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bição e mpolgant e . A p a lavra égua, via de reg ra, tem sen- tido pejorativo; diz e r - se qu e Fulano uma égua" vale um insulto, vale d i z ê- lo um tolo, um incapaz, um m oleirão. Pior, a inda, é chamar - lh e é gu a - d e - c ulh ões. A simple s interje ição gua! sign ifica "isso não ", "para " ou c . o i sa semelhante . " Pa i- d é gua " é pessoa ou coisa extraor diná- ria, fora do comum . E há o s up e rlat ! vo : "Paideguíss imo!" Pai dégua é o cavalo reproduto r, "pai de lote". "Lavar a égua" (igual a lavar a bu rra) é obte r vantagens folgada- mente . "Mama-na -égua" é dar alguém o epíteto de ordi- nário, péssimo, indesejável . o verbo eguar ou bestar = andar à toa, sem d estino : "le anda por agu ando" . "Baixa-da-égua" é lugar indef inido : "vá para a baixa da égua!". "Arre ég u a!" = agüente-se! Ver CAVALO . EMA "Mais rápido que a ema selvagem, a morena virge m 370 corria o sertão e as matas do lpu, onde campeava sua guer reira tr ibo." Iracem a, 51 , 94. O Sertanejo , 21 3. G · rande ave conhecida também po r nhan·du , que não voa mas é velocíssima na carreira . ún i ca rep resentant e, na América do Sul, da subclasse dos Rheí deos, os que não . ispõem de cr ista lame lar m · ediana n o esterno. Co r- responde à avest ruz, da Africa ( Struth io came llus Lin.), sem contuqo com �la confun· dir-se . Há duas e�péc i es de eas: Rh ea darwin i e Rhea americana a m erican a · · L i n . . Chegam a ter 1 ,30 m de altura . Ave· gregária, un�-se em bandos até de 50 i nd ivíd u os . Alimenta-se de vege - tais, fru tos, insetos e pequenos nimais, que · devora s em escolher. Daí dizer-se "ter estômago de em a" aquele que come demais e tudo que se lhe oferece . 11 CAPIT Ã O Que b ich o é e ste Mate us Que com as asas não voa? Mas usa as pe rn as lige iras A correr no campo à toa. . .

bição empolgante. A palavra égua, via de regra, tem sen · 2019. 9. 9. · bição empolgante. A palavra égua, via de regra, tem sen tido pejorativo; dizer-se que Fulano "é uma

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  • b ição empolgante . A palavra égua, via d e reg ra, tem sen

    t ido pejorativo; d izer-se que Fulano " é uma égua" vale

    um insulto, vale dizê-lo um tolo, um incapaz, um molei rão.

    Pior, ainda, é chamar- lhe ég ua-de-cu lhões. A simples i nterje ição '!:gua! s ignif ica " isso não", "para lá" ou c.oisa semelhante . "Pai-dég u a" é pessoa ou coisa extraordinár ia, fora do comum . E h á o superlat!vo : " Paideguíssi mo!" Pai dégua é o cavalo reprodutor, "pai de lote" . "Lavar a égua" ( igual a lavar a burra) é obter vantagens folgada

    mente . "Mama-na-égua" é dar a lguém o ep íteto de ordin ário, péssimo, i ndesej ável . H á o verbo eguar ou bestar

    = andar à toa, sem dest ino : "e,le anda por aí aguando" . "Baixa-da-égua" é l ugar indef in ido : "vá para a baixa da égua!" . "Arre égua !" = agüente-se! Ver CAVALO .

    EMA "Mais rápido que a ema selvagem, a morena vi rgem

    370

    corria o sertão e as matas do lpu , onde campeava sua guerreira tr ibo." Iracem a, 51 , 94. O Sertanejo, 21 3.

    G·rande ave conhecida também por n han·du, que não voa mas é veloc íssima n a carrei ra . única representante, na América do Su l , da subclasse dos Rheídeos, os que não . çiispõem de crista lamelar m·ed iana no esterno . Corresponde à avestruz, da Africa (Struth io came llus Lin.), sem contuqo com �la confun·d i r-se . H á duas e�pécies de e.mas: Rh ea darwin i e Rhea american a am erican a· ·Li n . . Chegam a ter 1 ,30 m d e altura . Ave· g regária, un�rn-se em bandos até de 50 i nd ivíduos . Ali menta-se de vegetais, frutos, i nsetos e pequenos a·nimais , que· devora sem escolher . Daí d izer-se "ter estômago de em a" aquele que come demais e tudo que se l h e oferece .

    11CAPITÃO

    Que b ich o é e ste Mate us

    Que com as asas n ão voa?

    Mas usa as pe rn as lige iras

    A corre r n o campo à toa.

    . .

  • ..

    MA TE US

    E ste pássaro elegante fE b rasileiro da gem a M eu Capitão não se espante

    O nom e do b ic ho é em a .

    BASTIAO

    E ste b icho é um a girafa de penas, e de esquisito Já saiu. da co nta, é bic ho M es mo do l ute, o m aldito ; Com e pedra, engole vidro

    Com e até co isas m ais duras . . . Cuidado ! Meu Capitão Que este b ic ho, de m ansinho, Po de com er seus estribos Com er po de as ferraduras

    · Do seu c avalo -m arinho ."

    . .

    • •

    • •

    • •

    . . . •

    . Joaquim Cardoso (O . Co ronel' de Mac amb ira Bumb a-meu-·bo i, Ed. Tecnoprint S.A.)

    • . . • •

    . Muito falado, o. ovo de ema, de enormes . proporÇões, encontrando-.se, não raro, cerca de 40 a 60 dele�s numa n inha·da: quem os i ncuba é o macho, sendo. de 42 dias a fase d a incubação� · Corre .aos trotes, produzi.ndo. ruído típ ico, çor:n as ·pequenas asas abertas . A plumage·m· da ave, que é domest icável, é aproveitada em espanadores, pe

    n achos e. adornos; não é tão f ina como a do avestruz .

    Come-se· a carne que, no entanto, é u �m pouco dura. Hen

    ry Koster em sua V iagens ao No rte do Brasil, tradução de�

    Câmara Cascudo, s:· Paulo, Bras i l i 'ana,. 1942,. p. 1 98, diz

    como viu uma dessas aves g igantescas: "Entramos numa

    cam,pin a e, pela segunda vez, · vi uma· ·em a, .espécie de

    avestruz. Não obstante os esfo..rços para i�mpedi�lo, os cães

    persegu iam-na e, muito a contragosto, tive de· esperar que

    voltassem . A ave fugia com g rande velocidade, batendo

    371

  • as asas, mas sem deixar o so lo . As e mas vencem os melhores cavalos . A cor desta que vi era c inzento-escuro . Era alta, inc lu indo o pescoço, mu ito g rande, parecendo, à pr imei ra vista e à d istânc ia, u m homem a cavalo. Os sertanejos estão persuadidos de que a ema se esporeia, excitando-se a correr, e que· essas esporas, ou pontas ósseas, ficam sob as asas e quando estas são agitadas as asperidades picam e ferem . Adiantam que uma ema capturada após longa carre·i ra estava com os flancos ensang uentados" . Na medic ina casei ra a banha da ema é apli cada na cura do reumatism�o, e a moela da ema, comida cozida, cura a lit rase ou pedra nas u ri nas.

    FORMIGA "As formigas subiam-lhe pelo corpo; e os tuins

    372

    adejavam e·m torno e pousavam-lhe n a calva." Iracem a, 1 08. O Sertanejo, 69 (formiga de roça) .

    Tida como verdadei ra é a afi rm ação de que, entre os animais, a melhor organização social e maior eficiência do trabalho são as das abelhas e das formigas. As primeiras, úteis ao homem, pelos bons produtos que lhe oferecem o ,mel e a cera; as segundas, se·u in imigo implacável, pela forma como o i ncomoda e destrói o que realiza com esforço e esprrito d e construção . Realmente, a formiga, d ia e noite, talvez sem o querer, o.fende a obra humana, corrói, derruba, desmanch a . Fez-se a formiga, assim, uma e·spécie de s r�mbo.Jo do t rab·a lho organizado, p revidente, p róvido, d iferente do da c igarra, que, desatenta, canta e não acumula, não prevê. ·

    Lafontaine celebrizou-a n u m a d e suas fábulas: .

    "A CIGA RRA E A FO RM IGA

    H av endo a cig arra

    Cant ado no estio,

    A cho u-se em apuro s

    No t em po do f rio . •

    • • •

    • •

    • •

  • • • •

    • '

    De mo sc a o u de verm e

    Nio t en do mig alh a Proc ura a fo rmig a Rog an do que a valh a

    A CIGA RRA

    " Cheg ar- se a ab astado s � sin a dos pob res; Po r I sso, am ig uinh a, M e empre ste alg uns cob re s .

    Preciso ir à feira Comprar ce reat, Com que me alim en te N a quadra h ibe rn al

    Em vindo a colhe it a,

    E u j uro pagar, Com prêm ios e tudo O que me empre star."

    N ão go sta a fo rm iga De dar emprest ado; � nel a o de feito . M ais leve, no tado.

    FO RM IGA

    11No s mese s c almo so s Voc ê que faz ia? "

    CIGARRA

    ��An dava c ant ando

    De no it e e de di a"

    ,

    373

    - -------·�.� .

    ·

  • 374

    FO RMIGA

    ��c antava no e stio ?

    Que be la vidinha!

    Ago ra te m fome : Po is dance , vizinha" .

    (Tradução do Barão d e Paranapiacaba, Fábulas de La Fo ntaine, Rio , I m prensa, Nacional, 1886,

    v. 1.

    São mais d e 6 000 as espécies de himenópteros da famí l ia Fo rmic ideo s e tantas que nem todas têm nome popular, o que some·nte se d á com as m ais importantes sob determinados aspectos . Todas as formigas vivem em casas ou n i nhos coletivos os fo rmigueiros, nos quais ao lado dos i n·d ivíd uos sexuadas trabalham as obreiras, assexuadas, cada g rupo com suas funções especiais. Uma das espécies mais noc ivas, notadamente no tocante às plantações, é a saúva ou formiga de roça, implacável na destruição das folhagens, cortando-as em. pequenos pedaços que levam para o fonm igue i ro ou sauvei ro, o qual se compõe· de número variável de câmaras ou "panelas'', maiores umas, menores outras, colocadas às vezes abaixo do solo numa profund i·dade d e 1 O metros. Essas panelas são i nterl i gadas, formando uma rede. Tamanhos os seus preju ízos à vegetação e tal a sua d isseminação, que levou Saint H i la i re a d izer que "ou o Brasi l acaba com a sa.úva ou a saúva acaba com o B rasi l " , o que até agora não aconteceu . . . conti nuan·do esses Atídeos ·a danificar a nossa f lora, a.pesar d o g rande combate armado contra

    eles . A prol ife ração é enorme, pois que , ao contrário do que se observa nas abelhas, n as formigas hâ muitas rai· nhas, tantas quantas necessárias para o maior desenvol· virne·nto do formigue i ro . N a terapêutica do povo entram

    como elemento de c u ra d e certos ti pos de doenças . A

    asma, p . ex., é co�mbat ida com o chá de saúvas, que

    igualm ente serve· para estancar hemorragias. Em forma de lambedor (xarope) é aconse lhad o aos tuberculosos (Jó-

  • sa Magalhães, em Med/ cin a Folclórica, p. 167-168, c ita alguns casos desse modo de tratamento da t fsica) Este m esmo autor, p. 184, al ude ao tratamento, com lavagem de águ a serenada ·de formiga-de-roça nos que sofrem de conj untivite catarral (dor de olhos) . t: d i to· popular que "formiga sabe a folha que rói", para s ignif icar que os atrevidos sabe·m ser cautos . " I r para o céu das formigas" é i r para o I nferno . O Prof . Américo Gomes da Si lva publ icou na Revista do I nstituto do Ceará, v. LXXXVII , ps. 93-112, Catálog o de Hym en optera Cearense, completo e sér io estudo sobre as for,migas do Ce·ará, que não pode deixar de ser consultado.

    GADO " Nesse momento soou lá fora, para o lado da vár-zea, grande· estrépito. O gado mug ia, os cães latiam furiosos e no me·i o do alarido destacavam-se vozes humanas a c lamar: E c ou! E c ou! Arriba gente! Isca, Rol·dão . . . Valente! . . . " O Sertan ej o, 11 O, 129, 155, 159 (gado barbatão) , 170 ( idem), 173, 182, 185, 187, 187, 188, 189, 197 (gado barbatão) , 197 (gado si lvest re) , 198 (gado selvagem), 200, 205 (gado mocambei ro) , 214, 214, 224 (gado bravio}, 224 (gado barbatão), 228, 232, 237 (gado mocambe·i ro) , 244, 248, 254 (gado barbatão) , 265, 301 .

    A cena descrita é perfeita . Mas, como se vê do texto t ranscrito e to·dos os mais constantes das pág i nas enumeradas, a al usão é ao ga·do vacum. Porque, de fato, no sertão somente· se chama g ado ao bovino. Aos cavalares, muares e asin inos dão o n·ome genérico de an imais (pegar os animais, dar m i l ho aos animais etc.) . Ao gado ovino e capr ino apl i c am os sertanejos a denominação de criação, cr iação m i úda. Como ficou visto no ve·rbete BOI , os gados foram i ntroduzidos no Ceará pelos colonizadores d a te rra pernambucanos, baianos, r io-grandenses do norte, atraídos pelas notíc ias de boas pastagens e boas cond ições gerais para o cr iatório, no i ntuito de ,montar cu rrais, desses nascendo as fazendas de cr iar. O gado vacum era o g rande objetivo e o cu idado maior dos mesmos colon izadores . Os cavalos, os capri nos, os ovinos v inham como suplemento ou suporte do movimen-

    375

  • to pastoril . Sem pre as expressões: "gado de curral" (ga .. do leite i r o) , "gado de solta" (o a se-r criado à lei da na. tureza) , ''gado de c ria" (o dest inado à reprodução), "gado de fei ra" (o dest inado à venda) .

    GAIVOTA - "- Escutou, I racema, cantar a gaivota?

    :•

    I racema conhece.

    escutou o gri 'to de uma ave que e·la não

    - � a atiat i , a garça do �mar, e tu és a vi rgem. da serra . '

    que nunca desceu às a lvas p ra ias onde arr�bentam as vagas." / racem�a, 77, 77, 79 .

    Evidentemente, o texto a lude à gaivota oceânica, pois também há a que vive nos rios, lagos e· aguadas continentais. Ave cara·dri i forme, d a subordem Lari, dos Est�r .. corarídeos e dos Larídeos, que são as gaivotas verdadeiras, divididas em 43 espécies, de tamanho que varia de 30 a 80 cm� Não muitas são as espécies encontradas nas costas cearenses . A maio ria das g aivotas ver·dad _ei ras são brancas, com asas acinzentadas ou escuras, alg��mas �presentando na cabeça um capuz neg ro . A l imentam-se princ ipalmente de peixes, f i l hotes de aves, mol uscos, crus-

    . . táce·os e vermes . O se·u g ri to é estridente, às vezes last imoso, e entre si arengam constantemente . Amam aninhando-se nos roche·dos, constru i ndo a í os ni nhos com palhas, g ravetas e· capins . O vôo é a lgo solene e, quan-

    . do desce .. m pousam. sobre as ondas, sempre mais perto da .costa . O guerrei ro Poti adotou co.mo sua senha ou grito de guerra o g rito d a g aivota do mar .

    GALI NHA "Precisamente· nesse i nstante abri u-se a porta

    376

    do rúst ico albergue, e sai u ao terrei ro J usta, a quem logo cercou um bando de ga l i nhas, frangos e pi ntos à gana de mi lho pi lado que a rocei ra vascol ejava em uma coité." O Sertanejo, 74 .

    Aqui está o fla sh de uma cena comum da vida sertaneja, e veja-se como o autor do texto a de·screve com ta'manha natural idade . A g al i nha é a fê.mea adulta do galo e muito mais prést imos, que e le , oferece ao homem, que a exige, obrigatór ia quase, fe i ta e m exc�le·ntes e varia·

    I

  • I

    dos pratos, em quase todas as mesas, do rico e do pobre . O g rande produto da gali nha é, no entanto, o ovo, p re·sente a tudo quanto se liga à arte culinária; entra o ovo como composto necessário numa variedade imensa de i guarias, bolos, doces etc . Os de spac ho s macumbeiros não na despensam:

    � �Para faze r um de spac ho , garrafa, copo , go rge ta, um m am ão de co rda (m ac ho) e um� a galinha pre ta . . . "

    Otacflio de Azevedo, Adágios

    ��u nhe iro , para c urar não é prec iso meizinha: é b astante m ergulhar num o ve iro de galinha."

    Otac ílio de Azevedo ( idem)

    O cap ítulo "A Mulher e a Gal inha" do livro Fo lc lo re do No rde ste , de Ed uardo Campos, Rio, Edições O Cruzei ro, 1960, é de leitura interessante . Tal co·mo o ve·rbet-e Galinha do Dic io nário do Fo lc lore Brasile iro de Câm ara Casc udo , que resume o Barão de Studart no seu trabalho sobre "Usos e Superstições Cearenses", publicado na Revista da Ac adem ia Ce are nse de Le tras, 1910: "O Barão de Studart colig i u alg umas superstições: comer galinha arripiada faz cessar as dores da torta (as dores uterinas post-partum ); passar na garganta o sang ue· do pé da gali nha p reta cura ang ina ; excremento da galinha em dentada de gente faz cair os dentes mordedor; g ali nha espantando-se é ameaça de novidade; g al inha brigando é anúncio de visita de m·ulher . Por excremento da galinha nas espinhas do rosto faz secá-las e cair sem. ���xar sinal."

    377

  • Dizer a algué,m que "é u.ma galinha" é dizer que é um covarde, u m frouxo, med roso ; e a uma mulher, que é dada ao coito fac i lmente. "Galinha morta" vale como coisa sem valor, ou que é o bt ida sem dif icu ldade. "Galinha que canta como galo" é sinal de que alguém da casa

    va1 morrer.

    Q,ALO "Esta ma·drugada, quando o galo cantar a segunda

    378

    vez, todos a cavalo . Ouvlu, Corri mboque?'' O Sertanejo,

    270 .

    Não é so.mente o galo o macho da gal inha, na sua inconti nênc ia genética, senão o rei dos terrei ros domi-nante, vaidoso, bem feito de forma e de p lumagem, com t

    a sua alta crista lembrando uma at itude de realeza, a que a cauda com as suas be las p lumas dão aspecto de man-to. Acima de tudo canta -e . . . "cantar de galo" é agir cu falar do:minadoramente. O seu canto serve de relóg io no sertão: pelas vezes que o faz para anunciar que o novo d ia começa, o homem do mato sabe que horas são . Lord Byron chamou- lhe o "c lar im da ma·d rugada" . Antes que cantasse a pr imeira vez, Pedro já ter ia negado o Cristo em três negaças. Negou Si mão, porém de arrependido ganhou as chaves do céu. O poeta nos dá um retrato do chantecler:

    110 GA LO

    .

    Rubra crista de serra, atrevido e lam peiro,

    O n dulan do ao mo ver da c am bian te plum agem,

    - V ejo-o altivo passear, sen ho r do galinheiro,

    Como altivo sult ão po r en tre a vassalagem . . . ·

    O ra aqui, o ra alj, revo lven do 0 terreiro,

    N essa in satisf ação de desejo selvagem,

    Riça as asas à am an te e, a c an tar galhof eiro, N um� a ro da de amo r, f az -lhe a sua home n agem! . · ·

  • I

    Quando , à s ve zes, ci sm ando em m il co isas [me squinhas

    De que o m undo é tão c heio , e u me que do a [e sc utá- lo

    No e xclusi vi sta afã de agradar às gali nhas.

    Esta idéi a me sai de tanto co nte mplá- lo E vê-lo desm anc har-se em suti s /o uvami nhas:

    Quantos home ns de bem não têm v.· da de galo ?! . . . "

    lr ineu F i lho

    ·� ave da or·dem dos Gal iformes, famíl ia dos Fasian ídeos. I números são os ti pos, descendentes da espécie Gal/us gallus da Ind i a . Galos de reprod ução, galos orname·ntais, galos de br iga, ·estes e·m l uta feroz e mortal nas r inhas freqüentadas por apaixonados amantes desse esporte na verdade estúpido . Tais r inhas ou picadei ros vêm de tem.pos imemoriais, pois os chi neses, mais de mi l e qu i nhentos anos antes de Cristo, já as admi ravam . Ass im entre os g regos e os romanos, sempre co;m a maior popu laridade . Ain·da hoje, no mundo i ntei ro, as r inhas funcionam entusiasticamente . Sob o título "O Gal o através do Século", Alberto Faria publ icou na Re vista da Ac ademia Brasile ira de Le tras, nQ 140, agosto de 1 933, conferência antes p ronunciada, que· Câmara Cascudo considera o estudo l iterári o .mais com.pleto no Bras i l acerca da garbosa ave . O galo gaulês consti tu iu um dos emblemas nac ionais da França. O galo de Barcelos simbol iza Por-tugal .

    GALO DA CAM PINA "O galo da campina e rgue a poupa

    escarlate fora do n inho . Seu l ímpido tr inado anuncia a aproximação do d ia . " Iracem a, 57 . O Se rtanejo, 206 .

    Fel iz esse modo de d izer de Alencar para dar i déia

    do amanhecer, quando, efetivamente, os galos-da-campi

    na com a sua voz terna e .musical , nos previne do co-' m·eço da jornada do sol . Cabeça-vermelha e tangará tam-

    bém lhe chamam.

    379

  • • •

    380

    li GA LO- DE -CA M PINA

    Go lpeia a luz a névo a da mo ntanha,

    Que Jogo b rilha como ac es a opala; O c anglo rar dos galos s e acompanha

    Do concertante que das fro ndes s e ala.

    M as um c anto m ais fo rte o espaço ganha,

    E, dom inando to dos, vib ra e es tala, Belic am ente: que b ravura es tranha Ness a c anção que nos transpo rta e ab ala!

    Qual é a voz que, límp.: da e /ar/ na E c ris talinam·ente s e derram a

    Pela f lores ta s uss urrante e es pess a?

    t� o b ardo heróico, o G alo- de-c amp ina, · · Que à luta pela vida as aves c ham a, Com s eu b arrete rígio na c ab eça."

    Antônio Salas

    E para que ele execute be,m e sempre a sua música viva e amorosa a mezi-nha aconse·l ha: ·

    • •

    '

    11Para o c ab eça verm elha Cantar b em durante o ano:

    é num c aquinho de telha

    dar- lhe o melão de São Caetano ."

    Otacf l io d e· Azevedo, A dágio, 1 49 .

    . .

    Além do mais, é p rofeta de c huvas: "O galo de cam-pina em quem acredito como bom adivinhador de in· verno, costu�ma, quando 0 ano vi ndouro é de chuva, can .. tar às p rime i ras horas da madrugada nos últimos meses do ano anterior . Isto a começar d o mês de setem·bro . . . "

    (Ver Jósa Magalhães, Previsõ es Folcl óric as dos Invernos

  • '

    no No rdeste Brasi lei ro , Fortaleza, Imprensa Un iversitária do Ceará, 1963, p . 28) .

    O galoade-campina é pássaro da famrl ia dos FringiJfdeos, gênero Parearia e portanto congênere do 'cardeal' do Su l . Na Amazônia também é cha:mado 'tangará' (al i ás diferente do verdadeiro 'dançarino') Esse galo-decampina ( Paro ari a gularis gulari s Lin . ) é um belo pássaro preto-azu lado com lado ventral branco, garganta preta com tons vermelhos e cabeça vermelho-púrpura, à exceção de u.ma ·estri a preta que passa sobre os olhos. No Nordeste· , em cujas caati ngas é muito freqüente encontrá-lo aos bandos (Paro ari a larvata) é, juntamente com o 'concriz' , o mais belo ornamento vivo da região" (Rodolpho von l hering) .

    GARA "Enquanto repousa, empluma das pe·nas do gará as f lechas de seu arco e· concerta com o sabiá da mata, pousada no galho próxim:o, o · canto agreste." / rac em� a, 51 .

    E�m um-a de suas Notas ao Irac em a, p. 5, define Alencar: "Gará. Ave paludal muito conhecida pelo no-me de guará. Penso que esse nome anda corrompido de sua verdadeira origem, que é ig água e ará arara : arara dágua, ass im chamada pe·l a bela cor vermelha" . Rodolpho von l hering, no seu Dicio n- ário dos· Anim ais do Brasi l, grata Guará e com· este verbete descreve a ave, da famflia lbidfdeos .(E udocim us rub er), dize·ndo betrsslma a sua cor vermelho-carmim, que a reveste toda i nteira, ·à exceção apenas de uma pontinha preta das asas; mesmo as pernas e as partes nuas da cabeça são vermelhas, excetuando-se apenas o bico, aliás um pouco curvo de cor preta. Na i lha de· Marajó é espetáculo surpreendente ver bandos de guará, enfeitando a Natureza · com eles, "rut i lantes, a vegetação. ribeiri nha ou um taquaral, onde centen has o u m i lhares desses guarás pousam·, revoam, brigam e se aquietam, se:mpre enchendo o ar de reflexas carmins." A c lassificação c ientff ica é G uara rub ra .Lin . Para

    ·

    Teodoro Sampaio é a garça verme·lha, a ave aquática

    (/bis rub ra). Quando nova a ave é . branca, com manchas

    marrom. • . . • -·

    • ... I '

    381'

  • GARÇA "lrapuã desceu d e seu n inho de águia para seguir

    . . .

    na várzea a garça do r io." Iracema, 62, 85, 91, 96, 98, 101, 101, 110, 111 , 117, 120. O Se rta nejo, 213 .

    � Há muitas espécies de garças, constituindo a famr-l i a Ardeídeos: Na m1aior ia b ravas, porém existem as águias azuis ou morenas e as b rancas ·de cabeça preta, como a garça real (Pilhe ro dius pilea tus Boddaert) , assim denominada porque ·possuem o a que Rodolpho von lhering chama "um aristocrático penacho d e penas alongadas na nuca" . A alvura das garças e a sua postu ra e legante· e quieta, o pescoço longo é que lhes dão toque de especial · admi ração e tem i nspi rado os poetas:

    Como um capuc ho de a lgo dão mac io,

    Bra nca, ta lve z ma is b ra nca de que a ne ve, E i- la tris te, pos ta da j unto ao rio,

    Qu,!e ta , c isma ndo, m uito es guia e le ve . •

    Alo nga pe lo céu la rgo e somb rio

    O olha r a nsioso que; de ce rto, de ve,

    Tra ns po ndo o es pa ço, céle re, e rra dio

    ·p o usa r no . ni nho, que há de te r em bre ve .

    . · Pisa, a ltiva, na lama, e a lama esc ura

    N ão a salpica, não lhe c he ga às pe nas, As f inas pe nas de inveja da .a lvura .

    . . .

    E lá fica a c isma r, m uda e tris to nha, Em que ? N ão sei . A pe nas vejo, a pe nas

    Se i que me dita, que, aco rda da, so nha ."

    Antôni o d e Castro

    . . .

    . '

    ' •

    • •

    · ·· . . A garça azur· ou ":morena" ( Flo rida cae rule a Lin . ) é muito di.fund ida em toda a América . Assim se deno.m ina

    · pelo azul da p lumagem, o ra mais vivo o ra l embrando o c inzento, tendo n a cabeça e no pescoço, entremeadas,

    382

  • I

    penas roxas ou castanhas; também azul o bico, mas pretas as pernas . Quando nova, é toda branca . A garça b ranca pequena (Leuc ophoy thula thula Mol i na) tem plum·agem alva, o b ico negro com a base amarela ; na cabeça apresenta poupa de penas f lexíveis, a a�!grette tão

    · c u riosa, alvíssima, muito disputada pelos· caçadores . � espetáculo que empolga ver o esvoejar de um bando de garças, saídas dos banhados ou· lagoas on·de vivem al imentando-se de peixes ·e sapos, i nsetos etc. Alencar chamou ao r io Acaracu (hoje· Acaraú) , do Cearã, o rio do n i nho das garças, por entender que o nome é resu ltante de a c a rá garça, c o buraco, toca, n inho e y· som dúbi o . Embora não concorde i nteg ralmente com Alencar, Paul ino Nogueira (Vocab ulário Indígena, verbete Aca rac u) acha que, de fato, o nome tem· o s ign ifi cado de rio das garças: "a verdadei ra (i nterpretação) me parece: acará garça e c ó qu inta ou roçado qu inta de garças, de· que as marg ens do rio são abundantes ainda hoje : garças brancas, g ran:des e pequenas ; pardas, g randes e pequenas ; e azuis, conhecidas pe·lo n ome de tamatião." ··

    GARROTE "A seca tem sido g rande, e os garrotes estão pela espinha, não é assim?" O Serta nejo, 69, 1 55, 1 84, 205, 21 9, 227, 297. Ver BOI.

    �· • . . . . .

    GATO SELVAGEM "Que vale um gue·rrei ro só contra mil guerreiros? Valente e forte . é o tamanduá, que morden1 os gatos se·lvagens por serem rn ·u itos e o · acabam�'.' Ira -c ema, 78 . O Serta n ejq, 69 (gato neg ro) . _ . . .

    O g ato selvagem a que faz alusão o texto é, afinal, o g ato-do-m�to, o m aracaj á, "nome colativo qu�· abrange as várias espéc ies menores do gênero Fel-is , cujo comprimento total não excede de 1 metro; .t ais são: ·F. Wl ed ii, cuja cauda iguala quase a meta·de do c�mpri mento total; F. tigrina, o menor deles, do · tamanho dos gatos doméstiéos ; F. geoffroyi, pouco ma_•o r, com manchas menores e mais numerosas . 1: diffc i l a identificação dessas espéc ies de gatos, todos eles p intados à .m.anei ra d a onça .

    383

  • H abitam de preferênci a a mata, onde Se· a l imentam de pequena caça; são inofensivos ao homem, mas defendem-se vio lentamente· à moda dos o utros gatos quando encurralados" (Rodolpho von lheri ng, Dic io nário do s An im ais do Brasil verbete G ato-do-mato) C . T . Carvalho, no seu Dic io nário do s Mam ífero s do Bra sil enumera como da nossa fauna: o g ato d o mato o mesmo que· ma rac aj á, jaguatirica etc . ; o g ato .mourisco p reto animal de

    cor b ruma-enegrec ido com ponta dos pelos c laros (Felis y aguarund Geof.) ; e o g ato mourisco vermelho idem, porém cor de· canela, corpo u m tanto alongado (Felis ya-go urundi). Especif icamente, o g ato maracaj á, que bem conhecemos e j á tivemos ensejo d e abater um numa de nossas caçadas no se-rtão, é a espécie Felis pa rda/is chib igo uazo n G ri ffith . At i ng e até 85 c m ·de comprimento e 40 cm de altu ra . Cor ru ivo-amarelada com nu merosas manchas arredondadas, ornadas de preto, dando-lhe singu lar beleza . Na n uca tem, e· le ci nco o u seis estrias pretas e na cabeça muitas :manchas pequenas . A cauda apresenta manchas escu ras, com c i nco anéis na parte terminal . Trepa-se e·m qualquer árvore e nada com facilidade. No Su l é conhecido por j ag u ati ric a . Ver MARACAJA .

    GAVIÃO "O gavião pai r a nos a res . Quando a nambu le-

    384

    vanta vôo, e le cai das n uvens e rasga as entranhas da · vftima . O guerrei ro tabaj ara, f i l ho da serra, é como o ga

    vião . " Irac ema , 58, 107 . O Serta nejo, 116 . Ave falconiforme da subordem Falcones, compreen

    dendo as famf l ias Acc/pito ídeo s, de m ais de 200 espécies, e Falco nideos, com 64 . G·randes voadores, os gaviões são

    rapaces, de b ico muito forte, tendo a mandíbula superior terminada em gancho . A sua visão é penetrante, al'cançando muito longe . Os pés mostram g arras aduncas, apropriadas à captura do an imal q u e vai p rear, o qual geralmente rasgam e devoram . Só a lgumas poucas espécies preferem as carnes putrefactas . Outras, a l imentam-se de i nsetos, gafanhotos, pequenos répteis e aruás, o que as torna úteis ao homem do campo . Entre os gaviões en·

  • centrados no Nordeste destaca-se o carcará . "O carcará ou cu racará (Polyborus planens bras iliens is Gmel) tem -descreve Pau lino Noguei ra (Vocabulário lndf gena) a parte· super ior da cabeça neg ra e as penas podem l r3-vantar-se em forn1a de crista ; o pescoço, peito e espád uas ·de um c inzento aloi rado e claro; o resto da plumagem é de u m branco sujo e termina em preto; o bico azulado n a base, cor de corn0 na ponta; o i r is eneg rado ; as mand íbulas avermelhadas e as pernas amarelas ; contenta-se com toda qual idade· de al i mentos, imundíc ies, répteis, i nsetos que até na pele ·dos bois os busca; revolve a terra para procurar os vermes, vive aos pares e às vezes só; reside ordinariamente em cima das árvores e das casas; raras vezes ataca as capoei ras ou pátios das aves domésticas . ·� dan inho à criação mi úda: num rebanho de carnei ros e cabras mata ou estraga todos os cordei ros e cabri tos que apanha, despe·daçando-lhes o cordão umbilical , furando-lhes os olhos e cortando-lhes a l íngua de· preferência: pelo que os fazendei ros põem grande i nteresse em dar-lhe caça. Para evitá-lo em algumas partes costu.mam ensinar cães . Vive em guerra contínua com o urubu, por causa da presa, com�o escreveu Taunay, Céus e T erras d o B ras il: "Qual carcará que o furto segue do urubu ·e no ar disputa a presa . " Na mitologia dos Maias representava o papel de mensageiro ou embaixador" . Expl ica ser o nome tup i : de carái car arranhar e áí denie, farpa (opin ião de Bati sta Caetano) . A raiz car ou ca ·envolve a idéia de d i laceração e entra na composição de muitos vegetais providos de espinhos, como g arras, nos

    das aves e animais que têm garras, ex. : taquara, cara

    g u á-á, caran·dá, marajá (vegetais de· espinhos retorcidos) ,

    carará ( lobo) , carai r arranhar, esfolar . Outros dão o nome

    como onomatopéico. O g rito agudo e t riste é considera

    do pelos i nd ígenas co:mo s inal de mau agouro (Wappeus) .

    Segundo o Novo D icionário Aurélio, vem do tupi K arak-rá.

    Carcará é a lcunha dada a g rande e· i l ustre fam í l ia do Cea

    rá os Fernandes Viei ra, da qual f igura maior foi o Vis

    conde do lcó, Francisco Fernandes Viei ra, nascido na ci

    dade d e Saboe i ro .

    385

  • GOANA ''O nome de lrapuã voa m ais longe que· o goaná do lago, quando sente a chuva além das serras." I race-

    ma , 62 .

    Caldas Aulete, D icionário, Edição B ras ileira , regista o nome com a g rafia Guaná, perg u nta se não é o mesm

    ·o

    que guananá e cita, de J osé de Alencar, o texto acima transcrito. No verbete G uananá esclarece·, apenas, que se t rata de "certa ave palm ípede" . A Enciclopédia Bras ileira Mérito não dá conta do assunto . O verbete Gua

    naná que figu ra em ambos refe re-se a ind ivíduo da tribo

    ind ígena dos Guanás, aruaques de M ato G rosso. De on

    de t i rou Alencar tal nome, fazendo-o lembrar como ave

    aquática? O D icionário dos Anima is do B ras il, de Rodolpho von lhering é omisso . Também Alencar em suas Notas a o Ira cema .

    G�OIAMUM "O chefe pit!g uara v ibrou o arco; a seta rápida

    386

    atravessou um g o iam�um que d isco rr ia pelas margens do lago ; só parou onde a plu·ma não a de·ixou mais entrar." Ira cema , 119, 119, 119 .

    Co.m a g rafia Guaiamum, Teo·doro Sampaio (O Tupi na Geogra fia Na ciona l) acha que o vocábulo é corrutela de guy ámú o caranguejo negro, escu ro ou azul . Diferente, a versão de· Pauli no Nogue i ra (Voca bulário Indígena) e segundo esta signi f ica " i rmão do g ua iá" , de guaiá caranguej o deste nome e mó i rmão: pois que este crustó.ce·o é da famíl ia dos gua iás não vive em mangues, mas em buracos pedregosos ou seco . P refere a opinião de Batista Caetano, que pensar v i r a palavra de gua redondo, com i posposit ivo, .m ais o suf ixo a , ou de gua-i furado (cavos) e, bur emerge . O g uaiamum é crustáceo da famí l ia dos Gerarci n ídeos ( Ca rdis oma gua nhumi Lutrei lle) . Nas fêmeas, um dos b raços ou pi nças é bem maior do que o outro . O an imal apresenta-se com a cor azul intenso, .muito acinzentado n a parte central do corpo e esbranquiçado nas partes das extrem idades . Escrevem a palavra, às vezes, go iamu e g u aiamu.

  • GRAúNA " I racema, a virge·m dos lábios de mel , que ti nha os cabelos mais negros que a asa da g raúna e mais longo que seu tal he de palmei ra." Iracema, 50, 124 . O Sertan ejo , 175, 206 .

    Pássaro cancro muito apreciado pela m�elodia de sua voz e, quando domesti cado, pois o é faci lmente, pela mane i ra carinhosa com que se aproxima das pessoas de casa . ·�: to·do preto violáceo e o seu comprimento não é maior de que 35 a 40 cm . Vive em grupos e al i menta-se de sementes e· i nsetos . Há várias espéci es desses ite rídeos, sendo Gnori mops ar chopi s ulci ros tris Spix a que ocorre no Nordeste . Conhecido o pássaro também pelos nomes de i raúna, pássaro pre·to, chico-pre.to e outros . Cantou-o o poeta :

    11A GRAONA

    Mus a alada, de formas tenebros as , D e voz límpi da, cáli da e vi brante D e amor, procura as s oli dõ es umbros as Para so ltar s eu mági co des cante.

    Canta bem alto nas manhãs radi os as Quando s e abras a em púrpura o levante, E ao des fo lhar das vespertinas ros as, Can ta o réqui em do so l agoni zante.

    Melodi as febris , ári as igno tas . Lembrando o s oluçar de es tranhas flautas , Modula então no galho da m· anguei ra.

    E conso la-s e a encher de excels as notas, Monja n egra e i nspj rada, as fi nas pautas

    . . . ' ' D a grade em que a co ns ervam pr1s1o n e1 ra.

    Antônio Sales

    A palavra no tupi era gui raún a, de gui ra pássaro e una preto, negro.

    387

  • GRILO "Nunca reparou um gr i l o que o acompanhava para

    388

    toda a parte? Era eu." O Sertanejo, 91 , 91 , 91 .

    Ortóptero das famílias Gr i l ídeos e G rilloblatfdeos. Pertencem ao gênero Gril lus as espécies casei ras, encontradiças no i nterio r das residências, ·em fendas de parede, nos guar·da-roupas, nos baús . O seu ruído típico é estridente e longo, provocado nas asas . Muito prejudicial pelos estragos que causam em roupas e em certas plantas . Na terapêutica empírica é chamado à cura de muitas enferm,idades . Para a asma, é uti l izado posto vivo num saquinho que se coloca no pescoço d o doente: enquanto o g ri lo se .mexer, está botando o mal para fora, assim regista Jósa Magalhães em Medicina Folclórica, p . 142. O chá de três g rilos t ri turados bebido à noite é infalível na cura da lit íase, pois é muito d iuréti co . Reduz1do a pó,

    o g ri lo serve· para al iv iar as dores do ouvido . Chá de pern a de g ri lo resolve os casos ·de retenção de urina .

    ��Para evitar retenção de urina, fica tranqü ilo: bebe o chá, torrado ou não, do corpo inteiro de um grilo."

    Otací l io de Azevedo, Adágios , 1 97

    As vezes, é t ido como bom mensagei ro:

    ��c on ti nuo cantar d e gril o

    perdido na tua herdade:

    não te ofendas , pois aquilo

    te trará felicidade."

    I dem, 1 65

    "Na Europa o g ri l o afasta a i nfeli c idade com o estritor obst inado do seu canto . H á um canto d e Natal, de D ickens (O Canto do Grilo) de· fama i l ustre . Em· Portugal e Espanha os g ri l os são vend idos em pequeninas ga;o· las, para encantar os possuidores com o seu canto sem

  • fim durante a noite" (Câmara Cascudo, D icionário d o Folclore B ras ilei ro). Relembre-se esta del icadeza poética, de Castro Alves:

    1 10 B AILE NA FLO R

    Que be las as ma rge ns d o rio possa nte , Que a o la rgo espumante campe ia sem par! . .. Ali d as bromélias nas flores d oiradas H á s i/l os e fad as , que fazem se u lar . . .

    E , em lind os ca rd umes , Sutis vaga-lum�es Ace ndem os lumes P' ra o ba ile na flor . E e ntão nas a rca das Das pe t' las d oira d as Os grilos em fes ta Come çam na orques tra Fe bris a toca r .. .

    E as bre ves Fa le nas Vão le ves , Se re nas E m ba nd o Gira nd o, Va lsa nd o,

    Voa nd o, No a r! . . . "

    GUARA "Como trota o g uará pela or la da mata, quando vai

    seg uindo o rastro da p resa escápula, ass im estugava o passo o sanhudo guerreiro." J racem�a , 73 .

    Trata-se do maior das espécies da famí l ia Canrdeos n o Brasil, correspondendo à espécie Ch rys ocy on bra chy u-

    389

  • rus lll iger. O comprimento alcança 1 ,45 m i nclurda a cauda, que mede 0,45 m. De maior nota é o tamanho das pernas, :muito f inas para o volume do corpo e terminadas por pelos muito pretos. A cor é pardo-amarelada, mais escura na reg i ão dorsal , destacan·do-se· n a garganta uma

    mancha branca. Orelhas g randes, foc inho curto. Arisco e me·droso, dá-se ao traba.lho de ali mentar-se de pequenos animais e aves, sem desprezar, no entanto, certos vegetais, como a cana-de-açúcar e a banana . Com a grafia Aguará a mesma coisa que Guará, Teodoro Sampaio (O T upi na Geografi a Naci onal d i- lo u,m cão s i lvestre Canis jubatus Desm. ou Canis vetulus Lund. Opta pela graf i a Aguará para i n·d icar o cachorro do mato . Ver CÃO FELPUDO .

    INHUMA "Foi o canto da inhuma que acordou o ouvido de

    390

    Araquém? d isse ele admi rado." l racem·a, 71, 71, 78. Grafando Anhuma (s) , Teodoro Sampaio, no verbete

    deste nome de seu O T upi na Geografi a Naci onal, aceita que a palavra é corrute la de nhã un, com a aposição do art igo português a , s ign i f ica ave preta; e , adia·nta que em alguns lugares se· d iz i n huma, i n h aúma, inhaum, anhyma (Palamedea cornuta) ave armada de um corno móvel e ponteagudo sobre a cabeça e que vive nas regi ões pan-tanosas do i nterio r do Bras i l . No verbete l n huma remete o leitor para lnhaúma. Por seu turno, Câmara Cascudc, no Di ci onári o do Folclore B rasi lei ro, verbete Anhuma, indica as vari antes lnhuma e lnhaúm1a (Palamedea cornuta) Lin.) e cita Saint H i la i r e, para d izer que ele· registrou a tradição de possui r a ave uma excrescênc ia na cabeça, a qual dá fe l ic idade n a caça a quem a t rouxer: "O nome de lnhaúma (é de S . H i l a i re) não é provavel mente senão a corruptela da palavra l nhuma nome este· que no Brasi l se dá a uma ave, cujo nome c ientíf ico agora me escapa. Como e.m m1uitos lugares tê·m o nome de lnhuma ou lnhauma, parece-me certo que esta ave, hoje tão rara, era ant igamente comum. Extermi naram·n a os caça·dores para obterem a espécie de ch·ifre que t raz à cabeça e a que se atri buem numerosas vi rtudes." Acresce·nta Câ·mara

  • Cascudo que Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, na Paranduba Maranhense, escreveu ter a ave em· assunto o nome de Unicorne, sendo "pouco maior que a ga l inha, escura nas costas e cinzenta na barriga ; tem asas extraordinari amente grandes, com dois ferrões nos encontros, e na cabeça um corno, de meio palmo de comprimento, delgado para a ponta e na base da g rossura de pena de escrever . Quando quer beber, :mete prime i ro o corno nágua para repel i r o veneno que nela têm deixado os b ichos venenosos, e só então bebem� as outras aves que por ela, assim como os quad rúpedes da Africa, esperam a abada; daqui se tirou ser e la cont raveneno. Dize·m também que tem vi rtudes magnéticas . Sua carne não se come por ser esponjosa . O corno e esporões dos encontros das asas têm maravi lhosas vi rtudes contra todo veneno e contra a :malignidade dos homens" . A desc rição tem, o valor dum retrato se aduzirmos que a ave tem o comprimento de 0,85 m e assemelha-se a um peru; os pés são forma·dos de dedos muito grandes e o bico é pardo, com a ponta esbranquiçada. l nhaúma é o topôni:mo de uma cjdade de Minas Gerais, e com o t ítulo de Visconde de lnhaúma foi ag raciado o notável militar do I mpério, Joaquim José I nácio, de nascimento português, mas vin·do para o Brasil aos dois anos de idade.

    As referências do Alencar nas páginas do Iracema

    impl icam no sentido especial do canto da l nhuma. Em

    suas Notas ao livro p . 71, e le esclarece: "lnhuma. Ave

    n oturna palamédea. A ·espécie de· que se fala aqui é a

    Palamodea chavaria, que canta à meia noite. A ortogra

    f ia mte lhor creio ser anhuma, talvez de anho so e anum

    - ave agourenta conhecida . Signi'ficaria então anum so

    litário , ass im chamado pela tal ou qual semelhança do

    g rito desag radável" . Ao retratá-la, no seu Dicionário dos

    Anima.�s do Brasil, verbete Anhuma, Rodolpho von lhering

    relembra Marcg rav que· "ao descrever meticulosamente

    esta ave, p rocurou reproduzi r a voz, g rafando v;·ú-viú, a

    que de fato dá uma idé ia do seu g rito retu·mbante" . Pa

    rece que Alencar não false·ou . A lnhaúma ou i nhuma é

    herb ívora e o seu vôo lembra o do urubu.

    391

  • I NSETO "Parou. Uma sombra resva la entre as ramas; e nas folhas c repitava um passo l ige i ro , se· não era o roer de algum i nseto." I racema, 62 .

    Sobre i nsetos, consulte-se o D/ cionário dos Animais do B ras il, de Rodolpho von l her ing , onde o assunto tem bom dese·nvolvi·mento .

    I NTANHA "Voltou I racema à cabana; em meio do cam·inho perceberam seus o lhos a sombra d e muitos guerrei ros que rojavam pelo chão co,mo a i ntanha." I racema, 80.

    Rodolpho von l her ing , no Dicionário dos Animais do B ras il, empresta ao vocábulo a forma Untanha e no verbete respectivo esclarece t ratar-se de batráquio da famíl i a Cist ignatídeos, g êne·ro Ceratoph rys (Ceratophrys ornata). Caracterizado pelas g randes d i m�ensões do corpo (até um palmo de comprimento) , como pelos longos ornatos acuminados, que tem sobre os o lhos . Daí a denom inação vulgar de sapo-de-ch ifre e talvez a aplicação às mesmas espécies, do nome sapo-boi . Vive na mata e princi pal mente antes da chuva e à noite faz ouvi r sua voz possante, um� bramido rouco, que mais uma vez justif ica a comparação com o boi , o que int im ida mu·ita gente nervosa . Come ratos, pi ntos e outros pequenos animais que dig ere i nte·g ral :mente; para fazer a digestão gasta longo tempo . Ao perceber a aproxi mação de alguém a i ntanha começa a i nchar e empjnar os apêndices cerniformes, tom,ando ares ameaçadores, escancara a guela e procura abocanhar tudo o que dela se achegue, mas não é venenosa a sua dentad a . Ver SAPO CURURU .

    I RARA "A j at i fabr ica o me l no tronco che i roso do sassa-

    392

    frás ; toda a lua das f lo res voa de· ramo em ramo, colhendo o suco para encher os favos ; :mas e la não prova sua doçura, porque a i rara d evora em uma noite toda a colméi a . " I racema, 1 28 .

    A i rara é um carnívoro d a famí l i a Mustel ídeos (Tsy· r a barbara barbara L in . ) , muito sanguinár io, atacando

    aves dos gal i n he i ros; devora pequenos pássaros, mas nlo

    enjeita ovos e o me l das abelhas s i lvestres, motivo

  • I

    por que o denoimi nam, também, de papa-mel , sentido que está no próprio nome, em lfngua tupi : ira mel e ra comer = com,edor de mel . Tem baixo e alongado o corpo e� a cauda não é muito curta. Cor aci nzenta·da, que se pronunci a mais na cabeça; em redor do pescoço, uma ·faixa a·marelada .

    JABURU "Assim dorme o jaburu na borda do lago." I race-ma, 108 .

    "Pelas margens das lagoas os jaburus caminham lentos e taciturnos e mi ram-se imóveis nas águas." O Sert a

    nejo, 213. Um pernalta ·dos Ciconídeos (J abi ru mycteria Licht.) ,

    com a altura de 1,1 5 m. Tem o b ico f ino, ou melhor, afilado e longo, ·e o pescoço é despenado e negro. Branca a plumagem e as pernas pretas . Devora peixes e cob ras. De·mora largo tempo pousado à be·i ra das aguadas ·e daí a exatidão dos textos de Alencar . Para Capistrano de Abreu, o jaburu é a ave· que vate um símbolo ·do Brasi l : tem estatura avantajada, pernas g rossas, asas fo rnidas e ·passa os dias com uma perna cruzada na outra, tr iste, t riste, daquela austera e vil tristeza". Di-lo o g rande h istoriador numa de suas cartas a João Lúcio de Azevedo, e bem retrata o seu conceito o modo cét ico com que encarava o lerdo desenvolvi m�ento de· nosso País, no seu tempo, sem maior prog resso . Ainda não co:meçara o Bras i l a " i r para a frente" . A palavra jaburu vem do tupi ya abi ru o que é repleto ou inchado, alusão ao desenvolvido papo da ave, isto é, a papada. Altera-se em jabi ru.

    JABUTI "O nosso cap·elão fazendo este raciocínio sentiu

    um l ige i ro arrepio, e� encolheu-se um tanto dentro da ca

    sula como um jabuti no seu casco, lançando ·de esguelha

    um o lhar para o campo i n imigo." · O Sertanejo, 386 . .

    Réptil da fam1íl i a dos Testunídeos, correspondente à espéc i e T es tud o tabu/ata Spix, atinge o co·mprimenta de 70 cm, embora excepc ionalmente, pois o seu tamanha co ... mum é de 30 a 40 cm . A parte dorsal é p reta com um centro amarelo em cada escudo. A parte ventral é ama4

    393

  • rela . Al imenta-se de frutos e te,m-se como sa·dia e boa

    de comer a sua carne·. E legeram-no s ímbolo da paciên

    c ia e da astúcia, e com esses p red icados entra no fabu ..

    lár io não poucas vezes . Rodolpho von l he r ing (D ic�!oná

    rio dos Animais do B ras il ), aponta algumas lendas em que

    e le figura, sempre esperto, levando vantagem·. Segundo

    Teo·doro Sampaio, O T upi na Geograt.· a Nacional , o noma

    tupi resulta de ya-u-ti o que come pouco, an imal de pouco

    comer. Batista Caetano interpretou yy-abu-ti o que tem

    fôlego tenaz ou persistente; no tupi-guarani yabuti, no tupi amer. yauti, no tu·pi geral yabuti, no tupi c . yaboti, yabu ti.

    i: conhecido também como cágado-do-mato.

    JAÇANÃ " I racema seguindo com� os o lhos o esposo, d�va-gava como a jaçanã em torno d o l i ndo seio, que al i fez a terra para receber o mar." I racema, 1 04, 1 1 O. O Sertanejo, 206, 31 3.

    Teodoro Sampaio, em O T upi na Geografia Nacional, aceita que o nome, no tup i , era y aça nã o que g rita forte, o que· tem o g rito i ntenso (Parra jacaná) Batista Caetano, citado por Paul ino Nogue i ra (Vocabul ário Indígena), pensa que é corruptela de fi ahanã (fi-eça-ená que está de olho aberto ou ergui do) . Ave· da família Jacan ídeos (Jacana spinos a jacana Lin . ) , comum dos açudes, lagoas ·e aguadas. Dotada de enormes dedos de lgados e alongados por não mienores unhas, o que favorece o andar por sobre os juncos ·e outras pl antas aquát icas, tanto mais que o tamanho é pequeno e o corpo muito leve . A cor é castanha :mas as asas e o papo têm color ido verde-claro . Pretos a cabeça e o pescoço . B ico amarelo . Corre mais por c ima das águas do que real m ente voa . ·t: uma ave aleg re, sempre i n qui eta . Não vale como caça .

    JACU "Eles ocupavam as margens d o Soipé, cobertas de

    394

    matas, onde os veados, as gordas pacas e os macios jacus abundavam." I racema, 1 02 .

    Teodoro Sampaio adota a expl i cação de Batista Caetano: o nome, vem d o tupi i a cu o que come g rãos, o que t raga ou engole frutos . Aves que vivem em bandos, mas

    \

  • t

    se separam em' casais na época do acasalamento e incubação. Da famflia Cracidas, devendo corresponder à sub·espéci e Penelope s uperciliaris jacupemba Spix. Dormem e nidifica·m sobre árvores e· muito cedo procuram um l u g ar ao sol para a·quecer-se e alisar as asas, o que parece justificar o ter o romancista qualificado de macios os jacus . Saltam de ramo em' ramo com a maior presteza e, às vezes, descem ao chão escaravatando-o como fazem as galinhas . Ao calor do meio dia procuram lugares so·mbrios ·para o repouso, ora ficando em pontos ma!s altos, ora em pontos mais baixos da mata . A tardinha voltam, à procura de· alimento e, depois, recolhem-se aos g ritos e cacarejos .

    Muito desconfia·dos, não é fácil apanhá-los a jeito o caçador, a cuj a presença, se pressentida, debandam afvoroçadamente . � caça de carne· saborosa e de porte que vai de 70 a 75 cm de comprimento . Há o jacu-guaçu (Penelope obs cura bronzina Hel l mayr) , e o jacu-tinga (P.�pile jacutinga Spix) , aqule de· coloração bronzeada, com as penas da f rente· e do vértice da cabeça marrons com orla cinzenta, sendo também marrons os pés ; estes são de cor preta com um: lustro azulado; tendo a cabeça cobe rta de penas brancas e o bico preto ; num a g arganta vermel h a e azul combinados . "Juntam ente com os mutuns, formam os j acus o conjunto da família Cracídeos, ·e por sua vez esta e dos urus perfazem a representação sul-americana da o rdem Galiform1e" (Rodolpho von lheri ng) .

    JAG·UAR " Fil h a ·de Araquém, não assanha o j aguar." Ira-

    cema, 62, 84, 106. O Sertanejo, 72 .

    Etimologicamente, vem do tupi ya guara o que de

    vora ou dilacera, o comedor ou devorador. Apresentava

    nessa l íngua as formas yaguá, yauára. Yagua ou J aguar

    onça e ibe rio dera·m o topôni mo do maior r io do Ceará

    Jaguaribe e de uma c idade cearense à margemi do

    mesmo rio . Como destaca Teodoro Sampaio, " a geogra

    fia d o país refletiu também com mais ou menos precisão

    a fauna reg ional. Os nome·s de localidades e r ios como

    Jaguar - y r io da onça; jaguam :mb ab a cães mansos ; ja-

    395

  • 396

    guarahyba cães ruins ; jaguaretê onça verdade·ira, lembram

    a abun·dânc ia ou freqüência dos felinos, ou a presença

    dos cães já introduzidos pelos europeus , e de que· os sel

    vagens tanto apreciaram depois" (O T upj na Geografia

    Nacional, p. 1 09) . J aguari be é a mesma coisa que Jagua

    ry . Aplica-se· o nome Jaguar às onças (do latim luncea) ,

    mam:íferos da fa,mí l ia dos Fel ídeos ( Felis uncia), que se

    assemelham ao t igre asi ático . Pr inc ipal mente a chamada

    onça pintada, onça tig re, ou jaguaretê (Leo onça onça,

    Lin), a maior de to·das, pois são vários os t i pos, atingindo

    1,20 m de comprimento, sem a cauda, e a altura de 0,85

    m, de cor amarelo-ruivo com cinco sér·ies de rosetas pre

    tas nos lados; a cauda apresenta anéis pretos. Anim.al

    de muita força muscular, sabe trepar nas árvores e pul2r

    ce·rcas, nada com facilidade, salta a g ran·des alturas. Domina qualquer animal , menos o touro, para rasgar- lhe as carnes e devorá-los, depois do que vai dormir a sono solto, em lugar seguro . Alencar, em O Sertanejo, p. 116, descreve-o: "O t ig re brasile i ro apesar de Buffon, que o não conheceu, é um ani,mal form idável pe la força e pela intrepidez . Há exemp lo d e penetrar em' um rancho ou acampamento, e arrebatar ·de le um homem, zombando dos tiros com que o perseguem os companhe·iros da víti ma . Arrasta o cavalo ou o boi que matou e faz frente aos caçadores, afastando-se com rapidez não obstante o grande peso d a carga. Azara refere o caso de um. que levou com o boi morto outro vivo preso à mesma canga" . Re·· presenta, afinal , g rande perigo aos currais das fazendas e, não raro, é preciso longo tempo e astúcia para surpreendê- la ou matá-l a . O poeta cearense Cruz Fil ho d edicou-lhe apr imorados versos (em T oda a Mus a, Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1965, p . 239) ; e também na Co/etânea de Poetas Cearens es , d e Augusto Linhares, Rio, Editora Minerva Ltda. , 1952, p . 172) . Modal idade des .. se tipo é a onça preta de co loração m ais escura, mal deixando ver as rosetas . Am,bas quase m ais não existem no Ceará .

    A lém da onça-pintada, ocorre no B rasil a onça suçuarana ou onça parda ou vermelha , d e corpo m ais dei-

    J

    ,

  • gado, cabeça �menor e patas mais alonga·das. A pele é amarelo-vermelho quei mado . I gualmente perigosa aos rebanhos, embora tímida diante do homem' . Costuma sang rar a vrti m a ·e beber- lhe o sangue, fazendo-o co·m vários animais na mesma investida . Age à noite· . O nome suçuaran a é resu ltante d o tupi s uçuu veado e arana parecido == semelhante ao veado, pela cor . Existe, ain·da, a onça maçaroca, variedade da suçuarana, com a parte distal da cauda bem m1ais peluda como a dos bovinos .

    JANDAIA "Verdes mares bravios de· minha terra natal , onde canta a jan·daia nas frondes da carnaúba." I racema, 49, 70, 88, 120, 120, 120, 120, 132, 1 34, 136, 137, 138 .

    ·� a espécie mais genti l dos Psitacídeos (Aratinga jandaya Gmel in) O próprio Alencar, noutro trecho do l i ... vro, cap. X, nos dá esta explicação : "A gente tupi a chamava jandaia, porque sempre alegre estrugia os campos com o seu canto fremente·" . O nome apresenta as formas nhandaia e nandaia, saídas de nh and ai correndo só, o corre·dor, seg undo Teodoro Sam�paio, que acrescenta (verbete Jandaia) : "·espécie de papagaio pequeno com os encontros, peito e cabeça amarelos (Pis ttacus s urdus)." Com isto concorda Paul i no Noguei ra ( Vocabulário Indígena) : "Ave, ·menor do que o papagaio, a cuja famíl ia pertence . Tem o peito, encontros e cabeça colorados d·e. amareloavermelhado br i l hante; ponta das asas azuis, e o resto da

    p lumagem verde . Domestica-se fac i lm·ente ·e a.pren·de uma

    ou outra palavra." O m�esmo Pau l ino Nogueira, baseado

    em Batista Caetano, acha que a origem da palavra jandaia

    é, no tup i , flendaya, de íiefi-etá-aib qu·e fala muito mal ; dis

    corda, ass im, d a sugestão do autor de I racema, segundo

    a qual (Nota à p. 70) "este nome an·da escrito por diver-·

    sas manei ras, nh endaia, nh andaia e em todos alterado,

    (pois) é apenas um adjetivo qual i f icativo do substantivo

    ará . Deriva-se e le· das palavras nheng falar, antan duro,

    forte, áspero, e ára desinência verbal que expr ime o agen

    te·: nh' ant' ara substi tu ido o t por d e o r por i, tornou-se

    nhandaia , donde jandaia, que se traduzirá por perequito

    g rasnador . Do canto dessa ave, como se v iu , é que. vem

    397

  • o nom�e Ceará, seg undo a et imolog i a que lhe dá a tradição" (Nota p. 70) . As jandaias vivem e·m bando e são terríveis i n im igas dos mi l harais . Alencar fez da fiequena

    . ave a companhe·i ra da vi rg em dos láb ios de mel e colo· ca-a em cantata constante com a formosa índ ia . Até que, morta esta, continuou a jandaia a cantar no o lho do coquei ro, mas, de saudosa, não repet ia j á o mavioso nom;e da f i l ha de Araqué�m . Alg uns estud iosos de etimolog ia, com eles José de Alencar e o Prof. M arti nz de Aguiar, reputado f i lólogo cearense, afi rmam que· o vocábulo Ceará t raduz o canto da jandaia (de cemo cantar forte e ará = jandaia) . Mas, até hoje, nenhuma �xpl i cação da origem desse nome· satisfaz . No l ivro O Ceará, que de parceria com Antôn io Mart ins F i lho publ i camos em· 1 939, com no·· vas edições em 1 945 e 1 966, conseg u imos coletar numerosas opi n iões a respeito, se·m, todavia, nenhum ·dos opinadores chegar a conclusão positiva . Conti nua a etimolog i a de Ceará a ser um desaf io à acu idade dos l i ngüistas e g ramáticos .

    JAPI M ou JAPI "Se cantam as aves, teu ouvido não gosta

    398

    já de escutar o canto mavioso d a g raúna, mas tua alm-a se abre para o g rito do jap im, porque tem ele as penas douradas co,mo os cabelos daque la que tu amas !" Iracema, 1 25 . Com o nome xexéu ou chechéu está referido em O Sertanejo, p . 206 .

    Alencar e·xpl ica : " Pássaro cor de ouro com encon .. tros pretos e conheci do vulgarmente pelo nome de sofrê (Nota à p. 1 25) . Todavia, o que se cham�a sof rê é o corrupião (Ver CORRUPIÃO) . Em verdade·, j apim é o bom-é (Caci cus cela cela L in . ) ou xexéu, d a fam íl i a dos lcterídeos . A plumage.m é negra; asas pretas com relevos amarelos, cauda desta cor com a extremidade b ranca, ventre amarelo claro e b ico amare l o esverdead o . Costuma an· dar em ban·dos e· prefere o alto das á rvores para fazer o n inho, em formato d e bolsa . Tem o dom d e arremedar outros pássaros e até mes-mo a voz d e certos animais ou outros rumores fáceis de apren·der (Ver Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Bras ileiro, verbete Xexéu). Cabeça

    J

  • ,

    de xexéu é o cabelo d esalinhado, desarrumado . Ninho de xexéu qual quer coisa sem ordem . Catinga de xe-xéu pituim', mau chei roso. Sono de xexéu sono muito l eve .

    JARARACA " Tem-se visto sujeitos neste sertão que· li-dam com as cobras mais assanha·das, co·mo a cascavel e a jararaca, as enrolam no pescoço ou as trazem no seio sem que· lhes façam mal , observa Ag rela." O Sertanejo, 1 1 7 .

    O nome é corrutela de yara e roaq envenenar, o que envenena a quem agarra, segundo Batista Caetano citado por Paul i no Noguei ra (Vocabulário Indígena), com o que concorda Teodoro Sam:paio, no seu Tupi na Geografia Nacional.

    Da fa.mí l ia Crotal ídeos corresponde à espécie do gênero Bothrops, das quais so·mente três habitam o Ceará, e são venenosas: B. erythromelas Amaral , jararaca das secas ou jararaca malha-de-cascavel ; B. atrox Lin . , jara-raca . do rabo f ino, jararacuçu e B. newiedii Vag ler, j araraca do rabo branco, ja raraca p intada . São muito difund idas, encontradas no campo ·e no i nterior das casas, nas salas, nos quartos e banhe·i ros . As cores das ·diversas espécies variam .muito. Convém· ler sobre jararacas o que escreve Eurico Santos (Serpentes do Brasil, Coleção .�rt íst ica "Rache") e· Marcelo Si lva Júnior (O Ofidismo no Brasil, publ i cação do Serviço Nacional de Educação San itária, Ministério da Saúde, Rio, 1 956,. pg. 269-278) .

    JATI "O favo da jati não era doce como o seu sorriso ; nem· a baun i l h a rescendia nos bosques como o seu hál ito perfumado." Iracema, 51 , 1 28 .

    o mesmo que abelha-mesquita. l nseto ·da famí l ia Mel i pon ídeos, correspondendo à espécie do g ênero Plebe,:a Schwarz, muito pe·quena e si lvestre, daí o nome popular

    _ mosquito, não medindo mais que 5 cm�. de comprimento . Cor escura co�m d im inutas manchas amarelas . Constrói sua colméia em ocos de árvores e fendas ou buracos de paredes, comunicando-a com o exter ior por meio de

    399

  • uma pequena entrada. O me·l é na verdade del icioso e

    foi i nvocando essa qual idade que Alencar a e le comparou

    a doçura dos lábios de I racema . No texto, favo está por

    mel , caso de metonímia · o conti nente pelo conteúdo .

    A jati é a ún ica abelha a que , especif icamente, alude o

    g rande· escritor nos seus dois l ivros Iracema e O Ser

    tanejo. Outras abelhas s i lvestres são encontradas no Cea

    rá, fazendo uma das a leg rias d o sertanejo : a jandafra

    (Me/}pona seminigra), a mais produtora d e me·l , muito sa

    boroso e de apl icação me·d ic inal ; o enxu ( Nectarina lech

    guana Latr.) ; o enxuí ou i nchu í ; a moça b ranca ou abreu

    (Trigona tetragona varia Ltp.) ; o arapuá ou i rapuá (Me

    lipona ruficus Latr. ; a cup! ra (Trigona pai/ida Latr.) ; o

    caiiuxu (Charteryus ater Sauss.) , a l imão, assim dita por ..

    que é azedo o seu mel ; a canudo.

    J IBóiA "Tua boca mente como o ronco da j i bóia: excla-

    400

    'mou I racema." Iracema, 73 . "Apostaria que anda tresnoitado, se não soubesse·

    que você em ferrando a dorm i r é como a j i bóia quando engol i u veado." O Sertanejo, 76, 372 .

    Jibóia tem or igem túpica: corrute·l a ·de yiboy ou yi boi cobra dágua . Para José de Alencar (Notas, p. 73) ; "de gi machado e boi a cobra. O · nome foi t i rado da mel .. n e i ra por que a serpente lança o bote, se·melhante ao go lpe do machado ; pode t raduzi r-se bem: cobra de arremeço." Outros p refere·m : d e ig (por metátese gi ou i e mboi cobra . t: uma espéci e ·da fam í l ia Boídeos (Cons

    trictor constrictor Lin .) . Pode ati n g i r o comprim�ento de 5 m, apenas sendo menor d o q u e a sucur i , entre, as cob ras bras·i le i ras. A cor é parda achocolatada, apresentando g randes manchas c inzento amarelas na região dorsal e d uas l inhas escuras, paralelas, un idas entre si por o utras transversais , quais se fossem deg raus de uma escada . AJ i,menta-se d e mamíferos d e todos os tamanhos e não ataca o home·m , a inda que p rovocada . Capaz de engo l i r um� an imal mesmo a lgo maior que a sua grossura. M ata-o por meio d o aperto o u a rrocho, tal a força que possu i . A d igestão é longa e l eva o tempo como que a

  • dor,m i r. Dar o verbo j iboi ar, para trad uzi r a pessoa que , d e estômago muito cheio, passa à fase do sono pesado .

    JURITI "A j u ri t i quando a árvore seca, foge do n inho em

    que nasceu ." Iracema, p. 64, 88 . O Sertanejo, 66, 71 , 1 83, 229 .

    Ave· da famí l ia Periste rídeos, gênero Leptot i la (Leptoptila Varreauxi approximans Cory) , diferente das pombas chamadas ro las, por não terem manchas ·metáli cas nas asas, além de apresentarem, atenuada a prime·i ra pana rêm1ge d a mão . De cor vermelho-escuro, avi nhada . Mu ito esquiva, vivendo nas matas, mal saindo para procurar aHmentos nos campos :mais abertos . O se·u canto é saudoso, gemido e tr iste; i nspi ração aos poetas . "Hino de angústias, férvido lamento I Um poema de amor e sentim�ento, I Um g rito ·de· orfandade." (Casi mi ro de Abreu) .

    Antôn io Sales cantou-a assi m :

    11JURITI

    Um som do/ente se escutou na mata, E sobre a areia fulva da clareira Eis que aparece a juriti, ligeira, Movendo os pés tingidos de escarlata.

    Agora, as asas, súbito, desata

    • •

    Num surto breve; pára, pousa à beira De um f,!o dágua, bebe e, feiticeira, Caminha, entre garrida e timorata.

    Um trilo de nostálgica plangência

    . .

    Solta, a clamar, talvez, pelo ente amado,

    Que deve longe estar, pois não responde . . .

    E do seu passo a l§.ngu/da cadência Recorda o andar felino, requebrado

    De uma m ulher que eu vi . . . já não sei onde."

    '

    . .

    401

  • A palavra apresenta as form1as j u ruti e j eruti e tem orige·m túpica : corrute la de yeruti ou yuriti nome comum das pombas nessa l íngua. De yuri - ti pescoço ou colo b ranco, conforme Teodoro Sampaio (O Tupj na Geografia Nacional). "Como o bem-te-vi e a araponga, a juriti é também uma das aves mais características e conhecidas

    nas reg iões onde ainda haja passaredo. De m�anhã cedo gosta de vagar pelos tr i lhos das capoei ras pois é ar que encontra o seu almoço, ora u m a semente, ora um inseto ou um verm e . Sua voz é um ru-gu-g u-g u-hu melancólico, como q ue· soprado e no entanto aud ível a g rande distância. t: considerada boa caça, mas para su rpreendê-la é preciso an·dar cauteloso à sua procura, pois em geral foge logo, e só se ouve o bater das asas por entre· as moitas" (Rodolpho von l her ing).

    LAG,ARTO " . . . ; ou trazia do mato um�a fo lha de urt :ga para esfregar-lhe no braço, e u�m lagarto para preg ar-lhe· um susto." O Sertanejo, 296 .

    Compreende as espéc ies da o rdem do Lace-rti leos, talvez umas 1 20 a 1 30 espécies . Entre nós, são com· uns o tejuaçu, a lagartixa, o cal ang ro, a tejubi na, o camaleão etc . Ver. TEJU-ASSU .

    -

    LEÃO "Da mesma forma que o l eão, a pantera e todo ani-mal por �mais c ruel que� sej a, o t i g re b rasi le i ro pode ser dom1esticado." O Sertanejo, 1 1 6, 1 1 8, 234.

    O animal ou melhor o rei deles (Felis /eo, Lin.) entra no texto co�mo termo de comparação . Não há leão no Bras i l , nem n a América . Igualmente· não é o Brasq , como a América, habitat das panteras.

    LONTRA "Arnaldo, porém, merg u l hara, e cam·inhando por

    402

    baixo dágua co·mo a lontra ou a capivara foi sur·d i r muito a lém, já na f loresta." O Sertanejo, 372 .

    Pare·ci da, embora menor, com a ar iranha (Ver ARIRANHA) , é um carn ívoro· da fam í l ' a M usteHdeos (Lutra enudris Cuvie r) , do compri�mento não maior de que 70 cm

    além d a cauda, que mede 30 cm . Pe·rnas curtas, orelhas

  • pequenas, b igodes er içados. Pe lame pardo··c inzento, amarelado para a parte infer ior. Vive· nág ua e vem a terra para comer e dormi r. Al- i menta-se de pequenas aves aquáticas e ·de peixes. Quando juntas, g ritam como se fossem gatos. Não ocorre na área do Nordeste.

    MACACO " M u itas vezes, quando menino, correra por a l i atrás dos macacos e sagu is que o não venciam na ag i l i dade, pois agarrava-os à m!ão nas g rimpas da f loresta ." (O Sertanejo, 75, 207 (macaqui nhos vermel hos) , 292 .

    Forma�m os macacos, não inc lu ídos os sagu is: a famíl ia Ceb ídeos . Denominação geral dos símios, bug ios e m onos . Variam extraord inariamente de tamanho, feit i o e mo·dos de vive r . Desde o orangotango, da altura de um homem, até os menores, das proporções de um rato. U ns de hábitos d i u rnos, outros, noturnos . Em certas espécies, são dotados de s ingu lar inteligência. Para os l im ites e f ins deste t rabalho, desnecessário será estudá-los minuc iosamente . Entre os encontrados no Ceará� já quase exti ntos, restr ing indo-se a sua i nci·dência a poucas reg iões do Estado, encontram·,.se o macaco preto ou guar iba p reto (Aiouatta carava Humboldt) e o macaco prego (Cebus apel/a libidinosus Spix) . Nem se fale das diab ruras dos macacos: Rodr igues de Carvalho (Cancioneiro do Norte, Fortaleza, Editores Mi l i tão Bivar & C ia. , 1 903, p . 80-86) reg ista u m ABC dos Macacos (Crato-Ceará} , mu ito i nte ressante e t ranscrito por Florival Seraine e·m sua Antologia do Folclore Cearense, Fortaleza, 1 968, ps. 21 -28 . E no sertão d iz-se, que cabeça d·e macaco cozida sem sal acaba com as doenças nervosas . "Macaco não o lha para o rabo" é dito para sig nif icar que n inguém recon hece os próprios defeitos . Outro é : "Macaco velho não mete a mão em combuca" ou sej a a pessoa experiente não fac i l ita nas decisões ou atas. "Vá pentear macaco" = vá ocupar-se ·em alguma coisa .

    MAJOf " Ass im co�mo a asa do majoí rompe os ares, o pé veloz do g uerre i ro não tem igual na corr ida." Iracema, 1 1 3. Majo r é o nome túpico da andorinha, corrutela de M ayoy. Ver ANDORIN HA .

    403

  • MARACAJA "O vulto de Caubi enche o vão da porta; suas armas guardam diante· de le o espaço d e um bote de maracajá." Iracema, 82. Ver GATO SELVAGEM .

    MARACANÃ "Já se ouviam g ranizar as m�aracanãs entre os leq ues sussurrantes da carnaúba e repeti rem os gritos

    .co·mpassados do cancã, saltando pela relva." O Sertane

    jo, 99, 206 . No tupi , donde ve�m, compõe-se o nome de mbaracá

    g uiso, chocalho e na semelhante : o que imita o maracá ou chocalho, pelo baru lho ou a lgazarra que produzem com os seus g ritos estridentes e desordenados as maracanãs. "Designa as espécies de Psitacídeos do t ipo das araras, porém� be.m menores e de cauda menos longa, quando muito do co�mprimento igual ao resto do corpo. Ara severa, maracana, nobflis, de colorido predominantemente verde com vários ornatos vermelhos, amarelos ou azuis" - é como a identif ica Rodolpho von l hering (Dicionário dos Anfm·ais do Brasil). Pés neg ros e· olhos vermelhos . Phopyrrhura maracana é a classif icação de Viei l l . Ver PAPAGAIO .

    MARANHÃO " . . . ; e o maranhão dorme ainda, em pé no

    404

    �meio do brejo , com a cabeça metid a embaixo da asa e uma das pe·rnas en·colh ida." O Sertanejo, 21 3 .

    r-� o flamingo (Phoenicopterus ruber ruber Lin.) . Porque maranhão é que não se sabe bem expl icar . O fia-

    .

    mingo é um· pernalta d a famí l i a dos Fenicopterídeos . De colo ração rosada ruti l ante, rêmiges p retas e ombros com as penas encarnado-vivo . Também chamado, no Amazonas, ganso-do-norte, gansão, ganso-cor-·de- rosa . Existem oito espécies desse g ênero em to·do o mundo. O seu

    corpo é como se fosse de "um g rande cisne ou ganso m�o·ntados em pernas de pau i mensamente longas e com u�m pescoço muito f ino, q uase tão compr ido como as pernas . Como a ave g osta de andar com a cabeça ·erguida, talvez para pôr em melhor evidênc ia sua altura de 1 ,80,

    este esgu io rival do avest ruz é 0 que· se possa imaginar

    de g rotesco no mundo aviár io . Esquec íamos · ,ainda que

  • o b ico é abrutalhado e curvado para baixo, como um fo rmidável nariz de papagaio" (Rodolpho von l hering , Dicionário dos Animais do Brasil). Andam em ban·dos. Alencar, no texto, a lude ao �maranhão a dorm i r, e , de fato,

    ·fá-lo curvando o pescoço d isposto em laço sobre o dorso, esconde a cabeça entre as pernas umerais, encolhendo u·ma das pernas a mo·do de gansos. No vôo, asas e pescoço esticados, parece uma cruz a adejar no espaço. Vive o f lamingo pelos banhados e lagoas, a a l imentar-se d e quanto verme, i nseto, c rustáceo e pequenos peixes pode colher.

    MARRECA "Depois do banho, l racemia divagava até as fal· das da serra de Maraguab, on·de nasce 0 ribei ro das marrecas, o J e·reraú." Iracema, 1 1 O . O Sertanejo, 99 .

    A mais comu.m e mais numerosa das aves aquáticas de nossos açudes, lagoas e aguados . Ave anseriforme, anatídea e migratóri a . Dispõe de· largo bico coberto por u m a membrana sero-matosa, provida de unha córnea. Os dedos são un idos por membrana natatória ; pernas curtas. Andam em bandos, pousadas n a ág ua com o seu p iar característ ico . Se· se assustam revoam ass;m reun idas, em evol uções largas e via de regra volta·m aos seus lugares. Sempre visadas pelos caçadores a t i ro de espingarda ·e mais modernamente por meio de re·des dispostas ·em· armadi lha, onde· caem em grande número, com sério prej u ízo para a cont inu idade da espéc ie . Um cr i�me que �e p rati ca a despeito das severas co·minações legais . As marrecas compreendem d ive·rsos gêneros: Dendrocygna viduata Lin. , chamada i rerê, marreca apaí, marreca viuvinha, marreca piadei ra ; Dendrocygna autumnalis discolor Sclater e Salvin, chamada marreca-de-asa-branca, marreca caboc la ; Dendrocygna bicolor VeHI , cha.mada marreca peba, ,marreca canelei ra; Nettiom brasiliensis G�mel in , chamada ananaf, marre·ca ·dos pés encarnados, marreca paturi ; Nettiom f/avirostre Vei l l , chamada marreca assobiadeira; Nettiom leucophrys Viel l ; Poecillonetta bahamen-

    405

  • sis Lin. , chamada patu ri do mato; Poecilonetta bahamensis rubrirostris Viei l l ; Poecilonetta spinicauda Viei l l ; Querquedula cyanoptera cyanoptera Vi e i l i ; Quarquedula versicolor versicolor Vie i l l , chamada marreca car ijó . As marrecas, que são domesticáveis, a l imentam-se de capins e sementes de plantas aq uát icas, i nsetos, verm:es, moluscos e pequenos peixes . Os seus n inhos e las os fazem de folhas e· j uncos e várias de las põem no mesmo n inho, onde podem ser encontrados até 30 ovos .

    MORCEGO " Fica tu, escondido entre as igaçabas de

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    vinho, f ica velho �morcego, porque temes a luz do dia, · e

    só bebes o sangue da vít ima que dorme." Iracema, 58, 62, 74 .

    Andira ou g uandira, em tupi . Aos morcegos grandes os ind ígenas cham:avam g uandi ruçu . O nome genérico abrange todos os mamíferos da o rdem Qui rópteros . As espécies brasi le·i ras pertencem ao g rupo dos Microqu irópteros e são e.m nú�mero d e 1 00, dos quais os maiores medem 1 5 cm. de corpo e 70 cm ·de envergadura, e os menores não passam· do tamanho de um rati nho, medindo no máxi·mo, de envergadura, 1 5 c:m . Uns são pretos, outros pardos, ruivos ou amarel ados . Temem a luz e vivem pendu ra·dos de cabeça para baixo, sustentados pelas unhas dos pés ou garras, encravadas nas saliências dos

    fo rros, vigamentos e paredes e em gal hos de árvores . Adm i rável é a sua ag i l i dade no vôo, desviando-se de todos os obstácu los . A lgumas espécies al i mentam-se de i nsetos, devorando-os aos m i l hares ; outras são frug ívoras, i ndesejáveis i n i�migos dos po·mares ; outros, ai nda, os vampi ros, são hematófagos, regalan·d o-se com o sangue de ani�mais, como cavalos, muares, porcos, gal i nhas e até do homem, se o encontram. dormindo . As vezes, são transm issores da raiva bovi n a . São dos ma·m íferos os únicos capazes de real�mente· voar . O povo acredita que o mor· cego é uma t ransformação d o rato velho.

  • I

    ��o MORCEGO

    Meia noite. Ao meu quarto me recolho,

    Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde-o; Na bruta ardência orgânica da sede,

    Morde-me a guela ígneo e escaldeante molho.

    � �vou mandar levantar outra parede . . . " - D}go. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho

    E olho o teto. E vejo-0 ainda, igual a um olho, Circularmente sobre minha rede!

    Pego de um pau. Esforço faço. Chego A tocá-lo. Minha alma se concentra.

    Que ventre produziu tão feio parto?!

    A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ela entra Imperceptivelmente em nosso quarto."

    Augusto dos Anjos

    1 10 MORCEGO

    Não te posso dizer: repelente animal Ave negra da noite ó sabujo, ó consciência . Como te chamou um dia um poeta. Poi$ tu me despertas quando estou a dormir E o verso vem, essa loucura de poes.'a Danação de muitos, ó morcego. Vejo-te sujando a minha cama

    E espancando as paredes de meu quarto. Tu pareces um poeta indormido nas noites Rude animal de asas negras

    E de boca faminta. r�s tu, sim, que me acordas ao dormir! Tu me dás a consciênc.�a do sono perdido

    Mas quando vem a madrugada eu olho a rua E te procuro no quarto e não te enxergo mais Tu foges, morcego, consumação da noite negra

    Geratr.·z do mistério da poesia."

    Antônio G i rão Barroso - Novos Poemas

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  • MOSCA "Passou além da fért i l montan ha, onde a abundân-

    c ia dos frutos cr iava g rande quantidade d e mosca da que lhe veio o nome de Meruoca." Iracema, 1 01 .

    Os insetos da orde·m dos D ipteros esquizóforos são moscas comuns (Musca domestica), com u m· par de asas, seg uido de um par de corpúscu los, os halteres ou balancins . As larvas vivem em substânc ia orgânica, em putrefação o u não, são ápodes e transformam-se· em pupas, das quais surgem i ndivfduos adu ltos, que então se apre

    sentam desde logo em· tamanho defi n it ivo (Rodolpho von l heri ng) . Uma das pragas casei ras, Não pousam as moE,cas e·m l ugar sombrio e para evitá- las no l ixo é colocar

    o respectivo ·depósito em l ugar escu ro . O seu sentido do paladar está nas patas . Calcu la-se que durante um d ia a �mosca voa 1 O km em médi a . Pro l i fera nos estrumes.

    NAMBU " O gavião paira nos ares . Quando a nambu

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    levanta, ·e le cai das n uvens e rasga as entranhas da vít i·ma." Iracema, 58, 80 .

    l nhambu ou inambu = ynambu, corrutela de y - nambu o que corre· surd indo ou emerg indo, ou o que levanta o vôo ru.morej ando, a perd iz ; altera-se em nambu e enambu (Teodoro Sampaio O Tupi na Geografia Nacional). De fato, o vôo desta ave, rápido e cu rto, é uma arrancada quase vertical e vio lenta . Da fam.í J i a Ti namídeos, gênero Cryptururus . São 1 4 as espécies b rasi le i ras, homogêneas

    quanto ao feit io, variando apenas quanto ao tamanho e ao colorido . Não têm cauda, são surus e os dois sexos quase não se diferenciam . Vivem no chão preferi ndo as capoei ras, e ai i mentam-se de· frutos e sementes . Caça

    excelente, e é fác i l atraí- la para a m i ra da ar�ma por meto

    de pequeno ·d isposit ivo co·m que·, soprado, se imita o seu

    p iar. Caçadores mais experi mentados até com o côncavo das mãos obtêm esse som. Sobre· nambus, codornas (ou codornizes ou i nambus) e perd izes, le r Aves de Caça no Estado de São Paulo, São Paul o, Edição Saraiva, 1949, ps. 30-41 , de Emí l io Varol i ,

  • NARCEJA " Tupã quis que estes ol hos vi ssem antes de apagare.m, o gavião branco j u nto da narceja." Iracema, 1 08.

    Ave da famí l ia dos Scolopacídeos, conhecida, também, co·m o nom·e de aguchada, agachadei ra e rasga-mortalha (Capela paraguaiae paraguaiae Viei 1 1 . ) . De pequeno porte, coloração castanho-escu ro, com traços amarelos, tendo o peito e o pescoço riscados de castanho-claro . A parte ve·ntral é de tonal i·dade amarelo-ferrugem. Bico longo, de 6 a 7 cm . Prefere os brejos, onde n id i f ica, e é not ívaga. O seu vôo tem s ingu lar ru í·do. ót imo prato de cu l inári a .

    NOVI LHO " M i nha Flor não se le.mbra daque·le novi lho que e le foi pegar lá no fundo do Piauí?" O Sertanejo, 1 04, 1 55, 1 73(a) , 1 75(a} , 1 75, 1 76(a) , 1 78(a} , 1 81 -a, 1 85, 1 85-a, 1 85-a, 1 89-a, 205, 21 2, 227-as, 228-as, 236, 258, 293, 1 93. Ver BOL

    OITIBó " . . . ; e o olhar do oit ibó que vê melhor nas tre-vas." Iracema, 56, 81 .

    Também· n.oi tibó . Teodoro Sa!mpaio (O Tu pi na Geografia Nacional) re·g ista esta ú lt ima forma e dá como "voz onomatopaica de ave notu rna, agourei ra para o selvagem (Caprimulgus grandis Marti us) ." A Enciclopéd.�a Brasileira Mérito, E·d itora Mérito S . A . , anota o verbete OITIBó co,m a ind icação " B rasi l do Ceará" , e remete· o consulente para o verbete Curiango, d izendo do ani mal ser "pássaro d a famí l ia dos Capr imulg ídeos, que co:mpre·ende vários gêneros", e 0 descreve: "Talhe de cerca de 30 cm, cabeça chata e alonga·da, o lhos g randes e saltados, boca rasg ada, indo além dos olhos, p lumagem de cor marrom·ferrug ínea, pi ntada de manchas escuras" . Enumera várias espéc ies, todos de hábitos noturnos, a l imentando-se de insetos . D iz mais que o curiango "encontra-se espal hado por todo o mun·do, sendo �mais abundante nas reg iões t ropicais" . "Chamado, também·, bacurau, curiapon·ga, cu riavo, engole-vento, noit ibó e tabaco" . Entre as diversas espéc ies a l inhadas e descritas, acha-se Chordeiles acutipennis acutipennis Boddaert, de comprim·ento de cer-

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  • ca de 23 cm, reg i ão ·do rsal de cor p reta com manchas brancas, asas pretas com manchas brancas n a base das cinco

    primei ras rêmiges, retrizes p retas, co·m extremos brancos, reg ião ventral branca l ist rada de p reto . Ocorre ·em· vários Estados do Bras i l e é chamado também bacu rau . No Ceará é comum a espécie Myctidromus a/bico/is Gmelin, que é vista em outros Estados . No verbete Bacu rau está a rem issão para Curiango . O vocábu lo é de o rigem tup!guaran i : mbaé + curau. Em o Novo Dicionário Aurélio se af i rma que vem do tupi wakura wa. Cavalcânti Proença em sua Edição do Centenário, p . 336, perg u nta se oitibó ·não será e·rro. Ju lga tratar-se ·de pa lavra onomatopéica, aproximada de nojtebó, que der iva de um h ipotético latim nocti volu. Rodolpho von l her ing (Dicionário dos Animais do Brasil) af i rma que o nome é usado no norte do Brasi l para designar certas aves notu rnas ·de· g rito agoureiro . Deve, pois, ser considerado como s inôn imo da denominação su l ina curiango ou cu rivago.

    ON:ÇA "l rapuã soltou o bra!m ido da onça atacada na fu rna." Iracema, 71 . O Sertanejo, 68, 69, 69, 70, 70, 71 , 85, 1 06, 1 1 2 , 1 1 2, 1 1 6, 1 1 6, 1 1 8, 1 20, 1 21 , 125, 155, 310.

    Corresponde ao jag uar, do tu pi (Ve·r JAGUAR) . A ferocidade ·do ani .mal dá margem a comparações várias na l i ng uagem p.opular . "Amigo da onça" é o amigo fasto, que está aparentando amizade, sem a senti r ; di zer-se· que "Fu lano é uma onça" é d izê-lo valente, destemido ; "estar n a onça" é achar-se se·m di nhei ro, n a quebradeira; "hora da onça beber ág ua" equiva le ao ·mom·ento oportuno, exato; "h istórias de onça" são estórias mal contadas, imaginosas (Ver G·ustavo Barroso, Ao Som da Viola, Rio, 1949,

    p . 20 e ps. 257-267 e 265 (A onça e a raposa) . Leia-se o verbete Onça do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câ

    mara Cascudo, m u ito substancioso de comentários e de i nformações .

    OSTRA " Como a ostra que não deixa o rochedo, ainda

    41 0

    depois de morta, assi m é I racema j u nto a seu esposo." Irac em a, 1 1 4 .

    ACL_Alencar_100_anos_00382ACL_Alencar_100_anos_00383ACL_Alencar_100_anos_00384ACL_Alencar_100_anos_00385ACL_Alencar_100_anos_00386ACL_Alencar_100_anos_00387ACL_Alencar_100_anos_00388ACL_Alencar_100_anos_00389ACL_Alencar_100_anos_00390ACL_Alencar_100_anos_00391ACL_Alencar_100_anos_00392ACL_Alencar_100_anos_00393ACL_Alencar_100_anos_00394ACL_Alencar_100_anos_00395ACL_Alencar_100_anos_00396ACL_Alencar_100_anos_00397ACL_Alencar_100_anos_00398ACL_Alencar_100_anos_00399ACL_Alencar_100_anos_00400ACL_Alencar_100_anos_00401ACL_Alencar_100_anos_00402ACL_Alencar_100_anos_00403ACL_Alencar_100_anos_00405ACL_Alencar_100_anos_00406ACL_Alencar_100_anos_00407ACL_Alencar_100_anos_00408ACL_Alencar_100_anos_00409ACL_Alencar_100_anos_00410ACL_Alencar_100_anos_00411ACL_Alencar_100_anos_00412ACL_Alencar_100_anos_00413ACL_Alencar_100_anos_00414ACL_Alencar_100_anos_00415ACL_Alencar_100_anos_00416ACL_Alencar_100_anos_00417ACL_Alencar_100_anos_00418ACL_Alencar_100_anos_00419ACL_Alencar_100_anos_00420ACL_Alencar_100_anos_00421ACL_Alencar_100_anos_00422ACL_Alencar_100_anos_00423