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Boletim 45 / dezembro 2009 1 COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF SUMÁRIO BOLETIM DA CMF Nº 45 DEZEMBRO 2009 ISSN: 1516-1781 CNPJ 00.140.658/0001-07 DIRETORIA 2009-2011 Presidente: Lenir Pereira dos S. Oliveira Vice-presidente: Maria da Glória G. Correia 1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros 2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti 1ª Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite 2ª Tesoureiro: Roza Maria dos Santos CONSELHO EDITORIAL Ca Ca Ca Ca Carlos Orlando de Lima rlos Orlando de Lima rlos Orlando de Lima rlos Orlando de Lima rlos Orlando de Lima Lenir P enir P enir P enir P enir Pereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S. Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P. de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima EDIÇÃO Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos DIAGRAMAÇÃO: Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva VERSÃO INTERNET: www www www www www.cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br Correspondência COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO Rua P Rua P Rua P Rua P Rua Portugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – Praia Grande raia Grande raia Grande raia Grande raia Grande CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF Editorial ............................................................................................................................................ 2 Santa Barbara no Tambor de Mina ...................................................................................................... 2 Mundicarmo Ferretti Projeto Natal 2009 .............................................................................................................................. 3 SCP/SECMA No rastro do Tambor de Mina da Casa de Nagô .................................................................................. 4 Reisado Careta: uma visão da brincadeira ............................................................................................ 5 Paloma Sá de Castro Cornélio Bambaê: subsídios para a história de um baile popular ......................................................................... 9 Adriana, João Paulo e Menzair O movimento e o gesto na dança do Tambor de Mina ....................................................................... 13 Patricia Karla M. Mota Jurema, õ Juremê Juremá ................................................................................................................... 16 Mundicarmo Ferretti JANELA DO TEMPO – O Baralho vai passar .................................................................................. 17 Nonnato Masson RESUMOS E RESENHAS: Monografias, dissertações e teses defendidas ....................................... 17 GPMina NOTICIAS – Roza Santos ................................................................................................................................ 18 PERFIL POPULAR: Prenda de valor – dona Jaci ............................................................................. 20 Keyla Santana

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Boletim 45 / dezembro 2009 11

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

SUMÁR

IO

BOLETIM DA CMF Nº 45 DEZEMBRO 2009 ISSN: 1516-1781

CNPJ 00.140.658/0001-07

DIRETORIA 2009-2011Presidente: Lenir Pereira dos S. OliveiraVice-presidente: Maria da Glória G. Correia1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti1ª Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite2ª Tesoureiro: Roza Maria dos Santos

CONSELHO EDITORIALCaCaCaCaCarlos Orlando de Limarlos Orlando de Limarlos Orlando de Limarlos Orlando de Limarlos Orlando de LimaLLLLLenir Penir Penir Penir Penir Pereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos S. Oliveira. Oliveira. Oliveira. Oliveira. OliveiraMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol P. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de CarvalhoMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro Lima

EDIÇÃOMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos Santos

DIAGRAMAÇÃO:Riba SilvaRiba SilvaRiba SilvaRiba SilvaRiba Silva

VERSÃO INTERNET:wwwwwwwwwwwwwww.cmfolc lore.ufma.br.cmfolc lore.ufma.br.cmfolc lore.ufma.br.cmfolc lore.ufma.br.cmfolc lore.ufma.br

CorrespondênciaCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

CASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHORua PRua PRua PRua PRua Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Praia Granderaia Granderaia Granderaia Granderaia Grande

CEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoFone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951

As opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são de

inteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deseus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-

tendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMF

Editorial ............................................................................................................................................ 2

Santa Barbara no Tambor de Mina ...................................................................................................... 2Mundicarmo Ferretti

Projeto Natal 2009 .............................................................................................................................. 3SCP/SECMA

No rastro do Tambor de Mina da Casa de Nagô .................................................................................. 4

Reisado Careta: uma visão da brincadeira ............................................................................................ 5Paloma Sá de Castro Cornélio

Bambaê: subsídios para a história de um baile popular ......................................................................... 9Adriana, João Paulo e Menzair

O movimento e o gesto na dança do Tambor de Mina ....................................................................... 13Patricia Karla M. Mota

Jurema, õ Juremê Juremá ................................................................................................................... 16Mundicarmo Ferretti

JANELA DO TEMPO – O Baralho vai passar.................................................................................. 17Nonnato Masson

RESUMOS E RESENHAS: Monografias, dissertações e teses defendidas ....................................... 17GPMina

NOTICIAS – Roza Santos ................................................................................................................................ 18

PERFIL POPULAR: Prenda de valor – dona Jaci ............................................................................. 20Keyla Santana

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Boletim 45 / dezembro 200922

EditorialO numero 45 do Boletim da

Comissão Maranhense de Folcloreelegeu como temo tema central areligiosidade popular. Começa com umanoticia do culto a Santa Barbara nosterreiros de São Luis e com aprogramação natalina da SECMA,elaborada pela Superintendência deCultura Popular para o período de 07 deDezembro a 06 de Janeiro, com múltiplasatividades em vários pontos da capital.Noticia, a seguir, o lançamento deimportante estudo fotográfico e históricoda Casa de Nagô coordenado pelofotógrafo Marcio Vasconcelos eparticipado pelo jornalista Paulo MeloSousa e pela antropóloga MundicarmoFerretti.

Mudando o foco para o interior, oBoletim 45 apresenta um texto de PalomaCornélio sobre o Reisado Careta de Caxiasbaseado em dissertação de mestrado porela defendida na UFMA no ano de 2009.Traz em seguida um estudo realizado emPenalva, por três universitários, sobre oBambaê - uma dança de caixa ligada a Festado Espírito Santo -, durante estagioextracurricular na Superintendência deCultura Popular: Adriana Nascimento,João Paulo Soares Junior e MenzairAzevedo.

Continuando na tematicareligiosidade popular maranhense, oBoletim 45 divulga um trabalho dePatrícia Mota sobre a dança do Tamborde Mina, baseado em pesquisa realizadana Casa Fanti-Ashanti e um texto deMundicarmo Ferretti sobre caboclaJurema..

Em “Perfil Popular”, Keila Santanaapresenta Dona Jaci, caixeira-régia doDivino Espírito Santo na Casa das Minase de muitas outras Festas do Divino emSão Luís. Na seção “Noticias” foiregistrada a realização em São Luís, entreos meses de Setembro e de Dezembro, devários eventos na área de cultura porinstituições governamentais e nãogovernamentais. E, em “Resumos eResenhas”, o Boletim 45 da CMF divulgadois trabalhos acadêmicos defendidossobre reisado, a dissertação de PalomaCornélio e a monografia de FlaviaAndresa Menezes, e a dissertação demestrado de Juliana Manhãs sobrebumba-meu-boi. Na seção “Janela doTempo”, abrindo a temporadacarnavalesca, Nonnato Masson relembrao Baralho, brincadeira que saia em SãoLuís durante o Carnaval.

Esperando estar de volta em 2010,desejamos a todos um Feliz Natal e umano novo pleno de realizações.

Santa Bárbara,festejada no calendá-rio católico no dia 4de dezembro, temgrande importâncianas religiões afro-bra-sileiras devido a suaassociação a Iansã –entidade guerreira,esposa do orixá Xan-gô, que reina sobre osventos e as tempesta-des. No Maranhão,onde é invocadacomo padroeira doTambor de Mina e doTerecô, abre o calen-dário litúrgico, daíporque na noite de 4de dezembro cente-nas de tambores eco-am até altas horas.Segundo a pesquisa-dora Rosário Carva-lho, grande conhece-dora das tradições re-ligiosas de matrizafricanas no Mara-nhão, no Terreiro deBelém, no antigo bairro do Apea-douro, Vó Severa iniciava o toquede mina cantando para Santa Bár-bara e para Maria Barba Soeira asdoutrinas apresentadas a seguir:

Oh mãe da casaAjunta teu povoMamãe da casaAjunta teu povo

Divina Santa BárbaraVenha ver seu mundo, ai céu,Venha ver seu mundoE olha vem na carreiraVenha ver seu mundo, ai céu,Venha ver seu mundo

Bárbara Soeira,Barbara SoeiraBarbara Soeira,Maria Barbara Soeira

SANTA BARBARA NOTAMBOR DE MINA

Mundicarmo Ferretti1

1 Dra. em Antropologia; pesquisadora de religião afro-brasileira e membro da CMF.2 SANTOS, Maria do Rosário C. e SANTOS NETO, Manoel. Boboromina, São Luís: SECMA/

SIOGE, 1989, p. 37; 159

Mamãe das ondas do marÔ Bárbara vem rolando no rolo do marÔ lá vem Barbara nas ondas do marÔ Bárbara vem rolando no rolo do mar

Raiou mamãe Bárbara (bis).

De acordo com a mesma pesquisa-dora2, Vó Severa foi dançante da cen-tenária Casa de Nagô e do seu terreirosaíram importantes mães-de-santo ma-ranhenses como: Maximiana, que re-cebeu, em 1938, em seu terreiro do JoãoPaulo, a Missão de Pesquisa Folclóri-ca, criada em São Paulo por Mario deAndrade, e Maria Lopes, fundadora doTerreiro da Trindade (as tres já faleci-das), que preparou o conhecido pai-de-santo João Gualberto, o Joãozinho daVila Nova, que realiza uma bonita fes-ta para Santa Bárbara e Barbara Soei-ra quando costuma receber muitas pes-soas de Codó ligadas ao terreiro de Ie-manjá, de Mestre Bita da Barão.

Museu de São Bento - Salvador-BA

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Boletim 45 / dezembro 2009 33

Há aproximadamente 2009 anos nascia, na cidade de Belém da Judéia,

um menino muito especial, descendentedo Rei Davi, filho de Maria, esposa de José.Nascia o messias, tão esperado pelo povo,Jesus: um Deus que se fez carne e habi-tou entre nós, para nos trazer a paz, a ale-gria e a luz. Nunca um nascimento foitão bendito e louvado pela humanidade,as vozes dos anjos, dos pastores e dos ReisMagos ressoam ate hoje, em todas as lín-guas e em todas as extremidades do mun-do. O Natal tornou-se sinônimo de festa,é a festa do Menino Jesus, é a festa dealegria, é festa de luz. No Maranhão en-contramos muitas manifestações popu-lares que expressam a festa do Natal dediversas formas: os Pastores e Pastoras, osReis e os Reisados Caretas, os Bois de Reis,as peças e autos de Natal e os corais, queencantam e acalantam nossa noites e nos-sos dias de Dezembro, os Presépios e asLadainhas, as Queimações de Palhinhasque falam do ser maranhense, das tradi-ções dos nossos avós e dos nossos pais eque nos abrem horizontes de paz, de amore de fraternidade, o que podemos deixarde herança para as novas gerações. É nes-sa perspectiva que o Governo do Estado,através da Secretaria de Estado da Cultu-ra, promove o Projeto Natal 2009, dandoênfase as manifestações tradicionais deNatal com eventos relacionados a essa.

NATAL DE JESUS, FESTA DEALEGIA E LUZ

O Governo do Estado do Maranhão esob a coordenação da Secretaria de Estadoda Cultura/SECMA, através da Superin-tendência de Cultura Popular/SCP vemapresentando um diversificado conjuntode atividades artístico-culturais, momen-to de profundo sentimento de confrater-nização e convivência, neste período ondetoda humanidade renova seus votos deamor, fraternidade e devoção

O Projeto tornou-se grandioso a pon-to de ser considerado um dos pontos cen-trais da programação das famílias mara-nhenses no final do ano, assim tem-se al-cançado grandes resultados em termo dereceptividade e participação popular, con-tribuindo, assim, para a preservação e di-namização das nossas festividades natali-nas. Este ano com o tem: “Natal de Jesus,Festa de Alegria e Luz”, o Projeto preten-de dar ênfase as manifestações de grupos eartistas populares que dão um caráter todoespecial ao Natal do Maranhão: os Reis deSão Luís, os Pastores da Baixada, o Reisa-do Careta dos Cocais, os Presépios, as Pa-lhinhas e outras tantas manifestações ma-ranhenses que celebram a chegada do Cris-to ao Mundo, um mundo tão necessitado

de mensagens e gestos de amor e paz, dealegria e luz.

PROGRAMAÇÃO

VII CONCERTO PARA O MENINOConcerto de corais infantis com a par-

ticipação de 12 corais nas sacadas e emfrente a Associação Comercial na PraçaBenedito Leite.

Posto de arrecadação de alimentos paraentidades beneficentes.

Data: 07 de Dezembro, às 18:00h

EXPOSIÇÃO LAPINHA “FESTA DEALEGRIA E LUZ”

Exposição de presépios na Galeria Ze-linda Lima do Centro de Cultura PopularDomingos Vieira Filho, Passos da Quares-ma, Museu Histórico e Artístico do Mara-nhão, Palácio dos Leões, sede da Secreta-ria de Estado da Cultura e Mix Mateus eIgrejas Históricas.

Participação especial: Grupo Passapor-te

Data: 09 de Dezembroooo às 18:00hLocal: CCPDVF

CONCURSO E EXPOSIÇÃO ARVO-REDO XII “VIVAS AO MENINO-DEUS”

Concurso e Exposição de Arvores deNatal com Fabricação Artesanal na Gale-ria da Secretaria de Estado da Cultura

Participação especial: Pastor Estrela doOriente do Sacavém – D. Elzita

OFICINAS FARINHADA SOLI-DÁRIAOficina de Produção de Farinha de

MandiocaDE 14, as 18:00h – Espetáculo Baile

das LavandeirasDia 15, as 18:00h – Auto de Natal –

LABORARTEDia 16, as 18:00h – Tambor Tijupá e

Pastor Y-BACANGA

OFICINA PRESEPIOSOficina de Confecção de 3 Presépios

com membros da Comunidade do Cen-tro Histórico

Data: 16 a 18/12 das 09:00 as 12:00hLocal: Casa da Festa

AUTO-MARANHÃO DE NATALEspetáculo Musical e Teatral com

tema natalino com participação do CO-TEATRO Natalina da Paixão e convida-dos

Data: 17, 18 e 23 de Dezembro as19:00h – Maiobão, Praça Nauro Macha-do e São José de Ribamar

XI CANTATA NATALINAConcerto de Corais nas Igrejas Histó-

ricas e Cortejos de Corais e Grupos Po-pulares até a Praça Nauro Machado com10 corais e 3 grupos populares

Posto de arrecadação de alimentos paraentidades beneficentes

Data: 19 de Dezembro a partir das16:00h

CORTEJOS POPULARESCortejos e apresentação de grupos po-

pulares de Reis, Pastores de todo o Mara-nhão

Data: 21 de Dezembro a partir das17:00h – Praça. Deodoro ate a Praça. Nau-ro Machado com apresentação de todos.

Data: 22 de Dezembro a partir das17:00h – apresentação na Praça. João Lis-boa e Cortejo até a Av. Roseana Sarney –Passarela do Samba, onde haverá uma cele-bração natalina ecumênica.

QUEIMAÇÃO DE PALHINHASCerimônia tradicional de Queimação

de Palhinhas com Ladainha em latimData: 06 de Janeiro de 2010 as 19:00h

– Museu Histórico e Artístico do Mara-nhão com a participação do Auto de NatalSão Pantaleão, Grupo Câmera da EMEMe Sebastião Junior.

Data: 08 de Janeiro de 2010 as 19:00hno Centro de Cultura Popular DomingosVieira Filho.

Participação Auto de Natal da VilaMaranhão, Orquestra Popular e Rezadei-ras “Reis das Nuvens” de Maracanã.

Apresentação de Pastores e Reis na Pra-ça. Nauro Machado as 20:30h.

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Boletim 45 / dezembro 200944

Foi lançado em São Luís, no últimodia 17 de dezembro, na Casa de

Nagô (rua das Crioulas, 799 – Centro),o livro ‘Nagon Abioton: Um estudofotográfico e histórico sobre a Casa deNagô’. A obra foi aprovada em 2007 peloPrograma Petrobras Cultural, edemorou dois anos para ser concluída.O trabalho possui fotografias em coresde autoria de Márcio Vasconcelos,idealizador do projeto, e textos daprofessora e antropóloga MundicarmoFerretti, com varias obras publicadassobre religião afro-brasileira, e do poeta,jornalista e pesquisador de culturapopular Paulo Melo Sousa, quetambém se responsabilizou pelasentrevistas e pela revisão do livro, quenesta primeira edição contou comtiragem de mil exemplares.

A Casa de Nagô é um dos terreirosde Tambor de Mina mais antigos esignificativos do Maranhão. Apesar deesse espaço de culto afro-maranhensejá ter merecido estudos anteriores,inclusive sendo alvo de duasmonografias de conclusão de curso daUniversidade Federal do Maranhão –UFMA, esta é a primeira vez que umaobra específica sobre o terreiro vem alume. Segundo relatos de antigasvodunsis (dançantes, que recebem asentidades que baixam na Casa), NagonAbioton seria o espaço que ficariadistante dos centros urbanos, no qualos nagôs implantaram seus rituais,mantendo a tradição cultural de suareligiosidade, além de se resguardaremdos olhares dos curiosos e das incursõesda polícia, que perseguia o culto, nopassado. A expressão foi legada pelapesquisadora Maria do RosárioCarvalho Santos, que capturou o termoa partir da informação oral de algumasintegrantes da Casa de Nagô.

A importância desse terreiro para adifusão da religiosidade de matrizafricana a partir do Tambor de Mina éinegável. Ao lado da Casa das Minas,é um dos centros de culto afro maisimportantes do Estado, e dele saíramvários outros terreiros de Tambor deMina espalhados pelo país.

Segundo o pesquisador Paulo MeloSousa, que já trabalhou prestandoassessoria para o movimento negronacional, através da CoordenaçãoNacional de Articulação dasComunidades Negras RuraisQuilombolas – CONAQ, comovoluntário das Nações Unidas, otrabalho se baseia na ideia de que éextremamente importante registrar omomento atual da Casa de Nagô. “Trata-

No rastro do Tambor de Mina da Casa de Nagôse de ummergulho nareligiosidade afro-m a r a n h e n s e ,tendo comolastro os trabalhosque já foramr e a l i z a d o santeriormente,adotando comobase essaimportante Casade culto.E x i s t e mr e f e r ê n c i a shistóricas sobre oterreiro emquestão, que nosforam deixadaspor Pierre Verger,Roger Bastide eNunes Pereira, dentre tantos outros. Porouro lado, talvez o componente maissignificativo desta nossa incursão seja aprospecção da oralidade atualmente aliexistente, princípio básico dacomunicação da Mina, lançando mãode depoimentos dos atuais integrantesdo terreiro”, explica Paulo Melo Sousa.

No livro, caminham juntos acontribuição textual e as imagensfotográficas captadas durante os rituaisque ainda resistem ao tempo, além decenas cotidianas da Casa, o quefornece um material informativo queservirá de apoio a pesquisas ulterioressobre o universo da Casa de Nagô, quejá sofreu considerável subtração degrande parte do conhecimentoancestral inicialmente ali assentado,devido à perda de transmissãocompleta dos rituais a partir dedeterminado momento da história doterreiro, fundado, segundo algunsdepoimentos, no final do século XVIII.

Além da necessária averiguaçãohistórica, o acompanhamento dosrituais que ainda são realizados ali,evidenciando o atual formato emrelação ao que era feito no passado irácontribuir para que a sobrevivência doculto seja garantida, no caso de futurosresgates das manifestações maistradicionais do terreiro, e ainda hojeali existentes. “Apesar da importânciada Casa de Nagô para o Tambor deMina e para a cultura afro-brasileirado Maranhão, poucos são os trabalhosrealizados e publicados sobre ela. Oterreiro tem assumido ao longo dos anosuma identidade múltipla, mas bastanteforte, contendo um pouco de outras‘nações’ da Mina maranhense (Jeje,Cambinda, Taipa) sem se reduzir a elase sem perda de prestígio. Sem ligação

com terreiros de outras religiões afro-brasileiras, tem se mantidoindependente do modelo de ‘purezanagô’ e alheia ao movimento de ‘anti-sincretismo’, continuando a receberentidades caboclas e a cultuar santoscatólicos juntamente com orixás evoduns de nomes nem sempreconhecidos fora da Mina”, declara aprofessora Mundicarmo Ferretti.

Márcio Vasconcelos assina asfotografias da obra. Ao longo dotrabalho, o livro foi evoluindo eassumindo uma feição ampliada, coma devida contribuição textual. “Asfotografias representam a minha visãopessoal sobre o terreiro, constituindoum ensaio à parte; há mais de 15 anosfrequento ambientes de casas de cultoafro-maranhense e a nossa intenção aofazer esta obra foi registrar o cotidianode um terreiro fundamental para acultura maranhense. Trata-se de umlivro de arte, munido de importantesensaios textuais sobre a Casa de Nagô”,explicou Márcio Vasconcelos. O livropossui 181 páginas, foi impresso naGráfica Santa Marta, na Paraíba, econtou com design gráfico, tratamentode imagem e produção gráfica deMauro Privado.

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Boletim 45 / dezembro 2009 55

Efetivado no período natalino, osReisados estão relacionados ao

mito de origem cristã dos Três ReisMagos. Na Bíblia Sagrada, Novo Tes-tamento, Mateus (2,1-12) relata que osreis Gaspar, Baltazar e Melchior foramdo oriente a Jerusalém levar presentespara o menino Jesus que acabara denascer tendo como guia uma estrela.Levavam ouro, incenso e mirra. Che-garam a Belém da Judéia no dia 06 dejaneiro, data em que se comemora atéhoje o dia dos Santos Reis do Oriente,ou como é denominado em nosso cam-po de estudo: Santo Reis. Os Reisadosacontecem principalmente por paga-mento de promessas ou herança fami-liar. São rituais onde o profano e o sa-grado andam juntos, festas que acon-tecem para a comunicação das pesso-as entre si e com o sobrenatural. Mar-cam a passagem de um ano para ou-tro, renovando a esperança de diasmelhores, na fé do catolicismo popu-lar veiculado aos cultos afro-brasileirose ameríndios.

Mário de Andrade (1934) declara emseu livro “Danças Dramáticas do Bra-sil”, que a palavra Reisado deriva evi-dentemente de “Reis” e foi uma mascu-linização brasileira da palavra portugue-sa. Em Portugal existe o termo “Reisa-da”, como quem diz “rapaziada” e “pa-tuscada” (coisas próprias de rapazes oude patuscos. Farra ou ajuntamento fes-tivo de gente que se reúne para dançare cantar). Edison Carneiro (1974) em“Folguedos Tradicionais” coloca que:

O Reisado e, modernamente, o Guerreiro,ligam-se ao Natal. Um e outro são rapsódi-as populares, reunião de cenas e episódiossem ligação entre si, alguns específicos darepresentação, outros tomados à vontade aoutros autos, desfiles e diversões tradicio-nais. São, num e noutro caso, um bando defoliões que bate à porta dos amigos parabrindá-los com um espetáculo que se cons-trói com “entremeios” cômicos, “peças”cantadas e “embaixadas” declamadas. (CAR-NEIRO, 1974:169).

Em seu “Pequeno Dicionário do Na-tal”, Roberto Benjamin (2007), qualifi-ca Reisado como:

Paloma Sá de Castro Cornelio4

REISADO CARETA:UMA VISÃO DA BRINCADEIRA3

3 O presente artigo é parte integrante da dissertação – “Reisado Careta: brincadeira para louvar Santo Reis”: – adaptado para se adequar ao espaço destapublicação.

4 Mestre em Ciências Socias- UFMA; membro da CFF.

Formas de dramatização do cotidiano oude transposição para a forma dramática deromances e xácaras, formas literárias po-pulares tradicionais em verso. Cada assun-to dá origem a um só entremeio concisoque é representado em meio a uma série deentremeios que vem a constituir o folgue-do. (BENJAMIN, 2007)

No Brasil, encontramos manifesta-ções em louvação aos Reis Magos e aonascimento do menino Jesus, com va-riadas formas e nomenclaturas, espa-lhadas por diversas regiões. Temos comoexemplos as Folias de Reis, no Rio deJaneiro, Brasília, Minas Gerais e Goi-ás, as Companhias de Reis em São Pau-lo, o Terno de Reis na Bahia, a Tiraçãode Reis e Boi-de-Máscara no Pará, oPresépio, as Pastorinhas, os Pastoris, oPastor e o Bumba-meu-boi do nordes-te brasileiro oriental, o Boi-de-Mamãoem Santa Catarina e Paraná, o Boi deReis no Espírito Santo, o Reis de Bois,Reis de Careta ou Reisado no sertãodo Ceará, o Cavalo-Marinho em Per-nambuco e na Paraíba, os Reisado eGuerreiros e Boi Calemba em Alago-as, no Ceará, Sergipe e Rio Grande doNorte, o Reisado Careta ou Caretas naregião do sertão que engloba o Mara-nhão, Tocantins, Ceará e Piauí, entreoutros. Porém,

É necessário lembrar que, dentro do ciclonatalino, existem manifestações que ape-sar de serem habitualmente chamadas deReisados, não possuem temática dos ReisMagos e do Menino Jesus, o que não im-possibilita a participação desses grupos nasFestas de Santos Reis. Como por exemplo,temos a Chegança e a Marujada (temáticanáutica, envolvendo a luta dos Mouros con-tra os Cristãos), a Taieira e o Ticumbi (te-mática afro-brasileira). (CAVALCANTE eTORRES, 2007:18).

A sede do grupo “Reisado Encantoda Terra” está localizada no bairro Cam-pos de Belém, cidade e município deCaxias, na casa de dona Zélia e seuesposo Sebastião Chinês, dono, canta-dor e idealizador dos brinquedos emúsicas. Os integrantes do grupo noano de 2007 eram Francisco Ferreirade Souza, artesão dos brinquedos; Ge-

raldo; Natal Medina dos Santos; Walli-son; Francisco França Aquino, todos ca-retas; Chico, “careta-véio e fazedor decantiga”; Antônio Rodrigues dos San-tos, também “careta-véio”; Sirilo, quecoloca a burrinha; Fernando, que ves-te o boi e o babau; Flávio, que brincano jaraguaia e na burrinha; CristinaRegina, que brinca na cabeça de fogo;Natanael, que brinca no galo; Jamil-da, que toca triângulo e faz a segundavoz; Lindomar Ribeiro da Silva que écantador; Luís Abreu, que toca bum-bo e Luís Valério Duarte tocador debanjo. Alguns vizinhos participamcomo “noitante”, pessoas responsáveispela organização e despesas de cadanoite do festejo que ocorre nesse gru-po entre 24 de dezembro a 06 de janei-ro com pausa nas noites de 25 e 31 dedezembro. No dia 06 de janeiro acon-tece o que eles chamam de “a grandefesta” com missa, batizados, procissão,leilão e a derradeira brincadeira doReisado fechando o ciclo deste ano.

Nas outras noites, antes de sair parabrincar na porta das casas do própriobairro ou nos vizinhos, o grupo se con-centra na sede do grupo. Geralmente,reza-se o terço, tiram-se benditos, can-tam ladainhas em frente a santidade (maneira como é denominado o altar naregião). Ao terminarem é servido bolocom café para os presentes. Então, osmúsicos vão preparar seus instrumen-tos, os brincantes vão vestir suas far-das, os bonecos são colocados em umcarrinho improvisado, para dar início àjornada (caminhada até as casas querecebem a brincadeira). Alguns vizi-nhos partem junto aos brincantes e oresto da assistência vai se juntando aogrupo na medida em que vão se dandoas “abrições de porta”.

A jornada não é acompanhada pormúsica. É ali que se dá a conversaçãoamigável entre os integrantes do grupoe as pessoas que os acompanham navisita às cerca de dez a quinze casasque serão visitadas naquela noite. Abandeira, feita de tecido branco e pin-tada com a imagem de Santo Reis é

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aberta bem encostada à porta da fren-te da casa visitada e os quatro canta-dores começam a entoar seus cânticos.Eles são os responsáveis pelo “pé” (no-menclatura local para designar os “ver-sos”). Um primeiro puxa, um segundorepete; outro primeiro puxa, outro se-gundo repete, da seguinte forma:

Santo Reis do Oriente - 1º : 1Me mandou que eu cá viesse -1º : 1Me mandou que eu cá viesse – 2º : 1Santo Reis na sua porta -1º: 2Quem mandou foi São José -1º: 2Quem mandou foi São José – 2º: 2

O dono da casa abre a porta e oscaretas começam a fazer graça, dizen-do tudo errado, tudo ao contrário. Al-guns exemplos são: “Bom dia! A luzestava acesa e nós não quisemos bater”;“Esse branquinho veio para atrapalharnossa festa”, referindo-se à um

tocador negro do grupo; “Ah, vocênão veio não? Não trouxe o seu amigo,né?”; “Ainda bem que tá com seu paino braço, no braço não, nas pernas”para uma mulher com o filho no colo;“Aqui tá fazendo um frio danado”; con-vidam para a “grande festa” mas dão oendereço e o dia trocado. Como os ca-retas simbolizam os Reis Magos queestavam querendo despistar Herodes aoretornarem à Judéia, o fato deles fala-rem nesses termos trocados pode servisto como um meio de disfarce, maisóbvio quando referente ao uso das ca-retas (modo comum de designar más-caras no Maranhão).

Além disso, é comum encontrarmosreferências ao uso da inversão como for-ma de comédia nas culturas populares.Em seu estudo sobre o Cavalo Mari-nho, Acselrad (2002) declara que o gos-to pelo jogo, pela festa, pela farra, mastambém pelo trocadilho, pela inversão,pela denúncia caracterizam a nature-za do humor nas brincadeiras popula-res.

Aliás, é esta obrigação fundamental ine-rente ao papel do palhaço, aquela que ogrupo espera que seja por ele desempenha-da: comportar-se e falar erradamente. Nes-te momento, uma reconversão de negativoem positivo se opera. Nele o erro e a ma-neira é que são o certo e o verdadeiro, pois“quanto mais ele faz feio, mais é o bonito,mais faz graça pro pessoal”. Quanto maisfoge dos padrões, quanto mais inversão re-

aliza, mais comunicação e audiência con-segue, liberando ainda que momentanea-mente, assuntos proibidos ou abafados pelaconsciência em estado de sentinela. (PRA-DO, 2007:216, grifo nosso)

Os caretas são os palhaços da festa,costumam dizer todo tipo de piadaentre si, em relação à assistência, aosmúsicos, até mesmo sobre um animalque esteja por ali; todos os presentespodem ser vítimas de suas mungangas5.Afinal, o humor exime o palhaço daresponsabilidade de seus atos. E ape-sar de direcionar críticas de todas asformas e maneiras, jamais é acusadode heresia, não importa o que afirmedesde que se exprima de modo bufo.E é com toda picardia que os caretasvão “tirar as esmolas”, “negociar a brin-cadeira”. Perguntam para o dono (a) dacasa se podem “botar” todos os bichospara dançar. Se o dono (a) da casa nãotiver quase nada para oferecer ao gru-po, o Reisado brinca com menos brin-quedos, poupando assim tempo e dis-posição dos músicos e brincantes. Nãoexiste um valor estipulado para serpago. Inclusive, é mais comum o usoda palavra “agrado” ao invés de paga-mento. Ele pode ser em forma de mo-edas de dinheiro ou algum tipo de be-bida ou alimento. O dono da casa en-trega a “jóia do santo” que fica com asenhora que carrega a bandeira e quese destina, junto ao dinheiro arrecadono leilão que acontece no dia 06 dejaneiro e ao auxílio dos “noitantes”,para cobrir as despesas com o festejo.

Cada brincante depois da apresen-tação de seu bicho joga um lencinho6

no ombro do dono da casa para essedepositar seu “agrado”, que varia geral-mente entre cinco centavos a um real.Os músicos recebem, geralmente, dodono da brincadeira, pois não tem len-cinho para jogar aos donos da casa. Issopode ocorrer pela profissionalizaçãodesses artistas, que muitas vezes deixamde estar trabalhando em outras festaspara dedicarem-se todas essas noites àSanto Reis. Os instrumentos do Reisa-do Careta que acompanhei eram pan-deiro, bumbo, banjo e triângulo masgeralmente o grupo dos músicos tam-bém é composto por violão, cavaquinho,rabeca ou sanfona. Dona Nair, dona dogrupo de Reisado Careta do povoado da

Barra do Inhinga, no município deMatões alterna: um ano contrata san-foneiro e no outro rabequeiro.

A bandeira é levada para dentro dacasa pela devota que abriu a porta. Emalgumas ocasiões, os caretas tambémentram para sapatear e dizer versos,assim como para beber alguma coisa,antes de brincarem no terreiro. Dadaa permissão cada personagem (brinque-do, bicho ou passarinho) vai dançardentro do círculo formado pelos care-tas e pelos músicos em frente a casavisitada, onde se desenvolve a manifes-tação. A assistência se posiciona ao re-dor deles. Cada brinquedo tem suamúsica específica, algumas recebidasatravés dos “antigos” e outras inventa-das pelos atuais brincantes. Os músi-cos puxam a “dança dos caretas”:

Senhora dona da casaEu mandei foi te chamarSenhora varre o terreiroQue o careta quer brincarCareta-VéioTu pisa o milhoTu pisa o milhoE a poeira a voar

Um careta canta:Careta-VéioMais o caretinhaTú vai lá foraBuscar farinha

Todos cantam:Ê,ê,ê/ Ê,ê,êÊ,ê,ê/ Macumbambá

Outro careta canta:Tenho uma primaQue se chama MariluEla tá com o dedo finoDe tanto botar no olho

Todos cantam:Ê,ê,ê/ Ê,ê,êÊ,ê,ê/ Macumbambá

E assim, cada careta entoa o seuverso. Mas nem todos necessariamen-te cantam. E o mesmo careta podecantar mais de uma vez, versos diver-sos. Cada careta tem um nome, umapelido de careta, usado como disfar-ce. Aí no “pé” (verso) chamam pelonome que pode ser Mocotó, Jatobá,Macaúba, Savasquara, Come ovo,Avião de frango, etc. Na verdade, quemtem a maior responsabilidade em di-

5 Trejeitos, caretas, movimentos bruscos, sugerindo comicidade [...] (CASCUDO, 2002:404).6 Objeto entregue ao dono da casa durante a apresentação e devolvido a cada brincante ao final da encenação, acrescido de poucas moedas ou um bocado de

alimento como farinha ou arroz.

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zer versos e comandar o grupo é cha-mado de “Careta-Véio”. Ele veste amesma farda que os demais acrescidode um objeto que o diferencia, comoum lenço amarrado na cintura. Háuma música chamada “Sanharó” como seguinte refrão: “sanharó, me mordeumas não doeu”. É mais um momentoonde os caretas falam da assistência efazem piadas com seus nomes. Fazem“trufia” (apostas e desafios) entre si eficam dizendo “belas” (trocadilhos) tudoem forma de verso. Costumam dizercoisas engraçadas e pornográficas.

Os caretas nunca são menos de três,porque representam os Santos Reis doOriente. E podem ser mais. No grupo“Reisado Encanto da Terra”, de Caxias,variam em torno de oito. A explicaçãodo dono Sebastião Chinês é que assimfica mais bonito, mais animado. Suasfardas, isto é, indumentária genéricapara diferenciar do vestir cotidiano, sãofeitas de palha de buriti, já os formatosvariam de Reisado para Reisado. EmVargem Grande, só usam a saia com umcofo pequeno pendurado na cintura,cheio de lata para fazer zoada quandoeles sapateam. Em outros lugares, elesvestem também um colete feito de pa-lha. Segundo Corrêa, o careta

Apresenta-se de maneira peculiar, usandouma longa saia entrançada feita de imbira(palha de tucum esfiapada); seu tronco ficacoberto por uma espécie de peitoral, maisou menos do mesmo feitio da saia, que lhefica preso ao pescoço. O seu modo de ves-tir lembra guerreiros africanos e índio datribo dos Canelas do Maranhão (COR-RÊA, 1977: 9).

As máscaras podem ser feitas comqualquer tipo de material como latão,papelão, tapete, plástico, couro de ani-mal, etc. No grupo que acompanhei,elas são feitas de couro de boi, possu-em uma coroa embutida feita com te-cido brilhoso e são semelhantes entresi. O nariz tem geralmente um forma-to comprido e cilíndrico, a boca podeter dentes e língua e a barba é feitacom crina de cavalo. São costuradas emum pano que é vestido na cabeça dobrincante ou pode ser fixadas por umfio, conforme o grupo achar mais pre-ferir. Servem para esconder a cara dobrincante, que fica a vontade para di-zer todo tipo de pilhéria para a assis-tência, aos músicos e entre si.

Os caretas sempre levam algumobjeto na mão. Pode ser um “chicotede couro, comprido tendo na ponta

pedaço de cordão esfiapado, que provo-ca fortes estalos” (Corrêa,1977:10) ouuma taca, um pedaço de pau. Tem porfunção assustar a assistência junto ao ba-rulho que os caretas fazem com a voz etambém são usados na dança chamada“Corta Jaca”, feita em alguns grupos.Ela se desenvolve da seguinte forma: Oscaretas colocam suas tacas no chão evão dançar por cima delas, pulando deum lado para o outro em um sapateadoque levanta poeira, mas não podem tocá-las. Se algum esbarrar nas tacas do chão,apanha dos outros caretas, de brinca-deira. Essa dança desperta o riso da as-sistência, assim como o “Sanharó” e a“morte do careta” que só ocorrem algu-mas vezes, podendo passar um noite todasem acontecer.

É possível observarmos alguns gru-pos que fazem “a morte” ou “a palha-çada” ou “a comédia” do careta. Con-forme Sebastião Chinês, “A morte docareta não tem nada a ver com a mor-te do boi”. No seu grupo a morte podeacontecer no final ou no meio da brin-cadeira. Um careta cai no chão, se fa-zendo de morto. Os outros caretas vãotentar lhe reanimar com todo tipo depalhaçada e só conseguem quandoameaçam enfiar a taca ou o chicote noanus do careta morto, como se fosseuma injeção. Então, o careta que esta-va desacordado levanta e sai correndo.Depois desta cena é a vez do “baiãodos caretas”. Baião é festa bem popu-lar nas cidades que abarcam a frontei-ra do Maranhão com o Piauí. Quandoa população local fala em baião, estáse referindo à música, à dança e a fes-ta em si. Nesta região, é comum terbaião nos finais de semana.

A sequência de aparição e as própri-as personagens mudam de um Reisadopara outro e até mesmo dentro de ummesmo grupo, ao decorrer do tempo.Cada uma tem sua música específicaque é entoada na hora que elas devementrar em cena. As formas de dançar eos passos são também exclusivos de cadapersonagem, assim como a vestimentae o boneco. No “Reisado Encanto daTerra”, no ano de 2007, tinham duasburrinhas, um boi, um jaraguaia, umbabau, uma nega-véia ou cabeça de fogoou pião, uma ema e um galo. Para o pró-ximo ano eles já estavam programandode colocar a sariema. No grupo de Rei-sado Careta de Timon, há também apomba e a caipora.

É o careta que chama a burrinha,também chamada de burrinha-de-meu-amo, com um punhado de farinhano papeiro para atraí-la para o meio daroda. Os cantadores

chamam: “Lá na minha casa tinhaum pé de qualquer nome de um pau,que falar um nome de um careta paratrazer a burra”. O brincante vem nelamontado. Ele usa camisa de mangacomprida, calça e chapéu vistosos. Aburrinha é feita com uma armação quepode ser de madeira ou cipó, cobertocom peças de pano colorido. SebastiãoChinês me explicou as transformaçõesque ocorreram sobre a música da bur-rinha da seguinte maneira: “de primei-ro agente cantava assim”:

Tome, tome minha burrinhaVem beber mingauTem açucar, tem mantegaNa colher de pau

“Mas aqui nós já botamo ela assim”:O Careta-VéioMais o CaretinhaTú vai lá foraBuscar farinhaO Careta- VéioE o careta novoFaz a alegriaPro meio do povoLá vem auroraLá vem o diaChegou burrinhaQue nós queria

Apesar do gosto pela inovação quenotamos neste grupo, há outros quepreferem fazer “como do jeito antigo”.Porém, uma coisa todos me disseram:“que hoje tá tudo muito violento, nãose pode mais roubar nada da casa deninguém”, costume que fazia parte dabrincadeira. Para fazer graça, os care-tas entravam na casa, pegavam algumobjeto, entregavam para o babau quechegava a quebrá-lo, o que hoje em diatorna-se inadmissível. Mas o babau con-tinua sendo o brinquedo mais violentoe também o que desperta mais euforiana assistência. Ele é feito com uma car-caça de cabeça de cavalo ou jumento,com a queixada que abre e fecha fin-gindo estar tentado morder os caretas,que fogem se jogando em cima daspessoas, causando grande alvoroço. Ocareta tenta dominar o babau, montan-do em cima de sua garupa. Quandoisso acontece saem de cena, ou seja,do meio da arena sob o aplauso de to-dos. Babau é o nome que se dá para ojegue na região. Antigamente os care-

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tas quebravam a cabeça do babau comsuas tacas no último dia de brincadei-ra mas hoje isso já não acontece, poisestá cada vez mais difícil achar a car-caça. A cantiga do babau que eu escu-tei com o grupo “Reisado Encanto daTerra” faz referência ao Piauí e ao Pará,estados limítrofes com o Maranhão:

Eu botei meu milho no coxoPra chamar cavalo véioMeu cavalo, velhoTome,tome,tome,tomeCareta-Véio tem cuidadoSenão o bicho te comeEle vem com a boca abertaEle vem danado de fomeMeu cavalo veioTome,tome,tomeMeu cavalo vem de longeEle vem lá do ParáMeu careta vem do ladoQue tá na hora de brincaMeu cavalo vem de longeEle vem do PiauíMeu careta vem do ladoTá na hora de subir

Já o jaraguaia, também é feito com acarcaça de cavalo ou jumento mas sem aqueixada. Porém, um grupo de Timon ofez de madeira, “porque está muito difí-cil de localizar a cabeça do animal”. Eletem os passos mais lentos, um pescoçocomprido coberto por um pano geralmentede chita que cobre o corpo todo do brin-cante. Olha de cima como se fosse umaassombração mas não mete medo nem noscaretas nem na assistência. Sua músicafaz referência à viagem para Bahia, pro-vavelmente por ser um destino bem co-mum no ciclo do gado sertanejo.

Jaraguai vou me emboraQue eu já disse que vouVou me embora pra BahiaCidade de SalvadorVou me embora , vou me emboraComo eu já disse que vouEu volto para o anoSe lá eu ainda vivo for

A personagem Nega-Véia ou cabe-ça de fogo é feita com uma cabaça oucumbuca, onde o artesão desenha ecorta a boca, olhos e nariz. O brincan-te acende uma vela dentro da cabeçaquando vai entrar na roda pra brincar.O brincante fica por dentro do pano,com um buraco localizado na barrigada boneca comprida apenas para colo-car os olhos para fora. Em alguns gru-pos, são vestidas por homens que levan-tam a saia para fazer graça. É a únicafigura feminina que eu pude observar.Segundo os brincantes, mulheres po-dem brincar em qualquer bicho masainda não tive notícia de nenhuma ves-tindo careta nos Reisados da região.

O nega marvadaTu matou meu gaviãoFoi tu negaNão fui euNão fui eu nãoA Nega-VéiaQuando vem das aroeirasEla vem com o pé ligeiroDeixando a poeira voarSe despede minha negaDá um paço e vai simbora

O boi do Reisado Careta é maior emais desengonçado que o do Bumba-meu-boi. Alguns chamam de “boi espa-lha merda”, pois é mais lento e anda comose estivesse nadando. Em alguns gruposo tecido de seu corpo é feito de chita, jáem outros tem um couro de veludo pre-to bordado com o nome do grupo.

Chegou meu boiVamo vadiáBoi do sertãoVamo vadiaChegou meu boiNa minha camaChegou meu boiO de baixo da rama

A ema tem o corpo parecido com odo boi, onde o brincante tambémcomo um miolo, fica por baixo da ar-mação. A ema tem um pescoço fino ecomprido e um bico que pode ser deverdade ou de qualquer material queo imite. Ela vem tentando bicar os ca-retas.

Ô ema, Ô emaVou dançar a sariemaOlha o passo da EmaVou dançar a SariemaOlha o bico da EmaVou dançar a SariemaOlha a canela da EmaVou dançar a sariemaSacode minha EmaOlha a asa da emaSe despede minha emaPara o ano vou voltar

O brincante do galo dança como seestivesse ciscando.

Senhora dona da casaCareta está na portaE o galo dança no terreiro

A caipora é feita com uma quibane(peneira de palha) na cabeça e um pauatravessado como se fosse o braço, comum lençol branco por cima e a línguaé feita com um lenço vermelho, caídopara fora da boca. É feito geralmentepor uma criança, pois é uma figura bembaixinha. Se é o neto do dono do gru-po que faz, quando esse cresce, mudade brinquedo e é preciso arrumar ou-tra criança para vestir a caipora.

Para cada personagem que apareceno Reisado Careta, Sebastião Chinêstem uma explicação lógica. Diz que oscaretas são os Reis Magos e os bichos osanimais que estavam presentes no está-bulo onde nasceu Jesus Cristo. O boi, aburrinha e o galo aparecem tradicional-mente nos presépios. A ema estava lápara catar os carrapatos da pata do boi,segundo ele. O babau representa umcavalo velho. A nega-véia, ou cabeça defogo, é a encarnação de Satanás e o ja-raguaia o representante das almas.

Tentei esboçar neste artigo algunselementos do Reisado Careta do Ma-ranhão, me baseando principalmentena observação do grupo “Careta Encan-to da Terra”, da cidade de Caxias. En-tretanto, é preciso ter em mente que avisão aqui relatada é apenas uma dasvárias maneiras que existem de brin-car o Reisado Careta. Não representanenhum tipo de modelo de como é oucomo deve ser esquematizada a brin-cadeira. Foi construída no período na-talino de 2007 para 2008, e certamen-te vem sofrendo alterações, inclusivedentro do próprio grupo estudado. Istose deve ao fato do dinamismo presentenas culturas populares, que vão se mo-dificando com o passar do tempo semnecessariamente perder suas raízescom tais transformações orgânicas.

Referências:

ACSELRAD, Maria. “Viva Pareia” – aarte da brincadeira ou a beleza da safa-deza uma abordagem antropológica daestética do Cavalo-Marinho. Dissertação(Mestrado em Antropologia), IFCS –UFRJ, 2002.ANDRADE, Mário de. Danças Dramáti-cas do Brasil. Ed. Itatiaia Limitada, 1934.BENJAMIN, Roberto. Pequeno Dicioná-rio de Natal. Recife: Secretaria Estadualde Cultura, 2007.CARNEIRO, Édison. Folguedos Tradici-onais, Etnografia e Folclore/Clássicos 1.Rio de Janeiro: FUNARTE, 1982.CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário doFolclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2002.CAVALCANTE, Raphael e TORRES,Lúcia Beatriz. Festas de Santos Reis.IN:Salto para o Futuro. Aprender e Ensi-nar nas festas populares. Boletim 2. TVEscola. Ministério da Educação, 2007.CORRÊA, José Ribamar Guimarães. Festado Reisado em Caxias. São Luís: FundaçãoCultural do Maranhão, 1977.MATEUS, São. Evangelho de São Mateus.IN: A Bíblia Sagrada. Novo Testamento. Riode Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1990.PRADO, Regina de Paula Santos. Todo anotem: as festas na estrutura social campo-nesa. São Luís: EDUFMA, 2007.

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(...) “Nada me detém.Entrego-me a uma verdadeira orgia sagra-da.Os dados foram lançados.O livro foi escrito.Não me importa que seja lido agora ouapenas pela posteridade.” (...).(Kepler)

A brincadeira cultural e artística bam-baê situa-se num vasto ciclo de folguedosmanifestados a partir da fé no Divino Es-pírito Santo11, dentre os quais estão o ca-roço12, cacuriá13, corêro14, carimbó das cai-xeiras15 e outros que utilizam a caixa doDivino Espírito Santo, (instrumento depercussão) como base destas expressões.Segundo o folclorista maranhense Domin-gos Vieira Filho apud Câmara Cascudo(CASCUDO, 1972), o bambaê seria: “dan-ça ou batuque de caixas, típicas da regiãode Cajapió e São Bento, também chamadade farra-de-caixa (...)”. A exemplo de tantasoutras manifestações folclóricas, é deverascomum encontrarmos nos grupos que rea-lizam o bambaê variações significativas damesma manifestação de um lugar para ou-tro e até de uma turma para outro do mes-mo lugar. Isso ocorre devido a motivaçõesvariadas que vão desde pagamento de umapromessa, um batizado, alegria de um nas-cimento, até festejos como os do DivinoEspírito Santo. (SOUSA, 2009).

A turma que realiza o bambaê em focoé o “Lião16 do Norte” (União das CaixeirasLião do Norte), também conhecida comoTurma de Zuquinha, originário do muni-cípio de Penalva – Ma, que além deste bai-le, realiza diversas outras manifestações

Bambaê: subsídios para história de um baile popular7Adriana Sousa do Nascimento8

João Paulo Soares Júnior9

Menzair de Jesus Ferreira de Azevedo10

populares como o bumba-meu-boi e a fes-ta do Divino Espírito Santo. A idealizaçãoparte da Srª. Raimunda dos Santos Cam-pos, conhecida como “Dona Zuquinha”,que após observar as apresentações da tur-ma17 de dona Quintina Quaporá, montoua sua própria, com eles fabricando seusinstrumentos e logo após estruturando suasede.

Zuquinha aprendeu a tocar caixa coma irmã, Maria dos Santos Gonçalves, ain-da na infância, e aprimorou sua sabençaao longo da vida.

1. Maranhão: formas múltiplas de fé noEspírito de Deus

Uma das maissignificativasexpressões dareligiosidadee da culturapopular dopovo do Mara-nhão são asfestas devoci-onais a Ter-ceira Pessoada SantíssimaTrindade: o

Divino Espírito Santo. Tradição vinda,possivelmente, com imigrantes açorianosno inicio do séc. XVII. Constitui-se numadas mais remotas e expandidas práticas docatolicismo popular brasileiro. Suas ori-gens primevas reportam-nos às celebraçõesrealizadas em Portugal a partir do séc. XIV18

(PACHECO, GOUVEIA, ABREU 2005).

Carlos de Lima, pesquisador das coisasdo Maranhão, aponta a origem da devoçãoao Paráclito19 à construção da Igreja doEspírito Santo, na Villa de Alenquer emPortugal no ano de 1223, realizada pelaRainha Santa, Isabel de Aragão (LIMA,1988).

Nos festejos ao Espírito Santo realiza-dos no Maranhão há uma diversidade bas-tante significativa no que tange as carac-terísticas particulares de cada festividade,isto vai depender das relações sociais e dosincretismo cultural ocorridos ao longo dahistória do estado. É por isso que, observa-se, por exemplo, uma marcante presençade mulheres tocando caixas nas festas doDivino em Alcântara e São Luís20; situa-ção que ocorre inversamente diferente naRegião dos Cocais Maranhense – Parnara-ma, Caxias, Aldeias Altas, Matões, Codó,etc., onde notamos, em vários grupos, ape-nas o homem21 tocando esse instrumento.

2. Caixa: instrumento que percute fé,alegrias, tristezas e farras

É a partir do toque dasbaquetas22 no courodas caixas do DivinoEspírito Santo que seproduz um som comintuito devocional, deregozijo, de lamento ede profundo contenta-mento.

No Maranhão a utilização deste instru-mento tem amplo sentido, podendo-se, in-clusive, traçar um ciclo da caixa, por assim

7 Este artigo faz parte do macro-projeto DANÇAS DA CAIXA: Diversidade rítmica e folclórica da caixa do Divino Espírito Santo no Maranhão.8 Graduanda de Teatro - Licenciatura - UFMA, estagiária extracurricular da Superintendência de Cultura Popular.9 Graduando de Pedagogia - UEMA e História - UNIASSELVI, estagiário extracurricular da Superintendência de Cultura Popular. Membro da Comissão

Maranhense de Folclore.10 Graduando de Engenharia de Produção – UniCEUMA.11 No entanto, podemos situar o bambaê apenas como uma dança, uma festa, pois nem todos os participantes da farra do bambaê participam ou tem fé no

Divino Espírito Santo (Entrevista com Jandir Silva Gonçalves, 1/3/2009).12 Dança que mescla elementos de origem portuguesa, africana e indígena; de formação livre, onde há a presença de 4 caixas e alguns grupos utilizam a cuíca e

a cabaça, acompanhados de toadas improvisadas. Há a presença da “rainha do caroço” (em Tutóia), uma espécie de líder da brincadeira. Todavia, em outrascidades do estado, como Penalva e Viana existe outra forma de caroço, com marcação e dança diferente.

13 Dança de roda que é brincada nas ruas e praças; tem sua origem no culto ao Espírito Santo. Seu Lauro (Alauriano Campos de Almeida), baseou-se namusicalidade e nos versos feitos ao Divino para criar o cacuriá, trazendo-o do povoado de Baiacu, interior de Guimarães em 1972.

14 Ritmo e dança, de cunho popular, espécie de baile espontâneo, que ocorre principalmente em Peri-Mirim e Palmeirândia, ao som de caixas, tendo versos deduplo sentido e cantigas animadas. Talvez o nome corêro provenha de couro (côro na linguagem popular).

15 O carimbó de caixeira (ou de caixa) é parte integrante da festa do Divino, porém não existe caráter de obrigação religiosa. É um toque feito para odivertimento, há distribuição de bebidas e comidas para as caixeiras e todas as pessoas que ajudaram no festejo.

16 É com esta grafia que o grupo se denomina.17 Designação popular de grupos; conjunto de pessoas que participam de uma manifestação popular.18 Mas os pesquisadores maranhenses OLIVEIRA, Lenir e GONÇAVES, Jandir, em texto presente na Coletânea de textos de cultura popular, vol.II, discordam

quanto ao séc. XIV como o de início a devoção do Espírito Santo, propondo o séc. XIII como a gênese dos festejos. Também concordam com isto, a equipetécnica do Projeto Sabença – Museu Escola, em cartilha produzido pela SECMA (Secretaria de Estado da Cultura), SCP(Superintendência de CulturaPopular) e CMF(Comissão Maranhense de Folclore).

19 Grafia de Espírito Santo em grego, podendo ser paracleto também.20 Porém em algumas casas de culto afro da ilha de São Luís, encontram-se homens tocando caixa para o Divino. Como exemplos, citamos o Terreiro de Iemanjá

e a Casa Fanti-Ashanti.21 Aos devotos da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade dessa Região, dar-se o nome de foliões da divindade, geralmente dupla de homens que tocam caixas

saudando o Espírito Santo com versos cantados, conf. Coletânea de textos de cultura popular, vol.II.22 Pares de varetas de madeira rígida, usados para percutir a superfície de tambores (BARBOSA, 2002), também denominadas bastonetes, vaquetas ou cambitos.

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dizer, visto ser possível encontrá-la em si-tuações bastante paradoxais; indo desdeum toque com sentido de “reunificar” (dolatim re-ligare, religião) o homem a Divin-dade, passando pelo encontro do êxtasenuma alegria festiva, ou a inevitável e der-radeira situação do homem sobre a terra: amorte; até o puro entretenimento de umafolgança, a festa, a farra. Durante a aber-tura da festa do Divino Espírito Santo acaixa é utilizada, com a batida de três to-ques, para sinalizar a chegada do Tempodo Divino, momento, segundo algumascaixeiras, do “pouso” do Espírito de Deussobre os homens.

De origem indefinida, as caixas são tam-bores do ponto de vista organológico, istoé, instrumentos musicais de percussãopertencentes à família dos membranofo-nes, tocadas com mãos ou baquetas (BAR-BOSA, 2002). Apesar das referências quan-to às origens serem incertas, encontram-se registros desse instrumento como sen-do uma Caixa Renascentista. Reconheci-das como tambores militares nos seus pri-mórdios, foram incorporadas a várias tra-dições folk de muitos povos europeus emediterrâneos, incluindo algumas regiõesdo norte da África, como Marrocos. Sãotambores cilíndricos, com diâmetro emmédia de 0,30m a 0,35m e altura de 0,40ma 0,45m, no entanto, há variações de tama-nho23. São fabricadas de madeira (RIBEI-RO, 1988), e de metal (PEREIRA e FER-RETTI, 2005). As de madeira podem serconstruídas com compensados vergadosprogressivamente com vapor e mantidasem estruturas que irão moldá-los à enver-gadura e tamanho desejados. Nos municí-pios de Caxias e Aldeias Altas, por exem-plo, é possível encontrar caixas construí-das a partir do tronco da Macaúba24. Ascaixas de corpos de metal são construídasnas medidas adequadas, usando-se, paraisso, latas cilíndricas, originalmente usa-das para embalagens de óleo combustível(BARBOSA, 2002).

A superfície a ser percutida é recober-ta com pele de animal25, comumente decabra ou de bode26 (BARBOSA, 2002). Aspeles precisam ser curtidas ao sol, e quan-do estão prontas, é necessário que sejammolhadas, para se tornarem maleáveis. Uti-

liza-se, ainda, semi-aros, os quais podem serem madeira ou ferro, de espessura 1,5cm,sobre o qual se estica o couro ainda úmi-do, costurando suas bordas, formando,com isso, uma superfície plana.

Caixeiras e foliões têm o habito de pin-tar as suas caixas. Muitas vezes a pinturatem símbolos do Divino, isto é, a coroa e apomba, outras vezes, pode haver uma úni-ca cor viva – branco, vermelho, azul, verde– ou varias cores multi-listadas, triângulosou losangos. Algumas caixeiras batizam seuinstrumento e, logo após, estes recebemnomes. Há, portanto, uma relação muitopróxima, de verdadeira afetividade, das to-cadeiras27 de caixa com o instrumento (PE-REIRA e FERRETTI, 2005) e (BARBO-SA, 2002). No entanto, é comum que cai-xeiras antigas não possuam seu instrumen-to particular de toque, utilizando caixaspertencentes à casa do festeiro.

3. Penalva: em terra de índio, tem festapara o Divino.

“A cultura de PenalvaAlegra meu CoraçãoEu já cantei em PenalvaVou Cantar no Maranhão.”.(Cantiga do Bambaê)

Penalva está situada à margem direitado rio Cajari, na Baixada Ocidental Mara-nhense, pertencente à Mesorregião Nortedo Estado. Povoação que inicia-se, possi-velmente, com missionários da Compa-nhia de Jesus no séc. XVIII, num povoadodenominado de São Brás. No século seguin-te, o contingente populacional que habi-tava São Brás, mudou-se para as margensdo Rio Cajari, criando o povoado São Josédo Cajari. Anos mais tarde, por iniciativado oficial Luis de Albuquerque e ordemdo governador José Teles da Silva (no anode 1785), este povoado sofreu alteração denome, passando a chamar-se São José dePenalva, pelo que tudo indica, em decor-rência da cidade portuguesa Penalva do

Castelo, quiçá, terra natal do oficial ou dogovernador.

O lugarejo, por circunstâncias de umcerto crescimento econômico, passou a ca-tegoria de Vila pela Lei Provincial e ImperialNº955 promulgada no dia 21/06/1871, porato de José da Silva Maia. Mas foi só no séc.XX, isto é, em 10/09/1915, por ato do go-vernador Herculano Parga que o lugar ad-quiriu estatos de município. No entanto, sómais tarde,com a promulgação das Leis Es-taduais Nº45 (29/03/1938) 28 e Nº159 (09/12/1938) que tornou-se cidade de fato e dedireito. O nome atual só veio com a LeiProvincial Nº510 de 27/07/185829.

Quanto a origem da cidade, há umaoutra vertente, de cunho popular, com ca-racterísticas indígenas, que nos falam deuma grande quantidade de garças brancasno lago Cajari e que uma índia, possivel-mente gamela, teria pego uma pena alva,daí, acredita-se: Penalva.

A população do município é estimadaem 34.505hab. (2008, IBGE). Há vestígiosdesde os tempos pré-colombianos de ocupa-ção do território penalvense por tribos neo-líticas lacustres construtoras de aldeias so-bres palafitas. Aos vestígios dessa ocupaçãoneolítica dar-se o nome de estearias (cente-nas de esteios30). O principal sitio de estea-rias está localizado no lago Cajari, mais exa-tamente, na enseada do Quebra-Coco31.

O município é produtor de agriculturade subsistência, existe também farta ativi-dade pesqueira, no entanto não há ummanejo ordenado, no sentido de escoar opescado da região.

Em termos culturais o município apre-senta significativas expressões da culturapopular como Bumba-Meu-Boi, Festas doDivino Espírito Santo, Corrida de Ascen-são, Casa de Curadores, Bailes de São Gon-çalo, dentre outras.

4. E surge o bambaê, uma festa popular

Entende-se por bam-baê32 um baile popularque acontece a partir dotoque de caixas, com in-tuito de puro diverti-mento, ocorrendo deforma espontânea, para

23 No entanto, há discordância quanto a estas dimensões, pois o estudo Divino toque do Maranhão (catálogo da exposição homônima), escrito pelos pesquisadoresPEREIRA e FERRETTI dizem que as medidas das caixas são cerca de 0,70 m de altura por 0,50 m de diâmetro.

24 Espécie de palmeira típica da região dos Cocais Maranhenses.25 Existem caixas para as quais as peles utilizadas são sintéticas, também denominadas de napa.26 Há, no entanto, uma variedade muito grande de peles de animais utilizadas, como por exemplo, cotia, cobra, e outras.27 Forma popular para tocadora.28 Conforme IBGE.29 Conforme Wikipédia.30 Pedaços de madeira.31 Ver BALBY.32 Para o Tesauro do Folclore e Cultura Popular Brasileira, o bambaê pode ser entendido como uma “dança de conjunto com formação em círculo e

acompanhamento de instrumentos de percussão. Ao centro colocam-se um ou dois pares, exibindo coreografia complicada. Os da roda também executampassos rápidos e variados, ora ficando os casais frente a frente, ora dando-se as costas”.

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Boletim 45 / dezembro 2009 1111CONTINUAÇÃO

alivio de tensões provenientes da labutadiária. Dança33 comum na Baixada Ociden-tal Maranhense, particularmente nos mu-nicípios de Guimarães, São Bento, Caja-pió, Matinha, Viana e Penalva. Há mani-festação rítmica diversa, podendo ocorrervalsa, xote, baião, carimbó34 e outros, de-pendendo da variação de compasso35 utili-zada, hora binário36, hora ternário37 ouhora quaternário38, os quais determinam àmarcação e a pulsação desta dança.

O bambaê que é feito pela Turma deZuquinha acontece com a utilização deduas caixas do Divino que são tocadas porduas mulheres, onde uma canta e outraresponde, numa espécie de disputa.

Diferentemente dos toques e das mú-sicas feitas para o Divino Espírito Santo(haja vista que muitas mulheres e homensque participam do bambaê também fazemparte de festividades do Divino), no bam-baê não se toca e nem se canta para o Espí-rito Santo39, constituindo-se, única e ex-clusivamente, em festa para dançar.

Essa diversidade rítmica, que sinalizauma das características da festa, pode serobservada nos seguintes versos de um ca-rimbó40, ritmo de origem indígena, acresci-do com diversas outras influências cultu-rais, nascido possivelmente na zona do sal-gado, próximo a Belém, nos lugares Mara-panim, Curuça, Algodoal e na Ilha de Ma-rajó.

Carimbó no Bambaê Lião do Norte

Olelê olalaSó se vê carimbó Siriá (?)Carimbó é bonito é gostosoÉ gostoso em Belém do Pará

Vá buscar Sinhá PurezaPra dançar o meu carimbóCarimbó que mexe, mexeCarimbó da minha vovó

Outro ritmo bastante utilizado nobambaê é a valsa, dança criada na Europa(Alemanha) no séc. XV, de gênero ternário,dançada por pares enlaçados. Inicialmentedança nobre, a valsa adquiriu nos paísescolonizados gosto popular, adentrando os

setores culturais mais inferiores da socie-dade. Observe-se o exemplo abaixo de umavalsa popular.

Eu canto valsa morenaEu não vendo eu não douEssa valsa se pareceCom menino dançadô

Eu só toco essa valsaPra quem sabe dançarE quem não sabe dançarDeixa seu par no lugarMenina vamô comigoQue eu já pedi paro seu paiSó falta sua mãe dizerPega sua roupa e vá41

No bambaê também se observa à pre-sença rítmica do baião, ritmo origináriodo nordeste do Brasil, cadenciado pela uti-lização dos instrumentos agogô, triânguloe sanfona e de grande penetração no meiopopular.

Eba eba baiãoEba eba baiãoMenina chega pra pertoDescansa meu coraçãoSe tu não sabe eu te ensinoComo se dança baiãoEba eba baião

Vou me embora vou me emboraComo eu já disse que vouPra campina ver meu gadoPro sertão ver meu amor

Se tu não sabe eu te ensinoComo dança o baião

Tem um anel no meu dedoUm cordão no meu pescoçoSenhora dona...(o nome de alguém)Eu já fiz o seu gosto42

3.5Raimunda dos Santos Campos: umamulher que dá no couro.

“Ai eu disse, quer saber de uma coisa, euinventei outra, eu sempre fui inventadeirade coisas!”

Nascida no dia 09 de março de 1938,batizada de Raimunda dos Santos Cam-

pos, mas conhecida como Dona Zuqui-nha, cidadã complexa e paradoxalmentesimples. Nos seus afazeres diários, revela-nos a engenhosidade da cabocla ribeirinhaque trabalha cotidianamente para suprir,do mais elementar, sua família. Trabalhoque cansa, labuta da gente do povo, porém,que a impulsiona, como se algo dentro cha-masse:

- Vá, a vida é combate, viver é lutar, ofracasso (a falta do lutar) abate.

É assim que, diaapós dia, seguena quebra dococo, no limparda roça, nos ser-viços domésti-cos ou na casaalheia ou nasua própria. Éeste o dia-a-diadesta penalven-se, com aresque só a autori-dade do tempodá. Esta é DonaZuquinha, fa-

zedora de bambaê, tocadeira de caixa, in-ventadeira de coisas.

Dona Maria, irmã de Zuquinha, foi aresponsável pelos ensinamentos da arte detocar caixa. As duas sentiam a necessidadede aplicar os seus conhecimentos, com issoelas reuniram suas amigas mais próximas eas ensinaram a tocar caixa; as primeirasapresentações foram na vizinhança, e comas indicações por amigos, logo estavam to-cando nos povoados e municípios próxi-mos; nessa época o grupo tinha mais detrinta caixeiras, entre elas dona MariaGrande, Maria Bata, Maria Barros, Mariade Canzin, Cocota e outras.

Dona Zuquinha sente necessidade deum nome para aquela união; Seu França43

propõe “Lião do Norte”, uma homenagema um grupo de amigos seus, batucadoresde bumba-boi; grupo já extinto.

A turma de Zuquinha a 30 anos vemtrazendo alegrias, colhendo sorrisos e bus-

33 Entende-se aqui por dança q uaisquer movimentos, não importando a “qualidade” do movimento. Dançar (ou dança) pode ser considerado todo o movimentoque você quiser que seja; não é aptidão para alguns “escolhidos”, é a mais pura, natural e simples expressão da raça humana. Ver. PREGNOLATTO

34 Segundo Daniela Dini.35 É um trecho musical dividido em partes iguais de tempo, é a sucessão de dois ou mais tempos de valores iguais entre si que serve para determinar a duração

mais ou menos exatas das figuras.36 Formado de dois tempos;37 Formado de três tempos;38 Formado de quatro tempos;39 Contrariando essa informação, o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, através do folder da Semana da Cultura Popular 2001: Outras Danças

Maranhenses, afirma que o bambaê pode acontecer “[...] como pagamento de promessa ou em festejo para o Divino Espírito Santo [...]”.40 Wikipédia.41 Exemplo de bambaê, no ritmo valsa, coletado por Daniela Dini.42 Exemplo de bambaê, no ritmo baião, coletado por Daniela Dini.43 Raimundo Gregório Campos

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cando entendimento das coisas do povo,de sua gente. Essa mulher, a qual todos emvolta aprenderam a respeitar, mantém umarelação quase que matriarcalista com to-dos aqueles que fazem parte de sua turma.Este sentido de zelo é observado na seguin-te fala: “achava tão bonito ficar disputan-do nos versos, botado versos umas paraoutras, cantando tudo certinho”.

Em sentido quase religioso, todos osanos a turma Lião do Norte, além de ou-tras Turmas como o a de Jacaré, Saubeiroe Nova União, fazem festas nos bairros dePenalva, nos derredores ou em plagas maisdistantes como o Maranhão (maneira mui-to particular que alguns do interior se re-ferem a São Luís). O cuidado com as apre-sentações do grupo e a manutenção da tra-dição são observados nesta fala de SeuFrança, marido de Dona Zuquinha: “euacompanho por que sou obrigado a acom-panhar, como ela não vem, eu tenho queacompanhar o grupo, o pessoal que fazparte”.

Existe no bambaê, assim como em ou-tras expressões da cultura popular, um sen-timento de melancolia, uma certa tristeza,que mesmo dentro da alegria se manifestana musicalidade, na dança, na fala. SeuFrança nos diz que:

“quando vejo o movimento e não es-tou lá por dentro, parece que agente tadoente, porque essa é a emoção que gosto,agente num se sente bem se não tiver lájunto do pessoal, eu não sei se todo mun-do é assim, tem vez que dá aquela emoção,que dá até vontade da gente chorar, quan-do agente não faz parte do movimento láque ta tocando.”44

Em sentido muito parecido com o ex-pressado por Seu França, dona Zuquinhanos mostra também este sentimento de tris-teza e dor do povo ribeirinho, trazendo re-cordações da extinta turma que fazia bam-baê, pertencente a Quintina Quaporá:“aquilo me doía e me deu vontade de fazeruma festa de caixa, ai eu fui em frente”.

Comumente os bailes de bambaê sãopercutidos por mulheres, no entanto háparticipação de homens dançando, distri-buindo cachaça ou na confecção da caixa.Na ilha de São Luís e em cidades da Baixa-da Maranhense, como Cajapió,Viana ePenalva é costume dizer que homem nãotoca caixa do Divino, talvez daí a origemdas turmas que realizam bambaê serem di-rigidas e tocadas somente por mulheres.

Seu Raimundo Gregório Campos diz: “é um trabalho de mulher, da minha

esposa, ela é que iniciou essa programação,

e depois disso é que nós nos casamos45, aieu comecei, não tocando caixa, misturavano meio porque tinha que ajudar ela”

O estudo desta singular manifestaçãode alegria e fé destas pessoas do interior doMaranhão possibilita uma sensibilizaçãodos fazeres daqueles que, muitas vezes, sãoexpurgados dos processos de visibilidadeempreendidos pelas políticas públicas da

44 Em entrevista colhida em 13/05/2008.45 Seu França considera casamento o registro oficial em cartório, ele esteve ao lado de Dona Zuquinha desde a formação do grupo.

cultura. Esta brincadeira, o bambaê, podetambém ser situada dentro de um contex-to de resistência às entradas de contingen-tes culturais recolonialistas impostos porum mundo onde cada vez mais se valorizaa estética e a ética do outro, do de fora, emdetrimento dos valores que nos identifi-cam como indivíduos singulares e produ-tores de nossa própria cultura.

Referências

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INTRODUÇÃO

Nas religiões, assim como em vári-as áreas do conhecimento, o homemrecria através de organizações e com-portamentos sociais, sistemas simbó-licos de seu imaginário e crenças, ba-seados em signos própios, valores es-téticos e hierarquias.

Relacionando variadas formas defazer e arte, as religiões apresentammovimentos e gestos, capazes de pro-duzir imagens, ações e estéticas con-vergentes da participação individualem produções coletivas.

Parte ritualística em todas as ma-nifestações religiosas e populares, adança se faz presente na religião afri-cana remetendo seu complexo voca-bulário gestual e coreográfico à afir-mação de identidade sociocultural, àsignos da linguagem mítica, à memó-ria ancestral e a estados subjetivos dogesto social (MARTINS, 2001).

Elementos cênicos, musicais e ex-pressivos, enriquecem de intenções eimaginário as variadas manifestaçõesritualísticas das diversas religiões bra-sileiras, assim como no Tambor deMina. Tornar visível o invisível é portanto, o objetivo de uma celebração(LELLOUP & BOFF, 1997).

A dança no Tambor de Mina tra-duz comportamentos culturais, cren-ças, memória e oralidade, de aspec-tos simbólicos, sociais e performáti-cos, que apresentam perceptível lin-guagem artística e popular.

Desta forma, hábitos, concepçõese culturas podem transmitir valores,educar, evangelizar, perpetuar ele-mentos da ancestralidade afro-descen-dente e se projetar na história dasmentalidades como verdades conce-bidas por se tratarem de experiênci-

as corporais simbólicas que se afir-mam como ritos de convívio, em re-lações sociais de trabalho, obrigaçõesreligiosas e produções coletivas que“ ainda que não sejam identificadascomo proposições de ordem univer-sal podem ser generalizadas e, por-tanto, verdades à espera de novosdesvelamentos”(SILVA NETO,1997,p.85).

1. MINA, RELIGIÃO QUE DAN-ÇA

A religião de origem africana é per-meada de símbolos, coloridos, carac-teres remanescentes, sincretismos48,rituais e gestuais significantes. Acon-tecendo, em geral, em barracão deambiente simples e colorido que reu-ne visitantes, iniciados, curiosos, co-munidade e a irmandade da casa emestímulos sonoros tocados e cantadospor ogãs49, músicos que chamam adivindade com sua música ritmada,cíclica e contagiante.

E tudo parece ser necessário aorito: a palavra, os movimentos, osbanhos de purificação, o capricho nabrancura e no colorido das roupasdos filhos e filhas de santo, a decora-ção. Assim, com fundamentos, ora-ções e obrigações simbólicas, todosse voltam à dança, momento mais so-cializado dos rituais de festa.

Bastide (1978) infere que, o mun-do reconstituído em sua realidademística, é sua verdadeira realidade.Segundo o ele, o salão de dança éentão o microcosmo.

Praticados ao longo de uma vidade aprendizado, as religiões afro-bra-sileiras são consideradas “moderado-ras de conflitos internos” (SIMMEL,1988, p. 7), que segundo Ferretti

(1996, p. 8) são como “terapia gru-pal de base popular, onde os fracosparecem fortes e o aprendizado da-se ao pé do ouvido, conjunto commovimentos, gestos e sinais de olhar”.Constituindo-se como manifestaçãoque se perpetua na transmissão oralde conhecimentos, no uso de medi-das educativas, orientadoras e disci-plinadoras (FERRETTI, 1996, p. 8).

Teóricos como Laban (1978) já des-creviam a religião como forma efeti-va de integração e conhecimento, emque a dança ocupa lugar social paramelhorar a vida das pessoas e da so-ciedade, aperfeiçoando a consciênciaem nível individual e na partilha docoletivo. Como cita é “fonte de do-mínio e da perfeição do movimentoé a compreensão daquela parte davida interior do homem de onde seoriginam o movimento e a ação, apro-fundando, o fluxo espontâneo e aagilidade de mover-se”.

Garaudy (1980) assinala que a dan-ça nas sociedades africanas é um con-densador de energia, capaz de reu-nir forças da natureza e da comuni-dade, de seus vivos e mortos, crian-do núcleos mais densos de realidadee energia, que implicando em parti-cipação, mobilização e emoção, eli-mina o individual na busca coletivada natureza sobrenatural.

Na dança, “através do prazer nocorpo, o entendimento da consciên-cia cultural é possibilitado frente aum universo material que torna-serepleto de impressões psicológicasrefletidas …e memórias impressas(MEYER, 2000, p. 83).

Segundo Laban (1978) é o pensarpor movimento, coexistindo corpo-ralmente frente ao mundo, que aper-feiçoa o homem quanto ao seu mun-

Patrícia Karla Medeiros Mota47

O movimento e o gesto nadança do Tambor de Mina46

46 Versão resumida de texto encaminhado para publicação nos anais do GEPPEF - grupo científico do curso de Educação Física da UFMA. Apresentado no VIIColóquio Internacional de Etnocenologia promovido pela UFBA e Universidade Paris 8 e no X Encontro Humanístico da UFMA. Relata pesquisação emdança do Tambor de Mina, desenvolvida nos anos de1999 a 2001 com campo de estudo situado na Casa Fanti-Ashanti em São Luís/Maranhão. Enfatizandoa espetacularidade da dança na religião, a partir de gestuais simbólicos, nos movimentos e desenhos coreográficos na Mina, remete à transmissão de crençasidentitárias e a mobilização socio-cultural através do corpo nesta religião de matriz africana maranhense.

47 Bacharel em Dança; Professora substituta da UFMA – Dep. de Ed. Artística.48 Ver Ferretti, Sérgio. Repensando o Sincretismo. São Paulo: ED. EDUSP: São Luís: FAPEMA, 1995.49 Ogãs são homens iniciados no culto para a função de pai cujo fazer se dará na habilidade de prover o culto da presença dos orixás, voduns ou encantados.

Através dos toques e cantos ritualísticos são como mensageiros e mestres de cerimônia junto com a as ekedis e pais-de-santo.

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CONTINUAÇÃO

do interior e à realidade que o cerca.Dançar é então, exercício menos deesforço que de representação.

A dança constitui-se para o afri-cano, resultado de movimento evolu-tivo, conexão entre terra e espaço, ob-servador e observado, ocupado porforma e conteúdos intensionais deenergia, precisão, eficácia e transcen-dência, na arte de exprimir em movi-mentos, complexidade e valores alti-vos (VIEIRA, 2000).

Assim, com elementos ideológi-cos, festivos, tradicionais, bem comoo estado emocional do dançarino ede todos presentes, a religiosidadeMina traz cadência anunciada cons-truída desde os primeiros toques,iniciados pelo ferro ou pelo cantoespecífico dedicado a cada Vodum50,se desenvolvendo em dança crescen-te e contagiante que interfere na re-alização do movimento e envolve emcartase o ambiente, a música e omomento de dança.

De repente as expressões se mo-dificam e a força ancestral ou cósmi-ca (MARTINS, 2001) vem á tona. Orito cresce em energia e emoção, pro-movendo o contato com o sagrado ehierarquias de seres espirituais (BAS-TIDE, 1978), toalhas são envoltas emcinturas demarcando a incorporaçãoem pessoas consagradas a esse traba-lho e ritualística, estabelecendo comestas estreita relação de coopartici-pação, simbolismo e significância51.

Com Voduns, Encantados, Gen-tis, e Caboclos que “vem á guma parabaiar” a saia gira, surpreendendo emfrenesi, velocidade e eixo. O umbigoé o centro e eixo e parece até brincarentre equilíbrio e desequilíbrio.

Com dinâmica coreográfica vari-ável que desponta em desenhos cir-culares, filas, fileiras, movimento depequenos coices, rodopios, de ondae alternância que parecem imitar omar, movimentos são repetidos e al-ternados promovendo tranze de con-tínuas cíclicas de incorporação aos

próprios seres espirituais, em queum aparenta dar passagem ao outro,segundo sua hierarquia, dinâmica emusicalidade.

Os gestos apresentados refletemprecisão e leveza, envolvendo emgrande parte dançarinos ou baiantesidosos que parecem deslizar, balan-çando braços e cantando em compas-sos cadenciados que as vezes se in-tercalam com alegros e estacatos, tal-vez em menção ao fluxo da terra, domar, e dos planetas, seguindo dese-nhos espaciais descritivos, reverênci-as ao solo e ao cosmo que incluemmovimentos de braços, cabeça, olha-res, foco, giro de pés e jogo virtuosode saias.

São registrados os elaborados mo-vimentos de dança que podem serclassificados e catalogados segundoos estudos de Laban (1978) que se de-senvolvem com domínio e plasticida-de admiráveis com características depeso, fluidez, intensidade, força, di-reção, forma e dinâmica, reunidos àdiscretos gestuais indicativos de tra-balho e festa, deslocamento e altivez,ou mesmo à transcendência incorpo-rativa.

O ritmo volta ao normal, dançan-tes incorporados se intercalam entreos que continuam dançando no sa-lão e outros que se sentam, tomamchá, conversam com a assistência eretornam à roda, onde a dança sem-pre continua até o horário do térmi-no previsto. Prolongando sua estadaem bate-papos, rimas, cantorias edesafios que por vezes amanhecem.

Neste diálogo de fé e beleza dosaspectos estéticos do corpo, as dan-ças, gestos e movimentos se combi-nam com elementos do espaço, in-dumentária e adereços, como bas-tões, fios de conta, lenços, que asse-guram e afirmam a identidade, a per-sonalidade e a performance dos ele-mentos e seres evocados.

A dança do Tambor de Mina re-mete a elementos simbólicos de par-

ticipação transcendente em espetá-culo popular, artístico e religioso comdesenho espacial que comumentedescreve roda (xirê) “em percurso anti-horário, fazendo referência de retor-no à ancestralidade” (MARTINS,2001, p. 67).

É possível também estabelecer in-ferências e projetá-las a partir dospercurso das coreografias da Mina àsdanças dramáticas brasileiras, encon-trando semelhança em gestuais e mo-vimentos observáveis em danças co-nhecidas como no Tambor de Criou-la, no Bumba-meu-boi, na Ciranda eno Coco, e outras danças que se de-senvolveram em vários estados doBrasil, locais em que as religiões dematriz africanas organizaram-se di-ferenciadamente das do Maranhão.

As organizações sociológicas en-contradas no Tambor de Mina sãovariadas e incluem a participaçãocoletiva e a inserção na irmandadeque a constitui em ritualística queprecede o rito espetacular e transcen-de os salões, em comportamentosperceptivelmente orientados em pre-ceitos, fazeres, condutas e resguar-dos de acordo com a natureza do se-nhorio e do vodun (orixá) de cada in-divíduo do culto e a linhagem da casade culto.

Há no transe princípios de rup-tura que se apresentam juntamentecom elementos do imaginário popu-lar, incluindo memórias, transmissãode conhecimento e oralidade que re-fletem participação e constatação decontínua coodependência entre asdivindades e os seus instrumentos deincorporação, denominados médiunsou cavalos.

Segundo Bastide (1978) refletimossimbolicamente o mundo mítico (ori-xá) e somos donos da nossa própriaexistência, o que se confirma comcitação de caboclo de encantaria, cer-ta vez durante o estudo de campo aodizer que o dançante precisa estarconsciente da sua aprendizagem, res-

50 Termo que designa divindade de origem Jeje, de mais alta hierarquia, geralmente ligada a uma família de reis africanos cultuados nos terreiros e irmandades.Nota-se a presença dos Gentis, que representam ancestrais divinizados ligados á origem de reis e personalidades européias e os caboclos, ligados aos primeirosíndios encontrados pelos portugueses e escravos quando da sua chegada.

51 Conceito que rege as unidades simbólicas ligadas à identidade e às referências ancestrais. Também encontrasse no conjunto de pesquisas fenomenológicas asnoções interpretativas de unidades de significados, que dar-se-ão na compreensão e interpretação hermenêutica do fenômeno segundo uma dada intencionalidadee situacionalidade (SILVA NETO, 2001).

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Boletim 45 / dezembro 2009 1515

CONTINUAÇÃO

ponsabilidade e atuação, afirmandoque este capta seus cantos, denomi-nados na Mina de pontos, e conhe-cimentos de dança e música da cabe-ça do médium cuja consciência e de-senvolvimento cognitivo possibilitaperformance apurada.

Cada encantado possui seus pon-tos, músicas características, que des-crevem a personalidade e a históriade vida do encantado ou caboclo du-rante sua passagem pela terra antesque os mesmo houvessem se encan-tado52. Curiosamente com o óbito domédium esses pontos se perdem ecom eles grande legado artístico mu-sical deixam de ser reproduzidos, fi-cando apenas na memória dos pró-prios dançantes, caboclos e encanta-dos que comentam saudosos.

A transmissão de conhecimentosno Tambor de Mina se dá no conví-vio com os mais velhos e experien-tes, em contínuo exercício de orali-dade e resolução dos conflitos coti-dianos inerentes à participação emgrupo social organizado, reafirman-do a teoria da Sociação de Simmel(1988) sobre a natureza de superaçãopresente no conflito sociológico. Esteafirma que “na religião, o objetivo ésua própria realização, o indivíduo éjulgado por suas obras, mediadas pornormas transcendentais”.

Nos culto de matrizes africanas,como a Mina, as atuações detém de-finições específicas a cada participan-te, seja ao iniciado ou ao público emredor, sendo que, mesmo o iniciadono transe é consciente de que estádiante de um público que o cerca(BIÃO, 1998).

Religiões e danças como as doTambor de Mina possibilitam resis-tência à uniformização cultural, re-presentação de experiência e saber,e dos esforços organizados das mino-rias que participam de grupos soci-ais e artísticos.

A religião, assim como a arte nãoconcebem a existência de atividadessimbólicas sem corpo e atividadescorporais sem implicação cognitiva e

psíquica, como podemos observar notranse por incorporação. Assim, cor-po, pensamento e saberes são inse-paráveis, não havendo pensamentosem corpo, pois segundo Pradier etal. (1998) o pensamento, é uma for-ma dilatada no espaço.

Descrevendo a variedade de ele-mentos cênicos, musicais e expressi-vos, que enriquecem de intenções eimaginário os aspectos ritualísticosdesta religião, é possível testemunharvariadas manifestações corporais den-tro da organização ritual e das fes-tas, que tem presença constante dadança e importância na presença daincorporação, como fator de elabo-ração e designação espetacular e per-formática.

Capaz de transcender as condi-ções sociais cotidianas e preservar atransmissão da identidade cultural,como fator de mobilização sociocul-tural e produção simbólica, a dançae os rituais simbólicos da Mina sãoreferência viva e dinâmica do poten-cial criativo e do comportamento fes-tivo dentro das religiões de matrizesafricanas maranhenses.

CONCLUSÃO

O referido estudo resultou de pes-quisação em dança do Tambor deMina, desenvolvida ao longo de tresanos de participação e envolvimentonas irmandades e festejos que com-põe o calendário de atividades daCasa Fanti-Ashanti em São Luís-MA.

Constatou-se, com isso, a comple-xidade das organizações sociais pre-sentes e a espetacularidade resultan-te, observadas na dança e rituais dareligião do Tambor de Mina.

A partir de gestuais simbólicos,presentes nos movimentos e dese-nhos coreográficos na Mina, utilizou-se do arcabouço teórico da Sociolo-gia, da Dança, dos estudos do Movi-mento de Laban e da Etnocenologia,ciências que se ocupam de práticasespetaculares e performáticas, artís-ticas e sociais.

52 Segundo os mesmo eles não morreram, mas se encantaram, desaparecendo do mundo físico diferenciadamente da forma do óbito, só retornando depoiscomo encantados e caboclos.

Referências

BASTIDE, Roger. O Candomblé daBahia. São Paulo: Ed. Nacional,1978.BOFF, Leonardo; LELOUP, Jean-Yves. Terapeutas do Deserto. Rio deJaneiro: Vozes,1997.FERRETTI, Sérgio F. Querebetã deSomadonu: etnografia da Casa dasMinas do Maranhão. São Luís: EDU-FMA, 1996.________ Repensando o Sincretis-mo. São Paulo: Edusp. São Luís: Fa-pema, 1995.GARAUDY, Roger. Dançar a Vida.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.LABAN, Rudolf. Domínio do Mo-vimento. São Paulo: Summus, 1978.MARTINS, Susana. O Gestual dasiabás iemanjá, Oxum e Inhansã nafesta publica do Candomblé daBahia. Salvador: UFBA/PPGAC.Repertório, Nº 5, 2001.MARTINS, Suzana. A Dança doCandomblé: Celebração e cultura.Salvador: UFBA/PPGC. Repertório,Nº 1, 1998.MEYER, Sandra. O Corpo e asemoções. Cultura. VIEIRA, Jorge deAlbuquerque. Formas de conheci-mento: Arte e Ciência. Salvador:UFBA/PPGC. Repertório, Nº3,2000.PRADIER, Jean-Marie. Etnocenolo-gia, A carne do espírito. In: Armin-do Bião. Salvador: UFBA/PPGAC.Repertório, nº 1,1998.SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Cor-po e ancestralidade. Uma propostapluricultural de dança-arte-educação.Edufba, 2002.SANTOS, Maria do Rosário Carva-lho. O Caminho das Matriarcas Jeje-Nagô. São Luís: 2001.SILVA NETO, Mateus Antonio de.Das concepções de universidade:Uma perspectiva Fenomenológico-Existencial Hermenêutica, São Luís,1999.SIMMEL, Georg. A natureza soci-ológica do conflito. In: Moraes Fi-lho, E. (org.). Simmel- Sociologia.São Paulo: Ática, 1988.

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Boletim 45 / dezembro 20091616

Jurema – arbusto, religião e entidade espiri-tual cabocla - muito encontrada no Nordes-

te e também muito conhecida no Norte e emtodas as regiões brasileiras que receberam mi-grantes nordestinos ou que integraram a Um-banda à sua cultura tradicional. Em comuni-dades indígenas nordestinas o arbusto jurematem grande importância no culto aos antepas-sados, pois com partes dela se prepara umabebida que facilita a comunicação do grupocom as gerações passadas, que é consumidadurante o ritual do Toré (GRUNEWALD,2005). A ingestão de bebida preparada comsuas folhas, cascas e raízes da jurema é tam-bém encontrada no Catimbó, principalmenteno NE, e às vezes também em cultos aos cabo-clos realizados em terreiros de religião afro-bra-sileira e de umbanda que integraram elemen-tos do Toré indígena e do Catimbó (ASSUN-ÇÃO, 2006). No Catimbó a bebida sagrada feitacom a jurema é muito apreciada pelos mestres– antigos catimbozeiros ou juremeiros, conhe-cedores das propriedades terapêuticas das er-vas e de produtos naturais e detentores depoderes mágicos. Fala-se que alguns deles,alem de grandes curadores, eram também ca-pazes de atacar e até de matar por meios mági-cos os inimigos, daí a má fama conquistadapelo Catimbó entre os que não o conhecem deperto (CASCUDO, 1978). A jurema arbustotem várias espécies, algumas delas com pro-priedades alucinógenas atestadas pela ciên-cia, capazes de provocar um estado especialde consciencia necessário à comunicação comos antepassados (CAMARGO, 1988; 1999).

A jurema religião também conhecida comoCatimbó tem em Alhandra, na Paraíba, a sua“Meca” (SALLES, 2004). Fala-se que ali vive-ram grandes mestre como Zé Pilintra e MariaAçaís, que abriram as primeiras mesas (rituais)de Jurema e que depois de desencarnados,dela participam, atendendo a chamado deoutros catimbozeiros, curando e ajudando apopulação na solução de problemas diversos.É mais difundida no Nordeste e entre popula-ções rurais, mas foi levada por migrantes a ou-tras regiões e, depois de absorvida pelas religi-ões afro-brasileiras e pela Umbanda, passoutambém a ser mais conhecida nas capitais enas grandes cidades, tornando-se mais públi-ca e ganhando ali uma dimensão mais festiva.

Em maio de 2004 tivemos oportunidadede assistir em Natal (RN) a um ritual realizadoanualmente em homenagem a entidades daJurema, em um terreiro de Candomblé. A mesaestava repleta de comidas a eles oferecidascada uma em um recipiente diferente. Haviatambém ali um berimbau, talvez porque nelacomiam também os pretos velhos. Segundonos foi explicado pelo pai-de-santo, eles foramtambém curadores, benzedeiras e rezadeirase são conhecidos como os responsáveis pelaligação do índio com o negro. Havia tambémno chão, em outra parte do salão, uma mesapara caboclos e, em um dos cantos, um altarzi-nho iluminado que, como soubemos depois,era o ponto da cigana recebida pelo pai-de-santo que, segundo nos foi esclarecido, não

Jurema, ô Juremê JuremáMundicarmo Ferretti

pertencia a ‘linha de encruzilhada’, e que tam-bém participou da festa. Aos mestres incorpora-dos era servido um cálice de jurema e entregueum cachimbo com o qual faziam defumação co-locando a boca no fornilho, soprando, o que fa-zia a fumaça sair pelo cabo. Não houve toque,mas se sacudiu maracá dando salvas à ‘Juremasagrada’ e, invocando Nossa Senhora e algumasentidades, as entidades recebidas cantaram ouforam homenageadas com cânticos.

Embora o ritual de Jurema observado emNatal tenha sido uma “mesa de folguedo” -para beber, brincar e agradecer as orientaçõesrecebidas, várias entidades se aproximaram daassistência indagando como as pessoas esta-vam passando, para saber se precisavam dealguma coisa, fazendo alguns comentários e/ou reforçando a confiança nelas depositadapelo grupo: “tu é capaz de tirar a roupa docorpo para dar, por isso estamos sempre do teulado”, falou uma delas a um dos visitantes.

A Cabocla Jurema, ao contrário dos boia-deiros, vaqueiros, turcos, cigano, marinheirose muitos caboclos recebidos em transe mediú-nico nos terreiros brasileiros, liga-se aos primei-ros habitantes do Brasil, aos “verdadeiros do-nos da terra”, como se costuma falar. É repre-sentada como uma cabocla de pena (índia, fi-lha de tupinambá), morena, bonita, flecheira,invencível – “nunca atirou para errar”, confor-me declarado em um de seus pontos cantadosem rituais realizados em terreiros. Como é re-cebida e homenageada na mina, cura, umban-

da e terecô, é um dos pontos de união no Ma-ranhão entre as religiões afro-brasileiras.

Tal como anunciado em um ponto deUmbanda, os “filhos da Jurema” podem con-tar com a sua proteção para o que “der e vier”.Ela pode ser invocada tanto para restaurar asaúde e satisfazer as necessidades de quemnela confia e quanto para a sua defesa contrainimigos, em caso de demanda:

Jurema, a tua folha cura, a tua flecha mata.Eu sou filho da Jurema, não posso viversem a mata.

A Cabocla Jurema, representada no pon-to citado como integrada à mata, é tambémassociada às águas e recebida na Umbandacomo a Jurema da Praia e a Jurema da Cacho-eira. E, divido a sua relação com a naturezapode ser apresentada como símbolo da har-monia homem-natureza.2

Referência

ALVARENGA, Oneida. Registros sonoros dofolclore musical brasileiro: catimbó. São Pau-lo: Discoteca Municipal, 1949.ASSUNÇÃO, Luiz. O reinado dos mestres: atradição da jurema na umbanda nordestina.Rio de Janeiro; Pallas, 2006.CAMARGO, Maria Thereza L. de Arruda.As plantas do catimbó em Meleagro de Cama-ra Cascudo. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999.————. Plantas medicinais e rituais afro-bra-sileiros I. São Paulo: ALMED, 1988.CASCUDO, Luiz da Câmara. Meleagro. Riode Jneiro: Agir, 1978.CONCONE, Maria Helena Vilas Boas. Um-banda uma religião brasileira. São Paulo: USP/FFLCH/CER, v. 4, 1987.GRUNEWALD, Rodrigo de Azevedo (org.).Toré: regime encantado do índio do Nordeste.Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2005PRANDI, Reginaldo (org.) Encantaria Brasi-leira: o livro dos mestres, caboclos e encanta-dos. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.SALLES, Sandro Guimarães de. À sombra dajurema: um estudo sobre a tradição dos mes-tres juremeiros na Umbanda de Alhandra –PB. DISSERTAÇÃO. UFRN/PPG CS, 2004.

(Footnotes)1 Dra, em Antropologia; Professor Emérito daUEMA; Profa. do Programa de Pós-Gradua-ção em Políticas Publicas e em Ciências Soci-ais da UFMA; membro da CMF.2 Segundo Pai Eduardo d’ Oxossi, “toda cabocla Jurema tem vibraçãooriginária de Iansã, mas poderemos encontrara mesma entidade trabalhando em outras vi-brações como Jurema da Praia, na vibração deIemanjá; Jurema da Cachoeira, na vibração deOxum; Jurema da Mata, na vibração de Oxos-si, e assim sucessivamente. É a mesma entida-de, com vibração originária de Iansã, penetran-do em outras vibrações de Orixás” (www.eduardoxossi.com

– acesso em 02/12/2009).

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O cordão vai passar. É o “baralho”, oBrilho das Barrocas, vai gente de todo tipoe tamanho.

Na frente vai a porta-bandeira faceira,fuzarqueira, rameira, reboladeira, vestida deazul cintilante, estrelado de branco , a sara-cotear, a agitar o verde pendão do cordãoBrilho das Barrocas, pendão verde-bonan-ça que a brisa de São Luís beija e balança.

O mestre-sala vai de fraque amarelo ecalça verde apertada na regada; brilha o lu-minoso do cetim. Na cabeça, um despro-pósito de cartolina alviazul de papelão.

A música é de flauta e clarinete, violãoe cavaquinho, pandeiro e reco-reco, har-mônica e maracá de folha de flandres.

Os crioulos dos tambores vão só de ce-roulão, nus de cintura para cima. As criou-las, não. Cada crioula veste cabeção de ren-da e saia de veludo, com anágua engoma-da, prá não aparecer o bicho cabeludo.

Rebola bola, você diz que dá, que dá, etome punga! E tome umbigada!

Eta, crioulas inzoneiras, metedeiras,parideiras!

Janela do TempoO Baralho vai passar53

Nonnato Masson54

53 Transcrito do Suplemento Cultural do SIOGE – VAGALUME. São Luís. Março/abril de 1994, p.23. O original trazia uma foto de Biné Morais com alegenda: Na Madre Deus, o Baralho de Zé Garapé não perde o rebolado e guarnece a tradição passada de geração em geração.

54 Nonnato Masson, da Academia Maranhense de Letras, é jornalista e cronista do jornal “o Estado do Maranhão”.

- Viva o Baralho das Barrocas, viva onosso cordão, viva a nossa brincadeira!

- Hoje é carnaval, hoje o dia é nosso!Vale tudo como fantasia, roupas de

marinheiro de chegança, de Caninha Ver-de, Dança de São Gonçalo, Terço, Bumba-meu-boi, roupas do Divino e dos terreirosde mina, fofão, dominó, cruz-diabo. E la-vai o cordão.

Lá vai o cordão com a patuléia, a saran-dalha, a fina flor da escumalha. Só genteplebéia, agitada, destrambelhada, excitada,suada, a pular, a gingar, a cantar, a baralhar,a multidão encachaçada, saída das Barro-cas coloando, serpenteando, ziguezaguean-do, volteando pela cantaria e cabeças-de-negro da Rua da Alagadeira.

Vai o Brilho das Barrocas em três colu-nas por um, podia ser de mais, mas vaimesmo assim, para se esbaldar, para brin-car, amar e gozar, cada um segurando comas mãos a bunda do outro para não sair dalinha nem perder o ritmo, a porta-bandei-ra na frente já está lá em cima na Rua dosAfogados, quase saindo na Rua dos Remé-

dios, e o rabo do cordão se arrasta aindapela Praia do Caju.

Quem vai, vamos, que é carnaval, o dia énosso!

Vai gente de toda laia e de todo ofício,até mesmo a súcia dos sevandijas.

Um pique de cavalaria da Força Públi-ca, cada megalha com seu chanfalho, vê obrilho das Barrocas passar serpenteando,em frenética algazarra, pela Rua dos Re-médios, no rumo da Rua do Passeio.

De vez em quando cessa o som da cor-da e de sopro, o cordão para e faz roda.Desta feita foi no Largo do Quartel. Oscrioulos ajoelhados, esmurram os tambo-res e as crioulas cantam e dançam. As cri-oulas reboladeiras rebolam, quebram, re-quebram, seios duros bulindo, o cabeçãosacudindo. Rebola crioula. E tome punga!Tome umbigada!

É o Baralho, cordão de muita gente,gentinha, animando o Carnaval de Rua deSão Luís, no começo do século XX, comtambores de crioula e música como o “ma-xixe”.

RESUMOS E RESENHASDISSERTAÇÃO2009

CORNELIO, Paloma Sá de Castro.Reisado Careta: brincadeira para salvar San-to Reis. DISSERTAÇÃO. Mestrado em Ci-ências Sociais. São Luís, UFMA. 2009, 82 p.Orientador: Dr. Sergio F. Ferretti.

RESUMOAnálise do folguedo Reisado Careta, com

música, dança, canto e poesia; realizado poragricultores da região do Médio Itapecuru,sertão leste do Maranhão, especialmente nacidade de Caxias. O Reisado Careta é umafesta para louvar Santo Reis e acontece emforma de jornada que simboliza o caminhofeito pelos Três Reis do Oriente desde a noitedo dia 25 de dezembro, data do nascimentode Cristo Jesus até o dia 06 de janeiro, quan-do os Reis chegaram a Belém. As persona-gens representadas na brincadeira variam en-tre seres animais (burrinha, boi, galo, ema, ba-bau), humanos (Nega-véia) e fantásticos (jara-guaia, os caretas), entre outros conforme cadagrupo de brincantes apresentar. Os instru-mentos também variam entre sanfona, rabe-ca, banjo, viola, pandeiro, triângulo e tambor.Criação cultural de uma comunidade é base-ada em suas tradições.

MANHÃES, Juliana Bittencourt.Memórias de um corpo brincante: a brinca-deira do cazumba no bumba-boi maranhen-se. DISSERTAÇÃO. Mestrado em ArtesCênicas – UFRJ. 2009. Orientador: José LuizLigiero Coelho.

RESUMOA brincadeira do cazumba dos bois da

Baixada Maranhense constitui o principalobjeto deste estudo. Fazendo uma reflexãosobre a sua movimentação e funções dentroda manifestação, agregando uma diversida-de de sentidos sobre o personagem. Alémde buscar significados sobre o uso de suaindumentária, bata, cofo e careta. Este tra-balho procura identificar o que é um corpobrincante e fluido, onde o jogo e a esponta-neidade trazem a marca da performance docazumba, buscando contribuir para os estu-dos das culturas populares e sua relação como corpo, ampliando possibilidades nos estu-dos do teatro, da dança e suas relações comas manifestações brasileiras. A principal fon-te de pesquisa foi o Boi da Floresta, atravésdo seu fundador mestre Apolônio e o mestrecazumba e artesão Abel Teixeira, além dedepoimentos de cazumbas da Baixada.

MONOGRAFIA2008

MENEZES, Flávia Andresa Oliveira de.Espacialidade e gestualidade: a prática perfor-mativa dos caretas e dos brinquedos da reisada.MONOGRAFIA. Graduação em EducaçãoArtística. São Luís, UFMA, 2008, 120 p. Orien-tadora: Profa. Tânia Cristina C. Ribeiro.

RESUMOAtravés de estudo sobre a reisada de Na-

zaré do Bruno, brincadeira do ciclo natali-no, faz um estudo eucinético e coreológicoda gestualidade e da movimentação espaci-al dos brinquedos da reisada e destaca aforma como tais elementos são aprendidos.Aborda elementos históricos a respeito doculto aos reis magos, na Europa da IdadeMédia, posteriormente focando a Penínsu-la Ibérica e o Brasil, dando enfoque as con-cepções dos participantes que residem noPovoado Nazaré do Bruno. Descreve a brin-cadeira situando seu período de aconteci-mento, a forma como acontece e os motivosque levam os indivíduos a dela participar.Deixa registro sobre a brincadeira e se ca-racteriza como contribuição para a corren-te de estudo da etnocenologia.

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Boletim 45 / dezembro 20091818

Notícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosPRAIA GRANDE

DAS ARTES

A Superintendência de Ação eDifusão Cultural/SECMA realizou oPraia Grande das Artes, de 27 a 30 deoutubro. Foram quatro dias de mostrada diversidade da cultura maranhense– cortejo do divino, cortejo de tambores,cortejo junino e cortejo carnavalesco daPraça Deodoro à Praia Grande;lançamentos de livros na Praça da Casado Maranhão; instalações de artistasplásticos ao longo do Largo do Comercioe em torno do Mercado das Tulhas; emais shows, canto coral, apresentaçõesde grupos folclóricos, espetáculos deteatro e dança e cinema que seconcentraram no Centro Histórico aolongo da Rua Portugal, Largo doComércio, no Mercado das Tulhas, naPraça Nauro Machado, no Teatro deArena Beto Bittencourt- anexo ao OdyloCosta Filho, no Canto das Culturas eno Pátio interno do CCPDVF. O Bailedo Bicho com o grupo Bicho Terra, NaPraça Nauro Machado, encerrou o PraiaGrande das Artes.

SEMANA NACIONALDE CIENCIA ETECNOLOGIA

A Secretaria de Estado de Ciênciae Tecnologia e o Centro de Pesquisade História Natural e Arqueologia doMaranhão, com o tema “Caminhos daPré-História do Maranhão”, realizarama Semana Nacional de Ciência eTecnologia 2009. Discutir a ciência,transformando-a em um bem público,e atrair principalmente a juventudeatravés de oficinas, palestras, mini-cursos, painéis itinerantes, exposiçõesde projetos, mostras de vídeos, filmes,documentários, atrações culturais efeira de ciências foi um dos objetivos.Tudo em função da riqueza de sítiosarqueológicos e fossilíticos que o estadopossui e que precisam ser maisconhecidos para que sejam melhorpreservados. Outro objetivo émovimentar o estado para que sejacriado um museu de ciência. Aabertura contou com a apresentação daInfinity Jazz Band da Escola de Músicado Maranhão.

II CONFERENCIAMUNICIPAL DE

CULTURA – CULTURA ECRISE,

A Prefeitura Municipal de São Luisrealizou dias 28, 29 e 30 de outubro aSegunda Conferência Municipal deCultura. N a abertura a representanteRegional do MinC para o Nordeste,Tarciana Portela falou sobre Cultura eCrise. No dia 29 realizou-se a leitura eaprovação do Regimento; apresentaçãodos eixos temáticos definidos na Pré-conferencia e aprovação dos pontosdiscutidos. E no terceiro dia, Cultura:direito e cidadania – o papel dosConselhos Municipais de Cultura;formação do Conselho Municipal decultura; indicação de nomes paracomposição do mesmo; eleição eapresentação da Delegação para aSegunda Conferência Estadual deCultura.

CONGRESSOBRASILEIRO DE

FOLCLORE

A Comissão Nacional de Folclore ea Comissão Espiritosantense deFolclore, com o apoio das outrasComissões Estaduais, realizaram o XIVCongresso Brasileiro de Folclore, emVitória, Espírito Santo, com o objetivointegrar mestres da cultura popular emestres do saber erudito num mesmopatamar de conhecimento, em buscade caminhos conjuntos para umasociedade de respeito à cultura popular,aos criadores e aos seus estudos. Umdos pontos centrais de discussão foramas políticas públicas que estão sendodesenvolvidas para o folclore no país.Dentro desse tema a Secretaria deIdentidade e Diversidade – SID/MinCteve dois representantes : Ricardo Lima, Diretor de Políticas Públicas daDiversidade e Identidade, quediscorreu sobre O Estado Brasileiro eas Políticas Públicas para o Folclore eMarcelo Manzati, Coordenador Geralde Fomento à Identidade eDiversidade, sobre Políticas Públicaspara o Folclore Brasileiro. Foram 102

Comunicações Científicas distribuídasem 22 Mesas temáticas a partir detrabalhos aceitos e em cinco Mesasespeciais com trabalhos depesquisadores convidados. Alémposteres – comunicação de trabalhosde estudantes e mestres da culturapopular -, simpósios, conferências,assembléias, apresentações,exposições, lançamentos de livros,apresentações de grupos folclóricos,oficinas e feiras. A Mostra de VídeosDocumentários em que se destacou aretrospectiva da produção do cineastaOrlando Bonfin com os filmes “Cantosda Liberdade- a festa do Tucumbi”,“Mestre Pedro de Aurora”, “Dois ReisMagos dos Tupininquim” e “AsPaneleiras do Barro”. O Congressotambém abriu a mostra para cineastasamadores com documentários na áreado folclore. Da Comissão Maranhensede Folclore participaram: MariaMichol Pinho de Carvalho, queministrou aula no Curso de Folcloresobre “Festa do Divino”; Sérgio Ferretti,que participou da Mesa Redonda “OFolclore Brasileiro e a ConvençãoInternacional de Proteção e Promoçãoda Diversidade das ExpressõesCulturais”, como coordenador; FláviaAndresa Oliveira de Menezes, queparticipou do Simpósio Temático como trabalho “A pratica performativa dosCaretas e brinquedos da ‘reisada’ deNazaré do Bruno – Caxias-MA”; e apresidente Lenir Oliveira, queparticipou do Seminário para discutiro Regimento da Comissão Nacional deFolclore e compromissosadministrativos relativos às ComissõesEstaduais. Nas atrações culturais aatração especial foi o II Desfile daIdentidade Capixaba e Brasileira

PREMIO CULTURASPOPULARES 2009 (I)

Como resultado das discussões sobreprojetos habilitados no edital para oPrêmio Culturas Populares - EdiçãoMestra Dona Izabel durante o XIVCongresso Brasileiro de Folclore, aComissão Nacional de Folclore enviou,dia 28, carta ao Secretário daIdentidade e Diversidade-SID/MinC,Américo Córdula, solicitando uma

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Boletim 45 / dezembro 2009 1919

semana a mais do prazo concedido (dia26 ao dia 30 de novembro)considerando que, para que adocumentação chegue no prazosolicitado os participantes préhabilitados terão que enviar por sedexsua documentação e que o mesmocusta caro de acordo com o perfil dosparticipantes a qual o premio sedestina. Solicitação votada favorávelpelos presentes na plenária final doCongresso.

PRÊMIO CULTURASPOPULARES 2009 (II)

Dos projetos habilitados 1.113 são demestres; 601 de integrantes de grupos/comunidades informais e 263 deintegrantes de grupos/comunidadesformais. A Comissão de Seleção contacom 32 membros e é formada porantropólogos, pesquisadores,representantes de fóruns do segmento etécnicos/dirigentes do Sistema MinC,além de três mestres que tiveram suasiniciativas contempladas em editaisanteriores. A Comissão Nacional deFolclore está representada por AglaéD’Avila Fontes de Alencar, vice-presidente da Comissão Nacional emembro da Comissão Sergipana deFolclore, e por Luis Cláudio M. Ribeiro,da Comissão Espiritosantense de Folclore.

V ENCONTROMARANHENSE DE

CULTOSAFROBRASILEIROS –

EMCAB

A Tenda São Jorge Jardim de Oeirada Nação Fanti-Ashanti, maisconhecida como Casa Fanti-Ashanti,realizou de 06 a 8 de novembro o VEncontro Maranhense de Cultos Afro-brasileiros. Durante o Encontro foramdiscutidos: A ancestralidade eglobalização: o resgate, preservação eevolução da religião de matriz africana;Medicina Popular versus MedicinaTradicional - a importância e oreconhecimento das ervas medicinais

CONTINUAÇÃO

na prevenção e tratamento de doenças;Projetos sociais e ações de Saúderealizada nos Terreiros; IntolerânciaReligiosa: desafios e avanços paragarantia do direito da liberdadereligiosa; Poder público: projetos deincentivo e valorização da cultura ereligiosidade dos afro-descendentes.Definição dos Terreiros responsáveispelo VI EMCAB. Oficinas sobre: ErvasMedicinais; Gênero e sexualidade nosterreiros; Elaboração de Projetos eDocumentação jurídica necessáriapara os terreiros. Grupos de Trabalho:Educação e Cultura; Saúde, Meioambiente, Juventude e geração derenda. O Documento deReivindicações elaborado no referidoencontro será entregue aosrepresentantes do Poder Público dia 10de dezembro, às 15 horas, no Auditóriodo Sindicato dos Bancários, Rua doSol, nº413-Centro.

EXPOSIÇÃO ZELADORASDE VODUNS

O fotógrafo Márcio Vasconcelosabriu Exposição Zeladoras de Vodunse outras entidades – Do Benim aoMaranhã . O fotógrafo maranhensetraça paralelo entre a religião afro-maranhense e a beninense através defotografias. Na abertura Márcio falousobre a experiência de fazer o caminhode volta – São Luís/Benin – pararesponder aos seus questionamentosenquanto maranhense que revela eperpetua com suas lentes a culturapopular maranhense em suadiversidade. Para realização dessetrabalho contou com a ajuda doantropólogo beninense, radicado noBrasil, Hippolyte Brice Sogbossi, quepor várias vezes esteve em São Luísestudando a Casa das Minas. Aexposição encontra-se na Casa deNhozinho, térreo - Rua Portugal 185-Praia Grande.

CÂNTICOS DEUMBANDA EM CD

Lançamento histórico! O Terreiro daAruanda, com Mestre Yapacani (Matta

e Silva) e Mestre Arapiagha (RivasNeto), lança CD histórico. Os estúdiosda Ayom Records fizeram recuperaçãono áudio, limpeza nas freqüências echiados dos pontos gravados com PaiRivas, num gravador de mão, etransformaram num registro imperdívelpara que o povo da Umbanda possaconhecer o modo de se cantar e de selouvar os ancestrais nas tradições daUmbanda Esotérica e na Umbanda deSíntese. Este é o primeiro volume deuma série de cinco discos em que osprincipais cânticos e invocações dePretos-Velhos, Caboclos, Exus eCrianças são registrados pela primeiravez. Para adquirir este disco escreva:[email protected] ou ligue (011)3499-6152 ou 9761-8058.

LANÇAMENTOS DOIPHAN

A Superintendência do Instituto doPatrimônio Histórico e ArtísticoNacional-IPHAN/Maranhão lançou olivro/CD “Caixeiras do Divino deAlcântara” dia 25 de setembro, noCCPDVF, Rua do Giz, 221. O outrolançamento “Inventário do PatrimônioFerroviário no Maranhão – redeferroviária São Luis-Teresina”, livrovoltada para dar conhecimento dessepatrimônio e chamar a atenção para anecessidade de medidas urgentes paraa sua preservação. Dia 18 de novembro,no auditório do IPHAN. Também naRua do Giz, 235-Centro.

CONFERENCIAESTADUAL DE CULTURA

A II Conferência Estadual deCultura do Maranhão, aconteceu dias2, 3 e 4 de dezembro, no Centro deConvenções Pedro Neiva de Santana,em São Luis, com a participação degestores públicos e privados da cultura,artistas, produtores, conselheiros,empresários, patrocinadores,pensadores, ativistas e de mais atoresda sociedade civil organizada.Durante a fase de conferênciasmunicipais e intermunicipais, 51cidades participaram do processo dedebates e escolhas de delegados emtodo Estado.

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PERFIL POPULARDona Jaci - Prenda de VDona Jaci - Prenda de VDona Jaci - Prenda de VDona Jaci - Prenda de VDona Jaci - Prenda de Valoraloraloraloralor

Jaci Gomes Santos, a Dona Jaci, é uma dasmais importantes e conhecidas caixeiras-

régias de festa do Divino Espírito Santo emSão Luís. Na função de caixeira-régia – aquelaque, junto com a caixeira-mor, comanda o grupode caixeiras que tocam em festas do Divino - éresponsável pelo andamento do ritual de 26festas, como a festa do Divino na Casa dasMinas e de D. Célia Castro, no Maracanã.Devota de Espírito Santo e também de SãoBenedito, faz do ofício de caixeira-régia a suaprincipal ocupação ao longo de todo o ano.Dona Jaci, como é mais conhecida, nasceu emSão Luis, no dia 2 de outubro de 1942, filha deCreuza Cardoso e Matildo Ramos. Não chegoua conhecer o pai, que a entregou para a avómaterna com quem morou durante toda a suavida até se casar. Sobre esta etapa de sua vidarecorda da casa animada e da personalidadedivertida da avó, Maria Santos Cardoso, quepromovia muitas festas, como: Divino EspíritoSanto, Reis, Bloco Carnavalesco e Bumba-meu-boi, no bairro da Macaúba. D. Jaci nãogostava dessa animação que, segundo diz, “era omês inteiro de incômodo; eu querendo dormir, eo barulho não deixava”. Quando era a época dasfestas do Divino Espírito Santo, por exemplo,chegava mesmo a se zangar com as caixeiraspelo barulho que faziam ao tocar e cantar.

Na escola, D. Jaci não chegou a concluiros estudos e cursou até o 7º ano Ginasial. Afalta de incentivo foi a principal responsávelpela interrupção. Da união, aos 32 anos, comVeríssimo Serra, teve cinco filhos, além destesD. Jaci tinha dois filhos frutos derelacionamento anterior com outra pessoa.

No período em que esteve casada, tevepouco contato com Festas do Divino EspíritoSanto, pois seu marido a proibia de freqüentaro ritual e, como diz, “tinha muito medo dele”.Passou, então, a se dedicar integralmente àstarefas do lar e aos cuidados com os filhos. Aretomada de sua ligação com o Divinoaconteceu quando ainda era casada. Foi noano de 1974, quando apareceram em sua casadonos de uma Festa do Divino que lheconvidaram para fechar a tribuna. D. Jacialegou não poder ir por que o marido nãodeixava e que só poderia ir com a permissãodele. Os festeiros, pediram ao marido de D.Jacie, para espanto dela, este permitiu quefechasse a tribuna da casa. D. Jaci entãocumpriu com sua palavra e participou dafesta, fechando a tribuna, como diz, “semmuitos requintes, mas deu pra quebrar ogalho”. Terminada a cerimônia, D. Jaci seantecipou em avisar que não voltaria ali noano seguinte para não contrariar o marido.Contrários ao seu pedido, no ano seguinte os

55 Atriz, arte-educadora, pesquisadora, caixeira e membro da Comissão Maranhense de Folclore.

Keyla Santana 55

festeiros estavam em sua casa solicitando-ano ritual. Novamente pediram ao Sr. Veríssimopara que deixasse a esposa participar. Paranovo espanto, ele deixou e D. Jaci pode, jápelo segundo ano, participar da festa, semprecomo caixeira-régia. Porém, apesar dapermissão, as brigas em casa se agravavampelo fato de o Sr. Veríssimo achar que era aprópria D. Jaci quem pedia para os festeirosirem convencê-lo a deixá-la participar dacelebração ao Divino. Nessa época, estavagrávida da primeira filha com o marido.Segundo conta, as brigas com o marido eramterríveis e com muitas “trocas de palavras”.Ele fazia questão de mostrar sua autoridadena casa. Mesmo assim, D. Jaci sempreconseguia um jeito de revezar seus afazeresdomésticos com a Festa do Divino. Assim asituação foi se prolongando até a morte domarido em 1994. A partir daí, segundo diz,“foi a libertação”. Ela pode participar dequantas festas desejasse, sem que houvessenenhum tipo de proibição por parte de alguém.Depois da morte do marido, os convites paraparticipar das festas do Divino, não apenascomo caixeira, mas como caixeira-régia,aumentaram. Os conhecimentos adquiridosna infância, observando os festejos na casade sua avó, vieram com toda a força em suamente, fazendo-a “relembrar os versos, oandamento do ritual, a habilidade emimprovisar no cantar”, atributos que consideraindispensáveis para uma caixeira,principalmente se esta for régia. E além destasqualidades, a principal de todas: olhar muito

e falar pouco. Outra característica queconsidera importante é o equilíbrio, a calma ea educação no trato com as pessoas, atributosindispensáveis para enfrentar com serenidadeos muitos conflitos existentes entre ascaixeiras, principalmente na relação destascom a caixeira-régia.

CAIXEIRA ONTEM E HOJE

“As caixeiras antigamente tocavam porprazer hoje as caixeiras tocam por dinheiro”.De acordo com D. Jaci, o “agrado” em dinheirodado às caixeiras tem se tornado um dosprincipais responsáveis pela inimizade dentrodo grupo, porque se uma caixeira ganha umaquantia maior que as outras, ou então nãodivide com todas o “agrado” recebido é logorecriminada. D. Jaci, a respeito dessecomportamento, diz: “nasci e me criei tocandode graça para Espírito Santo. Se eu quisesseir na festa, arranjava meu trocado para pagarmeu transporte, arrumava minha roupa, meusapato... Mas hoje não, se não tiver o panopara fazer a roupa, o “agrado”, a cerveja, acaixeira não quer tocar”.

A disputa por caixeiras, que são poucas, éo que faz com que os donos de festa do Divino,queiram agradá-las para que possam sempreretornar a festa, já que como a própria D. Jacidiz: “sem caixeira não tem festa”.

Além desses conflitos, outra lamentaçãoque D. Jaci faz é sobre a falta de jovensmulheres ou meninas que queiram aprendero ofício da caixeira. Diz que poucas seinteressam e conseguem participar do ritual,que exige muita dedicação e não se aprenderapidamente, mas leva anos até que se consigaaprender os versos e toques executados emcada etapa do ritual da festa. Lembra-se desua época de menina, em que ninguém aensinava e também não tinha caixa para tocar.Como diz, aprendeu “prestando atenção eouvindo as antigas. Porque as caixeiras de hojenão são como as de antigamente”. Preocupa-se com esta situação por considerar que a festado Divino fica ameaçada com a falta decaixeiras.

Na despedida, D. Jaci faz questão demostrar o seu talento de caixeira entoando overso:

“Meu Divino Espírito SantoPrenda do meu coraçãoCadeado do meu peitoChave do meu coração”

E finaliza resumindo em uma frase o quepensa sobre a caixeira: “A caixeira é umaprenda de valor”.