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Boletim 50 / agosto 2011 1 COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF SUMÁRIO BOLETIM DA CMF Nº 50 AGOSTO 2011 ISSN: 1516-1781 CNPJ 00.140.658/0001-07 DIRETORIA Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Vice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira 1ª Secretário: Roza Maria dos Santos 2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti 1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira 2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL Lenir P enir P enir P enir P enir Pereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S. Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P. de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Zelinda de C. Lima Zelinda de C. Lima Zelinda de C. Lima Zelinda de C. Lima Zelinda de C. Lima REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva VERSÃOINTERNET VERSÃOINTERNET VERSÃOINTERNET VERSÃOINTERNET VERSÃOINTERNET:www ww ww ww ww.cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br Correspondência Correspondência Correspondência Correspondência Correspondência COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO Rua P Rua P Rua P Rua P Rua Portugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – Praia Grande raia Grande raia Grande raia Grande raia Grande CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- 9951 9951 9951 9951 9951 As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF Editorial ...................................................................................................................................................................... 2 Santo do Dia: 25 de Agosto - São Luis IX ................................................................................................................. 2 Paulinas Online Álbum de recordação ............................................................................................................................... 3 Zelinda Lima “Chica Baiana passeando em terra alheia” ............................................................................................................. 4 Antonio Giovanni Boaes Gonçalves Chegança um dramalhão de tema nautico apresentado em diferentes manifestações .................................. 9 Pedro Mendengo Filho A Festa do Divino em Pinheiro .............................................................................................................. 13 Aymore de Castro Alvim João Affonso do Nascimento: um maranhense singular ........................................................................... 14 João Paulo Soares Jr. e Leandro Carlos Silva Eu conheci Antonio Silvino .................................................................................................................. 16 Raimundo Rocha JANELA DO TEMPO O culto ‘vodou’: Identificações em São Luís e no Haiti .......................................................................... 17 Domingos Vieira Filho RESUMOS E RESENHAS: GP MINA .............................................................................................................. 18 NOTÍCIAS ........................................................................................................................................... 19 Roza Santos PERFIL DE CULTURA POPULAR: Isabel Mineira – Cururupu ......................................................................... 20 Mundicarmo Ferretti

BOLETIM DA CMF Nº 50 AGOSTO 2011 ISSN: 1516-1781 … · coração e espírito sempre voltados para as coisas de Deus, lia com freqüência a Sagrada Escritura e as obras dos santos

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Boletim 50 / agosto 2011 1

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMFCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMFCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMFCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMFCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

SUMÁR

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BOLETIM DA CMF Nº 50 AGOSTO 2011 ISSN: 1516-1781

CNPJ 00.140.658/0001-07

DIRETORIAPresidente: Sérgio Figueiredo FerrettiVice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira1ª Secretário: Roza Maria dos Santos2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite

CONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALLLLLLenir Penir Penir Penir Penir Pereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos S. Oliveira. Oliveira. Oliveira. Oliveira. OliveiraMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol P. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de CarvalhoMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro Lima

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CorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

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CEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoFone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-

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tendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMF

Editorial ...................................................................................................................................................................... 2

Santo do Dia: 25 de Agosto - São Luis IX ................................................................................................................. 2Paulinas Online

Álbum de recordação ...............................................................................................................................3Zelinda Lima

“Chica Baiana passeando em terra alheia” .............................................................................................................4Antonio Giovanni Boaes Gonçalves

Chegança um dramalhão de tema nautico apresentado em diferentes manifestações ..................................9Pedro Mendengo Filho

A Festa do Divino em Pinheiro .............................................................................................................. 13Aymore de Castro Alvim

João Affonso do Nascimento: um maranhense singular ........................................................................... 14João Paulo Soares Jr. e Leandro Carlos Silva

Eu conheci Antonio Silvino .................................................................................................................. 16Raimundo Rocha

JANELA DO TEMPOO culto ‘vodou’: Identificações em São Luís e no Haiti .......................................................................... 17Domingos Vieira Filho

RESUMOS E RESENHAS: GP MINA ..............................................................................................................18

NOTÍCIAS ........................................................................................................................................... 19Roza Santos

PERFIL DE CULTURA POPULAR: Isabel Mineira – Cururupu .........................................................................20Mundicarmo Ferretti

2 Boletim 50 / agosto 2011

Editorial

No mês de Agosto, as Comissões de Folclore e os órgãosestaduais e municipais de cultura costumam realizar

várias atividades ligadas ao folclore, comemorando o dia dacultura popular. No Maranhão, esse é também o período derealização de festejo de diversos santos de devoção do catoli-cismo popular e de várias entidades espirituais cultuadas nosterreiros de religiões de matriz africana: mina, cura, terecô,umbanda, candomblé e quimbanda - voduns, caboclos, encan-tados e outros. Entre esses festejos, o mais popular é sem dúvidao de São Benedito, associado ao vodum Averequete; mas me-recem também destaque os de Dom Luiz Rei de França, deSão Raimundo Nonato, de Santa Rosa de Lima, todos essestambém associados a alguma entidade recebida em transe nosterreiros da capital e do interior. Nesse ano de 2011, o Boletimde Agosto da Comissão Maranhense de Folclore repassa infor-mações disponibilizadas na internet sobre São Luis IX, feste-jado no dia em que vários terreiros da capital realizam a festade Dom Luis Rei de França.

O Boletim 50 reúne artigos sobre a cultura popular tradi-cional maranhense em São Luís e fora da capital, como osartigos sobre Festa do Divino em Pinheiro, de Aymoré Alvim,e a primeira parte do trabalho de Pedro Mendengo Filho sobreChegança, que continua no próximo Boletim. Traz tambémalgumas matérias sobre manifestações culturais que estão de-saparecendo ou que estão quase desaparecidas no estado, comoo costume tão recorrente no passado entre as jovens da capitalde organizar álbuns de recordação, reunindo pensamentos,poesias e mensagens de suas amigas, amigos e de admiradores,relembrado por Zelinda Lima no texto em que disponibilizafragmentos daquele seu precioso livro.

Nesse mesmo número do Boletim João Paulo Soares Juni-or e Leandro Silva, em artigo sobre o chargista e cronista JoãoAfonso do Nascimento, trazem para os nossos dias desenhosque, na segunda metade do século XIX, ilustraram jornais eobras de escritores maranhenses. Foram também incluídosnesse Boletim um artigo de Giovani Gonçalves que mostra ainfluencia da religião afro maranhense em terreiros da Paraí-ba e a sua adaptação ao contexto religioso tradicional daqueleestado. Integra também o Boletim 50 da CMF um artigo so-bre cangaço, do migrante norteriograndense - Raimundo Ro-cha, que mostra a importância daquela temática para aquelesegmento da população maranhense.

Domingos Vieira Filho, em trabalho sobre o “culto vo-duo” do Haiti, chama atenção para alguns pontos em comumentre a religião de matriz africana do Haiti e a Mina jeje doMaranhão que, como aquela, tem matriz africana predomi-nantemente daomeana. Esse tema poderá ser muito impor-tante nos próximos anos, uma vez que a migração de haitia-nos para o Brasil tem se intensificado desde o terremoto queassolou aquele país em janeiro de 2010.

No Boletim 50, a Comissão Maranhense de Folclore, con-tinuando seu trabalho de divulgação de teses, dissertações emonografias sobre a cultura popular maranhense, fornece oresumo de seis monografias de conclusão do curso de gradua-ção – Ciências Sociais, História, Teatro e Turismo. Em notici-as foi dado destaque no Boletim a eventos e a lançamentos deobras de pesquisa realizados recentemente em São Luís.

O Boletim 50 da CMF termina com o perfil popular deIsabel Mineira, afamada mãe-de-terreiro de Cururupu, quedurante muitos anos realizou no mês de agosto a festa deSanta Rosa de Lima, associada a Rosinha – encantada recebi-da por ela em transe mediúnico com muito orgulho.

1 Referências Bibliográficas: ALVARENGA, O. Tambor de Mina e Tamborde Crioulo. São Paulo: Biblioteca Publica Municipal, 1948; OLIVEIRA, J.Orixás e Voduns nos terreiros de Mina. São Luís: VCR, 1989; VERGER,P. 50 anos de fotografia. Salvador: Corrupio, 1981.

SANTO DO DIA: 25 de AgostoSão Luís IX

Em São Luís - capital do Maranhão originada de forte demesmo nome fundado por piratas francês , a devoção a São

Luís é maior nos terreiros de religiões afro-brasileiras do que nasigrejas católicas. Associado ao encantado Dom Luís Rei de Fran-ça, São Luís teve no passado uma capela construída por Maximi-ana - mãe de terreiro documentado em 1937 por pesquisadorespaulistas, da Missão Folclórica criada por Mario de Andrade (AL-VARENGA, 1948); foi muito festejado na Casa de Nagô, comoregistrado por Pierre Verger em 1948 (VERGER, 1982); e é ho-menageado com grande pompa no Terreiro de Iemanjá, abertoem 1956 pelo saudoso Jorge Itaci (OLIVEIRA, 1989).1 Repassa-mos a seguir uma biografia de São Luis IX disponibilizada emPaulinas Online: www.paulinas.org.br.

Luís IX, rei da França, nasceu no dia 25 de abril de 1215, nocastelo real de Poissy. Era filho de Luís VIII e de Branca de Castela,ambos piedosos e zelosos, que o cercaram de cuidados, especialmen-te após a morte do primogênito. Trataram pessoalmente da suaeducação e formação religiosa. Foram tão bem sucedidos que LuísIX tornou-se um dos soberanos mais benevolentes da história, umfervoroso cristão e fiel da Igreja.

Com a morte prematura do seu pai em 1226, a rainha, sua mãe,uma mulher caridosa, de grandes dotes morais, intelectuais eespirituais, tutelou o filho, que foi coroado rei Luís IX, pois ele eramuito novo para dirigir uma Corte sozinho. Tomou as rédeas dopoder e manteve o filho longe de uma vida de depravação e depecado, tão comum das cortes. Mas Luís, já nessa idade, possuía asvirtudes que o levaram à santidade - a piedade e a humildade -, e queo fizeram o modelo de “rei católico”.

Em 1235, casou-se com Margarida de Provença, uma jovem prin-cesa, que, assim como ele, cultivava grandes virtudes. O maridoreinou com justiça e solidariedade. Possuía um elevado senso depiedade, incomum aos nobres e poderosos de sua época. Tinhacoração e espírito sempre voltados para as coisas de Deus, lia comfreqüência a Sagrada Escritura e as obras dos santos Padres eaconselhava-as a todos os seus nobres da Corte. Com o auxilio darainha, fundou igrejas, conventos, hospitais, abrigos para os pobres,órfãos, velhos e doentes. O casal real teve dez filhos, todos educadoscomo eles e por eles. E o resultado dessa firme educação cristãoforam reis e rainhas de muitas cortes, que governaram com sabedo-ria, prudência e caridade.

Depois de ter adquirido de Balduíno II, imperador de Constanti-nopla, a coroa de espinhos de Cristo, que, segundo a tradição, era amesma usada na cabeça de Jesus, ele mandou erguer uma belíssimaigreja para abrigá-la numa redoma de cristal. Trata-se da belíssimaSainte-Chapelle, que pode ser visitada em Paris.

Acometido de uma grave doença, em 1245 Luís IX quase morreu.Então, fez uma promessa: caso sobrevivesse, empreenderia uma cru-zada contra os turcos muçulmanos que ocupavam a Terra Santa.Quando recuperou a saúde, em 1248, apesar das oposições da Corte,cumpriu o que havia prometido. Preparou um grande exército e, porvárias vezes, comandou as cruzadas para a Terra Santa. Mas emnenhuma delas teve êxito. Primeiro, foi preso pelos muçulmanos,que o mantiveram no cativeiro durante seis anos. Depois, numaoutra investida, quando se aproximava de Tunis, foi acometido pelapeste e ali morreu, no dia 25 de agosto de 1270.

Os cruzados voltaram para a França trazendo o corpo do rei LuísIX, que já tinha fama e odor de santidade. O seu túmulo tornou-seum local de intensa peregrinação, onde vários milagres foram obser-vados. Assim, em 1297 o papa Bonifácio VIII declarou santo LuísIX, rei da França, mantendo o culto já existente no dia de sua morte.(Acessado em 10/12/2011).

Boletim 50 / agosto 2011 3

Zelinda Lima2

ÁLBUNS DE RECORDAÇÃOO hábito de trocar frases, decla

rações de amor, apreço e amizade é comum entre adoles-

centes. Hoje, vendo o intenso relacio-namento estabelecido pelos meus ne-tos com seus amigos via internet, refli-to que esse hábito decorre de uma ne-cessidade humana antiga: relacionar-se,estabelecendo laços. Colocar em práti-ca a máxima filosófica que diz sermostodos animais sociáveis.

Lembro, com satisfação, de um im-portante meio de relacionamento ado-tado pelos adolescentes de minha épo-ca: os cadernos de recordações. Falo deuma adolescência vivida na São Luisdos anos 40, tempo em que, efervescen-te, fazendo pulsar todas as linguagensartísticas simultaneamente. Fomos ado-lescentes embalados por poemas, peçasteatrais, exposições de pintura e tantasoutras “artes” que inventávamos nos grê-mios recreativos e sociedades culturaisexistentes em praticamente todos os co-légios da cidade. Além disso, reuniamo-nos todos os finais de semana para dis-cutir assuntos diversos, divagando sobreantigos e novos valores sociais e cultu-rais, pintura, política ou simplesmentepara tocar piano, declamar poesias, fes-tejar a vida, a juventude e a amizade.Como forma de selar essa amizade éque costumávamos cultivar os precio-sos álbuns ou cadernos de recordações.Havia dois tipos mais comuns: aqueleem que guardávamos autógrafos de ído-los, autoridades ou artistas famosos quepor São Luís passavam, já que nossacidade integrava o roteiro de turnês ar-tísticas internacionais; e os dedicadosàs mensagens trocadas entre amigos,onde um declarava ao outro sua per-cepção, carinho e, por que não, amor.Era ali que muitas vezes começava umflerte que poderia avançar para umnamoro. Lembro de amigas que vive-ram histórias de amor começadas natroca de mensagem nestes cadernos.Geralmente os cadernos eram cultiva-dos pelas moças, ficando os rapazes nadisputa para escrever nos mesmos. Tam-bém ali já despontavam talentos. Umdos meus álbuns guarda poemas do

então adolescenteJosé NascimentoMoraes Filho, queviria mais tardeafirmar-se como umimportante intelec-tual e poeta de nos-sa terra.

Hoje, amarela-dos, os cadernos sãolembranças de umtempo que se foi, massão também conexãocom a era atual, mos-trando que sentimen-tos como amor e ami-zade nunca envelhe-cem, encontrando sem-pre uma forma de sereinventar e sobreviver.

2 Pesquisadora de Cultura Popular e autora dos livros Pecados da gula: comeres e beberes da gente do Maranhão, Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo eoutros. Membro Titular da Comissão Maranhense de Folclore.

3 José do Nascimento Morais Filho – professor, poeta, jornalista e folclorista maranhense falecido, participante do Modernismo no Maranhão(WWW.antoniomiranda.com.br – acesso em 12/01/2012).

Livro de Recordação de Zelinda Lima - 1942-1965.Páginas de Nascimento Morais3

Um álbum de pensamentos e idéias, de conceitos e reminiscências ou lembranças érelíquia que com o tempo mais se estima. Se a grafologia expressa traços da psicologiaindividual, o álbum é uma excelente coletânea de caracteres e de temperamentos. Pro-miscuamente se encontram em suas paginas coletivadas instintos revelados pela fraseelegante e ternas os sentimentos profanados pelo coração. E mais: quem o lê com aten-ção certo reconhecerá que em cada uma de suas paginas está em síntese um romance ouum poema vivido ou sentido em tempos passados, nunca jamais esquecidos e que setransmudam na personal saudade, companheira fiel e amiga sincera dos que fazem dosofrimento a beleza do poente e a policromia do horizonte derradeiro...

Alvorada da GlóriaAo espírito sonhador de Zelinda

Escuta!.. Escuta as eclosões braviasQue no horizonte rubro destes vasosFlutuam... bailam como sons imensosDe escalas sensuais de melodias.

Olha!.. Olha as labaredas de harmoniasQue entre clarões de ritmos dispersosEstortigam, lambendo os universosNa alvorada da glória dos meus dias!

Então, verás na ardência dos lampejos,E no sangue da flama voluptuosaMeu coração em cósmicos apelos

Que vibrando, qual nota de desejos,Pulsa, crepita, exulta e apoteosaSobre a clave de sol dos teus cabelos!

Nascimento Morais Filho

Horizonte VesperalÁ Zelinda

Bradou-me um dia uma visão: “Avante!O teu caminho a luz apoteosa!A Glória te acompanha, parte, Atlante...”(E olhando a plaga elísea e esplendorosa):

O azul é o teu troféu; ergue-o, triunfante,No pedestal de um coração. DesposaA rútila Conquista do LevanteDo sonho de teus dias!” Dolorosa

Jornada, então, rompí; do ritualDo amor aceito e cumpro a férrea lei,Buscando-te na altura alcantilada!

Mas... és meu horizonte vesperal,Onde assim como o sol eu morrereiNa cósmica ilusão de outra alvorada!

José do Nascimento Morais Filho

4 Boletim 50 / agosto 2011

INTRODUÇÃO

Na cidade de João Pessoa, predominamno campo das religiões afro-brasilei-

ras, a Umbanda e o Candomblé. A Umban-da é aqui entendida como um misto de ca-tolicismo popular, kardecismo, herança afri-cana dos orixás e os rituais da Jurema Sa-grada. O Candomblé é mais recente que aUmbanda, tendo chegado a João Pessoa,mais ou menos, a partir da década de 80, nofluxo do movimento de dessincretização e(re) africanização iniciado na Bahia duran-te a década de 70 do século passado, poralgumas mães de santo baianas.

Até a década de 60, o campo em ques-tão, não se apresentava como campo pro-priamente dito (BOURDIEU, 1999). Exis-tiam pessoas isoladas trabalhando em me-sas de curas, também chamadas mesa bran-ca ou mesa de jurema, conforme registra-do pela Missão Folclórica Paulista, em 1938,quando visitaram a Paraíba (CARLINI,1993). Em torno dos organizadores dessasmesas, se articulavam algumas pessoas queajudavam e participavam dos rituais, nada,entretanto, que lembrasse as organizaçõese hierarquias dos terreiros de hoje. A par-tir, portanto, desta década, o campo come-ça a ganhar feição própria; surgem os pri-meiros “centros” registrados como associa-ções e começam a se realizar rituais aber-tos, com acompanhamento de tambores(elus/bombos), prática proibida até então.Em 1966, o governador João Agripino pro-mulgou a primeira lei referente à matéria:a Lei Estadual 3.443 de 6 de novembro que,no seu Artigo 1º, torna “livre o exercíciodos cultos africanos em todo o territóriodo Estado da Paraíba, observadas as dispo-sições constantes desta lei”.

As principais influências sobre o emer-gente campo vieram, sobretudo, de Recife,cujos principais representantes foramMario Miranda (Mario Maria Aparecida) –tendo sido, salvo engano, o primeiro a ini-ciar filhos em João Pessoa –, Zé Romão ePai Edu. Os três praticantes da Umbandacom nagô.

Outra linha de influência veio daBahia, trazendo elementos tanto da Um-banda quanto do Candomblé. O primeiroterreiro a funcionar como associação re-gistrada e a tocar elus, foi fundado em 1960na chamada Enseada, hoje o bairro nobrede Tambaú. A mãe de santo, que reivindicao título de pioneira das religiões afro-brasi-leiras em João Pessoa, teve a sua história

“CHICA BAIANA PASSEANDO EM TERRA ALHEIA”: PRESENÇADA MINA MARANHENSE EM TERREIROS DE JOÃO PESSOA4

Antonio Giovanni Boaes Gonçalves5

religiosa construída na Bahia, em uma pe-quena cidade chamada Tucano. Lá foi ini-ciada por uma mãe de santo, tanto no Ori-xá como na Jurema, que (segundo mãe Ma-rinalva) teria sido filha de escravos e paren-te carnal de mãe Menininha do Gantois.Isso ocorreu na década de 40, quando a hojeialorixá Marinava Amélia, ainda era adoles-cente. Embora seja paraibana da cidade deSerra Branca, viveu na Bahia dos 2 aos 20anos de idade. Em 1955, mudou-se para JoãoPessoa onde começou a desenvolver seustrabalhos na religião. Em 1960, fundou oCentro de Umbanda Ogum Beira-Mar, co-locando em prática os conhecimentos e ri-tuais aprendidos na Bahia.

Registramos a existência de um terrei-ro que começou na Umbanda e depoismudou para o Candomblé, no início dadécada de 70. Sua titular, Mãe Beata, foiconfirmada por um pai de santo baiano. Oterreiro tornou-se importante e muito re-quisitado por políticos influentes da cida-de, tendo funcionado até a morte da suatitular.6

Paralelamente, outro pai de santo (Gil-berto de Ogum) que já havia sido iniciadona Umbanda com nagô, por Mario Miran-da, também mudou para o Candomblé, aoser iniciado por uma mãe de santo cariocaque veio a João Pessoa com esta finalidade.

No geral, a influência predominanteorienta-se para Recife, Bahia e Rio de Ja-neiro. Do Norte, nesse momento, nada re-gistramos. Os primeiros registros da Minamaranhense ocorreram com a abertura deum terreiro no bairro da Torre por um

maranhense que se transferiu para a capi-tal paraibana no final da década de 60. Em-bora já tivesse contato com a religião Minaem São Luís, quando chegou a João Pes-soa, não era iniciado em nenhuma deno-minação das religiões afro-brasileiras. Oprocesso de sua iniciação começou em JoãoPessoa, quando um pai de santo chamadoSaulo Alcoforado, de Recife, filho espiritu-al de mãe Beata, convenceu-lhe a entrar nareligião. Uma vez “feito no santo”, na Um-banda com nagô, abriu o seu terreiro e co-meçou a realizar os rituais para os orixás eJurema. Foi a partir de então, que sempreindo a São Luís, iniciou-se na Mina mara-nhense, passando pelos terreiros de Jorgede Itacy, no bairro da Fé em Deus, e pelo deMãe Diquinha no bairro do Maiobão.

Com a iniciação na Mina completada,este pai de santo passou a cultuar as enti-dades do panteão da Mina, referido comoo povo das águas. É neste terreiro que oselementos da Mina se encontram com aUmbanda e a Jurema. Ele é a porta princi-pal de entrada da “encantaria” nas terraspessoenses.

Há outro registro a ser mencionado: oterreiro de Candomblé Ilê Ajaguna Axé OdóTí Fadaka de um pai de santo iniciado noCandomblé, em São Luís, pelo famoso paide santo Euclides de Liçá. Neste caso, des-taca-se que esse encontro ocorre de formatransversal, uma vez que o referido pai desanto foi a São Luís para ser iniciado so-mente no Candomblé. Candomblé levadode Recife por pai Euclides (FERRETTI,2000, p 37), mas que de alguma forma, car-rega marcas, ainda que tênues, da Minamaranhense.

Portanto, neste artigo, falaremos doencontro da Mina maranhense com outrasdenominações no campo religioso afro-pes-soense. Focalizaremos os desdobramentosdesses encontros depois de transcorridastrês décadas, a contar de sua ocorrênciainicial. Destacamos as formas de adapta-ções e ressignificações presentes nos ritu-ais. Delineado como estudo de campo epesquisa exploratória, o material para a aná-lise foi construído a partir de entrevistascom pais e mães de santo dos dois terreiros,além da observação participante. Na dire-ção do estudo, propomos que em João Pes-soa, a Mina maranhense não se afirmouautonomamente; torna-se, aos poucos, umalinha de caboclos dentro da Jurema; e noCandomblé, sua presença é secundária.

4 Apresentado em Salvador, no Congresso Luso-Afro-Brasileiro, de 7-9/8/2011.5 Prof. do DCS/PPGS/Universidade Federal da Paraíba; [email protected] Mãe Beata de Iemanjá, cujo nome verdadeiro é Maria Barbosa de Souza, nasceu em 1922 e faleceu em 1989.

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A MINA MARANHENSE E AUMBANDA/JUREMA

Mina ou Tambor de Mina é a denomi-nação genérica dada às manifestações reli-giosas afro-brasileiras ao Norte do Brasil.São Luís é sua referência geográfica. Cida-de onde dois grandes terreiros se destaca-ram como centros de culto aos voduns je-jes, orixás iorubanos e entidades caboclasde diversas origens: a Casa Grande das Mi-nas, que, segundo Verger (1990), foi funda-da por uma rainha-mãe do Dahomé (atualRepública do Benin), levada para São Luíscomo escrava, e a Casa de Nagô. Hoje, en-tretanto, para falar de Mina maranhensedevemos considerar que o modelo das ca-sas matrizes já não é suficiente para expli-car a diversidade que a palavra abrange.

É importante destacar que a Mina sediferencia bastante das outras denomina-ções afro-brasileiras, seja na organização dasentidades em complexas famílias de paren-tesco, nas relações das famílias (voduns,orixás, gentis, gentilheiros, guias, caboclos,meninas, espíritos) entre si e das entidadescom os santos católicos, seja na pouca prio-ridade dada aos sacrifícios de animais. Ou-tra característica que se destaca é o fato deos caboclos pouco se associarem a espíritosde índios, os antigos moradores da terra:

Os caboclos, além de serem antigos naMina, há muito deixaram de ter vida terre-na. No Tambor de Mina, eles não são índi-os, embora tenham, geralmente, algumarelação com eles. De acordo com a mitolo-gia, são brancos europeus, turcos (mouros)e crioulos, de origem nobre ou popular queentraram na mata ou na zona rural, ou ain-da que, renunciando ao trono e à civiliza-ção, aproximaram-se da população indíge-na, miscigenando-se com ela e distancian-do-se dos padrões de comportamento dascamadas dominantes. São também, emmenor escala, índios ‘civilizados’ (acabo-clados) ou miscigenados, recebidos na Minacomo caboclos. (FERRETTI, 2000, p.86)

De forma geral, na Mina, podemos dis-tinguir três grandes eixos além de várias ori-entações mais difusas, nas quais se combi-nam elementos das três. São elas: Mina-jeje,Mina-nagô e o Tambor da Mata ou Terecô.Este último também identificado como alinha de Codó7. Além disso, o campo religio-so afro-brasileiro no Maranhão não se limi-ta à Mina. Há terreiros que seguem o mode-lo do Candomblé baiano e do Xangô per-nambucano, além daqueles que se umban-dizaram há algumas décadas, como a famo-

sa Tenda Espírita de Umbanda Rainha Ie-manjá, na cidade de Codó, regido pelo no-nagenário babalorixá Bita do Barão.

Apesar de a Mina-jeje, representadapelo modelo da Casa das Minas, ser vistacomo referência principal para o Tamborde Mina, é, contudo, com o modelo daMina-nagô, ligado à Casa de Nagô que adenominação mais se identifica, tanto noMaranhão como no Norte do país. Suaprincipal característica é a abertura paraoutras entidades e ritos. Na Casa de Nagô,além dos orixás, cultuam-se os voduns je-jes, os gentis (fidalgos), gentilheiros, meni-nas e uma miríade de caboclos cujas princi-pais linhas são da água salgada (os turcos),da mata (Codó) e os da água doce (cura).8

A Umbanda, em João Pessoa, caracteri-za-se pelo culto aos orixás e entidades diver-sas do panteão umbandista, matizados lo-calmente. Nela podemos perceber nitida-mente elementos da “síntese refletida”, con-forme disse Ortiz (1999). Estão presentes oselementos africanos (desafricanizados e rea-fricanizados ao mesmo tempo), católicos,kardecistas e da cultura popular. Podemosdivisar nitidamente dois lados da Umbandaem João Pessoa. Um, no qual se cultuam osorixás baianos, em número de 12 (Exu/Pom-bagira9, Ogum, Ossaim10, Oxossi/Odé, Oba-luaê/Omulu, Nanã, Xangô, Oxum, Iansã,Ibeji, Iemanjá, Oxalá). O ritual é celebradoem português, língua usada também pelasentidades; são oferecidos diversos tipos desacrifícios, incluindo os de sangue, e os ritu-ais centram-se no transe e na possessão.Entre os adeptos, esse lado é visto como omais nobre, o mais puro e o que pede maisrespeito, pois os orixás estão associados di-retamente ao panteão de santos católicos,incluindo o próprio Jesus Cristo e o DeusSupremo ou ligados aos deuses Africanos.

O outro lado refere-se à Jurema, que –dito por muitos e difundido como uma es-pécie de mito fundador – é uma manifesta-ção genuinamente paraibana da cidade deAlhandra. O que percebemos, entretanto,é que o que se designa por Jurema não ésimplesmente a “ciência dos mestres”, queem tempos passados, comandava rituais demesa de Jurema com forte inspiração kar-decista, do espiritismo popular e do catoli-cismo popular. Também não é o ritual indí-gena do culto à árvore da jurema, na qual sebebia uma infusão das partes dela (especial-mente das raízes) para entrar em transe epropiciar o encontro com o mundo dosinvisíveis. A Jurema que é praticada hoje,embora preserve elementos das mesas dosmestres e do ritual indígena, está umban-

dizada. A sua identificação com a umban-da é tão forte que, na prática, são tidas comosinônimos. Assim, um ritual de Jurema nãose diferencia muito, pela estrutura, do ri-tual dos orixás. Foram assimilados à Jure-ma: exus e pombagiras; o processo de reco-lhimento, sacrifício, assentamentos e fes-tas de apresentação nos processos iniciáti-cos, além da roda de santo (gira), o tambo-res (elus), os cânticos, pontos riscados, ostrabalhos mágicos (linhas de direita e es-querda) etc. Por outro lado, as mesas de Ju-rema vão desaparecendo, restando sua re-miniscência na chamada Jurema de chão.A bebida da Jurema vai se tornando cadavez mais simbólica.

No ritual de Jurema batida (com toquede elu e roda de santo), começa-se com a lou-vação a Exu, em seguida louva-se Pombagi-ra, entidades muito prestigiadas nesses ritu-ais. Logo depois, eles são despachados. Abre-se, então, a gira pedindo permissão aos san-tos católicos, orixás (especialmente a Oxós-si), pretos-velhos ou outras entidades. Faz-sea louvação à Jurema com o corpo vergado eos joelhos no chão. Começam, então, as lou-vações para as entidades: caboclos (de pena,índios, pajés, caboclinhas); mestres (boiadei-ros, Zé Pelintra e uma infinidade de “zés”),mestras (com nomes pessoais. Algumas fo-ram pombagiras, outras ciganas ou caboclasque se tornaram mestras), pretos e pretasvelhas, baianas (pouco se fala em baiano). Ascrianças aqui baixam como caboclinhos (as).O povo cigano não é regularmente cultua-do; normalmente, eles são associados a pom-bagiras ou exus ciganos.

Conforme salientou Boaes (2009), es-ses dois lados, apesar de conviverem nomesmo espaço, são mantidos separados. Háuma preocupação entre os adeptos da Um-banda em não misturar diretamente os ori-xás com a Jurema (há algumas exceções).Assim, em gira de orixá, não se louva e nãobaixam entidades da Jurema. Da mesmaforma, nos rituais de Jurema, os orixás nãoarreiam diretamente, apesar de serem lou-vados, especialmente Oxóssi, conhecidocomo o patrono da Jurema devido a suarelação com as matas. Oxóssi se manifestana Jurema através de seus mensageiros, oscaboclos. Dizem que o culto aos orixás élimpo, ao passo que na Jurema predomi-nam a cachaça e a fumaça.

A porta de entrada para a Mina em Joãopessoa foi o Terreiro Afro Ogum de Malê,fundado na década de 70 e funcionou até2010, quando seu titular – pai Moraes –resolveu fechá-lo por motivos de saúde. En-tretanto, o fechamento do terreiro matriz

7 Cidade maranhense localizada a 292 quilômetros da capital São Luís. É considerada importante pólo das religiões afro-maranhenses.8 “Na Mina, as entidades caboclas são também agrupadas em ‘linhas’ de água salgada, da mata, da água doce e do astral (por domínios da natureza). A linha de

água salgada é considerada a mais antiga e a verdadeira linha de Mina. A ela pertencem todas as entidades caboclas que, como os voduns e os gentis, vieramde terras distantes e civilizadas, pelo mar, e que têm origem nobre (como os turcos)” (FERRETTI, 2000, p. 81).

9 Sobre Pombagira, muita polêmica se desdobra. Alguns pais de santo a admitem na gira dos orixás, enquanto outros não a aceitam.10 Na maioria dos terreiros frequentados (Umbanda), este orixá não faz parte do xirê; entretanto, ele figura entre os doze, porque, em alguns terreiros, por ocasião

da feitura de filhos, ele recebe oferendas e no dia da apresentação pública é o primeiro a sair com o iniciando.

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não fez desaparecer a Mina em João Pes-soa, pois, pelo menos dois ou três filhos fei-tos por pai Moraes continuam realizandoos rituais do povo das águas.

Pai Moraes (José Raimundo MoraesAraujo) nasceu na pequena cidade da bai-xada ocidental maranhense, chamada Be-quimão. Ainda criança, mudou-se para SãoLuís, onde completou seus estudos, tendoconcluído o curso científico em importan-te escola maranhense, o Centro CaixeralBenedito Leite. Aos 18 anos, casou-se comuma paraibana, que seria, dez anos maistarde, responsável por sua transferênciadefinitiva para a cidade de João Pessoa, em1969. Em São Luís, morando no bairroMonte Castelo, onde nas proximidades selocaliza um importante terreiro de Mina, oTerreiro de Yemanjá, do já falecido pai desanto Jorge de Itacy (Jorge Babalaô), paiMoraes relata que, mesmo não gostandoda religião, certa vez foi tomado de sobres-salto por uma entidade enquanto dormiae, por último, inconsciente, foi aparecerneste terreiro durante um toque.11

Mas a sua iniciação na religião afro-bra-sileira veio ocorrer mesmo quando já estavaresidindo em João Pessoa. Nesta cidade, co-nheceu um pai de santo, que, embora tives-se terreiro na cidade de Recife, era filho desanto de Mãe Beata de João Pessoa. Em Re-cife, em 1969, recebeu o bori e, sete anosdepois, recebeu o iaô, concluindo a sua con-firmação no orixá. Lá também, entre o borie o iaô, foi iniciado na Jurema. A partir daí,pôde abrir o seu terreiro, que, como muitosem João Pessoa, diz-se Umbanda com nagô;desenvolvendo rituais para os orixás e para aJurema em dias separados. A diferença, en-tretanto, em relação aos demais, é que pas-sou a cultuar o povo das águas do panteãoda Mina maranhense, na qual também foiiniciado em São Luís.

No terreiro de pai Moraes, a Mina en-trou pela porta da Jurema e não pelo cultoaos orixás. O povo das águas se tornou hós-pede da Jurema. Segundo este pai de santo,e, conforme pudemos constatar nos diver-sos rituais que observamos, apenas algumasentidades do complexo panteão “mineiro”são cultuadas em João Pessoa: os caboclos,que como já dissemos anteriormente, sãodistintos dos caboclos cultuados na Jurema,ou seja, espíritos de índios. Assim, os outrosdo panteão “mineiro” (voduns-jeje, gentis(fidalgos) e gentilheiros) não são cultuados.

Pai Moraes incorporava no terreiro,Seu Tapindaré (seu guia, a quem se referecomo vodun), Legua Boji, Corre-Beirada,Seu Banzeiro e outras entidades cujos no-mes não se recorda mais. A mãe pequena –Mãe Dilene – é guiada pela cabocla Maria-na, também referida como sua coluna mes-tra. Baixam ainda, caboclo Louro, MariaRita e Mãe Joana, irmãs de Mãe Chica (Chi-ca Baiana), Seu Maresia e várias outras en-

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tidades caboclas que irradiam (“focalizam”)alguns dos dançantes. No geral, os encan-tados que baixam no terreiro de pai Mora-es e dos seus filhos, pertencem às famíliasdo Rei da Turquia, de Légua Boji e da Baía.

Segundo pai Moraes, o fato de louvarapenas os caboclos e não as outras entida-des, deve-se à falta de suporte material emesmo espiritual para cultuar voduns eorixás12. Assim, os toques de Jurema sãomais adequados para se cultuar o povo daságuas, porque no toque de orixá, a “panca-da” (a batida dos tambores) teria que serdiferente. Além disso, teriam que ser invo-cados Dom Manuel, Dom Rei Sebastião,Dom Luís Rei de França (Gentis) e Tom-bossa (Oxum), Badé (Xangô), Barba Soeira(Iansã) e outros voduns. Acrescenta aindaque a religiosidade na Mina é a toda prova,ou seja, há muitas exigências que não exis-tem na Umbanda. Por exemplo, antes dotoque, é preciso que se faça uma procissãoem volta do terreiro, pedindo permissão aLiçá (Oxalá), e, antes de entrar no terreiro,todo filho deve se dirigir às seções de ba-nho localizadas nas laterais. Lá deve tomarum banho normal, depois banhar-se comáguas de cheiro, trocar toda a roupa do dia-a-dia pela roupa de santo (branca) e entrarno quarto do segredo (peji), firmar seusguias, botar seu cordão no pescoço e sóentão estará pronto para o toque. Exigên-cias que o povo da Umbanda não está acos-tumado. Seria ainda muita temeridade ba-ter para os voduns, pois se trata de umaenergia muito pesada e limpa para ser sus-tentada sem outras pessoas suficientemen-te preparadas para tal.

Tudo indica que pai Moraes escolheuapenas aqueles elementos da Mina consi-derados menos poderosos, ainda que mui-to populares – os caboclos – para cultuarna Jurema, considerando as limitações men-cionadas: falta de abatás (tambores comduas membranas tocados sobre um cavale-te ou entre as pernas, dependendo da linhaa ser louvada); abatazeiros (ogãs) conhecedo-res dos toques específicos da Mina; algunsritos específicos que não poderiam ser fei-tos aqui, como os banhos propiciatórios,uma vez que não há, em João Pessoa, as er-vas utilizadas na sua preparação; e, em senti-do mais geral, falta de pessoal com conheci-mentos de doutrinas, rezas e demais elemen-tos ritualísticos da Mina maranhense.

Algumas destas dificuldades tambémestariam na base das limitações que impe-dem as entidades da Mina de prestaremassistência aos adeptos e ou clientes no dia-a-dia. Segundo mãe Dilene, a linha da Minatrabalha muito com cura, mas para isso,precisa de elementos típicos do Maranhão,por exemplo, o espinho de tucum13, a rosaverde, e outros da fauna e flora maranhen-se, como o óleo de copaíba e de piqui queantes não existiam em João Pessoa. Mesmo

assim, a cabocla Mariana ainda atende al-gumas pessoas, mas seu trabalho é só deiluminação e de banhos. Pai Moraes disseque, por causa disso também, não iniciounenhum filho na Mina em João Pessoa,pois os axés são diferentes. Sobre isso, veri-ficamos uma contradição a partir do quenos informou mãe Dilene, pois, segundoela, além dela mesma, pai Moraes inicioumãe Iolanda (primeira mãe pequena do ter-reiro), pai Léo (filho carnal de mãe Dilene)e Josy (neta de santo, filha de mãe Zefinha).Compreende-se, contudo, que, ao dizer quenão havia iniciado ninguém na Mina emJoão Pessoa, não é o mesmo que dizer quenão tenha “assentado” entidades na Mina.Na verdade, como pudemos notar, os “as-sentamentos” eram feitos no processo deiniciação da Jurema. Mãe Dilene nos disseque as entidades da Mina só podem ser as-sentadas se o adepto já tiver dado obriga-ção completa na Jurema (se iniciado emtodas as linhas da Jurema, dos exus/pom-bagiras aos pretos e pretas velhas, passandopelos caboclos (as), mestres(as) e baianas).Isto nos indica que o “povo da Mina”, aospoucos, vai se transformando em uma li-nha a mais dentro do panteão da Jurema.

Sobre os “assentamentos”, destacamosuma divergência entre as informações da-das por pai Moraes e as fornecidas por mãeDilene. Segundo o primeiro, na Mina nãohá “assentamento” como há na Jurema eno Orixá, ou seja, com alguidar e pedra; noseu lugar se colocam apenas os príncipes eprincesas, isto é, copos e taças cheias d’águaque permanecem no peji da Jurema. Para asegunda, o assentamento é feito em algui-dar com a pedra. Aliás, informou que a ca-bocla Mariana possui dois assentamentos,um que foi feito por pai Moraes, em JoãoPessoa, e um feito por mãe Diquinha, emSão Luís. Pai Moraes, ao “assentar” a cabo-cla Mariana para mãe Dilene, devido às li-mitações já mencionadas, não conseguiuestabelecer a ligação ideal entre a entidadee a filha. Por isso, quando a entidade vinha,maltratava-lhe muito, primeiramente por-que não se manifestava como cabocla, mascomo sereia, arrastando-se no chão e “esba-queando” a matéria. Neste assentamento,havia um alguidar, uma pedra e outros ob-jetos, como moeda, flores etc. Por causadessa deficiência, mãe Dilene precisou ir aSão Luís para ser iniciada na Mina. Estevelá três vezes. Na última, lá permaneceu oitodias, quando a sua iniciação foi concluída.Mãe Diquinha, tomada por Chica Baianafoi quem realizou o ritual numa praia, poisa iniciação não ocorre dentro do terreiro,precisa-se ir para o mar, lugar da encanta-ria, onde vive o povo das águas, o povo dabaía. Lá a entidade é invocada e assentada.A “neófita” é submetida a uma série de “tes-tes” para saber se a possessão é verdadeira;só então, retorna-se ao terreiro para reali-

11 Para os padrões de classificação racial brasileira, pai Moraes pode ser considerado branco.12 Aqui ele chama “orixás” os Gentis (fidalgos) como Rei Sebastião, Dom Luís, Dom Manuel etc.13 Segundo relatou, uma vez comprou em uma casa local de produtos religiosos alguns espinhos como sendo de tucum; contudo, quando sua mãe de santo de

São Luís a visitou, constatou que eram falsos.

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zar as festas, onde a entidade “baila” a noi-te inteira. No “assentamento” feito por mãeDiquinha, há uma pedra escura, das praiasde São Luís, e duas outras pedras recolhi-das em João Pessoa, além de moedas, meda-lhas, cordões e flores.

Segundo pai Moraes e mãe Dilene, nosprocessos de iniciação na Mina, não há sa-crifícios de animais, apenas banhos de todaespécie e a toda hora. O animal é imoladoapenas para ser servido aos convidados du-rante as festividades; o sangue em si não épeça fundamental no ritual.14

Diante disso, pai Moraes afirma queapenas ele e mãe Dilene são iniciados naMina, os outros possuem alguma entidadeassentada, hospedada dentro da Jurema.

Deve-se ressaltar também, que a junçãodos caboclos da Mina com a Jurema, dá-seainda por existir algum nível de parentescosemântico entre eles: as mesmas palavras (“ca-boclo”, “aldeia”, “guerreiros”) e instrumen-tos (maracá), o trabalho com cura e as posi-ções hierarquicamente inferiores e maispopulares que ocupam nos seus respectivosconjuntos, o que os torna mais receptivos eflexíveis quanto aos seus preceitos rituais.

A única vez em que ocorreu um toquede Mina completo, “Mina pura”, em JoãoPessoa, segundo pai Moraes, foi no ano de2000, quando recebeu uma expedição de “mi-neiros” em seu terreiro: “Há uns dez anosatrás, veio um terreiro todinho, veio umônibus cheio. Foi o terreiro de mãe Maria,do bairro do João Paulo, com todos os seusfilhos de santo. Ficaram hospedados no ter-reiro, e lá fizeram um toque de Mina puro.”

Mãe Diquinha também esteve váriasvezes em João Pessoa. A sua “coluna mes-tra”, Mãe Chica, ou seja, Chica Baiana (bai-ana de baía e não da Bahia) foi quem con-firmou tanto pai Moraes como Mãe Dile-ne na Mina. Por intermédio dela, aconte-ceu o encontro entre a “ciência da Mina” ea “ciência da Jurema”.

Falemos agora do toque de Jurema noterreiro de pai Moraes. Deve-se ressaltar quenem em todo toque de Jurema, nesse terrei-ro, havia ritual para o povo das águas.15 Ini-cia-se com as louvações a Exu, em seguidacanta-se para Pombagira. Depois de algumasincorporações, estes são despachados. Abre-se a Jurema, cantando louvações que se refe-rem à Jurema (árvore, cidade, entidade), tam-bém a santos ou personagens da tradiçãojudaico-cristã (Jesus Cristo, Salomão, SãoJosé etc), mestres, caboclos, pretos e pretasvelhas.16 Uma vez aberta a Jurema, formava-se a gira propriamente dita rodando em sen-tido horário – ao contrário da maioria dosterreiros de Umbanda que giram em senti-

do anti-horário – e começam os momentosrituais endereçados a cada linha (nem sem-pre todas são cultuadas no mesmo toque):caboclos, mestres, pretos velhos, baianas, àsvezes, louva-se o povo cigano. No dia em quehá toque para o povo das águas, ocorre logodepois que se canta para os caboclos da Jure-ma. Segundo pai Moraes, abre-se para opovo das águas cantando a doutrina: “Eu jádividi a terra, agora vou dividir o mar”. Ouseja, já foram saudados os caboclos da terra,agora se passa a saudar os caboclos da Mina,da água salgada, as famílias da encantariamaranhense que chegaram pelas “estradas”(linhas) do mar. A partir desse momento, agira que era fechada, abre-se, ou seja, no lu-gar do círculo em movimento, formam-seduas fileiras, uma de frente para a outra,separadas por um espaço livre, onde as enti-dades irão “bailar”. Os adeptos começam a sedeslocar para frente (para o centro do salão)e para trás, numa espécie de dança que lem-bra bastante as coreografias do bumba-meu-boi do Maranhão.

Os tambores permanecem os mesmosutilizados anteriormente, a batida conti-nua a mesma da gira dos caboclos da Jure-ma. Nenhum instrumento específico daMina é acrescentado (cabaças ou aguês,agogô, ferrinho). Raríssimas vezes, pudemosver uma das participantes chacoalhandouma cabaça grande coberta por uma redede contas. Há também pequenos maracásfeitos de cabaça, sacudidos por alguns adep-tos, coisa que também pode ocorrer na girade caboclos da Jurema.

Na “festa” dedicada à cabocla Maria-na17, para qual fomos convidados por mãeDilene, o toque desenrolou-se tal como des-crevemos acima com poucas diferenças. Porexemplo, cantou-se para Exu e Pombagirade forma traçada (alternando, ora para um,ora para outro). Depois que o povo da ruafoi despachado, a Jurema foi aberta (nãohouve louvação com os joelhos no chão).Começou-se cantando para os caboclos daJurema, houve poucas incorporações. De-pois de algum tempo, foi cantado ponto dedespedida dos caboclos. Então, o pai de san-to anunciou que ia “abrir” para o povo daságuas e entregou o microfone para mãeDilene que cantou a toada de abertura (“Eujá dividi a terra, agora vou dividir o mar”). Afesta se desenrolou ao som da mesma bati-da utilizada para os caboclos da Jurema.

Em determinando momento, mãe Di-lene entregou o microfone para outra pes-soa e foi juntamente com pai Léo para den-tro do peji da Jurema. Ela estava se reco-lhendo para incorporar e vestir a caboclaMariana, a grande homenageada.

Os tambores batiam, o povo cantava edançava e alguns se estremeciam. De repen-te, pai Léo fez sinal pedindo silêncio. Lá dedentro do peji, então, ecoou uma doutrinacantada pela própria cabocla Mariana quejá estava em terra. As cortinas foram levan-tadas e apareceu a grande homenageada:“...chegou Dona Mariana...”. Trajava umbelo vestido azul, branco-prateado, saia ar-mada como das baianas de escola de samba,no pescoço, um colar de pedras translúci-das combinando com os brincos. O rostocuidadosamente maquiado, os cabelos pen-teados e amarrados. Na mão, segurava ummaracá coberto com contas brancas for-mando uma estrela de cinco pontas e al-guns pingentes azuis e translúcidos. Can-tou, dançou, abraçou as pessoas. Dirigiu-se a pai Léo, abraçou-o entregando-lhe omaracá; ele, então, estremeceu o corpo erecebeu o Menino Louro, um caboclo dafamília de Légua. Em pouco tempo, outroscaboclos e caboclas foram “arreando”.

No salão, realizaram-se evoluções (dan-ça), a cabocla Mariana banhava-se com per-fumes presenteados pelas pessoas, enquan-to o Menino Louro distribuía comida paratodos (peixe frito).

O salão foi decorado com fitas e enfei-tes nas cores azul e branco. Havia um mane-quim (tamanho de uma pessoa) vestido comroupa parecida com as da cabocla Mariana,usava um turbante branco e na mão esquer-da, segurava um maracá. De cada lado dele,em tripés de metal, havia uma bacia de ágatacom água cheirosa e, por trás, na parede, seestendia uma grande bandeira da Argenti-na.18 Mesas com frutas, comidas salgadas edoces (um bolo confeitado) e bebidas distri-buíam-se pelo salão. Havia sete recipientesde louça contendo, cada uma, um pombosacrificado: cinco deles numa mesa de fru-tas próximo ao peji, um próximo aos elus eoutro na entrada do salão. Na viga centralde sustentação do telhado, foram colocadosem sequência, da rua para dentro: um imãcoberto por moedas; um pombo branco vivo;uma espécie de cordão de contas amarelas,brancas e vermelhas; e um peixe de escamas(uma tainha grande).

Depois de uma hora e meia, aproxima-damente, bailando no salão, os caboclos co-meçaram a “subir”, deixando em terra ape-nas a cabocla Mariana. Pai Léo, já desincor-porado, aproximou-se da mesa onde estavamas comidas salgadas e doces, chamou a cabo-cla Mariana para ser homenageada. Todoscantaram os “parabéns pra você” e ele acres-centou que assim se fazia no Maranhão,embora lá, houvesse mais coisas que em JoãoPessoa não se podia fazer.

14 Contudo, mãe Dilene admitiu que, para a cabocla Mariana, ela sacrifica pombos; fato que pudemos constatar na festa de Mariana, onde sete pombossacrificados foram espalhados pelo salão.

15 Descreveremos apenas a Jurema batida (com tambores e gira de santo), pois nunca tivemos a oportunidade de observar uma Jurema de chão nesse terreiro.16 Algumas vezes, antes de cantar o ponto de abertura, é feita a louvação com os joelhos no chão.17 Este toque ocorreu no terreiro de pai Léo de Xangô, filho carnal de mãe Dilene e filho de santo de pai Moraes. Depois que pai Moraes fechou o seu terreiro em

2010, o terreiro de pai Léo passou a ser a nova referência (em atividade) para Mina em João Pessoa. Este terreiro está localizado em um bairro periférico, ocupandoum grande terreno que se estende de uma rua à outra. Na “rua de cima”, pai Léo mantém outro terreiro, de Candomblé ketu, denominação da qual também ébabalorixá; na “rua de baixo” está o terreiro de Umbanda onde ocorreu a “festa” da cabocla Mariana. Os dois terreiros são separados pela residência do pai de santo.

18 Interrogada sobre essa bandeira, mãe Dilene afirmou que ela representava a nação da cabocla Mariana, com suas cores azul e branco. Não sabemos se aatribuição dessas cores à Mariana já é uma adaptação feita em João Pessoa, ou se vem do Maranhão; embora saibamos que lá, as cores da família do Rei daTurquia, à qual Mariana pertence, são o verde, o amarelo e o vermelho.

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A impressão geral que ficou da festa é asua semelhança com o chamado ritual de“vestir o santo”, característico do candom-blé, no qual o orixá homenageado é levadopara o peji, e depois “sai” paramentado paradançar no salão (dar rum ao santo). Tal prá-tica está sendo levada para Umbanda, po-pularizando-se nas homenagens à Pomba-gira. Tivemos a oportunidade de assistir aalguns toques, nos quais “fulano iria vestirsua Pombagira”, conforme dizia o convite.Desta forma, a festa da cabocla Mariananos mostra algo da adaptação que a Minavem sofrendo em João Pessoa, pois, atéonde sabemos, as festas oferecidas às enti-dades em São Luís, não acontecem destamaneira. Em relação à roupa, por exemplo,como diz Ferretti (1997, p.7) “é preciso lem-brar que as entidades espirituais na Minanão usam paramentos muito elaborados.Os mineiros costumam dançar “fardados”– todos de calça ou blusa branca e saia oucamisa da mesma cor (branca, vermelha,verde, amarela, azul, rosa, estampada).”

Os caboclos da Mina, em relação aoscaboclos da Jurema, parecem assumir umaposição superior quanto ao prestígio. Al-guns aspectos colhidos a partir da presençada cabocla Mariana nos mostram isso. Paramãe Dilene, a cabocla Mariana, juntamen-te com suas outras irmãs Jarina e Erudina,filhas do Rei da Turquia, quando foramencantadas no mar, passaram a ser filhas deIemanjá, o que justifica, por exemplo, assuas cores predominantes, o azul e o bran-co. Lembrando que a própria mãe Dilene éfilha de Iemanjá. Assim, então, entre a ca-bocla Mariana e os orixás se estabelece umarelação direta, o que não acontece com oscaboclos da Jurema, a não ser de forma di-fusa com Oxossi, o patrono das matas. Poroutro lado, a cabocla Mariana canta dou-trinas claras e bonitas em português, aopasso que os caboclos da Jurema balbuci-am ou emitem sons parecidos com grunhi-dos. Os movimentos de Mariana são pare-cidos com as danças de entidades africa-nas, ao passo que os outros imitam o toréindígena, ou movimentos de caçada. Asroupas de Mariana são muito belas, estilodas baianas das escolas de samba, saias ar-madas e coloridas de azul, branco e pratea-do, usa belas maquiagens e penteados, en-quanto os caboclos vestem-se de penas, compenachos na cabeça, carregando arcos, fle-chas e bodoques. Além disso, corrobora ofato de Mariana receber pombos nas ofe-rendas, tal como os orixás mais nobres (Oxa-lá, Iemanjá), de vir à terra apenas para bailar.E, quando, por ventura, vai desenvolver al-gum trabalho, este ocorre apenas para ilu-minação e cura, com velas e banhos de ervas,não se usando cachimbo, nem cachaça. Usa-se água de cheiro e perfume em demasia.

Na verdade, ficou a impressão de que asupremacia do povo das águas não ocorresó em relação aos caboclos da Jurema, masem relação a todas as outras entidades daJurema, pois, para uma entidade da Mina

ser assentada, é necessário que o filho játenha Jurema completa – o que significaque aqueles são mais “nobres” que estes.Também, enquanto Mariana recebe sacri-fício de pombos (ave que voa, ligada ao céue histórias bíblicas), as outras entidades daJurema “comem” bodes e galinhas, bichosda terra. Assim como os orixás, os caboclosda Mina possuem cores características, aopasso que as entidades da Jurema não aspossuem, suas cores são genéricas.

A MINA E O CANDOMBLÉ

O encontro da Mina com o Candom-blé em João Pessoa manifesta-se, conformejá dissemos, transversalmente, pois o pai desanto que foi a São Luís, foi para ser inicia-do por pai Euclides no Candomblé, deno-minação que não é original de São Luís eque foi levado para lá por este pai de santo, apartir de sua aproximação com os terreirosde Recife. Assim, diferentemente da Um-banda, quase nenhuma ocorrência signifi-cativa da Mina foi verificada no terreiro depai André.

Sua ida a São Luís deu-se por acaso.Inicialmente, recebeu um bori “vermelho”das mãos de pai Cláudio, irmão de santo depai Euclides. Aquele, entretanto, por razõesdiversas, desistiu do “sacerdócio”. Por in-termediação de pai Cláudio, pai André vol-tou-se para pai Euclides. O processo de ini-ciação começou em 1994 e se concluiu em2001. Pai André morou em São Luís pordois anos, de 1998 a 2000, período críticoda sua feitura (iaô). O restante do tempofoi preenchido com idas e vindas constan-tes de João Pessoa a São Luís. Destacamos,portanto, que a ida de pai André a São Luís,não foi motivada pela busca de iniciaçãona Mina, ocorreu por acaso.

Contudo, o contato com São Luís, le-vou-o a conhecer de perto a Mina. Segundoconta, assistia aos rituais da Mina constan-temente. E, uma vez, teve uma incorpora-ção violenta com a entidade cabocla da fa-mília da Turquia, chamada Jurandi. Estaentidade, apesar de não ter sido “assentada”,incorpora esporadicamente em pai Andréem João Pessoa, em situações fora do Can-domblé, ou quando muito, no final do “sam-ba de angola”. Pai André não foi iniciado naMina, pois pai Euclides não inicia nestamodalidade os filhos de santo do Candom-blé, para que não tenham dupla pertença,correndo o risco de misturar as coisas.

Assim, segundo informou, muito pou-co há no seu terreiro que proceda da Mina:algumas rezas utilizadas em rituais priva-dos (de purificação), algumas cantigas utili-zadas no xirê (na abertura para Exu, e paraBessen), além de cantar para algumas dei-dades Ashanti (“Oduíra” e “Asase”). Todasessas aproximações, entretanto, foram fei-tas em São Luís por pai Euclides; ele (paiAndré) nada acrescentou aqui em João Pes-soa; pelo contrário, tem procurado elimi-nar alguns desses elementos no seu terrei-ro. Para ele, o Candomblé desenvolvido por

pai Euclides, embora levado de Recife, di-ferencia-se em muito da nação Ketu, porter incorporado elementos da Mina. E umade suas preocupações é evitar que seja to-mado como um pai de santo de Mina emJoão Pessoa, afirma-se enfaticamente comopai de santo de Candomblé Ketu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos a confluência entre a Ju-rema e a Mina, sendo vista esta, como hóspe-de daquela. Os caboclos da família dos Tur-cos, de Légua Boji e da Baía, são as entidadesque se manifestam em João Pessoa, conheci-dos como o povo das águas. Destacamos quehá uma “ajuremação” do povo da Mina, adap-tações nos rituais quanto às batidas dos tam-bores, a ausência de instrumentos específi-cos e elementos materiais usados nos rituais,formato da festa de Mariana que se asseme-lha ao ritual de “vestir o santo”, comum, hoje,nas homenagens prestadas à Pombagira. Des-tacamos também, que apesar desta “ajurema-ção”, os caboclos da Mina parecem gozar demaior prestígio frente às entidades da Jure-ma. Por outro lado, no que se refere ao Can-domblé, a influência da Mina, mostra-se se-cundarizada. No geral, a direção inicial doestudo se mantém: em João Pessoa, a Minamaranhense não se afirmou autonomamen-te, torna-se, aos poucos, uma linha de cabo-clos dentro da Jurema; no Candomblé, suapresença é secundária.

O estudo teve um caráter exploratório,visando criar bases sólidas para investigaçãoposterior. Devido a isto, não é prudente to-mar seus resultados como conclusivos. E porfim, ressaltamos as diversas dificuldades en-contradas para a construção dos dados. Apouca receptividade de alguns pais de santoquanto às entrevistas, destacou-se nestequesito.

REFERÊNCIAS

BOAES, Giovanni. África e Brasil: separaçãosimbólica/social no campo das religiões afro-pessoenses. In Revista Caos – Revista deCiências Sociais. n. 14, set. 2009. pp 86-94.BOURDIEU, Pierre. A economia das tro-cas simbólicas. 3 ed. São Paulo: Editora Pers-pectiva, 1999.CARLINI, Álvaro. Cachimbo e Maracá: o ca-timbo da missão – 1938. São Paulo: CCSP, 1993.FERRETTI, Mundicarmo. Desceu naguma: o caboclo do tambor de mina em umterreiro de São Luís. 2 ed. São Luís: EDUF-MA, 2000.FERRETTI, Mundicarmo. Tambor de minae umbanda: o culto aos caboclos no Mara-nhão. Disponível em < http://www.gpmina .ufma .br/pas ta s/doc/Mina%20e%20Umbanda.pdf >, 1997.Acesso em 22 mai. 2011.ORTIZ, Renato. A morte branca do feiti-ceiro negro: umbanda e sociedade brasilei-ra. São Paulo: Brasiliense, 1999.VERGER, Pierre. Uma rainha africana mãede santo em São Luís. Revista USP, SãoPaulo, n. 6, p. 151-158, jun./jul./ago. 1990.

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A ORIGEM

A chegança é um auto popular, que re-presenta uma luta entre uma nau cristã as-saltada pelos mouros, que, ao final de umembate, são vencidos e cristianizados. Nãose conhece na bibliografia portuguesa tex-tos semelhantes sobre o desempenho defaçanhas de origem marítimas, voltadaspara conquista, nessa miudeza. Simbolica-mente, sabe-se que houve em Portugal re-presentações de lutas entre cristãos e mou-ros, de caráter improvisado, como narraGarcia de Resende na Crônica de Dom JoãoII, encontrada na obra de Pina (1989)20, es-tabeleceu um embate com os mouros fin-gidos no campo de Alvisquer, na Ribeirade Santarém, imitando uma batalha entreos Cavaleiros de Rodes (depois Malta) e osmouros. Houve uma galante escaramuça,que pareceu muito bem.

Chegança, como elemento coreográfi-co é uma dança de par solto. Foi popularís-sima durante o reinado de Dom João V dePortugal e por ele proibida em maio de(1745)21 que causou um indignado comen-

tário, versado e ritmado por parte dos lusi-tanos nas ruas. Já não se dançam cheganças/ Que não quer o nosso rei.

Os combates simulados entre cristãose mouros foi uma tradição da aristocraciaportuguesa. Teófilo Braga(1870)22 recordauma das festas famosas onde a cena se re-petiu. “Manuel Machado de Azevedo, cu-nhado de Sá de Miranda, recebeu festiva-mente, o infante Dom Luís e o CardealDom Henrique então arcebispo de Braga,em sua residência, por ocasião do batizadodo seu filho. E, nessa recepção, houve umadessas comédias no solar de las Casas deCastro onde morava”. Destaca Teófilo Bra-ga, que o Marquês de Montebelo, na obraVida de Manuel Machado de Azevedo, des-creve as festas populares. Entre estas hou-ve esse entremez:

Apenas habían los Infantes receñido sussalvas, cuando de entre los árboles de laotra parte les hicieron una salva de más dedos mil mosquetes, y arcabuces y todos enun tiempo tan conformes, que todos seoyeron juntos, y ninguno fue segundo. Asílo tenía Bernardin Machado prevenido, y

de entre los nublados de la polvera, quetoldaron el Sol, el Aire y el Río, salierondoce barcas, imitando otras tantas galeras,que divididas en dos partes, fingieron unabatalla de Malteses (hoy se dice así, queentonces era de Rodees) y Turcos. Estés,con sus Albitos, de que Bernardin Macha-do que en aquel día era Gran Maestro, dan-do a más de ochenta personas la mismaCruz que traía. Venció San Juan paró labatalla, aclareos el aire23.

A festa que mais tarde chamou-se defi-nitivamente de chegança é anterior ao anode 1523. Em dezembro do mesmo ano, So-limão venceu Villiers de L’Isle Adam, ex-pulsando os Cavaleiros de São João da Ilhade Rodes. Embora o título popular se man-tenha Cristãos e Mouros, recordando osembates da conquista da Península ibéricapelos muçulmanos, na representação doauto, os mouros são os turcos, fieis a suacrença, onde seu deus é rei. Isto foi conver-gência temática para o ciclo das guerrasmarítimas no Mediterrâneo, entre os Ca-valeiros de Rodes, que viviam na Ilha, ondemontaram o seu quartel-general, cuja es-tratégia militar era manter o Mediterrâneolivre da navegação muçulmana. Anos maistarde, a Ilha passou a chamar-se Ilha deMalta, mesmo assim as lutas continuaramcom esses militares, sobre a denominaçãode Cavaleiros de Malta, contra os turcos e,posteriormente, os corsários argelinos. Atu-almente, representa-se em Portugal a lutaentre bugios (cristãos antigos mascarados) emouriscos (mouros -, rapazes solteiros farda-dos e sisudos) nas localidades de Sobrado eValongo, perto do Porto, na tarde de SãoJoão24. O Auto de Floripes25 é representadoem Neves e Viana do Castelo, onde lutamos Oliveiros e Ferrabrás, irmãos de Flori-pes, que se apaixona pelo Par de França26,coincidindo com a descoberta da moura, noConselho de Covilhã. Neste cenário, infla-ma-se a batalha para a conquista do castelomouro, na finalidade de libertar uma mou-ra cristianizada27.

CHEGANÇA: UM DRAMALHÃO DE TEMA NÁUTICOAPRESENTADO EM DIFERENTES MANIFESTAÇÕES

Pedro Mendengo Filho19

19 Bacharel e Licenciado em Psicologia; Mestre em História; técnico do IBGE; membro da Academia Vianense de Letras de Viana; membro fundador epesquisador da Fundação Conceição do Maracu (Viana-MA).

20 PINA, Rui. Crónica de El-Rei D. João II. Lisboa: Edições Alfa, 1989, p. 131.21 DANTAS, Júlio. O amor em Portugal no século XVIII, ‘As cheganças’ Porto, 1917, p. 161.22 BRAGA, Teófilo. História do teatro português. Cap. I, Porto, 1870. p. 278.23 BRAGA, Teófilo. História do teatro português. Cap. I, Porto, 1870. p. 278.24 MONTEBELO, 1º Marquês de. Vida de Manuel Machado de Azevedo, senõr de las Casas de Castro, Vasconcelos, y Barroso, y de los folares dellas, y de las

Tierras de Entre Homem, y Càbado, villa Amares, comendador de Sousel, em la Ordem de Auis. Imp. por Pedro Gracia de Paredes. Cap. VI, Madrid, añode 1660. p. 56-58.

25 Sobre cristãos e mouros ou chegança dos mouros: ANDRADE, Mário de. Música do Brasil, Curitiba: Editora Guaíra, 1941; ALMEIDA, Renato. Históriada música brasileira, 216; OLIVEIRA, Dom Martins de, Marujada, Rio de Janeiro: Editora Record, [sd]; GOMES, Antônio Osmar. A chegança, contribuiçãofolclórica do Baixo São Francisco (texto musical). Rio de Janeiro, 1941; ALVARENGA, Oneida. Música popular brasileira, 59, Porto Alegre: Editora Globo,1950; BARROSO, Gustavo. Ao som da viola, 47, nos Fandangos, Rio de Janeiro, 1921.

26 BASTO, Cláudo. Silva etnográfica. Porto, 1939. p. 39.27 DIAS, Jaime Lopes. Etnografia da Beira. Cap. V, Lisboa, 1939. p. 147.

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CONTINUAÇÃO

Outrora havia, nos cortejos reais ou naprocissão de Corpus Christi, uma dança demouros ou mouriscada, com o rei e seuscompanheiros manejando os alfanjes28, noscortejos religiosos. Teófilo Braga (1870) His-tória do teatro português, II, 244, cita a Mou-resca com seu rei mouro e Alfaqui. Havia tam-bém, na ocasião, um baile (bailado mouris-co) dançado na Corte no século XV, que re-siste até hoje, pelo menos sob esse nome amourisca, exibida na ilha da Madeira, já es-tudada por Carlos M. Santos29.

A luta entre Cristãos e Mouros têmsua popularidade em Espanha desde épocaimprevisível. Autos e danças vieram para aAmérica, com a colonização espanhola eportuguesa. No novo mundo, a dedicaçãoda Primeira Igreja Católica no Novo Méxi-co, na cidade de San Juan de Los Caballe-ros, representou o drama a caráter Cristia-nos y Moros na noite de oito de setembrode 159830, data de sua inauguração.

Em Portugal, a batalha é entre cavalei-ros, como ocorre no Brasil, em Goiânia(GO), conforme registro efetuado por Re-nato Almeida (Revista da Semana, 05/09/1942, Rio de Janeiro, Manifestações folcló-ricas de Goiania), as ocorrências festivas sãoao mesmo tempo, semelhantes e incompa-ráveis em relação à indumentária. Com es-ses elementos vivos da simpatia espanhola,formou-se no Brasil um auto que é a conti-nuidade do tempo, das batalhas pelo domí-nio cristão na península ibérica e liberta-ção do Mediterrâneo. No norte do Estadodo Espírito Santo, a festa de São Sebastiãoinclui o Alardo31, onde cristãos e mourosse batem pela posse da imagem do Santo.

O motivo histórico e popular da lutade cristãos e mouros encontrou na chegan-ça brasileira uma forma que não existe emPortugal nem na Espanha e tampouco naAmérica Latina. Em Alcoy, Espanha, lutamcristianos y mouros pela posse de um caste-lo. Luta simulada representada por ocasiãode festas religiosas ou acontecimentos so-ciais de relevo. No Brasil, foram vistas a re-presentação a cavalo constituída de duasalas inimigas, como descreve o francês Au-gustin François Saint-Hillaire, quando as-

sistiu idêntica representação teatral emMinas Gerais. Não se conhece registro bra-sileiro anterior ao século XVIII. Em Portu-gal, há menção desde o século XV, com in-contáveis variantes, aparecendo às figurasde Carlos Magno, Oliveiros, Ferrabrás, Al-mirante Balão e a princesa moura Floripes.Mouriscada em Portugal, como Rafael Blu-teau32 registrou não a tivemos no Brasil, aqual

compunha-se de muitos moços vestidos àmourisca, com seus broquéis33 e varas amodos de lanças, com o seu rei de alfanjena mão, e este dando o sinal se começava atravar, ao som do tambor, uma espécie debatalha.

Também vale ressaltar que nem todasas manifestações culturais portuguesas ti-veram suas influências nos primórdios doBrasil Colonial e nem Imperial, como OJogo-do-Pau. Mas logo depois desse perío-do, recriou-se no país, provavelmente, pordescendentes de portugueses e estabeleceu-se em acampamentos de comunidades ci-ganas, sendo jogado (exibido) em suas co-memorações festivas. Monteiro Miguel(1997)34 destaca que

[...] o Jogo-do-pau teve em Portugal umaexpansão e uma importância muito grandeaté tempos recentes. Situado no quadrodas sociedades tradicionais dos habitantesdo Ninho Interior e particularmente dasregiões de Fafe, Bastos e das Terras do Bar-roso, ainda que tenha sido eventualmente,exportada para o Sul de Portugal por via damigração interna35. Esta mani-festação es-palhou-se por uma área nortenha, compre-endendo as províncias de Entre Douro eNinho, Beira Alta e Beira Interior, Ribate-jo e parte da Estremadura, incluindo Lis-boa36. Ainda diz o autor que o Jogo-do-paufoi uma prática social dos proprietáriosrurais minhotos. A eles estavam associadosreferentes simbólicos próprios da elite tra-dicional agrária.

É muito importante clarificar que arepresentação é um misto de esgrima e ca-poeira. A sua desenvoltura agrega, além dosom abafado de um tambor, um canto ale-gre ao amanhecer e murmuroso ao entar-

decer; revivendo a vida sofrida e pacata dotrabalho agrário.

A Mourisca vinha das obrigações devi-das pelos mouros forros no transcorrer dosatos em ocasiões de festas (Monarquia lusi-tana, t. 6, fol. 16, col. 2) e concorria em to-das as solenidades de monta no reinadoportuguês, como se lê na Jornada de Nico-lau Lanck-mann37, representante de Fre-derico III, nas núpcias com Dona Leonor,irmã de Dom Afonso V de Portugal, des-crevendo as festas em Lisboa.

A luta de cristãos e mouros ainda se vêem Portugal e no Brasil. Gallop (1932)38,num tempo não muito distante, tambémestudou uma dessas representações emSobrado, perto do Porto. No Brasil, cris-tãos e mouros conservam o aspecto cava-lheiresco de justa leal, findando pela rendi-ção e conversão dos mouros. Quanto à che-gança, onde os mouros participam, ela é ti-picamente uma batalha naval. Entretanto,a batalha entre cristãos e mouros é umapágina de cavalaria, com volteios, floreadode lanças, interpelações e diálogos em lin-guagem arrogante e belicosa39, que começano mar e termina em terra firme.

CHEGANÇA NO BRASIL

Não se sabe, ao certo, quando a Che-gança foi transplantada da Europa para oBrasil. Alguns autores dizem que foi mui-to antes de 1815 e outros 1818, há até quemdiga que foi provavelmente junto com omovimento da nossa independência. Quan-to ao termo chegança, alguns especialistasafirmam que seja originário de palavrasnáuticas como chegar, dobrar as velas à che-gada do navio, e chegada, no sentido de abor-dagem; pois sua atuação já se fazia presen-te, quando aqui estiveram as Missões Na-turalistas e as Expedições Científicas.

No Brasil, os carros alegóricos, as dan-ças mouriscas e outras demonstrações apa-receram por volta de 1733 até 1760. Exata-mente, sobre esses longes tempos, AstolfoSerra (1965), em seu Guia Histórico e Sen-timental de São Luís do Maranhão – capítu-lo Festas e Procissões Antigas –, descreve,

28 Alfanje: Sabre de folha curta e larga.29 SANTOS, Carlos M. Tocares e cantares da ilha, Funchal, 1937. p. 65.30 ENGLEKIRK, John E. Notes on the repertoir os the new Mexico spanish folktheater. Southern Folklore Quarterly, IV, 4, 1940.31 Auto de representação popular evocativos das lutas entre mouros e cristãos. Dicionário Aurélio eletrônico.32 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino - aulico, anatomico, architectonico... 1712 – 1728. Coimbra.33 Pequenos escudos redondos, de madeira e ferro, ou de aço.34 CF. Seminário: “Tradições e Modernidade – o Resgate do Jogo-do-pau em Fafe”,. Câmara Municipal de Fafe (Org.), 11 jun. 1997.35 MONTEIRO, Miguel T. Alves. Migrantes, Emigrantes e Brasileiros (1834-1926) – territórios, itinerários e Trajectórias. Braga: Universidade do Minho, 1996.36 VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1984. p. 320.37 CORDEIRO, Luciano. Uma sobrinha do infante. Lisboa, 1894, p. 109, 112, 113, 118, 119.38 GALLOP, Rodney (1932). Portugal: a Book of Folk Ways. 2. Ed. Cambridge, 1961.39 No tocante às danças populares de Portugal, para confronto da origem e modificações das brasileiras, ver PINTO, M. Sousa. Danças e bailados. Lisboa, 1924;

e os estudos do folclorista português Luís Chaves: Danças religiosas, separata da Revista de Guimarães, fascículo 4 de 1941; Danças, bailados e mímicasguerreiras, separata do v. III, de Ethnos, Lisboa, 1942; Páginas folclóricas (3ª parte, ‘Pantomimas, danças e bailados populares’), Porto, 1942. No México,Robert Ricard, Sur les fêtes de moros y cristianos au Mexique, ‘Journal de la Société des Americanistes de Paris’ (JSAP), XXIV, 51-84, 287-291, 1932, XXIX,220-227, 1937, XXX, 357-376, 1930; Compte rendu de la XVIe semaine de missiologie de Louvain, 122-134, Bruxelas, 1938; John E. Englekirk, ‘Notes onthe repertoire of the New Mexican spanish folktheater’, Southern folk-lore quaterly, v. IV, nº 4, Gainesville, Flórida, dezembro de 1940.

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CONTINUAÇÃO

com nitidez, um cenário nostálgico, quan-to a essas encenações em palcos móveis,conduzidas a pulso pelos homens das Irman-dades religiosas, na forma de padiola, emdesfiles pelas ruas de São Luís. Foi assim aera religiosa do Maranhão setecentista;marcada pela influência espiritual da Igre-ja na América Portuguesa e Espanhola.

As liturgias das procissões eram rigorosa-mente obedecidas nos tempos da Provín-cia. Um ofício de 21.01.1777 do Governa-dor Joaquim Melo e Povoas, consta quenesse ano, lhe fez celebrar a procissão deSão Sebastião com parada de tropas e sal-vas de tiros. Na procissão de Corpus-Chris-ti, a Câmara40 pagava os ciganos paraacompanharem travando diversas danças.Essas procissões como a de Corpus-Chris-ti movimentavam a velha cidade. Traba-lhavam-se para ela o ano inteiro, e alémdaqueles ciganos, também, haviam outrasfiguras simbólicas como os farricocos, evo-cações de santos, de quadros bíblicos que,a caráter dava à solenidade um tom profa-no e carnavalesco. Esses cortejos religiososvaliam por um espetáculo daquela fé extre-ma dos maranhenses41.

Essas danças dramáticas eram aprecia-das pela sociedade, já que eram suportadaspela Igreja, a qual, através dos Jesuítas, jáhavia utilizado os artifícios expressivos dadança, da música e do teatro para catequi-zar índios. Já a Chegança, como dramalhãode rua, só começou a se popularizar no Bra-sil, no início do século XIX – momento emque os autores românticos abandonaramas regras de composição e estilo dos auto-res clássicos e passaram a escrever e divul-gar seus temas em antigas tradições ibéri-cas. Romances altamente bem difundidosporque narravam as grandes expediçõesnáuticas e, também, as representações tea-trais conhecidas como mouriscas, que usu-almente encenavam o combate entre cris-tãos e mouros, relacionados a episódios davida marítima e às lutas memoradas entreesses dois povos.

Em 1814, Henry Koster42 presenciouna ilha de Itamaracá na Bahia, a tomada deum castelo marítimo dos mouros pelos cris-tãos. O botânico Carl Friedrich Phillip VonMartius43 - que chegou ao Brasil em janei-ro de 1817 -, em 1818, viajando pelas Mi-nas Gerais, assistiu à cavalgada luxuosa noTejuco, comemorando a aclamação de DomJoão VI. Cristãos e mouros vestiam veludoazul e vermelho, bordados a oiro44, e fize-ram um lindo jogo de agilidade, com ron-das e giros fidalgos, antes da batalha (inAntologia do folclore brasileiro, p. 83). Em

Ilhéus, viu o desfile com o embate subse-quente (idem, 86). Na inauguração, da ci-dade de Goiânia do Goiás (1942), RenatoAlmeida estudou o baile equestre de cris-tãos e mouros vestidos a caráter, em bata-lha sob o esquema das velhas quadrilhas decavaleiros. Aliás, esses torneios existem se-cularmente na Península Ibérica, desde aexpulsão dos árabes. Não havia cantos emúsicas, como de fato não existem nessacavalgata.

Esse auto que se alterna entre o natal eo carnaval tem sempre um cortejo inicial,como no teatro grego, cantando e recitan-do episódios da vida no mar. Uma nau so-freu os efeitos de uma tempestade e vagouerrante durante sete anos e sete dias e afome ataca todos os tripulantes. Na sorte,escolhe-se um tripulante – o Capitão, quemorto, saciará a fome dos demais. Antes deexecutarem o capitão, que foi sorteado, Elediz que Nosso Senhor fará o milagre dechegarem todos vivos em terra de Espanha.Enquanto isso, Satanás, encarnando-se noGajeiro, de tudo faz para impedir que issoaconteça. Fazem parte desse teatro popu-lar os personagens: mestre capitão, coman-dante, piloto, cirurgião, Sabóia, marujo eos palhaços vassoura, ermitão e ração.

O auto é alçado pela marcha que dan-ça, com passos marcados, sacudido pelasmúsicas próprias e parte versada ou recita-da, os quais são chamados de jornadas. Emalgumas partes do Brasil, essa opereta é com-posta de canções brasileiras e de algumasnarrativas populares portuguesas em verso(xácaras), mas o diálogo ainda é predomi-nante com relação ao canto, que manifestaos mitos locais. É uma dramatização da vidano mar, que representa as aventuras dasembarcações marítimas portuguesas, querepresenta fome, tribulações, naufrágios,tempestades, romances, danças, anedotas,ditos, lendas e orações.

Vestidos de marinheiros, os atores dan-çam ao som de instrumentos de corda, acor-deom, percussão e com um sapateado pró-prio da brincadeira. Este dramalhão é umadas heranças ibéricas mais rica e mais viva,ainda presente na cultura popular brasilei-ra, somente variando o nome, de acordocom a localização: fandango, marujada, bar-ca, chegança de marujos e nau catarineta.Estas apresentações obedecem a um calen-dário instituído nas diversas localizadasonde existem. A escalada de apresentaçãoda Chegança começa no último mês de cadaano. Ainda por coincidência é o mês daNatividade, mês do surgimento do cristia-nismo no século I.

FESTAS JESUÍNAS

As festas jesuínas foram introduzidasno Brasil em fins do século XVI. É umaherança da Pastoral Jesuítica de Portugal;da Vilâncio da Espanha; da Pastorela da Itá-lia que, com as adaptações e transforma-ções de seu ciclo evolutivo, foram se mistu-rando às festas populares. Ainda mais coma contribuição de mestiços, negros libertose escravos, a manifestação assume feiçõespeculiares e próprias. As festas jesuínas sim-bolizam as caravanas que se dirigiam a Be-lém, com a finalidade de comemorar o nas-cimento do Menino Jesus. São representa-ções alegres e brejeiras, nas quais os perso-nagens representam enredos e motivos alu-sivos ao júbilo pelo auspicioso aconteci-mento. São cortejos que vão de casa emcasa, cantando e dançando, representandoPeças Sagradas, Autos, Cheganças, Pasto-rais e Reisados, a depender da região e daépoca do ano.

Juntamos a este trabalho, as pesquisasdo Professor José Ribeiro (1970)45 que re-presentam uma substancial contribuiçãohistórica, extraídas do pensamento popu-lar, sobre as festas jesuínas ou natalinas,enquanto representações culturais.

MOUROS

Quanto à coreografia, mouros e cris-tãos formam duas hostes distintas, separa-das por uma grande distância. A festa reali-za-se à beira-mar e os disputantes vestem-se com roupas flutuantes. Emissários esta-belecem comunicação entre as facções, le-vando e trazendo recados por correios a ca-valo. Vestem-se com trajes cômicos. Os cris-tãos mandam um convite aos mouros parase batizarem, convertendo-se, consequen-temente, ao catolicismo. Os mouros repu-diam o convite. É declarada a guerra entreos oponentes. Os mouros desembarcam eos dois exércitos travam combate na beirada praia. Lutam corajosamente. Por fim,os cristãos saem vitoriosos e exigem o ba-tismo do Rei dos Mouros.

NAU CATARINETA

A Nau Catarineta é um episódio épicoque lembra a Odisseia, relatada por Homero.É uma Ode romanceada que, pelo fascíniodo seu enredo dramático e pelos mirabolan-tes efeitos pictóricos da coreografia, trans-forma-se em um bailado. A estória se desen-volve a bordo de um navio que parte do lugar

40 Eram obrigações das Câmaras com as Igrejas custearem esses rituais de fé.41 SERRA, Astolfo. Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira S.A., 1965.42 KOSTER, Henry. Viagem ao nordeste do Brasil, 221, 415. São Paulo, 1942. (Coleção Brasiliana).43 VON MARTIUS, Carl Friedrich Phillip. In: Antologia do folclore brasileiro. S. Paulo: Ed. Martins, 1944.44 Oiro: variação de Ouro.45 RIBEIRO, José. Brasil no Folclore. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Limitada, 1970. p. 426-429.

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CONTINUAÇÃO

de apresentação à consagrada Lisboa na épo-ca das conquistas marítimas de mil quinhen-tos e quarenta e dois. Depois de cruentoscombates e lutas dolorosas, chega, afinal, aum porto seguro. Abaixo, quem afirma estedesenrolar facetado é o renomado mestre epesquisador José Ribeiro46, o qual mostraoutra variação desse dramalhão. Sua indu-mentária é caracteristicamente de navegado-res, e o auto se divide em três partes:

1) Surge um navio sobre rodas arrasta-do pelos marujos. Formam-se em filas, debraços dados, e balançam o corpo, como setivessem a bordo. O Comandante da nauavisa o emissário do navio dos mouros, quelhe traz intimação para que se renda. Recu-sa-se. Travam combate entre os dois navi-os. Vencem os cristãos e exigem que o filhodo Sultão se converta ao catolicismo, sobpena de morte. Ele, para não morrer, con-corda em mudar de religião. Eis que chegao Sultão Pai e desespera-se ao saber que ofilho se converteu. Amaldiçoa-o e suicida-se em seguida. Seu corpo é atirado ao mar.

2) Esgotam-se os víveres da Nau Catari-neta e grassa a fome entre a tripulação. OCapitão resolve tirar a sorte para decidirquem deverá ser comido, e o seu nome é sor-teado. Preparam-se para a execução, e o Capi-tão manda o gajeiro (que é o diabo, em figurade gente) ver se avista terra. O Gajeiro galga omastro, mas, da primeira vez, só avista seteespadas para matar o seu superior; este insis-te em afirmar sua visão por longo tempo e,finalmente, o Gajeiro informa: Já vejo terrasde Espanha, / Areias de Portugal! / Tambémvejo três meninas / Debaixo dum laranjal.

O comandante declara que são as suaspróprias filhas e as oferece ao gajeiro, se eleo salvar. O Gajeiro, entretanto, exige comorecompensa a Nau Catarineta. O Capitãoresponde que lhe dá todas as três filhas, suasterras, todo o seu ouro e prata, menos a Nau,demonstrando que é uma parte de si mes-mo, como se fosse sua alma. Então, o Gajei-ro exige sua alma, para levar para o inferno.O Comandante diz que sua alma pertence aDeus, a atira-se ao mar. Três Anjos o salvam.

3) Os marujos consertam as velas e rea-lizam outras tarefas normais de bordo, en-quanto cantam melodias ligadas às suas vi-das aventureiras, de almas errantes. Sobre-vém uma tempestade e a Nau quase vai apique, mas é salva pela arrojada tripulação.Trava-se uma discussão entre o Capitão e oPiloto, os dois lutam, e o último ferido des-falece. Pedem a prisão do responsável. Mas,quando o Capelão vem para ministrar ossacramentos grita que ele ainda vive, já queo Gajeiro não morre, pois ele é o própriodiabo em forma de gente. Enfim, a viagem

continua e, afinal, a Nau Catarineta alcan-ça seu destino. No desembarque, desco-brem um contrabando com os guardas-marinha, que são presos e a mercadoriaapreendida. Os marinheiros cantam alegrese felizes, com o fim da jornada, depois dasperipécias, nas quais a vida parece chegarao fim e, ao mesmo tempo, renascer.

CHEGANÇA NO NORDESTEBRASILEIRO

A chegança de Mouros, ou simplesmen-te chegança, como é chamada pelo povo,continua a vigorar no nordeste, nos Esta-dos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grandedo Norte, Ceará e Maranhão. Aparece apre-sentando somente temas marítimos ouencenando a luta entre mouros e cristãos.

Em Sergipe, é dançada no período na-talino e, às vezes, em outras épocas do ano.Empregam o termo marujada para indicaras cenas de inspiração náutica e o conjuntodos personagens que as executam. Já o ter-mo mourama indica ora a representação daluta entre mouros e cristãos, ora os persona-gens mouros, enquanto o folguedo como umtodo é denominado Chegança. Conservamainda certo aspecto religioso. É representa-da no dia de Reis, quando se celebra a festade S. Benedito e Nossa Senhora do Rosário,integrando-se aos demais grupos folcloresque vão à igreja fazer louvação aos santospadroeiros. Participantes dessa manifesta-ção explicam que a Chegança resulta de umapromessa feita por tripulantes de uma em-barcação que, durante uma viagem, enfren-tou forte tempestade, recorreram à Virgemdo Rosário e, por sua intercessão, forammilagrosamente salvos. Assim explicam aencenação do auto na festa da Virgem e ra-zão da longa louvação no interior do Tem-plo após a celebração da missa.

Nas páginas da obra do mestre Luís daCâmara Cascudo (1962)47, encontra-se vas-tos textos sobre a Chegança e outras dançasdramáticas. Consta que, na Paraíba, a che-gança é chamada Barca; no Rio Grande doNorte, a manifestação é relativamente re-cente, data de 1926; e em Alagoas apresen-tam-se, também, cheganças unicamentecom elementos femininos. Diégues Júniorinforma a existência da Chegança Flor doMar, no município de Marechal Deodoro.

O escritor Joaquim Ribeiro – em suajangada, navegando em direção às praias donordeste – descreveu, em seu livro Os bra-sileiros, um capítulo que trata das Festasdos Jangadeiros, outra contribuição subs-tancial à cultura brasileira de notável refe-rência, que destaca:

As festas dos praieiros do norte quase sem-pre giram em torno de cultos populares:São Pedro, Nossa Senhora dos Navegantes,Bom Jesus dos Navegantes, São José doRibamar etc. Enfeitam-se as povoações debandeirolas e fogueiras. Estouram fogue-tes, rojões. Cores. Luzes. Sons. E, no meiode tudo isso, o agitar das canoas e jangadasengalanadas no mar e o bulir das gentes naspraias onde o canto, a dança e a músicadominam. Tudo se movimenta. Tudo assu-me ar festivo, alegre, feliz 48.

Para que melhor se compreenda a ra-zão do fervor com que o povo praieiro doBrasil faz estas festas, bastará ler, nas pági-nas do citado artigo – o qual nos descrevecom opulência de cores – as ações de umarapsódia popular, cujo tema revive a luta decristãos e mouros, através de pitoresca ce-nografia ao ar livre. Afirma, entusiastica-mente, o consagrado autor que:

Numerosas são as festas locais dos praiei-ros e sempre relacionadas com o padroeiroda região. No litoral do Maranhão tornou-se famosa a festa de São José do Ribamar.Nas praias do Recôncavo Baiano constitu-em uma nota pictórica de relevo as procis-sões marítimas de Nossa Senhora dos Na-vegantes. E assim noutras localidades lito-râneas (Idem, p. 40).

As Cheganças são também festas dasJaneiras, como se chamava antigamentetodos os divertimentos das noites de Reis,o que nós hoje chamamos de Reisados. Em1976, desvendando esse auto, a antropólo-ga Beatriz Góes Dantas (1959)49 narra umaversão contemporânea da Chegança, ain-da com aspecto religioso em duas cidadessergipanas, Lagarto e Laranjeiras, já men-cionado anteriormente, com devoção a SãoBenedito e Nossa Senhora do Rosário.

Desafiando a perspicácia dos estudio-sos, continuam a vigorar no Nordeste asduas formas de Chegança: uma represen-tando exclusivamente temas marítimos; aoutra encenando em trechos da luta entremouros e cristãos, acrescida de movimen-tos de inspiração náutica. Auto popularconstituído de várias partes ou jornadasindependentes entre si, quase sempre semsequência preestabelecida em sua represen-tação, a Chegança é, às vezes, representadanuma armação de madeira em figura de umbarco. (DANTAS, 1976, p. 4)

Baseado em registros disponíveis, Andra-de (1959, p. 122) afirma que, na segunda me-tade do século passado (XVIII), já existiam asduas Cheganças que, possivelmente, teriamsido organizadas mais ou menos literalmen-te por alguns poetas e alguns músicos maisou menos no princípio do século XIX.

Continua no próximo Boletim da CMF.

46 Op. cit., idem.47 CÂMARA CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da

Educação e Cultura, 1962. p. 204-205.48 RIBEIRO, Joaquim. Os brasileiros. Rio de Janeiro: Pallas; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977. p. 36-40.49 DANTAS, Beatriz Góis. Chegança. n. 14. Rio de Janeiro: Funarte, 1976. (Série Cadernos de Folclore).

Boletim 50 / agosto 2011 13

A batida é típica, característica:quem conhece não se engana.Quem nunca a ouviu se admi-

ra pela mágica do batuque cadenciadoque parece refletir o gingado das cai-xeiras.

Assim é a Festa do Divino, evocan-do não somente a devoção religiosa,bem como, todo um culto às cortes dosreis e rainhas que ainda povoam o ima-ginário do nosso povo.

As homenagens prestadas ao Divi-no Espírito Santo são muito antigas esempre estiveram associadas a um for-te apelo popular ou folclórico. No ini-cio do corrente milênio, vários movi-mentos religiosos espalharam pela Eu-ropa muitas idéias consideradas heréti-cas pela Igreja. Acenavam com o retor-no de novos messias que, iluminadospelo Santo Espírito, libertariam daopressão os pobres e desamparados.Estas crendices encontraram fértil ter-reno na Alemanha, logo após a morteem 1190, do carismático e muito vene-rado Imperador Frederico II.

Estes fatos juntamente com muitosoutros que proliferaram entre os povoseuropeus, ao longo da Idade Média, le-varam a hierarquia eclesiástica a umaluta sem trégua para dissuadi-los des-sas heresias e resgatar a devoção aoDivino Espírito Santo. Uma das reaçõespositivas em favor dos objetivos da Igre-ja ocorreu em Portugal, quando, poriniciativa da rainha D. Isabel – esposade D. Diniz, que reinou no início doséculo XIV –, foi construída uma igrejana cidade de Alenquer, consagrada aoculto do Espírito Santo. Durante o rei-nado de D. João II (1521-1556), a festajá era muito popular e até constava noCódigo Afonsinho.

Para o Brasil, os festejos foram tra-zidos pelos primeiros colonizadores. Oimperador ou imperatriz, o mordomoou mordoma régia eram componentesque não podiam faltar. Uma pombabranca representava o Espírito Santo ea coroa com o cetro, ambos de ouro in-crustados de pedras preciosas, davam ocaráter real à corte. Em fins do séculoXVII, a festa já estava bastante difun-dida em várias províncias e gozava decrescente prestígio, a tal ponto que,quando da declaração da Independên-

A FESTA DO DIVINO EM PINHEIRO50Aymoré de Castro Alvim51

50 Extraído do livro GOMES, Francisco José de Castro (Org.). Coisas da nossa terra: subsídios para a Historia do Município de Pinheiro. [S.l.: s.n.], 2004. p.221-223. (Coletanea de artigos publicados no Jornal Cidade de Pinheiro de 1921 a 2003)

51 Professor da UFMA e membro da Academia Maranhense de Medicina.

cia do Brasil em 1822, José Bonifáciosugeriu a D. Pedro I que optasse pelotitulo de Imperador em vez de o de Rei.

A festa tem o seu ponto culminan-te no dia de Pentecostes, cinquentadias após a páscoa, e se reveste de mui-tas formalidades. Segundo relatos deGustavo Beyer, 1813, no Rio de Janei-ro, o imperador era escolhido por sor-teio, podendo recair sobre uma crian-ça ou um adulto. Durante todo o perí-odo, o imperador presidia todas as fun-ções e fazia jus a muitas honrarias, in-clusive a de receber continência da tro-pa, baixar alguns decretos e ter a pre-cedência de lugar, na igreja, onde en-trava em procissão. Na casa do impera-dor, a mesa era sempre farta para odeleite do povo que o acompanhava.Fogueiras e fogos de artifícios queima-vam todas as noites que antecediam odia de Pentecostes.

No Maranhão, a festa do Divino écomemorada em vários municípios, masé em Alcântara onde assume ainda todoo esplendor dos tempos antigos e se cons-titui em um dos mais importantes even-tos do seu calendário turístico-cultural.

Segundo Carlos Lima, a festa pos-sivelmente teve seu inicio em Alcânta-ra por ocasião da frustrada visita de D.Pedro II àquela cidade (1888).

Desde o século passado (séculoXIX), os preparativos começavam noano anterior, com a escolha do impera-dor ou imperatriz e da mordoma oumordamo régio. Um grupo de pessoasentre caixeiras, bandeireiras, dentreoutras, iniciava a chamada Folia doDivino. A visitação para angariar do-nativos se fazia em todo o município enos municípios vizinhos. Levavam umacoroa do Divino e uma pomba em ce-râmica branca, evocando o EspíritoSanto.

Embora não haja relatos a respei-to, acredita-se que, destas visitas quechegavam até Pinheiro, tenham surgi-do as primeiras iniciativas para que ospinheirenses festejassem também oDivino.

Os primeiros registros dão conta deque, na segunda década do século XX,dona Madalena Peixoto, provecta se-nhora residente à rua do Cemitério, já

realizava, na sua residência, a festa commuita afluência da população local.Mas foi em 1924, conforme relatos daSra. Inez Loureiro, que uma grandefesta foi realizada por iniciativa de donaPetronila Durans ou dona Pituca. DonaFrancisquinha Castro e dona AméliaUbaldo foram escolhidas para Mordo-mas régias. Cada uma delas dispunhade uma aia, sendo que a de dona Amé-lia foi a garota Severa Pessoa, enquan-to Geny Jinkings foi a aia de dona Fran-cisquinha. Para a imperatriz, cuja es-colha caiu sobre a mocinha Flora Du-rans, dona Pituca preparou uma salamuito bem enfeitada, tendo, ao fundo,o trono da imperatriz. Da mesma for-ma, as Mordomas prepararam salas etronos para as suas aias.

O dia da Festa era precedido pornove noites; quando, após as rezas e adança das caixeiras e bandeiras, eramservidos aos presentes chocolates, bo-los e doces variados, além das brinca-deiras de pau de sebo e das prisões, nomastro, com pagamento de prendas.

No domingo de pentecostes, após amissa solene, na Igreja Matriz, todosparticipavam do grande almoço, feitocom as doações recolhidas durante operíodo que antecedia a festa. Era cos-tume da Imperatriz levar, em cortejo,o almoço aos presos, na cadeia públi-ca, na Praça da Matriz.

Na década de 1940 e inicio de 1950,a festa do Divino era realizada, segun-do a mesma tradição, por dona Galianae dona Rufina que residiam à antiga daFaveira. Mais recentemente, a respon-sabilidade ficou com dona Iponina Cruzque buscava, assim, manter essa antigatradição em nossa Pinheiro.

Mas pelo que se pode atualmenteconstatar, essas manifestações de cunhofolclórico-religioso vêm encontrando, acada ano, grandes dificuldades para asua promoção. A crise financeira do Paíse as mudanças de costumes da socie-dade tem, nesse contexto, marcada in-fluência. Ao poder público, competeestimular e garantir a realização dessesfestejos pelo retorno que dão em em-pregos, impostos e, principalmente,como atração turística, de forma a as-segurar, através dos tempos, o curso dasnossas tradições.

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O desenhista maranhense JoãoAffonso do Nascimento, que,segundo o mestre Domingos

Vieira Filho, era “o nosso Ângelo Agos-tini55”, nasceu no dia 14 de abril de1855, em São Luís, Maranhão. Filho deportugueses, seus pais foram o comer-ciante João Affonso do Nascimento e acostureira Germana Maria de Carva-lho Nascimento. Nos anos de juventu-de, estudou no tradicional Liceu Ma-ranhense, então localizado no Largo doCarmo, em prédio anexo à Igreja Nos-sa Senhora do Carmo.

Ainda na juventude, começou a de-senvolver pendor para as artes, tendocomo um dos primeiros mestres o emé-rito desenhista Domingos Tribuzi, alémda forte influência ideológica do pro-motor de justiça Celso Magalhães, umdos iniciadores dos estudos folclóricosno Brasil. Ligou-se a um seleto grupode moços talentosos, os quais deram àvida a um periódico denominado “Jor-nal para todos” e, anos mais tarde, aoutro meio de comunicação, notabili-zado pelos desenhos, denominado “AFlecha”. Nestes dois veículos de comu-nicação, na segunda metade do Séc.XIX, João Affonso teve ativa colabora-ção de Arthur Azevedo, Aluízio Azeve-do e Américo Azevedo. Além destesdois jornais, Joafnas (como era tambémconhecido) trabalhou nos Jornais A Pa-cotilha, Diário Maranhense, Folha doNorte e O Malho.

Grande chargista e cronista contu-maz, João Affonso foi uma voz irrefreá-vel ante ao poderio quase que absolutoda Igreja Católica e foi, também, críti-co mordaz dos costumes de uma cida-de provinciana do nordeste brasileiro,

JOÃO AFFONSO DO NASCIMENTO:um maranhense singular52

João Paulo Soares Júnior53

Leandro Carlos de Carvalho Silva54

São Luís. Segundo Iramir Alves Araújo(2007, p. 10):

João Affonso tinha os olhos sobre a cidadee nada escapava à sua pena. Sua crítica eraresponsável, pois apontava os problemasque via e os expunha em seu jornal comocontribuição para o melhoramento dos ser-viços de limpeza pública, segurança, trans-portes, água e iluminação. Afora sua lin-guagem sarcástica, caricata e mesmo mor-daz, sua atuação jornalística cumpria umpapel de lembrar aos governantes de suasdebilidades no que concerne à atuação maisvisível da política: aquela que é estabeleci-da com o cidadão, no dia-a-dia.

Seus trabalhos mais conhecidos sãoas charges feitas para o jornal A Fle-cha, na qual retratava aspectos do coti-diano e da cultura popular nesta cida-de. Além de denunciar, através de suascrônicas e textos diversos, hábitos re-trógados (e atuais) de uma sociedademarcada por fortes laços escravocratas,eurocêntricas e burguesas, ele teve cui-dado em retratar a cultura popular deforma não depreciativa, demonstrando,através de inúmeros desenhos deixadosno jornal A Flecha e no livro Três Sé-culos de Moda, a riqueza e a diversida-de do folclore e da cultura popular doMaranhão. São seus alguns dos únicosregistros de manifestações e ofíciosoriundos do folclore e da cultura popu-lar no Maranhão, a partir da segundametade do Séc. XIX, dentre os quaiscita-se o desenho de uma integrante damanifestação carnavalesca do baralho56

(negrinha do baralho), a negra mina,negros de ganho, os personagens cruz-diabo57, pai Francisco58, divineira doEspírito Santo59, fofão60, as festas delargo, malhação de judas, pessoas usan-

do matracas, cofos61 e abanos, etc.Suas publicações mais significativas

foram: Anos Bons, Festas e Reis; Nati-vidade; O Guri e o Seringueiro. Suaobra prima é “Três Séculos de Moda”,publicada para as comemorações dotricentenário de Belém, em 1916, cida-de na qual residia na época. Segundo ojornalista Murilo Menezes, em seu co-mentário na Folha do Norte, em 1930,o livro Três Séculos de Moda era umtrabalho pioneiro sendo que:

Esta obra, inteiriça, fruto de pacientes pes-quisas, além do seu valor como obra deinformação fidedigna e pitoresca da histó-ria da indumentária através da civilização,vinha confirmar os seus predicados de finoobservador, espírito culto e viajado, e, so-bretudo, como crítico de arte.

Assim como o comentário de Muri-lo Menezes, o livro retratava de formafiel a evolução da indumentária utili-zada pela sociedade desde 1616 a 1916,destacando seus desenhos e formandoo material como um manual de modaexplicativo, ligando cada imagem aotempo e ao espaço que a constituía.

Além de todas as suas qualidadescomo artista gráfico, João Affonso ain-da exerceu as atividades de cenógrafo,teatrólogo, professor de desenho, cro-nista, jornalista, escritor e crítico dearte. Passou a residir no estado do Paráapós sua aprovação em concurso públi-co da empresa estrangeira Porto OfPará, exercendo a função de chefe dotráfego do cais do porto de Belém. Foimembro fundador da Academia Para-ense de Letras e membro corresponden-te da Academia Maranhense de Letras,ocupando a cadeira de número 3, fez

52 Contendo valiosas contribuições de Diego Lobato, pesquisador da vida e obra de João Affonso do Nascimento.53 Membro da Comissão Maranhense de Folclore.54 Esp. em Biblioteconomia e membro da Comissão Helenense de Folclore (in construction).55 Cartunista pioneiro e artista gráfico do Segundo Reinado, nasceu em Vercelli – Itália em 08 de abril de 1843 e faleceu no Rio de Janeiro em 28 de janeiro de

1910; fez carreira no Brasil e notabilizou-se pelos desenhos publicados na “Revista Ilustrada”.56 Manifestação carnavalesca tipicamente maranhense e caracterizada pela presença maciça de negros.57 Personagem típico do carnaval ludovicense, nascido, provavelmente, no século XIX; tinha como principais características macacão grande, feito de seda nas

cores preta e vermelha e máscara representando o diabo.58 Personagem do bumba-meu-boi.59 Integrante da Festa do Divino Espírito Santo, conhecida também como tiradeira de jóia.60 Personagem típico do carnaval maranhense, caracterizado por um macacão grande de chita e máscara com características horripilantes e cômicas.61 Utensílio muito utilizado por maranhenses feito por trançado de palha de palmeiras diversas.

Boletim 50 / agosto 2011 15CONTINUAÇÃO

parte do Instituto Histórico e Geográ-fico do Pará e foi comendador da Or-dem de Cristo. Casou-se com MariaGermina de Sousa; desta união teve seisfilhas: Arabella, Helena, Sylvia, Lúcia,Beatriz e Evangelina. Faleceu em 18de abril de 1924 em Belém do Pará.

João Affonso segundo João Affonso:

Cidadão brasileiro, casado, despa-chante geral, conhecido fabricante daFLECHA por dentro e por fora. Nemalto nem baixo, mais magro que gordo,inofensivo quando dorme, nariz verme-lho, olhos de cor duvidosa, cabelo cur-tos e russos, bigode transparente, bar-ba deserta, fato de casimira cor de cas-tanha, três annéis num só dedo.

Signais particulares: Tem a maniade endireitar o gênero humano, usa àsvezes bengala preta e quando assignacaricaturas com J.A. suppõe que issoquer dizer João Affonso (A FLECHA,1879).

REFERÊNCIAS

A FLECHA. São Luís, ano 1, n. II,1879.________. São Luís, ano 1, n. XXII,1879.ARAÚJO, Iramir Alves. Flechadas deironia ao jornalismo satírico no Ma-ranhão do século XIX. RevistaCAMBIASSU. São Luís, v. XVII, n.3, p. 10, 2007.MENEZES, Murilo. João Affonso doNascimento – Palavras de Saudade.Folha do Norte. 01, jan. 1930.MORAES, Jomar (Org.). Estatuto eRegimento Interno. São Luís: Edi-ções AML, 2002.NASCIMENTO, João Affonso do.João Affonso do Nascimento. A Fle-cha. São Luís, ano 1, n. 248, 1879.________. Três Séculos de Moda.Belém: Conselho Estadual de Cul-tura, 1976. (Coleção “Cultura Para-ense”).VIEIRA FILHO, Domingos. JoãoAfonso do Nascimento. São Luís:Fundação Cultural do Maranhão,1977.SOARES JÚNIOR, João Paulo. JoãoAffonso: a flecha jornalística. SãoLuís, 2010. (Projeto de pesquisa).SOARES JÚNIOR, João Paulo; LO-BATO, Diêgo; SOARES, Max deMedeiros; GONÇALVES, Jandir.Projeto “João Affonso: cultura earte”. São Luís, 2010. (Projeto de pes-quisa).

LEGENDA01 - negros de ganho02 – integrantes da Festa de São Benedito03 – integrante do baralho, negrinha do beralho04 – divineira da Festa do Espírito Santo05 – personagem Pai Francisco06 – fantasia de cruz diabo07 – tocador de berimbau08 – músicos da Festa de São José de Ribamar09 – buscapé em Festa de São Joao10 – banho de São Joao11 – homem portando cofo12 – fazedor de abano13 - desenho de Celso Magalhaes14 – homem com matracas na mão15 - fofão

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A casa grande de meu avô paterno era oponto certos das reuniões de pessoas

da família, de moradores que residiam emsua propriedade no Junco64, ou que mora-vam perto. Era um bate-papo agradável à“boca da noite”, à luz de lamparina, na épo-ca da colheita, quando se fazia a debulhado feijão. Estavam presentes o contador deestórias, e o cantador que animava as reu-niões. Comentavam-se também os últimosacontecimentos da região e do País. As no-tícias eram transmitidas de “boca em boca”,pois ainda não havia o rádio, e os jornais sóexistiam nas grandes cidades, como Mos-soró, ou na capital do Estado.

O tema predileto da palestra era sobreo banditismo, todas as noites. Lampiãohavia atacado Mossoró em 1927. Era o as-sunto do dia. Entravam em cena outrosbandoleiros, dos quais alguns já não existi-am, mas permanecia na lembrança do povoa sua fama. Antônio Silvino, recolhido àpenitenciária de Recife, cumprindo suapena, era discutido sempre.

Eu contava apenas oito anos de idade.Imagine-se o medo, a angústia, que me do-minavam ouvindo as estórias e façanhas vi-olentas, que tinham como autor os canga-ceiros que infestavam o sertão nordestino.

Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino,Lampião, para só falar na trindade supre-ma, porque havia um número apreciável,de bandidos em escala decrescente, menosfamosos, porém igualmente perversos e te-míveis. Alguns já desaparecidos, outros emplena atividade, praticando toda espécie deatrocidade entre cinco Estados.

Clamando por minha avó paterna, im-plorando socorro às mais das noites, eu acor-dava apavorado, aos gritos, pois sonhara queo bandido da Vila Bela, com seu grupo, ata-cava nossa casa, ou outras vezes, as casasdos nossos vizinhos.

Incendiavam propriedades, praticavamhorrores e cometiam toda espécie de violên-cia e atrocidade contra a população rural in-defesa.

Jamais passou pela minha cabeça, naminha infância, que, mais cedo ou maistarde, teria que me defrontar com um des-ses cangaceiros, em carne e osso, autênticobicho-papão da gurizada de minha geração,flagelo do sertanejo de minha terra-natal.

Patú, então vila pertencendo ao muni-cípio de Martins miniatura de FAR:WESTpotiguar, imortalizada na crônica do can-gaço por ter sido berço das extraordináriasfaçanhas do “maior cangaceiro do séculodezenove”, Jesuíno Brilhante - no dizer deGustavo Barroso65. O Sr. Joaquim de Oli-veira, de saudosa memória, engraçado, sizu-

EU CONHECI ANTÔNIO SILVINO62Raimundo Rocha63

do, falador da vida alheia, sem maldade, fala-va-nos das lutas, das mais recentes escara-muças de cada um desses cangaceiros, nacostumeira “rodinha” pela manhã e à tarde,na calçada da bodega de Manoel Mota, meucunhado, no mercado Público. Tínhamos,para cada encontro, mais novidade, um de-talhe com que conseguia, com inteligência,prender a atenção dos ouvintes, graças à suaimaginação e retentiva privilegiadas. Antô-nio Silvino, o “Rifle de Ouro”, era o herói desua simpatia, de sua preferência, ainda vivo,e, sobre o qual havia um halo de simpatia eadmiração por onde passava e até onde che-gava sua fama. Não porque o sertanejo ad-mirasse o cangaceiro, mas porque gostavado homem valente, do homem disposto, que,uma vez ferido na sua honra, resolvia a para-da sem pensar nas consequências.

Fulano de Tal (dizia Joaquim de Olivei-ra, citando o nome) certa vez foi visitarAntônio Silvino na Penitenciária do Reci-fe. Depois de alguma conversa, pensandoem agradar, resolveu comprar um abotoa-dura de cabelo de animal, para punho decamisa, de fabricação do velho e temidocangaceiro. Solicitou que mostrasse os bo-tões de sua fabricação, indagando o preço.

- Oitocentos réis, cada par! - informou ovelho Capitão-de-mato, de dentro de sua cela.

- O Sr. faz uma diferença? - perguntouo visitante, no seu costume, muito do gos-to do sertanejo, de pedir abatimento.

- É, se eu tivesse do lado de fora, vocênão me pedia diferença - trovejou o bando-leiro, como fera enjaulada, recolhendo oartigo de seu comércio.

O tempo passou. A civilização penetrouno sertão adentro. Os cangaceiros famososforam aos poucos desaparecendo. MataramLampião, e, com ele, foram os seus desalma-dos companheiros de cangaço.

Meu mano Lourival, em 1942, se nãome trai a mente, surpreendeu-me com estapergunta à queima-roupa, em CampinaGrande, na Paraíba.

- Você já viu Antônio Silvino?...- Ô chente... Antônio Silvino? aquele

bandido do nosso tempo de menino?Onde?

- Sim, ele mesmo, em carne e osso... eleaparece sempre pela manhã nos cafés daAvenida João Pessoa...

Procurei francamente encontrar-mecom o “herói”, que me roubou muitas noi-tes de sono, na minha infância. E, certo dia,observei-o, saindo de um bar, na Avenida JoãoPessoa, em Campina Grande, caminhandoem minha direção – um cidadão idoso, tó-rax ligeiramente caído para frente, supor-tando nos ombros o peso de seus sessenta e

sete janeiros. Identifiquei sem esforço, pe-las características apresentadas, que eu esta-va realmente na frente do famoso, legendá-rio, Antônio Silvino, que, anos atrás, se con-siderava o “Governador do Sertão” nordes-tino. Procurei enquadrar no homem que seachava à minha frente, sem que ele me per-cebesse, o destemido cangaceiro de Afoga-dos de Ingazeiro, que não temia forças dogoverno, pronto para enfrentar a luta a qual-quer momento, o valentão que não temiaadversário, que contava com um grupo porele próprio adestrado, como cantava o poe-ta das feiras dos mercados do Nordeste:

Já ensinei aos meus cabrasa comer de mês em mês,Beber água por semestre,Dormir por ano uma vez...Atirar em um soldadoE derrubar dezesseis!

Estava à minha frente, a alguns metros,um cidadão idoso, encanecido, estatura me-diana, risonho, chapéu de massa de aba lon-ga, usando terno de brim cáqui, e, na lapelado paletó, uma rosa vermelha, bengala à mão,aparentando calma e tranquilidade.

Desmoronava-se para mim um ídolo,naquele instante, cuja grandeza, fama e po-der seriam impossíveis de se medir. Detive-me ante o herói-bandido de tantas estóriasimpossíveis ouvidas na minha infância, noJunco, e pus-me a pensar nas determinaçõesdo destino. Estava ali o “maior cangaceirodo século XX”, homem que manteve toda apopulação do nordeste à mercê de seus ca-prichos, em polvorosa, durante vinte longosanos. Ora atacava cidades, vilas e povoados,ora assaltava fazendas de inimigos, ora de-fendendo a honra de moças pobres, distri-buindo aos humildes e famintos o dinheirosubtraído dos ricos, de seus inimigos. Duplapersonalidade, tipo curioso que bem mere-cia ser estudado profunda e cuidadosamen-te sobre os diversos ângulos de sua vida.

Senti, em suma, ao conhecer o legen-dário cangaceiro, recuperado socialmente,após longos anos vividos na Penitenciáriado Recife, tremenda decepção. Estava liqui-dado o ídolo do cangaço de uma época.Antônio Silvino me dava a impressão deum pastor evangélico, com a sua expressãode humildade e mansidão. Nada, pois, exis-tia nele que lembrasse o cangaceiro “jamaisigualado na sinistra fama, nunca excedidono criminoso mister”. “O maior vulto decriminosos dos sertões do Nordeste”, naopinião do historiador Gustavo Barroso.

Foi assim que conheci ANTÔNIOSILVINO.

62 Publicado no Jornal do Maranhão, em 17 mar. 1968.63 Comerciante e escritor nascido em Patu, no Rio Grande do Norte, em 1919, e radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da Comissão

Piauiense de Folclore.64 Na época, pertencente ao município de Matins (RN) e depois ao de Patu, desmembrado dele.65 Heróis e Bandidos, os cangaceiros de nordeste. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p.225.

Boletim 50 / agosto 2011 17

Janela do Tempo

O Maranhão, porque parte doBrasil que recebeu – como a

Bahia e Pernambuco – contingenteapreciável de negros escravos, cujosdescendentes só agora começam a sediluir, num lento processo de clarifi-cação, ou antes de mulatização, o Ma-ranhão, dizíamos, estava inscrito noprograma de estudos de dois africa-nistas de nomeada: Dr. Artur Ramose Dr. Melville Herskovits. Eles pre-tendiam visitar São Luís com o in-tuito de completar os estudos das so-brevivências dos cultos negros no Bra-sil, encetados na Bahia. Motivos di-versos, todavia, obstaram a vinda aSão Luís dos eminentes antropólo-gos. Os estudos, porém, foram feitospor um jovem aluno de Herkovits, oDr. Otávio da Costa Eduardo, queaqui se demorou por alguns meses,às voltas com a gente da casa das Mi-nas, o único terreiro relativamentepuro existente entre nós. O Dr.Eduardo colheu, ao que parece, ma-terial de primeira e fez identificaçõesseguras entre voduns dahomeianos,antes assinalados pelo coronel AlfredEllis e, posteriormente, pelo Dr. Her-skovits, e santos e orixás do culto daMinas professados aqui.

Um maranhense, Manuel NunesPereira, íntimo da casa das Minas, pu-blicou em 1947, um documentárioreferto de dados preciosos sobre esseculto africano que resiste com galhar-dia à indiferença do meio e no passardos anos, guardando os seus poucosfieis, carinhosamente, a memória dosancestrais. E um escritor português,Edmundo Correia Lopes, anos an-tes fizera sucinta descrição do culto,resultado das horas que passou na

O CULTO VODOU:Identificações em São Luís e no Haiti66

Domingos Vieira Filho67

66 Transcrito da REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO. São Luís, ano IV, n. 4, p. 90-92, jul. 1952. Publicadooriginalmente no jornal Diário de São Luís, em dezembro de 1949.

67 Bacharel em Direito; Professor da UFMA; Pesquisador; Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Comissão Maranhense de Folclore.Falecido.

68 Vide Otavio C. Eduardo – “Three-way Religious Acculturation”, “in a North Brazilian City” – in Afoamerica – vol. II – México, 1946" e “The Negro inNorthern Brazil: A Study in Acculturation” – New York, 1948; Nunes Pereira – “A casa das Minas” – Rio, 1947; Edmundo C. Lopes – “Vestígios da Áfricano Brasil”, in O Mundo Português – vol. VI – Lisboa, 1939.

69 M. Marcelin – “Mythologie Vodou” (Rite Arada). Haiti, s.d. 2 vols.70 R. Bastide – “tambour de Minas”, in “Le Monde Noir”, volume organizado por Theodore Monod. Paris, s.d. p. 386.

convivência dos fieis das Minas68.Todos esses pesquisadores – e

alhures Nina Rodrigues, em esfuma-da referência, quando estudou sobre-vivências religiosas africanas na Bahia– reconheceram profundas influên-cias dahomeianas no culto professa-do pelos descendentes dos escravosna Casa das Minas.

Mas não é o caso, neste breve re-gistro, de situar as origens históricasdas levas de negros que aportaramplagas maranhenses, até porque háuma total ausência de dados, de fon-tes precisas nesse particular. Esperaainda o Maranhão o historiador dotráfico africano, e devemos confessarque essa é uma tarefa de gigante, queesmorece, pelas dificuldades queapresentam, até mesmo os que sesentem com vocação para Hércules,o personagem miraculoso dos mui-tos difíceis trabalhos...

O nosso propósito, ao ocuparestas colunas, é o de corroborar asassertivas daqueles autores, fazendoum breve, mas não desdenhável con-fronto com voduns ou loas ocorren-tes no Haiti que, como se sabe, foiárea de nítida dominação da culturado Dahomei, e voduns familiares aoculto das minas aqui.

No culto vodou do Haiti, há a ado-ração da serpente, representada peloonipotente loa Damballah Oueddo,“dieu de la fecunditité et de la force”.69

No culto das minas de São Luís, nãoexiste vodun incarnado à figura deserpente. É um traço da influênciadahomeiana que foi assimilado pelosefeitos talvez da lei formulada porTh. Reik sobre categorias de religiõese de deuses, assim como o loa Mawu

Lisa está desaparecendo do cultomina. Em troca, Zomadone ascendeaqui a categoria de vodun poderoso,quando, no Dahomey, não passa de“un ancêtre” de Zumadunu aux sixyeux d´Abomey”70, herói dahomeaia-no que mereceu um templo.

Persistem, contudo, aqui, vodunsprofessados no culto Arada ou Radado Haiti, o que evidencia o traçodahomeiano comum às duas áreasmencionadas.

Agora, o Sr. Milo Marcelin, jovemetnógrafo haitiano, traz ao estudo dassobrevivências africanas no NovoMundo contribuição das mais valio-sas, com a publicação dos dois pri-meiros volumes de seu trabalho“Mythologie Vodou”.

O autor descreve, exaustivamen-te, cerimônias e voduns do culto Ara-da e arrola divindades como LokoAtissou, deus das árvores e das flo-restas, Sobo Késsou, Azaká Mede,Ayizan Vélequété, voduns que podemser identificados, mediante acuradapesquisa – o que estamos tentandofazer há meses – com os seguintesvoduns do culto das minas: Loco,Sobô, Azacá, Badé e Averequete.

O Trabalho de Sr. Milo Marcelinvem ampliar a série de estudos etno-gráficos sobre o Haiti, brilhantemen-te iniciada com o “Ainsin parlal´oncle...”, do dr. Price Mars, e repre-senta, além do mais uma pesquisahonesta e vertical, sem mistérios ousubterfúgios de pseudos etnógrafosque se comprazem imenso em armarao efeito, desprezando a verdade oudissimulando-a numa roupagem ta-ful e inútil.

18 Boletim 50 / agosto 2011

Resumos e Resenhas – GP MinaResumos e Resenhas – GP MinaResumos e Resenhas – GP MinaResumos e Resenhas – GP MinaResumos e Resenhas – GP MinaMONOGRAFIA

2011

MENDONÇA Jr., Heriverto Nunes.“Vim por mar, vim por terra”. Aperformance ritual do Tambor de Minado Ilê Axé Ogum Sogbô. 77 f. Mono-grafia, (Licenciatura em Teatro). – Uni-versidade Federal do Maranhão -, SãoLuís, 2011. Orientador: Prof. Dr. Ser-gio Figueiredo Ferretti.

RESUMOA presente monografia busca ana-

lisar a performance ritual em terreirosde Tambor de Mina em São Luís-MA,tendo como campo para esse trabalhoo Ilê Axé Ogum Sogbô. Apresenta re-gistros fotográficos e anotações de cam-po. Descreve elementos performáticosencontrados na dança, na música e suarelação com o transe. Analisa a casa pes-quisada a partir das diferenciações per-formáticas que cada divindade recebi-da pelo zelador espiritual do terreiro PaiAirton durante rituais.

ROCHA, Carolina de Fátima Sopas. Acartilha “politicamente correto & direi-tos humanos”: uma breve análise à luzdo multiculturalismo e da sociolingüís-tica. 117 f. Monografia (Licenciatura emLetras). – Universidade Federal do Ma-ranhão –, 2011. Orientador: Prof. Dr.Sergio Figueiredo Ferretti

RESUMOEste trabalho tem por objetivo res-

gatar a bibliografia que discute o movi-mento politicamente correto e, mais es-pecificamente, que discute a cartilha“Politicamente Correto & Direitos Hu-manos”, lançada em 2004, pela Secre-taria Especial de Direitos Humanos –SEDH, do governo federal. Discute-se,também alguns dos termos presentes nacartilha, de acordo com os preceitos eobjetivos do Multiculturalismo e daSociolinguística, e a forma como estessão apresentados na cartilha.

SANTOS, Thiago Lima dos. “Umareligião de que não gosta o governo”:práticas religiosas de matriz africana nacidade de São Luís (1847 – 1888). 105 f.Monografia (Licenciatura em História).– Universidade Federal do Maranhão–, 2011. Orientador: Lyndon de AraújoSantos.

RESUMO:Em novembro de 1876, um caso po-

licial ganhou destaque em São Luis: anegra liberta Amelia foi presa acusadade causar lesões físicas a uma escravadurante rituais religiosos. O processo-crime de Amelia Rosa permite não sópensar a respeito da religiosidade dosnegros, mas sobre um contexto socialmais amplo, no qual diferentes visões demundo se chocam abalando assim a or-dem estabelecida. Para as elites e as au-toridades, a sociedade brasileira do pe-ríodo imperial padecia de uma série deproblemas, dentre estes podemos desta-car a heterogenia cultural e o perigo derevoltas iminentes por parte das cama-das inferiores da população. Os desviosreligiosos não eram tolerados e represen-tavam um crime contra o Estado e a Igre-ja, os discursos acerca das religiões dematriz africana são exemplos de comoas proibições se davam a partir da mis-tura de valores religiosos e legais utili-zando estes últimos para mostrar que aprática de outras religiões que não a ofi-cial representavam perigo para a socie-dade como um todo. É neste cenário quese busca compreender as manifestaçõesreligiosas afro-brasileiras através das prá-ticas e sujeitos envolvidos e a sua rela-ção com o contexto social e cultural daépoca, na cidade de São Luís do Mara-nhão no século XIX.

2008

DINIZ, Márcia Regina Moreira. “Bai-les de preto” e “bailes de branco” em Vianano período de 1950 a 1980. Monografia,(História-Licenciatura Plena) –PROEB/UFMA -, São Luís, 2008.Orientador: Prof. Dr. Josenildo de Je-sus Pereira.

RESUMOEste estudo está inserido no contex-

to de análises relativas ao temo das re-lações raciais no Brasil e, em particu-lar, em Viana, entre as décadas de 1950e 1960, pois se trata de uma territoriali-dade, na qual o racismo é uma das va-riáveis de práticas sócio-culturais dosque compõem a sociedade vianense.Para se compreender as suas determi-nações, fez-se um retrospecto da for-mação histórica de Viana. Depois seinvestigou em torno do porquê de “bai-les de preto” e de “bailes de branco”em Viana. Ao longo do trabalho, lida-se com a hipótese de que o uso do dis-curso racial costurou e deu sentido aessa experiência vivida em Viana.

MEIRELES, Jucinaldo Silva. Tenda deSanto Antonio: historicidade de um ter-reiro de Mina em Viana. (História Li-cenciatura Plena) – PRORB/UFMA -,2008. Orientador: Prof. Dr. Josenildo deJesus Pereira.

RESUMONeste estudo, investiga-se a respei-

to da Tenda de Santo Antonio, de pro-priedade de Dona Dinalva, no contex-to do Município de Viana. Trata-se deuma casa onde se pratica o Tambor deMina, uma das tradições religiosas afro-brasileiras. Procurou-se compreender oseu processo de formação histórica, asua estrutura social, concepção e dinâ-mica religiosa, bem como a relaçãodeste com a comunidade circundanteconsiderando-se que o racismo é, ain-da, uma das variáveis da cultura brasi-leira.

2006

CRUZ, Nadir Olga. Bumba-meu-boi dafloresta: Formas de sobrevivência diantedo contexto turístico de São Luis-MA.Curso de Turismo: Bacharelado.Unidade de Ensino Superior de SãoLuis Maranhão/ Faculdade de Ciênci-as Humanas Sociais e Aplicadas SãoLuis: Monografia. 2006. Orientadora:Prof. Esp. Paulo Sérgio Castro Pereira.

RESUMOEstudo do Bumba-Meu-Boi, uma

manifestação cultural de expressiva po-pularidade no estado do Maranhão. Asmanifestações folclóricas são motivo degrande orgulho dos maranhenses, poisexibem beleza, originalidade, criativi-dade e persistência diante das dificul-dades existentes. Entretanto, algunsquestionamentos surgiram diante daobservação do comportamento de umgrupo local que se destaca pela formacomo consegue evoluir ante as caracte-rísticas que determinam a tradicionali-dade que envolve o lendário Bumba-Meu-Boi maranhense. Este trabalhopretende identificar e analisar as for-mas de sobrevivência do Bumba-Meu-Boi da Floresta, no contexto turísticoda cidade de São Luis, tendo como fa-tor principal a rápida modificação dossignificados religiosos, sincréticos e dra-máticos.

Boletim 50 / agosto 2011 19

Notícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza SantosNotícias – Roza Santos7171717171

II SIMPÓSIO DEII SIMPÓSIO DEII SIMPÓSIO DEII SIMPÓSIO DEII SIMPÓSIO DEHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIA

OITOITOITOITOITOCENTISTOCENTISTOCENTISTOCENTISTOCENTISTAAAAA

“Disputas Políticas e Práticas de Po-der” foi o tema do II Simpósio de HistóriaOitocentista no Maranhão, realizadopela UEMA, de 07 a 10 de junho. O even-to recebeu pesquisadores e professores deHistória de todo Brasil que discutiram as-suntos relacionados à Formação do Esta-do Brasileiro e do Maranhão, bem comoa escravidão – gênero e identidades doBrasil nesse período. Coordenado peloprofessor do Departamento de Históriada UEMA, Marcelo Cheche, o eventoreuniu alunos e professores das Universi-dades: Federal Fluminense; Federal deSão Paulo; Rural do Rio de Janeiro; Fe-deral do Pará; Federal de Pernambuco;Federal da Paraíba, Federal do Mara-nhão, Estadual Paulista e Fapema. Emseis mesas redondas, nove simpósios te-máticos, duas conferências e 80 comuni-cações científicas foram abordados, en-tre outros, temas como a Balaiada, a par-ticipação da mulher na economia do es-tado e o processo de modernização deSão Luís nos anos de 1800.

LANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTLANÇAMENTOS DEOS DEOS DEOS DEOS DELIVROS NO IILIVROS NO IILIVROS NO IILIVROS NO IILIVROS NO II

SIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIO

Durante o II Simpósio de HistóriaOitocentista no Maranhão da UEMAforam lançados livros sobre História doMaranhão: “Maranhão Ensaios de Bio-grafia e História” – coletânea que reú-ne 20 ensaios biográficos; “Epaminon-das Americano” que conta a história deum advogado português que chegou aoMaranhão no século XIX, ambos deautoria de Marcelo Cheche e Yuri Cos-ta, professores da Uema; “Uma AtenaEquinocial: a literatura e a fundação deum Maranhão no Império brasileiro”, deJosé Henrique Borralho, resultado desua tese de doutorado defendida na Uni-versidade Federal Fluminense, em2009; Relançamento do livro “Percorren-do Becos e travessas: Feitios e Olharesda História de Caxias” coletânea, orga-nizado pelas professoras Jordânia Pes-soa e Salânia Melo, do Centro de Estu-dos Superiores de Caxias/MA. O pro-

fessor André Arruda Machado, da Uni-fesp, lançou o livro “A quebra da molareal das sociedades: a crise política do An-tigo Regime português na provínciaGrão-Pará (1821-1825). Além da apre-sentação de outra web revista “Alma-nack Braziliense”, pelo professor AndréMachado, foi lançado novo lay-out darevista eletrônica “Outros Tempos” quedivulga trabalhos de pesquisadores doCurso de História da UEMA.

SEMANA DE POVOSSEMANA DE POVOSSEMANA DE POVOSSEMANA DE POVOSSEMANA DE POVOSINDÍGENAS 2011INDÍGENAS 2011INDÍGENAS 2011INDÍGENAS 2011INDÍGENAS 2011

O Centro de Pesquisa da História Na-tural e Arqueologia do Maranhão-(CPH-NA-MA) realizou a V Semana dos PovosIndígenas (10 a 14 de junho) com o obje-tivo de estimular discussões sobre a iden-tidade cultural indígena. Durante a Se-mana foram abordados diferentes aspec-tos da cultura dos índios brasileiros emque se fizeram presentes: Secretários deCultura (Bulcão), de Educação (OlgaSimão) e de Igualdade Racial (ClaudettRibeiro); representantes da FundaçãoNacional do Indio, José Piancó Neto, edas Organizações Indígenas da Amazô-nia, Sonia Bone Guajajara; além de re-presentantes de instituições ligadas aospovos indígenas, dos próprios índios e co-munidade em geral.

VI EMCABVI EMCABVI EMCABVI EMCABVI EMCAB

A Tenda São Jorge Jardim de Oeirada Nação Fanti-Ashanti, popularmenteconhecida como “Casa Fanti-Ashanti”,vem realizando, desde janeiro, reuniõespreparatórias para o VI EMCAB – En-contro Maranhense de Cultos Afro-Bra-sileiros – 2011, que deverá ocorrer de 10a 12 de novembro. As reuniões de traba-lho objetivam discutir propostas de tema,data e programação; dar continuidadeao processo de preparação do encontro,bem como analisar e atualizar o Docu-mento de reivindicação do V EncontroMaranhense de Cultos Afro-Brasileiros,entregue aos órgãos públicos do Estadodo Maranhão, durante o V EMCAB,realizado no período de 06 a 08/11/2009.Em plenária, foi definida a criação deuma comissão de trabalho que em con-junto com a Casa Fanti-Ashanti, é res-ponsável pela realização do VI EMCAB.

Naquela ocasião, os terreiros que se dis-ponibilizaram a participar da referidacomissão foram: Casa Fanti-Ashanti (PaiEuclides), Ilé Omo D´Ossaim (Pai Ma-riano), Terreiro Fé em Deus (Mãe Elzi-ta), Terreiro das Portas Verdes (DonaMaria de Jesus), Terreiro do Justino(Dona Mundica Estrela), Terreiro deIemanjá (Dona Florença e Sr Biné), Ter-reiro Kwue-se To Vodun Badé Só (PaiLindomar). Além destes, foi acordadoque outros terreiros podem participardesta comissão desde que manifesteminteresse e participem das reuniões detrabalho.

160 ANOS DA160 ANOS DA160 ANOS DA160 ANOS DA160 ANOS DAJUCEMA (1851-2011)JUCEMA (1851-2011)JUCEMA (1851-2011)JUCEMA (1851-2011)JUCEMA (1851-2011)

A Junta Comercial do Estado do Ma-ranhão celebra 160 anos de serviços aoseu estado. Criada em 31 de março de1851, com a finalidade de registrar o nas-cimento de todas as empresas do Mara-nhão, os arquivos da Jucema guardam ahistória dos registros dos primeiros comer-ciantes, atas com transcrição de fatosimportantes sobre a criação e fechamen-to de todas as fábricas surgidas no Mara-nhão e as marcas e patentes registradas.Nesses 160 anos de atividades, passou porvárias mudanças: foi extinta, restabele-cida, transformada em autarquia, reor-ganizada novamente e comemora as vi-tórias acumuladas. A partir da década de1990, “seu objetivo principal é a presta-ção dos Serviços do Registro Público deEmpresas Mercantis e Atividades Afinsna área da circunscrição territorial doEstado do Maranhão, de acordo com alei Federal nº 8.934, de 18 de outubro de1994, abrangendo o registro e arquiva-mento dos atos dos empresários, socieda-des empresariais e cooperativas”. Em 2009,pelo Decreto 25.343 de 4 de maio de2009, é vinculada à Secretaria do Estadoda Indústria e Comércio-SINC, denomi-nada, hoje, Secretaria de Estado do De-senvolvimento, Indústria e Comércio-SEDINC, através do Decreto nº27.225,de 3 de janeiro de 2011, que ratifica estavinculação. Para expandir a prestação deserviços, realizou três ações: o Projeto deInteriorização – criação de escritórios re-gionais em diversos municípios mara-nhenses; disponibilização de informaçõesno site www.jucema.ma.gov.br; e do ser-viço de Ouvidoria.

71 Roza Maria dos Santos - Comunicóloga; membro da CMF.

20 Boletim 50 / agosto 2011

PERFIL POPULARIsabel Mineira - Cururupu72

Mundicarmo Ferretti73

72 Baseado em texto publicado em: FERRETTI, M. Maranhão Encantado: encantaria maranhense e outras histórias. São Luís: UEMA Editora,200, p. 109.

73 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.

Isabel Pinto da Silva - Isabel “Mineira” -, como era mais conheci-

da em Cururupu, por ter sido a pri-meira pessoa a abrir ali um terreirode Mina, nasceu em novembro de1903, no início do século XX, e fa-leceu com mais de 90 anos. Viveuaté os 9 anos de idade em sua terranatal. Depois foi para São Luís,onde morou cerca de 22 anos, de-pois de que retornou a Cururupu,onde permaneceu até o fim de suavida.

Além de ter se notabilizadocomo mãe-de-terreiro, foi parteiraafamada, do que muito se orgulha-va, costureira, feirante e domésti-ca, desempenhando todas as suasatividades com dedicação. Era de-vota de Santa Rosa de Lima e reali-zava anualmente, no mês de agosto,uma festa em sua homenagem, comtrês noites de tambor. Naquela fes-ta recebia, com grande orgulho, Ro-sinha, filha caçula de Rainha Rosae da família de Légua Bogi - encan-tado que chefia a linha da mata deCodó e que, segundo sua explicação, toma-va conta do terreiro para aquela.

Seu pai foi delegado de polícia em Cu-rurupu e, antes dela abrir seu terreiro, per-seguiu muitos curadores. “Caiu no santo”em São Luís, antes do seu 10º aniversárioe, apesar de sua família não gostar de Mina,foi iniciada nessa religião no Terreiro daTurquia, por Mãe Anastácia. Recebia vari-as entidades entre as quais Légua Bogi, Ro-sinha, Ariri (encantado da mata), Pingod´Água (filho de Légua), que deu nome aoseu terreiro, Mãe Maria e outros.

Teve pouco estudo. Costumava contarque só ia para o colégio obrigada pelos pais.Era muito alegre, vaidosa e gostava muitode dançar. Dizia que, antes de abrir o seuterreiro, quando ia a uma festa, só voltavaao amanhecer; dançava sem parar, pois eramuito disputada pelos rapazes. Conformedona Isabel, na sua mocidade, em Cururu-pu, os bailes eram realizados em dois salões,um para “brancos” (pessoas “de sociedade”)

e outro para “morenos”. No primeiro, moçasolteira não dançava, mas em Frechal, po-voado próximo a Cururupu, de madruga-da, os brancos levavam para o seu salão “es-curas “e” solteiras” e se divertiam com elasaté o fim da festa.

Teve cinco filhas. Não casou, mas,como esclareceu, era respeitada e só levavapara casa quem ela queria. E, um dia, “arre-pendida da vida que estava levando” e que-rendo abandoná-la, fez uma promessa aSanta Rosa de Lima. Prometeu andar dejoelho até esfolar, e levantar a sua irmanda-de “com os seus braços”. Para pagar a pro-messa teve que trabalhar muito. Vendeumingau de milho, arroz, tapioca, bolo, masvenceu. Abriu em Cururupu o primeiroterreiro de Mina e nunca mais abandonouas suas obrigações espirituais. Preparoumuitos filhos-de-santo, mas, em geral, osque abriram salão em Cururupu tornaram-se conhecidos como curadores e não comomineiros, como ela.

Dona Isabel realizava seus toques deMina com abatas (tambores nagô), tamborda mata (típico de Codó), ferro (agogô), caba-ça e taboca (dois pedaços de bambu percuti-dos numa pedra), considerada típica dos ter-reiros de Cururupu. Mas, segundo uma desuas filhas, antes dela abrir o terreiro, já eratocada em São Luís, no Cutim, no terreirode Noêmia Fragoso, conhecido como de “na-ção” cambinda, já desaparecido. O terreirode dona Isabel tinha a forma de um navio,como alguns outros, também antigos, de SãoLuís (o de Clarinda e o de Osvaldo) e o terrei-ro de Zé Lutrido, em Guimarães, jáfalecidos.Tinha na frente uma ancora queera “arreada” na abertura do tambor e levan-tada no seu encerramento, na chegada e napartida dos encantados.

Isabel Mineira gostava de falar em terrei-ros antigos e de afamados pais-de-santo deSão Luis que já desapareceram (como Anas-tácia, da Turquia, e Pai Cesar, da Madre Deus)e contava as histórias de sua vida com grandesatisfação. Algumas de suas lembranças fo-ram reunidas por nos em “Cuidando das obri-gações”, publicado no livro Maranhão Encan-tado (FERRETTI, M. 2000, p.109).