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SEBASTIÃO SALGADO SEMIABERTO FILAMAN MARLEY EDIÇÃO 19 // ANO 3 // 2014 BASTIAO.NET

Bastiao #19

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Page 1: Bastiao #19

SEBASTIÃO SALGADOSEMIABERTOFILAMAN MARLEY

EDIÇÃO 19 // ANO 3 // 2014

bAstIAO.NEt

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pensando no discurso de sebastião salgado sobre a grandeza da natureza, o ilustrador shiko (derbY blue) preparou

a cApA dessa edição. confere mais alguns trabalhos dele aqui:. FLIckR.cOM/phOTOS/DERBYBLuE

em meio ao caos do mundo, o principezinho reflete sobre pangeia.

ele não sabe mais ser humano. agora quer ser outra coisa.

VeJa mais de salVatore d’amore adam em: BEhANcE.cOM/SALvATOREADAM

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// EDITORIAL

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Olha ele ali! Onde? Tá ali, ó, no cantinho. Não tô vendo... Mas eu tô, e agora que vi não consigo olhar pra outra coisa, tá cada vez maior. Onde? Não vejo nada! Mas como não? Não para de crescer, eu quase não te vejo mais, de tão grande... meu deus, como eu nunca tinha percebido?! Mas que agonia, não tinha percebido o quê? Esse teu imenso preconceito! ssshhhh, não espalha!

É assim, de cantinho, que ele vem. Enraizado, se acha de casa e invade as nossas cabeças, mina as nossas relações, impede o nosso crescimento. Despercebido, às vezes de onde menos esperamos, vem à tona. Explicita o que temos de pior. Como impedir? Antes de tudo, assuma: sou preconceituoso. Machista, homofóbico, racista e moralista. Nós somos também. O nosso pensamento médio está sempre impregnado de preconceito. A culpa não é inteiramente tua, e nem nossa, bem verdade. Nascemos em uma sociedade opressora que cria, geração após geração, mais e mais opressores. O ciclo é vicioso e atinge mulheres e homens, pobres ou ricos (e não escreveríamos, sem refletir, homens antes de mulheres e ricos antes de pobres?). Porém, mesmo que se divida a culpa com a sociedade, ainda cabe a nós escolher perpetuar esse ciclo ou não. A negação aos preconceitos deve ser um exercício diário.

É duro e cansativo quebrar ideias implantadas em nossas cabeças desde muito cedo. É doloroso perceber todas as vezes que fomos coniventes e, por isso, comparsas no crime. Talvez nos custe tempo, saúde, horas de sono, até mesmo algumas amizades, mas já passou a hora de abandonarmos essa cumplicidade

silenciosa, tão danosa quanto o preconceito em si, por permitir que a opressão siga livre a sua saga destruidora, cada vez mais intolerante.

Gritar chora macaco imundo não pode, nem no estádio nem em lugar nenhum. A mulher nunca será a culpada em um estupro. E ela poderá usar a roupa que quiser, do jeito que quiser, a hora que quiser. A vítima não será responsabilizada pelos atos do agressor em hipótese alguma. Se algum negro, gay, pobre, mulher, gordo ou gorda cometer um erro, não será pelo fato de ter essa característica, mas sim por ser humano e estar sujeito ao erro. Qualquer um que pensar “bem coisa de [insira a característica]!” está cometendo um erro muito mais grave.

Vai demorar até que consigamos desconstruir as ideias estereotipadas da sociedade. Sabemos disso, mas isso não impede que façamos a nossa parte agora – na verdade, impõe que comecemos o processo de mudança nesse exato momento. Já perdemos tempo demais. Vamos nos policiar. Não vamos permitir nenhuma atitude ou fala que diminua e abuse do próximo. O simples fato de sabermos que “é feio” pensar de forma preconceituosa em qualquer situação já é um avanço, pois a autocensura impedirá que os preconceitos, até o menor deles, como a ordem em que escrevemos determinadas palavras, se perpetuem. Optar, agora, por silenciar pensamentos absolutamente descabidos, vai, pouco a pouco, nos educar.

Chegará o dia em que abusos contra qualquer minoria serão considerados tão absurdos quanto hoje são o trabalho escravo e o nazismo. Até lá, temos muitas lutas por lutar.

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RedaçãoAndré LacasiArthur VianaCarlos MachadoCíntia WarmlingDouglas FreitasGabriel Rizzo HoewellIngrid Haas PilarLuiza MüllerNádia AlibioSergio Trentini

PRojeto gRáfico KBUMM Design

diagRaMaçãoAna Elizabeth SoaresAndré Lacasi

PRodução gRáfica Gilberto Sena

RevisãoLisiane Andriolli Danieli

caPaShiko

aRteAndré LacasiNádia AlibioRamiro Simch

RelacionaMentoLuiza Müller

fotogRafiaAndré LacasiIngrid Haas Pilar

colaboRadoResEduardo OsórioHelena Campos AlibioLeo LopesMarcelo de Souza FragaSalvator D’Amore AdamSamuel Sanção Moura

coMeRcial51 9166.1799 // 51 3311.1025Praça Júlio de Castilhos, 74/152Porto Alegre – RS – Brasil

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30

2212

Veja Bem

sEbAsTIãO sALgADO

RepoRtagem

gRITOs DE FILAMAN

especial

A LIbERDADE NUNCA É PLENA

LI vRAR TE

MINIR REPORTAgENs

LITE RATURA

FOTO

bastiao.netfacebook.coM/RevistabastiaotwitteR.coM/Revistabastiao

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A sUbsTÂNCIA EssENCIAL DO TRAbALHO

DE vITOR TEIXEIRA É A CRÍTICA POLÍTICA E

sOCIAL. NAs sUAs ObRAs, ELA sE FUNDE

À sUA CRIATIvIDADE E TALENTO.

FB.COM/VITORTEGOM

arquivo mortotexto: Nádia Alibio

ilustração: Helena alibio (2014)

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// vEJA bEM sEbAsTIãO sALgADO

Uma volta em direção ao planeta

// ENTREvIsTA eduaRdo osÓRio & seRgio tRentini

// FOTO seRgio tRentini

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sEbAsTIãO sALgADO, O FOTógRAFO MAIs RENOMADO DO

bRAsIL, AJUsTA O FOCO PARA A NATUREzA

as sobrancelhas brancas, espessas e desgrenhadas desviam a atenção. Mas, ali, logo abaixo, em cavidades oculares fundas, como se fossem cavernas na face, estão os olhos azuis de Sebastião Salgado. Deveria ter olhos

atípicos, marcados de alguma forma. Entretanto, os olhos que viram a mazela humana nas mais sinceras formas são calmos e firmes. No terraço da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, o fotógrafo concedeu esta entrevista. O tempo de conversa foi curto. O resultado, nem tanto. Ao que se sabe, a subjetividade artística do fotógrafo e a realidade do objeto fotografado estabelecem uma troca instantânea. Ninguém sai ileso. De qualquer conversa com Sebastião Salgado, tampouco.Através da lente, captou a miséria humana como ninguém. Em Êxodos, a dura realidade de pessoas que foram obrigadas a sair de suas casas, desalojadas pela guerra, repressão ou desastres naturais o marcou. Abaixou a máquina por algum tempo.Sebastião e sua companheira, curadora, editora, produtora e organizadora, Lélia, fizeram o caminho inverso. Voltaram para casa. Mudaram-se para a fazenda, no interior de Minas Gerais, onde Sebastião viveu sua infância. O lugar estava morto. Desenvolveram, então, um plano de recuperação ambiental. A partir disso, criaram o Instituto Terra, no qual desenvolvem projetos ambientais no Vale do Rio Doce. A recuperação progressiva do ecossistema outrora degradado trouxe o ânimo necessário para o casal desenvolver um novo projeto fotográfico. Genesis.Lugares em progresso são aqueles em que o homem moderno toca, segundo o homem moderno. Sebastião ajustou o foco no oposto: na natureza, na vida animal. Lugares em sua origem, intocados. Também não saiu ileso. Afirma ter aprendido que fazemos parte de um todo, que tudo é integrado, é vivo, é um planeta. “Nós somos natureza”, garante o fotógrafo com seus olhos fundos e tímidos, mas, sobretudo, expressivos.

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“Eu não gosto do termo primitivo. É quase um termo

de julgamento. No sentido que se

os consideramos primitivos, é porque nós não somos.

Nos achamos superiores, entende?”

o PRojeto Genesis teM uM foco uM Pouco difeRente dos outRos. ele nasceu ou teM uMa Relação coM o tRabalho desenvolvido PoR vocês no instituto teRRa?

Perfeito. O conceito do Genesis nas-ceu em Minas Gerais, no projeto de recuperação ecossistêmica de um pedaço da Mata Atlântica no qual nós trabalhamos. Antes disso, esti-ve envolvido em um projeto muito duro na África, o Êxodos − inclusi-ve, apresentamos aqui no Gasôme-tro no ano 2000. Nesse projeto vivi coisas muito duras, então, por um tempo, parei de fotografar e voltei para o interior de Minas. Foi quan-do começamos essa recuperação ambiental. Quando vi voltando a água, as árvores, os insetos, os pás-saros e os mamíferos a uma região que estava sem vida, me deu uma vontade muito grande de fotografar outra vez. Foi aí que quis fotografar a natureza. Assim nasceu o concei-to do projeto Genesis.

as fotogRafias da natuReza substituíRaM as fotogRafias do seR huMano eM contextos sociais. Quais difeRenças você notou nessa Mudança de contexto?

Não mudei de um projeto em que fotografava seres humanos e hoje

fotografo árvores, pois um terço do projeto é composto de seres huma-nos, mas seres humanos que vivem ainda em total equilíbrio com a na-tureza. A história desse projeto se parece muito com todas as outras. São histórias importantes para o momento histórico que todos es-tamos vivendo. Histórias que mo-vem o planeta. No passado, fiz um livro chamado Trabalhadores, que retrata o fim da grande Revolução Industrial e o início da grande glo-balização no início dos anos 1980. Fiz um livro sobre os movimentos das populações; hoje, terminei um livro sobre o meio ambiente. Na-quela época não se discutia o meio ambiente, e, hoje a gente integrou o meio ambiente dentro de um debate global. Acho isso muito importan-te. Aqui em Porto Alegre vocês ti-veram o Fórum [Social] Mundial, onde se discutia exatamente as condições sociais e ambientais do planeta, então eu acho que o am-biente é um pouco novo dentro da discussão, mas é tão essencial quanto a questão social.

você seMPRe declaRou Que não “tiRa” as fotogRafias, Mas as Pessoas te “PResenteiaM” coM elas. e coM os aniMais, coMo foi essa Relação?

Igual. Não tem diferença nenhu-ma em fotografar um ser humano

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// vEJA bEM sEbAsTIãO sALgADO

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“Se fizéssemos essa volta em direção à cultura indígena, faríamos uma volta em direção à nossa autoestima”

e outra espécie de animal. Você precisa respeitar o território desse animal e ter, de certa forma, uma autorização. É necessário fazer uma aproximação respeitosa em direção a ele. Isso funciona da mesma for-ma, mesmo com as árvores, com as montanhas. Você pode fazer uma foto da montanha, mas para isso ter um sentido, é preciso aprender por-que você está ali e tentar entender e ver que aquela montanha é tão viva quanto você. Ela é totalmente sujeita ao vento, à luz, à erosão, ao planeta. É preciso ver a evolução − em total crescimento ou em total decadência. Quando trabalhei nas Montanhas Rochosas, um cientista me explicou: “Olha, Sebastião, es-sas montanhas são jovens. Jovens porque ainda estão em crescimen-to. Elas crescem não sei quantos metros por ano. A antiga montanha rochosa que tinha aqui erodiu há alguns bilhões de anos, até chegar ao nível zero. Aí essa outra nasceu e está crescendo”. Então eu acho que se tivéssemos capacidade de ver a vida em centenas de milhares de anos, poderíamos compreender que fazemos parte de um todo, que isso tudo é integrado, é vivo, é um pla-neta. Nós somos natureza. E com-preender isso me deu um prazer imenso.

os seRes huManos das coMunidades Que foRaM fotogRafadas eRaM bastante PRiMitivos? coMo foi a integRação e aceitação deles?

Eu não gosto do termo primitivo. É quase um termo de julgamento. No sentido que se os considera-mos primitivos, é porque nós não somos. Nos achamos superiores, entende? Mas, na realidade, tra-balhando com essas populações, vi que tudo que nós somos é mui-to mais velho do que imagina-mos. Tudo que é essencial para mim, tudo que é importante, já era essencial, já era importante há tempos. Essas populações amam como eu amo, gostam dos filhos como eu gosto. Eles têm os mes-mos sentimentos que eu. Vivem exatamente da mesma maneira. Tudo que é forte e essencial para mim, é forte e essencial para eles. A única diferença é que eles não consomem como eu consumo, não poluem como eu poluo e vivem em comunhão com a natureza. Eles são natureza. Sentem a terra, sentem as árvores que nós, imi-gramos para a cidade e as aban-donamos. Abandonamos nosso planeta. Não somos mais seres

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humanos, começamos a ser outra coisa. As pessoas que moram em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo não moram no Brasil. Elas moram em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Não têm mais contato com o planeta. Nós somos um animal como todos os animais e devíamos nos voltar em direção ao nosso planeta, mesmo que fos-se espiritualmente, nós devíamos fazer essa volta.

eM Relação ao seu tRabalho coM as tRibos indígenas: o Que acha Que deveRíaMos aPRendeR coM essa caRga cultuRal Que o índio caRRega?

O brasileiro, às vezes, vai pro-curar a referência do próprio passado em Portugal, na Itália, no Japão, na Alemanha. Imagi-na que a história dele esteja lá. Mas a verdadeira história dos brasileiros está no Brasil. Temos uma grande cultura indígena e um grande componente da raça dos brasileiros é indígena. Nós

tínhamos que ir mais em dire-ção à cultura indígena, tínhamos que conhecer mais. Respeitan-do essa cultura, teríamos uma maior autoestima. É uma cultu-ra que tem muito para dar para gente. Temos tanto que aprender. Se fizéssemos essa volta em dire-ção à cultura indígena, faríamos uma volta em direção à nossa autoestima. O Brasil já tem uma vantagem muito grande: é o úni-co país do mundo que tem 12,5% de sua área de território indíge-na. O Brasil teve um comporta-mento interessante em relação aos índios. Os Estados Unidos destruíram a cultura indígena totalmente. Canadá e Austrália, a mesma coisa. Esses grandes países tiveram comportamentos muito duros em direção às popu-lações autônomas. O Brasil não. Existe uma grande instituição chamada FUNAI (Fundação Na-cional do Índio), que conta com um grande grupo de antropólo-gos e indianistas fantásticos. O Brasil fez essa proteção ao índio e, hoje, acho que nós temos que continuar essa proteção e criar

um movimento nesse sentido. Quem sabe, ajudaríamos a nossa juventude − os jovens que estão na universidade, na escola se-cundária − a ir em direção a essa cultura e respeitá-la. Só tería-mos a ganhar, porque existe uma grande ligação entre as popula-ções indígenas e a malha flores-tal do Brasil. E precisamos muito dessa floresta.

PaRa finalizaR, sebastião, coMo você se inseRe na sua fotogRafia e o Que tiRa dela PaRa si?

É difícil falar. Não sou realmen-te um repórter, nem um fotógra-fo documental, tampouco sou um jornalista. Essas fotografias são a minha vida. São a minha ideo-logia, minha ética. Eu passei oito anos para fazer esse último traba-lho. Se eu viver 80 anos, serão 10% da minha vida voltados para isso. Para a fotografia. Por isso, penso que vivi minhas fotografias de forma intensa. E é como a vida da gente deve ser: intensa.

“Não somos mais seres humanos, começamos a ser outra coisa”

REvIsTA bAsTIãO // AbRIL 2014

remoção de moradores

superfaturamento

expulsão de índios

prisão de manifestantes

violência policial

racismo no futebol

ESTE MEDICAMENTO É CONTRAINDICADO EM CASO DE SUSPEITA DE DENGUEAO PERSISITIREM OS SINTOMAS, OUTRA PESSOA, QUE NÃO O PELÉ, DEVERÁ SER CONSULTADA

PREOCUPADO COM

A MORTE DE OPERÁRIOS

EM OBRAS DA COPA?

PELÉ

AGORA VOCÊ NÃO PRECISA MAIS SE ESTRESSAR COM ISSO!

CHEGOU NORMOL, COMBATE ESSE E OUTROS SINTOMAS COMO:

ESTE PRODUTO NÃO É VERDADEIRO. TRATA-SE APENAS DE UMA CRÍTICA À NORMALIZAÇÃO DE ABSURDOS EM PROL DE EVENTO MILIONÁRIO

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// vEJA bEM sEbAsTIãO sALgADO

remoção de moradores

superfaturamento

expulsão de índios

prisão de manifestantes

violência policial

racismo no futebol

ESTE MEDICAMENTO É CONTRAINDICADO EM CASO DE SUSPEITA DE DENGUEAO PERSISITIREM OS SINTOMAS, OUTRA PESSOA, QUE NÃO O PELÉ, DEVERÁ SER CONSULTADA

PREOCUPADO COM

A MORTE DE OPERÁRIOS

EM OBRAS DA COPA?

PELÉ

AGORA VOCÊ NÃO PRECISA MAIS SE ESTRESSAR COM ISSO!

CHEGOU NORMOL, COMBATE ESSE E OUTROS SINTOMAS COMO:

ESTE PRODUTO NÃO É VERDADEIRO. TRATA-SE APENAS DE UMA CRÍTICA À NORMALIZAÇÃO DE ABSURDOS EM PROL DE EVENTO MILIONÁRIO

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REvIsTA bAsTIãO //AbRIL 2014 // foto LEO LOPEs

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Se a Salada Mídia fosse um personagem de desenho animado, ia caminhar sempre com uma lâmpada acesa acima da cabeça. Falta de boas ideias? Este é um mal do qual ela não sofre, eu garanto.

AconteceAcontece que a Salada não é fictícia, e muito menos um personagem só. É um grupo de pessoas de verdade, pensando e fazendo vídeo de verdade, profundo, visceral. Diferente, porque o comum não vale a pena. Ir pra rua e voltar igual não adianta nada, adianta?

““Vocês são criativos até demais!”, eles ouvem por aí de vez em quando. Eu acho engraçado. Criatividade tem limite? Não! Não tem prazo nem orçamento. É só deixar de lado a visão costumeira das coisas. Abrir não só os olhos, mas o olhar. Ajuste o foco e pronto: um admirável mundo novo a cada take.

Não se dê por satisfeito quando estiver apenas começando, foi o que a Salada Mídia me ensinou. A pegada é essa. Ação!

RRamiro SimchMembro da Revista Bastião e parceiro da Salada Mídia

?O

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// foto DOUgLAs FREITAs

Se a Salada Mídia fosse um personagem de desenho animado, ia caminhar sempre com uma lâmpada acesa acima da cabeça. Falta de boas ideias? Este é um mal do qual ela não sofre, eu garanto.

AconteceAcontece que a Salada não é fictícia, e muito menos um personagem só. É um grupo de pessoas de verdade, pensando e fazendo vídeo de verdade, profundo, visceral. Diferente, porque o comum não vale a pena. Ir pra rua e voltar igual não adianta nada, adianta?

““Vocês são criativos até demais!”, eles ouvem por aí de vez em quando. Eu acho engraçado. Criatividade tem limite? Não! Não tem prazo nem orçamento. É só deixar de lado a visão costumeira das coisas. Abrir não só os olhos, mas o olhar. Ajuste o foco e pronto: um admirável mundo novo a cada take.

Não se dê por satisfeito quando estiver apenas começando, foi o que a Salada Mídia me ensinou. A pegada é essa. Ação!

RRamiro SimchMembro da Revista Bastião e parceiro da Salada Mídia

?O

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A liberdAde

// texto e RepoRtagem aRthuR viana & seRgio tRentini

// Fotos seRgio tRentini

nuncA é plenA

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// EsPECIAL

gERAçãO APós gERAçãO, ADOLEsCENTEs ENgRAvIDAM.

O CICLO, ENTRETANTO, PODE NãO IMPLICAR

NA qUEbRA DA TRAJETóRIA DE vIDA DAs MãEs

A lógicA é simples: quem comete umA infrAção, Assume umA dívidA e deve pAgAr por elA. Hoje, A penA é A exclusão temporáriA do convívio sociAl. Após determinAdo período, A pessoA grAduAlmente reintegrA-se à vidA em comunidAde. sem dever nAdA A ninguém, pode retomAr seus projetos. não é o que Acontece. quem comete um crime, sobrevive em um Ambiente precário e violento, ficAndo mArcAdo pelo resto dA vidA. o estAdo não cumpre seu pApel estAbelecido por lei: não fornece condições mínimAs pArA que o preso se recupere. A sociedAde tAmbém fecHA os olHos, e o que Acontece forA dA suA vistA não importA; o outro lAdo do muro é um mundo distAnte. sem AtrAir Holofotes, investimentos no sistemA prisionAl não gAnHAm eleições; logo, não vAlem A penA. enquAnto isso, pArAdoxAlmente, iniciAtivAs isolAdAs tentAm burlAr o sistemA pArA fAzer ele funcionAr. Após cumprir um sexto dA penA, o detento pode trocAr o regime fecHAdo pelo semiAberto, podendo Até trAbAlHAr. cHAmAm isso de progressão de regime. que fique clAro que o AvAnço é estrito nesse sentido. o preconceito é retrógrAdo, e imperA.

um terço da vida Jucimar Al-berto de Cândido, 32 anos, passou preso. Jarbas dos

Santos Ávila, 27 anos, afirma que desde os 14 deve ter ficado no má-ximo dois anos em liberdade. Car-los Vanderlei Pereira da Silva, 32, e Márcio da Luz, 30, também passa-ram longos períodos trancafiados em presídios, misturados à imun-dície e suportando péssimas condi-ções estruturais. São vidas adultas inteiras convivendo com o descaso do poder público e a discriminação da sociedade. Matou, morreu, não tem perdão.

Que morram e apodreçam entre os ratos. Cadeia não é colônia de férias. Se preocupem primeiro com as pesso-as honestas que vivem sem as míni-mas condições de dignidade.

Mesmo em tais condições, Ju-cimar, Jarbas, Carlos e Márcio superaram o período no regime fechado e progrediram para o se-miaberto. A progressão é permi-tida após o cumprimento de um sexto da pena . Hoje trabalham, têm dias de lazer, convivem, vi-vem. Talvez não por completo, pois carregam para sempre a cha-ga de ser presidiário no Brasil. O fardo é quase insuportável; o pre-conceito, imenso.

As frases grifadas são comentários feitos em matérias sobre o sistema prisional nos sites Terra e G1. Infelizmente, não foi necessária uma busca muito longa para encontrá-los.

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Aquele que mata uma pessoa, seja quem for e por qual motivo seja, deveria ser preso até o morto voltar.

Os quatro trabalham na mais antiga empresa de transporte co-letivo do País em atividade, a Carris − sociedade de economia mista com o controle acionário da prefeitura de Porto Alegre. A com-panhia participa do PAC − ainda que a sigla se encaixe, não signi-fica Programa de Aceleração do Crescimento, mas sim Protocolo de Ação Conjunta −, uma inicia-tiva da Superintendência dos Ser-viços Penitenciários (Susepe) para reinserir os presos no mercado de trabalho. As empresas envolvidas ganham benefícios, como a isen-ção de todos os encargos sociais devidos aos demais empregados, e o preso, além da oportunidade, ga-nha a diminuição da pena: a cada três dias trabalhados, reduz-se um dia da punição.

Segundo dados do Sistema Na-cional de Informação Penitenci-ária (InfoPen), apenas 18,45% da massa carcerária brasileira tinha algum trabalho em 2011, fosse ele interno (nos próprios presídios) ou externo. Ao todo, hoje, 52 presos trabalham na Carris. A companhia participa do PAC desde 2001 e, de lá para cá, 1.397 apenados já pas-saram pela empresa. Eles recebem salário (75% do mínimo) e alguns benefícios. Jarbas revela que, no

montante, a remuneração chega a R$ 950. Porém, além do salário, recebem também uma alta dose de preconceito: o uniforme é dife-renciado, o vestiário é separado e o banheiro é único, afastado, sen-do expressamente proibido que utilizem qualquer outro, sob pena de exclusão do programa. Márcio conta que, de tão grande a fila, tem vezes que alguns não se segu-ram e vão na grama mesmo, seja lá para o que for.

Por que tanta preocupação com esses animais? Quando estavam aqui fora, a única preocupação de-les era roubar, matar, sequestrar. Pena de morte já no Brasil! E isso vale para os defensores dos direi-tos humanos também. Estão com pena? Peguem um lá no presídio e levem para suas casas!

“A calça verde é pra ver de longe quem é preso”, avisa Carlos Van-derlei sobre o uniforme utilizado

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// EsPECIAL

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pelos presidiários. Ele é responsá-vel pela limpeza dos banheiros da companhia. Vez que outra, pedem pra que ele limpe alguma sala tam-bém. “Aí fica alguém te vigiando”, conta. Não existe confiança. Carlos só não é vigiado na limpeza dos ba-nheiros, onde não há nada para ser roubado.

Tem é que acabar com essa farra de regalias, porque a maio-ria sai só para assaltar e matar!

Jucimar encontrou saída para a vida do crime por meio da religio-sidade. Cumprindo pena no Pre-sídio Central, foi chamado para um culto evangélico. Decidiu ir e lá encontrou sua salvação. Não é algo que se ache em qualquer es-quina do Central, a salvação. “Lá não há separação de alas, então ficamos misturados com presos de alta periculosidade. Tem gente que fica planejando o crime 48h por dia. O sujeito sai de lá pior.” Juci-

mar, no entanto, saiu melhor. Ele é um dos usuários de tornozelei-ra eletrônica − recebeu a chance por bom comportamento −, e tem todos os seus passos monitorados pelo GPS. Nada que o incomode: com a tornozeleira, pode dormir em casa, em Canoas. E um sorriso se abre quando começa a falar do terreno que está financiando, gra-ças ao dinheiro que está juntando nos dois anos trabalhando na Car-ris. Pela segunda chance recebida, agradece, e ensina: “A solução não é aumentar pena, colocar pena de morte. Tem que dar oportunidade.” Segundo números não oficiais (a fonte é o próprio Jucimar), apenas 5% dos presos que passaram pela Carris reincidiram no crime.

A verdade é que todos agrade-cem a oportunidade. Sabem que, não fosse o programa, dificilmente conseguiriam trabalho. “Fui traba-lhar em um condomínio uma vez, mas quando descobriram que eu era preso disseram que não ia dar”, relata Jucimar. Sem oportunida-des de emprego formal, o que resta para muitos é o retorno ao crime. É a própria sociedade que os joga de volta ao submundo, marginalizan-do-os e se negando a reincorporá--los ao cotidiano.

Presídio é para punir! Não é local de passeio nem hotel! Fi-quem felizes! Por mim, era uma bola de ferro num pé e uma enxa-da na mão! Vão trabalhar para o Estado para pagar a estadia!

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“A execução da pena é um problema social, mas todos sabem que a ideia da construção de presídios não traz votos para os políticos”

Desembargador José Conrado

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O problema, explica Conrado, é que não foi criada uma estrutura material a partir do que foi escrito. “A execução da pena é um problema social, mas todos sabem que a ideia da construção de presídios não traz votos para os políticos”. E a popula-ção não tem essa consciência social, a noção de que vivemos em comu-nidade. Exemplifica pedindo que olhemos para as calçadas da cidade: “As pessoas jogam lixo na rua por-que não se sentem donas dela. Deve pertencer a uma entidade etérea, metafísica. O brasileiro não se sente dono da própria rua!” Para o desem-bargador, o que precisa ficar claro é que o sistema prisional é uma ques-tão de sobrevivência social, assim como escola e hospital. “Somos um povo muito individualista, não con-seguimos pensar em comunidade.”

Jucimar, com a fé que encontrou em uma das alas do Presídio Cen-tral, e o desembargador Conrado, em seu gabinete cheio de livros, vi-vem em mundos diferentes e têm trajetórias absolutamente distintas: enquanto um ocupou-se em julgar crimes, outro, por muito tempo, tratou de cometê-los. Ainda assim, as soluções encontradas por am-bos para o problema dos presídios são próximas. Bastou entenderem que estão tratando de pessoas. Ao fim da entrevista, Jucimar repetiu uma última vez: “Aumentar pena, colocar pena de morte: nada disso é solução. Nós precisamos de opor-tunidades.”

// EsPECIAL

Só falta agora é querer TV a cabo, frigobar e condicionador de ar split para não fazer muito baru-lho para esse bando de estuprador, assassinos, ladrões e pedófilos que lá estão. Enquanto isso, o traba-lhador pega o trem lotado, ônibus lotado e come o pão que o diabo amassou todos os dias! País hipó-crita esse mesmo!

Na teoria, muito bem, obrigadoNo papel, está tudo certo. “Não

haverá qualquer distinção de nature-za racial, social, religiosa ou política”, versa o parágrafo único do Art. 3º da Lei nº 7210. Alguns artigos depois, é advertido que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, ob-jetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em socieda-de”. Publicada em 11 de julho de 1984, a regulação é conhecida como Lei de Execução Penal. “É maravilhosa. Isso que ela é ainda mais antiga do que acusa a data de promulgação, pois começou a ser pensada dez anos antes”, afirma o desembargador José Conrado, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Na teoria, de fato, vamos muito bem, obrigado.

Os nossos verdadeiros inimigos são os juízes, os políticos e os di-reitos humanos. Os juízes porque indultam sem qualquer critério; os políticos porque não mudam a lei; e os direitos humanos porque protegem aqueles que nos matam e nos privam de nossa liberdade.

Maurício Sperrotto de Almeida, o Maradona, é coordenador do setor de manutenção predial da Carris, no qual trabalham 22 presos. Para ele, pouco importa o crime cometido pelo ape-nado. Se ele quer trabalhar, merece a oportunidade. “Não importa o que o cara fez. Importa se ele é responsável, se quer mesmo trabalhar, se é tran-quilo. Pra mim tanto faz qual pena ele está cumprindo”, comenta. Maradona é respeitado pelos presos, talvez por não se mostrar condescendente. Du-rante a entrevista, o coordenador foi o primeiro a falar abertamente sobre o preconceito sofrido por eles.

O critério de contratação, explica Maradona, é simples: para participar do PAC, o preso precisa ter bom com-portamento. Depois, preenche uma papelada e aguarda a abertura de algu-ma vaga. Quando a Carris precisa de alguém, liga para os albergues e vê os nomes que estão disponíveis. “Só não aceitamos quem tem o perfil agressi-vo”, conta.

A luta pela reinserção social é dura. O convívio com o preconceito é difícil de suportar, e saber que qualquer des-vio de conduta pode levá-los de volta ao inferno das casas prisionais não dei-xa as coisas mais fáceis. Jucimar, que passou por quase todas penitenciárias do Rio Grande do Sul, sabe bem que o sistema não favorece a recuperação pessoal − “o Central é o pior”, conta. Em sua visão, o Estado deveria fornecer livros, escolas, cursos profissionalizan-tes, para que o tempo de pena cumpra seu objetivo primordial: recuperação e reinserção social do preso.

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A ocupação de empregada

doméstica tem os piores rendimentos

da população ocupada feminina, com

remuneração abaixo do salário mínimo.

Para entender melhor esses números, acesse bit.ly/minirreportagens19

A mulher negra é a profissional

mais desvalorizada no mercado

de trabalho.

As mulheres não têm voz

no cinema. Entre 2006 e

2011, apenas 28% dos

personagens de filmes

infantis eram femininos.

81% dos homens acha

inaceitável que a mulher

fique bêbada.

Homem branco

12 anos de estudo

R$ 29,20/hora

Homem negro

12 anos de estudo

R$ 23,20/hora

Mulher branca

12 anos de estudo

R$ 19,30/hora

Mulher negra

12 anos de estudoR$ 15,00/hora

Na partida entre Grêmio e Newell’s

Old Boys, no dia 13 de março na Arena

do Grêmio, o preço médio do ingresso

era de R$ 132. Esse valor equivale a

18,23% do salário mínimo brasileiro.

91% dos funkeiros e 89% dos

ouvintes de música gospel

acreditam que estarão melhor

economicamente em um ano.

92% dos brasileiros acreditam

que há racismo no Brasil.

Entre 2001 e 2012, a frota de

automóveis cresceu três vezes

mais que o número de passageiros

de ônibus em Porto Alegre.

Apenas 1,3% se considera racista.

R$ 57 milhões em impostos

são sonegados a cada hora no

Brasil. Com o valor, é possível

pagar 2.807 salários anuais de

professores do Ensino

Fundamental.

Minirreportagens

Art

e: R

amir

o Si

mch

As mulheres não são reconhecidas. O Prêmio Anual

Executivos de Valor elege, todos os anos, os

melhores profissionais em 20 setores da

economia brasileira. Nos últimos seis anos,

140 prêmios foram distribuídos. Deles,

apenas três foram para mulheres.

REvIsTA bAsTIãO // AbRIL 2014

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// MINIRREPORTAgENs

A ocupação de empregada

doméstica tem os piores rendimentos

da população ocupada feminina, com

remuneração abaixo do salário mínimo.

Para entender melhor esses números, acesse bit.ly/minirreportagens19

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2011, apenas 28% dos

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era de R$ 132. Esse valor equivale a

18,23% do salário mínimo brasileiro.

91% dos funkeiros e 89% dos

ouvintes de música gospel

acreditam que estarão melhor

economicamente em um ano.

92% dos brasileiros acreditam

que há racismo no Brasil.

Entre 2001 e 2012, a frota de

automóveis cresceu três vezes

mais que o número de passageiros

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Apenas 1,3% se considera racista.

R$ 57 milhões em impostos

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Brasil. Com o valor, é possível

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Fundamental.

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Executivos de Valor elege, todos os anos, os

melhores profissionais em 20 setores da

economia brasileira. Nos últimos seis anos,

140 prêmios foram distribuídos. Deles,

apenas três foram para mulheres.

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A ocupação de empregada

doméstica tem os piores rendimentos

da população ocupada feminina, com

remuneração abaixo do salário mínimo.

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A mulher negra é a profissional

mais desvalorizada no mercado

de trabalho.

As mulheres não têm voz

no cinema. Entre 2006 e

2011, apenas 28% dos

personagens de filmes

infantis eram femininos.

81% dos homens acha

inaceitável que a mulher

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Homem branco12 anos de estudo

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acreditam que estarão melhor

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92% dos brasileiros acreditam

que há racismo no Brasil.

Entre 2001 e 2012, a frota de

automóveis cresceu três vezes

mais que o número de passageiros

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Apenas 1,3% se considera racista.

R$ 57 milhões em impostos

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Brasil. Com o valor, é possível

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professores do ensino

fundamental.

Minirreportagens

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As mulheres não são reconhecidas. O Prêmio Anual

Executivos de Valor elege, todos os anos, os

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economia brasileira. Nos últimos seis anos,

140 prêmios foram distribuídos. Deles,

apenas três foram para mulheres.

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REvIsTA bAsTIãO // AbRIL 2014

// texto e RePoRtageMCÍNTIA WARMLINg

& NÁDIA ALIbIO

// ilustRaçÕesNÁDIA ALIbIO

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// REPORTAgEM// REPORTAgEM

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REvIsTA bAsTIãO // AbRIL 2014

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Em meio ao saguão do Hotel Em-baixador cheio de gente com trajes africanos coloridos e elegantes, es-tava uma senhora, numa roda de conversa. O hotel sediou a I Confe-rência Estadual do Povo de Terreiro do Rio Grande do Sul, no final de março. Quando encontramos Fi-laman Marley dos Santos, ela logo abriu um sorriso e nos abraçou. Caminhando devagar, mas firme, a ativista de 76 anos carrega na pele envelhecida anos de luta e conquis-tas sociais. Seus olhos têm o brilho de sabedoria e humildade. Senta-mos num lugar mais reservado no hotel e perguntamos quando foi que sua luta havia começado. Então ela lembrou:

“Eu acho que já nasci com um es-pírito de liderança. Tanto que nas-ci num oito de março; minha mãe morreu num oito de março.” Seu grito já veio dentro do útero, quan-do sua mãe tentou cortar a barriga para que não nascesse o bebê de uma relação com o patrão na casa onde trabalhava. “Ela se trancava no banheiro com uma faca e tentava cortar a barriga para ver se eu mor-ria, e eu me mexia na barriga dela… Então ela não teve coragem... e eu estou aqui!”

Vinda de família pobre de Ale-grete, cidade do interior do Rio Grande do Sul, Edi Ferreira Teixeira, a mãe de Filaman, saiu da casa dos pais ainda muito jovem e começou a fazer serviço doméstico em troca de abrigo em outro lugar. Não recebia remuneração e enfrentava longas horas de trabalho com uma patroa exigente. Quando engravidou do patrão, Edi resolveu sair da casa.

Sem conseguir se sustentar, ela se viu obrigada a retornar. Tentou o aborto, mas não teve forças para matar seu bebê. Na mesma noite em que pariu Filaman, foi obrigada a voltar ao trabalho enquanto sua patroa dormia com o bebê recém--nascido. O nome Filaman Marley dos Santos foi escolhido pelo pai biológico. Ainda bebê, contraiu tu-berculose na laringe. Assim, Edi prometeu ao patrão que se sua filha fosse cuidada, ela se afastaria da família e a deixaria para ser criada pelos patrões. E foi o que aconteceu. O reencontro das duas seria 18 anos depois. Mesmo refazendo o laço, Fi-laman nunca conseguiu chamar Edi de “mãe”.

Ser criada por uma família com boas condições em Alegrete foi im-portante para a formação de Fila-man. Sua mãe biológica não sabia ler ou escrever e não tinha condi-ções financeiras para sustentar a filha. Foi graças aos pais de criação que ela teve a oportunidade de fre-quentar bons colégios e até a socie-dade local. Desde cedo sentia uma necessidade de se informar e levan-tar questões sociais e sobre a desi-gualdade. Sua luta começou de for-ma pequena, ajudando a conseguir consultas médicas a seus vizinhos, quando morou em Novo Hambur-go, região metropolitana de Porto Alegre, por exemplo. Em seguida se mudou para o bairro Rubem Berta, em Porto Alegre. Foi neste bairro de periferia que Filaman se destacou como líder comunitária. Foi presi-dente da Associação de Moradores do bairro Rubem Berta e da Federa-ção das Mulheres. Seu trabalho nas escolas do bairro foi através do Con-selho de Pais e Mestres. Mais do que títulos de cargos públicos, Filaman possui uma verdadeira ligação com a comunidade. Quando há proble-mas entre os moradores, é a ela que recorrem.

Mesmo sem ter uma formação universitária, Filaman possui uma sabedoria que veio da rua, das pes-soas, do conhecimento construído a partir de reivindicações sociais. Fez parte do Movimento Estudan-til durante a ditadura. De lá, passou a ser uma das representantes do Conselho de Pais e Mestres em ní-vel municipal e estadual. Em 1988, o Brasil vivia o período de redemo-cratização, em Brasília era elabora-da a Assembleia Constituinte, que daria forma à nova Constituição Brasileira após 21 anos de ditadura. Participou como representante do Conselho de Pais e Mestres, sendo chamada de “mãe do Rio Grande do Sul”. Literalmente. Uma única criança foi vista entre políticos e re-presentantes da sociedade civil na Constituinte: sua filha mais nova, Karen Cristina, com nove anos na época. A menina tinha um problema de saúde, e por isso foi autorizada a ir junto com a mãe para Brasília.

Como líder comunitária, é ativa no Orçamento Participativo, uma iniciativa das comunidades junto à Prefeitura de Porto Alegre para a discussão e aplicação de verbas e re-cursos municipais conforme as de-mandas da comunidade. A formula-ção do Orçamento Participativo foi um dos grandes benefícios para a população, segundo Filaman. São os próprios moradores que, presentes nas reuniões junto a vereadores e representantes do poder municipal, decidem como devem ser utilizados os recursos do bairro. Isso ajudou

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// REPORTAgEM

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o trabalho de Filaman, facilitou o acesso ao poder público.

Além da educação, Filaman sem-pre prestou uma atenção especial às mulheres e ao machismo. Como presidente da Federação das Mu-lheres, ela recorda de quando levou um curso de alfabetização de mu-lheres jovens e adultas para o bair-ro, nos anos 1990. Ela percebeu que muitas mulheres tinham vergonha e não falavam que não sabiam ler, não sabiam escrever, que se dedica-ram só aos filhos, à família. Quando conseguiram ir pra um corredor de ônibus e saber qual deles deviam pegar, choravam na sala de aula. Ela ainda ressalta que trabalhou para criar vínculos na vizinhança, que antes sequer se cumprimentava. Nesse processo de alfabetização, o machismo se mostrou presente na comunidade. Havia mulheres que faltavam as aulas porque o marido não via com bons olhos sua mulher, antes sempre o esperando quando chegava em casa, aprender a ler e escrever. Filaman conversava com a aluna, e, de forma firme, instruía: “Tu diz pro teu marido que tu não é propriedade dele. Ele não quer que tu vá estudar porque ele tá acostu-mado a chegar em casa, tu vem com o chinelinho, só falta lavar os pés dele não é? A roupinha lá em cima da cama, pra ele tomar banho. A co-midinha quente na frente dele. É por isso que ele não quer que tu venha estudar”, e complementava: “Gente, vamos parar com isso. A mulher é a companheira, é a esposa, é a mãe dos filhos, mas não é escrava.”

Para Filaman, a situação do machismo ainda não mudou. “In-felizmente, ontem ainda eu tava pensando. Na minha rua tem uma

mulher, jovem. Ela já tem uma fi-lhinha, e agora vem outro bebê. Ela apanha do marido. Ele faz de tudo, tudo que é malvadeza. Essa meni-na já se criou vendo a mãe apanhar. Nos dias de hoje, em pleno século XXI, ainda a gente vê isso. Eu me lembro, a mãe dela ia lá na associa-ção e se queixava pra mim. Ela que-ria estudar, e o marido não deixava, ele avançava nela. Eu sempre dizia: ‘Não deixa ele fazer isso contigo’. E ainda não tinha a tal da Maria da Penha. Porque não pode, marido, companheiro, namorado, não pode proibir. Proibir a mulher de estudar, ou apreender os documentos. Hoje eu acho que ela não apanha mais, mas ela sofreu muito. E com a filha agora, a história está se repetindo. A filha assistia a tudo isso. Então tal-vez a menina ache aquilo natural, o que o homem está fazendo. Mas eu ainda quero conversar com elas”..

Mesmo em sua família, Filaman se deparou com o machismo. Teve três maridos, os três faleceram. O último só foi dar valor ao seu traba-lho e compreender sua falta em casa quando ficou doente e dependente dos seus cuidados, mas ela nunca se deixou impedir nem pelos com-panheiros, nem pelos filhos. Porém, foi tanto tempo cuidando das mu-lheres, dos homens e dos filhos da comunidade que, por vezes, deixou seus filhos sozinhos em casa. Fi-laman não foi a mais presente das

mães, justamente por lutar para além de sua família. Essa ausência foi necessária, pois seu papel era mais do que cuidar do seu ninho, mas de muitos outros. Com o tem-po, ela percebe o que construiu. Além das muitas conquistas como ativista, Filaman possui seis filhos crescidos, netos e bisnetos – seus grandes tesouros. Ao conversar com seu neto, passando pela Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, em Por-to Alegre, ela o lembrou que em bre-ve não estará com ele, mas perma-necerá viva no que construiu: “E eu disse: ‘Um dia tu estará casado, com teus filhos, e quando tu passar aqui, a vovó não vai mais estar viva, aí tu vai dizer pros teus filhos, aqui tem trabalho da minha vó.” E se emocio-na: “Quando terminei de falar isso pra ele, já tava com os olhos cheios de água.”

Filaman já sofreu dois acidentes vasculares cerebrais, um infarto, uma isquemia, quatorze arritmias e um câncer. Agora está recuperada, forte e rindo. Avisa que enquanto tiver saúde, ela não para. E que al-guns dias acorda com dores, mas logo aparecem à sua casa pedindo alguma ajuda e ela encontra forças para lutar por esses e por muitos outros, que ainda encontram na se-nhora de 76 anos uma potência de luta. “Eu vejo uma coisa errada, eu não fico quieta. Não me calo, por que eu vou me calar, se eu já nasci gritando, se eu já sabia me defender dentro do ventre da minha mãe? Então, acho que eu tenho que con-tinuar assim.” Só podemos esperar que ela continue gritando.

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REVISTA BASTIÃO // ABRIL 2014

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// LIvRARTE

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REvIsTA bAsTIãO // OUTUbRO 2013 // ARREPENDIDOsREvIsTA bAsTIãO // OUTUbRO 2013 // ARREPENDIDOs

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buscamos de comum acordo abordar um tema que todos tivéssemos conhecimento e

autoridade para falar. Para quem se encontra em condições como as nossas, nada melhor que falar sobre sentimento, algo tão im-portante para as pessoas na rua e questionado se temos aqui dentro. Há quem diga que come-temos erros por não termos sen-timento ou por ter em demasia por alguém, mas queremos aqui, nessa tentativa de organizar um grupo de simples aprendizes de

NãO sOMOs CAPAzEs DE DAR vOz A ALgUÉM. É IMPOssÍvEL FALARMOs, DE FORMA INTEgRAL, ATRAvÉs DE OUTRAs bOCAs, EsCREvER ATRAvÉs DE OUTRAs MãOs E, PRINCIPALMENTE, vER ATRAvÉs DE OUTROs OLHOs. TUDO PARTE DE UM PONTO DE vIsTA: O NOssO. TENTAR AFAsTAR NOssAs PERsPECTIvAs COMO FORMA DE COMPREENDER O PRóXIMO É, sIM, vÁLIDO. NãO DEIXA DE sER UMA bOA PREMIssA. JÁ É ALgUMA COIsA, DIzEM. MAs DAR vOz A ALgUÉM É DEIXAR qUE FALEM.

MARCELO DE sOUzA FRAgA EsTÁ NO REgIME FECHADO, RECOLHIDO NO PREsÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEgRE, CONDENADO A sEIs ANOs DE RECLUsãO PELO DELITO DE ROUbO. ELE FAz PARTE DO gRUPO DE EsCRITOREs DO PROJETO DIREITO NO CÁRCERE. COM ELEs, A PALAvRA:

REvIsTA bAsTIãO // AbRIL 2014

// foto: aaPo haaPanen

escritores, expor o que cada um de nós pensa sobre a solidão. Cada um de nós tem sua própria opinião e cada um vive a soli-dão de sua forma. Conversamos e decidimos que alguns escre-veriam e outros, se questiona-dos, debateriam o assunto, cada um a seu ponto de vista. Dessa maneira, foi elaborada esta obra e esperamos que esteja à altura da expectativa que sobre nós foi de-positada.

Para mim, escrever é uma for-ma de lidar com a solidão, para

outro, ainda é um grande obstá-culo a superar, seja aqui atrás das grades ou na rua, onde muitos ainda se encontram em constante prisão dos sentimentos, e um de-les é a solidão. Abastecendo nosso tempo com conhecimento, nunca faltará argumento para debater com os questionamentos que a vida nos implica.

Para nós foi uma grande e gra-ta missão e desde já agradecemos a oportunidade e a confi ança.

Um abraço e obrigado, do gru-po de escritores.

não soMos caPazes de daR voz a alguÉM.

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P ara mim, solidão abrange uma parte muito mais complexa de nossas vidas. Por exemplo, eu posso ser uma pessoa solitária mesmo estando rodeado

por uma multidão.Hoje em dia, que vivemos em uma sociedade com-

petitiva, em que somos ensinados desde pequenos a nos tornar pessoas aptas a viver em uma “selva de pe-dra”, como são chamadas as grandes cidades, as crian-ças já crescem com a concepção de que precisam ser “fortes”, e isso inclui, muitas vezes, esconderem seus sentimentos.

Aqui creio que resida um dos problemas da solidão na sociedade atual. Somos seres racionais, mas também somos seres sentimentais. No momento em que escon-do meus sentimentos e emoções, seja por pensar que assim serei uma pessoa mais forte, seja por vergonha de parecer muito emotivo e, por consequência, facilmen-te infl uenciável ou até mesmo para não me tornar uma pessoa muito “transparente”.

O fato é que fomos criados para sermos pessoas que precisam interagir umas com as outras. E isso inclui pe-dir ajuda, abraçar, demonstrar afeto e, principalmente (e aqui creio estar mais uma falha em nossa sociedade), me preocupar com o próximo. Sim, porque nos dias atu-ais as pessoas estão muito mais preocupadas consigo mesmas do que com os outros.

Estamos deixando de lado valores e princípios bási-cos que, na minha opinião, são inegociáveis.

No momento em que ensino para o meu fi lho que é mais importante ele se preocupar com os seus próprios problemas do que com os problemas de seus colegas ou amigos, estou, talvez, inconscientemente, criando uma redoma à sua volta e, por consequência, o tornando uma pessoa egoísta e solitária.

Em um mundo com 7 bilhões de pessoas parece até mesmo uma incoerência falar de solidão, mas a verdade é que o homem atual está muito ocupado com os seus afazeres e problemas que acaba se esquecendo que na vida as coisas passam muito rápido e, quando for ver, se

deixou para trás o que realmente importa: estar ao lado de quem se ama, o sorriso de uma criança, um gesto de generosidade.

Está na hora de rever nossa maneira de viver, o que estamos fazendo neste planeta, se viemos aqui a pas-seio ou se realmente queremos fazer a diferença em alguma coisa. Me torno uma pessoa solitária quando passo a olhar só para meu umbigo e esqueço o mundo à minha volta.

Há alguma coisa errada em nossa cultura atual, em que estamos muito mais preocupados com o que temos do que com o que somos ou fazemos. Se o homem atual, mesmo vivendo em um planeta superpopuloso se sente só, é porque algo lhe falta. E aqui reside o “x” da questão.

Quero lembrar que quando alguém escreve sobre algo, está escrevendo sob o seu ponto de vista e aqui emito a minha opinião. Longe de querer ser o dono da verdade. Escrevo não sob um prisma religioso, mas ba-seado em experiências e práticas vividas e observadas nestes meus 35 anos de existência.

Somos seres criados por Deus e, como tais, temos o espírito do Criador em nós. À medida que os séculos foram se passando, o homem foi se afastando de Deus e isso foi criando um vazio muito grande em nossas al-mas, a ponto de não sentirmos mais a presença divina em nossas vidas. O distanciamento de Deus, que é espí-rito, nos fez perder os valores espirituais, quais sejam: o amor, a compreensão, a compaixão, a bondade e tantas outras coisas que temos negligenciado ao nosso próxi-mo, que tanto necessita de nossa ajuda.

Mas como posso ofertar aquilo que não tenho, ou, se já o tive, perdi?

A resposta é que ainda hoje o Senhor está com os braços abertos, pronto para devolver aquilo que perde-mos com o passar do tempo, restaurar uma sociedade moralmente corrompida e fazer com que o homem es-teja plenamente satisfeito.

Só assim, a meu ver, deixaremos de estar sós em meio a uma multidão. FIM

// LITERATuRA

// POR MARCELO DE sOUZA FRAGA

sOLIDÃO

Para saber mais sobre o projeto Direito no Cárcere,acesse direitonocarcere.blogspot.com.br

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Page 32: Bastiao #19