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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF CORRESPONDÊNCIA CENTRO DE CULTURA POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão Fone: : (098) 231-1557 • 231 9361 As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não comprometendo a CMF. BOLETIM 24 DEZEMBRO 2002 ISSN: 1516-1781 DIRETORIA Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Vice-presidente: Carlos Orlando de Lima Secretária: Izaurina Maria de Azevedo Nunes Tesoureira: Maria Michol Pinho de Carvalho CONSELHO EDITORIAL: Sérgio Figueiredo Ferretti Izaurina Maria de Azevedo Nunes Maria Michol Pinho de Carvalho Mundicarmo Maria Rocha Ferretti Carlos Orlando de Lima Zelinda de Castro de Lima Roza Santos EDIÇÃO:Izaurina Maria de Azevedo Nunes VERSÃO PARA A INTERNET:Iranilton Araújo Avelar ENDEREÇO ELETRÔNICO: http://cmfolclore.vila.bol.com.br E-MAIL: [email protected] SUMÁRIO Editorial ................................................................................................................................................................. 02 Seminário sobre o tombamento da Casa das Minas Sergio Ferretti .......................................................................................................................................................... 02 Parecer do membro do Conselho Consultivo do IPHAN, Luiz Phelipe Andrès sobre o processo número 1464-T-00 de Tombamento da Casa das Minas ............................... 04 Prêmio Nêgo Chico e o Concurso de Folclore no 10º Congresso Brasileiro de Folclore Roza Santos ............................................................................................................................................................. 08 Reportagem-viagem ao Divino Espírito Santo dos Açores Carlos de Lima ....................................................................................................................................................... 14 Trabalhos sobre Religião e Cultura Popular .......................................................................................... 17 Notícias .................................................................................................................................................................. 18 Perfil Popular – Dona Enedina Mundicarmo Ferretti ............................................................................................................................................. 20

BOLETIM 24 DEZEMBRO 2002 ISSN: 1516-1781 - … · Ao ser tombada, essa cente-nária Casa de Culto tem reconhe-cido oficialmente o seu patrimônio ... tas pessoas ligadas a terreiros

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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

CORRESPONDÊNCIACENTRO DE CULTURA POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO

Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – MaranhãoFone: : (098) 231-1557 • 231 9361

As opiniões publicadas em artigosassinados são de inteira

responsabilidade de seus autores,não comprometendo a CMF.

BOLETIM 24 DEZEMBRO 2002 ISSN: 1516-1781

DIRETORIAPresidente: Sérgio Figueiredo FerrettiVice-presidente: Carlos Orlando de LimaSecretária: Izaurina Maria de Azevedo NunesTesoureira: Maria Michol Pinho de Carvalho

CONSELHO EDITORIAL:Sérgio Figueiredo FerrettiIzaurina Maria de Azevedo NunesMaria Michol Pinho de CarvalhoMundicarmo Maria Rocha FerrettiCarlos Orlando de LimaZelinda de Castro de LimaRoza Santos

EDIÇÃO:Izaurina Maria de Azevedo Nunes

VERSÃO PARA A INTERNET:Iranilton Araújo Avelar

ENDEREÇO ELETRÔNICO: http://cmfolclore.vila.bol.com.brE-MAIL: [email protected]

SUMÁRIO

Editorial ................................................................................................................................................................. 02

Seminário sobre o tombamento da Casa das Minas

Sergio Ferretti .......................................................................................................................................................... 02

Parecer do membro do Conselho Consultivo do IPHAN, Luiz Phelipe Andrès

sobre o processo número 1464-T-00 de Tombamento da Casa das Minas ............................... 04

Prêmio Nêgo Chico e o Concurso de Folclore no 10º Congresso Brasileiro

de Folclore

Roza Santos ............................................................................................................................................................. 08

Reportagem-viagem ao Divino Espírito Santo dos Açores

Carlos de Lima ....................................................................................................................................................... 14

Trabalhos sobre Religião e Cultura Popular.......................................................................................... 17

Notícias .................................................................................................................................................................. 18

Perfil Popular – Dona Enedina

Mundicarmo Ferretti ............................................................................................................................................. 20

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Boletim 24 / Dezembro 20022222222222

EditorialChegamos ao final do ano de

2002, que foi de muito trabalho.Mas que, pelos resultados posi-tivos alcançados, nos leva a con-cluir que valeram a pena o esforçoe a luta.

Nessa caminhada de desafios econquistas, a Comissão Mara-nhense de Folclore contou coma participação efetiva da maioriade seus membros e com o apoio dediversos parceiros, destacando-seas Comissões Nacional e Esta-duais de Folclore (particular-mente na promoção do 10º Con-gresso Brasileiro de Folclore) e aFundação Cultural do Mara-nhão/Centro de Cultura Po-pular Domingos Vieira Filhonesse importante evento e numaprogramação de atividades desen-volvidas de forma conjunta duran-te todo o ano.

Agradecemos a colaboração detodos aqueles que se envolveramno desenrolar das nossas ações, asquais visaram contribuir para oprocesso de preservação e dinami-zação da rica cultura popular ma-ranhense. E, nessa dinâmica temosigualmente a ressaltar a participa-ção dos produtores/grupos e ma-nifestações presentes nesse univer-so cultural.

Neste número 24, o Boletimtraz uma abordagem sobre um sig-nificativo fato, que é o tombamen-to, a nível federal, da Casa dasMinas, o terreiro de tambor demina mais antigo de São Luís. Comsua organização matriarcal, che-fiada por vodunsis, desde 1840, re-presenta um foco de resistência dacultura negra, herdada dos escra-vos africanos procedentes doDaomé, atual República do Be-nim. Ao ser tombada, essa cente-nária Casa de Culto tem reconhe-cido oficialmente o seu patrimôniomusical, coreográfico, histórico,etnolínguístico e cultural.

Que as bênçãos do Quere-bentã de Zomadonu alcancemaos que nos acompanham nestatrajetória, fazendo de 2003 umano de continuidade e aprofunda-mento das nossas ações culturais.

Seminário sobre o

Dando conclusão a processo nº 1464-T-00,aberto em 26 de abril de 2002, iniciado comrequerimento de Dona Deni Prata Jardim, che-fe da Casa das Minas, e apoiado por Raul Lody,curador da Fundação Gilberto Freyre; por Ma-ria Michol Pinho de Carvalho, diretora doCCPDVF da FUNCMA; e por Sergio Ferretti,presidente da Comissão Maranhense de Fol-clore, no dia 25 de novembro de 2002, o senhorMinistro da Cultura assinou a Portaria 637, queautoriza o tombamento da Casa das Minas Jejedo Maranhão, pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Em comemoração a este auspicioso even-to, foi organizado pela Fundação Cultural doMaranhão, através do Centro de Cultura Po-pular Domingos Vieira Filho, pelo Grupo dePesquisa Religião e Cultura Popular da Uni-versidade Federal do Maranhão - UFMA epela Comissão Maranhense de Folclore, umSeminário sobre o Tombamento da Casa dasMinas. O evento teve o patrocínio da Funda-ção Souzândrade de apoio à UFMA, da Fun-dação Municipal de Turismo, da FundaçãoPierre Verger e do Instituto de PatrimônioHistórico e Artístico Nacional e foi realizadono período de 26 a 28 de novembro de 2002.

Para assinalar o ato, foi encomendada aoartista plástico Paulo César Alves de Carva-lho uma placa de cerâmica azulejar, em técni-ca Majólica estampilhada, com legenda emletras itálicas, composta de 3 x 4 azulejos mar-morizados, nas cores azul cobalto, manganêse amarelo ocre, tendo cada peça as dimensõesde 14 x 14 cm, no estilo dos azulejos que che-garam ao Maranhão no final do séc. XVIII. Aplaca traz a inscrição: “Casa das Minas - Que-rebentã de Zomadonu - Tombada pelo IPHANem 2002” e foi instalada na fachada da Casa,ao lado da entrada principal. Uma reprodu-ção da placa foi utilizada na capa do folder eno convite para participação do evento.

O seminário teve início com o descerra-mento da placa de azulejos, realizada às 18horas do dia 26 de novembro de 2002. O even-to do descerramento da placa, que teve amplacobertura da imprensa local, contou com a

participação de autoridades, es-tudantes e interessados e mui-tas pessoas ligadas a terreiros detambor de mina e umbanda doMaranhão. Na oportunidade,foram pronunciadas algumaspalavras alusivas ao evento, ten-do se manifestado os signatá-rios do pedido de tombamentoe o representante do IPHAN,que destacaram a importânciasimbólica desse tombamento,ressaltando o caráter multiétni-co de nossa sociedade.

A placa foi descerrada porDona Zelinda Lima e pelas vo-dunsis presentes. Estas entoa-ram dois cânticos: um alusivoà fundadora e outro em home-

nagem ao vodun Zomadonu, a quem é dedicada aCasa das Minas, o Querebentan de Zomadonu, nalíngua Jeje. Depois foi servido aos presentes ummingau de milho acompanhado de pastilhas e re-frigerante. O evento contou com a participaçãode mais de 300 pessoas.

Nos dois dias seguintes foi realizado no Cen-tro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho oSeminário sobre o Tombamento, que teve iníciocom a abertura, na Galeria Zelinda Lima, de umaexposição comemorativa ao tombamento, queconstou de dez fotos de Pierre Verger sobre a Casadas Minas feitas em 1947, cedidas pela FundaçãoPierre Verger, e de 16 peças usadas pela Casa noculto aos voduns, incluindo vestimentas, instru-mentos musicais, toalhas, bengala, cachimbo, guiade contas, louças, imagem de santo e pano-da-costa africano do século XIX pertencente à Casadas Minas, além de uma boneca de louça que foiusada por uma tobossi da Casa das Minas e al-guns livros sobre a Casa.

Logo a seguir, no auditório Rosa Mochel, foidada continuidade ao evento com palavras de MariaMichol Pinho de Carvalho, diretora do CCPDVF,que expressou sua satisfação em colaborar com esseimportante acontecimento e convocou a todos paraacompanharem o Seminário sobre o Tombamen-to, que constou de duas mesas redondas em cadatarde. A primeira mesa foi coordenada por SergioFerretti e versou sobre Tombamento de Terreirosde Culto afro no Brasil. O antropólogo Raul Lody,da Funarte, falou sobre Patrimônio Cultural e Ci-dadania. Comentou aspectos dos problemas deidentidade cultural, alteridade e diferenças cultu-rais. Fez uma retrospectiva do tombamento de ou-tros terreiros no Brasil, realizados pelo município,pelo Estado e pelo Governo Federal. Lembrou orecente registro do acarajé nos livros de bens ima-teriais e congratulou-se com a Casa das Minas poresse importante acontecimento.

Em seguida, falou o arquiteto do IPHAN, JoséLeme Galvão Júnior, que discorreu sobre BensMateriais e Imateriais para a memória cultural.Discorreu sobre patrimônio, preservação e con-servação. Falou sobre a proteção legal à Casa dasMinas conseguida com esse tombamento. Falousobre o dever do Estado na proteção de bens sim-

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Boletim 24 / Dezembro 2002 3333333333

Tombamento da Casa das Minasbólicos materiais e imateriais, sobre os livrosde registros desses bens e sobre a necessidadede sua salvaguarda por fazerem parte da me-mória cultural da sociedade.

Em continuidade falaram as técnicas da 3ªSR/IPHAN, a historiadora Kátia Bogea e a ar-quiteta Stella de Brito, que historiaram e apre-sentaram as diversas etapas do processo detombamento da Casa das Minas, comentandoos documentos que fazem parte do processo,expondo, por meio de transparências, algunsdos diversos tipos de mapas e fotos que fo-ram produzidos, comentando a proteção dasquadras circunvizinhas do entorno e a legisla-ção que proíbe alterações no gabarito das cons-truções próximas e inúmeros outros detalhestécnicos do processo. Falaram também sobrea necessidade de difundir a educação patrimo-nial especialmente entre jovens e crianças, quevalorize o respeito pela herança cultural. A se-nhora Superintendente Regional da 3ªSR/IPHAN, arquiteta Margareth Gomes de Figuei-redo, entregou aos signatários do processo umdocumento com esclarecimentos sobre o tom-bamento. E, finalmente, Dona Deni Prata Jar-dim, chefe da Casa das Minas, falou de sua ale-gria e de toda a irmandade pelo tombamentoora concluído e de sua emoção em participardesse ato, agradecendo a cooperação de todosos que contribuíram para o bom êxito do mes-mo. Após as exposições, foi aberto amplo de-bate com o público presente, tendo sido apre-sentadas diversas questões aos membros damesa com a solicitação de esclarecimentos queforam feitos na medida do possível.

No dia seguinte, 28 de novembro de 2002,no mesmo auditório, teve continuidade o Se-minário com a mesa sobre o Tombamento daCasa das Minas, coordenada pela antropólogaprofessora Mundicarmo Ferretti. Inicialmentefalou o antropólogo da UFMA professor Ale-xandre Fernandes Correa, que discorreu sobreRelações entre Memória e Patrimônio em Tom-bamento de Terreiros Afro-Brasileiros. Falousobre aspectos etnológicos relacionados com amemória e o patrimônio cultural e sobre a pes-quisa etnológica como registro e inventário dopatrimônio cultural imaterial. Apresentou re-flexões sobre aspectos das políticas culturaissobre preservação de bens simbólicos e a ne-cessidade de promover memórias sociais sub-terrâneas, sobre terreiros como eco-museus dacultura afro-brasileira e sobre a importânciado tombamento da Casa das Minas para a etno-logia afro-maranhense.

A seguir, falou o engenheiro Luiz Phelipede Carvalho Castro Andrès, membro do Con-selho Consultivo do IPHAN, apresentando seuparecer, datado de 17 de agosto de 2002, que foiaprovado por unanimidade pelo egrégio Con-selho do órgão. O parecer foi apresentado comacompanhamento de transparências de váriasfotos do processo1 . O arqueólogo DeusdeditCarneiro, da FUNCMA, deveria falar sobre otombamento da Casa das Minas na esfera esta-

dual, mas infelizmente não pode comparecer.Na mesma seção, Dona Maria Celeste San-

tos, vodunsi da Casa das Minas, apresentou de-poimento discorrendo sobre sua alegria com esseevento e falando de suas atividades na Casa,especialmente como organizadora da Festa doDivino, de viagens que realizou ao Benin e noBrasil, conhecendo outros terreiros de culto afro,sobre o trabalho com a escolinha Mãe Andresa,que organizou e dirige funcionando na Casa.

A coordenadora da mesa também fez co-mentários sobre a importância do tombamen-to e, em seguida, abriu os debates. Foram apre-sentadas diversas questões e foi amplamentediscutida a sugestão apresentada pelo antro-pólogo Raul Lody, que já vinha sendo discuti-da, de se organizar, no prédio recém tombado,um memorial com objetos e documentos so-bre a Casa das Minas. Encerrando o evento,Dona Deni e Dona Celeste cantaram novamen-te dois cânticos do repertório da Casa e DonaCeleste dirigiu palavras de agradecimento atodos os presentes, encerrando o evento.

Os membros da Casa das Minas informamque, antes do atual endereço, a irmandade teriafuncionado na Rua de Sant´Ana e que, com ocrescimento da cidade, tiveram que mudar parao bairro da Madre de Deus. Na década de 1840,alguns negros alforriados se reuniram para ad-quirir lotes de terra nessa parte da cidade e cons-truir o prédio atual da Casa das Minas. Aos pou-cos foram adquirindo três lotes contíguos, naRua de São Pantaleão, hoje número 857, na es-quina do chamado Beco das Minas. O primeirolote foi adquirido por Maria Jesuína e outras,onde construiu casa dedicada à sua entidade pro-tetora, o vodun toi Zomadonu. Tempos depois,Dona Ozana Maria da Conceição Ferreira, creou-la e seu companheiro de nação mina, AntônioFrancisco das Chagas, edificaram uma casa aolado, que legaram em testamento à irmandadeda Casa das Minas. Esse prédio é dedicado anochê Sepazin, vodun carregado por mãe Oza-na, que em inícios do século XX foi a terceirachefe da Casa das Minas. O terceiro terreno foiadquirido por uma dançante, que o dedicou aoseu vodun toi Dadarro.

Assim, os três lotes contíguos foram dedica-dos a voduns jejes relacionados com membrosda família real do antigo reino do Daomé, co-nhecida na Casa como família de Davice. Nosdois primeiros lotes foram construídas duas ca-sas conjugadas, de taipa, com telhado de barro,que existem até hoje. No terceiro lote foi cons-truído um prédio, que depois ruiu e não foi re-erguido. O vodun Dadarro doou esse lote paraque, nos fundos dele, fossem construídos quar-tos para os voduns da família de Dambirá, che-fiada por Acossi Sakpatá. São os voduns da ter-ra, que curam pestes e doenças contagiosas, sãomuito numerosos e não tinham um lugar fixona Casa. Zomadonu doou para Badé e para Liçá,da família de Quevioçô, que são voduns nagôs esão hóspedes, dois quartos na frente da casa daesquina. Doou, no fundo do corredor, antes da

cozinha, um quarto para os voduns da famíliade Savalunu, que também são hóspedes naCasa, e acomodou, no lado de Quevioçô, doisvoduns da família de Aladanu, hóspedes deQuevioçô.

Na casa de Sepazin há, na frente, o seu quar-to, seguido do de seu esposo Daco-Donu e, nafrente à esquerda, o quarto de seus irmãos Doçúe Bedigá. No fundo do terreno de Dadarro fo-ram construídos quartos para os voduns Boçu-có, Poliboji, Alogue e Lepon, da família de Dam-birá. Supomos que todos esses cômodos abri-gavam inicialmente as cerca de oito ou dez vo-dunsis que teriam se associado para a aquisiçãodos terrenos e construção da casa. Assim, cadacômodo ficou associado ao nome de um vodunprincipal, protetor da vodunsi que o ocupavaoriginalmente.

Dessa forma, todo o espaço físico da casa éritualmente dividido. Cada quarto é dedicadoa um vodum e recebe outros que lhe são apa-rentados. Os voduns estão agrupados em famí-lias que residem em espaços contíguos. As vo-dunsis ou filhas-de-santo e seus familiares, uti-lizam na Casa o quarto de seu vodun. Há cômo-dos gerais como as cozinhas, a sala do altar (cha-mada sala grande), o quarto dos santos (chama-do “come” ou “voduncome”) e a varanda dedanças (ou “guma”). No quintal, chamado“gume”, localizam-se algumas árvores sagra-das, que guardam pedras de assentamento. Aprincipal é a cajazeira, seguida de três pés deginja e do pé de pinhão branco, tendo ao centroassinalado o local onde se ergue, geralmenteno mês de maio, o mastro da festa do Divino.Antigamente todo o piso da Casa era de terrabatida. As vodunsis pediram permissão aosvoduns para cimentarem os cômodos, o que lhesfoi autorizado, mas a varanda de danças per-maneceu com piso de terra.

A Casa tem construção semelhante aos“compounds” africanos encontrados em habi-tações tradicionais da Nigéria e do Benin. Omodelo aqui seguido é o que se aproxima daforma em ferradura, com pátio que vai do cen-tro ao fundo do terreno. Nas proximidades, umaquadra abaixo da Casa das Minas, outros africa-nos, de procedência Nagô, construíram na atualRua das Crioulas, ou Costa Rodrigues, paralelaà Rua de São Pantaleão, o terreiro da Casa deNagô. O médico maranhense Nina Rodriguesconta que, em viagem que fez ao Maranhão, em1896, foi visitar os últimos negros que existiamna capital do Estado, onde eram conhecidos pornegros Mina. Diz que encontrou duas velhas,uma Jeje e outra Nagô de Abeukutá, residindoambas em pequenas casinhas nas proximida-des de São Pantaleão. Provavelmente Nina Ro-drigues teria ido à Casa de Nagô, que na épocaconstava de dois imóveis vizinhos.

A Casa das Minas, o “Querebentã de Zo-madonu”, foi incluída no livro de tombo doInstituto do Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional em função de seu significado históri-co e etnográfico. Cabe-nos zelar por esse im-portante testemunho do patrimônio cultural.

* Professor Doutor do Departamento de Sociologia e Atropologia da UFMA e pesquisador de Cultura Popular e Religiosidade Afro-Brasileira.1 A íntegra do texto do parecer está publicada neste número do Boletim.

Sergio F. Ferretti*

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Boletim 24 / Dezembro 20024444444444

Ilmo Sr. Presidente do IPHAN

Ilmos. Srs. Conselheiros

Foi com muita honra que recebi do Sr.Presidente do IPHAN, Dr. Carlos HenriqueHeck, através da Professora Anna MariaSerpa Barroso, a tarefa de examinar e opi-nar sobre este processo. Esta é a minha pri-meira missão como relator no âmbito desteConselho e sendo assim, foi grande minhaapreensão ao ser incumbido desta irrecu-sável e nobre tarefa.

É portanto, com emoção que o faço, porse tratar da proposta de tombamento de umacasa de cultura afro-maranhense, denomi-nada Casa das Minas, ou Querebentam deZomadônu, localizada em São Luís, cidadeonde me radiquei desde a década de 70 eonde me dedico desde então exclusivamen-te às atividades de um programa de preser-vação do seu magnífico centro histórico.

De início considero relevante lembrarque até hoje somente dois outros terreirosde culto afro-brasileiro alcançaram a ins-crição no Livro do Tombo Histórico e noArqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Oprimeiro deles, no ano de 1987, foi o Terrei-ro da Casa Branca do Engenho Velho- IlêAxé Iyá Nassô Oká. Seguido pelo tomba-mento do Terreiro Axé Opô Afonjá no anode 1999, ambos localizados na cidade deSalvador da Bahia.

Trata-se de números modestos em favorda proteção legal, se considerarmos que oProjeto MAMNBA- Mapeamento de Sítios eMonumentos Religiosos Negros da Bahia1 ,desenvolvido entre 1982 e 1987 a partir deconvênio entre a antiga Fundação NacionalPró-Memória e a Prefeitura Municipal deSalvador, mapeou um conjunto de cerca dedois mil (2000) centros de cultos afro-brasi-leiros somente na cidade de Salvador.

Evidente que este numeroso acervo nãofoi pesquisado de forma individualizada,para que se pudesse reconhecer ou aquila-tar valores culturais e etnográficos suficien-tes, e é muito provável que a maior parte de-les não venha a reunir as condições essen-ciais para justificar atos de tombamento.

Entretanto, observando-se a grandezado número de terreiros identificados, e ain-da mais, se fizermos uma projeção estimati-va para outros estados brasileiros que, no

Parecer do membro do Conselhosobre o Processo nº 1464-T-00 de

período colonial, assim como a Bahia, fo-ram recebedores de grandes levas de escra-vos negros e dos quais destacamos, MinasGerais, Pernambuco e Maranhão, mesmosem aprofundados estudos podemos infe-rir que está havendo um descompasso en-tre o acervo existente no Brasil, e que se con-fere na casa dos milhares e estes dois úni-cos casos que até hoje foram efetivamenteobjeto de estudos e pesquisas, até chegaremao ponto de se tornarem merecedores de umato legal e formal de proteção como é o ins-tituto do tombamento pelo IPHAN.

Como observa Márcia Sant‘Anna2 emparecer anterior, do ano de 1999:

“ Não há dúvida que égrande a dívida do IPHANpara com o inventário e a pro-teção de bens culturais vincu-lados a cultura afro-brasileira.Estudos amplos dessa nature-za são de fato necessários e éurgente o estabelecimento deuma política institucional deproteção dos referidos bens...

Prosseguindo, ela mais adiante observaque dos poucos sítios previamente selecio-nados para proteção, somente o Terreiro daCasa Branca havia sido declarado até en-tão como patrimônio cultural da nação. Eem seguida menciona que:

“na década de 30, EdisonCarneiro, em sua inestimávelcontribuição à etnologia na-cional, observou que os cultosafro–brasileiros, em suas di-versas variações, se espalhampor quase todo o Brasil, espe-cialmente na faixa litorâneaque vai da Bahia ao Mara-nhão”3

E finalmente enfatiza que:

“No Maranhão, por exem-plo, a célebre Casa das Minas,em São Luís minuciosamenteestudada por Nunes Pereira,constitui, certamente, um mo-numento a ser preservado”4 .

Ao receber a missão de relatar justamenteo processo da Casa das Minas, me vi dianteda possibilidade de prestar uma contribui-ção para minorar, ainda que de forma mui-to modesta, esta dívida social e cultural coma memória brasileira, bastando para isto queo mesmo estivesse bem instruído, para quea oportunidade não se perdesse.

Mas examinando detidamente os autos,constatei com satisfação que o mesmo estábem e generosamente instruído e que aten-de a todos os quesitos das normas exara-das pelo IPHAN para a preparação de pro-cessos de tombamento.

Neste ponto entendo que é meu devercomo relator, o exercício de trazer aos meuspares conselheiros de forma isenta, umasíntese dos elementos que constam destacoleção de documentos, explicitando simos valores através dos quais se busca justi-ficar a ação de tombamento solicitada, mastambém indicando possíveis lacunas ou in-congruências que poderiam comprometera força deste ato.

Aqui encontrei os seguintes itens técnicosexigidos, tais como;

O estudo das origens e dos antecedenteshistóricos desde sua fundação até aos nos-sos dias e que definem sua trajetória ao longode mais de um século e meio.

O levantamento arquitetônico com plan-ta baixa, cortes e fachadas na escala 1:50.

A sua delimitação no espaço urbano nocontexto do centro histórico de São Luís atra-vés de documentação cartográfica como asplantas cadastrais urbanas definindo asquadras, o entorno imediato, memorial des-critivo da poligonal do entorno imediato eas plantas de situação.

As definições precisas de limites de ter-reno na quadra a que pertence e os compe-tentes documentos de propriedade exara-dos pelos cartórios locais.

A planta baixa que indica a divisão dopartido interno da Casa, segundo os domí-nios estabelecidos pelas divindades paraas suas respectivas famílias.

A documentação fotográfica exaustivado imóvel, do entorno, bem como dos bensmóveis, indumentárias, imaginária e ins-trumentos de culto que pertencem à Casadas Minas.

Estão também corretos os demais docu-mentos com informações complementaresque foram aduzidos no correr do processopor solicitações diversas.

1 Projeto Coordenado pelos antropólogos Olympio Serra e Ordep Serra. Contando com a participação de Clara Andrade Alvim, Coordenadora da área deContextos e Etnias Culturais da Pró-Memória.Os arquivos e resultados do Projeto MAMNBA se encontram em poder da Fundação Gregório de Matos, daPrefeitura Municipal de Salvador.

2 Pág. 02 do parecer nº 020/99 exarado pelo DEPROT em 22 de abril de 1999, no corpo do processo de tombamento do terreiro do Axé Opô Afonjá.3 Edison Carneiro, Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967, p 23 a 25.4 Márcia Sant´Anna, pág. 03 do parecer nº 020/99.

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Boletim 24 / Dezembro 2002 5555555555

Tombamento da Casa das MinasConsultivo do IPHAN, Luiz Phelipe Andrès

Cumpre elogiar o papel dos protagonis-tas locais, a começar pela própria Chefe daIrmandade da Casa das Minas, Sra. DenilPrata Jardim, bem como dos integrantes daComissão Maranhense de Folclore, Zelin-da Lima, Maria Michol e de seu presidente,o Dr. em Antropologia, Prof. Sérgio de Fi-gueiredo Ferretti a quem devemos a maior emais recente obra científica sobre o acervoem questão, obra esta que está muito bemrepresentada neste processo por artigos elivros publicados anteriormente, e ainda ovaloroso trabalho da Superintendência doIPHAN em São Luís, especialmente da fun-

cionária Stella Regina Soares de Brito, quese empenhou com dedicação no preparo deminuciosos dossiês e relatórios de inspe-ção técnica.

Assim, repito que, do ponto de vista for-mal, não me restaram dúvidas de que osrequisitos técnicos, jurídicos e burocráticosexigidos pela regulamentação do IPHAN,mais especificamente pela Portaria nº 11 de11 de setembro de 1986, foram bem atendi-dos e estão presentes neste processo, quepor sua vez apresenta um prazo de percur-so bastante razoável se considerarmos quefoi iniciado em abril de 2000.

Vale dizer que não foi um processo “re-lâmpago”, que não permitisse o tempo dematuração necessário para a troca de infor-mações e a sua boa instrução, mas tambémnão se demorou excessivamente nos trâmi-tes burocráticos, fato este que, quando ocor-re, acaba ensejando uma perda nas motiva-ções que deram razão à sua existência.

Resta-nos proceder a uma avaliação dosaspectos que se referem à necessária com-provação do valor cultural do bem e de suarelevância para a memória nacional do pon-to de vista cultural, histórico, étnico, antro-pológico e social.

Primeiramente, é notável que embora osestudos aqui constantes não tenham sidoadredemente preparados pela equipe técni-ca do IPHAN, temos às mãos uma respeitá-vel bibliografia, suficiente para não deixardúvidas sobre o valor do acervo para a cul-tura nacional. Senão, vejamos nesta brevecronologia retirada de um dos trabalhos5 doProf. Dr. Sergio Ferretti segundo a qual, já apartir da década de 30, diversos intelectuaise pesquisadores começam a se interessar emconhecer e pesquisar a Casa das Minas:

Em 1938, o escritor espanhol Álvarode Las Casas e o etno–linguista portuguêsEdmundo Correia Lopes visitaram demo-radamente a Casa das Minas, e publicaramartigos, sendo que este último analisou so-bretudo elementos da língua mina-jeje,utilizada na casa e chamada na África deEwê-Fon, enfatizando o “vasto patrimôniomusical, coreográfico, psicológico, históri-co e folclórico desse grande terreiro jeje”.

Em 1947, o médico veterinário e etnó-grafo maranhense Raimundo Nunes Perei-ra publicou alentados escritos sob o títulode “A Casa das Minas”, baseado em me-mórias de sua própria infância, quandoconviveu na Casa e também a partir de pes-quisa inovadora que ali realizou entre1941/42.

Em 1948, foi publicado em Nova York oresultado de pesquisas que o antropólogo pau-lista Octávio da Costa Eduardo, sob orienta-ção de Melville Herskovits, da Universidadede Colúmbia, realizou, estudando cuidado-samente a Casa das Minas e o povoado deSanto Antônio dos Pretos em Codó, com o tí-tulo, “O Negro no Noroeste do Brasil”.

Também em 1948, Pierre Verger estevepesquisando e fotografando exaustivamen-te a Casa antes de se deslocar para a África,onde chegou em fins de 1948, na cidade deAbomé, capital do antigo reino do Daomé.

5 “Importância da Casa das Minas do Maranhão”. Sérgio Figueiredo Ferretti. Trabalho apresentado no seminário Diversidade, Identidade e Direito Cultural. Em26/04/2000.

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Em 1952, Verger publicou importanteartigo onde revela a identificação entre osvoduns cultuados no Maranhão e divin-dades protetoras de reis que governaram oDaomé até 1779.

Nesta ocasião apresentou a hipótese deque Na Agontimé, uma das viúvas do reiAgonglô e mãe do futuro rei Ghezo e quehavia sido vendida como escrava por Adan-dosã, seu meio irmão, foi provavelmentequem trouxe para São Luís o culto dos Vo-duns.

Em 1953, Roger Bastide, sociólogo fran-cês de renome visitou também a casa e so-bre ela escreveu vários artigos discutindoaspectos do culto aos voduns. E estudandoa área religiosa afro–maranhense, conside-rou São Luís uma ilha de resistência dao-meana, onde os negros estiveram isoladosdo contato com outras civilizações, man-tendo-se assim bastante fiéis a suas ori-gens. Para em seguida afirmar que a Casadas Minas “é um pedaço do Daomé do ladode cá do Atlântico”. Em diversos livros queescreveu, Bastide faz referências aos ritosde iniciação na Casa das Minas.

Na Década 1960, foi a vez da escrito-ra norte americana Judith Gleason investi-gar a Casa, para em seguida, publicar em1967 seu romance sobre a vida de Na Agon-timé.

Em 1975, depois de prolongada inves-tigação documental, o escritor Josué Mon-tello publicou seu importante romance “OsTambores de São Luís”, onde o tempo todofaz referências à Casa Grande das MinasJêje.

Em 1977, Maria Amália Pereira Barre-to escreve e publica sua dissertação de mes-trado sobre a Casa das Minas.

Em 1982, o romancista e fotógrafo ale-mão Hubert Fichte passou oito meses estu-dando a Casa das Minas e publicou váriostrabalhos em seu país sobre a mesma.

Em 1985 e 1995, o próprio antropólo-go Sergio Figueiredo Ferretti, radicado noMaranhão desde o início da década de1970, e após muitos anos de pesquisa, pu-blica respectivamente sua dissertação demestrado e a tese de doutorado, além dediversos artigos.

Este trabalho de persistente rigor cientí-fico é também fruto de uma sólida e perma-nente relação de convivência e amizadecom a Casa das Minas, que lhe proporcio-naram muitas ocasiões de observar o seucotidiano com paciência e discreção e as-sim estudar a vida do culto em todas assuas nuances e rica diversidade.

Estes exemplos de manifestação de inte-resse da parte de importantes autores e es-pecialistas comprovam o fascínio que aCasa das Minas exerce sobre os pesquisa-dores, que já a elegeram de longa data comoum verdadeiro laboratório de pesquisasétnicas, etnolingüísticas, etnomusicológi-cas, antropológicas e históricas. E atestamo grande valor e a riqueza do acervo para acultura nacional.

De fato, a Casa das Minas, é considera-da como a mais antiga Casa de religião afro-brasileira do Maranhão, por haver sido fun-dada em meados do século XIX, no mesmomomento da chegada de negros escraviza-dos e originários do sul de Benin, antigoDaomé, com a finalidade de cultuar as di-vindades da família real de Abomey atra-vés da Mãe Maria Jesuína.

Foi, por todos os especialistas que a es-tudaram até hoje, classificada como a úni-ca no nosso país, que cultua divindadesoriginárias do antigo Reino do Daomé e quetem como principal manifestação religiosaas divindades denominadas de Voduns,que são invocadas através de cânticos edanças e cuja maioria são vinculados à fa-mília real do Daomé.

Aqui é importante que eu possa regis-trar uma impressão que guardo a respeitoda legitimidade daquele ambiente, comotestemunho de quem já teve oportunidadede acompanhar “in loco” algumas das ce-lebrações, dos rituais e das festividades nointerior da casa.

Durante o ano são pelo menos seis gran-des eventos, como a Festa de São Sebastião,a Festa do Divino Espírito Santo. A de quar-ta feira de Cinzas, a de São Cosme e SãoDamião, a de Santa Bárbara, a de São Se-bastião e de São Lázaro. Toda a comunida-de contribui, comparece e participa. Entre-tanto, mesmo nestas ocasiões festivas sepode notar o seu caráter delicadamente in-timista, sem nenhum sentido de espetáculoturístico ou como se diz popularmente:“para inglês ver”!

Outro aspecto peculiar desta casa é o fatode se constituir numa gerontocracia femi-nina, onde o poder vai sendo transferidoem cadeia sucessória, de forma respeitosa econsensual de uma liderança para outra,segundo os dotes de sabedoria, antiguida-de no culto e equilíbrio demonstrados aolongo da convivência entre elas.

Mas o tombamento que é solicitado nes-te processo é o da Casa em si, a edificação

propriamente dita, como sede da institui-ção, e devemos conduzi-lo através de pro-cedimentos utilizados normalmente para aproteção de bens imóveis. Cabe então ana-lisar um tanto mais detidamente este aspec-to da questão.

E neste ponto gostaria de emitir opiniãofavorável às ponderações contidas no pa-recer da Procuradoria Jurídica integrantedo presente processo, segundo o qual, o acer-vo de bens móveis não deve ser incluídoneste tombamento, em virtude da naturezaefêmera e facilmente perecível de numero-sas das peças arroladas no inventário foto-gráfico, “que por sua natureza são impró-prios e até incompatíveis com os preceitosdo tombamento, cuja conservação e preser-vação constituem a essência deste ato”6.

Sugerimos que, no presente momento, asmesmas figurem como um efeito ilustrativoda vida ativa da Casa e como elementos en-riquecedores dos autos e iremos sugerir pos-teriormente também ao grupo de culto, quefuturamente destine uma área do imóvelpara instalar uma pequena exposição dealguns objetos significativos que não este-jam sendo utilizados ritualmente.

Portanto, vamos nos restringir em ava-liar o imóvel propriamente. E sob este as-pecto é sem dúvida notável a estreita liga-ção entre a estrutura física da Casa, o parti-do interno, a disposição dos cômodos, osmateriais construtivos e os cultos que nelase processam.

A Casa é ritual e hierarquicamente divi-dida e cada setor é habitado pelos parentesdos principais Voduns. Assim temos as trêscasas principais Zomadônu, Sepazin e Da-darrô e as Famílias de Quevioçô de Davicee do Dambirá, onde outros voduns têm tam-bém um cômodo ou quarto, onde residemde fato os seus parentes.

Assim é que, se a varanda de dança ou“guma” tem piso de chão ou terra batida éporque ali dançam os voduns. Ou seja, opiso é assim porque os voduns determiname o contato com a terra é um fundamentovital.

Não há dinheiro que possa fazer assentarali um belo assoalho de madeira ou um fais-cante piso de cerâmica. Qualquer tentativaneste sentido, mesmo conduzida com a me-lhor das intenções, seria fatal para o prosse-guimento do culto.

Em última análise, o Querebentan deZomadonu sobreviveu até os nossos diasporque os rituais foram preservados, e os ri-tuais foram preservados porque eles pos-

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6 PROJUR/IPHAN/RJ nº 032/02, parecer elaborado pela Dra. Tereza Beatriz da Rosa Miguel, referendado pela Dra Sista Souza dos Santos,

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suem seu “lócus” de celebração que é a Casa.A Casa é o corpo, e como tal é “orgânica” emseus materiais e formas.

Um observador atento pode percebermudanças nos jogos de claro e escuro pro-jetados pelas estratégicas localizações dasaberturas de vãos e varandas posteriores.Sentir a luz e o calor de um fogão a lenhaqueimando no chão de terra batida, entretrês pedras grandes chamadas de “tacu-rubas”.

Perceber a maciez do chão de terra do“gume”, na umidade e na temperatura dife-rente de cada cômodo, nuanças silenciosas noscompartimentos que são vedados à visitaçãode pessoas alheias ao culto.

Paredes de taipa, telhas de barro, rever-beram os sons de maneira especial, cheirosprovenientes das árvores sagradas emanamdo quintal. Existem razões místicas para osdetalhes das cores escolhidas para as pare-des e móveis.

Enfim a casa é o templo sagrado, e fun-ciona como tal, qualquer alteração inadver-tida pode comprometer ainda mais o tênueequilíbrio que tem assegurado a perpetua-ção destes rituais tão ricos de valores hu-manos, através das gerações, por quaseduzentos anos.

A propósito, e me utilizando novamen-te da objetividade dos conceitos técnicos,quero citar um trecho da súmula de avalia-ção técnica de José Leme Galvão que diz:

“Contudo os materiais e técnicas cons-trutivas, assim como a sua inserção no espa-ço, são frutos do desenho e de desígnio urba-nos de São Luís. O aproveitamento obedien-te de um quadrante de quarteirão, o grandequintal, os volumes em apenas um pavimen-to e a disposição dos cheios e vazios dasfachadas, não são em si mesmos destaquesreveladores de um templo. Portanto destasimbiose, resulta uma arquitetura civil ver-nácula, típica na sua externalidade urbanae única em seu papel cultural.

Como conteúdo, já bastante estudado erevelado neste processo, destacam-se osvalores étnicos, que, em perspectiva histó-rica, dão ao local e àquela arquitetura, anecessária excepcionalidade para constituiro patrimônio cultural brasileiro.”7

Assim, como uma Mãe da Casa das Mi-nas, se observada na rua, exercendo umatarefa doméstica, ou dentro de um coletivo,jamais deixa transparecer, por nenhum de-talhe, a imensa herança de conhecimentosancestrais de que é portadora, a própria casa,em sua aparência externa não se distingue

muito das demais casas do entorno. Ambassituações fazem parte de uma estratégia se-cular de sobrevivência, espécie de mimetis-mo social diante de uma classe dominanteescravocrata, preconceituosa e hostil.

E sobre o entorno da Casa, também aquiencontramos sólidas informações técnicasdo IPHAN e do texto preparado pelo ProfDr. Sérgio Ferretti e denominado “Sobre oEntorno da Casa das Minas Jeje do Mara-nhão”. Em ambos os casos as referênciassão ricas em valores sociais, culturais eambientais.

E é oportuno lembrar que a Casa encon-tra-se localizada em área tombada peloGoverno Estadual e portanto já beneficiadatambém pelos rigores de um perímetro deproteção legal. Este fato desde já respondea uma outra preocupação manifesta no pa-recer Nº 032 da PROJUR/IPHAN, recomen-dando que “no futuro sejam fixados os cri-térios de intervenção a serem adotados paraa área envoltória do bem objeto deste tom-bamento”.

E diante de tantas evidencias de valo-res, cumpre-me ainda citar a recomendaçãocontida no memorando do Assessor DavidChalub Martins:

“Ressalto ainda que aCasa da Minas, por se tratarde um importante foco de re-sistência da cultura negra noBrasil, não só tem relevânciapara o Estado do Maranhão,como também , para o paíscomo um todo. Sendo assimsugiro que o Terreiro Casa dasMinas seja tombado uma vezque seus valores históricos,étnicos e culturais ratificam ocaráter multicultural da so-ciedade brasileira”.8

A luz desta documentação sou levado aacreditar de que não terá sido por acasoque a Casas das Minas, ou “Querebentamde Zomadonu”, se tornou um dos maisantigos terreiros de cultos afro-brasileirosque ainda mantém incólumes grandes par-celas de suas características originais e deseus rituais sagrados

Conforme vimos nos autos deste proces-so, transparece todo o tempo um esforçosecular de transmissão de conhecimentosoriginais de geração para geração. Tambémo corpo da Casa vem sendo mantido com asconhecidas dificuldades pelas sucessivas

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7 Memorando nº 039/2002 PROTEC/DEPROT de 12/03/02, integrante deste processo.8 Memorando PROTEC/DEPROT nº 038/2002, de 12/03/02, de David Chalub Martins.

Mães que a governaram e que agora ape-lam para o reconhecimento nacional, por-que compreendem que o tombamento não ésomente um ato jurídico e burocrático, masuma estratégia de agregar valor, de tornarmais respeitado, de distinguir, de divulgar,de fortalecer argumentos de defesa, solici-tações de ajuda e portanto, um caminhopara consolidar as perspectivas de conti-nuidade para o futuro.

E neste ponto, senhores conselheiros, eume permito fazer reparo a um único trechodo parecer da PROJUR/IPHAN onde ele diz“uma vez que o ato de proteção incide ex-clusivamente sobre a integridade do imó-vel”. Acredito que o ato de proteção, queestá implícito na figura do tombamento, vaimuito além do que sugere a materialidadeda questão, ele incide também sobre a autoestima das pessoas diretamente envolvidas,bem como da comunidade envoltória, elenão atribui apenas o poder de coerção, devigilância, de fiscalização, mas também con-fere valor. E como valoriza, ele eleva e esta-belece uma aura de respeito sobre o bem quese pretende preservar.

Visto sob este prisma podemos arriscarque, em poucas palavras, o tombamentopode funcionar como uma profecia, cujaexistência em si mesma já contribui para arealização do que profetiza. Ou ainda, seassim o desejarmos, o tombamento poderáser a profecia da preservação.

Quero lembrar que atual chefe da irman-dade, Mãe Denil Prata Jardim, ela própriaassina o documento que deu origem a esteprocesso. E revelar que, em recente visitaque fiz à Casa, motivado pela necessidadede esclarecer dúvidas sobre este parecer,ouvi-a afirmar que os voduns indicaramagora que o caminho do tombamento fede-ral será a forma mais eficiente de resistir epermanecer, e assim reiterou-me pessoal-mente o desejo da comunidade da Casa queela representa.

Sendo assim e corroborando a maiorparte das recomendações e pareceres diver-sos exarados nas várias instâncias que per-correram os autos deste processo, declaro-me favorável ao tombamento do imóvel, nascondições sugeridas pela Procuradoria Ju-rídica do IPHAN, ou seja, não incluindo notombamento, os bens móveis.

Este é o nosso parecer.

São Luís do Maranhão, em 17 de agostode 2001

Luiz Phelipe de Carvalho Castro AndrèsConselheiro do Conselho Consultivo do

IPHAN

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A Comissão Nacional de Folclo-re e a Comissão Maranhense de Fol-clore premiaram cineastas com o Prê-mio Nêgo Chico e estudantes do en-sino fundamental, médio e universitá-rio com os Prêmios Camélia Vivei-ros, Rosa Mochel, Nhozinho e Cel-so Magalhães. O Prêmio Nêgo Chicointegrou a programação do 25º FestivalGuarnicê de Cine-vídeo do Departa-mento de Assuntos Culturais da PRE-XAE/UFMA. Os filmes e vídeos foramjulgados pelo júri técnico do Festival eos trabalhos do Concurso de Folcloredo Maranhão por professores e pesqui-sadores da cultura popular em nossoEstado.

Ao instituir os Concursos de Cine-vídeo e de Folclore do Maranhão asComissões objetivaram envolver a comu-nidade estudantil e o público em geralna realização do Congresso. A partici-pação das escolas foi incentivada poruma equipe formada por professores epesquisadores da cultura popular e alu-nos do Curso de Ciências Sociais daUFMA, que visitou escolas das redesparticular e pública de ensino. Os alunosdo ensino fundamental e médio inscre-veram-se através de suas respectivas es-colas e os universitários enviaram os seusensaios diretamente à Comissão organi-zadora do Congresso.

Participaram do Concurso de Folclorealunos das escolas: Mariana Pavão (Be-quimão), Rio Grande do Norte (SantaCruz), Dayse Galvão de Sousa (Vila Em-bratel), Domingos Vieira Filho (Maio-bão), Sousândrade (Lira), FundaçãoBradesco (Coroadinho), Maria Firminados Reis (Cohama), Bacelar Portela (IvarSaldanha), Henrique de la Roque (VilaEmbratel), Liceu (Centro), Sagarana II(Caratatiua), Pedro Álvares Cabral (Ci-dade Operária), Estado de São Paulo(Jordoa), Coelho Neto (Ivar Saldanha),Rosa Mochel (Vila Embratel), CAIC Em-baixador Araújo Castro (Cidade Ope-rária), Dr. Francisco Ximenes (Vila Em-bratel), Menino Jesus de Praga (Cidade

Operaria), Benedito Leite (Centro) eEducandário Fênix (Anjo da Guarda).

Os trabalhos foram julgados por pro-fessores e pesquisadores indicados pelaComissão Maranhense de Folclore. AsEscolas dos alunos premiados recebe-ram Menção Honrosa pela participaçãoacompanhada de uma coleção de livrossobre a cultura popular maranhense.

PRÊMIO NÊGO CHICO

Os júris técnicos dos concursos defilme e vídeo e o público atribuíram oPrêmio Nêgo Chico aos filmes e vídeosque melhor abordaram a temática decultura popular. A premiação aconteceudurante a realização do 10º CongressoBrasileiro de Folclore quando foram en-tregues aos vencedores os Prêmios novalor de dois mil e quinhentos reais paracada vencedor de melhor filme e me-lhor vídeo, e prêmio de mil reais paramelhor obra na opinião do público (júripopular).

O Prêmio Melhor Filme, pelo júritécnico, foi para Tejucupapo, um do-cumentário sobre mulheres guer-reiras, produzido por Amaro Filho,com direção de Marcílio Brandão, dePernambuco.

Sinopse: O filme mostra em lingua-gem documentária a encenação realiza-da anualmente ao ar livre pela comuni-dade da vila Tejucupapo, cidade deGoiana (PE), em comemoração ao ani-versário da vitória das mulheres do lo-cal sobre os holandeses no século XVII.

Melhor Vídeo, o júri técnico pre-miou O Calor do Tambor deCrioula no Maranhão, produção daEquipe Studio V e direção de CíceroSilva, do Maranhão.

Sinopse: Baseado na idéia originalde Erivaldo Santos Gomes e com cená-rio de Cláudio Vasconcelos, o vídeo re-trata a magia percussiva do Tambor deCrioula do Maranhão.

Melhor obra na opinião do pú-blico: Boi Pirilampo, documentário,

produzido por Renato Dionízio comdireção de Murilo Santos.

Sinopse: Histórico do Bumba-meu-boimaranhense, a partir do Boi Pirilampo, in-tercalado por toadas da brincadeira.

CONCURSOFOLCLORE DO MARANHÃO

Os prêmios Camélia Viveiros, RosaMochel, Nhozinho e Celso Magalhãesforam criados para incentivar o estudoe a pesquisa entre os estudantes do en-sino fundamental, médio e universitá-rio sobre as danças, festas, ritos e ou-tras manifestações da cultura popularmaranhense. Os prêmios recebem no-mes de personalidades maranhensesque contribuíram para a transmissão deconhecimentos tradicionais, folclóricose artesanais em nosso Estado. Os tra-balhos foram julgados por níveis de en-sino: Luís Carlos Mendonça Mathias,artista plástico; Jandir Silva Gonçalves,pesquisador; e Valquíria Solange Almei-da, professora de artes, julgaram osdesenhos dos alunos de primeira a quar-ta séries do Prêmio Camélia Viveiros;os textos dos alunos de quinta a oitavaséries – Prêmio Rosa Mochel – foramavaliados pelos estagiários do Curso deCiências Sociais: Keila Cristina CoelhoPodavi, Lucivaldo Nascimento da Mata,Francisco Carvalho e Amanda Santos;os trabalhos referentes ao Prêmio Nho-zinho, de ensino médio, foram escolhi-dos pelas professoras e pesquisadorasMárcia Tereza Pinto Mendes, JosimarMendes Silva e Maria do Rosário Car-valho Santos. A leitura e a escolha dosensaios premiados de universitáriosforam realizadas pelos professores epesquisadores Mundicarmo Ferretti,Sergio Ferretti, Andréa Farias, Joila Mo-raes e Nizeth Medeiros.

A premiação aconteceu na aberturado 10º Congresso Brasileiro de Folclo-re, dia 18 de junho de 2002, às 19:00h,no Hotel Vila Rica.

Prêmio Nêgo Chico e

* Radialista e Coordenadora da Comissão de Comunicação do 10º Congresso Brasileiro de Folclore.

no 10º Congresso

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PRÊMIO CAMÉLIA VIVEIROS

Foram premiados alunos de primei-ra a quarta séries do ensino fundamen-tal que apresentaram trabalhos inéditossob forma de pintura ou colagem. Aostrês melhores trabalhos selecionados foiconcedido o prêmio no valor de qua-trocentos reais, trezentos reais e duzen-tos reais - primeiro, segundo e terceirolugares, respectivamente.

O primeiro lugar do Prêmio Ca-mélia Viveiros coube ao aluno MichaelAnthony Braga Pires, oito anos, segun-da série, do Colégio Fênix, do BairroAnjo da Guarda, com o título: Mosai-co Junino – desenho em lápis de cor -recorte integrado dos vários elementosde um terreiro junino: palmeiras, balões,bandeirinhas, fogueira, barraca, casal debrincantes de quadrilha, índias e brin-cantes de bumba-meu-boi.

O aluno Lucas Felipe Ramos Rubim,sete anos, primeira série, da UnidadeIntegrada “Mariana Pavão”, do BairroRio Anil, ganhou o segundo lugar, como trabalho Bumba-Meu-Boi – dese-nho abstrato em lápis de cera com ele-

mentos da brincadeira. O terceiro lu-gar coube à Tereza de Jesus Silva Via-na, 62 anos, aluna do Tele-Ensino, ter-ceira fase do supletivo, da Unidade In-tegrada “Mariana Pavão”, do Rio Anil.Título: Os Terreiros de São Luis –desenho da dança do bumba-meu-boicom elementos da brincadeira, aspectosde um terreiro junino e assistentes.

PRÊMIO ROSA MOCHEL

Premiação concedida aos três melho-res trabalhos inéditos apresentados emtexto por estudantes da quinta à oitavaséries do ensino fundamental. O prêmiofoi de quinhentos reais para o primeirolugar, quatrocentos reais para o segun-do e trezentos reais para o terceiro.

O primeiro lugar do PrêmioRosa Mochel foi para o trabalho OMaranhão de Cultura e ExpressõesDiversas, de Honiere Silva Rabelo,quinta série, do CEEFM Benedito Lei-te, Centro. No texto, Honiere descrevecomo a cultura se faz presente na vidados maranhenses e como os adolescen-tes sentem a diversidade cultural do

nosso Estado. Observa aspectos da nos-sa cultura como as caixeiras da festa doDivino “que encantam o público com assuas batidas de ritmos lentos, mas agra-dáveis, com canções que pouco se en-tende mas que nos fazem pensar decomo seriam em outros tempos essas fes-tas”, ou ainda, espaços como o Conventodas Mercês, as ruas do Centro Históri-co e até o Cemitério do Gavião em frenteao qual “podemos acompanhar váriasapresentações da nossa cultura”.

O trabalho que ganhou o segundolugar - Contrastes do Bumba-Boi éde autoria de Adriana Sousa do Nasci-mento, sexta série, Escola de EducaçãoBásica e Profissional Fundação Brades-co, Bairro Coroadinho. Adriana colocaas contradições entre as ricas vestes e areal pobreza dos brincantes. Ela diz que“depois das comemorações, aquelaspessoas que pularam, riram, passaramalegria, voltaram a ser trabalhadoresque labutam dia após dia. Às vezes opão da manhã ou café com farinha tor-nam-se os seus únicos alimentos, entre-tanto o amor à brincadeira é maior,maior do que o amor a si e sustenta aalma que torna-se a base de todo o cor-po. A fome cultural fala mais alto”.

Povo Lutador, de Carla DanieleMarinho dos Santos ganhou o terceirolugar . Aluna da oitava série, da Uni-dade Integrada Sagarana II, do BairroCaratatiua, Carla coloca que o mara-nhense é povo lutador porque apesarda globalização soube conciliar a tecno-logia à tradição. Segundo ela, Catirina“é uma grande figura maranhense quenão teve medo de sonhar alto, é umexemplo de brasileira, nordestina e ma-ranhense”. O Maranhão com seu gran-de acervo cultural enriquece nossas mú-sicas e nossos poemas cheios de emo-ção. A mesma emoção que fez artistascomo João do Vale e Coxinho, escrito-res como Gonçalves Dias, Bandeira Tri-buzi, Ferreira Goulart, Josué Montello,José Sarney dentre outros, todos inspi-rados na nossa bela terra.

“Mosaico Junino”, de Michael Anthony Braga.Prêmio Camélia Vieiros - 1º lugar

Roza Santos*

Brasileiro de FolcloreConcurso de Folclore

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PRÊMIO NHOZINHO

Mais um incentivo aos alunos do en-sino médio na pesquisa do nosso folclo-re para trabalhos inéditos apresenta-dos em texto. Os três melhores traba-lhos receberam a premiação nos valo-res de seiscentos reais, quinhentos re-ais e quatrocentes reais.

O aluno Deurivan Freitas Lima, doCEM Liceu Maranhense, Centro, levouo prêmio do primeiro lugar, com otrabalho Nossa Cultura Para Quem?

O autor começa se questionando“como falar de folclore maranhense semter um conhecimento preciso a respeitodo assunto?” Como conhecer o assunto“se no decorrer do ano letivo pouco seexplora da cultura popular na escola, masisso poderia mudar”. Diz que o Mara-nhão tem uma identidade cultural pró-pria e discorre sobre a criatividade e asinfluências de raças e culturas que sópoderiam resultar nessa riqueza cultural,para concluir que o Maranhão evoluiucomo pólo turístico mas que precisamosdar mais atenção a quem faz a verdadei-ra cultura popular e que é o mais valiosopatrimônio, o povo maranhense.

As Inquietudes do Homem Re-verenciam o Folclore texto de Wes-ley Péricles Sousa dos Santos, aluno doCEM Coelho Neto, do Bairro Carata-tiua, ganhou o segundo lugar do Prê-mio Nhozinho. Wesley começa a escre-ver sobre as inquietude do homemquestionando quem é, para onde vai ediz que com certeza sabe onde está por-que suas raízes se prendem aos costu-mes e crenças do lugar em que vive. Atradição de influência popular, sem fon-tes escritas, mas evocada pela práticadas observações dos costumes, o iden-tifica e o tira da ansiedade de buscar aprópria origem. É, também, da sabe-doria popular, sem conhecimento aca-dêmico, que surge a maior contribui-ção para a venda de mercadoria, o va-lor da propaganda para o sucesso dosnegócios que já se via em São Luis ocantar dos pregoeiros. O folclore con-tribui na identificação de nossas raízessuavizando a inquietude na busca desua identidade, conclui.

O terceiro lugar coube à aluna Ja-queline Diniz Pinho, do CEM Liceu Ma-ranhense, Centro, com o trabalho Cul-tura Popular Maranhense e as In-fluências da Modernidade. No tex-to Jaqueline enfoca aspectos da cultura

popular maranhense, as variadas dan-ças e manifestações cada uma com umritual simbólico de caráter religioso; onosso potencial turístico, e que para res-ponder a essa demanda as brincadeirasrecebem incentivo do governo, se trans-formando em pequenas empresas. E,nesse cenário, ao tentarem seguir as re-gras do capitalismo perdem suas carac-terísticas regionais. Finaliza dizendo quetanto a indústria do turismo quanto aação do governo possuem duas faces- aboa e a ruim – é de fundamental impor-tância que se saiba distinguir os benefí-cios e os malefícios dessas ações.

PRÊMIO CELSO MAGALHÃES

Concurso destinado a estudantes uni-versitários para ensaios inéditos apre-sentados em texto, com até dois auto-res, sobre a temática cultura popular. Apremiação concedida aos três melhorestrabalhos foi nos valores de setecentosreais, seiscentos reais e quinhentosreais, primeiro, segundo e terceiro lu-gares respectivamente.

Mitos, Estórias e Versões: bum-ba-boi e Representações Coletivas,dos alunos de Ciências Sociais da UFMA,Maria Tereza Nunes Trabulzi e CosmeOliveira Moura Junior levaram o pri-meiro lugar do Concurso.

Resumo: o trabalho aborda algumasestórias que estão em torno do Bumba-boi do Maranhão. Algumas estórias quenorteiam o repertório de alguns bois:versões de autos e o mito religioso. Osautos são as histórias que referenciamas personagens de Catirina, Pai Fran-cisco e um Boi querido do dono da fa-zenda. E a lenda aborda uma narrativaem torno dos santos juninos Com a con-solidação da Antropologia Interpreta-tiva, o conceito de cultura ganha um sen-tido mais amplo, assim significando umconjunto de redes construídas pelos ho-mens e que nessas mesmas redes os ato-res sociais perdem-se (GEERTZ, l989).A partir dessa concepção semiótica decultura, os autores buscam compreen-der e interpretar as narrativas referen-tes ao Bumba-boi que são abordadascomo conteúdos simbólico-culturais queenfocam visões de mundo de uma dadarealidade. O trabalho não é um estudosobre o ato da festividade do Bumba-boi, mas um estudo inicial sobre os sím-bolos sociais em circulação nas narrati-vas que dão base e legitimidade ao Bum-

ba-boi, contextualizado na análise dasnarrativas que, na visão dos autores, es-tão imbuídas de formas de pensar (re-presentações e classificações) de umadada comunidade imaginada. Como baseteórica foram de grande relevância as ca-tegorias de representação e classificaçãocoletivas abordadas por Durkheim (l970)Marcel Mauss (l979), além de idéias deritual e mito referidas por Durkheim emFormas Elementares da Vida Religiosa(1996). No decorrer do trabalho perce-bem a imporância de algumas aborda-gens sobre Invenção das Tradições deEric Hobsbawn (l997) e adotaram algu-mas estratégias metodológicas de PeterBurke (l999) e R. Darton (1988).

Feitas as análises interpretativas dasnarrativas, como conclusão, observarama importância da valorização do fato so-cial como algo simbólico-ritualístico quepossui visões de mundo e cosmologiasde uma dada comunidade imaginada.Portanto, o Bumba-boi, quer seja “tradi-cional” ou inovação, deve ser entendidocomo uma manifestação onde ícone esímbolos sociais são corporificados e sis-tematizados em um todo ritualizado.

O segundo lugar coube ao alunode Geografia da UFMA, Marcelino SilvaFarias Filho, com o ensaio Turismo, Tra-dição e Modernidade: a religiãoafro-maranhense como referência. Aimportância da religião afro-maranhensecomo uma das grandes potencialidadespara o turismo cultural não só para o lei-go mas também para o estudioso.

Resumo: O trabalho apresenta atra-vés de documentos históricos coletadosem jornais de São Luís dos anos 20 e 30do século XX, como Pacotilha e Tribunae ainda estudos realizados por cientis-tas sociais como FERRETI S. (2000),BRAGA (1995), FERRETI M. (2001),BERKENBROOOK (l967); análise e bre-ves considerações acerca de como tra-dicionalmente a religião afro-maranhen-se foi discriminada em função de seusrituais e de como a mesma, a partir daresistência à repressão policial torna-se um dos principais fatores de cons-trução e afirmação de uma identidadecultural e ética no seio da sociedademaranhense, especificamente de SãoLuís, que insiste, mesmo na moderni-dade em discriminar faceta tão funda-mental de nossa cultura e história. Ana-lisa, ainda, as implicações da moderni-dade e suas influências no que se refereao tão ensejado tradicionalismo na cul-tura tida como “pura” ou original,

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Para isso percorre o caminho histó-rico da chegada dos negros ao Brasiltrazidos como escravos, às perseguiçõesinfluenciadas pela ideologia do Catoli-cismo que confundia os rituais religio-sos africanos com feitiçaria. A discrimi-nação e inferiorização do negro advin-do de resquícios e influências da teoriaevolucionista que impregnou a popula-ção européia no século XX, segundo aqual as culturas deveriam passar pelasmesmas etapas de evolução, situando acultura negra na base dessas etapas porserem consideradas primitivas. Fatoresque agiram de forma a inibir a propa-gação ou mesmo execução dos rituaisem terreiros. As perseguições levadasa cabo pela força policial, tanto na esfe-ra municipal quanto estadual, dão ele-mentos para diversas considerações his-toricamente fundamentadas em que sedestaca a de que os cultos de influênciaafricana, por muito tempo proibidos noBrasil, até hoje, são vistos com certoolhar de desconfiança. Principalmentepor ter a cultura africana concentrado-se em áreas como a arte e no refinamentodas relações humanas e sendo a religiãoparte de tão rica cultura, por diversasvezes a mesma fora, e ainda o é, con-fundida com manifestação folclórica, tãosomente, desvinculando de seus cultosseu verdadeiro sentido. O autor achaque modificações constantes passaram

a ser um dos elementos prejudiciais àreligião tipicamente maranhense ou sejaao Tambor de Mina. O fluxo de turistasde visitantes nos locais de culto se re-flete certamente na perda de privacida-de total ou parcial na realização dos ri-tuais. A noção de tradição conduz a duasimplicações de essencial importânciapara a religião de origem africana se porum lado significa status, por outro, omesmo dirá respeito ao grau de “pure-za” e de fidelidade na realização doscultos e cita FERRETTI S. (l995) de quena Casa as Minas os toques e os pró-prios tambores Jeje são muito diferen-tes dos abatás dos outros terreiros. Di-zem que estas proibições são para nãomisturarem os toques e para preservaros ritmos da religião. Mesmo nessa casade culto,uma das primeiras de São Luis,há a inserção de elementos de outrascategorias de religião, pois o sincretis-mo atestado (dessa não pureza) ocorrena religião, na filosofia, na ciëncia, naarte e pode ser de tipos muitos diversi-ficados. Dentro dos mesmos preceitosdo que é defendido acerca do que é tra-dição o conceito de modernidade afir-ma-se como ações capazes de permitiruma completa ou parcial mudança nosentido de determinada facção cultural.

A Escola Francesa de Sociolo-gia e a Festa do Divino na Casadas Minas, trabalho de autoria de Bru-

no Rogens Ramos Bezerra e Cosme Oli-veira Moura Junior, alunos do Curso deCiências Sociais da UFMA, ganhou oterceiro lugar do Prêmio Celso Ma-galhães.

Resumo: Os autores esboçam umaanálise antropológica e etnológica sobreos símbolos, rituais, danças, músicas ereligiosidade, tendo como base de ar-gumentação teórica basicamente MarcelMauss (1974). Essa construção teóricasobre a Festa do Divino foi resultadoda observação empírica da Casa dasMinas e das discussões realizadas nadisciplina Antropologia III, ministradapela professora Maristela de Paula An-drade, do Departamento de Sociologiae Antropologia da UFMA. Fazem umabreve referência sobre alguns elemen-tos da Casa de Nagô e da festa doGoiabal, pois ao observar a Festa do Di-vino da Casa das Minas percebem queexiste uma integração entre essas festasem certos aspectos importantes para seperceber elementos e variações entre afesta da Casa das Minas e aquelas. Mar-cel Mauss, autor da Escola Francesa deSociologia, teoriza sobre fenômenos so-ciais e a força da autoridade moral dassociedades para com os indivíduos. ParaMauss os fenômenos sociais devem serconsiderados “totais”, ou seja , possu-em três facetas: o elemento sociológico,o psicológico e o fisiológico. Porém dáênfase ao elemento social, consideran-do-o o ponto de partida para se estu-dar os fatos sociais totais, pois deve-seestudar o “social pelo social”. Obser-vando a Festa do Divino da Casa dasMinas perceberam que: o poder de au-toridade social da festa ficou eviden-ciado pelo respeito ao Divino, principal-mente nos momentos em que a caixeirapede permissão para se retirar fazendoum conjunto de rituais e reverências; aprópria participação dos observadoresé influenciada pela autoridade social dafesta, marcadas na forma de vestir, dese postar perante o altar dos santos efrente aos impérios; a divisão de papeisentre os sexos em que mulheres e ho-mens assumem papel de acordo com ofísico, psicológico e social; na festa oshomens apesar de serem os indivíduosque em nossa sociedade são os “che-fões”, assumem papéis marginais,atuando em etapas que necessitam deforça física, como o levantamento e buscado mastro, matança de animais e acen-dimento do fogo.

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“Bumba-meu-Boi”, de Lucas Felipe Ramos Rubim.Prêmio Camélia Viveiros - 2º lugar

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Como conclusão, constataram que aFesta do Divino da Casa das Minas podeser caracterizada e analisada como umfato social total. Portanto, o elementosocial está presente em duas formas: noperíodo de festa os participantes alte-ram a sua dinâmica de vida para se fa-zerem presentes na festa; dentro da fes-ta surgem leis, sanções e, de forma ge-ral, uma nova organização social quecom sua autoridade irá influir nos pa-péis dos indivíduos participantes da fes-ta. O elemento biológico está presentena alteração psíquica dos que participamda festa, gerada pela autoridade sim-bólico-social da festa.

Biografias de maranhensesque deram nome aos prêmios

A participação da escola, o entusias-mo dos alunos em concorrer e, ainda, aproposta de que a cultura popular sejaexplorada nas escolas não só como brin-cadeira folclórica mas também como fon-te de conhecimentos tradicionais, levoua Comissão Maranhense de Folclore ainstituir o Concurso de folclore do Ma-ranhão, evento anual, a partir de 2003.

CAMÉLIA VIVEIROS

Camélia Branca Costa de Viveirosfaz parte da memória lúdica de crian-ças e adolescentes as décadas de 40, 50,e 60 como a mestra do teatro popularinfantil do Maranhão. Professora nor-malista nasceu em São Luis em 1º demarço de l9l9 e morreu em 24 de no-vembro de l970. Casada com FranciscoJosé de Viveiros, teve seis filhos, entreeles o cantor e compositor Chico Mara-nhão.

Dotada de grande sensibilidade ar-tística e, principalmente, vocação paratrabalhar com criança, foi responsávelpelo primeiro Jardim de Infância de SãoLuís. O Jardim de Infância AntônioLobo, que ficava no espaço ao lado daCapela Bom Jesus dos Navegantes daIgreja Santo Antonio, no Centro.

Em sua permanência pelo interior doEstado, acompanhando o marido fiscalde renda, fundou escolas nas cidadesde São José dos Matões, Bacabal, Gui-marães e Vitória do Mearim. Retornan-do a São Luís ministrou cursos de for-mação para professores do primário (en-sino fundamental de primeira a quartaséries). Incentivou a criação de bandi-nhas de fanfarras e de teatro nos Jar-dins de Infância, preocupando-se emrelacionar a arte de ensinar a ler e es-

crever com a arte popular. Dona Camé-lia Viveiros já enfatizava a necessidadeda educação com a participação da fa-mília e da comunidade, tese, hoje, tãodefendida pelos Programas de Educa-ção do Governo através de campanhasveiculadas na mídia.

Entre as décadas de 40 e 70 crioupeças infantis para comemorar as datasfestivas da religiosidade e da culturapopular. Adaptou autos de Natal, Autode bumba-meu-boi e danças como aquadrilha para crianças de quatro a noveanos de idade. Criava textos, canções etoadas para as suas peças que eram en-saiadas no Sobradão da Rua Santo An-tonio, 161, antiga Escola de Música doMaranhão.

Dos manuscritos e composições mu-sicais do auto do boi, criado nos anos40, nasceu o projeto Brejeiro, do cantore compositor Chico Maranhão que pro-duziu o disco Brejeiro em vinil, com aparticipação de crianças do SESI de qua-tro a nove anos de idade. O disco foilançado no Casino Maranhense, em 1989.

ROSA MOCHEL

Agrônoma e licenciada em geografiae história, Rosa Mochel declarou seuamor ao homem e à natureza distribuin-do sementes, incentivando o artesana-to, pesquisando as manifestações folcló-ricas, escrevendo teatro, plantando flo-res ou denunciando as agressões que fe-riam de morte a natureza. Educadora porvocação, criou metodologia própria ebuscou novos instrumentos: em sala deaula, utilizando-se da arte popular, dafotografia, do artesanato e da agricultu-ra para transmitir conhecimentos. CriouCentros de Arte em São Luis: o Centrode Arte Japiaçu, em Maracanã, e a Casade Alice, construindo uma linguagem ar-tística local e elevando a auto-estima doartista e do artesão maranhense.

Entre os serviços prestados às Ins-tituições Públicas, Ministérios de Agri-cultura, Universidades Federal e Esta-dual do Maranhão, destaca-se o de Se-cretária de Educação do Município deSão Luis, no período de l971-l975. Cria,nesse período, o Projeto Euterpe, nomeda deusa da música e da poesia e aindagênero de palmáceas, palmeiras. DesseProjeto, nascem a Festa da Juçara, reali-zada, até hoje, em Maracanã; a Feira daMandioca e multiplicam-se os Centrosde Arte tanto em São Luis quanto nointerior da Ilha, comprovando que a uti-lização dos recursos da flora maranhen-se somados aos elementos de identida-

de cultural do povo é a metodologiaadequada para o processo de crescimen-to social.

Rosa Mochel editou as coleções “Au-sência Presente” e “Colméia”. Na cole-ção “Ausência Presente”, retrata a vidae obra de personagens importantes danossa terra. Fazem parte dessa coleçãoos livros “Fada das Crianças”- vida daprofessora Camélia Viveiros; “Obriga-da Doutor”, que destaca a prática decurar de vários médicos maranhenses;“A Festa dos Sons”, um registro da vidade nossos músicos; e “São Luís, Pedrasobre Pedra”, documento sobre os pre-feitos de nossa capital. A coleção “Col-méia” é um registro sócio-econômicodos povoados da zona rural de São Luís.Publicou: “Tibiri/Tibirizinho”, “VilaMaranhão”, “Forquilha” e “Maracanã”.Entre os estudantes do ensino funda-mental de terceira e quarta séries, RosaMochel tornou-se conhecida pelo livro“Conheça o Maranhão”, editado peloSIOGE, em 1971, com noções básicas so-bre a história e formação sócio-econô-mica e cultural do Estado do Maranhão.Livro utilizado nas escolas até início dosanos 90.

Rosa Mochel nasceu na cidade de Mi-ritiba, hoje, Humberto de Campos, em19 de janeiro de 1919 e morreu, em SãoLuís, em 02 de fevereiro de 1986. Eml998, na reinauguração do prédio deexposição do Centro de Cultura Popu-lar Domingos Vieira Filho, na Rua doGiz, foi inaugurado o Auditório RosaMochel, espaço para 106 pessoas, clima-tizado, com som ambiente e recursosaudiovisuais.

NHOZINHO

Antônio Bruno Pinto Nogueira, filhode Sebastião José Nogueira e Marcoli-na Pinto Nogueira, nasceu em 17 de maiode 1904, em Bacuripanã, município deCururupu-MA, e morreu, em São Luís,em 23 de maio de 1974, no Bairro daAlemanha.

Nhozinho, nome que assinava suasobras de artesão, a princípio trabalhava amadeira, passando depois para o buriti,mais maleável. Ele recriou no frágil buritios tipos populares maranhenses em fes-ta, em particular as figuras do bumba-meu-boi em movimento de dança. Suaobra maior são as célebres “rodas-de-bumba-meu-boi”. O que mais chama aatenção nas miniaturas de Nhozinho sãoos traços fisionômicos, as formas gestu-ais e a postura de cada brincante.

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Comparado a Aleijadinho, mestremineiro do barroco, devido serem am-bos vítimas de mutilações por doençasdeformatórias, Nhozinho se locomoviaem um carrinho de madeira, por elemesmo fabricado. A moléstia que lhedeformaria os membros inferiores, bra-ços e mãos a partir dos 12 anos de ida-de não o impediu de começar a arte deesculpir, utilizando papel e madeira deburiti, fazendo papagaios (pipas), ani-mais e árvores para ornamentação depresépios e cofres-caixinha de madeira.

A arte de Nhozinho faz parte deacervos de colecionadores nacionais eestrangeiros, do acervo do Centro deCultura Popular Domingos Vieira Filho(Maranhão) e da Casa do Pontal (Riode Janeiro), tendo figurado, ainda, emexposição de arte popular realizada noCentro Domus (de Milão, na Itália) e naBahia, em 1972. Em 7 de junho de 2002foi inaugurada a Casa de Nhozinho, ter-ceiro módulo do CCPDVF, que expõe ocotidiano ao homem maranhense: a suaarte, criatividade e engenho.

A “roda-de-bumba-meu-boi” desseartesão maranhense ilustra os cartazes,os folders e os botons do 10º Congres-so Nacional de Folclore.

CELSO MAGALHÃES

É considerado o primeiro folcloristado Brasil, por ser o primeiro a exami-

nar a poesia popular com método e co-nhecimento cultural.

Celso Tertuliano Lopes da CunhaMagalhães nasceu na Fazenda Descan-so, da Comarca de Viana, hoje, Penal-va-Maranhão, em 11 de novembro de1849 e morreu em 9 de junho de 1879.Seguidor da teorias de Darwin, Comtee Taine, Celso Magalhães chocou a SãoLuís acanhada, que defendia e vivia numsuperado romantismo literário, ao de-fender idéias abolicionistas, inspiradasna observação direta de um quilomboperto de Viana onde conversou com qui-lombolas e presenciou não só a luta obs-tinada dos escravos em busca da liber-dade como também a organização eco-nômica e social, prova de que os escra-vos fugitivos eram capazes de se orga-nizarem e tomarem iniciativas. Antes deCelso Magalhães, poetas , escritores eintelectuais pensavam o Maranhão àportuguesa. Toda ilustração tida comoerudita era lusitana. Celso vem revolu-cionar o “pensar” da elite maranhense.Estréia na imprensa com as primeiraslíricas, em 1867, ainda em Viana, publi-cadas depois no Semanário Maranhen-se de São Luís. Até l868, publica váriospoemas como “Vem, Não Tardes”,“Para Ela”, “Desânimo”, “Adeus”. Eml869, matricula-se na Faculdade de Di-reito do Recife, colabora no Correio Per-nambucano e no Jornal do Recife e é,ainda, colaborador literário de O País

(São Luís), onde publicou os Folhetins“Carranquinhas” e “Parênteses”. Em1873, inicia a publicação de “A PoesiaPopular Brasileira” no Jornal “O Traba-lho”, de Recife.

Em novembro de 1873, cola grau debacharel em Direito e regressa a SãoLuís. Nomeado promotor público em1874, leva a julgamento, em 1877, pelojúri popular, Dona Ana Rosa Viana Ri-beiro, que é absolvida, episódio muitobem contado pelo escritor Josué Mon-tello no romance “Os Tambores de SãoLuis”.

Em 1878, o Doutor Carlos FernandoRibeiro, esposo de Dona Ana Rosa, as-sume a vice-presidência da Província doMaranhão e demite Celso Magalhães, “abem do serviço público”. A partir deentão sofre diversos entraves no exer-cício da profissão.

Celso Magalhães, ao contrário deCastro Alves - poeta baiano, que namesma época, inspirando-se nos Qui-lombolas Palmares, descreve a Mãe Áfri-ca como Paraíso onde seus filhos vi-viam em liberdade, abstraindo a reali-dade, mistificando-a –, aborda em seuspoemas “O Escravo”e “Os Calhambo-las” os problemas da escravidão, dasrevoltas e dos sonhos e a abolição sobum ângulo mais próximo à realidade.Os escritos de Celso Magalhães perma-neceram esquecidos por mais de 50anos. Somente em 1903, Raul AstolfoMarques, pesquisador da história lite-rária, comenta a inteireza moral de Cel-so Magalhães levantando o véu de es-quecimento que se abatera sobre a suafigura. Em 1919, Fran Paxeco levanta-lhe a biografia, um estudo rico de in-formações, divulgado na Revista da Aca-demia Maranhense de Letras.

À frente de todos no Brasil, Celso Ma-galhães, compreendeu a importância dacultura popular como fonte de conheci-mento das nossas raízes. Nos estudos “APoesia Popular Brasileira”, Celso reco-lheu versos do domínio do povo quechegou até nós, do século XXI, em for-ma de cantiga-de-roda: (“Terezinha deJesus/ Deu um tombo foi ao chão...)

Verso: “Tanta laranja madura/ tantolimão pelo chão/ assim tenho derrama-do/ sangue no meu coração”. A vida deCelso Magalhães continua sendo moti-vo de estudos para vários pesquisado-res, entre eles encontra-se o “Livro doSesquicentenário de Celso Magalhães(1849-1999)”, organizado pelo escritorJomar Moraes, editado pela AcademiaMaranhense de Letras, São Luís, 1999,utilizado como fonte para este resumo.

Os Terreiros de São Luís”, de Tereza de Jesus Silva Viana.Prêmio Camélia Viveiros - 3º lugar

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O arquipélago dos Açores, situado empleno Oceano Atlântico, a 1.300 km do con-tinente luso, é composto de nove ilhas vul-cânicas, a saber: Santa Maria, a primeiradescoberta pelos portugueses, em 1427; Ter-ceira (capital: Angra do Heroísmo); SãoMiguel, a maior de todas, onde fica a capi-tal do arquipélago, Ponta Delgada; São Jor-ge, Graciosa, Flores, Corvo, Faial e Pico, estacom um monte de 2.350 m de altura. Esco-lhemos, segundo indicações de leitura e deconversas, as Terceira e São Miguel paranossas pesquisas sobre o Divino EspíritoSanto, o qual – quem sabe? - talvez nos te-nha vindo com os açorianos, aqui chega-dos em 1620 e 1621.

No governo de Diogo da Costa Macha-do (1619-1622), chegaram a São Luís, emduas levas, algumas famílias açorianas; aprimeira, em 1620, trazida por Manuel Cor-rea de Melo e por conta de Jorge de LemosBittencourt, sob promessa de uma recom-pensa de 400 mil réis pela introdução de200 casais; a segunda, no ano seguinte, deresponsabilidade de Antônio FerreiraBittencourt, providências oficiais destina-das a instalar, na capitania, dois engenhosde açúcar. A sorte destes imigrantes perma-nece ignorada. Sequer conhecemos aqui aschaminés de mãos postas característicasdas casas dos Açores. Será que ainda é pos-sível rastrear sinais da presença dessa gen-te? Com a palavra pesquisadores, historia-dores, arquitetos. Mas, se os que chegaramao Sul (Santa Catarina e Rio Grande), a par-tir das promessas de D. João V (1689-1750),perguntavam, ansiosos e desiludidos, ondeestavam as ferramentas, as sementes, a es-pingarda, as vacas e a égua do edital d’El-Rei, que pensar destes pobres, um séculoantes desembarcados “no rigor de um cli-ma abrasador” da calorenta região do nor-deste do Brasil? O certo, porém, é que eles,ou outros que os sucederam, nos deixaramo culto ao Divino Espírito Santo até hojevenerado em quase todo o Estado.

No dia 11 de maio deste ano de 2002, se-guimos (Zelinda e eu) para os Açores, comescala em Fortaleza e parada de dois diasem Lisboa. Hospedamo-nos no hotel Mari-na Park – Av. Pres. Castelo Branco, 440 –Praia de Iracema. Aconteceu, porém, que,depois de esperarmos até às 24 horas no ae-roporto, nosso vôo Tap Air Portugal 1518 foicancelado. Puseram-nos no Hotel Vila Galé– Av. Dioguinho, 4189 – Praia do Futuro – esó no dia seguinte, finalmente, voamos paraLisboa, onde chegamos já no dia 13, comperda de um dia do programa. Ficamos nohotel Metropolitan – rua Soeiro Pereira Go-mes - Parcela 2 – de onde nos comunicamos

Reportagem-viagem ao Divinocom nossa amiga conterrânea Estér Mar-ques, que conclui o doutorado em Portu-gal. No dia seguinte embarcamos para aIlha Terceira, no vôo 1821 da TAP.

No aeroporto, Zelinda conversou com aSra. Maria do Socorro Menezes RodriguesBorges, terceirense, que nos forneceu, nodecorrer do vôo, os primeiros informes so-bre o assunto de nosso interesse e nos deuo endereço da loja de seu esposo.

Instalados no Residencial Sales – praçaFrancisco Ornelas da Câmara, praia da Vi-tória, conseguimos a promessa de que umafuncionária do hotel levar-nos-ia, à noite, àcasa de um festeiro. Ainda nessa manhãvisitamos uma loja de lembranças, onde co-nhecemos o Sr. Francisco Jorge Ferreira, daIrmandade da Misericórdia, que nos ofere-ceu o livro “Misericórdia da Praia da Vitó-ria – Memória Histórica – 1498-1998” e ummedalhão comemorativo dos 50 anos daInstituição. Nessa loja, que oferecia váriosobjetos dos festejos, compramos uma mi-niatura da bandeira do Divino.

À noite, conforme o prometido, a Sra.Ana Bela Minhoto levou-nos à casa do Sr.Carlos Machado, Imperador da Freguesia deSanta Luzia, onde assistimos à reza do ter-ço. Durante todos os dias dedicados ao Es-pírito Santo, os Imperadores e os Mordomos(cada freguesia tem os seus) reúnem fami-liares e amigos para esta cerimônia. Ali es-tavam cerca de 40 pessoas – homens, mu-lheres e crianças – que acompanharam o ter-ço, recitado pela dona da casa, D. Fátima, esua irmã, em frente ao altar armado na salade visitas, que exibia quatro grandes coroasde prata entre velas e flores. Após a reza foiservido, na sala de jantar, um lanche aos

presentes (pão, massa sovada, favas cozidas,tremoços, vinho e refrigerantes).

No dia seguinte fomos à loja de D. Ma-riazinha (assim é conhecida de todos), quenos apresentou o esposo, Sr. Carlos RamiroMenezes, e onde compramos outras lem-branças, inclusive um belo Arcanjo São Ga-briel. Ali obtivemos novas informações e,por sugestão de D. Mariazinha, resolvemosalterar o programa: ao invés de passarmosquatro dias em S. Miguel, como o previsto,demoraríamos apenas dois, pois, segundoela, é em Terceira que se concentra o melhordos festejos ao Divino.

Nessa mesma manhã levou-nos à casade D. Lina Menezes, cujo filho é Imperadorna freguesia de São Brás, onde fizemos a pri-meira foto. A anfitriã não nos deixou partirantes de partilharmos do almoço íntimo nogalpão e do ambiente familiar de gente tãogenerosa e expansiva. Com um suculentocozido, feijoada e delicioso vinho, privamosgostosamente da convivência amena e cor-dial daquela família e seus auxiliares.

Então, a 14, pela manhã, seguimos paraSão Miguel, onde ficamos no Hotel Aveni-da, em Ponta Delgada, após 45 minutos noavião da British Aeroespace.

São Miguel pareceu-nos um tanto cos-mopolita, a orla marítima cheia de hotéissofisticados, uma multidão de turistas, ame-ricanos, japoneses etc., lembrando a Aveni-da Atlântica e Copacabana. Mas, a tradi-ção não morreu de todo, tanto que visita-mos, acompanhados pela filha do motoris-ta que nos servia, a menina Micaela, trêsresidências de festeiros do Divino. Em to-das havia a azáfama dos preparativos paraa festa maior do Domingo de Pentecostes:

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Espírito Santo dos AçoresCarlos de Lima*

residências de D. Conceição Brum, na ruada Inocência, 53; residência de D. LauraMedeiros, rua da Alegria, 30; residência doSr. Eurico Manuel Mota, rua da Cruz, 15;todas na freguesia de nome exótico: Rabode Peixe! onde se concentram os festeiros eonde assistimos à passagem de uma cami-nhoneta carregada de pães à frente da qualia um grupo de moças e rapazes, com típi-cas roupas camponesas, bailando alegre-mente e segurando arcos de flores a cum-prir a missão de distribuir esmolas de umdos festeiros. Outra denominação esquisitaé a do bairro de Biscoitos, onde compramoso vinho de igual nome, uma das especiali-dades da Ilha Terceira.

De modo geral nelas reservara-se uma salaartisticamente decorada com sedas, velas eflores, com um altar que exibia as coroas sim-bólicas do Divino. Notamos que nas ilhas odestaque é para a coroa e raramente apareceuma pomba, como entre nós. As fotos, decer-to, dirão melhor que as palavras.

Na primeira visita, por deferência espe-cial aos turistas, visto como chegados antesda hora e em plena tarde, ofereceram-nos atradicional broa da festa, a “massa sova-da”, uma rosca doce, cuja receita a Zelindaapressou-se a aprender e aqui vai, a queminteressar possa: 8 k de farinha de trigo, 3 ½k de açúcar, ½ k de manteiga, 3 ½ dz deovos, 500 gr de banha de porco, 4 barras defermento de pão.

Tendo, pois, conseguido da companhiaaérea antecipar o retorno à Ilha Terceira,chegamos a 18 ao aeroporto de Lages, pron-tos a participar, decididamente, dos gran-des festejos do domingo.

À tarde, sempre em companhia de D.Mariazinha, voltamos à casa de D. Lina, quenos apresentou seu marido, o Sr. José Ga-briel Menezes Lucas, criador de gado.

De início houve a distribuição das esmo-las: numa mesa comprida armada no pátio,25 oferendas enfileiravam-se, constantes decarne, pão e algum dinheiro, e eram entre-gues aos pobres (previamente selecionadosatravés de fichas) que, diga-se de passagem,poderiam bem ser equiparados aos nossosbem remediados conterrâneos.

Após isso, formou-se o cortejo, à frente abandeira confiada a um menino pequeno,devidamente escoltada por duas belas me-ninas. A seguir, outra bandeira, a cargo detrês rapazes; depois, uma dezena de pares(moças e rapazes) conduzindo grandes ces-tos de pão; o Sr. José Gabriel e D. Lina, fami-liares, parentes e amigos, o povo e, por últi-mo, a banda de música – a Filarmônica daFreguesia de São Brás. Rumamos todos

para a “Casa do Povo”, onde seria servidoo almoço festivo de praxe, posto fossem já 5horas da tarde.

A “Casa do Povo” é um prédio de pro-priedade da Irmandade, onde se realizamatos solenes, reuniões comunitárias etc.,como este ágape oferecido a 250 pessoas,distribuídas por umas 10 mesas compridas.O cardápio constou da tradicional “sopa doDivino” (caldo de carne com pão), o pratotípico “alcatra” cozida, naturalmente acom-panhado de muito pão e muito vinho, findoo que todos se retiraram para suas casas.

No domingo 19, cedo nos mandamospara a igreja de São Brás, onde se celebrariaa grande missa de Pentecostes. Postamo-nosestrategicamente a meio do largo para re-gistrar fotograficamente o evento.

Abrindo o cortejo os já citados meninosda bandeira seguidos de moças e rapazes tra-zendo enormes pães enfeitados com rosas esobre riquíssimas toalhas bordadas; o Impe-rador sustentando com as mãos sobre a cabe-ça a grande coroa de prata; Mordomos comas suas coroas nas mãos; o padre no seu me-lhor paramento; senhores de terno e gravata,solenes, conduzindo suas “varas”, insígniasde sua dignidade; o povo contrito e respeito-so; o pessoal da filarmônica exibindo suasfardas com botões dourados; a música e osfoguetes contribuindo para a alegria geral.

Durante a missa, na igreja superlotada,silêncio e devoção. Após o sermão condizenteao dia, dezenas de comungantes e, ao final,a saída ordenada e silenciosa, sem atropelose algazarra. (Com minha cerimoniosa timi-dez perdi de fazer boas fotos, a que só meatrevi depois do convite gentil do sacerdote.)Note-se que a missa foi celebrada à moda

antiga, o padre de costas para os fiéis. E en-tão todos rumaram para o “Império”.

O Império é uma edificação de aspectosimpático, de um só compartimento, umpouco acima do nível da rua, com uma por-ta ao meio ladeada por duas janelas, osten-tando na fachada a coroa ou a pomba. Nointerior há mesas, cadeiras ou bancos. Fe-chados durante o ano, os Impérios (cadafreguesia tem o seu) abrem-se no domingode Pentecostes, ou no da Trindade (o do-mingo seguinte a este) para receber o Impe-rador e a Vereança (como chamam aqui oque conhecemos como “Império”, ou seja –a “Corte”).

Após a coroação do Imperador e a ben-ção do pão e do vinho, na igreja, o cortejodirige-se para o Império, onde se depõemas insígnias (coroas, bandeiras e varas) eaté ao anoitecer é constante o vai e vem devisitantes que, às vezes, deixam ali algumdinheiro. Ao lado do Império existe outroprédio, a Despensa, aonde são recolhidosaqueles grandes pães, servidos com abun-dante vinho de enormes dornas a quantosadentram o recinto. Sobre as mesas há car-ne assada (cortada em pequenos pedaços),massa sovada, favas cozidas, tremoços evinho, dados a todos. Nas cadeiras distri-buídas pelo espaço assentam-se as visitaspara animadas conversas e onde almoça-mos. Na parede da Despensa de São Brásvimos os casacos dos antigos “Foliões doDivino”(hoje desaparecido e dos quais tra-tamos em nossa crônica de junho – Boletimno. 22) e uma caixa muito parecida com asdas nossas caixeiras, instrumento tocadopelos “foliões”. Algumas dessemelhançasexistem entre os nossos costumes e os aço-

* Pesquisador de Cultura Popular.

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rianos. Por exemplo: os Mordomos têm 1coroa e uma vara; o Imperador, 2 coroas.

Na tarde de domingo, assessorados peloSr. Carlos e esposa, visitamos a residênciado Sr. Ramiro Martins Menezes, respecti-vamente irmão e cunhado de nossos gentiscicerones, quando nos serviram doces e oindispensável vinho e entretivemos por cer-ca de uma hora agradável palestra.

No largo próximo desenvolvia-se a fes-ta popular da freguesia de Vila Vitória: 32carros de boi, com preciosos toldos renda-dos guardavam as laterais da pracinha, naqual também se apregoava leilão de um be-zerro.

Roberto Da Matta distingue os rituaisnacionais brasileiros como formais e infor-mais, situando no primeiro pólo as soleni-dades e no segundo, as festas. Ora, no casodo Divino Espírito Santo há, concomitante-mente, a solenidade e a festa. E aí residemas principais diferenças entre os Açores e oMaranhão: o aspecto formal lá é mais acen-tuado; o festeiro aqui tem maior significa-do. Não digo seja menor a devoção; apenastoma um outro jeito, uma feição, digamos,menos ortodoxa. E por que? Por esse cará-ter de intimidade da religiosidade popularentre nós. Como observou Câmara Cascu-do, enquanto na religião cristã o crente seeleva através da oração até o santo, nos cul-tos afros é o santo que desce ao nível do fiel,incorpora-se nele e participa do cerimonialfestivo. Cria-se assim uma oportunidade detrocas entre o sagrado e o profano com umasensação de camaradagem, “os eventosmarcados pela motivação do divino e reali-zados sob a égide da igreja assumindo noBrasil um caráter conciliador entre a extre-ma formalidade e a extrema informalidade,no ambiente criado pelo próprio ritual.” (DaMatta). Desse modo, o respeito expresso pelacontinência verbal e gestual nos Açores aquise atenua e até em certos momentos desa-parece, acentuando a influência da culturanegra, inexistente nas ilhas portuguesas. Nocaso maranhense há, ainda, a considerar adiversidade da situação econômica dos pro-dutores do evento. Com estas simples cons-tatações deixamos o assunto, que apenasafloramos, à consideração dos cientistassociais.

A seguir apontaremos algumas das prin-cipais diferenças que observamos entre osfestejos no Maranhão e nos Açores.

Coroa e pomba. Enquanto lá o destaqueé para a coroa - símbolo de dignidade e po-der, e em forma de domo uma soberaniaabsoluta, para nós é a pomba – emblema decandura, de amor e de paz, ou seja, de con-vivência harmoniosa e fraterna entre oshomens, o que, no entanto, não dispensa ashonrarias à coroa, principalmente nos can-tos enaltecedores da “santa c’roa”.

No episódio de Pentecostes, diz a Bíbliaque, estando os apóstolos reunidos, de re-pente veio do céu um som como um ventoimpetuoso e encheu a casa e viram todos“línguas repartidas como de fogo e pousa-ram sobre cada um deles.” (Atos dos Após-tolos, 2.3) Nem coroa nem pomba. Na pas-sagem do batismo de Jesus (Mateus, 3.16)“eis que lhe abriu os céus, e viu o Espíritode Deus descendo como uma pomba e vin-do sobre ele.”. Há evidente superposiçãodos dois episódios e a conseqüente e natu-ral confusão que faz o povo. Quanto à co-roa, surge da profunda religiosidade de reise nobres que permitiu fazer uma réplica dacoroa portuguesa – a Coroa Real do Espíri-to Santo, como ensina Cascudo. “A coroado Imperador do Divino – diz – tão divul-gada nos domínios insulares portuguesese de onde veio para o Brasil com aparatocortejador e impositivo da “autoridade”divina simbólica é a velocidade inicial queirá influir em todos os folguedos brasileirosonde existir personagem coroado. Todo ociclo de Reisados, Congos, Congadas e Con-gados, coroação do Rei dos Congos, o mira-bolante Maracatu, receberam a poderosainfluência do Divino nos planos da indu-mentária e, notadamente, no uso da supre-ma insígnia real.” O que observou Cascudohá de se ter processado em sentido inversono ritual do Divino por influência dessacultura negra no Maranhão, haja vista asubstituição dos antigos foliões açorianospelas nossas caixeiras, com todas as impli-cações decorrentes, inclusive o “catimbódas caixeiras”, que encerra os festejos naCasa das Minas.

Nos Açores reserva-se toda uma salapara a armação do altar onde se exibem ascoroas e até o chão é forrado de seda limi-tando o acesso. A contemplação e o culto sefazem a certa distância, como vimos emRabo de Peixe. Nas casas maranhensespombas e coroas mostram-se no altar, é ver-dade, mas nas salas também se instalam ostronos em que se assentam o Imperador (ouImperatriz) e os Mordomos (Régio e Baixos).Nos Açores não existem os tronos e Impera-dor e Mordomos não gozam destes desta-ques especiais, inclusive porque vestidos àpaisana, de palitó e gravata comuns. E nãohá Imperatriz entre eles.

Nosso Imperador, além de coroa e cetro,ostenta regularmente farda e espada, faixae manto o que lhe confere foros de real auto-ridade. A corte, por sua vez, traja condizen-temente com a etiqueta do paço. Aqui tam-bém os Mordomos não conduzem varas,insígnias de juízes e vereadores camaristase membros das irmandades religiosas. Por-que nos Açores as festividades do Divinoestão a cargo das Irmandades e das Paró-quias enquanto aqui é de iniciativa de par-

C O N T I N U A Ç Ã O

ticulares ou das casas de culto afro-brasi-leiras, como a Casa das Minas e a CasaNagô. O mastro festivo goza de significadopreciso, ornamentado de frutos e flores, sím-bolo milenar de fertilidade e abundância,alvo de honraria especial (alvoradas) e láse resume em singela bandeira hasteadasem qualquer cerimônia à porta de cada fes-teiro.

No Brasil o Divino tornou-se tão popu-lar que, segundo consta, o título de Impera-dor (e não de Rei) dado a D. Pedro I o foipara separar no espírito do povo o Rei dePortugal do Imperador do Brasil.

Ainda uma circunstância pode ser aven-tada para discrepância observada nas duasfestividades: a constante ameaça dos vul-cões, cujos sinais ainda são visíveis por todaparte, requerendo maior religiosidade dopovo açoriano.

Assim vimos os festejos ao Divino Espí-rito Santo nas Ilhas e S. Miguel e Terceira,parecidos com os nossos, pois de lá, decer-to, nos vieram, com algumas diferenças,mas, principalmente (como nos custa con-fessá-lo!) com maior respeito e amor à tradi-ção, sem trios elétricos, farra e bebedeira,como vem acontecendo em Alcântara. Cu-rioso é que os políticos à caça de votos, nosdiscursos eleitoreiros pregam a preservaçãodas tradições maranhenses e são eles mes-mos que patrocinam e incentivam e partici-pam até de tais absurdas deturpações.

Na volta à Lisboa, a 20 de maio, ficamosno hotel Mercure – av. José Malhoa, 1884.

A terça-feira, 21, reservamos para pas-seio de dia inteiro em Évora, na van do Sr.Rui Pimenta (nosso conhecido da viagemanterior, há dois anos, Lisboa-Bilbao), e naexcelente companhia da Estér. Lá, visita-mos a Igreja de São Francisco, o TemploRomano, o Museu e a Capela dos Ossos,com sua sugestiva mensagem à entrada: “Osossos que aqui estamos pelos vossos espe-ramos”, e fomos almoçar no restaurante tí-pico “Guião”. Na volta fomos ver os Cro-meleques dos Almendres, “um dos primei-ros monumentos públicos da humanida-de”, o maior e dos mais importantes con-juntos megalíticos da Europa.

De volta a Lisboa fomos ainda ao belís-simo Museu do Azulejo, onde, finalmente,nos deparamos com a imagem de São Mar-çal (o patrono do encontro dos “bois”, nonosso subúrbio do João Paulo e percorre-mos, admirados, as oficinas da FundaçãoRicardo do Espírito Santo (encadernação,marcenaria, entalhamento, douração, etc.,etc.) Fizemos mais de 3 dezenas de fotos que,infelizmente, não cabem neste espaço.

Esta a nossa história, nossa impressão,sujeita a interpretações e reparos, pois comodiz o ditado, cada cabeça uma sentença.

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No ano de 2002 foram defendidos em SãoLuís alguns trabalhos de conclusão de cursosrelacionados com religião e cultura popular,apresentados como dissertações de mestradoou como monografias de conclusão de cursosde graduação. São os seguintes os trabalhosque temos conhecimento nesta área.

DISSERTAÇÕES DE MESTRADO

01. Valéria Maria Lameira - Tambor deCrioula: um estudo do erótico femini-no na cultura maranhense. São Luis:UFMA/UERJ. Dissertação de Mestrado em Psi-cologia e Práticas Sócio-Culturais. 120 pags.Ilustr. Banca: Dra. Regina Glória Nunes An-drade (Orientadora), Dra. Maria Lúcia Seidl deMoura e Dra. Mundicarmo Ferretti.

O estudo objetiva demonstrar os elemen-tos que compõem o processo de construção daidentidade cultural do grupo de tambor decrioula “Poderoso e glorioso São Benedito”,dirigido por Leonardo Martins, do bairro daLiberdade em São Luís. A etnografia e análiseda constituição da identidade cultural, sob oolhar de teorias contemporâneas, permitiuexplicar o caráter erótico, especificamente, oerótico feminino, expresso na dança do tam-bor de crioula, considerando as relações entreo sagrado e o profano, tradição e modernida-de, memória e imaginário.

02. Wânia Suely Santos da Silva - Sobre aidentidade cultural como construçãodiscursiva: um estudo do carnaval emSão Luís do Maranhão. São Luís: UFMA/UERJ. Dissertação de Mestrado em Psicologiae Práticas Sócio-Culturais, 122 pags Ilustr. Ban-ca: Dra. Regina Glória Nunes Andrade (Orien-tadora), Dr. Ronald Arendt; Dr. Sergio Ferretti

O trabalho objetiva estudar a identidadecultural a partir de um enfoque discursivo, des-cartando análise essencialista da categoria.Recorre ao conceito psicanalítico de identifica-ção, a fim de fundamentar o estudo das identi-dades constituídas na relação com o outro,apontado para uma perspectiva de construçãoe relacionando o campo discursivo ao psicana-lítico. Elege o carnaval de São Luís do Mara-nhão como recorte para pensar a questão. Talescolha a principio foi motivada pelo movi-mento contemporâneo de resgate de brinca-deiras que caracterizavam o reinado de Momona cidade, sobretudo nas décadas de 40 a 60.Tais brincadeiras estavam sendo revitalizadas,movidas por discursos que as reconhecem en-quanto representantes da identidade carnava-lesca da cidade, dizendo, portanto, algo acercado evento que promovia efeitos na população.

Enfoca-se o carnaval entendendo-o comouma manifestação que apresenta narrativas.Buscam-se estas narrativas percebendo-se ocarnaval submetido a um processo de signifi-cação que se dá na linguagem e não fora dela.Desenvolve-se assim um estudo acerca da iden-tidade carnavalesca da cidade através dos dis-cursos de seus foliões. O recorte empírico da

Trabalhos sobre religião e cultura popularpesquisa foi o bairro da Madre de Deus, reco-nhecido na cidade como local festeiro e carna-valesco. Entrevistam-se moradores da comu-nidade envolvidos com o evento. A identida-de carnavalesca da cidade se deu através dediscursos que se cruzam e outros que foramantagônicos, não havendo, portanto, unifor-midade nesses discursos.

MONOGRAFIAS DE CONCLUSÃO DECURSOS DE GRADUAÇÃO:

01. Herliton Rodrigues Nunes - As come-morações do 13 de maio na imprensamaranhense e o dia do Preto Velho emterreiros de São Luís. São Luís; UEMA, 2002,62 pags. Ilustr. Monografia de conclusão doCurso de Graduação em História. Banca: Dra.Mundicarmo Ferretti (Orientadora), ElizabethSousa Abrantes e Paulo Roberto Rios Ribeiro.

Estudo sobre a comemoração do 13 demaio, dia da abolição da escravidão em jor-nais maranhenses de 1888 a 1923 e sobre festasde Preto Velho observadas em terreiros de re-ligião afro-brasileira de São Luís. Analisa adiscriminação religiosa sofrida pelos negros,as estratégias de branqueamento por eles uti-lizadas e o esforço que vem sendo feito pelaslideranças do movimento negro para substi-tuir as comemorações do 13 de maio pelas do20 de novembro, considerado dia da morte deZumbi. Compara as festas de Preto Velho ob-servadas no terreiro de Jorge de Itacy, no bair-ro da Fé em Deus, e no terreiro Tenda de N.Sra. da Guia Cabana de Preto Velho, localiza-do no bairro de São Cristóvão e dirigido pelopai-de-santo Odilon Vieira de Moraes, naturalde Codó. Mostra que em terreiros maranhen-ses o Preto Velho, continua sendo enaltecidocomo símbolo de resistência de um povo quesobreviveu mesmo com a dureza da escravi-dão e que ansia por dias melhores.

02. Karla Cristina Viegas Santos - Umban-da e Pentecostalismo: alternativas reli-giosas populares no Maranhão. São Luís:UFMA, 2002, 106 pags. Monografia de conclusãode curso de graduação em Ciências Sociais. Ban-ca: Dr. Sergio Ferretti (Orientador), Dra. Mundi-carmo Ferretti, Dr. Norton Figueiredo Correa.

Trabalho que analisa e descreve a umban-da e o pentecostalismo como alternativas reli-giosas que tentam responder a necessidades eatender aos anseios humanos, destacando osrituais, as crenças e os valores atribuídos a cadauma. A monografia estuda a Tenda EspíritaDivino Mestre, localizada no bairro da For-quilha, em São Luís, fundada pelo pai-de-san-to Leopoldo Nunes Neto. Fala sobre a casa, asprincipais entidades espirituais cultuadas, so-bre os tambores e os tocadores e descreve al-guns rituais observados. Fala sobre o pente-costalismo no Brasil, sobre a Igreja Universaldo Reino de Deus e sobre a Assembléia de Deusdos Últimos Dias, descrevendo alguns rituais.Apresenta uma análise do adestramento docorpo nas duas religiões estudadas e analisahistórias de conversões.

03. Marilande Martins Abreu - SincretismoReligioso: Tambor de Mina e Espiritismo.São Luís: UFMA, 2002, 81 pags. Monografia deconclusão do Curso de Ciências Sociais. Banca:Dr. Sergio Ferretti (Orientador), Dra. Mundicar-mo Ferretti, MS José Antônio de Carvalho.

O trabalho discute o espiritismo e o tam-bor de mina através o estudo de algumas casase rituais. Faz apresentação e análise do terrei-ro de Margarida Motta, do Bairro do Lira, emSão Luís, dirigido por Dona Vicência, e do ter-reiro do Justino, no Bairro do Bairro da VilaEmbratel, fundado em fins do século XIX e di-rigido por dona Mundica Estrela. Em cada casafala sobre a história do terreiro, o calendáriodas festas, as principais entidades cultuadas e ahistória de suas chefes. Apresenta o ritual cha-mado de Mesa Branca realizado nessas casas,que tem influências do espiritismo kardecista.Compara a mesa branca nos dois terreiros e,na perspectiva de Herskovits, os consideracomo uma reinterpretação do sincretismo re-ligioso no estudo da mudança cultural.

04. Antônio Honady Furtado Cunha - Pe-dra de Encantaria: um estudo etnográfi-co de um terreiro de tambor de mina emSão Luís. São Luís: UFMA, 2002, 62 pags Ilust.Monografia de conclusão do Curso de CiênciasSociais. Banca: Dr. Sergio Ferretti (Orientador),Dra. Mundicarmo Ferretti, Dr. Álvaro Pires.

Monografia que realiza um estudo etno-gráfico do terreiro de tambor de mina Pedrade Encantaria, localizado no Bairro do Maio-bão, no município de Paço do Lumiar, funda-do e dirigido pelo pai-de-santo José Itaporan-di. Destaca a história do pai-de-santo, a histó-ria da casa, seu calendário. Discute a organiza-ção do terreiro que se define como mina-nagô,sua hierarquia, atividades de assistência e prin-cipais rituais realizados, apresentando descri-ção de três tipos de obrigações e festas assisti-das: o ritual de limpeza para Egun, a festa deCosme e Damião e a obrigação de Acossi.

05. Maria Ivana César de Oliveira - Práti-cas de cura num terreiro de mina. SãoLuís: UFMA, 2002, 66 pags. Ilustr. Monografiade conclusão do Curso de Ciências Sociais.Banca: Dr. Sergio Ferretti (Orientador), Dra.Mundicarmo Ferretti, Dr. Álvaro Pires.

Monografia que realiza estudo sobre prá-ticas de cura de males físicos e espirituais noterreiro de tambor de mina, de Mamãe Oxume Pai Oxalá, localizado no bairro da Vila Novae dirigido pelo pai-de-santo João Gualbertoda Cruz Souza. Narra o histórico da casa e dopai-de-santo, o calendário das festas e refere-se a práticas de cura na casa, analisando a roti-na de atendimento aos clientes, os tipos de tra-tamentos espirituais realizados, comenta a se-ção de caboclo, a seção astral, e o tambor decura ou pajelança. Comenta um caso de curarealizado na casa.

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NOTiCIASRealizou-se na última quinzena de novem-

bro, por iniciativa da Sociedade Brasileira de Psi-cologia Analítica (SBPA), o XVI MOITARÁ, sob otema BUMBAMEUBOIBUMBÁ – RUMINAÇÕESEM TORNO DA CULTURA BRASILEIRA.

Foram palestrantes: Marcos Henrique Pen-no Callia, médico psiquiatra, analista junguia-no e membro da SBPA (O Touro Mítico do Ima-ginário Brasileiro”); Carlos Amadeu BotelhoByington, médico psiquiatra, analista jungui-ano e membro fundador da SBPA (A fundaçãoestruturante do sacrifício e o processo de hu-manização); Maria Laura Cavalcanti, antropó-loga, professora de pós-graduação em Socio-logia e Antropologia do Departamento de An-tropologia Cultural do Instituto de Filosofia eCiências Sociais da UFRJ (A brincadeira e omito do boi no Brasil); Carlos Orlando Rodri-gues de Lima, historiador e folclorista, mem-bro da Comissão Maranhense de Folclore e doInstituto Histórico e Geográfico do Maranhão(Bumba-meu-boi do Maranhão); Zelinda Ma-chado de Castro e Lima, pesquisadora e folclo-rista, membro da Comissão Maranhense deFolclore (Conversa sobre Cultura Popular);Edilene Matos, doutora em Comunicação eSemiótica; atualmente desenvolve pesquisa depós-doutorado FAPESP/IEB-USP (As estóriasde boi na literatura popular); Sandra GuardiniT. Vasconcelos, professora associada do Depar-tamento de Letras Modernas FFCH, livre do-cente em Literatura pela USP (Histórias de boiem Guimarães Rosa); Telê Ancona Lopez, pro-fessora-associada do Instituto de Estudos Bra-sileiros e da Faculdade de Filosofia, Letras eCiências (O boi em Mário de Andrade); Fran-cisca Éster de Sá Marques, professora da Uni-

versidade Federal do Maranhão, mestre emComunicação e Cultura pela Universidade deBrasília e doutoranda pela Universidade NovaLisboa, Portugal (Mídia e experiência estéticana Cultura Popular); Renata Barbosa Ferraz,médica psiquiatra pelo HC-FMUSP, psicotera-peuta junguiana e trainee da SBPA (Psiquiatriae a mítica da Ressurreição); Paulo Vicente Blo-ise, psiquiatra, analista junguiano, membro daSBPA e coordenador do Ambulatório de Criseda UNEFESP (O boi e o processo da individua-ção); Toninho Macedo, folclorista, organiza-dor do evento Revelando São Paulo, da Secre-taria da Cultura-SP e líder do Grupo Folclóri-co Abaçaí (Os bois em São Paulo); André PaulaBueno, músico, pesquisador e professor; autordo livro CD “Bumba-boi maranhense em SãoPaulo” e bolsista de doutorado em LiteraturaBrasileira pela USP (Aspectos da música dosBumba-meu-bois); Tião Carvalho, cantor ecompositor maranhense, fundador e diretordos Grupos de Danças Brasileiras Cupuaçu eSaia Rodada (O morro do Querosene); e Deni-se Gimenez Ramos, psicóloga, analista jun-guiana da SBPA e vice-presidente da IAAP(Costurando o Moiatará). Houve, ainda, dis-cussão geral e troca com todos os participan-tes, abertura com pré-moitará e oficina do boi,com Tião Carvalho e o grupo Cupuaçu, e co-quetel de lançamento da revista JUNGUIANA.Carlos e Zelinda Lima representaram a Co-missão e receberam da SBPA as mais efusivasdemonstrações de carinho. Agradecimentos daComissão Maranhense de Folclore e votos decrescentes êxitos à Sociedade Brasileira de Psi-cologia Analítica, na pessoa dos Drs. MarcosCallia e Marcos Fleury.

Calendário de festas e rituaispúblicos de terreiros de São Luís

A FUMTUR encomendou ao Grupo dePesquisa “Religião e Cultura Popular” daUFMA, dirigido pelo professor Sergio Fer-retti, um levantamento de calendário de fes-tas e rituais públicos realizados em trintaterreiros de São Luís. O trabalho foi coorde-nado pela professora Mundicarmo Ferrettie realizado por Herliton Nunes, Jacira Pa-vão da Silva, Marilande Abreu e CristinaMaria Mousinho. A pesquisa teve comoprincipal objetivo fornecer dados aos técni-cos e funcionários da FUMTUR para infor-mar aos visitantes de São Luís, ligados ouinteressados em religião afro-brasileira eumbanda, as atividades programadas emterreiros da capital durante sua permanên-cia na cidade. Tal como a Bahia, o Mara-nhão é berço de tradições religiosas afro-brasileiras, destacando-se em São Luís o“Tambor de Mina” jeje, Nagô e outros mo-delos mais sincréticos, influenciados pelosprimeiros e pelo “Terecô” de Codó, outradenominação religiosa de origem africanaorganizada em nosso Estado.

Homenagem ao Tambor de Crioula

O Studio V - Filme, Vídeo, Áudio e a V C R- Comunicações e Marketing lançaram emSão Luís, no dia 12 de dezembro de 2002,no Convento das Mercês, uma coleção detrês CDs e um vídeo. Trata-se de homena-gem aos mestres de tambor de crioula Leo-nardo, Felipe e Chico. A coleção tem o títu-lo: O calor do tambor de crioula do Mara-nhão dá o tom à cultura popular. Acompa-nha os CDs um livreto com letras das músi-cas, fotos, informações sobre os homenage-ados e a ficha técnica. Cada CD tem de deza doze faixas. Conforme divulgação na im-prensa, os direitos autorais da obra foramdados a Felipe, Chico e Leonardo, e cadaum dos três mestres recebeu 500 discos paracomercialização. O vídeo foi dirigido porCícero Silva e tem o título: A Magia Percus-siva dos Tambores de Crioula. Apresentadepoimentos dos três mestres com detalhestécnicos sobre como tocar tambor de criou-la. Participam do vídeo outros artistas comoo percursionista Erivaldo Gomes, o compo-sitor Sérgio Habibe, a cantora Rosa Reis, acoreira Dona Mundica, esposa de MestreFelipe e o professor de Música Joaquim San-tos, que dá uma aula sobre a grafia da mú-sica de tambor de crioula. O pátio do Con-vento das Mercês, onde ocorreu o lançamen-to, recebeu bonita decoração realizada porCláudio Vasconcelos. O lançamento desseconjunto de vídeo e CDs representa bonitae merecida homenagem a três importantesmestres do tambor de crioula de São Luís econtribui para a valorização dessa mani-festação cultural de origem africana do Ma-ranhão.

XVI MOITARÁ

CD: Baião de PrincesasNa noite de 13 de dezembro, na fonte do Ribei-

rão, instrumentos e vozes da Casa Fanti-Ashantise misturaram aos do grupo de artistas paulistaA Barca numa apresentação de músicas tradicio-nais do Baião – ritual realizado em terreiros dereligião afro-brasileira de São Luís. O espetáculomarcou o lançamento do disco Baião de Prince-sas, que teve direção e produção e musical deRenata Amaral e Lincoln Antonio. O disco foi gra-vado ao vivo em apresentação musical realizadaem São Paulo, abril de 2002, no Espaço Cachuê-ra!, pelo estúdio móvel Pôr do Som. Quatro dassuas 28 faixas cantadas pelos integrantes da CasaFanti-Ashanti ou da Barca (2, 3, 5 e 26) fazemparte do repertório do LP Tambor de Mina, Curae Baião na Casa Fanti-Ashanti, premiado no pri-meiro Plano Fonográfico da SECMA (1991), quebreve deverá ser reeditado em CD. As músicas doreferido LP foram gravadas em contexto ritual,pela pesquisadora por Mundicarmo Ferretti, comapoio da UFMA e da FUNARTE, no Baião reali-zado em 1986, pela Casa Fanti-Ashanti. De acor-do com Pai Euclides e pessoas que, como ele, co-nheceram o terreiro do Egito, e outros que tam-bém já desapareceram de São Luís, o Baião sur-giu no terreiro do Egito onde era dançado no dia

13 de dezembro, na Festa de Santa Luzia, antes dotoque de mina, por encantados e pessoas da assis-tência por eles convidadas. As letras das músicasdo Baião são em português e muitas delas fazemparte do repertório cantado no Brinquedo de Cura,ritual ligado à pajelança, realizado em muitos ter-reiros da capital maranhense. Com esse trabalho, ogrupo A Barca dá mais uma contribuição para oregistro e divulgação da cultura popular maranhen-se. Contudo, no folheto que acompanha o CD, otexto de Marcus Vinícius de Andrade (que assu-miu a direção artística e produção do disco), apre-sentando a Casa Fanti-Ashanti como uma das maisimportantes referências sobre a presença da cultu-ra Jeje do Brasil, reforça uma idéia lançada no ví-deo Na rota dos Orixás que pode confundir os pou-co familiarizados com as tradições religiosas afro-brasileiras herdadas dos Jeje, Nagô, Banto e com aprópria tradição da Casa Fanti-Ashanti. Como foiregistrado em várias obras publicadas sobre a CasaFanti-Ashanti, ela surgiu de um grupo que se reu-nia em torno de Pai Euclides, então conhecido comocurador, para realizar rituais de “passagem” deencantados e Tambor de Borá (Canjerê), que, talcomo o Baião, não parecem remontar à cultura Jejeou ao antigo reino do Daomé.

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Queimação de Palhinhas

O Centro de Cultura Popular DomingosVieira Filho realizará, nos dias 16 e 17 de janei-ro do próximo ano, a sua tradicional progra-mação de queimação de palhinhas do presé-pio, que, repetindo a experiência do ano passa-do, foi montado no Paço da Quaresma locali-zada na Rua João Vital de Matos.

Da programação constam apresentações degrupos natalinos, no dia 16, e uma ladainha,no dia 17, rezada por Dona Teté com o acom-panhamento da cantora Rosa Reis e do grupoLaraiá, do maestro Francisco Pinheiro, que tam-bém fará uma apresentação musical para osconvidados.

Este ano, os grupos a se apresentarem noCentro de Cultura Popular - Casa da Festa (ruado Giz) são o Pastor Y Bacanga, da UnidadeIntegrada Y Bacanga, localizada no bairro Anjoda Guarda e o Reis das Flores, de Tajaçoaba.

O pastor é um grupo novo. Criado em 2001como uma iniciativa da diretora da escola, Lour-dimar Sales, o grupo vem se destacando pelabeleza e competência dos organizadores e dosparticipantes do auto natalino.

O Reis das Flores é organizado por DalvinaCarvalho Reis e se apresentou como um dosmais bonitos grupos natalinos do ano de 2002.

Programação Natalina

O mês de dezembro do ano de 2002 serámarcado por uma grande programação natali-na promovida pelo Governo do Estado, atra-vés da Fundação Cultural do Maranhão, sob acoordenação do Centro de Cultura PopularDomingos Vieira Filho.

Dentro da programação de Natal haverá, nodia 21, a IV Cantata Natalina, envolvendo 7grupos de canto coral adulto (São João, Antô-nio Rayol, Colun Vox, ICBEU, Arte e Canto,UFMA e Vocal Santa Cecília), que farão con-certos nas igrejas da Sé, Rosário, Santo Antô-nio, São João, Santana, Carmo e Desterro, e 3grupos infanto-juvenis (São João Infantil, Kid’sVoices in Harmony e Encantando com as Mãos),que cantarão na Praia Grande.

Os corais adultos, após o concertos em suasrespectivas igrejas, seguirão em cortejo pelasruas do Centro Histórico até a Praia Grande,acompanhados pela Banda do CINTRA e perso-nagens dos grupos de reis e pastores, onde, comos corais infanto-juvenis, farão um grande con-certo final celebrando a chegada do Natal.

Nos dias 26 e 27, haverá cortejos com gru-pos natalinos de São Luís e, no dia 28, estarãona cidade grupos natalinos do interior. Os cor-tejos sairão do Largo do Desterro percorrendoas ruas da Palma, 14 de julho e 28 de julho emdireção à Praia Grande para apresentações dosgrupos na praça Nauro Machado.

Participarão dos cortejos de São Luís os gru-pos Pastoral Filhas de Belém, de Maria dasDores Pereira - Dona Dorinha (do Rio Anil);Pastor do Menino Deus, de Aliete Ribeiro de

Sá - Dona Lili (do João Paulo); Pastor Estrelado Oriente, de Elzita Martins Coelho (do Saca-vém); Pastor Filhas do Oriente, de Maria As-censão Diniz (da Cohab); Pastor Y Bacanga,coordenado por Lourdmar Sales (do Anjo daGuarda); Pastor Estrela Guia, coordenado porMaria da Graça Cunha (do Anil); Reis do Ale-crim, de Honorina Algarves (do Maracanã);Reis Sempre Viva, de Joana Bernardes (do Ma-racanã); Reis das Flores, de Aldenora Canta-nhede (de Porto Grande), Reis das Flores, deDalvina Carvalho (de Tajaçoaba); Reis Orien-te, de Domingos Tourinho (do Cruzeiro doAnil) e Reisado Folias de Natal, de WilliamMoraes Correia (do Centro).

Do interior virão os grupos: Pastor de Pe-nalva, de Joana Salgado; Pastor de Guimarães,de Maria da Graça Guerreiro; Pastoral Estrelade Belém, de José Carlos Lobato (Morros); Rei-sado de Brejo, de Maria de Nazaré Oliveira;Reisado Careta, de Maria da Conceição da Sil-va, Maria Filomena da Silva e Manoel da Con-ceição (de São João do Sóter) e Marujo, de Se-bastião Santos Ferreira (de Caxias).

Casa da Festa

Será reaberto, no dia 20 deste mês, o módu-lo 1 do Circuito de Exposições do Centro deCultura Popular Domingos Vieira Filho, como nome de Casa da Festa, localizada na rua doGiz. A divisão do Circuito de Exposições emmódulos ocorreu a partir da inauguração daCasa do Maranhão, no mês de março, quandoo acervo de bumba-meu-boi do CCPDVF foitransferido para o Pavilhão do Boi, no andarsuperior da Casa, inaugurando o segundomódulo do Circuito.

Depois o CCPDVF ganhou um sobrado deazulejos com três pavimentos na rua Portugal,onde foi montado o módulo 3 do Circuito, nadenominada Casa de Nhozinho, que abriga oacervo relacionado ao cotidiano do povo ma-ranhense, com exposições que mostram as téc-nicas de produção da cultura material do ma-ranhense no seu dia-a-dia, que vão de minia-turas e tipos populares até artefatos de grandeporte, como veículos de locomoção, e constru-ção civil.

Na Casa da Festa está exposto o acervo dafesta do Divino Espírito Santo, Carnaval, fes-tas natalinas, danças populares, festas de san-tos e ritos de origem afro-brasileira como otambor de mina, umbanda e cura.

Arvoredo V

O Centro de Cultura Popular DomingosVieira Filho, promove, dentro da programaçãonatalina deste ano, o concurso Arvoredo, queno ano de 2002 está na sua quinta versão, com otema “Uma árvore com raiz maranhense”.

A proposta do Arvoredo V é suscitar umprocesso de reflexão-ação sobre o Natal, in-centivando artistas, artesãos e pessoas interes-sadas, maranhenses ou não, a conceberem, com

materiais alternativos, formas criativas de ár-vores natalinas.

Os participantes do concurso estarão con-correndo a três prêmios em dinheiro, nos va-lores de R$ 700,00 (setecentos reais), R$ 500,00(quinhentos reais) e R$ 300,00 (trezentosreais), para o primeiro, segundo e terceiro lu-gares, respectivamente.

Bumba-meu-boi maranhense no Museu Edison Carneiro

O artesanato maranhense produzido para abrincadeira do bumba-meu-boi é o tema daexposição “Fé e Festa: o bumba-meu-boi doMaranhão”, aberta no dia 31 de outubro, naGaleria Mestre Vitalino do Museu de FolcloreEdison Carneiro.

A exposição, que fica aberta a visitação pú-blica até o mês de fevereiro de 2003, teve comomaterial de apoio um catálogo com texto so-bre o bumba-meu-boi, ilustrado com fotogra-fias, e que destaca os aspectos da brincadeira.além do processo de trabalho dos artesãos. Aexposição foi montada no Museu como partede uma parceria entre o Centro Nacional deFolclore e Cultura Popular - CNFCP com oCCPDVF, órgão da Fundação Cultural do Ma-ranhão.

De acordo com a proposta do CNFCP, ór-gão da FUNARTE/Ministério da Cultura, aexposição é uma edição da Sala do Artista Po-pular voltada para a mostra e comercializaçãode peças produzidas por artesãos maranhen-ses A exposição destaca os cinco sotaques dabrincadeira mais conhecidos em São Luís: cos-ta-de-mão, zabumba, Baixada, matraca e or-questra.

Participam da exposição no Museu EdisonCarneiro os grupos de bumba-meu-boi: DoisIrmãos (zabumba), de Dona Zeca, do Bairro deFátima; do Bairro Novo (costa-de-mão), de JoãoSantos Pimenta, da Vila Conceição; Caprichodo Bom Jesus (Baixada), de Marcelino Concei-ção, do Bom Jesus; Encanto da Ilha (orquestra),de Justina Rodrigues Baima, do Goiabal; Ma-racanã (matraca), de Humberto Barbosa, doMaracanã; e Fé em Deus (zabumba), de Terezi-nha Jansen, da Fé em Deus.

Para a exposição foram enviados instrumen-tos, indumentárias e artefatos do bumba-meu-boi. Dentre as peças expostas estão: pandei-rões, matracas, pandeiros, tambores-onça, pan-deirinhos, zabumbas, maracás, tambores defogo e tamborinhos; indumentárias de cabo-clos de pena, cazumbas, bailante, rajados, va-queiro de fita, vaqueiro campeador, índio (so-taque da Baixada), índias (sotaques de orques-tra, matraca, Baixada e Costa-de-mão) e vaquei-ros (sotaques de orquestra, zabumba, matracae Baixada); e couros de boi (sotaques de za-bumba e matraca), bois (sotaques da Baixada,costa-de-mão, zabumba e orquestra), chapéude fita, vara de ferrão, chapéu de vaqueiro eboizinho (sotaque de orquestra).

NOTiCIAS

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Perfil Popular

F U N C M ACentro de Cultura PopularDomingos Vieira Filho

Enedina Oliveira Arouche nasceu em SãoLuís, em maio de 1912. É vodunsi de Jogoro-bossu, filho de Zomadonu, o dono da Casa dasMinas. De acordo com a tradição da Casa, Jo-gorobossu tem dois irmãos gêmeos mais ve-lhos do que ele, Toçá e Tocé, recebidos por duasde suas irmãs. Os três são ´toquenos´ e, comotal, são encarregados de chamar os outros.Como Jogorobossu é mais novo do que aque-les e eles são associados a Cosme e Damião, éconsiderado ali o Doum.

Enedina é a caçula de uma família de 16irmãos. Baixinha, ágil, ativa, alegre e decidida,marca presença onde quer que chegue. Em tran-se com Jogorobossu, Enedina fica ainda maisespontânea, acentuando os traços de sua per-sonalidade, daí se dizer que ela parece muitocom ele, até mesmo em seus acessos de raiva.Com efeito, apesar de muito comunicativo ebrincalhão, Jogorobossu, quando indignado,pode se tornar muito violento e ameaçador.

Tem pele morena e cabelo levemente on-dulado. Conta que sua mãe tinha olhos azuis epele clara. Descendia de escravos cambinda dafamília do Barão de Itapary, a quem era ligadapor laços de parentesco, pelo lado bastardo.Sua mãe casou duas vezes e teve vários filhos.Primeiro com um feitor, um negro alforriado,e depois com um farmacêutico, de origem bi-jagó, cujos pais foram escravos, com quem teveEnedina e mais 5 filhos.

Quando Enedina começou a dançar comvodum, suas 6 irmãs já eram vodunsis e váriosdos seus irmãos eram ´huntó´ (tocadores detambor) da Casa das Minas. Teve ali duas ir-mãs (Caetana e Dedé) e uma tia (Filomena)que eram vodunsis gonjaí (com iniciação com-pleta). A primeira a receber vodum em sua fa-mília foi Caetana, que dançou com 6 ou 7 anosde idade. Ela foi ´preparada´ ainda mocinha,mas não teve vida longa, como muitas pessoasde sua família.

Enedina trabalhou em São Luís e no Rio deJaneiro como arrumadeira e camareira de na-vio na Loyde, empresa de navegação, por ondese aposentou. Teve 6 filhos, um deles sabia to-car o tambor pequeno e sua filha, falecida em2001, sabia cantar para vodum, pois, quandocriança, morou 2 anos na Casa das Minas. Nadécada de 1930, saiu de sua terra para o Rio deJaneiro, onde reside ha muitos anos, deixandoos filhos com o pai, ausentando-se de São Luíspor muito tempo. Depois da morte daquele,levou os filhos para o Rio e passou a vir mais

Mundicarmo Ferretti*

Ened ina Arouche , a voduns i mais ant i ga da Casa das M inas

freqüentemente a São Luís, chegando algumasvezes a permanecer ali por longo período. Daúltima vez que esteve em sua terra, em 1999,passou 8 meses na Casa das Minas. Reside noRio de Janeiro com uma neta e dois bisnetos,recebendo o apoio e apoiando outros familia-res. No Rio costuma receber a visita de paren-tes e de amigos, entre ela a de Dulce Pastor,uma maranhense que, como ela, migrou parao Rio de Janeiro, que é por eles apresentadacomo ´assissi´ (amiga) de Jogorobossu. Costu-ma também receber ali a visita do seu vodum,que é sempre invocado por ela, por parentes eamigos e que, segundo ela, está sempre “ro-gando a Deus” por eles.

Enedina considera a Casa das Minas dife-rente dos demais terreiros, por ser do Daho-mé, por cultuar voduns de várias famílias eporque nela quem “trabalha” é o vodum evodum não cobra nada pelo que faz. Fala quemuitas pessoas da Casa das Minas vieram parao Rio de Janeiro, entre elas a sua irmã Basílica,que recebia o vodum Bossucó, e um filho deuma vodunsi de Zomadonu, que reside atual-mente em Niterói, que sabia tocar tambormuito bem. As vodunsis da Casa das Minasque migraram para aquela cidade, recebiam aliseus voduns, faziam algumas obrigações, quan-

do solicitadas por eles, mas não foram autori-zadas a abrir outra casa de Mina. E, como seusvoduns só trabalham na Casa das Minas, tinhamsempre que voltar a São Luís, mandar uma con-tribuição para as obrigações e deixar alguémencarregado de tomar providências para nãofaltar luz no ´come´ ou ´vodumcome´ (quartode santo) para a sua entidade espiritual.

Enedina fala que, quando começou a dan-çar Mina, a Casa das Minas tinha muitas filhas e aroda das vodunsis ocupava toda a varanda. Lem-bra que a Casa se comunicava com terreiros deSalvador, Manaus, Alagoas e que visitava em SãoLuís, além da Casa de Nagô, os terreiros do Cu-tim (de Noemia), do Apeadouro (de Vó Severa) eo de Cota do Barão. Fala que algumas vezes osvoduns da Casa das Minas vinham em suas vo-dunsis em outros terreiros, mas que, quando issoacontecia, não demoravam muito ali e iam logopara a Casa das Minas. Lembra também de terouvido falar que o vodum Agongono, hóspedede Zomadonu na Casa das Minas, que não é Jeje eé de Savalu, veio no terreiro do Cutim e pediu aZomadonu para trazer para a Casa das Minas oseu filho Jotim, hoje recebido por dona Roxinha erepresentando na Casa a família de Zomadonu.

Ouviu também contar que a Casa das Mi-nas começou na rua de Santana, quando aque-la área ainda não era urbanizada, e que quan-do se transferiu para a Rua de São Pantaleão,contou com a colaboração de papai César, queteve terreiro perto da Casa das Minas, a que,segundo Dona Deni, foram ligadas as mães-de-santo conhecidas por Mundica Tainha e Ra-imunda Porca. Lembra que, no passado, na Casadas Minas, homens também recebiam vodum,embora não dançassem com eles e que todosos tocadores eram preparados. Um deles, Basí-lio, que foi ´huntó chefe e que tocava o tamborgrande, recebia Tio Daco.

Enedina fala com convicção que a Casa dasMinas é do Dahomé, que tem voduns da famí-lia real e que Zomadonu, o dono da Casa, éafricano, tem 5 filhos e que na casa das Minasnão é doente e nem conhecido como o prote-tor de crianças que nascem com defeito. Emsua opinião a Casa das Minas pode voltar a termuitas filhas e contar com a colaboração demuitos assissis, se os voduns forem bem ali-mentados, mas para chamar os voduns a Casaprecisa de ´toqueno´, como Jogorobossu, pois´toqueno´ é quem chama vodum. Por essa ra-zão, ela precisa voltar à Casa o quanto antes,pois o “seu senhor” é atualmente o único ´to-queno´ verdadeiro da Casa.

* Professora Doutora da UEMA e Pesquisadora de Religiosidade Afro-brasileira.