram

ainda no processo, definem que ambos responderão em liberdade e que caso haja reincidência,

55

serão aplicadas as leis cabíveis desse descumprimento. O juiz conversa com o réu, dando-lhe

conselhos como, “quando estiver nervoso, tente se acalmar, mas não use da violência, o

importante é buscar uma ajuda para construírem uma relação mais sólida, sem conflitos.”

Assim se encerra a audiência, todos assinam seus depoimentos e vão embora os envolvidos,

como família.

56

Anexo 4: Entrevistas

Entrevista – 1

Entrevistada: Mulher Vítima de Violência Doméstica.

Entrevistadora: Então vamos começar. Quem fez a denúncia e como foi o atendimento

inicial? Ou seja, como foi sua chegada à delegacia, como lhe atenderam, tudo que você

conseguir lembrar, pode ser?

Entrevistada: Bem... Fui eu quem fez a denúncia. Fui acompanhado do genro de minha

patroa, se não fosse alguém comigo, não teria coragem de denunciar, eles insistiram, então

acabei indo... Quando cheguei, demorou um pouquinho pra ser atendida, mas fui bem

atendida. A delegacia era a 11ª, eles recolheram meus documentos, pediram para eu ir ao

IML, mas eu não fui, achei que não fosse dar em nada. Aí eu prestei depoimento contra meu

namorado, eles me levaram em casa para pegar minhas coisas, pois tinha medo de ir sozinha,

eu pedi e eles me levaram... A equipe da delegacia fez tudo e também me perguntaram se

gostaria de ir para a Casa Abrigo, mas preferi ir para casa da minha patroa e dormi lá.

Entrevistadora: O que achou do atendimento pela delegacia? Houve algum tipo de situação

que você elogiasse no atendimento?

Entrevistada: Foi bom, mas entre aspas, pois estava com muito medo do agressor e a

delegacia não podia prendê-lo, só se fosse em flagrante, então me senti desprotegida, porque

como eu iria embora com ele solto... mas num todo achei bom.

Entrevistadora: Tem algum ponto que você pudesse elogiar, ou que pudesse melhorar?

Entrevistada: ...não tenho nada por agora pra elogiar, pois foi só uma vez e foi rápido, as

outras vezes fui direto ao fórum (JVDFM) e de lá fiz as denúncia, pois ele voltou a me

agredir, mas num todo achei bom. Agora, o negativo foi pelo fato dele não poderem prendê-lo

na hora.

Entrevistadora: Quando foi concedida medida protetiva? Foi rápido?

Entrevistada: A medida logo foi concedida, mas eu também logo pedi pra arquivar, vou

confessar que gosto muito dele e eu acabei ligando pra ele depois da denúncia, mas eu sei que

tenho que me afastar, pois ele me prejudica...

Entrevistadora: Como você se sentiu com a concessão da medida protetiva? Como foi esse

processo? Poderia descrever para mim?

57

Entrevistada: Eu me senti mais aliviada. Se acontecer alguma coisa, vou estar protegida, vou

saber que tem uma pessoa pra me proteger...

Como eu já havia pedido o arquivamento e meu namorado voltou a me agredir, falei direto

com as meninas do juizado e com a equipe multidisciplinar, elas me perguntaram se queria as

medidas e eu disse que sim, falei também com o juiz que também me perguntou se queria

manter as medidas, disse que sim e então eles já providenciaram tudo.

Entrevistadora: Após estar sob a medida, como foi seu acesso à justiça? Recebeu

atendimento de alguma assistente social?

Entrevistada: Recebi em minha casa uma assistente social do juizado, ela foi levar uns

papéis para assinar e conversou comigo, mas não lembro o nome dela, mas se identificou

como assistente social.

Entrevistadora: Houve algum encaminhamento para algum Núcleo de Atendimento à

Mulher ou Centros de Referências? Como foi?

Entrevistada: Chegou a minha casa uma cartinha do Centro de Atendimento à Mulher

pedindo para comparecer, mas eu não entendi para que servia e nem onde ficava. Como não

sabia do que se tratava, não procurei o Centro.

Entrevistadora: No que se refere à Lei Maria da Penha, e as medidas protetivas previstas, o

que tem a dizer? Se recebeu alguma cartilha, se já leu algo sobre, alguma informação recebida

por alguma instituição de atendimento à mulher?

Entrevistada: ...não tenho conhecimento da Lei não... não recebi nenhuma cartilha, nem no

juizado, nem no posto de saúde, nem na delegacia, só me informaram quais as medidas que

poderia solicitar, como: o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato e a Casa

Abrigo.

Entrevistadora: Qual sua percepção da aplicação das medidas? Você acha que ela poderá

diminuir a violência doméstica contra as mulheres? O que mudou em você depois do pouco

de conhecimento que teve sobre a Lei Maria da Penha?

Entrevistada: Acho que as medidas podem ajudar muito a diminuir a violência contra as

mulheres. Mas mesmo assim eles não vão ficar perto de você 24 horas, eles não vão ao seu

trabalho saber se tá tudo bem, se “ele” chegar a me matar, só irão saber quando eu morrer.

Ainda tem o problema de quando eles são presos, logo são soltos. Acho que não deveria pagar

fiança, não nesse tipo de violência, pois só agente sabe o que sofremos, agente fica com

medo, não se sentindo protegida, por eles estarem soltos. Acho que deveria ter outras medidas

58

para me sentir mais protegida, não só depender da gente ter que denunciar ou tomar outras

medidas pra me proteger, fica muito pra gente.

Assim, encerro a entrevista, agradeço a entrevistada, ressalvando que todos os dados pessoais

serão sigilosos.

Entrevista - 2

Entrevistado: Juiz Titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do

Núcleo Bandeirante.

Entrevistadora: Quais os elementos do processo/inquérito policial que facilitam/embasam a

autorização de uma medida protetiva?

Entrevistado: Quando eu recebo um pedido de medida protetiva, eu analiso as declarações da

ofendida e as informações que aquele boletim de ocorrência traz: nível de instrução, os

contatos do telefone, pra viabilizar um contato do juizado com essa mulher ou não, então eu

recebo o pedido, a primeira coisa que fazemos é o contato com essa mulher, confirmo aquelas

informações ou alguma outra mudança que tenha ocorrido no quadro, do momento em que ela

registrou ocorrência e fez o pedido, até o momento em que eu estou decidindo. Analiso esses

aspectos e depois, com base nessas novas informações que agregam, eu vejo o que ela está

pedindo, vejo o histórico de violência que tem ali, qual ocorrência, como e o quê aconteceu,

se é crime e a partir daí eu defiro ou não as medidas protetivas.

Entrevistadora: Isso é na primeira decisão, onde a delegacia tem 48hrs pra lhe enviar?

Entrevistado: Isso! A delegacia tem 48hrs pra examinar e montar o pedido dessa mulher e

me entregar aqui e eu tenho 48hrs pra decidir. Então, a nossa meta aqui no juizado é decidir

na hora que chega. Se chegou hoje, hoje sai a decisão, não importa a hora, e se chegou ao

final do expediente, ainda sim agente sai com a decisão, seria praticamente isso. Os elementos

então são principalmente o histórico da ocorrência, o que é narrado, e algum termo de

declaração, por exemplo: às vezes eles ouvem uma testemunha, às vezes o ofensor,

principalmente quando ele é preso em flagrante, então eu pego esses dados que trazem a

informação e a partir daí eu examino a medida protetiva adequada e defiro.

Entrevistadora: Qual a experiência geral do juizado sobre a concessão de medidas

protetivas?

59

Entrevistado: A experiência que nós temos é seguinte, é que via de regra, posso dizer que

em todos os casos, por eventual exceção é muito pequena. A medida protetiva, quando a

mulher solicita, é porque ela precisa. E a nossa experiência tem sido assim, de examinar a

medida protetiva no dia que chega e na prática, quase sempre tem sido deferida todas as

medidas que tem sido requerido, por que elas guardam alguma relação ao fato ocorrido. Por

exemplo: o ex-marido está xingando, está procurando no trabalho, mandando mensagem,

email e qualquer outro meio de comunicação, perturbando a vida daquela mulher,

normalmente a medida protetiva que ela pediu é a de proibição de aproximação e de contato,

para que ele não faça nenhum tipo de contato com ela e nem se aproxime. Nesse caso é essa

medida que mais se encaixa. Então essa é nossa experiência com a medida e assim tem

funcionado, pois até hoje, não perdemos nenhuma mulher, nenhuma mulher que pediu medida

protetiva aqui, e que foi acompanhada pelo juizado, foi assassinada.

A medida protetiva é um instrumento forte, a Lei concedi ao juiz muito poder, pois ela

permite tirar uma pessoa da casa dela, a casa que ela construiu, que comprou. É forte por um

lado, mas também é muito eficiente, por que, por exemplo: a mulher vai na delegacia e

denuncia e depois ela vai voltar pra casa e dormir com aquele mesmo homem, na mesma

cama? É uma situação difícil praquela mulher. Então, há uma necessidade e quando o Estado

intervém com a medida protetiva, nosso objetivo aqui no juizado, é de fato interromper aquela

violência que está acontecendo, entrando naquele ciclo de violência, fazendo uma ruptura, que

é exatamente a proposta da medida protetiva de urgência, por que ela entra naquela hora e

agente põe a “colher na briga de marido e mulher”, essa é a ideia.

Nós temos aqui, na medida protetiva, o atendimento com a Equipe Multidisciplinar, então eu

marco pra data mais breve possível, e nem é o mais breve da nossa possibilidade e sim da

possibilidade da mulher em participar, da possibilidade do contato com ela, do oficial de

justiça entregar a intimação, então às vezes agente marca o atendimento pro dia seguinte.

Então, a equipe vai olhar esse caso, se atualizar melhor, vão fazer uma avaliação da situação

de risco, e assim trazer algum subsidio que possa interferir nessa decisão, seja pra ampliar,

seja pra reduzir, seja pra modificar a medida protetiva.

Entrevistadora: Como é a comunicação com a segurança pública no que se refere ao

acompanhamento da aplicação das medidas protetivas?

Entrevistado: Nós estamos firmando um convênio com a polícia militar para que eles

acompanhem esses casos, mas ainda está na fase de construção, onde o departamento jurídico

da polícia examina, do tribunal examina, a assessoria vê o que tem pra corrigir, pra evitar

60

algum problema de violação, os dispositivos legais, mas ele está em construção pra dar o

devido andamento.

Temos o acompanhamento também através de medida cautelar, onde uma servidora do

tribunal acompanha periodicamente a vítima, vendo se houve novos episódios de violência,

como que tá o cumprimento das medidas e dependendo do caso, marca um novo atendimento

pra gente avaliar, dando uma atualizada nas medidas protetivas, do cartório.

Também temos parcerias com a secretaria da segurança, polícia militar, através do programa

social EDUCS (Educação para Cidadania e Segurança); que em situações de maior risco à

ofendida, o juiz solicita ao batalhão que visite o domicílio da vítima, a fim de coibir o

agressor, isso é feito informalmente, mas o convênio já está em andamento, para que seja

formalizado esse procedimento e atinja todo o DF, e com a polícia civil que atende essas

mulheres. Nosso contato é estreito e direto com as delegacias e eles com agente, seja o

cartório, seja o CJM, e deles também. Quando eles têm um problema lá, eles entram em

contato conosco, agente procura resolver sempre da maneira mais rápida e mais eficiente para

proteger aquela mulher. Ontem mesmo, por exemplo, tiveram duas prisões preventivas de

casos mais graves que chegaram aqui, e as duas já foram cumpridas. Hoje a delegacia já

comunicou que os dois ofensores já foram presos.

Entrevistadora: Qual é a formação e aprimoramento da magistratura sobre a violência de

gênero?

Entrevistado: Quando a Lei Maria da Penha surgiu, nós tínhamos profissionais que tinha

formação por conta própria, eu fiz cursos fora dos espaços do tribunal, participei de

seminários, fóruns de debates, enfim, o que tinha sobre violência doméstica eu corri atrás, por

conta própria.

Assim começou a ter esse olhar, porque se especializou na justiça um grupo de magistrados

que trabalhava com isso. E nós começamos a preocupar a fomentar cursos aqui no juizado,

tivemos discussão especificamente sobre violência doméstica, tivemos cursos sobre violência

de gênero, palestras com professores de várias universidades, onde obtivemos esse olhar sobre

do que é essa violência de gênero e que mostra pra gente como e quando isso está presente na

sociedade, no olhar da sociologia, do serviço social, da psicologia, esse conceito de gênero,

que nós do direito não tínhamos, na faculdade, na nossa formação. Então, quando chegou essa

Lei, minha grande pergunta era: o quê que é essa questão de gênero, que não é gênero

masculino ou feminino, sexista, homem e mulher? Mas que passa por todo esse processo

cultural, do olhar da sociedade do papel da mulher, do papel do homem, aí foi que eu comecei

61

a entender e chegar a esse ponto. Hoje, nós estamos preparando cursos, palestras, seminários

para nossos servidores, capacitando os juizados de violência doméstica, sendo uma iniciativa

do Tribunal.

Entrevistadora: Os investimentos feitos na jornada Lei Maria da Penha e no FONAVID

surtiram efeitos na justiça?

Entrevistado: O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que tem um olhar mais administrativo

sobre o judiciário, reuniu um grupo de magistrados nessa jornada, trouxe pessoas que lidam

com violência doméstica pra conversar sobre violência doméstica, criar tipo um fórum, e

nessa conversa, surgiu a necessidade de um fórum permanente de discussão da Lei Maria da

Penha, porque é uma lei muito nova, traz uma mudança cultural muito grande. Esse grupo de

juízes sugeriu a criação do FONAVID, que é um Fórum Nacional de Juízes de Violência

Doméstica, que levam experiências dos juizados de todo o Brasil, assim não precisamos

reinventar, as experiências já estão ali, com seus resultados por ex.: no RS estão com o

programa da Patrulha da Maria da Penha, o ES com o botão do pânico, BH com a

tornozeleira, nós aqui temos um atendimento diferenciado da Equipe Multidisciplinar. Então

cada tribunal leva sua experiência, agente discuti essas experiências e também vota em

experiência de alguns enunciados, ex.: nesse caso é melhor fazer isso, naquele caso é ideal

fazer aquilo. Então esse fórum é muito rico por essas trocas que fazemos. Nós aqui, estamos

tentando criar o acesso direto da delegacia com o juizado, através de comunicação eletrônica,

pois hoje a medida é pedida na delegacia e eles tem que trazer pra gente, tem casos que

servidores que relataram ter que andar até 400km pra entregar uma medida protetiva. O que

agente quer é criar um mecanismo eletrônico onde as delegacias vão expedir as medidas via

sistema, tipo um malote digital, que chegará mais rapidamente até ao juizado. Ainda está

sendo criado, vamos fazer de uma forma bem elaborada para que possa atender todas as

delegacias e assim, como experiência, vamos levar essa proposta para o FONAVID, para que

eles possam reproduzir, evitando reinventar, poupando tempo e também custos financeiros.

Entrevistadora:O que mudou pra você, com esse fórum?

Entrevistado: Com o FONAVID, o que mudou é exatamente isso, a troca de experiências.

Também o aprimoramento pessoal do magistrado, para que ele tenha mais capacidade pra

resolver aquele conflito, porque quanto mais capacidade você tiver, melhor vai ser a solução

para aquele caso. Pois se eu sei que uma experiência deu certo em tal estado, sei de outra, em

outro estado, você tem experiências que poderão ser usadas ou construir em cima delas,

eliminando uma fase, que é como resolver aquele tal problema, e com o fórum você já tem a

62

solução para aquele problema. Pra mim o que melhorou foi o conhecimento, sendo prático,

porque as pessoas estão na prática, lindando com isso, e às vezes agente está com mesmo

problema e trocando essas experiências, podemos resolver o mesmo problema que já

apresentou em outro juizado e o resultado será o mesmo. Então, de certa forma, eu não

preciso passar por um mesmo problema que outro já passou, porque trocamos essa

experiência.

Entrevistadora: Em sua opinião, a medida protetiva tem eficácia no objetivo de coibir e

prevenir a violência doméstica contra mulher?

Entrevistado: Tem muita eficácia, porque o ofensor sente a mão do Estado no problema, uma

coisa é o homem estar agredindo aquela mulher dentro de casa, sem ninguém ver, sem

ninguém falar nada. Outra coisa é um oficial de justiça bater na porta da sua casa e falar com

ele: olha, você tem que sair de casa agora. Isso tem um valor pedagógico, agora ele sabe que

tem alguém olhando, tem alguém que sabe que aquela mulher está sendo agredida. Então, o

homem recebe a intimação e ele sabe que não pode se aproximar dessa mulher e se ele se

aproximar, ele poderá ser preso, pois ele não que perder a liberdade. Então, essa intervenção é

muita positiva, pois ela é rápida, é na hora!

Entrevistadora: O que precisa ser feito no DF, considerando as experiências em outros

estados? O que a justiça pode fazer?

Entrevistado: Uma coisa que nós precisamos fazer no DF... é complicado, porque ele tem

um diferenciado no investimento sobre a violência doméstica. Aqui possui o maior número de

juizados de violência doméstica, com toda estrutura, com espaço físico, com um titular de

cada juizado, enfim, com tudo a disposição dessa causa. São doze juizados cuidando só desse

tema, só de violência doméstica. Então, o TJ deu uma avançada muito grande nessa questão

dos juizados especializados, que é essencial. Além disso, nós temos um serviço psicossocial,

o quadro do psicossocial do tribunal, da SEPSI, que é a Secretaria Psicossocial Judiciária,

possui mais de 100 servidores. Então o tribunal tem uma estrutura muito boa e isso ajuda. O

que mais que nós podemos fazer, é claro que tem muito ainda a fazer, principalmente

investimento em rede, rede psicossocial, rede de proteção, em todo tipo. Não podemos perder

esses envolvidos em violência doméstica que chegam até agente, e o trabalho em rede é

fundamental, é o que vejo como forma para “arrumar”, dando a condição de realmente mudar

a percepção do homem ou da mulher na questão da violência de gênero, quase como

tratamento, para que possa prevenir e coibir novas violências.

63

Entrevista - 3

Entrevistada: Assistente Social do SERAV (Serviço de Assessoramento aos Juízos

Criminais)

Entrevistadora: Qual sua percepção da aplicação de medidas protetivas no DF?

Entrevistada: É uma medida muito importante, pois ela possui uma vinculação. Ela atua na

área cível e vai atuar a mulher protegendo a mulher, pra que se previna que uma violência

surja. O ideal é que as medidas protetivas fossem aplicadas sem que tivesse um crime, se a

mulher tivesse sendo ameaçada, ela pudesse recorrer à medida protetiva. Mas o que agente

percebe das medidas protetivas é que são medidas efetivas, que buscam garantir a segurança

da mulher que, em geral, as mulheres sentem protegidas, quando estão com essa medida, e os

homens temem essa medida. Nos atendimentos que agente faz, que tem uma medida

protetiva, é muito interessante agente observar como as famílias encaram essas medidas, essa

coisa da proibição e apesar de se divulgar que não tem números e nem resultados de que reduz

a violência, agente observa que isso tem efeito muito positivo. Percebemos que, um dos

grandes avanços na Lei Maria da Penha, foi as medidas protetivas.

Entrevistadora: Como é o conhecimento dessas mulheres vítimas de violência doméstica

sobre a medida protetiva?

Entrevistada: Antes existia uma confusão no sentido das medidas protetivas, hoje, está sendo

mais divulgado para o homem e para mulher. Eu acho que está dando mais susto nos homens,

acho que eles não entendiam isso e a mulher ter mais a compreensão do que ela pode utilizar,

que é o direito dela de pedir as medidas protetivas. Nós, tanto o SERAV, como o CJM

(Centro Judiciário da Mulher), estamos fazendo uma cartilha para dar ao homem e a mulher,

quando o juiz deferir a medida protetiva e o oficial de justiça levar a intimação, ele entrega

também essa cartilha. É uma cartilha explicativa, de linguagem bem simples, de o que é a

medida protetiva, acrescentando mais ainda nesta compreensão do direito da mulher de

usufruir dessa medida.

Entrevistadora: Sabemos dos casos de assassinatos de mulheres sob mediada protetiva,

como o psicossocial vê os casos de violação dessa medida?

Entrevistada: No caso de assassinato de mulheres que estão sob a medida protetiva, foi uma

violação e o homem a mataria mesmo que estivesse sem a medida. Eu acho que é isso, é uma

64

situação que violou a medida protetiva, e realmente a justiça não quer saber se a pessoa está

violando, cabe a mulher informar isso, mas ela também não sabe, ela acha que, depois que ela

está com a medida protetiva, ela não precisa fazer outras denúncias pra estar colocando novas

violações, em relação a ela. Então, falta esse esclarecimento também.

Entrevistadora: Na sua percepção, a medida protetiva contribui para coibir e prevenir a

violência contra a mulher? A mulher se sente protegida?

Entrevistada: O simbolismo que tem da justiça falando o que deve ser feito ou não, é muito

pesado, principalmente para o homem. As mulheres em geral, com as medidas protetivas,

ainda tem muito os casos que elas se sentem seguras sim. Existem casos que as mulheres

estão falando que estão seguras, que as medidas protetivas “resolveu” o problema dela.

Agora, agente não consegue mensurar, com dados seguros, a eficácia das medidas protetivas,

em questão da coibição da violência. Não é só a justiça que vai dar conta dessa violência

contra a mulher. O espaço da justiça ele tem esse sentido também, mas não é só esse objetivo.

O peso sobre a justiça é muito grande, não é só a justiça que vai resolver o problema da

violência contra mulher, ela é apenas um ator dentro deste cenário, e precisa sim, de políticas

públicas, não é o papel da justiça emponderar, mas ele tem esse significado quando dá uma

medida protetiva. A mulher precisa sim de uma assistência e é por isso que precisa de

políticas públicas, senão fica o peso só pra justiça. Às vezes é uma falsa idéia, quando se

trabalha com isso, de achar que só as medidas protetivas ou Lei Maria da Penha, vai coibir a

violência doméstica.