belting, hans. ''o fim da história da arte - cap. 2

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    1/18

    L , A 4

    burguesa por meio de uma vanguarda antiburguesa, pela qual estavamarcada a modernidade, cessou na medida em que com a burguesiaa vanguarda tambm perdeu seu inimigo. Essa discusso em tornoda imagem de uma cultura de elite recai no nvel de uma cultur~ demassas, em que cada um pode fazer sua escolha. A histria, por fim,como lugar da identidade ou da contradio, perdeu sua autoridadena mesma medida em que se tornou onipresente e disponvel. Cessatambm assim a histria da arte como modelo de nossa cultura his-trica, com o que chegamos ao nosso tema.

    22 I PARTE I

    1 " ; " 0 F IM DA H ISTR IA DA ART E E A CU LTURA ATUA L

    Quando h dez anos publiquei O fim da histria da artei , pareceu-me que tambm eu participava da produo de eplogos, embora nofosse minha inteno dedicar um necrolgio arte ou histria daarte. Queria antes convidar a um momento de reflexo edepois inda-gar se a' arte e a narrativa acerca da arte ainda eram adequadas uma ~tr-~:tT~;~~'e~t~~mos acostumados. A oportunidade de publicarhoje esse ensaio numa verso inteiramente reforrnulada, porm noquadro das antigas teses, convida-me a traar um balano crtico e aatualizar o argumento, o que s possvel em cada uma das etapasde raciocnio que desenvolvo nos diferentes captulos deste novo tex-to. O result ado da reviso, para abreviar as coisas, consiste em quehoje o antigo ponto de interrogao do ttulo no tem mais validade.O fim da histria da.\lI~ ..Il~o significa quea aE!.~_~,~_i,t1.fi_9~2.r~t:.- - _-_.- . . . " .--_ .tenham alcanado o seu fim, mas registra o fato de que na arte, assimcOJ!1~

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    2/18

    dida, tanto mais ela se dissolvia em todo o campo da cultura e da so-. ciedade em que pudesse ser includa. A polmica em torno do mtodoperdeu sua intensidade e os intrpretes substituram essa histria daarte nica e opressora por vrias histrias da arte que, como mtodos,existiam uma ao lado das outras, sem conflitos, semelhante maneiracomo ocorre c0m._~~,endncias artstic.as~02!lt~mp.o.r.nea.J.Os art~-t-a-;:par-s-Ua;"-;~;d~-;pedira~:se'd -u~~conscincia-histrica linear quelhes havia constrangido a continuar escrevendo a histria da arteno futuro e ao mesmo tempo a combat-Ia descompromissadamen-te no presente. Libertavam-se tanto do exemplo como da imageminimiga de histria que encontravam na variante histria da arte eabandonavam os velhos gneros e meios nos quais as regras prescre-viam incessantemente o progresso para manter o jogo em andamento.A partir de ento a arte no precisava ser sempre reinventada pelosartistas, pois ela j havia se imposto institucional e comercialmente:com a confisso, alis, de que ela era e permanecia uma fico, com'o que,_,a saber, j respondia negativamente questo sobre a sua re-levncia para a vida. Desse modo, os intrpretes de arte pararam deescrever a histria da arte no velho sentido, e os artistas desistiramde fazer uma histria da arte semelhante. Soa assim o sinal de pausapara a velha pea, quando no h muito tempo est sendo executadauma nova pea, que acompanhada pelo pblico segundo o velhoprograma e conseqentemente mal compreendida.O discurso acerca 'do fim no pode ser confundido com umainclinao apocalptica, a menos que a palavra seja entendida novelho sentido de "descobrimento" ou de "desvendarnento" daquiloque em nossa cultura se distingue ~omo mudana. No poss-vel seguir outro caminho sem a tentativa de recapitular mais umavez de qual objeto se trata e quem estava envolvido no empreen-dimento da histria da arte. A arte - como esbocei no prefcio - entendida como imagem de umacontecimento que encontrava nah i~! ila ": :' l .~ ~ f :eos 'een l i uad ;m en t6adequado. O ideal ~ontidon o conceito;I~istl:l"r-ii:ee' a narrativ vlida do sentidoe do decurso de uma histria universal da arte. A arte autnomabuscava para si uma histria da arte autnoma que no 'estivessecontaminada pelas outras histrias, mas que t rouxesse emsi mesmao seu sentido. Quando a'imagem hoje retirada do enquadrarnenro,

    241 PARTE I

    pois ele no mais adequado, alcanou-se ento o fim justamentedaquela histria da arte da qual falamos aqui.

    Como realizao cultural, oenquadramento tinha uma importncia togrande quanto a prpria arte que ele capturava. Somente o enquadra-mento fundia em imagem tudo o que ela continha. Somente a histriada arte emoldurava a arte legada na imagem em que aprendemos a v-Ia. Somente o enquadramento institua o nexo interno da imagem. Tudoo que nele encontrava lugar era privilegiado como arte, em oposio atudo o que estava ausente dele, de modo muito semelhante ao museu,onde era reunida e exposta apenas essa arte que j se inserira na histriada arte. A era da histria da arte coincide com aE~do Il!ll~el!.._A era da histria da arte? Mais uma vez necessrio um escla-recirnerito dos conceitos. A idia de uma.__istri~iv~r~~L~.a _aI2.eafirmou-se, fora dos crculos estreitos dos artistas, somente nosculoXrx,;-;-m;did~'e~ q '~ ;-~m~;ri~ d~-qual ela cada vez mais se apro-pri~~~ descendia de todos os sculos e milnios precedentes. Digamosde outro modo: a arte j era produzida havia um longo tempo, massem a noo deque realizava uma histria da arte especfica. Aqui seoferece mais uma vez a comparao com o museu. Os museus tam-bm se serviam de uma arte que surgiu muito tempo antes e sem rela-o com essa, instituio [figo r). Desde ento os artistas tambm tmconscincia do museu e de sua relao, ou contradio, com a idiade histria da arte. Podemos distinguir ~~a era da histria da artede todas as pocas anteriores que ainda no possuam uma imagem-fchadi do cenrio artstico.".oU sejadl~n):l.ll!Jl_nqi,lit.d.iaJI)'~Ptc>,:-E-essenqu~d~~~~'~to--que ~;~.i';m jogo no meu argumento. como se ao"desenquadramento" da arte se seguisse uma nova era de abertura,d indeterminao, e tambm de uma incerteza que se transfere dahistria da arte para a arte mesma.Nesse contexto sintomtico que h algum tempo os artistasqueiram abandonar, como eles dizem, "os quadros rgidos" dos gne-ros artsticos, pelos quais se sentem cerceados. Acreditam que o p-blico tambm forado a um "olhar rgido" para um quadro imvel,por maior que seja o-movimento que a transcorra, como no cinema.Todo gnero artstico mostra-se como um enquadramento em que foi

    o FIM DA HISTRIA DA ARTE E A CULTURA ATUAL 1 2S

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    3/18

    decidido o que poderia tornar-se arte. Mas o significado do enquadra-mento, que mantm o observador a distncia e o obriga a um compor-tamento passivo, estende-se alm disso para a situao geral em que acul tura como tal experimentada.Tem-se a impresso de que haveria no conceito de cultura, desdeo sculo XIX, a compreenso categrica de uma cultura histrica que

    retrospectivamente poderia ser venerada e contemplada, mas tambmcombatida. A luta por "arte e vida" reveladora a esse r espeito, poissignifica que a arte no se encontrava na vida, mas, por assim di-zer, em si mesma: no museu, na sala de concertos e no livro. O olhardo amante da arte para uma pintura emoldurada era a metfora dapostura do homem culto diante da cultura que ele descobria e que-ria compreender, na medida em que a examinava, se assim se quiser,em seus pensamentos, ou sej a, quando a contemplava como um ideal.Esse olhar era e permanecia sempre pblico, ao passo que o artista eos filsofos "faziam" cultura ou a transmitiam de tal modo que a ob-servao desembocava em conhecimento e compreenso.Hoje, ao contrrio, no mais se assimila cultura pela observa-

    o silenciosa como se olha uma imagem fixamente emoldurada, masnuma apresentao interativa tal como um espetculo coletivo. Podemexistir vrios motivos para isso, como o de que produzimos cada vezmenos cultura prpria, mas desenvolvemos tcnicas cada- vez melho-res para reproduzir outra cultura. Com a formao desaparece tam-bm a pacincia para o exerccio cultural obrigatrio e surge o desejopela cultura comoentretenimento, que deve causar surpresas em vezde ensinar, que deve desencadear um espetculo no qual participamosde algo que no mais compreendemos. Os artistas ajustam-se a essedesejo, segundo o "do it yourself' [faa-o voc mesmo], e apresentaminclusive a histria da arre.rsegundo a palavra de ordem do remake,to jocosamente e sem respeito que desaparece aquela timidez surgidadiante da fisionomia irrevogavelmente histrica dela. Em vez de repre-sentar a cultura e a sua histria de maneira rigorosa e irrepreensvel,a arte participa de rituais de remernorao ou, conforme o nvel deformao do pblico, de revistas de entretenimento na qual a cultura solicitada a entrar em cena novamente.

    As novas idias para exposies confirmam a ocorrncia de umdeslocamento na relao entre cultura e arte que contribui com mais

    i'i ." "1

    26 I PA RTE I

    um argumento a favor do "fim da histria da arte" [figs. 28, 29]. Sea t ento era evidente que as exposies mostravam somente arte eeram organizadas apenas em virtude da histria da arte, ou seja, se-guiam o mandamento da arte autnoma, agora multiplicam-se proje-tos de exposies que preparam a cultura (ou a histria) sobre deter-minado tema para o visitante curioso e no para o leitor de um livro.O motivo para a organizao de exposies reside ento menos naprpria arte do que na cultura, que, para ainda ser convincente; temde ser apresentada de maneira visvel por meio da arte. Na Bienal deVeneza de I99 5, Jean Clair planejou no uma retrospectiva sobre aarte moderna do sculo desde que a Bienal existe , mas algo totalmentediferente intitulado Identidade e o outro - uma sinopse das idias so-bre o homem e a sua natureza, na qual. a arte deve oferecer o espelhoem que se delineia a mudana dramtica da imagem do homem.Como a arte sempre foi um subconceito privilegiado da cultura,ela pde desfrutar plena autonomia em seu prprio terreno e sentir-senele livre no apenas dos constrangimentos da sociedade como tam-bm da obrigao de assumir outras tarefas da' cultura. Exatamentenisso consistia o orgulho de uma cultura que se permitia tolerar umaarte livre e qu,: agia segundo os prprios interesses. Os abusos ocorre-ram mais de fora, quando a arte foi ideologizada ou politizada. Hoje,porm, crescem no interior da cultura reivindicaes de posse sobre aarte e no so em primeiro lugar de natureza ideolgica ou poltica. Acultura utiliza muito mais os ltimos recursos para conferir validade asi mesma e se encontra para o bem e para o mal no negcio da prpriamediao, onde ela tambm encarrega arte a obrigao de assumiro lugar de testemunha.

    Essas so at aqui observaes gerais que no levam em consideraoquem participa da histria da arte e quem lucra com ela. Os .artistas,os historiadores da arte e os crticos de arte no tm a mesma imagemda histria da arte, mas todos esto envolvidos nela de modo seme-lhante. A aliana entre o artista e aquele que escreve sobre arte, ambosparticipantes da produo da histria da arte, esteve submetida du-rante longo tempo a uma prova duvidosa. O primeiro era responsvelpelo futuro, o outro pelo passado. A histria que dava (ou tirava) a

    o FIM DA H ISTR IA DA A RTE E A C U LT URA Al UA L I 27

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    4/18

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    5/18

    fundamentar uma teoria da arte vigeme e de uma unidade interna. Asteorias dos artistas ocuparam. o lugar da antiga teoria da arte. Ondefalta uma teoria geral da arte, ali os artistas reservam-se o direito a _uma teoria pessoal que expressam em sua obra.Uma coletnea organizada em 1982por Dieter Henrich e WolfangIser chegou concluso de' que uma teoria da arte integradora teriadesaparecido. Em seu lugar existiriam paralelamente muitas teoriascom responsabilidades restritas uma ao lado das outras, que tambmseparavam a obra de arte de sua unidade esttica e a decompunhamnuma "viso em perspectiva". Prefere-se s vezes discutir mais sobreas funes da arte do que sobre a prpria arte e j se v a experin-cia esttica como um problema que necessita de esclarecimento (Iser).Alguns desses projetos harmonizavam-se surpreendentemente corri as"formas artsticas contemporneas" que superavam na obra de artea "posio histrica de smbolo" e ligavam-na a funes particulares"no pr~)Cessosocial" (Henrich). a falta de autonomia, portamo, queaqui lamentada quando a obra oscila entre a mera idia de arte,por um lado, e um mero objeto com uma forma cotidiana, por outro.Se uma obra se transforma ela mesma em teoria ou se, inversamente,nega a fisionomia esttica, que sempre isolou a arte do mundo dascoisas, perde-se rapidamente 'o solo da teoria clssica da arte.O problema, se que ainda se trata de um problema, surge ape-nas ali onde a filosofia' da arte reivindica um monoplio que na mo-dernidade pode ser to pouco preservado quanto a idia de uma hist-ria da arte linear e unvoca. Por que deveria haver tantos tipos de arte,todos absorvidos por uma nica teoria? Teo ias, obras e tendnciasartsticas rivalizam-se entre si no mesmo nvel, e o prprio pensamen-to assume uma forma jocosa, polmica e artstica, tal como se estavahabituado antigamente somente pela prtica escultrica. Uma novacoletnea com mais de 1.100 pginas, que rene a Art in Theory (Arteem teoria] deste sculo numa seqncia ainda meramente cronolgica,iguala-se em sua colorida variedade prpria histria da arte. Elatraz um subttulo apropriado: An Anthology of Changing Ideas (Umaantologia de idias em mutao].

    Simultaneamente ao meu ensaio anterior, o filsofo Arthur Dan-to publicou, em I984, suas teses sobre o fim da histria da arte, nasquais associava o argumento com uma tomada de posio em relao

    teoria da arte. Numa segunda verso, publicada em I989 na revistaGrand Street, afirmou que a arte, desde que ela prpria formulou a.questo filosfica sobre a sua essncia, transforma-se em "filosofiano medium da arte" (was doing philosophy) e desse modo abandonaa sua histria. J em sua publicao anterior Ti-ansfiguration of theCommon Place [A transfigurao do lugar-comum], Danto pergun-tava-se o que significava o fato de que a arte se deixa definir apenasnos termos de um ato filosfico, a partir do momento em que no sedistingue mais fenomenologicamente de uma forma banal. Referia-senaturalmente a Hegel, como fazem todos os filsofos, quando entoexplanava: "Na medida em que se tornou algo 'diferente, isto , filo-sofia, a arte chegou ao fim". Desde ento os artistas foram eximidosda tarefa de definir a prpria arte e co~ isso ficaram livres tambmde sua histria prvia, na qual tinham de demonstrar o que afinal osfilsofos podiam fazer por eles.Devolvi a tese radicalizada, a fim de desvendar a imagem de umfilsofo que nela se esconde. Mas a questo que Danro formula jacompanha a histria da arte h muito tempo, talvez h tanto tempoquanto se reflete sobre a arte. E h muito tempo encontra-se por trsdessa pergunta a idia de que ela poderia ser uma fico. O "aterra-mento" desse produto da imaginao ocorria sempre que eram colo-cadas em primeiro plano as "artes", no plural de gneros artsticos,cuja histria podia ser escrita. Por isso, Danto diz com acerto que umfim da arte, no sentido de determinada narratiue o] the history of art[narrativa da histria da arte], seja concebvel somente no quadro deuma histria interna, uma vez que fora do sistema no poderia serfeito nenhum prognstico, e portanto tambm no se poderia falarde um fim.Se a arte atinge seu objetivo no espelho de todos os gneros emque durante muito tempo e la foi realizada, agora possvel identificaro que move os nimos. Aqui o progresso, que sempre manteve as artesparticulares vivas no prprio medium, enfraquece como necessidadeno sentido que deteve at agora. O progresso trocado pela palavrade ordem remake. Faamos novamente o que j foi feito. A nova ver-so no melhor, mas tambm no pior - e, em todo caso, umareflexo sobre a antiga verso que ela (ainda) no poderia empregar.Os gneros, que sempre ofereceram o enquadramento slido que a

    30 ! PARTE I o FIM DA HI ST R IA DA A RTE E A C ULTU RA ATUA L I 31

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    6/18

    arte necessitava, se dissolvem. A histria da arte era um enquadra-mento de outro tipo, que fora escolhido para ver em perspectiva oacontecimento artstico. Por isso, o fim da histria da arte o fim deuma narrativa: ou porque a narrativa se transformou ou porque noh mais nada a narrar no sentido entendido at ento.

    No se pense, porm, que isso seja apenas um assunto das velhasmdias, pois tambm as mdias tcnicas hoje existentes caem na mes-ma dificuldade quando so solicitadas a um espetculo de arte e, demaneira semelhante, tendem violentamente dissoluo do seu per-fil comprovado. Numa entrevista concedida ao nmero de junho de1994 de Film Bulletin, Peter Greenaway justifica-se por fazer cadavez menos filmes e cada vez mais exposies. portanto a situaodo cinema, com o seu rgido enquadramento, no qual o observadorj estava fixado na pintura, que ele quer "superar". Por isso interessa-lhe que alguns dos seus filmes sejam adaptados para peas de teatro,embora tambm entenda o palco como limitao para a experinciaesttica-do pblico. Qualquer instante de ordem enche-o de inquieta-o. "Todas as regras e estruturas so unicamente construes", dasquais, contudo, s podemos: nos livrar com muito esforo. Greena-way, historiador da arte e artista numa nica pessoa, estudou a suatcnica de luz ou a sua organizao da imagem freqentemente emantigos pintores, percorrendo os caminhos histricos sem pagar oimposto alfandegrio para os policiais fronteirios da modernidade.Para ele, a tcnica um meio de expresso e, por isso, uma condiocontnua e no restrita arte moderna. Por um lado, como confessana entrevista, ele quer desencadear uma obra de arte barroca em seuconjunto, na qual o pblico vivencie o seu entorno natural como umfilme, e, por outro lado, est fazendo atualmente um filme em preto ebranco, cujo "tema o de que a histria-no existe, mas c onstrudapelos historiadores".Greenaway compreende a si mesmo em tais declaraes comoprotagonista de uma cultura da ps-histria, na qual o fim da hist-ria da arte se cumpre ao mesmo tempo na sua presena espontnea.A cincia da arte no pode lidar com esse tema com a mesma liberda-de, pois deve temer pela sua prpria continuidade. Antes, ela se o cupa

    32 I PARTE I

    da alegoria de sua historiografia ou da arqueologia do saber acumu-lado, tal como se encontra num livro de Donald Preziosi, RethinkingArt History [Repensando a histria da arte], no qual sou citado numaepgrafe, mas no apareo no texto. O livro deve ser compreendidocomo uma "srie de prolegmenos ligados entre si que se antecipama uma histria que tem de ser escrita, se quisermos saber para ondeela caminha", um entendimento portanto sobre a verdadeira histriada histria da arte, tal como foi produzida pela literatura especiali-zada. Um captulo sobre "arte" paleoltica, que como se sabe nuncafoi objeto da disciplina, chega concluso paradoxal de que se nohouve arte, no sentido que a conhecemos, em tempos remotos, tam-bm hoje quesrion ve l se possumos a correta compreenso da arte.No ltimo captulo, o autor faz um jogo de palavras possvel apenasem ingls, quando deixa a critrio do leitor se quiser ler o ttulo como"fim da histria da arte" ou "propsito (ends) da histria da arte".O texto termina com uma descrio da acrpole de Atenas, que eravista atravs do "enquadrarnenro" do Propileu, do mesmo modo ques se.J?ode compreender a histria da arte no enquadramenro de sua,J2.!1p.r.ia--histri;,::,o-errqrrdramento que entrahoje novamente emdiscusso, uma vez que, de repente, visto em toda parte onde antesnem sequer era notado por ns. Em nosso caso, a descoberta de Pre-ziosi, segundo a qual toda histria da arte era uma teoria da histria, a descoberta do enquadrarnento.O fim da histria da arte praticado hoje numa grande quan-tidade de livros cujo assunto no de modo algum tal fim. Eles socoloridos, originais e desinibidos, no sentido de uma disciplina rgidado saber e da demonstrao. A prpria cultura no mais a o severojuiz diante do qual se responde por sua cincia; mas o belo desco-nhecido que se conhece no caminho da seduo. Dito de outro modo,cada um procura seu prprio caminho para se orientar no labirinto dacultura histrica em que se rompeu o fio de Ariadne. Trata-se sempreaqui dos prirnrdios daquilo que se experimenta agora sob uma vagaidia de fim. Num livro publicado em 1994 sobre Winckelmann andthe Origins of Art History [Winckelmann e as origens da histria daarte], o ingls Alex Potts formula, simultaneamente, a questo inquie-tante acerca da fascinao pelos corpos de mrmore nus ou, comose l no ttulo, a questo acerca da Flesh and the Ideal [A carne e o

    D FIM DA HISTRIA DA ARTE E A CULTURA ATUAL I 33

    ~ -- - - - - __ o

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    7/18

    l i1I

    1 \

    I 't; 'I :I: 1

    ideal]. Ela respondida j na foto homoertica em detalhe do corpode Antnoo no belvedere do Vaticano: aquele Antnoo que o impera-dor Adriano deve ter amado uma vez. Mas a distncia historiogrficaem relao ao autor homossexual Winckelmann e a sua arqueologia sutilmente mantida, at quando Walter Pater publica um ensaio so-bre Winckelmann em I867, na Inglaterra, onde toma a palavra parase pronunciar acerca de uma "teoria sobre a auto-experincia sexualperversa na formao e na crtica cultural", COI;IlO escrevia Pater, quese espantava afinal com a "beleza assexuada das esttuas gregas". EPotts prossegue: "Seria anacrnico supor que Pater estava investigan-do uma identidade homossexual, mas o presenciamos no limiar deuma autoconscincia moderna da sexualidade como um fator essen-cial para as definies do eu" .

    .

    34 I PARTE I

    3 O COMEN TRIO DE A RT E C OMO PROBLEM A DA H IS TRIA DA ARTE

    Em nossa cultura o problema da imagem comprovada da histriamostrou-se j h muito tempo no trato da literatura sobre arte coma modernidade. Os mtodos da disciplina, aperfeioados no estudoda arte antiga, prestavam-se muito pouco exposio do perfil con-traditrio da arte moderna, com todas as crises e fraturas do mun-do moderno. Sem dvida, no faltaram tentativas nesse sentido, masa partir delas a arte moderna resultava na maioria das vezes numaforma to modificada que podia ser facilmente adaptada ao modonarrativo praticado pela histria da arte, tornando-se, todavia, dife-rente de si mesma. As necessidades da historiografia da arte e as suasreceitas garantidas venciam sem esforo todas a? dvidas. J se podefalar agora de uma" histria da histria da arte moderna". a hist-ria escrita e no a histria que aconteceu que aceitamos como nossopadro fixo de saber.

    Se nessa poca eu atribua o problema de lidar com a arte con-tempornea aos mtodos insatisfatrios da disciplina, hoje, depoisque todos ns fizemos nossas experincias com tantos mtodosquanto se queria, colocaria as coisas de outro modo. Alm disso, oideal do mtodo correto nunca se cumpre para uma disciplina aca-dmica ocupada com a liberdade "selvagem" de uma obra artstica.O intrprete quer ou servir a uma obra oferecendo solicitamente a35

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    8/18

    encena a histria da arte com seios postios, embora num figurinoautntico. A fotografia est to iluminada que revela tambm a Con-duo da luz na obra antiga como cenografia. A fotgrafa apresenta-se na histria da arte da Virgem ofuscando o medium tcnico pelomedium da pintura. A pose sempre foi o seu tema geral, motivo peloqual Arthur C. Danto j em I987, antes do surgimento dos historyportraits, falava de performance art, na qual a prpria fotgrafa en-trava no palco deixado vazio por seu antigo dup lo. A moldura confir-ma em sua cumplicidade a foto no status de cenografia, assim comoela j fazia na pintura histrica.

    A reapresentao de uma idia imagtica da obra deixa a impres-so angustiante de pseudopresena de um museu de cera e tem comolimite a quebra de um tabu. A distncia em relao histria da arteencolhe e aumenta num nico e mesmo momento, f que no pode-mos afastar ou livrar a histria da histria. Em Film Stills, a artistanorte-americana comeou nos anos 70 a desconstruir o medium filme.Em History Portraits reside, contudo, a idia de que estamos semprefazendo teatro quando hoje nos apossamos da cultura. No so nos-sas peas que so apresentadas, mas criamos para elas palcos perfei-tos, nos quais ns mesmos fazemos o papel dos senhores. Quando acincia da arte apresenta em museus peas que ela prpria no escre-veu, ento os artistas rivalizam com ela para poder entrar em cena nahistria da arte.

    3 A HISTRIA OA AR TE CO MO ESQ UE MA NAR RATIVO

    o empreendimento que Herv Fischer dava por encerrado teve in-cio com a histria da arte defendida pelo florentino Giorgio Vasariem suas biografias de artistas, que apareceram pela primeira vez emI s o, Na introduo segunda parte, ele dizia resoluto que no que-5) b "explicar"ria simplesmente fazer uma tabela com artistas e o ras, mas exp icar, o curso das coisas para o leitor, pois a histria '~verdadeiramenteo espelho da vida humana", tambm permitindo, portanto, conheceras intenes e as aes dos homens. Por isso ele pretende separar naherana artstica "o melhor do bom e o melhor de todos", mas sobre-tudo "descobrir as causas e as razes de cada um dos estilos e expor odesenvolvimento e o declnio das artes".Desde que Vas.?:~,i.edigiu essas frases com uma autoconfianainvefv~i, s-s~;:;-sucessores sentiram-se igualmente compr~metidoscom o projeto de uma histria da arte que fornecesse o padrao se~un-do o qual fosse possvel avaliar a obra individual e_que consntuisse. nuadro em que tudo encontrasse o seu lugar predeternunado. Po-um". , ";~-~.essa histria precisava ser inventada, ao passo que as obras quenela deviam ser inseridas j existiam definitivamente. Num primeiromomento, o empreendimento resultou num ~quema narrativo .des-pretensioso, que o autor podia manejar de modo to abrangente quetudo transcorria conforme o plano. No entanto, a partir do momento

    180 I PARTE II 181

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    9/18

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    10/18

    I f iI "! ,~! .:I'i ! ,i

    :, ,i, ,,t

    "arte", segundo a viso da poca, a histria da arte tambm precisavaempenhar-se. Os assim chamados primitivos, dos quais fazia parte todaarte posterior Antigidade e anterior ao Renascimento, eram aindaobjeto de constrangimento e no podiam ser includos na "era da arte".Entretanto, as fronteiras em relao aos "primitivos" deslocavam-seconstantemente, e por fim eles foram descobertos em torno de I900 naarte "pr-histrica", qual a vanguarda de outrora gostava de se referir,porque efetivamente no pertencia histria da arte.~m sua Storia delta pittura italiana [Histria da pintura italiana],publicada em I792, o abade Luigi Lanzi justificava o seu empreen-dimento num novo interesse do pb lico, que no se satisfazia nemcom a li tera tura de viagem costumeira .!lemcom a eficaz biografia deartistas e sua narrativa anedtica. Por isso no queria "mais escrevera histria dos pintores, mas a histria da prpria arte". Tambm" oesprito da poca exige o sistema" - assim escrevia - de como e porqu, tal como na literatura e na vida dos Estados, as artes se desen-volveram e depois novamente perderam o vigor. Eram os "diletantes"ou "amadores" das belas-artes cujo "gosto" pela qualidade ele queriapromover, na medida em que os arti stas mantinham a sua formaosimplesmente dentro das "instituies", como se dizia na Alemanhaisto , nas academias e nos museus. Lanz i transpunha, portanto, sem'maiores consideraes o modelo de Winckelmann, j conhecido dosseus leitores, para a artevrecente" da Itlia.

    As coisas agravaram-se logo em seguida, quando o saque napo-lenico das artes obrigou a um primeiro panorama da arte europiano Louvre, no qual, entretanto, deixou-se de fora a arte do perodomedieval - que viria a ser pesquisada somente depois de um longotempo pela cincia da arte francesa, numa espcie de arqueologianacional. Ainda em I8r4 pedia-se desculpa no texto que acompa-nhava uma exposio dos "primitivos da Itlia e Alemanha" pelofato de que as obras mostradas remontavam ao "belo sculo dapintura moderna". Quem "preferir determinado tipo de perfeio"se chocar ta lvez com a "spera severidade" dessas obras. Mas osapreciadores certamente aproveitariam a oportunidade "de estudar.a histria da arte na obras originais, tal como ela reflete a marchae o desenvolvimento do esprito humano".

    :' i'.1

    184 r PA RT E 1 1

    A histria da arte como uma nova tarefa da narrativa despertou aospoucos a ambio das jovens geraes tambm na Alemanha, onde,com exceo dos escritos de Winckelmann, dependia-se da literaturasobre arte em lngua estrangeira. Assim, em r820 o pintor Johann Da-vid Passavant, que se tornaria mais tarde o primeiro diretor da Stadelem Frankfurt, imps a si a tarefa de publicar Ansichten ber die bil-denden Knste um Darstellung derselben in Toscana [Perspectivas eapresentao das artes plsticas na Toscana). Ele tinha a "inteno defazer uma apresentao geral ilustrativa do curso das artes plsticasdesde os primeiros impulsos at o seu declnio". Nesse prudente dis-cernimento restringia-se, porm, ao modelo da Toscana, "porque nessaregio a arte alcanou um desenvolvimento bastante privilegiado [...]e tambm a mais conhecida em virtude da excelente obra de Vasari".Ou seja, as Vidas de Vasari continuavam servindo ainda ~0~5di2_c~I1"::dutor para um terreno conhecido, por detrs de cujos limites a histriada"arte no era mais passvel (ou no era ainda) de ser narrada. Noentanto, o autor generaliza quando proclama: "H necessariamentetrs perodos na histria da arte de todo povo em que a arte alcanou oseu pleno desenvolvimento". Somente essa pequena limitao nos de-nuncia o conceito secreto de determinada norma de arte simplesmentepressuposta por Passavant. A histria da arte s pode ser narrada ondea arte encontrou a sua verdadeira determinao. O que era essa verda-deira determinao, a doutrina clssica da arte do sculo XVIII circuns-creveu, pela ltima vez, de um modo universalmente vlido.

    A HI STR IA DA A RT E CO MO ES QUEM A N ARRATI VO I 185

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    11/18

    .:

    6 AN TIGOS E NOVOS MTODOS DA PE SQU ISA EM ARTE:REG RAS DE UMA DISCI PL INA

    Desde o incio, a pesquisa em arte encontrou-se diante da tarefa de in-serir a arte antiga na seqncia coerente de sua histria, sem ter aindaum"conceito geral do que afinal seja arte. Tal conceito, com sua vali-dade universal atemporal chegou ao fim com o llurninismo e com aera das academias, sendo substitudo pelo axioma de uma histria queexplica tudo. Contemplava-se a histria da arte, ou a arte em sua his-tria, quase com a mesma credulidade com que antes "sehavia deixadoimpressionar pela perfeio absoluta da arte. Se toda arte individualtambm tivesse apenas uma posio relativa na histria (pois submeti-da mudana), teria ento a mesma autoridade na plenitude temporalde sua histria, assim como antes possura uma beleza artstica objeti-va e didtica ..A considerao histrica assegura ' arte, de uma outramaneira, tanta autonomia (em vez de determinao exterior) quantoantes o fizera a teoria doutrinria da arte.A histria da arte era nisso quase um tema que s podia ser vis-to nas transformaes formais inevitveis, ou seja, num movimentotemporal em que permaneciam ofuscadas todas as outras caracte-rsticas que a arte possui. A "histria da arte sem nome" como abatizou Heinrich Wlfflin, podia prescindir at mesmo do prprioartista, visto que este, por sua vez, parecia apenas um rgo de exe-cuo da histria. Em sua obra Conceitos fundamentais da histria

    201

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    12/18

    da arte, de 1915, W lfflin diz a esse respeito: " preciso finalmenteuma histria da arte em que se possa seguir, passo a passo, o surgi-mento da viso moderna" e que descreva, "numa srie sem lacunas",a seqncia dos estilos.A representao de um processo autnomo da transformao es-tilstica foi auxiliada involuntria, mas eficienternerite, pela estticafilosfica, por mais que seus interesses parecessem diferentes. Isso sig-

    nifica ainda, em Theodor W. Adorno, que a funo da arte sua au-sncia de funo no campo de referncia prtico-ideolgico, No deadmirar, portanto, que a cincia da arte teve cada vez mais facilidadeem buscar sua explicao histrica apenas na forma artstica, j queesta oferecia o denominador comum para todas as diferenas de obrase de estilos, em suma: a unidade da viso sobre a diversidade da arte.Os mtodos desenvolvidos pela pesquisa emprica em arte tornam-seapropriados para um exame crtico, embora simplificado, quando soavaliados pela imagem histrica com a qual a disciplina se inicia eform~la a questo sobre se afinal eles trazem em si tal imagem. '

    Naquela modalidade de histria estilstica, que atribui a si mesma acapacidade de um sinalizador sempre til, o conceito de "querer arts-tico" transformou-se logo numa clebre e indiscutvel frmula mgicadas prprias foras propulsoras' na mudana conseqente das formas.O conceito derivava do ambiente intelectual elo historicismo, que que-ria dar conta de todo fenmeno histrico segundo seus prprios crir-,rios e, por isso, no podia admi tir que uma poca no pudesse fazer oque outras faziam: se seu "poder artstico" era restrito, seria precisoento supor que ele obedecia a outro "querer artstico". Desse modo,podia-se no apenas avaliar o estilo arcaico ou, na outra ponta da es-cala, o estilo decadente segundo as suas prprias intenes, sem ter dedepreci-Ios diante do perodo do classicisrno, como tambm podia-seampliar a prpria jurisdio sobre toda a extenso da produo arts-tica, sem cair na obrigatoriedade da sua, fundamentao.

    Como o "querer artstico" encontrava-se, de todo m~do, noapenas diacronicarnente sobre o trilho de um desenvolvimento tem-poral, mas tambm representava sincronicarnente uma viso de mun-do ligada ao tempo, tendia-se rapidamente a tomar mesmo a histria202 I PARTE II

    universal como um fenmeno estilstico. Quando os estilos artsticosforam declarados formas de concepo dos est ilos de vida e de pensa-mento apenas para aumentar a jurisdio da prpria explicao his-trica, o exame da forma, numa inverso surpreendente de causa eefeito, penetrou a partir de ento no exame his trico geral: o espritodo tempo como estilo do tempo, assim como, por outro lado, o esti-lo do tempo como fisionomia do esprito do tempo, A histria da arte,com a histria universal, foi declarada simplesmente como sincrnica,embora se evitasse prudentemente toda prova a esse respeito que amea-asse a interpretao histrica idealista.

    Uma outra concepo da histria do estilo foi desenvolvida porHenri Foc illon em Vie des formes [Vida das formas] segundo leisprprias, e complementada contemporaneamente por George Ku-bler em seu fascinante ensaio "The Shape of Time" [A forma dotempo]. Essa concepo bastante marcada pelo antigo modelo deciclo (na natureza, na sociedade e na cultura). Uma forma artstica(entendida como problema artstico ou estilstico) percorre sempre eem toda parte.ciclos semelhantes que subjazem no ao tempo cro-nolgico, mas a um outro plano temporal, ou melhor, ao plano deuma mudana que transcorre em passos sucessivos desde os estgiosiniciais, passando pela maturidade, at a etapa final. O modelo dedesenvolvimento passo a passo como soluo de problema que seestabelecera em outras cincias aplicado aqui sob a forma de umahistria autnoma do estilo.As seqncias descobertas apareciam como 'grandezas finitas, vi s-to que o problema considerado at ento podia naturalmente alterar-se mais uma vez em determinada fase do acontecimento, colocando-senovamente em marcha, desse modo, outra seqncia que buscaria suaprpria curva temporal no estado de evoluo entrementes alcanado.A data de uma obra tem menos importncia do que a idade no ciclo ena seqncia dos projetos estilsticos a partir dos quais foi produzida.Com efeito, uma obra podia 'partilhar com outra, o mesmo tempo eocupar, no entanto, um lugar totalmente diferente na idade de doisciclos, ou seja, ser uma forma inicial no prprio ciclo ou uma formatardia em outro ciclo.

    ANTIGOS E NOVOS MTODOS ,DA PESQUISA EM ARTE I 203

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    13/18

    o "tempo cronolgico" (segundo Siegfried Kracauer) trocado' emtal viso das coisas por um tempo sistemtico; que transcorre no interiorde um sistema como se fosse um ciclo de estilo ou uma seqncia rnor-folgica, e mantm a uma durao e um tempo que no se confundemcom a cronologia. Por fim, so noes biolgicas que se desenvolveramnuma planta de crescimento rpido ou lento. Mas quem era o portadordo desenvolvimento na pesquisa em arte? Como se sabe, as obras nocrescem, e a arte no uma obra, mas uma idia que eventualmente foidesenvolvida sucessivamente em obras. Assim, escolhiam-se caracters-ticas individuais na imagem fenomnica das obras, a fim de reconhecernelas uma curva estilstica sempre pronta a encontrar ou inventar de-senvolvimenros ou disposta a agrupar solues bem ou malsucedidas,influentes ou fracassadas. O sucesso desse mtodo dependeu no apenasda densidade estatstica do seu material, mas tambm do tipo de seleoque atuava melhor ali onde se investigava o menor nmero de caracte-rsticasyossveis no maior nmero de exemplos possveis.

    .,,

    Tais mtodos, cujo modelo histrico permaneceu indeterrninado, vi-cejaram no terreno de um conhecimento que cem anos atrs era avariedade mais t il e bem-sucedida da disciplina, embora se restrin-gisse a criar a matria-prima para uma histria da arte, ainda queoperasse com "seqncias de estilo", que se tornaram procedimentosmetodolgicos. Para dizer de maneira jocosa, a cincia da arte, aindahoje, tambm pode ser dividida dessa maneira: se os seus resultadosobrigam ou no os funcionrios de museu a modificar os dados enomes numa etiqueta da exposio, por mais fabulosos que possamser seus outros conhecimentos. Permanecemos aqui no quadro de umlevantamento de dados que se refere s obras e no histria, e a his-tria manifesta-se a como a soma de obras nas quais est encarnada.Hoje presenciamos uma nova crtica estilstica que se uniu s cinciasda natureza e investiga o procedimento tcnico das obras em vez dasprprias obras, de modo que o levantamento de dados, diferentemen-te de antes, ameaa transformar-se num fim em si mesmo. A sua ma-neira esses pesquisadores tambm. praticam o fim da histria da arte,na medida em que as prprias obras se dissolvem.em dados isolados eos artistas so reduzidos ao seu procedimento tcnico.\

    20 4 I PARTE 11

    Na pesquisa estilstica, o norte-americano Bernard Berenson (1865-1959) e o suo-alemo Heinrich Wlfflin (1864-1945) constituem emseus modos de pensar e em seus campos de atividade um contrastereveladof Berenson orientava os museus e os grandes colecionadoresidentificando os mestres antigos e suas obras, e de maneira to bem-su-cedida que pde adquirir a propriedade rural ITatti, perto de Florena,onde ele posa em 1903 [figo33) como proprietrio orgulhoso de umaobra-prima. A mera "interpretao histrica" no era para ele, comoassinala em Florentine Painters [Pintores florentinos), contrria "in-terpretao artstica". Num estil o deslumbrante, escrevia biografias deartistas de um gnero novo e reunia em seus escritos um museu imagi-nrio da pintura italiana do Renascimento. Vivia de fato to comple-tamente no local e, em seus pensamentos, na poca do Renascimento,que a arte moderna permanecia-lhe estranha, no que coincidia' com oscolecionadores. De maneira que para ele no se apresenta absoluta-mente a problemtica de uma verdadeira histria da arte.Tambrri Wlfflin apegou-se ao ideal do Renascimento italiano,ao qual em 1901 dedicou o livro Die klassische Kunst [A arte clssica),embora buscasse o xito na universidade e nas cncias humanas, ondetirou a disciplina da sombra de uma histria da cultura, ao modo deJakob Burckhardt, e a profissionalizou. Seu mtodo de "ver a arte"em vez de examinar obras satisfazia mais o desejo da elite cultural doque o interesse do colecionador. Desde o comeo ~eferiu-se ao livroProblem den Form [Problema da forma) do. artista Adolf Hildebrand"como uma chuva refrescante cada em solo rido. Finalmente novosmanejos para abordar a arte" e isolar o "contedo artstico" comotema dessa histria. Logo as obras estavam to completamente reduzi-das aos estilo s e s formas que o pndulo balanou novamente e surgiuna iconologia, desenvolvida por Erwin Panofsky (1892-1968), a moda-lidade mais bem-sucedida da disciplina conhecida pelo sculo xx.

    Iconologia era um antigo conceito que, em 1939, Panofsky teve de es-clarecer novamente para poder aplic-Ia em sua metodologia cientfica.A arte, contemplada at ento com tanto prazer nos estilos, no estavamais agora no primeiro plano, mas, ao contrrio, uma "histria dostipos", que queria reconhecer nas obras "as tendncias do espritoANT IGO S E N OV OS MT ODOS DA PESQ U ISA EM ARTE I 205

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    14/18

    . . - -

    , ' I .t !!' : l i,'.1J. !, I

    humano" que se exprimem em "determinados temas e representaes".Em vez de uma histria da arte, estava em questo aqui "uma histriados sintomas culturais", no que Panofsky referia-se aqui a s mbolosno sentido de Ernst Cassirer, que tambm lecionou na Universidade deHamburgo at 1933. A iconologia era solicitada a reencontrar o "sig-nificado prprio" de uma obra (que evidentemente no era mais o pro-jeto artstico) em "documentos" e textos da mesma cultura e da mesmatradio e construir ass im o saber cultural de uma poca tambm a par-tir do espelho da arte. Esse logocentrismo, proclamado justamente noterreno da arte, tornou a disciplina aceitvel no crculo das "Humani-ties" voltadas para textos, nas quais o imigrante Panofsky foi acolhidopelo recm-fundado Instituto de Estudos Avanados de Princeton, ondeas cincias sociais ainda no haviam sido includas. A explicao designificados cumpria o seu sentido atual nos Estados Unidos, onde asbarreiras culturais impediam o tratamento da arte antiga.

    H~, agora muitas modalidades de iconologia, tanto apolticas. como polticas, que ainda tem uma base to slida na disciplina, queela dispe de suas prprias regras lingsticas, pelas quais se deixa re-velar mais rapidamente do que por aquilo que tem a dizer em termosde contedo: o que naturalmente tambm submete minhas observa-es a um teste inoportuno de lealdade. De incio o mtodo pareciaadequado exposio de idias e de temas por si mesmos, sem consi-derao do uso ideolgico a que servira certa vez. Por vezes asseme-lhava-se involuntariam~nte a um jogo coletivo da poca dos antigoshumanistas, que de bom grado reduziam a arte aos textos, uma vezque compreendiam melhor os textos e j que os artistas, para podervender suas obras, faziarn-lhes s vezes concesses de maneira calcula-da. Nesse tempo, a decifrao de uma obra era um ato hermenuticoque j estava programado na codificao da mensagem (sendo o ar-tista freqentemente orientado por especialistas da cultura); afinal umenigma sempre inventado para ser solucionado. O neoplatonismoda poca do Renascimento sempre ainda objeto de fortes contro-vrsias, pois O idealismo presente em seu conceito teve de arcar muitofreqentemente com o fato de que a concepo oferecida pela 'pinturae a sua matria vital eram diludas em metforas frias de idias puras.. Em sua manifestao -rigorosa, a iconologia tinha ainda menoscondies do que a crtica estilstica para escrever uma histria da

    206 I PARTE II

    arte. A medida que interrogava contedos em vez de obras, tambmperdia os suportes anteriores e os eventos de uma histria da arte,aproximando-se de uma "histria da arte como histria das idias".Tambm era obrigada a consultar todas as fontes de imagens possveisque esrivessem fora do espectro da assim chamada arte, abandonandodessa maneira os limites da disciplina. A relao entre "arte pura" e atradio imagtica, no seu sentido mais amplo, sempre gerou proble-mas quando se quis resguardar a histria da arte metOdologicamente,sem ao mesmo tempo restringi-Ia a um pequeno territrio. As vezes oproblema provocava solues foradas, corno.ipor exemplo, quandoAlois Riegl transferiu o conceito de estilo desenvolvido na arte a tudoo que mais tarde viria a ser chamado de "cultura material", buscandodescobrir o estilo tambm na moda e.no domnio cotidiano. Seu pro-cedimento harmonizava-se notavelmente com a estetizao da vida noperodo do [ugendstil, a qual prosseguiria posteriormente nas utopiasde f no design. Essas operaes agitadas nas fronteiras da arte denun-ciam os esforos em lidar com os problemas de uma histria da artepura no meio do mundo histrico,

    A iconologia, por sua vez, fundava-se numa tradio da hermenuticafilosfica que havia muito tempo transformara o processo de com-preenso histrica em seu tema e fornecera os conceitos pesquisaemprica em arte. Onde quer que superasse "a ingenuidade positivistaque reside no conceito de dado, por meio da reflexo acerca das con-dies do entendimento", retomando uma formulao de Hans-GeorgGadamer, partia para uma crtica do positivismo, na medida em que.convocava a uma auto-reflexo do p~ocedimento cientfico. A com-preenso no pode restringir-se "reproduo da produo original"de sentido e forma, como o expressou Gadamer.No caso da experincia esttica, o problema de todo mtodo con-sistia sempre no fato de ser de origem pr-cientfica e, no entanto, sub-metida a um modo de procedimento cientfico. O problema remontaj poca do nascimento de uma esttica filosfica de tipo alem, coma qual logo polemizou uma pesquisa emprica em arte. To logo, aofinal do Iluminismo, o "belo artstico" deixou de ser concebvel em suavalidade absoluta, uma esttica normativa precisou orientar-se fora da

    ANTIGOS E NOVOS Mt TOOOS DA PESQUISA EM ARTE I 207

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    15/18

    " ,i , 1

    11: . ,'. I' , '

    arte e entregou as obras, que rapidamente perderam o lugar de exemplodo universal, pesquisa emprica em arte. O fim do conceito filosficode arte, com princpio, levou ao incio de um conceito hermenuticode obra, o qual permaneceu sem ptria entre as cincias. Isso se modifi-cou na pesquisa em arte somente nas ltimas dcadas, desde que a obraindividual, no sentido abrangente ( diferena da iconologia generaliza-dora), passou a constituir o objeto prprio da interpretao.Como em roda cincia sistemtica, logo o problema propostono mais a arte, mas a interpretao, na medida em que ela se per-gunta pela "verdade cientificamente slida", para diz-lo nas pala-vras de Wilhelm Dilthey. Contudo, o dilogo entre a conscincia queinterpreta e a obra interpretada oculta em si o perigo de que a cons-cincia apenas confirme a si mesma e eventualmente at mesmo custa da obra, que desce condio de mera aplicao da interpreta-o. O intrprete que .perrnanece entregue a si mesmo deixa-se seduzirfacilmente por reproduzir apenas sua interpretao. A aplicao quea cincia da arte fazia dessa hermenutica consistia no juramento aregras rgidas no tratamento da obra, as quais facilmente se enrijecemnum sistema que tudo explica. Hans Sedlmayr apresentou tal siste-ma no "aro criativo da concepo", degradado rapidamente em regraescolar do imitador. Aqui a obra, por assim dizer como um produtoautofabricado pela interpretao da cincia da arte, foi distinguida damera "coisa artstica", que o intrprete encontra antes de despert-Iaem sua interpretao da "obra" ou "recri-Ia novamente".A herrnenurica aqui esboada em termos polmicos deixou su-gestes para a anlise de obras, mas no foi capaz de fundar uma his-toriografia propriamente dita da arte. Com efeito, seus representantesatriburam as pesquisas histricas a uma cincia auxiliar, depois daqual somente se iniciava propriamente a "segunda histria da arte".A terminologia escolar da remanescente logo se mostrou como um obs-

    tculo para uma pesquisa moderna em arte. Afinal a linguagem concei-tual tambm est submetida mudana histrica. Por isso em si umacontradio quando. so fixadas regras universais da questo artsti-ca, as quais, no entanto, so propostas novamente a cada gerao. Denada serve aqui quando asprprias obras so chamadas a decidir sobre'o sucesso da interpretao,.pois elas respondem apenas quelas pergun-tas que ns mesmos Ihesformulamos. Como no processo de compreen-208 I PAR TE 11

    . . w ;~,..Ii'"1t- - 4 t -, .; - 4 < -#: ,f~:' c f

    .,X ~,-t4~

    so sempre est presente tambm um? explicao do intrprete sobre simesmo, a interpretao no constitui uma tarefa que pudesse terminarcom uma soluo encontrada de uma vez por todas.

    Surge um problema merodolgico especfico, que logo cedo tornou-seperceptvel na obra de Heinrich W6lfflin, sempre que tipos ideais daarte so reduzidos a normas atemporais da percepo humana. Os fa-mosos "conceitos fundamentais" de W61lflin constituem um catlogode "leis universalmente vlidas:' que parecem' nascidas com a arte epretensarnente refletem constantes da viso da forma, no sentido fisio-lgico (e mesmo psicolgico). Assim, W611flin classificava os perodosestilsticos, tais como o c1assicismo (Renascimento) e o barroco, compoucas "categorias da viso", como as da forma "aberta" e da "fe-chada" Is quais atribua uma validade universal, to universal quan-to permitia a sua limitada imagem humanista do mundo.Mas o problema que se apresenta aqui muito maior do que essaobjeo d a entender. Nosso olhar sobre a arte est fortemente ligado~s convenes da viso de nosso prprio tempo ("period eye"), ouseja, a tais prescries que no podem ser explicadas somente com acapacidade fisiolgica da viso, O que W6lfflin simplesmente pressu-pe como constantes da percepo humana est submetido, mais doque gostaramos, modificao da nossa conscincia, que filtra porsua vez nossa percepo. J as formas artsticas que vemos so smbo-los da percepo histrica, que exclui do nosso lado todo entendimen-'to ingnuo. Com efeito, no so vistas formas puras e sim aquelas quej esto preenchidas de sentido vital, e, tal como toda expresso dohomem, possui uma constituio psicolgica.'A natureza psicolgica, que originariamente serve a toda criao ar-tstica pessoal, leva-nos a reaes cuja contradio interna fica exposta luz do dia. Por um lado, temos a fruio da forma libertada de si mesma,que est desligada de antigas tarefas e no nos obriga seno a uma con-duta esttica; por isso as obras de.arte sobrevivem tanto tempo s suasinformaes atuais. Por outro lado, ficamos curiosos a respeito de umsentido enterrado nelas e que pressentimos na forma artstica, um senti-do que, com dificuldade, se situa em nossa imagem do mundo e, possi-velmente, inclusive alm dos limites de nosso prprio conhecimento.

    ANTIGOS E NOVOS MT ODOS DA PESQUISA FM AR I E I l q

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    16/18

    "

    I ,

    Tendo chegado to longe, poderamos estar inclinados a entregar psicologia a classificao da forma art stica, ou nos deixarmos inspi-rar por ela. Mas as tentativas correspondentes estavam fixadas, sobre-tudo na psicologia da percepo - obscurecendo outros domnios dapsicologia. Ernst Gombrich escreveu o livro Arte e iluso como uma"psicologia da mudana de estilo", na qual os estilos, assim como ogosto e a moda, exprimem convenes da viso que se confirmamnum motivo da natureza: Dessa maneira, eles do s mudanas dapercepo natural uma figura vi vel e reproduzem um processo per-manente de aprendizado, em cujo decur o toda arte ilusionista tor-nou-se "um acontecimento significativo na teoria da percepo". Osproblemas de mtodo consistem em que a histria da arte e reduzrapidamente a uma histria da vi o.

    De uma perspectiva atual, o axioma da iluso atua como umprincpio arcaico que sub titud pelo pr cedimento tcnico quehoje possumos e, alm disso, encerra um cone ito ingnuo de realida-de: urn conceito de realidade visv I qu duplicado na iluso da ima-gem. Hoje antes a fico, como tema e sentido da arte, que despertanossa curiosidade. Por isso oportun um breve excurso que elucideo questionvel empreendimento de e rever uma histria da arte comos contedos conceituais de fico e realidade. A iluso era uma tc-nica pessoal de reproduo que e erviu por algum tempo de meioscientf icos, bem como da constru per pectiva central, mas que al-canou j no sculo XIX um tal grau de atisfao dos seus propsitosque causou a m reputao de toda arte objetiva. A partir de entoacabou tambm a expectativa de uma duplicao cada vez mais exatada na tureza e, com isso, um sentimento de caminhar ainda sobre Umavia contnua. Aqui situa-se tambm uma ruptura que conduz para ofato de que as coisas no se deixam mais narrar da mesma maneira.A natureza como ambiente j existente e a sociedade como ambien-te criado pelos homens trazem em si um conceito totalmente diferentede realidade. Para compreender a realidade no ltimo sentido, falta-lheento exatamente aquela constante pela qual sepoderia avaliar o desen-volvimento da arte, pois a histria social e cultural, em oposio lentahistria natural, modificou-se contnua e freqentemente num ritmoirrefrevel de acelerao, amide mais rpido, com efeito, do que podia.modificar-se a arte. Sua realidade era sempre uma realidade histrica,

    210 I PA RT E II

    e aqui termina j a competncia da pesquisa em arte, que em disciplinasvizinhas se assemelham s diferentes escolas de pensamento que queremexplicar a histria, cada qual sua maneira.Onde quer que a arte tenha tentado uma interpretao do mundosociocultural, terminou o jogo ingnuo com a aparnc ia e comeouum outro jogo em que as regras eram conduzidas com o propsito decomunicao. Aqui a definio de realidade tambm se mostrou umaempresa incerta, visto que essa definio era contestada entre os gru-pos de interesse da sociedade, onde e les sempre possuam um rgo deexpresso prprio. Na arte do sculo XIX, abstrao e realismo con-frontaram-se durante longo tempo como dois movimentos que nopartilhavam entre si um conceito comum de realidade: a abstraocom o empenho deveras mstico de descobrir uma realidade invisvelpor trs do mundo da aparncia e, ao contrrio, os diferentes realis-mos com a inteno clara de expor criticamente a realidade social oufalse-Ia ideologicamente numa arte oficial. A reproduo da realida-de era sempre orientada pelo interesse de afirm-Ia ou critic-Ia.

    Nem mesmo a .fotografia, que reivindicara para si um monoplio na.apropriao da realidade, cumpriu a sua promessa de reproduzir omundo objetivamente. Nas palavras de Susan Sontag, ela se desen-volveu, para alm de toda a sua disposio para o documento, numa"arte elegaca" que tende agora "a uma estetizao do mundo". Exis-tem do mesmo modo muitos tipos de fotografia que apresentam omundo tal como o detinha a pintura antes da fotografia. Assim,a curta histria da fotografia apresenta um caso modelo no qual aproblemtica da longa histria da arte torna-se compreensvel. Du-rante muito tempo pareceu que a histria da fotografia era apenasuma histria das tcnicas fotogrficas, a saber, como se funcionassemsegundo o lema: fazemos sempre aquilo que podemos fazer a cadamomento. Porm como se pode explicar que, a despeito do aparelhofotogrfico e de sua tcnica neutra, reconhecemos imediatamente osgrandes fotgrafos por seu estilo pessoal? J na temtica escolhidareside sempre uma opo pessoal, e a nota subjetiva amplia-se aindacom a escolha de determinada tcnica, para com ela lanar um olhar.pessoal sobre o motivo.

    ANT IG OS E NO VO S M ~T OOOS DA P ES QU ISA EM AR IE I 211

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    17/18

    ! I1, /! ~

    III'

    Entretanto, muito depois de Man Ray e os surrealistas teremaberto o caminho, penetrou na fotografia a fico que inventa umarealidade prpria para se livrar do dever de reproduzir a realidade.A "fotografia subjetiva", na foto-cal agem, na mltipla exposio ouem outros processos de tratamento realizados pelos fotgrafos, trans-formou-se em fotografia autnoma, pois a fico sempre tambmuma garantia de si do medium. Quanto mais a relao entre cpia emotivo perturbada, mais a cpia triunfa sobre o motivo e se liga aoseu inventor. Em toda fico constitutivo um:momento do pessoal.Ou ela um triunfo da tcnica ou uma expresso da pessoa. Como afotografia, por causa do seu procedimento tcnico, no precisava sepreocupar com a iluso do procedimento pictrico e possua sempre arealidade na assinatura, ela alcanou mais rapidamente o seu objetivona descoberta do ficcional.

    A fic-o, igual e inversamente ao realismo, tambm uma exterioriza-o sobre o mundo, e talvez fosse possvel descrever a histria da artecomo uma histria das fices. Uma histria dos meios, do mesmomodo que uma histria dos artistas, ela com certeza. Porm a rea-lidade tornou-se cada vez mais opaca, desde que o ambiente tcnicodeslocou o ambiente natural e que as imagens tcnicas do mundo lu-tam sem xito na democracia pelo primeiro lugar - tornando-se assimela prpria um tema da narrativa histrica. J o velho realismo, nosentido de Gustave Courbet, era incapaz em sua monocromia polmi-ca, enquanto essa ainda permaneceu compreendida, de conferir digni-dade e validade a uma arte margem da sociedade. Assim que a artese envolveu na realidade, enredou-se sem parar em contradies. A -sim que os artistas comearam a concorrer entre si pela viso corretada realidade, comprometeram-se mutuamente por meio da posiaos resultados. Desse modo, crescia pOUiCO pouco entre o artist.o desejo de uma "verdade" nica, que eles buscavam numa n vadefinio de realidade. No incio do sculo xx, o "e tilo" tr n for-mou-se na grande utopia, sempre que se quis vencer a realidade pelo"estilo" e elev-Ia, por sua vez, a modelo de uma nova ciedade:o "estilo" como ponto de fuga no interior do pluralismo de tema ede orientaes artsticas.

    21 2 I PAR TE 1 1

    Porm a abstrao, 'que havia sido eleita como portadora do "es-tilo", manteve-se por pouco tempo na estrada, e o programa de unir"arte e vida" fracassou devido resistncia "da vida" ou das prpriasiluses. A abstrao cumpriu-se na viso privada de pessoas solitriase se distanciava da cultura de massa ainda mais em sua modalidadedo ps-guerra, a qual os nouueaux ralistes, por seu turno, queriamsuprimir por volta de 1960. Os artistas conceituais exigiam implaca-velmente do observador a confisso da realidade prpria da arte comoa de uma fico voluntria, ao passo que os pintores fotorrealistasatraam-no astuciosamente para uma armadilha da percepo.A arte enredou-se numa relao ativo-passiva indissolvel como seu ambiente, que difama retrospectivamente a histria da "narra-tiva dos mestres" com sua pretenso especial, quando ela no re-conhecida como uma realizao j histrica que teria cumprido seusdois objetivos: de estabelecer solidamente em nossa cultura histricaa arte e em seguida a cincia desta. Por toda parte iniciou-se umaauto-reflexo da disciplina, que, contudo, s vezes se salva numahi tria da cincia, a qual indica sempre o alexandrinismo alcanadopor uma cultura.Caso algum queira se orientar sobre a situao e os mtodosatuais da disciplina, no sendo aqui o lugar para tanto, seria neces-rio proceder geogrfica e culturalmente e acompanhar a evoluoem pases como a Inglaterra, onde a cincia da arte no tem tradioantiga, e o s Estados Unidos, para onde ela emigrou da Alemanha, pois de l que at hoje partem novos impulsos. Nos Estados Unidos adisciplina tambm deve seu avivamento a cientistas de outras especia-lidades - como Norman Bryson, que originalmente pertencia cincialiterria -, pois no parecia to reservada e cannica como se apre-sentava na Alemanha. Na Frana, filsofos como Louis Marin, queatuou na cole des Hautes tudes at sua morte precoce, e, na Itlia,representantes da escola de Umberto Eco, como Omar Calabrese, en-sinaram a disciplina cincia da arte segundo outro estilo de pensamen-to. O neto criticism nos Estados Unidos e a esttica d recepo, oumesmo o desconstrucionismo, tiveram repercusso, por ua parte, naprtica disciplinar, como se pode concluir a partir de um panorama in-formativo apresentado por Stefan Germer e Isabelle raw, n nmerode julho de 1994 de Texte zur Kunst.

    ANTIGOS E N OVOS MTOOOS Q A PESQU ISA EM ARTE I 213

  • 7/27/2019 belting, hans. ''o fim da histria da arte - cap. 2''

    18/18

    No E rados Unidos, Arthur C. Danto, que se posiciona m fi-l ofo da prtica artstica, tambm transfor~ou o discurso da hi tri ada arte em seu tema, iniciando o dilogo sobre o argumento do "fimda histria da arte" (cf. p. 31). Num livro recente, Art History's His-tory [Histria da histria da arte], Vernon Hyde Minor oferece-nosuma viso privilegiada sobre as tradies da disciplina que dificilrnen-t~ so compreendidas no meio anglo-saxo e acrescenta uma sinopsesirnplificada sobre semitica, feminismo e desconstrucionismo, comose j houvesse ocorrido aqui uma cultura cannica, segundo a qualse pode manter a ordem do dia. O descenrralismo que reside nessaevoluo certamente ter como conseqncia o fato de que logo sevoltar com um sentimento nostlgico para a histria da disciplina, demodo que se narre como foi uma vez na cincia da arte.

    , ,,

    I ' , ~.1'jd

    f

    I

    2141PART Ett

    7 HISTR IA DA AR TE OU OBRA DE ART E?

    Sempre que a histria da arte pareceu esgotada como tema, a obra dearte se ofereceu como uma alternativa que pelo menos possua umaexistncia fsica e ocupava um lugar no qual se podia visit-Ia. A obrade arte tem uma realidade prpria incontestvel, e por i sso prefere-se acreditar que sempre foi o primeiro e mais importante objeto dape quisa em ar te. Mas isso totalmente diferente quando nos apro-fundam na literatura sobre arte que, no sculo XVIII, falava da arteante de tud com um ideal do qual a obras singulares podiam serapen te ternunha ,a pa so que, no cul XIX, a inveno "histriada art " reduziu mai uma vez t da a br t tu de documento,a saber, da u esso de e til , ela ev lu t .: em ambos os casos,as obras eram antes temas secundrio da pesquisa, subordinados atemas prioritrios como "arte" ou "histria da arte". Somente maistarde, talvez apenas no ps-guerra, quando a arte contemporneacontestou impiedosamente o conceito de obra, imps-se o reconhe-cimento hesitante de que a pesquisa em arte obteve a sua verdadeiracreelibilidade a partir da posse de obras e de que podia falar sobreformas temporais da arte somente enquanto dispusesse de obras naquais esse tempo estava incorporado de maneira visvel.A obra de arte possui uma unidade peculiar que possibilita umaforma totalmente prpria de narrativa: a interpretao. Ela n 'slIl