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V E R ............. ............. ............. ............. ....... , EXPOSIÇÕES BERLIM, 8 9 ANOS Lisboa pode ver o que sefez em Berlim de 1900 até hoje. Um projecto ambicioso. O Independente, 8 Setembro, 1989. página III-38

Berlim 1900. O Independente 8 Setembro, 1989

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V E R...........................................................EXPOSIÇÕES

BERLIM, 89 ANOSLisboa pode ver o que sefez em Berlim de 1900 até hoje. Um projecto ambicioso.

O Independente, 8 Setembro, 1989. página III-38

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ARTE EM BERLlN DE 1900ATÉ HOJE; C.A.M., Fundaçãocalou8te Gulbenkian; deterça-feIra a domingo, das1OhOO à8 17hOO.

do Dada de Berlim deve-se,

talvez, à natureza efémera das

obras produzidas na altura

note-se, no entanto com prazer,

a presença de várias das raras

colagens e fotomontagens de

Hanna Hõch. (Em contrapar-Aécada de 80 presenciou tida, para quem teve a oportu

um retomo à pintura, nidade de ver, esta Primavera,

liderado por artistas ale- a reconstrução da Erste /nter

mães e italianos. Foram, TUltional Dada-Messe na expo

de facto, as obras de Anselm sição de arte de Berlim no

Kiefer e de Georg Baselitz, Centro Reyna Sofia em Ma

apresentadas na Bienal de Ve- drid, a presente escolha sabe

neza de 1980, que deram o distintamente a pouco.)

primeiro sinal desta alteração. Seja como for, o espectador

: Nove anos depois, a represen- pergunta-se necessariamen e

: tação pictória enfrenta um novo que é que terá acontecido

: período de crise. Através de durante os anos 30 e 40 - já que

: várias exposições retrospecti- os poucos espécimes apresenta: vas de grande impacte, os pin- dos são até pouco típicos,

: tores alemães que marcaram como por exemplo Klage um

: tão profundamente os anos 80 das Haupt des Orpheus (1949): vão adquirindo o estatuto de de Werner Gilles. A resposta

: clássicos contemporâneos. não é simples nem linear e, é

: Kiefer foi contemplado com claro, passa pela Segunda

: uma grande retrospectiva no Guerra Mundial - o grande e: MOMA de Nova Iorque, no devastador acontecimento dos

: Outono do ano passado, e anos 40 - , assim como peia

: ainda com mais duas importan- operação que o Terceiro Reich

: tes exposições em Londres este dirigiu, nos finais dos anos 30,

: Verã , ao mesmo tempo que a contra a «Arte Degenerada». A

: Tate de Liverpool organiza versão mais divulgada dos

: uma exposição de arte contem- acontecimentos relata como,: porânea de Berlim. Uma expo- depois de um leilão em Lu

: sição itinerante viaja este ano cerna das obras que tinham

: do Museu Guggenheim em sido confiscadas e armazenadas (

: Nova Iorque para Dusseldorf e em Berlim, vários altos funcio-

: Frankfurt, marcando assim o nários do Partido Nacional So- f: que continua a ser o eixo geo- cialista se apropriaram de umas

: gráfico predominante da arte tantas. O restante - 1004 pin-: contemporânea (ou pelo menos turas a óleo e 3825 aguarelas _ I: do mercado de arte contem- foram simbolicamente queima- I: porânea). Intitulada Refigured das a 20 de Março de 1939 no

: Paintings: the German /mage pátio da Brigada de Bombeiros

: /960-/988, a mostra pretende da Kõpernickerstrasse em Ber-

: esclarecer a forma como a pin- limo Recentemente, vários es-

: tura alemã recente se situa tudiosos - alemães, como se: «entre a era do petroquímica e pode imaginar - têm tentado '

: a da informática». demonstrar que este auto de fé

Em Lisboa, a presente expo- não teve lugar. Aceitando, no

: sição sobre a arte de Berlim é, entanto, que ele ocorreu, um

: sem dúvida, o projecto mais tal acto de «proscrição por

: ambicioso e interessante abor- demonstração» representa o

: dado pelo CAM até hoje. A «ponto máximo do pathos e da: mostra reúne trabalhos de artis- implacabilidade como forma

: tas importantes, muitos dos de purgação moral» (vide

: quais nunca expostos em Portu- Georg Bussman, «Degenerat

: gal, dando ao público lisboeta a Ar! - a look at a useful myth»

: oportunidade de participar no no catálogo German Art in the

: discurso crítico que assinala o 20th Century, Royal Academy,

: terminar da nossa década. Londres, 1985). A pintura que: Se os limites temporais são ressurge na Alemanha nos anos

: de 1900 aos nossos dias, uma 80 continua a dar testemunho

: questão se levanta, inadiavel- desta culpa colectiva, desta

: mente: que terá acontecido en- chaga que continua aberta na

: tre o início dos anos 20 e os cultura alemã contemporânea.

: finais do anos 70? Poderíamos A questão que se levanta é até

: talvez explicar este lapso como que ponto a arte pode ou deve: resultando de problemas de or- expiar a culpa das atrocidades

: ganização ou de dificuldades da guerra.

: na obtenção de obras, mas O trabalho mais recente de

: outros factores devem ser tidos Anselm Kiefer - que é, sem

: em conta. A escassa presença sombra de dúvida, a figura......................................................................III-1R O INDEPENDENTE. 8 DE SETEMBRO DE 1989

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• I. I

Reflexlon I Realdlon V. Acrílico I tela 200X200, Salomé

demiúrgica da nova pintura alemã - trata a noção do auto de fé

em proporções wagnerianas,

vendo a Alemanha como a

Nova Alexandria. Kiefer é um

demagogo, um retórico que

marcha pela linha incerta que

separa o heróico do autoritário

- caminhos perigosos para um

alemão do nosso século. Através da sua obra, é-nos dada

uma visão de como o Terceiro

Reich captou temas há muito

presentes na grande tradição

alemã; uma descendência que,

vinda dos Românticos, passou

por Nietszche e Wagner, antes

de ser apropriada por Hitler. A

Alemanha é-nos apresentadanos seus trabalhos como uma

terra queimada, interpene

trando o tema romântico da

paisagem com o tema heróico e

religioso do martírio: a Paixão

como expiação de uma culpa.

Temas que, afinal, surgem na

exposição de Lisboa.

É interessante verificar que oespaço temporal representado

pela mostra do CAM aponta

não só para uma continuidade

entre os dois tempos predomi

nantes (1900-1924 e os anos

80) como para a persistente

vitalidade de tradição alemã,

da qual Kiefer é o mais elo

quente porta-voz dos nossos

dias. Enquanto que a exposição

Refigured Paintings de NovaIorque, Frankfurt e Dusseldorf

tenta rectificar esta imagem da

arte alemã como predominante

mente figurativa, a exposição

de Lisboa - à parte poucas

excepções, entre as quais se

destaca 10hannes Geccelli

reforça a visão desta tradição

como primariamente figurativa. Apesar da noção de Ber

lim como cidade dividida ser

totalmente ignorada, abundam

referências aos temas ligados à

ideia de Deutschland. As pin

turas a óleo de Johannes Grutze

retratando jovens mulheres defeições rudes em situações ru-

rais, aproximam-se excessivamente do mito germânico para

poderem ser vistas como uma

crítica. Lupertz e Fetting nas

suas pinturas, assim como Die

ter Appelt na sua instalação,

tratam do tema da floresta, tão

central à imaginação teutónica

(cf. Carl Otto Friedrich, Max

Ernst); a Wald como repositório do irracional e misterioso,

do sonho e do inconsciente.

Han Trier opta por uma re

ferência mais generalizada à

paisagem e à natureza nas suas

bem sucedidas e sedutivas pin

turas expostas na sala de entra

da do CAM.

Tal como Kiefer, vários artistas berlinenses abordam o

motivo da Paixão. A sugestãoda cara por detrás de grades no

tríptico Passion de Alexander

Camaro, situa o mártire do

século XX na terra queimada

de Auschwitz ou Bergen Bel

seno O díptico de Castelli inti

tulado Passion: Christuspor-

triit n. · 2 (1987), se bem que

mais estridente, insiste nomesmo tema, ao trocar a coroa

de espinhos por uma quanti

dade de arame farpado. Da

mesma geração de pintores, os

chamados <dunge Wilden»,

Salomé apresenta obras que

perderam algo da vitalidade

que lhe conhecíamos devido à

aplicação menos interessanteda tinta (lembremo-nos das pe

ças expostas em 1984 na

SNBA, por exemplo). No en

tanto, a sua viragem para o

tema do martírio contemporâ

neo - a SIDA - é perturbante.

Estes espaços claustrofóbicos

tomam o consultório médico

num espaço sinistro de investi

gação I interrogação. Helmut

Middendorf, um outro dos Wil-

den, expõe sete eloquentes e

sombrias telas pintadas recen

temente, utilizando só a cor

natural da tela, o preto e o

branco. As suas figuras totémi

cas vão ganhando corpo sobre

o fundo negro para logo nele

desaparecerem. Profundamente

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penetrado por referências ao

simbolismo cristão e à mitologia pré-cristã, estas obras fa

zem lembrar a forma como o

grupo do Biaue Reiler lidava

com o primitivismo e a noçãodo «outro».

Comparado com Kiefer, o

seu parceiro da Bienal de Vienade 1980, Baselitz emerge nos

dois trabalhos aqui e x p o s t o ~como cheio de muita retórica e

pouco conteúdo. O que, nosinícios da década, nos parecia

ser uma quebra audaciosa

inovadora com as limitações o

arte conceptual, apresenta

agora, nos finais da décaa

como pouco mais do que u'

gesto de panache relativamen,grosseiro. Da mesma forma.

gigantesca montagem Mylho:

Beriin (1987), de Wolf Vostell,

serve mais para propagar d

que para desconstruir um mito

Desenvolvendo-se em tomo d",

dialéctica entre imagens de pa-lhas e violência, por um lado, e .

a neutralização de tais i m a g e n ~pelos órgãos de informação.

por outro, esta é uma obriprogramática, fria, sem qual

quer tenção: muito Slurm e

pouco Drang.

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Não será de surpreender queas obras mais empolgantesdesta exposição não tenham

nada a ver com esta panachegrosseira, nem com a tirania da

escala e da pincelada. Kleine

Sterbszene (1906), uma pintura

intimista dos primeiros temposde Max Beckam raramente exposta, é uma representação comovente do luto. As fotomontagens de Hanna Hôch e asséries litográficas de Backmane Georg Grosz são cada uma à

sua maneira, testemunhos dapobreza espiritual do «homemmoderno». Dos três, a série deGrosz, com a sua visão aguda

mente satírica (em obras como«Ich Dien» ou «o Mundo tornado seguro para a democracia»), é a que ataca mais directamente o militarismo alemão;Beckman endereça temas semelhantes mas de uma forma

mais universal e mitológica;enquanto, em Hôch, a utilização do material etnográfico edas questões do primitivismo e

da raça é particularmente sinistra, considerando a altura emque as obras foram executadas(oa meados dos anos 20). To

dos estes trabalhos, tão modestos na escala e no materialutilizado. são bem mais pertur

bantes e fascinantes que asgrandiosas obras contemporâneas desta exposição. Elas chamam bem a atenção para o

facto de que, no final de contas, os artistas de Berlim dosnossos dias - ou, pelo menos.os que aqui nos são apresenta

dos - são mais propensos aperpetuar os velhos mitos teutónicos do que a desconstruÍ-los. Se bem que. nesta passagem para os anos 90. a sátirapossa estar um pouco fora demoda, há algo de desconcer

tante e assustador no facto daAngst se ter tomado chique.

Ruth Rosengarten..................................