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KERNER ET AL., BALANÇO CARBONO ® : DA VINHA À GARRAFA, Pág.1 BALANÇO DE CARBONO ® : DA VINHA À GARRAFA Sébastien Kerner & Joël Rochard Institut Français de le Vigne et du Vin (ENTAV - IFV France) Pôle durable – 17, rue Jean Chandon Moët – 51200 Epernay Tél. : 03 26 51 50 90 – Fax : 03 26 51 50 89 – www.itvfrance.com Artigo apresentado no encontro técnico de 20 de Dezembro de 2007 intitulado «Viticultura durável e Ambiente: implicações e desafios técnico-económicos do futuro» organizado pelo IFV Midi-Pyrénées Introdução O clima é um componente importante do terroir. Desde 1896, o investigador sueco Arrhenius previu um aquecimento do clima devido à combustão de combustíveis fósseis com o objectivo de lutar contra o retrocesso dos glaciares. Se um debate sobre a participação do homem se instalou desde 1975, a comunidade científica do Grupo Intergovernamental de especialistas sobre a Evolução do Clima (GIEC) estabeleceu uma ligação estreita entre o aquecimento climático e o efeito de estufa. No futuro, as modificações do clima não deixarão de ter consequências para a viticultura. Para além das reflexões e dos estudos sobre as adaptações das técnicas vitícolas e enológicas face a esta evolução, a fileira vitícola deve limitar os seus impactos no efeito de estufa. Numa primeira parte, serão apresentados os mecanismos do efeito de estufa e as implicações das alterações climáticas. Uma segunda parte terá por objecto a quantificação das emissões de gás com efeito de estufa em várias explorações francesas através do método de Balanço de Carbono ® . 1. O efeito de estufa 1.1. O mecanismo do efeito de estufa O efeito de estufa é um fenómeno natural e vital, sem o qual a temperatura à superfície da terra seria de aproximadamente –18°C em vez de aproximadamente +15°C. A radiação solar atravessa a atmosfera (figura 1). Uma parte desta radiação é reflectida pela atmosfera e pela superfície da Terra (perdendo-se assim no espaço), enquanto a outra parte é absorvida pela superfície terrestre aquecendo-a: a energia solar é convertida em calor, emitindo radiação infravermelha para a atmosfera. Uma parte da radiação infravermelha é absorvida e reemitida pelas moléculas de gás com efeito de estufa (GES); a superfície da Terra e a troposfera são assim aquecidas; ao ser novamente aquecida a superfície da Terra, é novamente emitida uma radiação infravermelha. WWW.INFOWINE.COM – REVISTA INTERNET DE VITICULTURA E ENOLOGIA, N.8/2008

BALANÇO DE CARBONO : DA VINHA À GARRAFA · - Os halocarbonetos e hidrocarbonetos fluorados (HFC, PFC, SF 6 , mas também CFC) , principalmente representados pelos fluidos frigorígenos

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KERNER ET AL., BALANÇO CARBONO® : DA VINHA À GARRAFA, Pág.1

BALANÇO DE CARBONO®: DA VINHA À GARRAFA Sébastien Kerner & Joël Rochard Institut Français de le Vigne et du Vin (ENTAV - IFV France) Pôle durable – 17, rue Jean Chandon Moët – 51200 Epernay Tél. : 03 26 51 50 90 – Fax : 03 26 51 50 89 – www.itvfrance.com Artigo apresentado no encontro técnico de 20 de Dezembro de 2007 intitulado «Viticultura durável e Ambiente: implicações e desafios técnico-económicos do futuro» organizado pelo IFV Midi-Pyrénées Introdução O clima é um componente importante do terroir. Desde 1896, o investigador sueco Arrhenius previu um aquecimento do clima devido à combustão de combustíveis fósseis com o objectivo de lutar contra o retrocesso dos glaciares. Se um debate sobre a participação do homem se instalou desde 1975, a comunidade científica do Grupo Intergovernamental de especialistas sobre a Evolução do Clima (GIEC) estabeleceu uma ligação estreita entre o aquecimento climático e o efeito de estufa. No futuro, as modificações do clima não deixarão de ter consequências para a viticultura. Para além das reflexões e dos estudos sobre as adaptações das técnicas vitícolas e enológicas face a esta evolução, a fileira vitícola deve limitar os seus impactos no efeito de estufa. Numa primeira parte, serão apresentados os mecanismos do efeito de estufa e as implicações das alterações climáticas. Uma segunda parte terá por objecto a quantificação das emissões de gás com efeito de estufa em várias explorações francesas através do método de Balanço de Carbono®. 1. O efeito de estufa

1.1. O mecanismo do efeito de estufa O efeito de estufa é um fenómeno natural e vital, sem o qual a temperatura à superfície da terra seria de aproximadamente –18°C em vez de aproximadamente +15°C. A radiação solar atravessa a atmosfera (figura 1). Uma parte desta radiação é reflectida pela atmosfera e pela superfície da Terra (perdendo-se assim no espaço), enquanto a outra parte é absorvida pela superfície terrestre aquecendo-a: a energia solar é convertida em calor, emitindo radiação infravermelha para a atmosfera. Uma parte da radiação infravermelha é absorvida e reemitida pelas moléculas de gás com efeito de estufa (GES); a superfície da Terra e a troposfera são assim aquecidas; ao ser novamente aquecida a superfície da Terra, é novamente emitida uma radiação infravermelha.

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Figura 1: mecanismo do efeito de estufa

1.2. Os gases com efeito de estufa Os GES estão reagrupados em 6 grupos principais: - O vapor de água (H2O) ligado à evaporação; - O dióxido de carbono (CO2), proveniente principalmente da combustão das energias fósseis

(carvão, gás, combustíveis derivados do petróleo), mas também da desflorestação (queima de madeira e diminuição da retenção de CO2 atmosférico pelas plantas);

- O metano (CH4), proveniente principalmente da degradação anaeróbia da matéria orgânica (fermentação dos dejectos e efluentes orgânicos, …), das minas de carvão, da produção de bovinos, dos arrozais, …;

- O óxido nitroso (N2O), proveniente principalmente da utilização de adubos azotados, mas também da indústria química;

- Os halocarbonetos e hidrocarbonetos fluorados (HFC, PFC, SF6, mas também CFC), principalmente representados pelos fluidos frigorígenos (gases refrigerantes), as espumas plásticas, os componentes electrónicos, o vidro duplo, a produção de alumínio;

- Sem emissão directa, mas tendo um impacto no efeito de estufa, o ozono troposférico (O3), cujo aumento na atmosfera é consequência da radiação solar sobre os precursores essencialmente gerados pela utilização de combustíveis fósseis. O ozono tem igualmente uma função de escudo contra as radiações ultravioletas, limitando desta forma o aquecimento excessivo da superfície do planeta.

Estes GES não têm a mesma persistência no tempo, nem o mesmo poder de aquecimento. Contribuindo em 60% para o aquecimento, o CO2 é considerado como gás de referência para a determinação do poder de aquecimento (tabela 1).

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GES Persistência (em anos) Poder de aquecimento CO2 150 1 CH4 12 23 CFC 120 16 000 N2O 120 296 HFC 220 12 000 PFC 50 000 8 700 SF6 3 200 22 200

Tabela 1: Persistência e poder de aquecimento dos principais GES (Fonte: GIEC 2001)

1.3. O aquecimento climático Com base no mecanismo do efeito de estufa, a acumulação de GES na atmosfera tem como resultado um aumento da temperatura média da superfície da Terra. Actualmente, é admitido pela comunidade científica que a parte predominante do aquecimento climático observado após, meados do século XIX é, com 90% de probabilidade, a consequência directa das emissões de GES associadas às actividades humanas (GIEC – fevereiro de 2007 – ver caixa 1). De facto, pode-se estabelecer uma correlação entre a evolução da temperatura e a concentração de CO2 na atmosfera (figura 2).

Figura 2 : correlações entre as variações das temperaturas superficiais

e a concentração de CO2 depois de 1860.

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Caixa 1: Principais conclusões do 4rto relatório científico do GIEC A 2 de fevereiro de 2007, à conclusão da Conferência sobre alteração climática que teve lugar na sede da UNESCO em Paris, foi publicado o 4rto relatório científico do Grupo Intergovernamental de peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC). As principais conclusões deste relatório são as seguintes: - É provável a 90% que os GES emitidos pelas actividades humanas são os principais

responsáveis pelo aquecimento climático observado a partir de meados do século XX; - O aumento médio provável deverá ser de 3°C desde agora até ao fim do século XXI (aumento

de 1,8 a 4°C); - A elevação provável do nível dos oceanos deverá situar-se entre 19 e 58 cm; - As emissões passadas e futuras de GES continuarão a contribuir para o aquecimento climático,

tendo em conta a sua persistência na atmosfera; - Os futuros ciclones tropicais, tufões e furacões serão provavelmente mais intensos (ventos e

precipitações), em lugar de serem mais numerosos; - É indispensável estabilizar a concentração do CO2 muito abaixo de 550 ppm, de modo a não

alcançar o aumento de 2°C, para além dos quais as consequências seriam catastróficas; - No caso da França: a redução das emissões de GES no período 1990-2005 é de 1,8%, com

uma redução de 0,5% em 2004.

1.4. As emissões de GES em França As emissões de GES em França, em 2004, foram estimadas em 562,6 milhões de toneladas de CO2 equivalente (Mton. CO2 eq.) excluindo UTCF (ver caixa 2), e em 510,8 Mton. CO2 eq. Incluindo o UTCF. A maior parte da diminuição dos GES provém do sector industrial (-21,6% para a indústria manufactureira e –17,0% para a indústria energética), seguido do sector agrícola (-10,5%) e da reciclagem dos resíduos (-8,5%). O sector dos transportes constitui hoje em dia, a primeira fonte de emissões de GES (26% das emissões totais em 2004), e apesar de uma relativa estabilização das emissões rodoviárias nestes últimos anos, esta estabilização pode ser especialmente imputável à subida do preço dos combustíveis de origem fóssil nos revendedores. As emissões de GES associadas aos transportes aumentaram no entanto 22,7% no período de 1990-2004. As emissões das viaturas particulares representam 57% das emissões totais dos transportes rodoviários, os transportes pesados representam 26% e os veículos utilitários 17%. O sector residencial e o sector terciário e comercial conheceram igualmente um aumento importante das emissões de GES no período de 1990-2004 (+22,3%). No que diz respeito à parte das emissões da agricultura, 56% é devido ao N2O (utilização de adubos azotados), 33% ao CH4 (criação de gado) e 11% ao CO2 (combustão de combustíveis pelos tractores). Em termos de variação dos teores em GES na atmosfera no período de 1990-2004, o CO2 aumentou 5,6% e os HFC 217% em CO2 eq.; pelo contrário, os teores dos outros GES estão em baixa: -14% em CO2 eq. para o CH4, -24% em CO2 eq. para o N2O, -46% em CO2 eq. para os PFC e –34% em CO2 eq. para o SF6.

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Gráfico 1 : Emissões de GES por sector em França em 2004, hors UTCF(Fonte: MEDD / CITEPA)

Industria da energia13%

Indústria de manufactura20%

Transportes26%

Residencial, terciário e comercial

19%

Tratamento de resíduos3%

Agricultura / Silvicultura19%

Gráfico 2 : Evolução das emissões de GES em França no período de 1990-2004(Fonte : MEDD / CITEPA)

-8,5%-10,5%

-17%

-21,6%

+22,3%+22,7%

-25

-20

-15

-10

-5

0

5

10

15

20

25

Transportes Residencial, terciário ecomercial

Indústria demanufactura

Industria de energia Agricultura /silvicultura

Tratamento de resíduos

Caixa 2: Definição de UTCF UTCF: Uso das terras, as suas alterações e a floresta O UTCF é ao mesmo tempo um poço e uma fonte de emissão de CO2, CH4 e N2O. O UTCF compreende a recolha e o crescimento florestal, a conversão das florestas (arroteamento) e das pradarias, mas também os solos cuja composição em carbono é sensível à natureza das actividades para a qual são dedicados (floresta, pradarias, terras cultivadas).

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2. O Balanço de Carbono®

2.1. Apresentação do método balanço de carbono® Preparado por M. JANCOVICI por conta da ADEME (Agência Francesa do Meio Ambiente e da Gestão da Energia) e da MIES (Missão Interministerial do Efeito de Estufa) em 2003, o método Balanço Carbono® é um método que permite quantificar a contribuição para o efeito de estufa de um indivíduo, de uma colectividade ou de uma empresa. Tem em consideração as seis famílias de GES reconhecidas no protocolo de Quioto. Para além do "diagnóstico", ele pode ser igualmente utilizado como uma ferramenta de ajuda à decisão em matéria de investimentos ou de comparação de itinerários técnicos. Em compensação, o método não pode ser considerado como uma ferramenta de avaliação das actividades, por causa das características específicas de cada uma delas. O princípio da realização de um Balanço Carbono® baseia-se na recolha e na elaboração de uma tabela específica de dados numéricos ligados à actividade económica e relativos à duração de um ano julgado representativo da actividade em termos de produção e de vendas. A cada dado corresponde um factor de emissões que permite a expressão dos resultados segundo uma unidade comum: o CO2 equivalente. Existem 3 abordagens possíveis em função do perímetro que se deseja caracterizar (figura 3): - O perímetro interno ou jurídico, que diz respeito às emissões directas, quer sejam energéticas

(associadas à utilização da energia, fóssil ou eléctrica) ou não energéticas (associadas à utilização de adubos azotados, às eventuais fugas de fluidos frigorígenos, à utilização de CO2 exógeno, …);

- O perímetro intermediário ou emissões adicionadas que compreende o transporte interno e o transporte para os clientes, as transferências dos clientes para a empresa, os transportes casa-trabalho dos colaboradores, os transportes associados às missões de trabalho dos colaboradores, a fabrico dos inputs (compreende a compra de uva, de mosto ou de vinho), bem como o conjunto de serviços adquiridos;

- O perímetro global ou Balanço Carbono®, que é o levar em conta todo o conjunto das emissões imputáveis à exploração, entre as quais o transporte dos inputs, a construção dos edifícios, a gestão dos resíduos e das águas utilizadas e a amortização do imobilizado.

Introduction au bilan carbone 8

Le périmètre : trois options «Le périmètre : trois options « standardstandard » de consolidation des émissions» de consolidation des émissions

GLOBAL

INTERMEDIAIRE

INTERNE

Figura 3: perímetros de abordagem do método Balanço Carbono® (Fonte: ADEME)

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2.2. Metodologia

Em 2004, o “Institut Français de la Vigne et du Vin” (IFV) integrou o programa GESSICA (Gaz à Effet de Serre : Système Intégré pour la Comptabilisation dans les industries Agro-alimentaires/ Gases com Efeito de Estufa: Sistema Integrado para a Contabilização nas indústrias Agro-alimentares), conduzido pela UNGDA (Union Nationale des Groupements de Distillateurs d’Alcool/ União Nacional dos Agrupamentos de Destiladores de Álcool) e beneficiando do apoio financeiro da ADEME. Este projecto reuniu os institutos de 6 fileiras agro-alimentares. O IFV, representando a fileira vitivinícola, foi encarregado de realizar o Balanço Carbono® de cinco empresas vitivinícolas (tabela 2). As cinco empresas vitícolas transformam exclusivamente as uvas provenientes da sua exploração e comercializam integralmente a sua produção (não existe a compra ou a venda de uvas, de mostos ou de vinhos).

Empresas Superfície em produção (ha)

Produção de uva (T)

Rendimento médio (T / ha)

Produção de vinho (hl)

Rendimento médio (hl / ha)

Rendimento da prensagem (hl / T)

Expedições (UB)

Empresa 1 (Médoc- Rg)

49,28 402,805 8,2 3098,50 62,9 7,7 320000

Empresa 2 (Médoc - Rg)

114,4551 791 9,9 5858 51,2 7,4 650000

Empresa 3 (Chablis- Bl)

26 195 7,5 1500 57,7 7,7 189404

Empresa 4 (Châteauneuf du Pape - Rg)

150 700 4,7 5500 36,7 7,9 636771

Empresa 5 (Médoc - Rg)

41,76 2542 60,9 262901

Tabela 2: dados relativos às empresas vitícolas parceiras Legenda: Rg: maioritariamente produção de vinhos tintos Bl: exclusivamente produção de vinhos brancos ha: hectares de vinha em exploração no período de referência T: toneladas de uva colhida na vindima de referência hl: hectolitros de vinho produzido na campanha de vinificação de referência UB: unidade-garrafa; os volumes dos diferentes vasilhames (meia-garrafas, garrafas, magnums,

duplo-magnums, etc.) vendidos no período de referência foram transformados numa unidade de volume único, que é a garrafa de 0,75 litros.

Estes dados apresentam diferenças importantes de uma empresa para outra; são devidas a numerosos parâmetros: - Histórico meteorológico diferente de uma região vitícola para outra, efeito terroir, …; - Efeito do ano de vindima; - Condução da vinha, rendimento visado para a obtenção de uma maturação tecnológica óptima,

…; - Modo de extracção dos sumos (maceração e/ou prensagem, rendimento da prensagem, …); - Modo de vinificação (vinho tinto / vinho branco); - Itinerários técnicos utilizados pelos colaboradores desde a vinha até à adega. A soma destas variabilidades impede, de facto, a utilização do método Balanço Carbono® como uma ferramenta de comparação entre várias empresas.

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2.3. Resultados

A contribuição para o efeito de estufa é expressa pela utilização de unidades específicas: o CO2 equivalente por hectare o CO2 equivalente por tonelada de uva colhida, o CO2 equivalente por hectolitro vinificado e o CO2 equivalente por unidade-garrafa produzida. Após os estudos conduzidos pelo Comité Interprofissional do Vinho de Champagne (CIVC), o CO2 utilizado pela vinha para a fotossíntese é compensado pelo CO2 restituído pela respiração, pela fermentação dos mostos, pela queima ou pela degradação no solo após trituração das madeiras de poda, assim como a queima das estruturas após os arranques; dado que o CO2 utilizado e o CO2 restituído se compensam, não são contabilizados. No método, não existem factores de emissão para a matéria-prima "Uva"; para além disso, as actividades associadas à cultura da vinha e as associadas à elaboração do vinho são muitas vezes indissociáveis no seio de uma exploração vitícola. Por conseguinte, delinearam-se duas tipologias: - Para as empresas 1 e 2, os dados foram suficientemente precisos para diferenciar a actividade

vitícola da transformação. Assim, um primeiro Balanço Carbono® foi realizado para a produção vitícola, permitindo a obtenção de um factor de emissões específico para cada uma das duas empresas para o input "Uva".

- Para as outras três empresas (3, 4 e 5), as duas actividades (produção vitícola e transformação) foram unidas.

2.3.1. Produção vitícola

De um modo geral, os dados relativos a esta actividade são conhecidos; no entanto, os factores associados às tarefas administrativas e às emissões associadas à promoção das empresas (deslocações em França e ao estrangeiro, representação) estão repartidos equitativamente nas duas actividades "Produção vitícola" e "Transformação". Há que precisar que os tractores vitícolas foram considerados como ferramenta de produção; por conseguinte, o combustível necessário ao seu funcionamento é considerado como energia interna. Os dois Balanço Carbono® realizados especificamente para a produção vitícola permitiram obter factores de emissão para a uva (tabela 3). Empresa 1 Empresa 2 Emissões totais (T.CO2 eq.) 166,421 415,489 Emissões por hectare explorado (T.CO2 eq. / ha)

3,375 3,360

Factor de emissão (kg.CO2 eq. / tonelada) 413 525 Tabela 3: resultados dos Balanço Carbono® "Produção vitícola" e factores de emissão para o input

"Uva"

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No gráfico 3 apenas se reportam os factores mais significativos.

Gráfico 3 : Contribuição para o efeito de estufa de diferentes actividadesna produção de vinho (%)

42 39

1 6

3241

143

6 52 4

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Domaine 1 Domaine 2

(%)

Amortizações (excluindo edificios eterrenos)

Serviços

Produtos Fitosanitários

Deslocações Colaboradores

Electricidade

Combustiveis

Em primeiro lugar, convém assinalar que 6 actividades totalizam por si só 97 a 98% das emissões. Parece que dois factores se distinguem sensivelmente dos outros: - A actividade "combustíveis" representa cerca de 40% das emissões totais; - A actividade "Deslocações dos colaboradores" representa 30 a 40%; este factor é elevado por

causa do recrutamento de pessoal temporário afecto à colheita manual da uva no período da vindima (às vezes por transporte aéreo), bem como às deslocações por avião associadas à representação e à promoção das empresas, principalmente no estrangeiro.

3.2.2. Transformação

A parte denominada “transformação” toma em consideração o conjunto das operações depois da recepção das uvas até à expedição do produto final. Ainda que para duas das empresas tenha sido calculado um factor de emissão específico para o input "Uva", foi necessária uma abordagem global para as outras 3 empresas. Os resultados obtidos para cada uma das 5 empresas mostraram de novo grandes disparidades (tabela 4). Empresa 1 Empresa 2 Empresa 3 Empresa 4 Empresa 5 Balanço Carbono® global (T. CO2 eq.)

372,135 773,135 236,385 942,760 292,233

Balanço Carbono® (kg CO2 eq. / hl)

120 132 158 171 115

Balanço Carbono® (g CO2 eq. / UB)

1163 1189 1248 1481 1112

Tabela 4: Balanço Carbono® em função das características das empresas Os Balanços Carbono® das empresas 1 e 2 mostraram que a contribuição da matéria-prima "Uva" é muito importante: - 44,7% do Balanço Carbono® para a empresa 1; - 53,7% do Balanço Carbono® para a empresa 2.

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3.3.3. Síntese global Apenas os factores mais significativos são apresentadas no gráfico 4.

Gráfico 4 : contribuição de alguns factores para o efeito de estufa (%)

19 2111 15 12

4 4

7

2

11

32

1

2

10

208

25

33

13

14

6

6

2

3

8

3

23

18

20

17

27

13

7

11

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Área 1 Área 2 Área 3 Área 4 Área 5

Con

trib

uiç

ão (

%)

Cartão Impresso

Vidro Garrafas

Produtos Fitosanitários

Viagens de Empregados

Frete rodoviário para osclientesElectricidade

Gás Natural

Combustivel

8 Factores representam por si sós 75 a 90% das emissões. Parece evidente que para as cinco empresas, os três factores mais significativos são os seguintes: - Utilização de vidro para as garrafas - Consumo de combustíveis para o funcionamento dos tractores vitícolas - Deslocações de pessoas

As empresas 1 e 2 têm perfis bastante similares; outros factores apresentam uma mesma importância: - As deslocações dos colaboradores: como foi referido anteriormente, a vindima é exclusivamente

manual pelo que é necessário um grande número de vindimadores (alguns vêm do estrangeiro, por vezes por avião); deslocações de colaboradores ao estrangeiro por via aérea.

- Um transporte rodoviário pouco significativo em direcção aos clientes (custos limitados, transporte marítimo importante).

As empresas 3, 4 e 5 também têm perfis similares: - O transporte rodoviário para os clientes é importante; contrariamente às outras duas empresas,

que encaminham os seus produtos para plataformas de expedição nas proximidades (limitar o atendimento de clientes nas áreas de carga), as empresas 3, 4 e 5 guardam a seu encargo a integralidade do transporte, maioritariamente por camião no que diz respeito às expedições no conjunto do continente europeu;

- A utilização de caixas de cartão impressas para o acondicionamento das garrafas. Alguns factores que foram contabilizados revelam um impacto no Balanço Carbono® negligenciável, quase nulo. São as seguintes: - CO2, excluída a parte da energia: utilizada principalmente como gás inerte dos equipamentos de

engarrafamento; este CO2 pode, na prática, ser substituído por azoto, cujo impacto no efeito de estufa é nulo;

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- Deslocações dos colaboradores por comboio: inexistentes ou tendo um impacto nulo. Este meio de transporte pode ser uma alternativa às deslocações por automóvel e até mesmo ao avião para algumas deslocações;

- Utilização de plásticos, incluindo as películas extensíveis; - Leveduras: impacto nulo tendo em conta as baixas quantidades utilizadas na vinificação; - Produtos utilizados em enologia: de origem mineral ou orgânica, o seu impacto limitado no

fabrico confere-lhes factores de emissão baixos (CIVC – JM Jancovici ; 2003); para além disso, tendo em consideração as pequenas quantidades utilizadas por hectolitro de vinho produzido, a sua contribuição é insignificante;

- A cortiça (rolhas): negligenciável pelo facto do baixo peso e do baixo factor de emissão; - O papel imprimido (rótulos e contra-rótulos): baixa contribuição pelas baixas quantidades por

unidade-garrafa (da ordem do grama); - Os resíduos directos: a gestão dos resíduos tem um impacto negligenciável já que são

privilegiadas as fileiras de valorização (matéria ou térmica); - As águas residuais: as águas das empresas são tratadas (estações de tratamento comunais ou

privadas), o seu retorno ao meio natural tem um impacto mínimo em termos de DBO5 (Demanda Bioquímica de Oxigénio em 5 dias); por conseguinte, a contribuição das águas residuais é negligenciável.

3.3.4. Discussão

Várias conclusões podem ser enunciadas sobre o impacto da fileira vitivinícola em matéria de emissões de gases com efeito de estufa: - As práticas (vitícolas, enológicas, comerciais, …) de cada empresa não permitem definir uma

tipologia de exploração única; além disso, as condições climáticas e parasitárias na vinha podem influenciar consideravelmente nas práticas vitícolas (mais produtos fitossanitários utilizados, mais saídas de tractor logo maior consumo de combustível, …), mas também no rendimento em uva, ou seja de volume de vinho vinificado (regulação térmica das cubas) e de seguida, por último, engarrafado (impacto do acondicionamento);

- Várias actividades têm impacto significativo no balanço: o combustível (carburação dos tractores vitícolas), a utilização de garrafas de vidro para o acondicionamento do vinho e os trajectos domicílio-trabalho, principalmente no caso onde a vindima é manual (recursos mais forte à mão-de-obra sazonal chamada a deslocar-se frequentemente no local da exploração);

- Em função dos equipamentos ou do isolamento térmico dos edifícios, a contribuição do factor "energia eléctrica" por vezes pode ser baixa (2 a 3% das emissões totais), e outras vezes mais significativa (11% para a empresa 2);

- A concepção e o isolamento dos edifícios têm enorme influência na energia necessária à sua climatização;

- O prestígio das empresas e os mercados mais ou menos afastados conduzem a deslocações frequentes e longínquas por via aérea, bem como a transportes para clientes afastados;

- A utilização de caixas de madeira em vez das de cartão imprimido para o acondicionamento das garrafas tem um impacto muito importante no Balanço Carbono® de uma empresa graças à diminuição das emissões (factor de emissão nulo para a madeira); o transporte dos fornecedores pode, no entanto, ser aumentado no caso das caixas de madeira, devido ao volume a transportar;

- Assumir totalmente as expedições pode gerar emissões importantes nos casos em que o transporte rodoviário é privilegiado;

- Alguns factores são negligenciáveis (CO2 como gás inerte, leveduras de fermentação, produtos enológicos, utilização de cortiça, …);

- Uma gestão optimizada dos resíduos e das águas residuais tornam estes factores negligenciáveis.

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2.4. Propostas para redução das emissões

Podem ser avançadas várias soluções para diminuição das emissões. Entre estas: - A recuperação e a valorização do calor, numa caldeira de chapa convencional, da madeira de

poda e dos postes representam uma fonte energética renovável não negligenciável (2 a 3,7 milhões de toneladas de madeira por ano), uma vez que 1 litro de combustível equivale a 3,1kg de sarmentos secos;

- O CO2 libertado pelas fermentações estima-se em cerca de 0,5 milhões de T. CO2 eq., ou seja 0,1% do conjunto das emissões nacionais; o interesse técnico-económico da sua recuperação, do seu armazenamento ou da sua valorização (sob a forma de bicarbonato, por exemplo) ainda está por determinar;

- Pensar os itinerários técnicos vitícolas permite aligeirar os programas de tratamentos de protecção das plantas: limitar as intervenções nas parcelas implica a diminuição das quantidades de produtos fitossanitários aplicados, mas sobretudo os consumos de combustível dos tractores vitícolas;

- A utilização mesmo que parcial de bio combustíveis poderá ser uma alternativa ao consumo de combustíveis fósseis;

- O vidro utilizado para o acondicionamento constitui outro factor importante; a redução destas emissões passa pelo aligeirar das garrafas (algumas dezenas de gramas a menos por garrafa permitem reduzir o Balanço Carbono® de uma empresa em várias T. CO2 eq.), até mesmo a substituição do vidro por outros materiais;

- Preferir o comboio ao automóvel ou ao avião e encorajar a partilha de automóvel, na medida do possível, permitem diminuir as emissões associadas aos trajectos casa-trabalho e às deslocações profissionais dos colaboradores;

- Substituir, mesmo que parcialmente, o acondicionamento em caixas de cartão por caixas de madeira, cujo factor de emissões é nulo, diminui o factor "Caixa de cartão impresso – embalagem";

- Substituir o transporte rodoviário das mercadorias produzidas por meios alternativos reduz as emissões associadas ao transporte para os clientes;

- Privilegiar a utilização de postes de madeira, em vez de postes em aço galvanizado constitui mais uma vantagem, pela utilização de madeira. A utilização de barricas segue a mesma lógica com a condição de se optimizar a valorização dos tonéis no fim do ciclo de vida;

- Preferir o azoto ao dióxido de carbono como gás inerte; - Limitar as emissões geradas por transportes de longo curso; - A cortiça, material natural que contribui para a conservação de uma floresta (poços de carbono),

geralmente contribui para limitar o impacto no efeito de estufa comparativamente com os vedantes sintéticos ou de rosca.

Conclusão A maior parte dos peritos internacionais concordam em sublinhar que as futuras alterações climáticas serão directamente dependentes das emissões por parte do homem de gases com efeito de estufa. A limitação dos GES impõe-se a todas as actividades humanas. A fileira vitícola, cujos terroirs estarão directamente comprometidos pelas evoluções climáticas, deve integrar-se nesta dinâmica de controlo das emissões de GES. Este primeiro estudo realizado em 5 adegas permitiu monitorizar o nível de emissão da fileira (cerca de 1100 a 1500 gramas de CO2 equivalente por garrafa) o que corresponde a alguns quilómetros percorridos em automóvel (100 a 300 gramas de CO2 equivalente por quilómetro conforme os modelos). Os caminhos a seguir para a redução do impacto do efeito de estufa dependem directamente do tipo de instalação, da organização interna e dos itinerários técnicos vitícolas.

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É de esperar que as diferentes regiões vitícolas possam integrar esta temática na condução das suas denominações. Depois de ter definido uma tipologia das diferentes explorações (poda, equipamentos, sistema vitícola, processo de elaboração), deverá ser estabelecido um estado inicial a partir de medições realizadas em diferentes explorações representativas. Logo, na base de um objectivo de redução a médio prazo dos gases com efeito de estufa, deverão ser formalizados os caminhos a seguir para a limitação das emissões e para as valorizar. Este esforço supõe igualmente uma quantificação progressiva dos diferentes inputs e das prestações vitícolas ou enológicas. Bibliografia - www.ademe.fr - www.ecologie.gouv.fr - www.industrie.gouv.fr - www.effet-de-serre.gouv.fr - www.journaldelenvironnement.net - « Histoire du climat et viticulture ; 1ère partie : fondement du climat » ; J. Rochard & A. Srhiyeri – ITV

France Epernay ; Revue des Œnologues – n° 116 – juillet 2005 – pp.48-51 - « Traité de viticulture et d’œnologie durables » ; J. Rochard ; collection Avenir Œnologie - "Gaz à effet de serre : les émissions liées à l’élaboration et à la commercialisation des vins de

Champagne" ; A. Descôtes, D. Moncomble ; Services Techniques du CIVC ; La Revue Française d’Œnologie ; juillet-août 2005 ; n° 213 ; pp. 4-7

- "Bilan Carbone : une vision globale des émissions de gaz à effet de serre" ; S. Padilla (ADEME), C. Guyard (Technoscope) ; Environnement et Technique ; décembre 2005 ; n° 252 ; pp. 39-43

- "De la parcelle à la chaudière : valorisation des bois de taille" ; Chambre d’agriculture du Gard, Fédération Départementale des CUMA du Gard ; présentation orale ; 15 mars 2007

- "Viticulture et effet de serre – partie 1/2 : mécanisme et enjeux" ; S. Kerner, J. Rochard ; Institut Français de le Vigne et du Vin (ENTAV / ITV France) ; La Revue des Œnologues; n° 125 ; octobre 2007

- "Viticulture et effet de serre – partie 2/2 : quantification et pistes de réduction des émissions de gaz à effet de serre" ; S. Kerner, J. Rochard ; Institut Français de le Vigne et du Vin (ENTAV / ITV France) ; La Revue des Œnologues ; n° 126 ; janvier 2008

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