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BAIXADA PRA Cl Uma publicação da Associação Cultural dos Trabalhadores da Baixada Fluminense - Ano I - N Q 0 - Março de 1992 Uma Baixada de Homens Livres Mortes, miséria, abandono. Falta de habitação e escolas. Mal da saúde. Lugar de população violenta... Não é este o lugar mais violento do Mundo? Na televisão, isso é o que vemos. No jornal "O POVO", isso é o que lemos. Todos os dias a imprensa exibe nossas feridas abertas, sangrando, para todo o Mundo ver. Os poderosos desta terra querem que acreditemos que somos um povo de incapazes, culpados pela nossa própria miséria. Esta é a estratégia dos donos do capital. Eles espalham por todos os meios que, na Baixada, vive uma população perigosa e violenta. Tiram assim de suas costas a responsabilidade pela des- graça que eles mesmos cria- ram. E nossa Baixada se trans- forma num gueto, como o dos negros na África do Sul: o povo de outros lugares nem gosta de vir até aqui. Pois é hora de dizer nossa palavra: SOMOS UM POVO DE VIDA, NÃO DE MORTE. Quem não vive aqui não sabe ver isto: a nossa capa- cidade de resistência; a força de nossa solidariedade; a riqueza de nossos movimen- tos, por moradia, por saúde, por educação, por saneamen- to; a riqueza de nossas orga- nizações, nas fábricas, nos Foto; Gelson Martins sindicatos, nas roças, em ofi- cinas do povo. Os trabalhadores da Baixa- da estão construindo, por den- tro dela, uma alternativa de sociedade, uma república livre, medida em que construímos concretamente novas formas de produção, de distribuição e consumo, de educação, de saúde, de comunicação social, de defesa dos direitos, de administração, enfim, da so- ciedade. Daí a importância de refor- çar cada uma das iniciativas que vão sendo levadas em cada local, quebrando o apa- rente isolamento entre elas. Juntando umas com as outras, sem que cada uma perca sua autonomia, mas reforçando a todas em seu conjunto. Nessa perspectiva é que está nascendo a ASSOCIA- ÇÃO CULTURAL DE TRABA- LHADORES DA BAIXADA FLUMINENSE: uma iniciativa de grupos que estão fazendo alguma coisa concreta e prá- tica para construir em nossa Baixada um horizonte de di- gnidade humana, anticapitalis- ta. Aos que se identificarem com esta perspectiva e qui- serem contribuir com esse nosso MUTIRÃO * esse EM- PATE aos avanços do capital - venham se juntar à nossa Associação. uma democracia popular de verdade. Sobre essa solidariedade concreta entre todos os que estão nessa luta, no campo e na cidade, é que o "BAIXA- DA PRA CIMA" quer informar. Para quebrar aquela sensação que às vezes bate, de impo- tência, de que estamos sozi- nhos. Para mostrar um pouco dessa riqueza enorme que são as diferentes iniciativas do povo trabalhador para melho- rar suas condições de vida e acabar com a opressão que pesa sobre todos nós. Uma alternativa de socie- dade é construída na Depoimentos de líderes comunitárias presas pela polícia da Baixada Pág. 4 Operários da Baixada Fluminense fazem a seu jeito a Educação Profissional Pág. 3

BAIXADA PRA Cl · 2013-02-02 · da Baixada Fluminense - Ano I - NQ 0 - Março de 1992 ... o que vemos. No jornal "O POVO", isso é o que lemos. ... e eram quase 08:00 h da noite

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BAIXADA PRA Cl Uma publicação da Associação Cultural dos Trabalhadores

da Baixada Fluminense - Ano I - NQ 0 - Março de 1992

Uma Baixada de Homens Livres Mortes, miséria, abandono.

Falta de habitação e escolas. Mal da saúde. Lugar de população violenta... Não é este o lugar mais violento do Mundo? Na televisão, isso é o que vemos. No jornal "O POVO", isso é o que lemos. Todos os dias a imprensa exibe nossas feridas abertas, sangrando, para todo o Mundo ver.

Os poderosos desta terra querem que acreditemos que somos um povo de incapazes, culpados pela nossa própria miséria. Esta é a estratégia dos donos do capital. Eles espalham por todos os meios que, na Baixada, vive uma população perigosa e violenta. Tiram assim de suas costas a responsabilidade pela des- graça que eles mesmos cria- ram.

E nossa Baixada se trans- forma num gueto, como o dos negros na África do Sul: o povo de outros lugares nem gosta de vir até aqui. Pois já é hora de dizer nossa palavra: SOMOS UM POVO DE VIDA, NÃO DE MORTE.

Quem não vive aqui não sabe ver isto: a nossa capa- cidade de resistência; a força de nossa solidariedade; a riqueza de nossos movimen- tos, por moradia, por saúde, por educação, por saneamen- to; a riqueza de nossas orga- nizações, nas fábricas, nos

Foto; Gelson Martins

sindicatos, nas roças, em ofi- cinas do povo.

Os trabalhadores da Baixa- da estão construindo, por den- tro dela, uma alternativa de sociedade, uma república livre, medida em que construímos concretamente novas formas de produção, de distribuição e consumo, de educação, de saúde, de comunicação social, de defesa dos direitos, de administração, enfim, da so- ciedade.

Daí a importância de refor- çar cada uma das iniciativas que vão sendo levadas em cada local, quebrando o apa- rente isolamento entre elas. Juntando umas com as outras, sem que cada uma perca sua autonomia, mas reforçando a todas em seu conjunto.

Nessa perspectiva é que está nascendo a ASSOCIA- ÇÃO CULTURAL DE TRABA- LHADORES DA BAIXADA FLUMINENSE: uma iniciativa de grupos que estão fazendo alguma coisa concreta e prá-

tica para construir em nossa Baixada um horizonte de di- gnidade humana, anticapitalis- ta.

Aos que se identificarem com esta perspectiva e qui- serem contribuir com esse nosso MUTIRÃO ■*■ esse EM- PATE aos avanços do capital - venham se juntar à nossa Associação. uma democracia popular de verdade.

Sobre essa solidariedade concreta entre todos os que estão nessa luta, no campo e na cidade, é que o "BAIXA- DA PRA CIMA" quer informar. Para quebrar aquela sensação que às vezes bate, de impo- tência, de que estamos sozi- nhos. Para mostrar um pouco dessa riqueza enorme que são as diferentes iniciativas do povo trabalhador para melho- rar suas condições de vida e acabar com a opressão que pesa sobre todos nós.

Uma alternativa de socie- dade só é construída na

Depoimentos de líderes comunitárias presas

pela polícia da Baixada Pág. 4

Operários da Baixada Fluminense fazem a seu jeito

a Educação Profissional Pág. 3

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CARTA AO POVO SOBRE SAÚDE Pensando que a Municipa-

lização da Saúde ia trazer "rios de dinheiro" de BrasOia, para serem aplicados nas campanhas eleitorais de 1992, muitos prefeitos quebraram a cara.

Mesmo advertido pelo Mo- vimento Popular para não embarcar nesta canoa, o Pre- feito de Caxias, afastando a comunidade das negociações, assumiu todas as Unidades de Saúde (Pilar, Xerém e Equitativa), faltando 50% dos profissionais. Imbariê e Cam- pos Elfeeos, construídas e equipadas pela Shell e Petro- brás, fechadas.

A partir daí, começou o sofrimento do povo... Caxias é o 2S município em arreca- dação de impostos no Estado do Rio: onde está esse din- heiro?

Ficamos sabendo que o Tribunal de Contas do Estado está vasculhando as contas da Prefeitura de Caxias, de- vido à denúncia de desvio de

verbas públicas... Enquanto o dinheiro é desviado, hospitais e escolas não têm condições de atender a quem os procura.

Seguramos a Municipaliza- ção da Saúde em Caxias até junho, depois da posse do Sr. Brizola, na esperança de que seu "socialismo" entregasse, pelo menos, as equipes de profissionais completas. Tendo profissionais concursados, ne- ga-se a cedê-los para que venham a trabalhar na Baixa- da.

O Hospital Geral da Figuei- ra (luta, sacrifício e até sangue de alguns companheiros!), já no 5? pavimento de constru- ção, está ameaçado de ter as obras paradas porque Alceni Guerra comprou bicicletas, guarda-chuvas e mochilas e Collor, querendo esconder o rombo ou roubo, suspendeu todas as construções de hos- pitais, privilegiando os CIACs.

Enquanto isso, em Caxias, 21 das mortes é de AIDS e 20%, de tuberculose.

Fantasma de dengue no verão, leptospirose nas en- chentes, hanseníase em cres- cimento e, agora, uma possí- vel grande epidemia de cólera, já que o saneamento básico não existe em 90% de nossas ruas.

Diante de todo este desgo- verno, decidimos fazer uma grande manifestação: fechare- mos a Rodovia Washington Luiz, em frente ao prédio da Prefeitura, às 14 horas do dia 15 de março de 1922, 28

aniversário do Governo Brizo- la.

Devemos trazer faixas, car- tazes, bicicletas, guarda-chu- vas, mochilas, contra-cheques de aposentados ou pensionis- tas...

Em defesa da vida e da saúde pública! Chega de si- lêncio: quem morre calado é sapo debaixo do pé do boi!

Duque de Caxias, 24 de janeiro de 1992.

Conselho Comunitário de Saúde de Duque de Caxias.

MUB PROMOVE A HISTÓRIA

A Federação Municipal das Associações de Bairro de Duque de Caxias (MUB) realizou nos sábados do mês de fevereiro um curso sobre a História de Duque de Caxias. A iniciativa é parte do

esforço de formação politica do MUB dirigido às lide- ranças populares. Conhecer a história é

condição para aue os

CURSO SOBRE DE CAXIAS trabalhadores possam formu- lar suas propostas de solução dos problemas de sua cidade.

O curso tratou da história de Caxias desde o inicio da colonização até hoje, traçando um paralelo entre a politica e economia do Brasil e os reflexos destes movimentos■ mais amplos em nossa região.

EXPEDIENTE = BAIXADA PRÁ CIMA Publicação da Associação

Cultural de Trabalhadores da Baixada Fluminense — Tiragem 3 mil. Conselho EditorialJ Edilberto

Sales, Gelson Martins, Maria Sueli, Josinaldo Aleixo, Xico Lara, Ana Cândida, João

Campos,' José ítalo, Severino Cosmo e Paulo César. Fotografia - Gelson Martins

Fotolitos o Impressão: Tri- buna da Imprensa. Correspondências: Rua Antônio

Hermont, 107 — São Mateus - São João de Meriti — Rio de Janeiro - Tel.: 756-0451.

2 «Baixada Prá Cima Ns 0 Março/92

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OPERÁRIOS DA BAIXADA FLUMINENSE FAZEM A SEU JEITO A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Com o apoio da Ação Social Paulo VI, da Diocese de Duque de Caxias, um grupo de operários da Baixada Flu- minense criou o seu próprio jeito de fazer aprendizagem profissional entre os jovens e adultos trabalhadores. O Cen- tro de Aprendizagem e De- senvolvimento Técnico Social (CADTS) funciona desde 1985 ao lado da Igreja de São Mateus, em São João de Meriti, nos turnos da tarde e da noite. São cursos de 18 meses, para um total de 200 aprendizes, distribuídos entre os ramos da mecânica, ser- ralheria e eletricidade. Não se cobra em dinheiro as vagas para os cursos, mas em "coração e mentes".

Operários assumem a si a formação de operários.

Essa iniciativa nasceu há mais de 15 anos, no coração de uma fábrica. Trocando idéia à beira das máquinas, traba- lhadores resolveram juntar seus conhecimentos, desafian- do as chefias. "Na fábrica, o único direito que o operário tem é o de trabalhar, executar as tarefas: nada de conversas, consultas ou cálculos que atrasam a produção", como sabe qualquer operário. Mas, trocando infornações, o pes- soal começou a descobrir co- mo as políticas de opressão e de exploração se encontra- vam embutidas não só nos salários e no ritmo do trabalho mas também nas determi- nações da técnica.

Logo o refeitório ficou pe- queno para o número de trabalhadores que ficavam dis- cutindo depois da refeição, rapidamente engolida pra so- brar mais tempo. A direção da fábrica reagiu, proibindo o agrupamento dos operários. Afinal eles estavam concluindo

Foto:Wilson Alves

que a técnica não era neutra mas havia sido criada pela acumulação dos conhecimen- tos dos próprios trabalhadores na história passada. Que as- sim como o conhecimento técnico, também as lutas de hoje continuam as lutas dos trabalhadores por uma socie- dade em que pessoas sejam respeitadas e tratadas como pessoas. E porque o estudo começou a unir, a solidificar a solidariedade, a quebrar a opressão e a exploração sobre os trabalhadores.

Então os operários busca- ram outro lugar para continua- rem estudando. Várias Igrejas cederam lugar para eles. Afi- nal, se instalaram na Igreja de Pe. Paulo, em S. Mateus, que lhes ofereceu todo apoio. Daí nasceu a EDUCAÇÃO OPEREÁRIA, feita por traba- lhadores e para trabalhadores.

São os objetivos dos CADTS:

- desenvolver um pensa- mento crítico e criativo em cima do dia-a-dia dos traba-

lhadores, contribuindo para a formação de pessoas compro- metidas com a transformação dessa sociedade; - conquistar para os trabalhadores o saber que foi tirado deles e que a eles, hoje, é negado; - construir uma nova maneira de ser gente, tecendo iaços de união, de solidariedade, de igualdade e de democracia; - incentivar a coragem para assumir os próprios destinos e tomar as próprias decisões e encaminhamentos em conjunto: e reforçar as lutas e as organizações dos traba- lhadores.

Para se aproximar desses objetivos o CADTS promove a aprendizagem profissional para trabalhadores e seus filhos, pesquisando e construindo peças, ferramen- tas e máquinas úteis aos trabalhadores da cidade e da roça, incentivando a criação de oficinas de produção as- sociada onde não exista pa- trão, onde uns não "passem a perna" nos outros e onde se trabalhe e se viva em comunhão e dignidade.

Nfi 0 Março/92 Baixada Prá Cima • 3

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DIREITOS HUMANOS O CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS JOÃO

CÂNDIDO fez chegar às mãos do Sr. Vice-Governador Nilo Batista, desde setembro/91, denúncias de arbitrariedades cometidas por policiais contra Dâ Míriam e Da Norma. Ambas são moradoras do conjunto habitacional Paraíso em Cabuçu - Nova Iguaçu, sócias de uma lojinha de artigos de umbanda e participam dos. movimentos populares do local. A leitura de seus depoimentos fala muito mais do que qualquer jornalista poderia falar.

Trechos do depoimento de líderes comunitárias

presas pela polícia na Baixada

..."lá na cela olhei a hora e eram quase 08:00 h da noite... o policial da roubos e furtos me algemou e levou-me para saia me sentando no chão e dizendo: "Olha, eu não vou ameaçar te comer, nem vou te dar porrada, mas tenho a noite toda para perder com você e vai ter que me dizer tudo que eu quero saber", ele tirou da gaveta um fio elétrico com a ponta desencapada e testou o choque em mim, começou a me fazer as mes- mas perguntas e outras que ainda não tinham sido feitas, dando-me choques em todo corpo, como eu gritasse muito ele me levou para outra sala e tirou minha blusa e me amordaçou continuando as perguntas e para obter as respostas abaixava o pano que abafaVa o som dos meus gritos de desespero e dor. Já tinha perdido a noção do tempo, lembro-me também que sempre que me espan- cavam e na hora desse cho- que o rádio era sempre muito alto para que meus gritos não fossem ouvidos. Até que eu ouvi a voz de um vizinho, conhecido como Saiu, que estava na loja na hora que os PMs chegaram, então per-

cebi que alguém já estava a minha procura, quando o De- legado entrou nesta sala e mandou o policial me soltar, pegar meu depoimento e me deixar ir embora, então ele me deu a blusa para vestir e passou a datligrafar nova- mente desta vez sem fazer perguntas e dizia estar me ajudando, dizia também para que eu saísse, sumisse do conjunto, pois se me encon- trassem lá, seria pior e ele pessoalmente colocaria um flagrante de meio quilo de cocaína e aí iria estar fudida na mão deles...".

Quando cheguei à 55a DP, fui atendida por um policial baixo, moreno claro, cabelos rentes e escuros, aparentando no máximo 35 anos de idade. Infelizmente eles nunca se identificam, me dirigi a ele e disse: "Meu nome é Norma, sou moradora do conjunto Paraíso, minha casa foi inva- dida por policiais militares, eles pegaram objetos meus e trouxeram minha vizinha, es- tou aqui para saber o que está acontecendo, pois meus objetos têm procedência... também falei: "A denúncia era na minha casa, que era eu a denunciada. Porque pega-

ram a minha vizinha? Porque minha vizinha estava detida?" O policial civil me respondeu que eu não me preocupasse, pois ela estava sendo ouvida e logo seria liberada, só para ocorrência porque o rapaz de nome Roberto Nascimento já havia confessado o delito, e somente ele estava preso, mas que aguardasse o dele- gado... Quando me dirigi ao Delegado só tive tempo de dizer: "Meu nome é Norma..." ele deu-me um tapa nas costas empurrando-me para dentro da sala de recepção e segurando meus cabelos, sa- cudindo minha cabeça como se quisesse esfregar meu rosto no quadro de plantão e aos gritos disse: "Eu sou seu maior inimigo! Nãò tenho que dar satisfação para safada nenhuma! Se você tá com raiva da polícia tá aqui meu nome! Liga para esse telefone e reclama!" Eu rapidamente olhei o nome e li ícaro Silva e ainda gritando disse que não daria satisfação de sapa- tona safada que roubava te- levisão, nesta hora uma vizi- nha intercedeu pedindo que ele parasse com aquilo pois não tinha necessidade para tanto... mas eu não me intimidei, ele

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se encaminhou para um cor- redor e eu fui atrás dizendo que ele não tinha o direito de tratá-la naqueles termos, pois ela não havia roubado nada que na minha casa nacla tinha sido encontrado e quem real- mente roubou já estava preso, nesta hora ele voltou-se para mim e gritando perguntou como eu sabia, apontei para o oficial de plantão e falei: "Ele me disse." O Delegado bastante irado dirigiu-se para o policial falando: "Não fica dando mole pra essas sapa- tonas safadas, não tem que falar nada". O policial negou ter dito e ele se retirou. Eu caminhei para fora da DP e sentei-me no banco do lado de fora. Não passou 10 mi- nutos e ouvi a voz do Dele- gado na recepção dizendo em tom irônico: 'Tá dando mole.

não dá satisfação nenhuma, isso é um bando de viado e sapatão filhas da puta. Ah lá! A filha de puta não tem medo não, tá lá fora não fugiu não"...

"Fiquei aguardando e num espaço de 15 a 20 minutos eu vi Míriam surgiur no fim do corredor com um policial que lhe segurava o braço esquerdo na altura do coto- velo, logo percebi que ela andava com dificuldade. Ele se aproximou com ela e entregou-a a mim. Tive um choque! Fiquei de tal forma paralizada que não tive reação de segurá-la, foi quando a vizinha de nome Walkíria a abraçou e saiu quase arras- tando-a, lembro-me que Mí- riam esfregava as mãos e chorando muito dizia: "Pelo amor de Deus, me tirem daqui". Lembro-me que sua

blusa estava toda amassada como se fosse torcida, seu rosto estava muito inchado, vermelho e havia acentuadas marcas de dedos na altura do pescoço, caminhava com difi- culdades e balbuciava tremu- lamente as palavras..."

"Fiquei aguardando um companheiro de nome Saiu que havia sido chamado pelos policiais lá dentro. Contou-me depois que lhe fizeram per- guntas sobre sua condição sexual e sobre minha vida e a vida de Míriam. Ao pas- sarmos pelos policiais, um deles falou para mim: "Vem aí na quinta feira às quatro horas!" Eu respondi: 'Virei; foi quando ouvi o Delegado dizer para o policial mas olhando para mim: "Se ela chegar para onde está indo". Não fiz caso, eu e Saiu.

Será que a vida na Baixada não vale um tostão furado?

O CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS JOÃO CÂNDIDO foi funda- do por um grupo de cida- dãos indignados com a escalandaiosa escalada de violência em que se vive em município como Duque de Caxias e São João de Meriti.

Esse Centro visa,; em conjunto com outros grupos e instituições de Movimento Popular, contribuir na luta contra a opressão e a violência impostas sobre a população. Para isso, o Centro João Cândido reali- za um trabalho de formação e informação em suas as- sembléias mensais. Tam- bém promove encontros com autoridades - juizes, ministério público, defen- sores, delegados - a fim de se buscar pistas de solução para o crítico es-

Foto: Luiz Otávio

tado ao qual chegamos. Afinal, a vida dos seres

humanos nesta Baixada Fluminense parece não va- ler mais nem um tostão furado.

ATENÇÃO: todo terceiro

sábado de cada mês, às 9:00 horas. Assembléia do CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS JOÃO CÂNDIDO. Local: Catedral de Santo Antônio em Duque de Caxias.

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Sindicalismo da desinformação Em nosso país, ainda exis-

tem sindicalistas que se dizem dirigentes da Ciasse Traba- lhadora e que se utilizam dos meios de comunicação social, para desinformar a esses mes- mos trabalhadores.

Numa eleição sindical, a lei determina que a diretoria do Sindicato deve convocar as eleições colocando um edital resumido em jornal que é vendido na região que está situado o Sindicato. Esse mes- mo edital também deve ser afixado em local visível na sede da entidade, mas o que os maus dirigentes fazem é confundir e desinformar os trabalhadores, sobre o proces- so eleitoral. Já se registraram diversos casos pelo Brasil afora. Houve um caso no Sindicato dos Hoteleiros do Rio de Janeiro, em que a diretoria colocou o edital de convocação da eleição sindical no jornal Luta Democrática, e comprou todos os jornais

desse dia, impedindo com isso que os oposicionistas tomas- sem conhecimento do edital e não inscrevessem a chapa.

Existe também aqueles que publicam o edital em jornais que normalmente os traba- lhadores rão lêem, por causa do preço e devido a linguagem de difícil compreenção. O Sin- dicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Rio de Janeiro já publicaram edital de convocação das eleições no Jornal do Commércio. Jornal esse normalmente lido por empresários.

Essas práticas também são adotadas para outros fins, os pelegos são astutos. Recen- temente foi publicado um edi- tal de convocação para fun- dação do Sindicato dos Tra- balhadores em Hotéis, Bares e similares de Duque de Caxias, assim como aprova- ção do Estatuto e eleição da Diretoria. O edital saiu publi- cado nos classificados do Jornal do Brasil, numa ter-

ça-feira; pasmem os senhores, qual o trabalhador que teria condições de se informar des- sa Assembléia?

Os grupos de Oposições Sindicais têem se aperfeiçoa- do na vigilância, para impedir essas artimanhas dos pelegos. São diversas experiências que vão desde se organizar em grupo e comprar diariamente todos os jornais locais, inclu- sive o BALCÃO, jornal espe- cializado em anúncios de com- pra e venda, como também se organizar em plantões para dar uma passadinha na sede do Sindicato e verificar se afixaram o edital no quadro de avisos, e nunca esquecen- do de olhar atrás das portas, pois até aí os pelegos costu- mam afixar editais. Já é possível também se entrar através do Cartório com um pedido de data da publicação do edital. A Diretoria é obri- gada a transmitir ao oficial de justiça, quando será publicado o edital.

COM A BOCA NO MUNDO No mês de outubro de

1987, tomou posse no Sindi- cato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro a primeira diretoria eleita com o apoio da CUT. A polegada que havia se mantido ali durante todo pe- ríodo da ditadura militar aca- bava de ser desbancada. Nes- sa época, eles estavam na

Alguns destes não se de- ram por vencidos. Criaram, em Duque de Caxias, uma Associação de Trabalhadores Metalúrgicos. Metalúrgicos fantasmas, compondo uma As- sociação fantasma, só reco- nhecida pela Federação dos Metalúrgicos controlada pela CGT e "em luta" pela criação de novos sindicatos sob o seu comando.

Sabiam esses pelegos que,

com o avanço da CUT no sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, corria perigo o controle da CGT sobre a Federação. Assim, após sete meses dessa Associação fan- tasma, o então ministro do Trabalho, Almir Pazzianoto concedia a Carta Sindical para a polegada da CGT em nosso município.

Não era um fato a se estranhar, essa rápida conces- são da Carta Sindical. Afinal, durante esses rápidos sete meses, a maioria dos funda- dores dessa Associação fan- tasma foram empregados co- mo funcionários do SI NE (Ser- viços Nacional de Emprego) do Ministério do Trabalho. (Denúncia do jornal O Dia, de 28/07/88).

Pois bem, no SINE, os

próprios funcionários do Minis- tério chegaram até a fazer greve contra a "presença" desses senhores na reparti- ção. "Presença" de fantasmas, que só iam lá receber os seus salários.

Antes os metalúrgicos de Duque de Caxias e São João de Meriti faziam parte do sindicato do Rio de Janeiro. Hoje temos um sindicato divi- dido por um grupo que era da CGT ou que é da Força Sindical - amanhã será de quem?

Enquanto isso a categoria tem seus salários rebaixados e encontram-se abandonados à sua própria sorte.

Nikon Machado Metalúrgico de Duque de

Caxias

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TERRA QUE, EM SE PLANTANDO, UM POUCO DE TUDO DÁ...

No município de Duque de Caxias ainda existem terras de agricultura. Estão nos ter- ceiro e quarto distritos, com- preendendo 3/4 da área do município. São habitadas por agricultores, em sua maioria, muito pobres, que vivem com suas famílias numerosas em casas de taipa. São as áreas mais desassistidas e despo- voadas da região.

Há agricultores que vivem e trabalham nessas terras há 30 ou 40 anos. Muitos deles já migraram para as cidades. Par, -tessas terras vem sendo loteauas para servirem como casas de veraneio.

São produtos da região: aipim, banana, inhame, batata doce, jiló, quiabo além de galinhas, cabras, abelhas... As condições de trabalho junto a fazendeiros de fim de semana - geralmente donos de em- presas na cidade - é de total ausência de direitos e mínimos salários. E os que trabalham como assentados em seus pequenos sítios são constan- temente ameaçados ou expo- liados pelos criadores de bois e especuladores.

Füto: Aiquivo CADTS

No entanto, esta região tem enorme tradição de luta e de resistência pela terra. Nos anos 50, até o golpe de 64, os camponeses resistiram, de armas na mão, às investidas dos grileiros e latifundiários. Seu Chico Silva, Seu Jair, dona Santinha, Zé Maria, seu Antônio, Henrique Barbudo são alguns personagens que fizeram esta história de luta e esperança de libertação.

De acordo com Ulisses Uma, em seu livro "A LUTA ARMADA NA BAIXADA FLU- MINENSE - 1961", dos nove conflitos havidos na região rural de Duque de Caxias entre junho/61 a junho/62, cinco contaram com resistên- cia armada, sendo que todo estes locais eram organizados em associações de lavradores.

Xerém, Tabuleiro, Tinguá, Fazenda Esperança, Penha Caixão, Barro Branco estão na história do povo como momentos luminosos em que estas pessoas assumiram o controle de suas vidas e de suas histórias.

Mas a repressão pós-64 se fez sentir com toda sua vio- lência. Até hoje as marcas deste tempo se fazem pre- sente: os militares arrancaram, dormente por dormente, a estrada de ferro Rio do Ouro, além de perseguirem, prende- rem e torturarem muita gente.

A recuperação desta me- mória é importante quando se busca criar uma alternativa popular da sociedade, no res- gate destr cultura camponesa de resistência.

APAC - ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES AUTÔNOMOS DA CIDADE E DO CAMPO

Acreditando que a união entre os trabalhadores é a forma mais viável de mudar a situação da comunidade e do país foi que um grupo de metalúrgicos fundou a APAC - Associação de Produtores Autônomos da Cidade e do Campo. O intuito é produzir, através da troca de idéias, ferramentas e equipamentos que auxiliem o trabalhador rural e comunidades da baixa- da. Hoje, para solucionar grandes problemas que afli- gem São João de Meriti (falta de saneamento básico, postos de saúde, creches), a APAC vem produzindo em sua ofici- na caçambas e caixas cole-

tores de lixo, carrinhos de mão para limpeza das ruas, além de construir alguns postos de saúde contribuindo para a mudança deste quadro.

Em relação ao campo a oficina vem produzindo ferra- mentas que ajudam o pequeno agricultor a preparar a terra para que se possa plantar. Ferramentas essas que pro- curam ser o mais barato possível para ser acessível a agricultores pouco capitaliza- dos, (recursos).

Apoio a outras iniciativas com espíritos de trabalho vol- tado para a comunidade faz parte das propostas da APAC.

É o que vem acontecendo com a CAPA - Confecção de Produtoras Autônomas; um grupo de mulheres que surgiu através de clubes de mães, igrejas e movimento negro que tem como proposta confeccio- nar uniformes escolares e de trabalho (industriais, garis, etc.)

Assim a APAC vem sobre- vivendo num sistema de auto gestão e sem depender de recursos externos, auto sus- tentando-se. Pode-se dizer que esta é uma experiênsia que vem somar forças para mudar o quadro em que a população da baixada e do país se encontra.

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População se organiza para discutir abastecimento

O Brasil é um país com uma agricultura rica: ex- portador de alimentos, agricultura moderna, grande consumidor de fertilizantes, venenos, etc. Apesar dessa rique- za toda, nosso povo pas- sa uma fome danada. Nossa agricultura visa a exportação de grãos (ex.: soja) e se baseia nas grandes propriedades cu- ja produção visa somente o mercado externo.

Enquanto isso, o pró- prio governo constata a diminuição da área culti- vada com produtos de primeira necessidade (feijão, arroz, milho, etc). Além disso, quem abas- tece as cidades brasilei- ras dos gêneros de primeira necessidade são as pequenas proprie- dades familiares que de- têm pouca terra, quase não têm crédito e enfren- tam problemas enormes no país,

Outro problema sério é o da comercialização e distribuição dos alimen- tos produzidos. Peque- nos grupos de atravessadores contro- lam os CEASAs da vida. Compram a preço barato o alimento cultivado a duras penas pelo cam- ponês e o vendem caro aos feirantes e comer- ciantes que vendem mais caros aos consumidores. Nessa cadeia perdem to- dos - o agricultor, o

consumidor. Toda esta situação resulta na fome do Povo.

Porém, alguns grupos estão discutindo como furar o cerco da especu- lação com a comida do Povo conversando sobre como montar um sistema de abastecimento popu- lar.

Sendo iniciativa do "Quintal São Bento" em parceria com o Movimen- to popular urbano (asso- ciação de favelas, Cebs, etc.) essa discussão par- tiu da necessidade de montar um sistema po- pular de abastecimento gerido pelos próprios tra- balhadores (consumi- dores e agricultores) e que possibilite um traba- lho de discussão política a partir dessa problemá- tica.

O pessoal está man- tendo contato com uma associação de pequenos produtores de Lumiar (Nova Friburgo) e com o Centro de Abastecimento Popular (que há alguns anos mantêm uma inicia- tiva semelhante em algu- mas favelas).

Se você, sua associa- ção ou comunidades está afim de participar da discussão, a próxima reu- nião será dia 07 de março a partir de 14 h no São Bento. Qualquer informação adicional li- gue para 771-1148 fale com Josi ou Ney.

PRODUZINDO PRODUÇÃO

O apito da fábrica Soa chamando os operários Ao trabalho. As máquinas funcio- nam Homens e mulheres Produzindo, produzin- do Máquinas funcionando Mulheres trabalhando Produzindo, produzin- do Baixos salários, in- salubridade Máquinas funcionando Produzindo, produzin- do Chefia decidindo au- mento Aumento de produção Homens produzindo Aumento da carga horário Mulheres trabalhando Soa o apito da fá- brica Hora do almoço Máquinas paradas Homens consumidos Mulheres resumidas Soa o apito Volta ao trabalho Aumentar a produção Contenção de despe- sas Homens trabalhando Mulheres produzindo Máquinas funcionando Acidente fatal Produzir, produção Ao trabalho! Máquinas que param Homens e mulheres parados Braços cruzados. Demissão justa causa Braços cruzados, má- quinas paradas. Revolta, consciência Máquinas paradas Fábricas tomada Justiça, lei, poli- cia , cães, Porrada, bombas, evacuação Fábrica parada, sem produção Sem chefia e sem patrão,..

PAULO PERDIGÃO

8* Baixada Prá Cima N9 0 Março/92