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Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção Dezembro/2018 ISSN 2179-5568 Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018 Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção Samara do Amaral Xavier [email protected] Avaliação Psicológica Instituto de Pós-Graduação - IPOG Brasília, DF, 21 de fevereiro de 2018 Resumo O suicídio é considerado um grave problema de saúde pública, e quando ocorre uma tentativa, é um forte indício de que um suicídio venha a ocorrer. Diante disto, é necessário criar intervenções mais eficazes nas tentativas de suicídio, principalmente, por não haver um consenso entre o que fazer, como fazer e principalmente sobre aquilo que não se deve fazer. Tendo em vista este problema, faz-se necessário um estudo aprofundado a respeito do tema suicídio e justifica a importância de construir novas saberes e formas de atuação na perspectiva psicológica. A relevância de estudar esta temática está relacionada às vidas que se perdem vítimas do suicídio e aos impactos gerados nos familiares, amigos e pessoas próximas. Dessa forma, investigar a dinâmica de uma tentativa de suicídio contribui de forma positiva na perspectiva preventiva e de favorecimento a vida. O presente trabalho tem por finalidade realizar uma pesquisa bibliográfica das principais contribuições da Avaliação Psicológica na identificação dos fatores de risco e fatores de proteção para que ocorra uma possível prevenção dos casos de suicídio. Será abordado uma nova perspectiva de atuação na área da Avaliação Psicológica, denominada posvenção. Percebe-se uma carência de referencial bibliográfico e principalmente de instrumentos específicos que avaliem os riscos de suicídio. Conclui-se que há uma necessidade de construção de um novo instrumento específico para população brasileira e que avalie o suicídio como um todo e não de forma fragmentada, para que as intervenções sejam mais eficazes. Palavras-chave: Suicídio. Fatores de risco. Avaliação Psicológica. Prevenção 1. Introdução O suicídio é considerado um grave problema de saúde pública, e quando ocorre uma tentativa, é um forte indício de que um suicídio venha a ocorrer. Diante disto, é necessário criar intervenções mais eficazes nas tentativas de suicídio, principalmente, por não haver um consenso entre o que fazer, como fazer e principalmente sobre aquilo que não se deve fazer. Torna-se necessário realizar uma pesquisa bibliográfica a respeito do suicídio, para que se entenda a dimensão real do problema, as dificuldades de se abordar sobre o assunto, como ajudar e como trabalhar na perspetiva da prevenção. A escolha do tema, originou-se da preocupação com a saúde dos sujeitos que atentam contra suas vidas, buscando entender a psicodinâmica que envolve a mente de um

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Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Samara do Amaral Xavier – [email protected]

Avaliação Psicológica

Instituto de Pós-Graduação - IPOG

Brasília, DF, 21 de fevereiro de 2018

Resumo

O suicídio é considerado um grave problema de saúde pública, e quando ocorre uma

tentativa, é um forte indício de que um suicídio venha a ocorrer. Diante disto, é

necessário criar intervenções mais eficazes nas tentativas de suicídio, principalmente,

por não haver um consenso entre o que fazer, como fazer e principalmente sobre aquilo

que não se deve fazer. Tendo em vista este problema, faz-se necessário um estudo

aprofundado a respeito do tema suicídio e justifica a importância de construir novas

saberes e formas de atuação na perspectiva psicológica. A relevância de estudar esta

temática está relacionada às vidas que se perdem vítimas do suicídio e aos impactos

gerados nos familiares, amigos e pessoas próximas. Dessa forma, investigar a dinâmica

de uma tentativa de suicídio contribui de forma positiva na perspectiva preventiva e de

favorecimento a vida. O presente trabalho tem por finalidade realizar uma pesquisa

bibliográfica das principais contribuições da Avaliação Psicológica na identificação dos

fatores de risco e fatores de proteção para que ocorra uma possível prevenção dos casos

de suicídio. Será abordado uma nova perspectiva de atuação na área da Avaliação

Psicológica, denominada posvenção. Percebe-se uma carência de referencial

bibliográfico e principalmente de instrumentos específicos que avaliem os riscos de

suicídio. Conclui-se que há uma necessidade de construção de um novo instrumento

específico para população brasileira e que avalie o suicídio como um todo e não de

forma fragmentada, para que as intervenções sejam mais eficazes. Palavras-chave: Suicídio. Fatores de risco. Avaliação Psicológica. Prevenção

1. Introdução

O suicídio é considerado um grave problema de saúde pública, e quando ocorre uma

tentativa, é um forte indício de que um suicídio venha a ocorrer. Diante disto, é

necessário criar intervenções mais eficazes nas tentativas de suicídio, principalmente,

por não haver um consenso entre o que fazer, como fazer e principalmente sobre aquilo

que não se deve fazer.

Torna-se necessário realizar uma pesquisa bibliográfica a respeito do suicídio, para que

se entenda a dimensão real do problema, as dificuldades de se abordar sobre o assunto,

como ajudar e como trabalhar na perspetiva da prevenção.

A escolha do tema, originou-se da preocupação com a saúde dos sujeitos que atentam

contra suas vidas, buscando entender a psicodinâmica que envolve a mente de um

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suicida em potencial, bem como, pelo desejo de ampliar os conhecimentos acerca dos

instrumentos existentes para Avaliação Psicológica nesses casos.

Observa-se a necessidade de conhecer instrumentos em Avaliação Psicológica que

possam fornecer indícios de uma tendência suicida. Uma vez que, pesquisas apontam

que muitos suicidas procuram o serviço de saúde antes de atentar contra a vida,

demonstrando algum tipo de intenção, e que por vezes é ignorado, por falta de preparo e

manejo destes profissionais.

Fica evidenciado também, a necessidade de abordar e criar intervenções mais eficazes

com as famílias que vivenciam o processo de luto ocasionado pelo suicídio,

principalmente por ser uma abordagem nova, denominada posvenção.

Fora utilizado como base, cartilhas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde (2014 e

2006), Associação Brasileira de Psiquiatria (2010), Conselho Federal de Psicologia

(2013), Conselho Federal de Medicina (2014) e autores como: Sterian (2001), Botega

(2009), Werlang (2004), Tavares (2000), Ariès (1982), etc.

2. Suicídio e a dimensão do problema - falar é a melhor solução

O suicídio tem se tornado um grave problema de saúde pública, principalmente pelo

aumento progressivo de casos ao longo das últimas décadas. Segundo a Organização

Mundial da Saúde, no ano de 2012, houveram aproximadamente 804 mil mortes no

mundo por suicídio. Em 2020, estima-se que mais de 1,5 milhões de pessoas irão

cometer suicídio em um período de um ano. (WHO, 2014)

Dados da Organização Mundial da Saúde (2014), revelam que em uma perspetiva

global, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre as pessoas entre 15 e 29

anos, embora, a incidência seja maior entre as pessoas com 70 anos de idade idade ou

mais, tanto entre homens como mulheres em quase todas as regiões do mundo. Em

geral, os homens cometem mais suicídio que as mulheres, no entanto, estas apresentam

o número de tentativas maior. Cerca de 90% dos sujeitos que cometeram suicídio

tinham algum transtorno mental e que, na época, 60% deles estavam deprimidos.

Relatórios da Organização Mundial da Saúde (2016) revelam que a quantidade de

tentativas de suicídio, é de 10 a 20 vezes mais alta do que a de mortes. Os meios mais

utilizados para cometer o suicídio estão na ingestão de pesticidas, enforcamento e armas

de fogo. A meta de ação de Saúde mental da OMS é a redução de 10% até 2020. O

Brasil é o quarto país da América Latina com o maior crescimento no número de

suicídios ao ano no período de 2000 a 2012, e o ato suicida é considerado a terceira

maior causa de óbito por fatores externos, antecedido por homicídios e acidentes de

transito.

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Figura 1: Países e as faixas de mortalidade de suicídio em que se encontram

Fonte: Dados produzidos por Werlang e Botega (2004)

Segundo OMS (2006), o Sistema de Informação e Mortalidade (SIM) do Ministério da

Saúde é quem registra os números de mortalidade por suicídio, levando em

consideração apenas as declarações de óbito. Então, estima-se que o quadro de suicídio

possa ser maior, já que os números reais podem ser até quatro vezes maiores que os

registros oficiais, o que os caracteriza como subestimados e sub-notificados. Este fato, é

explicado pela dificuldade de se ter uma dimensão precisa e oficial dos suicídios

efetivos. Alguns exemplos como: envenenamento acidental, afogamento, acidentes

automobilísticos, contribuem para que o número total de suicídios não seja fidedigno,

principalmente porque as causas citadas nem sempre são registradas e tidas como

suicídio.

Os registros oficiais sobre tentativas de suicídio são mais escassos e menos confiáveis

do que os de suicídio. Estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o

número de suicídios em pelo menos dez vezes. (OMS, 2016)

A figura abaixo refere-se a uma pesquisa multinacional, da OMS, realizada por Nery

Botega, Barros, Oliveira, Dalgalarrondo e Marin (2005), que foram coletados na urbana

de Campinas-SP. Em números aproximados, de cada 100 pessoas de uma comunidade

urbana, 17 pensam em suicídio em algum momento da vida, 5 planejam e 3 realizam

uma tentativa. Das três pessoas que realizam a tentativa, somente uma é atendida em

pronto socorro.

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Figura 2: Pesquisa multinacional – OMS

Fonte: Dados produzidos por Botega, Barros, Oliveira, Dalgalarrondo e Marin – Leon (2005)

Para se entender o fenômeno suicídio e para se pensar em uma possível prevenção, é

necessário registro mais eficazes, pesquisas mais precisas, melhor disponibilidade dos

dados sobre suicídios e sobre as tentativas de suicídio. O primeiro passa para entender a

dinâmica das tentativas de suicídio e das mortes por suicídio é conhecer e entender a

dimensão do problema, para criar estratégias mais eficazes de prevenção.

Ao contrário do que se pensa, falar sobre suicídio não provoca atos de autoagressão ou o

próprio ato de suicidar-se, trata-se de um grande tabu. Falar abertamente sobre a

intenção suicida e seus fatores de risco e proteção, trata-se da forma mais eficaz de

abordar e manejar o risco de suicídio. Não basta apenas investigar, é preciso emparia

para ouvir e estar sensível as demandas de quem apresenta pensamento suicida, pois

nem sempre a pessoa expressará claramente seu desejo de morrer.

3. Características da mente suicida

O termo suicídio refere-se a um conceito de difícil definição, principalmente por

suscitar muitas discussões teóricas sobre o ato em si e sobre a sua intencionalidade,

principalmente por ser um tema que gera alguns estigmas e preconceitos.

Segundo Ariès (1982 apud SOUZA, 2005), a morte trata-se de um processo natural em

que todo ser humano passará, e quando ocorre uma morte por suicídio, a morte perde o

caráter de naturalidade e rompem com a sua imprevisibilidade.

Werlang (et al., 2004) divide o comportamento suicida em três características: a

ideação, a tentativa e o ato de suicidar-se. A ideação refere-se aos pensamentos, ideias e

planejamento da morte, é considerado o preditor de risco para o suicídio. Com essa

definição, tem-se uma desconstrução da ideia de que o suicídio ocorre de uma maneira

rápida, sem sinal ou aviso.

Para Holmes (2001) existem três características do estado da mente suicída: a

ambivalência, impulsividade e a rigidez. A ambivalência que é uma atitude interna, que

apresenta uma dualidade entre o desejo de morte, mas também o desejo de viver. Por

vezes, o desejo de vida sobre o desejo de morte é o que representa um fator de

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prevenção suicídio. A ambivalencia representa essa luta interna entre vive e/ou acabar

com o sofrimento ou a dor psíquica.

A impulsividade pode ser desencadeada por eventos ruins durante o dia e pode durar

alguns minutos ou horas. E a rigidez, refere-se a dificuldade de enxergar uma saida

diante do sofrimento. O único caminho é a morte, pois não há nada que se possa fazer.

Segundo a cartilha elaboradora pela ABP (2014:26), o funcionamento mental de um

suicida em potencial gira em torno de três sentimentos:

“[...] intolerável (não suportar); inescapável (sem saída); e interminável (sem

fim). Existe uma distorção da percepção de realidade com avaliação negativa

de si mesmo, do mundo e do futuro. Há um medo irracional e uma

preocupação excessiva. O passado e o presente reforçam seu sofrimento e o

futuro é sombrio, sem perspectiva e com ausência de planos. Surge a ideação

e a tentativa de suicídio, que pode culminar com o ato suicida. O peso da

decisão de morrer repousa na interpretação dos eventos e a maioria das

pessoas, quando saudável, não interpreta nenhum evento como devastador o

suficiente para justificar o ato extremo.” (ABP, 2014:26)

Segundo Ministério da Saúde (2006), a maioria das pessoas com pensamentos suicidas

acabam por comunicar seus pensamentos e intenções suicidas. Surgem sinais e

comentarios sobre querer morrer e/ou sentimentos de não valer nada. Os principais

sentimentos de quem quer cometer suicidios são: depressão, desesperança, desamparo e

desespero.

Torna-se de grande relevância entender a mente de um suicida, para que se possa

trabalhar na perspectiva preventiva e criar estrategias de como intervir. Por falta de

conhecimento e/ou preconceito, a população em geral e muitas vezes os profissionais de

saúde mental, tendem a reduzir a dor e sofrimento dos sujeitos, desacreditando que este

pode atentar contra a própria vida. Botega (2015), relata que ainda que em alguns casos

haja um componente de manipulação, o risco de suicidio não pode ser ignorado.

4. Fatores de Risco

A avaliação de fatores de risco é de extrema importância tanto para o desenvolvimento

de programas preventivos quanto para a atuação nos contextos de intervenção. O

profissional de saúde mental, deve saber identificar e manejar as características que

envolvem o comportamento suicida, uma vez que ao trabalhar a morbidade (ideação e

tentativa), tem –se uma diminuição da mortalidade (suicídio).

O Mnistério da Saúde (2006) define alguns fatores principais, como sendo fatores de

risco: transtornos mentais, sociodemográficos, psicológicos e condições clínicas

incapacitantes. Os Transtornos mentais incluem: transtornos do humor, tendo como

principal deles a depressão, transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso

de substâncias psicoativas, como por xemplo o alcoolismo, transtornos de personalidade

(principalmente borderline, narcisista e anti-social), esquizofrenia e transtornos de

ansiedade. É importante considerar que as comorbidade potencializam os riscos, por

exemplo: alcoolismo mais depressão.

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Segundo Ministério da Saúde (2006), os fatores sociodemográficos indicam um grupo

especifico que esta mais propenso a cometer suicídio, dentre eles, são: pessoas do sexo

masculino, nas faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos, residentes de áreas

urbanas, desempregados (principalmente perda recente do emprego), aposentados,

isolamento social, solteiros ou separados e migrantes.

Os fatores psicológicos referem-se a: perdas recentes, perdas de figuras parentais na

infância, dinâmica familiar conturbada, datas importantes, reações de aniversário,

personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade, humor lábil. E

as condições clínicas incapacitantes, referem-se a: doenças orgânicas incapacitantes, dor

crônica, lesões desfigurantes perenes, epilepsia, trauma medular, neoplasias malignas e

Aids. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).

Segundo a APB (2014:16), os dois principais fatores de risco são:

“Tentativa prévia de suicídio: É o fator preditivo isolado mais importante.

Pacientes que tentaram suicídio previamente têm de cinco a seis vezes mais

chances de tentar suicídio novamente. Estima-se que 50% daqueles que se

suicidaram já haviam tentado previamente. Doença mental: Sabemos que

quase todos os suicidas tinham uma doença mental, muitas vezes não

diagnosticada, frequentemente não tratada ou não tratada de forma

adequada.” (APB, 2014:16)

Os transtornos psiquiátricos mais comuns incluem depressão, transtorno bipolar,

alcoolismo e abuso/dependência de outras drogas e transtornos de personalidade e

esquizofrenia. Pacientes com múltiplas comorbidades psiquiátricas têm um risco

aumentado, ou seja, quanto mais diagnósticos, maior o risco. (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2006)

Existem alguns fatores de risco associados ao comportamento/pensamento suicida. Uma

cartilha elaboradora pela Associação Brasileira de Psiquiatria, revela como sendo:

doenças mentais, aspectos sociais, aspectos psicológicos e condições de saúde

limitantes.

Figura 3: Principais fatores de risco associados ao comportamento suicida

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Fonte: Cartilha da Associação Brasileira de Psiquiatria (2014) Diante do exposto, o profissional psicólogo deve então saber recorrer da literatura

existente, e a outros profissionais, para entender a respeito dos fatores de risco e poder

intervir na prevenção do suicídio. É um grande desafio não só para a Psicologia, mas

para a sociedade, por ser um desafio social, econômico e político.

5. Avaliação Psicológica e fatores de proteção

Dentre as situações emergenciais mais graves, o suicídio, destaca-se como um

fenômeno de extrema importância e dificuldade para os profissionais de saúde. Por

apresentar caráter emergencial, demanda muitas vezes, decisões rápidas e assertivas,

pois as consequências podem ser irreversíveis. Diante disto, um manejo e uma avaliação

psicológica adequada, é um procedimento básico de extrema importância para saúde

mental.

Segundo Sterian (2001), lidar com pacientes suicidas é considerado uma prática muito

difícil e que mobiliza algumas ansiedades nos profissionais de saúde mental, até mesmo

nos mais experientes.

Diante do contexto emergencial, torna-se fundamental, a utilização de instrumentos que

sistematizem a avaliação de risco e principalmente respaldem e norteiem as

intervenções clínicas dos profissionais. Por isso a importância de se reconhecer os

fatores de risco e de proteção, para estabelecer estratégias para reduzir a ideação suicida

nos pacientes.

Segundo a ABP (2014:24), os fatores de proteção são menos estudados e pouco

consistentes, sendo considerados alguns fatores, como:

“[...] a autoestima elevada, um bom suporte familiar, laços sociais bem

estabelecidos com família e amigos, religiosidade independente da afiliação

religiosa e razão para viver, ausência de doença mental, estar empregada, ter

crianças em casa, senso de responsabilidade com a família, gravidez desejada

e planejada, capacidade de adaptação positiva, capacidade de resolução de

problemas e relação terapêutica positiva, além de acesso a serviços e

cuidados de saúde mental.” (APB, 2014:24)

Para Cunha (2009), a avaliação psicológica é entendida como conjunto de

procedimentos que descrevem o funcionamento dos indivíduos os grupos, fazendo

predições sobre comportamentos em determinadas ocasiões. Instrumentos e técnica

como: testes psicológicos, entrevistas e observações podem ser utilizados em um

processo de avaliação.

O Conselho Federal de Psicologia (2013), com objetivo de sistematizar e oferecer

diretrizes técnicas, éticas e metodológicas, criou alguns fóruns de discussão sobre a

avaliação psicológica no Brasil.

“A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de

investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de

programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo. Mais

especialmente, a avaliação psicológica refere-se à coleta e interpretação de

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dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis,

entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica. (CFP, 2013:

8)

5.1 Entrevista

Tavares (2000:45), entende entrevista clínica como um conjunto de técnicas que visa a

investigação, sendo um processo complexo e amplo. Possui um tempo delimitado,

sendo direcionada por um entrevistador que: “treinado “que utiliza conhecimentos

psicológicos, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou

sistêmicos”.

A entrevista favorece o acesso ao modo de ser do outro, de lidar com a realidade e de

expressar-se. Proporciona ao entrevistador acesso a estruturação do ser e : “[...] a

entrevista é o instrumento mais poderoso do psicólogo – o mais indispensável de todos

que podem ser colocados ao seu alcance”. (TAVARES, 2000:75)

Mesmo que a técnica demande mais treinamento e tempo dos profissionais que a

realizam, a entrevista leva a uma avaliação clínica mais completa, precisa com relação

ao risco de suicídio. (TAVARES, 2007)

Avaliação de risco de suicídio na entrevista, supõe uma postura livre de julgamentos,

com perguntas que ajudem na elaboração de sentimentos, insights e sentimentos do

paciente. Segundo Ponciano (1986), os profissionais devem manejar a angustia do

paciente e principalmente criar uma aliança de confiança e trabalho com ele, sendo

empáticos e sabendo ouvir suas preocupações.

Joiner e cols. (1999), relatam que a entrevista semiestruturada garante uma maior

compreensão do contexto de risco e suicídio, e os relatos dos pacientes levam a uma

maior previsao de comportamentos suicidas ocorridos nos meses seguintes.

Autores como Botega, Silveira e Mauro (2010) esclarecem que a entrevista nos casos de

suicidio possuem dois objetivos primordiais, coletar informações e estabelecer vínculos.

Com isso é possível acolher, proteger e oferecer apoio emocional de maneira empática e

principalmente sem julgamentos.

A entrevista não restringe-se somente aos pacientes, mas também ao familiares, visando

identificar os fatores de risco, de proteção, predisponente e precipitantes, histórico

pessoal e familiares e sua rede de apoio (BERTOLOTE, SANTOS E BOTEGA, 2010).

Buscando algumas referencias de entrevista, Rrodrigues (2009), relata que no âmbito

âmbito internacional, entrevistas que avaliam o contexto do risco de suicídio nos

últimos anos referem-se a: Chronological Assessment of Suicide Events – CASE,

Assessment, Crisis Intervention, and Trauma Treatment – ACT, Crisis Intervention

Semi-Structures Interview – CISSI e Self-Injurius Thoughts and Behaviors Interview –

SITBI.

Em relação aos estudos brasileiros voltados para o desenvolvimento e a validação de

entrevistas semi-estruturadas de avaliação do contexto suicida, revelam que ainda são

muito escassos. Rodrigues (2009), esclarece que:

Existem publicações sobre a Entrevista Semiestruturada para Autópsia

Psicológica (Werlang, 2000a e Werlang, 2000b), instrumento que avalia

retrospectivamente aspectos psicológicos envolvidos em uma morte

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consumada para esclarecer a circunstância e o modo do óbito (se foi

intencionalmente auto-infligida ou não). A biografia da pessoa falecida é

reconstruída por meio de entrevistas com terceiros (familiares, amigos e

profissionais) e de análise de documentos deixados. (RODRIGUES,

2009:56)

Nas revisões bibliográficas, foram encontradas duas entrevistas semiestruturadas que

são bastante utilizadas por profissionais da saúde: HEARTS e ESAP - Entrevista Semi-

Estruturada para Autópsia Psicológica que avaliam a depressão, além de alguns

instrumentos que avaliam o suicídio de uma forma indireta.

5.2 Testes Psicológicos

Dentro do processo de avaliação psicológica, o uso de teste psicológico torna-se um

instrumento de mensuração baste importante na coleta e analise dos dados. Segundo

Anastasi & Urbina (2000), um dos fatores principais para o uso de teste é a sua

validade, que vai confirmar ou não sua cientificidade, e se o instrumento mensura o que

propôs medir, e o quão bem ele faz isso.

No Brasil, existe o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI)

desenvolvido pelo Conselho Federal de Psicologia, que avalia os testes psicológicos,

avaliando em favoráveis ou desfavoráveis, buscando nortear os profissionais quanto a

sua utilização. Levando em consideração ao tema suicídio, alguns instrumentos avaliam

fatores como: ideação suicida, comportamentos suicidas, intencionalidade, depressão,

humor, etc.

Fora realizada pesquisa na base de dados (Scielo, google academico e Isi Web of

Science), para levantar quantos instrumentos psicologicos existem para avaliação

psicologico do suicidio no Brasil. Form eliminados teste e/ou instrumentos que não

apresentam validação ou não adaptados para a população brasileira. Foram encontrados

26 instrumentos que avaliam tanto o comportamento, como a tendência suicida de

forma direta ou indireta.

Tabela 1. Instrumentos de avaliação psicológica de suicídio no Brasil (adaptado)

ESCALAS DE AVALIAÇÃO DE SUICÍDIO

NOME ANO AUTORES PAÍS DE

CONSTRUÇÃO DIMENSÕES AMOSTRA

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

BDI

(Escala Beck) 1996

Aaron T.

Beck Estados Unidos

Tristeza, pessimismo,

sentimentos de fracasso,

insatisfação, culpa, punição, auto

aversão, autoacusação, ideias

suicidas, choro, irritabilidade,

retraimento social, indecisão,

mudança na autoimagem,

dificuldade de trabalhar, insônia,

fatigabilidade, perda de apetite,

perda de peso, preocupações

somáticas e perda da libido.

17 a 80

anos

BSI (Escala

Beck) 1970

Aaron T.

Beck Estados Unidos

Desejo de viver, desejo de

morrer, Razões para viver ou

morrer, tentativa de suicídio

passiva, duração das ideias de

suicídio, frequência da ideação,

atitude em relação a ideação,

controle sobre atos suicidas,

inibições para a tentativa, razões

para a tentativa, especificidade

do planejamento acessibilidade o

oportunidade ao método

capacidade de realizar tentativa

probabilidade de tentativa real

extensão da preparaçã

verdadeira, bilhete suicida, atos

finais e despistamento segredo.

17 a 80

anos

Fonte: Dados produzidos por Costa (2015)

Tabela 1. Instrumentos de avaliação psicológica de suicídio no Brasil (adaptado) - continuação

ESCALAS DE AVALIAÇÃO DE SUICÍDIO

NOME ANO AUTORES PAÍS DE

CONSTRUÇÃO DIMENSÕES AMOSTRA

CES-DR 1977 Laurie

Radloff Estados Unidos

Tristeza, perda de interesse,

apetite, sono,

pensamento/concentração,

culpa, cansaço, agitação e

ideação suicida.

Adolescentes e

adultos

jovens

CDI 1979 Maria

Kovacs Estados Unidos

Sintomas afetivos, cognitivos,

somáticos e de conduta

7 a 17

anos

ESAP 2001 Werlang Brasil

Precipitantes e/ou estressores,

motivação, letalidade,

intencionalidade.

Não há

especificação

de idade

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Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

HeARTS 1997 Marcelo

Tavares Brasil

Comportamento suicida,

histórico do paciente,

tentativas anteriores, causas

internas e externa da

tentativa, capacidade de

insight, natureza de

pensamentos e ideação.

13 e 54

anos

SRQ-20 1994

Organização

Mundial da

Saúde

Genebra

Transtornos psiquiátricos,

abuso de substancias e

epilepsia.

População

geral

CIS-R 1990 T.S. BRUGH

A, et. al Inglaterra

Transtornos depressivos,

neuróticos e depressão.

População

geral

Escala de

Risco

Suicidário

1977 J. Stork França

Angústia, Perda Objetal,

Agressividade,

Culpabilidade,

Toxicodependência, Ideais do

Eu, Situação Familiar,

Relação com a Mãe e com

Pai e Psicossomática.

População

geral

EDG-15 1986 Sheikh e

Yesavage Jerusalém Transtorno de humor

A partir de

65 anos Questionári

o de

Ideação

Suicida

(QIS)

1999 Ferreira JA,

Castela MC Portugal

Frequência e gravidade de

pensamentos suicidas

População

geral

Escala de

Pensament

os

Depressivo

s (EPD)

2013

Adriana

Munhoz

Carneiro

Brasil

Baixo Autoestima/

Desvalorização,

Relacionamento Interpessoal,

Autovalorização, Expectativa

Negativa/ Insatisfação e

Desajustamento

18 e 50

anos

EBADEP 2012

Makilim

Nunes

Baptista

Brasil

Humor, Vegetativos,

Motores, Sociais, Cognitivos,

Ansiedade e Irritabilidade

17 a 81

anos

Fonte: Fonte: Dados produzidos por Costa (2015)

Tabela 1. Instrumentos de avaliação psicológica de suicídio no Brasil (adaptado) - continuação

ESCALAS DE AVALIAÇÃO DE SUICÍDIO

NOME ANO AUTORES PAÍS DE

CONSTRUÇÃO DIMENSÕES AMOSTRA

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

MINI e

MINI PLUS

David V.

Sheehan Florida e Paris

Risco de suicídio, transtorno de

personalidade antissocial,

transtornos psicóticos e do

humor, transtorno de pânico,

episódio depressivo,

dependência de álcool e/ou

drogas, transtornos

alimentares, ansiedade,

agorafobia, etc.

18 e 65

anos

Escala de

depressão

de Carroll

(CRS)

1980 Bernard J.

et.al USA

Humor deprimido, sentimento

de culpa, ideação suicida,

insônia, trabalho e interesses,

agitação, ansiedade, libido,

perda de peso, hipocondria,

retardo mental.

18 a 64

anos

EAM-BR 2004 Shansis e

colaboradores Brasil Sintomas maníacos 25 a 70 anos

HDRS/HA

M-D 1960

Max

Hamilton Inglaterra

Sintomatologia depressiva em

pacientes com transtornos de

humor

18 a 74 anos

MADRS 1979 Montgomery

e Asberg Inglaterra

Mensurar mudanças ao longo

do tratamento de depressão Adultos

PPAS 1999 Shneidman Não

encontrado.

Detectar tendências ou

predisposições ao ato suicida. 15 a 19 anos

ZUNG 1965 William Zung Estados Unidos

Sintomas positivos e negativos

relacionados a depressão e seus

graus

Não informado.

Escala

Hospitalar

de

Ansiedade

e

Depressão

(HAD)

1983

Zigmond

AS, Snaith

RP

Não

Encontrado Depressão e ansiedade

Adolescentes e

adultos

Fonte: Fonte: Dados produzidos por Costa (2015)

Tabela 1. Instrumentos de avaliação psicológica de suicídio no Brasil (adaptado) - continuação

ESCALAS DE AVALIAÇÃO DE SUICÍDIO

NOME ANO AUTORES PAÍS DE

CONSTRUÇÃO DIMENSÕES AMOSTRA

Inventário

de Razões

para Viver

(RFL)

1983

Linehan,

Goodstein,

Nielsen e

Chiles

Portugal

Crenças de Sobrevivência e

Mecanismos de Adaptação,

Responsabilidade de Família,

Preocupações com Crianças,

Medo de Suicídio, Medo da

Reprovação Social e

Objecções Morais.

Acima de 18

anos

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

Pirâmide

colorida de

Pfister

(PFISTER)

1948 Max Pfister Suíça Personalidade e dinâmica

afetiva 8 a 68 anos

Inventário

de

depressão

maior (MDI)

2003

Organização

Mundial da

Saúde

Suíça

Fatores relacionados a

depressão sobre como o

paciente tem se sentido nas

duas últimas semanas

16 a 50 anos

Fonte: Fonte: Dados produzidos por Costa (2015)

Reconhecidos pelo SATEPSI, fora encontrado apenas um teste psicológico, a Escala

Beck. As Escalas Beck são compostas pelo Inventário de Depressão (BDI), Inventário

de Ansiedade (BAI), Escala de Desesperança (BHS) e Escala de Ideação Suicida (BSI).

O BDI mede a intensidade da depressão, e o BAI, a intensidade da ansiedade. A BHS é

uma medida de pessimismo e oferece indícios sugestivos de risco de suicídio em

sujeitos deprimidos ou que tenham história de tentativa de suicídio. A BSI detecta a

presença de ideação suicida, mede a extensão da motivação e planejamento de um

comportamento suicida. Usadas em sujeitos não-psiquiátricos, mas as normas foram

desenvolvidas para uso com pacientes psiquiátricos. Faixa etária:17 a 80 anos de idade.

Sendo estas as escalas mais indicadas nos artigos científicos que abordam o assunto.

7. Pósvenção – Quando acontece um suicídio

Ao se estudar o suicídio, deve-se ter uma dimensão completo dos sujeitos que cometem

o suicídio, mas também de toda dinâmica e pessoas (familiares, amigos e demais

pessoas) que estão envolvidas neste processo.

Segundo ABP (2014), quando acontece um suicídio de uma pessoa próxima, cerca de

seis a dez pessoas são afetadas. A intensidade da reação da perda varia de acordo com o

vinculo estabelecido entre o enlutado e o suicida, além dos recursos, intensidade, a

forma como aconteceu.

Diante do exposto, tem-se a necessidade de ampliar o olhar não só para o suicida em

potencial, mas para os enlutados (familiares, amigos e pessoas próximas). A avaliação

psicológica vai além da identificação de um suicida de seus fatores de risco, mas

também a toda uma rede de apoio aos chamados enlutados.

Segundo Fukumtsu (2013) na perspetiva na prevenção, tem-se uma redução dos

suicídios, a posvenção preocupa-se com o cuidados com os sobreviventes. Deve-se

orientar a prática da avaliação, para compreender também aspectos dos enlutados.

Fukumitsu (2013:69): “quem mata quem, quando acontece o suicídio?”

Como Jamison (2010: 264) esclarece:

“Aqueles que são deixados para lutar com isso devem enfrentar uma dor sem

igual. Eles são deixados com o choque e o infindável ‘e se’. São deixados

com a raiva e a culpa e, vez por outra, com um terrível sentimento de alívio.

São deixados para uma infinidade de perguntas dos outros, respondidas ou

não, sobre o motivo; são deixados ao silêncio dos outros”. (JAMILSON,

2010:64)

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

O CFP (2013), afirma entender o impacto de uma tentativa ou um suicídio não se limita

apenas ao sofrimento da pessoa em si, mas também da família, das relações sociais e de

trabalho.

“Perder alguém para o suicídio significa saber que a pessoa tirou a própria

vida e, em decorrência, sentir-se submetido à necessidade de dar sentido a

esse ato, de ter de justificar e sustentar o valor de nossas próprias vidas,

especialmente em momentos mais difíceis. Chamamos quem vive esse

processo de “sobrevivente”. O impacto de ser sobrevivente é tão significativo

que ter se relacionado com alguém que se matou é um dos principais

indicadores de risco futuro de suicídio. Ou seja, colegas, amigos e familiares

de pessoas que se mataram estão em maior risco do que a maioria das

pessoas.” (TAVARES apud CFP, 2013: 49)

Tavares (apud CFP, 2013), relata que estudar o impactos de ser sobrevivente ajuda a

compreender o processo de sofrimento antecipatório que uma família enfrenta. Algumas

famílias são surpreendidas no sentido de não terem percebido, compreendido ou

valorizado em tempo a pessoa que estava sua volta e pensava em suicídio. Sentimentos

de raiva, culpa e dor são presentes na elaboração do enlutado.

Um dos risco colocados por Tavares (apud CFP, 2013) é os efeitos no profissional de

saúde mental, de trabalhar em um contexto no qual pode vir a se tornar um

sobrevivente. De fato, estes profissionais podem vir a perder um de seus pacientes e o

impacto da perda de uma pessoa pelo suicídio não se limita à família ou aos amigos.

Tavares (apud CFP, 2013) exemplifica em dois tipos de expectativas que podem recair

sobre o profissional de saúde mental. Uma, que envolve a noção básica de cuidado e

outra define expectativas técnicas e profissionais sobre tipos de atenção.

Sobre a atuação técnica, há a expectativa de que os profissionais de saúde desenvolvam

ações preventivas, ou seja, ações:

“(1) dirigidas para as pessoas que precisam de suporte, por estarem em

sofrimento psíquico intenso ou grave com ideação suicida atual ou

comportamento suicida passado;

(2) dirigidas para as famílias dessas pessoas;

(3) dirigidas para as famílias enlutadas por suicídio.”

(TAVARES apud CFP, 2013:50)

Esta reflexão refere-se as interações afetivas paciente-terapeuta e terapeuta-paciente no

contexto do risco de suicídio. Serve de sensibilização e instrumentalização para a

experiência interna de estar vinculado emocionalmente a alguém que deseja pôr fim à

própria vida. Esse tipo de reflexão e a aceitação desses sentimentos que permite uma

elaboração mais profunda, que pode proporcionar a condição profissional de estar com

essas pessoas.

Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018

7. Conclusão

Conclui-se que o suicídio se apresenta como um grave problema de saúde pública.

Deve-se levar em consideração sua forma multidimensional, incluindo os fatores,

ambientais, sociais, biológicos e genéticos.

Embora haja um movimento dos órgãos da saúde para produção de cartilhas

informativas a população e aos profissionais de saúde, ainda há pouca produção

acadêmica com esta temática, principalmente pela dificuldade da população em geral

em falar sobre o fenômeno que a cada dia atinge milhares de pessoas no Brasil e no

mundo. Falar sobre suicídio ainda é difícil, e isso contribui para que esse se torne ainda

hoje um tabu na sociedade, que vai de encontro ao fato de que a ciência, com toda a sua

tecnologia, estuda maneiras para prolongar a estimativa de vida da população.

Percebe-se uma escassez de publicações relacionadas a avaliação psicológica e o

suicídio, provavelmente pela complexidade e aos tabus relacionados ao tema. Foi

percebido a ausência de um manual ou material mais específico que norteie a prática do

psicólogo a respeito da avaliação psicológica e o suicídio no Brasil.

Ao longo do presente estudo, foi confirmado que no Brasil existe uma limitação quanto

aos instrumentos de avaliação psicológicas direcionadas ao suicídio, principalmente

quando se pensa em populações específicas como crianças e analfabetos, dada a

inexistência de instrumentos de avaliação para esse público. Foi encontrado apenas um

teste psicológico reconhecido pelo SATEPSI (Escala Beck), com duas escalas de

domínio público (CES-D e CDI) e duas entrevistas semiestruturadas (HEARTS e

ESAP) que se propõem a avaliar depressão, além de alguns instrumentos que avaliam o

suicídio de uma forma indireta. Estes instrumentos não são capazes de mensurar

exclusivamente comportamentos suicidas e tratam de forma fragmentadas suas

características como: ansiedade, desesperança, culpa, apatia, depressão entre outras.

Fica evidenciado a importância da construção de material acadêmico e instrumentos

psicológicos que ajudem na avaliação de risco do suicídio. Além de uma padronização

aos profissionais da saúde e da psicologia em como abordar, tratar e prevenir o suicídio.

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Avaliação Psicológica e Suicídio: fatores de risco e de proteção

Dezembro/2018

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