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Um livro que apresenta as principais características dos fungos para quem precisa de saber que organismos são estes e qual o papel no ambiente e na sociedade.
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Biologia dos Fungos
Biologia dos Fungos
Cristina Beatriz
Edgar Cambaza
Universidade Eduardo Mondlane
2015
Ficha Técnica Título: Biologia dos Fungos
Autor: Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Copyright: © 2015 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Contacto: +258 82 4494050 (Edgar Cambaza)
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida
ou transmitida por quaisquer formas ou meios, electrónicos ou mecânicos,
incluindo fotocópias, gravações ou qualquer outro tipo de arquivamento de
informações, sem autorização por escrito dos autores.
Capa: Baseada na foto de Srinivasan (2006).
Atenção: o texto deste livro não está harmonizado com o novo Acordo Ortográfico.
Lista de Abreviaturas
ADN – ácido desoxirribonucleico
ADP – difosfato de adenosina
AIA – ácido indolacético
AMP – monofosfato de adenosina
ARN – ácido ribonucleico
ATP – trifosfato de adenosina
AVC – conjunto de vesículas apicais
CSA – aptidão saprofítica competitiva
DDT – diclorodifeniltricloroetano
ED – Entner-Doudorf (via metabólica)
EMP – Embden-Myerhof-Parnas (via metabólica)
EMS – Etilmetanossulfonato
GTP – trifosfato de guanosina
HMP – via (metabólica) dos fosfatos de pentoses
MBV – corpos microvesiculares
MEA – ágar com extracto de malte
OA – ágar com farinha de aveia
PDA – agar com dextrose de batata
NTG – N-metil-N-nitrosoguanidina
SCP – proteína de célula única
TCA – ácidos tricarboxílicos
VAM – micorriza arbuscular-vesicular
Prefácio
Decorria a década de 80 quando tive o meu primeiro contacto com a
Micologia, no meu curso de Biologia Vegetal e Aplicada na Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa. Não foi um contacto, digamos, agradável. Como todas
as disciplinas clássicas dos cursos de Biologia, a mesma pecava por um excesso
de taxonomia. Só muito mais tarde, já no final do meu curso, reconheci o mundo
fantástico que constitui o Reino Fungi, ao trabalhar com estes organismos num
projecto de biotecnologia aplicada à indústria farmacêutica.
As páginas que se seguem, resultam de aproximadamente 15 anos de
preparação, não constituem de modo algum uma abordagem completa a este
Reino dada a sua dimensão e heterogeneidade, mas serve de base para despertar
a curiosidade do leitor e fomentar nele o interesse de saber mais.
Não me podendo considerar uma Micologista, não padeço do fascínio pela
taxonomia que normalmente invade os mais famosos Micologistas de todos os
tempos. Por essa razão, optei por cativar o leitor com uma abordagem mais
abrangente. Quando falamos em fungos pensamos logo em cogumelos em lata
ou em micoses dos pés, mas os fungos afectam a vida humana de muitas e
variadas formas. Por essa razão temos de conhecer a sua biologia de modo a
pudermos controlar ou explorar as suas capacidades a nosso favor da melhor
forma. O estudo dos fungos cresceu de forma exponencial nos últimos 100 anos.
No entanto, eles ainda são ignorados em muitas áreas do conhecimento.
É fascinante saber que existem 3.100 espécies de bactérias descritas,
aproximadamente 5.000 vírus, 950.000 insectos, 250.000 plantas e cerca de
70.000 espécies descritas de fungos, mas estima-se que o número real de
espécies de fungos seja de um a um milhão e meio no Mundo inteiro. Apesar de
estarem entre os maiores grupos de organismos do planeta, muitos cursos de
Biologia ainda teimam em não os reconhecerem nos seus planos de estudos.
Muitos ecologistas nem sequer pensam nestes organismos ao fazerem as
suas investigações ou observações. No entanto os fungos desempenham papéis
vitais nos diferentes ecossistemas, são um componente fundamental da cadeia
alimentar, quer como decompositores (já que são heterotróficos), executam a
reciclagem da matéria orgânica necessária para os produtores, quer como
simbiontes parasitas ou mutualistas (estima-se que aproximadamente 90% de
todas as plantas na natureza tenham micorrizas, por outro lado, estima-se que um
sexto das espécies conhecidas de fungos estejam presentes na natureza como
líquenes). Alguns fungos são cultivados por termites para servirem de alimento e
diga-se que esta terá sido a mais antiga forma de agricultura do mundo.
Em geral os fungos estabelecem muitas e variadas formas de interacções
com outros organismos, vivos ou mortos. No caso das plantas, os fungos podem
ser parasitas terríficos de cultivares importantes, resultando na perda anual de
biliões dolares. No caso do ser humano, causam doenças ou mesmo a morte, quer
por invasão do organismo, quer pela produção de toxinas (micotoxinas) ou pela
ingestão de cogumelos venenosos.
Por outro lado, o seu papel nefasto não se resume ao anteriormente
descrito. Os fungos são decompositores por excelência, causando a degradação
de muitos produtos manufacturados, com excepção de alguns pesticidas.
O ser humano desde há milénios que tem vindo a explorar as capacidades
fisiológicas dos fungos (bebidas alcoólicas, pão, queijos, remédios, hormonas,
esteroides, aminoácidos etc.) em processos biotecnológicos. É interessante notar
que na antiguidade os cogumelos alucinogénios participavam em rituais religiosos
de alguns grupos de seres humanos, sendo considerados como uma forma de
comunicar com entidades divinas (etnomicologia).
Os fungos são uma excelente ferramenta para o estudo dos sistemas
eucarióticos, foram utilizados em genética para estabelecer a teoria “ um gene
uma enzima” em Neurospora crassa pelos vencedores do prémio Nobel da
medicina em 1958, Beadle e Tatum, por outro lado os Ascomycetes e a análise de
tétradas ajudaram a alguns aspectos fundamentais da genética dos Eucariotas. O
primeira eucariota a ter o seu genoma sequenciado foi a levedura Saccharomyces
cerevisiae.
A micologia estuda vários aspectos da biologia, ecologia, genética,
patologia, evolução, genética molecular, biotecnologia e, claro, sistemática e
taxonomia dos fungos. Nas páginas que se seguem estes aspectos serão
abordados, sendo a parte da taxonomia menos profunda do que geralmente é,
dada a constante modificação da mesma devido às novas técnicas moleculares
utilizadas na classificação dos organismos em geral, no entanto, é sempre
necessário saber de que organismo se trata antes de se trabalhar com ele.
Durante os anos que leccionei esta área, os fungos nunca deixaram de me
fascinar, dados os habitats bizarros que ocupam as relações que estabelecem e
as potencialidades biotecnológicas que possuem, entre muitos outros aspectos da
sua biologia e ecologia.
Tentei colocar nestas páginas os aspectos que achei relevantes da biologia
dos fungos, incluindo a sua fisiologia, as formas de crescimento, genética,
ecologia e alguns aspectos da biotecnologia, que permitam aos estudantes não
graduados uma visão ampla de um grupo tão diverso e fascinante de organismos.
Quero agradecer ao dr. Edgar Cambaza na preparação deste Manual, bem
como na edição das imagens.
Cristina Beatriz
Autora
Foi com muita alegria que abracei a Biologia dos Fungos assim que iniciei
a docência. Já me tinha apaixonado pela disciplina quando navegara pela magia
das palavras da doutora Cristina. Não há como não gostar! Os fungos são uma
componente indispensável da natureza que perfaz um reino cujo conhecimento
faz muita diferença na bagagem de qualquer biólogo. É tão importante conhecer
os fungos quanto as plantas, os animais, as bactérias e os protistas.
Não é fascinante pensar num grupo de organismos que aumenta a
produtividade das plantas, decompõe grande parte da matéria orgânica morta,
realiza a fermentação na produção do pão e vinho, dá sabor e beleza aos queijos
mais apreciados e produz os melhores medicamentos para infecções? Não é
fantástico que só este grupo degrade o plástico, um dos poluentes mais difíceis
de se eliminar? Não é formidável saber-se que fungos como Saccharomyces
cereviseae caminham sobre a vanguarda da Biotecnologia? Porque não falar dos
deliciosos cogumelos que adicionamos à pizza?
Não se negue que seja lamentável que o mesmo grupo de organismos
cause 70% das doenças das plantas, várias doenças dos animais, incluindo o ser
humano, deteriore alimentos, madeira, tinta e até vidro e combustível de avião.
Além disso, há fungos que produzem venenos, drogas psicotrópicas e poderosas
micotoxinas, algumas das quais carcinogénicas. Assim, os fungos são alvo de
atenção de inúmeros biólogos, médicos, engenheiros agrónomos e florestais, civis
e mecânicos, veterinários e muitos outros grupos profissionais.
Os fungos abriram a minha mente porque eles desafiam vários paradigmas
das ciências da vida. Por exemplo, alguns são microscópicos, mas a Armillaria é
o maior organismo do Mundo. Eles podem crescer na terra como as plantas mas
alguns produzem gâmetas flagelados, tal como os animais. Uns são unicelulares
mas outros são filamentosos, sem células, desafiando a teoria celular1. Há casos
de indivíduos com núcleos de diferente constituição genética no seu interior. Como
olhar para eles sem fascínio?
Este livro é um convite a todos os amantes do saber à exploração de um
conhecimento que de alguma forma trará benefícios. Ele abre as portas a
reflexões, desafios, à visão da importância económica e ecológica dos fungos e
vai a detalhes práticos sobre como isolar, cultivar e identificar os fungos. Nesta
viagem, explica-se quem e como são os fungos, como se reproduzem e
dispersam, de que se alimentam, como interagem com os outros organismos e
quais os benefícios de tais interacções para a natureza e humanidade.
Faço questão de ressaltar que esta obra é produto da extraordinária mente
da doutora Cristina Beatriz e, antes de reivindicar qualquer forma de autoria, deixo
claro que me vejo como mero co-piloto da tripulação que só ela poderia ter dirigido
tão bem. Eu não poderia sentir-me mais honrado. Sem mais a declarar, penso que
o livro fala por si. Boa leitura!
Edgar Cambaza
Co-autor
1 A teoria celular propõe que todos os organismos são constituídos por
células.
Agradecimento
Ao Departamento de Ciências Biológicas (DCB) da Faculdade de Ciências,
Universidade Eduardo Mondlane, por ter conduzido já há muitos anos um
programa que alberga a disciplina de Micologia, que inspirou os autores a
elaborarem este livro.
À dra. Mariamo Machado, pelo entusiasmo e empenho no ensino e na
melhoria desta disciplina e outras afins no DCB. Ao dr. Jossias Duvane, um
verdadeiro génio que muito promete como docente da equipe que leciona a
Micologia. Ao dr. Arlindo Chaúque, regente de Biotecnologia Bacteriana e
Micológica, que tem trazido mais visão do lado prático das actividades envolvendo
fungos.
Aos estudantes da disciplina que tanto apoiaram na elaboração deste
manual, especialmente Celso Alafo, Rachid Ibraim, Vânia Monteiro, Arlindo
Chidimatebue e Henriques Bimbe, que se dedicaram à elaboração do capítulo
sobre o metabolismo.
Biologia dos Fungos
i
Índice
Capítulo 1 Introdução ............................................................................... 1
1.1 Fase Vegetativa ........................................................................... 1
1.2 Importância Económica e Ecológica ............................................ 3
1.2.1 Parasitismo .............................................................................. 3
1.2.2 Saprobiose ............................................................................... 4
1.2.3 Simbiotrofismo ......................................................................... 4
1.2.4 Biotecnologia ........................................................................... 5
Capítulo 2 Estrutura e Ultraestrutura ....................................................... 8
2.1 Os fungos micelianos ................................................................... 8
2.2 As leveduras .............................................................................. 11
2.3 As paredes celulares dos fungos ............................................... 12
2.3.1 Constituição ........................................................................... 12
2.3.2 Arquitetura da parede ............................................................ 14
2.4 Os septos ................................................................................... 15
Capítulo 3 Crescimento ......................................................................... 17
3.1 O crescimento Apical das Hifas ................................................. 17
3.1.1 Mecanismo do crescimento apical ......................................... 19
3.1.2 Quitina sintetase .................................................................... 19
3.1.3 Glucano sintetase .................................................................. 21
3.1.4 Ligações cruzadas ................................................................. 21
3.1.5 Enzimas líticas ....................................................................... 22
3.1.6 O modelo “steadystate” de crescimento ................................ 22
3.1.7 A força motriz do crescimento apical ..................................... 23
3.1.8 Germinação ........................................................................... 24
3.2 Ramificação das Hifas ............................................................... 25
3.3 Cinética do Crescimento ............................................................ 27
Capítulo 4 Diferenciação ........................................................................ 32
4.1 Interconversão Morfológica do Soma ........................................ 32
4.2 Estruturas Vegetativas Especializadas ...................................... 32
4.2.1 Modificações das Hifas .......................................................... 32
4.2.2 Agregações de hifas .............................................................. 35
ii
Capítulo 5 Reprodução .......................................................................... 44
5.1 Esporóforos ................................................................................ 45
5.1.1 Esporóforos simples ............................................................... 45
5.1.2 Esporóforos compostos ......................................................... 46
5.2 Esporos ...................................................................................... 46
5.3 Reprodução Assexuada ............................................................. 49
5.3.1 Esporangiósporos .................................................................. 49
5.3.2 Conidiósporos ........................................................................ 53
5.4 Reprodução Sexuada ................................................................. 59
5.4.1 Plasmogamia ......................................................................... 59
5.4.2 Cariogamia ............................................................................. 60
5.4.3 Meiose.................................................................................... 60
5.4.4 Processos Envolvidos na Plasmogamia ................................ 61
5.5 Ciclos de Vida ............................................................................ 65
Capítulo 6 Grupos Taxonómicos ............................................................ 67
6.1 Reino Protista ............................................................................. 69
6.1.1 “Fungos” Limosos .................................................................. 69
6.1.2 Oomycota (“fungos” com parede celulósica) .......................... 74
6.2 Reino Fungi ................................................................................ 77
6.2.1 Chytridiomycota ..................................................................... 77
6.2.2 Zygomycota ............................................................................ 80
6.2.3 Ascomycota ............................................................................ 82
6.2.4 Basidiomycota ........................................................................ 88
6.2.5 Deuteromycota ....................................................................... 95
Capítulo 7 Sistemas Genéticos .............................................................. 98
7.1 Recombinação Sexual ............................................................... 98
7.1.1 Sistemas de Compatibilidade ................................................. 99
7.1.2 Partenogénese e Outros Mecanismos de Atalho ................. 100
7.1.3 Reprodução Sexuada em Basidiomycota ............................ 101
7.2 Sistemas Genéticos Alternativos .............................................. 102
7.2.1 Heterocariose ....................................................................... 102
7.2.2 Parassexualidade ................................................................. 105
Capítulo 8 Nutrição ............................................................................... 108
Biologia dos Fungos
iii
8.1 Fontes de Carbono e Energia .................................................. 110
8.2 Outras Exigências Nutricionais ................................................ 113
Capítulo 9 Metabolismo ....................................................................... 117
9.1 Produção de Energia ............................................................... 117
9.2 Vias Anapleróticas ................................................................... 119
9.3 Compostos de Translocação e Reserva .................................. 120
9.4 Metabolismo Secundário ......................................................... 121
9.4.1 Exemplos Específicos de Metabólitos Secundários ............. 123
9.4.2 Possíveis Funções dos Metabólitos Secundários ................ 126
Capítulo 10 Sucessão de Fungos na Matéria Morta ............................ 128
10.1 Sucessões Determinadas por Factores Nutricionais. .............. 129
10.2 Sucessões determinadas por factores ambientais ................... 131
Capítulo 11 Interações Biológicas ........................................................ 134
11.1 Antagonismo versus Competição ............................................ 134
11.2 Interferência Hífica ................................................................... 137
11.3 Micoparasitismo ....................................................................... 138
11.4 Vírus fúngicos .......................................................................... 140
11.5 Introdução às Associações Biológicas ..................................... 141
Capítulo 12 Fungos como Parasitas de Plantas .................................. 143
12.1 Parasitas Biotróficos Obrigatórios ............................................ 143
12.1.1 Infecção ............................................................................. 144
12.1.2 Haustórios .......................................................................... 145
12.1.3 Características do Biotrofismo ........................................... 146
12.2 Parasitas Necrotróficos ............................................................ 149
12.2.1 Enzimas Extracelulares ..................................................... 149
12.2.2 Toxinas .............................................................................. 150
Capítulo 13 Micorrizas ......................................................................... 152
13.1 Micorrizas Ectotróficas (“Sheating Mycorrhizas”) ..................... 153
13.2 Micorrizas Endotróficas (Micorrizas Arbusculares-Vesiculares)
155
13.3 Micorrizas Endotróficas das Orquídeas (um Caso Especial) ... 156
iv
13.3.1 Relações Fisiológicas entre o Fungo e a Planta Heterotrófica
157
13.3.2 Relações Fisiológicas com a Planta Autotrófica ................. 157
13.4 Outros Tipos de Associações ................................................... 158
13.5 Consequências da Associação ................................................ 158
Capítulo 14 Líquenes ........................................................................... 161
14.1 Os Ficobiontes ......................................................................... 161
14.2 Grupos Morfológicos ................................................................ 161
14.3 Distribuição do Ficobionte e Micobionte ................................... 162
14.4 Biologia Ficobionte e Possíveis Benefícios .............................. 163
14.5 Taxa de Crescimento dos Líquenes ......................................... 163
14.6 Reprodução .............................................................................. 164
14.7 Fisiologia, Metabolismo do Carbono ou Minerais ..................... 164
14.7.1 Nitrogénio ........................................................................... 165
14.7.2 Minerais.............................................................................. 165
14.7.3 Consequências Nefastas da Absorção Eficiente ................ 165
14.8 Água, Fotossíntese e Respiração ............................................ 165
14.9 Significado do Fluxo de Água ................................................... 167
Capítulo 15 Zooparasitismo ................................................................. 168
15.1 Micoses dos Vertebrados ......................................................... 168
15.1.1 Dermatófitos ....................................................................... 169
15.1.2 Micoses Subcutâneas ou de Inoculação ............................ 171
15.1.3 Micoses Sistémicas ............................................................ 172
15.2 As Micotoxicoses ..................................................................... 174
15.2.1 Micotoxicoses do Fígado e dos Rins .................................. 175
15.2.2 Micotoxicoses de outras Partes do Corpo .......................... 176
15.3 Fungos Entomopatogénicos ..................................................... 176
Capítulo 16 Listas................................................................................. 179
16.1 Principais Obras Consultadas .................................................. 179
16.2 Lista de Tabelas ....................................................................... 183
16.3 Lista de Figuras ........................................................................ 184
Capítulo 17 Apêndice ........................................................................... 193
Biologia dos Fungos
v
17.1 Fichas de Aulas de Microscopia .............................................. 193
17.2 Protocolos de Aulas Laboratoriais ........................................... 211
17.2.1 Isolamento de Fungos da Superfície Foliar (Método das
Lavagens Sucessivas – Indirecto) ............................................................. 211
17.2.2 Isolamento de Fungos Presentes no Ar ............................. 212
17.2.3 Isolamento de Fungos a partir de Alimentos Contaminados
212
17.2.4 Isolamento de Fungos do Solo .......................................... 213
17.2.5 Identificação dos Fungos Isolados ..................................... 214
17.3 Chave para a Identificação dos Fungos ................................... 217
17.3.1 Chave para as Classes dos Fungos mais Vulgares .......... 217
17.3.2 Chave para as Ordens de Classe Zygomycetes ................ 217
17.3.3 Chave para os Géneros da Ordem Mucorales .................. 218
17.3.4 Chave para a Identificação de Classes de Ascomycota .... 218
17.3.5 Chave para as Classes de Deuteromycota ........................ 219
17.3.6 Chave para os Coelomycetes ............................................ 219
17.3.7 Chaves para os Géneros mais Vulgares dos Hyphomycetes
219
17.3.8 Géneros Amerósporos ....................................................... 223
17.4 Glossário .................................................................................. 226
vi
Biologia dos Fungos – Introdução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 1
Capítulo 1 Introdução
Durante muito tempo, os fungos foram considerados plantas. No entanto,
um acumular de características distintivas os tornou merecedores de um reino
exclusivo: o reino fungi. Ao contrário das plantas, os fungos são capazes de
sintetizar compostos orgânicos a partir de dióxido de carbono, iões inorgânicos e
água. Deste modo, os fungos são organismos heterotróficos para o carbono.
Distinguem-se dos animais na medida em que não são capazes de ingerir sólidos.
Os fungos, tais como as plantas, possuem parede celular mas, ao contrário
das segundas, esta nunca é constituída por verdadeira celulose e apresenta, com
frequência alguma quitina. Os seus ciclos de vida são únicos. Muitos apresentam
dois fenótipos distintos, mas contemporâneos. O holomorfo, ou seja, a totalidade
do organismo fúngico, consiste frequentemente de um estado teleomórfico que se
reproduz sexualmente pela formação de esporos meióticos, ditos “perfeitos”, e um
estado anamórfico que se reproduz assexuadamente pela produção de esporos
mitóticos, ditos “imperfeitos”.
Já foram descritas mais de 63.500 espécies de fungos isolados e
aproximadamente 13.500 associadas a algas nos líquenes. Os fungos
verdadeiros, ou Eumycota, podem ser encontrados em cinco subdivisões -
Mastigomycotina, Zygomycota, Ascomycota, Basidiomycota e Deuteromycota.
1.1 Fase Vegetativa
Embora a maioria dos fungos apresente uma organização vegetativa do
tipo miceliano (Figura 1.1), sendo correntemente designados bolores, existem
três excepções a esta regra:
Alguns fungos apresentam um tipo de crescimento leveduriforme
quando unicelulares. O soma levedureforme caracteriza-se,
geralmente, por células globosas, ovoides, elípticas, cilíndricas ou
apiculadas. O soma levedureforme pode ser gemíparo (quando a
multiplicação vegetativa se dá por gemulação) ou cissíparo (quando a
multiplicação se faz por fissão binária. Em determinadas condições
ambientais, algumas leveduras do tipo gemíparo podem produzir
estruturas filamentosas denominadas conjuntamente de pseudomicélio
(as sucessivas gémulas não se separam, criando-se uma estrutura
Biologia dos Fungos – Introdução
2 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
pseudofilamentosa facilmente desagregável). Se a estrutura
filamentosa for formada por uma levedura cissípara, então ela é
denominada verdadeiro micélio. A distinção entre estes dois tipos de
micélio baseia-se na forma dos septos, espessura da parede e nas
dimensões relativas das células terminais e subterminais;
Alguns fungos, pertencentes à classe Chytridiomycota, apresentam
formas vegetativas unicelulares, grandes e globosas, ou então cadeias
de células primitivamente ramificadas. Em ambos casos podem existir
rizoides, que permitem a aderência ao substrato e facilitam a absorção
de nutrientes - crescimento quitridiano;
Os “fungos limosos” são extremamente atípicos, já que não possuem
parede celular e muitas vezes ingerem alimentos por fagocitose. São
semelhantes, em muitos aspectos, aos protozoários, razão pela qual
alguns deveriam ser colocados juntamente com animais inferiores.
Figura 1.1 As principais formas de crescimento dos fungos.
Todos os fungos, excepto os casos indicados, apresentam uma
organização vegetativa do tipo miceliano, aparentemente mais vantajosa. As
principais diferenças entre as fases vegetativas de diferentes fungos não residem
Biologia dos Fungos – Introdução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 3
em aspectos morfológicos, mas sim em características fisiológicas. No entanto, se
desviarmos a nossa atenção para as estruturas reprodutivas, deparamos com
uma enorme diversidade, quer no tamanho e na forma dos esporos, quer no
processo de diferenciação dos mesmos. Estas diferenças não são apenas
cosméticas. Elas reflectem as necessidades específicas que cada fungo possui
de se dispersar de forma apropriadas no seu habitat.
1.2 Importância Económica e Ecológica
Os fungos são organismos extremamente versáteis e complexos, capazes
de se adaptar a vários tipos de vida (parasitismo, saprobiose, simbiose) e habitats,
o que lhes confere papel ecológico importante. As vastas capacidades
metabólicas têm sido amplamente utilizadas pelo Homem ao longo dos tempos,
sendo hoje uma ferramenta imprescindível de um novo ramo da ciência e da
indústria, ao qual se dá o nome de biotecnologia.
1.2.1 Parasitismo
Os fungos estão perfeitamente adaptados ao fitoparasitismo: as
extremidades das hifas conseguem penetrar a superfície intacta das plantas
invadindo, em seguida, os tecidos internos. Se o parasita causa a morte do
hospedeiro, é denominado patogénico. Cerca de 70% das mais importantes
doenças são causadas por fungos2.
Alguns fungos parasitam outros fungos (micoparasitas), outros parasitam
insectos (entomopatogénicos) e outros ainda parasitam nematodes
(nematofágicos). Estes tipos de fungos são importantes na medida em que
podem actuar como reguladores naturais de populações alguns destes fungos são
comercializados como agentes controladores, em programas de controlo
biológicos de pragas.
Em contraste com as doenças das plantas, os fungos causam
relativamente poucas doenças no Homem e em outros animais de sangue quente.
Os dermatófitos crescem nas unhas, na pele, nos pelos e no cabelo, causando
doenças tão comuns como o “pé-de-atleta”. Um número restrito de fungos causa
micoses internas, que afectam principalmente o fígado e os pulmões. Tais
2 Em 1943, aproximadamente dois milhões de pessoas morreram em África
devido a uma doença do arroz provocada pelo Helminthosporium oryzae.
Biologia dos Fungos – Introdução
4 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
doenças, embora raras, podem ser fatais em pessoas diabéticas ou com
deficiências imunitárias.
1.2.2 Saprobiose
Os fungos sapróbios são extremamente importantes em quase todos os
habitats naturais e artificiais. Possivelmente, não existe nenhuma matéria orgânica
natural que não possa ser degradada por um ou outro fungo, e a capacidade de
penetração das hifas fúngicas permite-lhes degradar materiais estruturalmente
complexos, como a madeira e a cutícula dos insectos.
Os fungos produzem a maioria das enzimas (depolimerases) envolvidas na
degradação da celulose e lenhina e, logo, asseguram a reciclagem do carbono e
dos nutrientes minerais permitindo um crescimento contínuo. Por outro lado, os
fungos produzem, como resultado a sua actividade sapróbia, polímeros
extremamente complexos e resistentes, os quais são importantes constituintes do
ácido húmico, que constitui uma fracção do húmus do solo. Este tipo de actividade
é normalmente denominada biodegradação, sendo essencial para a biosfera.
Em contraste, os fungos também causar a biodeterioração, uma
característica indesejável do ponto de vista do Homem, já que resulta em elevados
prejuízos materiais: os fungos causam a deterioração de alimentos, apodrecem a
madeira, destroem peles naturais e artificiais, crescem nas paredes das casas, em
obras de arte, constituem um problema sério para a indústria de lubrificantes,
tintas, vernizes, etc.
Muitas vezes a actividade degradativa, per si, é de menor importância
comparada com os efeitos secundários dessa mesma actividade: (1) o fungo
Amorphotheca resinae cresce no combustível dos aviões e, devido à sua
actividade, provoca a corrosão do alumínio das paredes dos tanques dos aviões;
(2) alguns fungos responsáveis pela deterioração de determinados alimentos
produzem potentes micotoxinas, como as aflatoxinas. Sabe-se que as aflatoxinas
são causadoras do cancro do fígado.
1.2.3 Simbiotrofismo
Praticamente todas as plantas superiores apresentam relações de simbiose
com fungos, ao nível das raízes – micorrizas. Esta associação é normalmente
benéfica para ambos e, por vezes, o hospedeiro não pode prosperar sem os
benefícios oriundos do simbionte. As micorrizas melhora a absorção mineral pelas
Biologia dos Fungos – Introdução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 5
plantas, que possuem geralmente um sistema de protecção para impedir que o
fungo cause danos nas raízes. Pensa-se que a planta fornece ao fungo açúcares
e aminoácidos. Em determinadas associações, a presença do fungo é essencial
para a sobrevivência da planta (orquídeas).
Os líquenes constituem outra forma de associação simbiótica, que envolve
fungos e algas. Uma outra forma de associação menos conhecida, mas de modo
algum menos espetacular, estabelece-se entre alguns fungos e diferentes tipos de
insectos.
1.2.4 Biotecnologia
Os fungos podem ser utilizados directamente na alimentação (cogumelos)
ou indirectamente na produção da cerveja, de vinhos, do pão (Saccharomyces
cerevisiae), etc. Muitos queijos, como Brie, Stilton, Gorgozola, Roquefort e
Camembert (Figura 1.2), são produzidos com a ajuda de diferentes fungos que
crescem na sua superfície, conferindo-os o odor, sabor e a consistência que lhes
são característicos.
Figura 1.2 Queijos Roquefort (à esquerda) e Camembert (à direita). A coloração escura sobre a superfície de Camembert é resulta da presença do fungo Penicillium roqueforti. Fonte: Grupo Virtuous (2014).
Existe actualmente um crescente interesse na produção de proteínas de
célula única (SCP) a partir de fungos, tanto como fonte de alimento para o
Homem como para os animais (rações). Nos dias de hoje, nos países
industrializados, é adicionada à farinha do pão 1% de levedura liofilizada
(Saccharomyces cerevisiae) de modo a suplementar proteicamente este alimento.
No entanto, existe um constante obstáculo por parte da opinião pública ao
Biologia dos Fungos – Introdução
6 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
consumo de alimentos microbianos. De qualquer forma, vários fungos são
inutilizados actualmente no processo SCP, com vista à sua comercialização:
Fusarium graminearum, Paecilomyces sp., Candida utilis, Saccharomyces
cerevisiae, etc. Uma das grandes vantagens deste processo é a produção de
grandes quantidades de proteínas em pouco tempo e com um mínimo de encargos
financeiros, já que os meios de cultura podem consistir de detritos ou subprodutos
industriais tais como parafina líquida, líquidos enxofrados, metanol, etanol, etc.
Além do seu papel na produção de alimentos, os fungos são utilizados em
muitos processos industriais importantes. Por exemplo, o fungo Aspergillus niger
é utilizado na produção de ácido cítrico o qual é, por sua vez, utilizado na
produção de refrigerantes, compotas, gelatinas, vinhos, etc. Actualmente, produz-
se no Mundo 300.000 toneladas de ácido cítrico por ano. Os fungos estão também
envolvidos na produção de outros ácidos orgânicos: ácido itacónico, glucónico,
fumárico, málico, oxálico, etc.
Outros produtos de origem fúngica de extrema importância, e que mudaram
o curso da medicina moderna, são os antibióticos, dos quais podemos destacar:
as penicilinas, produzidas comercialmente pelo fungo Penicillium chrysogenum,
que actuam ao nível da parede das bactérias. As cefalosporinas, produzidas pelo
Cephalosporium sp., que actuam ao nível da síntese da parede das bactérias
Gram+, e a griseofulvina, produzida pelo Penicillium griseofulvum.
Outro grupo de metabólitos secundários produzidos comercialmente por
fungos é o das giberelinas.
Não só os metabólitos são explorados comercialmente pelo Homem. As
enzimas produzidas pelos fungos revestem-se de interesse comercial.
Aproximadamente 95% das enzimas de origem fúngica são produzidas pelo
Aspergillus niger. A -amilase, a amiloglicosidase, as pectinases e as protéases
destacam-se como as mais importantes enzimas de origem fúngica actualmente
comercializadas. A primeira é utilizada, por exemplo, na conversão do amido em
maltose e maltotriose, na indústria da panificação. A amiloglicosidase é utilizada,
juntamente com a anterior, na obtenção da glicose e maltose, durante a produção
de melaços. As pectinases são muito utilizadas na clarificação de sumos de frutas
e vinhos. Uma protéase específica, produzida pelo Mucor meihei, é utilizada como
um substituto da renina na produção de queijos.
Biologia dos Fungos – Introdução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 7
A grande vantagem da utilização de enzimas reside na sua especificidade
e a grande desvantagem no seu preço. A este respeito, um avanço recente da
ciência, a imobilização de biocatalizadores com vista à sua recuperação a partir
do meio de reacção, veio permitir uma redução considerável nos custos de
produção abrindo um campo infinito à utilização de enzimas microbianas.
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
8 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 2 Estrutura e Ultraestrutura
2.1 Os fungos micelianos
A hifa é essencialmente um tubo que consiste de uma parede celular rígida
que delimita uma massa protoplasmática móvel. Pode apresentar um
comprimento indeterminado, mas normalmente possui um diâmetro relativamente
constante, que varia de 1 a 30 m. A porção terminal da hifa, o ápice, é
denominada zona de extensão. Nesta região, a actividade metabólica é muto
elevada, já que é a este nível que o crescimento da parede é mais intenso (Figura
2.1).
Figura 2.1 Ultraestrutura da hifa. Legenda: AVC – aglomeração de vesículas aplicais; G – corpúsculo de Golgi; ER – retículo endoplasmático; N – núcleo; W – parede; P – hialoplasma; R – ribossomas; V – vacúolo; MT – microtúbulos; M – mitocôndria; S – septo; Wo – corpúsculo de Woronin; SP – obturador do septo; Chlam – clamidósporo; Gl – glicogénio; Aut – autólise; MW – parede melanizada; L – lípido. Adaptado de Deacon (2006).
Os fungos “superiores” apresentam paredes transversais (septos) ao longo
das hifas. Estes septos estão ausentes nas hifas dos fungos “inferiores”, excepto
quando surgem de forma a isolar zonas envelhecidas ou as estruturas
reprodutoras. De qualquer forma, a distinção entre hifas septadas e não-
septadas (Figura 2.2) não tem muito significado em termos funcionais porque os
septos são normalmente perfurados e permitem a passagem de citoplasma e
mesmo de núcleos. Deste modo, na realidade, as hifas não são constituídas por
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 9
células mas sim por compartimentos, e o conceito de um núcleo governar um
volume fixo de citoplasma3 não se aplica à maioria dos fungos.
Figura 2.2 Hifa septada (A) e asseptada (B). Fonte: Campbell, Plescia, and Fillmore (2013).
A membrana citoplasmática geralmente encontra-se aderida firmemente
à parede da hifa, sendo difícil a sua plasmólise. Nalguns pontos, no entanto, a
membrana parece proliferar, formando estruturas denominadas lamossomas ou
plasmalemossomas (Figura 2.1). Pensava-se que estas estruturas poderia ter
uma função secretória ou apenas consistir em excessos da membrana. Hoje,
sabe-se que são artefactos do processo de preservação.
O compartimento apical contém vários núcleos, ao passo que os
compartimentos subapicais apresentam um ou dois. Estes núcleos apresentam a
mesma constituição que os núcleos de outros organismos eucariotas, da mesma
forma que os principais organitos celulares não diferem daqueles dos outros
eucariotas – mitocôndrias, retículo endoplasmático, vacúolos, ribossomas,
vesículas secretórias, etc.
O hialoplasma 4 do compartimento apical é normalmente denso, e os
vacúolos pequenos, quando presentes. Na extremidade apical há poucos
organitos mas muitas vesículas apicais (AVC). Acredita-se que tais vesículas
desempenhem um papel importante no crescimento das hifas.
3 Frequentemente associado à teoria celular. 4 “Hialoplasma” é um termo conveniente usado neste livro no lugar de
“citoplasma”. O problema é que o citoplasma advém da palavra grega kytos, que significa “célula”. Os fungos micelianos não possuem células como unidades estruturais e funcionais.
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
10 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Os vacúolos começam a surgir nos compartimentos subapicais. A princípio
são pequenos, tornando-se progressivamente maiores e parecendo coalescer à
medida que se anda para trás ao longo da hifa (Figura 2.1), até que ocupam
praticamente todo o compartimento, restringindo o citoplasma e o núcleo a uma
pequena zona periférica.
Em associação com cada septo, existem um ou mais corpúsculos de
Woronin, matrizes proteicas electrodensas rodeadas por membranas lipídicas,
que se pensa actuarem na obstrução dos septos de modo a isolarem os
compartimentos das hifas à medida que envelhecem ou sofrem de diferenciação.
Nas zonas mais velhas das hifas, o citoplasma e mesmo a parede podem
sofrer autólise ou, alternativamente, podem ser destruídos por enzimas líticas
produzidas por outros microrganismos. Em associação com este processo, alguns
compartimentos podem acumular quantidades consideráveis de lípidos e
glicogénio, e desenvolver uma parede secundária extremamente espessa e
geralmente pigmentada. Estas estruturas, denominadas clamidósporos, são
extremamente resistentes a condições adversas e actuam como estruturas de
dormência5 (Figura 2.3).
Figura 2.3 Clamidósporos de Fusarium sp.. Fonte: Bueno (2006).
Os clamidósporos persistem, como esporos de dormência, no local onde
são produzidos, em vez de se dispersarem para novos ambientes, esperando que
as condições se tornem adequadas ao crescimento vegetativo. Deste modo, a
5 Equivalentes aos endósporos das bactérias.
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 11
dispersão é meramente temporal. Os clamisdósporos são formados por um
grande número de fungos do solo.
2.2 As leveduras
As leveduras não constituem um grupo taxonómico natural, mas
apresentam algumas estruturas básicas que podem ser descritas. Tome-se como
exemplo a Saccharomyces cerevisiae. Esta levedura apresenta um único núcleo,
um vacúolo grande e central, os organitos citoplasmáticos normais e uma
mitocôndria ramificada (Figura 2.4).
A célula reproduz-se por gemulação. A gêmula separa-se da célula-mãe
por meio de um septo, o que conduz ao aparecimento de cicatrizes na célula-
mãe e na gêmula. O processo pode ser unipolar (as gêmulas formam-se num dos
polos da célula-mãe), bipolar (formam-se nos dois polos da célula) ou multipolar
(em qualquer ponto).
Figura 2.4 Morfologia externa (à esquerda) e interna (à direita) da levedura. Fonte: Souza (2011).
Durante o ciclo celular da levedura, a membrana nuclear permanece intacta
e o núcleo sofre constrição, indo uma das partes para a célula-filha (Figura 2.5).
Os ribossomas mitocondriais das leveduras e dos fungos filamentosos são
do tipo 70s, ou seja, semelhantes aos das bactérias. Por isso, a síntese de
proteínas mitocondriais dos fungos é afectada pelo antibiótico bacteriano
clorafenicol.
As células de algumas espécies de leveduras apresentam um
revestimento extracelular viscoso e aderente. A maioria destas cápsulas
mucilaginosas é constituída por polissacarídeos. As células velhas possuem
parede espessas, o que as torna extremamente resistentes às condições
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
12 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
desfavoráveis. Em muitas espécies, as paredes apresentam-se impregnadas de
pigmentos que lhes conferem a sua cor típica (amarela, rosa, laranja, negra, etc.).
Figura 2.5 Ciclo de vida de uma levedura. Fonte: Nash (2013).
A sua capacidade armazenamento de grandes quantidades de
carbohidratos, lípidos, proteína e vitaminas torna-os ideais como suplementos
alimentares, tanto na dieta humana como em rações para animais.
2.3 As paredes celulares dos fungos
2.3.1 Constituição
A parede celular dos fungos desempenha funções importantes, tornando
essencial a compreensão da sua estrutura. A parede determina a forma das
células como tal e o tipo de crescimento que o fungo apresenta – miceliano ou
leveduriforme. O tipo de estruturas diferenciadas que um fungo pode produzir é
uma consequência directa dos componentes da parede e da forma como estes
são reunidos durante o crescimento ou a diferenciação.
A parede actua como uma interfase entre o fungo e o meio que o rodeia,
protege a célula da lise e de metabólitos de outros organismos, é um local de
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 13
ligação de determinadas enzimas e pode apresentar propriedades antigénicas, às
quais governam as interacções entre os fungos e outros organismos.
Uma análise grosseira da composição das paredes celulares revela uma
predominância de polissacarídeos e a presença de quantidades significativas de
proteínas e lípidos. Os polissacarídeos diferem tanto quantitativa como
qualitativamente nos diferentes grupos taxonómicos (Tabela 2.1). A composição
da parede não pode ser vista como fixa. Mesmo dentro da mesma espécie ela
varia, tanto quantitativamente como qualitativamente, durante as diferentes fases
do ciclo de vida do organismo.
Tabela 2.1. Grupos taxonómicos dos fungos e a composição química das paredes celulares. Adaptado de Deacon (2006).
Grupo taxonómico Composição
Acrasiomycetes Celulose-glicogénio
Oomycetes Celulose-glucano
Hyphochytridiomycetes Celulose-quitina
Zygomycetes Quitina-quitosana
Chytridiomycetes, Ascomycotina, Basidiomycotina, Deuteromycotina
Quitina-glucano
Hemiascoycetes: Saccharomycetaceae e Criptococcaceae
Manano-glucano
Basidiomycotina: Sporobolomycetaceae Manano-quitina
Trichomycetes Poligalactosamina-galactano
Em geral, as paredes celulares de todos os fungos contêm uma mistura de
componentes fibrilares e amorfos (ou de matriz) (Tabela 2.2).
Tabela 2.2 Principais constituintes da parede celular dos fungos.
Grupo Substância Descrição
Aminopolissacarídeos Quitina Polímero linear de N-acetil-D-
glucosamina com ligações -1,4
Quitosana Forma desacetilada da quitina
Polissacarídeos (não aminados)
Glucosanas Polímeros da glicose com
ligações -1,3, -1,6 e -1,3
Manosanas Polímeros de manose (ocorrem em leveduras)
Celulose Ocorre em Oomycota
Proteínas Complexos polissacarídeo-proteína em ligação covalente
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
14 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Os componentes fibrilares, como quitina e celulose, consistem de
moléculas lineares capazes de se agregar firmemente. A celulose, encontrada nas
paredes celulares de determinados fungos, apresenta-se fracamente cristalizada,
pelo que não deve ser pura mas sim um polímero complexo de cadeia ramificada,
com uma mistura de ligações -1,3 e -1,4. A componente amorfa é constituída
pelas manosanas e glucosanas (hemiceluloses), proteínas e polímeros de
galactose-amina.
2.3.2 Arquitetura da parede
Não é conhecida a arquitetura de todas as paredes celulares das diferentes
classes de fungos. Para o nosso estudo vamos tomar como exemplo a parede da
Neurospora crassa (Figura 2.6). Ela consiste de quatro regiões que se fundem
gradualmente umas com as outras, mas que por conveniência são mostradas
como camadas separadas.
A arquitetura mostrada na figura corresponde a uma parede celular
“madura” com uma espessura aproximada de 125 nm. Na zona apical, a parede é
mais fina (± 50 nm) e de constituição mais simples: uma camada interna
constituída por quitina embebida numa matriz proteica (camada fibrilar) e uma
camada externa constituída principalmente por glucanos (camada amorfa).
Figura 2.6 A arquitetura da parede numa região “madura” (subapical) da hifa de Neurospora crassa. a – camada de glucanos amorfos (80 – 90 nm); b – retículo de glicoproteínas embebidas em proteínas; c – camada de proteínas mais ou menos discreta; d – microfibrilas de quitina embebidas em proteína; e – membrana plasmática. Fonte: Deacon (2006).
Podemos concluir que existe deposição de material de parede para trás da
zona apical, com vista a formar novas camadas. Este novo material vai contribuir
para a rigidez e “força” da parede, à medida que esta “amadurece”. De facto, nas
zonas velhas do micélio e em muitos esporos, podem ocorrer outros materiais
ainda da parede, verificando-se um aumento significativo da percentagem dos
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 15
lípidos (especialmente nas paredes dos esporos) e a deposição de pigmentos
como as melaninas. Pensa-se que o papel dos lípidos é o de ajudar a prevenir a
dissecação dos esporos e contribuir as propriedades da parede.
2.4 Os septos
Os septos são encontrados nas hifas de quase todos os fungos
filamentosos estando, no entanto, ausentes na maioria dos Oomycota e
Zygomycota. Os septos podem actuar como suportes estruturais das hifas. Em
relação a este aspecto, é notável que as hifas septadas suportam muito melhor a
dessecação que as asseptadas. Estas estruturas são a primeira linha de defesa
contra danos na hifa: os septos ficam obstruídos pelos corpos de Woronin à
medida que as hifas envelhecem, ou quando estas sofrem qualquer tipo de dano.
Os septos também desempenham uma função importante ao contribuírem para a
diferenciação, já que os mesmos podem isolar compartimentos adjacentes para
que diferentes eventos bioquímicos e fisiológicos ocorram separadamente (os
fungos “inferiores” formam septos completos que isolam as regiões da colónia que
estão a sofrer diferenciação).
Podemos distinguir diferentes tipos de septos (Figura 2.7), mas existem
dois que mais frequentes: o septo simples, encontrado na maioria dos
Ascomycota e Deuteromycota, e o septo dolipórico, mais complexo e encontrado
na maioria dos Basidiomycota.
O septo simples apresenta um único poro central de grandes dimensões
(0,05 a 0,5 m). O septo dolipórico apresenta um pequeno poro, de 100 a 150 nm
de diâmetro, limitado por dois rebordos de material de parede amorfo. De cada
lado deste poro central existem duas membranas perfuradas, em forma de
parêntesis, denominadas parentossomas, que parecem ser modificações
especiais do retículo endoplasmático. Este tipo de septo permite que o citoplasma
circule nos compartimentos mas restringe o movimento dos núcleos. Por esta
razão, os membros de Basidiomycota tendem a ter um arranjo nuclear mais
regular em relação à maioria dos restantes fungos.
Os septos fornecem-nos um interessante exemplo de crescimento
localizado da parede: desenvolvem-se rapidamente, em poucos minutos, de forma
centrípeta a partir da parede celular, o que envolve uma modificação local da
mesma, obviamente. A organização deste crescimento localizado da parede,
Biologia dos Fungos – Estrutura e Ultraestrutura
16 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
longe da região principal de crescimento (o ápice), é pouco entendida mas as
evidências apontam para um processo altamente regulado. Por exemplo, em
vários fungos a formação dos septos coincide com locais de divisão nuclear.
Figura 2.7 Tipos de septos. Imagem de Barron (2008).
Em Aspergillus nidulans, o processo de formação dos septos tem uma
sequência notável. Os compartimentos apicais, neste fungo, contêm vários
núcleos e crescem até atingirem o dobro do seu comprimento inicial. Em seguida,
os núcleos dividem-se e forma-se um septo na região mediana do compartimento
apical. Por fim, desenvolve-se uma série de septos no novo compartimento
subapical, que resultam na formação de vários compartimentos pequenos, cada
um com um ou dois núcleos.
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 17
Capítulo 3 Crescimento
3.1 O crescimento Apical das Hifas
Já é do nosso conhecimento que as hifas apenas crescem ao nível dos
ápices. As paredes podem-se espessar consideravelmente para trás desta zona,
mas raramente sofrem distensão. Este tipo de crescimento, extremamente
polarizado, contrasta com o crescimento intercalar observado noutros organismos
filamentosos, nos quais qualquer célula do filamento pode aumentar de tamanho
e sofrer divisão.
Este tipo de crescimento dos fungos, dito apical, só encontra paralelo num
pequeno grupo de algas, nos pelos radiculares e tubos de polinização das plantas
superiores. Ele é uma característica especializada dos fungos, de certa forma,
com acentuada relevância ecológica.
A zona apical das hifas é uma região onde a parede celular é
aparentemente menos espessa e mas plástica. É nesta zona que se dá o
alongamento da hifa (zona de extensão). Para trás desta região, a parede torna-
se espessa e rígida em virtude da deposição de constituintes da parede
recentemente sintetizados e do aumento acentuado das ligações entre os
diferentes polímeros.
A actividade metabólica no compartimento apical da hifa é,
comparativamente, mais intensa do que no resto do filamento. Na zona apical
detecta-se uma acumulação de pequenas vesículas, com a exclusão de todos
outros organitos, os quais se acumulam, em grande número, na zona subapical.
Nos micélios com compartimentos multinucleados é evidente a concentração de
núcleos na zona subapical, estando estes envolvidos na síntese de novos
componentes.
Apesar da intensa actividade metabólica da zona apical, existem hifas que
crescem com taxas tão elevadas que não podem ser explicadas, e mantidas,
apenas pela síntese de componentes celulares ao nível da zona apical. O que
quer dizer que estes ápices têm de receber materiais de compartimentos celulares
mais atrás. Na verdade, tem-se observado um movimento de citoplasma em
direcção à zona apical, proveniente das zonas mais anteriores. Esta corrente
citoplasmática unidirecional ocorre juntamente com a corrente bidirecional, ou
Biologia dos Fungos – Crescimento
18 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
ciclose, que é mais lenta. Deste modo, todo o micélio contribui, de certa forma,
para o crescimento apical das hifas.
Durante o seu crescimento, as hifas vão sofrendo ramificações. As hifas
que surgem por ramificações de outras têm o mesmo tipo de crescimento apical e
podem, por sua vez, sofrer ramificação (figura 3.1).
Figura 3.1 Estágios de desenvolvimento de uma colónia fúngica a partir de um esporo em germinação. Fonte: Lepp (2012).
Os ramos que vão surgindo vão divergindo uns dos outros, o que faz com
que o micélio avance no substrato de forma centrífuga e radial. A ramificação
das hifas aumenta a densidade do micélio para trás da margem circular de
crescimento. À medida que a colónia vai progredindo, na região central,
normalmente exausta de nutrientes, surgem novos ramos que ao contrário de
divergir sofrem anastomose, criando desta forma uma malha apertadas de hifas.
A presença de muitas pontes de anastomose dá origem a uma rede micelar
complexa que possibilita uma corrente citoplasmática constante e eficiente (figura
3.2). Esta corrente permite o transporte de materiais para as zonas de
crescimento, ou para compartimentos individuais, nas zonas velhas da colónia,
com vista à formação de clamidósporos ou outras estruturas diferenciadas. A
anastomose permite, também, a troca de núcleos entre diferentes indivíduos de
uma mesma espécie.
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 19
Figura 3.2 Imagens de um vídeo mostrando o processo de anastomose de duas hifas compatíveis de Rhizoctonia solani. O tempo (t) é representado em minutos depois do início da gravação. A hifa de cima parou de crescer no tempo t0 mas começou a produzir uma ramificação (indicada pelo sinal “>”) no tempo t6 em resposta do ápice que se aproxima. As extremidades das hifas encontram-se no tempo t14. A dissolução das paredes das extremidades e a fusão completa das hifas terminou no tempo t32. Fonte: McCabe, Gallagher, and Deacon (1999).
3.1.1 Mecanismo do crescimento apical
As microfotografias mostram sempre uma grande abundância de vesículas
ao nível dos ápices das hifas em crescimento, sugerindo que as vesículas estão
intimamente envolvidas no mecanismo de crescimento. Pensa-se que estas
vesículas se formam nos complexos de Golgi da região subapical migrando, em
seguida para o hialoplasma da zona apical, com o qual se fundem libertando,
assim, os seus conteúdos ao nível da parede.
O conteúdo da maioria das vesículas não foi caracterizado, mas o grande
corpo de evidências existente permite construir uma imagem do crescimento da
parede ao nível do ápice (Figura 3.3). Alguns dos possíveis conteúdos são
discutidos em seguida.
3.1.2 Quitina sintetase
A enzima quitina sintetase catalisa a síntese das cadeias de quitina. Sabe-
se que estas cadeias são formadas in situ ao nível do ápice. Elas não são
transportadas em vesículas até ao ápice. Quando se testam homogenatos de hifas
in vitro quanto à actividade enzimática, a quitina sintetase é encontrada sob duas
formas: (i) numa forma inactiva nos quitossomas e por vezes nas membranas; e
(ii) numa forma activa intimamente associada às membranas.
Já vimos (no Capítulo 2) que os quitossomas assemelham-se a algumas
das microvesículas presentes nos ápices das hifas. No entanto, a “concha” que
rodeia o quitossoma não é uma membrana fosfolipídea. Sendo assim, os
Biologia dos Fungos – Crescimento
20 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
quitossomas poderão ser empacotados em membranas de forma a serem
transportados até ao ápice, talvez nos corpos microvesiculares (MVB). A forma
inactiva da quitina sintetase, quando inserida na membrana, tem de ser activada
por uma protéase que provavelmente atinge o ápice noutras vesículas. O
substrato atinge a parte da enzima que se localiza a face interna da membrana
celular via citosol de forma que, à medida que as cadeias de quitina são
sintetizadas, vão sendo expelidas ao nível da face externa da membrana, que está
em contacto com a parede.
Figura 3.3 Diagramas mostrando a organização do crescimento da parede (em cima) e os possíveis componentes da parede celular (em baixo). G – complexo de Golgi; M – microtúbulos; V – vacúolos.
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 21
Torna-se claro que devem existir mecanismos para regular a actividade da
enzima durante o crescimento da parede. Esta regulação poderia ser conseguida
parcialmente pelo controlo do transporte das protéases que activam a enzima,
parcialmente pelo controlo da taxa de entrega do substrato e pela acção dos
inibidores enzimáticos. Sabe-se que o citosol contém um inibidor da quitina
sintetase.
3.1.3 Glucano sintetase
Esta enzima catalisa a síntese dos -1,3. Tal como a quitina sintetase
pensa-se que esta enzima atinja o ápice em vesículas sendo depois integrada na
membrana dessa região. O substrato UDP-glicose atinge a enzima via citosol. A
actividade da glucano sintetase é regulada de forma diferente da suposta para a
quitina sintetase. A enzima é composta por duas subunidades, uma das quais (na
face externa da membrana) possui o sítio catalítico e a outra (na face interna) é
uma proteína onde se liga a guanosina trifosfato (GTP-binding protein). Pensa-se
que a enzima seja activada quando o GTP atinge a face citoplasmática da
membrana. Então, as cadeias de glucanos são sintetizadas e expelidas para a
parede. A nível da parede, estas cadeias de glucanos parecem sofrer em seguida
mais modificações, sendo-lhes adicionadas ligações -1,6 para produzir os
glucanos ramificados dos fungos. O número destas ligações aumenta
acentuadamente para trás do ápice, mas não foi encontrada qualquer enzima que
execute este processo. Como tal, ele pode ocorrer espontaneamente.
3.1.4 Ligações cruzadas
Vários tipos de ligações cruzadas surgem entre os principais polímeros
constituintes da parede após estes terem sido inseridos na parede, e o
estabelecimento destas ligações parece ocorrer progressivamente para trás do
ápice da hifa. Por exemplo, nos ápices recém-formados é possível isolar glucanos
puros. No entanto, nas regiões mais para trás, os glucanos sofrem aparentemente
complexação com a quitina. Para além do aparecimento destas ligações
intermoleculares, as cadeias individuais de quitina associam-se umas às outras
por meio de ligações de hidrogénio, formando assim as microfibrilas. Os glucanos
também se associam entre si. Todas estas ligações adicionais que se
estabelecem para trás do ápice em crescimento poderão servir para converter a
Biologia dos Fungos – Crescimento
22 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
parede inicialmente plástica numa parede progressivamente mais rígida e
estruturada.
3.1.5 Enzimas líticas
Existem opiniões divergentes no que respeita à necessidade da
participação das enzimas líticas no processo de crescimento apical. Por um lado,
foi sugerido que a parede existente ao nível do ápice teria de sofrer um certo grau
de degradação de forma a permitir a inserção de novos componentes. Deste
modo, o crescimento apical envolveria um certo grau de lise da parede bem como
certo grau de síntese. Estes dois processos devem estar em equilíbrio, de modo
a assegurar que a parede não se torne demasiadamente fraca nem forte ao nível
do ápice.
Consistente com esta ideia está o facto de se ter detectado a presença da
quitinase, celulase e -1,3-glucanase em fracções da parede das hifas, apesar de
estas enzimas poderem estar presentes ao nível da parede na sua forma latente.
Além disso, as enzimas líticas dos componentes da parede estão
necessariamente envolvidas na ramificação das hifas, quando novos ápices são
criados a partir de uma parede madura preexistente. O facto de, ocasionalmente,
os ápices das hifas incharem e rebentarem quando imersos em água tem sido
utilizado como mais uma evidência a favor da hipótese da existência de actividade
de enzimas líticas ao nível do ápice. O facto de as hifas conseguirem suportar
pressões de turgidez consideráveis tem sido utilizado como evidência a favor da
ideia de que a parede do ápice deverá ser bastante rígida e, como, tal, terá de ser
continuamente degradada durante o crescimento.
Por outro lado, trabalhos recentes mostraram que os ápices das hifas
possuem um citoesqueleto bem desenvolvido que poderá fornecer suporte
estrutural de modo que a parede ao nível do ápice poderá ser verdadeiramente
plástica não necessitando da intervenção das enzimas líticas. Se as enzimas
líticas estão realmente envolvidas no processo de crescimento da parede, então
elas terão de ser transportadas em vesículas.
3.1.6 O modelo “steadystate” de crescimento
Weesels (1990) propôs o modelo “steadystate” de crescimento da parede
em que é desnecessário o envolvimento de enzimas líticas. De acordo com este
modelo, a parede recém-formada ao nível do ápice é viscoelástica (fluída) de
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 23
modo que esta flui para fora e para trás à medida que novos componentes da
parede são adicionados ao nível do ápice (Figura 3.4). Então, a parede rigidifica
progressivamente em virtude da formação de novas ligações entre os
componentes da parede, nas regiões para trás do ápice.
Figura 3.4 Diagrama representando o modelo steady-state do crescimento apical da hifa.
Mas, como é que uma hifa com parede essencialmente fluída consegue
resistir à pressão de turgidez? A resposta pode ser: a malha de microfibrilas de
actina providencia suporte estrutural. Jackson e Heath (1990) investigaram este
ponto com o fungo Saprolegnia ferax (Oomycota). Eles mostrara que o tratamento
das hifas com citocalasina E causava ruptura da “malha” de microfibrilas de actina
e conduzia inicialmente a um aumento na taxa de extensão apical. Em seguida,
os ápices inchavam e rebentavam. A região mais fraca do ápice, mais susceptível
de sofrer ruptura, não era a extremidade do ápice onde a “malha” de microfibrilas
de actina é mais densa mas sim as regiões laterais onde a actina é menos densa
e a parede possivelmente ainda não rigidificou o suficiente para compensar a
fraqueza do citoesqueleto.
3.1.7 A força motriz do crescimento apical
Tem havido muita especulação sobre a possibilidade de campos eléctricos
ou iónicos estarem envolvidos no crescimento apical, porque os ápices das hifas
em crescimento, tal como de muitas outras células com crescimento apical (pelos
radiculares, tubos de polinização, etc.), geram campos eléctricos à sua volta.
Outros estudos sugerem que tais campos estão intimamente envolvidos na
absorção dos nutrientes e não no crescimento propriamente dito. Em vez disso,
Biologia dos Fungos – Crescimento
24 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
os componentes do citoesqueleto tornaram-se os candidatos mais fortes à força
motriz do crescimento apical. Isto é compatível com muitos estudos efectuados
em células animais onde protuberância tais como os pseudópodes parecem ser
formados pela polimerização da actina.
Ainda pouco se sabe sobre o citoesqueleto e as suas funções nas hifas
fúngicas, mas estudos com Saprolegnia (Oomycota) mostraram que os ápices
conseguem crescer mesmo quando as hifas possuem uma turgidez insignificante
porque, provavelmente, a força matriz da extensão apical consiste na
polimerização da actina. Estes resultados parecem pôr de parte a hipótese da
pressão de turgidez ser a força motriz responsável pelo alongamento das hifas.
Existe uma grande abundância de actina nos ápices hifais e tanto a extensão
apical como a corrente citoplasmática podem ser paradas pelo tratamento do
fungo com citocalasinas que se ligam à actina.
O papel dos microtúbulos no crescimento apical é mais problemático. O
crescimento apical pode ser cessado pela acção de fungicidas do grupo dos
benzimidazois e pela grisofulvina, que interferem com a actividade dos
microtúbulos. Coincidente com a paragem do crescimento dá-se uma diminuição
progressiva no número de vesículas ao nível do ápice. Sendo assim, os
microtúbulos devem estar de alguma forma envolvidos no crescimento apical:
podem constituir uma armação através da qual as vesículas são direcionadas ao
ápice, ou podem activamente transportar as vesículas.
As evidências actuais sugerem que o citoesqueleto, pela interacção com
as proteínas motoras (por exemplo, miosina) e o cálcio, possui um papel central
no crescimento apical. O ápice poderá ser empurrado para frente pela
polimerização da actina (com uma parede viscoelástica que não oferecerá
resistência a essa pressão), o protoplasma mover-se-á em direcção ao ápice pela
acção da interacção das proteínas motoras com os componentes do citoesqueleto
e as vesículas também poderão ser transportadas ao ápice pelos componentes
do citoesqueleto.
3.1.8 Germinação
Na maioria dos fungos, a germinação dos esporos envolve uma fase inicial
em que estes aumentam de volume, em consequência de um processo de
hidratação (não envolve qualquer actividade metabólica). Esta fase é seguida por
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 25
um novo aumento de volume devido à actividade metabólica do esporo. Durante
esta última fase, ocorre deposição de novos componentes da parede, de uma
forma mais ou menos uniforme, na camada mais interna da parede do esporo. Por
fim, surge o tubo de germinação, uma jovem hifa numa zona localizada do
esporo (Figura 3.5).
Figura 3.5 Fases da germinação de um esporo de Aspergillus niger. Fonte: Deacon (2006).
Durante a fase anterior à formação do tubo de germinação, a maioria dos
novos componentes da parede são depositados numa zona que será mais tarde
o ápice do tubo de germinação. Resumindo, a germinação dos esporos envolve
uma fase inicial de crescimento não-polarizado da parede, seguida de uma fase
de crescimento polarizado. Ainda não se sabe ao certo quais os mecanismos que
determinam o local aonde se formam os novos ápices, mas sabe-se que estão
envolvidos factores de ordem interna e externa (por exemplo, a tensão de
oxigénio).
3.2 Ramificação das Hifas
A simples observação de colónias em ágar revela um certo número de
pontos relevantes ao processo de ramificação:
Os fungos mostram dominância apical. A maioria das hifas sofre
ramificação apenas a determinada distância para trás dos seus ápices.
Deste modo, o sistema de hifas lembra um pinheiro de natal, em que os
ramos se tornam progressivamente mais longos e, por sua vez,
ramificados, à medida que nos distanciamos do ápice principal da hifa.
Não é conhecida a forma como este controlo é exercido, mas não existe
evidência da implicação de hormonas;
Os novos ramos tendem a divergir uns dos outros, preenchendo as
lacunas entre as hifas já existentes. Nesta base pode-se assumir que
as hifas respondem a gradientes de nutrientes, afastando-se das zonas
de escassez que rodeiam as hifas já existentes, ou então que elas
Biologia dos Fungos – Crescimento
26 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
respondem negativamente a produtos metabólicos produzidos por
outras hifas;
A densidade de uma colónia fúngica, ou seja, o número de ramificações
que apresenta, está directamente relacionada com o nível de nutrientes
no meio. Deste modo, as colónias estão esparsamente ramificadas em
meios pouco ricos e densamente ramificadas e meios ricos. De qualquer
forma, a “força” do meio tem um efeito mínimo na taxa de crescimento
linear da colónia. Dentro de certos limites, uma colónia atinge o mesmo
tamanho, num determinado tempo, quer num meio rico ou pobre em
nutrientes. Pode-se então generalizar que os ápices preexistentes na
margem da colónia parecem ter uma demanda prioritária de nutrientes.
Quaisquer nutrientes desnecessários ao crescimento destes ápices
serão utilizados na ramificação.
Os novos “ramos” surgem pelo desenvolvimento de novos ápices à medida
que a colónia cresce e sintetiza novo protoplasma. Os novos ápices podem surgir
a partir de praticamente qualquer ponto ao longo da hifa, no entanto raramente se
desenvolvem perto do ápice a não ser que o mesmo tenha sido danificado. Com
frequência, os novos ápices surgem imediatamente atrás dos septos,
provavelmente porque os septos interrompem até um certo grau o fluxo do
citoplasma de modo que as vesículas poderão acumular-se nessa região.
Seja como for, a produção de um “ramo” requer a produção de um novo
ápice a partir da parede celular madura preexistente. Como tal, esta deverá ser
precedida por um processo de “amolecimento” da parede. Este processo poderá
envolver a “entrega” localizada de enzimas líticas da parede transportadas em
vesículas, mas uma outra possibilidade é que as enzimas líticas poderão já estar
na parede, à espera de activação.
Estes pontos não são só de interesse puramente académico, já que eles
estão directamente relacionadas com o comportamento dos fungos nos seus
habitats naturais. Por exemplo, o micoparasita Phythium oliogandrum (Oomycota)
consegue penetrar e destruir uma hifa de outro fungo após cinco minutos de
contacto entre os dois (Figura 3.6). É quase certo que neste processo de
penetração estão envolvidas enzimas e tem sido assumido que estas são
produzidas pelo micoparasita.
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 27
Figura 3.6 Esquema representando a interacção entre o micoparasita Pythium oligandrum (P) e o hospedeiro Trichoderma aureoviride (T). Fonte: Laing and Deacon (1991).
No entanto, a produção de enzimas líticas dos componentes da parede
pelos micoparasitas é um fenómeno induzido pela presença de componentes da
parede dos hospedeiros. Estas enzimas são tipicamente detectadas em filtrados
dos meios de cultura de micoparasitas 24 horas após a adição de substratos
indutores. É debatível se estas enzimas extracelulares induzíveis poderão ser
produzidas (e ter tempo para actuar) pelo micoparasita após cinco minutos de
contacto com o hospedeiro. Uma possibilidade alternativa, ainda que não
demonstrada, é que o P. oligandrum poderá activar de forma localizada as
enzimas líticas presentes nas paredes da hifa do hospedeiro. Seja como for, este
exemplo demonstra a rapidez e o controlo preciso e localizado do processo de
ramificação e dissolução da parede durante a interacção das hifas.
3.3 Cinética do Crescimento
A Figura 3.7 mostra uma curva de crescimento típica de um organismo
unicelular (levedura), em cultura líquida sob condições de temperatura, pH,
arejamento e agitação próximas das óptimas. A curva apresentada é típica de
culturas batch, nas quais todos os nutrientes são adicionados no início da mesma.
Trata-se de um sistema fechado.
Observa-se uma fase inicial denominada lag, seguida por uma fase de
crescimento exponencial, uma fase de desaceleração, uma fase estacionária
e por fim uma fase de autólise ou morte celular (as mesmas fases são
apresentadas por um fungo miceliano com crescimento em superfície). O fim da
fase exponencial e o início das fases subsequentes são condicionados por
Biologia dos Fungos – Crescimento
28 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
diferentes factores, que podem atuar em conjunto ou isoladamente: exaustão de
um ou mais nutrientes, insuficiência de oxigénio, alteração do pH (por produção
excessiva de ácidos orgânicos), acumulação de metabólitos a níveis tóxicos, etc.
Figura 3.7 Curva de crescimento de um organismo unicelular em cultura batch.
Os fungos filamentosos também apresentam uma fase de crescimento
exponencial, quer em cultura líquida quer em meio sólido. No entanto, na maioria
dos casos, os fungos filamentosos dificilmente mantêm esse tipo de crescimento
em culturas submersas com agitação, em virtude de normalmente formarem
pellets (colónias tridimensionais esféricas). As taxas de difusão de nutrientes e
oxigénio para o interior do pellet, e a saída dificultada de produtos metabólicos,
rapidamente limitam o crescimento à periferia do pellet.
As culturas batch (Figura 3.8) reproduzem as condições dos ambientes
naturais em que vários fungos crescem. São utilizadas comummente em
processos industriais, em virtude de durante as fases de desaceleração e
estacionária serem produzidos e acumulados vários produtos metabólicos de
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 29
interesse comercial (por exemplo, antibióticos, enzimas, ácidos orgânicos, etc.).
As culturas batch são também utilizadas no fabrico de cervejas e vinhos, porque
o álcool se acumula nas culturas durante as fases de desaceleração e
estacionária.
Figura 3.8 Biorreactores batch. Na sua essência, um biorreactor é um recipiente, de dimensão variável, onde são misturados o meio de cultura e o biocatalizador em condições óptimas de reacção. A temperatura e o pH são cuidadosamente regulados. Ar estéril, por vezes com oxigénio, é borbulhado no meio de reacção. Em qualquer altura do processo, podem ser retiradas amostras, para ensaios químicos e biológicos. De modo a evitar possíveis contaminações, procede-se à injecção de vapor de água através de todas as válvulas de admissão, o que as mantém esterilizadas. No fim do período de reacção, que pode variar de horas a dias, o reactor é esvaziado de modo que o produto (ou produtos) possa ser isolado e purificado. Imagem de Allbiom .
A alternativa à cultura batch é a cultura contínua. Em poucas palavras,
este tipo de cultura envolve a adição contínua de meio de cultura novo e a remoção
de um volume correspondente de meio “antigo”, juntamente com algumas células
microbianas. As culturas contínuas são utilizadas tanto para leveduras como para
fungos filamentosos, mas no último caso é necessário utilizar uma lâmina
misturadora que quebre o micélio, evitando a formação de pellets.
Biologia dos Fungos – Crescimento
30 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Tanto as culturas batch como as contínuas são cuidadosamente
monitoradas e automaticamente ajustadas de modo a manter o pH, a temperatura
e concentração de oxigénio a níveis desejados. São também vigorosamente
agitadas de forma a facilitar o movimento de produtos metabólicos para longe das
células e dos nutrientes e oxigénio na sua direcção.
A forma mais vulgar de operar em contínuo é o quimiostato. O organismo
é cultivado num meio de cultura no qual um determinado nutriente está presente
a uma concentração abaixo da óptima de crescimento, todos os outros nutrientes
estão presentes em excesso. Sendo assim, este nutriente torna-se um substrato
limitante do crescimento. A taxa de crescimento pode ser manipulada apenas pelo
ajuste do fluxo de meio de cultura através do fermentador, ou seja, através da
variação da taxa de diluição. O organismo mantém-se em crescimento
exponencial, mas a taxa de crescimento depende da taxa de diluição e pode ser
ajustada a qualquer nível desejado, até cerca de metade da taxa máxima de
crescimento.
A utilização de culturas contínuas oferece algumas vantagens: podemos
obter uma produção contínua de células, em sistema de quimiostato podemos,
também, produzir continuamente vários metabólitos secundários, tais como
antibióticos. A razão pela qual os metabólitos secundários são só produzidos
durante a fase estacionária, em culturas batch, deve-se ao facto de a sua
produção ser reprimida por altas concentrações de um ou mais substratos como
a glicose. Uma outra vantagem da cultura contínua é a sua possível utilização em
estudos de vários tipos. Por exemplo, a fisiologia de um organismo pode ser
modificada quer pela alteração do substrato limitante ou simplesmente pelo
ajustamento da taxa de diluição. Este último ponto é bem ilustrado na seguinte
experiência com S. cerevisiae: se a glicose é utilizada como substrato limitante,
então, a baixas taxas de diluição (crescimento lento), as células da levedura
acumulam-se e a taxas elevadas (metabolismo rápido) dá-se a acumulação de
etanol. A levedura muda da produção de células (biomassa) para a produção de
etanol em condições que favorecem um metabolismo rápido, mesmo sendo a
glicose o factor limitante do crescimento em ambas casos.
Na prática, as culturas batch são ainda as mais utilizadas nos processos
industriais (por vezes são modificadas pela adição periódica de nutrientes –
sistema fed batch), devido principalmente a factores de ordem económica. Por
Biologia dos Fungos – Crescimento
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 31
outro lado, a cultura contínua apresenta uma séria desvantagem: o organismo
pode sofrer mutação. Na cultura batch é possível periodicamente retornar à estirpe
original.
Biologia dos Fungos – Diferenciação
32 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 4 Diferenciação
Em termos simples a diferenciação pode ser definida como uma série de
eventos regulados que conduz, num organismo, a uma alteração de um estado
para outro. Estes estados podem ser de natureza morfológica, fisiológica ou
ambas. A germinação de esporos e a produção de metabólitos secundários são
exemplos de diferenciação fisiológica mas, neste momento, vai-se centrar a
atenção nas alterações morfológicas como forma de introduzir a variedade de
estruturas produzidas pelos fungos no estado vegetativo.
4.1 Interconversão Morfológica do Soma
Alguns fungos possuem a capacidade de alterar a sua forma de
crescimento de miceliano a leveduriforme e vice-versa em resposta a
determinados factores de natureza ambienta, ou em resposta a condições de vida
diferentes. Assim, podemos distinguir fungos dimórficos, em que a
interconversão morfológica do soma é controlada pela alteração de factores
ambientais, em saprobiose, e os fungos difásicos, quando o dimorfismo reflecte
duas condições de vida diferentes, parasitismo e saprobiose.
4.2 Estruturas Vegetativas Especializadas
4.2.1 Modificações das Hifas
4.2.1.1 Rizoides
Os rizoides são ramificações do soma em forma de raízes curtas (Figura
4.1), na base de estruturas unicelulares de pequena dimensão ou de
esporangióforos. Grupos de rizoides estão normalmente ligados entre si por
pequenas estruturas aéreas denominadas estolhos.
Figura 4.1 Rhyzopus stolonifer a crescer no pão (à esquerda), com ampliação mostrando o estolho, rizoides e esporangióforos (no meio). À direita, um quitrídio (Chytridium confervae) exibindo rizoides. Observe-se o estolho. Adaptado de Encyclopædia Britannica (2013) e União Europeia (2010).
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 33
4.2.1.2 Apressórios e hifopódios
Os apressórios e hifopódios são produzidos por um grande número de
fungos parasitas (de plantas, insectos e micoparasitas) durante a fase de
penetração no hospedeiro. Consistem de protuberâncias simples ou lobuladas de
tubos de germinação (apressórios) ou de hifas vegetativas (hifopódios). A sua
função é ancorar o fungo à superfície do hospedeiro, por intermédio de secreções
mucilaginosas, enquanto uma fina hifa de penetração invade as células do
mesmo (Figura 4.2).
Figura 4.2 À esquerda, apressório de Phytophthora sp. e hifopódio de uma micorriza arbuscular. Existem outras estruturas, tais como haustórios e arbúsculos, que aumentam a superfície de contacto entre os fungos e os respectivos hospedeiros. À direita, conídios de Pyricularia oryzae com tubos de germinação e apressórios. Imagem à esquerda de Rey and Schornack (2013) e à direita de R. J. Howard, obtida através de Vincelli (2006).
4.2.1.3 Haustórios
Haustórios são estruturas especializadas na absorção de nutrientes, típicas
dos fungos fitoparasitas obrigatórios, que invadem as células do hospedeiro
(Figura 3.4). O fungo parasita não chega a penetrar realmente a célula do
hospedeiro: o hialoplasma da célula invadida sofre invaginação, de modo a
acomodar o haustório do fungo invasor. A parede que delimita o haustório (do
latim haustor = bebedor) permanece intacta e é completamente envolvida, na
maioria dos casos, por uma bainha de material amorfo (matriz extrahaustorial)
possivelmente secretada pelo hospedeiro.
Biologia dos Fungos – Diferenciação
34 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 4.3 Invasão de uma folha por um fungo que forma haustórios. Fonte: Grupo Virtuous (2014).
No entanto, a sua composição difere da parede celular do mesmo. Sendo
assim, o fungo e o hospedeiro vivem em contacto estreito, separados apenas pela
parede do primeiro, a matriz extrahaustorial e o hialoplasma do segundo (Figura
4.4). A presença de um haustório no interior de uma célula permite aumentar
grandemente a sua área superficial envolvida na troca de nutrientes.
Figura 4.4 Complexo haustorial. Para passar do hospedeiro para o fungo, os nutrientes devem atravessar a membrana extrahaustorial, a matriz extrahaustorial, a parede haustorial e a membrana plasmática do haustório. Fonte: Szabo and Bushnell (2001).
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 35
4.2.1.4 Armadilhas
As armadilhas (Figura 4.5) são estruturas especiais, apresentadas por
fungos predadores (que colonizam o solo e capturam nemátodos), que variam
de hifas viscosas a anéis formados por ramificações de hifas que se enrolam e
sofrem anastomose. Uma das mais espectaculares armadilhas consiste de um
anel composto por três células capazes de aumentar de volume instantaneamente
quando tocadas na superfície interna.
Figura 4.5 À direita, microfotografia de um nemátodo preso em armadilha com o formato de anéis. À esquerda fotos mostrando o processo de constrição de um anel de hifa e um nemátodo preso pelo anel. Imagens obtidas através de Launer (2013).
4.2.2 Agregações de hifas
4.2.2.1 Cordões micelianos e rizomorfos
Já foi discutida anteriormente a forma como a variação na densidade de
uma colónia miceliana permite uma utilização mais eficiente dos nutrientes
disponíveis. Em alternativa, as hifas podem sofrer agregação e formar cordões
micelianos e rizomorfos de forma que o fungo se possa expandir por meio destes.
Embora os dois termos sejam utilizados indistintamente com frequência para
caracterizar qualquer estrutura morfologicamente semelhante a um cordão, é
necessário frisar que estes definem duas estruturas fúngicas cuja ontogenia é
totalmente diferente, apesar de serem superficialmente indistintos quando
maduros amiudadas vezes. As duas estruturas consistem de agregados lineares
de hifas com capacidade de crescer unidireccionalmente.
Os cordões micelianos e rizomorfos forma-se as margens de colónias de
micélios vegetativos ou a partir de estruturas denominadas esclerócios (que serão
Biologia dos Fungos – Diferenciação
36 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
abordadas ainda neste capítulo). A maioria apresenta uma capacidade ilimitada
de extensão, podendo-se estender por vários metros desde que estejam ligados,
na base, a uma fonte de nutrientes (colónia mãe). Estas estruturas estendem-se,
normalmente, através de substratos inadequados ao crescimento vegetativo
normal, servindo como estruturas de colonização. Uma vez atingido um substrato
capaz de suportar o crescimento normal, estas estruturas dão origem a um micélio
vegetativo ou a estruturas reprodutivas.
Estas estruturas são particularmente características de fungos que
produzem corpos de frutificação de grandes dimensões e que colonizam áreas
superficiais extensas (por exemplos, bosques e matas). Alguns fungos que
infectam as raízes de árvores formam rizomorfos que podem crescer através do
solo e iniciar um novo foco de infecção bastante afastado do inicial (por exemplo,
Armillaria mellea). Os cordões micelianos e rizomorfos estão praticamente
confinados aos Hymenomycetes e Gasteromycetes de Basidiomycota.
Cordão ou feixe miceliano
O cordão ou feixe miceliano (Figura 4.6) é uma estrutura especial de
translocação ou colonização. É relativamente simples e desenvolve-se a partir
de hifas normais, quando as ramificações “correm” paralelamente e permanecem
unidas e compactadas em torno da hifa “mãe”, em vez de divergirem desta.
Figura 4.6 Modelo de cordões micelianos debaixo de um grupo de cogumelos (à esquerda) e microfotografia mostrando o corte transversal de um cordão miceliano (à direita). Observem-se as hifas condutoras (largas e ocas) cercadas por inúmeras fibrilares. Retirado de AMA e Frances M. Fox (1987).
A presença de materiais de cimentação ajuda a manter as hifas unidas, ao
mesmo tempo que a estrutura do feixe é consolidada pela presença de numerosas
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 37
pontes de anastomose entre as diferentes hifas que o constituem. Num feixe
podemos distinguir pelo menos três tipos diferentes de hifas: hifas condutoras,
volumosas, com paredes extremamente espessas e sem conteúdo citoplasmático,
hifas fibrilares, estreitas, com paredes espessas e praticamente sem lúmen, e
hifas normais, metabolicamente activas.
Pensa-se que as hifas condutoras actuem como os vasos xilémicos das
plantas, já que apresentam pouca resistência ao movimento da água. Por outro
lado, as hifas fibrilares possuirão um papel estrutural, protegendo e mantendo a
integridade das hifas condutoras. Apesar de existir esta diferenciação ao nível das
hifas, não se verifica qualquer arranjo ordenado das mesmas. Os vários tipos de
hifas estão dispostos ao acaso e firmemente compactados por materiais de
cimentação.
O fungo Serpula lacrymans tem sido utilizado exaustivamente em estudos
sobre os processos envolvidos no desenvolvimento de cordões micelianos. Foi
sugerido que a hifa principal liberta compostos azotados para o meio que a rodeia,
o que induziria os ramos a não divergirem desta. Os cordões micelianos são
comuns nas espécies de Agaricus, incluindo A. bisporus e em muitas espécies
fitoparasitas.
Rizomorfo
O rizomorfo (do grego rhiza = raiz + morfe = forma) é também uma estrutura
de colonização e translocação. Os rizomorfos distinguem-se dos cordões
micelianos por apresentarem um notável grau de crescimento coordenado e
serem capazes de sofrer ramificação.
Nos rizomorfos mais diferenciados como a Armillaria mellea existe uma
zona de crescimento “multicelular” especial, localizada a aproximadamente 25
m do ápice do rizomorfo, que é equivalente ao ápice radicular das plantas
superiores (meristema radicular). Logo atrás da zona de crescimento existe uma
zona de absorção e logo atrás desta o rizomorfo é considerado maduro (Figura
4.7).
Biologia dos Fungos – Diferenciação
38 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 4.7 Rizomorfo. Fonte: Deacon (2006).
A zona “madura” do rizomorfo é constituída por uma medula central
consistindo de hifas de parede fina e de algumas fibrilares. Esta medula emerge
progressivamente numa medula externa e no córtex. O córtex é constituído por
hifas de parede muito espessa envolvidas por uma mucilagem electrodensa. A
camada mais externa desta zona constitui uma “casca” e é formada por hifas com
paredes celulares densamente pigmentadas ou melanizadas. À medida que o
rizomorfo envelhece, a medula central sofre colapso dando origem a um canal
central condutor de oxigénio.
O trabalho de Smith e Griffin (1971) veio esclarecer o comportamento dos
rizomorfos na natureza. Foi demonstrado que o ápice do rizomorfo necessita de
permanecer hialino para que haja crescimento. Isto é normalmente conseguido
pela elevada taxa metabólica da região, consumindo o oxigénio pela respiração e
mantendo a pressão parcial de O2 (PO2) abaixo de 0,03 no exterior do ápice do
rizomorfo. Mais atrás no rizomorfo, as células respiram mais lentamente e a
pressão parcial de O2 aproxima-se da do ar (0,21). Então, a superfície do rizomorfo
sofre melanização, sendo este um processo que oxidação que envolve a
polimerização de resíduos fenólicos.
A importância deste processo torna-se evidente quando o rizomorfo cresce
em direcção a ambientes relativamente secos como, por exemplo, os arenosos.
Nestes casos, o oxigénio difunde-se mais rapidamente em direcção ou ápice
(10.000 vezes mais rapidamente no ar do que na água) e a taxa respiratória não
é suficiente para manter a PO2 a níveis baixos porque a película aquosa que
normalmente rodeia o ápice do rizomorfo torna-se mais fina. Por esta razão, o
ápice sofre melanização e o crescimento cessa. Em resposta, forma-se um novo
“ramo”, mais atrás no rizomorfo, que pode explorar novas regiões no solo. Esta
simples sequência de eventos permite que o rizomorfo colonize ambientes
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 39
adequados, assegurando, também, que este se mantenha a uma profundidade ais
ou menos constante, suficientemente próximo da superfície, de modo que o
oxigénio se difunda até ao rizomorfo, mas não tão próximo que o ápice sofra
dessecação.
Função dos cordões micelianos e rizomorfos
No que respeita o crescimento, os cordões micelianos e rizomorfos podem
ser vistos como estruturas que permitem que o fungo se alastre em substratos
inadequados, em termos de disponibilidade de nutrientes, permanecendo ainda
ligadas ao micélio que os originou. Por outro lado, a sua principal função parece
ser a translocação de nutrientes de uma colónia já estabelecida de forma a permitir
que o fungo colonize à distância um novo substrato.
As vantagens conferidas pela posse destas estruturas aos fungos parasitas
de raízes de árvores e aos que colonizam saprobioticamente bosques e florestas,
são fáceis de se entender. Elas não só permitem que os parasitas alcancem as
raízes de outras árvores a grande distância, como também providenciam um
fornecimento abundante de nutrientes que podem ser utilizados na penetração de
barreiras mecânicas, tais como a periderme das raízes, ou na síntese de vários
complexos enzimáticos necessários à invasão bem-sucedida de tecidos tão
resistentes como os que constituem as raízes. Uma simples hifa ou um esporo
não oferecem tal potencial. Além disso, o canal central do rizomorfo permite a
difusão do oxigénio até ao local do ataque, o que possibilita a ocorrência do
metabolismo aeróbio, mesmo a profundidades razoáveis no solo. De igual forma,
os fungos responsáveis pela biodegradação de matéria vegetal morta (troncos,
raízes, folhas, etc.) podem deparar com substratos com limitadas fontes de
carbono e azoto prontamente disponíveis. Nestes casos, a colonização bem-
sucedida do novo substrato depende da translocação de quantidades apreciáveis
de nutrientes através do cordão miceliano ou rizomorfo. Estes nutrientes
asseguram a síntese de enzimas líticas extracelulares (celulases, hemicelulases,
etc.) as quais iniciam a degradação do substrato viabilizando a sua colonização.
Esta capacidade confere-lhes uma vantagem inicial sobre os fungos que não
produzem tais estruturas.
Biologia dos Fungos – Diferenciação
40 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
4.2.2.2 Plectênquimas
O micélio sofre organização dando origem a tecidos de densidade e firmeza
variáveis durante determinadas fases do ciclo de vida de muitos fungos. O termo
plectênquimas é utilizado para designar todos os tipos de tecidos fúngicos
organizados (Figura 4.8).
Figura 4.8 Plectênquimas. A - pseudoparênquima; b - prosênquima. Imagem de Maruthi (2014).
Podemos reconhecer dois tipos principais de plectênquimas:
prosênquimas, constituídos por hifas fracamente agregadas que se dispõem
mais ou menos paralelamente, tipicamente alongadas e distinguíveis, e
pseudoparênquimas, constituídos por células mais ou menos isodiamétricas, ou
ovais, fortemente agregadas devido a pressões mútuas, assemelhando-se às
células que constituem o parênquima das plantas vasculares. Neste tipo de tecido,
as hifas perdem a sua individualidade, tornando-se mais curtas e diferenciadas
em células. Por outras palavras, perdem o seu carácter hifal.
Os prosênquimas e pseudoparênquimas compõem vários tipos de
estruturas somáticas e reprodutivas por muitos fungos. Duas dessas estruturas
somáticas são os estromas e esclerócios. Os estromas são estruturas somáticas
compactas constituídas por matrizes densas de hifas que, por vezes, incluem
fragmentos de substrato, que podem formar corpos de frutificação (Figura 4.9).
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 41
Figura 4.9 Estroma de ergot (Claviceps purpúrea). Na periferia do “chapéu”, observam-se peritécios, onde se localizam os ascos que albergam os seus esporos. Imagem tirada de Holt (2013).
Esclerócios
Os esclerócios (do grego skleros = duro) são, na maioria dos casos,
estruturas relativamente maciças, constituídas por hifas fortemente agregadas,
com crescimento definido. No entanto, os esclerócios podem diferir muito na
forma, dimensão e complexidade, variando desde agrupamentos celulares
facilmente desagregáveis, como forma irregular e de dimensões reduzidas (menos
de 100 m de diâmetro) até estruturas relativamente compactas, redondas, com
20 cm ou mais de diâmetro. No entanto, maioria destas estruturas não excede 5
mm de diâmetro, sendo normalmente constituídas por plectênquimas.
Os esclerócios contêm quantidades substanciais de materiais de reserva,
como o manitol, a trealose, o glicogénio e muitas vezes lípidos, servindo tanto
como estruturas de sobrevivência e propagação como de armazenamento. Estas
estruturas sobrevivem independentemente do micélio que lhes deu origem,
suportando condições mais severas de crescimento (temperaturas muito baixas
ou elevadas, secura, etc.) e por períodos mais longos que qualquer outro tipo de
estrutura de resistência.
Biologia dos Fungos – Diferenciação
42 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Para muitos fungos parasitas de plantas os esclerócios constituem a única
forma de sobrevivência na ausência de um hospedeiro adequado. Os esclerócios
são característicos de certos géneros tais como Claviceps, Sclerotinia, Sclerotiou
e Typhula, dos quais muitas espécies são parasitas. Alguns esclerócios são
capazes de sobreviver no solo por períodos muito longos, apesar de serem
atacados por vários microrganismos. Os esclerócios de Sclerotium cepivorum
podem apresentar 70-80% de germinação depois de 4 anos no solo, os de
Verticillium dahliae podem persistir no solo durante 14 anos. Quando as condições
se tornam favoráveis, as abundantes reservas endógenas são utilizadas para a
germinação do esclerócio, podendo formar-se um micélio vegetativo ou estruturas
de reprodução.
A figura 4.11 ilustra a estrutura de esclerócios maduros de Paxillus
involutus, Cenococcum geophilum e Sclerotium hydrophilum. Podemos verificar a
existência de um anel periférico (casca) constituído por células mortas embebidas
numa matriz extracelular. Segue-se um córtex constituído por um tecido
pseudoparenquimatoso, com células volumosas de parede espessas e
fortemente melanizadas. A zona mais interna é denominada medula, que é
prosenquimatosa e constituída por hifas de armazenamento (com reservas
substanciais de glicogénio, lípidos ou trealose), na maioria dos casos embebidas
numa matriz mucilaginosa.
As melaninas presentes nas paredes celulares não só as tornam
impermeáveis como também reduzem, ou evitam, a sua lise. Estes pigmentos
protegem fisicamente a quitina e as glucosanas presentes na parede, em virtude
de envolverem estas moléculas, ao mesmo tempo que inibem a actividade de
quitinases e glucanases produzidas por outros microrganismos. Sem este tipo de
protecção, qualquer estrutura de dormência, armazenamento ou translocação
(clamidósporos, esclerócios, rizomorfos, etc.) tornar-se-ia uma fonte rica de
nutrientes para qualquer tipo de organismo antagonista.
Biologia dos Fungos – Diferenciação
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 43
Figura 4.10 Esclerócios maduros de Paxillus involutus (em cima, à esquerda), Cenococcum geophilum (em cima, à direita; aberto) e Sclerotium hydrophilum (em baixo; corte transversal). Na foto de baixo, note-se a casca, o córtex (massa densa de células) e a medula (mais dispersa). As imagens de cima são de F. M. Fox (1986) e a de baixo de New Brunswick Museum (2013c).
Biologia dos Fungos – Reprodução
44 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 5 Reprodução
A reprodução é um conjunto de eventos que conduz à produção de novos
indivíduos com as características típicas da espécie. A maioria dos fungos é capaz
de se reproduzir tanto sexual como assexualmente. Em geral, a reprodução
assexuada é a mais importante para a propagação da espécie, porque resulta na
produção de um elevado número de indivíduos e o seu ciclo é repetido
amiudamente. Em alguns fungos, o ciclo sexual ocorre uma vez em cada ano. A
diferenciação das estruturas reprodutoras em fungos, dependente do potencial
genético de cada organismo, é normalmente condicionada por factores
ambientais.
“... as condições para o crescimento vegetativo e a reprodução são
diferentes. Antes de o organismo se tornar competente para a produção de
estruturas reprodutoras é necessário um período mínimo de crescimento
vegetativo, durante o qual se sintetizam metabólitos, enzimas ou nutrientes
essenciais à reprodução. Esta é muitas vezes induzida quando algum factor
externo ou interno, frequentemente nutrientes, se torna limitante para o
crescimento vegetativo. As condições externas indutoras da reprodução são, em
geral, mais específicas e menos diversas que as permissíveis do crescimento
vegetativo”.
Morton (1967)
Durante a formação das estruturas reprodutora, sexuais e assexuais, todo
o soma pode ser convertido em uma ou várias destas estruturas. Deste modo, as
fases somática e reprodutiva não ocorrem simultaneamente no mesmo indivíduo.
Os fungos que apresentam esta característica são denominados holocárpicos
(do grego holos = todo + karpos = fruto). No entanto, na maioria dos fungos, as
estruturas reprodutoras formam-se a partir de porções determinadas do soma,
continuando o restante com a sua actividade vegetativa normal. Os fungos
pertencentes a esta categoria são denominados eucárpicos (do grego eu = bom
+ karpos = fruto). Deste modo, as formas holocárpicas são menos diferenciadas
do que as eucárpicas.
A reprodução implica normalmente a produção de diferentes tipos de
esporos, que se formam em diferentes tipos de esporóforos – estruturas que
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 45
que produzem, ou suportam, os esporos. No ciclo assexual de alguns fungos, no
entanto, os esporos podem formar-se directamente nas hifas vegetativas. Em
todos os fungos, as estruturas reprodutoras encontram-se isoladas do resto do
soma por intermédio de septos completos ou oclusos.
5.1 Esporóforos
O esporóforo (Figura 5.1) é uma ramificação miceliana especializada, ou
um plectênquima, que emerge do soma vegetativo e no qual se diferenciam
células esporogénicas e esporos.
Figura 5.1 Esporóforo de Rhizopus.
5.1.1 Esporóforos simples
Esporóforos simples (Figura 5.2) são hifas especializadas, nas quais se
diferenciam células esporogénicas e esporos.
Figura 5.2 Esporóforos simples e os tipos de esporos relacionados. Os conidióforos são característicos de fungos que produzem conídios. Os esporangióforos são característicos dos que produzem esporangiósporos.
Biologia dos Fungos – Reprodução
46 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Os esporóforos simples são normalmente erectos e por vezes
distintamente ramificados (por exemplo, conidióforos e esporangióforos).
5.1.2 Esporóforos compostos
Esporóforos compostos são estruturas estromáticas ou semiestromáticas,
vulgarmente referidas como corpos de frutificação (por exemplo, cogumelos e
corémios). Os tecidos das frutificações dão protecção e suporte às células
esporogénicas, ao mesmo tempo que as elevam acima do substrato, de forma que
facilitem a dispersão dos esporos. Na verdade, a forma assumida pelo corpo de
frutificação está sempre relacionada com o tipo de dispersão dos esporos.
Nos membros do grupo Ascomycota, as células esporogénicas sexuais são
denominadas ascos e o corpo de frutificação ascocarpo. Em Basidiomycota são
denominados basídios e basidiocarpo, respectivamente (Figura 5.3).
Figura 5.3 Esporóforos compostos.
5.2 Esporos
“... esporo é uma estrutura especializada para a reprodução, sobrevivência
e dispersão, normalmente destacada do soma fúngico, caracterizada por
actividade metabólica mínima, reduzido conteúdo em água e ausência de
movimento citoplasmático...”.
Gregory (1966)
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 47
Os esporos são comummente denominados de acordo com a sua
morfologia e ontogenia, distinguindo-se entre os esporos sexuais (oósporos,
zigósporos, ascósporos e basídiosporos) e assexuais (esporangiósporos e
conídiosporos ou conídios). A estrutura dos esporos difere, normalmente, da
vegetativa em vários aspectos:
A parede pode ser mais espessa e impregnada de lípidos e pigmentos;
Nalguns casos, o citoplasma é pouco diferenciado, sendo o retículo
endoplasmático e as mitocôndrias pouco desenvolvidos;
Normalmente, os esporos contêm grandes quantidades de materiais de
reserva como lípidos e glicogénio. Associados a esta característica
estão um reduzido conteúdo de água e uma reduzida taxa de
metabolismo endógeno.
Convém salientar que os esporos fúngicos são extremamente diversos e,
nalguns casos, nenhuma das características citadas é encontrada. Os zoósporos
de Oomycota e Chytridiomycota são um caso extremo de o que foi descrito. Estes
esporos não apresentam parede celular, possuem um grande número de
organitos citoplasmáticos, incluindo flagelos, são metabolicamente activos e
geralmente possuem reservas limitadas de nutrientes. Eles serão descritos mais
adiante.
Os esporos apresentam dois tipos de dormência: endógena ou constitutiva
e exógena. Os esporos com dormência endógena não podem germinar, mesmo
que as condições ambientas sejam ideais para o crescimento vegetativo. Estes
esporos requerem um período de maturação antes que estejam aptos para
germinar. No entanto, esta propriedade pode ser contornada por formas diferentes
de manipulação, que os activam: choques térmicos (calor ou frio), remoção da
parede externa, tratamentos químicos com solventes orgânicos como furfural e
outros compostos heterocíclicos. A dormência constitutiva é causada por diversos
factores, dependendo dos esporos em questão. Por exemplo, os esporos das
ferrugens (como Puccinia graminis) contêm materiais inibitórios que devem ser
libertados do esporo, ou então que são lentamente metabolizados, antes de a
germinação ocorrer. Os esporos sexuais dos fungos geralmente apresentam
dormência endógena. A dormência exógena é a forma mais comum de
dormência nos esporos assexuais. Este estado é imposto pelo ambiente, e os
Biologia dos Fungos – Reprodução
48 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
esporos são capazes de germinar sempre que as condições ambientais são
apropriadas ao crescimento vegetativo. As condições ambientais necessárias à
germinação incluem a disponibilidade de água, temperatura, pH, arejamento
adequado, etc. Por vezes, existe uma exigência de dióxido de carbono e
frequentemente os esporos necessitam de fontes externas de nutrientes tais como
o azoto, carbono e as vitaminas. Muitas vezes, os esporos não conseguem
germinar em ambientes naturais como o solo ou a superfície foliar, devido à
actividade outros organismos. Então, diz-se que estes esporos estão sujeitos à
fungiostase ou micostase.
Em alguns casos (por exemplo, o Botrytis cinérea), os esporos germinam
na presença de um micélio gerador. Isto pode ser visto uma forma de assegurar
que eles sejam disseminadas antes de germinarem. O acentuado aumento da
actividade metabólica, durante a fase pré-germinativa dos esporos, conduziu a
uma nova e interessante aplicação dos mesmos na indústria. Sabe-se que uma
grande variedade das enzimas que se encontram presentes nos esporos estão
ausentes no micélio vegetativo, ou então são produzidas por este apenas na
presença dos seus substratos. Ou seja, estas enzimas são constitutivas nos
esporos e induzíveis no micélio vegetativo.
Durante as fases iniciais da germinação, os esporos são capazes de
absorver compostos orgânicos, transformá-los numa enorme variedade de
compostos industrialmente úteis por acção das suas enzimas constitutivas e
subsequentemente libertá-los para o meio de cultura. Além disso, o processo
germinativo per si pode ser inibido sem que a eficiência destas transformações
seja afectada. É apenas necessário que os esporos sejam hidratados. Deste
modo, os mesmos esporos podem ser utilizados repetidas vezes para um mesmo
fim.
Actualmente, os esporos dos fungos são utilizados industrialmente em
vários processos de transformação de compostos orgânicos, nomeadamente: a
transformação de esteroides, produção de cetonas a partir de ácidos gordos,
hidrólise do amido, modificações de antibióticos, etc.
A extraordinária eficiência com que os esporos efectuam estas
transformações é surpreendente porque, em muitos casos, estas actividades
parecem não estar relacionadas com as necessidades fisiológicas dos mesmos,
quer durante a dormência, quer durante a germinação.
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 49
5.3 Reprodução Assexuada
A reprodução assexuada inclui todos os processos de multiplicação de
indivíduos de uma espécie que não envolvem cariogamia e meiose. Como não
ocorrem modificações na fase nuclear, considera-se que é um processo de
reprodução conservativo, funcionando fundamentalmente como mecanismo de
disseminação de um genoma previamente estabelecido.
No caso dos fungos, a existência de um estado cenocítico com
heterogeneidade nuclear é suficientemente frequente para conferir à reprodução
assexuada uma participação importante na disseminação da variabilidade.
Os processos de reprodução assexuada encontrados nos fungos incluem,
para além da fragmentação do soma, a fissão binária e gemulação (encontradas
nas leveduras) e a produção mitótica de esporos (mitósporos) que, em condições
favoráveis, germinam produzindo um novo micélio.
Nos fungos micelianos existem fundamentalmente dois tipos de esporos
assexuais: esporangiósporos e conídiosporos ou conídios. Os
esporangiósporos são típicos de fungos “inferiores” e se desenvolvem por
clivagem do citoplasma em torno de cada núcleo de um esporângio (do grego
spora = semente, esporo + angeion = recipiente) multinucleado. Os conídios
geralmente resultam de uma célula conidiogénica pré-existente, por processos
que não envolvem clivagem citoplasmática.
5.3.1 Esporangiósporos
Os esporangiósporos são produzidos pelos membros das divisões
Oomycota, Chytridiomycota e Zygomycota. Na maioria destes fungos, os
esporângios resultam da dilatação terminal e diferenciação de hifas
especializadas, designadas esporangióforos (simples ou ramificados). Os
esporângios contêm normalmente um elevado número de esporos
(polisporulado), embora haja excepções – esporangíolos e merosporângios
(oligosporulados) (Figura 5.4).
Biologia dos Fungos – Reprodução
50 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 5.4 Esporângio de Rhizopus stolonifer (polisporulado) e merosporângio de Thamnidium elegans. Imagens de Roberts (2014) e Barron (2013).
Os esporângios podem ser terminais ou intercalares. Em alguns membros
dos Chytridiomycota, toda a célula vegetativa é convertida num esporângio, após
a sua separação dos rizoides por um septo completo.
A fora como se dá a clivagem do citoplasma multinucleado, aquando da
formação dos esporangiósporos, difere de fungo para fungo e pode ser ou não
uma característica dos diferentes grupos. No entanto, existe um mecanismo
básico comum a todos os casos: vacúolos, vesículas e outras membranas
citoplasmáticas fundem-se de forma a produzir um sistema tubular membranar
que delimita cada núcleo e respectivo citoplasma. Assim, cada esporo fica
envolvido por uma membrana completa.
Os esporangiósporos permanecem no interior do esporângio durante todo
o seu desenvolvimento, sendo libertados apenas quando maduros. A libertação
dos esporangiósporos pode ser feita através de um ou mais poros que se
desenvolvem na parede esporangial, ou então por colapso da mesma. Existem
dois tipos de esporangiósporos: zoósporos e aplanósporos.
Zoósporos
Os zoósporos (do grego zoon = animal + spora = esporo) possuem um ou
dois flagelos, por meio dos quais se movimentam, que podem desenvolver-se
durante a clivagem do citoplasma ou depois. Estes esporos não possuem parede
celular e são exclusivos das divisões Myxomycota, Plasmodiophoromycota,
Oomycota e Chytridiomycota (Figura 5.5).
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 51
Figura 5.5 Tipos de zoósporos encontrados em fungos (despreze-se a escala). A seta indica a direcção do movimento do zoósporo. (a) Zoóporo de um flagelo posterior (opisthokont) encontrado em muitos Chytridiomycota; (b) flagelo com vários flagelos (até 16) posteriores, de alguns Chytridiomycota anaeróbicos que habitam no rúmen (Neocallimastigales); (c) zoósporo com flagelos diferentes (anisokont), característicos de Myxomycota e Plasmodiophoromycota; (d) zoósporo com um flagelo anterior apresentando um flagelo (axonema) revestido de mastigonemas, típicos de Hyphochytridiomycota; (e, f) zoósporos biflagelados com flagelos heterokont, um simples e outro revestido, encontrados em grupos diferentes de Oomycota. Fonte: Webster and Weber (2007).
Os zoósporos são quimiotáticos e a sua maior vantagem reside na
capacidade de selecionar o substrato onde germinarão. Alguns Oomycota
superiores apresentam comportamentos peculiares, que reflectem uma adaptação
progressiva às condições terrestres. Por exemplo, Phytophtora infestans (agente
etiológico da murcha tardia da batatinha) possui esporângios que se destacam e
são dispersos pelo vento. Se estes são depositados na superfície do hospedeiro
em condições de baixa temperatura e elevada humidade, o citoplasma do
esporângio sofre clivagem e formam-se zoósporos, que nadam até ao local de
penetração (por exemplo, os estomas) e iniciam a infecção. Se a temperatura for
elevada e a humidade relativa baixa, o esporângio germina directamente, não
havendo formação de zoósporos.
Outra característica interessante dos Oomycota é a sua peculiar
sensibilidade à estreptomicina. Em concentrações subletais, este antibiótico
afecta grandemente a clivagem do citoplasma no esporângio, de modo que esta
não possa ocorrer ou então é incompleta e resulta na produção de zoósporos de
grandes dimensões, multinucleados e com vários flagelos (dois por núcleo). Estes
esporos são incapazes de movimento coordenado. A estreptomicina tem sido
utilizada comercialmente no controlo do míldio dos lúpulos, já que os zoósporos
Biologia dos Fungos – Reprodução
52 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
não conseguem movimentar-se na direcção dos estomas onde normalmente
iniciam a infecção.
Aplanósporos
Os aplanósporos (do grego a = não + planetes = vagabundo + spora =
esporo) desenvolvem uma parede celular distinta depois da clivagem do
citoplasma e não possuem flagelos, evidentemente. Este tipo de esporos é
encontrado em Zygomycota, sendo característico da ordem Mucorales.
Em Rhyzopus, por exemplo os esporângios são estruturas esféricas que se
formam nos ápices de hifas erectas e melanizadas (esporangióforos) que
surgem agrupadas no micélio. No interior do esporângio em desenvolvimento
surge um septo em forma de cúpula. Este septo divide o esporângio em duas
partes: uma distal fértil, produtora de esporos, e uma estéril – a columela (Figura
5.6).
Figura 5.6 Esporângios e o processo de dispersão dos esporos de Rhizopus. Quando o esporângio amadurece, a columela colapsa-se e os esporos dispersam-se. Imagem de Puigdomenech (2012).
Ao secar, o esporângio fende-se espontaneamente. A columela sofre
colapso e a sua forma altera-se e passa a assemelhar-se a uma bacia invertida.
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 53
Esta alteração na forma da columela provoca o colapso da frágil e seca parede
esporangial, deixando exposta às correntes de ar uma massa de esporos secos
que facilmente se dispersam com o vento. Noutros Mucorales, especialmente em
muitas espécies do género Mucor, o esporângio maduro transforma-se numa gota
com esporos no ápice do esporangióforo. A parede do esporângio dissolve-se,
exceptuando-se uma região basal em forma de colar, e os aplanósporos ficam
contidos na gota mucilaginosa. Estes esporos são dispersos de várias formas:
aderindo à superfície externa de insectos, por acção mecânica da chuva, etc.
5.3.2 Conidiósporos
Os conídios são produzidos em hifas especializadas, designadas
conidióforos, que suportam as células conidiogénicas. Os conidióforos, distintos
(macronemáticos) ou indistintos (micronemáticos) do resto do micélios, podem ser
simples ou ramificados, com complexidade variável e em determinados
organismos associam-se formando corpos de frutificação assexuados –
corémios, picnídios e acérvulos (Figura 5.7).
Figura 5.7 Corpos de frutificação assexuados de fungos conidiogénicos: corémios (em cima, à direita), picnídio (em cima, à esquerda) acérvulo (em baixo). Imagens de Kronmiller and Arndt (2014), Watt and Ahn e Watt (2012).
A classificação dos conídios formados pelos fungos micelianos pode-se
basear em critérios do tipo morfológico (forma, ornamentação, cor, número de
células e tipo de apêndices; ver Figura 5.8) ou ontogénico. Segundo Saccardo
(1899), os conídios podem ser hialinos (hialósporos) ou pigmentados
(faeósporos), unicelulares (amerósporos), bicelulares (didimósporos),
multicelulares (fragmósporos, dictiósporos, escolecósporos, helicósporos e
estaurósporos).
Biologia dos Fungos – Reprodução
54 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 5.8 Alguns exemplos de conidióforos, células conidiogênicas e conídios. A. Acarocybellina arengae – aspecto geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídios. B. Coleodictyospora micronesiaca – conídios envoltos em camada mucilaginosa. C-E. Corynesporopsis inaequiseptata. C. Ápice do conidióforo com célula conidiogênica e conídio. D. Conídio. E. Conídios em cadeia. F-H. Corynesporopsis isabelicae. F. Ápice do conidióforo com célula conidiogênica e conídio. G-H. Conídios. I-J. Gliomastix luzulae. I. Conidióforo rugoso com célula conidiogênica e conídios. J. Conídios em cadeia. K. Helicoma dennisii – conidióforo com células conidiogênicas e conídios. L-N. Helicoma viridis. L. Conidióforos com células conidiogênicas. M. Conídio. N. Esclerócio pedicelado. O-P. Helminthosporium palmigenum. O. Conídios em cadeia. P. Aspecto geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídios. Q-R. Physalidiella elegans. Q. Conídio com células laterais sub-hialinas. R. Aspecto geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídios. S-T. Repetophragma moniliforme. S. Aspecto geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídio. T. Conídio constrito nos septos. U. Spadicoides macrocontinua – aspecto geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídios. Barras = 50 μm (A); 20 μm (B, D, E, G, P); 10 μm (C, F, H, I, J, K, L, M, N, O, Q, R, S, T, U). Fotos de de Castro, Gutiérrez, and Sotão (2012).
Existem dois tipos básicos de conidiogénese: tálica e blástica.
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 55
Na conidiogénese tálica, um compartimento preexistente da hifa é
totalmente transformada num conídio. O compartimento em causa pode ser
terminal ou intercalar. Os conídios tálicos, ou artroconídios, podem sofrer
dilatação mas esta ocorre somente depois da formação do(s) septo(s) que
delimita(m) o conídio. Se todas as camadas da parede da célula conidiogénica
participam na formação da parede do conídio, diz-se que o conídio é holotálico
(Figura 5.9).
Figura 5.9 Conidiogénese holotálica. Imagem de New Brunswick Museum (2013b).
Se, no entanto, a camada mais externa da parede da célula conidiogénica
não contribui para a formação da parede do conídio, este é chamado enterotálico
(Figura 5.10).
Figura 5.10 Conidiogénese enterotálica. Imagem de New Brunswick Museum (2013b).
Os conídios holotálicos são os mais comuns na divisão Deuteromycota. Os
conídios tálicos resultantes da fragmentação de hifas preexistentes são
designados habitualmente de artrósporos ou oídios. Os conídios tálicos
resultantes da dilatação de compartimentos terminais, ou intercalares, seguida de
espessamento pronunciado da parede, designam-se clamidósporos (ver
Capítulo 2, Figura 2.3).
Na conidiogénese blástica, o conídio forma-se pela transformação de parte
da célula conidiogénica e sofre pronunciada dilatação antes de ser delimitado por
Biologia dos Fungos – Reprodução
56 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
um septo. Podemos reconhecer dois tipos de conídios blásticos. Tal como
acontece com os tálicos, os dois tipos são caracterizados com base no
comportamento da parede da célula conidiogénica durante a formação dos
conídios. Na formação de um conídio holoblástico, todas as camadas da parede
da conidiogénica estão envolvidas na formação da parede do conídio (Figura
5.11).
Figura 5.11 Conidiogénese holoblástica. Imagem de New Brunswick Museum (2013b).
Na conidiogénese enteroblástica (Figura 5.12) a camada mais externa da
parede da célula conidiogénica rompe-se durante a diferenciação do primeiro
conídio e não contribui, por isso, para a subsequente formação da parede dos
blastoconídios. A parede primária dos conídios subsequentemente formados
resulta da dilatação, com adição de novo material da parede interna conidiogénica.
Figura 5.12 Conidiogénese enteroblástica. Imagem de New Brunswick Museum (2013b).
Os conídios enteroblásticos fialídicos, ou fialoconídios, são comuns em
Deuteromycota. Em alguns dos géneros que produzem fialoconídios, a célula
conidiogénica é denomina da fiálide. A fiálide produz conídios de forma basípeta
(o conídio mais jovem na base), a partir de uma abertura terminal, sem terminar o
seu comprimento de forma detectável (Figura 5.13). Ou seja, o ponto no qual os
conídios são formados (locus conidiogénico) é mais ou menos fixo. No entanto,
com frequência, a parede da fiálide sofre distensão para lá do locus conidiogénico,
formando aquilo conhecido como colarete. As fiálides podem ser muito diferentes
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 57
em aparência de espécie para espécie. A maioria apresenta uma forma de garrafa
com uma região estreita próxima do locus conidiogénico. As fiálides podem-se
encontrar ligadas directamente às hifas vegetativas ou, mais vulgarmente, ser
formadas isoladamente ou em grupos no topo de conidióforos.
Figura 5.13. Microfotografia do ápice de uma fiálide de Denrostibella. Note-se um conídio maduro em cima. Imagens de Kendrick (2010a).
Outro tipo de célula conidiogénica também muito comum em
Deuteromycota é a anélide, a partir da qual se formam conídios anelídicos ou
anelósporos. Na anélide, o locus conidiogénico não é fixo como acontece na
fiálide. A anélide prolifera e alonga à medida que se forma cada conídio. Como
resultado, o locus conidiogénico move-se distalmente (figura 5.18). Os conídios
formam-se em sucessão basípeta e à medida que cada um se separa da célula
conidiogénica deixa uma cicatriz em forma de anel ou anelada, na superfície
externa da anélide (Figura 5.14).
Hammil (1971-1979) estudou o processo de conidiogénese anelídica e
defende que o processo seja enteroblástico e que as anélides e fiálides não sem
mais do que um mesmo processo básico de conidiogénese. Segundo Kendrick
(1971), a conidiogénese anelídica é uma forma especializada de conidiogénese
holoblástica. Como foi visto, o comportamento do locus conidiogénico pode variar
durante a formação de uma sucessão de conídios. Numa fiálide, o locus é mais
ou menos fixo, ao passo que na anélide ele move-se progressivamente para
frente, com a célula conidiogénica e proliferar repetidamente no ápice. Este
processo é geralmente designado de proliferação percurrente.
Biologia dos Fungos – Reprodução
58 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 5.14 Formação de uma cadeia basípeta de conídios de Scopulariopsis brevicaulis. Imagem de Kendrick (2010a).
Noutras espécies, a célula conidiogénica pode proliferar de uma forma
simpodial (Figura 5.15).
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 59
Figura 5.15 Crescimento de conídios num arranjo simpodial. Imagens de Kendrick (2010a).
Depois de se ter formado um conídio, a célula conidiogénica alonga de
forma mais ou menos inclinada e que dá origem a um novo conídio. O processo
continua como resultado os conídios são formados mais ou menos em “zig-zag”.
Nalgumas espécies, a célula conidiogénica diminui em tamanho à medida que se
formam conídios. Neste caso, o locus conidiogénico retrocede. Para finalizar,
convém salientar que uma célula conidiogénica pode possuir muitos loci
conidiogénicos. Desta forma, numa única célula conidiogénica pode-se formar
mais do que um conídio.
5.4 Reprodução Sexuada
A reprodução sexual nos fungos outros organismos envolve a união de dois
núcleos compatíveis. Tipicamente, o processo sexual consiste em três fases
distintas e sequenciais: plasmogamia (do grego plasma = ser + gamos = união),
cariogamia (do grego karion = núcleo + gamos = união) e meiose (do grego
meiosis = redução). Deste modo, realiza-se a fusão de núcleos haploides
geneticamente compatíveis, com a formação de um zigoto diploide e consequente
modificação da fase nuclear.
5.4.1 Plasmogamia
Este processo pode ocorrer entre estruturas diferenciadas ou hifas
vegetativas. É o processo pelo qual dois protoplastos fundem de forma a reunir
dois núcleos compatíveis numa única célula ou num compartimento.
Biologia dos Fungos – Reprodução
60 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
5.4.2 Cariogamia
Consiste na fusão real de dois núcleos, que origina um núcleo diploide
zigótico. Nos fungos mais simples (Oomycota, Zygomycota e Chytridiomycota) a
cariogamia ocorre quase imediatamente depois da plasmogamia. Tal não
acontece nos fungos mas “evoluídos” (Ascomycota e Basidiomycota), nos quais
estes processos se encontram separados temporal e espacialmente, conduzindo
à existência de estruturas vegetativas ou reprodutoras dicarióticas (por exemplo,
os cogumelos). Nestes fungos, a cariogamia ocorre simultaneamente em todas as
células esporogénicas de um corpo de frutificação, seguindo-se a meiose e
produção dos esporos haploides.
5.4.3 Meiose
A ocorrência da meiose, necessária para o restabelecimento da fase
nuclear haploide, garante a possibilidade de recombinação genética, funcionando
a reprodução sexuada como um processo essencialmente destinado à
disseminação da variabilidade. Contudo, em numerosos fungos não produtores de
esporos assexuais, a reprodução sexual permite também a dispersão e
colonização de novos habitats, graças ao elevado número de meiósporos
produzidos e aos mecanismos especializados de dispersão envolvidos
(Basidiomycota).
O processo sexual de muitas espécies de fungos envolve a presença de
hormonas sexuais, que governam alguns dos eventos que ocorrem nesse
processo (ver Capítulo 6 - Grupos Taxonómicos). A produção destas hormonas
está, em muitos casos, sob um rigoroso controlo nutricional. As vias metabólicas
que conduzem à produção das hormonas sexuais são reprimidas por
concentrações de nutrientes elevadas. Este fenómeno acarreta. Como
consequência directa, que a reprodução sexual tenda a ocorrer no fim do período
de crescimento vegetativo normal, ou seja, quando o fungo necessita de
desenvolver estruturas de dormência e sobrevivência. Com frequência, os
esporos sexuais têm paredes espessas e densamente pigmentadas, sendo
capazes de suportar condições ambientais adversas. Então, podemos visualizar
uma relação entre os aspectos fisiológicos do desenvolvimento e as necessidades
ecológicas dos fungos.
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 61
Os tipos de plasmogamia observados, a ocorrência de estruturas
vegetativas ou reprodutoras dicarióticas, formação de zigotos dormentes e o
processo de produção de meiósporos e mitósporos, constituem a base da
classificação taxonómica dos fungos a nível da divisão ou classe.
5.4.4 Processos Envolvidos na Plasmogamia
5.4.4.1 Conjugação Planogamética
Um planogâmeta é um gâmeta móvel e a conjugação planogamética
envolve a fusão de dois gâmetas em que pelo menos um tem mobilidade. Como
tal, este processo implica a presença de água no estado líquido de modo a
possibilitar o movimento dos gâmetas. Então, fungos que apresentam este tipo de
plasmogamia são predominantemente aquáticos ocorrendo, também, em solos
extremamente húmidos e mais raramente como parasitas de plantas superiores.
A conjugação planogamética (Figura 5.16) mais comum é a isogâmica (os
gâmetas são iguais em forma e tamanho) ocorrendo, também, conjugação
anisogâmica (um dos gâmetas é notoriamente maior do que o outro), a
conjugação heterogâmica (os gâmetas são morfologicamente diferentes) é rara
e está restrita à ordem Monoblepharidales (Chytridiomycota). Este tipo de
conjugação envolve a presença de planogâmetas masculinos denominados
anterozoides, formados num gametângio masculino (anterídio) e gâmetas
femininos imóveis (oosferas) formados num gametângio feminino denominado
oogónio.
Figura 5.16 Conjugação planogamética. Adaptado de NCS Pearson (2014).
Os zigotos formados pelos processos iso e anisogâmicos são,
normalmente, esporângios de dormência, nos quais se formam zoósporos. O
Biologia dos Fungos – Reprodução
62 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
zigoto formado pelo processo heterogâmico é um oósporo (esporo de dormência
de parede espessa), o qual gemina dando origem a um micélio vegetativo.
5.4.4.2 Contacto Gametangial
Para o contacto gametangial (Figura 5.17) produzidos gametângios
morfologicamente diferenciados (anterídios, ascogónios e oogónios). É um
processo comum em fungos terrestres, aquáticos e fitoparasitas. Os gametângios
masculino e feminino entram em contacto e os gâmetas masculinos, consistindo
principalmente de material genético, são transferidos directamente para o interior
do gametângio feminino através de um poro desenvolvido na zona de contacto
ou, em alguns casos, através de um tubo de fertilização (tricógino). O tricógino
(do grego thrix = pelo + gyne = mulher) desenvolve-se a partir do ascogónio.
Figura 5.17 Contacto gametangial. Adaptado de NCS Pearson (2014).
No caso dos Oomycota, o zigoto resultante é um esporo de dormência
(oósporo). Em Ascomycota não existem oosferas (óvulos), sendo os gâmetas
femininos representados por núcleos. Estes núcleos permanecem associados em
pares conjugados com os núcleos masculinos, formando-se um conjunto de hifas
dicarióticas a partir do ascogónio. Nos compartimentos subapicais destas hifas
ditas ascogénicas, ocorre posteriormente a cariogamia, que conduz à formação
de uma célula diploide (zigoto) – célula-mãe do asco – que origina o asco.
5.4.4.3 Conjugação ou fusão gametangial
Neste processo, os gametângios actuam como gâmetas e a fusão pode-se
dar de duas formas principais com todo o seu conteúdo citoplasmático. Em alguns
Chytridiomycota aquáticos, os dois gametângios morfologicamente desiguais
“encontram-se” e o conteúdo do gametângio masculino é transferido na totalidade
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 63
para o interior do feminino, onde ocorre a plasmogamia (Figura 5.18). Em seguida,
o gametângio masculino sofre colapso. O zigoto formado é um esporângio de
dormência.
Nos Zygomycota, que são essencialmente terrestres, formam-se
gametângios não diferenciados, em hifas especializadas (zigóforos), que se
fundem por dissolução da parede na zona de contacto. O zigoto, assim formado,
possui uma parede muito espessa e é essencialmente uma estrutura de
dormência (zigósporo).
Figura 5.18 Fusão gametangial de Zygomycota (A) e Chytridiomycota (B). Adaptado de NCS Pearson (2014).
5.4.4.4 Espermatização
Este processo envolve espermácios (células masculinas uninucleadas) ou
microconídios, que são transportados passivamente pelo vento, pela água ou
por insectos até aos órgãos receptivos – tricógino ou hifas somáticas
especializadas. Na zona de contacto, a parede de ambas estruturas sofre
dissolução e o conteúdo da célula masculina é transferido para a estrutura
feminina (Figura 5.19).
Biologia dos Fungos – Reprodução
64 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 5.19 Espermatização. Adaptado de NCS Pearson (2014).
Os espermácios são formados externamente em hifas especializadas
denominadas espermatóforos, ou no interior de estruturas semelhantes a
picnídios denominadas espermatogónios. Estas células diferem dos
miroconídios porque não são capazes de germinar. A plasmogamia resulta na
formação de hifas dicarióticas. A fase dicariótica pode ser perlongada, havendo
mesmo a formação de tecidos dicarióticos onde ocorre finalmente a cariogamia
(Ascomycota).
5.4.4.5 Somatogamia
A plasmogamia ocorre directamente entre hifas somáticas de micélios
geneticamente compatíveis, por processos de anastomose (Figura 5.20). A célula
dicariótica assim formada dá origem a tecidos dicarióticos, nos quais se formam
células esporogénicas onde ocorre a cariogamia e formação de verdadeiros
zigotos. Este processo não ocorre nos fungos menos “evoluídos”, sendo vulgar
em Ascomycota e Basidiomycota.
Figura 5.20 Somatogamia. Adaptado de NCS Pearson (2014).
De tudo o que foi acima descrito pode-se subentender uma suposta linha
de progressão evolutiva dos fungos. Verifica-se um afastamento progressivo da
libertação de gâmetas que conduz à fusão dos próprios órgãos reprodutores
Biologia dos Fungos – Reprodução
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 65
(gametângios), ao envolvimento de esporos assexuais (que funcionam como
gâmetas masculinos) e finalmente ao completo abandono de estruturas sexuais
especializadas, quando a transferência nuclear é efectuada por hifas vegetativas.
É notável o facto de as hifas vegetativas dos fungos “inferiores” não serem
capazes de sofrer anastomose (fusão) enquanto os seus órgãos sexuais o fazem.
Um passo evolutivo de grande importância, na perda dos órgãos sexuais, poderá
ter ocorrido quando as hifas vegetativas dos fungos “superiores” adquiriram a
capacidade de sofrer anastomose.
5.5 Ciclos de Vida
Existem cinco ciclos de vida básicos (Figura 5.21):
Assexual – neste ciclo, a reprodução sexual está aparentemente
ausente. Característico de Deuteromycota;
Haploide – neste ciclo, a meiose ocorre imediatamente após a
cariogamia. Deste modo, a fase diploide é muito curta. Ocorre em
Oomycota, Chytridiomycota, Zygomycota e nalguns membros de
Ascomycota;
Haploide dicariótico – neste ciclo, existe uma fase dicariótica que pode
ser prolongada, na qual os núcleos permanecem fisicamente
associados e sofrem divisões sincronizadas. Também neste ciclo a
meiose segue-se à cariogamia. Ocorre em Ascomycota e
Basidiomycota;
Haploide-diploide – neste ciclo, a fase diploide e haploide alternam
regularmente. Este ciclo só existe nalgumas espécies aquáticas de
Oomycota;
Diploide – A fase haploide esta restrita aos gâmetas ou à fase
gametangial. Ocorre em Oomycota.
Biologia dos Fungos – Reprodução
66 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 5.21 Ciclos de vida dos fungos. Cada círculo representa um ciclo de vida e deve ser lido no sentido de relógio. M – meiose; linha simples – fase haploide; linha dupla – fase dicariótica; linha grossa – fase diploide. Fonte: Tsuyuzaki (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 67
Capítulo 6 Grupos Taxonómicos
A taxonomia dos fungos está num estado de constante modificação. Até há
bem pouco tempo, o estabelecimento dos diferentes grandes grupos de fungos e
das relações naturais existentes entre eles foi baseado quase que exclusivamente
em estudos de morfologia comparada e nos padrões de desenvolvimento das
estruturas de reprodução sexual. A ausência quase total de registos fósseis
condicionou o carácter especulativo da maioria dos sistemas de classificação
estabelecidos para os fungos.
Actualmente, as relações existentes entre estes organismos estão a ser
reavaliadas com base em análises de sequenciação de ADN, com especial ênfase
ao nuclear que codifica o ARNr presente na subunidade menor dos ribossomas.
As informações obtidas ainda estão pouco consolidadas e são alvo de muita
controvérsia devido ao facto de alguns grupos terem merecido mais atenção do
que outros e à existência de opiniões contrárias respeitantes à melhor forma de
comparar os dados obtidos. Ainda assim, é necessário que se adopte alguma
forma prática de classificação, que distinga pelo menos os grandes grupos. No
passado, estes grupos tomaram diferentes nomes (Tabela 6.1).
Tabela 6.1 Comparações dos nomes que têm sido aplicados aos principais grupos de fungos e organismos semelhantes.
Nomes actuais Nomes antigos
Oomycota Oomycetes
Mastigomycotina, Phycomycetes Chytridiomycota Chytridiomycetes
Zygomycota Zygomycetes
Ascomycota Ascomycetes, Ascomycotina
Deuteromycota Deuteromycetes, Deuteromycotina, Fungi imperfecti
Basidiomycota Basidiomycetes, Basidiomycotina
Neste caso, vai-se utilizar parcialmente o esquema classificativo de
Ainsworth (1973) modificado por Webster (1980) e parcialmente o de Alexopoulos
et al. (1996). Nos diversos sistemas de classificação, as terminações das
diferentes categorias taxonómicas são as mesmas (Tabela 6.2).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
68 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Tabela 6.2 Categorias taxonómicas e terminações recomendadas para os fungos pelo Código Internacional para a Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas (Melbourne Code) (McNeill et al., 2011).
Categoria Exemplo
Domínio Eukaryota
Reino Fungi
Subreino †
Filo (Divisão) Basidiomycota
Subfilo (Subdivisão) †-mycotina
Classe Teliomycetes
Subclasse †-mycetidae
Ordem Uredinales
Subordem †-ineae
Família Pucciniaceae
Subfamília †-oideae
Tribo Puccinieae
Subtribo †-inae
Género Puccinia
Subgénero Puccinia
Secção (Hetero-Puccinia)
Subsecção †
Série †
Subsérie †
Espécie Puccinia graminis
Subspécie Puccinia graminis subsp. Graminis
Variedade P. graminis var. Steckmanii
Subvariedade †
Forma †
Subforma †
Forma especial §Puccinia graminis f. sp. avenae
Raça fisiológica P. graminis f. sp. avenae Race 1
Indivíduo †
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 69
6.1 Reino Protista
6.1.1 “Fungos” Limosos
São organismos muito peculiares, desprovidos de parede celular e com
estados protoplasmáticos, que tradicionalmente têm sido estudados por
micologistas. As suas afinidades com os protozoários estão bem documentadas.
Estes organismos assemelham-se aos fungos na medida em que produzem
esporos com parede celular que são dispersos pelo vento. No entanto, ao contrário
dos esporos dos fungos, as paredes dos esporos destes organismos apresentam
uma predominância de polímeros de galactosamina.
A fase vegetativa destes organismos consiste num plasmódio – massa
protoplasmática multinucleada sem parede celular que se alimenta por ingestão
de partículas e se desloca por movimentos ameboides – ou num
pseudoplasmódio – agregado de células ameboides individuais. Ambas as
estruturas apresentam consistência lodos. Daí o nome “fungos” limosos.
Distinguem-se três grandes grupos: Acrasiomycota, Myxomycota e
Plasmodiophoromycota.
6.1.1.1 Acrasiomycota (fungos limosos celulares)
A fase vegetativa é constituída por células ameboides de vida livre, que se
alimentam por ingestão de partículas de matéria orgânica ou bactérias e colonizam
o solo húmido, a superfície foliar ou outros habitats húmidos. Em Dictyostelium
discoideum (Figura 6.1), a agregação ocorre em resposta à libertação ritmada de
AMP-cíclico.
O pseudoplasmódio dá origem a uma estrutura de frutificação (sorocarpo)
constituída por uma haste com parede celulósica, a qual termina numa massa de
esporos denominada soro. Os esporos possuem uma parede celular fina e
celulósica e germinam dando origem a uma ameba.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
70 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 6.1 Ciclo de vida de Dictyostelium discoideum. Imagem adaptada de BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 71
6.1.1.2 Myxomycota (fungos limosos verdadeiros, plasmodiais ou
acelulares)
A fase vegetativa é constituída por um plasmódio de vida livre, que pode
variar grandemente em tamanho e coloração (normalmente apresentam cores
vivas), alterando a sua forma enquanto se arrasta no substrato (Figura 6.2).
Figura 6.2 Ciclo de vida de um Acrasiomycota. Adaptação da imagem de BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
72 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Em condições ambientais adequadas, os plasmódios apresentam
movimento ameboide. Quando as condições se tornam desfavoráveis, o
organismo pode ficar inactivo e formar um esclerócio (estrutura de dormência
espessa e dura). Logo que as condições se tornam favoráveis, o organismo
reverte-se ao estado plasmodial.
A maioria das espécies reproduz-se pela formação de esporângios que
contêm numerosos esporos delimitados por uma parede celular. Os esporos
germinam originando mixamebas, que se dividem por fissão binária. As
mixamebas podem, por sua vez, desenvolver flagelos e funcionar como gâmetas,
fundindo-se umas com as outras para formar zigotos que sofrem numerosas
divisões nucleares mitóticas originando um plasmódio.
6.1.1.3 Plasmodiophoromycota (fungos limosos endoparasitas)
Parasitas obrigatórios de plantas, algas ou fungos. Apresentam-se nas
células do hospedeiro na forma de plasmódios que podem produzir zoósporos
(para dispersão), ou esporos de dormência. Um dos membros mais importantes é
a Plasmodiophora brassicae (Figura 6.3), parasita de várias crucíferas
especialmente as do género Brassica. Este fungo ataca as raízes das plantas
provocando “hérnias” (intumescências).
A infecção inicia-se com a germinação de um esporo de dormência em
resposta a exsudatos da raiz. O esporo germina numa ameba que pode ser
subsequentemente desenvolver flagelos. Esta célula infecta um pelo radicular e
origina um plasmódio primário multinucleado, que é convertido em numerosos
zoosporângios que originam zoósporos biflagelados. Os zoósporos são
libertados para o solo, onde se fundem aos pares, formando zigotos
binucleados. Estes, por sua vez, infectam as células corticais da raiz, dando
origem a plasmódios secundários com vários pares de núcleos. A célula do
hospedeiro responde à infecção intumescendo. Os núcleos sofrem cariogamia,
seguida de meiose, e o plasmódio secundário é convertido numa massa de
esporos haploides de dormência. Estes esporos são libertados para o solo
quando os tecidos se decompõem.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 73
Um parasita similar, mas assintomático, é a Polymixa graminis,
frequentemente encontrado nas raízes dos cereais, sendo importante vector, por
exemplo, do vírus de mosaico amarelo da cevada.
Figura 6.3 Ciclo de vida de Plasmodiophora brassicae. Fonte: BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
74 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
6.1.2 Oomycota (“fungos” com parede celulósica)
6.1.2.1 Exemplos
Phytophtora sp., Phytium sp., Saprolegnia sp.
6.1.2.2 Fase vegetativa
Diploide, geralmente miceliana com hifas não-septadas. Parede celular
constituída por celulose e glucanos.
6.1.2.3 Reprodução assexuada
Caracteriza-se pela presença de zoósporos com dois flagelos dispostos
subapical ou lateralmente. Um dos flagelos é franjado (pantonemático) e dirige-
se para a frente e o outro é acronemático e dirige-se para a parte posterior o
zoósporo. Os zoósporos são formados em zoosporângios (Figura 6.4).
Figura 6.4 Fotografia (à esquerda) e desenho (direita) mostrando zoosporângios de Oomycota. 1 – zoosporângio imaturo; 2 – em maturação (divisões mitóticas); 3 – maduro; 4 - zoósporos. Imagens de New Brunswick Museum (2013c) e Horn (2013).
6.1.2.4 Reprodução sexuada
É oogâmica (observe-se o ciclo de vida na Figura 6.5). Envolve um
processo de contacto gametangial no qual participam oogónios e anterídios. O
zigoto é um oósporo (esporo de dormência com parede espessa). O
desenvolvimento dos gametângios masculino e feminino é controlado
normalmente.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 75
Figura 6.5 Ciclo de vida de Saprolegnia sp.. Fonte: BOS (2014).
Hifas vegetativas “femininas” secretam uma hormona – anteridiol – que vai
induzir a produção de anterídios jovens em hifas “masculinas” ou “neutras”.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
76 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Como resultado da absorção do anteridiol, as hifas “masculinas” produzem outra
hormona – oogoniol – que se difunde até as hifas “femininas” e induz à formação
de iniciais do oogónio. Com o aparecimento de oogónios jovens, as hifas
anteridiais são atraídas para o gametângio feminino, por acção do anteridiol e
sofrem maturação. Após a formação dos anterídios maturos ocorre uma resposta
diferenciadora no gametângio feminino, possivelmente de origem hormonal, que
leva à maturação do oogónio e produção de oosferas.
6.1.2.5 Ocorrência e importância
Os Oomycota colonizam a água doce e o meio terrestre. Neste grupo
existem vários membros de grande importância económica. Segundo
Alexopoulos, “... pelo menos dois deles meteram o dedo, ou melhor dizendo, uma
hifa, na conformação da História da humanidade”.
O primeiro foi Phytophtora infestans, que causa a “murcha tardia da
batatinha”. A grande fome de 1845-47 na Irlanda, gerada pela acção deste fungo,
foi responsável por mais de um milhão de mortes e deu origem à migração
massiva de irlandeses para os Estados Unidos da América. Este fungo destruiu
em uma só semana, no verão de 1846, toda a produção irlandesa da batata.
O segundo foi Plasmopara viticola, agente etiológico do míldio da videira.
Este fungo foi introduzido acidentalmente na França, nos fins de 1870, através de
cepas contaminadas, importadas na América por serem resistentes a outras
doenças. O míldio rapidamente colocou em risco toda a indústria vitícola francesa.
Este fungo foi controlado graças à sorte e observação habilidosa. Os proprietários
de vinhas da região francesa de Medoc tinham o costume de pulverizar as videiras
que cresciam a beira da estrada com uma mistura desagradável de cal e sulfato
de cobre, de modo a impedir que os passantes colhessem as uvas. Um professor
da Universidade de Bordéus, que na altura estudava o problema, observou que
as videiras assim tratadas não apresentavam o míldio. Informou-se sobre a
constituição da mistura e, com base nesta, desenvolveu o primeiro fungicida a ser
usado contra moléstias de plantas. Ainda hoje, este fungicida é conhecido pelo
nome de calda bordalesa.
6.1.2.6 Classificação
Reconhecem-se quatro ordens:
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 77
Saprolegniales – “fungo aquáticos”. Zoosporângios longos e
cilíndricos. Geralmente com várias oosferas por oogónio. Normalmente
sapróbios, alguns parasitam peixes. É a ordem de Achlya sp. e
Saprolegnia sp.;
Leptomiales – as hifas encontram-se contraídas em intervalos
regulares. Cada oogónio apesenta uma única oosfera. É a ordem de
Leptomitus lacteus (anaeróbio obrigatório comum em águas poluídas
por esgotos urbanos);
Lagenidiales – parasitas de algas e de fungos aquáticos. Endobióticos
(crescem no interior de organismos vivos) e holocárpicos. Oogónios
com uma oosfera;
Parenosporales – zoosporângios mais ou menos globosos que
facilmente se destacam e funcionam com esporos. Oogónios com uma
oosfera. Predominantemente terrestres. Alguns são sapróbios mas a
maioria é parasita de plantas vasculares (patogénicos). Alguns
exemplos são Phythium sp., Phytophthora infestans, Plasmopara
viticola, Peronospora parasítica, etc.
6.2 Reino Fungi
6.2.1 Chytridiomycota
6.2.1.1 Exemplos
Allomyces sp., Olpidium sp., Coelomomyces sp.
6.2.1.2 Fase Vegetativa
Tipicamente unicelulares ou com micélio pouco desenvolvido. Imersos no
substrato ou “ ancorados” a este por intermédio de rizoides. Geralmente
haploides. No entanto, alguns membros (como Allomyces sp. e Coelomomyces
sp.) apresentam alternância de gerações. Parede celular constituída por quitina
e glucanos.
6.2.1.3 Reprodução Assexual
Apresentam zoósporos comum único flagelo posterior simples
(acronemático), formados por uma clivagem citoplasmática num esporângio. Os
esporângios podem ser formados a partir da totalidade do soma – fungos
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
78 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
holocárpicos (Rhizophyctis sp.) – ou apenas parte deles – fungos eucárpicos
(Allomyces sp.).
6.2.1.4 Reprodução Sexual
Ocorre normalmente por fusão de gâmetas móveis. Em Allomyces, os
gâmetas masculinos são menores que os femininos e de cor diferente, sendo
atraídos por uma hormona (sirenina) libertada pelos gâmetas femininos. O zigoto,
formado pela fusão dos gâmetas, pode ser convertido num esporângio de repouso
ou germinar directamente num micélio diploide. Neste micélio formam-se
esporângios de dormência com paredes espessas, no interior dos quais são
produzidos, por meiose, zoósporos haploides (Figura 6.6). Os zoósporos
germinam dando origem ao gametófito.
6.2.1.5 Ocorrência e Importância
São fungos tipicamente aquáticos, embora haja algumas espécies que
colonizam o solo. Alguns são parasitas de algas, interferindo na cadeia alimentar
normal de muitos organismos aquáticos. Outros são parasitas de cultivares
(géneros Synchitrium e Physoderma).
6.2.1.6 Classificação
Reconhecem-se três ordens:
Chytridiales – ausência de verdadeiro micélio, presença nalgumas
espécies de rizomicélio (sistema rizoidal que se assemelha a um micélio
verdadeiro). As espécies mais “primitivas” são holocárpicas e as mais
evoluídas são “eucárpicas” (por exemplo, Symchytrium sp. e
Rhizophidium sp.);
Blastocladiales – soma vegetativo mais desenvolvido do que na ordem
anterior. Presença de sistema rizoidal complexo, de onde partem
ramificações com estruturas reprodutivas nos ápices. Alternância de
gerações haploide e diploide, em alguns membros. Reprodução
assexuada por meio de zoósporos produzidos em zoosporângios de
parede fina ou em esporos de dormência. Reprodução sexual por meio
de gâmetas móveis, anisogâmicos ou isogâmicos (por exemplo
Allomyces sp.);
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 79
Monoblepharidales – micélio delicado e densamente ramificado,
constituído por hifas muito vacuolarizadas. Reprodução sexual
oogâmica (oosferas e anterozoides com um único flagelo).
Figura 6.6 Ciclo de vida de Allomyces sp.. Imagem de BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
80 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
6.2.2 Zygomycota
6.2.2.1 Exemplos
Mucor sp., Rhizopus sp., Entomophthora sp., Polibolus sp.
6.2.2.2 Fase Vegetativa
Haploide, tipicamente miceliana. Hifas asseptadas com parede celular
constituída por quitina e quitosana.
6.2.2.3 Reprodução Assexuada
Através de aplanósporos formados em esporângios. Existe uma tendência
para a redução do número de esporangiósporos produzidos em cada esporângio,
em muitos membros desta classe.
6.2.2.4 Reprodução Sexuada
Observe o ciclo de vida dos Zygomycota na Figura 6.7, abaixo. A
reprodução sexuada dá-se por fusão completa de dois gametângios
multinucleados (conjugação gametangial), formados em micélios de duas
estirpes sexualmente compatíveis (tipos conjugantes “+” e “-”) sob a influência de
hormonas sexuais – ácidos trispóricos. Os tipos conjugantes “+” e “-” das
espécies heterotálicas produzem das espécies heterotálicas produzem
precursores hormonais diferentes os quais se fundem até à estirpe de
compatibilidade oposta no interior da qual são convertidas em hormonas activas
– ácidos trispóricos. Ou seja, nenhuma das duas estirpes pode produzir a hormona
activa, mas os seus sistemas enzimáticos são complementares, de maneira que
cada uma delas pode converter o precursor hormonal da outra numa única
hormona activa. No início, só são produzidas pequenas quantidades de precursor,
porque os genes que controlam a sua síntese estão reprimidos mas, como os
ácidos trispóricos actuam desreprimindo esses genes, logo se atingem níveis
elevados de síntese. Os ácidos trispóricos induzem a formação de zigóforos,
hifas vegetativas especializadas nas quais se diferenciam os gametângios.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 81
Figura 6.7. Ciclo de vida dos Zygomycota (Mucor sp.). Adaptação da imagem de BOS (2014).
6.2.2.5 Ocorrência e Importância
Os membros deste grupo são predominantemente terrestres. Alguns são
sapróbios, outros são parasitas obrigatórios ou oportunistas.
6.2.2.6 Classificação
Existem duas ordens:
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
82 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Mucorales – aplanósporos produzidos em esporângios globosos e
multinucleados, merosporângios, esporangíolos ou isoladamente.
Zigósporos normalmente com paredes espessas e resistentes, de cor
negra. Produção de clamidósporos grandes e terminais nas espécies
que formam micorrizas. Os fungos desta ordem são maioritariamente
sapróbios incluindo-se, também, os que formam micorrizas
vesiculares arbusculares. Algumas formas são parasitas de vegetais
e animais. Algumas espécies dos géneros Absidia, Rhizopus e Mucor
provocam micoses no Homem (por exemplo, micoses pulmonares, da
língua, otomicoses, etc.);
Entomophthorales – as hifas vegetativas tendem a desagregar-se em
segmentos (corpos hifais). Reprodução assexuada por descarga
violenta de conídios uni ou multinucleados. Alguns são sapróbios, mas
a maioria é parasita de insectos (por exemplo, Entomophthora
muscae, parasita de moscas).
6.2.3 Ascomycota
6.2.3.1 Exemplos
Neurospora sp., Eurotium sp., Ascobolus sp., Saccharomyces sp.
6.2.3.2 Fase Vegetativa
A fase vegetativa é normalmente constituída por hifas haploides septadas,
sendo o septo simples. Podem apresentar crescimento leveduriforme.
Normalmente haploides, mas algumas leveduras podem alternar entre a fase
haploide e diploide. A parede é constituída por quitina e glucanos.
6.2.3.3 Reprodução Assexuada
Normalmente envolve a produção de conídios mas nunca de
esporangiósporos.
6.2.3.4 Reprodução Sexuada
A reprodução ocorre sempre mediante a formação de ascósporos numa
estrutura denominada asco (célula esporogénica). Normalmente, os ascos
encontram-se inseridos em corpos de frutificação denominados ascocarpos (por
exemplo, as trufas).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 83
Os núcleos compatíveis podem ser reunidos por diferentes tipos de
anastemose sexual: conjugação gametangial, contacto gametangial,
espermatização ou somatogamia. Depois da plasmogamia, os núcleos não se
fundem. Mantêm-se emparelhados e dividem-se mitoticamente de forma
sincronizada formando-se, normalmente, um conjunto de hifas dicarióticas. Nas
células terminais destas hifas, ditas hifas ascogénicas, ocorre finalmente a
cariogamia, que leva à produção de uma célula diploide, a célula-mãe do asco.
Sucede-se imediatamente a meiose e forma-se uma dupla membrana que,
envolvendo os núcleos formados (normalmente oito), constitui a vesícula do asco.
Por invaginação desta membrana delimitam-se os ascósporos que, depois da
maturação, são libertados por ruptura ou dissolução da parede do asco (Figura
6.8).
6.2.3.5 Ocorrência e Importância
Estes fungos podem ser encontrados numa grande variedade de habitats
e durante todo o ano. Alguns colonizam o solo ou as madeiras mortas como
sapróbios, outros colonizam a água salgada, podendo ser sapróbios ou parasitas
de algas. Outros ainda são parasitas de plantas e animais. Muitas doenças das
plantas cultivadas são provocadas por estes fungos: a doença do olmo holandês
(Ceratocystis ulmi), o míldio pulverulento dos cereais (Erysiphe graminis) e das
rosas (Sphaerotheca pannosa), a sarna da maçã, mancha da folha da luzerna,
moniliose das Prunoidea, lepra do pessegueiro, podridão da maçaroca, o cancro
cortical do castanheiro (Endothia parasítica), etc.
Algumas espécies são parasita do Homem, destacando-se os
dermatófitos Arthroderma sp. e Nannizia sp.. Outras se revestem de interesse
económico – por exemplo, as leveduras do género Saccharomyces e as trufas
(Tuber sp.).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
84 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 6.8 Ciclo de vida de um Ascomycota típico. Adaptado de BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 85
6.2.3.6 Classificação
Existem cinco classes:
Hemiascomycetes – ascos nus (não formados em hifas ascogénicas)
e unitunicados (com uma só parede celular). Ausência de ascocarpos
(Figura 6.9). Possui duas ordens:
o Endomycetales – leveduras filamentosas unicelulares.
Reprodução assexual por gemulação ou fissão binária. Exemplo:
Saccharomyces sp.;
o Taphrinales – micélio constituído por células binucleadas a partir
das quais se formam ascos. Parasitas. Exemplo: Taphrina sp.;
Figura 6.9 Células leveduriformes de um Hemiascomycetes: Endomycetales (à esquerda) e Taphrinales (à direita). Fontes: Molina (2014) e Kendrick (2010b).
Plectomycetes – ascos unitunicados, geralmente globosos, que se
formam a partir de hifas ascogénicas no interior de um ascocarpo
fechado e globoso (cleistotécio) (Figura 6.10). Ausência de paráfises.
Possui duas ordens:
o Eurotiales – predominantemente sapróbios. Esporângios azuis
e verdes. Ascos muito pequenos e globosos. Estados conidiais
geralmente fialídicos (estado de Aspergillus do género Eurotium
e de Penicillium do género Talaromyces);
o Erysiphales – parasitas obrigatórios (biotróficos). Míldios
pulverulentos. Ascocarpos com um ou mais ascos “explosivos”.
Cadeias basípetas de conídios formadas a partir de uma célula-
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
86 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
mãe no micélio superficial. A penetração no hospedeiro é
confinada às células epidérmicas. Exemplo: Erysiphe graminis.
Figura 6.10 Cleistotécio de Erysiphe graminis. Fonte: Price (2010a).
Pyrenomycetes – ascos unitunicados, inoperculados, com poro ou
fenda apical, disposto numa camada himenial (ascos dispostos em
paliçada) com paráfises no interior de um ascocarpo em forma de
frasco com um poro apical – ostíolo (peritécio) (Figura 6.11). Os
ascocarpos podem ser produzidos isoladamente, em agregados ou
estromas. Muitos apresentam produção de conídios. A única ordem é
Sphaeridales. Exemplo: Neurospora sp.;
Figura 6.11 O peritécio é característico dos Pyrenomycetes. Fonte: New Brunswick Museum (2013a).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 87
Discomycetes – ascos unitunicados, cilíndricos, inoperculados ou
operculados, dispostos numa camada himenial com paráfises, na
superfície de um ascocarpo aberto em forma de taça ou disco
(apotécio) (Figura 6.12). Apresenta quatro ordens:
o Pezizales – ascos operculados (com tampa apical ou opérculo
para descarga dos esporos). Exemplos: Morchella deliciosa
(“cogumelo” comestível); Helvella esculenta (“cogumelo” que
produz o ácido hevético, venenoso);
o Helotiales – ascos inoperculados (abertos por uma fenda ou
ranhura apical). Muitos são terríveis parasitas de plantas.
Exemplo: Diplocarpon soraveri, que causa a mancha negra das
peras;
o Tuberales – trufas. O ascocarpo é um apotécio subterrâneo
modificado. Ascos globosos ou ovais. Exemplo: Tuber sp.;
o Lecanorales – é um grupo de discomicetes inoperculados que
vive em simbiose mutualística com algas – líquenes.
Aproximadamente 21% das espécies conhecidas de fungos
ocorrem como líquenes;
Figura 6.12 Imagem de Sarcoscypha coccinea como exemplo de Discomycetes (à esquerda). Note-se o formato de cálice do seu ascocarpo, descrito como apotécio. No corte transversal de um apotécio (à direita) verifica-se o himénio na superfície apical (daí o nome “apotécio”). Fontes: González (2012) e Price (2010b).
Loculoascomycetes – ascos bitunicados (com duas paredes). A
parede externa é fina e rígida e a interna é espessa e extensível. Antes
da libertação dos ascósporos a parede externa sofre ruptura e a interna
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
88 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
distensão (Figura 6.13). O ascocarpo é uma agregação compacta de
hifas vegetativas (ascostroma) que lembra um peritécio, ao qual se dá
o nome de pseudotécio. Os ascos desenvolvem-se em lóculos
(espaços) no interior desta estrutura. Existem duas ordens:
o Pleosporales – pseudotécio uniloculado com pseudoparáfises;
o Dothideales – pseudotécio sem pseudoparáfises.
Figura 6.13 Pseudotécio de Ventura inaequalis. Diferentemente do peritécio, o pseudotécio possui ascos bitunicados, sem verdadeiras paráfises, não existindo, neste caso, um himénio. Fonte: Kronmiller and Arndt (2010).
6.2.4 Basidiomycota
6.2.4.1 Exemplos
Cogumelos, orelhas-de-pau, ferrugens e fuligens.
6.2.4.2 Fase Vegetativa
Tipicamente dicariótica (Figura 6.14). Apresentam um micélio bem
desenvolvido e septado. Os septos são dolipóricos (excepto ferrugens e
fuligens). A parede celular é constituída por quitina e glucanos. Alguns membros
apresentam crescimento leveduriforme. Na maioria das espécies, o micélio
vegetativo atravessa três fases – primária, secundária e terciária – durante o ciclo
de vida do fungo. Ao germinar, o basídiosporo gera o micélio primário,
monocariótico, que inicialmente pode ser multinucleado, mas surgem
imediatamente septos que o tornam uninucleado.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 89
Figura 6.14 Ciclo de vida dos Basidiomycota. Imagem de BOS (2014).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
90 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
O micélio secundário, fase mais longa, surge por fusão de hifas primárias
de estirpes geneticamente compatíveis e é essencialmente dicariótico.
Normalmente, os septos surgem mediante a formação de ansas de anastemose,
na zona apical das hifas secundárias. Tais ansas asseguram a colocação de um
núcleo de cada tipo (x e y) nas “células” em formação, sendo características deste
grupo. O micélio terciário origina-se directamente do micélio secundário e
constitui os corpos de frutificação – basidiocarpos.
6.2.4.3 Reprodução Assexuada
Produção de conídios. Está ausente nos membros mais evoluídos. As
ferrugens podem produzir dois tipos de esporos de dispersão – os uredósporos
e os ecidiósporos (Figura 6.14). Nalguns casos, estes esporos são produzidos
em hospedeiros diferentes.
Figura 6.15 Uredósporos de Puccinia carduorum (esquerda) e ecidiósporos de P. graminis (direita). Fontes: Gassmann and Kok (2003) e Furnari et al. (2013).
6.2.4.4 Reprodução Sexuada
Tipicamente, ocorre pela fusão de hifas vegetativas de duas estirpes
sexualmente compatíveis. Depois da plasmogamia, forma-se um micélio
dicariótico que normalmente dá origem a uma estrutura de frutificação. É nesta
estrutura que se formam os basídios (Figura 6.16). Em cada basídio, os núcleos
fundem-se e sofrem meiose, produzindo-se exogenamente os basidiósporos.
Normalmente, formam-se quatro basidiósporos, um em cada esterigma (Figura
6.16). Estes esporos são libertados, normalmente, de uma forma violenta por meio
de um mecanismo especial (balistósporos).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 91
Figura 6.16. Formação de um basídio. Imagem de Sala de Estudos Ursa Maior (2011).
6.2.4.5 Ocorrência e Importância
Este grupo está dividido em três classes: Teliomycetes, Hymenomycetes
e Gasteromycetes. A classe Teliomycetes inclui as ferrugens e fuligens. Estes
são patogénicos de plantas superiores (exemplo: Puccinia graminis, cujas
subespécies infectam o trigo, centeio, a aveia e cevada).
As classes Hymenomycetes e Gasteromycetes englobam todas as
espécies que foram corpos de frutificação macroscópicos. Alguns membros
destas classes são patogénicos para as plantas, mas a maioria é sapróbia e habita
no meio terrestre. Muitas espécies causam apodrecimento da madeira (por
exemplo, a Serpula lacrymans), sendo responsáveis pela destruição de linhas
férreas e postes telefónicos. Outras espécies formam micorrizas com as raízes de
determinadas árvores, favorecendo o seu crescimento (por exemplo, a Amanita
sp. e Russula sp.).
O micélio, do qual surgem os cogumelos, espalha-se subterraneamente,
formando um anel que pode atingir 30 metros de diâmetro. Numa área aberta, o
micélio expande-se em todas as direcções, “morrendo” no centro e frutificando na
periferia. Como consequência, os cogumelos aparecem em círculo e, à medida
que o micélio vai progredindo no subsolo, os anéis vão aumentando de diâmetro.
Estes círculos são conhecidos na Europa como “anéis de fadas”.
Os cogumelos mais conhecidos pertencem à ordem Agaricales. O
cogumelo Agaricus bisporus é cultivado e comercializado mundialmente. A este
grupo também pertence o género Amanita, composto pelas espécies mais
venenosas – Amanita muscaria e Amanita phalloides (o anjo destruidor).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
92 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
6.2.4.6 Classificação
Existem 3 classes:
Hymenomycetes – são cogumelos comestíveis e venenosos, orelhas-
de-pau, políporos, fungos gelatinosos, etc. Os basídios encontram-se
expostos, quando maduros, e organizados num himénio em paliçada.
Com balistósporos. Existem duas subclasses:
o Agaricales – basidiocarpos carnudos, compostos de hifas com
parede fina. Himénio recobrindo lamelas na superfície inferior do
chapéu, algumas vezes forrando tubos que são facilmente
separáveis do chapéu, e mais raramente espinhos. Cogumelos
típicos (Figura 6.17);
Figura 6.17 Os cogumelos são típicos da subclasse Agaricales. Imagem de Biopix (2003).
o Aphyllophorales – basidiocarpos membranosos com textura
lenhosa, compostos de hifas com parede espessa. O himénio
forra tubos abertos para o exterior através de poros e firmemente
unidos ao basidiocarpo. Por vezes, recobre estruturas denteadas
(espinhos ou superfícies lisas). Por exemplo, orelhas-de-pau
(Figura 6.18) e políporos.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 93
Figura 6.18 Orelhas-de-pau. Fonte: Pozo (2005).
Phragmobaisiomycetidae – os basídios são fragmobasídios, divididos
por septos. Os basídiosporos geralmente germinam por repetição, ou
seja, produzindo esporos secundários. Exemplo: cogumelos
gelatinosos (Figura 6.19). Existem três ordens:
o Dacrymycetales – basídios furcados (dois esterigmas) com dois
basídiosporos. Basidiocarpos gelatinosos, normalmente
amarelos ou laranja;
o Tremellales – basídios divididos longitudinalmente em quatro
basidiocarpos gelatinosos, geralmente de cor viva. Quando
secos, apresentam uma consistência cartilaginosa;
o Auriculariales – basídios divididos transversalmente por três
septos. Basidiocarpos gelatinosos ou com consistência de
borracha. Quando secos, apresentam uma textura cartilaginosa;
Figura 6.19 Phlogiotis (Tremiscus) helvelloides (Auriculariales). Fonte: Hibbett (2003).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
94 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Gasteromycetes – são as puffballs, estrelas da terra, os ninhos das
aves, stinkhorn (cogumelos fálicos, que exalam um cheiro a podre muito
intenso) (Figura 6.20). Os basídios não se encontram expostos quando
maduros, mas sim encerrados em cavidades no interior de
basidiocarpos fechados. Os basídiosporos não são libertados
violentamente, pelo que esta ocorre por colapso do basídio.
Figura 6.20 Basidiocarpos da classe dos gasteromycetes: puffball (à esquerda) e stinky horn (à direita). Fontes: Hagenlocher (2005) e Clyne (2009).
Teliomycetes – são as ferrugens e fuligens. Apresentam septos
simples. Basidiocarpos ausentes. Basídios substituídos por teliósporos
(probasídios enquistados) ou clamidósporos, no interior dos quais se
dá a cariogamia, que germinam num promicélio). Geralmente, o
promicélio origina quatro ou mais esporos, depois da meiose. Parasitam
plantas vasculares (Figura 6.21).
Figura 6.21 Danos causados por uma fuligem (Ustilago tritici) em trigo e cevada (esquerda) e por ferrugem (Gymnoconia nitens) em amoreira (direita). Fontes: Clemson University - USDA Cooperative Extension Slide Series (2002) e Healy et al. (2007).
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 95
o Ustilaginales – as fuligens. Parasitam angiospérmicas. Formam
massas características de clamidósporos negros. O promicélio
produz um grande número de esporos;
o Uredinales – as ferrugens. Parasitas biotróficos de
angiospérmicas, gimnospérmicas e pteridófitas. Formam massas
características de uredósporos vermelhos acastanhados. O
promicélio, formado a partir dos teliósporos, produz quatro
esporos. A maioria das espécies possui ciclos de vida
extremamente complexos, envolvendo cinco estados
esporulados.
6.2.5 Deuteromycota
6.2.5.1 Exemplos
Alternaria sp., Aspergillus sp., Aureobasidium sp., Cladosporium sp.,
Geotrichum sp., Humycola sp., Penicillium sp., Phialophora sp., Glocosporium sp.,
Pesotum sp., Phomophsis sp.
6.2.5.2 Descrição
São chamados “fungos imperfeitos”. Fungos dos quais só se conhece o
estado miceliano ou assexual – estado imperfeito ou anamórfico. Os estados
sexuais (perfeitos ou teleomórficos) são desconhecidos ou inexistentes. A fase
vegetativa é constituída normalmente por hifas com septos simples. Alguns
membros podem apresentar crescimento leveduriforme, outros alteram entre o
crescimento leveduriforme e miceliano (Aureobasidium sp.). A fase vegetativa é
haploide. A parede é constituída por quitina ou glucanos. A reprodução assexuada
dá-se por fragmentação do micélio, gemulação ou produção de conídios.
6.2.5.3 Ocorrência e Importância
As leveduras deste grupo colonizam os mesmos habitats que de outros
grupos (habitats húmidos e ricos em nutrientes). Temos a destacar a Candida
albicans, sapróbio habitual da boca, intestino e vagina dos seres humanos, que
pode-se tornar patogénico quando há alterações locais ou enfraquecimento dos
mecanismos de defesa, o Geotrichum candidum, responsável pela deterioração
de lacticínios.
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
96 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Os membros micelianos ocupam um grande número de habitats terrestres
e aquáticos. Os géneros Trichoderma, Penicillium e Gliocladium são típicos
habitantes do solo. As folhas das plantas suportam populações de Cladosporium,
Aureobasidium e Alternaria. A deterioração de alimentos é comummente causada
por espécies de Pencillium e Aspergillus (Figura 6.22).
Figura 6.22 Conidióforos de Aspergillus (esquerda) e Penicillium (direita). Fontes: Datta (2013) e Kunkel (2008).
Espécies dos géneros Fusarium, Verticillium e Phialophora são
fitopatogénicas. Neste grupo estão também incluídos dermatófitos do Homem
e dos animais (por exemplo, Microspora sp., Trichophyton sp., Aspergillus sp.,
etc.), e alguns parasitas de insectos (Beauveria sp., Metarhizium sp., Verticillium
lecanii). Outros ainda são responsáveis por micoses internas do Homem
(Histoplasma capsulatum, responsável pela histoplasmose).
6.2.5.4 Classificação
Existem três classes:
Blastomycetes – formas com crescimento leveduriforme. Ausência de
verdadeiro micélio ou então, se presente, pouco desenvolvido.
Reprodução assexuada por gemulação;
Biologia dos Fungos – Grupos Taxonómicos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 97
Hyphomycetes – formas micelianas com conídios formados
directamente nas hifas ou em conidióforos. Os conidióforos podem
surgir isolados ou agrupados (corémio, esporodóquio);
Coelomycetes – formas micelianas que apresentam corpos de
frutificação assexuados (picnídios e acérvulos).
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
98 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 7 Sistemas Genéticos
Os fungos constituem ferramentas ideais para a análise genética e alguns,
em particular contribuíram grandemente para a compreensão geral dos sistemas
genéticos – Neurospora crassa, Sordaria sp., Saccaromyces cerevisiae e
Aspergillus nidulans. Algumas das razões que contribuíram para tal importância
serão apresentadas em seguida:
Uma vez que a maioria dos fungos é haploide, torna-se fácil induzir
mutações e selecionar mutantes, principalmente se os esporos forem
uninucleados (Aspergillus sp.). Os agentes mutagéneos mais comuns
são a luz ultravioleta e substâncias químicas como a N-metil-N-
nitrosoguanidina (NTG) e o etilmetanossulfonato (EMS);
A facilidade com que os fungos são cultivado em laboratório,
completando o seu ciclo de vida num curto espaço de tempo;
Muitos fungos possuem reprodução sexuada e assexuada. A primeira é
utilizada no cruzamento de estirpes, ao passo que a segunda permite a
obtenção de quantidades apreciáveis de material genético uniforme;
Nos fungos mais complexos, todos os núcleos que resultam de meiose,
normalmente, sobrevivem e são distribuídos pelos esporos sexuais.
Deste modo, o conteúdo de um só asco compõe-se de todos os
produtos da meiose que podem alinhar sequencialmente permitindo
visualizar a forma como os genes segregaram durante a meiose;
Uma razão muito importante é o facto de alguns fungos possuírem
sistemas genéticos alternativos denominados heterocariose e
parassexualidade. Estes sistemas permitem o estudo das relações
existentes entre núcleos geneticamente diferentes, como um todo.
7.1 Recombinação Sexual
Como já se viu, a reprodução sexual dos fungos é fundamentalmente
idêntica à dos outros organismos. Ela envolve a fusão de dois núcleos haploides,
formação de um núcleo diploide, que mais cedo ou mais tarde sofre meiose,
durante a qual os genes parentais segregam-se em diferentes combinações. Os
núcleos-filhos (recombinantes) podem possuir misturas de todos os cromossomas
parentais, devido à segregação independente, e ao fenómeno de permuta entre
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 99
os cromossomas homólogos. Estes são os aspectos essenciais da recombinação
sexual em todos os organismos.
7.1.1 Sistemas de Compatibilidade
Alguns fungos são homotálicos, ou autoférteis, outros são heterotálicos
ou autoestéreis, necessitando da presença de dois organismos geneticamente
compatíveis para levar a termo a reprodução sexuada. Em muitos membros de
Zygomycota, por exemplo, existem dois tipos conjugantes designados “+” e “–”
(porque normalmente diferem morfologicamente), que são determinados por dois
alelos num só locus génico. Estes alelos segregam independentemente de modo
que metade dos produtos da meiose são do tipo “+” e metade do tipo “–”. Nos
Oomycota, os sistema de compatibilidade é similar. No caso do género Pythium,
os tipos compatíveis são também designados “+” e “–” (embora muitas espécies
sejam homotálicas), mas nas espécies de Phytophthora são designados A1 e A2.
Do mesmo modo, em Ascomycota normalmente existem dois tipos conjugantes
determinados por um único gene com duas formas alélicas. No caso de
Neurospora os alelos são designados “A” e “a” e em Saccharomyces “a” e “”.
Só os micélios que possuem factores de compatibilidade opostos é que são
férteis (compatíveis). Deste modo, existe 50% de probabilidade de infertilidade, ou
seja apenas metade dos “encontros” serão bem-sucedidos. Diz-se que estas
espécies apresentam compatibilidade bipolar (Figura 7.1).
Figura 7.1 Sistema de compatibilidade bipolar. Imagem de Nieuwenhuis et al. (2013).
Os membros de Basidiomycota apresentam um sistema de compatibilidade
mais complexo que envolve dois loci, cada um com um par de alelos A1, A2 e B1,
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
100 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
B2 (compatibilidade tetrapolar, ver Figura 7.2), ou com múltiplos alelos cada
(compatibilidade multipolar). No primeiro caso podemos ter quatro tipos de
conjugantes (A1B1, A2B1, A1B2 e A2B2). Só os micélios que dão origem aos zigotos
A1B1A2B2 são compatíveis (férteis). Neste caso, apenas 25% dos encontros serão
bem-sucedidos.
Figura 7.2 Sistema de compatibilidade tetrapolar. Imagem de Nieuwenhuis et al. (2013).
O aumento do número de alelos por loci parece estar envolvido no aumento
da fertilidade entre micélios não originados a partir do mesmo indivíduo, com uma
consequente diminuição da probabilidade de fertilização entre indivíduos
geneticamente similares.
7.1.2 Partenogénese e Outros Mecanismos de Atalho
Para além do seu papel óbvio na recombinação genética, o processo sexual
em fungos conduz normalmente ao desenvolvimento de uma fase de dormência
– oósporos, zigósporos, ascósporos, etc.6. Em ligação com isto, a reprodução
sexuada ocorre normalmente quando as condições de vida são desfavoráveis ao
fungo ou depois de um período longo de crescimento vegetativo, ao passo a
assexuada ocorre quando as condições são favoráveis ao crescimento vegetativo
e resulta na produção de esporos de dispersão.
Em espécies homotálicas não existe conflito entre estas duas funções do
ciclo sexual. Mas como é que as espécies heterotálicas sobrevivem na ausência
6 Geralmente, os esporos sexuais possuem paredes espessas, estando
adaptados a suportar condições ambientais adversas.
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 101
de um parceiro adequado? Os fungos que formam clamidósporos ou esporos
assexuados de paredes espessas circundaram este problema. Outros pura e
simplesmente alteraram o seu processo sexual. Por exemplo, espécies de
Saprolegnia (Oomycota aquático) podem desenvolver oósporos directamente nas
hifas sem ter ocorrido fertilização, por partenogénese. Um outro processo
alternativo foi descrito em algumas espécies fitopatogénicas do género
Phytophthora. Estas espécies são heterotálicas mas podem tornar-se autoférteis
por exposição a metabólitos voláteis libertados pelo fungo Trichoderma viride
(habitante comum do solo) ou por exposição a vapores do fungicida clorobene, ou
em resposta a vários tipos de danos físicos ou fisiológicos. Trata-se de um
verdadeiro processo sexual, envolvendo anterídios e oogónios de uma única
estirpe. De forma surpreendente, este processo só ocorre nas estirpes com o
factor de compatibilidade A2.
7.1.3 Reprodução Sexuada em Basidiomycota
Em muitos fungos existe uma diferença funcional entre a reprodução
sexuada e assexuada. Como já vimos, os esporos sexuais são formados em
pequeno número e servem de estruturas de dormência, os assexuais são
formados em grande número e servem para dispersar o organismo. No entanto,
muitos dos Basidiomycota não produzem esporos assexuados e o processo
sexuado foi modificado de modo a serem produzidos esporos sexuais de
dispersão em grande número. A grande vantagem é que os esporos assim
produzidos são geneticamente diversos, enquanto os assexuados são
geneticamente uniformes.
Anteriormente, referiu-se que a maioria dos fungos deste grupo possuem
septos dolipóricos, que não permitem a passagem de núcleos. Sendo assim, como
é que se pode desenvolver um micélio dicariótico a partir de um monocariótico? A
resposta é que, imediatamente após a fusão das hifas de estirpes compatíveis
(por processos de anastemose), os septos sofrem dissolução, ficando apenas um
pequeno anel de material de parede. Este processo de dissolução dos septos é
realizado pela enzima R-glucanase, cuja síntese está permanentemente reprimida
nos micélios monocarióticos. Esta enzima actua em conjunto com outras como a
quitinase, por exemplo.
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
102 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Estudos sobre a compatibilidade em Basidiomycota demonstraram que os
genes envolvidos neste processo (A1, A2, B1 e B2) governam o desenvolvimento
de ansas de anastemose e o processo de dissolução dos septos (Tabela 7.1).
Resumindo, a presença de genes A diferentes na hifa determina a produção de
ansas de anastemose. A presença de genes B diferentes determina a produção
da R-glucanase (actua ao nível da repressão genética), a migração nuclear e a
fusão das ansas com as hifas.
Tabela 7.1 Efeitos de diferentes constituições genéticas de um dicário.
A1A1 B1B2 A=B≠ Dissolução dos septos (produção de R-
glucanase);
Migração de núcleos.
A1A2 B1B1 A≠B= Os septos permanecem intactos;
Não há migração de núcleos;
Formam-se ansas mas estas não se fundem com
a hifa.
A1A1 B1B2 A=B= Não há dissolução dos septos;
Não há migração de núcleos;
Não se formam ansas de anastemose.
A1A2 B1B2 A≠B≠ Os septos sofrem dissolução;
Dá-se a migração de núcleos;
Formam-se ansas de anastemose que se fundem
com a hifa.
7.2 Sistemas Genéticos Alternativos
7.2.1 Heterocariose
7.2.1.1 Definição e Descrição
Muitos fungos podem apresentar dois mais tipos de núcleos geneticamente
diferentes nas suas hifas. Estes fungos são denominados heterocarióticos, em
contraste com homocarióticos, que possuem apenas um tipo de núcleo. Um
fungo dicariótico assemelha-se superficialmente a um fungo heterocariótico, mas
nos primeiros os núcleos dividem-se de forma sincronizada e estão
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 103
uniformemente distribuídos no micélio. Este grau de coordenação não existe nos
fungos heterocarióticos. Nestes, os núcleos estão dispersos ao acaso pelos
compartimentos celulares e podem variar muito nos seus números relativos.
Os micélios heterocarióticos possuem duas características extremamente
interessantes e, talvez, importantes. A primeira é que os núcleos se
complementam na medida em que os seus genes apresentam o mesmo tipo de
relações de dominância e recessividade encontrado nas células diploides. A
segunda é que a razão entre os diferentes tipos de núcleos pode variar, dentro de
certos limites, e pode ser drasticamente alterada pelas condições ambientais
(Tabela 7.2).
Tabela 7.2 Efeitos da composição do meio de crescimento a razão nuclear, numa colónia heterocariótica contendo núcleos do tipo A e B. Dados relativos de uma colónia de Penicillium cyclopium.
Composição percentual do meio
Percentagem de núcleos em heterocarióticos
Taxa de crescimento relativo dos heterocários A e B
Nutrientes mínimos
Polpa da maçã
Tipo A Tipo B A:B
0 100 8,6 91,4 0,71:1
20 80 7,8 92,2 0,53:1
40 60 11,1 88,9 0,54:1
60 40 12,7 87,3 0,67:1
80 20 13,5 86,5 1,00:1
100 0 51,8 48,2 1,56:1
Fonte: Jinks (1952).
Assim, por um lado, a heterocariose permite que fungos haploides
“escondam” genes recessivos das pressões de selecção (característica
normalmente associada à diploidia) e, por outro, confere ao fungo a capacidade
de continuamente alterar a sua constituição genética em resposta à selecção por
pressões ambientais – uma característica que não em encontrada em nenhum
outro tipo de organismo.
Ainda não está claro como é que a razão entre os núcleos é alterada em
resposta às condições ambientais. A explicação mais simples é que surgem
continuamente no micélio hifas monocarióticas que crescem mais ou menos
rapidamente do que o micélio heterocariótico, dependendo da sua capacidade de
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
104 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
prevalecer num determinado ambiente. Deste modo, a razão nuclear é alterada
na colónia como um todo. Outra hipótese, ainda por ser comprovada, é que os
núcleos apresentariam diferentes taxas de divisão, dependendo das condições
ambientais. Seja qual for o mecanismo, frise-se que a heterocariose não é um
substituto do processo sexual, mas sim apenas uma forma de se “jogar” com todos
os núcleos presentes num hialoplasma comum.
7.2.1.2 Como é que Surge?
Os fungos heterocarióticos podem surgir de duas maneiras: mutação de
genes num dos núcleos do micélio (o que estabelece automaticamente a
heterocariose) ou por fusão de hifas de micélios geneticamente diferentes (o que
raramente, ou nunca, acontece nos fungos menos evoluídos. Em ambos casos,
uma verdadeira condição de heterocariose só existe quando núcleos
geneticamente diferentes estão presentes no compartimento apical.
7.2.1.3 Como é que se Desfaz?
De duas maneiras: quando surgem ramificações que só contêm um tipo de
núcleo ou durante a produção de esporos assexuais uninucleados (Figura 7.3).
Figura 7.3 Reversão do processo de heterocariose. Imagem de Deacon (2006).
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 105
7.2.2 Parassexualidade
7.2.2.1 Descrição
Ao contrário da heterocariose, este sistema alternativo é um verdadeiro
substituto do sexo, sendo de grande importância no estudo dos fungos
“imperfeitos” (Deuteromycota). A parassexualidade foi descoberta por Pontecorvo
(1956) durante os seus estudos sobre heterocariose em Aspergillus nidulans. Ele
observou que uma pequena porção dos esporos homocarióticos, derivados de um
micélio heterocariótico artificial, eram geneticamente diferentes das estirpes
parentais. Isto sugeriu que os genes parentais tinham, de alguma forma, sofrido
recombinação e tinha-se produzido um núcleo geneticamente diferente. Esta
situação não poderia ter surgido apenas pela heterocariose porque os núcleos não
perdem a sua individualidade, independentemente da forma como estão
“misturados”. Pontecorvo estudou este fenómeno, que denominou de
parassexualidade (Figura 7.4).
A parassexualidade envolve três passos separados no espaço e no tempo
e acentuadamente diferentes:
1. Diploidização – ocasionalmente, dois núcleos geneticamente
diferentes num micélio heterocariótico fundem-se e formam um núcleo
diploide. O mecanismo envolvido neste processo é desconhecido. É de
salientar que este processo é raro, ocorrendo com uma frequência
similar à da mutação génica. O núcleo diploide formado é relativamente
estável e divide-se por mitose;
2. Recombinação mitótica – durante a divisão mitótica ocorre,
ocasionalmente, permuta que resulta na troca de material genético. Este
é, também, um fenómeno raro;
3. Haploidização – é um mecanismo que permite que os núcleos diploides
revertam ao estado haploide. Pensa-se que o processo se dê por perda
progressiva de cromossomas, pelos núcleos diploides, por não
disjunção dos cromossomas durante sucessivos processos mitóticos.
Assim, um único núcleo diploide dará origem, inicialmente, a dois
núcleos, tendo um 2n+1 cromossomas e o outro 2n-1. Tais núcleos
aneuploides (com múltiplos incompletos do número haploide de
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
106 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
cromossomas) são instáveis e tendem a reverter a núcleos euploides,
por perda sucessiva de cromossomas. O núcleo 2n+1 reverte a 2n
enquanto o 2n-1 reverte a um núcleo haploide.
Figura 7.4 Esquema mostrando como a parassexualidade pode ocorrer.
É necessário frisar que cada um destes eventos é relativamente raro e
aparentemente não relacionado. Eles não constituem um ciclo regular e
controlado, como é o caso do ciclo sexual. De qualquer forma, os genes parentais
podem ser recombinados desta forma. Primeiro por permuta mitótica e depois,
talvez, por perda ao acaso dos cromossomas, fenómeno equivalente à
segregação independente que ocorre na meiose. Assim, mesmo que não ocorra
a permuta, os cromossomas presentes no núcleo haploide podem ser uma mistura
dos cromossomas parentais.
7.2.2.2 Significado da Parassexualidade
A principal vantagem deste processo parece ser permitir a existência de
recombinação genética nos fungos “imperfeitos” (Deuteromycota), mas isto
Biologia dos Fungos – Sistemas Genéticos
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 107
levanta uma questão interessante: porque é que estes fungos abandonaram a
reprodução sexuada a favor de um processo mais aleatório e aparentemente
menos eficiente? A resposta pode ser a seguinte: nos fungos que existem durante
a maior parte das suas vidas sob a forma heterocariótica, há uma grande
probabilidade de o processo parassexual ocorrer na sua totalidade durante
alguma etapa do seu crescimento vegetativo. Embora cada passo do processo
parassexual seja raro, cada colónia contém vários milhares de núcleos e, logo, a
possibilidade de este processo ocorrer na colónia, como um todo, é elevada.
Biologia dos Fungos – Nutrição
108 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 8 Nutrição
Os fungos têm um modo de nutrição característico e muito bem-sucedido.
Eles requerem materiais orgânicos preformados que servem como fonte de
energia e matéria-prima (esqueletos carbonados) para a síntese de outros
compostos. As moléculas orgânicas mais simples (monossacáridos, aminoácidos
e ácidos orgânicos) são absorvidas através da membrana (nutrição
osmotrófica). Mas as mais complexas devem ser degradadas em monómeros no
exterior da célula por acção de enzimas (depolimerases) libertadas através das
paredes celulares ou ligadas a estas. Apenas os fungos limosos são capazes de
se alimentar por fagocitose.
As depolimerases são utilizadas em vários processos industriais mas muito
pouco se sabe sobre a sua síntese ou a forma como são libertadas do interior das
células. Estas lacunas limitam de forma acentuada a sua exploração comercial
mais intensa.
Pensa-se que as depolimerases sejam transportadas em vesículas até à
membrana plasmática, sendo libertadas a nível da parede. A sua passagem
através da parede não é bem percebida. Existem também evidências de uma
regulação precisa da síntese enzimática. Em muitos casos, as enzimas são
induzidas pela presença dos substratos no exterior das hifas. Por outro lado, a
sua síntese é reprimida pela presença dos produtos finais ou outros materiais
capazes de ser prontamente absorvidos e utilizados (por exemplo, a glicose).
As enzimas que um fungo é capaz de sintetizar determinam em grande
medida a sua capacidade de utilizar alguns substratos e, logo, condicionam os
habitats que pode colonizar. O modo de nutrição dos fungos (osmotrófica)
apresenta notáveis consequências que governam vários aspectos da sua
ecologia:
Em virtude da digestão ocorrer no exterior da célula, os produtos da
hidrólise de polímeros estão potencialmente ao alcance de outros
microrganismos. Algumas das interacções entre fungos de diferentes
espécies ocorrem em consequência deste facto. Por exemplo, alguns
fungos que não conseguem degradar polímeros vivem em associação
íntima com aqueles que não o fazem, partilhando com os últimos os
produtos resultantes da degradação enzimática dos polímeros. Esta
Biologia dos Fungos – Nutrição
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 109
forma de nutrição é denominada saprofitismo secundário para os
açúcares;
A nutrição osmotrófica torna necessária a presença da água em finas
películas ao redor das hifas, de forma a permitir a difusão das enzimas
(e a sua actividade) e dos nutrientes. Por esta razão, o crescimento dos
fungos está restrito a ambientes relativamente húmidos onde haja uma
fase líquida. Uma vez que as suas paredes necessitam de se manter
permeáveis à água, os fungos são particularmente sensíveis à
dessecação. No entanto, o crescimento dos fungos parece ser menos
dependente da presença de água, na sua forma livre, do que o das
bactérias. Isto porque as hifas podem crescer e colonizar vários
habitats, ao passo que as bactérias dependem de películas aquosas
para se movimentarem;
Uma vez que as enzimas extracelulares são libertadas para o meio,
cujas condições não podem ser controladas pelo fungo, pode-se
afirmar, pelo menos teoricamente, que tais condições ambientais
podem limitar o crescimento fúngico, restringindo a actividade
enzimática dos mesmos. Existem, no entanto, notáveis excepções. O
fungo Sclerotium rolfsii (fitopatogénico) secreta grandes quantidades de
ácido oxálico, que baixa o pH dos tecidos vegetais até
aproximadamente 4. Este pH é óptimo para a actividade das suas
enzimas pécticas, que degradam a lamela média das paredes celulares
do hospedeiro. O ácido oxálico combina-se, também, com os catiões
divalentes, libertando-os das suas ligações com alguns dos
componentes pécticos, o que torna mais fácil a degradação da pectina.
O fungo Serpula lacrymans (responsável pelo apodrecimento de
substratos extremamente secos) degrada a celulose em glucose, e esta
em dióxido de carbono e água, de forma tão eficaz que cria, a partir do
substrato, água metabólica. Este fungo necessita de água para iniciar
o seu crescimento e em seguida pode continuar a degradar substratos
extremamente secos (madeiras secas), sendo difícil de erradicar
quando estabelecido. O nome específico lacrymans refere-se à sua
habilidade de exsudar água das hifas ou dos cordões micelianos. De
Biologia dos Fungos – Nutrição
110 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
uma forma semelhante, alguns fungos que causam a deterioração de
cereais armazenados podem crescer em grãos com um conteúdo de 15
a 16% de água. Estes fungos criam pequenos gradientes locais de
temperatura e humidade, fazendo com que a água se condense noutros
locais da massa de grãos permitindo a proliferação de outros fungos
não tão resistentes à dessecação;
Os fungos que degradam polímeros insolúveis, como a celulose,
produzem zonas de erosão enzimática, ou zonas de exaustão de
nutrientes, em torno das suas hifas. Como tal, eles necessitam de
crescer continuamente para zonas novas, à medida que decresce a sua
eficiência em obter nutrientes numa determinada zona. Qualquer
citoplasma que fique nas zonas velhas e exaustas de nutrientes torna-
se redundante em termos de obter mais nutrientes, migrando em
direcção ao ápice e contribuindo para o crescimento apical das hifas. O
problema não é tão grave para um fungo cujo crescimento depende de
nutrientes em solução, capazes de se fundir até à célula. Assim, as
leveduras e alguns fungos dimórficos tendem a colonizar habitats
húmidos e ricos em açúcares. Nestes ambientes, existe normalmente
grande percentagem de água e os nutrientes são constantemente
repostos. Assim, não existe uma necessidade real de crescimento
direcionado, sendo vantajosa a formação de células individuais que se
podem espalhar rapidamente.
8.1 Fontes de Carbono e Energia
Seria difícil enumerar todos os compostos que servem como fontes de
carbono e energia para os fungos. É provável que não exista nenhum material
orgânico que não possa ser utilizado por um ou outro fungo. Até metano, o
composto orgânica mais simples, é utilizado como fonte de carbono e energia por
algumas leveduras. Os fungos podem também degradar uma grande variedade
de compostos orgânicos produzidos pelo Homem, tais como os pesticidas. Não
deve ficar a ideia de que todos os fungos são capazes de utilizar todos os
materiais. Pelo contrário, relativamente poucos conseguem utilizar
hidrocarbonetos e poucos conseguem utilizar polímeros complexos como a
lenhina e a queratina.
Biologia dos Fungos – Nutrição
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 111
Os carbohidratos de origem vegetal constituem a fonte de energia mais
abundante na natureza. Quase todos os fungos utilizam a glicose, muitos utilizam
igualmente bem a maltose, sacarose e o amido. As principais excepções são
fungos que crescem em habitats extremamente especializados, sem estes
nutrientes. O Leptomitus lacteus (Oomycete), por exemplo, não consegue utilizar
a glucose, e em vez desta usa ácidos gordos, ácidos orgânicos e glicerol. Este
fungo cresce em efluentes urbanos onde estes materiais abundam. Além dos
açúcares já mencionados, os fungos utilizam outras hexoses, pentoses, etc. e
derivados açucarados como ácidos urónicos e açúcares álcoois. Muitas vezes os
fungos não utilizam um, ou vários, dos compostos mencionados, não porque não
os podem metabolizar, mas porque não conseguem transportá-los através da
membrana plasmática (não produzem a permease necessária). As gorduras e
proteínas podem ser utilizadas pelos fungos, mas podem não ser adequadas
como a única fonte de carbono se, por qualquer razão, o fungo não for capaz de
sintetizar açúcares a uma taxa que permita suportar as necessidades da síntese
da parede, ou se este está a crescer em anaerobiose (os açúcares são
necessários para a produção de energia. Em suma, não é possível divorciar a
nutrição de outros aspectos do metabolismo celular.
Os principais polissacarídeos constituintes das paredes celulares das
plantas – celulose e hemiceluloses – são utilizados por vários fungos que
desempenham um papel importante na reciclagem destes materiais. Além das
celuloses que ocorrem na natureza, uma grande variedade de celuloses solúveis
é comercializada e utilizada como estabilizadores de emulsões na produção de
tintas, ou como géis na produção de pastas de papel de parede, etc. Nestes casos,
alguns dos resíduos de glicose são substituídos por grupos metilo ou etilo, dando
origem às carboximetilceloses e carboxietilceluloses. São estes compostos que
permitem o crescimento dos fungos nas paredes das casas muito húmidas.
Na outra extremidade do “espectro” das diferentes fontes de carbono
podemos considerar a utilização dos hidrocarbonetos e materiais fabricados pelo
Homem. No entanto, estes compostos raramente ocorrem em concentrações
suficientes e em condições ambientais adequadas, que permitam a sua utilização
como fonte única de carbono e energia. De qualquer forma, muitos destes
materiais podem ser degradados por um ou outro fungo. Por exemplo, os fungos
podem causar danos em várias indústrias quando crescem nos óleos das
Biologia dos Fungos – Nutrição
112 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
maquinarias utilizadas, provocando o entupimento de filtros, aumento da
viscosidade dos lubrificantes e corroendo os metais como resultado do seu
crescimento. Os fungos também são comummente encontrados nos tanques de
armazenamento de combustível para aviões, particularmente o Cladosporium
resinae (teleomorfo – Amorphotheca resinae, Ascomyxota) e o Paecilomyces
varioti, que causam problemas no armazenamento de combustíveis em todo o
Mundo. É necessário notar que os fungos crescem no combustível dos aviões
apenas se estiverem presentes água, oxigénio e nutrientes minerais.
Nos últimos anos, tem-se dedicado muita atenção à degradação de
pesticidas e plásticos – os maiores poluentes ou potenciais poluentes. Os
principais componentes estruturais dos plásticos parecem não ser utilizados pelos
microrganismos, embora se assemelhem aos ácidos gordos de cadeia longa, que
são prontamente degradados pelos mesmos. Como exemplo, tem-se o
polietileno [(CH2-CH2)n] e o cloreto de polivinil [(CH2-CHCl)n]. Talvez principal
razão para a sua persistência no meio ambiente seja a incapacidade de os
microrganismos em os absorver e a ocorrência da -oxidação no interior das
células. No entanto, os fungos metabolizam alguns dos componentes dos
plásticos (por exemplo, os glicol ésteres, que constituem uma parte substancial do
peso total dos plásticos) expondo os componentes estruturais à foto-oxidação.
A degradação dos pesticidas (no senso lato) depende grandemente da
natureza molecular dos mesmos e, no caso de compostos aromáticos, ela
depende particularmente do número e tipo de grupos substituintes no anel
benzílico. De um modo geral:
Quanto maior o número de substituintes, maior o grau de persistência;
Substituições amino, metoxi, cloro e nitro conferem maior resistência ao
ataque microbiano, substituições carboxi e hidroxilo têm menor efeito;
Substituições meta conferem maior resistência do que as orto e para.
Tome-se o exemplo do DDT (Figura 8.1) que é uma molécula
extremamente persistente que causou graves problemas ambientais e ecológicos.
A sua resistência ao ataque microbiano é conferida pelo grupo CCl3 na posição y
e pelos átomos de cloro na posição x. Se as posições x e y estiverem presentes
nos átomos de hidrogénio, a molécula pode ser degradada por vários
Biologia dos Fungos – Nutrição
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 113
microrganismos. Se na posição y estiver o grupo CCl3 e na x o OCH3 (o insecticida
metoxicloro), a persistência no solo é muito breve.
Figura 8.1 DDT e compostos relacionados. Metoxicloro, X=OCH3, Y=CCl3; DDT, X=Cl, Y=CCl3.
É interessante o facto de vários compostos produzidos pelo Homem,
apesar de não servirem como fontes únicas de carbono e energia, serem
prontamente metabolizados na presença de outras fontes de carbono, como a
glicose. A este fenómeno dá-se o nome de co-metabolismo. Este parece resultar
de um modo de acção não-específico de algumas enzimas envolvidas no
metabolismo normal, ou de um processo de oxidação-redução não enzimático,
envolvendo agentes redutores gerados durante o metabolismo normal.
8.2 Outras Exigências Nutricionais
Na maioria dos trabalhos laboratoriais de rotina, os fungos são cultivados
em meios preparados a partir de ágar e extratos de plantas: batata, malte, etc. No
entanto, se fornecermos uma fonte de carbono adequada, muitos fungos são
capazes de crescer utilizando apenas nutrientes inorgânicos simples, como os
indicados na Tabela 8.1.
Apenas pela utilização destes meios quimicamente definidos, de
preferência na ausência de ágar, torna-se possível determinar as necessidades
nutricionais de cada fungo.
Tabela 8.1 Meios de cultura para fungos.
Meios
naturais
1. Potato dextrose agar (PDA): cozem-se 200 g de batatas
em 1 litro de água destilada; filtra-se através de gaze;
Biologia dos Fungos – Nutrição
114 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
perfaz-se até 1 litro e adiciona-se 20 g de glicose e 15-20 g
de agar.
2. Malt extract agar (MEA): dissolvem-se 20-30 g de extracto
de malte comercial em 1 litro de água destilada; adiciona-se
15-20 g de agar; a adição de 5 g de peptona é facultativa.
3. Oatmeal agar (OA): cozem-se 30 g de farinha de aveia
em 1 litro de água destilada; filtra-se e adiciona-se 15-20 g
de agar.
Meio
sintético
NaNO3 (ou NH4NO3) 2 g
KH2PO4 1 g
MgSO4. 7H2O 0,5 g
KCl 0,5 g
FeSO4. 7H2O 0,01 g
ZnSO4. 7H2O 0,01 g
CuSO4. 5H2O 0,005 g
Água destilada 1 litro
Sacarose/Glucose 20 g
Agar 15-20 g
Biotina 10 g*
Tiamina 100 g*
* Não são requeridas por todos os fungos.
Destes estudos emergiram alguns dados interessantes:
Vários fungos necessitam, para o seu crescimento normal, de vitaminas
preformadas, sendo as mais vulgares a tiamina e biotina. Muito
raramente se verifica a exigência de várias vitaminas por um só fungo;
Alguns fungos requerem aminoácidos preformados, mas esta
necessidade pode ser facilmente ultrapassado com o fornecimento de
L-asparagina, L-glutamina ou L-arginina. Poucos fungos necessitam de
aminoácidos específicos, normalmente os com átomos de enxofre;
Vários fungos aquáticos, e alguns membros de Basidiomycota, não são
capazes de utilizar o nitrato (NO3-), mas utilizam a amónia solubilizada
(NH4-) ou fontes orgânicas de nitrogénio. Estes fungos não possuem
Biologia dos Fungos – Nutrição
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 115
uma das enzimas chaves envolvidas na redução do NO3- a NH4
-, que
antecede a incorporação do azoto nos aminoácidos. Por exemplo, a
nitrato redutase ou nitrito redutase. Inequivocamente, nenhum fungo
mostrou a capacidade de fixar o azoto atmosférico. Em resumo e de um
modo geral, todos os fungos são capazes de utilizar aminoácidos como
fontes de nitrogénio, muitos utilizam o NH4- e poucos o NO3
-. No entanto,
fornecendo-se ao fungo uma mistura de todos estes compostos, ele
utilizará preferencialmente a amónia. A este fenómeno dá-se o nome de
repressão pela amónia. Ele é pouco entendido e envolve a repressão
da enzima nitrato redutase e a inibição da absorção de aminoácidos
pela célula;
Alguns fungos não são capazes de utilizar os iões sulfato (SO42-), sendo
necessário fornecê-los aminoácidos sulfurados (por exemplo,
Leptomitus lacteus – Oomycete);
Geralmente, os Oomycota parecem necessitar de altas concentrações
de cálcio especialmente durante a diferenciação. O cálcio parece
desempenhar algum papel na estabilização das membranas. Esta
necessidade ajuda a explicar a sensibilidade destes organismos à
estreptomicina, já que esta actua como um catião bivalente podendo
competir para os locais de ligação do cálcio na superfície da célula;
Alguns fungos requerem a presença de moléculas orgânicas
específicas. Por exemplo, alguns Oomycota como a Phytophthora
infestans, necessitam de esteróis para o seu crescimento vegetativo
normal, e todos os membros mais evoluídos deste grupo necessitam de
esteróis para a reprodução. Alguns fungos que crescem no esterco de
animais (fungos coprófilos) necessitam de um composto rico em ferro
– hemina;
Todos os fungos e organismos em geral necessitam de elementos
químicos para o seu crescimento normal (ferro, cloro, fósforo, bromo,
potássio, sódio, zinco, cobre, molibdénio, manganês, magnésio, etc.),
embora muitos necessitem apenas de quantidades mínimas destas
substâncias.
Biologia dos Fungos – Nutrição
116 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Convém salientar que a maioria dos comentários feitos acima referem-se a
culturas laboratoriais em condições de crescimento próximas das óptimas. As
exigências nutricionais de um fungo podem ser completamente diferentes em
condições subóptimas, como demonstra o crescimento de Saccharomyces
cerevisiae em anaerobiose. Embora esta levedura consiga sintetizar a maioria das
vitaminas necessárias ao seu crescimento, ela requer uma grande variedade de
vitaminas preformadas quando sujeita a condições de anaerobiose, porque nestas
condições algumas das vias biossintéticas normas estão inoperativas.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 117
Capítulo 9 Metabolismo
O metabolismo básico dos fungos pouco difere do dos outros organismos,
por isso vamos concentrar a nossa atenção em alguns aspectos de importância
económica ou ambiental.
9.1 Produção de Energia
As vias “produtoras” de energia ocupam uma posição central no
metabolismo de todos os organismos. Para além do seu papel óbvio na produção
de ATP, estas vias originam o potencial redutor (coenzimas reduzidas) utilizado
em várias reacções anabólicas, e os seus compostos intermediários são utilizados
como ponto de partida de várias vias de biossíntese.
Os açúcares, ou outros substratos, são inicialmente metabolizados por uma
das 3 vias que constituem aquilo que geralmente chamamos glicólise: via
Embden-Myerhof-Parnas (EMP), via dos fosfatos de pentoses ou “shunt” dos
monofosfatos de pentoses (HMP) e a via Entner-Doudorf (ED) (Figura 9.1).
A via mais comummente utilizada pelos fungos é a EMP. No entanto, a via
HMP também é comum nos fungos, estando presente, provavelmente, em todos
os membros do reino. A via ED é muito rara nestes organismos. O produto final
destas vias é o mesmo: ácido pirúvico. Este composto é convertido, em
condições oxidativas normais, em acetil-CoA, que por sua vez alimenta o ciclo dos
ácidos tricarboxílicos (TCA).
Muito pouco ATP é formado directamente na glicólise e no ciclo dos ácidos
tricarboxílicos. Em vez disso, formam-se coenzimas reduzidas NADH + H+ e
NADPH + H+, as quais são reoxidadas ao nível da cadeia transportadora de
eletrões. Durante este processo, alguma da energia envolvida é utilizada para
sintetizar ATP. O oxigénio é, normalmente, o aceitador final de eletrões, na cadeia
transportadora, mas em alguns fungos (por ex., Neurospora crassa e Aspergillus
nidulans) esse papel é desempenhado pelo NO3-. Vias, produtoras de energia,
deste tipo, nas quais um composto inorgânico serve como aceitador final de
electrões, são denominadas respirações; elas podem ser aeróbias (o aceitador
é o O2) ou anaeróbias (o aceitador final de electrões é um composto inorgânico
diferente do O2). O processo respiratório aeróbio produz 38 moléculas de ATP.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
118 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 9.1 Diagrama ilustrando as principais vias produtora de energia e os produtos sintetizados a partir dos seus intermediários.
Muitas leveduras, e vários fungos filamentosos, podem crescer em
condições anaeróbias, sem executarem processos respiratórios. Nestes
organismos, e nestas condições, o ciclo dos ácidos tricarboxílicos está inoperativo
e não existe cadeia transportadora de electrões. Então, todo o ATP é formado
durante a glicólise, o que torna a utilização de açucares, para a produção de
energia, um processo ineficaz. Por outro lado, as coenzimas reduzidas, formadas
durante a glicólise, têm de ser reoxidadas de modo a que a via continue operativa,
isto é conseguido pela redução do piruvato a ácido láctico ou etanol. As vias
produtoras de energia deste tipo, nas quais o aceitador final de electrões é um
composto orgânico, são denominadas fermentações.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 119
O tipo de composto que é produzido – ácido láctico, etanol, ou ambos
depende do fungo em questão. Muitos fungos aquáticos produzem ácido láctico
(por ex., Allomyces, Blastocladia, Chytridium e Sapromyces). Muitos fungos
“superiores” produzem etanol em condições anaeróbias, sendo este o processo
que permite a utilização de S. cerevisiae na indústria das bebidas alcoólicas.
É de salientar que, qualquer composto orgânico pode potencialmente ser
utilizado para a produção de energia, desde que possa ser absorvido pela célula
e possa entrar numa das vias envolvidas nessa produção. Por exemplo, os
aminoácidos alifáticos são desaminados dando origem a ácidos orgânicos que
podem entrar ao nível do ciclo dos ácidos tricarboxílicos. Convém, também,
recordar que a presença de acetato, num meio de cultura, reprime a absorção de
glucose, enquanto a presença de altas concentrações de glucose reprime as vias
respiratórias. Ou seja, o equilíbrio entre as diferentes vias produtoras de energia
é afectado pela disponibilidade de substratos no exterior das células fúngicas.
9.2 Vias Anapleróticas
Outro papel, desempenhado pelas vias produtoras de energia, é o
fornecimento de precursores para a maioria dos processos de síntese. Alguns dos
intermediários das vias glicolíticas são utilizadas para a síntese de aminoácidos,
ácidos nucleicos e lípidos (Fig. 8.1), enquanto a acetil-Co é utilizada como ponto
de partida de um grande número de reacções anabólicas, incluindo a produção de
ácidos gordos e vários metabólitos secundários, como os carotenoides e os
esteroides. Além disso, alguns dos ácidos orgânicos do ciclo dos ácidos
tricarboxílicos são desviados e utilizados na produção de aminoácidos. A contínua
retirada de intermediários destas vias coloca em risco o seu funcionamento. Para
compensar este desvio de compostos intermediários das vias produtoras de
energia, os organismos desenvolveram as chamadas reacções anapleróticas,
que servem para repor os intermediários metabólicos retirados. As reacções
anapleróticas mais comuns são as que envolvem incorporação directa de dióxido
de carbono nos produtos metabólicos – reacções de carboxilação. Por exemplo,
se a célula está a sintetizar aminoácidos a partir de intermediários do ciclo dos
ácidos tricarboxílicos, ela vai ter de regenerar o oxaloacetato, que constitui o ponto
de partida do ciclo. Normalmente, a reacção envolvida na regeneração do
oxaloacetato implica a carboxilação directa do piruvato.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
120 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Piruvato + ATP + HCO3- piruvato carboxilase
biotina→ Oxaloacetado + ADP + Pi
Esta reacção ajuda a explicar por que é que os fungos necessitam da
presença de dióxido de carbono para poderem sobreviver, e também a sua
necessidade de biotina (coenzima). Um mecanismo alternativo às reacções de
carboxilação é o ciclo do glioxilato. Neste ciclo, o isocitrato é quebrado dando
origem a succinato e glioxilato. O glioxilato combina-se com acetil-CoA dando
origem ao malato (Fig. 8.1). Este processo é uma forma de atalho, no ciclo dos
ácidos tricarboxílicos, que ultrapassa o α-cetoglutarato, o qual é ponto de partida
para a síntese de vários aminoácidos.
O ciclo do glioxilato parece ser particularmente importante quando se
fornece aos fungos acetato como fonte de carbono; a actividade das enzimas
deste ciclo aumenta 20 vezes. Um papel importante deste ciclo parece ser a
produção de oxaloacetato a partir de acetil-CoA. O oxaloacetato é então
descarboxilado para produzir fosfoenolpiruvato, a partir do qual as células
podem sintetizar açucares – necessários para a síntese da parede e para outros
fins – quando estes não são fornecidos pelo meio. Esta produção de açúcares,
quando os fungos só têm à sua disposição compostos não glícidos, é denominada
gliconeogénese.
Oxaloacetato + ATP fosfoenolpiruvato
carboxicinase→ Fosfoenolpiruvato + CO2 + ADP + Pi
9.3 Compostos de Translocação e Reserva
Os compostos de translocação e de reserva destes organismos diferem dos
das plantas e bactérias, mas não são notavelmente semelhantes aos dos animais.
Os principais compostos de reserva incluem lípidos e glicogénio. Os
carbohidratos podem ser mobilizados e acumulados na forma de trealose
(dissacarídeo) ou de álcoois-açucares (polióis), tais como o manitol e o arabitol
(Figura 9.2).
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 121
Figura 9.2 Manitol (à esquerda), trealose (no meio) e arabitol (à direita).
O papel preciso de cada um destes compostos não é completamente
conhecido, devido principalmente à sua pronta interconversão. A situação torna-
se ainda mais complicada pela total ausência destes carbohidratos, tipicamente
fúngicos, nos Oomycota (os compostos de translocação e reserva são os mesmos
das plantas) e pelo facto de em Zygomycota só se ter detectado trealose e ribitol.
O conhecimento dos carbohidratos translocáveis dos fungos é
especialmente relevante na compreensão de certos tipos de associações
simbióticas. A trealose e os polióis não são prontamente metabolizados pelas
plantas superiores, então, um parasita pode efectuar um fluxo de carbohidratos
unidireccional de uma forma eficaz, apenas pela conversão dos açúcares da
planta (glucose, sacarose, frutose) em açúcares fúngicos. Este processo parece
ser particularmente importante para os parasitas biotróficos (aqueles que não
matam o hospedeiro), uma vez que estes vivem em íntima associação com as
células vegetais funcionais. Estudos feitos com carbono radioactivo (14CO2)
demonstraram que as ferrugens e os míldios pulverulentos acumulam trealose e
polióis às custas dos carbohidratos das plantas hospedeiras. O mesmo se passa
com os fungos que estabelecem associações com raízes de plantas –
ectomicorrizas – e com algas – líquenes.
9.4 Metabolismo Secundário
O metabolismo secundário engloba um grande número de processos
metabólicos que pouco têm em comum, excepto o facto de serem muito activos
quando o crescimento normal é restringido. Por outras palavras, os intermediários
do metabolismo primário não são utilizados no crescimento do organismo, sendo
desviados para uma série de vias alternativas, ditas secundárias. Estas vias não
estão, normalmente, em funcionamento quando o fungo está em crescimento
activo.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
122 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Os metabólitos secundários variam grandemente na sua composição
química e, normalmente, são específicos de determinadas espécies ou estirpes.
Só alguns destes compostos possuem papéis importantes na vida dos organismos
que os produzem, de modo que a sua ocorrência em grande variedade e em
quantidades apreciáveis permanece um mistério.
Alguns metabólitos secundários são de extremo valor comercial, por
exemplo: os antibióticos, a hormona vegetal giberelina (produzida pelo fungo
fitoparasita Gibberella fujikuroi), etc. Outros são extremamente tóxicos para o ser
humano e constituem um perigo sério para a saúde humana: o fungo ergótico
Claviceps purpurea (Ascomycota) parasita o centeio e substitui o grão do cereal
pelo seu esclerócio, este acumula alcaloides extremamente tóxicos. O pão
produzido com grãos infectados provocou morte de numerosas pessoas ao longo
dos séculos. Actualmente, no entanto, estes mesmos alcaloides são utilizados
clinicamente na indução das contrações uterinas durante o parto.
Outros ainda produzem micotoxinas extremamente potentes quando
crescem, como contaminantes, em produtos alimentares armazenados: algumas
espécies de Fusarium produzem as toxinas zearalenona e tricotecenos e alguns
Aspergillus produzem aflatoxinas.
Os metabólitos secundários apresentam três características principais que
podemos enumerar:
A sua produção é extremamente específica, estando restrita a uma
espécie ou apenas a algumas estirpes de uma espécie.
De um modo geral, não desempenham qualquer função na vida dos
organismos que as produzem.
São produzidos por células que deixaram de crescer, ou cujo
crescimento foi restringido. Ou seja, são produzidos durante a fase
estacionária em culturas batch, ou durante o crescimento exponencial
em cultura continua, desde que há uma taxa de crescimento bastante
inferior à máxima.
Nos fungos filamentosos, os metabólitos secundários podem estar a ser
acumulados nas zonas velhas da colónia, enquanto existe crescimento nas zonas
periféricas. A razão pela qual os metabólitos secundários se acumulam, quando o
crescimento normal é restringido, é fácil de entender quando analisamos os
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 123
principais precursores destes metabólitos: açúcares, ácido xiquímico,
aminoácidos, ácido mevalónico (formado pela condensação de três moléculas de
Acetil-CoA), malonil-CoA (formado pela carboxilação do Acetil-CoA) e ácidos
gordos.
A molécula de Acetil-CoA desempenha um papel-chave no metabolismo
secundário, porque é utilizada indirectamente na produção dos diferentes
metabólitos secundários, ocupando, também, uma posição central nas vias
metabólicas básicas uma vez que ocorre no principal ponto de ramificação das
mesmas (Fig. 8.1).
9.4.1 Exemplos Específicos de Metabólitos Secundários
9.4.1.1 Penicilinas
A penicilina foi obtida pela primeira vez a partir da estirpe de Fleming de
Penicillium notatum. Actualmente, a produção industrial utiliza mutantes de
Penicillium chrysogenum. Estes mutantes possuem altas taxas de produção
destes compostos. Na verdade, a penicilina não é um composto só, mas sim um
grupo de compostos intimamente relacionados, sendo, por isso, mais correcto
utilizar o termo penicilinas.
Todas as penicilinas apresentam na sua composição o ácido 6-
aminopenicilaníco (6-APA) (Figura 9.3). Esta molécula é constituída por dois
aminoácidos, a cisteína e avalina, podendo ligar-se a ela diferentes grupos acilo.
= +
Figura 9.3 O ácido 6-aminopenicilaníco (à esquerda) resulta da combinação de cisteína (no meio) e valina (à direita).
Após a descoberta de que diferentes cadeias laterais (ou seja, diferentes
grupos acilo) conferem diferentes propriedades às penicilinas, a produção passou
a envolver meios de cultura ricos em precursores adequados. Mais tarde, foi
descoberto que muitos organismos produzem uma enzima que degrada as
penicilinas em 6-APA, a penicilina acilase, e que as cadeias laterais podiam ser
Biologia dos Fungos – Metabolismo
124 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
adicionadas, por processos químicos, à molécula de 6-APA, com um maior
controlo sobre o produto final.
A produção actual de penicilinas envolve três etapas:
1. Produção de penicilina G, V etc., pelo P. Chrysogenum;
2. Degradação destas penicilinas, pela enzima penicilina acilase, em 6-
APA;
3. Adição de cadeias laterais específicas por processos químicos.
A ampicilina e a carbenicilina (Figura 9.4) foram produzidas
sinteticamente por este processo, e são dos antibióticos mais utilizados em
quimioterapia.
Figura 9.4 Ampicilina (à esquerda) e carbenicilina (à direita).
Algumas destas penicilinas semissintéticas podem ser administradas por
via oral, e muitas são resistentes às penicilinases das bactérias, responsáveis pela
inactivação das penicilinas naturais. Uma característica muito importante de
algumas penicilinas semissintéticas é a sua actividade contra bactérias Gram-
negativas e Gram-positivas, já que as naturais só são activas contra as Gram-
positivas.
9.4.1.2 As Aflatoxinas
As aflatoxinas foram descobertas em 1960 e encontram-se entre os mais
poderosos agentes carcinogéneos, podendo ser encontradas em diferentes tipos
de alimentos. Estas substâncias são produzidas por dois fungos, cujo crescimento
é comum em produtos alimentares armazenados: o Aspergillus flavus e o
Aspergillus parasiticus.
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 125
As estruturas químicas de algumas aflatoxinas comuns são indicadas na
Figura 9.5. São moléculas complexas, cuja biossíntese ainda não é claramente
entendida.
Figura 9.5 Estrutura de algumas aflatoxinas mais comuns. B1, G1 e M1 possuem ligações duplas na posição *; B2, G2 e M2 não as possuem. M1 e M2 são produtos da hidroxilação de B1 e B2; B2a deriva de B1 por tratamento ácido. A toxicidade aparentemente reside na presença da dupla ligação em *, que permite a formação do epóxido.
É interessante que pequenas diferenças na estrutura das aflatoxinas
conduzem a importantes diferenças na sua toxicidade. As aflatoxinas B1 e G1 (o B
e o G surgem em virtudes destas moléculas apresentarem fluorescência azul e
verde, respectivamente, sob radiação ultravioleta) são extremamente tóxicas,
enquanto as B2 e G2 são menos tóxicas. As aflatoxinas M1 e M 2 resultam da
hidroxilação de B1 e B2 e são encontradas no leite de vacas alimentadas com
produtos contaminados com aflatoxinas B1 e B2, sendo similares a estas no que
respeita à toxicidade. O simples tratamento com ácidos da aflatoxina B1 origina a
aflatoxina B2a, que não é tóxica.
É de salientar que nenhuma destas moléculas parece ser tóxica no seu
estado inactivo, podendo ser injectadas na corrente sanguínea sem que causem
danos significativos. Normalmente, estas substâncias são ingeridas e
Biologia dos Fungos – Metabolismo
126 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
transportadas até o fígado, aonde são convertidas em moléculas tóxicas e
altamente instáveis. Um dos passos deste processo parece envolver a formação
de um epóxido, no último anel do furano, e isto é possível se existir aí uma dupla
ligação – daí a grande toxicidade de B1, G1 e M1.
Alguns produtos alimentares são particularmente propensos à
contaminação com aflatoxinas; por exemplo, o amendoim, a semente de algodão,
o milho e o arroz. Não que eles sejam melhor substrato para o crescimento dos
fungos produtores de aflatoxinas, mas sim porque os métodos de colheita e
armazenamento destes produtos são, normalmente, primitivos e inadequados.
9.4.2 Possíveis Funções dos Metabólitos Secundários
Os metabólitos secundários constituem um problema intrigante para os
fisiologistas: que possíveis funções eles desempenharão, se são produzidos
apenas quando o crescimento normal é restringido?
Normalmente que os antibióticos possuem uma função óbvia, mas a
maioria dos metabólitos secundários, incluindo as micotoxinas, não a possuem.
Foram propostas três hipóteses para explicar a produção de metabólitos
secundários. A primeira argumenta que, durante o crescimento normal estes
metabólitos produzidos em baixas concentrações e que a sua síntese é
desreprimida quando a célula envelhece, em consequência da “deterioração dos
mecanismos regulatórios normais”.
De acordo com a segunda hipótese, os produtos secundários seriam
compostos e reserva, no entanto, isto é pouco provável, uma vez que são
libertados da célula rapidamente.
A terceira hipótese defende que os metabólitos secundários per si não são
importantes, os processos que os originam é que são. Segundo esta hipótese, o
metabolismo secundário é equivalente a uma “válvula de escape”, que remove os
intermediários das vias metabólicas básicas quando o crescimento é restringido,
e que os converte em compostos com pouca ou nenhuma actividade fisiológica.
Os autores desta hipótese sugerem que alguns organismos deram a estes
compostos um fim prático: os antibióticos podem conferir ao organismo uma
vantagem competitiva em determinados habitats, e algumas melaninas, e
compostos similares, podem proteger as células. Actualmente, a terceira hipótese
é a mais aceite. Mas, seja qual for a hipótese correcta, o metabolismo secundário
Biologia dos Fungos – Metabolismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 127
é um conjunto de processos que desperdiçam muita energia, em termos da
quantidade de nutrientes que utiliza, das enzimas que são produzidas e da enorme
quantidade de produtos que se formam. Em relação a este último ponto, é possível
que as grandes quantidades de produtos secundários obtidas em laboratório e em
processos industriais sejam um artefacto, que resulta das condições artificiais em
que o organismo está a crescer.
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
128 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 10 Sucessão de Fungos na Matéria Morta
Durante o decorrer da decomposição de um material heterogéneo, quer
seja uma folha, cabelo humano ou esterco de um animal, é possível distinguir uma
sucessão característica de populações fúngicas. As espécies podem diferir em
cada caso, mas normalmente ocorrem na seguinte ordem:
Entretanto, existe um uso progressivo dos nutrientes presentes no
substrato. Os monómeros simples como açúcares e aminoácidos são utilizados
primeiro, seguindo-se de polímeros relativamente simples como a celulose e
hemiceluloses, até só restarem os polímeros mais complexos como a queratina e
lenhina.
Esta imagem é extremamente simplista, sendo necessário acrescentar
alguns pontos. Primeiro, os substratos originais não são completamente exaustos
em sequência. Algumas das moléculas mais simples podem não estar disponíveis
nas primeiras fases da decomposição, por exemplo, se estiverem quimicamente
complexadas com moléculas mais resistentes (ligninocelulose). Segundo,
pequenos animais podem ingerir parte do substrato original, particularmente se
este está enriquecido com hifas, depositando-o nas suas fezes. Se isto acontece,
os animais trituram o material tornando-o mais acessível a agentes de
decomposição. As fezes são colonizadas por um novo conjunto de organismos e
deste modo podem-se verificar sucessões secundárias dentro da primeira
sucessão. Terceiro, à medida que cada fungo esgota o substrato disponível para
si, as suas células morrem constituindo suporte para o crescimento de
colonizadores secundários.
Por estas e outras razões, o estudo da sucessão de populações fúngicas é
extremamente difícil. De qualquer forma, pode-se generalizar que a sucessão de
populações está frequentemente associada a mudanças na composição do
substrato ou as alterações progressivas das condições ambientais. Considerem-
se estes dois casos separadamente.
ZygomycotaAscomycota e
DeuteromycotaBasidiomycota
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 129
10.1 Sucessões Determinadas por Factores Nutricionais.
Os diferentes grupos abaixo definidos referem-se ao processo de
decomposição de folhas e caules de plantas herbáceas e foram baseados num
esquema proposto por Garrett e revisto por Hudson (1980):
1. Os primeiros colonizadores são os parasitas “fracos” ou sapróbios que
crescem na superfície das folhas vivas. Neste grupo estão incluídos
Cladosporium herbarum, Alternaria tenuis, Aureobasidium pullulans,
Epucoccum purpurascens. Estes fungos utilizam os nutrientes simples
que exsudam das folhas, tendo dificuldades em degradar polímeros
estruturais como a celulose. Apesar de bem adaptados à vida na
superfície das folhas vivas, estes fungos não conseguem competir com
outros quando as folhas morrem e são incorporadas na camada de
vegetação à superfície do solo. Assim, depois da morte da folha, as
actividades destes fungos é muito limitada;
2. Os sapróbios primários para os açúcares ocorrem comummente na
ausência do primeiro grupo, ou como colonizadores primários numa
sucessão secundária. Estes fungos utilizam prontamente materiais
orgânicos simples, tendo dificuldade e utilizar polímeros estruturais
como a celulose. Neste grupo encontramos vários membros da divisão
Zygomycota como, por exemplo, espécies dos géneros Mucor e
Rhizopus. Os fungos deste grupo ocorrem em qualquer material no qual
a sucessão normal tenha sido interrompida (por exemplo, por acção do
calor), e em que haja disponibilidade de nutrientes simples solúveis. São
caracterizados por altas taxas de crescimento e ciclos de vida curtos,
sendo muitos destes capazes de produzir esporos sexuais e assexuais
poucos dias depois de ter iniciado o crescimento;
3. Os colonizadores que se seguem são os fungos celulolíticos. Estes
degradam as celuloses e hemiceluloses, sendo responsáveis pela maior
parte do processo de decomposição. Este grupo deve ser considerado
como tal no senso lato, já que as espécies que o compõem difere
grandemente no tipo de habitats que colonizam. Por exemplo, espécies
de Chaetomium, Fusarium, Stachybotrys e Trichoderma são
encontradas comummente em materiais celulósicos como palha de
cereais e sobre o solo. Lulworthia sp., Halosphaeria hamata e Zalerion
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
130 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
varium ocorrem em habitats estuarinos nas folhas e nos caules mortos.
Tetracladium sp., Lemonniera sp. e Alatospora sp. degradam folhas
submersas em riachos, etc.;
4. Os fungos que degradam a lenhina surgem frequentemente depois de
todos os outros. Normalmente, são membros da divisão Basidiomycota
e apresentam taxas de crescimento muito baixas (por exemplo,
Agaricus campestres e Marasmius oréades, também conhecidos como
anéis-de-fadas). A lenhina é uma molécula extremamente complexa,
sendo necessárias várias enzimas para a sua total degradação. Por
isso, relativamente poucos fungos a podem utilizar. Mesmo nestes
casos, é questionável se os fungos conseguem obter energia suficiente
a partir da degradação da lenhina. Pensa-se que a capacidade destes
fungos reside no facto destes serem capazes de utilizar a celulose que
está quimicamente complexada com a lenhina, coisa que outros fungos
não são capazes de fazer;
5. Juntamente com os membros do terceiro e quarto grupos ocorrem os
fungos ditos associados. Geralmente, estes fungos são Oomycota ou
Zygomycota, mas também podem ser membros da divisão
Deuteromycota. Alguns podem parasitar as hifas de outros fungos
(Pythium oligandrum, Trichoderma viride). Outros crescem em íntima
associação com fungos capazes de degradar a celulose ou lenhina,
partilhando uma porção dos produtos de hidrólise (saprobiose
secundária para os açúcares). Outros ainda podem crescer às custas
dos produtos da autólise de hifas envelhecidas ou crescer nas fezes ou
em cadáveres de pequenos animais.
O esquema acima é baseado parcialmente em observações de sucessões,
parcialmente nos conhecimentos gerais sobre a capacidade dos diferentes grupos
de utilizar determinados substratos e parcialmente no facto de muitos Oomycota
e membros de Zygomycota terem taxas de crescimento elevadas e ciclos de vida
curtos, o que os torna ideais como oportunistas, ao passo que os fungos
superiores, especialmente Basidiomycota, possuem crescimento lento e estão
claramente pouco adaptados a uma colonização rápida de um substrato. No
entanto, convém salientar que este esquema é baseado grandemente numa
suposta colonização sequencial do substrato.
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 131
10.2 Sucessões determinadas por factores ambientais
Este tipo de sucessão é encontrado nos estrumes (adubos orgânicos), que
têm recebido muita atenção devido à sua importância nas indústrias de cogumelos
e no processamento de desperdícios urbanos. Apesar da acentuada diferença de
composição destes estrumes, todos suportam essencialmente as mesmas
sucessões fúngicas, o que sugere que os factores ambientais se sobrepõem aos
nutricionais, nestes casos.
Ao se suplementar palha humedecida com nutrientes azotados e empilhá-
la, a temperatura no interior da meda aumenta rapidamente e atinge 70 oC ou
mais, em quatro a seis dias (Figura 10.1).
Figura 10.1 Variação da temperatura do substrato durante a compostagem da palha utilizando-se fungos. Baseado no trabalho de Hudson (1968).
A temperatura desce gradualmente nos vinte a trinta dias seguintes
podendo, no entanto, apresentar alguns picos durante este período. Na prática,
estes picos podem ser induzidos se a palha for remexida, assegurando-se uma
constante aeração da massa fermentativa, ao mesmo tempo que o material no
exterior da pilha é colocado no seu interior. Os estudos realizados indicam que
este aumento acentuado da temperatura deve-se à actividade microbiana no
interior da pilha de feno, apesar das reacções químicas exotérmicas poderem,
também, contribuir ligeiramente para o aumento da temperatura.
De acordo com o trabalho de Hudson (1968), existem três fases principais
de actividade fúngica, durante o processamento do adubo. Estas fases são
apresentadas de uma forma simplificada para melhor compreensão:
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
132 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
1. Durante os primeiros dias ocorrem fungos predominantemente
mesófilos, que são mortos pelo aumento da temperatura, não tornado
a surgir. Neste tipo de fungos estão inclusos os típicos da superfície
foliar como Cladosporium, Alternaria e Aureobasidium, fungos de
produtos armazenados como muitas espécies de Aspergillus, e alguns
fungos termofílicos sapróbios primários para os açúcares como Mucor
pusillus (Zygomycota);
2. No pico máximo de temperatura (60 – 80 oC) começam a surgir fungos
termofílicos e termotolerantes, os quais persistem durante um
período de tempo considerável. Nestes grupos estão incluídos
Chaetomium thermophile, Humicola insolens, H. lanuginose e
Aspergillus fumigatus – todos membros das divisões Ascomycota ou
Deuteromycota;
3. À medida que a massa de estrume arrefece à temperatura ambiente,
inicia-se a sua colonização por fungos mesófilos, ao mesmo tempo que
continuam activos os fungos termotolerantes. Neste grupo estão
incluídos Fusarium sp. e Doratomyces sp. (Deuteromycota) e Coprinus
sp. (Basidiomycota). O cogumelo Agaricus bisporus deve ser
introduzido antes do Coprinus estar inteiramente estabelecido, já que o
crescimento de Agaricus pode ser suprimido pela presença do outro
(Capítulo 11). Na prática, o estrume é pasteurizado depois de ter
atingido o pico máximo da temperatura e antes de ser inoculado com
Agaricus e assim evita-se o problema de antagonismo pelo Coprinus.
É necessário frisar que as bactérias termofílicas, incluindo as
Actinomycetes, são também importantes no processamento de estrumes. Estas
parecem permanecer activas durante o pico máximo da temperatura. Ao contrário
dos fungos, que possuem um máximo de temperatura próximo de 60 oC para o
crescimento vegetativo. De qualquer forma, a taxa máxima de decomposição não
ocorre durante o pico máximo de temperatura, mas sim durante o período em que
a temperatura oscila entre 50 oC e 40 oC. Deste modo, pode-se pensar nos fungos
como os principais agentes da decomposição. Além disso, apesar da sucessão
geral das populações fúngicas reflectirem diferentes capacidades de tolerância à
temperatura nestes materiais, existe uma tendência adicional para a sucessão:
sapróbios primários para os açúcares (Cladosporium, Mucor, Aspergillus),
Biologia dos Fungos – Sucessão de Fungos na Matéria Morta
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 133
membros celulolíticos da divisão Ascomycota e Deuteromycota (Chaetomium,
Humicola, Aspergillus fumigatus), membros da divisão Basidiomycota (Coprinius,
Agaricus).
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
134 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 11 Interações Biológicas
Quase todos os organismos são afectados pela actividade de outros, pelo
menos durante uma fase das suas vidas. Logo, pode-se esperar encontrar uma
variedade infinita de interações entre diferentes espécies de fungos e entre fungos
e outros seres vivos.
11.1 Antagonismo versus Competição
Em termos gerais, um antibiótico pode ser definido como produto de um
(micro)organismo que inibe o crescimento de outro (micro)organismo a uma
concentração de 100 g/ml (100 partes por milhão) ou menos. A Tabela 11.1
mostra que muitos fungos produzem antibióticos, apesar das espécies de
Aspergillus, Penicillium e outras pertencentes aos grupos Deuteromycota e
Basidiomycota serem as mais importantes em termos do número de antibióticos
produzidos.
Tabela 11.1 Distribuição taxonómica de fungos produtores de antibióticos.
Fungo Número de antibióticos
descritos
Chytridiomycota, Oomycota,
Zygomycota
14
Ascomycota 61
Basidiomycota 140
Deuteromycota 553
Penicillium 123
Aspergillus 115
Fusarium 46
Trichoderma 13
Baseado em Béahdy (1974).
Existe, também, uma lista de antibióticos que afectam os fungos. A Tabela
11.2 mostra alguns dos que têm sido utilizados comercialmente. Apesar das
potencialidades óbvias dos antibióticos, existem relativamente poucas evidências
de que eles favoreçam, na natureza, o crescimento do organismo produtor. Em
parte, isto reflecte uma dificuldade técnica, já que os antibióticos não são
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 135
facilmente detectados nos habitats naturais. Por outro lado, um organismo só
começa a produzir antibióticos depois de um período de crescimento vegetativo.
Assim, a produção de antibióticos per si não pode explicar o sucesso inicial de um
organismo na colonização de um substrato. Pensa-se que o papel dos antibióticos
é prevenir a invasão por possíveis competidores, de um habitat já colonizado.
Tabela 11.2 Antibióticos utilizados comercialmente contra fungos.
Antibiótico Organismo
produtor
Fungo
afectado
Local/modo de
acção
Ciclohexamida Streptomyces
griseus
Todos Síntese proteica
(ribossomas)
Nistatina, filipina,
anfotericina
(polienos)
Streptomyces
spp.
A maioria,
menos
Oomycota
Membrana celular
Griseofulvina Penicillium
grisoflavum
Muitos Fuso mitótico
Antimicina Streptomyces
spp.
Muitos Respiração
Palioxinas Streptomyces
spp.
A maioria,
menos
Oomycota
Síntese da parede
Patulina Penicillium
patulum
Muitos Respiração
Oligomicina Streptomyces
spp.
Muitos Síntese de ATP
Estreptomicina Streptomyces
spp.
Oomycota Bloqueamento da
tomada de catiões
Ascoquitina Ascochyta
fahar
Muitos Membrana celular
Bruehl, Cunfer, and Toiviainen (1972) demonstraram de forma convincente
o papel dos antibióticos nos habitats naturais, enquanto estudava o fungo
Cephalosporium gramineum (agente patogénico em cereais). Este fungo coloniza
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
136 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
os vasos xilémicos das plantas vivas, expandindo-se para os tecidos das plantas
vivas, expandindo-se aos tecidos parenquimáticos, à medida que o hospedeiro
morre. O fungo C. gramineum não produz estruturas de sobrevivência. Em vez
disso, permanece como sapróbio na matéria vegetal morta que constituía o
hospedeiro. Este fungo produz uma vasta gama de antibióticos (principalmente
antifúngicos) que se pensa impedirem o crescimento de potenciais competidores.
A produção de antibióticos é uma forma de antagonismo, termo que
também cobre aspectos relacionados com o parasitismo e a predação. Entende-
se por antagonismo o efeito prejudicial directo (por exemplo, a produção de
metabólitos tóxicos) de um organismo sobre outro. Em contraste, o termo
competição é utilizado em casos em que os dois organismos se rivaliza para uma
determinada coisa (nutrientes, oxigénio, habitat, etc.), acabando um por
prevalecer em detrimento do ouro. Neste caso, o efeito prejudicial de um
organismo sobre o outro é indirecto, sendo esta forma de interacção uma das mais
importantes da natureza. Infelizmente, a distinção entre o antagonismo e a
competição é frequentemente difícil de se estabelecer na natureza, pelo que
Garrett (1956) introduziu o termo capacidade saprofítica competitiva (CSA),
que abrange tanto o sucesso de sapróbios pelo antagonismo como pela
competição. Garret define-o como “somatório das características fisiológicas que
contribuem para o sucesso de um organismo na colonização competitiva de um
substrato”. Segue-se uma série de características que podem contribuir para uma
CSA elevada, embora a lista não esteja completa, de modo algum:
Germinação rápida dos esporos em resposta à presença de nutrientes;
Crescimento vegetativo rápido;
Produção eficiente de depolimerases ou então produção de
depolimerases que não são sintetizadas por outros organismos;
Tolerância a condições ambientais extremas, incluindo concentrações
mínimas de nutrientes;
Capacidade de parasitar ou exercer outras formas de antagonismo;
Tolerância a antibióticos ou outras formas de antagonismo.
De uma forma cautelosa, pode-se retirar uma conclusão desta lista: a
maioria das pessoas fica impressionada com a capacidade que os
microrganismos têm de produzir antibióticos, mas convém salientar-se que
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 137
eventos muito menos espectaculares relacionados com a competição podem ser
igualmente, ou mais, importantes na natureza.
11.2 Interferência Hífica
Muitos membros de Basidiomycota antagonizam outros fungos e, entre
eles, nas zonas em que as suas hifas entram em contacto. Este fenómeno é
denominado interferência hífica e oferece uma possível explicação para o
comportamento destes fungos na natureza, incluindo a sua aptidão para colonizar
substratos relativamente tarde no decorrer de uma sucessão fúngica.
A interferência hífica resulta numa série de alterações características no
fungo susceptível. Quando as hifas se contactam ou se encontram muito próximas
(menos de 50 m), os compartimentos afectados do fungo susceptível
interrompem o seu crescimento e o seu citoplasma torna-se opaco. Os
compartimentos perdem turgidez, tornam-se grandemente vacuolarizados e
absorvem corantes que anteriormente não entrariam nos mesmos, sugerindo uma
alteração da permeabilidade da membrana. Quando observado ao microscópio
electrónico, o hialoplasma apresenta sinais de degeneração, as mitocôndrias
encontram-se “inchadas” e desenvolve-se uma extensa lacuna entre a parede
celular e o hialoplasma.
Talvez a característica mais espectacular deste processo seja a sua
localização extremamente precisa. Apenas os compartimentos que entram em
contacto, ou os adjacentes ao ponto de contacto, mostram reacção. Mesmo no
interior destes compartimentos podem existir zonas de citoplasma normal e zonas
afectadas. Esta localização extrema e o fracasso em isolar possíveis factores de
interferência, contribuem para a inexistência de um mecanismo que permita
explicar o fenómeno de interferência.
Existem muitas evidências de que este fenómeno desempenha um papel
importante na ecologia dos organismos antagonistas: quando os membros e
Basidiomycota se encontram completamente estabelecidos numa sucessão,
muitos dos outros fungos presentes acabam por morrer e os poucos que
sobrevivem são resistentes à interferência ou então antagonizam os primeiros. Os
membros dos Basidiomycota também tendem a ser mutuamente exclusivos e, até
certo ponto, podem ser agrupados em conformidade com o grau de interferência
exercida.
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
138 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
A interferência hífica pode explicar porque é tão importante a
cronometragem quando se introduz no substrato um cogumelo a ser cultivado.
Também tem sido utilizada para explicar uma das mais bem-sucedidas aplicações
do controlo biológico, nomeadamente o uso de Phlebiopsis gigantea no controlo
do fungo fitpatogénico Heterobasidion annosum (Figura 11.1).
Figura 11.1 Interferência hífica por basidiomycota. Hifas de Heterobasidion annosum tomaram o corante neutro vermelho graças a danos membranares em regiões onde se cruzaram com hifas de Phlebiopsis gigantea. Note-se a localização do dano nos compartimentos híficos contactados do Heterobasidion. Fonte: Deacon (2006).
11.3 Micoparasitismo
Os fungos que parasitam outros fungos são denominados micoparasitas.
Estes fungos são comuns em muitos habitats naturais e, provavelmente,
desempenham um papel significativo como reguladores naturais das populações
dos seus hospedeiros. Recentemente, tem-lhes sido dedicada muita atenção em
virtude das potencialidades como controladores biológicos de agentes
fitopatogénicos. Em relação a este assunto, existem evidências substanciais de
que alguns micoparasitas, nomeadamente Trichoderma viride (Figura 11.2), T.
virens e espécies intimamente relacionadas, podem antagonizar fungos
fitopatogénicos.
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 139
Figura 11.2 Hifas de Trichoderma viride envolvendo o fitopatógeno Rhizoctonia solani. Fonte: Chet, Viterbo, and Brotman (2006).
Tal como no caso dos fungos que parasitam as plantas, os micoparasitas
são classificados como biotróficos e necrotróficos. Os parasitas biotróficos
normalmente têm uma gama restrita de hospedeiros e causam poucos danos aos
mesmos. Na verdade, eles dependem do funcionamento contínuo das células
hospedeiras, sendo improvável a sua existência como sapróbios de vida livre. Os
micoparasitas necrotróficos, por outro lado, têm uma ampla gama de
hospedeiros e causam danos graves aos mesmos. Estes fungos enrolam-se com
frequência em torno das hifas dos hospedeiros e, por vezes, penetram-nas ou
produzem antibióticos ou enzimas líticas que destroem as células do hospedeiro.
Todos os micoparasitas necreotróficos são facilmente cultivados em meios de
cultura normal e, provavelmente, muitos eles são capazes de existir, na natureza,
como sapróbios de vida livre. Sendo assim, nestes casos é difícil de entender o
significado do micoparasitismo como tal.
Um dos grupos mais comuns de micoparasitas biotróficos é o dos fungos
que formam haustórios. Este grupo é constituído por membros de Zygomycota
(por exemplo, Piptocephais sp., Dispira sp., Dimargaris sp.) que tipicamente
parasitam outros membros do mesmo grupo, quer no solo quer no esterco dos
animais. Este tipo de micoparasitas penetra a hifa do hospedeiro e forma
haustórios. Em resposta, o hialoplasma do hospedeiro invagina para acomodar a
estrutura e, deste modo, a hifa parasitada sofre uma lesão mínima. Os
micoparasitas biotróficos de contacto apresentam um comportamento
diferente – são membros de Deuteromycota (por exemplo, Gomatobotrys simplex
e G. fuscum) que parasitam outros membros do mesmo grupo. Estes parasitas
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
140 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
formam pequenas ramificações em forma de gancho, que permitem uma maior
adesão e um maior contacto entre o parasita e o hospedeiro, mas não o penetram.
Pensa-se que a troca dos nutrientes se faça através dessas ramificações.
Os micoparasitas necrotróficos incluem os fungos que habitam
comummente o solo como, por exemplo, Pythium oligandrum (Oomycota),
Gliocladium roseum, Trichoderma viride, T. virens e Penicillium vermiculatum. O
mecanismo envolvido neste tipo de parasitismo é difícil de determinar devido
principalmente à natureza extremamente agressiva destes micoparasitas. Em
condições laboratoriais, alguns dos fungos hospedeiros sofrem lise rapidamente
na presença do parasita sem, no entanto, existirem quaisquer sinais óbvios de
ataque por parte do mesmo. Esta lise pode resultar da libertação de enzimas
autolíticas em resposta a um stress em nutrientes ou em resposta à presença de
antibióticos ou toxinas produzidas pelo micoparasita. Alternativamente, a mesma
pode consistir num processo heterolítico resultante da actividade enzimática do
parasita.
Noutros casos, o hospedeiro não sucumbe tão rapidamente e, então, o
parasita enrola-se em torno das hifas, podendo penetrá-las. Como já foi referido,
é difícil de se entender o significado deste tipo de micoparasitismo na natureza, já
que muitos dos micparasitas necrotróficos possuem uma série de características
que lhes podem conferir uma elevada capacidade saprofítica competitiva (CSA).
Sendo assim, eles poderão ser mais bem-sucedidos como sapróbios do que como
micoparasitas. Talvez a resposta seja que o micoparasitismo necrotrófico não é
mais do que uma forma de eliminar possíveis competidores para um mesmo
substrato, como no caso da interferência hífica em Basidiomycota.
11.4 Vírus fúngicos
Tem-se vindo a descobrir que muitos fungos contêm partículas virais
(micovírus) o invasores semelhantes. Em muitos casos, estas partículas
apresentam-se com forma isodiamétrica, acumulados no interior de vacúolos ou
vesículas nas zonas velhas da colónia. A maioria destas partículas contém ARN-
ds (ARN de dupla hélice) e parece apresentar um genoma dividido, ou seja, com
material genético distribuído por várias partículas de modo que nenhuma possua
o genoma completo. O termo “multicomponent vírus” tem sido utilizado para
descrever este fenómeno em fitopatologia. Tal fenómeno é aparentemente
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 141
partículas virais que atacam plantas e fungos e pensa-se que actue limitando as
oportunidade de recombinação genética não sendo, no entanto, desvantajoso se
o vírus for transmitido em massa.
As partículas micovirais raramente causam a lise do seu hospedeiro e
provocam poucos ou nenhum sintoma havendo, no entanto, algumas excepções
notáveis. Não são autoinjectáveis e não existem evidências de que possam ser
transmitidos por vectores. A principal forma de transferência parece ser a
anastemose de hifas, sendo as partículas transmitidas juntamente com outros
componentes do hialoplasma. As partículas microvirais também são transmitidas
nos esporos, o que permite a sua dispersão para novos habitats.
Só algumas partículas micovirais causam danos significativos no seu
hospedeiro. Tal é bem ilustrado por uma doença viral que ataca o cogumelo
Agaricus bisporus. A taxa de crescimento vegetativo diminui, os basidiocarpos
sofrem deformação e a sua colheita cessa prematuramente.
De maior importância prática é o aumento considerável do número de
relatos sobre a associação entre as partículas micovirais e a perda de virulência
pelos fungos fitopatogénicos. Deste modo, as partículas micovirais ou o seu
material genético podem oferecer boas perspectivas para o controlo biológico de
várias doenças causadas por fungos fitopatogénicos.
11.5 Introdução às Associações Biológicas
O termo simbiose é comummente utilizado para descrever casos nos quais
dois organismos vivem em associação íntima e equilibrada. No entanto, cada vez
mais este termo é aplicado, de forma mais generalizada, para descrever qualquer
tipo de associação íntima entre dois ou mais organismos, incluindo o parasitismo.
O termo mutualismo tem sido utilizado para descrever interacções nas quais
ambos parceiros beneficiam desta associação. Quando um parceiro beneficia da
associação e o outro não é afectado, trata-se de comensalismo. Estes e outros
termos representam uma tentativa de ordenar ou caracterizar diferentes tipos de
comportamento. No entanto, um dos problemas levantados pelo seu uso é que
eles determinam um certo grau de rigidez que nalguns casos pode não existir.
Os fungos estabelecem um grande número de associações simbióticas de
natureza e complexidade variáveis, com uma grande diversidade de organismos:
plantas, algas, insectos, um grande número de vertebrados (incluindo o Homem),
Biologia dos Fungos – Interações Biológicas
142 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
etc. Os fungos podem estabelecer com um mesmo grupo de organismos relações
simbióticas completamente diferente. Os fungos parasitam um grande número de
plantas mas podem, também, estabelecer com elas relações simbióticas
mutualísticas (por exemplo, algumas micorrizas).
Devido à sua complexidade, algumas destas associações serão abordadas
nos capítulos seguintes.
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 143
Capítulo 12 Fungos como Parasitas de Plantas
Os fungos que estabelecem este tipo de associação apresentam um grau
muito variável de dependência da mesma. Em alguns casos, a associação é
absolutamente necessária. Em condições naturais, estes fungos só conseguem
crescer e reproduzir-se em íntima associação comas células vivas do hospedeiro.
São os chamados parasitas obrigatórios. Estes fungos são, normalmente,
incapazes de viver como sapróbios em habitats naturais, já que não conseguem
competir com sucesso em populações sapróbias mistas.
Noutros casos, a associação não é, de modo algum, necessária e os fungos
envolvidos são capazes de viver saprobiamente. São os chamados parasitas
facultativos.
Os fungos que parasitam as plantas também podem ser classificados de
acordo com a forma como obtêm os seus nutrientes. Tal como no caso dos
micoparasitas, pode-se distinguir parasitas biotróficos, que obtêm os seus
nutrientes a partir de células mortas do hospedeiro, e parasitas necrotróficos,
que obtêm os nutrientes a partir das células mortas do hospedeiro.
Os parasitas biotróficos necessitam de um hospedeiro vivo de modo a
sobreviverem, se as células ocupadas pelos fungos morrerem. O fungo também
morre. Longe dos seus hospedeiros, os parasitas biotróficos só são encontrados
na forma de esporos de dormência ou dispersão. Os parasitas necrotróficos
matam as células das quais se cimentam, criando continuamente um substrato
adequado à sua sobrevivência, à medida que penetram e destroem as células do
seu hospedeiro. Estes parasitas diferem dos fungos sapróbios, apenas na medida
em que matam as células dos hospedeiros. Esta ténue diferença reflecte-se
também no facto de a maioria dos necrotróficos serem parasitas facultativos,
capazes de viver como sapróbios em diversos habitats.
De certa forma, o modo de nutrição que um fungo apresenta depende
grandemente das condições que o rodeiam. Um único fungo, sob condições de
vida diferentes e separadas no tempo, pode apresentar os três modos de vida.
12.1 Parasitas Biotróficos Obrigatórios
A maioria dos parasitas biotróficos obrigatórios pertencem a três ordens de
três divisões diferentes: os Perenosporales, ou míldios brandos, da divisão
Oomycota, Erysiphales, ou míldios pulverulentos da divisão Ascomycota, os
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
144 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
uredinales ou ferrugens da divisão Basidiomycota. Destas três ordens, apenas
algumas ferrugens foram até hoje artificialmente cultivadas na ausência dos seus
hospedeiros.
12.1.1 Infecção
A maioria destes fungos atinge a superfície dos seus hospedeiros sob a
forma de esporos que são dispersos pelo vento. Se os esporos entram em
contacto com um hospedeiro susceptível, germinam e penetram os tecidos vivos,
quer através de aberturas naturais, como estromas, quer directamente, através
da cutícula e parede celular.
Os tubos de germinação dos uredósporos de muitas ferrugens crescem até
atingirem um estoma, formam um apressório e penetram através do poro. De igual
modo, os tubos de germinação dos conídios de Erysiphe produzem apressórios,
antes de iniciar a infecção propriamente dita (Capítulo 6, página 86, Figura 6.10).
Estas estruturas aumentam grandemente a área de contacto com o hospedeiro,
funcionando como estruturas de adesão à superfície do mesmo.
Por debaixo do apressório, forma-se uma pequena hifa de infecção que
penetra a cutícula e a parede celular (Figura 12.1).
Figura 12.1 Diagrama do míldeo pulverulento Erysiphe graminis. O fungo encontra-se na superfície de uma folha, excepto as suas estruturas de alimentação (haustórios), que invadem as células epidérmicas. Fonte: Gray (2002).
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 145
Neste caso, a penetração é parcialmente enzimática, possivelmente pela
acção de enzimas hidrolíticas e parcialmente mecânica. Noutros casos,
especialmente respeitante a vários necrotróficos facultativos, tais como as
espécies de Botrytis, a penetração pode ser puramente mecânica. As hifas de
penetração destes fungos podem perfurar filmes metálicos aderentes à superfície
foliar.
A formação de apressórios ilustra a versatilidade das hifas no que respeita
à penetração e permeabilização dos tecidos. O apressório, firmemente aderente
ao hospedeiro, impede que o fungo se desprenda da superfície do mesmo, ao
mesmo tempo que permite que a hifa de penetração exerça uma pressão
mecânica considerável à medida que perfura a cutícula e a parede.
12.1.2 Haustórios
Normalmente, depois da entrada do fungo no seu hospedeiro forma-se, a
partir do ápice da hifa de penetração, uma estrutura globosa ou vesicular. Na
maioria dos biotrofos, esta estrutura origina ramos hifais que crescem entre as
células do hospedeiro. Estes ramos são intracelulares e não penetram as células.
Estas são penetradas por hifas especializadas com crescimento determinado,
denominadas haustórios. As paredes das células são penetrados por hifas
extremamente delgadas, que aumentam grandemente as suas dimensões de
forma a originarem haustórios de morfologia variável (Capítulo 4, página 34, Figura
4.2 e Figura 4.3).
Os haustórios não chegam a penetrar o citoplasma da célula hospedeira.
Eles provocam a invaginação do hialoplasma e ocupam o espaço delimitado por
este e a parede célula da célula infectada. Muitas vezes, pode existir uma camada
de material amorfo, que constitui uma matriz extrahaustorial entre a parede do
fungo e o hialoplasma da célula hospedeira (Capítulo 4, página 34, Figura 4.4). A
constrição no topo do haustório pode também se encontrar rodeada por uma
bainha de calose, derivada do hospedeiro, em forma de colar.
Os haustórios são nucleados e ricos em organitos tais como mitocôndrias,
ribossomas e vesículas, indicando a existência de locais de grande actividade
metabólica. Pensa-se que estas estruturas sejam responsáveis pela absorção de
nutrientes a partir das células infectadas. Com toda a certeza, os haustórios
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
146 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
fornecem uma superfície de estreito contacto entre o fungo e o hospedeiro,
aumentando consideravelmente a área superficial disponível para o fenómeno da
absorção. No entanto, a obtenção de dados que demonstrem esta teoria tem sido
difícil.
Alguns dados sobre as funções nutricionais dos haustórios foram obtidos a
partir do estudo de folhas de trigo infectadas com Erysiphe graminis. Na ordem
Erysiphales, ao contrário das duas outras ordens de biotróficos obrigatórios,
todo o sistema de hifas se encontra no seu exterior, sobre a superfície do
hospedeiro. Apenas os haustórios penetram as células e somente as epidérmicas.
Nas folhas de trigo infectadas, as hifas da superfície externa só começam
a crescer depois de o primeiro haustório surgido a partir da germinação de um
conídio, ter atingido um determinado estado de desenvolvimento. Experiências,
que envolveram o fornecimento de compostos radioactivos ao hospedeiro,
mostraram que estes compostos se moviam na direcção do fungo apenas quando
o primeiro haustório completava o seu desenvolvimento.
Nos biotróficos com hifas intracelulares, as hifas só por si fornecem uma
extensa área superficial e grandes quantidades de nutrientes podem-se mover
directamente par estas, através das paredes das células do hospedeiro.
12.1.3 Características do Biotrofismo
Uma vez que os fungos biotróficos dependem de tecidos vivos do
hospedeiro para completarem o seu desenvolvimento, eles causam danos
mínimos nos tecidos, pelo menos inicialmente. A morte celular imediata causada
por estes fungos é reduzida ou inexistente. A produção de enzimas líticas
extracelulares e toxinas é diminuta e controlada. O sucesso destes fungos como
parasitas depende grandemente da sua capacidade de extrair do hospedeiro
nutrientes suficientes para o seu crescimento, antes de o mesmo se encontras de
tal modo afectado que a síntese destes compostos fica comprometida.
Talvez uma das características mais interessantes das plantas infectadas
por fungos biotróficos obrigatórios seja aumento acentuado (duas a três vezes
maior) da taxa respiratória. Este aumento da taxa respiratória reflecte a intensa
estimulação do metabolismo do hospedeiro induzido pelo fungo. Nos tecidos
vegetais infectados por ferrugens e míldios pulverulentos, não existe apenas
um aumento da taxa respiratória, também se verifica um desvio das principais vias
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 147
produtoras de energia (glicólise e ciclo dos ácidos tricarboxílicos) para a via dos
fosfato pentoses (HMP). Este desvio não só fornece mais pentoses para a síntese
dos ácidos nucleicos, o que por sua vez afecta a síntese proteica, mas também
mais NADPH+H+ que pode ser utilizado na síntese de compostos fundamentais
para o metabolismo dos fungos invasores.
Globalmente, existe uma tendência para um aumento generalizado de
processos biossintéticos do hospedeiros, sendo estes direccionados à
produção de compostos essenciais ao fungo. Um exemplo é o aumento da síntese
do ARN. Foi sugerido que, após a germinação dos esporos das ferrugens, estes
não são capazes de sintetizar mais proteínas. Como tal, para que a infecção seja
bem-sucedida, o parasita tem de induzir o hospedeiro a produzir proteína que o
parasita possa utilizar.
Estudos com aminoácidos radioactivos mostraram que estes são
incorporados cerca de três vezes mais rapidamente nos tecidos infectados do que
nos sãos, sendo prontamente utilizados na síntese de proteínas fúngicas.
Naturalmente, o estabelecimento e desenvolvimento bem-sucedido do
parasita no interior do tecido hospedeiro revela que existe um fornecimento
adequado de carbohidratos por parte deste último. A maioria dos parasitas
biotróficos não só induz à mobilização dos produtos de fotossíntese para as zonas
infectadas, como também rapidamente os converte em substâncias que o
hospedeiro não consegue utilizar. Esta conversão não só assegura um gradiente
de concentração, que promove um fornecimento de produtos da fotossíntese,
como também assegura que os mesmos não são reutilizados pelo hospedeiro. Os
produtos da fotossíntese, especialmente a sacarose, são rapidamente convertidos
em trealose, glicogénio, arabitol e manitol (Capítulo 9). A mobilização e
conversão dos nutrientes do hospedeiro por parte do fungo é a principal causa do
crescimento e rendimento reduzido de cereais infectados por míldios
pulverulentos e das ferrugens.
À medida que a infecção progride, a taxa fotossintética nas folhas
infectadas normalmente baixa, a declinação é normalmente acompanhada por
uma diminuição no conteúdo em clorofila, embora este fenómeno possa ocorrer
posteriormente ao declínio da fotossíntese. Os cloroplastos das folhas infectadas
são também mais pequenos e muitas vezes apresentam sinais de degradação da
membrana. A perda da clorofila resulta em clorose e senescência prematura.
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
148 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Outra característica das infecções biotróficas é o aumento significativo dos
níveis hormonais, nomeadamente das hormonas de crescimento. Em muitos
tecidos infectados por ferrugens podem ser encontradas elevadas
concentrações de auxina (AIA). Em plantas de trigo infectadas por ferrugens é
possível detectar, dez dias depois da infecção, 24 vezes mais AIA do que o
normal. Não se sabe se é o fungo que produz a hormona ou se ele estimula a
produção desta pelo hospedeiro. Outra hipótese é que o fungo interfere de alguma
forma no processo envolvido na degradação da auxina pelo hospedeiro – por
exemplo, pela diminuição da AIA oxidase. O papel preciso destas hormonas no
que respeita a sua influência sobre o metabolismo do hospedeiro a favor do
parasita, não é claro. No entanto, existem consideráveis evidências
circunstanciais que indicam que o papel das hormonas de crescimento é de todo
importante, especialmente por intervirem no aumento da actividade metabólica e
mobilização de nutrientes.
A infecção pelos parasitas biotróficos, apesar de geralmente (mas não
sempre) não provocar danos mínimos nos tecidos, conduz a alterações
morfológicas no hospedeiros. Estas alterações variam desde entrenós
uniformemente alongados a caules marcadamente encaracolados e deformados
(ferrugem branca pustulenta das crucíferas – white blister rust), folhas retorcidas
(peach leaf curl) raízes ligeiramente intumescidas ou grotescas e grosseiramente
deformadas (club root), etc.
Nas associações biotróficas obrigatórias estabelece-se, inicialmente, um
vínculo relativamente equilibrado entre os dois parceiros, já que o fungo é
fisiologicamente especializado na sua dependência dos tecidos vivos para
complementar o seu desenvolvimento. Esta dependência fisiológica reflecte-se
também no facto de estes parasitas terem um número limitado de hospedeiros.
Por exemplo, a espécie morfológica Puccinia graminis (ferrugem negra dos caules
dos cereais e outras gramíneas) pode ser dividida em seis entidades patogénicas
– as formae speciales tritici, secalis, avenae, agrostidis, poae e phei-pratensis
– de acordo com a sua adaptação patogénica a um género em particular, tal como
triticum e secale. Estas entidades são denominadas de acordo com o hospedeiro
predominantemente infectado e os cruzamentos entre as mesmas são geralmente
inférteis. Nos casos em que o Homem desenvolveu variedades, ou cultivares
geneticamente estáveis do hospedeiro (por exemplo, o trigo), é possível subdividir
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 149
cada forma specialis. Por exemplo, nem todas as estirpes de P. graminis f. sp.
tritici são capazes de infectar todas as cultivares de Triticum com a mesma
virulência. Usando uma série de cultivares de trigos diferentes, com diferentes
graus de resistência ao agente patogénico, as chamadas séries diferencias de
hospedeiros, e quantificando o grau de infecção de determinada estirpe, é
possível reconhecer as diferentes raças fisiológicas (por exemplo, P. graminis f.
sp. tritici race 1). Convém salientar que estas entidades são artificiais, no sentido
em que o seu reconhecimento é muito arbitrário, já que o número de raças
fisiológicas detectadas depende do número de hospedeiros diferenciais utilizados
e dos tipos de reacções patogénicas analisadas.
12.2 Parasitas Necrotróficos
A maioria dos parasitas necrotróficos facultativos possui, além da vida
parasítica, uma fase livre e pode ser facilmente cultivada, contrastando
acentuadamente com os biotróficos. Muitos são parasitas pouco especializados
que conseguem crescer no hospedeiro depois de o terem provocado a morte e
saprobiamente com sucesso e indefinidamente noutros substratos mortos. Esta
capacidade não é extensível a todos os necrotrofos. À medida que eles se
especializam em direcção ao parasitismo, há uma tendência para a perda
progressiva da capacidade competitiva como sapróbios.
12.2.1 Enzimas Extracelulares
Normalmente, os parasitas necrotróficos matam rapidamente as células do
hospedeiro através da secreção de enzimas extracelulares ou toxinas, ou
ambas. Estas são as substâncias responsáveis pelos sintomas observados no
hospedeiro. Os seus efeitos variam desde a necrose localizada à destruição e
desintegração massiva dos tecidos. Muitos destes fungos causam doenças cujo
principal sintoma é o alastramento rápido de uma podridão branda e húmida dos
tecidos parenquimáticos (por exemplo, a podridão branda dos frutos tais como
maçãs, causada pelo Penicillium expansum).
Durante a infecção, as hifas penetram os tecidos, crescendo entre as
células. Não são formados haustórios mas os ápices das hifas secretam
quantidades copiosas de uma ampla variedade de enzimas pectolíticas que
atacam as unidades do ácido anidrogalacturónico que constituem os polímeros de
pectina. Este fenómeno conduz à maceração dos tecidos parenquimáticos à
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
150 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
medida que as células se separam ao longo da lamela média, devida à
degradação das substâncias pécticas que cimentam as células.
As enzimas pectolíticas desempenham um papel primordial durante as
fases iniciais e críticas da podridão branda. As enzimas líticas que actuam sobre
outros componentes da parede celular, tais como a celulose e as hemiceluloses,
não são produzidas nas fases iniciais da infecção. As enzimas pectolícticas
possuem outro efeito importante na medida em que provocam um acentuado
aumento da permeabilidade dos protoplastos. Devido a este aumento da
permeabilidade, as células perdem a sua turgidez e morrem mesmo antes de
sofrer desconexão.
Uma vez que as enzimas são libertadas para o exterior a partir dos ápices
das hifas invasoras, a morte celular verifica-se antes de a hifa contactar com as
células afectadas. O fungo utiliza, para o seu crescimento, resíduos resultantes da
hidrólise das substâncias pécticas, bem como os solutos que libertam as células
afectadas.
12.2.2 Toxinas
Noutras doenças causadas por este tipo de parasitas, as células são mortas
mas os tecidos, embora descoloridos, permanecem secos e não existe
desagregação celular. Além disso, a afecção progride lentamente e de forma
discreta, contrariamente às podridões. Nestes casos, o fungo produz toxinas de
baixo peso molecular capazes de matar as células, mesmo a concentrações
extremamente baixas. Um exemplo destas toxinas é o do ácido alternárico, isolado
a partir da Alternaria solani (Figura 12.2). Estas toxinas são activas a
concentrações extremamente baixas e serem translocáveis no interior do
hospedeiro. O ácido alternárico é uma toxina não-específica na medida em que
pode afectar várias plantas que não são parasitadas pelo fungo que a produz.
Figura 12.2 Ácido alternárico.
Biologia dos Fungos – Fungos como Parasitas de Plantas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 151
Noutros casos, como o da toxina “victorina” produzida por
Helminthosporium victoriae, não só as toxinas apresentam a mesma
especificidade de hospedeiro que o fungo produtor apresenta, como apenas as
estirpes de fungos produtores de toxinas são capazes de provocar doenças.
Há várias características importantes dos necrotrofos que devem ser
retidas:
A resistência a este tipo de parasitas normalmente baseia-se na
insensibilidade do hospedeiro a uma toxina específica, ou na
capacidade de o mesmo em a degradar assim que ela é produzida e
libertada;
No caso dos necrotrofos produtores de toxinas, os tecidos do
hospedeiro são também primeiramente mortos e posteriormente
utilizados em benefício do fungo;
Sabe-se também que muitas toxinas afectam a permeabilidade das
membranas, tal como as enzimas pectolíticas;
A morte rápida das células do hospedeiro causada pela produção de
enzimas ou toxinas, ou ambas, é a principal característica dos parasitas
necrotróficos.
Não há qualquer forma equilibrada de relação entre o hospedeiro e o
parasita. Além disso, a maioria dos necrotrofos possui uma ampla gama de
hospedeiros, ao contrário dos biotrofos. No entanto, em muitos casos não está
claro até que ponto eles conseguem viver longe dos seus hospedeiros, como
sapróbios. Alguns são claramente parasitas obrigatórios (por exemplo, Armillaria
mellea e Botrytis fabae.
Biologia dos Fungos – Micorrizas
152 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 13 Micorrizas
“Under agricultural field conditions, plants do not, strictly speaking, have
roots. They have mycorrhyzas”.7
S. Wilhelm
O termo micorriza é utilizado para caracterizar o sistema simbiótico raiz +
fungo associado. Este sistema é considerado como um órgão funcionalmente (e
por vezes morfologicamente) distinto, envolvido na tomada de nutrientes minerais
a partir do solo. É mais apropriado considerar este tipo de associação no contexto
do fitoparasitismo, apesar de se tratar normalmente de uma relação mutualística,
uma vez que o fungo envolvido na associação normalmente depende da planta
para a obtenção de fontes de carbono. De facto, na maioria dos casos até pode
ser questionado se a associação é necessariamente benéfica para a planta.
Nalgumas circunstâncias, o fungo pode-se mostrar prejudicial, causando ligeiras
alterações patogénicas. São reconhecidos diversos tipos de micorrizas, estando
dois dos principais ilustrados na Figura 13.1.
Figura 13.1 Comparação entre as estruturas de endomicorrizas e micorrizas arbusculares. Adaptado de Reger (2012).
7 Estritamente falando, sob condições agrícolas de campo, as plantas não
têm raízes. Elas têm micorrizas.
Biologia dos Fungos – Micorrizas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 153
13.1 Micorrizas Ectotróficas (“Sheating Mycorrhizas”)
Este tipo de micorrizas é vulgar nas árvores das florestas de climas
temperados (pinheiros, carvalhos, faias, etc.). As ectomicorrizas são formadas por
alguns membros de Ascomycota e principalmente e principalmente de
Basidiomycota (cogumelos e orelhas-de-pau). Os corpos de frutificação destes
organismos são comummente observados no “chão” da floresta (por exemplo,
Boletus sp., Deccinum sp., Amanita sp., Russula sp., etc.) (Figura 13.2).
Figura 13.2 Ectomicorriza formada por Boletus sp. e raízes do pinheiro. Fonte: Grupo Virtuous (2014).
O micélio forma uma bainha na superfície externa da raiz. Esta bainha pode
ser esparsa e facilmente desagregável ou compacta e aderente, com várias
camadas de células (parenquimatosas). Frequentemente, a partir da bainha
irradiam hifas simples ou cordões micelianos para o solo circundante. Estas
estruturas podem explorar outras fontes de nutrientes fora do alcance das raízes
não afectadas e estabelecer ligações entre raízes de uma mesma árvore ou de
árvores diferentes. Deste modo, muito nutrientes podem ser transportados de
árvore para árvore através do fungo. Há evidências de que algumas árvores
jovens que crescem nas proximidades da árvore mãe podem receber nutrientes
desta, podendo sobreviver em locais sombrios e em solos secos e inférteis.
Biologia dos Fungos – Micorrizas
154 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
A bainha em torno da raiz altera o padrão de crescimento dando origem a
raízes mais pequenas, grossas, frágeis e com uma coloração diferentes das raízes
não afectadas. Além disso, as raízes afectadas desenvolvem muitos ramos,
também eles pequenos e grossos (Figura 13.3). As hifas penetram o córtex da raiz
a partir da bainha até uma profundidade de duas camadas de células.
Figura 13.3 Corte de uma raiz apresentando ectomicorrizas. Observe-se o manto e a rede de Hartig. Imagem de Machado (2011).
Durante a penetração do tecido da raiz, as hifas crescem entre as células
epidérmicas e corticais, não sendo normal a invasão destas células. Este tipo de
crescimento, entre as células da raiz, conduz à formação da chamada rede de
Hartig. A forma de crescimento descrita a acima é explícita no termo ectotrófico
(do grego ecto = externo + trophos = alimentação).
Alguns fungos apresenta-se sempre associados com uma mesma árvore,
sendo muito específicos no que respeita ao seu parceiro (por exemplo, Russula
sp. + faia – Fagus sp.), outros formam associações morfologicamente distintas
com um vasto número de árvores (por exemplo Cenococcum sp.). É normal uma
única árvore forma associações com mais do que uma única espécie de fungo. Há
evidências da possibilidade da ocorrência de sucessões de diferentes espécies de
Biologia dos Fungos – Micorrizas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 155
fungos nas raízes de um único indivíduo. Estas sucessões são tanto mais
complexas quanto mais velhas as plantas em questão.
13.2 Micorrizas Endotróficas (Micorrizas Arbusculares-Vesiculares)
As micorrizas endotróficas são muitos diferentes das ectomicorrizas no que
concerne à morfologia e natureza da relação simbiótica, mas extremamente
similares no que respeita aos efeitos que causam.
Os fungos envolvidos são tradicionalmente espécies dos géneros Glomus,
Acaulospora e Gigaspora da divisão Zygomycota. Estes organismos parecem
biotróficos obrigatórios, não sendo possível de cultivá-los em laboratório (ao
contrário de os que formam ectomicorrizas), o que complica consideravelmente o
seu estudo e a exploração comercial.
Existe uma grande variedade de plantas que podem formar endomicorrizas,
desde briófitas e fetos até angiospérmicas e gimnospérmicas dos climas
temperados ou das regiões tropicais, em condições de crescimento natural ou de
cultivo. Algumas famílias das angiospérmicas são muito propensas a formar este
tipo de associação (Leguminoseae). Deste modo, é possível a existência de
associações simbióticas múltiplas com endomicorrizas e nódulos radiculares.
Nalguns casos, verifica-se a existência de extomicorrizas e endomicorrizas na
mesma planta.
As endomicorrizas são extremamente importantes porque a sua gama de
parceiros é tão ampla que elas afectam quase todas as comunidades naturais e
uma grande maioria das cultivares, em todo o planeta. São a principal forma de
micorriza na maioria dos trópicos e ocorrem em muitas cultivares economicamente
importantes do terceiro mundo (árvore da borracha, do cacau, de citrinos,
mandioca, palmeiras, etc.).
As endomicorrizas não formam bainha, alterando a morfologia das raízes,
ao contrário de o que ocorre com as ectomicorrizas. As hifas do fungo penetram
a raiz da planta e crescem entre as células corticais que acabam por penetrar
formando, no seu interior, estruturas globosas – vesículas – e estruturas
ramificadas – arbúsculos. Tais como os haustórios, estas estruturas não chegam
a penetrar o hialoplasma. Este sofre invaginação e rodeia todos os ramos do
arbúsculo e as vesículas. Existe uma matriz de origem e composição
desconhecida entre o hialoplasma e a parede do fungo. Verifica-se uma grande
Biologia dos Fungos – Micorrizas
156 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
semelhança com os haustórios dos fungos fitoparasitas biotróficos obrigatórios.
Os arbúsculos acabam por ocupar a maior parte do espaço intracelular.
Normalmente, hifas que se dispersam no solo e que se caracterizam pela
presença de esporos de grandes dimensões (mais de 130 m) irradiam da
superfície da raiz infectada.
13.3 Micorrizas Endotróficas das Orquídeas (um Caso Especial)
Convém salientar que a maioria de estudos sobre este tipo de micorrizas
tem sido feito em jovens plântulas heterotróficas e não plantas adultas
autotróficas. Para a maioria das orquídeas com clorofila a associação com o fungo
é obrigatória na natureza, e só assim as suas sementes podem germinar e as
plantas se estabelecem com sucesso. Para as orquídeas aclorofílicas, a
associação é obrigatória durante toda a vida da planta.
Os embriões das orquídeas são desprovidos de reservas nutritivas e as
sementes, na sua maioria serão incapazes de germinar sem a existência de uma
fonte externa de carbohidratos. Na natureza, elas dependem da presença do
fungo para este fim. Qualquer orquídea, até ser capaz de desempenhar a função
fotossintética, depende do fungo associado no que respeita à fonte de carbono
(nas espécies de Dactylorchis a primeira folha verde pode surgir no segundo ano
de crescimento; em Spiranthes spiralis isto só acontece no décimo primeiro ano
de crescimento e noutras ainda pode ser mais demorado). Deste modo, existe
uma fase prolongada na vida da orquídea, em que ela é aclorofílica, subterrânea
e depende da forma obrigatória da associação com o fungo.
Este tipo de micorrizas é formado por membros da subdivisão
Basidiomycota, sendo o género Rhizoctania o mais comum. Ao contrário dos
membros de Basidiomycota que formam ectomicorrizas, estes não são membros
de Agaricales mas sim Aphyllophorales. A maioria é capaz de viver como
sapróbios de vida livre. Além disso, são capazes de utilizar a celulose, sendo
autossuficientes no que respeita aos compostos de carbono. Muitos
demonstraram ser parasitas necrotróficos de outras plantas, causando doenças
nas raízes de cereais, tomate, alface, etc.
Outros fungos menos comuns na formação deste tipo de associação
incluem espécies como Armillaria mellea (Agaricales), conhecida como parasita
devastador das raízes de árvores. Depois de os estágios iniciais da infecção do
Biologia dos Fungos – Micorrizas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 157
embrião, o fungo fica restrito às células corticais parenquimáticas das raízes
jovens. O fungo penetra as células sem, no entanto, penetrar o citoplasma, e forma
um denso novelo de hifas no interior destas. Com o tempo, estas hifas aumentam
de volume, perdem o conteúdo citoplasmático, sofrem colapso e eventualmente
se degeneram. Este processo parece indicar a existência de um fenómeno de
autólise ou digestão.
13.3.1 Relações Fisiológicas entre o Fungo e a Planta Heterotrófica
Existem evidências de que o fungo utiliza fontes de carbono complexas
presentes no solo, como a celulose, e torna os produtos de hidrólise disponíveis
para a jovem orquídea. Estes produtos seriam translocados através das hifas e
transferidos ao nível das estruturas de penetração. Por outro lado, a periódica
degeneração destas estruturas também poderá fornecer à planta alguns
nutrientes orgânicos e minerais. Existe quem defenda que as hifas sofram colapso
e que a sua degeneração seja causada pela planta. Este ponto de vista levou
alguns autores a considerar as orquídeas como parasitas necrotróficos dos
fungos. No entanto, será mais provável que, se a planta realmente induz à
degeneração das hifas, se trate de um mecanismo de defesa contra uma completa
invasão parasítica por parte do fungo. Parece haver um equilíbrio precário, nesta
associação, entre a agressividade do fungo e os mecanismos de defesa da planta.
Trabalhos realizados por Smith (1966, 1967) demonstraram que o fungo
não só fornece o carbono a planta como ainda o fósforo. Sendo assim durante a
fase heterotrófica da orquídea, existe um movimento real de carbono e minerais
do fungo para a planta. Esta fase da associação deverá ser considerada como
uma forma de parasitismo na qual o fungo é parasitado pela orquídea.
13.3.2 Relações Fisiológicas com a Planta Autotrófica
Na orquídeas adultas, apenas as raízes absortivas são infectadas pelo
fungo. A infecção da plântula aclorofílica não implica, de forma alguma a infecção
da planta adulta autotrófica. Algumas plantas adultas são completamente livres de
qualquer associação com fungos.
No momento, pouco se sabe sobre a relação entre o fungo e a planta adulta
autotrófica. Não se podendo excluir a possibilidade do fungo nesta fase receber
carbono da planta ou de continuar a fornecer minerais à orquídea.
Biologia dos Fungos – Micorrizas
158 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
13.4 Outros Tipos de Associações
Além destes tipos de micorrizas, existem ainda outros em membros da
família Ericaceae (Erica, Calluna, Vaccinium) e em Monotropha, uma planta com
flor e sem clorofila. Este último caso é muto interessante porque um dos fungos
simbióticos, Suillus sp. (Basidiomycotina), também forma micorrizas ectotróficas
com raízes de árvores. O fungo parece actuar como uma “ponte” entre a árvore
Monotropha, fornecendo a última com os carbohidratos obtidos a partir da árvore.
É evidente que as micorrizas constituem um grupo de associações
extremamente diverso que deve ter evoluído independentemente em vários tipos
de plantas e em vários tipos de plantas e em vários grupos taxonómicos dos
fungos. Mesmo a natureza das associações difere nos tipos principais. Os fungos
que formam endomicorrizas e ectomicorrizas parecem depender parcialmente, se
não totalmente, dos produtos fotossintéticos da planta: os membros de
Basidiomycota que formam ectomicorrizas, por exemplo, possuem uma CSA
muito baixa e são incapazes de utilizar a celulose e outros polímeros vegetais
mesmo em cultura laboratorial, o que contrasta com a maioria dos membros desta
divisão, se fornecermos 14CO2 à planta simbiótico, o carbono radioactivo é
rapidamente detectado na bainha e nas hifas fúngicas, incorporado nos
carbohidratos fúngicos (trealose, manitol e glicogénio).
13.5 Consequências da Associação
As micorrizas ectotróficas das árvores das árvores das florestas há muito
que têm sido consideradas importantes na tomada de nutrientes minerais a partir
do solo. De facto, algumas árvores, como Pinus sp., estabelecem associações
obrigatórias deste tipo: elas crescem muito mal e mostram sinais severos de
deficiência em nutrientes minerais, se as suas raízes não estão infectadas por um
simbionte fúngico. A presença do fungo simbiótico conduz à supressão do
desenvolvimento de pelos radiculares e a uma alteração grosseira da morfologia
da raiz (aumento de volume e ramificação extensa). Pensa-se que estas
alterações são induzidas por altas concentrações de auxinas, sendo estas
hormonas produzidas e libertadas pelo fungo simbiótico. Sabe-se também que o
fungo produz auxina extracelular e também fornece à planta outras hormonas de
crescimento (provavelmente citocinina e giberelinas).
Biologia dos Fungos – Micorrizas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 159
Uma vez que estas hormonas também são produzidas endogenamente
pela planta, estas poderão apresentar níveis hormonais muito acima do normal, o
que certamente influencia o seu desenvolvimento e crescimento.
Estudos com marcadores radioactivos demonstraram que a presença do
fungo nas raízes das plantas, quer nas ectomicorrizas ou endomicorrizas, conduz
a um aumento da tomada de nutrientes minerais por parte da planta.
Grande parte da investigação sobre o efeito das micorrizas no aumento da
tomada de nutrientes minerais por parte da planta tem sido direcionada para a
tomada do fósforo. Normalmente, este elemento está presente no solo na forma
orgânica e insolúvel (por exemplo, cálcio inositol hexaforfato ou fitato de cálcio).
Mesmo quando adicionado ao solo na forma solúvel, rapidamente se torna
insolúvel e está, por isso, grandemente indisponível para as raízes das plantas, a
não ser que estas estejam em contacto íntimo com o mesmo.
A eficiência aumentada com que as plantas com micorrizas absorvem
fósforo, comparada com as que não têm, pode ser devida unicamente ao aumento
da área superficial disponível para a absorção, em resultado das hifas irradiam a
partir das raízes para o solo. Portanto, estas hifas podem explorar com eficiência
o solo que rodeia as raízes. Além disso, sabe-se que os fungos que formam
micorrizas são extremamente eficientes no que respeita a acumularem fósforo do
solo. Nas ectomicorrizas, a bainha actua como um reservatório de nutrientes
minerais que são disponibilizados à planta durante períodos de deficiência. Por
outro lado, estes fungos também poderão solubilizar o fósforo do solo, pela
produção de ácidos ou por possuírem fosfatases eficientes. Estes argumentos
podem ser aplicados a todo o tipo de micorrizas, mas em caso algum demonstrou-
se que as plantas com micorrizas eram capazes de utilizar foras de fósforo que as
sem micorrizas não fossem. Ou seja, a diferença entre as plantas com e sem
micorrizas é quantitativa e não qualitativa.
Além do fósforo, as plantas que estabelecem este tipo de associação
mostram um aumento na tomada de azoto e outros nutrientes minerais. Talvez em
parte, como resultado das dimensões, normalmente, elevadas do seu sistema
radicular, e de certeza devido à intensa exploração do solo pelas hifas do fungo
associado.
O estabelecimento deste tipo de associação acarreta outras consequências
para a planta, além do aumento na tomada de nutrientes minerais. Por exemplo,
Biologia dos Fungos – Micorrizas
160 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
a infecção pelo fungo pode aumentar a disponibilidade de água em ambientes
secos pode estimular o estabelecimento de nódulos radiculares (Rhizobium sp.)
nos legumes e, consequentemente, estimular a fixação de azoto, pode impedir ou
reduzir as doenças da planta. Na natureza, é sempre difícil de determinar se estes
aspectos são efeitos directos da existência da associação ou efeitos indirectos
que resultam do aumento do vigor da planta. Em condições laboratoriais, foi
demonstrado um efeito directo na tomada de água pela planta e no aumento da
resistência a doenças. No que respeita a este último ponto, têm sido feitos estudos
sobre o papel das ectomicorrizas na protecção das árvores contra os efeitos
nocivos do fungo Phytophthora cinnamomi. Parece que as ectomicorrizas
reduzem a incidência da doença, pelo menos de três formas:
Pela criação de uma barreira física à infecção – a bainha;
Aumento do vigor da planta, de modo que esta possa combater a
infecção, produzindo mais raízes;
Produção de antibióticos activos conta o parasita.
Biologia dos Fungos – Líquenes
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 161
Capítulo 14 Líquenes
Líquenes são associações entre fungos (micobionte) e cianobactérias ou
algas (ficobiontes). Estas associações envolvem cerca de um sexto das espécies
conhecidas de fungos. Nenhum fungo envolvido tem um nome genérico e nenhum
foi encontrado vivendo livremente na natureza, isto é, a associação é obrigatória
para os fungos.
Os fungos envolvidos neste tipo de associação pertencem às divisões
Ascomycota e Basidiomycota. Os mais frequentes são Ascomycotas das ordens
Discomycetes (que formam apotécios), Pyrenomycetes (com peritécios) e
Loculoascomycetes (com pseudotécios).
14.1 Os Ficobiontes
Para cada fungo, existe um ficobionte associada (alga ou cianobactéria).
Contrariamente ao fungo, muitos destes organismos podem apresentar vida livre.
Deste modo, esta associação deve ser vista como uma forma de parasitismo em
que o hospedeiro é o ficobionte. As algas que formam líquenes pertencem às
classes Chlorophyceae (algas verdes) e Xanthophyceae (algas amarelas). Da
primeira classe, os géneros mais comuns são Trebouxia (o único grupo que
raramente ou nuca tem vida livre), Trentepohlia e Coccomyxa. A outra classe é
representada pelo género Heterococcus. As cianobactérias que formam líquenes
pertencem aos géneros Nostoc e Scytonema.
14.2 Grupos Morfológicos
Os líquenes enquadram-se em três grupos morfológicos (Figura 14.1):
Crustoso – apresentam-se como crostas aderentes ao substrato;
Folioso – forma uma folha sobre o substrato;
Fruticoso – aparenta um arbusto por cima do substrato.
Figura 14.1 Tipos de líquenes. Crustoso (à esquerda), folioso (no meio) e fruticuloso (à direita). Imagens de Trenado, del Valle, Ojeda, Maña, and Castaño (2009).
Biologia dos Fungos – Líquenes
162 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
14.3 Distribuição do Ficobionte e Micobionte
Existem dois perfis de distribuição:
Homeómeros (Figura 14.2) – os dois associados estão distribuídos ao
acaso;
Figura 14.2 Estrutura de um líquen homeómero. Imagem de Pujari (2014).
Heterómeros ou estratificados (Figura 14.3) – apresentam três
camadas:
o Primeira camada – hifas firmemente cimentadas de paredes
grossas e consistência gelatinosa constituem uma camada fina
cortical e parenquimatosa;
o Segunda camada – constituída pela alga (5 – 10% do volume
total). As células individuais da alga estão rodeadas por hifas de
parede fina e pouco densas;
o Terceira camada – medula constituída por hifas de paredes
grossas pouco compactas. Constitui a maior parte do talo.
Figura 14.3 Estrutura de um líquen heterómero. Imagem de Plant Science 4U (2014).
Biologia dos Fungos – Líquenes
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 163
14.4 Biologia Ficobionte e Possíveis Benefícios
Os benefícios do ficobionte são difíceis de determinar, pois não existe
nenhuma evidência de movimento de compostos do fungo para o ficobionte. A
associação conduz a alterações na biologia ficobionte:
As algas verdes não se reproduzem sexualmente nem produzem
estados móveis;
A alga fotossintetiza mais eficientemente em associação do que isolado.
Deste modo, os carbohidratos produzidos muito mais concentrados do
que os necessários para o crescimento do fungo. Deste modo, conclui-
se que a taxa de crescimento muito lento do líquen não está relacionada
com o facto de a alga ter de suportar o crescimento do fungo (a alga
cresceria menos). Por outro lado, o fungo também cresceria pouco, pois
a alga só constitui 5 a 10% do peso seco do líquen;
Apesar de a alga produzir fontes de carbono mais do que suficientes,
os líquenes crescem muto lentamente. Porquê? A resposta parece estar
no movimento massivo dos carbohidratos para o fungo e a sua
acumulação na forma de manitol, sendo o protoplasma uma solução
quase saturada de manitol. Estas altas concentrações internas de
carbohidratos podem constituir um mecanismo que permita aos
líquenes suportar condições adversas (por exemplo, em stress hídrico
um baixo potencial osmótico é obviamente vantajoso);
O ficobionte beneficia do suporte físico e da exposição adequada à luz,
estando protegido das condições ambientais extremas, de certa forma.
Por outro lado, tem aumentando a sua gama de habitats.
14.5 Taxa de Crescimento dos Líquenes
Os líquenes crescem muito devagar. Os foliosos, mais rápidos, têm uma
taxa máxima de 10 mm por ano. Os crustosos crescem 1mm por ano. Ainda assim,
os líquenes podem atingir 4500 anos ou mais, o que indica uma associação
extremamente equilibrada.
A baixa taxa de crescimento deve-se à própria taxa de crescimento do
fungo, inabilidade em conservar a água e ao crescimento em habitats com
Biologia dos Fungos – Líquenes
164 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
suplementos minerais extremamente baixos. A humidade elevada e baixas
intensidades luminosas favorecem o seu crescimento. Quando secos, os líquenes
são extraordinariamente resistentes a condições extremas. Por causa da sua
resistência, pouca demanda de nutrientes minerais e mecanismos absortivos
eficientes, os líquenes crescem em habitats em que nenhum organismo consegue
crescer, nem os simbiontes isolados. Estes habitats incluem cimento, rochas, etc.
14.6 Reprodução
Cada organismo da associação pode-se reproduzir separadamente. O
micobionte pode-se reproduzir por ascósporos e basídiosporos, enquanto o
ficobionte pode-se reproduzir por esporos imóveis ou raramente por esporos
móveis.
Por outro lado, existem estruturas reprodutivas combinadas, denominadas
sorédios, que podem ser descritas como massas de células de algas envolvidas
por hifas. A agregação de sorédios na superfície do líquen tem o aspecto de pó.
14.7 Fisiologia, Metabolismo do Carbono ou Minerais
O autotrofo fornece carbono e vitaminas (biotina e tiamina) ao fungo. Os
produtos da fotossíntese são rapidamente translocados para a medula (fungo) dos
líquenes. Quando a alga é separada do fungo e cultivada axenicamente ela liberta
quantidade apreciáveis de carbohidratos (o tipo varia com a espécie: glicose,
álcool polihídrico, ribitol ou eritrol). Os carbohidratos das algas são rapidamente
convertidos em carbohidratos fúngicos: manitol e arabitol.
Não se sabe como é que o fungo induz a alga a libertar os carbohidratos.
Sugeriu-se que os lichen acids ou lichen substances produzidos pelos líquenes
pudessem de alguma forma alterar a permeabilidade selectiva das membranas
das algas. Por outro lado, pode ser apenas uma consequência do contacto físico
dos simbiontes.
É também possível que o fungo interfira com o metabolismo do ficobionte
de forma que os carbohidratos destinados à síntese da parede ou bainha sejam
desviados para fungo. Esta ideia é apoiada pelo facto de as algas e cianobactérias
possuírem paredes finas e não apresentarem bainha mucilaginosa
(cianobactérias) quando associadas. Depois do isolamento, ambas lentamente
deixam de libertar os carbohidratos e começam a apresentar paredes grossas e
bainhas mucilaginosas.
Biologia dos Fungos – Líquenes
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 165
14.7.1 Nitrogénio
Alguns líquenes contêm cianobactérias que fixam o nitrogénio atmosférico
(Nostoc), que é maioritariamente translocado para o fungo. Muitos líquenes com
algas verdes possuem cefalopódios – pequenas excrescências na superfície do
talo que normalmente contém cianobactérias. Estas fixam o nitrogénio e libertam-
no para o talo, sendo este utilizado exclusivamente pelo fungo.
14.7.2 Minerais
Os líquenes têm um mecanismo muito eficiente de acumulação de
nutrientes a partir de qualquer solução aquosa que contactam, o que é vantajoso,
já que estes colonizam substratos extremamente pobres, principalmente em
minerais (iões).
A absorção de nutrientes ocorre durante períodos de relativa abundância,
que são utilizados lentamente em períodos de escassez.
Não há evidências de que o fungo absorva nutrientes minerais e os forneça
ao ficobionte. Assume-se que tal aconteça apenas porque os fungos são
altamente eficientes na absorção. Esta é a principal diferença entre as
ectomicorrizas e os líquenes. Há quem argumente até que o fungo realmente
reduz a quantidade de minerais que chegam ao ficobionte (o mesmo que se passa
com o nitrogénio nos casos de cefalopódios).
14.7.3 Consequências Nefastas da Absorção Eficiente
O eficiente mecanismo de absorção dos líquenes pode ajudar a explicar a
elevada acumulação por eles de radioactividade e a sua extrema sensibilidade
a poluentes atmosféricos (explica a sua ausência em ambientes poluídos). Os
líquenes variam muito no que respeita à sua sensibilidade aos poluentes – pode-
se fazer uma zonação concêntrica em torno das cidades.
14.8 Água, Fotossíntese e Respiração
Os líquenes conseguem crescer em ambientes muito secos, onde os
simbiontes sozinhos não conseguem. De certa forma, o fungo é tolerante à falta
de água, enquanto a maioria das algas é susceptível à dessecação. Assim, infere-
se que o fungo confere ao líquen a sua resistência à dessecação.
Sugere-se que os carbohidratos acumulados no fungo (manitol) actuam de
forma a baixar o potencial osmótico de modo que a água se possa acumular,
Biologia dos Fungos – Líquenes
166 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
mesmo em ambientes muito secos. Dada a íntima associação entre os simbiontes,
alguma dessa água estaria disponível ao ficobionte, permitindo-se assim realizar
a fotossíntese, mesmo em condições de baixo teor de água.
Os líquenes só são metabolicamente activos quando humedecidos. Em
ambientes muito secos, a actividade metabólica é nula e o crescimento torna-se
lento. A medula não apresenta nenhuma função na tomada e acumulação de
minerais, mas ela:
Fornece um esqueleto de suporte às células do ficobionte;
Está mais saturada em água relativamente ao resto do talo.
Uma vez que a medula está em contacto directo com o ficobionte, ela o
fornece água quando o talo está a secar. Os líquenes não têm qualquer controlo
sobre o seu conteúdo em água, dependendo este de fenómenos puramente
físicos. Assim, quando expostos ao sol secam rapidamente. Eles mostram rápidas
e enormes flutuações no conteúdo hídrico durante o dia.
O conteúdo do talo em água afecta a respiração e fotossíntese, o que afecta
o balanço em carbono no líquen. A taxa de fotossíntese máxima ocorre de 65% a
95% da saturação completa em água e decresce acima e abaixo destes valores.
A respiração máxima ocorre de 40% a 90% da saturação completa de água, mas
esta é pouco afectada por alterações do conteúdo de água. Assim, em muitas
condições naturais deve haver apenas umas poucas horas por dia (de madrugada)
em que o balanço em carbono é positivo. O decréscimo significativo na
fotossíntese abaixo do valor óptimo para o conteúdo em água pode ser devido a
dois factores: redução na transmissão da luz e desidratação do ficobionte.
O córtex do líquen actua como um filtro de luz. As células do córtex,
quando saturadas, estão amplamente distendidas e permitem a máxima
passagem de luz. Com a perda de água, elas contraem-se de forma que existam
mais paredes verticais por unidade de área, tornando-se mais difícil a transição da
luz. As células do ficobionte também se contraem, havendo mais células por
unidade de área. Assim, um número fixo de células ficobiontes está exposto a
menos energia radiante do que ando o talo está saturado.
Biologia dos Fungos – Líquenes
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 167
14.9 Significado do Fluxo de Água
O fluxo no conteúdo de água, ou seja, alternância entre períodos de
dessecação e saturação pode ser mais importante para a biologia dos líquenes do
que o conteúdo em água do líquen a qualquer momento.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
168 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Capítulo 15 Zooparasitismo
Os fungos causam relativamente poucas doenças em animais, em
contraste com a sua importância como parasitas. Alguns fungos são capazes de
invadir os tecidos do Homem e de outros vertebrados, causando micoses. Outros
fungos, não parasitas, são nefastos pela capacidade de provocar micotoxicoses
e alergias. Alguns fungos parasitam insectos e nemátodos, o que lhes valeu um
interesse especial por parte dos micologistas, em virtude das suas potencialidades
como controladores biológicos de pragas. Alguns destes fungos já são explorados
comercialmente (Por exemplo, o Metarhizium anisophliae, que controla baratas).
15.1 Micoses dos Vertebrados
Os micologistas médicos agrupam frequentemente as micoses com base
nos tecidos afectados:
Micoses cutâneas – aquelas que afectam a pele, as unhas e o cabelo,
causadas por fungos dermatófitos (ou ringworm fungi);
Micoses subcutâneas – são causadas por fungos oportunistas, que
penetram o tecido através de feridas ou pequenas perfurações na pele;
Micoses sistêmicas – são causadas por fungos oportunistas que
penetram no organismo pelos pulmões e que colonizam os órgãos mais
importantes.
A levedura Candida albicans (Deuteromycota) é normalmente considerada
separadamente. Esta levedura é um sapróbio comum do trato digestivo de
indivíduos saudáveis, mas pode causar, ocasionalmente, situações clínicas por
vezes extremamente preocupantes.
Nalgumas circunstâncias, adopta-se um sistema classificativo alternativo.
Nestes casos, os dermatófitos são considerados separadamente e os outros são
agrupados em endógenos (por exemplo, a Candida albicans) ou exógenos (a
maioria). Existem ainda mais sistemas classificativos.
Na maioria dos caos, os esporos que iniciam infecções não provêm de um
animal doente, mas sim de uma colónia que se desenvolve saprofiticamente. A
infecção de um animal é um “beco sem saída” para o fungo, sendo inteiramente
incidente no desenrolar da sua vida como sapróbio.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 169
As micoses são normalmente difíceis de controlar porque estão associadas
à debilidade dos mecanismos de defesa do hospedeiro, e os agentes
quimioterapêuticos usados no seu tratamento são muitas vezes citotóxicos.
15.1.1 Dermatófitos
Os fungos dermatófitos constituem um grupo bem definido de cerca de 40
espécies pertencentes a três géneros da divisão Deuteromycota: Trichophyton,
Microsporum e Epidermophyton. Estes fungos podem ser identificados pelos
conídios produzidos em cultura (Figura 15.1), já que estes não são produzidos no
hospedeiro.
Figura 15.1 Da esquerda para a direita, macroconídios de Trichophyton, Epidermophyton e Microsporum. Fontes: CDC and Ajello (2006b), CDC and Ajello (2006a) e Galindo (2007).
Alguns destes fungos apresentam estados sexuados (teleomórficos)
pertencentes à divisão Ascomycota. O estado teleomórfico do género Tricophyton
é o género Arthroderma e do Microsporum é Nannizzia. O género Epidermophyton
não apresentam estados sexuado.
Os dermatófitos crescem exclusivamente nos tecidos mortos da pele, unha
e cabelo, numa zona estreita logo acima da região onde a proteína queratina é
depositada. Normalmente, estes fungos são observados como hifas simples que
crescem nas zonas afectadas, mas no caso do cabelo (muito raramente na pele)
as hifas podem fragmentar-se em artrósporos para trás da zona de crescimento.
Em virtude de estes fungos crescerem sempre e tecidos mortos, o seu status de
parasitas pode ser questionado. Seja como for, a sua presença nestes tecidos
causa irritação e inflamação das células vivas subjacentes, sendo normalmente
necessário um tratamento clínico.
Apesar de serem muito comuns e amplamente distribuídos pelo mundo, os
dermatófitos apresentam diferenças características no que respeita aos habitats e
hospedeiros. Algumas espécies são antropofílicas, crescendo preferencialmente
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
170 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
no Homem: o Trichophyton interdigital é responsável pelo “pé-de-atleta”, e T.
rubrum causa uma infecção crónica e intensa nos pés e pode alastrar às virilhas
e outras regiões do corpo. O Epidermophyton foccosum causa uma infecção
superficial e passageira dos pés e das virilhas. As espécies que infectam
preferencialmente os animais são denominadas zoofílicas: incluem o
Microsporum canis, que infecta os cães e gatos, e Trichophyton verrucosum do
gado. Estes fungos podem ser transmitidos ao homem por contacto directo. Por
exemplo, o T. verrucosum causa uma infecção intensa e prejudicial que pode
originar a calvície permanente ou lesões pruridas permanentes na pele. Umas
poucas espécies são geofílicas, ou seja, crescem no solo, podendo infectar os
animais a partir daí (por exemplo, Microsporum gypseum, T. mentagrophytes).
As razões que determinam a especificidade dos dermatófitos, em relação
ao hospedeiro, não são completamente conhecidas. Esta especificidade pode
estar parcialmente relacionada com diferentes tipos de secreções da pele, mas
pode também reflectir diferenças no comportamento e habitat entre os
hospedeiros, e não factores fisiológicos. É evidente que o micro-habitat é
importante porque, por exemplo, o Trichophyton interdigital é apenas comum entre
as pessoas que usam calçado, e não em comunidades em que as pessoas andam
descalças.
A infecção é transmitida, embora com certa dificuldade, de organismo para
organismo por contacto directo com fios de cabelo ou fragmentos epidérmicos
descamados, contaminados por artrósporos ou material vegetativo. Sabe-se que
os dermatófitos sobrevivem muito bem nos fragmentos secos da pele e do cabelo,
tal não acontecendo se estes estiverem húmidos, talvez por causa da presença
das bactérias. Na verdade os dermatófitos possuem uma fraca capacidade
competitiva, sendo improvável que cresçam sapróbios na ausência do seu
hospedeiro.
Sendo assim, eles dependem do contacto directo entre os hospedeiros ou
o tipo de comportamento dos mesmos para a sua sobrevivência (por exemplo, no
caso do Homem há o uso de balneários públicos, partilha de objecto de higiene
pessoal, etc.). Deste modo, os dermatófitos são “parasitas” muito especializados,
o que contrasta grandemente com os outros fungos causadores de micoses.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 171
15.1.2 Micoses Subcutâneas ou de Inoculação
Estas doenças, relativamente raras, são causadas por fungos que
conseguem penetrar nas camadas mais profundas da pele, através de feridas ou
lesões provocadas por espinhos. Este tipo de micose é comum nos países em
desenvolvimento. Os fungos não apresentam qualquer adaptação especial para
crescerem nos tecidos animais, a não ser a capacidade de crescer a 37 oC. Por
contraste, são sapróbios altamente eficientes. Logo, a infecção dos animais ou
seres humanos é apenas um incidente, não lhes trazendo qualquer benefício.
Este tipo de infecção caracteriza-se pela formação de abcessos e
granulomas subcutâneos, que por vezes formam fístulas na superfície cutânea,
dando origem a lesões ulceradas crónicas, supurantes e cicatrizáveis. Por vezes,
as úlceras drenam para os vasos linfáticos, conduzindo à produção de lesões
granulomatosas e superadas nos gânglios linfáticos. Estas infecções são
desfigurantes e não é raro que o seu desenlace seja fatal.
Entre outras doenças, pode se citar as seguintes:
Esporotricose – é uma micose crónica, subcutânea e linfática que pode
permanecer localizada na zona de inoculação durante meses mas pode,
também, alastrar atingindo os ossos, as articulações, os pulmões e o
sistema nervoso central. As lesões podem ser granulomatosas ou
ulceradas. Este tipo de micose é causada pelo Sporothrix schemckii e
por uma variedade, o S. schenckii var. Lurici.
Cromomicose – é uma micose crónica e localizada da pele e dos
tecidos subcutâneos. É caracterizada por lesões verrugosas, ulceradas
e cobertas de crostas. Estas lesões podem ter 1 a 3 cm de altura. As
lesões estão normalmente localizadas na parte inferior da perna mas
podem ocorrer noutras zonas onde tenha havido danos na pele. Podem
surgir lesões satélites quer por autoinoculação quer por dispersão
linfática. Este tipo de micose pode ser causado por vários fungos:
Phialophora verrucosa, P. pedrosoi, P. compacta, P. dermatitidis e
Cladosporium carrionii;
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
172 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Maduromicose – é uma lesão localizada normalmente no pé ou na
mão, que envolve a pele, o tecido subcutâneo a fáscia8 e o osso. A lesão
contém granulomas e abcessos que supuram e drenam para o exterior.
O pus contém grânulos, que são massas de colónias do agente
etiológico. Este tipo de lesão é causada por uma grande variedade de
fungos. Madurella mycetomi, Monosporium apiospermum, Madurella
grisea, Phialophora jeansemei, Cephalosporium recifei, C.
granulomatis, C. falciforme, Curvularia lunatai, C. geniculata, Fusarium
solani, Aspergillus nidulans, Penicillium mycetogenum, etc.
15.1.3 Micoses Sistémicas
Além da Candida albicans, que será discutida separadamente, existem
quatro fungos que podem ocasionalmente causar micoses sistémicas no
Homem, ao invadirem os principais órgãos internos e, se não forem tratadas,
podem causar a morte. Estes fungos são membros da subdivisão
Deuteromycotina: Blastomyces dermatitis, Coccidioides immitis, Histoplasma
capsulatum e Paracoccidiodes brasiliensis. A infecção inicia-se pelos pulmões
quando os esporos destes organismos são inalados causando, normalmente,
apenas uma infecção localizada, que é limitada a um granuloma do pulmão.
Testes serológicos revelam que a maioria das pessoas que vive nas regiões nas
quais estes fungos são endémicos apresenta forte reacção imunológica contra
estes organismos. Um exame cuidado a estes indivíduos mostra a presença de
uma infecção pulmonar localizada, podendo o granuloma persistir vários anos.
Naturalmente que, nestas pessoas os sintomas da doença foram tão suaves que
esta não foi detectada. Mas, num número pequeno de pessoas a doença não
permanece localizada. A doença alastra progressivamente nos pulmões e o fungo
é absorvido mas não é destruído pelos fagócitos. Estes fagócitos entram no
sistema linfático transportando o fungo, que desta forma é dissimulado por todo o
corpo. Estes fungos apresentam dimorfismo, podendo multiplicar-se rapidamente
por gemulação no interior dos fagócitos ou livremente nos tecidos do hospedeiro.
De novo, saliente-se que a infecção de um hospedeiro, por estes fungos, é
um “beco sem saída”: o fungo não possui nenhum meio natural de ser transmitido
8 Tecido fibroso que envolve músculos e órgãos. Material de
acondicionamento do organismo.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 173
de um hospedeiro para outro, e um indivíduo infectado não necessita de estar
isolado para evitar a propagação da doença. Como já foi dito, estes fungos são
habitantes comuns do solo (e do esterco de animais), sendo bem-sucedidos como
sapróbios. Torna-se claro que estes fungos crescem normalmente como
sapróbios e que podem existir sem infectar o Homem e outros animais. Além
disso, não existe qualquer razão óbvia para que a infecção de um hospedeiro lhes
seja favorável, porque estes fungos não possuem um ciclo directo de infecção de
hospedeiro para hospedeiro.
Muitos outros fungos podem crescer como oportunistas em hospedeiros
cuja saúde se encontra grandemente debilitada, por exemplo, em pessoas
diabéticas, com leucemia ou pessoas sujeitas a tratamentos prolongados com
drogas citotóxicas ou imunossupressoras. Nestas circunstâncias, tem sido
reclamado que qualquer fungo capaz de crescer a 37 oC deve ser considerado
como ameaça potencial. No entanto, apenas alguns fungos são invasores comuns
e perigosos nestas condições. É o caso de Aspergillus fumigatus, Cryptococcus
neoformans, Rhizopus oryzae, R. arrhizus, R. nigricans, Mucor corymbifer, etc.. O
A. fumigatus é muito interessante uma vez que pode crescer exclusivamente como
sapróbio nos pulmões, quer como um micélio difuso no muco dos brônquios, quer
como uma bola localizada de hifas, um aspergiloma, que pode necessitar uma
remoção cirúrgica. Por outro lado, este mesmo fungo pode causar uma infecção
patogénica nos pulmões de pessoas com deficiências imunológicas, invadindo em
seguida os vasos sanguíneos e outros tecidos. Este fungo foi parcialmente
responsável pela morte do primeiro paciente britânico a sofrer um transplante de
coração. De qualquer forma, é um sapróbio comum e bem-sucedido, sendo a
infecção do Homem um mero incidente na sua ecologia.
A Candida albicans é um colonizador habitual das micoses da boca, do
intestino e da vagina de pessoas saudáveis, em contraste com todos os fungos já
mencionados. O crescimento desta levedura é aparentemente controlado pela
flora bacteriana destas regiões, especialmente pelas bactérias lácticas. No
entanto, esta levedura pode tornar-se patogénica em determinadas circunstância,
causando uma grande variedade de estados clínicos (vaginite, “sapinhos”,
afecções cutâneas nos sovacos e em torno das unhas, etc.). Muito raramente,
este fungo pode crescer de forma sistêmica no corpo humano, podendo causar a
morte, especialmente em pacientes sujeitos a tratamentos prolongados com
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
174 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
antibióticos, nomeadamente as tetraciclinas, que suprimem as bactérias que
normalmente competem com a Candida. Este fungo é oportunista por excelência,
apesar de ser um sapróbio normal.
15.2 As Micotoxicoses
As doenças causadas por micotoxinas são denominadas micotoxicoses e
diferem das micoses na medida em que não envolvem uma invasão do organismo
por parte dos fungos nem o crescimento activo dos mesmos nos tecidos vivos.
Actualmente, são conhecidas aproximadamente 60 micotoxinas que são
produzidas por mais de 150 espécies de fungos. Entre estas, podemos citar as
aflatoxinas, ocratoxinas, rugulosina, citrinina, ácido aspergílico, patulina,
zearalenona, esterigmatocistina, tremorgina, ácido penicílico, toxina T2, etc..
A presença de micotoxinas é evidente em numerosos alimentos e a sua
distribuição é universal. A sua produção está directamente relacionada com as
condições que permitem o desenvolvimento e a proliferação dos fungos. Qualquer
factor que promova o crescimento dos fungos nos alimentos favorece
potencialmente a produção das micotoxinas. Actualmente, a maior parte dos
trabalhos em torno deste tema envolve estudos sobre condições que favorecem o
crescimento de fungos micotoxigénicos, a produção das toxinas, interacções
fisiológicas entre os fungos, incidência destes fungos e as suas toxinas em
diversos substratos e métodos de desintoxicação.
As micotoxinas podem exercer uma acção directa sobre o organismo-alvo,
matando-o (toxicose aguda), ou então dar origem a um estado de toxicose
crónica, do qual o cancro é uma manifestação. Os efeitos das micotoxinas
centram-se fundamentalmente no fígado, nos rins, no sistema nervoso central,
sanguíneo e reprodutor.
O diagnóstico das micotoxicoses é difícil e pode ser estabelecido levando-
se em conta os seguintes aspectos:
A doença não é contagiosa, nem infecciosa e a sua incidência é isolada;
Não existe resposta a tratamentos com drogas ou antibióticos;
Não se regista a presença de vírus ou bactérias no organismo afectado;
Existe uma semelhança com as doenças provocadas por deficiências
vitamínicas, mas não se verificam melhorias no estado de saúde do
paciente quando se fornecem as mesmas;
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 175
Existe uma associação da doença com o tipo de alimentação com
alterações do mesmo;
É possível detectar a presença de fungos nos alimentos ingeridos pelo
paciente.
15.2.1 Micotoxicoses do Fígado e dos Rins
Este tipo de micotoxicoses é provocado por uma série de toxinas das quais
se salientam:
Aflatoxinas – são as mais perigosas micotoxinas conhecidas, sendo
produzidas por várias espécies de fungos – Aspergillus flavus, A. niger,
A. parasiticus, A. ruber, Penicillium citrinum, P. variable, etc.. As
doenças causadas pelas aflatoxinas são denominadas aflatoxicoses.
Os primeiros sintomas clínicos destas afecções são a inapetência e
perda de peso. O efeito patológico mais importante verifica-se ao nível
do fígado, e manifesta-se pela inibição da incorporação da leucina e
pela diminuição significativa da incorporação de acetatos nos lípidos do
fígado e tecidos adiposos. O mecanismo de acção das aflatoxinas inclui
a inibição da síntese de ADN e ARN, assim como a inibição do processo
mitótico e a produção de alterações cromossómicas, o que evidencia a
sua acção patogénica, mutagénica e teratogénica9;
Esterigmatocistina – é produzida pelo Aspergillus nidulans, A.
versicolor, A. rugulosum, P. luteum, etc.;
Luteoskyrina – é produzida pelo P. islandicum;
Rugulosina – é produzida por P. rugulosum, P. tardum, P. variable, P.
wortmanni, etc.;
Citrinina – produzida pelo P. citrinum, A. candidus e A clavatus;
Gliotoxina – é produzida pelo Trichoderma viride e A. chevalieri e é
responsável por hematúria nalguns animais, chegando a produzir
abortos e morte prematura;
Fumigillina e fumigatina – produzidas pelo A. fumigatus.
9 Teratoma – feto muito deformado; variedade de tumor.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
176 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
15.2.2 Micotoxicoses de outras Partes do Corpo
Fusariotoxicoses – as espécies de Fusarium produzem grandes
quantidades de toxinas, das quais zearelalona é a mais importante
(provoca síndromas hiperestrogénicos);
Ergotismo – é uma micotoxicose muito conhecido, cuja descrição
remonta a idade média. A ergotamina, libertada pelo fungo Claviceps
purpurea, é um alcaloide complexo com efeitos contrácteis sobre o útero
e sistema circulatório, provocando abortos em vacas, entre outros
efeitos;
Citreoviridina – é produzido pelo fungo Penicillium cítreo-viride. É uma
neurotoxina letal em ratos que também afecta o coração e o sistema
circulatório;
Ácido kójico – foi isolado de A. flavus, A. parasiticus e outras espécies
de Aspergillus. Provoca convulsões, salivação, vómitos e um estado
geral de nervosismo.
15.3 Fungos Entomopatogénicos
Uma grande variedade de fungos taxonomicamente diferentes causam
doenças em insectos e outros artrópodes, mas relativamente poucos têm sido
intensamente estuados até a data. Este grupo inclui diversas espécies de
Coelomyces (Chytridiomycota), que atacam larvas de mosquitos, Entomophthora
(Zygomycota), que infectam afídios, moscas, etc. e alguns membros da subdivisão
Deuteromycotina (Metarhizium anisopliae, Beauveria bacciana e Verticillium
lecanii, que afectam uma série de pragas de cultivares.
As espécies de Coelomyces (cerca de 40) são parasitas agressivos das
larvas de mosquitos e são potencialmente importantes por causa da sua
capacidade de parasitar espécies de Anopheles e Aedes10. Esta capacidade foi
reconhecida em 1921 mas só na última década é que o seu ciclo de vida foi
elucidado. Este tipo de parasitas apresenta uma alternância de hospedeiros
obrigatórios. Os esporos libertados da larva do mosquito só podem infectar
copépodes e vice-versa. O ciclo de vida é mostrado na Figura 15.2.
10 Filariose, febre amarela.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 177
Figura 15.2 Ciclo de vida de C. Psorophorae. O zigoto (A) infecta a larva do mosquito (B) o que resulta no desenvolvimento de hifas, micélios e, por fim, esporângios de parede resistente. Sob condições apropriadas, estes esporângios (C) libertam zoósporos da estirpe reprodutora oposta (D) que infecta o outro hospedeiro, um copépode (E). Cada zoósporo desenvolve-se num talo e, eventualmente, gametângio. Gâmetas de duas estirpes reprodutivas (F) fundem-se dentro ou fora do copépode formando o zigoto que infecta mosquitos. Fonte: Whisler, Zebold, and Shemanchuk (1975).
Esta alternância obrigatória de hospedeiros evidencia um grande grau de
especialização destes parasitas, que só é encontrado num outro grupo de funções
parasíticas – as ferrugens. Outra característica interessante dos Coelomyces é o
seu modo de infecção. Quando o zigoto móvel entra em contacto com a superfície
do hospedeiro encista e germina formando um apressório e tubo de penetração.
O protoplasma do esporo é injectado no hospedeiro por acção de um grande
vacúolo que se desenvolve no interior do esporo. O fungo cresce no interior dos
hospedeiros como uma massa protoplasmática nua. Não é possível activar as
espécies de Coelomyces em culturas axénicas, separadas dos seus hospedeiros
e esta é uma das potenciais limitações ao seu uso como controladores biológicos.
Alguns membros da divisão Deuteromycota têm sido utilizados em vários
programas comerciais de controlos de pragas, mas raramente em larga escala ou
de forma contínua. A principal razão é que a infecção através da cutícula – modo
característico de ataque dos fungos parasitas de insectos – requer um grande teor
de humidade, e existem poucos ambientes onde isto pode ocorrer.
Biologia dos Fungos – Zooparasitismo
178 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Grande parte dos fungos que parasitam insectos parece ser especializada
no desempenho deste papel e provavelmente não possui uma fase significativa
como sapróbios, fora dos seus hospedeiros. Nesse ponto, eles diferem da maioria
dos fungos micóticos discutidos anteriormente. Além disso, estes fungos possuem
um ciclo de infecção completo, que resulta na produção de esporos que podem
infectar um novo hospedeiro. Logo, eles se assemelham aos fungos
fitopatogénicos em muitos aspectos. Esta semelhança é constatada também no
modo como se processa a infecção envolvendo a penetração directa do
hospedeiro, através da sua superfície, acompanhada pela formação de
apressórios, nalguns casos, e hifas de penetração. Os fungos parasitas de
insectos diferem das bactérias e vírus neste ponto, já que estes infectam os
insectos através do aparelho digestivo.
Biologia dos Fungos – Listas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 179
Capítulo 16 Listas
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16.2 Lista de Tabelas
Tabela 2.1. Grupos taxonómicos dos fungos e a composição química das paredes
celulares. Adaptado de Deacon (2006). ...................................................... 13
Tabela 2.2 Principais constituintes da parede celular dos fungos....................... 13
Tabela 6.1 Comparações dos nomes que têm sido aplicados aos principais grupos
de fungos e organismos semelhantes. ........................................................ 67
Biologia dos Fungos – Listas
184 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Tabela 6.2 Categorias taxonómicas e terminações recomendadas para os fungos
pelo Código Internacional para a Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas
(Melbourne Code) (McNeill et al., 2011). ..................................................... 68
Tabela 7.1 Efeitos de diferentes constituições genéticas de um dicário. .......... 102
Tabela 7.2 Efeitos da composição do meio de crescimento a razão nuclear, numa
colónia heterocariótica contendo núcleos do tipo A e B. Dados relativos de
uma colónia de Penicillium cyclopium. ....................................................... 103
Tabela 8.1 Meios de cultura para fungos. ......................................................... 113
Tabela 11.1 Distribuição taxonómica de fungos produtores de antibióticos. ..... 134
Tabela 11.2 Antibióticos utilizados comercialmente contra fungos. .................. 135
16.3 Lista de Figuras
Figura 1.1 As principais formas de crescimento dos fungos. ................................ 2
Figura 1.2 Queijos Roquefort (à esquerda) e Camembert (à direita). A coloração
escura sobre a superfície de Camembert é resulta da presença do fungo
Penicillium roqueforti. Fonte: Grupo Virtuous (2014). .................................... 5
Figura 2.1 Ultraestrutura da hifa. Legenda: AVC – aglomeração de vesículas
aplicais; G – corpúsculo de Golgi; ER – retículo endoplasmático; N – núcleo;
W – parede; P – hialoplasma; R – ribossomas; V – vacúolo; MT –
microtúbulos; M – mitocôndria; S – septo; Wo – corpúsculo de Woronin; SP –
obturador do septo; Chlam – clamidósporo; Gl – glicogénio; Aut – autólise;
MW – parede melanizada; L – lípido. Adaptado de Deacon (2006). .............. 8
Figura 2.2 Hifa septada (A) e asseptada (B). Fonte: Campbell, Plescia, and
Fillmore (2013). .............................................................................................. 9
Figura 2.3 Clamidósporos de Fusarium sp.. Fonte: Bueno (2006). ..................... 10
Figura 2.4 Morfologia externa (à esquerda) e interna (à direita) da levedura. Fonte:
Souza (2011)................................................................................................ 11
Figura 2.5 Ciclo de vida de uma levedura. Fonte: Nash (2013). ......................... 12
Figura 2.6 A arquitetura da parede numa região “madura” (subapical) da hifa de
Neurospora crassa. a – camada de glucanos amorfos (80 – 90 nm); b –
retículo de glicoproteínas embebidas em proteínas; c – camada de proteínas
mais ou menos discreta; d – microfibrilas de quitina embebidas em proteína;
e – membrana plasmática. Fonte: Deacon (2006). ...................................... 14
Figura 2.7 Tipos de septos. Imagem de Barron (2008). ...................................... 16
Biologia dos Fungos – Listas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 185
Figura 3.1 Estágios de desenvolvimento de uma colónia fúngica a partir de um
esporo em germinação. Fonte: Lepp (2012). ............................................... 18
Figura 3.2 Imagens de um vídeo mostrando o processo de anastomose de duas
hifas compatíveis de Rhizoctonia solani. O tempo (t) é representado em
minutos depois do início da gravação. A hifa de cima parou de crescer no
tempo t0 mas começou a produzir uma ramificação (indicada pelo sinal “>”) no
tempo t6 em resposta do ápice que se aproxima. As extremidades das hifas
encontram-se no tempo t14. A dissolução das paredes das extremidades e a
fusão completa das hifas terminou no tempo t32. Fonte: McCabe, Gallagher,
and Deacon (1999). ..................................................................................... 19
Figura 3.3 Diagramas mostrando a organização do crescimento da parede (em
cima) e os possíveis componentes da parede celular (em baixo). G –
complexo de Golgi; M – microtúbulos; V – vacúolos. .................................. 20
Figura 3.4 Diagrama representando o modelo steady-state do crescimento apical
da hifa. ......................................................................................................... 23
Figura 3.5 Fases da germinação de um esporo de Aspergillus niger. Fonte:
Deacon (2006). ............................................................................................ 25
Figura 3.6 Esquema representando a interacção entre o micoparasita Pythium
oligandrum (P) e o hospedeiro Trichoderma aureoviride (T). Fonte: Laing and
Deacon (1991). ............................................................................................ 27
Figura 3.7 Curva de crescimento de um organismo unicelular em cultura batch.
..................................................................................................................... 28
Figura 3.8 Biorreactores batch. Na sua essência, um biorreactor é um recipiente,
de dimensão variável, onde são misturados o meio de cultura e o
biocatalizador em condições óptimas de reacção. A temperatura e o pH são
cuidadosamente regulados. Ar estéril, por vezes com oxigénio, é borbulhado
no meio de reacção. Em qualquer altura do processo, podem ser retiradas
amostras, para ensaios químicos e biológicos. De modo a evitar possíveis
contaminações, procede-se à injecção de vapor de água através de todas as
válvulas de admissão, o que as mantém esterilizadas. No fim do período de
reacção, que pode variar de horas a dias, o reactor é esvaziado de modo que
o produto (ou produtos) possa ser isolado e purificado. Imagem de Allbiom .
..................................................................................................................... 29
Biologia dos Fungos – Listas
186 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 4.1 Rhyzopus stolonifer a crescer no pão (à esquerda), com ampliação
mostrando o estolho, rizoides e esporangióforos (no meio). À direita, um
quitrídio (Chytridium confervae) exibindo rizoides. Observe-se o estolho.
Adaptado de Encyclopædia Britannica (2013) e União Europeia (2010). .... 32
Figura 4.2 À esquerda, apressório de Phytophthora sp. e hifopódio de uma
micorriza arbuscular. Existem outras estruturas, tais como haustórios e
arbúsculos, que aumentam a superfície de contacto entre os fungos e os
respectivos hospedeiros. À direita, conídios de Pyricularia oryzae com tubos
de germinação e apressórios. Imagem à esquerda de Rey and Schornack
(2013) e à direita de R. J. Howard, obtida através de Vincelli (2006). ......... 33
Figura 4.3 Invasão de uma folha por um fungo que forma haustórios. Fonte: Grupo
Virtuous (2014)............................................................................................. 34
Figura 4.4 Complexo haustorial. Para passar do hospedeiro para o fungo, os
nutrientes devem atravessar a membrana extrahaustorial, a matriz
extrahaustorial, a parede haustorial e a membrana plasmática do haustório.
Fonte: Szabo and Bushnell (2001). .............................................................. 34
Figura 4.5 À direita, microfotografia de um nemátodo preso em armadilha com o
formato de anéis. À esquerda fotos mostrando o processo de constrição de
um anel de hifa e um nemátodo preso pelo anel. Imagens obtidas através de
Launer (2013)............................................................................................... 35
Figura 4.6 Modelo de cordões micelianos debaixo de um grupo de cogumelos (à
esquerda) e microfotografia mostrando o corte transversal de um cordão
miceliano (à direita). Observem-se as hifas condutoras (largas e ocas)
cercadas por inúmeras fibrilares. Retirado de AMA e Frances M. Fox (1987).
..................................................................................................................... 36
Figura 4.7 Rizomorfo. Fonte: Deacon (2006). ..................................................... 38
Figura 4.8 Plectênquimas. A - pseudoparênquima; b - prosênquima. Imagem de
Maruthi (2014). ............................................................................................. 40
Figura 4.9 Estroma de ergot (Claviceps purpúrea). Na periferia do “chapéu”,
observam-se peritécios, onde se localizam os ascos que albergam os seus
esporos. Imagem tirada de Holt (2013). ....................................................... 41
Figura 4.10 Esclerócios maduros de Paxillus involutus (em cima, à esquerda),
Cenococcum geophilum (em cima, à direita; aberto) e Sclerotium hydrophilum
(em baixo; corte transversal). Na foto de baixo, note-se a casca, o córtex
Biologia dos Fungos – Listas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 187
(massa densa de células) e a medula (mais dispersa). As imagens de cima
são de F. M. Fox (1986) e a de baixo de New Brunswick Museum (2013c).43
Figura 5.1 Esporóforo de Rhizopus. ................................................................... 45
Figura 5.2 Esporóforos simples e os tipos de esporos relacionados. Os
conidióforos são característicos de fungos que produzem conídios. Os
esporangióforos são característicos dos que produzem esporangiósporos. 45
Figura 5.3 Esporóforos compostos. .................................................................... 46
Figura 5.4 Esporângio de Rhizopus stolonifer (polisporulado) e merosporângio de
Thamnidium elegans. Imagens de Roberts (2014) e Barron (2013). ........... 50
Figura 5.5 Tipos de zoósporos encontrados em fungos (despreze-se a escala). A
seta indica a direcção do movimento do zoósporo. (a) Zoóporo de um flagelo
posterior (opisthokont) encontrado em muitos Chytridiomycota; (b) flagelo
com vários flagelos (até 16) posteriores, de alguns Chytridiomycota
anaeróbicos que habitam no rúmen (Neocallimastigales); (c) zoósporo com
flagelos diferentes (anisokont), característicos de Myxomycota e
Plasmodiophoromycota; (d) zoósporo com um flagelo anterior apresentando
um flagelo (axonema) revestido de mastigonemas, típicos de
Hyphochytridiomycota; (e, f) zoósporos biflagelados com flagelos heterokont,
um simples e outro revestido, encontrados em grupos diferentes de
Oomycota. Fonte: Webster and Weber (2007). ........................................... 51
Figura 5.6 Esporângios e o processo de dispersão dos esporos de Rhizopus.
Quando o esporângio amadurece, a columela colapsa-se e os esporos
dispersam-se. Imagem de Puigdomenech (2012). ...................................... 52
Figura 5.7 Corpos de frutificação assexuados de fungos conidiogénicos: corémios
(em cima, à direita), picnídio (em cima, à esquerda) acérvulo (em baixo).
Imagens de Kronmiller and Arndt (2014), Watt and Ahn e Watt (2012). ...... 53
Figura 5.8 Alguns exemplos de conidióforos, células conidiogênicas e conídios. A.
Acarocybellina arengae – aspecto geral do conidióforo com células
conidiogênicas e conídios. B. Coleodictyospora micronesiaca – conídios
envoltos em camada mucilaginosa. C-E. Corynesporopsis inaequiseptata. C.
Ápice do conidióforo com célula conidiogênica e conídio. D. Conídio. E.
Conídios em cadeia. F-H. Corynesporopsis isabelicae. F. Ápice do conidióforo
com célula conidiogênica e conídio. G-H. Conídios. I-J. Gliomastix luzulae. I.
Conidióforo rugoso com célula conidiogênica e conídios. J. Conídios em
Biologia dos Fungos – Listas
188 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
cadeia. K. Helicoma dennisii – conidióforo com células conidiogênicas e
conídios. L-N. Helicoma viridis. L. Conidióforos com células conidiogênicas.
M. Conídio. N. Esclerócio pedicelado. O-P. Helminthosporium palmigenum.
O. Conídios em cadeia. P. Aspecto geral do conidióforo com células
conidiogênicas e conídios. Q-R. Physalidiella elegans. Q. Conídio com células
laterais sub-hialinas. R. Aspecto geral do conidióforo com células
conidiogênicas e conídios. S-T. Repetophragma moniliforme. S. Aspecto
geral do conidióforo com células conidiogênicas e conídio. T. Conídio
constrito nos septos. U. Spadicoides macrocontinua – aspecto geral do
conidióforo com células conidiogênicas e conídios. Barras = 50 μm (A); 20 μm
(B, D, E, G, P); 10 μm (C, F, H, I, J, K, L, M, N, O, Q, R, S, T, U). Fotos de de
Castro, Gutiérrez, and Sotão (2012). ........................................................... 54
Figura 5.9 Conidiogénese holotálica. Imagem de New Brunswick Museum
(2013b). ........................................................................................................ 55
Figura 5.10 Conidiogénese enterotálica. Imagem de New Brunswick Museum
(2013b). ........................................................................................................ 55
Figura 5.11 Conidiogénese holoblástica. Imagem de New Brunswick Museum
(2013b). ........................................................................................................ 56
Figura 5.12 Conidiogénese enteroblástica. Imagem de New Brunswick Museum
(2013b). ........................................................................................................ 56
Figura 5.13 Conidiogénese blástica a partir de uma fiálide (à esquerda).
Microfotografia do ápice de uma fiálide de Denrostibella (à direita). Note-se
um conídio maduro em cima. Imagens de Kendrick (2010a). ...................... 57
Figura 5.14 Formação de uma cadeia basípeta de conídios de Scopulariopsis
brevicaulis. Imagem de Kendrick (2010a). ................................................... 58
Figura 5.15 Crescimento de conídios num arranjo simpodial. Imagens de Kendrick
(2010a). ........................................................................................................ 59
Figura 5.16 Conjugação planogamética. Adaptado de NCS Pearson (2014). .... 61
Figura 5.17 Contacto gametangial. Adaptado de NCS Pearson (2014). ............. 62
Figura 5.18 Fusão gametangial de Zygomycota (A) e Chytridiomycota (B).
Adaptado de NCS Pearson (2014). .............................................................. 63
Figura 5.19 Espermatização. Adaptado de NCS Pearson (2014). ...................... 64
Figura 5.20 Somatogamia. Adaptado de NCS Pearson (2014). .......................... 64
Biologia dos Fungos – Listas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 189
Figura 5.21 Ciclos de vida dos fungos. Cada círculo representa um ciclo de vida e
deve ser lido no sentido de relógio. M – meiose; linha simples – fase haploide;
linha dupla – fase dicariótica; linha grossa – fase diploide. Fonte: Tsuyuzaki
(2014). ......................................................................................................... 66
Figura 6.1 Ciclo de vida de Dictyostelium discoideum. Imagem adaptada de BOS
(2014). ......................................................................................................... 70
Figura 6.2 Ciclo de vida de um Acrasiomycota. Adaptação da imagem de BOS
(2014). ......................................................................................................... 71
Figura 6.3 Ciclo de vida de Plasmodiophora brassicae. Fonte: BOS (2014). ..... 73
Figura 6.4 Fotografia (à esquerda) e desenho (direita) mostrando zoosporângios
de Oomycota. 1 – zoosporângio imaturo; 2 – em maturação (divisões
mitóticas); 3 – maduro; 4 - zoósporos. Imagens de New Brunswick Museum
(2013c) e Horn (2013). ................................................................................ 74
Figura 6.5 Ciclo de vida de Saprolegnia sp.. Fonte: BOS (2014)........................ 75
Figura 6.6 Ciclo de vida de Allomyces sp.. Imagem de BOS (2014). .................. 79
Figura 6.7. Ciclo de vida dos Zygomycota (Mucor sp.). Adaptação da imagem de
BOS (2014). ................................................................................................. 81
Figura 6.8 Ciclo de vida de um Ascomycota típico. Adaptado de BOS (2014). .. 84
Figura 6.9 Células leveduriformes de um Hemiascomycetes: Endomycetales (à
esquerda) e Taphrinales (à direita). Fontes: Molina (2014) e Kendrick (2010b).
..................................................................................................................... 85
Figura 6.10 Cleistotécio de Erysiphe graminis. Fonte: Price (2010a). ................ 86
Figura 6.11 O peritécio é característico dos Pyrenomycetes. Fonte: New
Brunswick Museum (2013a). ....................................................................... 86
Figura 6.12 Imagem de Sarcoscypha coccinea como exemplo de Discomycetes (à
esquerda). Note-se o formato de cálice do seu ascocarpo, descrito como
apotécio. No corte transversal de um apotécio (à direita) verifica-se o himénio
na superfície apical (daí o nome “apotécio”). Fontes: González (2012) e Price
(2010b). ....................................................................................................... 87
Figura 6.13 Pseudotécio de Ventura inaequalis. Diferentemente do peritécio, o
pseudotécio possui ascos bitunicados, sem verdadeiras paráfises, não
existindo, neste caso, um himénio. Fonte: Kronmiller and Arndt (2010). ..... 88
Figura 6.14 Ciclo de vida dos Basidiomycota. Imagem de BOS (2014). ............. 89
Biologia dos Fungos – Listas
190 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 6.15 Uredósporos de Puccinia carduorum (esquerda) e ecidiósporos de P.
graminis (direita). Fontes: Gassmann and Kok (2003) e Furnari et al. (2013).
..................................................................................................................... 90
Figura 6.16. Formação de um basídio. Imagem de Sala de Estudos Ursa Maior
(2011). .......................................................................................................... 91
Figura 6.17 Os cogumelos são típicos da subclasse Agaricales. Imagem de Biopix
(2003). .......................................................................................................... 92
Figura 6.18 Orelhas-de-pau. Fonte: Pozo (2005). ............................................... 93
Figura 6.19 Phlogiotis (Tremiscus) helvelloides (Auriculariales). Fonte: Hibbett
(2003). .......................................................................................................... 93
Figura 6.20 Basidiocarpos da classe dos gasteromycetes: puffball (à esquerda) e
stinky horn (à direita). Fontes: Hagenlocher (2005) e Clyne (2009). ............ 94
Figura 6.21 Danos causados por uma fuligem (Ustilago tritici) em trigo e cevada
(esquerda) e por ferrugem (Gymnoconia nitens) em amoreira (direita). Fontes:
Clemson University - USDA Cooperative Extension Slide Series (2002) e
Healy et al. (2007). ....................................................................................... 94
Figura 6.22 Conidióforos de Aspergillus (esquerda) e Penicillium (direita). Fontes:
Datta (2013) e Kunkel (2008). ...................................................................... 96
Figura 7.1 Sistema de compatibilidade bipolar. Imagem de Nieuwenhuis et al.
(2013). .......................................................................................................... 99
Figura 7.2 Sistema de compatibilidade tetrapolar. Imagem de Nieuwenhuis et al.
(2013). ........................................................................................................ 100
Figura 7.3 Reversão do processo de heterocariose. Imagem de Deacon (2006).
................................................................................................................... 104
Figura 7.4 Esquema mostrando como a parassexualidade pode ocorrer. ........ 106
Figura 8.1 DDT e compostos relacionados. Metoxicloro, X=OCH3, Y=CCl3; DDT,
X=Cl, Y=CCl3. ............................................................................................ 113
Figura 9.1 Diagrama ilustrando as principais vias produtora de energia e os
produtos sintetizados a partir dos seus intermediários. ............................. 118
Figura 9.2 Manitol (à esquerda), trealose (no meio) e arabitol (à direita). ......... 121
Figura 9.3 O ácido 6-aminopenicilaníco (à esquerda) resulta da combinação de
cisteína (no meio) e valina (à direita). ........................................................ 123
Figura 9.4 Ampicilina (à esquerda) e carbenicilina (à direita). ........................... 124
Biologia dos Fungos – Listas
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 191
Figura 9.5 Estrutura de algumas aflatoxinas mais comuns. B1, G1 e M1 possuem
ligações duplas na posição *; B2, G2 e M2 não as possuem. M1 e M2 são
produtos da hidroxilação de B1 e B2; B2a deriva de B1 por tratamento ácido. A
toxicidade aparentemente reside na presença da dupla ligação em *, que
permite a formação do epóxido. ................................................................ 125
Figura 10.1 Variação da temperatura do substrato durante a compostagem da
palha utilizando-se fungos. Baseado no trabalho de Hudson (1968). ........ 131
Figura 11.1 Interferência hífica por basidiomycota. Hifas de Heterobasidion
annosum tomaram o corante neutro vermelho graças a danos membranares
em regiões onde se cruzaram com hifas de Phlebiopsis gigantea. Note-se a
localização do dano nos compartimentos híficos contactados do
Heterobasidion. Fonte: Deacon (2006). ..................................................... 138
Figura 11.2 Hifas de Trichoderma viride envolvendo o fitopatógeno Rhizoctonia
solani. Fonte: Chet, Viterbo, and Brotman (2006). ..................................... 139
Figura 12.1 Diagrama do míldeo pulverulento Erysiphe graminis. O fungo
encontra-se na superfície de uma folha, excepto as suas estruturas de
alimentação (haustórios), que invadem as células epidérmicas. Fonte: Gray
(2002). ....................................................................................................... 144
Figura 12.2 Ácido alternárico. ........................................................................... 150
Figura 13.1 Comparação entre as estruturas de endomicorrizas e micorrizas
arbusculares. Adaptado de Reger (2012). ................................................. 152
Figura 13.2 Ectomicorriza formada por Boletus sp. e raízes do pinheiro. Fonte:
Grupo Virtuous (2014). .............................................................................. 153
Figura 13.3 Corte de uma raiz apresentando ectomicorrizas. Observe-se o manto
e a rede de Hartig. Imagem de Machado (2011). ...................................... 154
Figura 14.1 Tipos de líquenes. Crustoso (à esquerda), folioso (no meio) e
fruticuloso (à direita). Imagens de Trenado, del Valle, Ojeda, Maña, and
Castaño (2009). ......................................................................................... 161
Figura 14.2 Estrutura de um líquen homeómero. Imagem de Pujari (2014). .... 162
Figura 14.3 Estrutura de um líquen heterómero. Imagem de Plant Science 4U
(2014). ....................................................................................................... 162
Figura 15.1 Da esquerda para a direita, macroconídios de Trichophyton,
Epidermophyton e Microsporum. Fontes: CDC and Ajello (2006b), CDC and
Ajello (2006a) e Galindo (2007). ................................................................ 169
Biologia dos Fungos – Listas
192 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Figura 15.2 Ciclo de vida de C. Psorophorae. O zigoto (A) infecta a larva do
mosquito (B) o que resulta no desenvolvimento de hifas, micélios e, por fim,
esporângios de parede resistente. Sob condições apropriadas, estes
esporângios (C) libertam zoósporos da estirpe reprodutora oposta (D) que
infecta o outro hospedeiro, um copépode (E). Cada zoósporo desenvolve-se
num talo e, eventualmente, gametângio. Gâmetas de duas estirpes
reprodutivas (F) fundem-se dentro ou fora do copépode formando o zigoto
que infecta mosquitos. Fonte: Whisler, Zebold, and Shemanchuk (1975). 177
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 193
Capítulo 17 Apêndice
17.1 Fichas de Aulas de Microscopia
Biologia dos Fungos – Apêndice
194 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 195
Biologia dos Fungos – Apêndice
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Biologia dos Fungos – Apêndice
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Biologia dos Fungos – Apêndice
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Biologia dos Fungos – Apêndice
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Biologia dos Fungos – Apêndice
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Biologia dos Fungos – Apêndice
210 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 211
17.2 Protocolos de Aulas Laboratoriais
17.2.1 Isolamento de Fungos da Superfície Foliar (Método das
Lavagens Sucessivas – Indirecto)
17.2.1.1 Material
Lamparinas;
Álcool;
Tesoura;
Duas provetas de 50 ml;
200 ml de água destilada;
Dois frascos Erlenmeyers de 100 ml;
Dois tubos de ensaio de 50 ml;
Quatro caixas de Petri;
Cinco pipetas de 1ml;
Quatro tubos de ensaio com 15 ml de meio Rose Bengal fundido (50
oC);
Duas caixas de Petri com meio Rose Bengal;
Duas pinças.
Notas:
Todo o material deve estar esterilizado;
O meio Rose Bengal é preparado com 5 g de peptona, 10g de dextrose,
1g de fosfato de potássio (K2HPO4), 0,5 g de sulfato de magnésio
(MgSO4), 0,05 g de Rose Bengal, 15 g de ágar e 100 ml de água
destilada.
17.2.1.2 Método
1. Com uma tesoura previamente esterilizada por imersão em álcool e
flamejamento, cortar uma folha de planta em quadrados de 1 cm de
lado. Colocar num frasco Erlenmeyer esterilizado;
2. Medir 20 ml de água destilada esterilizada com uma proveta
esterilizada. Adicionar ao material vegetal;
3. Agite o Erlenmeyer durante 10 minutos;
Biologia dos Fungos – Apêndice
212 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
4. No fim desse período, passar a primeira água de lavagem para um tubo
de ensaio estéril, guardar e etiquetar. Efectuar essa passagem na
proximidade da lamparina;
5. Repetir os pontos 2, 3 e 4 utilizando 40 ml de água;
6. De cada água de lavagem obtida, retirar 1 ml com uma pipeta
esterilizada e colocar no fungo da caixa de Petri (dois por cada água de
lavagem). Etiquetar cada uma das caixas;
7. Adicionar a cada caixa de Petri aproximadamente 15 ml de meio Rose
Bengal, previamente fundido e mantido a 50 oC. Rodar as caixas de
modo que o inóculo fique distribuído homogeneamente no meio de
cultura;
8. Deixe as caixas incubar, em posição invertida, à temperatura ambiente
até a próxima sessão.
Nota: Alternativamente, coloque directamente um quadrado de material
vegetal na superfície do meio Rose Bengal contido em placa de Petri.
17.2.2 Isolamento de Fungos Presentes no Ar
17.2.2.1 Material
Duas caixas de Petri com meio Rose Bengal.
17.2.2.2 Método
Abra a caixa de Petri no exterior do edifício, expondo o meio de cultura ao
ar.
17.2.3 Isolamento de Fungos a partir de Alimentos Contaminados
17.2.3.1 Material
Alimento contaminado (queijo);
Duas caixas de Petri com meio Rose Bengal;
Duas ansas de repicagem.
17.2.3.2 Método
Retire, com a ajuda de uma ansa de repicagem, o material fúngico da
superfície contaminada do alimento (queijo) e inocule o meio de cultura contido
em caixa de Petri.
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 213
17.2.4 Isolamento de Fungos do Solo
17.2.4.1 Material
Amostras de solo;
Quatro caixas de Petri esterilizadas;
Uma espátula;
Dois tubos de ensaio com 5 ml de água destilada esterilizada;
Duas ansas de inoculação;
Quatro tubos de ensaio com 15 ml de meio Rose Bengal fundido (50
oC);
Quatro caixas de Petri com meio Rose Bengal.
17.2.4.2 Métodos
Primeiro – Inoculação por Incorporação
1. No fungo de duas caixas de Petri, coloque uma amostra de solo e
distribua-a o mais uniformemente possível;
2. Deite o meio fundido e conservado a 50 oC nas caixas de Petri e,
rodando as caixas, homogeneize a suspensão de partículas de solo,
antes de o meio se solidificar;
3. Alternativamente, adicione a amostra de solo a dois tubos contendo o
meio fundido, homogeneize rapidamente e verta a mistura em duas
caixas de Petri esterilizadas;
4. Deixe as caixas a incubar à temperatura ambiente, invertidas e
devidamente identificadas.
Segundo – Inoculação por Estrias
1. Preparar uma suspensão de solo, adicionando 100 mg de solo a 5 ml
de água destilada estéril;
2. Com uma ansa esterilizada proceda ao riscado (duas caixas);
3. Deixe as caixas a incubar à temperatura ambiente, em posição invertida
e devidamente identificadas
Terceiro – Inoculação à Superfície
1. Com auxílio de uma espátula, polvilhe a superfície do meio de cultura
(em placa) com uma amostra de solo (duas caixas);
Biologia dos Fungos – Apêndice
214 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
2. Incube as caixas à temperatura ambiente, em posição invertida e
devidamente identificadas.
17.2.5 Identificação dos Fungos Isolados
17.2.5.1 Material
Pinças;
Álcool;
Algodão;
Lamparinas;
Ansas e agulhas de inoculação;
Água glicerinada a 20% de inoculação;
Caixas de Petri;
Lâminas e lamelas;
Papel de filtro;
Caixas de Petri com meio PDA;
Pipetas de 1 ml estéreis;
Lactofenol (simples e com azul de algodão).
Notas:
O lactofenol é preparado com 10 g de fenol cristalino, 10 g de ácido
láctico, 20 g de glicerol e 10 ml de água destilada. Aquece-se o fenol
com água até à dissolução e adicionam-se os restantes constituintes
(índice de refracção = 1,45);
O lactofenol com azul de algodão requer 100 ml de lactofenol e 0,05 g
de azul de algodão.
17.2.5.2 Métodos
A – Preparação de Microculturas pelo Método RIDDEL
1. Esterilizar uma caixa de Petri com o fundo coberto de papel de filtro e
contendo uma vareta de vidro dobrada em U, sobre a qual se colocou
uma lâmina e lamela;
2. De uma placa do meio de cultura adequado (com espessura não
superior a 2 – 3 mm), cortar assepticamente um quadrado do meio com
cerca de 1 cm de lado e colocá-lo no centro da lâmina;
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 215
3. Inocular o centro de cada lado do quadrado de meio com o organismo
em estudo, colocar a lamela na superfície do meio (com ajuda de uma
pinça esterilizada por flamejamento) e humedecer o meio usando o
papel de filtro com água glicerinada a 20%, esterilizada, em quantidade
suficiente para garantir uma atmosfera húmida;
4. Incubar até ao desenvolvimento das estruturas reprodutoras.
B – Execução de Preparações Extemporâneas
1. Depois do crescimento, para observar as microculturas preparadas pelo
método de Riddel, retirar cuidadosamente do quadrado de ágar a lamela
e depositá-la sobre uma gota do meio de montagem, com ou sem
corante, colocada noutra lâmina, verificando que o lado da lamela
contendo o micélio é o que contacta com o líquido de montagem.
Seguidamente, retirar com cuidado o quadrado de ágar para o
recipiente de produtos contaminados, colocar sobre a lâmina uma gota
do meio de montagem e sobre esta uma lamela limpa. Deste modo,
obtêm-se duas preparações que em princípio permitirão observar
intactas e nas suas relativas, as estruturas reprodutoras dos fungos;
2. Para observar as estruturas vegetativas e reprodutoras em fungos
filamentosos, podem-se executar preparações extemporâneas de
acordo com as seguintes técnicas:
a. Com uma agulha esterilizada, retirar um pequeno fragmento da
porção aérea da colónia em meio sólido para uma lâmina limpa.
Adicionar uma ou duas gotas do meio de montagem
(preferencialmente lactofenol), separar e distender as hifas com
o auxílio de agulhas de inoculação e colocar uma lamela,
evitando a formação de bolhas de ar;
b. Alternativamente pode-se transferir um fragmento da colónia
contendo agar (tão delgado quanto possível) para uma gota de
lactofenol depositada numa lâmina. Colocar uma lamela e
aquecer, à chama, suavemente até fundir o ágar, não deixando
ferver o lactofenol;
As técnicas acima não permitem a obtenção de preparações em que se
conserve a integridade e o arranjo espacial das estruturas reprodutoras. Uma
Biologia dos Fungos – Apêndice
216 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
técnica simples descrita por Butler and Mann (1959) e que permite remover
porções das colónias sem grande alteração, consiste em cortar um pedaço de fita
adesiva de celulose (8 cm de comprimento e 1 – 5 cm de largura), pressioná-la
levemente sobre a colónia e fazê-la aderir à lâmina, quer directamente, quer sobre
uma gota do meio de montagem. Para retirar o ar, pode-se humedecer
previamente com álcool, evitando-se molhar as extremidades (caso contrário, a
fita não adere à lâmina) o sucesso desta técnica depende da pressão exercida
sobre a colónia. Para evitar a formação de bolhas de ar, que são normalmente um
factor de insucesso numa preparação, pode-se aquecer levemente a preparação
antes de colocar a lamela ou, alternativamente, colocar o espécime numa gota de
etanol sobre a lâmina, aguardar até à evaporação da maior parte, adicionar o
lactofenol e aplicar a lamela.
17.2.5.3 Procedimento
Faça uma preparação extemporânea de cada cultura, de acordo com as
técnicas descritas observe-as e elabore os esquemas que julgar convenientes das
estruturas vegetativas e reprodutoras, legendando-os. Observe também as
microculturas preparadas pelo método de Riddel. Com a ajuda da chave
apresentada à seguir, tente identificar os organismos observados.
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 217
17.3 Chave para a Identificação dos Fungos
17.3.1 Chave para as Classes dos Fungos mais Vulgares
1. Unicamente com produção de micélio Agonomycetes (Mycelia
sterilia)
1’. Com produção de esporos 2
2. Esporos em receptáculos fechados 3
2’. Esporos não contidos em receptáculos Hyphomycetes e alguns
Coelomycetes (Melanconiales:
Pestlotia sp. e outros)
3. Esporos em esporângios, micélio
normalmente de hifas grossas e não
septadas (excepto na separação de porções
velhas ou de estruturas reprodutivas)
Zygomycota
3’. Esporos não contidos em esporângios,
micélio septado
4
4 Esporos em ascos (geralmente em grupos
de 8) produzidos livremente no micélio ou
encerrados em corpos frutíferos
Ascomycota
4’. Esporos produzidos em grande número a
partir dos conídiosporos, em receptáculos
globosos ou com forma de frasco
Coelomycetes
(Sphaeropsidales)
17.3.2 Chave para as Ordens de Classe Zygomycetes
1. Esporos assexuais encerrados em esporângio Mucorales
1’. Esporos assexuais semelhantes a conídios, libertados
violentamente quando maduros
Entomophthorales
Biologia dos Fungos – Apêndice
218 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
17.3.3 Chave para os Géneros da Ordem Mucorales
1. Esporângios tubulares, dispostos radialmente à volta de
uma dilatação vesicular
Syncephalastrum
1’. Esporângio globoso (redondo), ou quase globoso 2
2. Esporângios com muitos esporos e esporangíolos com
poucos esporos, ocorrendo simultaneamente
Thamnidium
2’. Unicamente com produção de esporângios 3
3. Esporangióforos rígidos, escuros, com aparência metálica Phycomyces
3’. Esporangióforos sem estas características 4
4 Rizoides e estolhos presentes 5
4’. Rizoides e estolhos ausentes 6
5. Esporângio grande, globoso; esporangióforos crescendo
a partir do ponto de formação dos rizoides
Rhyzopus
5’. Esporângios pequenos, piriformes; esporangióforos
principalmente como ramificações dos estolhos
Absidia
6. Homotálico, zigósporos com os suspensores muito
desiguais
Zygorhynchus
6’. Homotálico ou heterotálico; zigósporos quando presentes
com suspensores aproximadamente iguais
Mucor
17.3.4 Chave para a Identificação de Classes de Ascomycota
1. Ascocarpos e hifas ascogénicas ausentes; soma
miceliano ou leveduriforme
Hemiascomycetes
1’. Ascocarpos e hifas ascogénicas presentes; soma
miceliano
2
2. Ascos bitunicados, o ascocarpo é um ascostroma Loculoascomycetes
2’. Ascos tipicamente unitunicados, se bitunicados o
ascocarpo é um apotécio
3
3. Ascos evanescentes, dentro de um ascocarpo ástomo
(sem ostíolo) que é tipicamente um cleistotécio;
ascósporos sem septos
Pletomycetes
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 219
3’. Ascos dispostos regularmente dentro de um
ascocarpo, como uma camada basal ou periférica
4
4 Parasitas de artrópodes Laboulbeniomycetes
4’. Não exoparasitas de artrópodes 5
5. Ascocarpo sendo um peritécio com ostíolo e ascos
inoperculados com um poro ou uma ranhura apical
Pyrenomycetes
5’. Ascocarpo sendo um apotécio modificado com ambos
tipos de ascos, inoperculados e operculados
Discomycetes
17.3.5 Chave para as Classes de Deuteromycota
1. Células gemulantes (leveduras ou leveduriformes) com ou
sem pseudomicélio característico, micélio verdadeiro
ausente ou mal desenvolvido
Blastomycetes
1’. Micélio bem desenvolvido, células vegetativas gemulantes
ausentes
2
2. Micélio estéril ou produzindo esporos directamente em
ramificações especiais (conidióforos) as quais podem
agregar-se de modo variável, mas não em picnídios
Hyphomycetes
2’. Esporos em picnídios ou acérvulos Coelomycetes
17.3.6 Chave para os Coelomycetes
1. Com picnídios Sphaeropsidales
1’. Com acérvulos Melauconidales
17.3.7 Chaves para os Géneros mais Vulgares dos Hyphomycetes
Géneros com dictiósporos (simultaneamente com septos transversais e
longitudinais; são frequentemente encontradas apenas espécies de esporos
escuros).
1. Conídios em cadeia, comum no rostro apical Alternaria
1’. Conídios produzidos individualmente
(isolados)
2
Biologia dos Fungos – Apêndice
220 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
2. Verdadeiros dictiósporos Stemphylium e
Ulocladium
2’. Corpos multisseptados, ligeiramente
pigmentados, falsos conídios
Papulospora
Géneros com fragmósporos (com septos transversais)
1. Conídios hialinos com célula basal diferenciada,
agregados em massas mucilaginosas
Fusarium
1’. Conídios pigmentados, escuros 2
2. Células centrais do conídio mais dilatadas e
escuras do que as restantes
Curvularia
2’. Conídios direitos (retos) com falsos septos Helminthosporium
2”. Conídios fusiformes com apêndices apicais,
células centrais mais escuras
Pestalotia
Géneros com didimósporos (com septo).
1. Conídios hialinos, colónias cor-de-rosa Trichothecium roseum
Com fiálides
1. Células conidiogénicas alongando-se
no ápice em estrutura anelada
formando grupos penicilados
2
1’. Células conidiogénicas sendo
verdadeiras fiálides
3
2. Hialinas Scopulariopsis
2’. Escuras Doratomyces
3. Hialinas 4
3’. Escuras 11
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 221
4 Conídios agregados em massas
mucilaginosas
5
4’. Conídios secos e em cadeias 9
5. Estruturas conidiogénicas simples 6
5’. Estruturas conidiogénicas complexas
com um conidióforo distinto
8
6. Conídios, na sua maioria produzidos
directamente no micélio
Aureobasidium
6’. Conídios produzidos em fiálides
distintas e isoladas
7
7. Conídios incolores (ou de cor clara) Acremonium
7’. Conídios escuros, micélio de cor clara Gliomastrix
8. Aparelho conidial de complexidade
mista, desde verticilado a penicilado,
conídios jovens por vezes em cadeia
Gliocladium
8’. Aparelho conidial irregular, conídios
geralmente verdes
Trichoderma
8”. Aparelho conidial regularmente
verticilado, conídios nunca de cor verde
Verticillium
9 Conidióforos com origem em células
basais especializadas e terminando
numa vesícula
Aspergillus
9’. Conidióforos sem células basais ou
vesículas, sustentando estruturas
peniciladas
10
10. Células conidiogénicas alongando-se
na extremidade, não são verdadeiras
fiálides, conídios distintamente
truncados na base
Scopulariopsis
Biologia dos Fungos – Apêndice
222 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
10’. Fiálides com extremidade longa e
adelgaçada, nunca verdes
Paecilomyces
10”. Fiálides mais grossas com extremidade
arredondada, conídios normalmente
escuros
Memnoniela
10’”. Fiálides com colo curto, conídios
normalmente verdes
Penicillium
11. Conídios em cadeias secas 12
11’. Conídios agregados em massa
mucilaginosa
14
12. Células conidiogénicas alongando-se Doratomyces
12’. Células conidiogénicas, verdadeiras
fiálides
13
13. Fiálides num verticilo apical Nemnoniella (ou
Stachybotrys, se
envolvidas em
mucilagem)
13’. Fiálides isoladas e alongadas,
produzindo endogenamente conídios
hialinos que se tornam septados
basipetalmente e que se vão
fragmentando
Wallemia
14. Conídios produzidos directamente na
superfície da hifa ou em dilatações de
hifa
Aureobasidium
14’. Conídios produzidos por fiálides
distintas
15
15. Fiálides hialinas produzidas
isoladamente sobre cordas rastejantes
de hifas, conídios pretos
Gliomastix
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 223
15’. Hifas escuras, conidióforos escuros e
frequentemente ramificados, conídios
hialinos e castanhos-claros
Phialophora
15”. Fiálides num verticilo apical, com
extremidades, arredondadas, conídios
pretos em massas mucilaginosas
Stachybotrys
17.3.8 Géneros Amerósporos
Sem fiálides
1. Conídios e micélio hialino (levemente
coloridos ou pigmentados)
2
1’. Conídios ou micélio pigmentado de escuro 11
2. Conídios formando massas mucilaginosas 3
2’. Conídios secos 4
3. Conídios produzidos directamente na
superfície da hifa conidiogénica e como
clamidósporos
Aureobasidium
3’. Conídios produzidos por fragmentação da
hifa, colónias semelhantes às das leveduras
Geotrichum
4 Conídios produzidos individualmente 5
4’. Conídios produzidos em cadeia 7
5. Conídios produzidos em pedúnculos estreitos 6
5’. Conídios produzidos em células
conidiogénicas hialinas, largas e curtas,
hialinas enquanto jovens, mas tornando-se
escuras
Humicola
6. Conídios produzidos em grupos sobre
pequenos pontos de superfície da célula
conidiogénica
Sporothrix
6’. Conídios produzidos em pedúnculos na
superfície das extremidades dilatadas de
ramos especializados dos conidióforos em
Botrytis
Biologia dos Fungos – Apêndice
224 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
cachos semelhantes das uvas, conidióforos
em cachos semelhantes aos das uvas,
conidióforo com brilho metálico distinto
6”. Conídios produzidos a partir de hifas que têm
origem de partes dilatadas do conidióforo
Myceliophthora
7. Conídios monoblásticos, em cadeias
acrópetas produzidas por gemulação
8
7’. Conídios tálicos formados a partir da
fragmentação da hifa conidiogénica
9
8. Conídios ambulantes, cadeias ramificadas,
colónias pulverulentas, vulgar
Monilia
8’. Poucos conídios, cadeias curtas, também
com conídios tálicos os quais escurecem com
a idade, crescem
Moniliela
9. Conidióforo distinto pigmentado, conídios
fragmentando-se a partir da extremidade
Oidiodendron
9’. Conidióforos menos distintos, hialinos 10
10. Conidióforos acentuadamente ramificados no
ápice com conídios terminais ou laterais, e
alguns por fragmentação das hifas
Geomyces
10’. Conidióforos não distintos, conídios tálicos em
segmentos adjacentes ou alternados do
micélio progenitor tornando-se mais espessos
e libertando-se pela lise das células
intercalares, pigmentadas de laranja
Sporendonema
11. Conídios em gota líquida Aureobasidium
11’. Conídios secos 12
12. Conídios individuais Humicola
12’. Conídios em cadeias 13
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 225
13. Conídios monoblásticos formados por
gemulação em cadeias acrópetas
ramificadas, verdes escuros com densas
cabeças semelhantes a árvores
Cladosporium
13’. Conidióforos penicilados, com células
conidiogénicas aneladas formando um
sinema cinzento
Doratomyces
13”. Conídios tálicos fragmentando-se a partir da
extremidade com conidióforos distintos
escuros
Oideodendron
Biologia dos Fungos – Apêndice
226 Cristina Beatriz e Edgar Cambaza
17.4 Glossário
Acérvulo – estrutura de frutificação assexuada em forma de disco
achatado.
Acropetal (cadeia) – conídios produzidos em cadeia com o mais jovem no
ápice.
Amerósporos – esporos com uma célula.
Apotécio – estrutura em forma de taça ou disco, no interior da qual se
dispõem ascos.
Ástomo – sem ostíolo.
Basípeta (cadeia) – conídios produzidos em cadeia com o mais jovem na
base.
Bitunicado – com duas paredes.
Blástico (conídio) – produzido pelo aumento de uma parte da célula
conidiogénica, ocorrendo a dilatação do primórdio conidial antes da
formação de um septo.
Cleistotécio – frutificação globosa em que os ascos se encontram
completamente encerrados; são, por assim dizer, peritécios sem ostíolo.
Dictiósporos – esporos com septos transversais e longitudinais.
Didimósporos – esporos com duas células.
Evanescente – estrutura de curta duração.
Fragmósporos – esporos com dois ou mais septos transversais.
Inoperculados – asco ou esporângio abrindo-se por uma fenda ou ranhura
apical e regular, para descarga de esporos.
Monoblástico (conídio) – produzido a partir de um ponto da célula
conidiogénica. Só se forma um conídio no ápice e a célula conidiogénica
para o seu crescimento.
Operculado – asco ou esporângio abrindo-se por uma tampa apical, para
a descarga de esporos.
Peritécio – frutificação maios ou menos globosa e ostiolada dentro da qual
se produzem os ascos.
Picnídio – estrutura de frutificação assexuada em forma de balão que pode
ser aberto por um poro.
Biologia dos Fungos – Apêndice
Cristina Beatriz e Edgar Cambaza 227
Tálico (conídio) – produzido a partir de toda a célula conidiogénica, não
havendo dilatação do primórdio conidial antes de o septo ou de os septos
se terem diferenciado no conídio.
Unitunicado – com uma só parede.
Verticilado – disposto como os raios de uma roda.