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Consumo e sustentabilidade

Balcão do Consumidor - Consumo e Sustentabilidade

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Page 1: Balcão do Consumidor - Consumo e Sustentabilidade

Consumo e sustentabilidade

Page 2: Balcão do Consumidor - Consumo e Sustentabilidade

®

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

José Carlos Carles de SouzaReitor

Neusa Maria Henriques RochaVice-Reitora de Graduação

Leonardo José Gil Barcellos Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Lorena Teresinha GeibVice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários

Agenor Dias de Meira JúniorVice-Reitor Administrativo

UPF Editora

Carme Regina SchonsEditora

CONSELHO EDITORIAL

Altair Alberto FáveroAlvaro Della BonaAna Carolina Bertoletti de MarchiAndrea Poleto OltramariCarme Regina SchonsCleiton Chiamonti BonaElci Lotar DickelFernando FornariGraciela René OrmezzanoJoão Carlos TedescoLuiz Antonio BettinelliRenata Holzbach TagliariRosimar Serena Siqueira EsquinsaniZacarias Martin Chamberlain Pravia

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Consumo e sustentabilidade

2012

Liton Lanes Pilau SobrinhoRogerio da Silva

Page 4: Balcão do Consumidor - Consumo e Sustentabilidade

Copyright © Editora Universitária

Maria Emilse LucatelliEditoria de Texto

Sabino GallonRevisão de Emendas

Sirlete Regina da SilvaProdução da Capa, Projeto gráfico e Diagramação

Este livro no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reprodu-zido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do autor ou da editora.A exatidão das informações e dos conceitos e opiniões emitidos, bem como as ima-gens, tabelas, quadros e figuras, são de exclusiva responsabilidade dos autores.

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDOEDITORA UNIVERSITÁRIACampus I, BR 285 - Km 171 - Bairro São JoséFone/Fax: (54) 3316-8373CEP 99001-970 - Passo Fundo - RS - BrasilHome-page: www.upf.br/editoraE-mail: [email protected]

Editora UPF af i l iada à

Associação Bras i le i ra das Editoras Univers i tár ias

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Pessoas não são insubstituíveis.Algumas são sim insubstituíveis na trajetória

que tem por aqui.A saudosa professora

Maria Emilse Lucatelli foi uma destas.Centenas de teses, dissertações, artigos, livros e outras

publicações passaram por suacorreção nos últimos anos.

Seu desaparecimento deixa um imenso vazio.Este livro uma de suas últimas correções é

dedicado a sua memória

Obrigado por todo o ensinamento.

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Sumário

Apresentação ...................................................................9

Novas tecnologias: consumo, sustentabilidade,

rotulagem no Brasil e União Europeia - paradoxos

da construção da realidade social ............................13Liton Lanes Pilau Sobrinho

O cidadão consumidor e a construção jurídica da sustentabilidade ......................................................30

Zenildo Bodnar

A sustentabilidade numa sociedade hiperconsumista ...........................................................54

Agostinho Oli Koppe PereiraCleide CalgaroHenrique Mioranza Koppe Pereira

O indivíduo do consumo como ator social e suas ações na modernidade reflexiva .....................75

Cátia Rejane Liczbinski Sarreta

Consumo, eficiência e a fundamentalidade do direito ambiental ....................................................... 109

Márcio Ricardo Staffen

Consumo e o princípio da precaução ................... 128Stéfani Daltoé

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Consumo e sustentabilidade8

Consumismo sustentável: uma busca necessária para um futuro viável ............................................... 146

Marcos Vinicius Viana da Silva

A sustentabilidade através da publicidade e sua regulamentação pela legislação consumerista .... 167

Rogerio da SilvaHenrique Caimi Ribeiro

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Apresentação

O ano de 2011 foi de grandes realizações para o Balcão do Consumidor. Em primeiro lugar, pela internacionaliza-ção do Seminário de Defesa do Consumidor, onde tivemos a oportunidade de estabelecer uma troca de experiências com renomados palestrantes do continente Europeu, com a par-ticipação do professor Dr. Mário Frota, fundador e primeiro presidente da Associação Internacional de Direito do Con-sumidor (AIDC) (Portugal); professsora Drª Ângela Frota, diretora do Centro de Formação para o Consumo de Coimbra (APDC) (Portugal); Dr. Guillermo Orozco Pardo, da Univer-sidade de Granada (Espanha); Dr. Álvaro Sanchez Bravo, da Universidade de Sevilla (Espanha). Em segundo lugar, gostaríamos de destacar a importância da parceria exis-tente com a Procuradoria da República, com a atuação dos procuradores Drª Fernanda Alves de Oliveira e Dr. Michael Von Muhlen de Barros Gonçalves, que possibilitaram a con-cretização do Balcão na Estrada, atendimento realizado por meio de uma unidade móvel, dotada de computadores e im-pressora, que percorrerá as cidades da área de abrangência da Universidade de Passo Fundo, e a produção de matérias informativas. Em terceiro lugar, obtivemos êxito ao partici-par do edital 07/2009 do Procon-RS, ao qual temos de des-tacar o comprometimento e o profissionalismo com que o Dr. Cristiano Rodrigues Aquino realiza como diretor. Em quarto lugar, gostaríamos de destacar a parceria existente com o Ministério Público Estadual na pessoa do Dr. Paulo da Silva Cirne, promotor de Justiça, pelo excelente trabalho realizado

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Consumo e sustentabilidade10

frente à promotoria especializada, atendendo as demandas coletivas de consumo. Em quinto lugar, a Prefeitura Munici-pal de Passo Fundo na pessoa do excelentíssimo senhor pre-feito Aiton Langaro Dipp, por acreditar no projeto que vigora desde sua primeira gestão; ao excelentíssimo senhor Aylton Magalhães, prefeito municipal de Carazinho, onde atuamos conjuntamente com mais uma unidade do Balcão do Con-sumidor; ao excelentíssimo senhor Getúlio Cerióli, prefeito municipal de Lagoa Vermelha, onde atuamos conjuntamen-te com mais uma unidade do Balcão do Consumidor. Em sex-to lugar, a parceria exercida com a Codepas na pessoa de seu presidente senhor Saul Spinelli, levando a ronda itinerante do Balcão na Estrada.

Consumo e sustentabilidade

A temática escolhida pelo Balcão do Consumidor proveio da realização do V Seminário Nacional de Defesa do Consu-midor e I Seminário Internacional de Defesa do Consumidor, onde foram discutidos temas sobre a relação do consumo e sustentabilidade.

Hoje vivemos num mundo altamente complexo, onde o consumo massivo influencia o ambiente. Novas ondas de consumo sustentável se estabeleceram, mesmo assim ain-da ocorre desrespeito ao meio ambiente. Temos tecnologias para não poluir, no entanto os produtos têm um alto custo. Podemos até pensar ecologicamente correto, mas não agimos em decorrência desse custo alto dos produtos.

Necessitamos que haja uma efetiva participação da so-ciedade e do Estado para intervir nessas relações, por meio do estabelecimento de políticas públicas de redução e isen-ção de tributação, para permitir que todos tenham condições econômicas em comprar produtor que não poluam.

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Liton Lanes Pilau Sobrinho, Rogerio da Silva 11

Assim, cabe ao Estado regulamentar o mercado, mas também punir severamente aqueles que desrespeitam a so-ciedade de consumo.

Nesta obra, trazemos algumas reflexões sobre esse ce-nário, com a colaboração especial das seguintes temáticas e autores: Novas tecnologias: consumo, sustentabilidade, rotulagem no Brasil e União Europeia - paradoxos da cons-trução da realidade social, de Liton Lanes Pilau Sobrinho; O cidadão consumidor e a construção jurídica da sustentabili-dade, de Zenildo Bodnar; A sustentabilidade numa socieda-de hiperconsumista, de Agostinho Oli Koppe Pereira, Cleide Calgaro e Henrique Mioranza Koppe Pereira; O indivíduo do consumo como ator social e suas ações na modernidade reflexiva, de Cátia Rejane Liczbinski Sarreta; Consumo, efi-ciência e a fundamentalidade do direito ambiental, de Már-cio Ricardo Staffen; Consumo e o princípio da precaução, de Stéfani Daltoé; Consumismo sustentável: uma busca neces-sária para um futuro viável, de Marcos Vinicius Viana da Silva; A sustentabilidade através da publicidade e sua re-gulamentação pela legislação consumerista, de Rogerio da Silva e Henrique Caimi Ribeiro.

Desejamos a todos uma boa leitura e reflexão!

Os organizadores

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Novas tecnologias: consumo, sustentabilidade, rotulagem no Brasil e União Europeia - paradoxos da construção da

realidade social

Liton Lanes Pilau Sobrinho*

A sustentabilidade passa a ser um tema mais frequente na vida da sociedade moderna diante do paradoxo das novas tecnologias que viabilizam uma transformação da realidade social, estabelecendo um novo dilema de avanços sociais que faz emergir uma discussão entre o consumo e a sustentabi-lidade. Assim, faz-se necessário observar as transformações sociais, as novas tecnologias, rotulagem, para o estabeleci-mento de uma sociedade sustentável.

A construção da realidade social

A realidade experimentada pela sociedade é resultado de constantes atualizações comunicativas no interior do sis-tema. A permanente produção comunicativa atua bifurcan-do-se em possibilidades binárias, de modo a ser possível sua operacionalização. Esse fato divide o mundo em dois (siste-

* Doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; mestre em Direito Público pela Universidade de Santa Cruz do Sul; professor Titular da Cátedra Jean Monnet da União Euro-peia; professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu doutorado e mestrado em Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Coordenador do Balcão do Consumidor e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo.

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ma/ambiente), restando a indicação de determinadas opera-ções como requisito para o estado subsequente da sociedade.

A realidade, como produção de verdades aceitas pela sociedade, é um produto constantemente reelaborado pe-los meios de comunicação de massa. As descrições do dia a dia do sistema social são, desse modo, produto dos meios de comunicação, que operam indicações seletivas acerca de as-suntos considerados (por eles próprios) como de importância à sociedade. Todavia,

[...] não pode ficar apenas a cargo do sistema científico a garan-tia, para a sociedade, de que a realidade vai surgir. Antes, deve-se pensar no conhecimento do mundo que o sistema dos meios de comunicação produz e reproduz. A questão agora é: que des-crição da realidade produzem os meios de comunicação quando se parte do fato de que eles atuam em todas as três áreas da programação? E se nós estivéssemos em condições de extrair um julgamento a respeito disso, apareceria, então, imediatamente, a questão seguinte: que sociedade surge quando ela se informa corrente e continuamente sobre si mesma dessa maneira?1

A problemática trazida por Luhmann bem ilustra a dependência comunicação x meios de comunicação: a cons-trução da realidade social indica, igualmente, a proble-matização dessa mesma comunicação, eis que a sociedade (re)produz ciclicamente comunicações que versam sobre co-municações.

A sociedade, em seus subsistemas, trabalha com recur-sos da memória; por isso, sempre que determinada comuni-cação for relevante à manutenção da autopoiese sistêmica é resgatada com o objetivo de promover descrições que estejam de acordo com regras predefinidas pelo sistema. Por isso, “a realidade é descrita de uma forma, a saber, segundo o modo de investigação da verdade que passa a impressão de ser carente de equilíbrio. A reprodução continuada do ‘é’ é con-traposta pelo como ‘de fato deveria ser’. O antagonismo dos

1 LUHMANN, A realidade dos meios de comunicação, p. 107.

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partidos, previsto institucionalmente, que permite ao siste-ma político alternar o governo e a oposição, é representado nos jornais diários de forma tão forte que os valores que se preservam na área de responsabilidade da política aparecem como deficitários e precisam ser lembrados”.2

Os meios de comunicação de massa fornecem descrições da realidade, mas, ao mesmo tempo, revestem suas comu-nicações de incertezas e riscos. A dificuldade de quantificar o poder das comunicações ou a impossibilidade de aferir os seus riscos promove a indicação de novas comunicações para gerir os déficits anteriores, trazendo sempre novas descri-ções da realidade. Assim, “[...] os meios de comunicação co-locaram para funcionar, ao mesmo tempo as três áreas de programação – notícias – reportagens, publicidade e entre-tenimento – com formas bem diferenciadas de construção da realidade torna difícil reconhecer um efeito global e remetê-lo de volta ao sistema dos meios de comunicação. O traço básico talvez mais importante e contínuo é que os meios de comunicação, ao mesmo tempo em que elaboram informa-ções, abrem um horizonte de incertezas produzidas por eles mesmos, que precisa ser servido com outras e sempre outras informações”.3

Quanto mais comunicação há, maiores são os níveis de complexidade da sociedade. Assim, as comunicações trazi-das pelos meios de massa aumentam exponencialmente as possibilidades de causarem perturbações e ressonâncias nos diversos sistemas funcionais da sociedade. Isso porque, quanto mais

os meios de comunicação aumentam a irritabilidade da socieda-de e, com isso, a capacidade de elaborar as informações. Dito de forma mais precisa: eles elevam a complexidade dos contextos de sentido nos quais a sociedade expõe-se à irritação por meio das

2 LUHMANN, A realidade dos meios de comunicação, p. 134.3 Idem, p. 138.

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diferenças autoproduzidas. A irritabilidade é produzida ou por meio de horizontes de expectativas, que asseguram possibilida-des de normalidade, mas, não obstante, em casos isolados, po-dem ser rompidas por acasos, incidentes, acidentes, ou por meio de espaços de indeterminação, que serão reproduzidos continua-mente como espaços que necessitam de preenchimento. Em am-bos os casos trata-se de autopoiese – reprodução da comunicação com base nos resultados da comunicação.4

Os meios de comunicação de massa, portanto, possibili-tam descrições de estados do sistema social, isto é, fornecem indicações seletivas da realidade social; assim, as descrições da realidade promovidas por eles consistem em observações de observações. Nesse sentido, essas observações de segun-da ordem possibilitam novas descrições, a serem constante-mente produzidas pelos demais subsistemas. Isso torna pos-sível que a política, o direito, a economia etc. baseiem suas operações nas comunicações levadas adiante pelos meios de massa, reproduzindo-as internamente conforme suas pró-prias diretrizes sistêmicas. Luhmann aduz que

a realidade dos meios de comunicação é uma realidade da ob-servação de segunda ordem. Ela substitui declarações do saber garantidas em outras formações sociais por meio de posições excepcionais de observação: pelos sábios, pelos sacerdotes, pela nobreza, pela cidade, pela religião ou pelas formas de vida que se distinguem pela ática e pela política. A diferença é tão gritan-te que não se pode falar nem de decadência nem de progresso. Mesmo aqui permanece, como modo de reflexão, apenas a ob-servação de segunda ordem. Trata-se da observação de que uma sociedade, que deixa sua auto-observação ao encargo do sistema de função dos meios de comunicação, aceita essa mesma forma de observação à maneira da observação de observadores.5

As descrições fornecidas pelos meios de comunicação possuem o encargo de produzir um excedente comunicati-vo que, de certa maneira, alimenta a autopoiese da socie-dade. Em outras palavras, cada sistema funcional absorve

4 LUHMANN, A realidade dos meios de comunicação, p. 138-139.5 Idem, p. 141-142.

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os influxos trazidos pelos meios de comunicação de massa de acordo com sua codificação binária, distribuindo-os na sociedade. Assim, há comunicação e, consequentemente, a possibilidade de essa mesma sociedade gerir tais perturba-ções. “As construções da realidade oferecidas pelos meios de comunicação têm por isso efeitos de instituir uma ordem em relação àquilo que em sociedade pode ser observado como liberdade e, com isso, principalmente, em relação à questão de como são distribuídas as chances do agir que é atribuível a cada um em sociedade.”6

A possibilidade de administração das indeterminações pela sociedade reside, igualmente, no artifício da memó-ria. Notadamente, o sistema jurídico apresenta-se como o sistema responsável pela instituição do tempo social e, por consequência, da memória da sociedade.7 Sobre a memória social, Ost explica que “instituir o passado, certificar os fa-tos ocorridos, garantir a origem dos títulos, das regras, das pessoas e das coisas: eis a mais antiga e a mais permanente das funções do jurídico [...]. Assim se constrói, por meio das tentativas de resposta formuladas, nos confins do imaginá-rio e do racional, um passado ‘memorável’ – digno de memó-ria – onde se enraíza a identidade colectiva”.8

O direito, na ótica de Ost, apresenta-se como o sistema responsável pela manutenção da memória da sociedade, for-mando, assim, a identidade social coletiva e garantindo a le-gitimidade normativa pela institucionalização de um passo digno de ser relembrado e constantemente repetido.

Desse modo, a comunicação é indissociável da socieda-de. A instituição do passado através da memória serve como um lastro para as operações sociais, todavia não determina

6 LUHMANN, A realidade dos meios de comunicação, p. 144.7 ROCHA, Leonel Severo. Tempo e constituição. Direitos Culturais, Santo Ân-

gelo: URI, n. 1, p. 190-191, dez. 2006.8 OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 52.

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essas operações. O passado, não obstante, institucionalizado pela memória é passível de periódicas avaliações pelo tempo do requestionamento;9 logo, as comunicações são periodica-mente reavaliadas. Assim,

a comunicação influencia o sistema social e o sistema social in-fluencia a comunicação. Nenhum pode ser analisado separa-damente sem que se distorça a natureza do processo. Um dos pontos importantes em que o processo da comunicação e o pro-cesso social são interdependentes é no campo da uniformidade de comportamento. Pessoas que se tenham entre si comunicado durante certo tempo tendem a manter padrões de conduta simi-lares. A tendência para a similaridade é um pré-requisito para o desenvolvimento de um sistema. Como diz o velho adágio, aves da mesma plumagem formam um bando.10

Os padrões estabelecidos pela comunicação, por isso, constituem-se em permanentes descrições do estado do siste-ma, apontando para operações posteriores. Dessa maneira, os meios de comunicação atuam no sentido de possibilitar cons-tantes indicações à sociedade, contribuindo, assim, para a autopoiese sistêmica e, conjuntamente, para a construção da realidade social, que será orientada mediante as observações e descrições fornecidas pelos meios de comunicação de massa.

O paradoxo das novas tecnologias

A sociedade pós-moderna é permeada pela existência de paradoxos e contradições. A constante presença de novas tecnologias promove um constante repensar nas maneiras de agir, de pensar etc. e acaba, igualmente, por promover possibilidades até então não disponíveis. Saliente-se o sur-gimento de novos medicamentos, de novas formas de trata-mento médico, de novos equipamentos, novos alimentos etc.

9 LUHMANN, A realidade dos meios de comunicação, p. 323.10 BERLO, David Kenneth. O processo da comunicação: introdução à teoria e à

prática. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 156.

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Esses desenvolvimentos traduzem o fato de que “a téc-nica é o lugar do aumento da complexidade e, portanto, do aumento das possibilidades”.11 As inúmeras possibilidades trazidas pelas tecnologias complexificam cada vez mais as relações sociais, trazendo em si, além de chances de inclu-são, formas excludentes. O debate entre o papel e as conse-quências das tecnologias para o indivíduo é bem referido por Luhmann quando registra:

A técnica, pois, na modernidade adiantada, se entende como aplicação do saber natural para fins humanos, e até como ação paralela à criação divina ou como cópia de arquétipos previs-tos na Criação. Isto fez possível conceber uma ciência referida a isso sob o nome de “tecnologia”. Só este nexo estreito entre natureza e técnica sugere o contraste – hoje comum – entre téc-nica e humanidade […]. A advertência é que o ser humano não deve deixar que seu autocomprensión se determine pela técnica; deve rebelar-se contra as dependências que dali emanam – as-sim como deve rebelar-se contra a dominação sem mais; deve libertar-se da transferência que implica a técnica e a dominação; deve “emancipar-se” – se é que quer salvar sua humanidade e sua autodeterminação”12 (tradução livre).

11 VIAL, Sandra Regina Martini. Sociedade complexa e o direito fraterno. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; STRECK, Lênio Luiz; ROCHA, Leonel Severo (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: programa de pós-graduação em direito da Unisinos: mestrado e doutorado. n. 3. Porto Alegre: Livraria do Advogado; São Leopoldo: Unisinos, 2007. p. 183.

12 LUHMANN, La sociedad de la sociedad, p. 411-412: “La técnica, pues, en la modernidad temprana, se entiende como aplicación del saber natural para fi nes humanos, y hasta como acción paralela a la creación divina o como copia de arquetipos previstos en la Creación. Esto hizo posible concebir una ciencia referida a ello bajo el nombre de ‘tecnología’. Sólo este nexo estrecho entre naturaleza y técnica sugiere el contraste – hoy común – entre técnica y humanidad […]. La advertencia es que el ser humano no debe dejar que su autocomprensión se determine por la técnica; debe rebelarse contra las dependencias que de allí emanan – así como debe rebelarse contra la domi-nación sin más; debe liberarse de la enajenación que implica la técnica y la dominación; debe ‘emanciparse’ – si es que quiere salvar su humanidad y su autodeterminación.”

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A tecnologia, desse modo, opera uma constante trans-formação da sociedade, agindo massivamente sobre os indi-víduos e gerando comunicações. Assim, promove inovações e possibilidades comunicativas até então indisponíveis. Em relação aos meios eletrônicos, Marcondes Filho explicita a compreensão luhmanniana dizendo: “Em relação aos meios eletrônicos, Luhmann expressa preocupação ao dizer que a comunicação mediada por computador pode repercutir ne-gativamente na comunicação social. Ele supõe que o compu-tador poderia substituir ou transcender o trabalho consti-tuidor da sociedade da comunicação. O computador, quando comparado àquilo que é definido na tradição sobre a religião e a arte, altera a relação entre superfície (acessível) e pro-fundidade. Já que não há espaço para uma ordenação linear que viabilize a significação.”13

Esses desenvolvimentos trazem, assim, a chance de expansão da comunicação. A própria utilização de compu-tadores representa a possibilidade de acesso à informação por muitos, perpetuando temporalmente seus efeitos. Para Luhmann, “[…] isto é válido também, tanto para a comuni-cação oral como para a escrita, com a diferença que a tecno-logia de difusão da escritura pode fazer chegar – temporária e especialmente – o acontecimento da comunicação a muitos destinatários, e assim alcançar que se realize em momentos imprevisívelmente numerosos”14 (tradução livre).

Nesse sentido, a tecnologia pode apontar para novas formas de emancipação humana, buscando-se seu sentido precisamente na possibilidade das trocas que proporciona: “O jogo da Internet pode auxiliar no processo de consolida-

13 MARCONDES FILHO, O escavador de silêncios, p. 464.14 LUHMANN, La sociedad de la sociedad, p. 49: “Esto es válido también, tan-

to para la comunicación oral como para la escrita, con la diferencia de que la tecnología de difusión de la escritura puede hacer llegar – temporal y espe-cialmente – el acontecimiento de la comunicación a muchos destinatarios, y así lograr que se realice en momentos imprevisiblemente numerosos.”

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ção de uma sociedade onde o sentido seja aquele de viver compactuando, de apostar na construção de um outro mun-do através deste próprio. O mecanismo da técnica, também através da Internet, pode se apresentar como uma forma de emancipação.”15

Entretanto, há de ser feita uma ressalva, eis que as tec-nologias se apresentam paradoxalmente: ao mesmo tempo em que acenam para um futuro de emancipação e constante participação no processo comunicativo, acarretam formas ex-cludentes jamais vistas. A sociedade pós-moderna empenha-se no controle de suas indeterminações, todavia as produz crescentemente.16 Isso pode ser observado na necessidade de muitos terem acesso a determinados bens e serviços, porém serem excluídos em razão de carência financeira.

A sociedade possui os meios para promover a saúde pú-blica; entretanto, a voz dos interesses econômicos por vezes ecoa mais alto. A tecnologia criada com o intuito de resolução de problemas acaba por incluir/excluir. Paradoxalmente, os próprios meios destinados a proporcionar à sociedade maior controle de suas incertezas desencadeiam um processo mas-sivo de exclusão, visto que o acesso às tecnologias sanitárias é proporcionado a uma pequena parcela da população em razão de critérios econômicos.

A superação da exclusão pode ser viabilizada pela pró-pria comunicação operada pelos meios de massas. Por ou-tro lado, a própria economia vincula-se comunicativamen-te a mudanças sociais, podendo-se citar como exemplo a lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, promulgada durante o mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu o medicamento genérico, viabilizando, assim, a

15 VIAL, Sociedade complexa e o direito fraterno, p. 186.16 ROCHA, Da epistemologia jurídica normativista ao construtivismo sistêmi-

co. In: ______; SCHWARTZ; CLAM. Introdução à teoria do sistema autopoié-tico do direito, p. 36.

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aquisição de medicamentos a custos reduzidos. A constitui-ção de uma opinião pública forte e direcionada a formas de inclusão e emancipação promovida pelo público (espectado-res) é condição de possibilidade para uma sociedade cada vez mais autopoiética, complexificada para reduzir complexida-de.

Pode-se observar a necessidade de uma intervenção do Estado na sociedade para que se estabeleçam os limites do mercado diante do crescimento do consumo voraz motivado pelos meios de comunicação, patrocinados pelo mercado. Até onde vamos?

Rotulagem dos produtos

Um dos direitos básicos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor é o direito à informação, estabelecido em seu art. 6o, inc. III,17 e art. 31.18 Assim, na rotulagem dos produtos devem constar todas as informações referentes à composição dos mesmos. Contudo, esse direito não é plena-mente informado em decorrência do interesse dos fornecedo-res, que preferem omitir informações, colocando em riscos os consumidores.

Assim, a rotulagem é um mecanismo que possibilita uma regulação do setor público no privado por meio do qual podemos observar sua aplicação no Brasil pelo decreto nº 3.871/200119 durante o governo Fernando Henrique Cardo-

17 Art. 6° São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

18 Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, ga-rantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

19 O PRESIDENTE DE REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o

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so. Este decreto presidencial estabeleceu apenas o uso da informação se o produto apresentasse índice superior a 4% de transgênico. Mais uma vez se invertem as relações de

art. 84, inciso IV, da Constituição, DECRETA: Art. 1o Os alimentos embala-dos, destinados ao consumo humano, que contenham ou sejam produzidos com organismo geneticamente modifi cado, com presença acima do limite de quatro por cento do produto, deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, sem prejuízo do cumprimento da legislação de biossegurança e da legislação aplicável aos alimentos em geral ou de outras normas comple-mentares dos respectivos órgãos reguladores e fi scalizadores competentes. § 1o Na hipótese do caput deste artigo, o rótulo deverá apresentar uma das seguintes expressões: "(tipo do produto) geneticamente modifi cado" ou "con-tém (tipo de ingrediente) geneticamente modifi cado". § 2o As informações do rótulo deverão estar em língua portuguesa, com caracteres de tamanho e formato que as tornem ostensivas e de fácil visualização. § 3o Para efeito deste Decreto, o limite previsto no caput estabelece o nível de presença não intencional de organismo geneticamente modifi cado, percentualmente em peso ou volume, em uma partida de um mesmo produto obtido por técni-cas convencionais. § 4o Para alimentos constituídos de mais de um ingre-diente, os níveis de tolerância estabelecidos serão aplicados para cada um dos ingredientes considerados separadamente na composição do alimento. Art. 2o Este Decreto aplica-se aos produtos geneticamente modifi cados que tenham recebido parecer técnico conclusivo favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, relativamente à segurança do organis-mo geneticamente modifi cado, para fi ns de liberação comercial, bem como a respectiva autorização para comercialização pelos órgãos competentes. Art. 3o Fica criada Comissão Interministerial com competência para pro-por revisão, complementação e atualização do disposto neste Decreto, bem assim metodologia de detecção da presença de organismo geneticamente mo-difi cado, levando-se em conta o progresso técnico-científi co em curso. § 1o A Comissão será composta por representantes dos Ministérios da Justiça, da Agricultura e do Abastecimento, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Saúde e da Ciência e Tecnologia, indicados pelos respectivos ti-tulares e designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. § 2o A Presidência e a Secretaria da Comissão serão exercidas em regime de rodízio entre os órgãos que a integram, com periodicidade de doze meses, iniciando-se pelo Ministério da Justiça, por intermédio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico. § 3o Poderão par-ticipar da Comissão, como colaboradores, profi ssionais e representantes de órgãos públicos e entidades cujas funções estejam relacionadas aos trabalhos a serem por ela desenvolvidos. § 4o A Comissão adotará sistemática de traba-lho que possibilite a participação da sociedade, mediante consultas públicas ou outras medidas que levem em conta os principais grupos de interesses envolvidos. § 5o A Comissão será instalada no prazo máximo de sessenta dias, contados da publicação deste Decreto. Art. 4o Os Ministérios representados na Comissão, em suas esferas de competência, serão os responsáveis pela fi scalização e pelo controle das informações fornecidas aos consumidores. Art. 5o Este Decreto entrará em vigor em 31 de dezembro de 2001.

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vulnerabilidade da sociedade diante do mercado, visto que se permite a comercialização sem a observância do direito de informação previsto pelo Código de Defesa do Consumi-dor para, depois de correr o risco do consumo, se informar. Diante da manifestação dos movimentos sociais de defesa dos consumidores é possível a transformação da realidade social, como no exemplo do IDEC relatado por Lazzarini:

Idec pede a revogação do decreto de rotulagem dos trans-gênicos. O Idec enviou hoje (16/01/2003) carta ao Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, pedindo a imediata revoga-ção do decreto 3.871, publicado em 18 de julho de 2001, que trata da rotulagem dos alimentos transgênicos. Para o Idec, o decreto fere o direito dos consumidores e a legislação brasileira, além de violar a decisão judicial dada na ação civil pública movida pelo Instituto, que exige do Governo Federal, entre outros aspectos, a elaboração de uma norma de rotulagem que respeite o Código de Defesa do Consumidor. Entre os vários problemas do decreto, estão a restrição da obrigatoriedade da rotulagem aos alimentos embalados e apenas para aqueles com presença de organismos modificados acima de 4%, por ingrediente. “Acreditamos que o pedido será atendido, inclusive porque foi um compromisso as-sumido pelo governo eleito”, afirma Marilena Lazzarini, coorde-nadora-executiva do Idec. Uma das propostas sobre transgênicos que consta do programa de governo “Meio Ambiente e Qualidade de Vida” é: “apresentar proposta de rotulagem para o Congresso, oferecendo um instrumento legal compatível com a defesa do di-reito do consumidor”. O Idec pede também a revisão da política adotada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso em relação aos alimentos transgênicos, impondo as necessárias avaliações de riscos à saúde e ao meio ambiente.20

20 LAZZARINI, Marilena. Idec pede a revogação do decreto de rotula-gem dos transgênicos. Disponível em: http://www.idec.org.br/emacao.asp?id=242http://. Acesso em: 15 nov. 2011.

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Após a mobilização social em 24 de abril de 2003, o pre-sidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva edita o de-creto presidencial nº 4.680,21 revogando o decreto lei 3.871 de

21 DECRETO Nº 4.680, DE 24 DE ABRIL DE 2003. Regulamenta o direito à informação, assegurado pela lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos ge-neticamente modifi cados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, DECRETA: Art. 1º Este Decreto regulamenta o direito à informação, assegurado pela lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destina-dos ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modifi cados, sem prejuízo do cumpri-mento das demais normas aplicáveis. Art. 2º Na comercialização de alimen-tos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modifi cados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto. § 1º Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá cons-tar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser de-fi nido mediante ato do Ministério da Justiça, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”. § 2º O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identifi cação dos ingredientes. § 3º A informação determinada no § 1º deste artigo também deverá constar do documento fi scal, de modo que essa informação acompa-nhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva. § 4º O percentual referido no caput poderá ser reduzido por decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Art. 3º Os alimentos e in-gredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal, em tamanho e destaque previstos no art. 2º, a seguinte expressão: “(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico” ou “(nome do in-grediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo in-grediente transgênico”. Art. 4º Aos alimentos e ingredientes alimentares que não contenham nem sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modifi cados será facultada a rotulagem “(nome do produto ou ingrediente) livre de transgênicos”, desde que tenham similares transgênicos no mercado brasileiro. Art. 5º As disposições dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 2º e do art. 3º deste Decreto não se aplicam à comercialização de alimentos destinados ao consu-mo humano ou animal que contenham ou tenham sido produzidos a partir de soja da safra colhida em 2003. § 1º As expressões “pode conter soja trans-gênica” e “pode conter ingrediente produzido a partir de soja transgênica” deverão, conforme o caso, constar do rótulo, bem como da documentação fi s-cal, dos produtos a que se refere o caput, independentemente do percentual

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18 de julho de 2001. Essa mudança veio alterar o critério de informação que o decreto anterior informava, de que apenas acima de 4% deveria ser comunicado no rótulo do produto. Assim, essa alteração estabelece índice de 1%, ou seja, acima disso deve constar no rótulo a informação do transgênico.

Podemos observar a importância sobre a rotulagem dos produtos, pois, se não ocorresse a obrigatoriedade da infor-mação, será que os fornecedores informariam os consumido-res? O risco não deve ser corrido, pois, mesmo informando, não sabemos ainda das consequências que o consumo desses produtos pode ocasionar ao organismo. Outro exemplo efi-caz da rotulagem vem da União Europeia, através de uma atuação do Conselho e Parlamento Europeu que estabeleceu a Directiva 2000/12, de 20 de março de 2000, a respeito da rotulagem, apresentação e publicidade dos gêneros alimen-tícios:

Artigo 1º - 1. A presente directiva diz respeito à rotulagem dos géneros alimentícios destinados a serem fornecidos directamen-te ao consumidor final, bem como a certos aspectos relacionados com a sua apresentação e respectiva publicidade.2. A presente directiva aplica-se ainda aos géneros alimentícios destinados a ser fornecidos a restaurantes, hospitais, cantinas e outras colectividades similares, adiante denominadas “colectivi-dades”.

da presença de soja transgênica, exceto se: I - a soja ou o ingrediente a partir dela produzido seja oriundo de região excluída pelo Ministério da Agricultu-ra, Pecuária e Abastecimento do regime de que trata a Medida Provisória no 113, de 26 de março de 2003, de conformidade com o disposto no § 5º do seu art. 1º; ou II - a soja ou o ingrediente a partir dela produzido seja oriundo de produtores que obtenham o certifi cado de que trata o art. 4º da Medida Pro-visória no 113, de 2003, devendo, nesse caso, ser aplicadas as disposições do art. 4º deste Decreto. § 2º A informação referida no § 1º pode ser inserida por meio de adesivos ou qualquer forma de impressão. § 3º Os alimentos a que se refere o caput poderão ser comercializados após 31 de janeiro de 2004, desde que a soja a partir da qual foram produzidos tenha sido alienada pelo pro-dutor até essa data. Art. 6º À infração ao disposto neste Decreto aplica-se as penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor e demais normas aplicáveis. Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8º Revoga-se o decreto nº 3.871, de 18 de julho de 2001.

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3. Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por:a) “Rotulagem”: as menções, indicações, marcas de fabrico ou de comércio, imagens ou símbolos referentes a um género alimen-tício e que figurem em qualquer embalagem, documento, aviso, rótulo, anel ou gargantilha que acompanhe ou seja referente a este género alimentício;b) “Género alimentício pré-embalado”: unidade de venda desti-nada a ser apresentada como tal ao consumidor final e às colec-tividades, constituída por um género alimentício e pela emba-lagem em que foi acondicionado, antes de ser apresentado para venda, quer a embalagem o cubra na totalidade ou parcialmente, mas de tal modo que o conteúdo não possa ser alterado sem que a embalagem seja aberta ou alterada.22

O direito à informação dos consumidores deve ser res-peitado dentro da União Europeia e também no Brasil, não só em decorrência dos transgênicos, mas de todos os demais produtos que são lançados no mercado. Para que possamos viver em um mundo sustentável devemos partir de peque-nos gestos, que alertem o mundo sobre os riscos que estamos correndo. Para Boff:

Aos grandes meios de comunicação passou despercebido o im-pressionante discurso que o Presidente da Bolívia Evo Morales fez em outubro nas Nações Unidas. Falou menos como chefe de Estado e mais como um lider indígena, cuja visão da Terra e dos problemas ambientais está em claro confronto com o sistema mundial imperante. Denuncia sem rodeios: “a doença da Terra chama-se modelo de desenvolvimento capitalista” que permite a perversidade de “três famílias possuirem ingressos superiores ao PIB dos 48 paises mais pobres” e que faz com que “os Estados Unidos e a Europa consumam em média 8,4 vezes mais do que a média mundial”. E fêz uma ponderação sábia e de graves con-sequências: “perante esta situação, nós, os povos indígenas e os habitantes humildes e honestos deste Planeta, acreditamos que chegou a hora de fazer uma parada para reencontrarmos as nos-sas raizes com respeito à Mãe Terra, com a Pachamama como a chamamos nos Andes”.O alarme ecológico provocado pelo aqueci-mento global já iniciado deve produzir este primeiro efeito: fazer-

22 UNIÃO EUROPEIA. Conselho e Parlamento Europeu. Directiva 2000/12 de 20 de março de 2000.

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mos uma parada para repensarmos o caminho até agora andado e criarmos novos padrões que nos permitam continuar juntos e vivos neste pequeno planeta. Temos, sim, que reencontrar nossas raizes terrenais. Urge que reconquistemos a consciência de que homem vem de humus ( terra fecunda) e que Adão vem de Ada-mah (terra fértil). Somos Terra que sente, pensa, ama e venera. E agora, devido a um percurso civilizatório de alto risco, monta-do sobre a ilimitada exploração de todos os recursos da Terra e da vontade desenfreada de dominação sobre a natureza e sobre os outros, chegamos a um ponto crítico em que a sobrevivência humana corre perigo.23

Para que ocorra a transformação da realidade social em busca de um consumismo sustentável, devemos observar a intervenção estatal no estabelecimento de regramentos ao poder econômico, como a legislação da rotulagem no Brasil e União Europeia. Todavia, enquanto não reduzirmos as de-sigualdades sociais e a concentração do capital na mão de poucos, todos os esforços não serão suficientes. Portanto, a mudança depende de todos. Logicamente, os pequenos ges-tos podem não ser suficientes, mas devemos ter um ponto de partida, cabendo a cada um tomar uma atitude, para que possamos num futuro próximo melhorar nossa qualidade de vida em prol da sustentabilidade social.

Referências

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BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

_____. Decreto presidencial nº 3.871 de 31 de dezembro de 2001.

23 BOFF, Leonardo. Retirada sustentável. Disponível em: http://ho-mologa .ambiente . sp .gov.br /proc l ima /not i c ias_novas /2007_4 /noticiasnovembro2007/13112007m.htm. Acesso em: 15 nov. 2011.

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_____. Decreto presidencial nº 4.680, de 24 de abril de 2003.

LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Pau-lo: Paulus, 2005.

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MARCONDES FILHO, Ciro. O escavador de silêncios: formas de cons-truir e de desconstruir sentidos na comunicação: nova teoria da comu-nicação II. São Paulo: Paulus, 2004.

ROCHA, Leonel Severo. Tempo e constituição. Direitos Culturais, Santo Ângelo: URI, n. 1, dez. 2006.

ROCHA, Leonel Severo. Da epistemologia jurídica normativista ao construtivismo sistêmico. In: ______; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito. Porto Ale-gre: Livraria do Advogado, 2005.

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UNIÃO EUROPEIA. Conselho e Parlamento Europeu. Directiva 2000/12 de 20 de março de 2000.

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O cidadão consumidor e a construção jurídica da

sustentabilidade

Zenildo Bodnar*

Introdução

O desenvolvimento global e qualitativo, aliado à pro-teção efetiva do meio ambiente, constitui um dos grandes desafios para as sociedades contemporâneas. Estabelecer as diretrizes sustentáveis para um futuro com mais prudência ambiental na produção e no consumo é uma das principais tarefas do direito ambiental. Assim, o objeto deste estudo é analisar o papel ativo do cidadão consumidor na construção jurídica da sustentabilidade.

No atual estágio de desenvolvimento da sociedade, o ser humano, ao mesmo tempo em que demonstra uma impres-sionante capacidade técnica e científica, também confessa uma impotência grandiosa em termos de convívio civilizado. A busca inconsequente por bem-estar e felicidade em razão de padrões irresponsáveis de produção e consumo contribui decisivamente para a crise ecológica global.

* Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Rea-lizou pós-doutorado em Direito Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina (2008) e na Universidade de Alicante (2009 - Espanha). Professor no doutorado e mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí e juiz federal. E-mail: [email protected]

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Com a intensificação do fenômeno da globalização, o mercado passa a atuar com enorme força, fluidez e liberda-de, praticamente impondo as regras do jogo. O protagonismo não é mais o da sociedade, nem o dos Estados. Essa lógica de submissão exclui ou sufoca outras dimensões fundamen-tais para a sustentabilidade da comunidade mundial, como a ecologia e o imprescindível controle político e social.1 Essas intensas mudanças conduzem à caracterização da atual so-ciedade como sendo “de risco”. Com base nas relevantes con-tribuições de Ulrich Beck,2 pode-se caracterizar a sociedade de risco como “[...] uma fase no desenvolvimento da socieda-de moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial”.

O risco deve ser entendido como uma decorrência do processo de escolhas e decisões adotadas no presente e que podem gerar consequências imprevisíveis e incalculáveis para a qualidade de vida futura em todas as suas dimensões. Difere, portanto, de perigo, que apresenta uma noção estáti-ca, relacionada com ocorrências previsíveis e delimitadas no tempo e no espaço.3 O significado sociológico de risco não é uniforme entre os cientistas sociais;4 o que é certo é que no atual modelo de organização social, especialmente conside-rando as bases da produção e de consumo, diminui-se ainda

1 Ao abordar este tema, Urich Beck denomina este efeito da globalização de “globalismo” e o caracteriza como uma “ideologia do império do mercado mundial”. In: BECK, Ulrich. O que é globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 22.

2 BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização refl exiva. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Moderniza-ção refl exiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad. de Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1997. p. 15.

3 Nesse sentido também é a refl exão de LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo. Mexico: Triana, 1998. p. 43 e ss.

4 Dentre os diversos signifi cados é possível destacar: a) consequência ou pro-duto da revolução científi ca e tecnológica; b) postura discursiva; c) apenas uma forma de estabelecer vínculos com o futuro.

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mais a previsibilidade do futuro, o qual é necessariamente influenciado pelas decisões antrópicas do presente.

Trata-se da consolidação de uma sociedade em situação periclitante de risco pluridimensional, onde a insegurança e a imprevisibilidade consubstanciam o componente bási-co e a única certeza decorrente das condutas humanas na atua lidade. A atual sociedade de risco é a consequência ou o resultado do modelo de produção industrial e do consumo insustentável. Não se nega a importância do consumo para o funcionamento adequado do sistema econômico e social, porém o que precisa mudar é a cultura do excesso, do esban-jamento, do luxo desnecessário e parasitário, que desequili-bra gravemente a capacidade de produção de bens e serviços ambientais em relação às demandas reais e necessárias, não às criadas artificialmente pela ganância humana.

Com essa contextualização inicial, este estudo aborda a evolução histórica do desenvolvimento sustentável; apresen-ta aproximações conceituais da sustentabilidade, enfatizan-do a importância do seu conteúdo jurídico; aborda a relação direta da sustentabilidade com o consumo e o papel do ci-dadão como protagonista da construção de um mundo mais sustentável, e, por fim, a importância do consumo sustentá-vel para a construção de vínculos éticos e jurídicos consisten-tes com o futuro por intermédio da justiça intergeracional.

Histórico: do desenvolvimento sustentável à sustentabilidade

A preocupação com os limites do crescimento integra a própria história do direito ambiental.5 Já na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano de Estocolmo,

5 Já na década de 1950, estudo desenvolvido pelo chamado “Clube de Roma” advertia que a escassez de bens ambientais (alimento) poderia colocar em risco a população mundial.

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realizada no ano de 1972, o tema central foi a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento com a preservação dos recursos naturais. No primeiro princípio dessa convenção constou que “o homem tem o direito fundamental à liberda-de, à igualdade, ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem solene obrigação de prote-ger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras [...]”.

No início a preocupação estava mais voltada ao desen-volvimento, especialmente dos países mais pobres. A ques-tão ecológica aparecia apenas de maneira indireta, mas ain-da de forma integrada e como foco autônomo de proteção. Conferia-se um valor muito significativo ao desenvolvimen-to enquanto bem jurídico a ser fomentado também em escala mundial.

O desenvolvimento enquanto direito humano foi reco-nhecido pela Assembleia Geral da ONU, que em 1986 editou declaração específica por intermédio da resolução 41-128. Essa declaração, no seu artigo 1.1, estabelece que “o direi-to ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, so-cial, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”.6

Em 1987 foi apresentado pelo informe de Brundtland7 o conceito de desenvolvimento sustentável nos seguintes ter-mos: “O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento

6 No artigo 2.1 enfatiza que a pessoa humana é o sujeito central do desenvol-vimento e deve ser participante ativo e benefi ciário do direito ao desenvolvi-mento.

7 A denominação decorreu do nome da presidenta da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, Gro Harlem Brutdland, na épo-ca primeira-ministra da Noruega.

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que satisfaz as necessidades da geração presente sem com-prometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades.” Nesse documento ficou clara uma maior preocupação com os limites dos bens naturais e com a necessidade de assegurar condições adequadas de vida digna também para as futuras gerações.

A declaração da ECO-92, baseada também no relatório Brundtland, foi construída tendo como foco central a neces-sidade de se estabelecerem diretrizes objetivando compatibi-lizar o desenvolvimento com a imprescindibilidade da tutela dos bens ambientais. O princípio 4 da declaração do Rio es-tabelece que, “para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do proces-so de desenvolvimento e não poderá ser considerada isola-damente deste”. Esse enunciado buscou aproximar sistemas que operam com racionalidades totalmente diversas, confli-tivas e de difícil harmonização.

Sobre esse tema são esclarecedoras as observações de Ignacy Sachs, em especial o destaque para as diversas di-mensões do desenvolvimento e os embates ideológicos que antecederam as declarações de Estocolmo e Rio-92, entre o que se chamou de “economicismo arrogante e o fundamen-talismo ecológico”. O autor explica que a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, realiza-da em Estocolmo, colocou a dimensão do meio ambiente na agenda internacional. Essa conferência foi precedida do en-contro Founex de 1971 e seguida de uma série de encontros e relatórios, até a realização do Encontro da Terra no Rio de Janeiro em 1992. A preocupação central era com as relações entre desenvolvimento e meio ambiente, e os participantes apresentavam as posições mais antagônicas. O resultado foi “uma alternativa média que emergiu entre e o economicismo arrogante e o fundamentalismo ecológico”. O crescimento

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econômico ainda se fazia necessário, mas deveria ser social-mente receptivo e implementado por métodos favoráveis ao meio ambiente, ao invés de se favorecer a incorporação pre-datória do capital da natureza ao PIB.8

Entretanto, tanto na declaração de Estocolmo como na do Rio, o meio ambiente ainda era tratado como instrumento para a fruição dos direitos humanos. Se na primeira o meio ambiente era pré-condição para o acesso aos demais direi-tos, na segunda a relação entre o meio ambiente e os demais direitos humanos já ocorre com um nível de intensidade di-ferenciado, especialmente pelos enfoques procedimentais participativos contemplados. Na Declaração do Rio o enfo-que ambiental do desenvolvimento é reforçado, incluindo-se a pobreza na pauta das preocupações, e, pela primeira vez, aparece a solidariedade, mas ainda apenas numa perspecti-va formal, como destaca Gabriel Real Ferrer.9

O fundamento histórico básico para a construção e con-solidação do princípio do desenvolvimento sustentável foi a necessidade de avanços econômicos para os países subdesen-volvidos, inclusive com a utilização das novas tecnologias dos países desenvolvidos, porém sem ultrapassar os limites necessários para manter o equilíbrio ecológico. Um conceito integral de sustentabilidade somente surgiria em 2002, na Rio+10, realizada em Jonesburgo, quando restaram consa-gradas, além da dimensão global, as perspectivas ecológica, social e econômica como qualificadoras de qualquer projeto de desenvolvimento, bem como a certeza de que sem justi-

8 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. In: SACHS, Ignacy; STROH, Paulo Yone (Org.). Caminhos para o desenvolvimento sus-tentável. Trad. de José Lins Albuquerque Filho. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 22 e ss.

9 FERRER, Gabriel Real. La construcción del derecho ambiental. 2002. Aran-zadi de Derecho Ambiental, Pamplona: Espanha, n. 1, p. 73-93. Disponível em: http://www.dda.ua.es/documentos/construccion_derecho_ambiental.pdf. Acesso em: 9 maio 2011.

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ça social não é possível alcançar um meio ambiente sadio e equilibrado na sua perspectiva ampla.

Dessa forma, só a partir de 2002 passou a ser adequado utilizar a expressão “sustentabilidade” ao invés de desen-volvimento com o qualificativo “sustentável”. Isso porque a partir deste ano consolidou-se a ideia de que nenhum dos elementos (ecológico, social e econômico) deve ser hierarqui-camente superior ou compreendido como variável de segun-da categoria. Todos são complementares, dependentes e só quando implementados sinergicamente poderão garantir um futuro mais promissor.

A partir da consolidação teórica da sustentabilidade, passou a ser possível conceber o meio ambiente como um direito humano independente e substantivo, inseparável e indivisível dos demais direitos humanos. Essa nova caracte-rização do meio ambiente no plano internacional gerou uma relação redimensionada entre os direitos humanos: desen-volvimento e meio ambiente. O meio ambiente passa, então, a não mais qualificar o desenvolvimento como sustentado, já que ganha a sua própria independência e autonomia na inter-relação entre os aspectos ecológicos, sociais, econômi-cos e até tecnológicos.

Apesar da amplitude conceitual já alcançada, é muito importante que os avanços prossigam não apenas no aspecto formal, mas, principalmente, na identificação de estratégias e mecanismos para tornar concretos os nobres objetivos pre-conizados para a melhora contínua da qualidade da vida em todas as suas formas.

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Aproximação conceitual e conteúdo jurídico da sustentabilidade

A construção de um conceito, necessariamente trans-disciplinar,10 de sustentabilidade é um objetivo complexo e sempre será uma obra inacabada. Isso porque poderá ser melhorada para atender às circunstâncias do caso concreto, ao contexto em que está sendo aplicado, bem como ao con-junto de variáveis direta ou indiretamente envolvidas. Afi-nal, trata-se de uma idealidade, algo a ser constantemente buscado e construído como o próprio conceito de justiça.

É um conceito aberto, permeável, ideologizado, subjeti-vo e relacional. O que é considerado sustentável num perío-do de profunda crise econômica pode não o ser num período de fartura. Para um indígena, determinadas intervenções no meio ambiente são legítimas e compatíveis com a ideia de sustentabilidade, mas o mesmo comportamento pode não ter essa qualificação se protagonizado por outra pessoa. Em muitos casos é até mais indicado se adotar uma dimen-são conceitual negativa, ou seja, muitas vezes é mais fácil identificar as situações de insustentabilidade. Essa natural

10 Deve ser entendido como estratégia de produção cognitiva baseada no inter-câmbio dos saberes, técnicas de abordagem e dialéticas de problematização que resultam na produção de novos objetos. Não é apenas uma abordagem inter ou multidisciplinar, modo comum de investigar determinado objeto ou campo de problematização, pois na transdisciplinaridade o que é deter-minante é a possibilidade da criação do novo, de um conhecimento que vai além, que ultrapassa as possibilidades de abordagem de um campo do saber, exatamente como decorrência da fusão dialética e criativa dos conhecimen-tos. Henrique Leff, embora nomine equivocadamente de “interdisciplinar” o que é, na verdade, transdisciplinar, apresenta um exemplo extraordinário de conhecimento produzido por intermédio de uma abordagem transdiscipli-nar: trata-se de reconstrução de um objeto da biologia (estrutura e funções da matéria viva – DNA) com a participação de conhecimentos diversos da área biológica e com os da genética formal (citologia, microbiologia e bioquí-mica) In: LEF, Henrique. Epistemologia ambiental. Trad. de Sandra Valen-zuela. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 70.

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dificuldade, porém, não pode desestimular o pesquisador do direito na busca de subsídios e critérios para, ao menos, uma aproximação conceitual com vistas à construção de signifi-cados e conteúdos também jurídicos, especialmente conside-rando que essa categoria ganha a cada dia mais centralida-de no âmbito do direito ambiental pela amplitude e impor-tância que representa.

Canotilho defende que a sustentabilidade é um dos fun-damentos do que chama de “princípio da responsabilidade de longa duração”11 e que implica a obrigação dos Estados e de outras constelações políticas de adotarem medidas de precaução e proteção em nível elevado para garantir a so-brevivência da espécie humana e a existência condigna das futuras gerações.12

Se há dúvidas quanto à precisão conceitual, o que é in-questionável é a insustentabilidade do atual modelo de pro-dução e consumo, que expõe o planeta a graves e irreversí-veis riscos tanto ecológicos como também sociais.

A sustentabilidade foi, inicialmente, construída a par-tir de uma tríplice dimensão: ambiental, social e econômica. Na atual sociedade do conhecimento é imprescindível que também seja adicionada a dimensão tecnológica, pois é a in-teligência humana individual e coletiva acumulada e mul-tiplicada que poderá garantir um futuro mais sustentável. Na perspectiva jurídica, todas essas dimensões apresentam identificação com a base de vários direitos humanos e fun-damentais (meio ambiente, desenvolvimento, direitos pres-

11 Os demais, com base na Constituição portuguesa, seriam o princípio do apro-veitamento racional dos recursos, princípio da salvaguarda da capacidade de renovação e estabilidade ecológica desses recursos e princípio da solidarieda-de entre gerações.

12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional português: ten-tativa de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito cons-titucional Português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 6.

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tacionais sociais, dentre outros), cada qual com as suas pe-culiaridades e riscos.

Sobre a amplitude da sustentabilidade, Michael Decle-ris (apud Piñar Mañas) explica que consiste: a) na conserva-ção e recuperação, quando esta seja necessária, do adequado capital natural para promover uma política qualitativa de desenvolvimento; b) na inclusão de critérios ambientais, cul-turais, sociais e econômicos no planejamento e implementa-ção das decisões sobre desenvolvimento.13

Uma das dimensões mais importantes, pela sua fra-gilidade e pela conexão direta e pressupostal da tutela do meio ambiente, é exatamente a dimensão social. A socióloga Mercedes Pardo defende que os problemas relacionados ao meio ambiente são problemas de organização social e que o desenvolvimento sustentável inclui três concepções: social, econômica e ecológica. Defende que a sustentabilidade eco-lógica pressupõe a social.14

Um dos objetivos mais importantes de qualquer projeto de futuro com sustentabilidade é a busca constante pela me-lhora das condições sociais das populações mais fragilizadas socialmente. Isso porque os problemas sociais e ambientais estão, necessariamente, interligados, e somente será possí-vel tutelar adequadamente o meio ambiente com a melho-ra das condições gerais dessas populações.15 Boaventura de Souza Santos indica que a crise ambiental decorre direta-

13 PIÑAR MAÑAS, José Luis. El desarrolo sostenibel como principio jurídico. In: PIÑAR MAÑAS, José Luis. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente. Civitas: Madrid, 2002. p. 24.

14 PARDO, Mercedes. El desarrollo. In: BALESTEROS Jesús; PÉRES ADÁN, José (Edit.). Sociedad y médio ambiente. Madrid: Trotta, 2000.

15 Para Amartya Sem, o desenvolvimento real e pleno somente será alcança-do com a expansão das liberdades, "desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente [...] assim, com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros”. In: SEN Amartya. Desenvolvi-mento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 10, 26.

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mente da transnacionalização da pobreza, da miséria e da fome. O autor inclui ainda a degradação ambiental dentre os principais problemas na relação social mundial.16

No atual contexto de crise, a sustentabilidade17 não pode ser entendida apenas como um qualificativo de luxo ou adjetivação de enfeite que se agrega a determinadas expressões,18 ou propósitos retóricos e discursivos, muitas vezes nem tão nobres. Deve ser um projeto de civilização re-volucionário e estratégico de futuro, pautado na consciência crítica acerca da finitude dos bens ambientais e na respon-sabilidade global e solidária pela proteção, defesa e melhora contínua de toda a comunidade de vida e dos elementos que lhe dão sustentação e viabilidade.

O princípio da sustentabilidade, conforme destaca o so-ciólogo Enrique Leff, aparece como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condi-ção para a sobrevivência humana e como um suporte para

16 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2001. p. 42 e ss.

17 Sobre o conceito de sustentabilidade, Sachs explica que possui diversas di-mensões: “– a sustentabilidade social vem na frente por se destacar como a própria fi nalidade do desenvolvimento, sem contar com a probabilidade de qu um colapso social ocorra antes da catástrofe ambiental; – um corolário: a sustentabilidade cultural; – a sustentabilidade do meio ambiente vem em de-corrência; – outro corolário: distribuição territorial equilibrada de assenta-mentos humanos e atividades; – a sustentabilidade econômica aparece como uma necessidade, mas em hipótese alguma é condição prévia para as anterio-res, um vez que um transtorno econômico traz consigo o transtorno social, que por seu lado, obstruiu a sustentabilidade ambiental; - o mesmo pode ser dito quanto à falta de governabilidade política, e por esta razão é soberana a importância da sustentabilidade política na pilotagem do processo de re-conciliação do desenvolvimento com a diversidade biológica; – novamente um corolário se introduz: a sustentabilidade do sistema internacional para manter a paz – as guerras modernas são não apensa genocidas, mas também ecocidas –, e para o estabelecimento de um sistema de administração para o patrimônio comum da humanidade”. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. In: STROH, Paulo Yone (Org.). Trad. de José Lins Albuquerque Filho. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 71-72.

18 Economia, desenvolvimento, infl ação, mundo, negócios, crescimento, dentre outras.

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chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção.19

José Renato Nalini conclui que a sustentabilidade im-porta em transformação social, sendo conceito integrador e unificante. Propõe a celebração da unidade homem/natureza na origem e no destino comum e significa um novo paradig-ma.20

Embora o conteúdo do princípio da sustentabilidade esteja historicamente direcionado às bases da produção nos modelos capitalistas liberais, essa noção deve ser ampliada para que os beneficiários do desenvolvimento sejam todos aqueles componentes bióticos e abióticos que garantirão a vida em plenitude, inclusive para as futuras gerações.

A preocupação da geração atual não deve ser a de ape-nas garantir às futuras gerações a mesma quantidade de bens e recursos ambientais. A insuficiência deste objetivo é manifesta, porque a irresponsabilidade do ser humano ge-rou um desenvolvimento historicamente insustentável e já levou a atual geração à beira do colapso pela manifesta limi-tação de muitos bens primordiais para a vida plena. Assim, é fundamental que toda a inteligência coletiva e que todo o conhecimento científico acumulado estejam também a servi-ço da melhoria das condições de toda a comunidade de vida futura, não apenas a serviço do ser humano.

Loporena Rota é enfático ao afirmar que uma concep-ção falsa é entender que determinado desenvolvimento so-cial exige um pouco de sacrifício ambiental, e acrescenta que “sacrificar o meio ambiente para lograr um maior desenvol-vimento econômico é decisão própria de quem não conhece

19 LEFF, Henrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, com-plexidade, poder. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 31.

20 NALINE, José Renato. Ética ambiental. Campinas: Milenninum, 2001. p. 37-38.

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a problemática ambiental. Não há, sejamos sérios, contra-dições entre ecologia e meio ambiente. Caminham de mãos dadas”.21 No mesmo sentido, Martín Mateo22 sustenta que os postulados da economia e da ecologia não são necessaria-mente contrapostos, cabendo uma integração harmoniosa.

Com base nas reflexões expostas, deve-se entender a sustentabilidade nas suas dimensões ambiental, social, eco-nômica e tecnológica e também como um imperativo ético tridimensional, implementado em solidariedade sincrônica com a geração atual, diacrônica com as futuras gerações e em solidária sintonia com natureza, ou seja, em benefício de toda a comunidade de vida e com os elementos abióticos que lhe dão sustentação.

Em síntese, a construção do conceito de sustentabilida-de resulta do aporte cognitivo fornecido pela sociologia, pela economia e também pela filosofia. Resta ao direito a nobre função de apropriar essa pauta axiológica comum humani-tária, captar as realidades sociais, os seus desvios e riscos e promover estratégias objetivando mitigá-los e controlá-los para a realização plena do bem comum. Isso é de extrema relevância porque, no paradigma atual da globalização, é o mercado quem atua com enorme força, fluidez e liberdade, impondo as regras do jogo. O protagonismo não é mais o da sociedade, nem dos Estados. Essa lógica de submissão exclui ou sufoca outras dimensões imprescindíveis para a susten-tabilidade da comunidade mundial, como a ecologia e o im-prescindível controle político e social.23

21 LOPORENA ROTA, Demétrio. El derecho al desarrollo sostenible. In: EM-BID IRUJO, Antônio (Dir.). El derecho a un medio ambiente adequado. Ma-drid: Iustel, 2008. p. 73.

22 MARTÍN MATEO, Ramón. La revolución ambiental pendiente. In: PIÑAR MAÑAS, José Luis. Desarrollo soistenible y protección del medio ambiente. Civitas: Madrid, 2002. p. 55.

23 Ao abordar esse tema, Urich Beck denomina esse efeito da globalização de “globalismo” e o caracteriza como uma “ideologia do império do mercado mundial”. In: BECK, Ulrich. O que é globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 22.

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Piñar Mañas conclui que o princípio do desenvolvimen-to sustentável é um verdadeiro princípio geral de direito in-vocável e aplicável que habilita as administrações públicas a exercerem potestades de controle e inspeção e, também, que obriga tanto os Estados como todos os cidadãos a cum-pri-lo.24 Branca Martins Cruz conclui que o desenvolvimento sustentável também se afirma “como princípio de Direito do ambiente, conjugando-se com outros princípios, como os da responsabilidade, da recuperação ou do poluidor-pagador”.25

Na obra jurídica mais completa da atualidade sobre o princípio da sustentabilidade, Klaus Bosselmam26 defende, enfaticamente, a necessidade da aplicação do princípio da sustentabilidade enquanto princípio jurídico basilar da or-dem jurídica local e internacional. Argumenta que o princí-pio da sustentabilidade deve contribuir com a “ecologização” dos demais princípios e, desde que devidamente impulsiona-do pela força real da sociedade civil, servirá também como caminho para uma governança com sustentabilidade ecoló-gica e social.

Além da grande proliferação de normas jurídicas27 nos planos internacional, comunitário e nacionais que tratam

24 PIÑAR MAÑAS, José Luis. El desarrolo sostenibel como principio jurídico. In: PIÑAR MAÑAS, José Luis. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente. Civitas: Madrid, 2002. p. 57.

25 CRUZ, Branca Martins da. Desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental. Direito e Ambiente - Revista do Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente, Universidade Luziada, ano I, n. 1, out./dez. 2008. p. 14.

26 BOSSELMANN, Klaus. The principle of sustainability: transforming law and governance. New Zealand: Ashagate, 2008. p. 79 e ss.

27 Como exemplo cite-se a Carta de Direitos Fundamentais da União Euro-peia, que no seu artigo 37 trata da proteção do meio ambiente nos seguintes termos: “As políticas da União integrarão e garantirão com fundamento no princípio de desenvolvimento sustentável, um alto nível de proteção do meio ambiente e a melhora de sua qualidade.” Outros documentos que trataram do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade: Carta Mundial da Na-tureza de 1982 (ONU); Declaração do Conselho da Europa de 1985, Conven-ção da Biodiversidade; Declaração de Londres (G-20) de 2 de abril de 2009, dentre muitos outros.

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da sustentabilidade, é imprescindível que este princípio seja concretizado pelas autoridades públicas e, em especial, pelos poderes judiciários.28

Sustentabilidade e consumo: o cidadão como protagonista da construção da sustentabilidade

A sociedade atual poder ser caracterizada não apenas como de risco, mas também como de consumo. Importante reflexão sobre esse aspecto é apresentada por Bauman29 quando, ao caracterizar o perfil homem-consumidor na so-ciedade do consumo, compara-o com os homems-produtores e homens-soldados da sociedade moderna. Enfatiza que o dilema agora não está mais entre sobreviver ou não, e, sim, entre “consumir para poder viver ou se o homem vive para poder consumir”.

Gómes-Heras,30 catedrático em Filosofia da Universida-de de Salamanca, explica que a nossa civilização contempo-rânea, denominada de “sociedade do consumo” ou de “bem-estar”, está configurada, basicamente, em torno de três elementos: ciência, técnica e economia industrial. Essa so-ciedade do consumo está fundamentada principalmente nos valores da racionalidade técnica utilitarista, da eficácia da ação e do domínio da natureza. Isso demonstra que a crise

28 O princípio da sustentabilidade deve ser um princípio fundacional da jurisdi-ção ambiental e requer desta base cognitiva holística e sistemática. Holística pela necessidade da consideração de todas as variáveis (direitos e valores) envolvidos direta e indiretamente e sistemática pela identifi cação da função de cada uma das variáveis e da maneira e intensidade pela qual interagem para uma adequada valoração refl exiva.

29 BAUMAN, Zigmund. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janei-ro: Zahar, 1999. p. 88 ss.

30 GÓMES-HERAS, José María García. El problema de uma ética del “medio ambiente”. In: GÓMES-HERAS, José María García. Ética del medio am-biente: problema, perspectiva, história. Madrid: Tecnos, 1997. p. 19.

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atual não é apenas ecológica, mas, sobretudo, uma crise de valores e de vínculos, reflexo da desvinculação progressiva de uma racionalidade axiológica em direção à razão técnica, que distancia e desvincula os seres humanos da natureza na busca obstinada do progresso a qualquer custo. Esse quadro de patologia social deve ser apreendido e compreendido na atividade construtiva e transformadora do direito da susten-tabilidade.

Uma das principais consequências dessa crise de valo-res é também a falta de solidariedade, de preocupação com os bens da coletividade e, principalmente, de exercício de uma cidadania ativa. Tudo isso contribui para o aniquilamento dos espaços públicos, que passam a ser ocupados pelos domí-nios do mercado. Ao falar do esvaziamento do espaço públi-co como consequência da atual sociedade, Ney Bello31 (2006, p. 19) é enfático: “O Estado cede lugar às empresas transna-cionais, e os conceitos de cidadania e inclusão a partir das idéias de república e nação cedem à compreensão do homem enquanto ser consumidor. As praças públicas são trocadas pelos Shoppings Centers, e a participação política é relega-da a mera formalidade participativa em processos eleitorais esvaziados.”

Na sociedade de risco e de consumo é fundamental que não apenas as instituições sejam revitalizadas, mas que também se alcance intensa participação cidadã para um controle social efetivo nas instâncias decisórias que definem o futuro da humanidade, assim como escolhas conscientes quanto a formas de consumo mais amigas do ambiente, ou seja, mas harmônicas e equilibradas com o entorno. O com-promisso com um futuro mais sustentável deve ser uma ta-

31 BELLO FILHO, Ney de Barros. Pressupostos sociológicos e dogmáticos da fundamentalidade do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equi-librado. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Floria-nópolis, 2006. p. 19.

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refa compartilhada entre cidadãos consumidores, empresas e o poder público, mas é do cidadão consumidor informado e participativo que partem as escolhas e delas, o perfil das em-presas e produtos que são oferecidos. Takeshy Tachizawa32 explica que

um dos maiores desafios que o mundo enfrenta neste novo mi-lênio é fazer com que as forças de mercado protejam e melho-rem a qualidade do ambiente, com ajuda de padrões baseados no desempenho e uso criteriosos de instrumentos econômicos, num quadro harmonioso de regulamentação. O novo contexto econô-mico caracteriza-se por uma rígida postura dos clientes, voltada à expectativa de interagir com organizações que sejam éticas, com boa imagem institucional no mercado e que atuem de forma ecologicamente responsável.

Esse quadro evidencia o grande poder que o cidadão consumidor possui ao adotar atitudes proativas, responsá-veis e que fomentem a progressiva alavancagem de compor-tamentos mais éticos e comprometidos com o ambiente, quer seja de empresas, quer seja de pessoas.

No âmbito legislativo, diversas leis abordam a questão do consumo numa perspectiva da sustentabilidade, sendo, oportuno, pela atualidade, referir a recente Lei da Política Nacional de Resíduos, que no seu artigo 3º, inciso XIII, defi-ne padrões sustentáveis de produção e consumo como sendo a “produção e consumo de bens e serviços de forma a aten-der as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras”.

O mesmo diploma legal ainda estabelece no artigo 6º um conjunto de princípios, dentre os quais (inciso V) o da ecoeficiência, que é “alcançada mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e servi-

32 TACHIZAWA, Takeshy. Gestão ambiental e responsabilidade social coorpo-rativa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23.

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ços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do pla-neta”.

A Agenda 21, documento que detalhou o conjunto de ações a serem implementadas para a concretização dos 27 princípios da ECO/92, apresenta diversas ações que devem ser tomadas e, especialmente, destaca a necessidade da mu-dança de padrões de consumo para que se alcance a susten-tabilidade. Tudo isso demonstra o papel estratégico que o ci-dadão consumidor desempenha na construção e consolidação da sustentabilidade na perspectiva abordada neste estudo.

Para finalizar, é muito oportuno referir a conclusão de Flávia Nobre Galvão33 ao defender que para o alcance de um desenvolvimento sustentável é fundamental que as bases de consumo também o sejam. Enfatiza que o consumidor deve ser responsável, seletivo nos produtos que vai adquirir e consciente da sua responsabilidade nesse processo. Em sín-tese, defende que o cidadão exerça um papel ativo na cons-trução da sustentabilidade.

33 GALVÃO, Flávia Nobre. Desenvolvimento sustentável & capitalismo: possi-bilidades e utopias. Revista IOB de Direito Administrativo, n. 12, p. 106-119, dez. 2006.

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Consumo sustentável e justiça34 intergeracional

Uma das principais decorrências da juridicização da sustentabilidade é a vinculação ética e jurídica que este princípio estabelece com as futuras gerações. Trata-se de um novo e revolucionário conteúdo que se agrega à teoria da justiça, o qual densifica e fortalece os vínculos com o futuro.

A justiça intergeracional, portanto, deve ser a diretriz ou o princípio-vetor que ilumina os rumos das ações humanas. Deve-se assegurar para as futuras gerações uma quantidade de bens não apenas suficiente para a mínima subsistência humana,35 mas o necessário para a garantia da vida plena em todas as suas formas, nos aspectos ecológico, social e eco-nômico. Este é, além de um desafio, o compromisso e o dever fundamental da atual geração de cidadãos consumidores.

Na obra mais importante e completa sobre o tema, Edith B. Weiss explica que o compromisso assumido no Rio para um desenvolvimento sustentável foi inerentemente interge-racional e defende a tese de que “cada geração recebe um

34 Para os objetivos deste trabalho adota-se a expressão “justiça” ao invés de “equidade”, considerando a amplitude que se pretende outorgar a este re-levante enfoque. A equidade, no sentido estrito e aristotélico, teria apenas um papel corretivo da aplicação concreta da norma para evitar situação de injustiça. Conforme Melo, equidade é “adequação da norma geral e abstrata à realidade fática, constituindo-se em fundamento de equilíbrio, proporção, correção e moderação na construção da norma concreta”. In: MELO, Os-valdo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB/SC - Editora, 2000. p. 37. Mesmo a concepção de justiça como equidade teorizada por Rawls não é sufi ciente, enquanto uma espécie de contrato em que pelo consenso os indivíduos racionalmente aceitam certos princípios. In: RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 17-19.

35 Cansado Trindade destaca que cada geração é ao mesmo tempo usuária e guardiã do patrimônio comum natural e cultural e que deveria, assim, deixá-lo para as gerações futuras em condições não piores que aquelas em que o recebeu. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cansado. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Ale-gre: Fabris, 1993. p. 159.

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legado natural e cultural como fideicomiso das gerações an-teriores, para que por sua vez seja transmitida às futuras gerações”. Essa relação impõe obrigações planetárias para cada geração e também brinda certas gerações com direitos também planetários.36

A distribuição justa e equitativa não pode significar apenas a transferência de riscos e externalidades negativas, geradas por um desenvolvimento insustentável, mas, sim, o compromisso da atual geração de gerenciar os riscos com in-teligência e responsabilidade, de mitigar eficientemente as externalidades negativas geradas pela interferência huma-na e, especialmente, de transferir o maior capital ecológico possível para toda a comunidade de vida futura mediante práticas e atitudes de consumo responsável.

Alexandre Kiss explica que aqueles que vivem hoje integram uma cadeia que não deve ser interrompida, fato que caracteriza uma solidariedade mundial não apenas no aspecto espacial, mas também na perspectiva temporal, ou seja, entre as gerações que se sucedem.37

Ao abordar o princípio da solidariedade entre gerações, Canotilho destaca que os interesses dessas gerações são identificáveis em três campos problemáticos: a) das altera-ções irreversíveis dos ecossistemas terrestres em consequên-cia dos efeitos cumulativos das atividades humanas – planos espacial e temporal; b) do esgotamento dos recursos, deri-vado de um aproveitamento não racional e da indiferença relativamente à capacidade de renovação e da estabilidade

36 BROWS WEIS, Edith. Un mundo justo para las futuras generaciones: dere-cho internacional, patrimonio común y equidad integeracional. Trad. de Má-ximo E. Gowland. Madrid: United Nations, Mundi- Prensa, Madrid, 1999. p. 37-39 e 40.

37 KISS, Alexandre. Droit international de l’evironnement. Paris: Pedone, 1989. p. 57.

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ecológica; c) dos riscos duradouros.38 Na perspectiva do con-sumo, merece destaque a preocupação com o aproveitamento racional e a capacidade de renovação dos recursos naturais.

Essa especial sensibilidade para com os limites da na-tureza é a atitude esperada também dos consumidores. Na atual escalada da revolução tecnológica não se recomenda que as pessoas optem por uma vida monástica ou por outros modos radicalizados de viver e habitar o planeta. Afinal, a natureza também é flexível e comporta a presença humana responsável, mas desde que nessa interação sejam respei-tados os limites e o necessário equilíbrio para a garantia da vida em plenitude, sempre com a preocupação voltada à me-lhora progressiva da qualidade do ambiente para as futuras gerações. Só assim se estará construindo uma justiça tam-bém na perspectiva intergeracional.

Considerações finais

O modelo de desenvolvimento escolhido/reforçado para o mundo na Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-biente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e preconizado pelo protocolo de Kyoto visa compatibili-zar a proteção da higidez ambiental com o desenvolvimento. Esse ideal de desenvolvimento com sustentabilidade, entre-tanto, está cada vez mais ameaçado pela busca do desenvol-vimento a qualquer preço e pelo consumo irresponsável.

A nota qualitativa da sustentabilidade, preconizada também como intento motivador da Eco-92, ainda não foi viabilizada na sua integralidade, pois o paradigma de desen-volvimento vigente em escala global está pautado muito mais

38 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional português: ten-tativa de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito cons-titucional Portuguê. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 8.

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pela lógica da maximização dos lucros do que pela preocu-pação ética de distribuição geral e equitativa dos benefícios gerados pelo desenvolvimento e num consumo sustentável.

A evolução teórica do princípio do desenvolvimento sus-tentável evidencia significativos avanços qualitativos. Hoje a sustentabilidade não é utilizada apenas para qualificar um modelo de desenvolvimento, mas aparece como categoria rica e promissora, dotada de significação própria, enquanto orientadora e diretriz de conduta. Deve-se entender a sus-tentabilidade na suas dimensões ambiental, social, econômi-ca e tecnológica, e também como um imperativo ético tridi-mensional, implementado em solidariedade sincrônica com a geração atual, diacrônica com as futuras gerações e em solidária sintonia com a natureza, ou seja, em benefício de toda a comunidade de vida e com os elementos abióticos que lhe dão sustentação.

A garantia de uma ordem jurídica social e ambiental justa depende de um novo modelo de desenvolvimento glo-bal, que interiorize a proteção ambiental como objeto central de preocupação. Para isso é fundamental a construção jurí-dica da sustentabilidade enquanto princípio dotado de forma promocional, otimizadora e dirigente. A consolidação desse novo paradigma do direito, fundado na sustentabilidade, de-penderá, necessariamente, da sensibilização e da participa-ção ativa do cidadão consumidor. Afinal, são as atitudes e as decisões conscientes e informadas que vão definir o tipo de empresa e produto que terão aceitabilidade. O exercício efetivo da cidadania também contribuirá com a melhora dos espaços públicos de decisão e com os sistemas de controle social, fatores que são também decisivos para que se alcance a sustentabilidade numa perspectiva multidimensional.

Essa atitude do cidadão consumidor comprometida com a sustentabilidade é também a condição para que seja pos-sível concretizar a justiça ambiental entre as gerações pre-

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sentes e futuras e para a redenção de uma nova cultura nas relações entre os seres humanos e natureza, indispensável para um futuro mais promissor.

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A sustentabilidade numa sociedade hiperconsumista1

Agostinho Oli Koppe Pereira*

Cleide Calgaro**

Henrique Mioranza Koppe Pereira***

Introdução

O hiperconsumo é um dos elementos que caracteriza a sociedade moderna. O rompimento com o passado e o endeu-samento do novo, “do moderno”, desenvolveu uma cultura capaz de levar a que o indivíduo enderece todas as suas ne-cessidades e todos os seus desejos para o consumo. É, indis-cutivelmente, a substituição do “ser” pelo “ter”.

* Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professor e pesquisador no mestrado em Direito da Universidade de Caxias do Sul, coor-denador do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica.

** Mestra em Direito (UCS); professora da Universidade de Caxias do Sul; pes-quisadora do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica (UCS), doutoranda em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

*** Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; doutorando em Direito pela Universidade de Santa Cruz, pesquisadora do Grupo de Pes-quisa Metamorfose Jurídica (UCS), bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul.

1 Pesquisa “O direito ambiental frente à energia e ao risco de insustenta-bilidade ambiental na sociedade moderna hiperconsumista”, do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica, vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas e Mestrado em Direito da Universidade de Caxias do Sul, com apoio da UCS, Fapergs e CNPq.

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A modernidade veio na esteira da Revolução Industrial e do capitalismo, que foram indutores do que hoje se denomi-na de “hiperconsumo”. Na lógica desses dois elementos pri-mordiais, respectivamente, necessitava-se de consumidores para pôr fim a todos os produtos que eram produzidos nas indústrias; na mesma seara, necessitava-se de consumidores para gerar os lucros necessários à manutenção da máquina capitalista que se espalhava pelo mundo pela globalização.

Pela lógica dos acontecimentos, priorizar o lucro em de-trimento do meio ambiente leva a um prejuízo global para a humanidade e para todos os seres vivos do planeta que dependem do meio ambiente para a sua sobrevivência. Os padrões de consumo impostos pela modernidade e pelo sis-tema capitalista priorizam o descarte e o lucro como formas indicativas de desenvolvimento. Nessa ótica, o meio ambien-te não possui qualquer importância ou prioridade dentro do contexto socioeconômico estabelecido.

Tendo em vista que a manutenção do meio ambiente em condições favoráveis para a manutenção da vida no estado em que se encontra atualmente é indispensável à sustenta-bilidade do planeta e da humanidade, pretende-se discutir neste capítulo a forma como se desenvolveram na moderni-dade as relações de consumo, tendo em vista a possibilidade de se buscarem modos mais adequados para a inter-relação consumo/meio ambiente.

Um dos elementos que será abordado é o consumo cons-ciente e responsável como possível meio para o desenvolvi-mento sustentável do planeta, pois, ao que parece, sem a participação de toda a sociedade, não será possível reverter a atual situação que se apresenta. Nesse sentido, o consumo consciente, antes de ser uma retórica voltada aos grupos de consumidores, é uma filosofia de pleno aproveitamento de recursos, de educação ambiental e, especialmente, de atitu-de cidadã.

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Tendo em vista o crescente processo de industrialização, que sempre foi bem aceito pela sociedade contemporânea, uma vez que o progresso econômico era buscado de forma incansável, pretende-se fazer uma análise do problema das sociedades advindo com a modernidade na ótica consumo/meio ambiente.

Sociedade moderna: relação de consumo

O desenvolvimento da sociedade de consumo cresceu de forma exponencial no último século. Os avanços tecnológicos que surgiram no século XX, como, por exemplo, o desenvol-vimento da informática, das telecomunicações, da produção, das indústrias, trouxeram profundas mudanças nas rela-ções sociais, criando uma sociedade moderna onde o próprio tempo se configura totalmente diferente das sociedades pré-modernas.

Na ótica de Lipovestsky, a sociedade está em tempo de guerra com o tempo: “O estado de guerra contra o tempo im-plica que os indivíduos estão cada vez menos encerrados só no presente, com a dinâmica de individualização e os meios de informação funcionando como instrumentos de distancia-mento, de introspecção, de retorno ao eu.”2

Seguindo por esse pensamento, Lipovestsky afirma ain-da:

Ninguém duvida de que, em muitos casos, a febre de compras seja uma compensação, uma maneira de consolar-se das desven-turas da existência, de preencher a vacuidade do presente e do futuro. A compulsão presentista do consumo mais o retraimen-to do horizonte temporal de nossas sociedades até constituem um sistema. Mas será que essa febre não é apenas escapista, diversão pascaliana, fuga em face de futuro desprovido de futuro

2 LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Bacarolla, 2004. p. 76.

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imaginável e transformado em algo caótico e incerto? Na verda-de, o que nutre a escala consumista é indubitávelmente tanto a angústia existencial quanto o prazer associada às mudanças, o desejo de intensificar e reintensificar o cotidiano.3

Percebe-se que a sociedade moderna tem seu tempo, que se diferencia sensivelmente daquele das sociedades tradicio-nais. Por outro lado, quando se trabalha segundo a ótica do mercado, verifica-se que também se acaba estando atrelado a essa questão. Para Ost,

com o mercado, a desinstutição é explicitamente transformada em projeto político; a desregulamentação que a acompanha faz dela uma figura arquetípica do tempo do requestionamento. O tempo do mercado é a ocasião propícia que o investigador agarra, o ganho de que o consumidor ou produtor racional beneficiam, a conjuntura favorável aguardada pelo observador atento das transações. O mercado é a indeterminação do futuro valorizada por ela própria, a abertura necessária ao jogo econômico, o es-paço de desenvolvimento das estratégias ganhadoras do homo economicus (grifamos).4

No mesmo diapasão, já desenvolvemos em outro escrito que

a modernidade veio, com a possibilidade, por meio de conceitos concretos e desenvolvidos sob a ótica das certezas tecnológicas e científicas, além, certamente, da utilização da razão como forma de dominação da natureza, estabelecer uma sociedade capaz de proporcionar felicidade e satisfação a todos os cidadãos [...]. Com a modernidade, surgem aspectos como o dinamismo tecnológico, a forte vinculação com a razão; a idéia de ciência, como elemento de exatidão e certeza; a liberdade vinculada à razão; o otimismo exagerado de benesses a todos, dentro da idéia de globalização, entre outros. 5

3 LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos, p. 79.4 OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Piaget, 1999. p. 399.5 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe.

A modernidade e a questão da vida. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide. Direito ambiental e biodireito: da modernidade à pós-modernidade. Caxias do Sul: Educs, 2008. p. 230.

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Assim, as relações de consumo se desenvolvem em uma cultura de dominação e alienação política, econômica e, mes-mo, cultural. Isso permite dizer que todas as relações que envolvem o ser humano – de laços familiares, profissionais, educacionais, religiosas, culturais, políticos e, mesmo, jurí-dicos – têm conotação com o econômico e, logo, com o consu-mo, pois, segundo a versão moderna, somente por meio do consumo é possível buscar a felicidade. Porém, essa felici-dade é inalcançável, uma vez que na lógica do mercado deve ser sempre procurada. É a fórmula do consumo: buscar uma felicidade que, ao ser tocada, evanesce, para que seja busca-da novamente.

Por esses caminhos, até o amor toma novas configura-ções. “Hoje, amar é como um passeio no shopping, visto que, tal como outros bens de consumo, o relacionamento humano deve ser consumido instantaneamente, não requer maiores intimidades nem grandes conhecimentos sobre a pessoa a se relacionar. Em seguida, será destruído e, depois, criam-se outros laços com outras pessoas da mesma forma. Assim, construindo laços afetivos rapidamente e, logo, desmanchan-do-os, como um bem de consumo.”6

Na nova era moderna surge uma ligação muito forte en-tre tempo e espaço. Por isso, torna-se importante a alteração das concepções e ideologias vigentes.

Tornar o poder um fator secundário, onde o mesmo não seja a fonte de ânsia do ser humano. O homem deve buscar entender a complexidade do poder, entender suas diversas formas de se por-tar, somente assim chegará ao encontro de um saber humano sis-tematizado e justo. Também, deve entender que o tempo ordena a vida, é uma dança de forças subjugadas, onde o poder e a vida são processos suspensos no tempo e no espaço e, que a história pode

6 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; PE-REIRA, Mariana Mioranza Koppe. Hiperconsumo e a ética ambiental. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz Fernando Del Rio. Relação de consumo: meio ambiente. Caxias do Sul: Educs, 2009. p. 15.

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ser construída na certeza e na incerteza, na vida e na morte, na ação e na inércia, na mudança e na não mudança, eis o parado-xo da complexidade existencial do ser humano, da complexidade da vida e da natureza. O poder nega o caráter – imprevisível –, o mesmo provoca a indiferenciação dos desejos, das buscas, dos sonhos, acaba tornando-se operacional, manifestando-se numa relação subjugada de forças, sem unificações. Esse poder repri-me, mas, ao mesmo tempo traz benefícios, produzindo realidades e verdades. Para transgredir o mundo é necessário transgredir o poder. É preciso reescreve o futuro das fronteiras da humanidade, transformando-a e quebrando-lhe as amarras impostas.7

Por fim, as formas de consumo também devem ser reor-denadas e analisadas dentro do contexto social e global para que não se relativizem as relações entre as pessoas.

O consumo deve ser ordenado para satisfazer as necessidades básicas da humanidade, sem tornar a natureza um meio de co-mércio. Quando se atingir esses objetivos chegar-se-á a susten-tabilidade, pois todos os fatores inerentes a ela estarão em equi-líbrio constante. O consumo permite transformar a vida – para o bem e para o mal – pode ser clave de luz ou a escuridão dos tempos. O consumo, mal utilizado, pode produzir o abismo que desemboca na exploração e na dependência, na inclusão e na ex-clusão, enfim, na crise econômica ou no equilíbrio.8

Para Lipovetsky,9 o consumidor do “novo luxo” é mul-tifacetado, uma vez que busca vários estilos e acaba adqui-rindo modelos de diferentes grupos, preços e estilos, pois o consumo tem caráter emocional, experimental de novas sensações, psicologizado, cujo processo de subjetivação en-globa o consumo. Como Lipovestsky salienta: “Por muito tempo o luxo confundiu-se com a demonstração, o cenário, o espetáculo ostentatório da riqueza: o artifício, o adorno,

7 CALGARO, Cleide. Desenvolvimento sustentável e consumo; a busca do equilíbrio entre o homem e o meio ambiente. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz Fernando Del Rio. Relação de consumo: meio ambiente. Caxias do Sul: Educs, 2009. p. 15.

8 CALGARO, op. cit., p. 16. 9 LIPOVETSKY, Gilles. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das mar-

cas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 54-55.

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os signos visíveis destinados ao olhar do outro constituíam as manifestações predominantes. Isso não desaparece, mas surgiram novas orientações que testemunham o recuo dos símbolos honoríficos em favor de expectativas centradas na experiência vivida imediata, na saúde, no corpo, no maior bem-estar subjetivo [...].”10

O pensamento elitista, ou seja, a necessidade de osten-tação e de diferenciação dos demais entes que compõem a sociedade, traz em si o individualismo. Nesse sentido, o uni-verso do luxo não funciona dentro de uma posição classista. “Hoje, o luxo está mais a serviço da promoção de uma ima-gem pessoal do que de uma imagem de classe.” O luxo de oposição de classes está se “desinstitucionalizando”, dando espaço ao “luxo livre”, liberto de prescrições sociais e voltado às aspirações e motivações individualistas.11

Uma das formas de individualismo aparece traduzida na moda. A moda da década de 1980 passou a ser exibida como emblema visível, identificável, uma verdadeira insíg-nia social do luxo, desde que aliada a uma marca.12 Para se poder explicar essa relação, pode-se recorrer a Georg Sim-mel, o qual afirma que para a moda existir seriam necessá-rios dois sentimentos contrastantes: uma necessidade de dis-tinção, pois a moda é um produto da divisão de classes, e uma necessidade de pertencimento, visto que a moda é imitação de um modelo dado e proporciona a satisfação da necessidade de apoio social, faz a fusão do indivíduo na coletividade.

Para Simmel, “o significado da moda: como formas de vida, como marca de distinção de classe, como jogo da inces-sante imitação de uma classe por outra, como meio da in-serção dos indivíduos num grupo ou numa corrente, traduz justamente essa efervescência sem rumo, porque é indife-

10 LIPOVETSKY, O luxo eterno..., p. 55.11 Idem, p. 53.12 Idem, p. 119.

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rente aos conteúdos, inclusive da beleza ou do conveniente; é simples variação, mero arreio, desprovida de motivação, entregue apenas à vertigem do movimento e do momento, da novidade injustificada, porque vive do capricho e da ex-travagância [...]”.13

A partir da década de 1990, o vestuário já não tinha o mesmo significado daquele de 1980. A afirmação social de si passou a ser traduzida pelos cuidados com o corpo,14 o que em 2000 se intensificou, porém aliado a uma renovação da importância da moda como elemento distintivo de luxo.

Para Simmel, a moda serve para manter uma coesão dos grupos interessados em permanecer separados. A forma de andar, o tempo e ritmo dos gestos são essencialmente deter-minados pela vestimenta.15 O desejo de agradar por meio da vestimenta, ou de um adorno, pode ser traduzido como o exer-cício de poder acima de quem se necessita para construir uma autovisão de que este lhe é subordinado.16 A moda é, portanto,

[...] a imitação de um modelo dado e satisfaz assim a necessidade de apoio social, conduz o indivíduo ao trilho que todos percorrem, fornece um universal, que faz do comportamento de cada indiví-duo um simples exemplo. E satisfaz igualmente a necessidade de distinção, a tendência para a diferenciação, para mudar e se separar. E este último aspecto consegue-o, por um lado, pela mu-dança dos conteúdos, que marca individualmente a moda de hoje em face da de ontem e da de amanhã, consegue-o ainda de modo mais enérgico, já que as modas são sempre modas de classe, por-que as modas de classe superior se distinguem das de inferior e são abandonadas no instante em que esta última delas se come-ça a apropriar. Por isso, a moda nada mais é do que uma forma particular entre muitas formas de vida, graças à qual a tendên-cia para a igualização social se une à tendência para a diferença e a diversidade individuais num agir unitário [...].17

13 SIMMEL, Georg. A fi losofi a da moda e outros escritos. Lisboa: Texto & Gra-fi a, 2008. p. 31-32.

14 LIPOVETSKY, O luxo eterno..., p. 121.15 SIMMEL, op. cit., p. 24.16 Ibidem, p. 59.17 Ibidem, p. 24.

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Dessa forma, um vestuário que é dito de “bom gosto”, ou seja, um produto de luxo, por si só, já possui significações e, por isso, possibilita o “trânsito” por determinadas esferas distintivas. Assim, a modernidade acaba se traduzindo den-tro do contexto social vigente, onde as pessoas se massificam pelo consumo no tempo, no espaço, no local e no global.

Bauman salienta que “a modernidade produziu o nive-lamento das diferenças – pelo menos na sua aparência exte-rior, de cujo estofo mesmo são feitos as distâncias simbólicas entre grupos segregados”.18

O autor vai além explicando que, “se a cultura consu-mista é o modo peculiar pelo qual membros de uma socie-dade de consumidores pensam em seus comportamentos ou pelo qual se comportam ‘de forma irrefletida’ – ou, em outras palavras, sem pensar no que consideram ser seu objetivo de vida e o que acreditam ser os meios corretos de alcançá-los”.19

A modernidade traz a rapidez. Assim, é comum as pes-soas buscarem possuir a última moda, o último modelo de celular, a roupa de marca, numa verdadeira competição quase inconsciente de que é preciso estar sempre à frente do outro. A crise do ser se reflete no ter, e o ser também se transformou em mercadoria negociável. Hoje o desafio é con-viver em diferentes e múltiplas versões. Considera-se tudo como velho e ultrapassado rapidamente, e o acesso ao novo muitas vezes é difícil. A necessidade de consumir é uma rea-lidade da modernidade, visto que as pessoas somente estão satisfeitas se consumirem.

Esse contexto em que se insere a modernidade dá va-zão ao que se denomina de “hiperconsumismo”, pelo qual a própria modernidade começa a ser entendida não como so-

18 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 80.

19 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 70.

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ciedade moderna, mas, sim, como sociedade de consumo. É, seguramente, a antevisão da pós-modernidade sob o estigma consumista.

Sociedade moderna e o consumo consciente

Fala-se dos problemas ecológicos trazidos pela moderni-dade, entretanto não é apenas o meio ambiente natural que é afetado. O que existe, na realidade, é uma crise socioam-biental, pela qual a destruição do meio ambiente é notória; contudo, também se vive uma crise de valores, o que acaba por desencadear problemas em diferentes setores da socie-dade.

Para Della Giustina, as crises são consequências não as causas, dos desequilíbrios que atingem o planeta: “Na ver-dade, as crises constituem conseqüências e não causas dos desequilíbrios do processo. Atuar sobre as conseqüências – o controle do mundo, a fome ou a exclusão, sem modificar as estruturas, ou a natureza do processo, pode até se constituir numa forma de aquietamento das conseqüências, enquanto se mantém o modelo que gera os desequilíbrios insustentá-veis e que nem fará superar as crises e nem fará as trans-formações necessárias no rumo da mudança civilizatória.”20

Com séculos de exploração sem preocupações com as consequências desses atos, foi criada uma situação cada vez mais delicada no que se refere, especificamente, ao meio ambiente. Esse processo exploratório se refletiu na extinção em massa de espécimes sobre cujos hábitos, biologia e fun-ções no ecossistema o ser humano possuía pouco ou nenhum conhecimento. Por outro lado, o próprio meio ambiente se viu afetado pela poluição dos rios, lagos, mares e atmosfera,

20 DELLA GIUSTINA, Osvaldo. Participação e solidariedade: a revolução do terceiro milênio II. Tubarão: Unisul, 2004. p. 160.

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além, é claro, do desmatamento, o que trouxe modificações climáticas, como o aquecimento global, que acaba por colocar em risco toda a humanidade.

Assim, a natureza passou a ser vista como algo afeta-do, em geral, de maneira desastrosa pela sociedade huma-na, que, por sua vez, descobriu-se como a agressora do meio ambiente. Nesse contexto, verificou-se a necessidade de um conhecimento mais aprofundado sobre o meio em que o ser humano está inserido e também sobre os espécimes que com ele dividem esse espaço, pois, sem sombra de dúvida, existe uma simbiose marcante em todo o planeta que possibilita a vida como é vista nos dias de hoje. Essas conclusões levaram à necessidade de se pensar em condutas capazes de proteger o meio ambiente e os “seres mudos” que convivem com o ser humano, corrigindo, assim, os ditos “erros ecológicos”.

Em se tratando de ambiente, tanto urbano quanto rural, o modelo atual de desenvolvimento – desigual, excludente e esgotante dos recursos naturais – tem levado à produção de níveis alarmantes de poluição do solo, ar e água, à contami-nação da vida por resíduos, à destruição da biodiversidade e ao rápido consumo das reservas minerais e demais recursos renováveis.

O que se tem percebido é, seguramente, um atrelamen-to do atual processo econômico à crise ambiental. Assim, o modelo econômico desenvolvido para a modernidade foi, e é, vilão do meio ambiente. O desenvolvimento preconizado pela modernidade foi ativado e sustentado pelo modelo eco-nômico estabelecido. No que se refere à questão da moderni-dade e da crise ambiental, é importante considerar a opinião de Guimarães: “Modernidade e meio ambiente resultam de uma dinâmica: o protagonismo crescente do ser humano em relação à surperestruturas e, ao mesmo tempo, a progres-siva centralidade que assume o fato de termos de repensar

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as relações entre os seres humanos e natureza. Isto, entre-tanto, não se opõe ao fato de, ao nos preocupar com o meio ambiente, sermos obrigados a questionar profundamente a atual modernidade, o que termina por instaurar os próprios fundamentos de um novo paradigma de desenvolvimento.”21

Quando se trabalha a sociedade moderna, entende-se que o crescimento econômico está no cerne de todos os pro-blemas, pois a economia está interligada aos demais subsis-temas e é dependente da biosfera, que é um recurso finito dentro do planeta Terra. A economia não é um sistema fe-chado, e todo crescimento econômico sem a preocupação com a sustentabilidade afeta o meio ambiente e é por ele afetado, já que economia e meio ambiente são parte de um sistema único e, consequentemente, interagem.22

Nesse contexto, onde se debatem o econômico e o meio ambiente, a sustentabilidade fica suspensa numa indefini-ção, visto que o futuro se aproxima do caos e o que antes era o limbo eterno, sem ver o céu ou o inferno transmuta-se rapidamente em inferno para toda a humanidade.

Trabalhando sobre a importância de a sustentabilida-de ser retirada do limbo em que se encontra para exercer o papel a ela reservado: de possibilitar o desenvolvimento da humanidade com manipulação sem destruição do meio am-biente, Leff assinala:

A degradação ambiental, o risco de colapso e o avanço da desi-gualdade e da pobreza são sinais eloqüentes da crise do mun-do globalizado. A sustentabilidade é o significante de uma falha fundamental na história da humanidade; crise de civilização que alcança seu momento culminante na modernidade, mas cujas origens remetem à concepção do mundo que serve de base à ci-vilização ocidental. A sustentabilidade é o tema do nosso tem-

21 VIANA, Gilney; SILVA, Marina; DINIZ, Nilo. O desafi o da susentabilidade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 44.

22 PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta: sociedade de consumo e de-gradação ambiental. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 127-129.

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po, do final do século XX e da passagem para o terceiro milênio, da transição da modernidade truncada e inacabada para a pós-modernidade incerta, marcada pela diferença, pela diversidade, pela democracia e pela autonomia.23

Assim, entende-se que se faz necessário alterar a traje-tória do progresso e fazer uma transição para uma economia sustentável, para que o futuro do planeta não reste com-prometido.24 Nesse sentido, Penna afirma: “Grande parte das questões ambientais e sociais baseiam-se no equilíbrio abastecimento versus demanda. Embora não se sabia com precisão os seus limites, o abastecimento (de qualquer coi-sa) é seguramente limitado, enquanto a demanda pode ser ilimitada. Não há limites intrínsecos à demanda dos seres humanos.”25

Édis Milaré salienta:

Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa con-siderar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não deve se erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais cons-tituem a sua base material.26

É óbvio que o desenvolvimento, tanto econômico quanto tecnológico, é meio para se atingir o fim, pois, como afirma Penna, “o que deveria ser apenas um meio está sendo cada vez mais confundido com os objetivos últimos, que são o de-senvolvimento humano, a sobrevivência e o bem-estar pre-

23 LEFF, Enrique. Saber ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p. 9.24 DALY, Herman E. Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientifi c Ameri-

can, Edição especial – Brasil. São Paulo, n. 41, p. 92-99, out. 2005.25 PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta: sociedade de consumo e de-

gradação ambiental. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 127-129.26 MILARÉ, Édis. Direito ambiental. 4. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 53.

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sente e futuro da nossa espécie e daquelas que conosco par-tilham a biosfera”.27 Dessa forma, a sociedade deve se vol-tar para o “desenvolvimento sustentável”, que foi expresso no relatório Brundtland como o “desenvolvimento que aten-de às necessidades do presente, sem comprometer a capa-cidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades”.28

Algumas atitudes e discussões já vêm se desenvolvendo há algum tempo, tendo em vista a possibilidade de se mo-dificar o modo de vida da sociedade moderna e o sistema por esta implantado. Pode-se citar a ECO-92, que foi, e é, de fundamental importância, pois incorporou, simultanea-mente, os direitos ao desenvolvimento e a um meio ambiente saudável. É importante também salientar a Agenda 21, de-senvolvida nessa conferência, que tem como elemento fun-damental o desenvolvimento sustentável.

Na ótica de Enrique Leff, “o desenvolvimento sustentá-vel é um projeto social e político que aponta para o ordena-mento ecológico e a descentralização territorial da produção, assim como para a diversificação dos tipos de desenvolvi-mento e dos modos de vida das populações que habitam o planeta. Neste sentido, oferece novos princípios aos proces-sos de democratização da sociedade que induzem à partici-pação direta das comunidades na apropriação e transforma-ção de seus recursos ambientais”.29

Tendo em vista o disposto neste item, pode-se trabalhar agora a ideia de consumo consciente ou, em outras palavras,

27 PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta: sociedade de consumo e de-gradação ambiental. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 130-131.

28 MOUSINHO, Patrícia. Glossário. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 348.

29 LEFF, Saber ambiental, 2004. p. 57.

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consumo sustentável. Esse tipo de consumo nasce da mu-dança de atitude dos consumidores e da sociedade em geral, que, ao invés de continuarem agindo dentro de uma ótica consumerista, que se caracteriza por um consumo desregra-do, passam para um consumo necessário, sem comprometer as necessidades e aspirações das gerações vindouras.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (PNUD), “o consumo sustentável significa o for-necimento de serviços e de produtos correlatos, que preen-cham as necessidades básicas e dêem uma melhor qualida-de de vida, ao mesmo tempo em que se diminui o uso de recursos naturais e de substâncias tóxicas, assim como as emissões de resíduos e de poluentes durante o ciclo de vida do serviço ou do produto, com a idéia de não se ameaçar as necessidades das gerações futuras”.30

O consumo consciente e responsável é a principal ma-nifestação de responsabilidade social do cidadão. O consu-midor deve ser incentivado a fazer com que o seu ato de consumo seja também um ato de cidadania, escolhendo em que mundo quer viver. Essa mudança de comportamento é um processo que requer sensibilização e mobilização social, e a informação acaba sendo fundamental. Assim, para que haja maior conscientização é necessário que o consumidor tenha acesso à informação referente às atividades corporati-vas, para que possa exercer melhor o seu poder de escolha e preferir as empresas socialmente responsáveis e comprome-tidas com a preservação do meio ambiente.31 Algumas atitu-des são importantes para isso, como

30 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Consumo sustentável. Trad. de Admond Ben Meir. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente/Idec/Consumers International, 1998. p. 65.

31 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Guia de res-ponsabilidade social para o consumidor. São Paulo: Idec, 2004. p. 5.

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dar preferência a produtos de empresas que tem uma clara preo-cupação com o meio ambiente, não compactuar com a ilegalida-de, não consumir de forma a prejudicar as gerações futuras, dar preferência às empresas que não exploram o trabalho infantil, reclamar os seus direitos, usar o poder de compra para defen-der o emprego no país, colaborar para reduzir a quantidade de lixo produzido, evitar o desperdício, evitar comprar produtos com embalagens que demoram a se decompor, dar preferência a ma-teriais reciclados, saber identificar as empresas que são éticas em seu relacionamento com os consumidores, os trabalhadores, os fornecedores, a sociedade e o Poder Público são algumas das ações do consumidor consciente.32

Por esse caminho, estar-se-á diante da chamada “edu-cação ambiental”. A partir do momento em que os seres hu-manos começarem a interagir com o mundo ao seu redor e a ensinar a seus filhos a fazerem o mesmo, haverá educação ambiental.

A educação ambiental é outra maneira de se alcançar o desenvolvimento sustentável. Sociedade e natureza, de fato, interagem, afetando-se mútua e equitativamente, porém ambas são vitalmente importantes, crescem ou desaparecem juntas.33 A Carta de Belgrado, escrita em 1975, declara que a meta da educação ambiental é “desenvolver um cidadão consciente do ambiente total, preocupado com os problemas associados a esse ambiente, e que tenha o conhecimento, as atitudes, motivações, envolvimento e habilidades para tra-balhar de forma individual as questões daí emergentes”.

Seguindo a referência da Carta de Belgrado, o assunto educação ambiental assumiu importante posição, tendo dis-cutidos e complementados seu conceito e suas diretrizes por diferentes grupos de estudiosos e tomadores de decisão, como

32 INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUA-LIDADE INDUSTRIAL. Direitos do consumidor: ética no consumo. Brasília: Inmetro, 2002. p. 59-62.

33 FLORESTA, F. A. V. A educação ambiental. Programa de Educação Ambiental Com-partilhado. Fepam, 2005.

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a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambien-tal (Tbilisi – 1977), o Congresso Internacional da Unesco-Pnuma sobre Educação e Formação Ambiental (Moscou – 1987), a Constituição brasileira (cap. VI – 1988); a Agenda 21 (cap. 36 – 1992), o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992), a I Conferência Nacional de Educação Ambiental (Brasília – 1997), entre outras.34

A solidariedade, a educação, a moral, o conhecimento, tudo resume e esculpe uma sinergia entre homem e nature-za. Compreender essa questão é o maior desafio do homem.

Embora a sociedade moderna hiperconsumista se de-monstre excludente no que se refere à humanidade e preda-dora no que se refere ao meio ambiente, deve-se ter esperan-ça de que, diante da possível catástrofe ambiental, possa o ser humano se aliar para a formação de uma sociedade que se estabelece na forma socioambiental.

Conclusão

A modernidade adveio como forma de sobrepujar a ca-rência das sociedades pré-modernas; no entanto, a mudança comportamental que trouxe, ao mesmo tempo em que causou benefícios de ordem social e econômica para uma parcela da população, foi responsável pela criação de uma das socieda-des mais excludentes e criadora de miséria já conhecida pela história humana. Uma sociedade desse tipo é predatória por excelência, uma vez que possui suas bases enraizadas na ex-ploração de povos e do meio ambiente. Essa exploração de-veu-se, sobretudo, à concentração de poder, que gerou uma carência muito grande de valores entre os seres humanos e, principalmente, do homem com o meio ambiente.

34 ZAKRZEVSKI, S.; LISOVSKI, L.; COAN, C. As cores da educação ambiental na política nacional. Programa de Educação Ambiental Compartilhado. Fepam, 2005 (http://www.fepam.rs.gov.br/biblioteca/edamb.asp).

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No que se refere especificamente ao meio ambiente, a produção de bens para o consumo da forma como foi estabe-lecida pela modernidade hiperconsumista afeta diretamente os recursos naturais, que já se fazem escassos. Assim, no centro dos debates está o crescimento sustentável na pers-pectiva de racionalidade ambiental, de modo que o homem perceba que depende da natureza e não pode torná-la um meio de comércio, somente tirando dela recursos até o ex-termínio total das espécies, tanto da flora quanto da fauna e também dos recursos minerais. É preciso que se questione o processo de desenvolvimento econômico e tecnológico moder-no, pois esse progresso que tanto se almejou, da forma como está sendo dirigido, implica a condenação e a destruição.

Os atores sociais, ou seja, os indivíduos, acabam por ser um sistema integrado a outros sistemas, como o social, o eco-nômico, o político e, especialmente, o ambiental, criando uma interdependência com os mesmos. Assim, o desregramento da relação homem versus natureza causa sérios problemas, tanto de ordem social quanto biológica. Esses problemas se estendem a uma crise de ideologias e, especialmente, a uma crise ecológica violenta, que acaba por exigir uma mudan-ça na matriz do sistema capitalista vigente. A metamorfo-se pode parecer irracional, mas a verdadeira racionalidade sabe os limites da lógica, do determinismo, do mecanismo. A “meta” é o impossível possível.35

Vive-se, atualmente, um momento de transição, uma verdadeira crise de valores, na qual a educação ambiental e o consumo consciente podem ser formas de implementação de políticas públicas de inclusão social e, especialmente, de preservação do planeta.

35 MORIN, Edgar. O método VI – ética. Trad. de Juremir Machado da Silva. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 180.

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O indivíduo do consumo como ator social e suas ações na

modernidade reflexiva

Cátia Rejane Liczbinski Sarreta*

Introdução

O ser humano tem direito à vida com dignidade e dentro de um ambiente saudável. A preocupação com o ambiente e sua preservação hoje faz parte de vários programas de políticas pú-blicas dos Estados, uma vez que suas consequências atingem toda a humanidade. As soluções para essa questão dar-se-ão com a solidariedade e responsabilidade difusa global.

Atualmente o mundo passa por um momento de incerte-zas quanto ao futuro e aos riscos, presentes em muitas situa-ções de nossa vida. Grande parte desses é decorrente do pro-cesso de globalização imperialista, que acaba tornando tudo e todos um lugar-comum. Os riscos globais são estudados pelos Ulrick Beck e estão incluídos como tema da “segunda modernidade ou modernidade reflexiva”.

A análise em relação à forma de desenvolvimento priori-zada no sistema capitalista, com enorme produção de produ-

* Advogada, doutoranda em Ciências Sociais na Unisinos, mestra em Desen-volvimento, Gestão e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento, Gestão e Cidadania da Unijuí. Especialista em Direito Privado, da Unijuí. Professora dos cursos de Direito da Universidade de Passo Fundo e URI/Erechim - RS. E-mail: [email protected]

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tos e bens de consumo, bem como a tentativa de uma produ-ção de cultura dominante, prejudica o ambiente, o qual deve ser entendido como natural, do trabalho, cultural e social. Nesse sentido, é necessário o desenvolvimento de novas ati-tudes de respeito, uma visão do todo na relação do indivíduo com o que o cerca, aliada a projetos públicos.

Os desafios são grandes e passam pelos padrões domi-nantes de modelo, consumo e cultura, que se tornam globali-zados, causando mais devastação ambiental de ecossistemas mantenedores de vida e perda maciça da biodiversidade, produzindo, mesmo que no suposto “silêncio”, um padrão de atitudes. O desenvolvimento deve ser equilibrado, levando em conta a interação entre desenvolvimento econômico, eco-lógico e social.

Para a construção desse novo modelo é fundamental uma revisão de valores, práticas e questionamentos sobre a imagem que se tem de si mesmo e sobre as atitudes, mesmo que diante disso o homem se sinta insignificante, impotente, frágil e despreparado para enfrentar o desafio que se impõe.

O indivíduo necessita ter consciência dos problemas que o cercam. Ao percebê-los, o homem já está de certa forma integrado na comunidade, no espaço público, como cidadão. Para a aplicação de medidas alternativas que evitem a pa-dronização cultural e a degradação do mundo é preciso de-monstrar ao consumidor a relação entre consumo cultural e ambiental, o que implica mudanças no estilo de vida e de consumo daqueles que formam a classe global de consumido-res, ou seja, de toda a humanidade.

Nessa análise, a forma de consumir “produtos e servi-ços” deve ser revista, fortalecida pela participação do indiví-duo em busca da verdadeira cidadania, e visar a um planeta desenvolvido em todas as suas áreas.

Com base no exposto, este artigo tem como objetivo fa-zer uma reflexão teórica sobre o consumo e o indivíduo do

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consumo na contemporaneidade, ressaltando a importância de ações efetivas da sociedade para diminuir os impactos ne-gativos dos riscos. A condução do estudo está relacionada à reflexividade, em especial aos riscos, à globalização e às ações dos indivíduos. O artigo está dividido em três partes: o consumo e o meio ambiente, a reflexividade e o cotidiano social e o indivíduo do consumo e suas ações.

Alguns dos autores utilizados são Beck, Capra, Gid-dens, Simmel, Dubet, Certeau, Sen, dentre outros.

O consumo e o meio ambiente

Os atuais padrões de consumo praticados por grande parte dos países (maioria desenvolvidos) provocam constan-tes alterações na sociedade e no ambiente. Há, portanto, a necessidade urgente de estratégias para a conservação do meio, possibilitando uma sociedade com qualidade de vida e respeito à sua diversidade social e cultural, o que impli-ca uma mudança de hábitos das pessoas. “Com efeito, nesta virada de século, já está mais do que evidente que nossas atividades econômicas estão prejudicando a biosfera e a vida humana de tal modo que, em pouco tempo, os danos pode-rão tornar-se irreversíveis. Nessa precária situação, é essen-cial que a humanidade reduza sistematicamente o impacto das suas atividades sobre o meio ambiente natural” (Capra, 2002, p. 157).

Primeiramente, faz-se necessário relembrar que as agressões ao meio ambiente e a predominância de uma cul-tura sobre a outra existem desde o surgimento do homem na Terra. A necessidade de sobreviver, conjuntamente com a busca por um meio melhor, levou o homem a destruir flo-restas, causando o desmatamento, e a impor o seu conheci-mento com a invenção tecnológica, sem perceber que estava prejudicando seu habitat. Também a explosão demográfica

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e o crescimento das cidades sem planejamento trouxeram grandes problemas, como os lixões, a falta de água potável,1 a questão da pobreza e escassez de alimentos,2 as alterações climáticas. Entre outros, o grande desafio para qualquer país será o de erradicar a pobreza, desenvolvendo-se sem agredir a natureza. Para essa tarefa, no entanto, julga-se fundamental a colaboração de todos os agentes sociais.

Segundo Giddens, “atualmente, nas ciências sociais, as-sim como no próprio mundo social, estamos diante de uma nova agenda. Vivemos como todos sabem, em uma época de finalizações. Antes de tudo, há o final não somente de um século, mas de um milênio; algo que não tem conteúdo, e que é totalmente arbitrário – uma data em um calendário –, tem tal poder de reificação que nos mantém escravizados [...]. Estamos em um período de evidente transição – e o ‘nós’ aqui não se refere apenas ao Ocidente, mas ao mundo como um todo” (1997, p. 73).

Explicar o significado de “ambiente”, “meio” ou “meio ambiente” não é tarefa simples, pois não é um sentido unitá-rio, mas compreende, sim, o ambiente natural, cultural, do trabalho e social. Reduzir o conceito de meio ambiente ape-

1 A água é elemento indispensável para a preservação da vida no planeta. Além da escassez da água doce, é preocupante a contaminação dos lençóis freáticos causada por agrotóxicos e por vazamentos de substâncias tóxicas à saúde, como o petróleo.

2 “Os meios de comunicação mostram diariamente que há milhões de pes-soas em todas as partes do Planeta clamando por alimentos. O mundo todo, deveras, está com fome, por isso produzir cada vez mais é uma exigên-cia impostergável. No afã de atender a essa desesperada demanda, matas inteiras têm sido destruídas. Lagos e rios têm sido contaminados. Áreas quilométricas de terras outrora férteis foram arrasadas com a aplicação de agrotóxicos. Tudo em nome do progresso ou para a satisfação de interesses particulares, da ganância e também à guisa de saciar a fome da humani-dade. Não se pode, entretanto, ainda que para satisfazer justas exigências, descurar-se de buscar a harmonização da necessidade de produzir com a obrigação de preservar; a obrigação de não poluir. Se, de um lado, a vida e o bem-estar dos homens dependem da produção, de outro não prescindem da preservação. Logo essa harmonização, embora difícil, terá de ser per-seguida a qualquer custo” (Castro Filho, 2002, p.109).

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nas à fauna e à flora é um erro desmedido. Nesse sentido, na atualidade, a discussão ambiental permeia todas as áreas do conhecimento e mantém um sentido holístico e multidis-ciplinar, envolvendo todos os segmentos. Por esse motivo, a realidade é vista não como fragmentada, mas interligada.

Dessa forma, em relação ao ambiente, não se pode mais alegar que se trata de um assunto relacionado apenas a am-bientalistas. A interação com as demais áreas, como as polí-ticas públicas, as ciências, pesquisa e tecnologia, tem contri-buído para a melhoria da qualidade ambiental do planeta.

É a partir do momento em que se aprofunda o conheci-mento sobre como funcionam as sociedades que surge a pos-sibilidade de se traçarem projeções sobre a sustentabilidade da existência da espécie humana. As formas de organização e vida das sociedades humanas garantidas pela geração de energia, pela produção e distribuição dos bens devem ser harmonizadas com as dinâmicas dos ecossistemas. Essa é a condição para que uma qualidade de vida, proporcionada por todo o conjunto de conhecimentos e tecnologia disponíveis, possa ser um legado para desfrute das próximas gerações.

A organização social necessária à preservação do am-biente e da vida depende dos propósitos efetivos almejados pelos indivíduos. É importante que eles formem, efetivamen-te, uma sociedade (uma unidade) e seus fatores de sociação. Para Simmel,

tudo que está presente nos indivíduos (que são os dados concre-tos e imediatos de qualquer realidade histórica) sob a forma de impulso, interesse, propósito, inclinação, estado psíquico, movi-mento – tudo que está presente neles de maneira a engrenar ou mediar influências sobre os outros, ou que receba tais influências, designo como conteúdo, como matéria, por assim dizer, da socia-ção [...]. Desse modo, a sociação é a forma (realizada de incontá-veis maneiras diferentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses,quer sejam sensuais ou ideais, temporários ou duradouros, conscien-tes ou inconscientes, causais ou teleológicos, formam a base das sociedades humanas (1983, p. 165-166).

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Na tentativa, então, de preservar o meio ambiente lato sensu e a história para as gerações futuras, alguns pro-blemas necessitam ser reavaliados. Além da exploração do meio para a transformação em bens a serem utilizados pelo homem, destacam-se as questões do lixo (embalagens, bate-rias, pilhas e coleta seletiva), do desperdício da água e seu uso racional, da produção de energia e alimentos, a tentativa de hegemonia e padronização cultural. Para a efetiva solu-ção desses necessita-se da participação dos atores sociais, por meio de um processo educacional.

O modelo econômico adotado pela maioria dos países pode ser considerado uma ameaça para o equilíbrio do pla-neta, pois gera riqueza por meio dos recursos naturais, des-truindo as florestas, o que compromete a coesão social e a busca pela melhoria da qualidade de vida. Portanto, quando existe a percepção de que para a produção de bens a serem consumidos pelo homem está-se utilizando o meio ambiente, explorando-o sem respeito, incorpora-se um novo pensamen-to, que supre as necessidades dos consumidores e os alerta para as consequências da falta de alternativas criativas. “Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede da ‘vigilância’, mais urgente ainda é descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares (também ‘minúsculos’ e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los; enfim, que ‘maneiras de fazer’ formam a contrapartida, do lado dos consumidores (ou dominados?) dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-polí-tica” (Certeau, 1994, p. 41).

Uma grande influência nesses processos de organização social foi a própria Revolução Industrial, que implantou a ideia de que a necessidade é a mãe da demanda e do con-sumo, constituindo-se numa “transformação de desejos”. No

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entanto, na atualidade é a publicidade que exerce um papel fundamental, agindo direta e indiretamente no poder de es-colha do indivíduo. Por esse ângulo, para se atingir a sus-tentabilidade na sociedade contemporânea é necessária uma revisão ética, pois tanto pobres quanto ricos são receptores da mesma programação da mídia, são sujeitos dos mesmos conteúdos de mensagem, de modo que existe uma preocupa-ção comum em relação aos valores transmitidos.

O consumo e a riqueza estão relacionados: consumir pode significar status, mas também faz parte das necessida-des do homem, mesmo que mínimas, e os elementos para a implantação de uma sociedade sustentável deverão conside-rar essa realidade.

Cada vez mais se amplia o entendimento sobre a situa-ção de risco em que a humanidade se encontra em razão das alterações que ela mesma tem provocado no planeta. A ur-gência dos problemas está nitidamente colocada. Entretan-to, nem sempre está claro para cada cidadão deste planeta o papel que exerce na sua condição de consumidor (autônomo ou dominado?), ou seja, no poder político que lhe é conferi-do em relação às escolhas que faz; “é um mundo em que a oportunidade e o perigo estão equilibrados em igual medida” (Guiddens, 1997, p. 75).

De certa maneira, o consumidor afluente encontra-se atordoado pelo gigantesco repertório de opções de consumo que possui, sem se dar conta das suas repercussões. Por ou-tro lado, ainda que em escala insuficiente, surgem iniciati-vas que buscam responder a esse déficit; por exemplo, vários modelos de certificações que dariam indicações relativas a certos itens a serem valorizados no momento da decisão: res-peito aos direitos humanos, ao meio ambiente, pagamento de salários justos, enfim, valores a serem levados em considera-ção no momento da aquisição de bens e serviços. De acordo

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com Giddens, “os padrões de consumo global e as atitudes em relação ao ambiente natural produzem um efeito enorme sobre a disponibilidade de recursos em nível mundial” (2005, p. 479).

O aumento do consumo é um risco ambiental, mas, se tomado pelo paradigma da ecoeficiência, é uma oportuni-dade de inovação no setor empresarial. As populações dos países de alta renda consumiram em 1998 um montante de US$ 15,4 trilhões do total de US$ 19,3 trilhões de consumo privado no mundo, ao passo que nos países mais pobres o consumo não chegou a 4% do total.

Tomando a produção de papel como indicador, verifica-se um crescimento mais acelerado nos países em desenvol-vimento que nos países ricos, mas um cidadão norte-ameri-cano ainda consome, em média, 17 vezes mais papel que um cidadão brasileiro.

Em 2050 estima-se que haverá mais de 50% da popula-ção atual e o planeta não suportará tal demanda por recur-sos naturais. Por isso, nunca houve tanta oportunidade para inovação. Empresas de visão já estão trabalhando em prá-ticas de ecoeficiência, como reciclagem, energia renovável, efluente zero, carros com emissão zero e papel eletrônico. São, na maior parte dos casos, inovações radicais, mais do que incrementais, e que poderão fazer a grande diferença, como “[...] dos três ‘erres’ do lixo – reduzir, reutilizar e reci-clar – e de tudo aquilo que remeta à idéia de um novo modelo de civilização que não seja predatório e suicida, onde o lucro de poucos ainda ameaça a qualidade de vida de muitos” (Tri-gueiro, 2003, p. 88).

Diante do exposto, não é possível pensar em consumo sem relacioná-lo ao meio ambiente, visto que é deste que se retira a matéria-prima para a produção de bens que serão consumidos pelo homem. Assim, para a sobrevivência do

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planeta deve-se considerar o desenvolvimento sustentável, segundo o qual o modelo de produção e consumo adotado por um país, ou pela humanidade como um todo, deve preservar a natureza de forma a não comprometer a qualidade de vida e a capacidade de desenvolvimento das gerações.

Na Europa foi preciso que ocorresse a contaminação humana por meio da doença da vaca-louca (espondilopatia espongiforme) para que o princípio da precaução fosse apli-cado. No Japão, em 1999, na cidade de Tokaimura, seres hu-manos foram novamente vítimas da radioatividade. Esses fatos, aliados a muitos outros, levam à constatação de que o “culto da produção ou a busca de lucro imediato cegam as inteligências, endurecem os sentimentos e tornam impru-dentes aqueles que têm o poder de decidir” (Machado, 2002, p. 32).

Assim, o capitalismo, que visa ao lucro e ao volume de produção, está diretamente relacionado com a exigência do consumo. Uma diminuição na pressão consumista é um im-portante fator de proteção para os recursos naturais. A ação produtiva deve ser realizada de maneira consciente, respei-tando o meio ambiente e preservando os recursos de que se dispõe hoje para permitir o desenvolvimento amanhã. Essa deve ser a primeira preocupação para que seja possível re-cuperar o equilíbrio ambiental, econômico e social. Giddens (2005) explica que o grande desafio atualmente é manter o equilíbrio entre o crescimento populacional, o consumo e a utilização dos recursos ambientais.

O Brasil, país em desenvolvimento e que conta com pri-vilegiada extensão territorial, com milhões de hectares de terras ainda férteis, com uma invejável bacia hidrográfica, há muitos anos não leva a sério a preservação ambiental, que, de fato, passou a incorporar o direito com a Constitui-ção Federal de 1988, mas ainda carece de efetividade.

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A questão central não é o consumo em si, mas os seus padrões e efeitos, no que se refere à conciliação de suas pres-sões e ao atendimento das necessidades básicas da humani-dade. Nesse sentido, é necessário entender o papel do consu-mo na vida das pessoas. O consumo abre enormes oportuni-dades para o atendimento das necessidades individuais de alimentação, habitação, saneamento, instrução, energia, en-fim, de bem-estar material, com o objetivo de que as pessoas possam gozar de dignidade, autoestima, respeito e outros valores fundamentais. “[...] o consumo contribui claramen-te para o desenvolvimento humano, quando aumenta suas capacidades, sem afetar adversamente o bem-estar coletivo, quando é tão favorável para as gerações futuras como para as presentes, quando respeita a capacidade de suporte do planeta e quando encoraja a emergência de comunidades di-nâmicas e criativas” (Relatório do desenvolvimento humano/PNUD, 1998, p. 38). (apud Feldmann, 2003, p. 148).

O grande desafio, portanto, é promover o desenvolvi-mento compatibilizando-o com a proteção do meio e as neces-sidades de cada sociedade, respeitando as peculiaridades em relação ao modo de vida, aos usos e costumes. Para tanto é necessária a conscientização das ações e atitudes concretas.

A reflexividade e o cotidiano social

Ao se pensar em compatibilização, respeito aos inte-resses sociais, ambientais e de consumo, o desafio depende muito mais do que o enfrentamento do problema ambiental, a superação dos problemas sociais, econômicos e políticos. Esses problemas aparecem nas sociedades modernas confor-me sua fase de desenvolvimento e complexidade. É salutar, nesse sentido, a relação de reciprocidade entre o desenvolvi-mento sustentável, um ambiente sadio e as ações dos indiví-duos/consumidores. Segundo Baumann,

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a globalização está na ordem do dia. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade, é um processo irreversível que afeta todos.

Todas as palavras da moda tendem a um mesmo destino: quanto mais experiências pretendem explicar, mais opacas se tornam. Quanto mais numerosas as verdades ortodoxas que desalojam e superam, mais rápido se tornam cânones inquestionáveis. As práticas humanas que o conceito tentou originalmente captar saem do alcance da vista e são agora os “fatos materiais”, a qua-lidade do “mundo lá fora” que o termo parece “esclarecer”e que ele invoca para reivindicar sua própria imunidade ao questiona-mento. A “globalização” não é exceção à regra (1999, p. 7).

Em razão da globalização, o tempo e o espaço são dife-renciados e diferenciadores. A mobilidade galga ao mais alto nível dentre os valores cobiçados, e a liberdade de movimen-tos, uma mercadoria sempre escassa e distribuída de forma desigual, logo se torna o principal fator estratificador de tar-dios tempos modernos ou pós-modernos (Baumann, 1999).

Nesse ínterim, destaca-se que o ser humano possui uma característica peculiar: a capacidade de intervir nos pro-cessos da natureza, moldando-a conforme seus projetos. A emergência de uma nova consciência e de um novo despertar para a sua responsabilidade no mundo que o cerca o fez per-ceber que seu destino depende de suas ações na sociedade, eis que a sociedade existe e é composta de indivíduos, sendo um sistema integrado identificado com a modernidade, com o Estado-nação (Dubet, 1996).

A interdisciplinaridade proposta pelo saber ambiental implica a integração de processos naturais e sociais de dife-rentes ordens de materialidade e esferas de racionalidade. A especificidade desses processos depende tanto das condições epistemológicas que fundamentam sua apreensão cognitiva como das condições políticas que levam à sua expressão na ordem do real. É, pois, uma questão de poder que atravessa as ciências e os saberes. Isso implica a formulação de novas

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estratégias conceituais para a construção de uma nova or-dem teórica, um novo paradigma produtivo e novas relações de poder, que questionam a racionalidade econômica e ins-trumental que legitimou a hegemonia homogeneizante da modernidade.

Para Ulrich Beck, a teoria da “segunda modernidade” é uma séria tentativa de superar qualquer tipo de “imperia-lismo ocidental” e qualquer concepção unidirecional da mo-dernidade. Propõe superar o preconceito evolucionista que aflige grande parcela da ciência social ocidental. Trata-se de um preconceito que relega as sociedades não ocidentais contemporâneas à categoria do “tradicional” e do “pré-mo-derno”; dessa forma, ao invés de defini-las a partir de seu próprio ponto de vista, concebe-as em termos de oposição à modernidade ou de não modernização. Muitos pensam até que o estudo das sociedades ocidentais pré-modernas pos-sa ajudar a entender as características que os países não ocidentais apresentam hoje. “Segunda modernidade” signi-fica, pelo contrário, que se deve colocar com firmeza o mun-do ocidental no âmbito da “modernização da modernização”, ou seja, dentro de um pluralismo de modernidades. Nessa perspectiva há espaço para conceitualizar a possibilidade de trajetórias divergentes de modernidade.

Os tradicionais espaços públicos são cada vez mais su-plantados por espaços de produção privada (embora muitas vezes com subsídios públicos), de propriedade e administra-ção privadas, para reunião pública, isto é, espaços de con-sumo. O acesso é facultado pela capacidade de pagar. Daí reina a exclusividade, garantindo os altos níveis de controle necessários para impedir que a irregularidade, a imprevi-sibilidade e a ineficiência interfiram no fluxo ordenado do comércio (Baumann, 1999).

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A interdisciplinaridade aplicada ao campo ambiental levou a formulações gerais que orientam uma visão holística e integradora do processo de desenvolvimento social. Assim, para compreender o todo Guiddens aponta algumas caracte-rísticas presentes para o (e no) desenvolvimento das socieda-des modernas: “[...] uma sociedade de alta reflexividade tem o caráter aberto da auto-identidade e a natureza reflexiva do corpo [...]. Hoje em dia, o eu é para todos um projeto reflexivo – uma interrogação mais ou menos contínua do passado, do presente e do futuro. É um projeto conduzido em meio a uma profusão de recursos reflexivos” (1993, p. 41).

Os desafios impostos para a manutenção do meio reque-rem a reflexão, mas uma reflexão ampla, que busque anali-sar as origens dos problemas. Uma das questões apontadas refere-se à relação degradação e pobreza, pois se observa nos países pobres que as populações, para sobreviver, são obri-gadas a explorar excessivamente seus recursos naturais, e esse esgotamento do meio ambiente acaba por empobrecer também tais populações e países; trata-se do problema da repartição de renda entre os diversos países e a melhoria das condições de vida das populações marginalizadas. Isso se manifesta, inclusive, porque a deterioração ambiental mina o próprio potencial do desenvolvimento.

O processo de globalização é um dos fenômenos presen-tes na presente época. Esse fenômeno pode ser traduzido como sendo a interdependência de sistemas globais; é o au-mento das relações sociais transnacionais, que faz parecer que se vive em um “mundo único”. As distâncias não são mais distâncias e o que acontece num lado do mundo no mes-mo instante é divulgado no outro. Essas mudanças afetam a vida de todas as pessoas; por isso se diz que a globaliza-ção não é uma mudança apenas em termos econômicos, mas também políticos, sociais e culturais. “Seu impacto é sentido

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nas nossas vidas pessoais e no modo como pensamos de nós mesmos e nossas conexões com os outros. As forças globa-lizantes penetram em nossos contextos locais e em nossas vidas íntimas através de fontes impessoais, como a mídia e a internet, e através de contatos pessoais com indivíduos de outros países e culturas” (Giddens, 2005, p. 79).

A globalização não deveria ser entendida simplesmente como o desenvolvimento de redes mundiais – sistemas so-ciais e econômicos que estão distantes de preocupações indi-viduais. É também um fenômeno local, que afeta a todos no dia a dia. E é por isso que se fala da influência da globaliza-ção extrapolando as questões econômicas, indo “de” encontro aos valores e costumes tradicionais, que, então, passam a ser derrubados ou questionados. Nesse sentido, a globaliza-ção também produz riscos, desafios e desigualdades.

Nessa concepção, reconhece-se que, embora a noção de desenvolvimento sustentável reflita uma concepção da natu-reza como sendo objeto útil para o atendimento das necessi-dades humanas, é necessário realçar que “a conservação da natureza não deve ser vista apenas como um dos objetivos do desenvolvimento. Ela é parte de nossa obrigação moral para com os demais seres vivos e as futuras gerações”. A preser-vação do meio deve se dar em razão do respeito à dignidade humana e também à natureza em si mesma considerada.

A manutenção da qualidade do meio ambiente implica o inter-relacionamento equilibrado entre todos os elementos do repertório ambiental, ao menos para o efeito da sobre-vivência e interconvivialidade. É preciso reinventar o coti-diano “com mil maneiras de caça não autorizada” (Certeau, 1994, p. 38) e autorizada.

Os desafios do desenvolvimento sustentável implicam a necessidade de formar capacidades para orientar um desen-volvimento fundado em bases ecológicas, de equidade social,

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diversidade cultural e democracia participativa. Isso estabe-lece o direito à educação, à capacitação e à formação ambien-tal como fundamentos da sustentabilidade, que permitam a cada pessoa e a cada sociedade produzir e se apropriar de saberes, técnicas e conhecimentos para participar na gestão de seus processos de produção; decidir sobre suas condições de existência e definir sua qualidade de vida. Assim, permi-tirá romper a dependência e inequidade fundadas na distri-buição desigual de conhecimento e promover um processo no qual os cidadãos, os povos e as comunidades possam intervir a partir de seus saberes e capacidades próprias nos proces-sos de decisão e gestão do desenvolvimento sustentável.

A possibilidade de transformar produtivamente o meio natural, mantendo o ecossistema equilibrado, encontra limi-tes na própria natureza. A Revolução Industrial, nesse sen-tido, foi o fato que impulsionou a exploração dos recursos naturais, embora atenuado com o progresso científico e tec-nológico, que proporcionou o aumento da eficiência ecológica no uso dos recursos. A sustentabilidade, porém, dificilmente será atendida sem uma mudança na lógica do consumo pre-dominante, sem a educação para o mesmo.

Além disso, têm-se problemas que atingem desde já o bem-estar dos agentes econômicos: os riscos relativos à qua-lidade cada vez mais questionável de produtos essenciais, como os alimentos, o mal-estar do consumismo excessivo sentido por parcelas crescentes da opinião pública e o sen-timento negativo de injustiça inerente ao sistema (Romeiro apud May, 2003, p. 26).

O consumismo exagerado de bens e serviços por parte de pessoas em melhores condições financeiras (ricos) deve ser contido. A persuasão para o consumo transmitida pelos meios de comunicação (por exemplo, a televisão) necessita ser revista e avaliada segundo os parâmetros de prudência

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ecológica, necessária para a sustentabilidade. Tais mudan-ças são de difícil aceitação pelo lado da demanda, pois visam à diminuição do consumo, fato que precisa ser analisado a longo prazo. Proporcionar a sustentabilidade implica mu-danças no estilo de vida, requer alterar o lado da demanda para a manutenção do capital natural.

A análise interdisciplinar das relações sociedade-natu-reza surge da especificidade dos processos socioambientais como sistemas complexos: trata-se, por um lado, de apreen-der uma realidade multidimensional na qual confluem pro-cessos não lineares, de diferentes níveis de espacialidade e temporalidade, com diferentes formas de interdependência, donde emergem novos processos que estabelecem variadas sinergias e retroalimentações, tanto positivas como negati-vas.

Por outro lado, o ambiente questiona as ciências para transformar seus paradigmas tradicionais e incorporar um saber complexo. Este saber ambiental emergente não é uní-voco, nem se encontra já elaborado para ser absorvido pelas diferentes disciplinas. O saber ambiental vem sendo gera-do por meio de processos ideológicos que se expressam num campo discursivo disperso e heterogêneo (a preservação do ambiente, a sustentabilidade do desenvolvimento), mas que vai se demarcando e concretizando em torno de cada uma das ciências e das disciplinas constituídas (Leff, 2001, p. 228-229).

Segundo Acselrad (1997), urge a necessidade de se re-conhecer a diversidade social das formas sustentáveis de apropriação do meio ambiente, que assume todo seu senti-do diante da afirmação de que a globalização faz emergir no mapa da economia mundial supostos “espaços naturais”, com suas respectivas práticas “sustentáveis”, julgadas com-patíveis com as vocações “naturais” do território. Apesar de

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“naturalizadas”, as funções que se pretende atribuir a tais espaços exprimirão apenas a dominação de um sentido espe-cífico, que as forças hegemônicas pretenderão impor aos ter-ritórios sobre a multiplicidade de demais sentidos, produtos dos esquemas de definição da sustentabilidade elaborados pela pluralidade dos atores sociais locais.

O que se apresenta no campo das ideias dominantes é um debate que busca descolar a sustentabilidade do espaço das lutas sociais, pois, ao se remetê-la ao direito das popula-ções futuras, está-se obscurecendo, em alguma medida, a de-sigualdade presente. Ao se especializarem porções de espaço – umas a preservar, outras a se desenvolver –, estar-se-ão iludindo as condições de desigualdade e as especificidades socioculturais das populações distribuídas em distintos pon-tos do espaço. Ao se privilegiar a questão da escala do cresci-mento econômico, introduzem-se categorias como “capacida-de de suporte” do território e “consumo per capita” de recur-sos naturais, que operam com médias e descaracterizam a especificidade social dos modos de apropriação da natureza. Por outro lado, a propensão a privilegiar os mecanismos de mercado em detrimento das regulações políticas, a expandir a esfera mercantil e o conceito de capital (na ideia de capi-tal natural, por exemplo) – ao invés de restringir mercado e capital, submetendo-os a controles democráticos – concorre para aumentar a desigualdade social e favorecer os agentes que são fortes no mercado (Ascelrad, 1997).

A perspectiva democrática vê, ao contrário, na exten-são territorial e no meio ambiente o suporte da diversidade social e ecológica: topografias, ecossistemas, climas, biomas e solos entrelaçam-se com práticas socioculturais diferencia-das e com diferentes formas sociais de apropriação do espa-ço. Os atores sociais dessa diversidade podem opor resistên-cia à expansão da homogeneidade cultural do produtivismo

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fordista. Contudo, essa valorização da heterogeneidade cul-tural e da democratização do controle sobre o meio ambiente não pode ser reduzida a uma articulação funcional da diver-sidade social aos propósitos de sustentação do modelo de de-senvolvimento dominante, ou seja, a uma responsabilização funcional das “comunidades locais” pela gestão dos recursos naturais. Haverá que ver na diversidade de experiências do movimento social suas potencialidades em acumular forças e fazer emergir modelos alternativos de desenvolvimento (Giddens, 1997, p. 16).

O aparecimento de modelos alternativos para o desen-volvimento, entretanto, encontra na própria sociedade seus maiores obstáculos. Morais (1996) se manifesta sobre a com-plexidade dos problemas da humanidade, os quais dizem respeito a grupos inteiros de pessoas (determináveis ou in-determináveis). Além de complexidades de conteúdo, o autor enfatiza que as questões emergentes nesse final do século XX constituem-se no embate cada vez mais acirrado entre partes múltiplas: de um lado, essa situação expõe e testa a estrutura jurídica liberal calcada na figura do indivíduo, titular exclusivo do direito subjetivo; de outro, aponta a im-prescindibilidade da valoração da dimensão coletiva do con-flito.

Às organizações cabe o papel de instrumentalização dos conflitos coletivos, não a defesa individual. Como exemplos apresenta: a uma ordem de consumidores importa o embate frente aos problemas gerais do consumo; a uma organiza-ção ambientalista interessa o litígio acerca da preservação do patrimônio da humanidade. Ambas estão próximas da definição de políticas setoriais, mas não se restringiriam a essa relação com o Estado; ao contrário, incorporariam toda a conflituosidade latente referente à reestruturação da so-ciedade. Nesse sentido, os conflitos são estruturais, não cir-

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cunstanciais, e relacionam-se à contemporaneidade do de-bate centrado no conceito de qualidade de vida. O problema que resta em aberto seria como construir o consenso sobre interesses de tal magnitude, cuja representatividade é, como eles mesmos, difusa (Morais, 1996).

O problema da modernização a qualquer preço, no as-pecto individualista, não coletivo, é o alerta de Sachs: a so-ciedade deve se mobilizar em defesa de estilos de vida que não pressionem em excesso o estoque de recursos naturais escassos. As estratégias para a utilização do solo e da água devem evitar sua exploração excessiva. A intensidade ener-gética deve ser mantida dentro de limites prudentes. Os padrões de urbanização que não conseguem atenuar signifi-cativamente as tensões ambientais das megacidades devem dar lugar a padrões de desenvolvimento urbano descentrali-zados e regionalmente equilibrados. Por fim, o impacto am-biental do crescimento descontrolado da população deve ser amplamente avaliado, tanto pelos governos quanto pela so-ciedade como um todo (South Comission, 1990, p. 280).

Embora os entraves existam, o discurso do desenvolvi-mento sustentável está penetrando nas políticas ambientais e em suas estratégias de participação social, convidando diferentes grupos da sociedade (empresários, acadêmicos, trabalhadores, indígenas, trabalhadores rurais) para, con-juntamente, construir um futuro melhor. Esse convite à coo-peração visa integrar os diversos atores do desenvolvimento sustentável, ocultando seus interesses particulares e proje-tando seu olhar para uma meta universal: atingir um cres-cimento sustentável, e em consequência, o desenvolvimento sustentável. Desse trabalho conjunto emerge a concepção de cidadania global, também consequência da democracia, con-vocando o cidadão nas suas funções sociais, fragmentadas

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pela racionalidade econômica, como consumidor, legislador, intelectual, religioso, educador... (Leff, 2001).

É necessário refletir sobre o que Certeau denominou “maneiras de fazer” (1994) para superar a questão dos consu-midores (ou dominados?) nos processos mudos que organizam a ordenação sociopolítica. O consumir não se refere apenas ao cotidiano como compra e venda, mas é aquele que, sem perce-ber, acaba assimilando, aceitando a cultura, hábitos de outros grupos que não têm o mesmo referencial que o seu.

A qualidade de vida depende da qualidade do ambiente para chegar a um desenvolvimento equilibrado e sustentá-vel (a conservação do potencial produtivo dos ecossistemas, a valorização e preservação da base de recursos naturais, a sustentabilidade ecológica do habitat), mas a qualidade de vida também está associada a formas inéditas de iden-tidade, de cooperação, de solidariedade, de participação e de realização, que entrelaçam a satisfação de necessidades e aspirações derivadas do consumo com diferentes formas de realização, por meio de processos de trabalho, de funções criativas e de atividades recreativas.

Dessa forma, “diante destas estratégias de apropriação econômica e simbólica da natureza e da cultura, emerge hoje uma ética ambiental que propõe a revalorização da vida do ser humano” (Leff, 2001, p. 29). O ambiente emerge como um saber reintegrador da diversidade, de novos valores éti-cos e estéticos e dos potenciais sinergéticos gerados pela ar-ticulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais. O saber ambiental ocupa seu lugar no vazio deixado pelo pro-gresso da racionalidade científica, como sintoma de sua falta de conhecimento e como sinal de um processo interminável de produção teórica e de ações práticas orientadas por uma utopia: a construção de um mundo sustentável, democrático, igualitário e diverso.

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As práticas cotidianas necessitam de alteração, a qual depende não só dos indivíduos isolados, dos pequenos gru-pos, mas da coletividade, da massa até então marginalizada, superando, dentre outros problemas, o “silêncio”. Para Cer-teau, “a figura atual de uma marginalidade não é mais a de pequenos grupos, mas uma marginalidade de massa; ativi-dade cultural dos não produtores de cultura, uma atividade não assinada, não legível, mas simbolizada, e que é a única possível a todos aqueles que no entanto pagam, comprando-os, os produtos-espetáculos onde se soletra uma economia produtivista. Ela se universaliza. Essa marginalidade se tornou maioria silenciosa” (1994, p. 44).

Nesse sentido, a análise da interdependência sobre os temas abordados visa revelar a importância destes para a concretização de uma sociedade equitativa. Assim, a quali-dade de vida não é sinônimo somente de bem-estar, mas o desenvolvimento com sustentabilidade dispõe de novos indi-cadores de desenvolvimento humano, que entrelaçam os cus-tos do crescimento com os valores culturais e os potenciais da natureza. A construção desses indicadores multicriteriais e interprocessuais defronta-se com a incomensurabilidade desses processos. A qualidade de vida, contudo, não descon-sidera as motivações pessoais que buscam a satisfação e rea-lização desmedida do desejo (Leff, 2001).

Com a percepção da necessidade de mudança na socie-dade em função das crises que perpassam o mundo, o tema qualidade de vida mobiliza a sociedade civil a garantir seus direitos de cidadão, buscando promover alguns até então adormecidos, como o consumidor, que, inserido socialmente, possui autonomia para refletir e escolher. Isso somente será possível mediante uma revalorização dos valores essenciais ao ser humano, com novas práticas cotidianas. “Sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas.

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Ele consegue em momentos portunos onde combina elemen-tos heterogêneos (assim, no supermercado, a dona-de-casa, em face de dados heterogêneos e móveis, como as provisões no freezer, os gostos, apetites e disposições de ânimo de seus familiares, os produtos mais baratos e suas possiveis combi-nações com o que ela já tem em casa etc.), mas a sua sínte-se intelectual tem por forma não um discurso, mas própria decisão, ato e maneira de aproveitar a ‘ocasião’” (Certeau, 1994, p. 47).

Essas práticas cotidianas que produzem sem capita-lizar, que ocorrem naturalmente, automática e rotineira-mente, são silenciosas, mas importantes na medida em que ocorre o reconhecimento da necessidade de mudança com a proximidade das tragédias. No caso específico da forma de consumir e da influência no meio ambiente, existem práticas cotidianas perceptíveis individualmente que fazem a dife-rença, como, por exemplo, em prol da saúde, a compra de produtos orgânicos.

Essa revalorização de valores para reconciliar o homem com a natureza também considera a necessidade de reconci-liação dos seres humanos entre si. O desenvolvimento abar-ca os direitos humanos, com a possibilidade de os cidadãos exercerem seus direitos políticos, cívicos, econômicos, sociais e culturais, enfim, direitos coletivos, como ao meio ambiente sadio, direitos do consumidor, ao desenvolvimento e a uma vida digna.

Certeau (1994) afirma que existe um distanciamento entre as práticas efetivas e cotidianas, a realidade de táti-cas locais com as estratégias globais, e que o problema não está somente relacionado aos processos efetivos de produ-ção, mas também à falta de investimento no sujeito em face da sua expansão tecnocrática.

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Por fim, a interdependência entre o direito a um am-biente sadio, o desenvolvimento sustentável e consumidor possui como objetivo central garantir melhor qualidade de vida para as gerações presentes e as que irão crescer e viver futuramente. Isso ocorrerá dependendo da mobilização das forças vivas da sociedade em favor de um novo pacto social.

O indivíduo do consumo e suas ações

Para pensar em mudança, conscientização e ação por parte dos indivíduos é indispensável que eles estejam inseri-dos em um grupo com objetivos comuns. No estudo, espera-se que o mesmo faça parte de uma comunidade que busque, por meio de ações, alterar e melhorar a situação do consumo e formas de fazê-lo para, efetivamente, tornar-se consumi-dor-consciente, ativo, com o mínimo (existencial) necessário para a uma vida digna.

Deve-se pensar no indivíduo no sentido de comunidade: “La comunidad o grupo social organizados que proprorciona al individuo su unidade de persona pueden ser llmados ‘el outro generalizado’. La actitud del outro generalizado es la actitud de toda la comunidad. Así, por ejemplo, em el caso de um grupo social como el de um equipo de pelota, el equipo es el outro generalizado, em la medida em que interviene – como proceso organizado o actividade social – em la expe-riência de cualqueira de los miembros individuales de El” (Mead, 1982, p. 184).

Um dos grandes desafios dos grupos sociais é superar o distanciamento entre esses, fazer com que ocorra uma proxi-midade de interesses comuns, para o bem comum, com mais liberdade de escolha e autonomia. Para tanto, é preciso não aceitar que

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as elites escolheram o isolamento e pagam por ele prodigamente e de boa vontade. O resto da população se vê afastado e forçado a pagar o pesado preço cultural, psicológico e político do seu novo isolamento. Aqueles incapazes de fazer de sua vida separada uma questão de opção e de pagar os custos de sua segurança es-tão na ponta receptora do equivalente contemporâneo dos guetos do início dos tempos modernos; são pura e simplesmente postos para “fora da cerca” sem que se pergunte a sua opinião, têm o acesso barrado aos “comuns” de ontem, são presos, desviados e levam um choque curto e grosso quando perambulam às tontas fora dos seus limites, sem notar os sinais indicadores de “pro-priedade privada” ou sem perceber o significado de indicações não verbalizadas mas nem por isso menos decididas de “não ul-trapasse” (Baumann, 1999, p. 29).

Com o enfraquecimento do Estado-nação, atingido pelo processo de globalização, existe uma fragmentação, uma in-dividualização e uma descoletivização que atingem as pes-soas e as colocam em situação de risco social, excluídas, no silêncio. Para Dubet,

a sociedade é um conjunto estratificado, dividido em classes so-ciais em função de uma repartição desigual dos recursos e contri-buições. Ao mesmo que se assenta num fundo de igualdade das condições cada vez maior, a divisão do trabalho moderna separa os grupos atribuindo-lhes tarefas específicas. Neste caso, a noção de sociedade une-se estreitamente à de sociedade industrial. É a relação com a produção e a natureza que estabelece a hierar-quia social e faz dela uma ordem funcional que opõe os detentores dos recursos e das decisões econômicas àqueles que vendem a sua qualificação profissional e a sua força de trabalho. Na organização industrial, o lugar de cada um é definido pela sua utilidade social, pelo seu contributo para a produção colectiva (1996, p. 47-48).

Embora se tenha uma categoria/classe consumidora global, também é possível perceber que a sociedade está em risco se continuar com o atual padrão de consumo, pois atual mente a questão do consumismo exige a percepção de que os recursos são finitos, não abundantes. A percepção é da pessoa como “esencialmente uma estructura social y sur-ge em La experiência social” (Mead, 1982, p. 172).

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É no aspecto social, especialmente no cultural, que se percebe a influência hegemônica do próprio modo de vestir, comer, comportar-se, facilitado pela conexão mundial em rede. O que vem de fora é melhor, e assim se aceita, não se questiona.

É preciso quebrar o silêncio e a anomia e expandir as liberdades reais que as pessoas desfrutam.

O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvol-vimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), au-mento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas in-dividuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da socie-dade. Mas as liberdades dependem também de outros determi-nantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas). De forma análoga, a industrialização, o progresso tecnológico ou a modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a liberdade humana, mas ela depende também de ou-tras influências [...] (Sen, 2000, p. 17).

A expansão da liberdade do indivíduo pressupõe a sua capacidade de interagir, de participar de um processo de criação com alternativas que tentem manter o equilíbrio entre o crescimento populacional, o consumo e a utilização dos recursos ambientais. Essa ideia é compartilhada por vários autores, como Guiddens: “O indivíduo segundo Du-bet atualmente não deve ser analisado apenas como o da sociologia clássica de Parsons, de Durkheim ou de Elias que existe somente pela sua incorporação no sistema, que vive das normas e valores que estruturam a sua personalidade, indivíduo autônomo, mas devem considerar-se a imagem do indivíduo ético e do indivíduo econômico, que o tornam fe-chado, guiado somente pelos seus interesses, sem pensar na sociedade e o bem comum” (p. 69).

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Nesse contexto, a ação humana é fundamental para as iniciativas de mudança social, respeitando os limites propos-tos e as ações não intencionais que acabam influenciando o processo. A ação é coletiva; a sociedade não é apenas a soma dos indivíduos, mas o conjunto de objetivos comuns.

O individualismo, antes de se inscrever na renovação ou na re-descoberta de certos paradigmas sociológicos, surge como um discurso acerca dos actores sociais, como uma maneira de os des-crever contra a figura clássica do indivíduo [...]. A passagem da sociedade industrial para a sociedade de consumo teria dado ori-gem a um novo tipo de indivíduo “heterodeterminado”, incapaz de tornar seus alguns dos valores essenciais a partir dos quais ele constrói a sua identidade e orienta a sua acção. Este indiví-duo torna-se no receptáculo das estimulações publicitárias, ele é sustentado por um pendor conformista manipulado pelos media por um desejo de reconhecimento imediato e fútil. Em suma o individualismo moderno destrói o indivíduo autor de sua própria vida, o sujeito da sociologia clássica torna-se vazio, oco, os seus interesses, como os seus empenhamentos, não lhe pertencem já na verdade, porque ele não interiorizou os valores essenciais da sociedade, aqueles que o tornam autônomo. Ele sofre, não já do excesso de interiorização normativa que provocava as nevroses da moral vitoriana, mas de uma crise de identidade, pois n a o sabe já que ele próprio está fora das satisfações imediatas do consumo. A sua busca de autenticidade desemboca no nada, no sentimento de jamais se adequar a si mesmo, na justaposição dos “falsos self”. O actor e o sistema separam-se e, de modo mais exacto, deixa de haver indivíduo por causa do triunfo do indi-vidualismo [...]. O individualismo não promove o indivíduo, ele destrói-o, dado que a referência a si se torna vazia (Dubet, 1997, p. 70).

O individualismo, como exposto, torna o homem insen-sível à necessidade de manter a democracia e a própria so-ciedade. Segundo Dubet, a sociedade aspira à totalidade e à vida orgânica; cada um dos seus membros constitui tão so-mente um dos elementos desse todo. O indivíduo, enquanto parte da sociedade, tem de cumprir certas funções e empre-gar toda a sua força. Presume-se que modifique suas apti-

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dões a fim de desempenhar essas funções com maior compe-tência (1996, p. 74).

O indivíduo é o ator que percebe a necessidade de rea-valiar sua forma de consumir e suas estratégias por meio de ações práticas e que se transforma em um ator social, capaz de contribuir para com a sociedade, tornando isso um hábito.

A prática é a realização de um habitus, quer dizer, de um conjun-to de códigos de disposições adquiridas de maneira precoce e que o indivíduo põe em prática na diversidade das circunstâncias. Este conjunto gera condutas objectivamente reguladas e regula-res sem que por isso sejamproduto de obediência a regras e, sen-do tudo isso, são colectivamente orquestradas sem serem o pro-duto da acção organizada de um regente de orquestra. A acção não é uma resposta às coações, ela não é, pois, um comportamen-to porque o habitus é ao mesmo tempo programação e estratégia. É uma estratégia necessária na medida em que a racionalidade social não é “deliberadora”. O indivíduo apresenta-se como uma mónada construída sobre um habitus que estabelece um princí-pio de coerência com o conjunto social, à maneira da orquestra sem o maestro Leibniz (Bourdieu apud Dubet, 1997, p. 76).

Da mesma forma deve ser considerada a influência da “liberdade” para o ser humano, que é fator relevante para a mobilização e crescimento social, visando a uma sociedade equitativa. Nesse sentido, as liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também os meios principais. Além de reconhecer, fundamentalmente, a impor-tância avaliatória da liberdade, precisa-se entender a notá-vel relação empírica que vincula umas às outras liberdades diferentes. Liberdades políticas (na forma de liberdade de expressão e eleições livres) ajudam a promover a segurança econômica. Oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica. Fa-cilidades econômicas (na forma de oportunidades de parti-cipação no comércio e na produção) podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para ser-viços sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortale-

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cer umas às outras. Existe, de fato, uma sólida base racional para reconhecer o papel positivo da condição de agente livre e sustentável – e até mesmo o papel positivo da impaciência construtiva (Sen, 2000).

A liberdade individual contribui para o desenvolvimen-to na medida em que as pessoas se sintam livres para parti-cipar da escolha social, das tomadas de decisão públicas, do poder de eleger seus representantes no governo, de escolher a escola para seus filhos, de participar da sociedade, dentre outros.

Segundo Goffman, “não são os papéis, as normas e os valores que comandam a acção social, mas as relações cara a cara nas quais os actores põem em prática estrategemas e competências que fixam as suas identidades e realizam as de outrem. Ainda aí as noções de sociedade e de indivíduo estão longe de serem fundamentais, porque aquilo a que se chama as ‘realidades sociais’ é tão-só o produto dessas inte-racções” (apud Dubet, 1996, p. 82).

A opção do consumidor ao escolher, por exemplo, um pro-duto no supermercado deixa de ter uma conotação passiva para implicar a origem dos bens adquiridos ou as condições em que foram produzidos. Raramente se questiona o impac-to dessa aquisição para o meio ambiente e para a sociedade. Segundo Dubet, “o actor é orientado pelos seus interesses, pela percepção que tem deles e pelas regras de organização. É uma estratégia que se situa num espaço de jogo que ele não escolhe mas que pode modificar ao jogar” (1996, p. 86).

Dessa forma, quando os consumidores optam por adqui-rir produtos ou serviços de empresas socialmente responsá-veis (com selo de qualidade, que não poluem o ar ou a água, que não visam apenas ao lucro, mas consideram a socieda-de e o meio ambiente), acabam por perceber o grande poder transformador de seus atos. A forma e o tipo de escolha ao

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realizar suas compras têm o poder, se conjugados com os de-mais consumidores, de transformar o mundo, de mudar a sociedade.

O tema central é o próprio esgotamento da ideia clássica de sociedade, por pouco que se aceite dar a essa noção um sentido preciso. Se a “sociedade” deixou de ser uma repre-sentação adequada, se já não é identificável com um siste-ma, se já não tem centro e unidade, é preciso pensar que a dispersão de lógicas de ação passa e a ser regra. É preciso, ao mesmo tempo, recusar a ambição sincrética de uma socio-logia “total” para construir uma combinatória das lógicas da ação (Dubet, 1996, p. 91).

Na sociedade moderna o indivíduo vê-se diante de sua “liberdade”3 de escolha. Para caracterizar um consumidor-cidadão, não um consumidor-dominado, não é suficiente ser apenas o usuário-espectador, mas é necessário ser um sujei-to ativo, responsável e consciente. É fundamental superar os riscos e compreender que a reflexividade que urge na moder-nidade pressupõe uma atuação concreta dos indivíduos por meios de ações.

São três as características fundamentais da ação social segundo Guiddens: a racionalidade, a reflexividade e a in-tenção, que pode não ser diretamente observável. A primei-ra traz consigo a noção de que agir socialmente é agir com certo grau de racionalidade (ao menos prática), afastando-se do simples hábito mecânico; a segunda trata do fato de os indivíduos serem “escultores” e “esculturas” de sua própria vida; a terceira trata do elemento não premeditado da ação, salientando que, embora a ação busque a consecução de um objetivo, há elementos da intencionalidade que acontecem indiretamente ou não premeditadamente.

3 Embora essa liberdade esteja atrelada a inúmeros fatores que indiretamente infl uenciam o consumidor em suas aquisições, como o grande marketing em relação a certos produtos ou serviços, as pressões econômicas, os monopólios.

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Não é demais reforçar que as ações terão obstáculos, como os padrões de consumo insustentáveis em vigor nos países desenvolvidos e copiados pelas camadas mais favore-cidas da população, que não podem nem devem ser imitados. A globalização dos costumes já afastou muito as pessoas de seus padrões tradicionais, mais compatíveis com suas reais necessidades e adaptados às possibilidades e à cultura lo-cais. O reencontro com a identidade cultural é, certamente, o maior desafio que se tem pela frente.

O consumidor, como componente da sociedade, tem o poder de mobilizar a sociedade para a busca de uma gestão responsável dos bens comuns globais. Urgem respostas para os problemas que, direta ou indiretamente, influenciam na forma de consumir e interferem na cidadania do homem, como a questão do combate à pobreza, da segurança pública, da saúde. Uma solução é o trabalho conjunto entre sociedade e governo.

Fator fundamental é a busca da governança, que, como prioridade, procura o fortalecimento do poder local, valori-zando o papel dos movimentos comunitários, das micro e pequenas empresas e do associativismo, bem como trans-formar o capital social com seus atores, pela capacitação e desenvolvimento institucional e da democracia.

A cidadania é uma conquista que acontece na medida em que a exclusão social não seja uma regra e que todos tenham direito à vida. A cidadania é um processo de emanci-pação do indivíduo, o qual é integrado e passa a ser parte da comunidade dos iguais. Essa condição não é um dado pronto, mas um contínuo desafio ao status quo. A conquista do espa-ço público não é uma coisa de momento, mas uma luta contí-nua. A participação na sociedade possibilita ao cidadão rever as políticas públicas que, em regra, favorecem uma minoria, em detrimento da maioria.

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A dificuldade localiza-se na inclusão dos indivíduos na condição de cidadãos, isto é, como integrantes da comuni-dade social, participantes do processo de acesso ao espaço público como agentes das políticas públicas.

Considerações finais

A visão em relação ao consumo e à atuação dos indiví-duos por meio de ações necessita extrapolar o âmbito indivi-dual para se repensar o que está sendo produzido e divulga-do como padrão no mundo. Em cada momento histórico a so-ciedade possui necessidades conforme suas peculiaridades; por isso, não é adequado aceitar uma única possibilidade.

As reflexões podem comprometer as bases da sociedade industrial, visto que, quanto mais modernização, mais o in-divíduo adquire capacidade de extrair reflexões, e isso pode vir a comprometer a sociedade industrial, caso essas refle-xões sejam utilizadas de maneira prejudicial. É necessário pensar nos interesses das gerações futuras para que se te-nha a oportunidade de conhecer e usufruir moderadamente de diversos meios.

A cultura do desperdício do consumo requer a substitui-ção por uma cultura de responsabilidade social. A mudança para a sustentabilidade não se refere tão somente à questão ambiental; envolve também o aspecto social, visto que mui-tos problemas precisam ser dirimidos, superados, tais como a desigualdade e o desemprego. São asseguradas na cons-ciência do indivíduo as condições e consequências de seus atos; é na conduta cotidiana das pessoas que se moldam e se transformam as sociedades humanas

Da mesma forma, a preocupação pública com o meio ambiente não se traduz ainda, necessariamente, em mudan-ças significativas no comportamento dos consumidores, que

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ainda tendem a reduzir a questão ambiental ao problema da preservação de florestas e da proteção de espécies ameaça-das de extinção. Esse reducionismo não traz a percepção de que o “consumo” deve ser entendido como a própria cultura, que alguns países sobrepõem sobre os demais.

É fundamental considerar as relações interdependentes entre o comércio mundial e os padrões e consumo no país, além de reorientar os parâmetros de desenvolvimento por meio de políticas públicas integradas, que sejam pautadas na busca de sustentabilidade social, ambiental e econômica. Nessa busca de diminuir os impactos negativos provocados pelo homem mediante a produção, utilização e descarte de produtos e serviços, todos os esforços se fazem necessários e nenhuma força de poder pode ser desperdiçada. Sociedade civil, Estado, todos têm responsabilidades comuns e devem trabalhar na busca dos mesmos fins, pois sem qualidade de vida não há condições de sobrevivência da espécie humana, da natureza; consequentemente, toda a história da huma-nidade, construída com lutas e conquistas, será perdida em razão do descaso do próprio homem.

Pensar a emergência de um novo paradigma requer instituições apropriadas para a coordenação global e para o cultivo do reforço individual e coletivo. Todos os esforços de-vem ser empreendidos para libertar a humanidade, princi-palmente as crianças, da ameaça de viverem em um planeta irrecuperavelmente prejudicado pelas atividades humanas e cujos recursos não serão suficientes para suas necessidades, bem como para crescerem em um ambiente homogêneo cul-turalmente, no qual não exista o reconhecimento da cultura tradicional, local e da diversidade.

O desafio proposto depende de vários fatores, como uma mudança ética que reavalie o papel dos indivíduos e cida-dãos deste planeta. A humanidade passa por um momento

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que depende de suas escolhas, do que realizar, e o conjunto dessas escolhas individuais se perfaz numa estratégia co-letiva, com o engajamento de todos os atores sociais, como governos, sociedade civil, instituições internacionais, ONGs, setor empresarial, entre outros. O momento para as mudan-ças é agora.

É necessário que ocorra uma união global e que o plane-ta Terra seja considerado como um “ser” único, não fragmen-tado; que todos os seres humanos e o meio sejam respeita-dos, colocando-se, então, a vida como centro do universo, não simplesmente o capital.

Portanto, o indivíduo, de mero espectador, deve passar a ser ator social, construindo sua história e a dos demais por meio de ações efetivas, pois, como membro de uma coletivi-dade, tem o poder de transformar com suas ações as coisas, atuando reflexivamente em uma estrutura e tornando-a me-lhor.

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Consumo, eficiência e a fundamentalidade do

direito ambiental

Márcio Ricardo Staffen*

O dever de um economista é informar que o direito à vida nem sempre pode ser

garantido devido aos custos. O dever do jurista é garantir a vida,

pelo direito, custe o que custar.Aldacy Rachid Coutinho

Introdução

O presente artigo objetiva avaliar o conceito de eficiên-cia e a atribuição de sentido que lhe é atribuída, seja pelo direito administrativo, ambiental, seja pelas ciências econô-micas, e os reflexos decorrentes dessa bricolagem à eficaz e efetiva tutela ambiental e às relações de consumo.

A partir do domínio desse conceito e seu lugar de fala, torna-se possível rever os objetivos e as propostas ineren-tes à defesa da sustentabilidade e de relações consumeristas

* Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Mestrando em Ciên-cia Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí; linha de pesquisa Principio-logia, Constitucionalismo e Produção do Direito. Bolsista Capes. Pesquisa-dor do Conselho Nacional de Justiça. Advogado (OAB/SC). Membro efetivo da Sociedade Literária São Bento. E-mail: [email protected]

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ambientalmente adequadas. A ideia de custo-benefício, pro-dutividade, obsolescência programada, expansão de merca-dos e resultados positivos, inerente ao discurso eficientista, toma de assalto reiteradas vezes a tutela substancial dos consumidores e do ambiente. Tanto o consumidor quanto o ambiente são manipulados, com maior ou menor intensida-de, para a circulação de mercadorias.

A abordagem do tema reserva em si grandiosa perti-nência, especialmente neste momento em que se debate a tutela ambiental como condição de permanência da vida na Terra em equilíbrio com o desenvolvimento econômico. To-davia, a elevação dos direitos ao meio ambiente à categoria de direitos fundamentais cria uma série de condicionantes para vários setores sociais, dentre os quais a economia mo-vida pelo discurso neoliberal. Por essa razão, aos adeptos do neoliberalismo interessa um direito ambiental alienável, justificável pela relação custo-benefício do negócio, jamais podendo barrar a maximização de riquezas, a plenitude da propriedade e a execução fiel dos contratos.

Ocorre que essa insaciável sede pela redução de custos, inerente à atividade econômica, inclusive às relações de con-sumo, não pode ser obtida unicamente pela via monetária. Há de se considerar não como um custo, mas, sim, como uma obrigação jurídica o respeito integral aos bens juridicamen-te considerados relevantes. Incluem-se nessas obrigações o respeito pelo Estado democrático de direito, a proteção am-biental, a satisfação dos direitos e garantias fundamentais, a regulação substancial das relações de consumo e afins...

Desse modo, neste artigo serão desenvolvidas as ideias básicas sobre a ética neoliberal, eficiência (art. 37, caput, da CF/1988) sob o viés da análise econômica do direito, bem como acerca do meio ambiente como direito e dever funda-mental da coletividade (art. 225 da CF/1988), de modo a

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Márcio Ricardo Staffen 111

demonstrar a necessidade de um conceito ambientalmente adequado à eficiência, em substituição do ideário economi-cista. Utilizou-se para o desenvolvimento desta presente pesquisa o método indutivo, operacionalizado pelas técnicas de conceitos operacionais e da pesquisa bibliográfica.

Eficiência e ética neoliberal

Ainda que a discussão sobre questões elementares seja deveras complicada em face da tensão entre cientificidade e senso comum, faz sentido acreditar que desde os primórdios o homem procurou e segue procurando fazer mais com me-nos. Eis aí o fundamento da ideia de eficiência.

Não por acaso a categoria eficiência assume múltiplas acepções em razão dos variados contextos em que é utiliza-da. Cabe ao indivíduo atribuir o sentido útil e desejado para tal categoria em determinado contexto comunicativo. Tem-se com essa constatação o calcanhar de Aquiles deste estudo, porque, quando se fala de eficiência, é necessário delimitar o cenário em que está incluído o referido substantivo. Vale res-saltar que a comunhão dos significados para as palavras, via acordo semântico, é condição de segurança, previsibilidade e eficácia às comunicações interpessoais.1

Sem esse cuidado atento à comunicação e à comunhão de um acordo semântico, cada indivíduo, mesmo que sem intencionar, “dá às palavras o sentido que quer, cada um in-terpreta (decide) como quer, como se houvesse um grau zero de significação”.2

1 Tal preocupação habita o homem há muitos séculos, tanto que se detiveram na sua análise Aristóteles e Cícero, por exemplo. Nesse sentido, PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito/Millennium, 2008. p. 23-24.

2 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, estado e política: uma visão do papel da constituição em países periféricos. CADEMARTORI, Daniela Mesquita Leutchuk; GARCIA, Marcos Leite (Org.). Refl exões sobre política e direito. Homenagem aos professores Osvaldo Ferreira de Melo e Cesar Luiz Pasold. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 229.

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Além desse problema – a falta de um acordo semântico (ou conceito operacional partilhado) – há um grave equívoco na utilização indiscriminada de palavras idênticas, mas com sentidos distintos em contextos diversos. Um dos exemplos mais simplificado dessa advertência pode ser vislumbrado em relação à aplicação da palavra “direito”, a qual admite desde a expressão de uma linha reta, passando pela oposição à categoria esquerda para, mais especificamente, caracteri-zar o objeto da ciência jurídica.

Nesse diapasão, faz-se necessário (re)perguntar sobre o sentido a ser atribuído à expressão “eficiência” em maté-ria ambiental, em especial a partir da Diretiva Comunitária 31/2010 da União Europeia.3 Antes, porém, diante da con-temporaneidade do debate e da moda instalada acerca da eficiência (seja energética, seja de planejamentos, preserva-cionista ou de conservação) é preciso estabelecer as matrizes da eficiência e sua conversão em primado do direito.

Na seara das ciências econômicas, eficiência compre-ende uma relação custo-benefício interessada, fundamen-talmente, na criação e maximização de riquezas. A ideia de impor o exercício de um dever/poder eficiente germina

3 “La Directiva 31/2010 del Parlamento Europeo y del Consejo, de 19 de mayo de 2010, relativa a la efi ciencia energética de los edifi cios, ha marcado un antes y un después en la política energética de la UE. El objeto de la misma (Artículo 1 de la Directiva 31/2010) es la efi ciencia energética de los edifi cios sitos en la Unión, teniendo en cuenta las exigencias ambientales interiores y la rentabilidad en términos coste-efi cacia. Como señala su preámbulo, el 40% del consumo total de energía en toda la UE corresponde a los edifi cios (con un gran potencial de ahorro de energía aún sin realizar), un sector en expansión y que hará, por ende, aumentar el consumo de energía. Por ello, la reducción del consumo energético en los edifi cios es clave para cumplir los compromisos internacionales adquiridos por la UE y para reducir la gran de-pendencia energética del exterior. El preámbulo de la citada Directiva hace referencia a los instrumentos fi nancieros y a otras medidas de la Unión que posibiliten el fomento de las medidas relativas a la efi ciencia energética.” SANDOVAL FERNÁNDEZ, Pablo. El reto europeo: la efi ciencia energética en edifícios. La nueva Directiva Comunitária 31/2010. Sequência, Florianó-polis, a. XXXII, n. 62, jan./jun. 2011. p. 66.

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no discurso neoliberal nas orientações emanadas das insti-tuições de Bretton Woods e é impulsionada pelo consenso de Washington, cujo novel mirava a reformulação político-econômica para a América Latina. Tais diretrizes visavam justamente preencher uma lacuna deixada pela escola wel-fariana, no exato momento que as nações sul-americanas abandonavam suas ditaduras e almejavam a abertura de mercado.4

No Brasil, entretanto, consoante Marcellino Junior, o ideário neoliberal não gozava de consenso, principalmente por setores legalistas, que julgavam a nova concepção do discurso econômico, cada vez mais político, carente de legiti-midade, haja vista inexistir em nosso ordenamento respaldo constitucional-normativo que sustentasse o neoliberalismo, peculiarmente no que diz respeito à administração pública.5

Tal impasse não perdurou por muito tempo. Se faltava legitimidade, esta foi construída mediante pretensões mes-siânicas para a salvação da pátria divulgadas pela imprensa indiretamente, quando apresentava a burocracia adminis-trativa, imputando à estrutura estatal desconfiança, descré-dito e desesperança. Esse fenômeno se repete nos dias atuais com a máxima de defesa ambiental. Nesse sentido, segundo Salinas, “o Estado é apresentado como a causa dos males de que sofrem as sociedades da América Latina”.6 Logo, não de-morou muito para que a propaganda neoliberal, contrária a um Estado social democrático, lograsse êxito com a promul-gação da EC nº 19/1998, tipificando a eficiência como prin-

4 Nesse sentido, MARCELLINO JUNIOR, Julio Cesar. Princípio constitucio-nal da efi ciência administrativa: (des)encontros entre economia e direito. Florianópolis: Habitus, 2009. p. 180-181.

5 MARCELLINO JUNIOR, op. cit., p. 180-181. 6 SALINAS, Dario. O Estado latino-americano: notas para a análise de suas

recentes transformações. In: LAURELL, Asa Cristina (Org.). Estado e polí-tica sociais no neoliberalismo. Trad. de Rodrigo Leon Contrera. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 141.

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cípio da administração pública ao colocá-lo no caput do art. 37 da CF/1988, qualificando-o como paradigma aos demais princípios administrativos, “de sorte que todas as práticas no âmbito da administração pública passaram a ser pauta-das pela lógica da relação custo-benefício eficiente”.7

Lastreado, entretanto, pela representação espiritual da efetividade, aprovou-se a eficiência como se sinônimo fos-se da primeira. Assim, esse golpe institucional como quer Bonavides,8 representa a tomada do direito pelo movimento neoliberal, transformando-o em mecanismo e instrumento a serviço de seu projeto ideológico-econômico, cujo propósito, para Coutinho, “é nos legar um Estado mínimo, sonegador de direitos e garantias”.9 Destarte, eficiência assume a feição de concorrência, produtividade e competitividade, em cuja seara o direito deixa de ser quem salvaguarda para ser um obstáculo burocratizante.

À luz de Marcellino Junior para a eficiência da admi-nistração (e aqui se pode, por exemplo, traçar um paralelo com a questão relativa aos licenciamentos ambientais), “o que importa não são os fins que um serviço público efetivo poderia alcançar [...], mas sim a produtividade numérica e estatística que se poderia verificar, voltada, é claro, para a ‘otimização’ dos gastos”.10 Logo, o cidadão passa a ser um cliente e a democracia sucumbe à ideologia pragmática da economia de mercado autossuficiente.

7 MARCELLINO JUNIOR, Princípio constitucional da efi ciência administra-tiva: (des)encontros entre economia e direito, p. 182.

8 BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 23.

9 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Efetividade do processo penal e golpe de cena: um problema às reformas processuais. Juripoieses – Revista Jurídica dos Cursos de Direito da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janei-ro, ano 4, n. 5, 2002. p. 34.

10 MARCELLINO JUNIOR, Princípio constitucional da efi ciência administra-tiva: (des)encontros entre economia e direito, p. 195.

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Para Rosa e Linhares: “Dito diretamente: o ‘Direito’ foi transformado em instrumento econômico diante da mun-dialização do neoliberalismo. Logo, submetido a uma racio-nalidade diversa, manifestamente ‘pragmática’ de ‘custos e benefícios’ (pragmatic turn), capaz de refundar os alicerces do pensamento jurídico, não sem ranhuras democráticas.”11

De fato, a doutrina law and economics, também reco-nhecida como “análise econômica do direito”,12 abertamente torna o direito mera técnica de vinculação compulsória ao custo-benefício, procurando erradicar as texturas abertas da legislação, os conceitos imprecisos, autorizando a maxi-mização das riquezas ao preço dos direitos fundamentais, pois vigora the justice of the market, ao passo que na prática produz um processo de exclusão social. Em síntese, o direito é analisado exclusivamente em função de seus custos, pro-duzindo reflexos dessa lógica no direito civil, penal, social, ambiental...

Nesse diapasão, observa-se uma transferência do crité-rio de validade do direito do plano normativo para a esfera econômica, prevalecendo esta como fator decisivo. Assim, pela doutrina law and economics não se quer a continuidade de um direito positivista rígido; ao contrário, vê-se o direito sem distinção nenhuma como uma mercadoria, sempre dis-ponível à negociação, ou, na propaganda neoliberal, apto à flexibilização.

Para ilustrar tais afirmações colhe-se a orientação de um dos expoentes do neoliberalismo, von Hayek, a qual tem o condão de demonstrar com precisão a ética do regime:

11 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & economics. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. p. 55.

12 Denomina-se “análise econômica do direito” o movimento surgido na Uni-versidade de Chicago nos idos de 1960, infl uenciado pelo liberalismo eco-nômico, o qual procura os ditames das ciências econômicas na produção, interpretação e aplicação do direito, cujos expoentes foram Richard Posner, Ronald Coase e Guido Calabresi.

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“Uma sociedade livre requer certas morais que, em última instância, se reduzem à manutenção das vidas: não à manu-tenção de todas as vidas, porque seria ser necessário sacri-ficar vidas individuais para preservar um número maior de outras vidas. Portanto, as únicas normas morais são as que levam ao Cálculo de Vidas: a propriedade e o contrato.”13

Na mesma senda, em solo brasileiro, pela carga das pa-lavras, colhe-se do prefácio da obra de Grau o posicionamen-to de Belluzo:

Ela, a justiça dos mercados, não pretende reconhecer, na verda-de, nenhum direito senão o que nasce do intercâmbio entre valo-res abstratos. Qualquer conteúdo, qualquer relação substancial deve ser sumariamente eliminada. Você quer comer? Pois venda seu produto no mercado. Não conseguiu? Então tente vender a sua capacidade de trabalho. O homem vale o que seu esforço vale, e o seu esforço vale se a mercadoria que ele produz para o patrão for reconhecida pela transformação em dinheiro. Não basta ser um bom empregado, um ótimo empresário, para viver uma vida decente. Mas a justiça dos mercados que ensina e divulga que se você fracassou, a culpa é sua. Valer significa, apenas, ser aceito em troca de uma determinada quantidade de dinheiro. Caso con-trário, nada feito.14

Por isso, a conclusão se faz evidente: a ética neoliberal, que para o presente estudo objetiva “refletir sobre os funda-mentos da moral na busca de explicação dos fatos morais”, como quer Melo,15 desdenha a vida, avilta o direito e con-sidera o aparato jurisdicional um empecilho, que necessa-riamente precisa ser extinto; sobretudo, considera o direito fundamental ao meio ambiente uma barreira que estorva

13 HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova for-mulação dos princípios liberais de justiça e economia política. A miragem da justiça social. Trad. de Maria Luiza Borges. São Paulo: Visão, 1985. p. 45.

14 BELLUZO, Luiz Gonzaga. Prefácio à obra GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação e aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 5.

15 MELO, Osvaldo Ferreira de. Ética e direito. In: DIAS, Maria da Graça dos Santos; SILVA, Moacyr Motta da; MELO, Osvaldo Ferreira de. Política jurí-dica e pós-modernidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. p. 73.

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para o pretendido sucesso mercantil. Nessa ótica, o direito e o Estado só existem em razão do econômico, e o mercado li-bertará a sociedade e lhe dará a máxima felicidade coletiva.

Diante desses fundamentos e com a percepção do con-texto social, torna-se necessário e essencial esclarecer que o protagonismo das administrações é imprescindível para a sadia qualidade de vida; por isso, incumbe à administração pública, em todos os seus setores, da forma mais ampla e abrangente, organizar e garantir as principais tarefas em prol dos bens ambientais, conforme determina a CF/1988. Dessa forma, combater-se-á a ética neoliberal-eficientista, visando sempre ao bem comum e à dignidade da pessoa hu-mana como valores supremos de uma sociedade democrática de direito.

Meio ambiente: direito e dever fundamental

A CF/1988 abordou com significativa importância o tema direitos fundamentais. Sarlet16 explica que há três ca-racterísticas atribuídas à carta de 1988 que podem ser ex-tensivas aos direitos fundamentais: caráter analítico, seu pluralismo e seu cunho programático e dirigente.

O caráter analítico se dá em virtude dos inúmeros dis-positivos legais apresentados pela Constituição e, em espe-cial, aos direitos e garantias fundamentais foi reservado o título II (art. 5º a 17), sem mencionar os diversos direitos fundamentais dispersos pelo texto constitucional.

O pluralismo está caracterizado em virtude de a reda-ção final do texto constitucional ter acolhido posições algu-mas vezes confrontantes entre si. Em relação aos direitos

16 SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 75-77.

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fundamentais, verifica-se tal característica na reunião de dispositivos de direitos sociais ao lado de diversos direitos de liberdade, direitos políticos, dentre outros.17

Outro aspecto inovador, orienta Kretz,18 é o fato de a Constituição apresentar o principal rol de direitos funda-mentais logo após o Preâmbulo e os princípios fundamen-tais. Ademais, utiliza-se a terminologia “direitos e garantias fundamentais”, a qual era apresentada como “direitos e ga-rantias individuais” nas constituições brasileiras pretéritas, não obstante o texto constitucional não seja uniforme quan-to ao uso terminológico da categoria “direitos e garantias fundamentais”.

Quanto ao cunho programático e dirigente, Sarlet19 ex-plica que “resulta do grande número de disposições constitu-cionais dependentes de regulamentação legislativa, estabe-lecendo programas, fins, imposições legiferantes e diretrizes a serem perseguidos, implementados e assegurados pelos poderes públicos”. Ainda que a redação do art. 5º, par. 1º, da CF/1988 preveja a aplicabilidade imediata das normas defi-nidoras de direitos fundamentais, constata-se a subsistên-cia de elementos programáticos e de uma dimensão diretiva também nessa área.

O catálogo dos direitos fundamentais abrange as di-versas dimensões e está em harmonia com a Declaração Universal de 1948, bem como com os principais pactos in-ternacionais sobre direitos humanos. Em relação às duas primeiras dimensões, resta claro no texto constitucional que acolheu tanto os direitos tradicionais da vida, liberdade e propriedade quanto o princípio da igualdade e os direitos e garantias políticos, tratando de igual forma os direitos so-ciais de segunda dimensão. Quanto aos direitos de terceira e

17 SARLET, A efi cácia dos direitos fundamentais, p. 77.18 KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e efi cácia horizontal dos direitos

fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 68.19 SARLET, A efi cácia dos direitos fundamentais, p. 78.

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quarta dimensões, deve-se tratar com maior cautela. Como exemplo cita-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF/1988) sem prejuízo de estar fora do título dos direitos fundamentais.20

Registra-se que os direitos e garantias fundamentais ex-pressos na CF/1988 “não excluem outros decorrentes do regi-me e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados interna-cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, par. 2º, CF/1988). Por isso, há muitos direitos funda-mentais que não estão inseridos no art. 5º da CF/1988.

Assim, pode-se afirmar com segurança que, apesar de não estar inserido no título II – “Dos direitos e garantias fundamentais” – da CF/1988, o meio ambiente de fato é um direito e dever fundamental. Logo, o direito ao meio ambien-te ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo e pre-servá-lo para as presentes e futuras gerações têm aplicação imediata nos termos do art. 5º, par. 1º, da CF/1988, de modo que não dependem da lei.21

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Fe-deral, já declarou ser o meio ambiente um direito fundamental:

Meio ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de metain-dividualidade – direito de terceira geração (ou de novíssima di-mensão) que consagra o postulado da solidariedade [...] – a ques-tão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (cf, art. 170, vi) – decisão não referendada – conseqüente indeferi-mento do pedido de medida cautelar. a preservação da integri-dade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas.22

20 SARLET, A efi cácia dos direitos fundamentais, p. 79-80.21 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.).

Direito constitucional ambiental brasileiro. Saraiva: São Paulo, 2007. p. 98.22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3540 MC / DF – Distrito Federal.

Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 01.09.2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 13 jun. 2009.

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Consumo, eficiência e a fundamentalidade do direito ambiental120

A importância do significado dos direitos fundamentais é ressaltada por Ferrajoli,23 que afirma serem “aqueles di-reitos cuja garantia é igualmente necessária para satisfazer o valor das pessoas e para realizar sua igualdade [...]”. Com efeito, tais direitos não são negociáveis e correspondem uni-versalmente a todos os seres humanos, como é o caso do meio ambiente.

Benjamin24 esclarece que a fundamentalidade do direi-to ao meio ambiente justifica-se por três aspectos: primeiro, em virtude da estrutura normativa do tipo constitucional, ao afirmar que “todos têm direito [...]”, expresso no art. 225, caput, da CF/1988; segundo, em razão de que o rol do art. 5º – sede principal dos direitos fundamentais – por força do seu par. 2º, não é exaustivo, pois há muitos direitos e garantias que não estão contidos no art. 5º da CRFB/1988; terceiro, por ser uma extensão material do direito à vida, garantido no caput do art. 5º da CF/1988, já que protege suas bases ecológicas vitais.

Por isso, ressalta-se que o direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado está intimamente interligado com o direito à vida – dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), pois não se pode afirmar que a qualidade de vida dispensa a proteção e defesa ambiental. Nesse sentido é que se mostra a importância de considerar o meio ambiente como um direito e dever fundamental. Compartilham desse entendimento Canotilho e Moreira, ensinando que “o direito ao ambiente é um dos novos direitos fundamentais”, e Mirra, que conclui ser “direito humano fundamental”.25

23 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. 4. ed. Ma-drid: Trotta, 2000. p. 908.

24 CANOTILHO; LEITE (Org.), Direito constitucional ambiental brasileiro, p. 102.

25 Idem, ibidem, p. 97.

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Pelas razões expostas, torna-se evidente que os direitos ao meio ambiente necessitam ser classificados como direi-tos fundamentais, num panorama idêntico de igualdade ao direito à vida. Pensar que o meio ambiente é algo supérfluo equivale a negar o direito à vida, à saúde, dentre outros. Deve-se reforçar a ideia de que os direitos fundamentais, dentre os quais o direito ao meio ambiente, são universais, inclusivos, indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis, in-violáveis e intransigíveis. Logo, formam um núcleo jurídico irredutível, blindado até mesmo contra a vontade da maio-ria.

Para os fins deste artigo faz-se útil transcrever a lição de Rosa e Linhares: “O fato de serem indisponíveis impede que interesses políticos e/ou econômicos violem os Direitos Fundamentais [...].”26 Nesse diapasão, é cristalina a impos-sibilidade de “economização” do direito fundamental ao meio ambiente, simplesmente porque com os direitos fundamen-tais não se negocia, não se transige, não se permuta, mesmo que o discurso eficientista seja sonoramente cativante.

Atribuir ao direito fundamental ao meio ambiente uma relação de custo-benefício à luz da ética neoliberal resulta na prática autorizada de negociação sobre questões ambientais, de dignidade da pessoa humana e da preservação digna da vida ecologicamente equilibrada, favorável à maximização de riquezas e opressão pela liberdade de mercado.

Aderir à ética e ao projeto neoliberal importa, além da negativa dos direitos fundamentais, sobretudo, comprome-ter as estruturas da democracia e do próprio Estado demo-crático de direito. Nesse desiderato, o garantismo jurídico, cuja teoria geral estabelece a garantia dos direitos funda-mentais como condição de existência e validade de qual-

26 ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & economics, p. 18.

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quer ordenamento jurídico, alcançando todos os indivíduos indistintamente,27 apresenta-se como um bom começo para conter o discurso neoliberal-eficientista que põe em risco o Estado e o direito.

Ainda que se reconheça a problemática existente em tor-no da política jurídica dispensada ao direito ambiental, não se pode abandonar o barco à deriva em troca da sonoridade do canto das sereias, por mais sedutor que possa parecer. A defesa pela eficiência ambiental só faz sentido se pensada e executada com base em critérios ambientais, juridicamente positivados. Sem isso, estar-se-á construindo um panorama incerto e aberto para a justificação dos anseios dos mais for-tes e do consumo irresponsável, em constante relativização de direitos e garantias.

Em razão da sua forma moderna de se comportar em relação ao meio ambiente, o ser humano atingiu hoje essa zona de distúrbio circulatório, colocando em perigo sua pró-pria vida e, até mesmo, sua sobrevivência. Essa mudança é consequência inevitável da atitude assumida pelo homem ao se desviar, com finalidade econômica, das manifestações im-previsíveis, mas também das previsíveis, referentes a pro-cessos tecnizantes. A sociedade industrial via no aumento de produção a solução para os seus problemas, sem tomar em consideração a espoliação e a poluição das próprias bases da vida.28

Quando se fala de eficiência ambiental, deve-se falar sobre a compreensão de um critério29 (referente) ético-ma-

27 FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Trad. de Perfecto Andrés Ibanez. Madrid: Trotta, 2001. p. 21.

28 WAGNER, F. O homem e o ambiente. GADAMER, Hans-Georg; VOGLER, Paul. Nova antropologia: antropologia social. São Paulo: Pedagógica e Uni-versitária, 1977. p. 9.

29 Ainda, em linhas gerais, recomenda-se a leitura de DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. de Epharaim Ferreira Alves et al. Petrópolis: Vozes, 2002.

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terial-ambiental, consoante com o fundamento da dignidade da pessoa humana, sua qualidade de vida e suas necessi-dades de consumo. Importa reconhecer que eficiência am-biental deve ser ambientalmente eficiente, eficaz e efetiva. É bem verdade que necessidades desenvolvimentistas e eco-nômicas não podem ficar sem apreciação. Todavia, não pode ser o econômico o referente primeiro do direito consumerista e do direito ambiental.

Sem demora, a ideologia eficientista instalada congrega uma multidão de escravos alienados, conforme alerta Slavoj Zizek, a partir do discurso do senhorio, não por ilusão, mas pela manipulação do medo e da violência simbólica instalada na realidade (risco ambiental, ameaça ecológica, terrorismo, o apocalipse), mascarando, entretanto, o objetivo ideológico deste discurso “do mais pelo menos”.30

À guisa de considerações finais

A compreensão fechada para a impossibilidade de co-nexão entre várias ciências resta superada na pós-moderni-dade. Logo, a grandeza das questões econômicas no mundo atual significa o desenvolvimento de novas relações entre campos até então complementares. Direito e economia, como ciências autônomas, sempre dialogaram, especialmente nos

30 ZIZEK, Slavoj. Ideología: un mapa de la cuestión. Trad. de Cecília Betrame et al. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2003, p. 15: “La lógica de la legitimación de la relación de dominación debe permanecer oculta para ser efectiva. En otras palabras, el punto de partida de la crítica de la ideología debe ser el reconocimiento pleno del hecho de que es muy fácil mentir con el ropaje de la verdad […]. La forma más notable de ‘mentir con el ropaje de la verdad’ hoy es el cinismo: con una franqueza cautivadora, uno ‘admite todo’ sin que este pleno reconocimiento de nuestros intereses de poder nos impida en absoluto continuar detrás de estos intereses. La fórmula del cinismo ya no es la máxima clásica ‘ellos no lo saben, pero lo están haciendo’; es, en cambio, ‘ellos saben muy bien lo que está haciendo, y lo hacen de todos modos’.”

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campos em que havia necessidades recíprocas.31 Todavia, na atualidade, essa situação se alterou e torna-se inegável a proeminência economicista, nem sempre ética, diante do dis-curso jurídico.

A adoção da ética neoliberal e, consequentemente, da aceitação da liberdade de mercado na seara ambiental sig-nifica aceitar a irresponsabilidade de um sistema altamente consumista e degradante, lastreado no “deixe fazer”, “deixe passar”, que sustenta a ideia de que o consumo ilimitado resulta em progresso. Contudo, não esclarece que tal propos-ta somente se presta à marginalização progressiva daqueles que não conseguem manter seu poder aquisitivo e, especial-mente, que nossos recursos naturais são finitos se não utili-zados com moderação.

Diante do exposto, fica claro que a análise econômica do direito, decorrente do discurso neoliberal, busca conferir à atividade administrativa uma atuação conforme estudo de custo-benefício das ações praticadas, o que não é de todo um mal, haja vista a necessidade de se saberem os custos do aparelhamento jurídico vigente. Contudo, o lado funesto reside justamente na transposição do critério determinan-te das decisões do jurídico para o econômico. Assim, para a obtenção desse objetivo o direito e o Estado democrático de direito passam a ser um grande obstáculo, bem como os di-reitos fundamentais, em razão da sua característica indispo-nível e inalienável, uma vez que dificultam a maximização de riquezas e a liberdade de mercado.

Não escapam desse golpe os direitos fundamentais ao meio ambiente, insuscetíveis de negociação, disponibilidade, alienação, violação e transação. Nesse núcleo reside a im-possibilidade de flexibilização desses direitos fundamentais

31 ROSA, Alexandre Morais da. Direito transnacional, soberania e o discurso da law and economics. In: CRUZ, Paulo Márcio; STELZER, Joana (Org.). Direito e transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2009. p. 74.

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à dignidade da pessoa humana e à digna preservação huma-na. Nesse pensar, a continuidade da existência de vida na Terra não tem preço. Negar o caráter de direito fundamen-tal ao meio ambiente implica negar a vida como direito fun-damental; por isso, a insuportabilidade da ética neoliberal, que ao atribuir um preço ao meio ambiente, simbolicamente, faz da vida da atual e das futuras gerações uma mercadoria qualquer. Eis o motivo da recusa!

Por fim, vislumbra-se a urgente necessidade de se ado-tar um conceito operacional compartilhado para a eficiência ambiental e relações de consumo, sob pena de se utilizarem os primados econômicos nas decisões jurídicas, administrati-vas ou jurisdicionais como metanormas. Para tanto propõe-se como critério ético-material-ambiental a opção por uma eficiência ambientalmente eficiente (e sustentável),32 que represente a inclusão do ambiente como núcleo do sistema decisório; do contrário, a economia (eficiente) condicionará a tutela ambiental e consumerista aos desígnios do mercado e sua lógica de justiça.

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32 Recomenda-se nesta toada: CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo; STA-FFEN, Márcio Ricardo. Transnacionalización, sostenibilidad y el nuevo pa-radigma del derecho em siglo XXI. Opinión Jurídica – Universidad de Me-dellín, Medellín (Colombia), v. 10, n. 20, jul./dez. 2011 (no prelo).

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Consumo e o princípio da precaução

Stéfani Daltoé*

Introdução

O presente artigo pretende analisar as implicações que uma sociedade de consumo, como a que atualmente vivemos, provoca nas questões relacionadas diretamente ao desenvol-vimento sustentável. Para tanto será feita uma breve análise histórica das origens do capitalismo, de onde o consumo de-corre, perpassando pelas necessidades de reestruturação da consciência social ambiental, e também de como esse consumo exacerbado poderá comprometer a sustentabilidade da vida.

O modelo capitalista de desenvolvimento econômico e seu impacto na sustentabilidade

Observa-se nos últimos anos um crescimento exponen-cial da preocupação com as questões ambientais. Tal situação pode ser justificada pelo fato de que a sociedade global está

* Advogada. Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2007), cursando especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasi-leiro de Estudos Tributários -IBET. Cursando Mestrado em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí.

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tomando consciência da crise ambiental que a assola e que a incerteza em relação ao destino próximo da espécie humana e do ecossistema já é realidade. Não é possível precisar em que estágio de evolução tecnológica nos encontramos, mas é possível embasar os fundamentos para a atual situação no processo evolutivo observado historicamente.

Vivemos numa sociedade de consumo que teve origem em meados do século XVIII, na chamada “Revolução Indus-trial”, que decorreu das mais diversas experiências políti-cas, sociais e econômicas. Pode-se afirmar que a deflagração desse processo teve origem com o renascimento comercial. Nesse período percebe-se uma transformação no caráter au-tossuficiente das propriedades feudais, com a qual as terras começaram a ser arrendadas e a mão de obra passou a ser re-munerada. Ainda, junto com essas primeiras mudanças veio o surgimento de uma classe de burgueses, que habitavam as áreas externas aos feudos e trabalhavam como artesãos; posteriormente, essa classe foi denominada de “burguesia”.

A burguesia implantou uma nova configuração aos as-pectos socioeconômicos europeus, na qual a circulação das mercadorias e a busca pelo lucro ganharam grande desta-que. Essa prática comercial trouxe uma nova lógica às re-lações econômicas, pois o comerciante substituiu o valor de uso das mercadorias pelo seu valor de troca. Dessa forma, a economia passou a ser baseada em quantias numéricas, ten-do como base a procura e a demanda, os custos e os lucros.

Daí surgem as primeiras bases do capitalismo, visto que, além de propiciar uma enorme acumulação de riquezas, criou uma economia totalmente voltada aos aspectos concor-renciais, com as grandes potências firmando acordos e guer-ras com o fito de ampliar as suas perspectivas comerciais.

Gradativamente, a era da agricultura foi superada e a máquina foi tomando o espaço do trabalho humano, dando

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Consumo e o princípio da precaução130

lugar a uma nova relação entre capital e trabalho, inician-do um processo altamente massivo de produção e consumo de bens. “A sustentabilidade natural começou a ser mina-da com o início da fase agrícola. A partir desse momento o homem passa a adaptar plantas e animais às suas necessi-dades, abandonando-se a fase meramente extrativista para se iniciar uma fase com excesso de produção e estoque de energia. Surgem agrupamentos de pessoas com o estabele-cimento de vilas, desenvolvimento de atividades diversas e divisão de tarefas.”1

Dessa produção em larga escala e do consequente con-sumo desenfreado de bens, originaram-se diversos fatores que influenciaram negativamente no equilíbrio saudável do ecossistema. A origem desse desequilíbrio pode ser explicada por um simples raciocínio lógico: os homens possuem vonta-des e necessidades ilimitadas, que são sanadas por meio dos bens da natureza, que são limitados.

Como a maior parte da sociedade mundial como um todo ficou muito tempo afastada da realidade ecológica, limitada somente à busca incessante pela potencialização do lucro, a degradação ambiental só foi percebida em meados no século XX, mais precisamente, na década de 1960, quando o mundo começou a ser assolado por desgraças ecológicas, a poluição e a degradação ambiental estavam alcançando níveis não to-leráveis e o meio ambiente começava a pedir socorro.

É diante desse cenário de desenvolvimento desenfreado e despreocupado que a sociedade se viu obrigada a desenvol-ver novos mecanismos, capazes de prever as consequências que esse desenvolvimento traria às comunidades humanas. E foi no limbo da adequação científica que o direito se viu obrigado a se ajustar também às novas necessidades da tu-tela ambiental.

1 BETIOL, Luciana Stocco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambien-te. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 2.

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A problemática do consumo desenfreado de bens não renováveis

Primeiramente, parte dos bens que chamávamos de “ili-mitados” não fazia parte do mercado, o que foi a principal razão da apropriação da natureza sem custo para os usuá-rios. “Hoje tal idéia encontra-se ultrapassada, pois a nature-za perdeu a sua capacidade para receber a poluição gerada desde a Revolução Industrial sem perdas ou riscos para a própria sobrevivência da vida. Por esta, entre outras razões de ordem ambiental, tais como a sadia qualidade de vida, os bens ambientais deixaram de constar com os bens livres, e passaram, além do valor ambiental, a ter valor econômico por serem limitados, posto que, em sua essência, estão sub-metidos ao princípio da escassez.”2

Na tentativa, então, de manutenção e preservação do meio ambiente, alguns problemas necessitam ser reavaliados.

Ter uma qualidade de vida saudável só é possível se vi-vermos em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dessa forma, coloca-se o maior desafio da humanidade: con-ciliar o desenvolvimento com a proteção e a preservação am-biental para que a qualidade de vida das futuras gerações seja preservada. “A preocupação jurídica do ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente, como bem difuso, é tema recente. Pode-se dizer que essas questões só vieram a alcançar interesse maior dos Estados a partir da constatação da deterioração da qualidade ambiental e da limitabilidade do uso dos recursos naturais, ou seja, com a referida crise ambiental e o desenvolvimento econômico.”3

2 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado, 2006, p. 51.

3 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 30.

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Consumo e o princípio da precaução132

Os bens que fazem parte do meio ambiente global (água, solo e ar) devem satisfazer às necessidades comuns de todos os habitantes do planeta. Essas necessidades podem ser de utilização ou de não utilização desses bens. Nessa esteira, o direito ambiental tem a tarefa de estabelecer a razoabili-dade dessa utilização, devendo, quando a utilização não for necessária ou razoável, negar-lhe o uso.4

Nesse sentido continua Machado: “A prioridade do uso dos bens ambientais não implica exclusividade de uso. Os usuários prováveis ou simplesmente os que desejam usar os bens e não os usam precisam provar suas necessidades atuais. Os usuários só poderão usar os bens ambientais na proporção de suas necessidades presentes, e não futuras.”5

Assim, é mister a sociedade encontrar alternativas den-tro das condições econômicas, sociais, ambientais e cultu-rais regionalizadas, buscando o estabelecimento de um novo paradigma de desenvolvimento, no qual deverão perpassar grandes desafios, como o de superar os padrões do modelo de consumo globalizado, que pode ser considerado como a principal causa da devastação ambiental de ecossistemas mantenedores de vida.6

O acesso dos seres humanos aos recursos naturais deve ser balizado pelo princípio de que “todos têm o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, preconizado no art. 225 de nossa Constituição. Dessa forma, não se coloca somente a natureza no cerne da questão do desenvolvimento sustentável; faz-se do homem o ator principal, responsável por manter o equilíbrio ecológico para a presente e as futu-ras gerações.

4 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 59.

5 Ibidem, p. 61.6 SCHONARDIE, Elenise Felzke; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Ambien-

te, saúde e comunicação. Ijuí: Unijuí, 2007. p. 160.

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Machado afirma que o equilíbrio ecológico não pressu-põe a inalterabilidade dos bens naturais e, sim, a busca pela coletividade, pelo poder público da harmonia entre os ele-mentos da ecologia como um todo: populações, ecossistema e biosfera.7

Para Milaré, “a manutenção do ambiente saudável é fa-tor integrante do processo de desenvolvimento sustentável. Mas esse processo, que tem na sociedade um grande contin-gente de atores e de agentes ambientais, depende da própria comunidade para desencadear-se e prosseguir. Desenvolvi-mento sustentável e sociedade sustentável fundem-se, na prática cotidiana, como efeito e causa.”8

Se partirmos do pressuposto de que a sociedade deve assumir seu papel de ator principal na reversão do atual cenário de crise ecológica em que nos encontramos, estare-mos falando do que Beck chama de “cidadania ambiental”. Para ele a tomada de consciência e a correta interpretação do risco são pressupostos fundamentais para o exercício da cidadania ambiental. Essa participação social é o meio mais eficiente para a tomada de decisões coerentes e guiadas por princípios e critérios que devem ser adequados às espécies de problemas.9

Continua afirmando que o risco ecológico deve ser visto como uma relação direta com as gerações futuras e exige que sejam tomadas decisões que levem em consideração os da-dos futuros – dimensão transdisciplinar e intergeracional do direito ambiental. Essas decisões em relação aos problemas ambientais devem ser tomadas com amparo nas informações disponíveis, e justamente por isso a educação ambiental e a

7 SCHONARDIE; PILAU SOBRINHO, Ambiente, saúde e comunicação, p. 126.8 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 66.9 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Trad. de Jorge Navarro. Barcelona:

Paidós, 2002.

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informação ambiental são preceitos legais para que se deter-minem os limites toleráveis do risco. Para permitir que seja possível o desenvolvimento de um autêntico modelo de cida-dania ambiental devem-se sempre levar a sério os princípios e, fundamentalmente, a Constituição em relação à determi-nação dos procedimentos a serem tomados.10

Nesse sentido, observa-se que a Constituição de 1988 impôs ao poder público e à coletividade o dever de preser-var o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, conforme se extrai do caput do art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impon-do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Constata-se que a crescente importância atribuída à preservação dos recursos naturais para as gerações futuras vem tornando crescente e iminente a necessidade de elabo-ração de um amparo legislativo consistente. “Após a Decla-ração de Estocolmo de 1972, foi desencadeado um processo de discussão e elaboração de inúmeros instrumentos inter-nacionais que versam sobre a questão ambiental, é a par-tir dessa preocupação na comunidade internacional que os Estados passaram a alocar o ambiente em suas respectivas constituições.”11

Discorrendo sobre esse ponto, Derani aduz:

Quanto ao direito, é seu mister a manutenção da ordem social e, por conseguinte, da ordem produtiva, normatizando-se o mode-lo de apropriação dos recursos naturais, são traçadas as linhas mestras com as quais trabalhará a aplicação do direito. Por meio delas, será acertado o grau de transformação das atividades pro-dutivas. Não se trata de estabelecer a priori uma idéia de modi-ficação substancial da relação com a natureza, mas de fixar-se

10 BECK, La sociedad del riesgo.11 BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica jurídica ambiental.

São Paulo: Saraiva, 2011. p. 59- 60.

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normas aptas a instrumentalizar uma ação comunicativa onde se desenvolverá a tensão entre apropriação e conservação dos recursos naturais.12

Nesse sentido, é importante colacionar os ensinamentos de Machado, que atenta que, quando se normatiza a preser-vação ambiental, como fez o referido art. 225 da CF/88, não se está, simplesmente, priorizando a raça humana e, sim, unindo-se num só conceito de desenvolvimento sustentável e de meio ambiente ecologicamente equilibrado dois atores principais: o homem e a natureza.

O homem não é a única preocupação do desenvolvimento susten-tável. A preocupação com a natureza deve também integrar o de-senvolvimento sustentável. Nem sempre o homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que comumente ele busque um lugar prioritário. Haverá casos em que para se conservar a vida humana ou para colocar em prática a “harmonia com a natureza” será preciso conservar a vida dos animas e das plan-tas em áreas declaradas inacessíveis ao próprio homem. Parece paradoxal chegar-se a essa solução do impedimento do acesso humano, que, a final de contas, deve ser decidida pelo próprio homem.13

Surge, então, a figura do homem como condição de cida-dão, tornando-se titular do direito a ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e também ator principal do de-ver de proteção ao meio ambiente. Nessa esteira, como con-sumidor, deve assumir o seu completo papel de cidadão, com parte efetiva nessa responsabilidade ambiental, cumprindo com sua função de garantir e pôr em prática uma política de consumo mais sustentável e mais consciente.

12 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 35.

13 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, 2008, p. 60.

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O consumo desenfreado de bens não renováveis e a necessidade de se aplicar o princípio da precaução nas políticas ambientais

Como já visto, a noção de prevenção apresenta-se como um dos pontos centrais dos problemas ambientais, ladeando desde a criação de políticas públicas a entraves judiciais. A sociedade, atingida pela crise ambiental, vive uma rea lidade de incertezas e a prevenção do meio ambiente passou a ser uma preocupação constante e necessária.

Foi diante do intenso processo de evolução econômica e tecnológica que a sociedade se viu obrigada a desenvolver novos mecanismos, capazes de prever as consequências que esse desenvolvimento traria às comunidades humanas. E foi no limbo da adequação científica que o direito se viu obri-gado a se ajustar também às novas necessidades de tutela ambiental.

O que se percebe de forma mais drástica em relação à proble-mática ambiental é a falta de consciência local e global no que concerne às conseqüências dos impactos negativos no meio am-biente [...]. Muitas das conseqüências negativas dos danos am-bientais não são sentidas de forma mais concreta pela sociedade. Pelo menos não em relação àquela sociedade da geração que con-tribuiu diretamente para o impacto. Parece que o meio ambien-te está muito distante, pois seus efeitos não são visualizados de uma forma que mais presente no dia a dia das pessoas. Não traz, assim, repercussão de imediato, para a geração atual. Em outras palavras, o que se faz hoje não tem como ser percebido momen-taneamente.14

Para Teixeira, a solução encontra-se na conscientização da geração presente, que deve utilizar os recursos ambien-

14 BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica jurídica ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 178.

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tais, especialmente os não renováveis, na dupla condição de fazer deles um uso racional e manter intactas as condições e possibilidades de uso pelas gerações futuras. “A extinção dos recursos ambientais levaria a humanidade ao colapso, pelo menos à progressiva estagnação do processo econômico, razão pela qual o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é interesse difuso. Afinal, é preciso ter consciên-cia de que, no futuro, haverá um maior número de habitan-tes no planeta.”15

Para Morato, deve-se buscar a consecução de um Estado de direito ambiental: “Uma consecução do Estado de Direi-to Ambiental só será possível a partir da tomada de consci-ência global da crise ambiental em face das exigências, sob pena de esgotamento irreversível dos recursos ambientais, de uma cidadania moderna e participativa [...].”16

A construção de um Estado de direito ambiental parte, obrigatoriamente, de uma base constitucional, pois é a Cons-tituição de um Estado que exprime os postulados básicos e valores que nortearão a construção da estrutura social. “O Estado de Direito Ambiental pressupõe uma visão precau-cional, preventiva, direitos das futuras gerações, entre ou-tros, que vão se formando através do estabelecimento dos princípios de Direito Ambiental. Estes trazem consigo uma necessidade de revolução do direito tradicional, consideran-do principalmente o caráter coletivo e difuso do bem a ser protegido.”17

Dessa forma, os princípios ambientais são indispensá-veis para o Estado na medida em que direcionam a criação e aplicação das políticas ambientais e servem de instrumentos

15 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado, 2006, p. 94.

16 AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 28.

17 Ibidem, p. 38.

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essenciais à proteção do meio ambiente. E é nesse cenário de insegurança de se conseguir prever o nexo causal entre a execução de determinadas atividades atualmente e even-tuais danos passíveis de serem produzidos no futuro ao meio ambiente que o princípio da precaução assume maior rele-vância.

Conceito do princípio da precaução

É unânime que o princípio da precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais e como alicerce à estruturação do direito ambiental como um todo.

Diante do iminente caos ecológico, do consumo exacer-bado, prevenir a degradação ambiental passou a ser a maior preocupação dos Estados que se preocupam com a manuten-ção de seus bens naturais e que visam à qualidade das gera-ções presentes e futuras.

Em que pese à recente preocupação brasileira com a real aplicação do princípio da precaução nas políticas públi-cas ambientais, a primeira referência explícita ao princípio da precaução ocorreu no direito ambiental germânico em meados de 1960, quando as questões ambientais se torna-ram temas políticos. Sua utilização também apareceu no an-teprojeto de lei sobre a poluição do ar em 1970, que em 1974 foi aprovado pelo Parlamento. O governo alemão instituiu o princípio da precaução (vorsorgeprinzip) como um princípio fundamental da política ambiental e, tão logo, de aplicação geral.18

18 OLIVEIRA, André Soares; PORTANOVA, Rogério Silva. Neoconstituciona-lismo e estado de direito ambiental: o papel do judiciário na aplicação do princípio da precaução frente à liberação de organismos geneticamente mo-difi cados, p. 455.

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Em seguida ao uso pela legislação alemã, o princípio pas-sou a ser utilizado na legislação de outros países europeus, assim como começou a ganhar espaço no território interna-cional, sendo consagrado em vários acordos obrigatórios e não obrigatórios, instrumentos de abrangência e aplicação global e regional, instrumentos relativos a meio ambiente ou atividades ambientais específicas e instrumentos que en-cerram princípios gerais de ação ambiental. Como exemplo tem-se a Declaração Ministerial da Segunda Conferência do Mar no Norte (London Declaration) de 1987, que estabelece em seu art. 7º: “De modo a proteger o Mar do Norte de efei-tos possivelmente danosos das substâncias mais perigosas, é necessária uma abordagem precautória – o que pode reque-rer o controle da entrada de tais substâncias mesmo antes de uma relação causal ter sido estabelecida por evidências científicas absolutamente claras.”19

No direito brasileiro, o princípio da precaução surge na lei nº 6.938, de 31/08/1981, cujo art. 4º, incisos I e IV, determi-na que o desenvolvimento econômico e social deve ser guia-do visando à preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e que incentiva o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias nacionais orientadas ao uso racional de recursos ambientais.

O princípio da precaução foi incorporado à Constituição Federal de 1988 no art. 225, par. 1, IV, que expressamente aduz:

19 SEGUNDA CONFERÊNCIA DO MAR DO NORTE. Declaração Ministerial da Segunda Conferência do Mar do Norte. Disponível em: <http://www.se-asatrisk.org/1mages/1987%20London%20Declaration.pdf>. Acesso em: 19. jun. 2010.

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A rt. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qua-lidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras ge-rações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Po-der Público:[...]V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de téc-nicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Entretanto, a principal e mais referendada redação do princípio da precaução é a que foi estabelecida pela Declara-ção do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, elabo-rada no Rio de Janeiro no ano de 1992, em cujo Princípio 15 ficou estabelecido: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observa-do pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”20

Assim, o princípio da precaução foi formalmente ado-tado pelo Brasil com a adesão, ratificação e promulgação da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, assinada em Nova Iorque em 1992, e da Convenção da Di-versidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, e aos poucos vem sendo incorporado pela legislação infracons-titucional. Um exemplo disso é a Lei de Biossegurança (lei nº 11.105/2005), que inclui entre suas diretrizes o incentivo

20 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Declaração do Rio sobre meio ambiente. Disponí-vel em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/es/documentos/convs/decl_rio92.pdf>. Acesso em: 19. jun. 2010.

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ao avanço científico, à proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal e à observância ao princípio da precaução.21

A constitucionalização do princípio da precaução denota a adoção de um novo posicionamento do Estado e da socie-dade diante das questões ambientais, ou seja, a aplicação do princípio da precaução exige que sejam adotadas ações que, a priori, impeçam o início de uma atividade que poderá cau-sar danos ao meio ambiente, e atua também quando o dano ambiental já está concretizado, para que os efeitos danosos sejam minimizados ou encerrados.

Para Canotilho e Moreira, os danos devem ser combati-dos na origem, para que não reste como alternativa somente o enfrentamento de seus efeitos: “As ações incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de polui-ções e perturbações na origem e não apenas combater poste-riormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degrada-ção ambiental do que remediá-la a posteriori.”22

As ações públicas que visam prevenir os danos ambien-tais não devem se limitar à eliminação dos efeitos lesivos ao meio ambiente; devem, sim, se antecipar aos fatos geradores de danos ambientais e prevenir a execução de uma atividade potencialmente danosa, ou seja, previnir desde a origem da suspeita do perigo. Em outras palavras, a precaução acarre-ta uma ação antecipatória que sugere cautela para que uma determinada ação não resulte em efeitos negativos e irrever-síveis ao meio ambiente.23

21 SETZER, Joana. Panorama do princípio da precaução: o direito do ambiente face aos novos riscos e incertezas. Dissertacao (mestrado em Direito) - Uni-versidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

22 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da Re-pública portuguesa anotada, p. 348.

23 COLOMBO, Silvana Brendler. Políticas publicas e aplicação do princípio da precaução. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/26893/26456>. Acesso em: 10 out. 2010.

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Para uma melhor compreensão do princípio da precau-ção é mister diferenciá-lo do princípio da prevenção.

Para Machado, quando se fala em princípio da preven-ção, subentende-se que se previne porque se sabe quais são as consequências de se iniciar um determinado ato e quais serão as consequências de prosseguir com ele ou suprimi-lo, ou seja, é possível determinar cientificamente o nexo causal, que muitas vezes decorre, simplesmente, da lógica. Por sua vez, no princípio da precaução previne-se porque não se pode saber que consequências irão decorrer de determinado ato, não se tem certeza quanto aos reflexos causados no espaço ou no tempo; existe, portanto, uma incerteza científica não dirimida.24

Pode-se afirmar que tanto o princípio da precaução como o da prevenção atuam nas ações antecipatórias, inibitórias e cautelatórias dos riscos de danos ambientais. Porém, a atua-ção do princípio da prevenção é mais ampla e genérica; já a precaução é mais específica e conecta com o momento inicial do exame do risco. Dessa forma, a prevenção, necessaria-mente, implica a adoção de mecanismos antecipatórios e de gestão de riscos no desenvolvimento da atividade econômica, avaliando e diminuindo os aspectos ambientais negativos. E a precaução é aplicada sempre que houver perigo da ocor-rência de dano grave ou irreversível. Assim, a ausência de certeza científica absoluta não deve ser razão para a pos-tergação da adoção de medidas eficazes a fim de impedir a degradação ambiental.25

O princípio da precaução trata de riscos abstratos quan-do não há certeza científica de que uma conduta causará um

24 COLOMBO, Silvana Brendler. Políticas públicas e aplicação do princípio da precaução. Apud MACHADO, Paulo Leme. Disponível em: <http://www.eco-ambiental.com.br/principal/princípios.htm>. Acesso em: 12 ago. 2003.

25 LEITE, Jose Rubens Morato. A sociedade de risco e estado. In: CANOTI-LHO, Jose Joaquim Gomes; LEITE, Jose Rubens Morato Leite. Direito cons-titucional ambiental brasileiro, p. 195-197.

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dano sério ou irreversível, ao passo que o princípio da pre-venção lida com danos concretos, ou seja, com o âmbito da certeza científica de que determinada ação causará um dano ambiental.26

Para Setzer, o princípio da precaução é tido como uma recomendação de que, diante da possibilidade de uma ativi-dade causar efeitos graves e irreversíveis, a incerteza sobre a intensidade do impacto ou sobre o nexo causal entre a ativi-dade e o perigo que poderá acarretar não dispense a adoção de ações que objetivem evitar o dano. É cabível quando os dados científicos são tão insuficientes que não é possível apli-cá-los; quando a ausência de parâmetros não permite qual-quer extrapolação ou quando as relações de causa-efeito são imagináveis, porém não comprovadas. Nesses casos, as deci-sões políticas são colocadas diante do dilema de atuar ou não atuar, ou, objetivamente, de optar entre um risco e outro.27

Dessa forma, percebe-se que a adoção do princípio da precaução é parte de uma mudança de comportamento na qual se abre para uma nova racionalidade jurídica, mais abrangente e complexa, vinculando a ação humana presente aos resultados futuros, sendo um dos pilares da tutela do ambiente como um todo.

Considerações finais

A consciência ecológica ainda não predomina de forma a tornar mais tranquila a adoção de medidas que visem mini-mizar os danos causados ao meio ambiente, porém percebe-se um aumento gradativo na mudança de visão acerca das for-

26 OLIVEIRA; PORTANOVA, Neoconstitucionalismo e estado de direito am-biental, p. 457.

27 SETZER, Joana. Panorama do princípio da precaução: o direito do ambiente face aos novos riscos e incertezas. Dissertação (Mestrado em Direito) - Uni-versidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

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mas de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibra-do, perpassando, inclusive, por assuntos tão latentes e pre-sentes da rotina diária da sociedade capitalista: o consumo.

O aumento do número de normas regulando as maté-rias ambientais também demonstra que a preocupação em regulamentar os mecanismos de proteção ambiental é obje-tivo almejado pelos Estados.

Juntamente com essa mudança de paradigma, deve-se reconhecer a vitória do direito ambiental quanto ao reconhe-cimento do princípio da precaução como um dos seus prin-cípios mais importantes, servindo como balizador de riscos das atividades humanas, trazendo para o presente a necessi-dade de atitudes para preservar situações futuras.

Referências

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Consumismo sustentável: uma busca necessária para um

futuro viável

Marcos Vinicius Viana da Silva*

Introdução

O presente estudo versa sobre a sociedade moderna, também denominada de “hiperconsumista”, termo utilizado por diferentes autores, entre os quais Jorge Reis, que pro-cura estudar a relação entre o consumo desenfreado e as suas implicações na sustentabilidade. Para tanto, procura-se compreender o ritmo de consumo atual e a viabilidade da sua manutenção no futuro no âmbito mundial. A priori, o que se tenta demonstrar é que somente na lógica de um con-sumo sustentável o futuro da humanidade poderá ocorrer de forma menos traumática, principalmente pela diminuição dos riscos ao meio ambiente.

Inicialmente, analisam-se os conceitos operacionais de consumo, consumismo e sustentabilidade, a fim de estabe-lecer o nexo da sociedade moderna e sua estreita relação com o consumo. Num segundo momento, serão elencados os momentos históricos que contribuíram para a construção

* Acadêmico do VI nível do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Estagiário da Cátedra Jean Monnet de Integração Europeia.

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do consumismo no estágio em que hoje se encontra; por ter-ceiro, elenca-se a concentração de consumo mundial e como em determinados países a busca pela sustentabilidade deve ocorrer de maneira mais urgente que em outros.

Modernidade consumista e sustentabilidade

Cabe, como passo inicial deste trabalho, a elucidação do conceito de “consumismo”, palavra muito utilizada nos dias atuais. Ashley assegura: “O consumismo pode ser visto como um credo econômico e social que encoraja as pessoas a aspi-rar ao consumo, independente das conseqüências.”1 Nesse viés de idealidade, em que somente o novo interessa, é esta-belecido um pensamento pelo qual o antigo deve ser descar-tado na busca da maior modernidade tecnológica e muitas vezes pessoal.

Ainda sobre o conceito de consumismo, Canclini afirma:2

Estudos de diversas correntes consideram consumo como um momento do clico de produção e reprodução social: é o lugar em que se completa o processo iniciado com a geração de produtos, onde se realça a expansão do capital e se reproduz a força de trabalho. Sob este enfoque, não são as necessidades e os gostos individuais que determinam o que, como e quem consome. Ao se organizar para prover alimento, habitação, transporte e diver-sos aos membros de uma sociedade, o sistema econômico “pensa” como produzir a força de trabalho e aumentar a lucratividade dos produtos. Pode-se não estar de acordo com a estratégia, mas é inegável que as ofertas de bens e indução publicitária de sua compra não são atos arbitrários.

1 ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negócios. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 60.

2 CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: confl itos multicultu-rais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 54.

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O consumo é uma questão da natureza humana, an-tropológica, uma relação ligada à própria sobrevivência, se-gurança, bem-estar e dignidade. Traduz-se por uma parte indissociável do cotidiano humano.3 As relações de consumo são dinâmicas, uma vez que “contingências pela própria exis-tência humana, nascem, crescem e evoluem, representando como precisão, o momento histórico em que estão situadas”.4

O consumo humano ficou, historicamente, restrito a questões climáticas, logísticas e materiais, pelo menos até século VIII, conhecido como o início da Idade Média. Nesse período as sociedades feudais produziam apenas para o sus-tento familiar, dos nobres e do clero de cada castelo; even-tualmente, eram comercializadas pequenas quantidades de bens e mercadorias excedentes da safra. Esse processo era denominado “escambo”.

Com a evolução da agricultura, os feudos passaram a produzir quantidades maiores de alimentos, os quais eram trocados em outras localidades, surgindo, assim, os primei-ros burgos, vilas voltadas ao comércio dos excedentes. Essas aglomerações de comerciantes foram fundamentais para a criação de uma sociedade comercial, cujo destino natural foi a expansão das fronteiras em busca de diferentes mercado-rias e mercados consumidores, apenas possível com a redes-coberta da via marítima para novos mercados.

Foi, no entanto, a partir da Revolução Industrial que a sociedade mudou sua visão de forma mais radical tanto so-bre a produção quanto sobre o consumo em si. Abandonou-se um modelo pré-moderno, no qual a subsistência era a prin-cipal função da atividade laboral humana, podendo ocorrer eventuais trocas com excedentes, passando-se para uma

3 REIS, Jorge Renato dos. Educação para o consumo. Curitiba: Multideia, 2011. p. 88.

4 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.

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fase considerada moderna, caracterizada pelo “surgimento do homo consumator, ou seja, o homem que busca consumir bens de forma a levá-lo à sofisticação e ao destaque social”.5

Sobre a alteração do Estado e da sociedade na passagem do pré-modernismo para o modernismo, Bauman afirma: “O mundo da modernidade líquida caracteriza-se pala transi-ção da sociedade de produtores para uma sociedade de con-sumidores – em que homens e mulheres, velhos e jovens, se transformam em uma verdadeira raça de devedores.”6

Pouco a pouco, a partir da Revolução Industrial, as pro-duções deixaram de ser artesanais e começaram a ser efetua-das em larga escala. Ao mesmo passo, o êxodo rural gerou um aumento populacional gigantesco para a época, dando origem às cidades e, por consequência, a maior quantidade de consumidores em locais específicos, facilitando o processo de comercialização, já que a logística para a entrega do pro-duto era menor.

O modelo de produção em série teve uma expansão mui-to elevada na passagem do século XIX para o XX, o que ocor-reu em razão do modo de produção, como o fordismo. Foi, no entanto, durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial que as tecnologias evoluíram de maneira mais rápida, cul-minando com o surgimento de tecnologias de ponta, do for-talecimento da informática e das telecomunicações.7 Esses fluxos econômicos deram início a uma nova ciência, conhe-cida como “economia”, com princípios e conceitos próprios, cujo início pode ser creditado à obra A riqueza das nações, de Adam Smith, pensador que, entre outros ensinamentos, legou o princípio da “lei da oferta e da procura”.

5 REIS, Educação para o consumo, 2011. p. 29.6 BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citlali Rovurosa-Madro-

zo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.7 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São

Paulo: Saraiva, 2009. p. 3.

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Acompanhando essa organização liberal da sociedade, paulatinamente se construiu um Estado capitalista, basea-do, para sua sobrevivência, no aprofundamento das relações de consumo. Como contrapartida a esse tipo de sociedade, os marxistas advogam o fim da sociedade capitalista e a troca por uma sociedade socialista.8

O século XX, ao menos até o final da década de 1980, aprofundou tanto a construção de um mundo liberal capi-talista como a sua divergência com uma sociedade socialis-ta. A queda do muro de Berlim representa o fim do sonho socialista e, no dizer de Fukuyama,9 “o fim dos tempos”. A hegemonia capitalista no final do século XX e início do XXI caracterizou-se por uma intensa relação de troca entre as nações, não mais como Estados nacionais plenos, mas, sim, como Estados corporativos, onde o conceito de corporação é o da defesa primordial dos interesses do capital.

No momento em que consumir as novidades de um mun-do globalizado passa a se tornar o ponto fundamental da vida em sociedade, o consumir deixa de estar voltado para as necessidades e torna-se um fato para a inserção em deter-minado grupo social, dessa maneira se consumindo cada vez mais. Nesse sentido, a sociedade entra num ciclo vicioso, no qual para saciar um consumo interminável trabalha-se para consumir e consome-se para trabalhar.

Sobre o consumo voltado ao ego, ao status social, não mais um consumo por necessidade, o escritor Lipovetisky afirma:10 “Desde os anos 1980, as novas elites do mundo eco-nômico alardeiam sem complexos seus gostos pelos produ-tos pelos produtos de luxo e pelos símbolos de posição social

8 MARX, Karl. O capital: crítica a economia política. 2. ed. São Paulo: Abril Cultura, 1985.

9 FUKUYAMA, Francis. Construção de estados: governo e organização do sé-culo XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

10 LIPOVETSKY, Gilles. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das mar-cas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 51.

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[...]. O esnobismo, o desejo de parecer rico, o gosto de brilhar, a busca pela distinção social pelos signos demonstrativos, tudo isto está longe de ter sido enterrado pelos últimos de-senvolvimentos da cultura democrática e mercantil.”

Nessa sociedade consumista novas habilidades torna-ram-se necessárias e novos ramos de atividade acabaram por surgir, como marketing, publicidade, psicologia do con-sumo, além de obras voltadas para a autoajuda, preconiza-doras da superioridade do ter em relação ao ser.

Milton Santos11 também observa em sua obra que os consumidores deixam de ser moldados por suas necessida-des e começam e escolher seus produtos pela imposição em-presária implícita no mercado. “Também o consumo muda de figura ao longo do tempo. Falava-se antes, de autonomia de produção, para significar que uma empresa, ao assegurar uma produção, buscava também manipular a opinião pela publicidade. Nesse caso, o fato gerador do consumo seria a produção. Mas, atualmente, as empresas hegemônicas pro-duzem o consumidor mesmo antes de produzir os produtos.”

A base da produção dessa sociedade de consumo se dá com bens naturais não renováveis, o que traz em si, implici-tamente, a discussão sobre os limites desses recursos, prin-cipalmente quando se analisa a relação entre consumo e re-novação desses mesmos bens.

Em meados da década de 1970 surgiram algumas preo-cupações com relação ao rápido desenvolvimento e susten-tabilidade, porém em 1992, na Conferência Rio-92, o termo “sustentabilidade” ganhou forma e força, sendo trabalhado em âmbito mundial.

11 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento única a cons-ciência universal. 18. ed. São Paulo: Record, 2009. p. 48.

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Sustentabilidade significa sobrevivência, entendida como a pe-renidade dos empreendimentos humanos e do planeta. Por isso, o desenvolvimento sustentável implica planejar e executar ações – sejam elas de governos ou de empresas, sejam elas locais, na-cionais ou globais – levando em conta, simultaneamente, as di-mensões econômica, ambiental e social. Mercado + sociedade + recursos ambientais: esta é a chave para a boa governança. Não é tarefa simples, pois exige radical mudança de mentalidade. O setor empresarial moderno tem evoluído rapidamente nesse sen-tido, impulsionado em grande medida pelos desejos e tendências dos consumidores, que cada vez mais recorrem aos valores da ci-dadania, como ética, justiça e transparência, para tomarem suas decisões de compra.12

Outro paradoxo da modernidade diz respeito ao rápido avanço das tecnologias, na sua maioria consumidoras de re-cursos naturais, mas em um caso específico, o da tecnologia em saúde. O avanço humano nessa área tem proporcionado uma maior longevidade e qualidade de vida, o que, para o planeta, representa mais consumo por mais tempo.

Na sequência seguem gráficos distintos. No primeiro são demonstradas a taxa de natalidade mundial e sua rela-ção em países de diferentes referências no que tange à qua-lidade de vida.

12 Conceito retirado da Confêrencia Mundial do Meio Ambiente de 1992, tam-bém conhecida como Rio 92. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/ecologia/eco92.html. Acesso em: 31 jul. 2010.

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Fonte: Banco Mundial.13

Figura 1: Taxa de fertilidade

A Figura 1 traz três panoramas diferenciados: os paí-ses considerados de Primeiro Mundo (representados pela Alemanha) já se encontram em número negativo de natali-dade, que vem diminuindo a cada geração, fato decorrente de a mulher ter entrado no mercado de trabalho, do preço de manutenção das crianças, entre outros; no Brasil o cres-cimento também vem se reduzindo, fato que pode decorrer especialmente do aumento do nível educacional das famílias e, assim, da mudança de sua mentalidade quanto à função dos filhos dentro da sociedade. Nos países mais pobres, re-presentados pelo Congo, não somente as taxas são bem mais elevadas, mas também a preocupação com uma boa quali-dade de educação, alimentação com a infância encontra-se em segundo plano em relação à necessidade de mão de obra para o sustento familiar.

13 Dados fornecidos pelo Banco Mundial e armazenados em planilhas específi -cas elaboradas pela vertente de pesquisa da empresa Google. Disponível em: http://www.google.com.br/publicdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

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Fonte: Banco Mundial.14

Figura 2: Expectativa de vida

Em contrapartida, as taxas de expectativa de vida elevam-se a cada ano. Atualmente os países desenvolvidos começam a possuir médias de mortalidade próximas ou su-periores a oitenta anos; os demais países também têm suas taxas aumentadas de maneira relevante, aumentando, as-sim, a preocupação com a sustentabilidade do planeta em vista de um crescimento contínuo.

A Figura 3 serve para evidenciar os dados do primeiro e do segundo, trazendo o produto interno bruto dos diferentes países da Figura 1, evidenciando, assim, a disparidade na arrecadação anual desses.

14 Dados fornecidos pelo Banco Mundial e armazenados em planilhas específi -cas elaboradas pela vertente de pesquisa da empresa Google. Disponível em: http://www.google.com.br/publicdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

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Fonte: Banco Mundial.15

Figura 3: Produto interno bruto

Níveis mundiais e a disparidade na diferença do consumo

Com a Revolução Industrial do século XVIII, a Europa iniciou o processo de produção em massa e de consumo, como é conhecido nos dias atuais. Sua hegemonia em matéria de economia foi dominante até as duas grandes guerras; após, surgiram outras lideranças em âmbitos mundiais. Esses países, juntamente com os da Europa, são denominados de “desenvolvidos”, concentrando-se neles o maior consumo de energia, entre outros meios de produção.

Uma das formas mais práticas de se estabelecer uma relação entre o aumento do consumo e a atividade humana é a análise de gráficos do consumo de energia. Praticamente todas as atividades humanas necessitam, em maior ou me-nor grau, de algum tipo de consumo energético, principal-mente do elétrico.

15 Dados fornecidos pelo Banco Mundial e armazenados em planilhas específi -cas elaboradas pela vertente de pesquisa da empresa Google. Disponível em: http://www.google.com.br/publicdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

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Seguem figuras que mostram o consumo de energia per capita em diferentes países do mundo, buscando elencar na-cionalidades de diferentes referenciais monetárias e de de-senvolvimento.

Fonte: Banco Mundial.16

Figura 4: Consumo de eletricidade per capita

Apesar de os gráficos evidenciarem um aumento cons-tante de consumo de energia elétrica, mostram que existe uma grande disparidade entre o consumo dos países do Pri-meiro Mundo em relação aos do mundo subdesenvolvido. Se-gue uma mostra de consumo de energia em âmbito mundial no ano de 2007.

16 Dados fornecidos pelo Banco Mundial e armazenados em planilhas específi -cas elaboradas pela vertente de pesquisa da empresa Google. Disponível em: http://www.google.com.br/publicdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

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Fonte: Anaeel.17

Figura 5: Consumo de energia elétrica per capita em 2007

A Figura 5 mostra de forma clara que o maior consu-mo se concentra nos países desenvolvidos, especificamente nos Estados Unidos da América, Canadá; no Oriente Médio, para o refinamento do petróleo, e um pouco menos intenso na Austrália, Rússia e Europa Ocidental.

A preocupação que surge é de que os trinta países desen-volvidos que compõem a Organização para Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE) estão produzindo propostas e atividades a fim de diminuir o consumo; em contrapartida, os países em desenvolvimento, vivenciando os primeiros anos de uma modernização tecnológica e uma economia diversifi-cada, aumentaram o consumo em cerca de 100% nas últimas três décadas.18 Portanto, pode-se afirmar que os interesses em relação a questões voltadas ao consumo de energia, que são apenas uma parte de um todo, visto que o consumo de energia é unicamente uma face mais clara da qual se pode comprovar uma sociedade consumista, são vistos de forma diferente pelos países desenvolvidos e pelos em desenvolvimento.

17 Disponível em: http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par1_cap2.pdf. Acesso em: 25 jul. 2011.

18 Disponível em: http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par1_cap2.pdf. Acesso em: 25 jul. 2011.

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Outro fato possível de ser evidenciado com a leitura da figura e fontes complementares é que os países que passa-ram seu período de pico de crescimento durante o século XX têm o seu consumo estabilizado, podendo planejar, em longo prazo, medidas de diminuição do consumo a fim de melho-rar a relação de consumismo e sustentabilidade. Porém, essa realidade não pode ser encontrada em países em pleno de-senvolvimento, como o Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul (BRICS). Além de uma economia em franco desen-volvimento, décadas de baixo poder aquisitivo da população levam a uma realidade de consumo intenso, na qual a defesa de princípios de sustentabilidade é vista em muitos casos como um discurso antinacional.

Concentrando a maior renda em relação à distribuição de seus habitantes estão os países do Oeste e Norte europeu, com valores variando na casa de 50 a 100 mil dólares/mês. Em contrapartida, no outro lado da mesma tabela se encon-tram vários países africanos, onde a média de renda mensal é de 150 dólares. Com relação a esses dados, cabem várias reflexões, além das relacionadas à própria disparidade entre a distribuição de dinheiro no planeta, como a de se poder exigir de um país como Burundi ou República do Congo que pensem em consumo sustentável na medida em que a média do recebimento salarial, a junção dos valores entre os mais ricos e mais pobres (valor brasileiro – 8.114 dólares = 12.171 reais), não passa de 225 reais por pessoa.19

De forma lógica, a renda reflete no cotidiano: enquanto os europeus, já vistos anteriormente como detentores de ren-das maiores, possuem cerca de 90% da população com aces-so à internet, veículo de comunicação que vem crescendo de forma extremamente rápida nos últimos anos, seu vizinho continente Africano conecta-se com taxas em certos países menores que 1% do total da população.

19 Informações disponíveis no site do IBGE, em sua planilha de informações mundiais. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php. Acesso em: 31 jul. 2012.

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Tabela 1: Índices em porcentagem de acesso à internet per capita no mun-do20

País Índice % País Índice %Islândia 95 Libéria 0.07Noruega 93.39 Timor Leste 0.21Holanda 90.72 R. Congo 0.72Luxemburgo 90.62 Etiópia 0.75Suécia 90 Nigéria 0.83

Para elucidar a Tabela 1, a Figura 6, com os países an-teriormente trabalhados, traz de forma gráfica a situação de disparidade em que se encontram as potências, os países em desenvolvimento e os que ainda engatinham em nível mundial.

Fonte: Banco Mundial.21

Figura 6: Usuário da internet como porcentagem da população

Para exemplificar a referência acima no que se refere ao aumento de renda per capita e ao consumo de internet

20 Informações disponíveis no site do IBGE, em sua planilha de informações mundiais. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php. Acesso em: 31 jul. 2012.

21 Dados fornecidos pelo Banco Mundial e armazenados em planilhas específi -cas elaboradas pela vertente de pesquisa da empresa Google. Disponível em: http://www.google.com.br/publicdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

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e outros meios de comunicação etc. seguem os números do aumento do consumo de energia no Brasil, dados não dife-rentes dos parâmetros em nível mundial:

Sobre o impacto que esses ciclos de expansão econômica têm so-bre o consumo local de energia, o Brasil tem exemplos clássi-cos. O primeiro ocorreu no ano de 1994, quando o Plano Real, ao conter a inflação e estabilizar a moeda, permitiu o aumento abrupto de renda da população. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS, órgão que coordena a operação integrada da geração e transmissão de energia elétrica na maior parte do país), a expansão do consumo de energia elétrica deu um salto de 4,55 % em 1994 e de 6,41% no ano seguinte, em função do aumento de vendas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Além disso, em 2006 e 2007, o aquecimento econômico, com conseqüen-te geração de empregos, aliado à estratégia setorial de dilatação dos prazos de financiamento, beneficiou, entre outros, o setor au-tomobilístico, que registrou volumes recordes de vendas de au-tomóveis – o que também pressionou o consumo de combustíveis como gasolina e etanol.22

Assim como ocorre com a energia elétrica, o consumo de bens, de forma geral, passa pelos mesmos patamares em uma sociedade capitalista, onde as engrenagens do capital existem enquanto houver consumo.

Ficou comprovado com as leituras da localização e quan-tidade de consumo de energia nos diferentes países no mun-do que os países considerados de Primeiro Mundo acabam consumindo de maneira bastante superior em relação aos demais. Essa informação traz, implicitamente, uma conclu-são lógica: quanto mais capital uma determinada sociedade possui, mais estará voltada ao consumo. Esse fato represen-ta um segundo paradoxo, ou seja, quanto mais aumentar a renda da população, mais se acentuará o consumismo; por consequência, mais riscos haverá para a sustentabilidade. Comprova-se o que foi afirmado tendo-se por base os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

22 Disponível em: http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par1_cap2.pdf. Acesso em: 25 jul. 2011.

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Fonte: IBGE.23

À medida que as classes sociais brasileiras considera-das de menor renda – C, D e E – começam a receber melho-res salários, a busca por investimentos e consumo aumenta de forma natural. Conforme a planilha acima, como o quarto trimestre de 2008 sofreu a crise mundial da quebras das bol-sas, os mais ricos, receosos, e com investimentos não reali-zaram muitas movimentações de capital. Em contrapartida, com os incentivos do governo para outras classes moverem a economia a busca pela moradia aumentou em níveis supe-riores a 100%.

Pelo que foi afirmado anteriormente, parece claro que só é possível resolver a questão da dicotomia entre consu-mo e sustentabilidade se forem solucionados os paradoxos elencados. Com o aumento da tecnologia e da expectativa de vida gera-se, indubitavelmente, maior consumo per capita ao longo do tempo. Entende-se ser prioritário que boa parte

23 Informações disponíveis no site do IBGE, em sua planilha de informações mundiais. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php. Acesso em: 31 jul. 2012.

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do esforço tecnológico a ser despendido nos anos que virão deva ser concentrada em encontrar tecnologias que aumen-tem a produtividade da economia e da produção como um todo sem que se ataque o meio ambiente.

Por outro lado, a prática capitalista, obrigatoriamente, terá de ser revista, pois é improvável que haja qualquer pos-sibilidade de retorno para a humanidade se esta não enten-der que sua sobrevivência não pode estar associada a um consumo irresponsável, mas, sim, estabelecer novos parâ-metros éticos de consumo, que sejam capazes de encontrar o equilíbrio entre oferta e procura, procurando estar baseada em necessidades reais, não em necessidades artificialmente construídas.

Em relação ao segundo paradoxo, de certa forma passa a ser resolvido a partir da solução do primeiro, ou seja, se for inevitável que a renda dos mais pobres aumente para que se tenha uma sociedade mais justa, é imperioso que esse aumento se desdobre segundo uma nova ética de consumo, que passe a chamar de “consumo eticamente sustentável”.

Com dados como os acima elencados e as suas dispari-dades, não cabe a exigência da preocupação elevada com um futuro sustentável quando o presente já não é. Nos países onde a qualidade de vida atingiu patamares mais elevados, a economia já pode iniciar um processo na busca por um cres-cimento contínuo, porém de forma mais lenta e preo cupada com os dias que virão; por sua vez, em países que ainda bus-cam essa qualidade ainda existe certo esquecimento com re-lação à sustentabilidade dos meios de produção, justificado pelo estado em que se encontram.

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Iniciativas da União Europeia para o consumo sustentável

A União Europeia, preocupada com o consumo sustável, buscou nos últimos anos investimentos nas mais diferentes áreas para implantar maneiras menos poluentes na geração de energia, atualmente baseada na queima de combustíveis fósseis altamente prejudiciais para a camada de ozônio e de demorada renovação, bem como a adesão de medidas educa-tivas e internacionais para a redução do consumo e da de-gradação.

Pode-se nominar como importante passo para a busca europeia para sustentabilidade a adesão do Protocolo de Kyoto: “Em Kyoto, Japão, é assinado o Protocolo de Kyoto, um novo componente da Convenção, que contém, pela pri-meira vez, um acordo vinculante que compromete os países do Norte a reduzir suas emissões. Os detalhes sobre como será posto em prática ainda estão sendo negociados e devem ser concluídos na reunião de governos que se realizará entre 13 e 24 de novembro deste ano em Haia, Holanda. Essa reu-nião é conhecida formalmente como a COP6 (VI Conferência das Partes).”24

Dentre outros objetivos principais deste tratado se res-salta: “Compromete a uma série de nações industrializadas (Anexo B do Protocolo) a reduzir suas emissões em 5,2% – em relação aos níveis de 1990 – para o período de 2008-2012. Esses países devem mostrar ‘um progresso visível’ no ano de 2005, ainda que não se tenha chegado à um acordo sobre o significado desse item.”25

24 Informações disponíveis nos documentos ofi ciais da Convenção Instituidora do Protocolo de Kyoto. Disponível em: http://www.greenpeace.org.br/clima/pdf/protocolo_kyoto.pdf. Acesso em: 31 jul. 2011.

25 Informações disponíveis nos documentos ofi ciais da Convenção Instituidora do Protocolo de Kyoto. Disponível em: http://www.greenpeace.org.br/clima/pdf/protocolo_kyoto.pdf. Acesso em: 31 jul. 2011.

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Especificamente no que tange à União Europeia, o acor-do foi ratificado em 29 de abril de 1998 em nome de toda a comunidade, tornando-se vinculante aos novos membros. O trato original ficou conhecido como “Convenção-Quadro”, porém dentro da própria UE as médias tomadas para cada país foram diferentes. Os Estados que eram membros da UE antes de 2004 terão de reduzir, em conjunto, as suas emis-sões de gases com efeito de estufa em 8% entre 2008 e 2012. Por sua vez, os Estados membros que aderiram à UE após essa data comprometeram-se a reduzir as suas emissões em 8%, à exceção da Polônia e da Hungria (6%), bem como de Malta e Chipre, que não estão enumerados no Anexo I da Convenção-Quadro.26

Pelos benefícios que esse tratado trouxe, apesar de não ser assinado por todos os países do mundo, representa um marco histórico na busca para frear o consumismo em que se encontram as economias mundiais. Além de sua reflexão direta sobre o menor desperdício na produção e busca por novas tecnologias, proporciona aos países subdesenvolvidos venderem taxas de produção de compensação de missão de carbono. “Com o intuito de reduzir os efeitos lesivos ao am-biente, que ocorre devido à emissão de gases do efeito estufa (monóxido de carbono, gás metano, hexafluoreto de enxofre, etc.), houve um consenso internacional que viabiliza ameni-zar essas emissões, sem que com isso se prejudique a econo-mia nacional de nenhum país envolvido: foi criado então a ‘moeda’ chamada créditos de carbono.”27

Além da redução industrial, precauções foram tomadas pelas diretrizes europeias na busca pela redução do consu-

26 Informações disponíveis no site ofi cial da União Europeia e suas diretrizes. Disponível em: http://europa.eu/legislation_summaries/environment/ta-ckling_climate_change/l28060_pt.htm. Acesso em: 31 jul. 2011.

27 As informações disponíveis sobre o comércio de carbono em nível mundial foram obtidas. Disponível em: http://www.brasilescola.com/quimica/classifi -cacao-carbono.htm. Acesso em: 31 jul. 2011.

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mo. Foram elaboradas cartilhas para os países membros da EU contendo medidas educacionais voltadas à conscientiza-ção do consumo exagerado e suas consequências planetárias.

Segue na sequência a tradução de seis normas dentre tantas apresentadas pela cartilha juvenil da sustentabilida-de da União Europeia: 1. Compre apenas o que e quando você precisar; 2. Se o produto adquirido não funcionar, de-volva e não acumule itens desnecessários; 3. Busque sempre consumir alimentos com selos de qualidade; 4. Faça compa-rações para buscar os melhores valores, mas busque sempre o meio-termo entre sustentabilidade e custo; 5. Quando os produtos adquiridos não condizerem com os selos de sus-tentabilidade que apresentam, reclame às autoridades; 6. A busca pela sustentabilidade não para quando você está de férias.

Um futuro necessário

Como trabalhado nos títulos anteriores, o mundo pos-sui um limite de recursos a serem esgotados em relação a sua própria regeneração, mas durante muitas décadas esse lastro de tempo necessário não foi respeitado. Atualmente são necessários um freio e medidas mais enérgicas nos paí-ses em que o desenvolvimento já alcançou patamares mais elevados em nome dos menos favorecidos, a fim de que no futuro todos, não necessariamente no mesmo nível, possuam as mínimas condições para uma qualidade de vida humana.

A partir do momento em que todos se encontrarem em níveis de desenvolvimento razoavelmente equivalentes, po-dem ser interpostas medidas em âmbito mundial para um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Dessa maneira poderá ocorrer o contínuo desenvolvimento de todos, não de alguns em detrimentos de outros.

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A produção de alimentos, se somada a de todos os paí-ses, é suficiente para que sejam supridas a fome e a necessi-dade alimentar de todas as pessoas na Terra. Porém, como o desenvolvimento, a renda e o consumismo se encontram em diferentes patamares, dependendo da localidade, muitos morrem de fome, ao passo que outros ficam cada vez mais obesos.

Referências

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ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negó-cios. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

BANCO MUNDIAL. Disponível em: http://www.google.com.br/publi-cdata/explore. Acesso em: 31 jul. 2012.

BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citlali Rovurosa-Madrozo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multi-culturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.

FUKUYAMA, Francis. Construção de estados: governo e organização do século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

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LIPOVETSKY, Gilles. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

MARX, Karl. O capital: crítica a economia política. 2. ed. São Paulo: Abril Cultura, 1985.

NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

REIS, Jorge Renato dos. Educação para o consumo. Curitiba: Multi-deia, 2011.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento única a consciência universal. 18. ed. São Paulo: Record, 2009.

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A sustentabilidade através da publicidade e sua regulamentação

pela legislação consumerista

Rogerio da Silva*

Henrique Caimi Ribeiro**

O presente capítulo tem como finalidade discutir os meios pelos quais o Código de Defesa do Consumidor con-tribui para uma cultura de sustentabilidade. Em face disso, considerando a atual existência de uma sociedade de consu-mo de massa, em que se estimula a produção do descartável, toda e qualquer ação consumista pressupõe impactos dire-tos ao meio ambiente. Mudar esse modo de produção não é tarefa apenas de governos, mas também da sociedade, que necessita de conscientização a fim de assumir sua parcela de responsabilidade para, assim, contribuir efetivamente para a implantação de práticas de consumo sustentável. Logo, em uma sociedade de consumo de massa, a oferta e a publicida-de destacam-se na medida em que tornam viável a criação do desejo de consumo, principalmente em face da ausência de políticas públicas de educação para o consumo. Ao lon-go de mais de vinte anos, portanto, obtiveram-se conquistas

* Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2008). Professor da Universidade de Passo Fundo. Coordenador de Extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo. Coordenador do Projeto Balcão do Consumidor. Integrante do Conselho Municipal dos Direitos do Consumidor.

** Acadêmico do IX do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo.

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A sustentabilidade através da publicidade e sua regulamentação pela legislação 168

importantes na ótica legislativa; todavia, na prática, cotidia-namente surgem novos desafios a fim de implantar, definiti-vamente, a educação para o consumo.

A Constituição e a defesa do consumidor

Em decorrência da mobilização social existente na épo-ca da elaboração da Constituição Federal de 1988, foi inseri-da pelo legislador constituinte a defesa do consumidor no rol de direitos e garantias fundamentais, especificamente no ar-tigo 5º, inciso XXXII.1 Trata-se, portanto, de cláusula pétrea, que não poderá ser alterada. A Constituição faz menção, em vários momentos, à defesa dos direitos do consumidor.

Nesse sentido, a elaboração de um Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) foi possível em face da vi-gência do artigo 48 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, que fixou, inclusive, um prazo de 120 dias para sua redação. Sem dúvida, tal codificação se afigura como uma inovação do legislador e grande vitória da sociedade brasileira, uma vez que em 11 de setembro de 1990 a lei nº 8.078 foi sancionada, criando normas de proteção e defesa do consumidor.

Para tanto, a lei brasileira teve influência da legislação de 14 países, entre eles Estados Unidos, Canadá, México, Espanha e Portugal. Com essas contribuições foi possível apresentar uma proposta de cunho multidisciplinar, além de um microssistema jurídico no qual se encontram inseridas questões de direito constitucional, civil, penal, processual civil, processual penal e administrativo, tendo como foco a vulnerabilidade do consumidor. Em razão disso, o Código de Defesa do Consumidor dispensa tratamento desigual aos de-

1 Artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988: “O Estado promo-verá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”

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Rogério da Silva, Henrique Caimi Ribeiro 169

siguais, buscando estabelecer o equilíbrio nas relações jurí-dicas de consumo.

O CDC é uma lei principiológica que, na definição de Rizzatto Nunes, entende-se como aquela “que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos um corte horizontal, indo no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que também es-teja regrada por outra norma jurídica infraconstitucional” (2004, p. 65-69).

Com relação ao meio ambiente, percebe-se sua relevân-cia na medida em que o legislador constituinte lhe reservou um capítulo inteiro, através do artigo 225, caput2 e pará-grafos. Frisa-se que as constituições anteriores não fizeram nenhuma referência específica ao tema, e essa atitude numa época em que o país saía de um período de regime militar foi considerada um grande avanço, merecendo destaque espe-cialmente da comunidade internacional. Ao longo do texto constitucional são encontrados vários outros dispositivos de-dicados à proteção ambiental de forma direita ou indireta. É o caso do capítulo que trata dos princípios gerais da ati-vidade econômica, mais especificamente no artigo 170, onde a defesa do consumidor e a proteção ao meio ambiente são elencadas com igualdade, assim como a propriedade privada e a livre concorrência. Diante disso, percebe-se que o Estado assumiu, juntamente com a sociedade, a responsabilidade com relação à administração do meio ambiente.

Para Schonardie, “embora as normas constitucionais referente ao meio ambiente não constituam um todo comple-to, perfeito e acabado, expressão uma base mínima legal a ser observada, capaz de assegurar a proteção legal do meio ambiente” (2005, p. 24).

2 Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

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A sustentabilidade através da publicidade e sua regulamentação pela legislação 170

Proteger o meio ambiente e, simultaneamente, o consu-midor não tem sido tarefa fácil, haja vista que a defesa de um está umbilicalmente ligada à do outro; logo, ao se esti-mular o consumo, agride-se a natureza. No Brasil esse im-pacto pode ser considerado ainda mais preocupante, já que milhões de pessoas passaram a ter acesso ao consumo, con-tudo não estão devidamente preparadas para essa relação. Desse modo, originam-se conflitos em dois eixos: consumo e sustentabilidade. Para Leal:

A chamada moderna sociedade de consumo tem se caracterizado pela expansão violenta do capitalismo e suas mutações organi-zacionais (industrial, monopolista, especulativo, etc.), desde a produção em série, passando pela mecanização do processo pro-dutivo, pelo desenvolvimento dos métodos e técnicas de venda, publicidade e propaganda – acompanhados de estratégias agres-sivas de venda –, o que redundou na explosão do consumo e do crédito, gerando cadeias complexas e muito ágeis de circulação dos produtos, aumento concentrado da riqueza e diversidades de opções aos consumidores (2010, p. 163).

As ações da sociedade de consumo estão fortemente baseadas na publicidade, que tem como objetivo captar a atenção do público a fim de criar a necessidade de consumo de determinado produto ou serviço, levando a que aumente o faturamento de quem faz o investimento. Pontua-se que ninguém é obrigado a utilizar as técnicas de marketing, mas numa sociedade de consumo de massa, quem não o fizer es-tará praticamente condenado ao fracasso. Marcelo Gomes Sodré (2007) afirma que uma sociedade de consumo é aque-la que tem fundamento em relações econômicas capitalistas, nas quais estejam presentes, pelo menos, cinco externalida-des: (i) produção em série de produtos; (ii) distribuição em massa de produtos e serviços; (iii) publicidade em grande escala no oferecimento dos mesmos; (iv) contratação de pro-dutos e serviços via contratos de adesão; (v) oferecimento generalizado de crédito direto ao consumidor. Não resta ne-

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nhuma dúvida de que esses cinco elementos estão presentes na sociedade brasileira.

O estímulo ao consumismo reflete-se no meio ambiente, que se torna cada vez mais fragilizado diante dos argumen-tos da necessidade de fazer girar a economia. Para Bauman (2008, p. 51), “a economia consumista se alimenta do movi-mento das mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isto acontece, alguns produtos de consumo estão viajando direito para o depósito de lixo”, ou seja, diante do atual modelo, produtos se tornam obsoletos antes mesmo de entrar no mercado. Todo custo que houve para a produção, bem como o descarte, é sentido pela natureza. Baudrillard reforça: “Todas as so-ciedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumi-ram sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas vi-ver. Tal consumo pode chegar até à consumição, à destruição pura e simples, que assume uma função social específica” (2010, p. 40).

À medida que a sociedade consome mais do que necessi-ta, abre-se a discussão de por quanto tempo o meio ambiente vai resistir a essa carga. Percebe-se, pelos desastres ocor-ridos, que já existem sinais evidentes de que o planeta não suporta mais o atual modelo. Milhares de pessoas morrem e milhões de dólares são gastos no sentido de tentar amenizar aquilo que foi agredido ao longo de décadas.

Nesse sentido, passa-se a analisar o papel da oferta e da publicidade conforme as regras do Código de Defesa do Consumidor e a sua relação com a sustentabilidade.

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Sustentabilidade e publicidade

A partir do momento em que a Constituição Federal de 1988 alçou o direito do consumidor e a defesa do meio am-biente à condição de princípios da ordem econômica, não há como se falar de um sem mencionar o outro. Nesse contexto, é oportuna a análise de como a publicidade, meio de aproxi-mação e oferta de produtos aos consumidores, influencia na prática de um consumo sustentável.

Conforme referem Fiorillo e Rodrigues, o consumo, numa ótica eminentemente econômica, estabelece uma com-plexa relação de interdependência com o meio ambiente.

Em particular o direito ao ambiente natural e o respeito às bele-zas monumentais, o direito à saúde e à segurança social, o direito de não ser esmagado por um caótico desenvolvimento urbanísti-co, por uma enganosa publicação comercial, por fraude financei-ra, bancária alimentar, ou por discriminações sociais, religiosas ou raciais, todos estes direitos que nunca foram colocados em qualquer legislação progressista, têm caráter difuso, pertencem à coletividade. A reação mundial para este problema (e aí se en-contra toda a política ambiental), na verdade, é com o intuito de não só salvar o meio ambiente degradado em todas as suas for-mas, mas também para salvar o próprio capitalismo, pois, se não houver um mínimo de qualidade de vida, ocorrerá uma debilita-ção da mão de obra trabalhadora (base do capitalismo) de forma a incapacitá-la para o trabalho, acarretando uma diminuição do poder de consumo e, portanto, em último caso, estes fatores am-bientais seriam peças determinantes para a falência do sistema econômico (1997, p. 40).

Pode-se observar que a manutenção da capacidade de consumo das massas, objetivo da publicidade, depende di-retamente da existência de um meio ambiente saudável, pois somente neste é possível um equilíbrio entre a oferta de produtos e o poder de consumo da sociedade. Igualmente, percebe-se que o direito ao meio ambiente pertence a toda a

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coletividade,3 não apenas àqueles que determinam as regras do jogo (sejam aqueles com o poderio econômico, sejam os publicitários, influenciadores de opinião), de modo que é ne-cessária uma política que objetive impor limites aos jogos de mercado. Além disso, sua liberdade não pode ser absoluta, sob pena de se infringirem mandamentos de ordem social em benefício de interesses econômicos.

Já em relação à publicidade, esse controle se justifica em razão de que, no que tange ao consumo, “na atualidade é a publicidade que exerce um papel fundamental, agindo direta e indiretamente no poder de escolha do homem” (Sar-reta, 2007, p. 147). Dessa forma e em virtude da consagra-ção dos interesses dos consumidores em nosso ordenamento, está superado o entendimento de que a publicidade é sim-ples forma de venda de produtos ou serviços, sem qualquer responsabilidade do anunciante. Inclusive, em âmbito in-ternacional, foi editada pela Comunidade Europeia direti-va sugerindo aos Estados membros a implantação de meios adequados para o controle da publicidade de produtos e ser-viços4 (Chaise, 2001).

Nesse sentido, o texto maior da República dá guarida ao consumidor enquanto receptor da publicidade ao introdu-zir princípios que orientem a conduta do publicitário, dan-do-lhe limites para a utilização desse instrumento (Nunes,

3 Nesse sentido é o artigo 225 da Constituição Federal, posto no capítulo re-ferente ao meio ambiente, dentro do título concernente à ordem social. As-sim dispõe o caput, in verbis: art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

4 Dispõe o artigo 1º da diretiva n. 84/450/CEE de 10 de setembro de 1984, emanada do Conselho Europeu: “The purpose of this Directive is to protect consumers, persons carrying on a trade or business or practising a craft or profession and the interests of the public in general against misleading ad-vertising and the unfair consequences thereof.” Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31984L0450:EN:HTML. Acesso em: 20 out. 2011.

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2005). Dispõe o inciso II do parágrafo terceiro do artigo 220 da Constituição Federal,5 em inovação legislativa sem prece-dentes, que a lei deve estabelecer meios legais que garantam aos cidadãos a possibilidade de se defenderem da propagan-da (entenda-se publicidade6) de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à sua saúde e ao meio ambiente.

No ordenamento infraconstitucional merecem destaque duas normas editadas para proteger o consumidor de práti-cas publicitárias abusivas, quais sejam, o Código de Defesa do Consumidor – lei nº 8.078/90 – e o Código de Autorregu-lamentação Publicitária, que, como o próprio nome indica, foi elaborado pelo setor publicitário, pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), tendo caráter vinculativo.

5 Art. 220. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a infor-mação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer res-trição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios le-gais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que pos-sam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. § 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujei-ta a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indireta-mente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade” (destacou-se).

6 De acordo com Valéria Falcão Chaise (2001), a diferença entre propaganda e publicidade reside em seus objetivos: enquanto aquela busca infl uenciar a opinião do interlocutor sobre certa ideologia, esta visa captar a atenção de potenciais consumidores para determinados bens ou serviços. Assim, pode-se dizer que a publicidade tem um viés comercial, ao passo que a propaganda tem um objetivo ideológico.

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Hodiernamente, a regulação imposta por essas regras assume vital importância no incentivo ao consumo sustentá-vel, tendo em vista a rápida diminuição da disponibilidade de recursos naturais e práticas consumeristas descontrola-das, inconscientes da escassez dos insumos de produção e da capacidade de reposição de matérias-primas pelo meio am-biente. Assim leciona José Geraldo Brito Filomeno:

Declarado pela Resolução ONU nº 153/1995, o chamado consumo sustentável exsurge como nova preocupação da ciência consume-rista. Com efeito, o próprio consumo de produtos e serviços, em grande parte, pode e deve ser considerado como atividade pre-datória dos recursos naturais. E, como se sabe, enquanto as ne-cessidades do ser humano, sobretudo quando alimentados pelos meios de comunicação em massa e pelos processos de marketing, são infinitas, os recursos naturais são finitos, sobretudo quan-do não renováveis. A nova vertente, pois, do consumerismo, visa exatamente a buscar o necessário equilíbrio entre essas duas realidades, a fim de que a natureza não se veja privada de seus recursos o que, em conseqüência, estará a ameaçar a própria so-brevivência do ser humano neste planeta (2007, p. 20).

Dessa forma, a publicidade deve, atualmente, ser equi-librada a ponto de manter o nível de consumo e desenvolvi-mento, preservando os recursos disponíveis na natureza a fim de garantir a perpetuação da própria lógica consume-rista, sendo nesse sentido que o ordenamento e as políticas públicas devem agir.

A lei nº 8.078/90 dispôs, ao caracterizar a publicidade abusiva, que qualquer mecanismo de oferta de produtos que incite o desrespeito a valores ambientais é proibido. Com isso, o legislador positivou a tutela do consumo sustentável no ordenamento infraconstitucional. Dispõe o art. 37, par. 2º, da referida lei: “Art. 37. É proibida toda publicidade engano-sa ou abusiva [...]. § 2 É abusiva, dentre outras a publi-cidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da

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deficiência de julgamento e experiência da criança, desres-peita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”

É importante salientar que a abusividade não diz res-peito, necessariamente, ao bem de consumo ou serviço ofe-recido, se este é prejudicial ao meio ambiente. O anúncio será abusivo se, de alguma forma, causar prejuízo ou cons-trangimento ao consumidor, ou, ainda, induzi-lo a condutas potencialmente danosas a si e à coletividade (Nunes, 2005). Portanto, como se observa, não é o produto ou serviço ofere-cido que caracteriza a abusividade, mas, sim, os efeitos po-tencialmente prejudiciais da publicidade ao meio ambiente e ao consumidor.

A previsão do artigo 37 do CDC, prevendo como abusiva a publicidade que enseje o desrespeito a valores ambientais, possui várias nuanças. Conforme refere Nunes (2005), o dis-positivo proíbe anúncios que estimulem, direta ou indireta-mente, a poluição de elementos naturais (ar, água, matas etc.), a poluição visual de cidades e cenários naturais, a po-luição sonora e a depredação e o desperdício de recursos na-turais. Sua interpretação, porém, deve ser extensiva. Devem ser entendidas como práticas que acarretam o desrespeito ao meio ambiente aquelas ofertas que estimulam o consumo desenfreado e irracional, que criam necessidades e expec-tativas desnecessárias nos consumidores e que contribuem para a manutenção de padrões insustentáveis de consumo.

Assim, cabe perguntar o que é o consumo sustentável. Para Lazzarini e Gunn (2002), essa é a integração de uma série de fatores-chaves, como o atendimento das necessida-des dos consumidores, o aumento do uso de fontes renová-veis de energia, a minimização da produção de resíduos e a perspectiva do ciclo de vida de produtos, visando à melhoria

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da qualidade de vida das populações e reduzindo, progressi-vamente, os danos ao meio ambiente.

A publicidade, tendo em vista seu alcance e sua capaci-dade de moldar comportamentos, deve contribuir para a im-plantação de padrões sustentáveis de consumo. O capítulo quatro da Agenda 21, documento emanado da Conferência Rio 92, prevê essa necessidade e traz mecanismos para a implantação de um consumo sustentável:

A Agenda reconhece que as principais causas de deterioração ininterrupta do meio ambiente são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados [...]. Os objetivos para esta questão são: (1) promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e aten-dam às necessidades básicas da humanidade e (2) desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se implementar padrões sustentáveis de recursos. As estratégias sugeridas são, entre outras, as seguintes: estimular o uso mais eficiente da energia e dos recursos; [...] a introdução de novos produtos ambientalmente saudáveis; usar o poder de compra dos governos para estimular padrões de consumo e produção ambientalmente saudáveis; [...] reforço aos valores que apóiam o consumo responsável através da educação, de programas de es-clarecimento público, publicidade de produtos ambientalmente saudáveis etc. (Barbieri, 2003, p. 97-98).

Da lição de José Carlos Barbieri (1997) pode-se depre-ender o crucial papel que a publicidade, nos termos do par. 2º do artigo 37 do CDC, tem na introdução de uma mentalidade de respeito aos valores ambientais na sociedade de consu-mo. O dever de respeitar os ideais ambientais é, portanto, a busca por um padrão de consumo sustentável que permita o atendimento das necessidades básicas do consumidor e o aproveitamento racional dos recursos, garantindo o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equili-brado.

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Dessarte, ao controlar a prática da publicidade, “o Có-digo de Defesa do Consumidor, com sua função social, é um instrumento capaz de, juntamente com o direito ambiental, propor alternativas sustentáveis ao meio em que vive a hu-manidade, oportunizando, dessa forma, o exercício da cida-dania” (Sarreta, 2007, p. 127).

Outro importante mecanismo de limitação da publicida-de abusiva em relação ao meio ambiente é o já referido Códi-go Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP). Elaborado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária em 1978, é um documento que institui princí-pios éticos e autodisciplina à publicidade no Brasil. Recente-mente modificado, o artigo 36 do CBAP regula os anúncios que envolvam o tema sustentabilidade e meio ambiente, a fim de evitar a indução em erro do consumidor e a banaliza-ção dos valores ambientais.

A publicidade deverá refletir as preocupações de toda a humani-dade com os problemas relacionados com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente; assim, serão vigorosamente com-batidos os anúncios que, direta ou indiretamente, estimulem: 1. a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; 2. a poluição do meio ambiente urbano; 3. a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; 4. a poluição visual dos campos e das cidades; 5. a poluição sonora; 6. o desper-dício de recursos naturais. Parágrafo único. Considerando a cres-cente utilização de informações e indicativos ambientais na pu-blicidade institucional e de produtos e serviços, serão atendidos os seguintes princípios: veracidade – as informações ambientais devem ser verdadeiras e passíveis de verificação e comprovação; exatidão – as informações ambientais devem ser exatas e preci-sas, não cabendo informações genéricas e vagas; pertinência – as informações ambientais veiculadas devem ter relação com os processos de produção e comercialização dos produtos e serviços anunciados; relevância – o benefício ambiental salientado deve-rá ser significativo em termos do impacto total do produto e do serviço sobre o meio ambiente, em todo seu ciclo de vida, ou seja, na sua produção, uso e descarte.7

7 Disponível em: http://www.conar.org.br/. Acesso em: 26 out. 2011.

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O dispositivo visa, inclusive, a que a publicidade se ma-nifeste em relação à sustentabilidade e oriente seus recepto-res no sentido de práticas responsáveis e sustentáveis, refle-tindo acerca dos problemas relacionados ao meio ambiente decorrentes do consumismo desenfreado, característico da atual sociedade de consumo.

Além disso, o Anexo U do Código Brasileiro de Autor-regulamentação Publicitária dispõe que a publicidade deve respeitar e colaborar com a construção de valores humanos e sociais éticos, solidários e responsáveis. Ainda, devem os anúncios de cunho publicitário, especialmente, orientar de-senvolver e estimular a sociedade na direção de um padrão de consumo sustentável.8

8 Anexo U: É papel da Publicidade não apenas respeitar e distinguir, mas tam-bém contribuir para a formação de valores humanos e sociais éticos, res-ponsáveis e solidários. O CONAR encoraja toda Publicidade que, ao exercer seu papel institucional ou de negócios, também pode orientar, desenvolver e estimular a sociedade objetivando um futuro sustentável. REGRA GERAL (1) Para os efeitos deste Anexo, entender-se-á por “Publicidade da Respon-sabilidade Socioambiental e da Sustentabilidade” toda a publicidade que co-munica práticas responsáveis e sustentáveis de empresas, suas marcas, pro-dutos e serviços. (2) Para os efeitos deste Anexo, entender-se-á por “Publi-cidade para a Responsabilidade Socioambiental e para a Sustentabilidade” toda publicidade que orienta e incentiva a sociedade, a partir de exemplos de práticas responsáveis e sustentáveis de instituições, empresas, suas mar-cas, produtos e serviços. (3) Para os efeitos deste Anexo, entender-se-á por “Publicidade de Marketing relacionado a Causas” aquela que comunica a le-gítima associação de instituições, empresas e/ou marcas, produtos e serviços com causas socioambientais, de iniciativa pública ou particular, e realizada com o propósito de produzir resultados relevantes, perceptíveis e compro-váveis, tanto para o Anunciante como também para a causa socioambiental apoiada. Além de atender às provisões gerais deste Código, a publicidade submetida a este Anexo deverá refl etir a responsabilidade do anunciante para com o meio ambiente e a sustentabilidade e levará em conta os seguin-tes princípios: 1. CONCRETUDE As alegações de benefícios socioambientais deverão corresponder a práticas concretas adotadas, evitando-se conceitos vagos que ensejem acepções equivocadas ou mais abrangentes do que as condutas apregoadas. A publicidade de condutas sustentáveis e ambientais deve ser antecedida pela efetiva adoção ou formalização de tal postura por parte da empresa ou instituição. Caso a publicidade apregoe ação futura, é indispensável revelar tal condição de expectativa de ato não concretizado no momento da veiculação do anúncio. 2. VERACIDADE As informações e alegações veiculadas deverão ser verdadeiras, passíveis de verifi cação e de

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É de se questionar se a autorregulamentação, sem pre-visão legal, vincula os publicitários, fazendo-os respeitar as determinações do CBAP. Conforme refere Nunes, “é a pró-pria auto-regulamentação que expressamente declara que seus preceitos têm de ser respeitados por todos os que esti-verem envolvidos na atividade publicitária”. Informa ainda que, de acordo com o artigo 16 do código, “ficou estabeleci-do que as regras de autodisciplina da atividade publicitária também são destinadas a ser usadas como parâmetro pelo Poder Judiciário no exame das causas envolvendo publicida-de” (2005, p. 428-429).

comprovação, estimulando-se a disponibilização de informações mais deta-lhadas sobre as práticas apregoadas por meio de outras fontes e materiais, tais como websites, SACs (Seviços de Atendimento ao Consumidor), etc. 3. EXATIDÃO E CLAREZA As informações veiculadas deverão ser exatas e precisas, expressas de forma clara e em linguagem compreensível, não ense-jando interpretações equivocadas ou falsas conclusões. 4. COMPROVAÇÃO E FONTES Os responsáveis pelo anúncio de que trata este Anexo deverão dispor de dados comprobatórios e de fontes externas que endossem, senão mesmo se responsabilizem pelas informações socioambientais comunicadas. 5. PERTINÊNCIA É aconselhável que as informações socioambientais te-nham relação lógica com a área de atuação das empresas, e/ou com suas marcas, produtos e serviços, em seu setor de negócios e mercado. Não serão considerados pertinentes apelos que divulguem como benefício socioam-biental o mero cumprimento de disposições legais e regulamentares a que o Anunciante se encontra obrigado. 6. RELEVÂNCIA Os benefícios socio-ambientais comunicados deverão ser signifi cativos em termos do impacto global que as empresas, suas marcas, produtos e serviços exercem sobre a sociedade e o meio ambiente - em todo seu processo e ciclo, desde a produção e comercialização, até o uso e descarte. 7. ABSOLUTO Tendo em vista que não existem compensações plenas, que anulem os impactos socioambien-tais produzidos pelas empresas, a publicidade não comunicará promessas ou vantagens absolutas ou de superioridade imbatível. As ações de respon-sabilidade socioambiental não serão comunicadas como evidência sufi ciente da sustentabilidade geral da empresa, suas marcas, produtos e serviços. 8. MARKETING RELACIONADO A CAUSAS A publicidade explicitará clara-mente a(s) causa(s) e entidade(s) ofi cial(is) ou do terceiro setor envolvido(s) na parceria com as empresas, suas marcas, produtos e serviços. O anúncio não poderá aludir a causas, movimentos, indicadores de desempenho nem se apropriar do prestígio e credibilidade de instituição a menos que o faça de maneira autorizada. As ações socioambientais e de sustentabilidade objeto da publicidade não eximem anunciante, agência e veículo do cumprimento das demais normas éticas dispostas neste Código.

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Dessa forma, dentro do contexto de normas infracons-titucionais, a própria autorregulamentação busca instituir nos anúncios publicitários, inclusive coercitivamente, a bus-ca pelo padrão de consumo sustentável, infundindo no consu-midor a ideia de racionalidade no uso de recursos naturais, bem como na aquisição de produtos e serviços. Desse modo, os parâmetros de conduta colocados no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária demonstram que a publi-cidade, atualmente, “mais do que vender uma simples mar-ca, precisa vender uma ideia, um conceito, que é a cultura ambiental [...]. Precisa ainda mostrar que o meio ambiente deve se incorporar às preocupações e soluções do dia-a-dia das pessoas, e que as causas ecológicas são legítimas e de di-reto impacto no estilo de vida de cada um” (Giacomini Filho, 2004, p. 195).

Tendo em vista seu alcance e capacidade de transforma-ção, não se pode esquecer que a publicidade é um poderoso instrumento para difundir os ideais relacionados à preserva-ção, prevenção e equilíbrio de recursos ecológicos (Giacomini Filho, 2004). Em razão disso, é necessária a regulamentação legal para que interesses econômicos não prevaleçam sobre os interesses da coletividade.

Não basta, entretanto, apenas a regulamentação da pu-blicidade para que sua prática fora dos limites postos traga prejuízos ao meio ambiente. Embora essa tenha importante papel para difusão dos padrões sustentáveis de consumo e as normas infraconstitucionais citadas trabalhem nesse sen-tido, é imprescindível que o próprio consumidor, enquanto protagonista de uma sociedade de consumo, tenha consciên-cia de que seus atos exorbitam a relação consumerista en-tabulada. “A forma e o tipo de escolha ao realizarem suas compras têm o poder, se conjugados com os demais consu-midores, de transformar o mundo, de mudar a sociedade.

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Essa forma de consumir com consciência é um exercício de cidadania, pois o ser humano, ao ter o poder de escolha e de optar por produtos e serviços menos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, exerce sua função na sociedade e seus atos repercutem direta ou indiretamente no planeta” (Sar-reta, 2007, p. 189).

A publicidade, indiscutivelmente, tem o papel/dever de colaborar na construção da cidadania. Ao incutir no consu-midor ideais de respeito ao meio ambiente, de uso racional dos recursos e, principalmente, de consumo sustentável, não só cumpre seu papel social enquanto elemento transforma-dor como também contribui para a manutenção da própria sociedade. É necessário, portanto, propagar padrões de con-sumo sustentáveis, que atendam às demandas individuais, mas garantam a perpetuação dos recursos naturais.

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