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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso
Autora: Ana Paula C outinho
Orientado ra: Profª. Ms. Isabel Clavelin
LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de tra balho d o Juizado
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher d o Núcleo Bandeirante
Brasília – DF
2014
2
ANA PAULA COUTINHO
LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE
URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de trabalho do Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante
Projeto apresentado ao curso de graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. MSc. Isabel Cristina Clavelin da Rosa
Brasília 2014
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Artigo de autoria de Ana Paula Coutinho, intitulado, “Lei Maria da Penha e a
Apliação das Medidas Protetivas de Urgência: práticas de uma visão a partir do trabalho no
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante”,
apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social da
Universidade Católica de Brasília, em 09 de junho de 2014, defendido e aprovado pela banca
examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________
Prof.ª. Ms. Isabel Cristina Clavelin da Rosa
Orientadora
Cursos de Comunicação e Serviço Social - UCB
_____________________________________________
Maria Valéria Duarte de Souza
Profª. Ms. do Curso de Serviço Social - UCB
______________________________________________
Soraia da Rosa Mendes
Profª Drª. do Curso de Direito - UCB
Brasília
2014
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AGRADECIMENTO
Agradeço minha família, que mesmo longe, estavam perto de coração. Em especial,
minha querida mãe que pelo seu exemplo de luta e de perseverança, sempre incentivou seus
filhos, a nunca desistirem de estudar, lutando pela conquista da felicidade, de uma vida
melhor, de justiça entre os homens, enfim, de escolher sempre o caminho do bem. Agradeço a
Deus por sempre ter colocado pessoas boas em meu caminho, oferecendo-me oportunidades
na vida, como é o caso do apoio do Superintendente da FAAP (Federação das Associações de
Atletas Profissionais), empresa em que trabalho, que financiou e apoiou na conclusão deste
curso à busca da tão sonhada carreira profissional.
Agradeço às pessoas mais próximas de mim, com quem convivo diariamente, em
especial minha filha. A vocês meu imenso amor.
Agradeço as colegas de trabalho e de faculdade, as quais sempre me apoiaram em
momentos difíceis.
Aos meus professores e professoras que, mostraram a excelência de mestres, me
proporcionado essa formação tão completa.
À minha orientadora que, com toda sabedoria, enfrentou comigo o desafio desta
pesquisa, dando-me forças para continuar no meu objetivo.
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LEI MARIA DA PENHA E A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTET IVAS DE URGÊNCIA: uma visão a partir das práticas de trabalho do Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante
ANA PAULA COUTINHO
Resumo:
Este presente trabalho tem o objetivo de verificar os encaminhamentos de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para a devida aplicação de medidas protetivas de urgência, conforme a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, tendo como foco o acesso das mulheres à justiça. A metodologia utilizada sobre a abordagem do tema foi uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, bibliográfica e documental de fontes primárias, com trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante, localizado no Distrito Federal, nos meses de abril e maio de 2014, durante dez visitas. No órgão, foram observados a rotina de trabalho do cartório judicial, analisados oito processos judiciais sigilosos, acompanhadas três audiências de julgamento e aplicadas três entrevistas semi-estruturadas com: uma mulher vítima de violência doméstica, uma assistente social do SERAV (Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais) e o juiz titular. Desse modo, tivemos condições de perceber como são aplicadas as medidas protetivas de urgência, para garantir a segurança da mulher com o propósito de protegê-la e para evitar novos episódios de violência doméstica. Palavras-chave: Violência Doméstica contra Mulheres. Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa apresenta à comunidade acadêmica e à sociedade considerações sobre
como é o acesso da mulher em situação de violência doméstica e familiar à justiça a partir dos
encaminhamentos empreendidos por um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher. Este é um dos serviços da rede especializada de atendimento à mulher em situação de
violência, acionado após a vítima ter feito denúncia do agressor numa delegacia especializada
de atendimento à mulher (DEAM), posto especializado ou delegacia civil. O presente estudo
acadêmico vale-se de trabalho de campo realizado no juizado do Núcleo Bandeirante, um dos
19 existentes no Distrito Federal, nos meses de abril e maio de 2014.
Durante a pesquisa documental de primeira mão, efetuada por meio de consulta de
processos judiciais arquivados no cartório do referido juizado, percebeu-se que a aplicação
das medidas protetivas de urgência estabelecidas pela Lei Maria da Penha encontra
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dificuldades para ser mantida. Dos oito casos analisados, quatro, sofreram pedido de
arquivamento das medidas protetivas de urgência pela vítima de violência doméstica. A
fragilidade afetiva e a falta de conhecimento da mulher sobre a Lei Maria da Penha e de como
são importantes essas medidas protetivas para garantir sua proteção, ainda é um obstáculo a
ser vencido, pois, mesmo sendo acolhida por uma rede especializada em combater a violência
doméstica contra a mulher, algo a enfraquece diante do enfrentamento ao agressor.
Outro aspecto observado no trabalho de campo desta pesquisa exploratória com base
na análise dos processos judiciais diz respeito não é só à aplicação da Lei Maria da Penha, por
meio da justiça, que coibirá o agressor de usar da violência contra mulher, e sim de uma
mudança na cultura alicerçada no regime patriarcal e atrelada à dominação e exploração das
mulheres pelos homens.
Tais questões vão ao encontro do interesse motivador deste trabalho, surgido da
preocupação de estudar o tema da violência de gênero que, mesmo com a vigência da Lei
Maria da Penha (11.340/06) 1, não houve avanços na diminuição das agressões contra as
mulheres. No pós-denúncia do agressor na delegacia, o percentual de reincidência da
violência é superior a 50%, em mulheres com faixa etária de 30 a 60 anos, conforme o Mapa
da Violência – 2012.
A Lei Maria da Penha (11.340/06) cria medidas protetivas de urgência para as
mulheres vítimas de violência doméstica, a fim de protegê-las de novas agressões, uma vez
que, ao denunciarem o agressor. De acordo com especialistas, a Lei Maria da Penha é um
avanço, mas “sua vigência efetiva esbarra em um conjunto de obstáculos que necessitam ser
superados para que seus efeitos possam modificar comportamentos e valores discriminatórios
e violentos” (BARSTERD, 2011, p. 29).
Então, a efetividade da Lei Maria da Penha não atuará somente numa esfera de poder,
mas sim nos aspectos sociais e culturais, percebendo a necessidade de trabalhar a mudança da
visão da sociedade sobre a violência contra as mulheres. A opressão da mulher por sua
condição de gênero ocorre pelo uso da força, forjado pela dominação masculina, além do uso
da coação, intimidação, humilhação, discriminação, entre outras formas de violência, que fere
1 Esta norma tem como propósito criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; alterar o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; entre outros. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2012/lei-maria-da-penha-edicao-2012>. Acesso em: 26 mai. 2014
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o interior da mulher, diminuindo sua auto-estima e a enfraquecendo diante o enfretamento a
essa dominação. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em 2010, aferiu que, a cada 24
segundos, uma mulher é espancada (cinco mulheres a cada dois minutos) no Brasil. Antes da
criação da Lei Maria da Penha, esse índice era de 15 segundos, em 2001. A despeito da
diminuição no espancamento, o número de mortes não diminuiu e, nesses últimos 30 anos,
passaram de 1.353 (em 1980) para 4.297 (em 2010), representando um aumento de 217,6%,
ou seja, mais que triplicou o número de homicídios de mulheres no país. Dentre os 84 países
do mundo, o Brasil ocupa a 7ª posição em óbitos violentos de mulheres, de acordo com o
Mapa da Violência, de 2012.
No estudo inédito de “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, do IPEA
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima-se que, no Brasil, de 2001 a 2011,
ocorreram mais de 50 mil feminicídios2, ou seja, mulheres foram assassinadas pelo fato de
serem mulheres. Cerca de 40% desses óbitos, foram cometidos pelos parceiros ou ex-
parceiros das vítimas. Na maioria dos casos, ocorreram no âmbito familiar.
Em geral, os assassinatos representam o final cruel de um ciclo de violência
caracterizado por torturas, violações e impunidade dos agressores por parte do poder público e
da sociedade. Grande parte das vítimas fatais foi alvo de diversas formas de violência: física,
psicológica, moral, sexual ou patrimonial. Por conseguinte, tiveram negados os seus direitos
humanos universais, tais como a vida, a liberdade e a segurança.
METODOLOGIA
Este trabalho ancora-se na pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, agregando as
pesquisas bibliográfica, documental e exploratória com técnicas de entrevista semi-
2 Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. São crimes que ocorrem geralmente
na intimidade dos relacionamentos e com frequência caracterizam-se por formas extremas de violência e barbárie. Cometidos por homens contra as mulheres, suas motivações são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda da propriedade sobre elas. Para mais, recomenda-se o artigo Feminicídio: a última etapa do ciclo da violência contra a mulher, da socióloga Lourdes Bandeira Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/feminicidio-a-ultima-etapa-do-ciclo-da-violencia-contra-a-mulher-por-lourdes-bandeira/>. Acesso em 10 mar. 2014. O Projeto Lei do Senado 292/2013, sugerido pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência contra a Mulher no Brasil, propõe a tipificação do feminicídio, com pena de reclusão de 12 a 30 anos para autores de assassinatos de mulheres com circunstâncias de violência doméstica ou familiar, violência sexual, mutilação ou desfiguração da vítima. Disponível em:<
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/07/18/crime-de-feminicidio-podera-ser-incluido-no-codigo-penal>. Acesso em: 26 mai. 2014.
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estruturada e de observação não participante. Minayo (2010) compreende a pesquisa
qualitativa, desenvolvida no campo das Ciências Sociais, como relacionada à realidade a ser
pesquisada. Inscreve-se no universo dos significados, dos motivos, das crenças, pensamentos
e ações dos indivíduos Nesse conjunto, assenta-se a violência de gênero, resultante das
relações de poder incrustadas na ideologia patriarcal e sexista de subordinação e controle das
mulheres por diferentes formas de opressão.
Para a compreensão de tais fenômenos, esta autora valeu-se da pesquisa bibliográfica
(LAKATOS e MARCONI, 2003) e documental de fontes primárias (LAKATOS e
MARCONI, 2003), para a qual foram arrolados documentos sobre o acesso das mulheres à
justiça antes e durante o desenrolar do trabalho de campo. Conforme Minayo (2010), a fase
exploratória é a primeira etapa do processo de trabalho científico de uma pesquisa qualitativa.
Para este estudo, essa etapa foi composta pelo levantamento de informações sobre a Lei Maria
da Penha nos seguintes portais de internet: Conselho Nacional de Justiça (www.cnj.org.br);
Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (www.mulher.df.gov.br/); Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República (www.spm.gov.br); tribunais de
justiça do Estado do Rio Grande do Sul (www.tjrs.jus.br), do Espírito Santo
(www.tjes.jus.br), de Minas Gerais (www.tjmg.jus.br), do Maranhão e do Distrito Federal e
Territórios (www.tjdft.jus.br); Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha
(www.compromissoeatitude.org.br); Jusbrasil (www.jusbrasil.com.br), Fórum Nacional de
Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (www.amb.com.br/fonavid); e
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (www.ibge.gov.br). Em todas essas plataformas,
a consulta se deu por meio das palavras-chave: medidas protetivas, Lei Maria da Penha e
violência doméstica contra mulheres.
Os procedimentos teórico-metodológicos detalhados acima antecederam as saídas do
trabalho de campo, o qual “consiste em levar para a prática empírica a construção teórica
elaborada na primeira etapa” (MINAYO, 2010, p.26). Visto que o objeto desta pesquisa é o
estudo sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha por
juizado especializado, a complexidade da violência de gênero e as respostas parciais do poder
público, foram feitos contatos com pessoas da área sociojurídica e especialista em violência
doméstica, com o propósito de identificar um espaço para o desenvolvimento desta
investigação. A escolha do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do
Núcleo Bandeirante (JVDFM), no Distrito Federal, decorreu de indicação de Aparecida
Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da
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Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em março de 2014,
tendo em vista a informação de que se tratava de uma das instâncias com atuação destacada
na perspectiva de gênero e na aplicação da Lei Maria da Penha.
Após definido o local para a realização do trabalho de campo, iniciaram-se as
tratativas para o desenvolvimento da investigação. Foram identificadas duas servidoras do
juizado, as quais poderiam colaborar para a deflagração do estudo. No entanto, as respostas
não vieram, causando expectativa quanto ao pouco tempo que teria para realizar minha
pesquisa. Com o apoio da orientadora da pesquisa, novo esforço de contato foi feito e logrou-
se com o agendamento de reunião com o magistrado para 15 de abril de 2014. Antes do
encontro, pensamos em analisar cinco processos judiciais, aplicar observação não participante
durante todo o tempo que esta pesquisadora estivesse em campo e observação não participante
de uma audiência de julgamento, além de entrevistas semi-estruturadas (MINAYO, 2010)
com vítima, assistente social e magistrado.
Mediante a disposição colaborativa do juiz, ficamos à vontade para o acionamento de
outras formas de coletas de dados, as quais pudessem se revelar como relevantes no percurso
da pesquisa. Assim, foram determinadas três fases para a exploração do campo: i) analisar
oito processos de lesão corporal, ameaças, honra, perturbação da tranquilidade,
compreendidos entre janeiro e março de 2014; ii) acompanhamento de audiência de
julgamento de instrução (aquela em que o juiz escuta as partes e testemunhas); iii) entrevista
semi-estruturada com vítima, assistente social e magistrado, a qual poderia ter questões
alteradas após o desenvolvimento das etapas anteriores. Estas etapas foram concluídas em dez
dias de pesquisa de campo, iniciando em 14 de abril de 2014 e terminando em 15 de maio de
2014, neste período houve alguns contratempos que contribuíram para prorrogar o tempo da
pesquisa, como: feriado prolongado e disponibilidades para fazer as entrevistas. Como
instrumentos de registro dos dados coletados, foram criados a ficha de análise dos processos
judiciais armazenados no cartório do juizado (ver anexo); o roteiro para a observação não
participante, a fim de documentar pontos de observação da rotina do juizado e da audiência; e
o questionário com perguntas semi-estruturadas, com disposição de incorporar respostas
espontâneas das partes entrevistadas.
Ao roteiro inicial da entrevista, foram adicionadas outras indagações decorrentes da
observação do campo: aplicação das medidas protetivas no juizado para coibição e prevenção
de novas violências, se elas trazem segurança à vítima e outros, se foram concluídas sobre
orientação, procedimentos de profissionais, e principalmente, o cuidado com mulher vítima de
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violência doméstica, evitando assim, a revitimização. Conforme Minayo (2010), esta
pesquisadora apresentou-se à pessoa entrevistada, expôs a motivação e os procedimentos da
pesquisa, reiterando o compromisso com o anonimato e sigilo, e registrou a expressa
autorização da entrevista mediante a assinatura de documento. Vale registrar que a entrevista
com a vítima de violência doméstica foi realizada no oitavo dia do trabalho de campo, de
forma imprevista. A aproximação entre as partes foi feita por uma técnica judiciária. A
entrevista com a assistente social do SERAV e o juiz, foram realizadas no nono dia de campo.
Para a análise dos processos judiciais sigilosos, no Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, foi constituída uma ficha de sistematização para facilitar a consulta
destes documentos. Cada campo foi elaborado de acordo com os dados de coleta de
informações da Central de Atendimento à Mulher – Disque 1803, da Secretaria de Políticas
para as Mulheres, conforme percebido em relatórios divulgados: perfil da vítima, tipo de
violência, quem era o agressor, faixa etária da vítima e do agressor, frequência da agressão,
tempo de relacionamento, tipo de violência, rede de enfretamento que procurou primeiro,
situação dos filhos diante da violência, quantidade de filhos, quem estava presente ao fazer a
denúncia. Os campos sobre medida protetiva requerida, antecedentes criminais e se a vítima
possuía família por perto surgiram durante reunião com juiz, onde percebemos que estes
dados eram relevantes na hora de decidir sobre a medida protetiva. No referido instrumento,
foi incorporado campo livre para anotações, a fim de acrescentar itens para melhor ajudar na
sistematização para as análises de processo. Considerando o esgotamento metódico desse
documento frente à peculiaridade de informações contidas nos processos judiciais, esta
pesquisadora adotou outro instrumento: resumo do caso analisado na pesquisa documental de
fonte primária, tendo em vista a necessidade de registrar informações importantes, além das
colhidas pela ficha de sistematização.
Ao todo, foram analisados oito processos em dez dias de permanência no campo,
sendo: seis escolhidos aleatoriamente, de janeiro a março de 2014; dois escolhidos depois da
observação não participante de três audiências de julgamento (só estavam disponíveis dois
processos dos três observados, o outro estava no Ministério Público); um de 2011; e um de
2013. Sobre a observação não participante, inicialmente havia sido prevista a realização de
somente uma ocorrência. Em decorrência das possibilidades e da permissão do juiz, foram
efetuadas três observações no sexto dia de trabalho de campo – todas na mesma data. Os
3 De 2005 a 2013, foram computadas 3,6 milhões atendimentos com variadas solicitações, conforme balanço
anual do Disque 180, o qual passou a atuar, desde março de 2014, como disque-denúncia.
11
apontamentos no roteiro de observação foram registrados da seguinte forma: ambiente e
estrutura física, comportamento dos e das participantes (vítima, agressor, magistrado e equipe
de apoio), posicionamentos dos profissionais de justiça sobre a Lei Maria da Penha, entre
outros que viessem aparecer.
1 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E REGIME PATRIARCAL: a dominaçã o masculina
Para a teórica feminista Joan Scott (1989, p.21), gênero é “elemento constitutivo de
relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma
primeira de significar as relações de poder”. Se o gênero é inerente às relações de poder entre
mulheres e homens, estabelecendo formas de dominação e de controle, é imperativo saber
como se desenvolve o uso da força nas relações de gênero.
Segundo Heleieth Saffioti (2002, p.115), a “violência de gênero é um conceito mais
amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças, adolescentes de ambos os sexos”. A
autora traz a compreensão de que, não se trata só de uma dominação masculina, mas também
da exploração que as mulheres sofrem diante de uma cultura patriarcal. Desse modo, os
estudos feministas teorizaram sobre o conceito de gênero e a ideologia do patriarcado para
compreender a realidade das mulheres, dos homens e da sociedade.
O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, “neutralizando” a exploração-dominação masculina. Neste sentido, e contrariamente ao que afirma a maioria das(os) teóricas(os), o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana (SAFFIOTI, 2009, p.35).
Numa relação de dominador e dominada, é nítida a articulação dos homens. Primeiro,
para se perpetuarem no poder, e segundo, colocando a mulher numa ordem social inferior,
seja em papéis submissos de exploração, como, por exemplo, prestadora de serviços sexuais,
domésticos, entre outros. Saffioti (2009) traz o questionamento: “E o corpo? Não desempenha
ele nenhuma função? O ser humano deve ser visto como uma totalidade, na medida em que é
uno e indivisível” (IDEM, IBIDEM, p, 16). Para a autora, é no corpo que surge essa violência,
seja física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial e ainda diz que ao atingir o corpo, fere a
alma da mulher, destruindo sua própria identidade, se manifestando fisiologicamente, com
12
sintomas inexplicáveis aos homens, como desmaios, estresses ou algo que a leve ao
tratamento com calmantes e terapias com psicólogo, entre outros sem diagnósticos.
Segundo Tavares e Pereira (2007), a violência de gênero é uma manifestação de
relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, em que a subordinação
não implica na ausência absoluta de poder. O patriarcado também é discriminador, pois
quanto mais frágil seja seu objeto de dominação (mulher, pobre e negra), mais é explorado,
mais é opressor, sem nos esquecer de que essa discriminação é uma relação de violência, pois
não existe poder sem violência. E essa relação foi historicamente construída e aceita pela
sociedade, pois a mulher oprimida é atingida em sua identidade, sua essência, sua existência.
Considera‐se, assim, violência tudo aquilo que fere, destrói, agride ou machuca as
pessoas - ações que não preservam a vida e/ou prejudicam o bem-estar tanto individual,
quanto social. A origem da palavra violência vem do Latim violentia, que significa
veemência, impetuosidade. Contudo, a etimologia está relacionada à violação (violare), por
isso, toda forma de violência é uma violação dos direitos humanos seja nos seus direitos civis,
sociais, econômicos, culturais e políticos.
No Direito, podemos verificar violência como constrangimento físico ou moral
exercido sobre alguém, que também pode ser definida pela perspectiva de danos à pessoa e de
transgressão à norma social. Analisando o conceito citado, Faleiros (2003) aponta que “a
violência é relacional, ou seja, uma relação de agressão e vitimização. Sendo na relação entre
agressor e agredido que se visualiza e se mede o impacto prejudicial, por ação ou ameaça,
gerado pelo agressor ao agredido de forma física, moral ou psicológica” (IDEM, IBIDEM, p.
67).
E como seria a violência contra mulher? De acordo com Pereira e Pereira (2011, p.
28), “a violência contra a mulher geralmente se identifica com a violência doméstica”, mas
seu conceito possui vários seguimentos. Para Cavalcanti (2006), a violência contra a mulher
constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder
historicamente desiguais entre mulheres e homens; permeia todos os setores da sociedade,
independentemente de classe, raça, grupo étnico, renda, cultura, nível educacional, idade ou
religião e afeta negativamente suas próprias bases. Na IV Conferência Mundial da Mulher,
realizada pelas Nações Unidas, em Beijing, China, em 1995, o termo foi refinado. Pereira e
Pereira (2011) consideram ser a mais completa expressão de violência contra mulher, definida
como “qualquer ato de violência que tem por base o gênero e que resulta ou pode resultar em
dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, inclusive ameaças, a coerção ou
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a privação arbitrária da liberdade, quer se produzam na vida pública ou privada” (ONU,
1995).
Percebemos que a violência contra mulher, por seus diversos conceitos, é aquela
violência oferecida pelo simples fato de a mulher ser mulher. Dada a análise de Pereira e
Pereira (2011) e presente no artigo 1º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1995), o conceito abrange as agressões de ordem
física, sexual e psicológica, nos relacionamentos íntimos ou familiares, pessoas da
comunidade em geral, e aquelas exercidas e toleradas pelo Estado e nas definições dos
diferentes conceitos de violência contra mulher e violência doméstica.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher4, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, estabelece no artigo 2º, que a
violência contra a mulher abrange agressões de ordem física, sexual e psicológica:
a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (OEA, 1994).
Desse modo, a violência contra mulher deve ser entendida em seu sentido mais amplo,
complexo e sério devido à proporção com que atinge as vítimas e a obscuridade em volta do
tema. Ela causa graves consequências em relação a todos seus direitos, seja políticos, sociais,
econômicos, patrimoniais, direito a saúde e integridade física, enfim, ao direito à vida.
2 LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/06)
No dia 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, a Lei 11.340/06 – a Lei Maria da Penha, que recebeu esse nome em
homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, cearense. Ela foi vítima de
violência doméstica por parte do então marido, o professor universitário de economia, Marco
Antonio Herredia Viveros, o qual tentou matá-la por duas vezes. Na primeira tentativa, em
4 Foi promulgada pelo decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, pela Presidência da República do Brasil.
14
1983, o marido disparou contra Maria da Penha enquanto ela ainda dormia, deixando-a
paraplégica. Na segunda tentativa, o marido a empurrou da cadeira de rodas e tentou
eletrocutá-la embaixo do chuveiro.
Transcorridos 15 anos das tentativas de assassinatos (LIMA, 2009), Maria da Penha
enviou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), com o apoio do
CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher),
enquanto no Brasil, o réu poderia recorrer da decisão de culpado. Pela primeira vez, um
tribunal internacional acatava a denúncia de um crime de violência doméstica, no Brasil,
validando o argumento da peticionaria baseado na Declaração Americana dos Direitos do
Homem e na Convenção de Belém do Pará. Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado
pela OEA por negligenciar, omitir e tolerar a violência contra as mulheres. O ex-marido de
Maria da Penha foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu apenas dois anos de prisão.
Hoje, Maria da Penha atua em movimentos sociais contra a violência e a impunidade. É
diretora-executiva do Instituto Maria da Penha e coordenadora de Estudos, Pesquisas e
Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no
Ceará, e escreveu o livro “Sobrevivi, posso contar”, uma autobiografia (LIMA, 2009).
Tornou-se um símbolo de luta contra a violência doméstica contra a mulher.
O caso de Maria da Penha Maia Fernandes se soma ao empenho dos movimentos
feministas por cerca de três décadas, em prol da igualdade de gênero, tendo atuação junto aos
espaços públicos.
[...] a Lei Maria da Penha, em 2006, é um caso exemplar de exercício de uma cidadania ativa expressa no discurso e na atuação das feministas no espaço público. Sintetiza, também, a longa interlocução das feministas com os poderes legislativo e executivo e aponta para a necessidade de investimentos contínuos no diálogo com o poder judiciário e as demais instituições da justiça (BARSTERD, 2011, p15).
Com intenso debate entre operadores e operadoras de justiça e dos movimentos
feministas e de mulheres, a Lei Maria da Penha foi aprovada pelo Congresso por
unanimidade. Substituiu a Lei nº 9.099/95 por sua insuficiência de coibir a violência
doméstica e não atender as questões complexas que envolve a violência contra da mulher
(LIMA, 2009), devido a cobrança de pagamento de cestas básicas como punição aos autores
de violência de gênero. A lei anterior tinha como objetivo desafogar o Judiciário do volume
de processos de menor potencial ofensivo, no que se referiam à proteção da mulher. As
medidas adotadas serviam apenas como efeito pedagógico e não de punição.
15
2.1 DISPOSITIVOS: PREVENÇÃO E ASSISTÊNCA
A Lei Maria da Penha dispõe a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2012). Depois de feita a denúncia, esta
não pode ser retirada, o que colabora para a investigação e punição adequada aos agressores,
garantindo proteção às mulheres, além de encorajá-las a denunciar seus agressores aos órgãos
competentes. São cinco formas de violência contra mulher prevista na Lei Maria da Penha:
física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, tendo por entendimento como as principais
violências cometidas contra as mulheres (BRASIL, 2012).
Em notícias recentes, tais como a primeira vez em que a Lei Maria da Penha é
aplicada na área cível5, de 12.02.2014, a Lei, apesar de não ter sua aplicabilidade ainda
garantida e efetiva, obteve um grande avanço no que tange à decisão do STJ (Superior
Tribunal de Justiça), que admitiu a aplicação de medidas protetivas em ação cível, sem a
necessidade de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor. A vice-
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias, avalia que a
decisão do STJ “representa uma inovação e um avanço na aplicação da Lei Maria da Penha,
que é uma lei híbrida. Portanto, as medidas protetivas previstas na lei não devem ser
requeridas exclusivamente à autoridade policial”, dando grande repercussão no âmbito
nacional. A partir de então a autoridade judicial passa também ter a atribuição de solicitação e
autorização, entre outros órgãos, ampliando os elos de responsabilidade da rede especializada.
No Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres está prevista a
[...] rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência (BRASIL, 2011, p.13).
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil -
CPMIVCM 20136, ressaltando que os dados a seguir divergiram das informações dadas pelo
5 Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014. 6 Foi criada pelo requerimento nº 4 de 2012 – CN (do Congresso Nacional), em março de 2012, para investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência (SENADO FEDERAL, 2013). Encerrou os trabalhos em agosto de 2013.
16
TCU (Tribunal de Contas da União) e pela SPM, constatou, em 2013, os seguintes serviços
especializados de atendimentos às mulheres: 408 delegacias da mulher, 103 núcleos
especializados em Delegacias Comuns, 202 Centros de Referência de Atendimento à Mulher,
71 Casas abrigo, 66 Juizados Especializados de Violência Doméstica, 27 Varas Adaptadas, 64
Promotorias Especializadas da Mulher, 36 Defensorias Especializadas ou Núcleos da Mulher.
Tendo em vista que o Brasil possui 5.570 municípios, os serviços que possuímos hoje,
corresponderiam apenas a 1,72% dos municípios. Ademais do baixo percentual, são
constatados: falta de investimento de recursos, seja estaduais e municipais; concentração da
política em capitais e cidades metropolitanas; baixa qualidade do atendimento e à estrutura
dos equipamentos; falta da articulação em rede, entre outros, que chegariam à conclusão da
inexistência e ineficácia destes serviços.
Dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC (IBGE, 2013), apontam
que apenas 397 municípios brasileiros – note-se a divergência apurada pela CPMI - possuem
delegacias especializadas de atendimento à mulher, correspondendo cerca de 7% do total de
municípios do país. Como conseguiremos a eficácia a Lei Maria da Penha, se mais de 90% dos
municípios ao possuem serviço policial especializado? Ganha relevância a segurança pública
por ser porta-de-entrada das vítimas para a rede de serviços públicos, além da competência de
detenção de criminosos e investigação dos crimes. Enquanto isso, prevalece a certeza dos
agressores da impunidade da lei, fazendo com que não cause quase ou nenhum efeito de
coibição e prevenção sobre eles.
2.2 MEDIDAS PROTETIVAS
A Lei Maria da Penha criou medidas protetivas de urgência às mulheres. A maioria
delas sai de seus lares, deixando seus filhos ou os levando consigo, desprendendo-se de seus
pertences materiais por temer a própria segurança. Ao denunciarem seus agressores nos
órgãos públicos, eles podem ser presos logo após a agressão da mulher e se soltos passam por
restrições, entre elas de se aproximar da vítima e seus familiares (BRASIL, 2012). No artigo
22 da Lei Maria da Penha, ao ser constatada a prática de violência doméstica e familiar contra
a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
17
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios (BRASIL, 2012, p.28-29).
Essas medidas podem também sofrer outras aplicações previstas em Lei, assegurando
a segurança da mulher vitimizada, devendo comunicar ao Ministério Público. Para garantir a
efetividade das medidas protetivas de urgência, o juiz poderá requisitar, a qualquer momento,
auxílio da força policial (§ 1º e 3º, art.22. 11.340/06). Estima-se que, desde a criação da Lei
em 2006 até 2011, foram expedidas 281.302 medidas protetivas, por projeção da SPM-PR7
apontou, em dezembro de 2012, que esse número ultrapasse 350 mil.
Das medidas protetivas de urgência à mulher vitimizada, conforme artigo 23 da Lei
Maria da Penha, o juiz poderá, quando necessário:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos (BRASIL, 2012, p.30).
No artigo 24, sobre a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles
de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar as seguintes medidas:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida (BRASIL, 2012, p.30-31).
7Projeção realizada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), uma vez que não se tem dados atualizados do Judiciário. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014.
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São assegurados abrigos seguro às mulheres em situação de risco de vida, onde elas
são atendidas e amparadas por programas assistenciais do governo e por uma equipe
integrada, composta por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e saúde.
(BRASIL, 2012).
Nas disposições finais da Lei Maria da Penha, no artigo 35, a União, o Distrito
Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, para mulheres e respectivos
dependentes em situação de violência doméstica e familiar, serviços públicos e no Distrito
Federal, existem: i) casa abrigo, que é um espaço de garantia de defesa e proteção de
mulheres e adolescentes vítimas de violência doméstica e sexual, que correm risco de morte;
ii) Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), que são espaços de acolhimento
e atenção psicológica, social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de
violência, ele proporciona o passo a passo necessário à superação da situação de violência
ocorrida e contribuem para o fortalecimento da mulher no momento de sua maior fragilidade
e iii) os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica
(NAFAVDs), eles atendem as famílias das mulheres que passam pela Casa Abrigo durante e
após a situação de abrigamento. Também recebem encaminhamentos dos Juizados Especiais
Criminais referentes a processos de violências domésticas contra as mulheres.
No Brasil, apesar de não ter dados quantitativos específicos para os processos de
violência doméstica, a SPM-PR8, estima-se que, através de dados do CNJ de 2011, que em
2012 serão cerca de 860 mil procedimentos judiciais realizados desde 2006, destes, quase 200
mil inquéritos foram registrados e mais de 99 mil ações penais instauradas, além das medidas
protetivas. O fato é que, mesmo com esse aumento quantitativo de inquéritos, ações, medidas
protetivas, e outros, não houve diminuição de mortes de mulheres no Brasil nem da violência
de doméstica e familiar.
A iniciação da denúncia de violência doméstica contra mulher começa na delegacia,
então assim, se faz necessário que essa seja especializada para atender essas mulheres, pois
caso contrário, elas sofrerão duplamente a violência ao ser atendida por um policial
despreparado. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) compõem a
estrutura da Polícia Civil, que realizam ações de prevenção, apuração, investigação e
enquadramento legal, assim como o registro de Boletim de Ocorrência (BO), a instauração do
8 Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/stj-admite-pela-primeira-vez-aplicacao-da-lei-maria-
da-penha-em-acao-civel-jornal-do-brasil-12022014/>. Acesso em: 20 mar. 2014.
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inquérito e a solicitação à juíza e ao juiz das medidas protetivas de urgência nos casos de
violência doméstica contra as mulheres (SPM).
Crimes contra a mulher, segundo o Código Penal Brasileiro9, são: lesões corporais:
ofensa contra a integridade corporal ou a saúde de outrem; ameaça: ameaçar alguém por
palavras, escrito, gestos ou qualquer outro meio simbólico de causar-lhe mal injusto e grave,
estupro: quando a mulher é forçada, obrigada a manter relação sexual completa ou
incompleta, independente de ejaculação masculina; sedução: ato de conduzir, levar,
conquistar a confiança com vista a ofensa à integridade de menores; rapto violento ou
mediante fraude: ato de retirar a vítima de sua área de locomoção e proteção; rapto
consensual: ato de retirar a vítima de sua área de locomoção e proteção com consentimento
livre e consciente da vítima, maior de 14 e menor de 21 anos.
No que se diz a respeito de medidas protetivas, a mulher ao requerê-la, caberá ao juiz
ou à juíza apreciá-la em 48 horas, e somente após determinação judicial ela terá efeito. Assim,
caso o ofensor descumpra essas medidas, terá praticado crime de desobediência, previsto no
art. 330 do Código Penal, conforme instrução da Cartilha Lei Maria da Penha e Direitos da
Mulher10 e também poderá ser preso, como forma de prevenção, de acordo Código de
Processo Penal e medida protetiva de urgência, prevista na Lei 11.340/06.
Considerando o objeto desta pesquisa, a autora fez consulta na internet sobre
medidas protetivas pelo Brasil, destacando algumas iniciativas em favor da efetividade. Em
Vitória (ES), o botão do pânico foi iniciado, em 2013, como projeto piloto iniciado em 2013,
pelo Tribunal de Justiça em parceria com a prefeitura de Vitória. O botão capta a conversa
num raio de até cinco metros, que poderá ser utilizada como prova judicial e também envia
informações para a Central Integrada de Operações e Monitoramento (CIOM), com a
localização exata da vítima, enviando um carro da Patrulha Maria da Penha ao local. Em Belo
Horizonte (MG), no ao de 2013, o Programa Monitoração Eletrônica de Agressores criou
tornozeleiras a serem acopladas nos agressores. Os dispositivos emitem avisos caso os
agressores descumpram as medidas protetivas de se manterem afastados das vítimas. O
equipamento emite alerta sobre a aproximação do agressor, até mesmo por mensagem de
texto para o celular delas. Em Porto Alegre (RS), desde outubro de 2012, a Patrulha Maria da
9 Decreto-Lei nº 2.848 de 07.12.1940, alterado pela Lei nº 9.777 em 26/12/98. disponível em:
http://www.oas.org/juridico/mla/pt/bra/pt_bra-int-text-cp.pdf. Acesso em: 15/09/2013. 10 Elaborada para tirar dúvidas das mulheres sobre a Lei Maria da Penha. Cartilha Lei Maria da Penha e Direitos da Mulher, MPF E PFDC, 2011. Disponível em: http://www.prrr.mpf.mp.br/arquivos/pgr_cartilha-maria-da-penha_miolo.pdf. Acesso em: 15/09/2013
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Penha reúne equipes de até quatro policiais militares (sendo dois homens e duas mulheres). São feitas
rondas em diversos bairros da capital gaúcha. São visitadas as vítimas de violência doméstica, que
estão sob medidas protetivas, para prestar-lhe apoio e monitoramento.
3 DA ROTINA/FUNCIONAMENTO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOM ÉSTICA
E FAMILIAR CONTRA A MULHER DO NÚCLEO BANDEIRANTE
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, criado em outubro de
2011, está localizado no Fórum do Núcleo Bandeirante, na Avenida do Contorno, Área
Especial 13, próximo à 11ª Delegacia. Lá, são atendidas as regiões de Brasília, Núcleo
Bandeirante e Guará, que neste ano, de janeiro a abril, receberam em torno de 40 processos
instaurados mensais (conforme informações do juizado). Em reunião de apresentação da
pesquisa ao juiz, este fez breve histórico sobre o funcionamento do órgão. Em relação à rotina
de trabalho, segundo o magistrado, o trabalho é organizado para que as medidas protetivas de
urgência sejam deferidas no mesmo dia em que chegam, mesmo tendo o prazo de 48 horas
para concessão. Isso foi observado positivamente por meio dos oito processos destacados para
esta pesquisa. Apenas uma não transcorreu no prazo previsto na Lei Maria da Penha.
Na observação não participante ocorrida no cartório do juizado, a pesquisadora
verificou que, tão logo chegava um pedido de medida protetiva da delegacia, rapidamente o
juiz era informado via telefone ou mensagem de texto para celular. Ao ser deferida, já era
feita a expedição do mandado de intimação para o oficial de justiça localizado no mesmo
prédio. O desenrolar dos processos estava em ordem cronológica, permitindo boa
compreensão dos casos e dos procedimentos que envolvem um processo judicial de violência
doméstica como: envio/recebimento de intimação, envio/recebimento ao Ministério Público,
envio/recebimento ao CJM (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher
e Situação de Violência Doméstica e Familiar, à equipe do SERAV (Serviço de
Assessoramento aos Juízos Criminais), encaminhamentos ao CAPSI-ad (Centro de Atenção
Psicossocial – Álcool e Drogas), AA (Alcoólicos Anônimos), CRAM (Centro de Referência
de Atendimento à Mulher) e centros de saúde, dependendo das situações dos envolvidos.
No rol de entrada do Fórum Desembargador Hugo Auler, as instalações físicas e a
equipe de profissionais são adequadas. Há agente de segurança judiciária, recepcionistas
treinadas para facilitar os encaminhamentos de usuários e usuárias. No andar do juizado, há
cadeiras confortáveis, sala de audiência, um posto com um agente da polícia armado;
21
secretaria; sala de audiência; gabinete do magistrado titular e substituto/auxiliar; sala da
Defensoria Pública da ofendida; sala da Defensoria Pública do agressor; sala da equipe de
atendimento multidisciplinar; sala da equipe de apoio à execução penal e cartório. Esta
estrutura é prevista de acordo com o exigido pelo Manual de Rotinas e Estruturação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CNJ/2010. Todavia, no juizado
do Núcleo Bandeirante, existe um diferencial: na sala de audiência, a bancada do juiz é
nivelada à mesa das partes. O juiz conta que, por iniciativa própria, solicitou essa mudança,
pois assim poderia deixar ofendida e agressor sem a intimidação de estrutura imponente. De
acordo com o magistrado, o objeto facilita a aquisição de confiança, contando mais detalhes,
ora antes não relatados no inquérito policial.
Do período de dez dias em que efetuei o trabalho de campo, saliento algumas
situações. Ofendida que ligou para o cartório pedindo ajuda para fazer uma ecografia, pois ela
estava grávida. Esta foi auxiliada pela vice-diretora do juizado, a qual identificou a
localização da vítima e se dispôs a ajudá-la. Profissionais da equipe multidisciplinar11
realizaram telefonemas para as ofendidas, indagando-as sobre integridade e tranquilidade,
bem, se haviam sofrido algum tipo de agressão, ou seja, monitoramento e acompanhamento
de vítimas com medidas protetivas de urgência concedidas, vale mencionar que essa Equipe
Multidisciplinar anteriormente era fornada por servidores do juizado, mas que, desde
setembro de 2012, o atendimento é realizado pela equipe do CJM, que funciona naquele
Fórum. Outro ponto positivo é que o juiz, além de atuar no juizado, participa de diversas
reuniões, palestras, seminários, eventos, para melhorias em relação ao enfrentamento à
violência doméstica contra mulher. No momento de realização da investigação, o magistrado
estava às voltas para firmar parceria com a Polícia Militar para fortalecer a rede para o
atendimento às mulheres em situação de violência. Outro episódio ocorreu num dia de
audiência, em que uma servidora do cartório foi até a ofendida buscá-la para participar da
sessão.
11 De acordo com o artigo 30 da Lei 11.340/06, compete à equipe de atendimento multidisciplinar fornecer, mediante laudo escrito ou verbalmente em audiência, informações que sirvam de subsídios às decisões do Juiz, e às manifestações do Ministério Público e da Defensoria Pública. Essa equipe é composta por profissionais especializados nas áreas de psicologia, serviço social, jurídica e de saúde, com o escopo prestar atendimento integral e humanizado à vítima de violência doméstica, bem como a todas as figuras familiares inseridas naquele cenário. Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CNJ/2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/manual_de_rotinas_e_estruturacao.pdf. Acesso em 15 mai. 2014.
22
Em relação ao requerimento de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da
Penha, os oito processos analisados demandaram: cinco de afastamento do lar, domicílio ou
local de convivência com a ofendida; oito de proibição de determinadas condutas, entre as
quais: aproximação da ofendida, contato com a ofendida, frequentação de determinados
lugares; uma restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; e duas prestações de
alimentos provisionais ou provisórios. Nos oito casos, as violências foram sobrepostas (mais
de um tipo) e classificadas como: seis físicas (chutes, socos, murros, empurrões, cotoveladas);
cinco de ordem psicológica (ameaça, constrangimento, humilhação, insultos) e seis de cunho
moral, expressas pelos seguintes xingamentos: “vagabunda”, “piranha”, “safada”, “nega
fedida”, entre outros do mesmo nível. Vale lembrar que mesmo não sendo evidenciado nas
ocorrências, em todos os casos havia posterior relato das mulheres (através dos atendimentos
psicossociais), que sofriam xingamentos, humilhações entre outras violências relacionadas à
sua moral e às psicológicas.
Nos oito processos judiciais, as vítimas de violência doméstica tinham a seguinte o
seguinte perfil: cinco delas com idade entre 18 a 29 e três, entre 31 a 44 anos. Cinco foram
agredidas por seus parceiros e três por ex-parceiros. Seis delas possuíam emprego, uma não
identificada e uma estudante. Quatro tinham filhos e/ou filhas com o agressor, três não
possuíam e uma estava grávida do agressor. O tempo do relacionamento foi assim registrado:
em dois casos, a relação tinha de 0 a 1 ano; em quatro, de 2 a 4 anos; uma, de 5 a 9 anos; e
uma, acima de 10 anos.
Sempre que é deferida uma medida protetiva de urgência também é definida uma
data para o atendimento da Equipe Multidisciplinar (E.M.), prevista no capítulo V, da Lei
Maria da Penha, que:
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições (...) fornecer subsídios por escrito ao juiz (...), mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares [...] (BRASIL, 2012, p. 32).
Após o atendimento do agressor e da ofendida pela Equipe Multidisciplinar, é feito
um relatório desse atendimento, que servirá de subsídio para a nova decisão do juiz sobre as
medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. O magistrado analisa o grau do risco
de novas violências domésticas, concluído pela Equipe Multidisciplinar, e mantém ou não as
23
medidas já existentes e também verifica novos procedimentos, acrescentando ou não outras
medidas protetivas, seja para o agressor, seja para ofendida.
3.1 CASOS ESTUDADOS: O DESENROLAR DE OITO PROCESSOS JUDICIAIS DE
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Na percepção dos atendimentos feitos pela E.M. e o desenrolar das medidas
protetivas (estas duram por seis meses, caso não haja pedido de prorrogação), no primeiro
caso estudado nesta pesquisa, a mulher foi agredida fisicamente, além de ser alvo de
xingamentos (violência moral). O agressor negou as violências e alegou que os xingamentos
eram mútuos. No decorrer da primeira decisão do juiz sobre a medida protetiva de urgência,
até segunda decisão, feito após o atendimento da E.M. (geralmente acontece logo na primeira
semana da data da ocorrência), a mulher pediu para arquivar a medida, argumentando
reconciliação com o ex-parceiro. No atendimento, foi concluído o risco alto de novas
agressões devido à banalização da violência, separação recente e histórico de violência no
relacionamento. Ambos foram encaminhados ao SERAV, mas não compareceram.
No caso 2, a medida foi indeferida, mas mesmo assim houve encaminhamento para a
E.M. e ao SERAV. Na segunda decisão do juiz, depois da conclusão da E.M., manteve-se o
indeferimento de autorização de medida protetiva. O ofensor relatou à equipe que não iria
procurar novamente a vítima. No terceiro processo, foi feito o atendimento pela E.M., a qual
constatou histórico de violência no relacionamento e banalização. O homem foi preso em
flagrante e já havia sido preso pela mesma agressão anteriormente. O juiz fez nova
autorização das medidas, mantendo as outorgadas e inserindo novas: separação de corpos e
restrição de visitas aos menores dependentes. Destaca-se que as questões cíveis são
previamente definidas, através de acordo, no atendimento da E.M. Posteriormente, a vítima é
encaminhada ao Núcleo de Atendimento Jurídico (NAJ-UNICEUB), localizado no mesmo
prédio do juizado. Assim são os procedimentos enquanto o processo aguarda julgamento.
No caso 4, os envolvidos não compareceram ao atendimento da E.M. a despeito de
intimação. Pela observação de processos anteriores, percebi que o juizado continuará
enviando mandado para que haja a participação de ambos no atendimento da E.M., a fim de
ter elementos para decisão. Para a autorização da medida protetiva no caso 5, foi destacado o
histórico de violência durante o relacionamento, a naturalização da violência e a influência
dela no envolvimento de filhos e/ou filhas. Diante dessa situação, foi estabelecido acordo
24
entre as partes para a definição de visitas através do atendimento pela E.M. O agressor era ex-
marido da vítima, cuja separação tinha mais de quatro anos. A agressão ocorreu dentro da
casa da família da vítima.
Os casos 6 e 7 foram escolhidos pela observação não participante de audiências. O
mais grave foi o processo 6, pois a mulher estava no terceiro mês de gestação de gêmeos. Foi
espancada pelo companheiro, o qual sabia da gravidez. Agrediu-a com murros, chutes e socos
por todo o corpo, ocasionando-lhe fratura em uma das pernas. O agressor foi preso em
flagrante. Este processo é de 2013, o casal vivia junto por volta de dez meses. A mulher ficou
afastada do trabalho até o nascimento de seus filhos, ficando boa parte do tempo com
dificuldades de locomoção até a recuperação da fratura da perna. Durante o período em que o
processo aguardava inquérito policial, o atendimento à ofendida foi todo feito em sua casa,
recebendo visitas da E. M., das servidoras do cartório. O grupo acompanhou a ofendida em
cada nova situação que apareceu, a exemplo de novas agressões: física, moral ou psicológica.
O trabalho consistiu em encaminhamentos a partir da denúncia de novos fatos.
No caso 7, o diferencial foi que, além de ser um processo por agressão física,
xingamentos e ameaça de morte, o agressor também representou criminalmente contra a
mulher, por lesão corporal com laudo do IML (Instituto Médico Legal). Depois de quase seis
meses, ambos envolvidos, homem e mulher, pediram para não prosseguirem com o processo e
mencionaram que reataram o relacionamento, não sendo necessária a continuação das
medidas protetivas. No processo julgado, prevaleceu a determinação do juiz de que o
agressor não poderia se ausentar do DF por mais de 30 dias sem autorização prévia. Ademais,
deveria comparecer trimestralmente ao juízo, informando suas atividades por um período de
dois anos e que participasse dos grupos de atendimento junto ao SERAV. O casal manteve o
relacionamento e relatou ao juiz que não houve novos episódios de violência, seja parte do
homem e seja por parte da mulher.
No último caso, o de número 8, foi percebido que, além da agressão física (chutes na
perna, tapas no rosto e puxadas de cabelos) e da ameaça de morte, houve também a violência
moral por meio de xingamentos. Estes foram proferidos não só pelo fato de ela ser mulher,
mas também pela cor da pele. Foi xingada de negra fedida. A medida foi deferida após a
ocorrência na delegacia. O atendimento da E.M. foi marcado na mesma semana, a qual
classificou o caso como de alto risco de reincidência da violência. Tratava-se de reincidência
processual, com banalização e negação da violência. A mulher era dependente afetiva e
socioeconômicamente. Havia ocorrido separação recente devido à agressão, cometida na
25
presença de crianças. Além disso, havia elementos de crenças e estereótipos de gênero,
histórico de violência e notícia de uso excessivo de álcool do agressor. Na nova decisão, o
juiz determinou o afastamento do lar e proibição de contato e aproximação mínima. Contudo,
os termos foram readequados, pelo defensor público, por conta do trabalho do agressor,
ficando assim: afastamento de 10 metros no horário de trabalho e fora desse horário, a
distância é de 500 metros.
Dois dias depois que foi entregue a intimação da nova decisão, o agressor voltou a
agredi-la com a mesma violência anterior. Entretanto, as ameaças se tornaram mais
contundentes: de posse de um facão, o agressor disse que mataria a ofendida e a jogaria no
poço existente na chácara onde moram. A mulher não requereu medidas nesta denúncia, por
achar que entraria em acordo com o agressor. A despeito disso, a medida possui validade. A
vítima foi encaminhada ao IML e, no caso de incidência penal de vias de fato, o caso tornar-
se-á uma ação penal pública incondicionada, onde o Ministério Público deverá iniciar
mediante denúncia ao Judiciário. Este processo é do início deste ano e está aguardando
inquérito policial e também laudo do IML e do SERAV. O agressor não compareceu ao
atendimento do SERAV por estar fora do DF a trabalho por dois meses.
3.2 DA OBSERVARÇÃO DE AUDIÊNCIAS DE JULGAMENTOS DE MULHERES
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
No trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher do Núcleo Bandeirante, no período de dez dias, em um deles pude acompanhar três
audiências sobre: 1) agressão física, de 2011; 2) grávida espancada, prisão em flagrante, de
2013; 3) agressão física e ameaça de morte, de 2011.
Durante todo o tempo de observação, a audiência transcorreu sem animosidade entre
as partes envolvidas - réu ou vítima. Quanto aos profissionais de justiça, juiz, promotor e
defensor, houve, em alguns momentos, discordância em permitir uma testemunha do caso 3,
que tinha sido acionada pelas duas partes.
Todas as audiências foram compostas por: juiz, secretaria de audiência, promotor
público, defensor público, réu, vítima, advogada da vítima e testemunhas (apenas o caso 2 a
mulher vítima não participou). A organização para o início das audiências foi pontual somente
no primeiro caso. Nos demais, os réus atrasaram.
26
Em todos os julgamentos a ocorrência foi efetuada por, principalmente, violência
física, sendo elas: no caso 1, a vítima levou uma cotovelada no nariz. Fora levada ao hospital,
onde o agente policial registrou a ocorrência de crime de lesão corporal cometido pelo
parceiro. No caso 2, houve prisão em flagrante por espacamento da mulher que estava grávida
de três meses, na época, ocasionado-lhe fratura na perna. No caso 3, ambos eram réus e
vítimas, pois a mulher que denunciou o companheiro por agressão física e ameaça de morte,
também foi denunciada pelo seu companheiro por lesão corporal.
Dos três julgamentos, a mulher do caso 1 foi a que mais mostrou-se hostil ao ex-
parceiro. Na época da agressão, ela não quis representar criminalmente contra o parceiro pelo
relacionamento que tinham na ocasião. No momento da audiência, em maio de 2014, ela
queria ser ressarcida do prejuízo que teve. Alegou deformação do nariz e solicitava cirurgia
reparadora. O pleito de baseada na má aparência, a qual impossibilitava lograr emprego na
área de vendas. No caso 2, não houve ofendida, pois já havia sido ouvida em outra audiência.
No caso 3, a ofendida é esposa do agressor, mostrando um clima de cumplicidade e certa
harmonia, estando presente o filho de colo do casal.
Já os agressores, todos tiveram um comportamento parecido. Eles apenas observavam
os encaminhamentos. No caso 1, o réu só falava depois que o juiz já havia ouvido a vítima, as
testemunhas e visto outras provas para compor o processo. Era perceptível a orientação do
defensor em trazer o processo para a legítima defesa. Negou as discussões, argumentando
revide de agressão já cometida pela mulher, ou seja, legítima defesa. Meu entendimento
apontou para a banalização da violência.
Nas três audiências em que fiz a observação não participante, notei que o juiz as
comanda de forma tranquila. Além de ouvir as perguntas do promotor e do defensor, ele
também questiona e instiga testemunhas, vítimas e réus, a fim de obter mais detalhes sobre o
caso. Ou seja, não limita-se aos fatos e provas concretas, elementos-base para a sentença. No
caso 2, o juiz, ao final da audiência, perguntou ao réu se ele está mantendo contato com a
vítima. Comentou ter tido notícias de fotos dos dois em redes sociais. No caso 3, o juiz
conversou com o agressor, que continuava casado com a ofendida, dando-lhe conselhos como,
“quando estiver nervoso, tente se acalmar, mas não use da violência. O importante é buscar
uma ajuda para construírem uma relação mais sólida, sem conflitos”, disse o magistrado na
tentativa de fomentar novos valores para o relacionamento e a convivência entre as partes.
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3.3 DAS ENTREVISTAS COM MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA,
MAGISTRADO E ASSISTENTE SOCIAL
A entrevista trouxe a percepção real da mulher sobre as medidas protetivas, seja na
sua aplicação, seja no objetivo que é proteger a mulher vítima de violência doméstica.
Quando perguntei à vítima sobre o atendimento recebido, desde a delegacia até o juizado, ela
respondeu-me que no geral, foi bom, pois haviam lhe informado sobre quais eram as medidas
que poderia requerer, lhe ofereceram a Casa-Abrigo e acompanharam-na até um lugar seguro,
escolhido por ela. E sobre a concessão da medida protetiva, ela afirma que “logo foi
concedida, mas eu também logo pedi pra arquivar. Vou confessar que gosto muito dele e eu
acabei ligando pra ele depois da denúncia, mas eu sei que tenho que me afastar, pois ele me
prejudica...”. Nesse relato, é visível a dependência afetiva da mulher, que volta para o
agressor, mesmo estando sob medida protetiva, e assim o agressor volta a agredi-la.
Seu acesso ao juizado, pós-denúncia, foi direto, tendo acesso à equipe
multidisciplinar, aos servidores e servidoras do cartório e também ao juiz. Este, ao ouvi-la
sobre a denúncia de nova agressão, deferiu prontamente seu pedido de manter as medidas
protetivas inicialmente requeridas. A vítima lamentou não terem prendido o agressor em
flagrante. E desabafou: “estava com muito medo do agressor e a delegacia não podia prendê-
lo, só se fosse em flagrante, então me senti desprotegida”. Mas quando recebeu o deferimento
das medidas protetivas, disse ter se sentido mais aliviada, pois “se acontecer alguma coisa,
vou estar protegida, vou saber que tem uma pessoa pra me proteger”. E complementa: “acho
que as medidas podem ajudar muito a diminuir a violência contra as mulheres. Mas mesmo
assim eles não vão ficar perto de você 24 horas, eles não vão ao seu trabalho saber se tá tudo
bem, se “ele” chegar a me matar, só irão saber quando eu morrer”. Ao analisar essa entrevista
percebi que, o atendimento da autoridade policial cumpria o previsto na Lei Maria da Penha,
assim como do atendimento do juizado especializado no que diz respeito à mulher vítima de
violência doméstica
Na entrevista com o juiz titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher do Núcleo Bandeirante, verifiquei a importância da rapidez em deferir a medida
protetiva de urgência, a fim para interromper a violência no momento derradeiro, pois ela tem
esse poder. De acordo com juiz, esse processo é feito da seguinte forma:
Quando eu recebo um pedido de medida protetiva, eu analiso as declarações da ofendida e as informações que aquele boletim de ocorrência traz: nível de instrução, os contatos do telefone, pra viabilizar um contato do juizado com essa mulher ou
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não, então eu recebo o pedido. A primeira coisa que fazemos é o contato com essa mulher, confirmo aquelas informações ou alguma outra mudança que tenha ocorrido no quadro, do momento em que ela registrou ocorrência e fez o pedido, até o momento em que eu estou decidindo. Analiso esses aspectos e, depois, com base nessas novas informações que agregam, eu vejo o que ela está pedindo, vejo o histórico de violência que tem ali, qual ocorrência, como e o que aconteceu, se é crime e a partir daí eu defiro ou não as medidas protetivas.
E tudo isso é feito na hora em que chega, para ele “quando a mulher solicita, é
porque ela precisa. E a nossa experiência tem sido assim, de examinar a medida protetiva no
dia em que chega. E, na prática, quase sempre tem sido deferida todas as medidas que têm
sido requeridas”, diz o juiz.
Quando perguntado sobre a eficácia da medida protetiva de urgência, este foi
categórico em afirmar que ela tem muita eficácia pela intimidação do poder público. De
acordo com o magistrado, é nessa hora que o
[...] ofensor sente a mão do Estado no problema. Uma coisa é o homem estar agredindo aquela mulher dentro de casa, sem ninguém ver, sem ninguém falar nada. Outra coisa é um oficial de justiça bater na porta da sua casa e falar com ele: olha, você tem que sair de casa agora. Isso tem um valor pedagógico, agora ele sabe que tem alguém olhando, tem alguém que sabe que aquela mulher está sendo agredida.
E isso tem muito peso, é uma intervenção positiva na prevenção da violência contra
mulher. Corresponde ao efeito punitivo e da criminalização da violência sexista.
Com formação em Serviço Social, a assistente social do SERAV (Serviço se
Assessoramento aos Juízos Criminais), discorreu sobre a sua percepção acerca da aplicação
das medidas protetivas de urgência no DF.
[...] é uma medida muito importante, pois ela possui uma vinculação. Ela atua na área cível e vai atuar a mulher protegendo a mulher, pra que se previna que uma violência surja. O ideal é que as medidas protetivas fossem aplicadas sem que tivesse um crime, se a mulher tivesse sendo ameaçada, ela pudesse recorrer à medida protetiva. Mas o que agente percebe das medidas protetivas é que são medidas efetivas, que buscam garantir a segurança da mulher que, em geral, as mulheres sentem protegidas, quando estão com essa medida, e os homens temem essa medida.
Para a assistente social, as medidas protetivas de urgência correspondem a um dos
maiores avanços da Lei Maria da Penha. Sobre o conhecimento das mulheres vítimas de
violência doméstica sobre as medidas protetivas, a profissional respondeu que antes existia
uma confusão. Atualmente, são mais conhecidas tanto para o homem quanto para a mulher.
Pensando na divulgação, o SERAV e o CJM, estão elaborando uma cartilha para entregar ao
homem e à mulher no momento em que receberem a intimação de medida protetiva. Ela
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explica: “quando o juiz deferir a medida protetiva e o oficial de justiça levar a intimação, ele
entrega também essa cartilha. É uma cartilha explicativa, de linguagem bem simples, sobre o
é a medida protetiva, acrescentando mais ainda nesta compreensão do direito da mulher de
usufruir dessa medida”, explicou.
Os casos de assassinatos de mulheres que estavam sob a proteção da medida
protetiva são vistos, pela assistente social, como algo ocasional. Conforme a sua
interpretação, o agressor mataria a vítima de qualquer forma, com ou sem medida. Mas ela
também percebe a falta de conhecimento da vítima para fazer novas denúncias, pois elas
acham que, depois que está com a proteção da medida protetiva, não precisam fazer outras
denúncias.
Para a assistente social, a medida protetiva pode sim contribuir para coibir e prevenir
a violência contra a mulher e que elas, no geral, se sentem protegidas. Segundo ela, há “o
simbolismo que tem da justiça falando o que deve ser feito ou não, é muito pesado,
principalmente para o homem”. Mas ela relata que não será só no espaço da justiça que
conseguirá dar combater a violência doméstica contra a mulher e que
[...] ela é apenas um ator dentro deste cenário, e precisa sim, é de políticas públicas, não é o papel de a justiça empoderar, mas ele tem esse significado quando dá uma medida protetiva. A mulher precisa sim de uma assistência e é por isso que precisa de políticas públicas, senão fica o peso só pra justiça. Às vezes é uma falsa ideia, quando se trabalha com isso, de achar que só as medidas protetivas ou Lei Maria da Penha, vai coibir a violência doméstica.
Como preconizam os documentos internacionais e a própria Lei Maria da Penha, a
violência de gênero é complexa e exige respostas do poder público e da sociedade de forma
ampla, rigorosa e em favor dos direitos das mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres vítimas de violência doméstica obtiveram um ganho com a Lei Maria da
Penha e com as medidas protetivas de urgência, pois ela atua no âmbito jurídico na forma de
urgência. O juiz ou a juíza tem obrigação de decidir, em menos de 48 horas, sobre a
concessão de uma medida que protegerá aquela mulher, rompendo com a violência, seja ela
física, psicológica, patrimonial ou moral no momento em que ela está acontecendo.
A partir do trabalho de campo realizado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher do Núcleo Bandeirante, no período de dez dias, entre os meses de abril e
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maio de 2014, obtive mais elementos para pensar sobre como são as aplicações de medidas
protetivas e se realmente elas contribuem para coibir ou prevenir a violência doméstica contra
a mulher. Ao fazer a pesquisa documental de fonte primária, isto é a consulta dos processos
judiciais sigilosos no cartório do juizado, observei a rotina daquele órgão sem interferir no seu
funcionamento. Notei que existe uma dinâmica dos servidores e servidoras daquele juizado,
para cumprir uma meta, proposta pelo juiz titular, para conceder as medidas protetivas
requeridas pela mulher em situação de violência doméstica na mesma hora em que ela chega.
Na prática, a busca por esse objetivo alterava a forma de comunicação do grupo. Em
alguns momentos, percebi que a troca de informações consistia em telefonemas e envio de
mensagens de texto para telefone celular numa articulação que visava conseguir a decisão em
tempo hábil de ser expedido o mandado e, ainda, entregá-la ao oficial de justiça, para que este
então fizesse a entrega da decisão do juiz sobre a autorização da medida protetiva de urgência
ao agressor. O requerimento dessas medidas, na sua maioria, eram as relacionadas com a
proibição de contato e de aproximação da vítima, sendo isso percebido nos oito processos
analisados. O objetivo coletivo do juizado foi alcançado em sete dos oito processos por mim
analisados, ou seja, as medidas protetivas foram expedidas em menos de 48 horas desde o
registro da ocorrência na delegacia.
Outro destaque presente em todos os casos foi o empenho para a realização dos
atendimentos da Equipe Multidisciplinar, manifestou em tentativas insistentes de oficiais de
justiça, dos servidores e servidoras do cartório em busca de contato telefônico. Na observação
não participante, constatei que a demora da entrega da intimação, dos encaminhamentos dos
atendimentos, seja para Equipe Multidisciplinar, ou seja, pelo SERAV (que faz um trabalho
em Grupo), decorreu de informações prestadas erradas referente aos contatos de telefone e
endereços.
A estrutura do juizado, seja física ou humana, proporciona um bom atendimento às
mulheres, protegendo-lhes, caso necessário, do contato com o agressor, através de salas
próprias e articuladas. Há espaços de transitação coletiva e privativa, os quais possibilitam a
circulação restrita com a Equipe Multidisciplinar, as servidoras do cartório/juizado e também
com o juiz. Na prática, identifiquei esse cuidado com o ambiente físico na fala da vítima de
violência doméstica entrevistada para esta pesquisa. As condições dos processos, no que foi
permitido observar, estavam sempre em boas condições de armazenamento, onde havia uma
separação, através de cores, pela gravidade dos casos. Estavam dispostos, em ordem
31
cronológica, os documentos do processo, favorecendo o manuseio, a identificação e o
entendimento do caso.
Das três audiências que presencie, era notório que a investigação do caso julgado
estava atrelada à condição do medo, intimidação e sofrimento da mulher. O juiz sempre
pergunta da participação dos envolvidos em atendimentos das Equipes Multidisciplinares e
psicossociais. Chamou a minha atenção a dificuldade de as testemunhas se lembrarem do fato
da época devido, principalmente, pelo intervalo de tempo entre a ocorrência e o julgamento.
Outro elemento evidenciado é o interesse de os profissionais do juizado em aplicar a
Lei Maria da Penha numa perspectiva de gênero. Em alguns casos, houve perguntas dos
profissionais sobre a ocorrência de trauma psicológico, mas como os próprios envolvidos irão
responder se não tiveram um acompanhamento de um profissional da área? A meu ver, por se
tratar de uma Lei complexa, pois se trata de violência contra a mulher, presente na cultura
ainda patriarcal, os danos emocionais poderiam ser arrolados no processo por meio de
diagnósticos médicos ou psicossocial, além dos relatórios que são feitos pelo sociojurídico.
Contudo, deveriam ser produzidos por profissionais com essa competência, compondo a
documentação obrigatória do processo e servindo para a decisão final do juiz.
Apesar de boa parte das vítimas terem tido acesso direto com o juizado, a pesquisa
documental de fonte primária revelou que poucas denunciavam seus agressores, no caso de
violação das medidas protetivas, por iniciativa própria. O registro era feito quando contatadas
pela Equipe Multidisciplinar ou quando os profissionais do cartório faziam o contato via
telefone - procedimento comum, inclusive em processo arquivado o qual tem
acompanhamento por, no mínimo, seis meses. Com tais recursos, as mulheres se abriam e
falavam que o agressor estava descumprindo as medidas protetivas. A partir da revelação,
eram aconselhadas a denunciar, pois só assim a justiça pode tomar medidas cabíveis junto ao
agressor. Sem dúvida, esse é um ponto a ser analisado com mais acuidade. Falta
conhecimento por parte das mulheres sobre como é a Lei Maria da Penha, quais são essas
medidas as quais elas têm direito e como agir quando receberem essa proteção. Verifiquei tais
questões nas entrevistas com a assistente social do SERAV e com a mulher vítima de
violência doméstica. Esta apontou: “não tenho conhecimento da Lei não... não recebi
nenhuma cartilha, nem no juizado, nem no posto de saúde, nem na delegacia, só me
informaram quais as medidas que poderia solicitar”.
Nos casos de prisão em flagrante, consta em dois processos judiciais analisados que,
os agressores eram soltos sob o pagamento de fiança, mas eram intimados sobre as medidas
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protetivas que estavam vigentes e que caso descumpram, iriam responder e poderiam ser
presos novamente. Conforme entrevista com a mulher vítima de violência doméstica, no caso
de agressividade excessiva por parte do agressor, somente sua prisão a deixaria segura, pois a
justiça nem a segurança estariam do lado dela 24 horas. Ela temia por sua vida e os limites da
ação da justiça e da segurança pública.
Sobre o sentimento de proteção das mulheres que receberam medidas protetivas, isso
pode ser percebido nas entrevistas realizadas, pois tanto a mulher vítima de violência
doméstica, o juiz e assistente social, relataram que, em geral, elas se sentem protegidas sim, e
que essas medidas já amedrontam os agressores. Recupero, aqui, o pensamento do
magistrado: “o homem recebe a intimação e ele sabe que não pode se aproximar dessa
mulher. Se ele se aproximar, poderá ser preso, pois ele não que perder a liberdade”. A
assistente social compartilhou outro aspecto de sua vivência profissional favorável às medidas
protetivas: “existem casos em que as mulheres estão falando que estão seguras, que as
medidas protetivas “resolveu” (sic) o problema dela”. Porém, é taxativa sobre os limites da
justiça e a premência de investimento em políticas públicas.
O trabalho articulado em rede, através da: i) segurança: com acesso direto e estreito
com a justiça, dando atendimento capacitado na perspectiva de gênero para a mulher vítima
de violência: ii) da saúde: quando em casos mais graves de agressão, de gravidez ou a
qualquer outro que esteja relacionado à plena saúde da mulher; iii) da assistência social:
garantindo seus direitos, adquirindo conhecimento e dividindo experiências para o
enfrentamento da violência doméstica contra a mulher; iv) e da justiça: para que seja rápida
seu acesso, sua intromissão (intervenção) na violência dentro do lar ou nos relacionamentos
afetivos; enfim, em toda essa complexidade que gira entorno da violência contra mulher, a
medida protetiva conseguiu atingir, em parte, seu objetivo, coibindo e prevenindo a violência
doméstica e familiar contra mulher a partir desse juizado.
No começo desta pesquisa, minha opinião era que a justiça não conseguia cumprir as
medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, relegando o acesso das mulheres à
justiça somente à norma escrita e não à materialidade do direito. A percepção era baseada
somente no senso comum e numa realidade crescente de assassinato de mulheres, noticiada
pelos meios de comunicação.
É notória a persistente resistência à aplicação plena da Lei Maria da Penha em todo o
território brasileiro, desencadeando vítimas da cultura patriarcal e violenta com base nas
relações de gênero. Todavia, o trabalho de campo da pesquisa exploratória realizada no
33
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante
evidenciou o empenho de um órgão da justiça parta a aplicação integral da Lei Maria da
Penha. Mas este trabalho é feito de forma personificada, onde o juizado possui rosto e corpo,
no caso, o juiz titular, que faz de tudo para não só aplicar a Lei Maria da Penha, mas também
de resolver os conflitos daquelas poucas mulheres que tiveram coragem de denunciarem seus
agressores. Assim, surge um questionamento, seria possível este juizado funcionar da forma
que funciona sem a presença deste atual juiz? Pois assim seria uma política pública, onde
independente da pessoa, a instituição pública continuará, sendo exemplo para ser socializado
com outros órgãos da rede especializada de atendimento à mulher em situação de violência, a
fim de fomentar outras iniciativas exitosas na dinâmica dos juizados, a exemplo das ações
complementares das medidas protetivas de urgência, seja como o botão do pânico,
tornozeleira eletrônica ou a Patrulha Lei Maria da Penha, que estão sendo experiências
socializadas.
Dos oito casos que estudei na pesquisa documental de fonte primária, da observação
não participante da rotina do juizado e de três audiências de instrução e das três entrevistas
com magistrado, vítima e assistente social, posso concluir que o juizado do Núcleo
Bandeirante trabalha obstinadamente para a aplicação das medidas protetivas de urgência.
Conseguiu, de certa forma, coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher
pelo menos daquela pequena parcela de processos que estudei. Tentava, assim, mudar a
realidade das poucas mulheres que tiveram coragem de denunciar. São poucas diante da
incidência da violência no cotidiano feminino. Tal fenômeno implica a transformação da
cultura, na perspectiva feminista, de igualdade de gênero, em que não haja mais banalização,
naturalização ou justificativa à violência contra as mulheres.
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Anexo 1: Relatórios das análises dos processos judiciais
CASO 1 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E MORAL: XINGAMENTOS E AMEAÇA DE
MORTE
O caso desse processo é de uma mulher de 19 anos, manicure em um salão de beleza,
baiana, não possui parentes próximos, que sofreu violência doméstica do seu namorado, um
homem de 37 anos, casado pai de 2 filhos, vive com a esposa, mas relata que não mantém
relação com ela. Ele trabalha como frentista, em um posto perto do trabalho da vítima, onde
depois de certo tempo da mulher ter terminado o relacionamento, o homem passou a agredi-la
moralmente, fazendo ameaças de morte, caso ela saísse com outro homem, e também a
perseguia no seu ambiente de trabalho, xingando, causando humilhação e denegrindo sua
imagem.
Diante disto, a mulher resolveu ir até a delegacia mais próxima, no caso 11ª para
denunciá-lo, requerendo assim, medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha.
Conseguindo a decisão do juiz favorável à mulher, em menos de 48hrs, o agressor já havia
recebido a intimação, onde o proibia de qualquer contato com a vítima e afastamento da
mesma.
Junto com a decisão da medida protetiva, foi também solicitado o atendimento com a
equipe multidisciplinar do juizado responsável, 8 dias após a ocorrência realizada na
delegacia, onde os envolvidos compareceram e relataram o que havia acontecido. A mulher
contou à equipe, que se relacionavam a mais de dois anos, não tiveram filhos e que durante o
relacionamento houve agressão física por parte do homem, como tapas e murros e que
gostaria que mantivessem as medidas protetivas. O homem negou que agrediu a mulher
fisicamente, e que os xingamentos eram feitos mutuamente, disse que a relação ainda não
havia acabado e que frequentava a casa vítima. A conclusão feita pela E.M. foi que existe um
risco alto de se repetir a violência doméstica contra a mulher, devido aos seguintes fatores:
banalização/justificação da violência, separação recente, ambiguidade de sentimentos, crenças
e estereótipos de gênero por parte do suposto ofensor, rede de apoio fragilizada por parte da
ofendida e histórico de violência. O juiz faz nova decisão ao caso, em cima da conclusão da
E. M., acrescentando medida cautelar para além das medidas protetivas, devendo a mulher ter
o acolhimento do núcleo familiar, para que fosse encaminhada à Rede de proteção à mulher e
38
a continuação do acompanhamento pela equipe multidisciplinar, através de contato telefônico
e outros meios.
Ambos foram encaminhados para o SERAV – Serviço de Assessoramento aos juízos
criminais, onde sofreriam uma análise psicossocial, para juntar ao processo, mas ambos não
compareceram.
A mulher teve acesso à justiça, através do NAJ - UNICEUB, onde através de
advogada, requereu a revogação da medida protetiva, no dia 09/04, com a justificativa de ter
voltado com o ex-parceiro.
Ao se deparar com esse caso, vejo a aplicação da Lei Maria da Penha, por todo o
processo, mas ainda nos deparamos com fragilidade afetiva e a falta de empoderamento da
mulher para enfrentar a violência, pois percebo que, de certa forma foi acuada e oprimida pelo
agressor, e se o trabalho em rede a atingisse, em tempo e talvez obrigatoriamente, ela não teria
desistido da medida. Mas o processo não foi arquivado e tanto o agressor como a vítima,
sabem que se voltarem os atos de violência doméstica, a justiça está ali para resolver nas
formas cabíveis da Lei. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.
CASO 2 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: PERTUBAÇÃO COM LIGAÇÕES E
MENSAGENS
A ocorrência deste caso foi registrada na DEAM (Delegacia Especial de Atendimento
a Mulher), sendo o pedido de medida protetiva para proibição de contato com a vítima e seus
familiares, onde foi negado pelo juiz no dia 21/02/2014.
A vítima possui 41 anos, é chefe de secretaria de uma escola, possui ensino superior, é
casada, mãe de um filho, fruto do seu casamento, possui família por perto e que denunciou
seu ex-namorado (no tempo em que ficou separada do marido, se envolveu com o agressor e
quando decidiu terminar, o mesmo veio a lhe perturbar), por perturbação da tranqüilidade,
pois as ligações e mensagens enviadas para sua irmã no facebook, dizendo que ainda é
apaixonado e que gostaria de voltar com ela, estavam sendo incômoda e o agressor também,
esperou o filho da vítima na porta da escola para conversar com ele sobre reatar o
relacionamento, e que a mesma pediu a medida protetiva, por temer que algo lhe aconteça.
Mesmo o juiz indeferindo a medida protetiva, é feito o encaminhamento para o
atendimento da Equipe Multidisciplinar, no dia 27/02/2014, onde ambos compareceram. O
agressor disse ter entendido que a ofendida não o quer mais, e que não irá procurá-la, que só
39
fez isso porque no início do relacionamento, em tempo, a ofendida sofreu violência doméstica
do ex-marido e que ele a acompanhou até a delegacia para denunciá-lo, e com medo do ex-
marido estar pressionando a voltar com ele, o mesmo queria conversar pessoalmente com a
vítima para entender a situação do rompimento, pois ainda a amava. A ofendida relata que
pediu as medidas, pois teme em prejudicar seu relacionamento com marido, devido a
insistência de contato do ex-namorado.
O Juiz faz nova decisão e mantém a primeira, negando a medida, mas encaminha
ambos para o SERAV, para uma análise psicossocial, onde nenhum dos envolvidos
compareceu.
Vejo a decisão do juiz como compatível, visto que o agressor não apresentou risco
eminente, mas devido sua fragilidade emocional, por recente separação, se faz necessário o
acompanhamento de profissionais da área, para atingir a prevenção de possível violência
doméstica. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.
CASO 3 – VIOLÊNCIA FÍSICA, MORAL: ESPANCAMENTO E XINGAMENTOS
(PRISÃO EM FLAGRANTE)
O caso desse processo é de uma mulher de 25 anos, professora, que possui
parentes próximos (pais), casada por 3 anos (e 7 anos que se conhecem), e possui um filho de
3 anos com o agressor, onde sofreu violência doméstica, sendo essa física, por espancamento.
O agressor possui 29 anos, mecânico, já foi preso pela mesma prática do crime, faz uso de
bebida alcoólica, e foi preso em flagrante. O casal, no dia do fato, começou uma discussão,
onde acabou em agressão física, começando com enforcamento, depois a empurrou contra a
parede, continuando com socos na barriga, tórax e braços. Isso foi em um domingo, caso em
que a vítima conseguiu fugir e ir a uma delegacia, onde foi atendida e o agente policial foi até
a sua casa e encontrou o marido que foi preso na hora.
No dia seguinte da denúncia o juiz expediu o deferimento de medidas protetivas
que obrigam o agressor a: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de
seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o
agressor, b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação, c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física
e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida
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a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; prestação de alimentos
provisionais ou provisórios.
Além destas medidas o juiz também determinou medidas à mulher, como:
separação de corpos e encaminhamento ao SERAV para o pedido de restrição de visitas ao
filho, logo após sua saída da prisão, que ocorreu dias depois, através de pagamento de fiança.
Nesse processo, a disponibilização das medidas foi realizada também no diário da justiça
eletrônica, no dia 26/03/2014.
O atendimento da E.M. foi realizado com a ofendida no dia 27/03/2014, onde a
mesma relatou que está morando com a mãe e não este tendo contato com o agressor e que o
mesmo está cumprindo as medidas protetivas. No dia 02/04/2012, foi o atendimento com o
agressor, que justifica sua violência tendo em vista a legítima defesa, que o relacionamento
com a vítima sempre foi agressivo, com xingamentos e ofensas. A E.M. concluiu risco
moderado, naquele momento, tendo em vista que a violência doméstica é atemporal, podendo
mudar essa conclusão a qualquer momento. Os fatores que contribuíram foram: presença de
criança em meio ao conflito, naturalização da violência, consumo de álcool, reincidência
processual, notícia de conflitos violentos anteriores. Visto isso, é feito um relatório
informativo passado para o juiz, que faz nova decisão, no dia 07/04/2014, mantendo a medida
protetiva e acrescentando uma medida cautelar inominada, para que os envolvidos sejam
acompanhados pelo juizado durante seis meses, período em que arquiva o processo, caso não
aconteça nenhuma outra ocorrência. Ressalto que todos esses fatos são comunicados ao
Ministério Público, encaminhado para o CJM (Centro Judiciário de Atendimento à Mulher),
ao NAJ- UNICEUB (Núcleo de Assistência Jurídica) – que presta assistência jurídica às
mulheres vítimas de violência doméstica, ambos possuem salas de atendimento no mesmo
fórum em que fica o Juizado. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito policial.
CASO 4 – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E MORAL: XINGAMENTOS E AMEAÇA DE
MORTE
O caso número quatro tem dois jovens de 18 anos como protagonistas. Ela mora com a
mãe, estudante, namora o agressor a entorno de dois anos, sem filhos e foi junto à mãe para
fazer a denúncia. O agressor também estudante faz uso de drogas e ameaçou a namorada
dizendo que ia matá-la, e que se estivesse se relacionando com outra pessoa, iria batê-la.
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Além das ameaças o namorado xingou-a de “piranha”, “rapariga”, entres outras calúnias do
tipo.
A vítima disse que queria terminar com seu namorado e depois disso, ele tornou-se
mais agressivo que antes, onde mencionou que durante o relacionamento há histórico de
violência física e verbal.
Depois do deferimento das medidas, foi solicitada, através de intimação, a participação
de ambos no juizado para o atendimento da Equipe Multidisciplinar, no dia 17/03/2014, mas
nenhum dos envolvidos compareceu, sendo assim composto de informações somente com
dados coletados no dia da ocorrência à delegacia.
Pela pouca idade de ambos e pelo comportamento conturbado, regrado de indícios
de machismo, seja pelo ciúme agressivo e pela não aceitação do fim do relacionamento,
rompido pela mulher. Vejo a necessidade de se trabalhar a questão de gênero, pois quanto
antes desconstruído essa perspectiva, mais cedo se evitará um relacionamento desigual entre
os gêneros, sobre o uso da força e da humilhação. Este caso é de 2014 e aguarda inquérito
policial.
CASO 5 – VIOLÊNCIA FÍSICA E MORAL: AGRESSÕES FÍSICAS E XINGAMENTOS
O caso número cinco possui uma denúncia ao ex-marido de quatro anos de
separação. A mulher foi casada com o agressor por seis anos, e tiveram dois filhos e há quatro
estão separados. Ela tem 26 anos, mora com a família (pais e irmãos), possui curso superior e
trabalha como assistente administrativo. O agressor também com 26 anos, possui antecedente
criminal, no ano de 2010, sem identificação do julgamento.
No dia da ocorrência, o agressor foi até a casa da ofendida para ver seus filhos e
ao encontrá-la, iniciou-se uma discussão entre ambos, onde o ex-marido começou a xingá-la
de “piranha, vagabunda, vadia” e quando a ofendida o chamou de “covarde”, o ex-marido
começou a desferir socos em suas pernas e costas, e quando a mulher o empurrou para se
defender, ele deu-lhe uma pesada, onde caiu batendo a testa na quina da parede, deixando
assim, hematomas em sua face. Logo o irmão da vítima ouviu o barulho e veio socorrer a
vítima, que tirou fotos para compor o processo judicial e foram juntos à Delegacia
Especializada da Mulher (DEAM) para denunciar ao agressor e pedir medidas protetivas.
A medida protetiva requerida foi proibição de “aproximação da ofendida, de seus
familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor”
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(alínea a, inciso III, artigo 22, Lei Maria da Penha), onde foi devidamente homologada no dia
seguinte à denúncia, tendo seu mandado expedido no mesmo dia, mas houve dificuldade na
entrega, devido a endereços inexistentes e telefones errados.
O atendimento com a Equipe Multidisciplinar foi realizada cerca de quinze dias
depois, pela demora em entregar a intimação, mas lembrando que os procedimentos legais
após decisão do juiz sobre a medida (conforme artigo 18, da Lei Maria da Penha), foi
cumprido, como o encaminhamento ao Ministério Público, Centros de Atendimento à
Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, quanto à justiça e quanto ao psicossocial.
No atendimento da equipe, foi solicitada pela ofendida, a revogação das medidas
protetivas, pois o pai estava sem ver os filhos e ela queria evitar mais conflitos. Nesse
atendimento houve acordo para a definição das visitas às crianças, mas a conclusão desse
atendimento é de um alto risco de reincidência da violência doméstica, tendo em vista que há
crianças envolvidas, naturalização da violência, reincidência de conflitos anteriores, onde a
ofendida relatou que durante o período em que estiveram casados, sempre havia agressões, até
mesmo quando estava grávida. O processo terá continuidade enquanto aguarda inquérito
policial, com encaminhamentos aos atendimentos psicossociais e da justiça, e sempre o
juizado avisa (através das intimações) aos envolvidos que, caso aconteça a reincidência, a
vítima deverá procurar a delegacia mais próxima e o agressor poderá ser preso no caso de
descumprimento. Este é de 2014 e caso aguarda inquérito policial.
CASO 6 – VIOLÊNCIA FÍSICA: ESPANCAMENTO E COMO CONSEQUÊNCIA,
FRATURA NA PERNA (PRESO EM FLAGRANTE)
Este caso é do ano de 2013, pois foi um dos casos em que houve a observação
participante da audiência, sendo importante o conhecimento do processo.
Aqui foi feito uma denúncia onde o agressor foi preso em flagrante por espancar sua
mulher, causando uma fratura na perna. A vítima tinha na época 31 anos, convivia
maritalmente com o agressor cerca de 10 meses, estava grávida de 3 meses de gêmeos e o
agressor sabia de sua gravidez. Ela trabalhava como promotora de vendas e seu grau de
instrução era o ensino médio. Ele também com 31 anos e havia em sua ficha criminal um
processo por pequenas causas já cumprido e encerrado.
A ocorrência da violência física começou depois de uma discussão boba, onde o
agressor passou a xingá-la, nisso houve xingamentos mútuos, logo a vítima foi empurrada,
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levando socos, chutes, murros, em sua face, braços e pernas, que só depois a mulher revidou
com um tapa. Na casa havia uma criança, filha da ofendida, que presenciou as agressões a
chegaram logo após, a prima do agressor com o marido que chamaram o SAMU, e que o
SAMU não levou a vítima enquanto não chegaram os policiais para fazer a ocorrência.
O boletim de ocorrência foi realizado, o agressor foi preso, e os dois policiais que
estiveram na casa, servirão de testemunhas do processo. Foram deferidas, no dia seguinte, as
medidas protetivas: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus
familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b)
contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.
Estas medidas passarão a valer logo a soltura do agressor, que foi solto do dia 30/04/2013,
através de pagamento de fiança e além das medidas, foi sentenciado uma multa de um salário
mínimo diário caso o agressor a desrespeite. Se junta ao processo laudo do atendimento
médico à vítima e encaminha-se ao IML. A mulher incapacitada por mais 30 dias, tendo que
fazer mais exames do IML para anexar ao processo, mas por estar com a perna engessada.
Nasce os gêmeos depois de aproximadamente cinco meses da ocorrência, onde a
vítima é ouvida pela Equipe Multidisciplinar, uma semana depois, onde só o agressor
compareceu, pois a vítima estava sem capacidade de locomoção. O agressor menciona que
apenas revidou as agressões e que foram iniciadas pela vítima. A mulher foi ouvida pela
Equipe em seu domicílio e quer que mantenha as medidas protetivas. A conclusão do
Atendimento, é que o risco de reincidência da violência é moderado, devido aos fatores:
notícias de agressões verbais anteriores, impossibilidade de locomoção da vítima e separação
conjugal recente. Depois desse relatório, há nova decisão do juiz, que determina além das
medidas protetivas, será acrescentado medida cautelar inominada, encaminhado à mulher para
a Rede de Proteção (CRAS, CJM, posto de saúde, etc.), para o SERAV, e para o atendimento
da Equipe Multidisciplinar, onde a mulher será amparada nas questões cíveis, como decisão
de alimentos emergências, entre outros.
No atendimento psicossocial do SERAV, são realizados individualmente e em grupo,
onde os envolvidos não se encontram, mas um se depara com casos de outros, seja homens
com mulheres ou do mesmo gênero. Isso já se passou por volta de quatros meses aguardando
inquérito. A mulher foi atendida em casa pela assistente social do SERAV e o homem estava
participando dos encontros em grupo no SERAV. Assim eles emitiram um parecer para
encaminhar ao juiz e juntar ao processo. Nele foi mencionado que o ofensor teve um avanço
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no processo de responsabilização pela situação de violência e que teve dificuldades de
verbalizar sua situação nos atendimentos grupais, mas individualmente conversava com os
profissionais. Na falta do atendimento do SERAV em domicilio da vítima, o serviço entra em
contato com o centro de saúde, para que a assistente social de lá faça acompanhamento a
vítima, que está próxima de dar a luz aos gêmeos.
Ao nascerem os bebês, o juiz determina que a Equipe Multidisciplinar visite a mulher,
tendo em vista seu resguardo e de locomoção. A equipe tem por objetivo orientar,
encaminhar, prevenir, entre outras medidas voltadas à vítima, ofensor e familiares. Nessa
visita a ofendida relatou que foi ofendida pela tia do agressor na rua e assim teve problemas
de pressão alta e que o agressor foi ao hospital sem aviso prévio e fica do lado de fora da casa,
causando-lhe medo. Mencionou que ele está descumprindo as medidas protetivas com a ajuda
de seus familiares. Conclui-se pela equipe um alto risco de conflitos, devido ao nascimento
dos filhos e o envolvimento da família do agressor, assim o juiz determina que as medidas
protetivas prevaleçam por mais 90 dias, determinando a continuação do atendimento da E.M.
e expedi mandado ao agressor de nova decisão.
Passado quase nove meses do início do processo judicial, sai a primeira audiência de
instrução de julgamento. Foi ouvida a vítima que declarou todo o ocorrido da ocorrência,
conforme informado a cima e relata que por conta da perna fraturada e gravidez teve muitas
dificuldades recuperação e ficou afastado do serviço pro sete meses e que logo tirou licença
maternidade, devido ao nascimentos dos filhos. Em resposta à defesa, a vítima declarou que o
ofensor é uma pessoa calma e que entende que foi coisa de momento e que na troca de
ofensas o seu marido deveria ser corno, onde neste fato, as agressões ficaram piores. Em
resposta ao juiz disse que em outras oportunidades ela já havia ofendido moralmente e que
depois do fato não se viram mais e que o ofensor estava cumprindo as medidas, onde na
ocasião a vítima pediu para retirar, devido o nascimento dos filhos, que ele paga os alimentos,
e que também ele voltou a xingá-la. Assim, nessa primeira audiência só foi ouvida a vítima,
onde o juiz designou nova audiência para daqui três meses para ouvir as testemunhas e
encaminha a vítima para o IML, para novo laudo, o juiz também revogou as medidas.
Assim termina o processo que teve seus encaminhamentos legais, como o ministério
público, junto com promotor e defensor público, aos serviços de atendimentos especializados
do sócio jurídico e da rede de proteção à mulher. Essa audiência é que participei como
observante.
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CASO 7 - VIOLÊNCIA FÍSICA, PSICOLÓGICA E MORAL: VIAS DE FATO, AMEAÇA
DE MORTE, XINGAMENTOS
Este caso também participou da audiência, a autora deste artigo, sendo do ano de
2011, onde na época os envolvidos tinham: mulher 29 anos e homem 27, casados por
aproximadamente 3 anos e tinham uma filha de 3 meses. O homem possuía antecedentes
criminais não identificados. A natureza da ocorrência foi vias de fato, onde houve agressão
física, moral e psicológica.
Através do registro de ocorrência da mulher, a mesma relata que após um ano de
relacionamento, o autor tornou-se agressivo, chegando a agredi-la, mas nunca registrou
ocorrência. No dia do fato, a vítima perguntou quando é que ele iria sair de casa, já que tinha
falado que iria se separar e que sairia de casa. Nesse tempo, começaram os xingamentos,
ofensas, onde o homem ameaçou de morte a mulher e sua filha e que se iniciou a agressão
física, dando-lhe uma chave de braço, batendo com a cabeça no armário e também tentou
sufocá-la com o travesseiro, mas relata que isso não deixou com lesão corporal. Sua irmã foi
chamada pelo agressor para acalmar a ofendida.
Assim na mesma ocorrência, tem a versão do homem: ele conta que sua mulher
começou a discussão, pois não aceitava a separação e ao sair para o trabalho foi impedido pela
mulher que lhe jogou objetos e por fim pegou uma faca, onde ele retirou a faca da mulher e a
guardou. Nisso ligou para a sogra para pedir para acalmar a filha, mas só estava a irmã e
enquanto não chegava, a mulher voltou a agredi-lo com unhadas e jogar objetos. Ele disse que
não a agrediu fisicamente e que ligou para 197 (disque denúncia) pedindo auxílio e na
demora, foi direto à delegacia, conversou com os agentes, mas não registrou ocorrência. Que
pediu ajuda ao batalhão para pegar seus pertences, mas eles não foram e que logo soube que
registraram uma ocorrência em seu nome, na DEAM, e que foi lá esclarecer o fator e que
também quer representar criminalmente contra sua esposa, e também compareceu ao IML
para fazer o exame de corpo de delito.
Este fato de violência doméstica o agressor representou criminalmente contra a
mulher, e ambos estão respondendo judicialmente. As medidas protetivas solicitadas foram:
afastamento do lar, proibição de contato, restrição de visitas a menores e separação de corpos,
mas foram deferidas, dentro do prazo das 48hrs, somente as duas primeiras. Em menos de
duas semanas foi marcado audiência de justificação, onde o juiz manteve as medidas e juntou
esse termo ao inquérito policial.
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Em curso o processo, depois de quase seis meses, ambos envolvidos, homem e
mulher, pede para não prosseguirem com o processo e mencionam que relataram o
relacionamento, não sendo necessária a continuação das medidas protetivas. Assim, as
medidas cessão, mas o processo continua, pois, conforme art. 16 da Lei Maria da Penha, o
arquivamento do processo só pode ser decido em audiência específica para tal. O trabalho do
Juizado não termina ali, sempre acompanhando o andamento do casal, seja por telefones ou
por atendimento da Equipe Multidisciplinar, onde quase um ano depois foi solicitado o
comparecimento de ambos ao juizado, mas foi possível, pois o homem estava viajando, e a
mulher não quis comparecer sozinha e reafirma que está junto com seu parceiro, que não quer
medidas e que está grávida do segundo filho do casal.
Nova audiência marcada, dois anos depois, ressaltando que ambos respondem a
processos judiciais. Nas audiências da ofendida, já foram ouvidas a mulher, a sua irmã e ainda
falta o último envolvido e agressor a falar, onde houvesse decisão do juiz em revogar pedido
da ofendida em arquivar processo e em outra audiência, juiz determina aceitação da proposta
do Ministério Público que o agressor não pode se ausentar do DF por mais de 30 dias sem
autorização prévia, que deverá comparecer trimestralmente ao juízo informando suas
atividades por um período de dois anos e sendo este definido pelo juiz dessa audiência: que
participe dos grupos de atendimento junto ao SERAV, e assim encerra, pois não houve tempo
(horário de funcionamento do juizado excedido) de ouvir o agressor, ficando para próxima
audiência. No depoimento da irmã, foi constatada a ameaça que o agressor fez à vítima, onde
a mesma presenciou a ligação do homem/agressor, dizendo que se tivesse uma arma mataria a
mãe e filha de apenas 3 meses na época. Ela também acredita que foi apenas um fato isolado,
pois o homem não faria mal a esposa, nem a filha, disse também que vivem bem, não soube
de novas agressões, sendo que a mulher em depoimento também confirma que não houve
mais agressões e que ele é um bom marido e bom pai.
Neste caso pude ver uma família, que existe o amor, e querem tentar continuar a serem
bons um com o outro e com seus filhos, tem família da mulher por perto, o homem trabalhão
em dois empregos dando a assistência devida à sua família. O que Lei Maria da Penha quer é
prevenir e coibir a violência, que ela possa dar a casais que se amam, a oportunidade de
viverem com mais respeito e direitos iguais ao homem e a mulher. O acompanhamento
psicossocial e das redes de enfrentamento de violência doméstica contra mulher são
fundamentais para o futuro desse casal.
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CASO 8 – VIOLÊNCIA FÍSICA, PSICOLÓGICA E MORAL: ESPANCAMENTO,
AMEAÇA DE MORTE, XINGAMENTOS
Caso registrado na DEAM, de uma babá de 44 anos, natural do estado de RN, possui
ensino médio, que está casada há 10 anos e possui dois filhos (de 6 e de 4 anos) com o
agressor, que este possui idade de 49 anos, pedreiro, natural do estado de GO, possui ensino
fundamental.
A vítima foi agredida física e moralmente no dia da ocorrência, por conta de um
desentendimento, o agressor a xingou de “puta, piranha, nega fedida” e logo lhe deu vários
chutes na perna, com tapas no rosto e puxou violentamente seus cabelos. Após todas as
agressões, o homem a ameaçou dizendo: “vou te afogar, vou te matar e se sair de casa, vou
mandar os caras te pegar”. Este fato não houve testemunhas e foi denunciado pela mulher,
onde requereu as seguintes medidas: afastamento do lar e proibição de contato, onde foi
deferido dia seguinte, mas ao entregar a intimação, mas o ofensor trabalha na chácara ao lado
do domicilio, não podendo cumprir a medida de proibição de contato, de no mínimo, 500
metros. No caso o defensor público retifica a medida, dois dias depois da ocorrência, para
adequar, pois o agressor precisa trabalhar. Assim foi decidido o afastamento de 10 metros no
horário de trabalho e fora desse horário, a distância é de 500 metros. A mulher menciona que
já o denunciou antes pelo mesmo fato, mas não requereu medidas.
Atendimento da Equipe Multidisciplinar (E.M) foi marcado rapidamente, menos de
uma semana, onde foi ouvida a vítima e o agressor. Nesse atendimento, a mulher menciona
que possui mais dois filhos maiores de outro relacionamento e que ambos a apoiam. O
agressor, por sua vez, negou as acusações e que está morando na casa de amigos de favor. A
equipe conclui-se que este caso está com alto risco de reincidência da violência, pois é uma
reincidência processual, há a banalização e negação da violência, a mulher é dependente
afetiva e socioeconômica, separação recente devido a agressão, presença de crianças em meio
aos conflitos, crenças e estereótipos de gênero, histórico de violência, notícia de uso excessivo
de álcool do agressor. Assim, a equipe encaminha ao SERAV, e juiz faz nova decisão das
medidas protetivas, onde as mantém, e acrescenta a utilização do poder geral de cautela,
vinculando-se a E.M., encaminhamento da mulher para a Rede de proteção, encaminhamento
para atendimento psicossocial com retorno de parecer em 40 dias.
Depois destes tramites, dois dias depois do agressor receber a intimação da nova
decisão, o mesmo volta a agredir a vítima, com a mesma violência anterior, só que com
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ameaças piores, pois dessa vez estava com um facão, e disse que a mataria e jogaria no poço
que tem dentro da chácara que eles moram. Percebesse que o homem não se separou de fato
da mulher, descumprindo a medida. Nesta denúncia, a vítima não quis requerer medidas
protetivas, na esperança de entrar em acordo com o agressor, mas mesmo ela não requerendo
a medida, ela continua valendo. A vítima é encaminhada ao IML. No caso de incidência penal
de vias de fato, torna-se uma ação penal pública incondicionada, onde o Ministério público
deverá iniciar, mediante denúncia ao judiciário.
Cerca de vinte dias após a nova agressão, há conclusão do SERAV, conforme pedido
pelo juiz. Nele a mulher é informou que o agressor está cumprindo as medidas, mas sente
medo e sofrimento, pois ainda é muito intimidada por ele. Assim ela é orientada a registrar
ocorrência desse fato. O agressor não compareceu por estar fora do DF a trabalho por dois
meses.
Processo é de 2014 e está aguardando inquérito policial e também laudo do IML e do
SERAV.
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Anexo 3: Relatórios da observação não participante de audiências de instrução
Audiência 1: Ao chegar à audiência, fui apresentada a secretaria de audiência e orientada a
permanecer na sala no tempo em que acontecer, para não atrapalhar. À 14h, horário marcado
para o início da primeira audiência, a vítima e testemunha já haviam chegado, a vítima é
chamada, aonde logo chegam o promotor, defensor e juiz, sendo que somente o juiz
cumprimentou a vítima, assim todos ficaram aguardando o réu.
Nesse momento, o promotor pega o processo que será julgado e percebe que não
poderá participar, por medida legal, pois já havia pedido para arquivar aquele processo.
Imediatamente pensam numa saída com intuito de não perderem aquela audiência, já
que havia uma testemunha que era agente policial, e não seria viável retirá-lo do seu trabalho
novamente para outra audiência, outro dia, protelando mais ainda o fim daquele processo
judicial. A secretaria de audiência, a pedido do juiz, liga outra vara dentro do fórum, para
conseguir outro (a) promotor (a), e conseguindo dá prosseguimento a audiência, no caso entra
uma promotora para substituir.
Enquanto esperavam, o juiz informalmente conversa com a vítima, perguntando se ela
teve algum tipo de problema com o agressor nesse tempo (o processo de 2011), e ela responde
que não tinha mais contato com ele e que após a ocorrência ele a procurou depois de uns seis
meses, mas ela não o atendeu. Em tempo, o juiz também pergunta se está trabalhando e a
vítima, diz estar morando com os pais e cursando o 3º semestre de direito.
O réu chega e a audiência de instrução de julgamento se inicia à 14h25min. A
promotora lê a denúncia de lesão corporal, que aconteceu em 2011, no Riacho Fundo. Chega
advogada da vítima, que pertence ao NAJ –UNICEUB do fórum do Núcleo Bandeirante,
assim o juiz explica a audiência perguntando à vítima se irá prestar depoimento, pois desde o
boletim de ocorrência a vítima negou a dar.
A vítima clama dano por não conseguir mais emprego, pois com agressão sofrida, seu
nariz ficou deformado. Ao observar o réu, vejo um homem jovem (entorno de 30 anos),
branco, com mechas no cabelo, roupas simples (camiseta, calça jeans e tênis), estava com
capacete e aparentemente calmo. Um agente policial do juizado, permanece tempo integral na
sala de audiência.
Audiência continua com o defensor fazendo perguntas à vítima, que responde de
forma sucinta o que aconteceu no dia, disse que se relacionava com o agressor acerca de 1 ano
51
e ao ser questionada o porquê de não dar declaração sobre a ocorrência, disse que na época, se
houvesse risco de morte para ela, já haveria morrido, pois só procuraram ela para prestar
depoimento depois de quase seis meses, pois isso não tinha mais nada a falar. Encerra o
depoimento da vítima às 14h50min.
É chamada a testemunha, um agente policial, que estava de plantão no pronto-socorro
que foi atendida. Foi perguntado a ele se lembra da vítima, o mesmo declara que não e que só
lembrou-se do que aconteceu depois que leu a intimação, não acrescentou nada além do que
estava no processo. Assim termina a declaração da testemunha.
Sem mais ninguém para ouvir, além do réu, o juiz inicia a declaração do agressor. Ele
faz perguntas pessoais, como profissão, escolaridade, endereço, onde trabalha e logo pergunta
se o réu foi testemunha de violência em sua família, seja quando criança, seja com os pais,
seja avós ou outros parentes, o réu diz que não. O juiz pergunta ao defensor, se quer conversar
a sós com réu antes de começar a depor, o defensor aceita e fica fora cerca de 10min com o
réu. Durante este intervalo, alguns dos participantes aproveitam para beber água e outras
coisas, percebi também que, durante a audiência, servidores do cartório e outros do juizado,
circulam pela sala que é ligada ao gabinete do juiz e a outras salas juizado.
Inicia-se o depoimento do réu. Primeiro o juiz faz certo levantamento de bens, de
dependentes e renda do réu. Reparo que o agressor sempre é cauteloso ao responder as
perguntas do juiz que com certa descontração, posso perceber que o juiz às vezes consegue
colher mais informações do que o réu estava disposto a oferecer. O réu relata que há
inverdades no depoimento da vítima, quando a mesma disse não ter tido discussão antes da
agressão, ele afirma que houve a discussão e que a mulher deu-lhe um tapa e no reflexo
devolveu com a cotovelada. Ao ver todo o depoimento do réu, a percepção é que o texto
estava pronto. O juiz volta a lhe investigar perguntando se ele já se envolveu em alguma
briga, ele afirma ter participado de uma briga na rua. O juiz pergunta novamente se havia
violência doméstica na família e o réu nega novamente. Afirmou também que depois da
agressão permaneceu junto com a vítima por mais um tempo, e que a discussão do dia da
agressão foi motivo do ciúme da vítima com os amigos dele. O réu afirma que ambos não
registraram ocorrência pelo fato das agressões.
Ao fim do depoimento, o juiz defere o pedido do Ministério Público, o réu fica em
liberdade, verifica-se a possibilidade com réu de negociação sobre o pagamento dos danos
causados à vítima, ele afirma está disposto em entrar em acordo. Encaminha-se a vítima ao
52
IML, para fins de comprovação da necessidade de cirurgia em seu nariz e assim encerra-se
essa audiência, às 15h55min.
Audiência 2
Logo em seguida ao término da primeira audiência, às 16h, a secretária chama os
envolvidos e inicia-se nova audiência. Esse caso foi de uma prisão em flagrante do agressor,
que espancou sua companheira, grávida de 3 meses. A vítima desse caso não compareceu,
pois já havia comparecido em outra audiência.
São chamadas as duas testemunhas, mas logo se dispensa uma, para que um
depoimento não interfira no outro. Estão na mesa do julgamento, réu, defesa e testemunha. O
réu é jovem de
O promotor do dia volta ao seu posto e inicia a audiência lendo a denúncia a todos. A
1ª testemunha é um policia militar que atendeu ao chamado de uma denuncia de agressão
naquele dia. Ao ser perguntado sobre o que se recorda do dia ou se recorda do réu e da vítima,
o policial diz que não recorda de nada daquele dia e nem dos envolvidos, que seu batalhão
recebe muitas denúncias de violência doméstica e que não consegue lembrar-se daquele
específico. A impressão é que o policial estava ali somente para cumprir a intimação que
recebeu, não querendo fazer contribuições ao caso ali julgado. Somente em um momento,
depois de sempre negar tudo que lhe perguntaram, ele fez um menção que talvez se tivesse a
cópia da ocorrência dele, da delegacia, do dia, se lembraria. Nessa negação de não se recordar
dos fatos, houve um grande trabalho do promotor e do juiz, para fazer com que o réu soltasse
algo que pudessem recordar de algo, pois não era um caso normal, era uma mulher grávida,
espancada e com fratura na perna. Mas a testemunha diz não lembrar, que a delegacia recebe
muitos telefonemas do tipo, no caso violência doméstica, mais do que de outros crimes. Ao
terminar o depoimento da 1º testemunha, depois de tanta insistência do juiz e promotor em
tentar fazer o policial lembrar-se de algo, por fim o juiz pergunta se possui algum problema de
memória, pois o fato é relativamente novo e um pouco fora da normalidade (espancamento,
gravidez e fratura na perna), o policial diz não ter problemas de memória. O réu e defesa estão
aparentemente tranqüilos, não trocam conversas entre si, e o juiz termina o depoimento
pedindo para juntar ao processo a cópia da ocorrência da delegacia do dia do fato, onde foi
mencionado pela testemunha.
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Assim entra a segunda testemunha, outro policial (PMDF), que estavam juntos quando
do atendimento da vítima. Logo é perguntado se ele reconhece o réu, um homem jovem (cerca
de 30 anos), negro, vestindo camiseta e calça jeans, porte físico forte e estatura média pra alta,
onde o segundo policial afirma que se lembra do agressor e de alguns fatos do dia, o promotor
pergunta se ele lembra da vítima falar como foi as agressões e se lembra da lesões aparentes,
ele diz lembrar de algo parecido que a vítima tenha mencionado. Na instigação do promotor à
testemunha para tentar colher mais informações daquele dia, além das já mencionadas no
processo, a defesa o interrompe, dizendo que o promotor estaria pressionando a se lembrar,
mas o promotor nega a interferência. Voltando ao depoimento, o agente policial disse que a
mulher não aparentava estar grávida, que só soube por que a mulher falou.
Termina o segundo depoimento, às 16h25min. No ambiente da audiência, notasse
certo esforço dos profissionais da justiça para terem mais informações da ocorrência. Juiz
encerra solicitando o comparecimento de mais duas testemunhas, no caso, a prima do réu e o
marido dela que compareceram no dia da ocorrência. O réu só será ouvido depois do juiz
ouvir mais essas duas testemunhas.
Audiência 3
Julgamento de uma ocorrência de agressão e ameaça. Início às 17h, os envolvidos
estavam presentes, quando que o defensor os chama para conversar. Como os envolvidos
chegaram juntos e a mulher carregava o filho de colo, observei que se tratava de marido e
mulher, pela forma que um se comportava com o outro. Há uma testemunha e ela é irmã da
vítima, onde a mesma ficou com a criança enquanto a mãe participava da audiência.
É solicitado pelo juiz o comparecimento de uma advogada para a mulher, e
prontamente foi atendido. O juiz pergunta ao casal se ocorreram novos fatos de violência
doméstica entre o casal, desde 2011, ano em que deu início ao processo, e ambos disseram
que não e que estão bem. O promotor lê a proposta enviada pelo Ministério Público, que é de
suspensão condicional do crime, de não representar. A advogada então conversa com a vítima
para orientá-la sobre o pedido do promotor fora da audiência. Enquanto aguardam, os
profissionais da justiça conversam entre si sobre casos de outros processos. O juiz menciona
que ambos não participaram do SERAV e que ele colocará isso em proposta.
Advogada e mulher vítima voltam e logo começam o depoimento. Quando o promotor
começa a perguntar, a mulher, orientada pela advogada, diz que prefere o direito do silêncio,
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então logo percebi algo diferente. No caso, esse julgamento, ambos são réus e vítimas, pois o
marido representou contra a mulher na época também, por lesão corporal. Então, como ambos
voltaram a se relacionar, estão ali somente para responder a justiça, mas sem compor prova
um contra o outro.
O juiz pergunta à mulher sobre o convívio do casal, se realmente estão bem, se
trabalha, se é bom pai, se houve xingamentos e se gostaria de fazer o depoimento longe do
agressor. Ela responde positivamente e não quer fazer o depoimento longe do marido. O
depoimento da vítima termina e sua irmã entra com a criança e também para testemunhar.
Como ambos são réus, o defensor diz não concordar que a irmã da vítima testemunhe,
pois ela não será neutra, podendo trazer prejuízos à própria irmã que também está sobre
processo judicial. O promotor discorda e diz que ela deve testemunhar, o juiz procura
entender e o promotor menciona que, tratando de violência doméstica, a aplicabilidade da Lei
Maria da Penha tem que ser vista com tal, na sua complexidade, e como esse processo já teve
outras audiências, ele percebe que assim não terá fim.
Então há discussão entre defesa e promotor para definirem se a irmã da vítima
testemunha ou não. Por fim, ela é ouvida e conta o que viu naquele dia. O ponto mais
importante foi quando ela afirmou ter ouvido o agressor falando com o pai ao telefone,
pedindo uma arma. Mas a testemunha também afirmou que acha que o agressor não teria
coragem de matar sua irmã, nem sua filha, como havia ameaçado no dia e que ele é um
homem tranquilo. Durante todo o depoimento da testemunha, o réu permaneceu de cabeça
baixa. Ao terminar o depoimento, a mulher (vítima) estava dentro da sala de audiência com a
criança, onde pude observar que ela ficou com certo espanto com tudo que sua irmã contou,
pois o dia da ocorrência estava ali presente e relembrar uma ameaça de morte feita pelo
marido e ainda ameaçando sua filha, fora toda a discussão que envolveu (agressões físicas
entre os dois, a separação e outors), não deve ser boas lembranças.
É mencionado com a vítima, pelo juiz, se ela está inserida em alguma rede de proteção
da mulher, pois ambos não participaram dos atendimentos do SERAV. A mulher responde
que após a ocorrência, passou a frequentar mais a igreja e mais nada.
Chega ao final da audiência, pois já era perto das 19h e o juiz não poderia continuar,
pois tinha um compromisso praquela hora e ainda faltaria do depoimento do réu, que
possivelmente não seria tão rápido. Mas o juiz define que os envolvidos serão intimados a
comparecerem nos atendimentos do SERAV, para acompanhamento, pois ambos não tiveram
ainda no processo, definem que ambos responderão em liberdade e que caso haja reincidência,
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serão aplicadas as leis cabíveis desse descumprimento. O juiz conversa com o réu, dando-lhe
conselhos como, “quando estiver nervoso, tente se acalmar, mas não use da violência, o
importante é buscar uma ajuda para construírem uma relação mais sólida, sem conflitos.”
Assim se encerra a audiência, todos assinam seus depoimentos e vão embora os envolvidos,
como família.
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Anexo 4: Entrevistas
Entrevista – 1
Entrevistada: Mulher Vítima de Violência Doméstica.
Entrevistadora: Então vamos começar. Quem fez a denúncia e como foi o atendimento
inicial? Ou seja, como foi sua chegada à delegacia, como lhe atenderam, tudo que você
conseguir lembrar, pode ser?
Entrevistada: Bem... Fui eu quem fez a denúncia. Fui acompanhado do genro de minha
patroa, se não fosse alguém comigo, não teria coragem de denunciar, eles insistiram, então
acabei indo... Quando cheguei, demorou um pouquinho pra ser atendida, mas fui bem
atendida. A delegacia era a 11ª, eles recolheram meus documentos, pediram para eu ir ao
IML, mas eu não fui, achei que não fosse dar em nada. Aí eu prestei depoimento contra meu
namorado, eles me levaram em casa para pegar minhas coisas, pois tinha medo de ir sozinha,
eu pedi e eles me levaram... A equipe da delegacia fez tudo e também me perguntaram se
gostaria de ir para a Casa Abrigo, mas preferi ir para casa da minha patroa e dormi lá.
Entrevistadora: O que achou do atendimento pela delegacia? Houve algum tipo de situação
que você elogiasse no atendimento?
Entrevistada: Foi bom, mas entre aspas, pois estava com muito medo do agressor e a
delegacia não podia prendê-lo, só se fosse em flagrante, então me senti desprotegida, porque
como eu iria embora com ele solto... mas num todo achei bom.
Entrevistadora: Tem algum ponto que você pudesse elogiar, ou que pudesse melhorar?
Entrevistada: ...não tenho nada por agora pra elogiar, pois foi só uma vez e foi rápido, as
outras vezes fui direto ao fórum (JVDFM) e de lá fiz as denúncia, pois ele voltou a me
agredir, mas num todo achei bom. Agora, o negativo foi pelo fato dele não poderem prendê-lo
na hora.
Entrevistadora: Quando foi concedida medida protetiva? Foi rápido?
Entrevistada: A medida logo foi concedida, mas eu também logo pedi pra arquivar, vou
confessar que gosto muito dele e eu acabei ligando pra ele depois da denúncia, mas eu sei que
tenho que me afastar, pois ele me prejudica...
Entrevistadora: Como você se sentiu com a concessão da medida protetiva? Como foi esse
processo? Poderia descrever para mim?
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Entrevistada: Eu me senti mais aliviada. Se acontecer alguma coisa, vou estar protegida, vou
saber que tem uma pessoa pra me proteger...
Como eu já havia pedido o arquivamento e meu namorado voltou a me agredir, falei direto
com as meninas do juizado e com a equipe multidisciplinar, elas me perguntaram se queria as
medidas e eu disse que sim, falei também com o juiz que também me perguntou se queria
manter as medidas, disse que sim e então eles já providenciaram tudo.
Entrevistadora: Após estar sob a medida, como foi seu acesso à justiça? Recebeu
atendimento de alguma assistente social?
Entrevistada: Recebi em minha casa uma assistente social do juizado, ela foi levar uns
papéis para assinar e conversou comigo, mas não lembro o nome dela, mas se identificou
como assistente social.
Entrevistadora: Houve algum encaminhamento para algum Núcleo de Atendimento à
Mulher ou Centros de Referências? Como foi?
Entrevistada: Chegou a minha casa uma cartinha do Centro de Atendimento à Mulher
pedindo para comparecer, mas eu não entendi para que servia e nem onde ficava. Como não
sabia do que se tratava, não procurei o Centro.
Entrevistadora: No que se refere à Lei Maria da Penha, e as medidas protetivas previstas, o
que tem a dizer? Se recebeu alguma cartilha, se já leu algo sobre, alguma informação recebida
por alguma instituição de atendimento à mulher?
Entrevistada: ...não tenho conhecimento da Lei não... não recebi nenhuma cartilha, nem no
juizado, nem no posto de saúde, nem na delegacia, só me informaram quais as medidas que
poderia solicitar, como: o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato e a Casa
Abrigo.
Entrevistadora: Qual sua percepção da aplicação das medidas? Você acha que ela poderá
diminuir a violência doméstica contra as mulheres? O que mudou em você depois do pouco
de conhecimento que teve sobre a Lei Maria da Penha?
Entrevistada: Acho que as medidas podem ajudar muito a diminuir a violência contra as
mulheres. Mas mesmo assim eles não vão ficar perto de você 24 horas, eles não vão ao seu
trabalho saber se tá tudo bem, se “ele” chegar a me matar, só irão saber quando eu morrer.
Ainda tem o problema de quando eles são presos, logo são soltos. Acho que não deveria pagar
fiança, não nesse tipo de violência, pois só agente sabe o que sofremos, agente fica com
medo, não se sentindo protegida, por eles estarem soltos. Acho que deveria ter outras medidas
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para me sentir mais protegida, não só depender da gente ter que denunciar ou tomar outras
medidas pra me proteger, fica muito pra gente.
Assim, encerro a entrevista, agradeço a entrevistada, ressalvando que todos os dados pessoais
serão sigilosos.
Entrevista - 2
Entrevistado: Juiz Titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do
Núcleo Bandeirante.
Entrevistadora: Quais os elementos do processo/inquérito policial que facilitam/embasam a
autorização de uma medida protetiva?
Entrevistado: Quando eu recebo um pedido de medida protetiva, eu analiso as declarações da
ofendida e as informações que aquele boletim de ocorrência traz: nível de instrução, os
contatos do telefone, pra viabilizar um contato do juizado com essa mulher ou não, então eu
recebo o pedido, a primeira coisa que fazemos é o contato com essa mulher, confirmo aquelas
informações ou alguma outra mudança que tenha ocorrido no quadro, do momento em que ela
registrou ocorrência e fez o pedido, até o momento em que eu estou decidindo. Analiso esses
aspectos e depois, com base nessas novas informações que agregam, eu vejo o que ela está
pedindo, vejo o histórico de violência que tem ali, qual ocorrência, como e o quê aconteceu,
se é crime e a partir daí eu defiro ou não as medidas protetivas.
Entrevistadora: Isso é na primeira decisão, onde a delegacia tem 48hrs pra lhe enviar?
Entrevistado: Isso! A delegacia tem 48hrs pra examinar e montar o pedido dessa mulher e
me entregar aqui e eu tenho 48hrs pra decidir. Então, a nossa meta aqui no juizado é decidir
na hora que chega. Se chegou hoje, hoje sai a decisão, não importa a hora, e se chegou ao
final do expediente, ainda sim agente sai com a decisão, seria praticamente isso. Os elementos
então são principalmente o histórico da ocorrência, o que é narrado, e algum termo de
declaração, por exemplo: às vezes eles ouvem uma testemunha, às vezes o ofensor,
principalmente quando ele é preso em flagrante, então eu pego esses dados que trazem a
informação e a partir daí eu examino a medida protetiva adequada e defiro.
Entrevistadora: Qual a experiência geral do juizado sobre a concessão de medidas
protetivas?
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Entrevistado: A experiência que nós temos é seguinte, é que via de regra, posso dizer que
em todos os casos, por eventual exceção é muito pequena. A medida protetiva, quando a
mulher solicita, é porque ela precisa. E a nossa experiência tem sido assim, de examinar a
medida protetiva no dia que chega e na prática, quase sempre tem sido deferida todas as
medidas que tem sido requerido, por que elas guardam alguma relação ao fato ocorrido. Por
exemplo: o ex-marido está xingando, está procurando no trabalho, mandando mensagem,
email e qualquer outro meio de comunicação, perturbando a vida daquela mulher,
normalmente a medida protetiva que ela pediu é a de proibição de aproximação e de contato,
para que ele não faça nenhum tipo de contato com ela e nem se aproxime. Nesse caso é essa
medida que mais se encaixa. Então essa é nossa experiência com a medida e assim tem
funcionado, pois até hoje, não perdemos nenhuma mulher, nenhuma mulher que pediu medida
protetiva aqui, e que foi acompanhada pelo juizado, foi assassinada.
A medida protetiva é um instrumento forte, a Lei concedi ao juiz muito poder, pois ela
permite tirar uma pessoa da casa dela, a casa que ela construiu, que comprou. É forte por um
lado, mas também é muito eficiente, por que, por exemplo: a mulher vai na delegacia e
denuncia e depois ela vai voltar pra casa e dormir com aquele mesmo homem, na mesma
cama? É uma situação difícil praquela mulher. Então, há uma necessidade e quando o Estado
intervém com a medida protetiva, nosso objetivo aqui no juizado, é de fato interromper aquela
violência que está acontecendo, entrando naquele ciclo de violência, fazendo uma ruptura, que
é exatamente a proposta da medida protetiva de urgência, por que ela entra naquela hora e
agente põe a “colher na briga de marido e mulher”, essa é a ideia.
Nós temos aqui, na medida protetiva, o atendimento com a Equipe Multidisciplinar, então eu
marco pra data mais breve possível, e nem é o mais breve da nossa possibilidade e sim da
possibilidade da mulher em participar, da possibilidade do contato com ela, do oficial de
justiça entregar a intimação, então às vezes agente marca o atendimento pro dia seguinte.
Então, a equipe vai olhar esse caso, se atualizar melhor, vão fazer uma avaliação da situação
de risco, e assim trazer algum subsidio que possa interferir nessa decisão, seja pra ampliar,
seja pra reduzir, seja pra modificar a medida protetiva.
Entrevistadora: Como é a comunicação com a segurança pública no que se refere ao
acompanhamento da aplicação das medidas protetivas?
Entrevistado: Nós estamos firmando um convênio com a polícia militar para que eles
acompanhem esses casos, mas ainda está na fase de construção, onde o departamento jurídico
da polícia examina, do tribunal examina, a assessoria vê o que tem pra corrigir, pra evitar
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algum problema de violação, os dispositivos legais, mas ele está em construção pra dar o
devido andamento.
Temos o acompanhamento também através de medida cautelar, onde uma servidora do
tribunal acompanha periodicamente a vítima, vendo se houve novos episódios de violência,
como que tá o cumprimento das medidas e dependendo do caso, marca um novo atendimento
pra gente avaliar, dando uma atualizada nas medidas protetivas, do cartório.
Também temos parcerias com a secretaria da segurança, polícia militar, através do programa
social EDUCS (Educação para Cidadania e Segurança); que em situações de maior risco à
ofendida, o juiz solicita ao batalhão que visite o domicílio da vítima, a fim de coibir o
agressor, isso é feito informalmente, mas o convênio já está em andamento, para que seja
formalizado esse procedimento e atinja todo o DF, e com a polícia civil que atende essas
mulheres. Nosso contato é estreito e direto com as delegacias e eles com agente, seja o
cartório, seja o CJM, e deles também. Quando eles têm um problema lá, eles entram em
contato conosco, agente procura resolver sempre da maneira mais rápida e mais eficiente para
proteger aquela mulher. Ontem mesmo, por exemplo, tiveram duas prisões preventivas de
casos mais graves que chegaram aqui, e as duas já foram cumpridas. Hoje a delegacia já
comunicou que os dois ofensores já foram presos.
Entrevistadora: Qual é a formação e aprimoramento da magistratura sobre a violência de
gênero?
Entrevistado: Quando a Lei Maria da Penha surgiu, nós tínhamos profissionais que tinha
formação por conta própria, eu fiz cursos fora dos espaços do tribunal, participei de
seminários, fóruns de debates, enfim, o que tinha sobre violência doméstica eu corri atrás, por
conta própria.
Assim começou a ter esse olhar, porque se especializou na justiça um grupo de magistrados
que trabalhava com isso. E nós começamos a preocupar a fomentar cursos aqui no juizado,
tivemos discussão especificamente sobre violência doméstica, tivemos cursos sobre violência
de gênero, palestras com professores de várias universidades, onde obtivemos esse olhar sobre
do que é essa violência de gênero e que mostra pra gente como e quando isso está presente na
sociedade, no olhar da sociologia, do serviço social, da psicologia, esse conceito de gênero,
que nós do direito não tínhamos, na faculdade, na nossa formação. Então, quando chegou essa
Lei, minha grande pergunta era: o quê que é essa questão de gênero, que não é gênero
masculino ou feminino, sexista, homem e mulher? Mas que passa por todo esse processo
cultural, do olhar da sociedade do papel da mulher, do papel do homem, aí foi que eu comecei
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a entender e chegar a esse ponto. Hoje, nós estamos preparando cursos, palestras, seminários
para nossos servidores, capacitando os juizados de violência doméstica, sendo uma iniciativa
do Tribunal.
Entrevistadora: Os investimentos feitos na jornada Lei Maria da Penha e no FONAVID
surtiram efeitos na justiça?
Entrevistado: O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que tem um olhar mais administrativo
sobre o judiciário, reuniu um grupo de magistrados nessa jornada, trouxe pessoas que lidam
com violência doméstica pra conversar sobre violência doméstica, criar tipo um fórum, e
nessa conversa, surgiu a necessidade de um fórum permanente de discussão da Lei Maria da
Penha, porque é uma lei muito nova, traz uma mudança cultural muito grande. Esse grupo de
juízes sugeriu a criação do FONAVID, que é um Fórum Nacional de Juízes de Violência
Doméstica, que levam experiências dos juizados de todo o Brasil, assim não precisamos
reinventar, as experiências já estão ali, com seus resultados por ex.: no RS estão com o
programa da Patrulha da Maria da Penha, o ES com o botão do pânico, BH com a
tornozeleira, nós aqui temos um atendimento diferenciado da Equipe Multidisciplinar. Então
cada tribunal leva sua experiência, agente discuti essas experiências e também vota em
experiência de alguns enunciados, ex.: nesse caso é melhor fazer isso, naquele caso é ideal
fazer aquilo. Então esse fórum é muito rico por essas trocas que fazemos. Nós aqui, estamos
tentando criar o acesso direto da delegacia com o juizado, através de comunicação eletrônica,
pois hoje a medida é pedida na delegacia e eles tem que trazer pra gente, tem casos que
servidores que relataram ter que andar até 400km pra entregar uma medida protetiva. O que
agente quer é criar um mecanismo eletrônico onde as delegacias vão expedir as medidas via
sistema, tipo um malote digital, que chegará mais rapidamente até ao juizado. Ainda está
sendo criado, vamos fazer de uma forma bem elaborada para que possa atender todas as
delegacias e assim, como experiência, vamos levar essa proposta para o FONAVID, para que
eles possam reproduzir, evitando reinventar, poupando tempo e também custos financeiros.
Entrevistadora:O que mudou pra você, com esse fórum?
Entrevistado: Com o FONAVID, o que mudou é exatamente isso, a troca de experiências.
Também o aprimoramento pessoal do magistrado, para que ele tenha mais capacidade pra
resolver aquele conflito, porque quanto mais capacidade você tiver, melhor vai ser a solução
para aquele caso. Pois se eu sei que uma experiência deu certo em tal estado, sei de outra, em
outro estado, você tem experiências que poderão ser usadas ou construir em cima delas,
eliminando uma fase, que é como resolver aquele tal problema, e com o fórum você já tem a
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solução para aquele problema. Pra mim o que melhorou foi o conhecimento, sendo prático,
porque as pessoas estão na prática, lindando com isso, e às vezes agente está com mesmo
problema e trocando essas experiências, podemos resolver o mesmo problema que já
apresentou em outro juizado e o resultado será o mesmo. Então, de certa forma, eu não
preciso passar por um mesmo problema que outro já passou, porque trocamos essa
experiência.
Entrevistadora: Em sua opinião, a medida protetiva tem eficácia no objetivo de coibir e
prevenir a violência doméstica contra mulher?
Entrevistado: Tem muita eficácia, porque o ofensor sente a mão do Estado no problema, uma
coisa é o homem estar agredindo aquela mulher dentro de casa, sem ninguém ver, sem
ninguém falar nada. Outra coisa é um oficial de justiça bater na porta da sua casa e falar com
ele: olha, você tem que sair de casa agora. Isso tem um valor pedagógico, agora ele sabe que
tem alguém olhando, tem alguém que sabe que aquela mulher está sendo agredida. Então, o
homem recebe a intimação e ele sabe que não pode se aproximar dessa mulher e se ele se
aproximar, ele poderá ser preso, pois ele não que perder a liberdade. Então, essa intervenção é
muita positiva, pois ela é rápida, é na hora!
Entrevistadora: O que precisa ser feito no DF, considerando as experiências em outros
estados? O que a justiça pode fazer?
Entrevistado: Uma coisa que nós precisamos fazer no DF... é complicado, porque ele tem
um diferenciado no investimento sobre a violência doméstica. Aqui possui o maior número de
juizados de violência doméstica, com toda estrutura, com espaço físico, com um titular de
cada juizado, enfim, com tudo a disposição dessa causa. São doze juizados cuidando só desse
tema, só de violência doméstica. Então, o TJ deu uma avançada muito grande nessa questão
dos juizados especializados, que é essencial. Além disso, nós temos um serviço psicossocial,
o quadro do psicossocial do tribunal, da SEPSI, que é a Secretaria Psicossocial Judiciária,
possui mais de 100 servidores. Então o tribunal tem uma estrutura muito boa e isso ajuda. O
que mais que nós podemos fazer, é claro que tem muito ainda a fazer, principalmente
investimento em rede, rede psicossocial, rede de proteção, em todo tipo. Não podemos perder
esses envolvidos em violência doméstica que chegam até agente, e o trabalho em rede é
fundamental, é o que vejo como forma para “arrumar”, dando a condição de realmente mudar
a percepção do homem ou da mulher na questão da violência de gênero, quase como
tratamento, para que possa prevenir e coibir novas violências.
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Entrevista - 3
Entrevistada: Assistente Social do SERAV (Serviço de Assessoramento aos Juízos
Criminais)
Entrevistadora: Qual sua percepção da aplicação de medidas protetivas no DF?
Entrevistada: É uma medida muito importante, pois ela possui uma vinculação. Ela atua na
área cível e vai atuar a mulher protegendo a mulher, pra que se previna que uma violência
surja. O ideal é que as medidas protetivas fossem aplicadas sem que tivesse um crime, se a
mulher tivesse sendo ameaçada, ela pudesse recorrer à medida protetiva. Mas o que agente
percebe das medidas protetivas é que são medidas efetivas, que buscam garantir a segurança
da mulher que, em geral, as mulheres sentem protegidas, quando estão com essa medida, e os
homens temem essa medida. Nos atendimentos que agente faz, que tem uma medida
protetiva, é muito interessante agente observar como as famílias encaram essas medidas, essa
coisa da proibição e apesar de se divulgar que não tem números e nem resultados de que reduz
a violência, agente observa que isso tem efeito muito positivo. Percebemos que, um dos
grandes avanços na Lei Maria da Penha, foi as medidas protetivas.
Entrevistadora: Como é o conhecimento dessas mulheres vítimas de violência doméstica
sobre a medida protetiva?
Entrevistada: Antes existia uma confusão no sentido das medidas protetivas, hoje, está sendo
mais divulgado para o homem e para mulher. Eu acho que está dando mais susto nos homens,
acho que eles não entendiam isso e a mulher ter mais a compreensão do que ela pode utilizar,
que é o direito dela de pedir as medidas protetivas. Nós, tanto o SERAV, como o CJM
(Centro Judiciário da Mulher), estamos fazendo uma cartilha para dar ao homem e a mulher,
quando o juiz deferir a medida protetiva e o oficial de justiça levar a intimação, ele entrega
também essa cartilha. É uma cartilha explicativa, de linguagem bem simples, de o que é a
medida protetiva, acrescentando mais ainda nesta compreensão do direito da mulher de
usufruir dessa medida.
Entrevistadora: Sabemos dos casos de assassinatos de mulheres sob mediada protetiva,
como o psicossocial vê os casos de violação dessa medida?
Entrevistada: No caso de assassinato de mulheres que estão sob a medida protetiva, foi uma
violação e o homem a mataria mesmo que estivesse sem a medida. Eu acho que é isso, é uma
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situação que violou a medida protetiva, e realmente a justiça não quer saber se a pessoa está
violando, cabe a mulher informar isso, mas ela também não sabe, ela acha que, depois que ela
está com a medida protetiva, ela não precisa fazer outras denúncias pra estar colocando novas
violações, em relação a ela. Então, falta esse esclarecimento também.
Entrevistadora: Na sua percepção, a medida protetiva contribui para coibir e prevenir a
violência contra a mulher? A mulher se sente protegida?
Entrevistada: O simbolismo que tem da justiça falando o que deve ser feito ou não, é muito
pesado, principalmente para o homem. As mulheres em geral, com as medidas protetivas,
ainda tem muito os casos que elas se sentem seguras sim. Existem casos que as mulheres
estão falando que estão seguras, que as medidas protetivas “resolveu” o problema dela.
Agora, agente não consegue mensurar, com dados seguros, a eficácia das medidas protetivas,
em questão da coibição da violência. Não é só a justiça que vai dar conta dessa violência
contra a mulher. O espaço da justiça ele tem esse sentido também, mas não é só esse objetivo.
O peso sobre a justiça é muito grande, não é só a justiça que vai resolver o problema da
violência contra mulher, ela é apenas um ator dentro deste cenário, e precisa sim, de políticas
públicas, não é o papel da justiça emponderar, mas ele tem esse significado quando dá uma
medida protetiva. A mulher precisa sim de uma assistência e é por isso que precisa de
políticas públicas, senão fica o peso só pra justiça. Às vezes é uma falsa idéia, quando se
trabalha com isso, de achar que só as medidas protetivas ou Lei Maria da Penha, vai coibir a
violência doméstica.