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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA F ILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
BERENICE BOLZANI
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL: TECENDO PERSPECTIVAS PARA
OS ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO.
Um estudo na Escola Técnica Estadual “Dr. Júlio Car doso”
FRANCA
2009
BERENICE BOLZANI
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL: TECENDO PERSPECTIVAS PARA
OS ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO.
Um estudo na Escola Técnica Estadual “Dr. Júlio Car doso”
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção d o Título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social – Trabalho e Sociedade . Orientadora: Profª. Dra. Djanira Soares de Oliveira e
Almeida
FRANCA
2009
Bolzani, Berenice Orientação profissional: tecendo perspectivas para os alunos da rede pública de ensino. Um estudo na Escola Técnica Estadual “Dr. Júlio Cardoso” / Berenice Bolzani. –Franca : UNESP, 2009. Dissertação – Mestrado – Serviço Social – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Ensino profissionalizante – Franca (SP). 2. Educação – História – Brasil. 3. Orientação profissional. 4. Ensino – Globali- zação – Políticas públicas. CDD – 370.981
BERENICE BOLZANI
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL: TECENDO PERSPECTIVAS PARA
OS ALUNOS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO.
Um estudo na Escola Técnica Estadual “Dr. Júlio Car doso”
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Di reito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita F ilho”, para obtenção do Título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social – Trabalho e Sociedade.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _______________________________________ __________________
Profª. Dra. Djanira Soares de Oliveira e Almeida
1º Examinador: _____________________________________ _________________
Prof. Dr. Hélio Braga Filho / UNI-Facef
2º Examinador: _____________________________________ _________________
Profª. Dra. Cirlene Apare cida H. da Silva Oliveira / FHDSS-Unesp
Franca, ______ de _____________de 2009.
Saber viver Não sei... se a vida é curta ou longa demais para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura... Enquanto durar
Cora Coralina
A quem transformou um sonho em realidade.
Profª. Djanira Soares de Oliveira e Almeida
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus pais, José e Marta, pelo amor e confiança incondicionais;
Aos meus filhos Murillo e Lorenna, meu marido Alexandre, pela compreensão,
carinho e estímulo;
Aos meus irmãos Bruno, Bráulio e Bercson;
À minha irmã e amiga Berliete, e minhas amigas e “irmãs de alma” Cléria e Renata,
pelo apoio, incentivo e colaboração;
A meus companheiros de “jornada acadêmica” representados pelos amigos: Regina,
Roberto, “Bel”, Marina e Angélica;
Aos funcionários, professores e coordenadores da pós-graduação da UNESP de
Franca, pela atenção, dedicação, colaboração e paciência, e também àqueles que
conseguiram unir o profissionalismo à amizade: Laura, Maísa, Neide, Luzinete,
Mauro, e, como é carinhosamente conhecida, Gigi;
Em especial à Profª. Drª. Célia Maria David;
Aos membros da banca para qualificação, Profª Drª. Cirlene Aparecida H. da Silva
Oliveira e Profª Drª. Ana Cristina Nassif, por terem aceitado analisar e criticar o
projeto, colaborando imensamente para a construção e finalização do trabalho;
Aos meus amigos e colegas de trabalho do Fórum de Franca, por toda a
compreensão e incentivo, representados pelos amigos: Sandra Bernal, Marilúcia,
Pedro e Davi.
Em especial ao Dr. Frederico Augusto Monteiro de Barros.
Ao Professor Dr. Hélio Braga Filho do UNI-FACEF pelas orientações e pelo valioso
material gentilmente cedido;
Aos funcionários, professores e coordenadores da E.T.E. “Dr. Júlio Cardoso”, pela
total colaboração, apoio, incentivo e atenção, em especial ao Diretor Prof. Mauriel
Arley Abib, à Coordenadora Profª. Rosângela Parzewski Neves e ao Prof. Ricardo
Alexandre Ferrarez que, generosamente, colaboraram sobremaneira para a
realização desta pesquisa;
Aos que, embora não tenham sido citados, serão sempre lembrados;
Ao nosso Pai Maior, pela oportunidade, possibilidade e perseverança.
A todos meu respeito, admiração, carinho e gratidão.
LISTA DE SIGLAS
BBT Berufsbilder Test
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Mundial
CCQs Círculos de Controle de Qualidade
CEETEPS Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
CEFET Centros Federais de Educação Tecnológica
CNI Confederação Nacional da Indústria
CPP Centro de Pesquisas e Psicodiagnóstico
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
EAJ Educação de Jovens e Adultos
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ETEC Escola Téncica
FIESP Federação das Indústrias do Estado
FMI Fundo Monetário Internacional
FUVEST Fundação Universitária para o Vestibular
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEL Instituto Euvaldo Lodi
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
IPES Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais
ISOP Instituto Nacional de Seleção e Orientação Profissional
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
NTI Novas Tecnologias da Informação
OIT Organização Internacional do Comércio
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PEA População Economicamente Ativa
PROEJA Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
ProUni Programa Universidade para Todos
SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviços Nacionais de Aprendizagem Industrial
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNI-FACEF Centro Universitário de Franca
UNIFRAN Universidade de Franca
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Números da Educação no Brasil no ano de 2000 .............................55
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Ensino Médio (N=64)..................... ........................................................98
Tabela 2 – Ensino Técnico Profissional em Enfermage m (N=45) .......................99
Tabela 3 - Ensino Médio Técnico Profissional em Inf ormática (N=28) .............100
Tabela 4 – Dados Familares ......................... ........................................................102
Tabela 5 – Escolaridade............................ ............................................................104
Tabela 6 – Projeto Profissional .................... ........................................................106
Tabela 7 – Experiência Profissional ................ ....................................................110
Tabela 8 – Orientação Profissional................. .....................................................112
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside
dos alunos do Ensino Médio......................... ....................................98
Gráfico 2 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside dos
alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Enfe rmagem .........99
Gráfico 3 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside dos
alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Info rmática ..........100
Gráfico 4 – Distribuição por alunos do Ensino Médi o e EnsinoTécnico
Profissional ....................................... ...........................................................102
Gráfico 5 – Distribuição por alunos do Ensino Médi o e EnsinoTécnico
Profissional ....................................... ...........................................................104
Gráfico 6 – Distribuição por alunos do Ensino Médi o e EnsinoTécnico
Profissional ....................................... ................................................106
Gráfico 7 – Distribuição por alunos do Ensino Médi o e EnsinoTécnico
Profissional ....................................... ...........................................................110
Gráfico 8 – Distribuição por alunos do Ensino Médi o e EnsinoTécnico
Profissional ....................................... ...........................................................112
BOLZANI, Berenice. Orientação profissional: tecendo perspectivas para os alunos da rede pública de ensino: um estudo na escola técnica estadual “Dr. Júlio Cardoso”. 2009. 134 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
RESUMO
Este trabalho apresenta o resultado da pesquisa realizada com alunos do ensino médio e ensino médio técnico-profissional, com o objetivo de verificar como os alunos da rede pública de ensino estão construindo seu projeto profissional, como eles se situam diante do mercado de trabalho e de seu futuro profissional. A preocupação com o tema da escolha profissional dos adolescentes diante do mundo atual fundamentou-se no questionamento sobre o papel da educação e sua relação com as mudanças no processo produtivo e no mercado de trabalho e suas implicações na construção dos projetos profissionais dos alunos da rede pública de ensino. Dessa forma, o estudo buscou contextualizar historicamente as transformações ocorridas no mundo do trabalho; contextualizar a educação e seu envolvimento com o mercado de trabalho; revelando as mudanças que ocorreram através do tempo, suas representações e construções sociais e, ainda, fornecer informações sobre a Orientação Profissional. O estudo foi desenvolvido segundo o método qualitativo, com a aplicação da lógica dialética, pois permite conhecer a especificidade histórica e a construção social dos fenômenos existentes, para que se possa agir conscientemente para sua transformação. As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram: (I) questionário estruturado, com informações objetivas sobre a história de vida do aluno e de seus familiares, e (II) depoimento escrito pelos alunos, a partir de um tema proposto pela pesquisadora. A análise dos dados foi realizada em dois momentos distintos: a) a descrição dos dados obtidos a partir do questionário, e b) a análise do conteúdo das redações dos alunos. As considerações feitas neste estudo, abordando o trabalho e a educação, fomentam a principal discussão que focaliza, em especial, a questão do futuro profissional dos alunos da rede pública de ensino frente aos desafios de construir seu projeto profissional, e as possíveis contribuições do orientador profissional junto a estes alunos. Nesse sentido, finaliza apresentando como proposta a inserção dos profissionais especializados em orientação profissional nas escolas da rede pública de ensino, buscando auxiliar esses alunos na construção de seus projetos profissionais. Palavras-chave: mercado de trabalho. educação. orientação profissional.
BOLZANI, Berenice. Orientação profissional: tecendo perspectivas para os alunos da rede pública de ensino: um estudo na escola técnica estadual “Dr. Júlio Cardoso”. 2009. 134 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
ABSTRACT
This work presents the result of the research with students of high school and high school professional education, with the objective of verify how the students of the public schools are constructing their professional project, how they place themselves ahead of the work market and their professional future. The concern with the subject of the professional choice of the adolescents ahead of the current world, based on the questioning on the actuation of the education and its relation with the changes in the productive process and the work market and its implications in the construction of the professional projects of the students of the public schools .This way, the investigation describe the transformations historically occurred in the world of the work; to describe the education and its participation with the work market; disclosing the changes that had occurred through the time, its social representations and constructions and to supply information on the vocation guidance. The study was developed according to qualitative method, with the application of the logical dialectic, therefore it allows knowing the peculiarity and the social construction of the existing phenomena historical, and so that if it can act conscientiously for its transformation. The techniques used for the assortment of data had been: (I) questionnaire structuralized, with objective information on the life history of the student and their family, and (II) student testimonial written from the subject given by the researcher. The analysis of the data was carried through at two distinct moments: a) the description of the data gotten from the questionnaire, and b) the analysis of the content of writings of the students. The considerations made in this research, approaching the work and the education, foment the main quarrel that it focuses, in special, the question of the professional future of the students from the public net of education face to the challenges to construct their professional project, and the possible contributions of the professional person who orientates these students. In this direction, it finishes presenting as proposal of insertion of the professionals specialized in vocation guidance in the schools of the public net of education, searching to assist these students in the construction of their professional projects. Keywords: work market. education. vocation guidance
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14
CAPÍTULO 1 O MUNDO DO TRABALHO ..................... ..........................................18
1.1 O trabalho no tempo ou o tempo do trabalho? .... ..........................................18
1.2 A globalização e suas implicações no mundo do t rabalho ...........................28
1.3 As transformações no Mundo do trabalho ......... ............................................32
CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO.............................. ......................................................41
2.1 A educação e o mercado de trabalho............. .................................................42
2.2 A educação no Brasil ........................... .............................................................47
2.3 Educação Profissional no Brasil................ ......................................................56
2.4 A Educação no município de Franca.............. .................................................62
CAPÍTULO 3 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL............... ......................................66
3.1 A “adolescência normal”........................ ..........................................................72
3.2 A formação dos orientadores profissionais ...... .............................................75
3.3 O papel do orientador profissional nas escolas. ............................................79
3.4 As relações entre o trabalho, a educação e a or ientação profissional ........82
CAPÍTULO 4 METODOLOGIA............................. ....................................................87
4.1 A pesquisa ..................................... ....................................................................93
4.2 Análise e discussão dos dados .................. .....................................................95
4.2.1 Análise descritiva do questionário ....................................................................97
4.2.1.1 Identificação dos alunos................................................................................97
4.2.1.2 Dados familiares..........................................................................................101
4.2.1.3 Escolaridade................................................................................................103
4.2.1.4 Projeto profissional ......................................................................................105
4.2.1.5 Experiência profissional...............................................................................109
4.2.1.6 Orientação profissional................................................................................110
4.2.2 Análise do conteúdo dos depoimentos escritos .............................................112
CONCLUSÃO .......................................... ...............................................................119
REFERÊNCIAS.......................................................................................................124
APÊNDICE
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO/ENSINO
MÉDIO TÉCNICO-PROFISSIONAL ......................... .....................133
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de Franca/SP,
apresenta o resultado da pesquisa realizada com alunos do ensino médio e ensino
médio técnico-profissional no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza – unidade “Dr. Júlio Cardoso” na cidade de Franca, interior de São Paulo,
com o objetivo de verificar como os alunos da rede pública de ensino estão
construindo seu projeto profissional, como eles se situam diante do mercado de
trabalho e de seu futuro profissional.
A escolha pelo tema é decorrente de uma experiência anterior, fruto de
uma pós-graduação na área de Orientação Profissional, realizada no ano de 2005
na Centro Universitário de Franca (UNI-FACEF), iniciando-se, ainda em época mais
remota, quando da participação em um curso, no ano de 2004, na Universidade de
São Paulo (USP)-Ribeirão Preto, destinado à aprendizagem da aplicação do BBT-
BR- Teste de Fotos e Profissões (BBT- Berufsbilder Test), de Martin Achtnich,
método projetivo para a clarificação da inclinação profissional, adaptado ao contexto
brasileiro pela equipe do Centro de Pesquisas e Psicodiagnóstico (CPP), para ser
utilizado em processos de Orientação Profissional.
Em razão disso, a preocupação com o tema da escolha profissional dos
adolescentes diante do mundo atual estimulou esta pesquisa, que buscou
contextualizar historicamente as transformações ocorridas no mundo do trabalho;
contextualizar a educação e seu envolvimento com o mercado de trabalho,
revelando as mudanças que ocorreram através do tempo, suas representações e
construções sociais e, ainda, fornecer informações sobre a Orientação Profissional.
No entanto, descrever a história de todos estes acontecimentos
ultrapassa, em muito, os objetivos deste trabalho. É necessário, entretanto, sintetizar
alguns aspectos históricos relevantes e comentar brevemente os seus impactos
mais visíveis para a formação do contexto atual e discutir, a partir destes
levantamentos, as possíveis contribuições dos profissionais especializados em
orientação profissional para os alunos da rede pública de ensino que se encontram
frente ao desafio da construção de seus projetos profissionais, a fim de oferecer
subsídios para a construção de instrumentos e experiências que os auxilie nas suas
escolhas.
Este estudo fundamentou-se no questionamento sobre o papel da
educação, e sua relação com as mudanças no processo produtivo e no mercado de
trabalho, bem como as transformações ocorridas na dinâmica social e as
implicações dessas, na construção dos projetos profissionais dos alunos da rede
pública de ensino. Corroborando a necessidade de mais estudos na área, a fim de
verificar os fatores responsáveis pelas escolhas profissionais, bem como divulgar as
possibilidades de atuação dos profissionais especialistas em orientação profissional
junto a esses alunos.
As relações entre o trabalho e a educação estão alicerçadas no
movimento sócio-histórico e são frutos da combinação de elementos tanto da ordem
econômica, quanto política, ideológicas e culturais.
Assim, conhecer as alterações que ocorreram no mundo do trabalho, seus
impactos, tanto positivos quanto negativos que se processou no decorrer dos
tempos até a atualidade, se faz imprescindível. Alterações estas, que foram se
configurando em novas divisões, em mudanças de conteúdo, tanto na quantidade,
quanto na qualidade do trabalho, exigindo em razão disso, novas demandas para a
qualificação humana.
Fato este, decorrente da capacidade dos trabalhadores em ampliar seus
conhecimentos, o que se tornou uma característica decisiva para o mundo do
trabalho, trazendo implicações diretas para a educação. Assim, definem-se novas
propostas na área educacional, além de suas atualizações, num contínuo
aprendizado e aperfeiçoamento.
No primeiro capítulo, o trabalho apresenta um breve percurso sobre a
representação do trabalho no desenvolvimento das sociedades, sua construção
histórica e seu papel social nos principais movimentos de nossa história. Mostra
como o desenvolvimento e consolidação do capitalismo como nova formação
econômica, política e social foi estabelecendo novas relações de trabalho e
diferentes modos de produção.
Dessa forma, para situar as reflexões concernentes ao novo cenário que
se desenvolveu no mundo do trabalho, foi necessário apontar os efeitos da
globalização liderados pelo capitalismo.
Em razão das grandes mudanças na economia mundial, manifestadas
tanto no mundo do trabalho quanto nos âmbitos políticos e financeiros, foi oportuno
identificar e analisar as alterações do padrão produtivo, cuja implementação
provocou alterações significativas no mundo do trabalho, com grandes implicações
para os sistemas educacionais.
O segundo capítulo descreve como se deu a formação do sistema
educacional, seus principais objetivos e sua relação com a evolução do mercado de
trabalho. Descreve os principais aspectos na relação entre a educação e as
mudanças ocorridas no mundo produtivo, salientando a sua importância para a
promoção social e econômica dos alunos, bem como para o desenvolvimento de um
país.
Faz, ainda, um relato do desenvolvimento da educação no Brasil,
perpassando pela história da educação profissional, sua legislação e a forte
influência dos movimentos históricos para a configuração dos sistemas educacionais
atuais. Depois disso, discorre sobre o momento atual da educação no município de
Franca, com destaque para os cursos técnico-profissionalizante oferecidos pelas
diversas instituições de ensino desta natureza
O terceiro capítulo descreve como se deu o desenvolvimento do campo
da Orientação Profissional, a partir da contribuição de seus principais teóricos. Além
disso, levanta alguns aspectos característicos da adolescência, trazendo alguns
conceitos importantes dessa fase do desenvolvimento humano para auxiliar na
compreensão de determinados comportamentos dos adolescentes frente às pessoas
e grupos com os quais se relaciona e as várias implicações para a construção de
seu projeto profissional.
Neste contexto, complementa trazendo a contribuição da Orientação
Profissional como prática que auxilia não somente na escolha profissional, como
também na elucidação das dúvidas comuns e pertinentes a esta fase profundamente
marcada por incertezas e expectativas.
Em razão da oportuna preeminência na aprovação do Projeto “Serviço
Social Escolar” (CRESS-9ª Região, 2004), que visa assegurar nas escolas estaduais
a presença de Assistentes Sociais, sugere a Orientação Profissional também como
possibilidade de atuação, em razão deste campo de trabalho não ser prioridade
desta ou daquela categoria profissional, mas sim de todas aquelas que se
preocupam com a escolha profissional adequada não somente em termos da
inserção no mercado de trabalho, mas que contemple as necessidades individuais,
resguardando o espaço da subjetividade humana.
Dessa forma, as considerações feitas neste estudo, abordando o trabalho
e a educação, enquanto categorias estudadas e analisadas por pesquisadores nos
diversos campos das ciências sociais, fomentam a principal discussão que focaliza,
em especial, a questão do futuro profissional dos alunos da rede pública de ensino e
as possíveis contribuições do orientador profissional junto a estes alunos, frente aos
desafios em construir seu projeto profissional.
Nesse sentido, o trabalho finaliza apresentando como proposta a inserção
dos profissionais especializados em orientação profissional nas escolas da rede
pública de ensino em nosso país, buscando auxiliar os alunos na construção de
seus projetos profissionais, pois o ambiente escolar representa um espaço
privilegiado para o desenvolvimento da orientação profissional.
Nele, o orientador profissional pode proporcionar meios à reflexão sobre a
importância do futuro profissional, sobre as decisões relativas à inserção do aluno no
mundo do trabalho, bem como, sobre a responsabilidade de suas “escolhas”. Pode,
ainda, promover a formação de redes entre o estado/município e sociedade
empresarial e civil, gerando espaços de colaboração e participação da sociedade
para a inclusão desses alunos no mercado de trabalho.
CAPÍTULO 1 O MUNDO DO TRABALHO
1.1 O trabalho no tempo ou o tempo do trabalho?
Ao longo da história da humanidade, o homem foi, paulatinamente,
desenvolvendo seus conhecimentos, ajustando-os às suas necessidades de
sobrevivência em função de sua evolução. Desde o seu nascimento, encontra-se
integrado a um determinado grupo humano e com ele estabelece um conjunto de
comunicações e interações, desempenha diferentes papéis e adapta-se a várias
situações durante toda sua existência. A partir dessa dinâmica de relações promove
o autodesenvolvimento e a evolução do próprio grupo em que está inserido.
Os homens em conjunto formam as sociedades, numa interação constante
com o meio ambiente, construindo sua cultura e sua história. É a influência de
ambientes sociais que distingue as diversas comunidades e nações, transformando
o homem biológico em homem social. Este resultado foi conquistado pela ação do
homem sobre a natureza caracterizada como Trabalho.
Mas, o resultado do trabalho não é obra de um homem isolado, ela tem
sempre um caráter social, pois, no processo de produção de bens materiais, os
homens se relacionam de uma forma ou de outra, e o trabalho produzido por cada
pessoa converte-se numa parcela de trabalho de um grupo, contribuindo, dessa
forma, para a formação do trabalho social.
Para Engels (1876, não paginado),
[...] os economistas afirmam que o trabalho é a fonte de toda riqueza. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.
Desde a antiguidade e em todas as ocupações o trabalho humano sempre
foi pensado e planejado, sendo essa, sua característica essencial, que o distingue
das atividades executadas pelos outros animais, pois diferente deles, que se
adaptam passivamente ao meio ambiente, o homem atua sobre ele ativamente,
obtendo os bens materiais necessários para sua existência, transformando a
natureza com seu trabalho. Esse processo inclui, também, a fabricação dos
instrumentos especiais e necessários para o desenvolvimento de suas atividades.
A necessidade e o desejo dos homens em facilitar o seu trabalho e, ainda,
em dispor de reservas para enfrentar as intempéries, características da natureza, os
incentivaram a aperfeiçoar os seus instrumentos e a criar hábitos de trabalho. Para
Aranha e Martins (1986, p. 56) além de transformar a natureza e de proceder a
união dos homens, o trabalho transforma o próprio homem.
Isto significa que pelo trabalho o homem se autoproduz: desenvolve as suas habilidades, a imaginação; aprende a conhecer as forças da natureza e a desafiá-las; aprende a conhecer suas próprias forças e limitações; relaciona-se com os companheiros e vive os afetos de toda relação; impõe-se uma disciplina. O homem não é sempre o mesmo, pois o trabalho altera a visão que ele tem do mundo e de si mesmo. (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 56)
Historicamente, o papel do trabalho na vida do ser humano foi sendo
alterado significativamente. Na Antiguidade Clássica foi considerado como uma
função desprezada, pois era visto como castigo e sofrimento, sendo exercido por
escravos. Conforme Aranha e Martins (1986, p. 56) a etimologia da palavra trabalho
vem do vocábulo latino, tripaliare, do substantivo tripalium, aparelho de tortura
formado por três paus, ao qual eram atados os condenados, ou também, que servia
para manter presos os animais difíceis de ferrar, daí a associação do trabalho com
sofrimento, esforço, labuta e tortura.
Na tradição judaico-cristã, o trabalho associa-se também à noção de
punição. A Bíblia, Gênesis, capítulo 3, versículo 19, diz: "Comerás o teu pão com o
suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado, porque és pó." Decorre
desse princípio bíblico o trabalho com o sentido de obrigação, dever e
responsabilidade.
As Reformas Religiosas também tiveram grande influência na concepção
do trabalho. Baseando-se na necessidade de salvação do homem e de sua
aproximação a Deus, e como forma de não cair em tentação, surge a idéia de que
trabalho é Salvação, é Virtude. Decerto que as preocupações da Igreja, com as
questões do trabalho, possuem uma correlação direta com os contextos sócio-
econômico e políticos das populações, embora, seja importante salientar que, no
transcorrer da história, tais preocupações mantiveram estreitas relações com o
poder dominante.
Segundo Oliveira (2001, p. 5) a história do trabalho começou quando o
homem buscou os meios para satisfazer suas necessidades. Na medida em que
essa satisfação foi atingida, ampliaram-se as necessidades a outros homens
criando-se, assim, as relações sociais que determinaram a condição histórica do
trabalho. O trabalho, então, ficou subordinado a determinadas formas sociais,
historicamente limitadas, aliadas às organizações técnicas que caracterizam o
chamado “modo de produção”, dos períodos históricos correspondentes.
Escravismo, feudalismo e capitalismo são formas sociais em que tecem as relações que dominam o processo de trabalho, a forma concreta do processo histórico, sob determinadas condições, que cria essas relações fundamentais. O processo histórico é compreendido, portanto, pela forma como os homens produzem os meios materiais, a riqueza. A produção e o intercâmbio constituem a base de toda a ordem social, na medida em que o processo de trabalho e as relações de produção se realizam em determinada forma história concreta. (OLIVEIRA, 2001, p. 6)
Para Oliveira (2001, p. 6), o processo de trabalho é o resultado da
combinação do objeto, dos meios, da força e do produto do trabalho, onde o objeto
compreende a matéria que será transformada, os meios são os instrumentos
necessários para sua realização, bem como o ambiente em que ela acontece, a
força de trabalho corresponde à energia humana empregada no processo de
transformação e o produto é o objeto criado para satisfazer as necessidades
humanas.
No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do instrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se o produto. O produto é um valor-de-uso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto... Observando-se todo o processo do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que meio e objeto de trabalho são meios de produção e o trabalho é trabalho produtivo. (MARX, 1867, v.1, pte. 3, online).
O produto do processo de trabalho é considerado, então, um valor de uso,
encerrando, nesse processo, apenas o trabalho comum a todas as formas sociais,
onde bastaram apenas o homem e seu trabalho no intercâmbio com a natureza e
seus elementos materiais. Quando o produto do processo de trabalho, no seu valor
de uso, representar uma mercadoria, será acrescido de seu valor de troca.
O que determina o valor de troca, segundo Oliveira (2001, p. 7), são as
relações estabelecidas entre os homens na busca de produção. Marx denominou-as
“relações de produção”. As relações de produção podem ser técnicas, quando os
agentes da produção se organizam de acordo com a natureza do trabalho, e sociais,
quando as relações se estabelecem entre o produtor direito e o indireto. No
processo de produção são as relações sociais que determinam as condições de
trabalho, sendo apontadas nos diferentes períodos da história da humanidade.
O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho. (MARX, 1867, v.1, pte. 3, online).
Nas civilizações primitivas o trabalho começa com a elaboração de
instrumentos para a caça e pesca. Oliveira (2001, p. 11) aponta que as formações
primitivas, também conhecidas como comunidades tribais, foram estudadas por
Marx e Engels e constituem a última etapa das sociedades sem classes. A terra é
propriedade comum, pertence a toda a comunidade e a principal atividade
econômica é a agricultura, ao lado da criação de animais, da caça e da pesca. O
produto do trabalho também é propriedade coletiva.
O desenvolvimento da propriedade privada da terra aparece nas
formações antigas. Segundo Oliveira (2001, p. 23) na Grécia no século XII a.C. e em
Roma no final do século VI a.C., as terras ficavam concentradas nas mãos das
famílias com privilégios de classes e alguns poucos camponeses, sendo, estes
últimos, totalmente dependentes do domínio aristocrático, já apontando a má
distribuição de terras.
Além da produção do campo desenvolve-se a produção artesanal com a
finalidade de atender as necessidades locais. A expansão dos territórios e a
mercantilização da economia promoveram as formações escravistas.
Ser escravo significa que um homem é propriedade jurídica de outro homem. Como propriedade, o escravo é obrigado a trabalhar para seu dono, produzindo riqueza e prestando serviços gerais. Como produtor de riqueza, trabalha no campo, nas minas, no artesanato. Como prestador de serviços, trabalha nas atividades domésticas, na fiscalização da produção, como criado de legionários, como preceptor, como escritor, como médico, como agente de negócios. O quadro apresentado sugere uma hierarquia que é geralmente estabelecida pela categoria do senhor a quem o escravo pertence. Os proprietários de escravos são todos cidadãos e, em determinados casos, o próprio escravo pode possuir os seus. (OLIVEIRA, 2001, p. 30)
Com a invasão dos povos bárbaros alteram-se as estruturas de produção
na Europa, convergindo do escravismo para o servilismo, iniciando-se, assim, o
modo de produção feudal. A palavra feudal provem do latim “feodum” que identifica
as terras que o rei distribuía entre os seus senhores como pagamento ao apoio
militar. Para Oliveira (2001, p. 45), a primeira fase feudal compreende a formação e
organização desse sistema, entre os séculos IV e IX, e a segunda fase corresponde
ao pleno funcionamento do feudalismo na Europa, o que aconteceu entre os séculos
X e XII. O autor considera o feudalismo como a última etapa do processo histórico
das formações pré-capitalistas.
A Idade Média representa um período de transformações significativas, em
relação às épocas anteriores, principalmente no que diz respeito ao predomínio da
vida rural. Os camponeses dependiam dos senhores feudais, mas à diferença dos
escravos, não constituíam propriedade total deles, eram semilivres. Eram obrigados
a viver na propriedade e estabeleciam uma relação servil de trabalho, produzindo
para si e também para todos os habitantes do feudo e quando acontecia uma
operação comercial de compra ou venda das terras, os servos eram normalmente
incluídos.
Nesta formação econômica, política e social, os camponeses trabalhavam
a terra com um compromisso regulamentado de entrega, ao seu senhor, de uma
parte dos produtos obtidos na sua produção.
As atividades de exploração da terra e a sujeição do trabalhador são fixadas pelo chamado senhorio, isto é, um aparato jurídico-político baseado em direitos e poderes do senhor das terras. A relação fundamental do senhorio é a senhoria, feudo-vassálica, pressuposto da exploração econômica dentro da hierarquia feudal. As origens do senhorio-senhoria (suseranias-vassalagem) remontam às primeiras manifestações de relações de dependência contidas nas distribuições de terras entre os senhores romanos e bárbaros, origem também da procura do máximo em renda feudal. Essa procura significou a sustentação da ordem feudal pela propriedade da terra, pela exploração do trabalho compulsório (servil), pela criação da força militar correspondente, a serviço da segurança e das garantias do senhor e pela vassalagem em graus mais elevados (entre reis e senhores). (OLIVEIRA, 2001, p. 51, destaque do autor)
A Igreja teve um papel decisivo na formação da sociedade feudal. Após as
invasões, no final da antiguidade, ela conseguiu reunir em torno de si os
conquistadores e conquistados, estabelecendo sua supremacia. Segundo Oliveira
(2001, p. 53), após a instituição do dízimo, que correspondia a 10% dos rendimentos
das famílias e representava, ainda, uma cobrança em nome da proteção espiritual,
para manutenção da unidade cristã, a Igreja tornou-se autônoma e detentora do
poder religioso, separada da nobreza feudal e da monarquia, mas presente no
controle ideológico da sociedade feudal.
Nesse período, o artesanato doméstico promoveu a expansão do
artesanato urbano, que foi o antecessor do grande comércio, em razão do aumento
da clientela burguesa e de sua revolução na moda e nos costumes. Os mestres-de-
ofícios controlavam a produção e por serem os proprietários das oficinas, dos
instrumentos de trabalho e da matéria-prima, mantinham os artesãos-aprendizes sob
sua dependência.
A partir do século XIII, com a diversificação das atividades artesanais e a
implantação de pequenas indústrias, a produção passou a ser dominada pelos
burgueses e o trabalho realizado pelos artesãos em troca de remuneração. Segundo
Aranha e Martins (1986, p. 57), os burgueses representam a população advinda dos
antigos servos que conseguiram comprar sua liberdade e se dedicaram ao comércio.
O trabalho modificou-se lentamente no decorrer da Idade Média,
diversificando-se aos poucos, com o surgimento ou renascimento de novas
atividades, após uma longa persistência da agricultura como atividade básica,
devido à importância atribuída a terra, bem como pela especificidade da mão-de-
obra feudal.
O enriquecimento da burguesia possibilitou a aquisição de terras da
nobreza e, a partir daí, a implantação de novas formas de relação de trabalho no
campo e o investimento em técnicas e nas condições materiais de produção. Tal
situação promoveu um avanço na economia rural, que acabou por liberar o
camponês da terra, estimulando a concentração urbana, pois o campo abastecia a
cidade de matéria-prima e, com a migração dos camponeses, também de mão-de-
obra.
Na cidade, segundo Oliveira (2001, p. 66) proliferaram as manufaturas que
gradativamente foram substituindo as antigas oficinas de artesanato. As
manufaturas têxteis constituíram o principal núcleo de atividade econômica no
desenvolvimento dos centros urbanos, que se enriqueceram com a ampliação dos
mercados consumidores. Ocorreu, dessa forma, a ascensão das atividades de
comércio, tornando-o, nos séculos XVI e XVIII, o setor mais desenvolvido da
economia européia e instituindo, à burguesia, as condições históricas para a
construção de seu império econômico.
No século XVII, Pascal inventa a primeira máquina de calcular, Torricelli constrói o barômetro, aparece o tear mecânico. E Galileu, ao valorizar a técnica inaugura o método nas ciências da natureza, fazendo nascer duas novas ciências, a física e a astronomia. É tal o fascínio da máquina na mentalidade do homem moderno, que Descartes explica o comportamento dos animais como se fossem máquinas, e o modelo característico do universo é o mecanismo de um relógio. Na vida social e econômica estão ocorrendo, paralelamente, sérias transformações que determinarão a passagem do feudalismo ao capitalismo: além do aperfeiçoamento das técnicas, dá-se o desenvolvimento do processo de acumulação de capital e a ampliação dos mercados. O capital acumulado permite a compra de matérias-primas e de máquinas, o que faz com que muitas famílias que desenvolviam o trabalho doméstico nas antigas corporações e manufatura, tenham de dispor de seus antigos instrumentos de trabalho e, para sobreviver, se vejam obrigados a vender sua força de trabalho em troca de um salário. O aumento no volume de produção altera o panorama, aparecendo os primeiros barracões das futuras fábricas, onde os trabalhadores serão submetidos à divisão do trabalho, a um ritmo e a horários pré-estabelecidos. O fruto de seu trabalho não lhes pertence e a produção é vendida pelo empresário, que fica com os lucros. O que está ocorrendo aí é o nascimento de uma nova classe: o proletariado. (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 57)
Configurou-se, dessa maneira, na Idade Moderna, o cenário em que
novos elementos viriam a delinear-se, dentro de um novo contexto de relações de
trabalho, dando um grande passo para a implantação das grandes indústrias
urbanas, com a conseqüente acumulação de capitais e a consolidação da burguesia
no poder político e no domínio do Estado, rompendo-se com o feudalismo.
No século XVIIl, com o descobrimento da máquina à vapor, de James
Watt, em substituição às antigas fontes de energia até então empregadas, a
mecanização no setor da indústria têxtil sofre um grande impulso na Inglaterra,
iniciando-se a chamada Revolução Industrial em 1760. A revolução industrial foi o
processo caracterizado pela mudança de uma economia agrária, baseada no
trabalho manual, para uma economia dominada pela indústria mecanizada. Segundo
Savelle (1968, p. 90), o ano de 1760 seria apenas simbólico para demarcar as
mudanças que ocorreram no setor produtivo, pois a industrialização moderna iniciou-
se antes desta data e continua a expandir-se até os dias atuais em uma revolução
contínua.
A Revolução Industrial criou uma busca por metais apropriados, não só
para a produção de máquinas, como também de pontes, edifícios e navios, o que
correspondeu a rápidos progressos no processo de refinamento do ferro. Outros
setores também se desenvolveram como o de transportes e o metalúrgico e houve
uma expansão dessa maquinaria para outros países da Europa, América,
principalmente para os Estados Unidos, e da Ásia.
Segundo Savelle (1968, p. 99), é fato curioso e significativo ter sido a
Inglaterra, durante o século de 1750 a 1850, quase a única beneficiária do ritmo
acelerado da mudança industrial, atingindo uma vanguarda que nenhuma nação
pôde ameaçar, até depois de 1900. Muitos fatores contribuíram para isso, sendo que
um deles era a liderança da Inglaterra na Revolução Comercial e, juntando-se a esta
e muitas outras vantagens, foi que durante a prolongada guerra contra a França
(1793-1815), as fábricas inglesas, produzindo equipamento militar, atravessaram um
período de fenomenal crescimento.
O capitalismo se desenvolve com toda a sua força e cria um fabuloso
aumento da produção material e do rendimento do trabalho. Mas, este auge da
riqueza social não significa a mesma porcentagem de melhoramento material para
os trabalhadores. A nova realidade mostra uma acumulação de riquezas em um
extremo e muita miséria no outro, agravadas pelo sofrimento físico originado pelas
extensas jornadas de trabalho.
No capitalismo surgem duas classes novas e importantes: a classe
burguesa, que nos países mais desenvolvidos são detentoras de todos os meios de
produção, e a classe proletária que vende seu trabalho à indústria em troca de um
salário, nem sempre condizente com as suas necessidades. Estas duas novas
classes são econômica e socialmente antagônicas e, desde o início, estão se
enfrentando em lutas periódicas, nas quais a classe trabalhadora encontra-se
sempre em desvantagem, pois a burguesia é quem fixa as regras de exploração do
trabalho em razão de seu poderio econômico e político.
O capital imprime um caráter cosmopolita à economia. O progresso é acelerado e as relações de comércio são ampliadas Aos poucos, desaparece o isolamento e as nações criam as interdependências. Mas o crescimento burguês foi acompanhado do crescimento inverso do operariado contemporâneo; há um progresso econômico que não é acompanhado pelo social. O proletariado, surgido com a grande indústria urbana, fica sujeito a todas as vicissitudes da expansão burguesa. O trabalhador torna-se apêndice da máquina e a sua capacidade produtiva condiciona-se à noção de lucro, isto é, pelo que o seu trabalho representa na consecução do produto. Estabelece-se o domínio do trabalho pelo capital e a mais-valia torna-se a marca registrada dessa dominação. (OLIVEIRA, 2001, p. 79)
Desde o início da Revolução Industrial os trabalhadores lutam para
estabelecer uma nova forma de organização nas relações de produção e, também,
pelos seus direitos. Os sindicatos surgem com a finalidade de organizar a classe
trabalhadora em torno de reivindicações comuns. Segundo Oliveira (2001, p. 84), no
transcorrer dos séculos XIX e XX, tais movimentos operários permitiram a conquista
de benefícios que aliviaram a exploração do trabalhador pelo capital, dentre os quais
se pode citar a legitimação das leis trabalhistas em códigos jurídicos.
O século XIX foi promissor na quantidade de invenções, contribuindo para
maior e mais rápido progresso. Neste contexto surge a Administração Científica que
promoveu o desenvolvimento de métodos e teorias para a administração dessa
grande máquina de produção, tornando-se fundamental para as mudanças e buscas
de novas técnicas, sistemas e produtos, que permitiriam às organizações
alcançarem melhores níveis de desempenho, bem como aperfeiçoar
constantemente seus sistemas administrativos e produtivos.
Frederick Winslow Taylor, engenheiro mecânico nos Estados Unidos, foi
quem deu início à “Administração Científica do Trabalho” ao propor a utilização dos
métodos científicos cartesianos na administração de empresas baseando-se em três
princípios: dissociação do processo de trabalho das qualificações dos trabalhadores,
separação da concepção e da execução de trabalho e, ainda, uso do monopólio
sobre o conhecimento para controlar os passos do processo de trabalho e seu modo
de execução. Sua atenção estava voltada para a eficiência e eficácia na
administração industrial.
Para Savelle (1968, p. 106), a partir da metade do século XIX os Estados
Unidos surgiram como uma das três maiores nações industriais do mundo, junto com
a Alemanha e a Inglaterra, em capacidade de produção, mas não nas exportações.
Mas a transformação industrial mais impressionante foi a que ocorreu no Japão,
império feudal fechado ao mundo exterior até ser forçado a abrir-se ao comércio
ocidental no ano de 1853, rapidamente apreendeu as vantagens da força industrial,
adotando os métodos europeus, e encaminhou-se para se transformar no maior pólo
industrial do extremo oriente.
Estava em curso a Segunda Revolução Industrial, sendo o marco da
passagem da era do ferro para a era do aço e do petróleo, com o aparecimento da
tecnologia como força motriz do crescimento industrial, o destaque ficou com a
eletricidade e a química que resultaram em novos tipos de motores (elétricos e à
explosão). Henry Ford, em 1908, concebe o primeiro automóvel para produção
econômica em série, o Ford “modelo T”, e inicia um novo modelo de produção e
gestão industrial, com base na administração científica, tendo como objetivo a
produção e o consumo em massa.
Nesse processo, as várias etapas de fabricação eram distribuídas ao
longo de uma esteira rolante, processo de produção em série que passou a ser
conhecido como fordismo. O trabalho foi simplificado e fragmentado, exigindo pouca
ou nenhuma formação e menor tempo para treinamento dos funcionários, tais
mudanças provocaram grandes transformações econômicas e sociais. Enquanto
formas de produção e relações de trabalho, as mudanças instaladas pelo fordismo
iniciaram, além de um longo período de acumulação de capital, a fragmentação do
processo produtivo e a exclusão dos trabalhadores do sistema produtivo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo retomou sua expansão
pelo mundo e adquiriu maior vigência e abrangência, com o reconhecimento geral
de que o mundo estava se tornando o cenário de um vasto processo de
internacionalização do capital. Em certos casos, como no Japão, o capitalismo
floresce e inova ao criar novos padrões e valores no mundo da produção. Este país
revolucionou o mundo, superando os países industriais ocidentais ao conseguir a
fabricação de produtos com alta qualidade e produtividade, baixo custo e elevada
tecnologia.
Logo após a Segunda Guerra Mundial a economia internacional passou
por profundas transformações que caracterizaram a Terceira Revolução Industrial.
Essa nova fase apresentou processos tecnológicos decorrentes de uma integração
entre ciência e produção e se caracterizou pelo advento da microeletrônica, pela
automação, a robótica, o avanço das telecomunicações e da engenharia genética,
sendo incorporados ao processo produtivo. Com o surto de desenvolvimento na
Ásia, surgem as novas técnicas de administrar a produção, sendo o toyotismo o
grande representante desses novos tempos. O modelo japonês surgiu como nova
forma de organização do trabalho.
Nesse contexto, os processos de trabalho emergem, segundo Antunes
(1995, p. 16), pela substituição do “cronômetro” e da “produção em série e de
massa” pela “especialização flexível”, na busca por novos padrões para o aumento
da produtividade e adequação ao mercado. O toyotismo tem como princípio básico
produzir mais, com menos recursos e menos mão-de-obra e, para isso, a produção
deve combinar novas técnicas com máquinas cada vez mais sofisticadas.
Em lugar do trabalho semi/desqualificado surge a polivalência, a linha de
montagem foi substituída por uma equipe de trabalho, a produção em massa foi
reduzida para a produção dirigida para o consumidor. Dessa forma, essa nova
economia global, conforme aponta Morrow e Torres (2005, p. 59), exigiu
trabalhadores com mais capacidade e que fossem adaptáveis a regimes de
trabalhos flexíveis e empregos inseguros, iniciando um processo que trouxe grandes
implicações para as instituições educacionais.
Mas para se discutir o tema das relações entre a educação e o mundo do
trabalho, Werthein e Cunha (2001, p. 54) afirmam sobre a necessidade de se tecer
algumas considerações relativas ao efeito da mundialização das atividades humanas
no “desenho das transformações que se operam em escala global”.
1.2 A globalização e suas implicações no mundo do t rabalho
Novos movimentos trouxeram inovações sobre a organização e as
relações de trabalho no século XX. As transformações passaram a operar em ritmo
altamente acelerado e com características imprevisíveis, potencializando a
mundialização das atividades humanas caracterizada como Globalização.
O processo de globalização representa um conjunto de aspectos diferentes que força a economia nos âmbitos: local, regional e nacional a reagir aos impulsos do mercado mundial e aos desafios da competição internacional. Como as fronteiras e os blocos perderam sua importância, áreas econômicas e processos de troca assumiram formas globais. A globalização como livre fluxo de capital, objetivando a minimização de custos e o deslocamento da capacidade industrial, da informação, de bens de serviços e, até mesmo de pessoas, leva a uma perda de investimentos e empregos, em algumas regiões e ganho em outras regiões do mundo. Esse movimento e essa competição resultam em uma pressão extrema para aumentar a produtividade, utilizando as vantagens tecnológicas de todo tipo, afetam a distribuição do mercado e também os processos gerais da administração. Enquanto as novas tecnologias mudaram a natureza do trabalho na indústria, nos serviços, em computadores, na biotecnologia e especialmente nas tecnologias da informação e da comunicação, levando à perda de trabalho e ao desemprego, novos postos de trabalho foram criados. Esse processo requer adaptabilidade e ajuste da qualificação dos trabalhadores, da mesma forma que o ajuste de empreendimentos (JENSCHKE, 2003, p. 38).
Segundo Morrow e Torres (2004, p. 53), pelo menos três posições básicas
foram adotadas com relação às origens da globalização. Alguns teóricos afirmam
que suas origens remontam ao início da civilização humana, sendo assim, faz parte
de um processo de desenvolvimento que já ocorre há mais de cinco mil anos. Uma
segunda abordagem conecta a globalização com as origens do capitalismo no
século XVI. A terceira perspectiva considera que a globalização é um processo
recente datado, no máximo, da metade do século XX.
Para Ianni (1999, p. 14) são diversas e antigas as instituições e indicações
mais ou menos notáveis de globalização. Desde que o capitalismo revelou-se, ao
longo de sua história a partir do século XVI, como um novo modo de produção,
apresentou sempre conotações internacionais ou globais, desenvolvidas no interior
da acumulação originária do mercantilismo, do colonialismo ou do imperialismo.
O autor (1999, p. 14) nos dá um entendimento sobre o problema da
globalização, em suas várias implicações, ao refletir sobre algumas das muitas
metáforas produzidas pela reflexão e imaginação desafiadas pela globalização.
“Aldeia global”, “fábrica global”, “economia-mundo”, “nova visão internacional do
trabalho”, “desterritorialização”, “hegemonia global”, entre outras, metáforas ou
expressões descritivas que circulam nas produções acadêmicas sobre a
globalização e desvendam traços fundamentais das configurações e movimentos da
sociedade global.
Em cada parte, cada uma dessas e outras formulações abrem problemas específicos também relevantes. Suscitam ângulos diversos de análise, priorizando aspectos sociais, econômicos, políticos, geográficos, históricos, geopolíticos, demográficos, culturais, religiosos, lingüísticos, etc... São emblemáticas, formuladas precisamente no clima mental aberto pela globalização. Dizem respeito às distintas possibilidades de prosseguimento de conquistas e dilemas da modernidade. Contemplam as controvérsias sobre modernidade e pós-modernidade, revelando como é principalmente a partir dos horizontes da modernidade que se pode imaginar as possibilidades e os impasses da pós-modernidade no novo mapa do mundo. (IANNI, 1999, p. 16)
“Aldeia global” sugere a formação de uma comunidade mundial, onde
províncias, nações e regiões, culturas e civilizações encontram-se ligadas e
articuladas pelos sistemas de informação e comunicação, concretizadas e agilizadas
pela eletrônica. De acordo com Ianni (1999, p. 16), na aldeia global empacotam-se e
vendem-se, além das mercadorias convencionais, também as informações, que são
fabricadas como mercadorias e comercializadas em escala mundial.
“Fábrica global” sugere uma transformação do capitalismo, com a
alteração de todas as outras formas de organização social e técnica do trabalho e da
produção, articulando capital, mercado, tecnologia, força de trabalho, a nova divisão
internacional do trabalho e outras forças produtivas, onde ocorre a dissolução de
fronteiras, agilizando mercados, generalizando o consumo, provocando a
“desterritorialização e territorialização” de produtos, idéias e pessoas.
Segundo Ianni (1999, p. 30) o que preocupa muitos pesquisadores no
século XX, em particular depois da Segunda Guerra Mundial, é o conhecimento das
realidades internacionais emergentes, ou realidades mundiais. Nesse horizonte,
emerge a idéia de “economias-mundo”, diante dos desafios das atividades,
produções e transações que ocorrem entre as nações, envolvendo-as em
configurações mais abrangentes e formando uma rede de processos interligados.
Ao longo da história da economia capitalista houve e continua a haver a
ascensão e queda de grandes potências, como centros dominantes de economias
regionais. Nesse movimento, prevalece o “princípio da maximização da acumulação
do capital” que se traduz em desenvolvimento intensivo e extensivo das forças
produtivas e das relações de produção em escala mundial. Para Ianni (1999, p. 40),
desenvolvem-se relações, processos e estruturas de dominação política e
apropriação econômica em âmbito global.
A expansão do capitalismo promoveu a intensa internacionalização do
capital, de tal maneira que o capital perdeu sua característica nacional e adquiriu
uma conotação internacional, com novas condições e possibilidades de reprodução.
Ianni (1999, p. 56) aponta, ainda, que a nova divisão internacional do trabalho, a
flexibilização dos processos produtivos e outras manifestações do capitalismo em
escala mundial fez com que as empresas e corporações internacionais superassem
as empresas nacionais, intensificando o processo de dispersão geográfica da
produção. Foram elas, então, os agentes e produtos da internacionalização do
capital.
Intensificou-se e generalizou-se o processo de dispersão geográfica da produção, ou das forças produtivas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão do trabalho social, o planejamento e o mercado. A nova divisão internacional do trabalho e da produção, envolvendo o fordismo, o neofordismo, o toyotismo, a flexibilização e a terceirização, tudo isso amplamente agilizado e generalizado com base nas técnicas eletrônicas, essa nova divisão internacional do trabalho concretiza a globalização do capitalismo, em termos geográficos e históricos. (IANNI, 1999, p. 57).
Os governos nacionais, suas agências, sejam políticas, econômicas ou
administrativas também foram levadas a reorganizar-se ou modernizar-se segundo
as exigências do funcionamento mundial dos mercados. A modernização
relacionava-se com as noções de país desenvolvido, subdesenvolvido, industrial,
agrário, central, periférico, do Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos e implicava a
difusão dos padrões e valores sócio-culturais característicos da civilização ocidental
predominante, principalmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos.
O sucesso do neoliberalismo, como resultado das pressões da
globalização, proporcionou as mais influentes bases ideológicas para a
reestruturação de políticas orientadas para um Estado menor e mais direcionadas
para o comércio. Para o pensamento neoliberal, a produtividade e a eficiência na
análise de custo e benefício são as normas dominantes. Dessa forma, como o
mundo é intensamente competitivo, do ponto de vista econômico, todas as pessoas
deveriam agir de maneira a maximizar seus benefícios pessoais para competir de
forma eficaz.
O povo, as massas, os grupos e classes sociais são induzidos a realizar diretrizes estabelecidas pelas elites modernizantes e deliberantes. Daí a necessidade de alfabetizar, profissionalizar, urbanizar, seculizar, modificar instituições e criar novas, reverter expectativas e outras diretrizes, de modo a viabilizar a execução e dinamização dos objetivos e meios de modernização. (IANNI, 1999, p. 101)
Segundo Ianni (1999, p.100), o neoliberalismo diz respeito à vigência e
generalização das forças do mercado capitalista em âmbito global, com seus centros
decisórios localizados em estados nacionais mais fortes ou, ainda, localizados em
empresas ou corporações internacionais. Resulta daí, o nascimento e
internacionalização de diretrizes relativas à desestatização, desregulação,
privatização, liberalização, modernização, racionalização e regionalização, de forma
a intensificar a formação de mercados abertos, tendo como principais codificadores,
administradores e divulgadores o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial (BIRD), juntamente com as corporações internacionais.
Tratou-se de medidas desenvolvidas para favorecer a dinamização dos
fatores de produção, criar as condições da competitividade, multiplicar as iniciativas
empresariais, oferecer quantidades e diversidades crescentes de mercadorias,
incentivar o consumo, de modo a intensificar e ampliar mercados abertos, e, por fim,
dinamizar e fortalecer a produção do excedente econômico. Essa potencialização se
efetivou com a mobilização dos recursos científicos e técnicos das ciências sociais
nas formas de organização dos processos de trabalho.
O capitalismo, desde o início, colocou as ciências naturais a serviço
imediato do processo de produção. O desenvolvimento das ciências naturais e
sociais, bem como de suas várias técnicas, tudo isso, agilizado e generalizado pelas
conquistas das técnicas eletrônicas e da informática, intensificaram e generalizaram
as capacidades dos processos de trabalho e de produção. Corresponderam a um
desenvolvimento fundamental do modo capitalista de produção, com a intensificação
da força produtiva do trabalho em todos os setores da economia e nos âmbitos
nacionais e mundiais.
No entanto, o desenvolvimento da ciência e da técnica não promoveu a
redução ou eliminação das desigualdades sociais entre os grupos ou povos. Ao
contrário, esse desenvolvimento não se traduziu em diretrizes ou realizações
destinadas a reduzir ou eliminar as desigualdades. Isso é tão real que, segundo
Ianni (1999, p. 195), nas últimas décadas do século XX, as ciências sociais
passaram a elaboraram conceitos como os de “desemprego estrutural”, “subclasse”,
e “Quarto Mundo”, e, ainda, recuperaram noções como as de “marginalidade”,
“periferia”, “pobreza”, “miséria” e “exclusão, para caracterizar as condições sociais
de vida de amplas coletividades e, às vezes, de povos inteiros.
Cabe, portanto, refletir um pouco mais, e com novos elementos, sobre os
padrões e valores, as instituições e organizações mais características do
capitalismo, com tendência a influenciar mais ou menos decisivamente todas as
formas de produção do trabalho e da vida social.
1.3 As transformações no mundo do trabalho
Ao longo de praticamente todo o século XX, o sistema produtivo e seu
respectivo processo de trabalho foi dominado pelo modelo fordista e neofordista de
produção e sua fusão com a organização científica taylorista. Esse modelo baseava-
se na produção em massa de mercadorias padronizadas, de uma forma
enormemente verticalizada, isto é, com poucos administradores controlando o
processo de produção de cima para baixo, e um grande número de trabalhadores
seguindo suas ordens.
Para Frigotto (1995, p. 69), este modelo define-se por:
[...] diferentes características que podem ser assim sintetizadas: a) uma determinada forma de organização do trabalho fundada em bases tecnológicas que se pautam por um refinamento do sistema de máquinas de caráter rígido, com divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma determinada composição da força de trabalho; b) um determinado regime de acumulação, fundado numa estrutura de relações que buscou compatibilizar produção em grande escala e consumo de massa num determinado nível de lucro; c) e, por fim, um determinado modo de regulação social que compreende a base ideológico-política de produção de valores, normas, instituições que atuam no plano do controle das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trabalho.
De acordo com Antunes (1999, p. 37) esse padrão produtivo, mais
conhecido como produção em série, estruturou-se com base no trabalho parcelar e
fragmentado, na decomposição de tarefas que reduzia a ação operária a um
conjunto repetitivo de atividades, cuja somatória resultava na produção de veículos.
Esse processo organizou-se numa linha rígida de produção, articulando os
diferentes trabalhos, sendo que os vínculos entre as ações de cada trabalhador
eram estabelecidos através da linha de montagem, por meio de uma esteira, que
determinava o ritmo e o tempo necessário para a realização de cada tarefa
individual.
Em princípio, segundo Antunes (1999, p. 37) esse modelo de produção foi
introduzido e aplicado na indústria automobilística, expandindo-se depois para
praticamente todo o processo industrial nos principais países capitalistas, bem como
para grande parte do setor de serviços, transformando toda a produção industrial
capitalista em uma sistemática baseada na acumulação intensiva.
Desse modo, o processo produtivo, com base em um trabalho
fragmentado e simplificado, de curtos ciclos operatórios, apresentava uma
separação radical entre concepção e execução, transferindo toda a dimensão
intelectual do trabalho para a esfera da gerência científica. Esse processo reduzia a
atividade do operário tão-somente para a execução de ações mecânicas e
repetitivas, necessitando, dessa forma, de trabalhadores com pouca ou nenhuma
formação para executar tarefas que exigiam pouco treinamento.
Para Frigotto (1995, p. 70), esse modelo de desenvolvimento apresentou
duas fases distintas. A primeira que vai até o ano de 1930 e constituiu-se no
processo de refinamento do sistema maquinário, com a instalação de grandes
fábricas e a produção baseada na decomposição de tarefas na perspectiva
taylorista, ocasionando, assim, a crescente separação entre a concepção e a
execução do trabalho.
A segunda fase, que para o autor corresponde ao fordismo propriamente
dito, se caracterizou por um sistema de máquinas acopladas, pelo aumento intensivo
de capital morto, pela produção em grande escala e pelo consumo de massa. Seu
desenvolvimento efetivo ocorreu após a crise de 29, considerada uma crise de
superprodução e, portanto, uma ameaça a todo o sistema, em razão do acúmulo de
mercadorias produzidas.
Erigiu-se, então, um sistema de compromisso e de regulação, como forma
de evitar o colapso total do sistema, fundado entre capital e trabalho, mediado pelo
Estado e fundamentado, principalmente, pelas teses keynesianas que postulavam a
intervenção do Estado na economia. Para Antunes (1999, p. 38) esse compromisso
foi o resultado de vários elementos posteriores à crise de 29 e pela elaboração da
política keynesiana.
Resultado, por um lado, da “própria ‘lógica’ do desenvolvimento anterior do capitalismo” e, por outro, do “equilíbrio relativo na relação de força entre burguesia e proletariado, que se instaurou ao fim de decênios de lutas”... Sob a alternância partidária, ora com a social-democracia ora com os partidos diretamente burgueses, esse “compromisso” procurava delimitar o campo da luta de classes, onde se buscava a obtenção dos elementos constitutivos do welfare state em troca do abandono, pelos trabalhadores, do seu projeto histórico-societal. Uma forma de sociabilidade fundada no “compromisso” que implementava ganhos sociais e seguridade social, para os trabalhadores dos países centrais, desde que a temática do socialismo fosse relegada a um futuro a perder de vista. Além disso, esse “compromisso” tinha como sustentação a enorme exploração do trabalho realizada nos países do chamado terceiro Mundo, que estavam totalmente excluídos desse “compromisso” social-democrata. (ANTUNES, 1999, p. 38)
Após a Segunda Guerra Mundial, segundo Frigotto (1995, p. 70), o Estado
de Bem-Estar Social desenvolveu políticas sociais com vistas à estabilidade do
emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdência social,
incluindo o seguro desemprego, direito à educação, subsídio para o transporte, entre
outros, incorporando idéias da planificação socialista ao sistema capitalista.
O slogan de H. Ford: “nossos operários devem ser também nossos
clientes”, caracteriza a estratégia econômica desse período, articulando a produção
e o consumo de massa.
Esse processo aumentou, de forma generalizada, a dependência da
população trabalhadora em relação ao Estado. Com efeito, esse Estado estabeleceu
políticas que garantiam o direito à saúde, à educação, à formação profissional, ao
emprego, à moradia, ao lazer, à previdência social, entre outros, mas a contrapartida
foi a integração e subordinação do movimento operário ao poder capitalista, pelo
“compromisso” estabelecido com o capital mediado pelo Estado.
No transcorrer dos 60 anos de implantação e vigência do modo de
produção taylorista/fordista, os operários foram se incorporando a esse sistema
produtivo, numa relação de compra e venda de sua força de trabalho. Nesse
processo, ocorreu além da perda de sua identidade cultural da era artesanal,
também a perda de sua destreza anterior, em razão da fragmentação e
desqualificação repetitiva de suas atividades.
Além disso, o que chama a atenção para a questão da posição do
trabalhador nesse processo é que, ao vender sua força de trabalho, o operário não
adquiriu possibilidade de acesso aos bens de consumo, em muitos casos, que ele
próprio produziu, situando-o numa posição inferior tanto em relação ao seu nível de
vida como quanto classe social.
Isso possibilitou a construção de uma nova identidade e de uma nova
forma de consciência de classe, o operário-massa. Para Antunes (1999, p. 41), além
de o taylorismo/fordismo realizar uma expropriação intensiva do operário-massa,
destituindo-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho,
freqüentemente era chamado para corrigir os enganos cometidos pela “gerência
científica” e pelos quadros administrativos.
Tais situações contraditórias, autonomia e heteronomia, produção e
consumo, provocaram o ressurgimento de ações ofensivas de lutas dos
trabalhadores nas décadas de 1960 e 1970, desencadeadas em várias partes do
mundo, pelas quais os operários reivindicavam o controle dos meios materiais no
processo produtivo.
As ações dos trabalhadores, entretanto, encontraram limites e não
conseguiram prosperar. Segundo Antunes (1999, p. 44) era difícil desmontar uma
estrutura organizacional social-democrata consolidada durante décadas e que tinha
deixado marcas no interior do próprio proletariado e, ainda, se tais ações tiveram o
mérito de denunciar a forma de organização que subordina o trabalho ao capital, não
conseguiram consolidar formas de organização alternativas, capazes de se
contrapor aos sindicatos e aos partidos tradicionais.
Sua dimensão, no entanto, influenciou seriamente o funcionamento do
capitalismo e as políticas do Estado de Bem Estar Social (welfare state),
constituindo-se num dos elementos responsáveis pela crise dos anos 70.
Os limites deste modelo de desenvolvimento se fazem sentir já no final da década de 60 com a progressiva saturação dos mercados internos de bens de consumo duráveis, concorrência intercapitalista e crise fiscal inflacionária que provocou a retração dos investimentos. Desenha-se, então, a crise do Estado de Bem-Estar Social, dos próprios regimes sociais-democratas e principia-se a defesa das “leis naturais do mercado” mediante as políticas neoliberais, que postulam o Estado Mínimo, fim da estabilidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos gastos, em geral, com as políticas sociais. Esse modelo teve nos governos Thatcher, na Inglaterra e Reagan, nos Estados Unidos suas âncoras básicas. (FRIGOTTO, 1995, p. 73).
Segundo Frigotto (1995, p. 59), a crise dos anos 70/90 não é uma crise
fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise
estrutural. Na realidade, constituiu-se de um mecanismo de solução para a crise dos
anos 30, materializada após a adoção de políticas estatais que financiaram o padrão
de acumulação capitalista durante 50 anos. As políticas do Estado de Bem Estar
Social e os governos da social-democracia não conseguiram estancar um modelo de
desenvolvimento social, com base na teorização keynesiana, fundado sobre a
concentração crescente de capital e exclusão social do modelo fordista e neofordista
de produção.
Para Antunes (1999, p. 29), a partir dos anos 70, o capitalismo começou a
dar sinais de um quadro crítico demonstrado pela queda da taxa de lucro, dada, em
parte, pelo aumento do preço da força de trabalho e pela intensificação das lutas
sociais dos anos 60; pelo esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista
de produção, com a retração do consumo em resposta ao desemprego estrutural;
pela hipertrofia da esfera financeira que ganhava autonomia frente aos capitais
produtivos; pela maior concentração de capitais graças às fusões entre as grandes
empresas; pela crise do Estado de Bem Estar Social (welfare state) e, ainda, pelo
incremento acentuado das privatizações.
A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser. (ANTUNES, 1995, p. 15)
A partir daí, o capital organizou um processo de reestruturação político-
econômico implementando várias transformações no processo produtivo, com a
emergência da denominada Terceira Revolução Industrial, e o fortalecimento do
neoliberalismo como expressão política deste novo processo. O salto tecnológico
que se iniciou, introduziu novos desafios para o mundo do trabalho, desfavorecendo,
em muitos aspectos, a classe trabalhadora. Ao invés de se limitar a explorar a força
de trabalho muscular dos trabalhadores, o capital passou a explorar, também, a sua
inteligência.
Isso porque, com o desenvolvimento da tecnologia eletrônica e dos
computadores, associado à reformulação dos sistemas de administração das
empresas e suas novas técnicas de gestão, formou-se um novo modelo produtivo
que passou a exigir um trabalhador que conheça mais dos processos tecnológicos e
econômicos, que possa realizar um número maior de operações, com capacidade de
oferecer respostas rápidas e eficientes, enfim, que seja um trabalhador polivalente.
As empresas do ocidente foram buscar no oriente as respostas para a
expansão do capitalismo monopolista do Japão. Nesse contexto, o toyotismo e a era
da acumulação flexível consolidaram-se em vários países de capitalismo avançado e
do Terceiro Mundo industrializados, com a implementação de inúmeros padrões de
gestão da força de trabalho. Assim, são instituídos os “Círculos de Controle de
Qualidade”, “kanban”, “Just in time’, a “gerência participativa” e a “qualidade total”,
entre outros.
Antunes (1995, p. 26) resume os traços básicos constitutivos desse novo
modo de produção: a produção é voltada e conduzida diretamente para a demanda; é
diversificada e pronta para suprir o consumo; é realizada com o melhor aproveitamento
possível do tempo, garantido pelo “just in time”; os estoques são mínimos e a reposição
funciona segundo o sistema de “kanban”, constituído por placas ou senhas de comando
para reposição das peças; se estrutura num processo produtivo flexível que permite a
um funcionário operar várias máquinas combinando várias tarefas simples; o trabalho é
realizado em equipe, com multivariedade de funções e, por fim, o desempenho e
qualidade são supervisionados pelos próprios trabalhadores, constituindo-se nos
chamados “Círculos de Controle de Qualidade” (CCQs).
Para o autor, o toyotismo estruturou-se a partir de um número mínimo de
trabalhadores, suprindo sua demanda com a ampliação das horas extras, com a
contratação de trabalhadores temporários ou com a subcontratação, ou seja, a
terceirização de parte de sua produção. As empresas desse complexo produtivo têm
uma estrutura horizontalizada, se responsabilizando por somente 25% da produção,
priorizando apenas as atividades sobre as quais detém vantagens competitivas,
estendendo às empresas “terceirizadas” os 75% restante do que antes era
produzido no seu interior, acarretando, dessa forma, a expansão desses métodos e
procedimentos para toda a rede de fornecedores.
É importante salientar que em razão dos avanços nas comunicações e
tecnologias de transporte, juntamente com o crescimento das indústrias de serviços,
a prática da terceirização das atividades disseminou-se além das fronteiras
nacionais, tornando a produção fragmentada por todo o mundo.
Desse modo, observa-se que os efeitos da estruturação e fortalecimento
do novo padrão produtivo, iniciado nos anos 70, associado à doutrina neoliberal, que
fortalece a liberdade de mercado, são múltiplos e atingem sobremaneira todo o
processo produtivo.
Pode-se destacar a incorporação do trabalho feminino no mundo do
trabalho e sua maior exploração; desproletarização do trabalho industrial; a
desindustrialização nos países centrais; aumento da fragmentação no interior da
classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; a
ausência ou a substituição do sindicalismo de classe pelo sindicalismo de empresa;
crescimento da informalidade no trabalho; aumento no número de desempregados;
a desregulamentação dos direitos do trabalho, conquistados em décadas de lutas,
que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo.
O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora. (ANTUNES, 1995, p. 41)
A escala mundial do processo de substituição dos empregos formais por
novas modalidades de inserção no mundo do trabalho não se deu de forma
homogênea nas economias centrais e periféricas, e nem determinou os mesmos
fenômenos no campo do mundo do trabalho. Para Antunes, (1999, p. 115), assim
como o capital é um sistema global, o mundo do trabalho e seus desafios são
também cada vez mais transnacionais. Com a reconfiguração, tanto do espaço
quanto do tempo de produção, a estratificação e a fragmentação do trabalho
também se acentuaram em função do processo crescente de internacionalização do
capital.
A diminuição da classe operária industrial e, paralelamente, a expansão
do trabalho assalariado no setor de serviços teve como conseqüência a formação de
vários tipos de trabalhadores, num processo contraditório que superqualifica em
alguns ramos e desqualifica em outros. Cabe ressaltar que o segundo grupo oferece
uma flexibilidade numérica muito maior, pois se constitui da massa de trabalhadores
que oscila entre os temporários, parciais, informais, subcontratados, terceirizados e,
ainda, os desempregados, caminhando radicalmente no sentido inverso,
incompatível com o enorme avanço tecnológico.
Outro ponto a ser observado relaciona-se ao aumento no número de
trabalhadores excedentes, há uma abundância de mão-de-obra em todos os
setores. As companhias, buscando aumentar sua margem de lucro, associada à
transferência das atividades de produção de muitas empresas para outras regiões,
nacionais ou não, onde existe mão-de-obra barata e qualificada, pouca organização
dos trabalhadores, maiores incentivos fiscais, condições políticas mais favoráveis,
acesso fácil, dentre tantos outros fatores, traz como grave implicação a redução do
poder, por parte dos trabalhadores organizados e dos sindicatos, para negociar
políticas econômicas que respondam satisfatoriamente aos seus interesses.
Há, entretanto, duas conseqüências dessas transformações sobre o
mundo do trabalho, as quais, embora diferentes na sua forma de manifestação,
estão intrinsecamente relacionadas com a educação. A primeira delas refere-se ao
fato de o crescimento econômico não conseguir gerar empregos na mesma
proporção da população já existente ou que ingressa no mercado de trabalho
assalariado e regulamentado, nesse contingente verifica-se a exclusão dos jovens e
dos trabalhadores considerados “velhos” para o capital.
A segunda refere-se à polarização dos postos de trabalho que de um lado
impulsiona para uma maior qualificação do trabalhador e, de outro, para uma maior
desqualificação. As exigências do mercado de trabalho, especialmente quanto ao
trabalho dotado de maior dimensão intelectual, conferem aos trabalhadores com
maior grau de escolaridade maiores chances de manterem seus empregos ou
conseguirem melhores oportunidades de trabalho.
Quanto aos trabalhadores com menor escolarização, parte é absorvida
pelo setor de trabalho terceirizado e precarizado, parte pelo sistema informal que
fornece postos de trabalho sem carteira assinada, outra parte busca realizar
atividades por conta própria, com a expansão do trabalhador autônomo e há, ainda,
um número significativo de trabalhadores desempregados.
Com efeito, Almeida e Alencar (2001, p. 103) apontam que o impacto da
transferência de um grande contingente de trabalhadores da parte formal para a
informal da economia, ganha proporções alarmantes no âmbito da dinâmica social,
especialmente no que se refere à captação de recursos públicos, pois ao sofrer uma
diminuição na arrecadação de impostos, a contrapartida ocorre nos cortes drásticos
na prestação dos serviços públicos que, neste contexto, são cada vez mais exigidos
pela população.
CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO
Nesse contexto, a educação e a qualidade de ensino têm sido variantes
constantes nas discussões em todas as sociedades, especialmente no que se refere
à educação pública. Segundo Jacques Delors (1998, p. 168), Presidente da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, no relatório elaborado
para a UNESCO1, os sistemas educativos, solicitados por todos os lados, são
chamados a dar respostas às exigências de desenvolvimento econômico e social, às
exigências culturais e éticas e, ainda, a vencer o desafio da tecnologia.
Porém, a educação não pode fazer tudo e algumas esperanças por ela suscitadas transformar-se-ão em desilusões. É preciso que se façam opções que podem ser difíceis, sobretudo quando está em causa a equidade e a qualidade dos sistemas educativos. São opções de sociedade e, apesar de inspiradas em alguns princípios comuns podem variar segundo os países. Contudo, deve haver coerência entre as opções e as estratégias adotadas no espaço social e no tempo. (DELORS, 1998, p. 168)
Segundo o mesmo autor (1998, p. 89), o conceito de educação ao longo
de toda a vida aparece como uma das chaves de acesso ao século XXI, pois não
basta que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de
conhecimentos, é necessário, ainda, que tenha condições de aproveitar e explorar
do início ao fim da vida todas as oportunidades de atualizar, aprofundar e enriquecer
estes conhecimentos, além de se adaptar a um mundo em constante mudança.
Werthein e Cunha (2001, p. 57) advertem que a tese da UNESCO de
educação para todos só se efetiva com quantidade e qualidade caminhando
simultaneamente. Para os autores, a redução do papel do Estado elevou de forma
considerável a vulnerabilidade dos países pobres ou em desenvolvimento, que
sentem dificuldades em elevar o índice de desenvolvimento humano. Disso decorre
na redução do financiamento em educação e a conseqüente redução da taxa de
expansão da educação em cada país.
Para Frigotto (1995, p. 25), quando a educação é apreendida no plano das
determinações e relações sociais, sendo ela também constituída e constituinte
dessas relações, historicamente ela se apresenta como um campo de disputa
1 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura.
hegemônica. Esta disputa se dá na perspectiva de articular as concepções, a
organização dos processos e dos conteúdos educativos da escola aos interesses de
classe.
Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores dentro da qual os indivíduos definem seus próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção capitalistas não se perpetuam automaticamente. (MÉSZÁROS, 1981, p. 260 apud FRIGOTTO, 1995, p. 26)
Frigotto (1995, p. 139) apresenta como fio condutor na análise sobre as
alternativas educacionais em disputa hegemônica na atualidade, o embate que se
efetiva em torno dos processos educativos e de qualificação humana para atender
ou aos interesses do novo padrão de reprodução do capital ou aos interesses da
classe trabalhadora. Para ele, tal embate firma-se sobre uma mesma materialidade,
em profunda transformação, onde o progresso técnico assume um papel crucial,
mas não exclusivo.
Segundo o autor (1995, p. 139), esse fantástico progresso técnico, que foi
produzido historicamente, tem o poder de aumentar a satisfação das necessidades
humanas, mas, infelizmente, está sob a lógica do lucro privado, trazendo benefícios
para poucos e ampliando a exclusão social. A questão para o autor, não está em
negar o progresso técnico, o avanço do conhecimento, os processos educativos e
de qualificação e nem a supervalorização da competitividade, da liberdade, da
qualidade e da eficiência, que se apresenta para poucos com a exclusão da maioria.
Para o autor, o eixo encontra-se na solidariedade, na igualdade e na democracia.
2.1 A educação e o mercado de trabalho
A divisão da educação em três níveis: fundamental, secundário e superior,
foi fixada em princípios do século XX. Segundo Caillods e Hutchinson (2002, p. 26),
a adoção desse sistema corresponde a certa divisão da sociedade em classes
sociais e a uma estrutura piramidal das qualificações no mundo do trabalho. Na base
dessa pirâmide situa-se o ensino fundamental e é onde se encontrava o grande
número de operários e camponeses que não necessitava ir além desse nível para
aprender a ler e escrever, em seis ou sete anos de escola, além de se disciplinar
para o trabalho; no meio encontra-se o secundário, responsável pela formação das
chefias médias, em número muito mais limitado; e, no ápice, encontrava-se a elite e
os dirigentes do nível mais alto, formados nas universidades.
Para Caillods e Hutchinson (2002, p. 26) a educação secundária tinha dois
objetivos distintos: primeiro para selecionar os que iriam ingressar na universidade e
correspondia à modalidade humanista-científica. Segundo, para formar aqueles que
iriam entrar no mundo do trabalho e correspondia a modalidade técnico-profissional.
Com o rápido crescimento do conhecimento e com a necessidade de cada
um aprender cada vez mais para ser mais autônomo e poder desenvolver-se num
mundo cada dia mais complexo, essa estrutura já não serve. Segundo Caillods e
Hutchinson (2002, p. 26), em vários países, foi aumentada a duração da educação
obrigatória, o ensino fundamental, criando-se uma educação de base que absorva
todo ou parte do primeiro ciclo da educação secundária.
Por outro lado, o nível superior foi se desenvolvendo e diversificando
bastante, assumindo, também, o papel de orientação e de formação para o trabalho,
antes de exclusiva responsabilidade da educação secundária tradicional. Para os
autores (2002, p. 26), desenvolveram-se muitas formações curtas de nível superior,
direcionadas para a formação de técnicos, além dos tradicionais cursos que
oferecem a formação propedêutica.
Entre os dois, a educação secundária foi definida como etapa educacional
entre o primário ou fundamental e a educação superior, sendo o nível de ensino que
atende aos adolescentes e jovens entre 12 e 18 anos, aproximadamente. Segundo
Caillods e Hutchinson (2002, p. 27), a educação secundária desempenha um papel
essencial ao consolidar as competências básicas adquiridas na educação de base e,
ao mesmo tempo, orientar os estudantes para as diversas áreas do saber, além de
facilitar ao estudante a identificação e escolha de seu futuro educativo e profissional.
As novas características que a evolução do mercado de trabalho
apresentou, a partir do desenvolvimento do novo modelo econômico que se iniciou
após a crise de 29 e se aprofunda no período do pós-guerra, exerceram forte impacto
no desenvolvimento dos sistemas educativos. Segundo Filmus (2002, p. 134), a
centralização política que havia estimulado a educação, foi substituída paulatinamente
por sua função econômica. Em muitos países, a brevidade com que se
desenvolveram o modelo substitutivo e o processo de industrialização produziu um
primeiro momento em que a carência de recursos humanos qualificados representou
um sério obstáculo ao aumento da produtividade.
A falta de capital humano, acumulado pelo antigo sistema educativo, foi
suprida pelos trabalhadores com formação adquirida pela experiência de trabalho e
pela capacidade para realizar determinado serviço. Segundo Filmus (2002, p. 134),
a subqualificação foi uma das principais características desse período, pois, um
grande número de postos de trabalho, que exigia certo nível de formação, foi
ocupado por trabalhadores com menos anos de escolaridade que o necessário.
As demandas de qualificação articuladas com as perspectivas teóricas
resultantes das concepções da educação como capital humano, foram prioritárias para
o investimento em educação. Segundo Filmus (2002, p. 135), trabalhos como os de
Becker (1967), Carnoy (1967), Blaug (1970) e Shultz (1986), justificaram esse
investimento, a partir de sua contribuição em explicar a relação entre a expansão
educativa e o aumento da produtividade, a partir das taxas de retorno social e individual
que ela produzia. Dessa forma, orientaram a elaboração das políticas públicas do pós-
guerra, para o investimento em cada um dos níveis do sistema educativo.
Formulada pelas teorias do desenvolvimento, mais especificamente pela
teoria da modernização, em um grupo de estudos do desenvolvimento coordenado
por Theodoro Schultz nos EUA, na década de 50, a “teoria do capital humano”
rapidamente foi absorvida pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para
Frigotto (1995, p. 41) a idéia-chave dessa teoria é de que a um acréscimo de instrução,
treinamento e educação, corresponde um acréscimo de capacidade de produção.
Assim, o antigo modelo do operário “qualificado”, que possuía experiência
de trabalho foi, segundo Caillods e Hutchinson (2002, p. 41), gradativamente sendo
substituído por um operário ou um técnico “competente”, “flexível”, capaz de pensar
e de solucionar problemas, apto a tomar decisões de maneira autônoma e de
responder rapidamente aos “sinais” que surgem das máquinas ou do mercado. Para
os autores, essas competências se adquirem na educação secundária geral e em
uma educação técnico-profissional, de qualidade, em nível secundário e superior.
O novo modelo econômico consolidou-se como paradigma hegemônico do
desenvolvimento a partir de meados dos anos 80 e, segundo Filmus (2002, p. 142),
suas linhas principais foram: a diminuição do Estado, a estabilidade
macroeconômica, o deslocamento do papel diretor do Estado para a condução da
economia por parte das forças do mercado, um modelo de crescimento baseado nas
exportações e na abertura da economia para o comércio e para as finanças
internacionais e a desregulação e flexibilização do mercado de trabalho.
O impacto de sua implantação sobre as diversas economias foi muito
profundo. Para Filmus (2002, p. 150) a década de 90 significou o fim da ilusão que
afirmava que o crescimento deveria gerar necessariamente uma melhoria na
estrutura ocupacional e na distribuição da renda. O mercado de trabalho deteriorou-
se, sendo que, por um lado diminuiu ao crescer menos que a População
Economicamente Ativa (PEA) e, por outro, polarizou-se, aumentando a diferença
entre os diversos tipos de ocupações.
As concepções que afirmaram que a nova economia globalizada iria
produzir condições de competitividade, forçando uma melhoria forte e generalizada
da qualificação da força de trabalho, não se viram refletidas na realidade. Segundo
Filmus (2002, p.150), os setores em que o crescimento da produtividade significou
melhoras significativas nas condições de trabalho, principalmente os vinculados ao
comércio internacional e aos serviços básicos, mostraram-se incapazes de
incorporar maiores contingentes de mão-de-obra.
Para o autor (2002, p. 151), os sinais que chegaram à educação, a partir
do mercado de trabalho, foram muito contraditórios. Por um lado, desenvolveu-se
forte pressão no sentido de aumentar os anos de escolarização da população, em
particular dos jovens. As demandas educativas que provêm dos setores da
economia que conseguiram incorporar-se ao mercado mundial, juntamente com
certos setores do Estado, de empresas produtoras de bens e serviços, dedicadas ao
mercado interno e, inclusive, uma parcela do trabalho informal em vias de
modernização, sobretudo o vinculado às microempresas, exigem trabalhadores que
possuam capacitações que só podem ser adquiridas a partir de um maior número de
anos de escolaridade.
Além disso, a diminuição das oportunidades de trabalho gerou uma maior
competitividade para a obtenção de melhores postos de trabalho. Acentuou-se a
vantagem comparativa de obter mais anos de escolaridade. Ao mesmo tempo em
que o aumento da oferta de trabalhadores com mais anos de escolaridade
possibilitou, aos empregadores, exigirem maiores credenciais do que aquelas que o
desempenho do posto a ser ocupado demandava. E, ainda, a desocupação, a
informalidade e os empregos mais precários se converteram no destino mais
previsível para os que ficaram fora do sistema educativo.
Por outro lado, chegaram também sinais de que os sistemas educativos
não estimularam o crescimento da escolaridade fundamental. Esses sinais estiveram
intimamente relacionados com a deterioração do mercado de trabalho e da
distribuição da renda. Filmus (2002, p. 151) aponta que o novo modelo de
desenvolvimento gerou uma economia muito dualizada, se por um lado foram
supridas as demandas de maior qualificação, oferecendo educação de alta
qualidade para uma pequena parte da população, por outro lado, a deterioração das
condições socioeconômicas das famílias impediu que muitas delas pudessem liberar
os seus jovens do auxilio no sustento da casa e, portanto, afastou-os da
possibilidade de continuar seus estudos.
De acordo com Filmus (2002, p. 154), um conjunto de estudos mostra que
a obtenção do diploma do ensino secundário é cada vez mais necessária para o
acesso ao trabalho e, em particular, para o ingresso em empregos de qualidade que
pertencem ao setor moderno da economia. Segundo o autor, alguns desses estudos
enfatizam as capacitações e conhecimentos que exigem os modernos processos
produtivos e as novas formas de organização do trabalho, que requerem plataformas
mais altas de escolarização, a fim de participar dos processos tecnológicos e sociais
que ocorrem dentro das empresas, destacando os trabalhos de Bailey & Fisher
(1994) e Braslawsky (1999).
O nascimento da sociedade da informação, em razão das Novas
Tecnologias da Informação (NTI), associado aos novos meios de transporte, que
reduzem o tempo de circulação de pessoas e mercadorias e, ainda, à falta de
regulação de fluxos de capital, permitiu a universalização da economia. Segundo
Caillods e Hutchinson (2002, p. 25), a globalização e as novas tecnologias não
afetam somente o mundo econômico e o indivíduo como trabalhador, também tem
importantes repercussões sobre a vida cotidiana.
Para os autores (2002, p. 25), ser analfabeto não significa não saber ler e
escrever, mas, sim, não poder ler as instruções de uso de um produto, não saber
decifrar um itinerário de ônibus, não ser capaz de enfrentar uma série de papéis
administrativos que permitam ter acesso a créditos bancários, abrir um negócio ou
saber usar o computador, entre outras situações e, ainda, as biotecnologias
fomentam uma série de perguntas muito relevantes do ponto de vista ético, que
interessam a todo cidadão.
Concluem Caillods e Hutchinson (2002, p. 25), que somente uma
educação secundária completa e profunda, amplamente compartilhada, que integre
uma dimensão científica e técnica, assim como um conhecimento da história, da
literatura e da filosofia, que permita desenvolver um espírito crítico, pode capacitar
indivíduos para enfrentar um futuro muito incerto e prepará-los para desempenhar
plenamente seu papel de cidadão.
Nessas condições, torna-se claro que o perfil e as finalidades do ensino médio geral se modificaram profundamente. Ele já não é mais reservado, como no passado, à minoria dos jovens mais favorecidos. Nem é mais a meta principal do ensino médio garantir o acesso aos estudos superiores, embora tal continue sendo ainda um de seus objetivos mais buscados. Cabe-lhe na maioria das vezes, e para a maioria dos estudantes, proporcionar as aptidões requeridas para o ingresso no mundo do trabalho. (...) Contudo, fica igualmente óbvio que essa evolução no movimento de matrícula não resulta simplesmente de uma escolha utilitária da parte de governos e usuários, ditada pelas exigências da economia (e, em particular, por uma preocupação em fugir do desemprego). O fato é que as pessoas passaram, também, a buscar um modo mais eqüitativo e mais democrático de operar o sistema de educação, no qual o acesso ao ensino médio deixou de permanecer restrito a uma elite ou aos grupos sociais mais privilegiados. (...) O acesso ao “curso médio” é considerado virtualmente em todo o mundo, como um símbolo de progresso social. (LECLERCQ, 2003, p. 83)
Ao lado das pressões econômicas, exigindo melhor qualificação
profissional, o interesse e a busca pelos estudos têm sido ampliados
significativamente, com o crescente retorno à escola. Isso porque, a sociedade, de
uma forma geral, acredita que o ensino médio seja uma das vias de acesso a
promoção social e econômica, por preparar os jovens tanto para o ingresso no
ensino superior como para a entrada no mundo do trabalho.
2.2 A educação no Brasil
O sistema educacional brasileiro foi se desenvolvendo a partir das várias
reformas estruturais ocorridas desde as décadas do Império. Tais reformas foram
sendo implantadas por meio de leis que privilegiavam ora um, ora outro grau de
ensino. Segundo Palma Filho (2005a, p. 22) a reforma educacional é concebida
como uma necessidade de atualização do aparelho escolar. Pelas reformas, a
administração central procura organizar e unificar o funcionamento da educação em
todo o país, com o estabelecimento de objetivos educacionais comuns.
Para Frigotto (1995, p. 36), foi somente em 1930 que se efetiva um
esforço para a criação de um sistema nacional de educação. Antes desse período, o
quadro apresentado pela trajetória do desenvolvimento da educação no país, desde
o início do Império, foi de extrema perversidade.
Isso porque, até o início do século XX ainda era altíssimo o índice de
analfabetismo em uma população predominantemente rural, o que mostra o descaso
pela educação básica. Palma Filho (2005b, p. 58) informa que, apesar do
crescimento significativo da população brasileira que aprendeu a ler e escrever até
1920, o percentual dos que não sabiam ler e escrever chegou a 65% da população
no mesmo ano.
Segundo o mesmo autor (2005b, p. 58), Romanelli oferece uma
explicação plausível para a construção desse quadro crítico:
Os fatores atuantes na organização e evolução do ensino, quais sejam o sistema econômico, a herança cultural, a demanda social de educação e o sistema de poder permanecem durante o período que antecedeu a década de 20, integrados na formação de um complexo sócio-econômico-político-cultural que fez com que a educação ofertada à população brasileira correspondesse às reais exigências da sociedade então existente. (ROMANELLI, 1997, p. 45 apud PALMA FILHO, 2005, p. 58)
As razões apontadas por Frigotto (1995, p. 36) são de várias ordens. Num
primeiro plano situa-se o fato de sermos uma sociedade que definiu sua
independência pelas mãos do colonizador. Perfilamos uma relação de submissão
onde, no passado, essa submissão se dava em relação aos colonizadores e,
atualmente, continuamos colonizados mediante a integração subordinada ao capital.
No plano econômico, esta matriz explicita-se no uso dilapidador do fundo público. No
plano político, desde a independência alteram-se as estratégias de conciliação
conservadora, do autoritarismo e do apelo, no plano do discurso, ao ideário liberal e,
no plano educacional, até mesmo as propostas de reformas localizadas e de caráter
mais liberal tiveram ferrenha resistência, especialmente da Igreja.
Mehedff (1999, p. 7) atribui a três fatores, sendo que o terceiro fator tem
uma estreita afinidade com a educação. O primeiro fator considerado, refere-se ao
fato de o Brasil não ter enfrentado guerras ou revoluções realmente significativas do
ponto de vista histórico. O segundo fator relaciona-se com o exacerbado
protecionismo do mercado, aonde os investimentos chegavam para se aproveitar de
um mercado protegido, com incontáveis recursos naturais. Por fim, o Brasil dispunha
de mão-de-obra abundante e barata, mas, para ser barata, tinha que ser
desqualificada, sendo o sistema educacional o instrumento dessa desqualificação.
Para o autor (1999, p. 7), o sistema educacional reflete esta
desqualificação porque a história da educação brasileira foi marcada por uma
dicotomia no ensino, onde havia uma escola para a elite, responsável por formar os
que iriam ocupar os postos de mando no país, e outra para os demais, que iriam
trabalhar e obedecer. Paralelamente, foi-se criando no país várias designações para
essa modalidade de ensino: ensino profissionalizante, educação e trabalho,
formação profissional, entre outras, como forma de identificar a educação
profissional no Brasil.
Dessa forma, a partir da década de 30 foram intensas as tentativas de
legislar sobre os diversos níveis e no âmbito nacional. Destacando-se, conforme
aponta Palma Filho (2005a, p. 62), a criação do Ministério da Educação e Saúde
Pública, a Reforma de Ensino Secundário e do Ensino Superior, o Manifesto dos
Pioneiros pela Educação Nova e a Constituição de 1934.
Segundo Palma Filho (2005b, p. 35), as linhas mestras da política
educacional estão formuladas em várias fontes legais, sendo que a primeira delas é
dada pela Constituição Federal. A promulgada em 1934, em grande parte
influenciada pelo Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova, dedica um capítulo
para tratar da questão educacional, onde são firmados os princípios gerais que
devem ser levados em conta para a organização do sistema escolar. Mas, a
preocupação fica restrita ao ensino superior e secundário, nada propondo em
relação ao ensino primário e à educação popular.
Na implantação do Estado Novo foi promulgada a Constituição de 1937,
mantendo um capítulo especial para a educação, contudo, a obrigação do poder
público ficou restrita apenas para os alunos que demonstrassem não possuir recursos
para se manter numa escola particular. Dessa forma, a ênfase recaiu na estruturação
dos cursos técnicos profissionalizantes, destinados às camadas populares.
Segundo Palma Filho (2005a, p. 73), a Carta Constitucional de 1946
inspirou-se no ideário liberal e democrático, pois, além de um capítulo dedicado à
educação, contém outros dispositivos que interessavam diretamente ao setor
educacional. No período deste texto constitucional, ocorreu um surto de
desenvolvimento sócio-econômico no país, criando novas necessidades para o
sistema educativo. Porém, o setor não respondeu de modo satisfatório às demandas
da sociedade, permanecendo conservador e elitista.
A outra fonte legal que formula as linhas mestras da política educacional,
de acordo com Palma Filho (2005b, p. 35), é a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), sendo que a primeira delas foi promulgada em dezembro
de 1961. A nova Lei, que levou treze anos para ser aprovada, já não dava conta das
muitas transformações pelas quais passara o país, em razão do acelerado processo
de industrialização e suas novas exigências para o setor educacional. Depois de
intensos debates entre os defensores da escola pública e os setores ligados à
defesa da escola particular, a segunda LDB foi promulgada em agosto de 1971.
Segundo Frigotto (1995, p. 16), a educação no Brasil, particularmente nas
décadas de 60 e 70, sofreu forte influencia do economicismo. De prática social que se
define pelo desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes, concepções e
valores articulados às necessidades e interesses das diferentes classes e grupos
sociais, foi reduzida a mero fator de produção, o chamado “capital humano”.
Para o autor (1995, p. 19), os efeitos do economicismo na política
educacional se expressaram negativamente, seja em razão do desmantelamento da
escola pública e reforço da educação como “negócio”, ou pelo dualismo dos serviços
educacionais oferecidos para as classes trabalhadoras e classe dominante, ou,
ainda, pelo tecnicismo e fragmentação do processo de conhecimento.
Segundo Alves (2005 p. 7), após o golpe de 1964, com a instauração da
ditadura militar, a educação brasileira sofreu fortes influências de alguns movimentos
contraditórios, até chegar aos dias atuais. O primeiro refere-se ao próprio governo
ditatorial, em que a classe dominante exercitou sua hegemonia sobre a sociedade,
sem se preocupar em manter ocultos os seus objetivos de dominação.
O segundo movimento aconteceu no período de 1977 a 1983, em razão
da reação progressista de alguns municípios e estados brasileiros, marcadamente
nos municípios de Lajes, em Santa Catarina, Piracicaba, em São Paulo, e Boa
Esperança, em Minas Gerais, que elegeram prefeitos de oposição ao regime militar,
desencadeando políticas educacionais voltadas aos interesses populares e que
procuravam superar a seletividade do ensino.
O terceiro movimento compreende o período de 1990 a 2001, marcado
pelas iniciativas do governo federal no desenvolvimento de políticas neoliberais.
Estas políticas iniciaram-se nos finais dos anos 80, no entanto, se instalaram mais
marcadamente na educação brasileira a partir de 1990, principalmente pela via de
financiamento de projetos pelo Banco Mundial.
Atualmente, no período de vigência da Constituição de 1988,
complementadas pela Lei 9.394/96, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, o sistema educacional enfrenta os desafios decorrentes do projeto
econômico-social implantado a partir de 1995, cujos pressupostos assumidos
encontraram sua base na cartilha neoliberal do Consenso de Washington.
As idéias da doutrina neoliberal, segundo Frigotto e Ciavatta (2005, p. 18),
podem ser resumidas da seguinte forma: em primeiro lugar acabaram as
polaridades, a luta de classes, as ideologias, as utopias igualitárias e as políticas de
Estado nelas baseadas. Em segundo lugar é que estamos num tempo de
globalização, de modernidade competitiva, de reestruturação produtiva e de
reengenharia, em que nos encontramos defasados e devemos buscar nos ajustar.
Este ajustamento deve acontecer não mediante políticas protecionistas,
intervencionistas ou estatistas, mas em acordo com as leis do mercado globalizado.
Conforme aponta Frigotto e Ciavatta (2005, p. 19), o projeto educacional, a
partir de 1995, encontra-se articulado com o projeto de ajuste da sociedade brasileira
às demandas do grande capital. Elaborado por especialistas, em sua maioria
intelectuais altamente preparados em universidades do exterior e com passagem nos
organismos internacionais, que estão na base das reformas educativas, tais como o
Banco Mundial (BM), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Organização Internacional
do Comércio (OIT), entre outros, produziram medidas que definem as políticas de
cima para baixo e de acordo com os princípios do ajuste. Para os autores, no campo
da educação no Brasil, passamos das leis do arbítrio da ditadura civil militar para a
ditadura da ideologia de mercado.
O que se pode perceber foi que, no transcorrer da história, as políticas
educacionais sempre estiveram relacionadas aos interesses das classes
representadas no poder.
As reformas educacionais devem ser entendidas como aspectos das políticas sociais que são resultantes e produtoras de ações político-sociais realizadas, separada ou articuladamente, pelo Estado e pela sociedade civil, mas implementadas pelo primeiro. Parte-se do suposto de que ambas as instâncias se articulam ou degladiam em torno de interesses de grupos sociais que se
fazem presentes em uma e/ ou outra. Por esta razão, carece de sentido, apesar de ser assim entendido correntemente, dizer que as reformas são gestadas no âmbito do Estado, disseminando-se, por ações deste, de forma democrática ou autoritária, por toda a sociedade, gerando nesta, ao mesmo tempo, recusas, adesões ou ambigüidades. (FERRETTI, 2005, p. 47)
O controle social entra nas escolas via currículo, segundo Palma Filho
(2004, p. 90), ainda durante a Monarquia e o período Republicano, o currículo
escolar, desenvolvido no Colégio Pedro II, era o instrumento escolhido para que se
aplicasse o instituto da equiparação de estudo junto aos estabelecimentos de ensino
estaduais e particulares. O sistema escolar, em razão disso, já há muito tempo,
transmite aos seus alunos às idéias, princípios e valores de determinado grupo,
legitimando o poder e o controle das classes dominantes.
Segundo a análise de Cury (1991, p. 152), o Brasil, herdeiro de um projeto
de colonização contra-reformista, se fez desde logo um país tipicamente montado no
sistema de favor e do clientelismo, baseado em uma concepção hierárquica da
alteridade social em que os que se julgam “superiores” discriminam os considerados
“inferiores”, favorecendo a conquista de privilégios a uma camada social específica.
Nossas raízes históricas mostram como as instituições escolares foram
utilizadas para preservar a hegemonia de determinados grupos. O controle social e
econômico que se desenvolve nas escolas pode ser percebido quando se verifica a
unificação dos conteúdos, a não aceitação das diferenças, da pluralidade inevitável
do mundo e a intenção objetiva de que todos “falem a mesma língua”.
Também pode ser verificado quando se observa as regras e rotinas
aplicadas para manter a ordem, em comportamentos ensinados desde a infância,
que reforçam as normas de trabalho, como obediência e pontualidade, entre outros,
necessários para a formação de trabalhadores. Segundo Apple (1982, p. 103), o
controle social e econômico que ocorre nas escolas é efetuado, não somente sob a
forma das disciplinas ou dos comportamentos que reforçam as normas de trabalho,
mas também é exercido por meio de significados que a escola distribui, pelo fato de
preservarem e distribuírem o conhecimento que “todos devem ter”.
Com base para essa posição, há uma visão dos estudantes como capital humano. O mundo é intensamente competitivo do ponto de vista econômico, e aos estudantes – como futuros trabalhadores – devem-se transmitir as capacidades e disposições necessárias para competir de forma eficaz e eficiente. (APPLE, 2004, p. 75)
O que importa ressaltar, neste caso, foi o papel das instituições
educacionais na formação e reprodução das “necessidades” do capitalismo,
introduzindo nas escolas o grau de racionalidade atingido na organização da
atividade produtiva e na vida social.
Frigotto (1995, p. 141) aponta que os organismos de classe dos
empresários nacionais (CNI, FIESP, IEL) em articulação com os organismos
internacionais (FMI, BID, BM, BIRD, OIT), a partir da década de 80, reiteraram ações,
que se traduziram na elaboração de políticas educacionais, no intuito de contribuir
para o desenvolvimento de propostas curriculares adequadas às novas exigências de
qualificação da força de trabalho, num processo com implicações profundas para a
educação, em todos os seus âmbitos, mas de maneira mais específica na formação
de seus alunos, ou seja, na qualificação dos futuros trabalhadores.
Para os neoliberais, segundo Apple (2004, p. 74), a racionalidade
econômica é mais poderosa do que qualquer outra, tendo a eficiência como uma das
normas dominantes e, assim, direciona as pessoas a agirem de maneira a
maximizar seus benefícios pessoais. Dessa forma, os estudantes são vistos como
capital humano e, em razão do mundo ser intensamente competitivo do ponto de
vista econômico, a escola deve transmitir aos estudantes as capacidades e
disposições necessárias para competir de forma eficiente no mercado de trabalho.
De qualquer forma, segundo dados do Ministério da Educação e Cultura
(MEC) (1996, p. 21), o sistema de ensino brasileiro encontra-se, atualmente,
organizado em três níveis: ensino fundamental, ensino médio e tecnológico e ensino
superior, com dois patamares distintos: a graduação e a pós-graduação. Acrescenta-
se a educação infantil (creche e pré-escola), destinada ao atendimento de crianças
com menos de seis anos de idade. O ensino fundamental é obrigatório para todas as
crianças dos seis aos catorze anos e gratuito nos estabelecimentos públicos,
inclusive para quem não teve acesso a ele na idade própria.
O ensino médio é gratuito nas escolas públicas, mas ainda não é
obrigatório. O acesso ao ensino médio é facultado ao aluno que tenha completado,
com aproveitamento, os nove anos do ensino fundamental e, em acordo com o
Ministério da Educação e Cultura (1996, p. 29), visa proporcionar ao educando a
formação necessária para o desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício
consciente da cidadania. Para tal, assume função formativa, propedêutica e
profissional, conforme os seus objetivos.
O ensino técnico profissional é oferecido simultaneamente e de forma
integrada ao ensino médio geral ou, no ensino superior, em cursos de curta duração,
para a formação de tecnólogos. Segundo o Ministério da Educação e Cultura (1996,
p. 29), para atender à formação profissional nas áreas de serviço, indústria e
agricultura, o MEC mantém uma rede de 134 escolas de educação profissional. Ao
lado desse sistema formal de educação profissional, atuam agências ligadas ao
setor empresarial, que se dedicam à qualificação e formação profissional.
Conforme aponta o Ministério da Educação e Cultura (1996, p. 19),
encontram-se envolvidos na tarefa educacional, outros organismos governamentais
ou não-governamentais, por meio de convênios firmados, ou por ações conjuntas
para esse fim. Dentre eles, destaca-se a integração dos Ministérios do Trabalho e da
Educação na definição da formação profissional, tendo como unidades executoras
dessas políticas as escolas técnicas, agrotécnicas, Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET), Serviços Nacionais de Aprendizagem Industrial (SENAI), e
seus correspondentes do comércio, do transporte e da área rural: Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacional de Aprendizagem do
Transporte (SENAT) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).
O ensino superior, no Brasil, encontra-se organizado em dois níveis: a
graduação e a pós-graduação, que pode ser entendida por lato sensu (cursos de
atualização, aperfeiçoamento ou especialização) ou stricto sensu (cursos de mestrado
e de doutorado). Segundo o Ministério da Educação e Cultura (1996, p. 15), o ensino
superior pode ser ministrado em escolas isoladas ou em universidades. As primeiras
voltam-se, basicamente, à formação de profissionais de nível superior para uma ou
mais profissões ou carreiras, enquanto que as universidades, além da formação de
profissionais de nível superior, devem promover a pesquisa básica e aplicada, bem
como prestar serviços à comunidade sob a forma de cursos e outras atividades de
extensão universitária.
O Ministério da Educação e Cultura informa (1996, p. 69) que manteve, no
âmbito dos Acordos de Cooperação Cultural e Educacional assinados com outros
países e com organismos internacionais, convênios de intercâmbio com vistas não
só à cooperação técnica e financeira, mas também, à melhoria do atendimento
educacional e da capacitação de recursos humanos que propiciem condições para a
evolução da capacidade técnica e tecnológica do país. Aponta, entre outros, os
recursos recebidos do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e a linha de cooperação na área da formação e capacitação
de gestores e planejadores da educação dada pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Em uma análise mais recente sobre a educação em nosso país na década
de 90, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, do
Ministério da Educação e Cultura (2003), efetuou um levantamento de dados sobre
os índices de educação de 1990 a 2000. Neste relatório, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)-MEC não apresenta
comentários e nem conclusões, apenas tabelas indicando os números da educação
no Brasil na década de 90 (1990 a 2000), mostrando um panorama completo sobre
o nosso sistema educativo.
Entretanto, suas dimensões ultrapassam, em muito, os objetivos deste
trabalho, em razão disso, organizou-se, a seguir, uma síntese dos números
apresentados até o ano 2000, para o ensino fundamental, médio e superior da
educação brasileira, a fim de complementar as informações sobre o
desenvolvimento do sistema educativo em nosso país.
Educação no Brasil no ano 2000
Investimento público
Investimento privado
Economia mista publico + privado
Investimento público/aluno
Nº de escolas de ensino fundamental
163.368 18.136
Nº de matriculas no fundamental
32.528.707 3.189.241 R$ 668,00
Nº de escolas de ensino médio 13.227 6.229
Nº de matrículas no diurno 7.039.529 1.153.419 R$ 701,00
Nº de matrículas no noturno 4.171.235 202.128 R$ 701,00
Nº de Instituições de Ensino Superior
122 1.004 54
Nº de matrículas no diurno 814.854 332.104 1.807.219 R$ 9.789,00
Nº de matrículas no noturno 259.757 1.196.033 54.548 R$ 9.789,00
Quadro 1 – Números da Educação no Brasil no ano de 2000 Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor em 2008, a partir de dados fornecidos pelo Ministério da
Educação e Cultura (2003).
Os dados apresentados corroboram com as análises apresentadas pelos
educadores e pesquisadores da área educacional em nosso país. Sem negar as
enormes conquistas no âmbito educacional, o relatório do Ministério da Educação e
Cultura (2003), indica que ainda há uma grande diferença entre o número de alunos
matriculados no ensino fundamental que prosseguem os estudos no ensino médio, e
deste, para o ensino superior, ainda no ano 2000.
Na realidade, o quadro acima poderia ser construído sob a forma de uma
pirâmide, com os alunos matriculados no ensino fundamental formando sua base
(total de 35.717.948 alunos matriculados nas escolas públicas e privadas),
intermediado pelos alunos do ensino médio (12.566.311 alunos) e, no ápice, os
alunos do ensino superior (2.602.748 alunos).
2.3 Educação Profissional no Brasil
A aprendizagem de ofícios remonta aos tempos do Brasil colônia com o
ensino manufatureiro para os escravos e, posteriormente, em razão do aumento da
população mestiça, a aprendizagem de ofícios foi utilizada como meio de integrar as
crianças e adolescentes pobres à sociedade então crescente. Segundo Rocha (2005,
p. 19), identificado com o trabalho escravo, como tarefa de simples execução e pouco
raciocínio, o trabalho manual foi desprestigiado aos olhos dos homens livres.
Durante muito tempo, a educação profissional ficou associada ao conceito
de “formação de mão-de-obra”, pois as poucas iniciativas voltadas para o campo da
educação restringiam-se para a formação da elite que iria conduzir o país,
consolidando a formação de um dualismo na educação brasileira, uma educação
para a os ricos e outra para os trabalhadores, em especial para aqueles que
executam trabalhos manuais.
Esta vinculação perdurou por muitos séculos, pois os trabalhadores
responsáveis pelas produções de bens ou que realizavam todo e qualquer serviço
eram escravos e, a eles, não se reconhecia o direito à educação. Em razão disso, a
educação profissional não esteve vinculada à educação formal, sendo reservada
apenas às classes menos favorecidas, para formação de “mão-de-obra”.
Segundo Cordão e Cury (2006, p. 49), até o início do século XX, o ensino
profissional continuou mantendo os mesmos traços assistencialistas, mas iniciou, a
partir desse período, o processo de preparação dos operários para o trabalho. Em
1910 foram instaladas 19 escolas de aprendizes e artífices, em várias regiões do país.
A partir de 1930, o ensino técnico passou a ser discutido de forma
sistematizada. As propostas de mudanças no campo educacional, organizadas no
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, conferiram espaço para a definição e
finalidade dos cursos técnicos.
III. Desenvolvimento da escola técnica profissional, de nível secundário e superior, como base da economia nacional, com a necessária variedade de tipos e escolas; a) de agricultura, de minas e de pesca (extração de matérias-primas; b) industriais e profissionais (elaboração de matérias-primas; c) de transporte e comércio (distribuição de produtos elaborados); e segundo métodos e diretrizes que possam formar técnicos e operários capazes em todos os graus de hierarquia industrial. (PALMA FILHO, 2005a, p. 65)
A constituição Brasileira, outorgada pelo regime ditatorial no Estado Novo,
liderado por Getúlio Vargas em 1937, consolida o ensino profissional como a
principal obrigação do Estado, em matéria de educação, e destinava-se às “classes
menos favorecidas”. Cordão (2006, p. 49) aponta o artigo 129 que previa a formação
de “escolas vocacionais e pré-vocacionais”, o que deveria ser cumprido com a
colaboração das indústrias e dos sindicatos.
Essa determinação constitucional possibilitou, em 1942, a regulamentação,
por decreto, da Lei Orgânica do Ensino Industrial, da criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI), em parceria com o empresariado nacional, e da
Lei Orgânica do Ensino Comercial. O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) foi criado em 1946.
Nesse novo contexto, segundo Cordão e Cury (2006, p. 49) formaram-se a
Rede Federal de Estabelecimentos de Ensino Industrial, tomando-se como base a
antiga rede de escolas de aprendizes e artífices, organizadas e aparelhadas para
funcionarem como Escolas Técnicas Federais. Todas essas medidas consolidaram a
implantação do ensino técnico e profissionalizante em nosso país.
No entanto, a normatização de todo o sistema educacional brasileiro teve
início em 1959, com as discussões em torno da 1ª Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional, Lei Federal nº 4.024, promulgada em 1961. A partir dela, todos
os ramos e modalidades de ensino do mesmo nível passam a ser equivalentes,
equiparando o ensino profissional ao ensino acadêmico, garantindo os mesmos
direitos para a continuidade dos estudos nos níveis superiores de ensino. Para
Cordão (2006, p. 50), a primeira LDB conseguiu romper, pelo menos do ponto de
vista legal, com a dualidade entre um ensino para a “elite” e outro para os “pobres e
desvalidos”.
Tal situação não durou mais que dez anos. Em 1968 a LDB sofre uma
primeira alteração com a Lei nº 5.540 que define as diretrizes e bases para o ensino
superior e, em 1971, a Lei Federal nº 5.692 torna obrigatória a profissionalização no
ensino médio, transferindo a responsabilidade do ensino profissional, antes limitada
às instituições especializadas e aparelhadas para essa oferta de serviços
específicos, também para o sistema estadual de ensino secundário.
Portanto, pode-se considerar que a meta dessa última reforma educacional
foi profissionalizar o estudante, encaminhando-o rapidamente para o mercado de
trabalho. De qualquer forma, a implantação dessa última reforma não foi significativa
para a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos pelos sistemas públicos de
ensino secundário, pois, conforme afirma Cordão e Cury (2006, p. 50) estes, não
receberam o apoio necessário para a oferta de ensino profissional e, em
conseqüência, abrigaram alunos que não foram preparados para ingressar no
ensino superior e nem para o mercado de trabalho.
Segundo Palma Filho (2005a, p. 88), em razão dos resultados
desfavoráveis, houve uma nova reforma no ano de 1982, com a Lei nº. 7.044,
finalizando o ensino de 2º grau profissionalizante. Após esse período, com o início
da abertura política no país, foi promulgada a nova Constituição Federal em 05 de
outubro de 1988, abrindo caminhos para a atual Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional, Lei Federal nº. 9.394.
A educação profissional foi concebida pela nova lei com um enfoque voltado
para as exigências do mundo do trabalho, integrando-a as diferentes formas de
educação.
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Art. 1º § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: III - orientação para o trabalho; Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; Art. 36. § 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. § 3º. Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos. § 4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. (BRASIL, 1996)
A educação profissional destaca-se no Título V, Dos Níveis e das
Modalidades de Educação e Ensino, sendo-lhe dedicado um capítulo especial, com
quatro artigos, em que concebe a educação profissional “integrada às diferentes
formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia”, com o objetivo de
conduzir “ao permanente desenvolvimento para a vida produtiva” e, dessa forma,
alcançar o “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 2º).
CAPÍTULO III Da Educação Profissional Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional. Art. 42. As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. (BRASIL, 1996)
De fato, a nova LDB integra a educação profissional à discussão em sentido
mais amplo, mas a sua regularização tem início com o Decreto Federal nº 2.208, no
ano de 1997, definindo-a como o ponto de articulação entre a escola e o mundo do
trabalho.
Decreto Federal nº 2208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei Federal nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 2º - A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. Art. 3º - A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III - tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. Art. 4º § 1º - As instituições federais e as instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, apoiadas financeiramente pelo Poder Público, que ministram educação profissional deverão, obrigatoriamente, oferecer cursos profissionais de nível básico em sua programação, abertos a alunos das redes públicas e privadas de educação básica, assim como a trabalhadores com qualquer nível de escolaridade. Art. 7º - Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico, deverão ser realizados estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores. (BRASIL, 1997).
A nova regulamentação desvincula a formação técnica do ensino médio,
impondo aos estudantes interessados na profissionalização, duas matrículas
concomitantes, uma no ensino médio e outra em um curso técnico, ou então,
deveriam aguardar para ingressar em cursos técnicos ao término do ensino médio.
Para restabelecer a possibilidade de integração curricular dos ensinos
médio e técnico, de acordo com o que dispõe o artigo 36 da LDB, entre outras
medidas importantes para a regulamentação do ensino profissional, acontece a
revogação do Decreto 2.208/97 e sua substituição pelo Decreto nº 5.154/04.
Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Art. 1º A educação profissional, prevista no art. 39 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), observadas as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, será desenvolvida por meio de cursos e programas de: I - formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional técnica de nível médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.
Art. 3º Os cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, referidos no inciso I do art. 1º, incluídos a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de escolaridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos, objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social. § 1º Para fins do disposto no caput considera-se itinerário formativo o conjunto de etapas que compõem a organização da educação profissional em uma determinada área, possibilitando o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. § 2º Os cursos mencionados no caput articular-se-ão, preferencialmente, com os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificação para o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o qual, após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a certificados de formação inicial ou continuada para o trabalho. Art. 4º A educação profissional técnica de nível médio, nos termos dispostos no § 2º do art. 36, art. 40 e parágrafo único do art. 41 da Lei no 9.394, de 1996, será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, observados: I - os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação; 1º A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno; II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ou c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados; III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. Parágrafo único. Para a obtenção do diploma de técnico de nível médio, o aluno deverá concluir seus estudos de educação profissional técnica de nível médio e de ensino médio. Art. 9º Revoga-se o Decreto no 2.208, de 17 de abril de 1997. (BRASIL, 2004)
Destaca-se que na nova legislação, além da integração entre a educação
profissional técnica de nível médio e o ensino médio, sem perder de vista que ainda
há independência entre os cursos, houve a organização da educação profissional
em cursos e programas e não mais em níveis, e a articulação da formação inicial e
continuada dos trabalhadores com baixa escolaridade com a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
A partir desse dispositivo legal, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005,
p. 1097), o Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançou o Programa de
Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (PROEJA), em 03 de março de 2005, que institui a
obrigatoriedade de se destinar 10% das vagas oferecidas para o ensino médio
integrado à educação profissional, nas instituições da rede federal de educação
técnica e tecnológica, aos jovens acima de 18 anos e adultos que tenham cursado
apenas o ensino fundamental.
O objetivo desse novo programa seria a ampliação dos espaços públicos da
educação profissional para os trabalhadores adultos com baixa escolaridade e,
dessa forma, contribuir para a universalização da educação básica.
Desse modo, verifica-se que a construção social e histórica da educação no
Brasil remete a uma realidade dinâmica, onde convivem as exigências de eficácia e
produtividade do trabalho no mundo globalizado e a necessidade de um trabalhador
qualificado e competente, com o aumento da seletividade no mercado de trabalho,
com a dificuldade dos jovens em prosseguirem seus estudos a partir do ensino
fundamental e, ainda, com a inserção precoce de muitos jovens no mercado formal
ou informal de trabalho.
É nesse contexto que não sai da agenda de discussões o papel da
educação. Para desenvolver as novas funções, muitas habilidades são requeridas e
somente podem ser construídas sobre uma ampla base de educação geral. A
educação técnica profissional não tem se colocado à margem dessa discussão e
continua a refletir sobre a necessidade de estar articulada à educação geral, a fim de
eliminar a dualidade histórica entre educação propedêutica e educação profissional,
bem como buscando dar respostas à dupla dimensão dos objetivos educacionais
propostos pela LDB: preparar o profissional competente e o cidadão responsável,
comprometido com o bem-estar coletivo.
2.4 A Educação no município de Franca
A cidade de Franca, situada no extremo nordeste do Estado de São Paulo
possui uma estrutura industrial montada predominantemente com base na indústria
de calçados. A consolidação da indústria calçadista foi que impulsionou o
desenvolvimento do pólo industrial em Franca, transformando-a num centro
econômico e social.
Apesar das crises neste setor, a indústria de calçados ainda é a principal
atividade econômica do município e mostra claramente o desenvolvimento sócio-
econômico e cultural que vem ocorrendo no cenário mundial.
Ainda que guardadas as proporções locais, Franca constitui-se em exemplo vivo de questões sociais geradas pelas transformações no mundo do trabalho; o significativo índice de desemprego, no Estado de São Paulo (1998) chega a aproximadamente 19%, leva à expansão do mercado informal e ao aproveitamento da mão-de-obra feminina e infanto-juvenil em atividades domésticas terceirizadas e mal remuneradas, também geradas pela indústria calçadista. De outro lado, aumentam as demandas na assistência jurídico-social e policial devido aos problemas de ‘desestruturação’ e violência familiar. (COSAC, 2001, p.16)
Segundo os dados apresentados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e
Sociais (IPES) – Uni-FACEF (CADERNOS ..., 2003, p. 49), a economia do município
de Franca encontra-se estruturada com o predomínio das atividades relacionadas ao
setor terciário (comércio e serviços), seguida pela indústria de transformação, ou
setor secundário, e, com participação relativamente pequena em relação às demais,
do setor primário (agricultura e pecuária).
A formação e aperfeiçoamento dos trabalhadores de que necessita o
sistema econômico do município não depende exclusivamente do sistema regular de
ensino. Para atender à demanda local, a cidade de Franca conta com a participação
de vários centros de referência em educação profissional no Brasil: uma unidade do
SENAI uma do SENAC, uma unidade do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE) e duas unidades da Rede do Centro Estadual de Educação
Técnica e Tecnológica Paula Souza.
Os cursos oferecidos pelo SENAI estão basicamente voltados para a
formação de profissionais para a indústria de calçados, sendo que as modalidades
de ensino oferecidas podem ser distintas: curso de aprendizagem industrial,
destinado a adolescentes entre 14 e 16 anos incompletos e que tenham concluído o
ensino fundamental. Subdivide-se em confeccionador eclético de calçados (em
parceria com o Instituto Pró-Criança), mecânico de usinagem e eletricista de
manutenção. São cursos de duração de dois anos, ministrados no período diurno e
gratuito. E o curso de técnico em calçados, destinado aos alunos maiores de 16
anos e que tenham concluído o ensino médio. O curso é de duração de dois anos
ministrado no período noturno e gratuito.
Os cursos de curta duração oferecidos pelo SENAI não exigem grau de
escolaridade e não oferecem ensino regular. Têm duração variada de dois meses a
um ano e necessitam de investimento financeiro, ou seja, são pagos pelos alunos.
Dividem-se nas áreas de: metalmecânica, vestuário, calçados, alimentos, eletrônica,
manutenção, informática, gestão de negócios, matrizaria e desenvolvimento
gerencial/supervisão, e, estas, em vários cursos.
Todos os cursos oferecidos pelo SENAC necessitam de investimento
financeiro pelos alunos. São os seguintes: cursos técnicos, com duração de
aproximadamente dois anos: design de interiores, esteticista, gestão empresarial,
logística e produção digital – web e multimídia; cursos de curta duração (de no
máximo 60 horas) que também se dividem em áreas: administração e negócios, arte
cultura, audiovisial, bem estar, design, gastronomia, saúde e tecnologia da
informação, e, estas, em vários cursos.
O SEBRAE não oferece cursos técnicos de nível médio, mas desenvolve
cursos voltados para formação do empreendedor: dirigidos a empreendedores que
pretendem iniciar seu negócio e àqueles que buscam conhecimentos básicos em
gestão de negócios; dirigidos a empreendedores com vivência na gestão dos
negócios, cujas empresas se encontram em fase de consolidação e, ainda, os
dirigidos a empreendedores que possuem empresas consolidadas e necessitam
desenvolver competências para expansão dos negócios.
A unidade do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
(CEETEPS) Dr. Júlio Cardoso, oferece o ensino médio regular e cursos técnicos
profissionais nas áreas de gestão: administração, contabilidade, logística e
secretariado; indústria: eletrônica, eletrotécnica, mecânica e mecatrônica; saúde:
enfermagem, e telecomunicações: informática. São todos cursos gratuitos, com
duração que varia de um ano e meio a dois anos aproximadamente e destinados ao
aluno que tiver o ensino médio completo ou estiver matriculado a partir da 2ª série
do nível médio de ensino, onde farão os dois cursos concomitantemente.
A outra unidade do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza,
oferece o ensino médio regular e os seguintes cursos técnicos profissionais:
agricultura, integrado ao ensino médio; curtimento; gestão em empresa rural; meio
ambiente; gestão, produção e comercialização de café, e gestão e produção de
calçados. São todos cursos gratuitos, com duração de um ano e meio a três anos e
destinados ao aluno que tiver o ensino médio completo ou estiver matriculado a
partir da 2ª série do nível médio de ensino. Essa unidade oferece alojamento para os
alunos dos cursos ligados a agropecuária, podendo, assim, acolher alunos de
regiões mais distantes.
No sistema regular de ensino a cidade conta com escolas de educação
infantil, na rede municipal, e escolas de ensino fundamental e ensino médio na rede
municipal e estadual, bem como com várias escolas particulares, destinadas a
atender alunos nestes níveis de ensino. Para o nível superior há uma universidade
pública estadual, a UNESP; uma faculdade municipal, a Faculdade de Direito de
Franca; um centro universitário municipal, o Centro Universitário de Franca (UNI-
FACEF) e, ainda, uma universidade particular, a Universidade de Franca
(UNIFRAN), que oferecem cursos de graduação e pós-graduação em diferentes
áreas.
A naturalidade com que o município lida com a idéia de que a inserção no
universo de trabalho pressupõe a passagem por um processo escolar é fruto de seu
histórico processo de desenvolvimento industrial. Isso aconteceu porque esse
modelo produtivo, além de requerer habilidades para a linha de produção, precisa
contar com um quadro de gerência e de supervisão bem preparados, pois, em
tempo de globalização, as empresas buscam estratégias para obter ganhos de
produtividade. A competição acirrada, imposta pela economia mundial, conduz à
produção de produtos de qualidade com menores custos de produção.
Portanto, não causa estranheza o fato de haverem vários centros voltados
para a educação na cidade de Franca, a educação de modo geral e a qualificação
técnica-profissional, ganharam importância e significado em razão, sobretudo das
imposições do mercado.
CAPÍTULO 3 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
O interesse pelo tratamento adequado dos doentes e débeis mentais
levou os cientistas do século XIX, à criação de critérios uniformes para a
identificação e classificação dos diferentes casos apresentados, estabelecendo um
padrão objetivo para admissão desses pacientes nas instituições especiais de
tratamento, desenvolvidas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Anastasi
(1973, p. 7) aponta que as primeiras contribuições acerca destas distinções foram
encontradas numa obra de dois volumes, publicada em 1838 por Esquirol, na qual
são dedicadas mais de cem páginas à debilidade mental.
De modo geral, os primeiros problemas a estimularem o desenvolvimento da
psicologia foram a identificação dos doentes mentais e os problemas surgidos na
educação. Os primeiros psicólogos, então, tinham o foco de atenção voltado para a
observação e descrição do comportamento humano frente a vários estímulos, buscando
descobrir as leis gerais que regulam o comportamento, a partir de um controle rigoroso
das variáveis e das condições sob as quais eram feitas tais observações.
Segundo Anastasi (1973, p. 8), os fundadores da psicologia experimental,
no século XIX, exprimiam a sua formação em fisiologia e física. Assim, considera-se
como marco no desenvolvimento da psicologia enquanto ciência, o primeiro
laboratório fundado por Wundt, no ano de 1879, em Leipzig, na Alemanha, onde
muitos dos primeiros psicólogos experimentais foram instruídos. A partir desse
período, o desenvolvimento da psicologia se deu com as significativas contribuições
de Francis Galton, James McKeen Cattell e Binet, dentre outros.
Galton, biólogo inglês, ao estabelecer, em 1882, um laboratório
antropométrico no South kensington Museum, de Londres, conseguiu acumular o
primeiro conjunto sistemático de dados sobre diferenças individuais, em razão de
seu interesse pela hereditariedade humana. Cattell, psicólogo americano, usou o
termo “teste mental” pela primeira vez, em um artigo publicado no ano de 1890 e
ocupa uma posição superior pela sua atuação tanto na organização de laboratórios
de psicologia experimental quanto no desenvolvimento de testes. Enquanto Binet, na
França, se dedicou à pesquisa sobre as maneiras de medir a inteligência,
elaborando, em colaboração com Simon, a primeira escala Binet-Simon, no ano de
1905, atraindo a atenção dos psicólogos do mundo todo e a popularização da
aplicação de testes de inteligência.
Dessa forma, a prática em orientação profissional também foi fortemente
influenciada pela psicologia experimental. Os primeiros registros de trabalhos sobre
orientação profissional surgem dentro do processo de substituição de trabalho do
feudalismo, para as novas modalidades de inserção no mundo do trabalho
provocadas pela industrialização. Isso ocorreu porque durante a Idade Média, as
ocupações profissionais eram determinadas pela condição familiar das pessoas e,
dessa forma, a prática profissional era transmitida de pai para filho, pois a rigidez da
estrutura social não permitia opções para escolha de ocupações diferenciadas.
Com desenvolvimento industrial, alterando o predomínio do modo de
produção agrário para o modo de produção industrial, o nível das forças de produção foi
se modificando, exigindo a qualificação dos trabalhadores, daí surgiram as primeiras
preocupações com as aptidões individuais. O avanço do capitalismo associado ao
modo de produção taylorista/fordista, também tornou necessário medir as aptidões dos
trabalhadores, mas durante esse período foi para adequá-los à função correta.
A idéia de que as pessoas escolhem uma profissão e que os valores
atribuídos aos diferentes trabalhos dependem de qualificações diferenciadas,
também surgiu com o modo de produção capitalista, em razão disso, a escolha de
uma profissão também passou a ser considerada importante. Há, ainda, uma gama
de relações sociais geradas pelo modo de produção capitalista, tanto no âmbito do
trabalho quanto fora dele, produzindo problemas complexos que se tornaram objeto
de investigação científica, dentro da psicologia, principalmente nas áreas de seleção
e orientação profissional.
Assim, o progresso da psicometria e da análise ocupacional promoveram o
desenvolvimento da orientação profissional e seleção de pessoal como áreas
estreitamente vinculadas à psicologia, com o predomínio, até a década de 50, do uso
dos testes psicométricos nas suas práticas. Sua contribuição se estendeu ao exército,
nas duas Grandes Guerras, e tiveram grande divulgação durante e após esse período.
Mas, a avaliação crítica sobre o uso amplo e indiscriminado dos testes
levou pesquisadores e profissionais, que buscavam uma compreensão mais
globalizada e integrada do ser humano, a desenvolverem outros métodos de
trabalho em psicologia.
Ribeiro e Uvaldo (2007, p. 19) apontam Frank Parsons como o pai da
orientação vocacional, profissional e de carreira, em função de seu pioneirismo na
sistematização teórica e técnica dos primeiros trabalhos realizados na área, em Boston,
nos Estados Unidos. Professor universitário, formado em engenharia e direito, militante
das causas sociais, não conseguia conviver com a injustiça e a desigualdade social,
sempre se envolvendo em movimentos chamados progressistas, nos EUA do final do
século XIX, ideal que o acompanhou por toda a sua vida.
Em 1905, ao ser demitido da universidade, o Civic Service House,
instituição destinada a acolher jovens e adultos imigrantes, fundou o Breadwinner’s
Institute e Parson foi convidado a assumir sua direção, junto com Ralph Albertson. O
instituto oferecia programas de educação continuada e auxílio a jovens e adultos
imigrantes que não iriam cursar uma universidade, mas buscavam uma melhor
inserção no mercado de trabalho. Com esse trabalho, Parsons percebeu a
importância da preparação para a transição da escola para o trabalho e que alguém
deveria auxiliar os jovens nesse processo, pois essa ação poderia gerar mudanças
sociais significativas ao promover a melhor adaptação dos jovens às ocupações.
Em 13 de janeiro de 1908, foi fundado o Vocation Bureau (Escritório
Vocacional) do Civic Service House de Boston, destinado a auxiliar jovens e adultos
a fazerem escolhas inteligentes de carreira. Assim, estava oficialmente fundada a
Orientação Profissional sob o lema de seu criador: “É muito melhor escolher uma
ocupação do que simplesmente procurar um emprego.”
Nesse caminho, Carl Rogers foi considerado o mais influente psicólogo na
história americana e um dos principais responsáveis pelo acesso e reconhecimento
dos psicólogos no universo clínico, antes dominado pela psiquiatria médica e pela
psicanálise que, nos EUA, era exercida exclusivamente por médicos. Apoiado em
sólidas pesquisas e observações clínicas desenvolve uma abordagem não diretiva e
centrada no cliente, para acolher os indivíduos com problemas, inclusive aqueles
com conflitos em relação à escolha profissional. Em 1945, tornou-se professor de
Psicologia na Universidade de Chicago e secretário executivo do Centro de
Aconselhamento Terapêutico, quando elaborou e definiu seu referencial teórico da
“Abordagem Centrada na Pessoa”.
A partir desses enfoques teóricos, muitas técnicas de trabalho em
orientação profissional foram desenvolvidas em vários países, através de pesquisa
sistemática. As teorias de Ginzberg e de John Holland, a teoria evolutiva de Donald
Super e as idéias preconizadas por Rodolfo Bohoslawsky, passaram a se destacar
cada vez mais nas práticas de orientação profissional.
Ginzberg (1951), Donald Super (1957) e Holland (1959), dimensionam a
orientação profissional enquanto processo que acompanha o ciclo evolutivo do
indivíduo, ressalvadas as devidas diferenças e contribuições, para esses autores a
orientação profissional é um processo dinâmico que se inicia na infância do sujeito e
segue até a fase adulta, sendo resultado da interação entre as características de
hereditariedade e as demandas do ambiente em que ele vive. Assim, a escolha da
profissão leva em conta uma orientação pessoal com base na percepção do
indivíduo, de suas aptidões e de suas aprendizagens.
Rodolfo H. Bohoslawsky é um dos autores mais importantes no campo da
orientação profissional. Sua estratégia clínica, fundamentada pela Escola Psicanalítica
Inglesa, contempla a pessoa e o mundo do trabalho, considerando tanto a estrutura da
pessoa que escolhe quanto os aspectos da estrutura social em que se dá essa escolha,
compreendendo que no processo de escolha profissional interagem aspectos internos e
externos da pessoa e que se deve dar igual atenção a ambos.
Bohoslavsky (1987, p. 27) conceitua a orientação profissional como um
dos campos de atividades dos cientistas sociais e, como tal, compreende uma série
de dimensões ou ramos onde o critério seletivo é a vocação, incluindo o pedagógico
e o psicológico, em nível de diagnóstico, intervenção, prevenção e na solução da
problemática vocacional. Desta forma, os procedimentos realizados no processo de
orientação frente à situação de escolha, não são exclusivos do psicólogo, mas, na
maioria dos casos, trabalhos em equipe, onde o pedagogo, o sociólogo e o
professor, entre outros, são chamados a desempenhar um importante papel.
No entanto, o autor esclarece que a dimensão do processo que abarca o
diagnóstico e solução dos problemas que a pessoa tem em relação a seu futuro,
como estudantes e profissionais, inseridos no sistema sócio-econômico cultural a
que pertencem, é campo privativo do psicólogo. Neste contexto, entende por
orientação profissional os procedimentos dos psicólogos especializados aplicados
em relação às pessoas que enfrentam, em determinado momento de sua vida, a
possibilidade e a necessidade de tomar decisões, sendo esta escolha, um momento
crítico de mudança na vida destas pessoas.
Bohoslavsky (1987, p. 29) entende que há diferenças nas atividades
desenvolvidas pelos profissionais de orientação profissional, relacionando-as a
critérios racionais que surgem de seus quadros de referência, construídos a partir
das teorias e sistemas aceitos pelo profissional, bem como sobre a sua experiência,
sistema de valores e concepções filosóficas e científicas distintas, resumindo-as em
duas modalidades: a modalidade estatística e a modalidade clínica.
A primeira tem o teste como seu principal instrumento, com a finalidade
de conhecer as aptidões e interesses do entrevistado, e está ligada à psicotécnica
norte-americana e à psicologia diferencial. Influenciada por progressos na
psicometria, ao receber contribuições de autores fatorialistas, essa modalidade foi
aperfeiçoando suas técnicas em relação à validade e fidedignidade. Nessa
modalidade, o psicólogo desempenha um papel diretivo na decisão e deve
encontrar, entre as diversas carreiras, aquelas adequadas aos gostos e
possibilidades do entrevistado, desse modo, as aptidões e interesses podem ser
investigados e mensurados por meio de instrumentos desenvolvidos para estes fins.
A segunda modalidade tem a entrevista como seu principal instrumento,
onde o psicólogo deixa de assumir um papel diretivo por considerar que a
adaptação positiva a uma situação de aprendizagem ou trabalho pressupõe uma
decisão autônoma do interessado. Essa modalidade encontra-se mais vinculada às
técnicas não-diretivas preconizadas por Rogers, nos EUA, e influenciada pelas
contribuições psicanalíticas. Preconiza que mais importante do que realizar a
escolha por uma carreira específica, seria obter subsídios que permitam ao
interessado realizar as diversas escolhas ao longo de sua vida, dessa forma, volta-
se para compreender quem é o sujeito da escolha e como ele escolhe.
Para Bohoslavsky (1987, p. 33), a psicologia clínica se caracteriza por
uma estratégia, ou seja, uma forma de observação e de atuação, na abordagem do
objeto de estudo, que é o comportamento dos seres humanos. Esta estratégia pode
ser empregada para se estudar qualquer tipo de comportamento, em qualquer
âmbito de trabalho, em qualquer campo de trabalho, de acordo com o propósito de
quem a empregue, em relação a uma situação humana, para sua modificação,
compreensão, explicação ou, ainda, na prevenção de dificuldades.
Dessa forma, a psicologia clínica proporciona os dados a serem
observados e hipóteses úteis para a elaboração de teorias, enquanto que a
estratégia experimental se constitui no meio ideal para sua verificação e validação.
Assim, uma teoria construída segundo uma estratégia clínica, como é o caso da
psicanálise, não despreza a necessidade de uma validação empírica.
No campo da orientação profissional, o autor (1987, p. 112) afirma que os
testes têm um papel instrumental na tarefa clínica, convertendo-se em valiosos
instrumentos, na medida em que o psicólogo conheça seus fundamentos teóricos,
sua validade e fidedignidade e, fundamentalmente, saiba para que aplicá-lo. Para o
autor, os testes desempenham uma função valiosa, mas nunca poderão substituir a
função do psicólogo, porque os testes são instrumentos que servem ao psicólogo,
no processo de orientação, caso ele considere necessário.
Apesar das diferenças apresentadas durante o desenvolvimento da
orientação profissional ainda persiste o pensamento que algumas pessoas, por
algum motivo, estão mais bem preparadas para determinadas tarefas do que outras,
ou ainda, que ao colocar as pessoas certas nos lugares certos pode se estabelecer
o ajustamento social. Assim, Bohoslavsky propôs sua abordagem com uma
mudança do ponto de vista, principalmente porque incorpora à tarefa de orientação
profissional uma dimensão ética, pois ao considerar a pessoa como sujeito de
escolhas, considera que a escolha do futuro é algo que pertence apenas a ela.
Esta posição tem implicações filosóficas, ideológicas e científicas. Filosóficas, porque supõe toda uma concepção do homem que vai além da ciência, uma valoração do homem e não somente uma concepção científica dele. Ideológicas, porque ao dizer “possibilidade de escolha”, “direito de opção”, estamos pensando na vida real e concreta dos seres humanos, e a análise da liberdade, de suas condições e suas formas de conquista, excede os limites da ciência e não se esgota, nem de longe, no contexto da explicação psicológica. É uma questão de ideologia. Científicas e técnicas, porque esta colocação modifica os conceitos básicos da orientação vocacional em seus aspectos teóricos e técnicos, para satisfazer diferentes pressupostos ou pontos de partida. A omissão, intencional ou não, da análise dos pressupostos metateóricos (filosóficos, antropológicos e ideológicos) de toda atividade científica gera a falsa idéia de que a tarefa, no campo da orientação vocacional, é simplesmente uma questão de testes, medições e prognósticos mais ou menos “objetivos”. Isto se relaciona com o problema de medição em psicologia (BOHOSLAVSKY, 1987, p. 48)
Desse modo, Bohoslavsky (1987, p. 49) avalia que o adolescente que
procura a orientação profissional, demonstra a busca por algo que se relacione com
sua realização pessoal, felicidade, alegria de viver e não apenas o nome de alguma
profissão. Para o adolescente, definir o futuro não é somente definir o que fazer,
mas definir quem ser e, ao mesmo tempo, quem não quer ser.
A referência ao trabalho de orientação profissional com adolescentes
acontece não só porque é o âmbito em que se desenvolve este trabalho, mas
também porque é precisamente na adolescência que emergem as dificuldades e
conflitos relativos ao mundo adulto e à escolha profissional.
3.1 A “adolescência normal”
Sem a pretensão de teorizar, segue um levantamento sobre alguns
aspectos característicos da adolescência, trazendo conceitos importantes dessa
fase do desenvolvimento humano com a finalidade de auxiliar na compreensão de
determinados comportamentos dos adolescentes frente às pessoas e grupos com os
quais se relaciona, bem como frente à escolha de uma profissão.
Tem sido comum, falar sobre a adolescência como um período de
“tempestades” e “turbulências”, “crises”, “transição”, “adaptação”, “ajustamento” e,
em alguns casos, cheio de revoluções. Segundo Aberastury e Knobel (1989, p. 9), o
adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extremas, que é perturbador
para o mundo adulto, mas absolutamente necessárias para que o adolescente,
nesse processo, estabeleça a sua identidade, sendo este um objetivo fundamental
desse momento da vida.
Alves (2003, p. 16), faz uma metáfora interessante sobre a adolescência.
Para ele há dois tipos de adolescência. A primeira delas é uma doença benigna,
parecida com o sarampo. Trata-se de um período da vida que vai, aproximadamente
dos 13 aos 19 anos, é um fenômeno individual, normalmente se cura por si mesmo e
raramente deixa seqüelas. Caracteriza-se por transformações físicas e psicológicas, em
que a voz se altera, aparecem os pêlos nos devidos lugares, desenvolvem-se os órgãos
sexuais e os piões e as bonecas são substituídos por brinquedos mais interessantes. A
segunda adolescência se parece com uma varíola, pela gravidade dos sintomas. Trata-
se de um fenômeno cultural moderno, de natureza coletiva, e se caracteriza por uma
perturbação nas faculdades do pensamento, perda do contato com a realidade,
alucinações psicóticas que não raro assumem a forma de zombaria social.
Seguindo as idéias de Aberastury e Knobel (1989, p. 10) pode-se dizer
que o adolescente enfrenta três lutos fundamentais. O primeiro acontece com a
perda do corpo infantil, onde se encontra como espectador impotente das mudanças
que ocorrem em seu próprio organismo. O segundo acontece com a perda do papel
e da identidade infantis, que o obriga a uma renúncia da dependência e a uma
aceitação de responsabilidades que muitas vezes desconhece. O último luto refere-
se à perda dos pais da infância, os quais ele insiste em reter na personalidade, em
razão do refúgio e da proteção que eles significam.
Entrar no mundo dos adultos significa para o adolescente a perda
definitiva de sua condição de criança, sendo claro que esta transição acarreta
mudanças significativas, tanto físicas quanto psicológicas, e o estabelecimento de
uma nova relação com os seus pais e com o mundo. Para Aberastury e Knobel
(1989, p. 13), isto só é possível quando se elabora, lenta e dolorosamente, o luto
pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da infância.
Neste período flutua entre uma dependência e uma independência extremas, e só a maturidade lhe permitirá, mais tarde, aceitar ser independente dentro de um limite de necessária dependência. Mas, no começo, mover-se-á entre o impulso ao desprendimento e a defesa que impõe o temor à perda do conhecido. É um período de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções com o meio familiar e social. Este quadro é freqüentemente confundido com crises e estados patológicos.
Segundo Venturini e Abramo (2000), duas idéias básicas costumam estar
presente nas concepções modernas sobre adolescência. A primeira consiste em
considerá-la uma fase de passagem no ciclo da vida, situada entre o período de
dependência, que caracterizaria a infância, desprendendo-se de seu mundo infantil
no qual vivia comodamente, com suas necessidades básicas satisfeitas e os papéis
claramente estabelecidos, e a posterior autonomia adulta, para o qual não está
totalmente preparado. A segunda é a que atribui aos jovens uma predisposição
natural para a rebeldia, uma hostilidade frente aos pais e ao mundo em geral.
Para os autores (2000), a concepção de adolescência como “passagem”,
parte do reconhecimento, pelos adultos, de que se trata de um período de
transformações, de buscas e definições de identidade, de valores e idéias, de modos
de se comportar e agir. Disto resulta a percepção da adolescência como período de
instabilidade, transitando por momentos, ora de intensidade e determinismo, ora de
turbulência e descaminhos.
Os adultos determinam, para o adolescente, a necessidade de considerar
as tarefas futuras, ou seja, além de lidar com o presente, o adolescente deve pensar
na sua formação, que, em pouco tempo, terá de obter um emprego, constituir uma
família e muitas outras responsabilidades do mundo adulto. De forma geral, há um
consenso, ainda por parte dos adultos, em reconhecer que este momento de
transição deva ser centrado na preparação do adolescente para a vida futura,
sobretudo por intermédio da formação escolar, como forma de garantir uma
adequada inserção na vida social moderna.
Mas, para ser bem realizada essa preparação é necessário que aconteça
um retardamento da entrada do adolescente em várias funções da vida social, tais
como, o trabalho e as obrigações familiares, entre outros. Possibilidade essa,
apenas para aqueles que podem se dedicar somente aos estudos, condição quase
que exclusiva, dos adolescentes das classes médias e altas. Os adolescentes das
classes populares, tendo de trabalhar e interrompendo os estudos muito cedo, ou a
eles nem tendo acesso, ficam excluídos dessa formação.
Pode-se então considerar, que essas concepções não encontram respaldo
na realidade de nosso país, porque a maioria dos nossos adolescentes não tem
condições de se ver livre de obrigações e compromissos de ordem econômica,
complementando ou, em muitos casos, assumindo as rendas familiares, estando
longe de ter sua vida centrada no estudo.
Cabe ressaltar, que a realidade mostra os dramas, riscos e desvios,
produzidos por imagens de um adolescente que surge ora como vítima, ora como
produtor de graves problemas sociais, dentre os quais, as drogas, o crime, a
prostituição, a gravidez precoce, a violência das gangues. Hoje, para uma grande
parte dos adolescentes, a rebeldia está dando lugar à violência.
Nesse momento, vivemos no mundo inteiro o problema de uma juventude inconformada, que se enfrenta com a violência, e o resultado é só a destruição e o entorpecimento do processo. A violência dos estudantes não é mais do que a resposta à violência institucionalizada das forças da ordem familiar e social. Os estudantes se revoltam contra o nosso modo de vida, rejeitando as vantagens tanto como seus males, em busca de uma sociedade que ponha a agressão a serviço dos ideais de vida e eduque as novas gerações visando à vida e não à morte. A sociedade em que vivemos, com seu quadro de violência e destruição, não oferece garantias suficientes de sobrevivência e cria uma nova dificuldade para o desprendimento. O adolescente, cujo destino é a busca de ideais e de figuras ideais para identificar-se, depara-se com a violência e o poder e também os usa. Tal posição ideológica no adolescente é confusa e não pode ser de outra maneira, porque ele está procurando uma identidade e uma ideologia, mas não as tem. Sabe o que não quer muito mais do que o que quer ser e fazer de si mesmo; por isso os movimentos estudantis carecem, às vezes, de bases ideológicas sólidas. Freqüentemente, o adolescente se submete a um líder que o guia, no fundo, substitui as figuras paternas das quais está procurando separar-se, ou não tem mais remédio, a não ser procurar uma ideologia própria que lhe permita agir de uma maneira coerente no mundo em que vive. Mas sendo assim, e não tendo tempo para alcançá-la, se sente oprimido e responde com violência (ABERASTURY; KNOBEL, 1989, p. 19)
Para a formação deste cenário, envolvem-se múltiplos fatores, além dos
conhecidos “desajustes familiares” e “desemprego”, levando pesquisadores e
cientistas de diferentes áreas a aprofundar os vários temas que afetariam a
juventude brasileira, nos dias atuais, a fim de formular propostas adequadas para
diminuir os fatores que contribuem com os maiores riscos.
Acontece que durante este período de transformações, de buscas e
definições de identidade, há, ainda, as buscas e definições pela identidade
vocacional/profissional. Segundo Bohoslavsky (1987, p. 55), nas mudanças
implícitas na passagem da infância para a idade adulta, a pessoa deve encontrar
maneiras diferentes de se adaptar em níveis diversos e, nesse processo, encontrará
dificuldades cuja dimensão irá determinar uma adolescência mais ou menos
conflitiva. Uma das áreas deste ajustamento encontra-se no estudo e no trabalho, já
entendidos como meio e forma de ascender a papéis sociais adultos.
Bohoslavsky (1987, p. 63), diferencia a identidade vocacional da
identidade profissional. Para ele, a identidade vocacional expressa as variáveis de
tipo afetivo-motivacional, estaria determinada pelos conflitos inconscientes,
enquanto a identidade profissional reflete o resultado da ação de determinado
contexto social, está determinada pelos aspectos sócio-econômicos e políticos de
um país e pela ideologia que permeia todas essas relações.
3.2 A formação dos orientadores profissionais
A Associação Internacional para a Orientação Educacional e Profissional
(IAEVG2/AIOSP3) organizou, no ano de 1999, um projeto com o objetivo de
identificar as competências internacionais necessárias para o desempenho eficaz de
orientadores profissionais em diferentes contextos e países, com a finalidade de
propor recomendações para a capacitação destes profissionais. O Comitê Diretor
organizado para dirigir os trabalhos foi composto por especialistas de vários países
e o texto final contou com a participação de representantes das organizações
internacionais de orientação profissional, dentre eles, Elvira Repetto Talavera,
2 International Association for Educational and Vocacional Guidance 3 Association Internationale d’Orientation Scolaire et Professionnelle
Beatriz Malik Liévano, Nuria Manzano Soto, Paula Ferrer-Sama e Bryan Hiebert,
traduzido por Adriana Ricci dos Santos e publicado na Revista Brasileira de
Orientação Profissional em 2004.
O relatório “Competências Internacionais para Orientadores Educacionais
e Vocacionais”, foi concluído e aprovado no ano de 2003, focalizando os principais
conhecimentos, habilidades e atitudes dos profissionais em orientação educacional
e vocacional. Tal iniciativa justificou-se por existirem muitas variações sobre a
capacitação profissional e os papéis e funções desempenhados pelos conselheiros
e outros profissionais de orientação, em muitos países, configurando, dessa forma,
um grande número de serviços oferecidos por diferentes tipos de profissionais.
Nesse contexto, o projeto buscou estabelecer uma base comum com
relação às competências que definem o trabalho dos profissionais em orientação
educacional e de carreira, obtendo um consenso sobre quais são necessárias ao
efetivo desempenho profissional.
O relatório final apresentou duas categorias principais. A primeira refere-
se às “competências centrais”, necessárias a todos os profissionais, independente
de seus ambientes de trabalho. A segunda categoria refere-se às áreas de
“competências especializadas”, necessárias a alguns profissionais, em razão da
natureza de seu trabalho. Nesse caso, alguns profissionais necessitam de uma
ampla gama de competências especializadas, enquanto outros de uma quantidade
menor, dependendo do ambiente de trabalho e da população atendida.
As principais competências centrais são: comportamento ético e conduta
profissional; liderança e defesa do progresso, desenvolvimento e interesses
pessoais dos clientes; consciência e compreensão das diferenças culturais de modo
a interagir com todas as populações; integrar teoria e pesquisa à prática;
habilidades para planejar, implementar e avaliar programas e intervenções;
consciência de suas próprias capacidades e limitações; habilidade para comunicar-
se eficazmente; conhecimento atualizado sobre temas educacionais, capacitação,
tendências de emprego, mercado de trabalho e questões sociais; sensibilidade
social e intercultural; habilidades para cooperar em equipes profissionais e,
conhecimento sobre o processo de desenvolvimento de carreira ao longo da vida.
O relatório apontou dez áreas de competências especializadas, sendo: o
diagnóstico; a orientação educacional; o desenvolvimento de carreira; o
aconselhamento; a administração de informações; consulta e coordenação;
pesquisa e avaliação; programas e administração de serviços; construção da
capacidade da comunidade e a colocação.
No diagnóstico, o orientador profissional deve analisar as características e
necessidades de pessoas ou grupos de pessoas, com base em diferentes
instrumentos e técnicas de avaliação, utilizando apropriadamente, e de acordo com
a situação, os resultados apresentados. Essa especialização inclui a identificação
de situações que requeiram encaminhamento para serviços especializados, bem
como a facilitação de tais encaminhamentos, com a manutenção de listagem
atualizada de recursos para encaminhamento.
Na orientação educacional busca orientar estudantes no desenvolvimento
de planos educacionais, superar dificuldades de aprendizagem, auxiliar na
ampliação do autoconhecimento e em seus processos de decisão, seja para a
seleção de cursos ou para a inserção no mercado de trabalho.
Para o desenvolvimento de carreira é necessário ter conhecimento sobre
assuntos relativos ao desenvolvimento da carreira e sobre as dinâmicas do
comportamento vocacional, sobre modelos de tomada de decisão e de estágios de
transição, sobre a legislação pertinente e suas implicações para o desenvolvimento de
carreira, sobre os recursos materiais para o planejamento de carreira e sobre os
serviços estaduais e locais de encaminhamento; planejar e implementar programas de
intervenção e de desenvolvimento de carreira; identificar fatores de influência nas
tomadas de decisão sobre a carreira; auxiliar no estabelecimento de objetivos,
identificando estratégias para alcançá-los, bem como na construção dos projetos de
carreira; desenvolver habilidades para usar recursos e técnicas de desenvolvimento de
carreira e, ainda, desenvolver recursos e técnicas de desenvolvimento de carreira.
No aconselhamento, o orientador profissional necessita compreender os
principais fatores relacionados ao desenvolvimento; utilizar técnicas de
aconselhamento individual e em grupo; auxiliar no desenvolvimento pessoal, na
resolução de problemas e tomadas de decisões e identificar e encaminhar casos a
outros serviços especializados.
A administração de informações exige o conhecimento sobre a legislação
referente à educação, formação e trabalho nos níveis local, nacional e internacional;
conhecer a equivalência entre diplomas e qualificações profissionais obtidas em
diferentes países; coletar, organizar, divulgar e prover informações atualizadas
sobre carreira, educação e questões relacionadas ao ocupacional, utilizando-se de
tecnologias de informação, bem como proporcionar às pessoas interessadas o
acesso a estas informações.
Nas consultas e coordenação, o orientador profissional deve orientar pais,
professores, administradores escolares, empregadores ou outras pessoas
envolvidas com o progresso educacional e o desenvolvimento de carreiras de
pessoas sob sua responsabilidade; desenvolver habilidades no trabalho com
organizações; coordenar e organizar grupos de pessoas que atuam em escolas e na
comunidade para auxiliar estudantes e outras pessoas na utilização de programas,
serviços e redes especiais de informações ocupacionais.
Para a pesquisa e avaliação é necessário conhecimento sobre
metodologias de pesquisa, coleta e análise de dados; promover projetos de
pesquisa relacionados à orientação profissional e vocacional; utilizar métodos de
apresentação para comunicar os resultados; interpretar os resultados de pesquisas;
integrar os resultados de pesquisas às práticas em orientação profissional e avaliar
programas de orientação e intervenção utilizados na área.
Na administração de programas e serviços, o orientador profissional deve
identificar populações e conduzir diagnósticos de necessidades; planejar, implementar,
supervisionar e avaliar a eficácia de programas e intervenções; administrar e
supervisionar equipes de trabalho; desenvolver habilidades para organizar e
administrar serviços educacionais, de aconselhamento, orientação e colocação; ter
conhecimento sobre literatura, tendências e questões relevantes atuais.
A área de desenvolvimento e capacitação comunitária requer habilidades
para estabelecer parcerias; realizar diagnóstico das necessidades da comunidade;
conduzir análises de recursos humanos e materiais; trabalhar com a comunidade
para utilizar eficazmente os recursos existentes, desenvolver, programar e avaliar
planos de ação a fim de satisfazer os objetivos econômicos, sociais, educacionais e
de emprego; trabalhar junto às redes de recursos para orientação educacional.
Para a colocação, o orientador profissional deve assessorar em
estratégias de busca de trabalho, estabelecendo ligação com empregadores e
provedores de educação e formação; selecionar para vagas específicas de trabalho,
educação ou treinamento; apresentar oportunidades de emprego, utilizando-se,
inclusive, da tecnologia de informação, e facilitar a seleção adequada de empregos.
A criação desse modelo de competências proporcionou o desenvolvimento
de um perfil profissional com o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços oferecidos
pelos orientadores profissionais. A clareza sobre os conhecimentos e habilidades
necessárias para o desempenho efetivo do trabalho, auxilia no desenvolvimento de
programas iniciais de formação, bem como, em programas para aperfeiçoamento dos
profissionais envolvidos em orientação profissional.
3.3 O papel do orientador profissional nas escolas
O processo de orientação profissional esteve profundamente ligado à
escola e já esteve articulado nas instituições de ensino no Brasil desde 1942, com a
promulgação de vários decretos-lei, pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema,
em que as escolas tinham como prioridade preparar técnica e profissionalmente
seus alunos. Segundo Melo-Silva, Lassance e Soares (2004, p. 42), a atividade
destinava-se às classes menos favorecidas que freqüentavam as escolas
profissionais. Contudo, foi em 1947 que se formalizou o trabalho de orientação
profissional no país, a partir da criação do Instituto Nacional de Seleção e
Orientação Profissional (ISOP), sob a direção do médico e psicólogo Mira Y Lopez.
Com a regulamentação da profissão de psicólogo em 1964, de acordo
com Melo-Silva, Lassance e Soares (2004, p. 42), os cursos de psicologia passaram
a oferecer a orientação vocacional e profissional gratuitamente à população, por
meio de seus serviços de extensão à comunidade, em estágios profissionalizantes
de seus alunos, bem como pelos profissionais já formados, em seus consultórios
particulares.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), nos Temas Transversais
(BRASIL, 1998 p. 365) indicam que na década de 80, alguns autores passaram a
tecer críticas profundas sobre os processos de escolha da profissão. Nesse
momento, passa a predominar a idéia de que as pessoas não escolhem livremente
suas profissões, pois acreditam que elas são determinadas pela estrutura social. Em
conseqüência disso, as pequenas ações na área de orientação profissional saem
dos currículos e as discussões a respeito do trabalho e da escolha profissional
perderam espaço nas escolas públicas.
Atualmente, verifica-se que a atuação dos orientadores profissionais está
restrita a uma população economicamente privilegiada, em consultórios e escolas
particulares, atendendo às necessidades dos jovens que pretendem iniciar a carreira
acadêmica nas universidades e a reorientação das carreiras de adultos. Melo-Silva,
Lassance e Soares (2004, p. 42) acreditam que pelo fato do orientador profissional não
ser contratado para atuar em escolas públicas, há uma dificuldade para a implementação
do serviço de orientação vocacional e profissional na rede pública de ensino.
Tal situação reforça as diferenças para os jovens em situação econômica
desfavorável, que, muitas vezes, se encontram com mais dificuldades no momento
de escolha, em razão das escassas oportunidades que a sociedade lhes apresenta.
De acordo com Barreto e AielloVaisberg (2007, p. 108), mesmo para
esses jovens que aparentemente não têm oportunidade de escolha, pois precisam
ajudar suas famílias trabalhando naquilo que lhes for oferecido, há uma
possibilidade concreta de escolha. Essa consideração refere-se à possibilidade de
seguir outros caminhos, inclusive o da marginalidade e da delinqüência.
Entretanto, tais jovens também têm possibilidade de escolha profissional,
mesmo que se considerem em desvantagem, e um orientador profissional pode
auxiliá-los no desenvolvimento de recursos internos que permitam ampliar essas
possibilidades.
O papel do orientador profissional também é o de esclarecer situações,
conscientizar e vincular, à problemática do adolescente frente à escolha de seu
futuro, o contexto sócio-econômico em que está inserido, considerando tanto os
aspectos de ordem pessoal, quanto os aspectos da estrutura social. Ao promover o
levantamento das reais possibilidades e oportunidades do adolescente, frente ao
mercado de trabalho, desenvolve-se, dessa forma, a reflexão crítica sobre os
determinantes sócio-econômicos em suas escolhas e a própria valorização da força
de trabalho.
É necessário, então, divulgar o papel do orientador profissional,
informando sobre suas possibilidades de atuação e as possíveis contribuições desse
profissional, junto aos alunos da rede pública de ensino. Atentando que o contexto
escolar demanda a tomada da interdisciplinaridade, pela importância da interação e
transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber e para o acréscimo de
novas perspectivas, dentro da realidade escolar, num mundo cada vez mais
interdependente.
Assim, a intervenção sobre a realidade com o propósito de promover mudanças mais intensas depende não apenas da intenção dos intervenientes, mas, sobretudo da sua capacidade de articulação no sentido do desenvolvimento de ações forjadas pelo sentimento de confiança, cooperação mútua, interdisciplinaridade, etc; permitindo pela extensão dos contatos, a ampliação das fronteiras de possibilidades. (BRAGA FILHO, 2004, p.159).
Melo-Silva, Lassance e Soares (2004, p. 42) apontam que em meio a
tantos problemas escolares, num cenário com ausência de uma equipe
interdisciplinar, a atividade do especialista em orientação profissional, que muito
contribui na promoção da saúde e educação de qualidade, ainda está relegada a um
plano secundário pelo poder público.
Assim, faz-se relevante a criação de campos alternativos de experiência,
na rede pública de ensino, para mostrar que algumas situações podem e devem ser
mudadas, buscando, dessa forma, elaborar subsídios para a construção de políticas
públicas voltadas para a juventude nessa fase de desenvolvimento, e para a
sociedade em geral.
Neste contexto, o Serviço Social, dada as especificidades para a formação
de seus profissionais, habilitando-os, segundo Cosac (2001, p. 12), para atuarem
junto às inúmeras questões sociais nas diferentes áreas, dentre as quais, a
educação, com a participação nos sistemas escolares, assistência à família, infância
e adolescência, possibilitando, dessa forma, sua interação com a comunidade, com
a escola, com a família e com o aluno, pode agregar as habilidades necessárias
para que a Orientação Profissional lhe seja também um campo de trabalho.
Cosac (2001, p. 11) aponta, ainda, que o Assistente Social se caracteriza por
ser um profissional que atua nas questões sociais “formulando e implementando
propostas para o seu enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais,
de organizações da sociedade civil e movimentos sociais”, com capacidade de inserção
criativa no conjunto de relações sociais e no mercado de trabalho.
Verifica-se, então, que a profissão do Assistente Social tem como escopo,
diminuir as disparidades sociais, intervindo na realidade social, através da execução,
da avaliação, da consultoria e da orientação de programas e políticas sociais que
tencionam a ampliação dos direitos humanos, para que se contemple a justiça e a
equidade social. Desse modo, é possível sua atuação em diversos segmentos
sociais, tanto na esfera privada como na pública, tais como: em redes
governamentais, hospitais e sistemas de saúde, escolas, creches e centros de
convivência infanto-juvenil e de idosos, no sistema judiciário, frente aos conselhos
municipais e/ou gestão de direitos humanos, além dos setores da Administração
Publica direta e indireta.
Sendo assim, a Orientação Profissional configura-se em uma oportuna
possibilidade de atuação aliada à preeminente aprovação do Projeto “Serviço Social
Escolar” (CRESS-9ª Região, 2004), que visa assegurar nas escolas estaduais a
presença de Assistentes Sociais, bem como, em razão deste campo de trabalho não
ser prioridade desta ou daquela categoria profissional, mas sim de todas aquelas
que se preocupam com a escolha profissional adequada não somente em termos da
inserção no mercado de trabalho, mas que contemple as necessidades individuais,
resguardando o espaço da subjetividade humana.
É certo que todo processo de escolha tem a ver com uma série de condicionamentos sociais e, por outro lado, envolve sempre uma situação de conflito, e o momento decisório é o mais solitário possível (...). Está presente nessa questão das escolhas um forte componente de subjetividade (AZEVEDO, 1998, p.128).
Portanto, em razão da característica interdisciplinar da Orientação
Profissional vislumbra-se mais um campo de atuação para o Assistente Social, uma
vez que esta categoria profissional muito tem contribuído para a discussão de temas
diversos no cenário nacional, dentre eles, os temas relacionados com as
necessidades sociais prementes, como a saúde, o lazer, o espaço político e a
educação. Entre as múltiplas possibilidades de atuação, cabe, igualmente ao
Assistente Social, colaborar com seu conhecimento acumulado para o efetivo
desempenho da Orientação Profissional na construção dos projetos profissionais
dos alunos da rede pública de ensino. Possibilitando, dessa forma, abrirem-se novos
horizontes de atuação, além da Orientação Profissional valorizar-se a partir da
experiência advinda do Serviço Social.
3.4 As relações entre o trabalho, a educação e a or ientação profissional
As implicações do atual modelo econômico global para as estruturas
ocupacionais e para as demandas educacionais são significativamente diferentes do
que há anos atrás. Segundo Kuenzer (2000, p. 21), uma análise superficial das
mudanças ocorridas no mundo do trabalho certamente levaria à conclusão de que
está em curso um processo de elevação na educação da população, tendo em vista
a necessidade de maior e melhor qualificação no âmbito das transformações
produtivas, característica do mundo do trabalho atual.
Contudo, um olhar mais cuidadoso sobre o resultado do modelo de
desenvolvimento em curso mostra outro cenário. No que se relaciona à educação,
ainda se luta pela universalização do ensino básico e há um grande contingente de
excluídos do sistema de educação regular e profissional, e, com relação ao mercado
de trabalho, verifica-se sua desestrutura, com a ampliação do desemprego, do
trabalho precarizado, da informalidade, configurando-se numa constante
desigualdade de distribuição de riquezas.
Dentro desta análise, Tedesco (2002, p. 16) reforça ao afirmar que as
decisões sobre a transformação educativa se refletem no destino das sociedades e
das pessoas. Para ele, a educação se constitui no sistema social mais importante,
do ponto de vista da produção e da distribuição de conhecimentos, afirmando que há
um consenso generalizado em reconhecer que será o principal fator para o
desenvolvimento social, político e pessoal neste século. Por isso, a discussão sobre
os processos de transformação educativa se constitui um foco intenso de conflitos.
O ensino médio é o tema que provoca maiores controvérsias na agenda de
discussões. Nele se concentra a maior densidade de problemas ou, do ponto de
vista das políticas de educação, existe a menor quantidade de soluções e respostas.
Para compreender as razões disso, Tedesco (2002, p. 16) lembra que a
expansão do ensino fundamental provocou, em quase todos os países, a
massificação do ensino médio e, com isto, a crise do modelo tradicional que
concebia esse nível como um mecanismo de passagem para a universidade,
mediante o acesso à cultura geral. No entanto, a massificação do ensino médio está
também associada à situação da juventude na sociedade moderna, onde o autor
identifica três grandes tendências que afetam de maneira decisiva a situação da
juventude.
Em primeiro lugar, está a tendência para aumentar as dimensões da vida
social sobre as quais os jovens devem tomar decisões. No passado, o referencial do
estilo de vida estava em grande parte determinado pela origem social, pela cultura e
pelas instituições. Atualmente, ao contrário, ainda que existam limitações materiais
para fazê-lo, os estímulos sociais estão voltados para apresentar muito mais opções
e para pretender que cada jovem tome suas próprias decisões.
Em segundo lugar, o momento de tomar decisões está adiantando de
maneira progressiva. Tomam-se as decisões cada vez mais cedo. Até as crianças
tomam algumas decisões, o que, no passado, era totalmente regulado pelos adultos.
Tedesco (2002, p. 16), apropriadamente, indica que, em outro sentido, esse
fenômeno se apresenta, por exemplo, por meio da discussão que se produz no
âmbito jurídico, a respeito da idade mínima a partir da qual uma pessoa é
responsável por seus atos, discussão fundamental desde que aumentou a
delinquência juvenil e infantil.
O terceiro fenômeno contradiz as tendências anteriores, que refletem o
aumento da autonomia, por constatar que se protela cada vez mais o momento da
independência, da autonomia material e financeira dos jovens, porque cada vez
mais é adiado o seu ingresso no mercado de trabalho.
Assim, Tedesco (2002, p. 16) conclui que nesse jogo contraditório de
tendências, a juventude encontra-se numa situação muito complexa, pois por um
lado aparece ligada a imagens que lhe apresentam um futuro incerto, com carência
de possibilidades, riscos de exclusão, ausência de utopias e de projetos nos quais
vale à pena investir energias e emoções, e por outro lado ela é concebida como o
símbolo da criatividade, das possibilidades de utilização plena da liberdade, de
ruptura com o passado.
Embora existam poucos estudos empíricos sobre esses fenômenos o
autor (2002, p. 16) afirma que esse jogo de tendências contraditórias se trata de
uma questão estrutural muito profunda, à qual se deve prestar muito mais atenção,
para que se encontrem respostas pedagógicas e educativas adequadas.
Tedesco (2002, p. 18) a partir desta descrição superficial das
transformações sociais, afirma que o ensino médio requer mudanças integrais, tanto
do ponto de vista dos conteúdos e dos métodos como da concepção institucional da
educação, que permitam articular essas demandas diferentes e contraditórias.
Assim, o ensino médio deve proporcionar uma formação básica a fim de preparar
para a universidade, aqueles que aspiram a continuar seus estudos, preparar para o
mundo do trabalho, os que continuam ou não estudando e, por algum motivo,
desejam trabalhar, e para formar a personalidade integral dos jovens.
Caillods e Hutchinson (2002, p. 23) complementam, ao afirmar que para
atender às necessidades de uma população estudantil mais exigente é preciso
diferenciar o tipo de educação que se oferece, permitindo a cada um explorar seus
interesses e aptidões, com o objetivo de favorecer uma inserção positiva e criativa
no mundo dos adultos e, consequentemente, no mundo do trabalho. Para isso, a
educação secundária deve orientar para as diversas áreas do saber, além de facilitar
ao estudante a identificação e escolha de seu futuro educativo e profissional.
Neste contexto, a orientação profissional tem muito a contribuir. Conforme
afirmou Bohoslavsky com propriedade, para o jovem, definir o futuro não é somente
definir o que fazer, mas definir quem quer ser e, ao mesmo tempo, quem não quer
ser. Dessa forma, a orientação profissional também pode auxiliar na compreensão
de sua situação específica de vida, tanto em relação aos aspectos pessoais quanto
aos familiares e sociais, para que ele tenha melhores condições de definir suas
escolhas, bastante heterogêneas, como é o caso de nossa juventude atual,
Analisando o trabalho desenvolvido pelos orientadores profissionais com
jovens do ensino médio pode-se verificar que o mesmo assume a dimensão de uma
orientação vestibular, ou seja, orientada para cursos universitários. Segundo Soares
(2002, p. 133), no processo de orientação é necessário equacionar os interesses
dos jovens com as oportunidades oferecidas pelas universidades e com o mercado
de trabalho. A reflexão sobre a realidade atual do trabalho deve ser tratada levando-
se em conta os aspectos sociais, políticos e econômicos do país, fornecendo dados
sobre as universidades, sobre outras oportunidades de profissionalização e as
especificidades de cada profissão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, nos Temas Transversais
(BRASIL,1998 p. 367) apontam a necessidade de se trabalhar para a ampliação do
campo de possibilidades de escolha profissional dos alunos da rede pública, mas, ao
mesmo tempo, afirmam que não pretendem que o trabalho de orientação
profissional seja desenvolvido pelos professores.
Contraditoriamente, o Poder Público sabe que é necessário desenvolver a
orientação profissional dentro das escolas públicas, aponta essa necessidade e
acaba por delegar mais essa responsabilidade aos diretores, coordenadores e
professores, em razão de não propor medidas efetivas que incluam o profissional
especialista em orientação profissional dentro das escolas públicas.
Isso porque, o ambiente escolar representa um espaço privilegiado para o
desenvolvimento do trabalho de orientação profissional. Para Soares (2002, p. 136),
é a melhor forma de realizar este procedimento por várias razões, dentre as quais
destaca a possibilidade de identificação entre os membros do grupo, a partir de uma
problemática comum, o enriquecimento pessoal promovido pela troca de idéias e o
compartilhamento de experiências pessoais. O fato de a orientação profissional
poder ser realizada em grupo cria uma dimensão mais afetiva ao se observar outras
pessoas compartilhando dos mesmos sentimentos e dificuldades.
Segundo Soares e Lisboa (1993, p. 12) a orientação profissional deve
participar auxiliando o aluno a pensar, coordenando o processo, a fim de que as
dificuldades individuais possam ser formuladas e trabalhadas e, dessa forma,
facilitar para que o próprio jovem descubra quais caminhos pode seguir. O jovem
deve ser livre para escolher, pois uma determinada situação de vida por si só, já
pode configurar-se como um limite, pois, para muitos jovens, suas escolhas
acontecem dentro de situações concretas muito limitadas.
CAPÍTULO 4 METODOLOGIA
A percepção de um problema ativa o raciocínio e a pesquisa, levando-nos
a formular hipóteses e realizar observações na tentativa de conhecer e buscar
soluções para sua resolução. Na verdade, pode-se falar na existência de vários tipos
de conhecimento, isto é, de diferentes formas de se abordar a realidade, buscando-
se compreendê-la ou explicá-la. O objetivo da pesquisa, então, é conhecer,
compreender e descobrir respostas em qualquer campo do conhecimento.
Para a produção do conhecimento chamado científico, a pesquisa também
se caracteriza por procurar as possíveis causas de um acontecimento. Assim, busca
compreender e explicar a realidade apresentando os fatores que podem determinar
a existência ou a ocorrência de um evento.
Vemos que o conhecimento científico se dá à medida que se investiga o que se fazer sobre a formulação de problemas, que exigem estudos minuciosos para seu equacionamento. Utiliza-se o conhecimento científico para se conseguir, através da pesquisa, constatar as variáveis: a presença e/ou ausência de um determinado fenômeno inserido em uma dada realidade. Essa constatação se dá para que o estudioso possa dissertar ou agir adequadamente sobre as características do fenômeno que o fato apresenta... No conhecimento científico, há de se grifar a exigência da definição dos problemas que se tem em mira solucionar, porque nesse procedimento está sempre presente a intencionalidade, mediante a qual são definidas certas formas e processos de ação. Por conseguinte, a atividade desempenhada pelo cientista tem em vista definir as situações fenomenais, pois somente definindo-as ele é capaz de tornar conhecidos os conceitos elaborados. Dessa maneira, o estudioso consegue atingir em termos de conhecimento as qualidades e quantidades próprias e/ou próximas à verdade e à certeza que o fato encerra. Pretende-se, assim, atingir o melhor índice de validade e de fidelidade do conhecimento de um fenômeno. (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 37)
Sendo assim, para a realização de uma pesquisa científica faz-se
necessário a elaboração de um procedimento formal, com pensamento reflexivo e,
além disso, impor um tratamento científico na construção de um caminho para se
conhecer a realidade a ser estudada. Esse caminho a ser construído, durante o
processo de produção do conhecimento científico, é caracterizado como método.
Para Marconi (2000, p. 15) o método consiste em uma série de regras com
a finalidade de fazer uma análise de determinado problema, resolver ou, ainda,
explicar um fato por meio de hipóteses ou teorias testadas experimentalmente. O
método abrange o processo e as técnicas, sendo que o primeiro refere-se às etapas
a serem observadas, traçando o caminho do método, enquanto as outras aos
instrumentos necessários para que as etapas do método sejam alcançadas.
Assim, o método é o caminho ordenado e sistemático para se chegar a um fim. Pode ser estudado como processo intelectual e como processo operacional. Como processo intelectual, é a abordagem de qualquer problema mediante análise prévia e sistemática de todas as vias possíveis de acesso à solução. Como processo operacional, é maneira lógica de organizar a seqüência das diversas atividades para chegar ao fim almejado; é a própria ordenação da ação de pesquisar. O processo corresponde às etapas de operações limitadas, ligadas a elementos práticos concretos e adaptados a um objetivo definido. (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 3)
Quando se fala em método, busca-se explicitar quais são os motivos pelos
quais o pesquisador escolheu determinados caminhos e não outros. São estes
motivos que determinam a escolha de certa forma de se produzir o conhecimento
científico. Neste sentido, a questão do método é teórica, uma vez que se refere aos
pressupostos que fundamentam o modo de pesquisar, pressupostos estes que,
como o próprio termo sugere, são anteriores à coleta de informações na realidade.
A metodologia corresponde à aplicação do método, por intermédio dos
processos e técnicas necessários para a produção de conhecimento científico. É a
explicação minuciosa, detalhada, rigorosa e exata de toda ação desenvolvida no
método do trabalho de pesquisa. Nesse sentido, a metodologia abrange o método, pois
integra os seus conhecimentos, descrevendo-os e analisando-os, mas apresenta como
característica principal uma atitude crítica e reflexiva frente à realidade.
Segundo Carvalho (2003, p. 10), a metodologia pode contribuir no sentido
de oferecer pontos de vista que tornem possível uma discussão crítica sobre a
ciência, e de sugerir parâmetros que propiciem uma avaliação dos resultados da
produção científica, pois se alia naturalmente a uma reflexão filosófica mais ampla
acerca do homem, sendo, este, construtor do saber científico, do qual todo
conhecimento depende e para o qual todo saber deve ser gerado.
Sabemos que a Metodologia estuda os métodos científicos sob o aspecto descritivo e da análise reflexiva. Assim é que, ao abordar o processo científico, a Metodologia da Ciência, além de descrever o que são os métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo, inclui outros procedimentos que levam à formulação de hipóteses, elaboração de leis, explicações e teorias científicas, fazendo uma análise crítica deles. Por meio da Metodologia Científica, o aluno, o professor e o pesquisador conseguem um contato mediador do conhecimento mediante o questionamento construtivo e reconstrutivo do objeto de pesquisa, possibilitando a colocação do saber no plano sócio-histórico e político. (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 2)
A metodologia, para Barros e Lehfeld (1986, p. 14), pode ser entendida
como uma forma de apreensão do conhecimento geral e um conjunto de habilidades
necessárias ao pesquisador para orientá-lo no processo de produção de
conhecimento científico.
Para Minayo (2001, p. 16, grifo nosso) a metodologia compreende o
caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade, assim,
inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam
a construção da realidade e “o sopro divino do potencial criativo do investigador.”
Segundo a autora, enquanto abrangência de concepções teóricas de
abordagem, a teoria e a metodologia caminham juntas e enquanto conjunto de
técnicas, a metodologia deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado,
capaz de encaminhar os impasses teóricos para o desafio da prática.
Todo trabalho científico no campo da investigação social pressupõe um
método que dê sustentação teórica ao tema abordado, favorecendo a entrada do
pesquisador na complexa rede de relações que se estabelecem em nosso cotidiano,
a fim de alcançar os objetivos delimitados pela pesquisa.
Richardson (1999, p. 70) aponta que, adotando uma classificação
bastante ampla, há dois grandes métodos de investigação científica: o quantitativo e
o qualitativo. O método quantitativo caracteriza-se pelo emprego da quantificação
tanto nas modalidades de coleta de informações quanto no tratamento delas por
meio de técnicas estatísticas. O método qualitativo é considerado como uma forma
adequada para entender a natureza de um fenômeno social.
Essa caracterização, segundo Triviños (1987, p.117), abriu caminho para
a dicotomia quantitativo-qualitativo no campo de pesquisa científica, em razão de
que a quantificação dos fenômenos sociais apóia-se no positivismo e no empirismo,
enquanto que as abordagens qualitativas baseiam-se especialmente na
fenomenologia e no marxismo. O autor indica que essa dicotomia não tem razão de
existir, analisada da perspectiva marxista e da própria experiência dos
pesquisadores, pois toda pesquisa pode ser, ao mesmo tempo, quantitativa e
qualitativa.
Para os marxistas, afirma o autor (1987, p.117), existe uma relação
necessária entre a mudança quantitativa e a mudança qualitativa, sendo estas
últimas, resultantes das mudanças quantitativas que sofrem os fenômenos, em que
a qualidade do objeto não é passiva. Dessa forma, as análises podem realizar a
passagem do quantitativo ao qualitativo e vice-versa.
Minayo (2007, p. 55) reconhece a importância do método quantitativo para
a análise de magnitude dos fenômenos e aponta que a dicotomia que se estabelece
na prática, não condiz com o que epistemologicamente é mais correto e plausível,
pois propriedades numéricas e qualidades intrínsecas são atributos de todos os
fenômenos. Para a autora, cada um dos dois tipos de método tem seu papel, seu
lugar e sua adequação, mas ambos podem conduzir a resultados importantes sobre
a realidade social.
A questão das relações entre quantitativo e qualitativo, porém secundada pelo problema epistemológico da subjetividade e objetividade não pode ser assumida de forma simplista como uma opção pessoal do cientista ao abordar a realidade. Ela tem a ver como o caráter do objeto específico de conhecimento aqui tratado: com o entendimento de que nos fenômenos sociais há possibilidade de se analisarem regularidades, freqüências, mas também relações, histórias, representações, pontos de vista e lógica interna dos sujeitos. (MINAYO, 2007, p. 63).
Com relação às bases teóricas que orientam a pesquisa qualitativa,
Triviños (1987, p.117) aponta três concepções ontológicas e gnosiológicas
especificas para compreender e analisar a realidade: os enfoques estrutural-
funcionalistas, os enfoques subjetivistas-compreensivistas e os enfoques crítico-
participativos com visão histórico- estrutural. Para o autor (1987, p. 125), o teor de
qualquer enfoque qualitativo que se desenvolva será dado pelo referencial no qual
se apóie o pesquisador.
No início, a pesquisa qualitativa foi dominada pelo funcionalismo e o
estrutural-funcionalismo, com raízes no positivismo. Segundo o autor (1987, p.125),
como forte reação ao enfoque positivista nas ciências sociais, surgiu a pesquisa
qualitativa de natureza fenomenológica, cujas bases teóricas, de tipo idealista,
privilegiam a consciência do sujeito e entendem a realidade social como uma
construção humana. Ao considerar também o contexto do fenômeno social que se
estuda, e ainda privilegiar a prática e o propósito transformador do conhecimento
que se adquire da realidade, que se procura desvendar em seus aspectos
essenciais e acidentais, desenvolve-se a pesquisa qualitativa com base teórica
materialista dialética.
Para Minayo (2007, p. 77), embora as Ciências Sociais tenham avançado
e se diversificado quanto aos temas que abordam e às teorias que englobam,
Durkheim (1893), Weber (1904) e Marx (1872) são as referências clássicas das
várias correntes de pensamento. Segundo a autora, há três correntes de
pensamento que continuam presentes e atuantes na produção intelectual: o
positivismo, o compreensivismo e o marxismo. A estes, a autora acrescenta uma
nova corrente de pensamento que vem assumindo, aos poucos, um lugar também
nas ciências sociais. Desenvolvidas inicialmente pela biologia e pela cibernética, as
correntes de “pensamento sistêmico”, trazem à tona as noções de rede e de
sistemas para explicar a dinâmica da realidade atual.
O presente estudo foi desenvolvido segundo o método qualitativo que,
segundo Minayo (2007, p. 57), se aplica ao estudo da história, das relações, das
representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das
interpretações que as pessoas fazem a respeito de como vivem, sentem e pensam.
Triviños (1987, p. 125), apesar de apontar a dificuldade para definir a pesquisa qualitativa,
indica seus dois traços fundamentais: sua “tendência desreificadora” dos fenômenos, do
conhecimento e do ser humano e a rejeição da neutralidade do saber científico.
O fundamento teórico tem o enfoque no materialismo histórico e dialético,
concepção que busca a interpretação da realidade ancorada num sistema filosófico
próprio que tem na relação entre teoria e prática sua pedra angular. Conforme
explica Minayo (2007, p. 107) toda a obra de Marx é coerente com o princípio básico
de sua investigação cientifica, tem a marca da totalidade, pois ela é, ao mesmo
tempo, Filosofia, História, Economia, Sociologia e Antropologia. E é esse caráter de
abrangência que tenta, de uma perspectiva histórica, cercar o objeto de
conhecimento por meio da compreensão de todas as suas mediações e correlações,
constituindo a riqueza e a propriedade da dialética marxista.
A característica precípua do conhecimento consiste na decomposição do todo. A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento é que é a própria dialética em uma de suas formas; o conhecimento é a decomposição do todo O “conceito” e a “abstração”, em uma concepção dialética, têm o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, portanto, compreender a coisa. (KOSIK, 1989, p. 14).
Segundo Minayo (2007, p. 107), os princípios que explicam o processo de
desenvolvimento social, na perspectiva marxista, podem ser sintetizados nas
expressões “materialismo histórico” e “materialismo dialético”, em que o materialismo
histórico representa o caminho teórico que aponta a dinâmica do real na
efervescência de uma sociedade e a dialética, por sua vez, refere-se ao método de
abordagem da realidade, reconhecendo-a como processo histórico em seu peculiar
dinamismo, provisoriedade e transformação.
A dialética é a estratégia de apreensão e de compreensão da prática social empírica dos indivíduos em sociedade (nos grupos, classes e segmentos sociais), de realização da crítica das ideologias e das tentativas de articulação entre sujeito e objeto, ambos históricos. O materialismo histórico, como caminho teórico, e a dialética, como estratégia metodológica, estão profundamente vinculados, pois como lembra Lênin (1965), o método é a própria alma do conteúdo. (MINAYO, 2007, p. 108)
Triviños (1987, p. 51) aponta que o materialismo dialético realiza a
tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da
natureza, da sociedade e do pensamento, sendo a base filosófica do marxismo; o
materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis
sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução e da prática
social dos homens no desenvolvimento da humanidade, ressaltando a força das
idéias, capaz de introduzir mudanças nas bases econômicas que as originou.
O pesquisador que segue uma linha teórica baseada no materialismo dialético deve ter presente em seu estudo uma concepção dialética da realidade natural e social e do pensamento, a materialidade dos fenômenos e que estes são possíveis de conhecer. Estes princípios básicos do marxismo devem ser completados com a idéia de que existe uma realidade objetiva fora da consciência e que esta consciência é um produto resultado da evolução do material, o que significa que para o marxismo a matéria é o princípio primeiro e a consciência é o aspecto secundário, o derivado. Sobre estes fundamentos o pesquisador deve considerar as categorias e leis da dialética. (TRIVIÑOS, 1987, p. 73)
Segundo Richardson (1999, p. 92), a abordagem qualitativa com a
aplicação da lógica dialética permite-nos conhecer a especificidade histórica e a
construção social dos fenômenos existentes, para que possamos agir
conscientemente para sua transformação.
A preocupação com o tema da escolha profissional dos adolescentes diante do
mundo atual estimulou esta pesquisa que teve o objetivo de verificar como os alunos da
rede pública de ensino estão construindo seu projeto profissional, e como eles se situam
diante do mercado de trabalho e de seu futuro profissional. Dessa forma buscou-se, com
a fundamentação teórica, a) contextualizar historicamente as transformações ocorridas no
mundo do trabalho, b) contextualizar historicamente a educação e seu envolvimento com
o mercado de trabalho, para revelar as mudanças que ocorreram através do tempo, suas
representações e construções sociais e, c) fornecer informações sobre a Orientação
Profissional e o trabalho desenvolvido pelos seus profissionais.
O trabalho de campo, considerado por Minayo (2007, p. 202) como uma
etapa essencial da pesquisa qualitativa, foi realizado em uma unidade do Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, na cidade de Franca, a ETE
“Dr.Júlio Cardoso”. A escolha dessa instituição se deu em razão dela oferecer o
ensino médio regular e o ensino médio técnico-profissional, e por ser durante esse
período que emergem as dificuldades e conflitos relativos ao mundo do trabalho e da
escolha profissional.
As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram: (I) questionário
estruturado, com informações objetivas sobre a história de vida do aluno e de seus
familiares e que aborda seis eixos temáticos: a) identificação do aluno, b) dados
familiares, c) escolaridade, d) projeto profissional, e) experiência profissional, f)
conhecimento sobre Orientação Profissional. (II) depoimento escrito, a partir de um
tema proposto pela pesquisadora.
O questionário foi elaborado com o objetivo de: caracterizar os alunos,
através de seu histórico familiar, a fim de verificar suas condições sociais e
econômicas, a escolarização e profissão dos pais e irmãos. Buscou-se também,
conhecer as expectativas destes em relação à continuidade dos seus estudos,
averiguando seus conhecimentos sobre o mercado de trabalho e sobre o trabalho
desenvolvido pelos orientadores profissionais, sua forma e campo de atuação e os
profissionais envolvidos e, ainda conhecer quais pessoas e profissionais
participaram/participam para a construção de seu projeto profissional.
O tema proposto para que os alunos fizessem seus depoimentos, tinha por
objetivo conhecer as expectativas destes alunos em relação ao trabalho, aos estudos e
sobre a escolha de uma profissão, conhecer seus questionamentos a respeito da escolha
profissional, deixando-o livre para se expressar sobre seu futuro profissional.
4.1 A pesquisa
A pesquisa foi realizada na unidade do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza, Escola Técnica (ETEC) Dr. Júlio Cardoso, em atividade desde
a sua inauguração, datada de 25 de abril de 1924. O contato inicial com o diretor desta
instituição de ensino deu-se na última semana de fevereiro de 2008. Nesse primeiro
momento, foi-lhe apresentado o projeto de pesquisa e o pedido para que fosse realizada
nesta instituição. Após os devidos esclarecimentos e a anuência do diretor, os contatos
seguintes foram com os coordenadores do ensino médio e do ensino técnico-profissional,
momento este em que os objetivos da pesquisa foram explicitados. A partir desse contato
inicial, foram agendados os dias para a coleta de dados.
O contato com os alunos do ensino médio e do ensino técnico-profissional,
para realização do trabalho de campo, deu-se entre os dias 04 e 06 de março de
2008. No primeiro dia, em companhia da coordenadora, foi apresentada a proposta
aos alunos do 2° e 3° ano do ensino médio. Após ess a exposição, os alunos foram
informados de que os dados coletados seriam sigilosos e suas identidades
preservadas. Com o consentimento verbal destes, foi aplicado o questionário
(Apêndice A) em ambas as turmas, separadamente, que teve a duração de
aproximadamente 1 hora em cada classe. É importante ressaltar que os
questionários foram aplicados durante as aulas e com a presença do professor
responsável pelo grupo naquele horário.
O mesmo procedimento foi realizado, no dia seguinte, com os alunos do
ensino técnico-profissional, realizando-se o questionário com os alunos do curso
técnico em enfermagem e técnico em informática.
Participaram 64 alunos do ensino médio regular, sendo 28 alunos que se
encontravam no 2º ano e 36 no 3º ano do ensino médio, e 73 alunos do ensino
médio técnico-profissional, sendo 28 alunos do curso técnico em informática e 45 do
curso técnico em enfermagem, totalizando 137 alunos.
Os depoimentos escritos foram propostos antes da aplicação do
questionário, para que fossem realizados após o término deste; mas a pedido dos
alunos, que alegaram pouco tempo para a sua realização, foi-lhes permitido que o
trouxessem no dia seguinte. Apesar de terem se comprometido, apenas 13 alunos
do ensino médio os trouxeram. Dois fatos são relevantes para serem comentados a
respeito desta situação; a baixa adesão à proposta, e ainda a dificuldade em redigir,
pois as redações apresentadas foram curtas e sucintas em suas análises.
Importante ressaltar também que os alunos do ensino técnico-profissional
não se interessaram pela segunda proposta, o que nos leva a inferir que talvez seja
pelo perfil do curso escolhido que, além de remetê-los mais prontamente ao
mercado de trabalho, os profissionaliza em uma respectiva área.
Os alunos do noturno não participaram, porque o diretor informou que, por
serem alunos mais velhos e já se encontrarem inseridos na população
economicamente ativa, não haveria interesse desses alunos em participar da
pesquisa por já terem definido seu projeto profissional.
4.2 Análise e discussão dos dados
A análise dos dados foi realizada em dois momentos distintos: a) a
descrição dos dados obtidos a partir do questionário, b) a análise do conteúdo das
redações dos alunos.
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações, considerada como um instrumento importante para o estudo das
interações entre as pessoas. Triviños (1987, p.159) recomenda o emprego deste
método para o estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências e para
o “desvendar das ideologias” que, à primeira vista, não são bem claras.
Triviños (1987, p. 159) aponta que foi Bardin quem configurou em detalhes
a análise de conteúdo, não só em relação à técnica de seu emprego, como também
em seus princípios e conceitos fundamentais, na sua obra “L’analyse de contenu”,
publicada em Paris no ano de 1977.
Segundo Minayo (2007, p. 303), a análise de conteúdo é a expressão
mais comumente usada para representar o tratamento de dados em uma pesquisa
qualitativa, diz respeito a técnicas de pesquisa que permitem tornar replicáveis e
válidas as inferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de
procedimentos especializados e científicos.
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. (BARDIN apud MINAYO, 2007, p. 303)
A inferência, para Triviños (1987, p. 159), pode partir das informações que
fornecem o conteúdo da mensagem ou de premissas que se levantam como
resultado do estudo de dados que apresenta a comunicação.
A maioria dos procedimentos de análise qualitativa organiza-se em torno
de categorias. Segundo Minayo (2007, p. 178), as categorias são conceitos
classificatórios carregados de significação, por meio dos quais a realidade é
pensada de forma hierarquizada. No pensamento dialético, as categorias são
construções históricas que atravessam o desenvolvimento do conhecimento e da
prática social.
A autora (2007, p. 178) aponta que Marx (1973), na Introdução à crítica da
Economia Política, utiliza o termo categoria para indicar conceitos relevantes e
carregados de sentido que permitem expressar os aspectos fundamentais das
relações dos seres humanos entre si e com a natureza.
Assim, entende-se por categoria, as unidades que servem de critério de
seleção e organização do conteúdo e dos fatos investigados, a partir da finalidade
da pesquisa, conferindo-lhe sentido e cientificidade. Na análise de conteúdo, as
categorias são classes que reúnem as unidades de registro em razão de
características comuns.
Dessa forma, a análise buscou a organização dos dados, extraídos do
material fornecido pelos alunos, por intermédio do questionário e dos depoimentos
escritos. Os questionários foram descritos e analisados seguindo-se: a) identificação
do aluno, b) seus dados familiares, c) sua escolaridade, d) seu projeto profissional,
e) sua experiência profissional e, f) seu conhecimento sobre Orientação Profissional.
Os depoimentos escritos foram analisados pela técnica de análise do
conteúdo que, segundo Minayo (2007, p. 316), segue as seguintes etapas: I) a pré-
análise, II) a exploração do material, III) o tratamento dos resultados obtidos e
interpretação
Na pré-análise todos os dados foram organizados e, a partir da leitura flutuante
dos depoimentos transcritos, foram selecionados os temas, freqüentemente repetidos, e
recortados os trechos que estavam adequados para dar resposta aos objetivos da
pesquisa, formando as unidades de registro para codificação. Para ser fiel, a transcrição
manteve a integridade e originalidade dos discursos produzidos pelos alunos.
A exploração do material consistiu na classificação do material
selecionado que culminou na elaboração das seguintes categorias temáticas, cujos
significados específicos se encontram estritamente ligadas ao conhecimento de seu
futuro profissional: a) sentimentos em relação à escolha de uma profissão, b)
significado da escolha de uma profissão, c) influências na escolha de uma profissão
e, d) a educação e o futuro profissional.
E, por fim, o tratamento dos resultados obtidos realizou-se a partir das
falas dos alunos, representadas pelos trechos recortados dos depoimentos escritos,
que foram agrupadas em torno das categorias definidas, para, dessa forma, permitir
a inferência e interpretação do conteúdo apresentado.
4.2.1 Análise descritiva do questionário
4.2.1.1 Identificação dos alunos
Neste item, os dados relativos à identidade pessoal dos 64 alunos do
Ensino Médio, 45 alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Enfermagem e
28 alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Informática foram registrados,
tais como idade, sexo, estado civil e com quem reside.
Tabela 1 – Ensino Médio (N=64)
Feminino Masculino Sexo 33 31 Idade 15 anos 3 2 16 anos 22 15 17 anos 8 13 18 anos 0 1 Estado civil Solteiro 33 31 Casado 0 0 Reside Pais 33 31 Cônjuge 0 0
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
5
10
15
20
25
30
35
Nº de Alunos
15 a
nos
16 a
nos
17 a
nos
18 a
nos
Sol
teiro
Cas
ado
Pai
s
Côn
juge
Idade Estadocivil
Reside
Feminino 33
Masculino 31
Gráfico 1 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside dos alunos do Ensino Médio
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
Tabela 2 – Ensino Técnico Profissional em Enfermage m (N=45)
Feminino Masculino Sexo 39 6 Idade 17 a 19 anos 10 1 20 a 22 anos 4 1 23 a 24 anos 4 1 acima de 25 anos 21 3 Estado civil Solteiro 23 6 Casado 14 0 Separado 2 0 Reside Pais 25 6 Cônjuge 14 6
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
5
10
15
20
25
Nº de Alunos
17 a
19
anos
20 a
22
anos
23 a
24
anos
acim
a de
25
anos
Sol
teiro
Cas
ado
Sep
arad
o
Pai
s
Côn
juge
Idade Estadocivil
Reside
Feminino 39
Masculino 6
Gráfico 2 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside dos
alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Enfe rmagem Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
Tabela 3 - Ensino Médio Técnico Profissional em Inf ormática (N=28)
Feminino Masculino Sexo 11 17 Idade 17 a 19 anos 7 15 20 a 22 anos 2 1 23 a 24 anos 1 0 acima de 25 anos 1 1 Estado civil Solteiro 11 15 Casado 0 2 Separado 0 0 Reside Pais 11 15 Cônjuge 0 2
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Nº de Alunos
20 a
22
anos
23 a
24
anos
acim
a de
25
anos
Sol
teiro
Cas
ado
Sep
arad
o
Pai
s
Côn
juge
Estado civil Reside
Feminino 11
Masculino 17
Gráfico 3 – Distribuição por sexo, idade, estado c ivil e com quem reside dos
alunos do Ensino Médio Técnico Profissional em Info rmática Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
A idade dos alunos variou entre 15 e 18 anos, no ensino médio, idade
considerada adequada para os alunos que se encontram no 2º e 3º ano do ensino
médio. Estudavam no período da manhã e eram todos solteiros. A idade dos alunos
do ensino técnico variou entre 16 e 51 anos. Os alunos estudavam no período da
manhã ou da tarde.
Como se espera que a conclusão escolar aconteça por volta dos 24 anos
verifica-se que muitos desses alunos retomaram seus estudos pela dificuldade de
ingressar no mercado de trabalho, seja pela precarização do mercado de trabalho ou
por não possuírem qualificações para conquistarem melhores empregos e,
consequentemente, melhores salários.
Dessa forma, estes alunos ingressaram em um curso técnico buscando
ampliar seus conhecimentos e habilidades para que se sentissem em condições de
conseguir um emprego novo ou para melhorar seu desempenho profissional.
Quanto ao sexo, do número total de participantes (N=137), 54 (39,42%)
eram do sexo masculino, e 83 (60,58%) do sexo feminino. Cabe ressaltar que no
curso de enfermagem o predomínio é do sexo feminino (N=39). Nesse caso, visto
que a profissão relaciona-se com o cuidar, tomar conta, responsabilidades ainda
consideradas femininas, não atrai na mesma intensidade alunos do sexo masculino.
Em relação ao estado civil, todos os alunos do ensino médio eram
solteiros, sendo que havia 16 alunos casados, 02 separados no ensino técnico
profissional e os demais (N=57) solteiros. Com relação ao grupo familiar verifica-se
que, com exceção dos alunos que já constituíram suas famílias, todos os outros
residem com seus pais e irmãos.
4.2.1.2 Dados familiares
Tabela 4 – Dados Familares
Ensino Médio Ensino Técnico
Escolaridade Pais Fundamental 15 53 Médio 39 20 Superior 10 0 Mães Fundamental 13 44 Médio 44 26 Superior 7 3 Renda Familiar Pais 1 a 5 SM 26 66 6 a 10 SM 33 6 acima de 10 SM 5 1 Mães 1 a 5 SM 45 44 6 a 10 SM 3 0 acima de 10 SM 1 0 Nº Irmãos sem 10 6 1 25 21 2 19 21 3 ou mais 8 22
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
10
20
30
40
50
60
70
nº Alunos
Ensino Médio Ensino Técnico
Escolaridade Pais Fundamental Escolaridade Pais Médio
Escolaridade Pais Superior Escolaridade Mães Fundamental
Escolaridade Mães Médio Escolaridade Mães Superior
Renda Familiar Pais 1 a 5 SM Renda Familiar Pais 6 a 10 SM
Renda Familiar Pais acima de 10 SM Renda Familiar Mães 1 a 5 SM
Renda Familiar Mães 6 a 10 SM Renda Familiar Mães acima de 10 SM
Nº Irmãos sem Nº Irmãos 1
Nº Irmãos 2 Nº Irmãos 3 ou mais
Gráfico 4 - Distribuição por alunos do Ensino Médio e EnsinoTécnico Profissional Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
A escolaridade dos pais dos alunos do ensino médio é superior à dos pais
dos alunos do ensino técnico. Tanto para os pais quanto para as mães dos alunos
do ensino médio prevalece a conclusão do ensino médio, enquanto que para os
alunos do ensino técnico prevalece o ensino fundamental. Pais mais escolarizados
têm mais informações sobre a importância da educação e valorizam mais os estudos
de seus filhos.
A renda familiar dos alunos concentrou-se entre 1 e 5 salários mínimos
para os pais e 1 e 5 salários mínimos para as mães. Todos os pais trabalham e, com
relação às mães, a maioria das mães dos alunos do ensino técnico não trabalha,
ocorrendo o inverso com as mães dos alunos do ensino médio. Como os pais
encontram-se empregados e a renda familiar aumenta com o trabalho das mães, os
filhos têm condições de continuar seus estudos e terminar o ensino médio e,
futuramente, ingressar no ensino superior, em razão de seus pais disporem de mais
recursos para investir na sua educação.
As famílias dos alunos do ensino técnico são mais numerosas que as dos
alunos do ensino médio, o que pode ser uma das razões para que suas mães não
trabalhassem, pois optaram por ficar em casa para cuidar dos filhos. Dessa forma,
pais de famílias mais numerosas tendem a ter mais dificuldades para distribuir os
recursos financeiros para a educação de seus filhos, essa pode ser outra razão pela
qual os alunos do ensino técnico retomaram seus estudos mais tarde, pois tiveram
que ingressar mais cedo no mercado de trabalho para auxiliar seus pais.
Na fase compreendida entre 16 e 24 anos, onde se encontra a maioria dos
alunos pesquisados, ocorre a conclusão da formação escolar e o ingresso na vida
profissional, dessa forma, os resultados escolares e ocupacionais nessa faixa têm
importância relevante porque se refletem no futuro profissional.
Em razão disso, verifica-se que o grupo familiar tem uma clara influência
sobre a formação escolar e melhor preparação para o mercado de trabalho desses
alunos. Segundo Bourdieu (BORDIEU, 1998, p. 42), a influência do capital cultural
transmitido pelos pais é um dos fatores responsáveis pelas taxas de êxito de seus
filhos.
Dessa forma, para compreendermos como o aluno está construindo seu
projeto profissional é importante conhecer o dinamismo familiar, respeitando seu
universo e sua herança cultural, pois o projeto para o futuro profissional dos filhos é
parte integrante da família.
4.2.1.3 Escolaridade
Tabela 5 - Escolaridade
Ensino Médio Ensino Técnico Escola Pública Fundamental 55 73
Médio 64 73 Escola Particular Fundamental 9 0
Médio 0 0 Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Nº de Alunos
Funda
men
tal
Médio
Funda
men
tal
Médio
EscolaPública
EscolaParticular
Ensino Médio
Ensino Técnico
Gráfico 5 - Distribuição por alunos do Ensino Médio e EnsinoTécnico Profissional Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
O ensino fundamental desses alunos foi realizado em escolas públicas e
somente 09 deles fizeram o ensino fundamental em escolas particulares, sendo um
deles bolsista. Todos relacionaram que estudaram em escolas públicas por questões
financeiras, os 09 alunos que estudaram em escolas particulares indicaram que foi
em razão da qualidade do ensino. Com relação ao ensino médio, prevaleceram as
afirmações de que a escolha da escola foi relacionada às questões financeiras, 09
alunos informaram que é porque o ensino, nesta escola, é de boa qualidade e 12
alunos afirmaram que foi porque passaram no “vestibulinho” (processo seletivo).
A afirmação de que estudaram/estudam em escola pública por não terem
condições de pagar uma escola particular sugere a falta de confiança na qualidade
do ensino oferecida pelo sistema público, no que se refere aos níveis fundamental e
médio de ensino. Essa representação social negativa encontra-se ancorada em
preconceitos que a sociedade desenvolveu e os meios de comunicação se
encarregaram de difundir e ampliar. Mas essa representação também reforça a
informação de que o diploma de nível médio, seja na modalidade regular ou técnica,
constitui-se em uma via de acesso para a promoção social e econômica, pois,
independente da escola, os alunos pretendem concluir o ensino médio, seja para
ingressar em um curso superior ou no mercado de trabalho.
4.2.1.4 Projeto profissional
Tabela 6 – Projeto Profissional
Ensino Médio Ensino Técnico Participou do ENEM 0 42 Prestou Vestibular 26 28 Pretende Curso Superior 64 64 Pretende Universidade Pública 60 48
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
010203040506070
Nº de Alunos
Partic
ipou
do E
NEM
Presto
u Ves
tibula
r
Preten
de C
urso
Sup
erior
Preten
de U
niver
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...
Ensino Médio
Ensino Técnico
Gráfico 6 - Distribuição por alunos do Ensino Médio e EnsinoTécnico Profissional Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
Para a maior parte dos alunos pesquisados a sua formação escolar ainda
não está concluída. Os alunos do curso técnico pretendem continuar seus estudos
em uma universidade e apontaram dois ou três cursos de interesse e 09 alunos
ainda não sabem qual curso escolher. Apenas 08 alunos não pretendem continuar
seus estudos em cursos de nível superior.
Alguns alunos do ensino técnico (N= 28) passaram pela experiência do
vestibular. Isso indica que a escolha de um curso técnico também foi para melhorar
seus conhecimentos e aumentar suas possibilidades de ingresso em uma
universidade.
Todos os alunos do ensino médio pretendem continuar sua formação em
um curso de nível superior e também apontaram dois ou três cursos de interesse.
Destes, nove alunos informaram que também farão um curso profissionalizante.
Apenas seis alunos indicaram que não sabem qual curso fazer.
Também alguns alunos do ensino médio (N= 26) passaram pela
experiência do vestibular, para testar seus conhecimentos e verificar o nível de
aprofundamento das provas.
As universidades públicas são as mais indicadas pelos alunos do ensino
técnico, somente 16 alunos informaram que pretendem ingressar em uma
universidade particular. Os cursos noturnos foram indicados por 31 alunos. Para os
alunos do ensino médio, a universidade pública também é o caminho escolhido pela
maioria dos alunos, sendo que apenas 03 alunos indicaram as universidades
particulares.
Os cursos no período noturno foram os mais indicados, mas também
houve indicações para os cursos diurnos e de período integral. A opção pelos cursos
no período noturno indica que os alunos pretendem trabalhar durante o dia para
ajudar no custeio de seus estudos.
A maioria dos alunos do ensino técnico e do ensino médio não conhece as
formas de incentivos/financiamentos oferecidos pelo governo, para que os alunos que
estudam na rede pública de ensino possam fazer cursos em universidades particulares.
Os alunos do ensino médio ainda não participaram do Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM). Alguns alunos apontaram que não fizeram porque tinha que
pagar, por não estarem preparados, porque não havia necessidade e porque não
conheciam. Os alunos do ensino técnico participaram do ENEM. Dos que
participaram a motivação foi para ter acesso à faculdade, para tentar o Programa
Universidade para Todos (Pró-Uni) e para obter pontos na Fundação Universitária
para o Vestibular (FUVEST).
As motivações dos alunos do ensino técnico para continuar os seus
estudos em um curso superior foram: para melhorar a carreira, obter melhores
trabalhos, ter uma profissão, para profissionalizar, para se especializar, para
aprender mais, para ganhar um salário melhor, para ter um futuro melhor e para ser
um profissional mais capacitado.
As motivações dos alunos do ensino médio para continuar os seus
estudos em um curso superior foram: para ter um futuro melhor, porque é
fundamental, para ter uma carreira, pelo mercado de trabalho, para ampliar os
conhecimentos, para qualificação, para aprimorar, para ter melhores oportunidades
e para ter uma vida boa.
A maioria desses alunos pretende continuar sua formação em uma
universidade pública. Nesse contexto, paralelo à problemática individual do aluno às
portas do vestibular, que ainda suscita muitas discussões de uma forma geral, existe
um problema de ordem social e histórica em relação ao acesso à universidade
pública: há um número de pretendentes totalmente desproporcionais ao número de
vagas oferecidas. Com isso, muitos desses alunos serão “empurrados” para as
universidades particulares, já sabendo que não poderão cursar por razões
econômicas, ou serão obrigados a ingressar no mercado de trabalho, sem
possibilidade de continuar seus estudos.
Nesse aspecto é necessário retomar as representações sociais formadas
em relação à escolha da profissão. Os alunos, na maioria das vezes, se prendem a
modismos, aliado à falta de informação, tanto em relação às profissões, pois há
muitas profissões, consideradas profissões menores, que oferecem excelentes
oportunidades de trabalho e de realização pessoal, quanto em relação às
universidades, pois a universidade pública, considerada de difícil acesso, oferece
cursos de baixa procura que podem interessar a esses alunos.
Os alunos do ensino médio e dos cursos técnicos discutem seu futuro
profissional com seus pais e familiares.
Na construção de seu projeto profissional o jovem é obrigado a tomar uma
série de decisões, pressionado pelas expectativas dos membros da família e de seu meio
social. A pressão social é para que eles escolham e acertem na escolha de uma
profissão. Isso ocorre em um momento bastante turbulento do seu próprio
desenvolvimento, deixando-o susceptível aos fatores externos a ele.
A família quer que o filho seja alguém na vida, os meios de comunicação
produzem imagens de êxito e prestigio em determinadas profissões, o sistema
educacional valoriza algumas carreiras em detrimento de outras, são alguns fatores
que estão presentes na construção dos projetos profissionais dos alunos e que
interferem de uma forma dinâmica e diferenciada em suas escolhas profissionais.
Um curso superior em uma universidade pública faz parte do projeto
profissional dos alunos do ensino médio, embora todos saibam que há uma limitação
no número de vagas oferecidas, a expectativa dos alunos e de sua família é o
ingresso em uma universidade. Para muitos desses pais, a conquista de uma vaga,
de uma profissão pelo filho representa a ocupação de um novo espaço na
sociedade, é a real possibilidade do filho “subir na vida”.
Os alunos do curso técnico apontaram dois ou três cursos de interesse e
09 alunos ainda não sabem qual curso escolher. Os cursos mais apontados pelos
alunos da enfermagem foram os cursos da área da saúde, dentre os quais,
Enfermagem, Biomedicina, Nutrição, Fisioterapia, Farmácia, Medicina, e ainda,
Gastronomia, Biologia, Serviço Social e Hotelaria. Os alunos do curso de informática
apontaram os cursos de Engenharia da Computação, Mecatrônica, Ciência da
Computação, Informática, Análise de Sistemas, Computação Gráfica e, ainda,
Direito, Jornalismo, Educação Física, História, Letras, Pedagogia e Biologia.
Os alunos do ensino médio também apontaram dois ou três cursos de
interesse. Os cursos mais indicados foram: Engenharia, Publicidade, Direito,
Arquitetura, Medicina, Psicologia, Serviço Social e Administração, também
apontaram os cursos de Informática, Letras, Design, Cinema, Computação,
Farmácia, Veterinária, Turismo, Relações Internacionais, História, Educação Física,
Nutrição, Fonoaudiologia, Química, Jornalismo e Biomedicina. Apenas seis alunos
indicaram que não sabem qual curso fazer.
Muitos alunos ainda estão envolvidos pelas representações sociais
relacionadas às profissões e indicaram determinados cursos ou por uma questão de
status da profissão ou por acreditarem que terão melhores oportunidades de
trabalho e de remuneração. Outras vezes, por falta de esclarecimento e de
informação eles escolheram qualquer curso apenas para se inscrever no vestibular e
não ficar excluído desta etapa, se diferenciando de seus pares.
4.2.1.5 Experiência profissional
Tabela 7 – Experiência Profissional
Ensino Médio Ensino Técnico Trabalha 19 30 Está preparado para o Mercado de Trabalho 46 60 Possui Carteira de Trabalho 37 61 Já foi Registrado 8 42 Conhece o Mercado de Trabalho 60 66 Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
010203040506070
Nº de Alunos
EnsinoMédio
EnsinoTécnico
Trabalha
Está preparado para oMercado de Trabalho
Possui Carteira deTrabalho
Já foi Registrado
Conhece o Mercado deTrabalho
Gráfico 7 - Distribuição por alunos do Ensino Médio e EnsinoTécnico Profissional Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
A maioria dos alunos do ensino técnico possui experiência profissional. Os
trabalhos mais indicados foram: serviços gerais, vendedores, recepcionistas,
balconistas, auxiliar de enfermagem, laboratório, auxiliar de cozinha, instrutor de
informática, estagiários e atendentes. A maioria dos alunos do ensino médio não
trabalha. Os que trabalham indicaram que é como estagiários, secretárias,
vendedores, atendentes e recepcionistas.
Tanto os alunos do ensino médio quanto os do ensino técnico sabem qual
conhecimento que lhe será exigido quando se candidatam a uma vaga para um
emprego e se sentem preparados para ingressar no mercado de trabalho após o
término de seus cursos. Apenas 16 alunos do ensino médio e 13 do ensino técnico
não se sentem preparados para ingressar no mercado de trabalho.
Com relação às leis que regulamentam o mercado de trabalho, os alunos
do ensino técnico afirmam que conhecem, enquanto que a maioria dos alunos do
ensino médio ainda não conhece.
Todos os alunos possuem carteira de trabalho, mas a maioria dos alunos
do ensino médio e 31 alunos do ensino técnico nunca foram registrados, indicando
que um número significativo de alunos teve experiência profissional sem vínculo
formal de trabalho.
Verifica-se a articulação da escola com o mercado de trabalho quando os
alunos indicaram que realizaram trabalhos na sua área de formação, ou como
estagiários em empresas. Os outros trabalhos realizados pelos alunos requerem
qualificação média e baixa no setor de serviço. Esse setor fornece jornadas de trabalho
mais flexíveis, possibilitando que esses alunos conciliem o trabalho com o estudo e,
dessa forma, adquiram um pouco mais de experiência no mercado de trabalho.
4.2.1.6 Orientação profissional
Tabela 8 – Orientação Profissional
Ensino Médio Ensino Técnico Conhece Orientação Profissional
24 18
Recebeu Orientação Profissional
Psicólogo 3 5
Pedagogo 11 4 Assistente Social 4 6 Professor 37 35 Diretor/Coordenador 17 15 Amigos 36 38 Pais 44 39
Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
0
10
20
30
40
50
Nº de Alunos
24 18
EnsinoMédio
EnsinoTécnico
Recebeu Orientação ProfissionalPsicólogo
Recebeu Orientação ProfissionalPedagogo
Recebeu Orientação ProfissionalAssistente Social
Recebeu Orientação ProfissionalProfessor
Recebeu Orientação ProfissionalDiretor/Coordenador
Recebeu Orientação ProfissionalAmigos
Recebeu Orientação ProfissionalPais
Gráfico 8 - Distribuição por alunos do Ensino Médio e EnsinoTécnico Profissional Fonte: Pesquisa elaborada pelo autor, 2008.
Os alunos do ensino técnico e a maioria dos alunos do ensino médio não
conhecem o trabalho desenvolvido na orientação profissional. Apenas 14 alunos do
ensino médio e 16 do ensino técnico receberam algum tipo de orientação
profissional realizada por profissionais especialistas em orientação profissional.
Todos os outros alunos, tanto do ensino médio regular quanto do ensino
técnico informaram que não receberam orientação profissional de especialistas, mas
sim de professores, coordenadores, amigos, pais e familiares.
E quem mais participou desta orientação, auxiliando-os nas escolhas das
profissões indicadas, tanto para os alunos do ensino médio quanto para os alunos
do ensino técnico foram, em primeiro lugar, os pais, seguido pelos amigos, depois os
professores e, por último, os coordenadores e diretores.
Dessa forma percebe-se que a escola tem pouca participação no que se
refere à construção dos projetos profissionais de seus alunos. Sem menosprezar
sua importância, pois a atuação da escola e dos professores é muito importante para
formação de seus alunos, em vários âmbitos, verifica-se a pouca atuação da escola
na orientação profissional de seus alunos.
No que cabe à escola, no que está definido em seu projeto pedagógico, há
muitas tentativas em conciliar seu papel na aprendizagem dos conteúdos exigidos,
com a orientação profissional de seus alunos. Mas tais tentativas não são
significativas, em razão da constante sobrecarga a que são submetidos os
profissionais da área da educação, com os objetivos principais de suas funções. Em
razão disso, a orientação profissional é realizada em momentos pontuais, com
pouca regularidade, resultando no baixo reconhecimento, por parte de seus alunos.
4.2.2 Análise do conteúdo dos depoimentos escritos
Categoria 1 : Sentimentos em relação à escolha de uma profissão
“De maneira geral, têm-se um medo de iniciar aquilo que não agrade e
isso incomoda, porque para mim não é relevante abandonar um curso e começar
outro, até que encontre aquilo que lhe agrade.” (J.S., 17, fem., E.M.)
“Escolher uma profissão é um dilema em que todos nós jovens passamos.
Não é fácil escolher o que você irá fazer e se dedicar para o resto da vida.” (D.S.,
16, fem., E.M.)
“Por motivos de indecisão, ainda não escolhi minha profissão.” (E.R., 17,
fem., E.M)
“Eu ainda não decidi que profissão eu quero exercer.” (J.S., 17, fem., E.M.)
“Quando me perguntam qual curso vou fazer, que emprego quero ter, ou
até mesmo que vestibulares vou prestar, eu nunca sei ao certo o que dizer.” (A.G.,
17, masc., E.M.)
“Em relação ao meu futuro, só o que posso afirmar, com certeza, é que ele
é incerto.” (A.G., 17, masc., E.M.)
Dos sentimentos elencados o que teve mais predominância foi a dúvida
em relação à escolha de um profissão. Durante esse processo, os sentimentos como
medo, dúvidas e incertezas, são despertados pelo fato de buscam uma escolha
satisfatória. Como adequadamente salientou A.G. sobre seu futuro, a única “certeza
é que ele é incerto”.
“Apesar de ter-se a consciência de que no ensino médio buscamos por
decisões que possam definir um rumo na vida de cada pessoa, é também nessa
fase que surgem as mais diversas dúvidas relacionadas à nossa decisão.” (J.S., 17,
fem., E.M.)
”Mas acho que eu preciso de alguma coisa que confirme essa escolha.”
(J.S., 17, fem., E.M.)
“Há sempre a dúvida se realmente é aquilo que você deseja seguir. Eu
mesma, dentro de um curto tempo já tive vontade de cursar Biomedicina, Fotografia,
Desenho Industrial, Nutrição, Arquitetura e Urbanismo e até mesmo Medicina.” (J.S.,
17, fem., E.M.)
“Estou em dúvida em Administração de Empresa, pois gosto muito desse
mundo dos negócios do dinheiro, mas fico com vontade de fazer ou Ciências da
Computação ou Telecomunicações, pois a informática e eletrônica é muito
interessante, é uma área onde muitos jovens gostam, pois está relacionada ao
mundo atual, globalizado, era da tecnologia.” (D.S., 16, fem., E.M.)
A necessidade de confirmação de suas escolhas está presente nesta frase
“eu preciso de alguma coisa que confirme essa escolha”, em que se percebe clara
alusão às dificuldades que se impõe nessa fase da vida, no tocante às escolhas
profissionais, diante de uma gama de opções que se apresentam aos jovens. É
possível verificar a inter-relação existente entre a escolha profissional e a própria
faixa etária em que eles se encontram.
“Desde pequeno sempre sonhamos em ser médico, bombeiro, astronauta ou
policial, mas nessa idade ainda não temos noção de responsabilidade ou de dinheiro, e
levamos a vida até na puberdade só na brincadeira.” (R.G., 17, masc, E.M.)
“Que jovem nunca sonhou com o futuro brilhante, um curso superior,
sucesso profissional, um carro, uma viagem? Enfim, comigo não podia ser diferente.”
(C.D., 16, fem., EM)
“Conclui-se que o melhor a fazer é pensar, pensar muito e seguir, além do
coração, a própria intuição. Lá no fundo, bem no inconsciente existe a resposta de
muitas dúvidas.” (J.S., 17, fem., E.M.)
Esses sentimentos surgem com mais intensidade no momento da escolha
de uma profissão, talvez por pensarem que essa escolha é para a vida inteira,
descartando a possibilidade de que ela possa mudar futuramente. Dessa forma, foi
possível perceber que, diante das possibilidades que se abrem ao seu futuro
profissional, a incerteza impera, seja na enunciação da dúvida ou mesmo assumindo
outras formas, tais como o medo, o dilema e a dificuldade na escolha profissional.
Diante de tantas dúvidas e incertezas, resta-lhes sonhar e pensar que para “além do
coração” existe um caminho, - talvez a própria “intuição”- a conduzir-lhes nesta
árdua trajetória.
Categoria 2 : Significado da escolha de uma profissão
“E daqui alguns anos, quando eu já tiver minha independência financeira,
o que eu vou querer é constituir uma família, ter filhos, educá-los bem, mas sem
nunca deixar de trabalhar, evoluir e crescer.” (C.D., 16, fem., EM)
“Gostaria de trabalhar em alguma grande empresa que necessite dos
meus serviços e me pague um salário que me proporcione boas condições de vida e
de sustentar minha família. Isso sim, para mim, seria o ideal de um ser bem
sucedido.” (A.G., 17, masc., E.M.)
“Procura-se sempre pensar nos benefícios que isso pode trazer a si
mesmo e também em uma futura estabilidade financeira.” (J.S., 17, fem, E.M.)
A preocupação com a estabilidade financeira é visível nestas falas, em
que também se percebe uma nítida inquietação em relação ao sustento da família
que estes alunos pretendem formar. Verifica-se uma ansiedade latente em relação à
escolha de uma profissão que lhes garanta o necessário para seu sustento e da
família que eles idealizam ter.
“Se eu pudesse escolher o que realmente desejasse, eu escolheria pagar uma
faculdade particular aqui mesmo em minha cidade e continuar morando em minha casa,
mas eu sei que essa não seria a escolha certa, pois além de não ter condições de pagar
uma faculdade particular, um diploma de uma faculdade particular não é tão valorizado
quanto o de uma federal, o que me proporcionaria mais dificuldade em arrumar um bom
emprego no mercado de trabalho.” (A.G., 17, masc., E.M.)
“Mas independente da profissão que eu escolher irei me dedicar para ser
o melhor profissional possível.” (J.S., 17, fem., E.M.)
“Apesar de querer tudo isto, sei que o ‘sucesso’ está em qualquer lugar, só
depende de mim, e para isso não é necessário curso superior ou muito dinheiro,
mas sim, muita dedicação e gosto pelo que se faz.” (C.D., 16, fem., EM)
“Desde muito jovens desenvolve-se a vontade de tornar-se um profissional
de sucesso e isso envolve muitas áreas ao longo da vida.” (J.S., 17, fem., E.M.)
“Enfim, ainda não descobri o que quero fazer, mas espero encontrar o
melhor para mim.” (D.S., 16, fem., E.M.)
Estas falas dizem de uma necessidade de escolher uma profissão em que
possam se dedicar de maneira a ser o melhor profissional, revelando uma preocupação
com a dedicação e o empenho profissional. Essa preocupação é presente na fala de
A.G. quando, apesar do desejo em cursar uma faculdade particular aqui na cidade,
conclui que, além da falta de condição financeira para custeá-la, entende que as
faculdades públicas lhe franqueariam o ingresso no mercado de trabalho mais
facilmente e em melhores condições que as faculdades particulares.
Categoria 3 : Influências na escolha de uma profissão
“Para saber dessa área procurei saber mais e gostei do que vi, meu pai
me incentivou a seguir.” (A.M., 15, masc., E.M.)
“Na adolescência, nossos pais tentam mostrar um caminho para
seguirmos, mostrar algo que geralmente eles sonham, esquecendo do que nós
queremos.” (R.G., 17, masc., E.M.)
“Nos dias de hoje, a sociedade não permite que nós sigamos apenas
nossas vontades ou sonhos, às vezes, temos que fazer algumas escolhas que nos
garantam um futuro melhor, porque o mercado está cada vez mais exigente, o
emprego cada vez mais difícil e a vida, cada vez mais cara.” (A.G. 17, masc., E.M)
“Fui influenciada por meus pais principalmente, sempre tive um grande
sonho de poder ajudar aos necessitados, quando eu falava aos meus pais deste
sonho, eles me disseram que tinha uma profissão a qual eu poderia ao mesmo
tempo que realizar meu sonho, também estaria entrando no mercado de trabalho.”
(E.R., 17, fem., E.M)
Todos os depoimentos acima transcritos atestam a importância da família,
sobretudo a influência dos pais na escolha da profissão, não descartando,
entretanto, outros fatores que possam vir a influenciar de maneira incisiva nessa
escolha, como por exemplo, a própria sociedade.
Categoria 4 : A educação e o futuro profissional
“ O estudo é essencial para arranjar um bom emprego, melhores
condições de trabalho e uma vida melhor.”(L.G., 16, fem. E.M.)
“Pretendo fazer uma boa faculdade e dentro da faculdade conseguir um
destaque e construir uma carreira.” (M.S., 16, fem., E.M.)
“Sempre digo que vou prestar as melhores faculdades e fazer de tudo para
passar em uma federal. Mas se é isso o que eu realmente gostaria, é claro que não. Em
Franca não há universidade federal, há apenas uma estadual, que não tem cursos que
eu gostaria de fazer, então eu teria que sair da cidade.” (A.G., 17, masc., E.M.)
Como se observa nestes discursos, a preocupação pela escolha de uma
boa faculdade, reconhecida por sua excelência é, para estes alunos, “o passaporte”
para uma carreira de sucesso, para um futuro brilhante e promissor, garantindo-lhes
não somente o ingresso, mas a permanência no mercado de trabalho.
“O curso que pretendo fazer é Medicina. Sei que é difícil passar em um
vestibular para medicina, mas sou persistente e não irei desistir.” (L.G., 16, fem., E.M.)
“Escolhi a área de humanas, Medicina e Psicologia. Porque o meu prazer é
salvar vidas. Medicina me fascina, porque sou eu quem vai decidir se ela vive ou morre.
Psicologia porque posso ajudar as pessoas a compreender, entender e superar seus
problemas. A entender as minhas idéias e como elas funcionam.” (R.M.,15, fem., E.M.)
O que se nota destas duas participantes é que parecem já terem se
definido por uma carreira profissional, embora R.M. apresente confusão em relação
ao desconhecimento de que Medicina e Psicologia, apesar de “cuidarem de
pessoas”, são de áreas distintas. Provavelmente, uma orientação profissional
resolveria este impasse, além de instrumentalizá-la para que possa reconhecer as
peculiaridades de cada profissão.
De maneira geral, a construção do projeto profissional dos alunos do ensino
médio está envolvida em muitas expectativas, medo, ansiedade, indefinições,
dificuldades e desinformação, revelando um quadro de falta de orientação e angústia
que envolve o aluno. Em muitas passagens, tem-se a impressão de que muitos alunos
acabaram usando da escrita para fazer um “desabafo”, talvez até para pedir “ajuda”.
Dessa forma, apoiando nas considerações de Bohoslavsky (1987, p. 49)
sobre o adolescente que procura o trabalho de orientação profissional, verifica-se que o
aluno, durante a construção de seu projeto profissional, demonstra que busca por algo
que se relacione com sua realização pessoal, felicidade, alegria de viver e não apenas o
nome de sua futura profissão. Para ele definir o futuro não é somente definir o que
fazer, mas definir quem quer ser e, ao mesmo tempo, quem não quer ser.
CONCLUSÃO
Nas últimas décadas, a sociedade tem se deparado com um cenário
marcado por constantes transformações em razão das grandes mudanças na
economia mundial, manifestadas tanto no mundo do trabalho quanto nos âmbitos
políticos e financeiros. As novas condições criadas pelo avanço tecnológico no
sistema produtivo vêm criando instabilidade e insegurança no mundo do trabalho,
gerando a redução dos postos de trabalho, o desemprego, a extinção de diversas
funções, a criação de novas profissões, exigindo do trabalhador uma série de novas
habilidades para a empregabilidade.
Das muitas conseqüências dessas transformações sobre o mundo do
trabalho, duas estão intrinsecamente relacionadas com a educação. A primeira delas
refere-se ao fato de o crescimento econômico não conseguir gerar empregos na
mesma proporção da população já existente ou que ingressa no mercado de
trabalho assalariado e regulamentado, nesse contingente verifica-se a exclusão dos
jovens e dos trabalhadores considerados “velhos” para o capital.
A segunda refere-se à polarização dos postos de trabalho que de um lado
impulsiona para uma maior qualificação do trabalhador e, de outro, para uma maior
desqualificação. As exigências do mercado de trabalho, especialmente quanto ao
trabalho dotado de maior dimensão intelectual, conferem aos trabalhadores com
maior grau de escolaridade maiores chances de manterem seus empregos ou
conseguirem melhores oportunidades de trabalho.
Os sinais que chegaram à educação, a partir do mercado de trabalho,
foram muito contraditórios. Por um lado, desenvolveu-se forte pressão no sentido de
aumento dos anos de escolarização da população, em particular dos jovens. As
demandas educativas que provêm dos setores da economia que conseguiram
incorporar-se ao mercado mundial, juntamente com certos setores do Estado, de
empresas produtoras de bens e serviços, dedicadas ao mercado interno e, inclusive,
uma parcela do trabalho informal em vias de modernização, sobretudo o vinculado
às microempresas, exigem trabalhadores que possuam capacitações que só podem
ser adquiridas a partir de um maior número de anos de escolaridade.
Além disso, a diminuição das oportunidades de trabalho gerou uma maior
competitividade para a obtenção de melhores postos de trabalho. Acentuou-se a
vantagem comparativa de obter mais anos de escolaridade. Ao mesmo tempo em
que o aumento da oferta de trabalhadores com mais anos de escolaridade,
possibilitou aos empregadores exigir maiores credenciais do que aquelas que o
desempenho do posto a ser ocupado demandava.
Ao lado das pressões econômicas, exigindo melhor qualificação
profissional, o interesse e a busca pelos estudos têm sido ampliados
significativamente, com o crescente retorno à escola. Isso porque, a sociedade, de
uma forma geral, acredita que o ensino médio seja uma das vias de acesso a
promoção social e econômica, por preparar os jovens tanto para ingresso no ensino
superior como para a entrada no mundo do trabalho.
Segundo Kuenzer (2000, p. 21), uma análise superficial das mudanças
ocorridas no mundo do trabalho certamente levaria à conclusão de que está em curso
um processo de elevação na educação da população, tendo em vista a necessidade de
maior e melhor qualificação no âmbito das transformações produtivas, característica do
mundo do trabalho atual. Contudo, um olhar mais cuidadoso sobre o resultado do
modelo de desenvolvimento em curso mostra outro cenário.
No que se relaciona à educação, ainda se luta pela universalização do
ensino básico e há um grande contingente de excluídos do sistema de educação
regular e profissional. E com relação ao mercado de trabalho verifica-se sua
desestrutura com a ampliação do desemprego, do trabalho precarizado, da
informalidade e, ainda, com a constante desigualdade de distribuição de riquezas.
Assim, se por um lado as exigências de elevação do nível de escolaridade,
de uma melhor qualificação do trabalhador, criam perspectivas otimistas em relação à
empregabilidade, melhor distribuição de renda e qualidade de vida, por outro lado ainda
convivemos com a dificuldade de acesso à educação, por parte de muitos jovens, a
falta de emprego ou à sua precarização e, ainda, com a pobreza.
Nesse paradoxo, a educação passou a ocupar cada vez mais espaço na
vida das pessoas, na medida em que aumentou o papel que desempenha na
dinâmica da sociedade moderna e por ser apontada como elemento fundamental no
processo de desenvolvimento de um país. Em razão disso, o ensino médio tem um
papel significativo, pois é neste período que os jovens escolhem o caminho de
entrada para a vida adulta e para o mundo do trabalho.
Além disso, educação secundária desempenha um papel essencial ao
consolidar as competências básicas adquiridas na educação de base e, ao mesmo
tempo, deve orientar os estudantes para as diversas áreas do saber, além de
facilitar ao estudante a identificação e escolha de seu futuro educativo e profissional
Dessa forma, a orientação profissional tem muito a contribuir, pois no
processo de orientação é necessário equacionar os interesses dos jovens com as
oportunidades oferecidas pelas universidades e com o mercado de trabalho. A
reflexão sobre a realidade atual do trabalho deve ser tratada levando-se em conta os
aspectos sociais, políticos e econômicos do país, fornecendo dados sobre as
universidades, sobre outras oportunidades de profissionalização e as
especificidades de cada profissão.
Entretanto, o trabalho de orientação profissional não é realizado dentro
das escolas da rede pública de ensino. O Poder Público sabe que o trabalho é
relevante, aponta essa necessidade e acaba por delegar mais essa
responsabilidade aos diretores, coordenadores e professores, em razão de não
propor medidas efetivas que incluam o profissional especialista em orientação
vocacional e profissional dentro das escolas públicas.
A pesquisa mostrou que a maioria dos alunos almeja a formação superior.
Constata-se que essa é uma tendência natural, pois representa uma oportunidade
de realização que garantirá um trabalho “seguro” no futuro de cada um. Mas, a
opção pelo Ensino Superior no Brasil, torna-se realidade para apenas 11% dos
estudantes brasileiros (IBGE, 2003), significando exclusão de quase 90% dos jovens
em idade regular, aptos a freqüentar uma Universidade.
Esses dados mostram que mais uma vez os alunos vindos das classes
menos favorecidas são penalizados, uma vez que os alunos melhores preparados
ocupam as vagas das melhores universidades. Os dados apontam para isso quando
verifica que os alunos optaram por cursos superiores no período noturno, ou ainda,
quando optaram por uma universidade particular, por terem consciência que
dificilmente conseguirão ingressar em uma universidade pública.
Os alunos, em sua maioria, informaram que não conhecem o trabalho
desenvolvido pelo Orientador Profissional e que receberam orientações que os
auxiliassem no planejamento de seu futuro profissional dos pais, amigos e
professores. O que pode resultar na angústia apresentada por eles ao escreverem
sobre seu futuro profissional, pois existe a pressão social para que eles escolham e
“acertem” na escolha de uma profissão, aliada a uma grande falta de informação.
De maneira geral, a construção do projeto profissional desses alunos está
envolvida em muitas expectativas, medo, ansiedade, indefinições, dificuldades e
desinformação, revelando um quadro de falta de orientação. Foi possível perceber
que a incerteza impera, diante das possibilidades que se abrem ao seu futuro
profissional.
Com os resultados, pode-se verificar que além das dificuldades, das
influências e dos sentimentos que acompanham os alunos na decisão de uma
profissão, eles ainda estão preocupados em fazer uma escolha satisfatória, em que
possam conciliar seus gostos e aptidões, com uma futura estabilidade financeira.
A partir desses resultados verifica-se que esses alunos preocupam-se com
a profissionalização e com o mercado de trabalho. Dessa forma, no contexto da
realidade atual, em que se observa uma transformação e reestruturação das
profissões, investir em educação e buscar experiência profissional no decorrer da
construção de seu projeto profissional, são providências concretas com as quais
esses alunos devem se envolver, sendo a escola o espaço privilegiado para a
construção de instrumentos e experiências que ofereçam subsídios que os auxilie na
escolha profissional. Não descartando a importância da família e das demais
experiências e vivências sociais na construção de seu projeto profissional.
Num tempo de mudanças contínuas e de grandes incertezas, o que se
coloca como permanente desafio para a educação é a capacidade de superar seus
próprios limites e resgatar suas potencialidades, integrando-as e recriando uma nova
forma de participar e interferir no que concerne a fornecer uma educação que
assegure aos seus alunos o desenvolvimento crescente de sua autonomia
intelectual, criatividade, e senso crítico, elementos fundamentais ao exercício da
cidadania e da participação política, portanto, para que ele venha a intervir e
participar da construção do futuro da sociedade.
Portanto, o objetivo central deste estudo é apontar elementos para a
inserção do profissional especialista em orientação profissional na rede pública de
ensino. Dentro das diferentes gamas profissionais, vislumbra-se uma oportuna
participação do Assistente Social no campo da Orientação Profissional, justamente
pelo perfil deste profissional, cuja trajetória é marcada pela luta em favor da
diminuição das enormes desigualdades sociais que marcam a história de nosso país.
Dessa forma, atende à demanda dos alunos da rede pública de ensino,
auxiliando-os na construção de seus projetos profissionais, proporcionando a
reflexão sobre a importância do futuro profissional, sobre as decisões relativas à sua
inserção no mundo do trabalho, bem como, sobre a responsabilidade de suas
escolhas. Pois, o que se entende é que, mais importante do que realizar a escolha
por uma carreira específica é oferecer-lhes subsídios que lhes permitam realizar as
diversas escolhas ao longo de sua vida.
“Mas, como eu disse anteriormente, o futuro é incerto, portanto vou me
preparar aqui no presente, para estar pronto para o que ele me reserva.” (A.G., 17,
masc., E.M.)
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APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO COM ALUNOS DO ENSINO MÉD IO/ENSINO MÉDIO TÉCNICO-PROFISSIONAL
I) IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS Idade: _____________ Sexo: masculino ( ) feminino ( )
Estado Civil: solteiro(a)( ) casado(a)( ) outros ( ) _____________
Reside: com os pais ( ) com esposo(a) ( ) outros ( )___________
II) DADOS FAMILIARES
Pai - escolaridade: fundamental ( ) médio ( ) superior ( )
Trabalha: sim ( ) não ( )
Renda mensal: 1 a 5 salários mínimo ( ) 6 a 10 ( ) acima de 10 ( )
Mãe - escolaridade: fundamental ( ) médio ( ) superior ( )
Trabalha: sim ( ) não ( )
Renda mensal: 1 a 5 salários mínimo ( ) 6 a 10 ( ) acima de 10 ( )
Tem irmãos: sim ( ) não ( ) Quantos?____________
III) NÍVEL DE ESCOLARIDADE
Série: 2º ano do ensino médio ( ) 3º ano do ensino médio ( )
______semestre do ensino técnico-profissional. Curso: _________________
Período: manhã ( ) tarde ( ) noite ( )
Onde estudou? Ensino Fundamental: Pública ( ) Por quê? _____________
Particular ( ) Por quê?____________
Ensino Médio: 1º ano- Pública ( ) Por quê? ______________
Particular ( ) Por quê?____________
2º ano- Pública ( ) Por quê? ______________
Particular ( ) Por quê?____________
3º ano- Pública ( ) Por quê? ______________
Particular ( ) Por quê?____________
IV) PROJETO PROFISSIONAL
Pretende fazer algum curso superior? sim ( ) Por quê?_______________
não ( ) Por quê?_______________
Em caso positivo – Qual curso?______________________________________
- Universidade: Pública ( ) Particular ( )
- Em que período: manhã ( ) tarde ( ) noite ( ) integral ( )
Em caso negativo – pretende fazer curso profissionalizante? sim ( ) não ( )
Conhece as formas de financiamento/incentivo para as Universidades particulares?
sim ( ) não ( )
Você participou do ENEM? sim ( ) não ( ) Quando?___________
Por quê?___________________________
Já participou de algum vestibular? sim ( ) não ( )
Após o término do ensino médio pretende continuar a estudar?
sim ( ) não ( ) não sabe ( )
Conversa com seus pais sobre o seu futuro profissional?
sempre ( ) às vezes ( ) nunca ( )
V) EXPERÊNCIA PROFISSIONAL
Trabalha? sim ( ) Em que?____________
não ( )
Ao se candidatar a uma vaga para um emprego, tem idéia do conhecimento que lhe será
exigido? sim ( ) não ( )
Terminando o ensino médio se sente preparado para ingressar no mercado de trabalho?
sim ( ) não ( )
Conhece as leis que regulamentam o mercado de trabalho? sim ( ) não ( )
Possui Carteira de Trabalho? sim ( ) não ( )
Já foi registrado em algum trabalho? sim ( ) não ( )
VI) CONHECIMENTO SOBRE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
Conhece o trabalho de orientação profissional? sim ( ) não ( )
Recebeu algum tipo de orientação profissional? sim ( ) não ( )
- de psicólogos: sim ( ) não ( )
- de pedagogos: sim ( ) não ( )
- de assistentes sociais: sim ( ) não ( )
- de professores: sim ( ) não ( )
- de diretores/ coordenadores: sim ( ) não ( )
- de amigos: sim ( ) não ( )
- dos pais/ familiares: sim ( ) não ( )
AGRADECEMOS A SUA COLABORAÇÃO!