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Trabalho de Conclusão de Curso
BOLSA FAMÍLIA E DESEMPENHO ESCOLAR: A VISÃO DOS PAIS SOBRE SEUS
BENEFICIADOS
Reginaldo Dias Lescano1
Vânia dos Santos Lima2
Resumo:
O presente estudo buscou conhecer a visão dos pais acerca do desempenho escolar dos filhos
após a inclusão no Programa Bolsa Família (PBF). Para tanto utilizou a pesquisa qualitativa
por meio de dois instrumentos de coleta de dados: o formulário e a entrevista
semiestruturada. Foram entrevistadas três famílias residentes no bairro Noroeste, na cidade de
Campo Grande (MS). Esse cenário foi escolhido por apresentar uma população com a menor
renda per capita por bairro. Verificou-se, a partir da ótica dos entrevistados, que o PBF
melhorou a frequência escolar. No entanto, não interferiu no desempenho. Espera-se que os
resultados apresentados sirvam de reflexões, para repensar um modelo de escola pública para
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Frequência Escolar. Desempenho Escolar.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a assistência social como direito do
cidadão e dever do Estado. Com o passar dos anos, para organizar a dimensão da carta magna
sob a ótica da assistência social, foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social3.
Uma década mais tarde, para dar concretude aos objetivos e diretrizes dessa lei,
aprovou-se a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (PNAS, 2004).
1 Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2013). Pós-graduando em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Email:
[email protected] 2 Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Licenciatura Plena na
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente é Mestre em Educação Social pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/CPAN - 2012/2014). 3 (LOAS, Lei 8.742 de 1993).
Trabalho de Conclusão de Curso
A legislação, ora apresentada, respalda o enfrentamento da pobreza e extrema
pobreza. Procurou-se por meio dela, criar mecanismos para promover a proteção social e
garantir atendimento às necessidades básicas dos cidadãos.
De acordo com o Art. 2o da Lei 8.742/93, a assistência social tem por objetivos:
I - A proteção social que visa à garantia da vida, à redução de danos e à
prevenção da incidência de riscos, especialmente:
a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes;
(...)Parágrafo único. Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social
realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos
sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e
promovendo a universalização dos direitos sociais.
Para atender a esses objetivos, a PNAS estabeleceu ações por meio da rede
socioassistencial4. Uma dessas ações realiza-se por intermédio dos benefícios na modalidade
de transferência de renda, que visa ao repasse direto de recursos financeiros para os
beneficiários, com o cumprimento de condicionalidades (PNAS, 2004).
Entende-se por condicionalidades os compromissos estabelecidos pelo programa que
devem ser cumpridos pelas famílias beneficiárias, mantendo em dia o acompanhamento de
saúde e educação. Esse último ocorre através da frequência escolar de crianças e adolescentes
de 06 a 17 anos (OLIVEIRA, 2015).
A medida provisória 132, de 2003, logo convertida na Lei 10.836, em 2004, criou o
Programa Bolsa Família (PBF), essa iniciativa unificou os procedimentos de gestão dos
programas de transferência de renda, bolsa escola, cartão alimentação, bolsa alimentação e
programa auxílio-gás.
De acordo com as informações do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário5,
podem ingressar no programa todas as famílias com renda per capita de até R$ 85,00 (Oitenta
e cinco reais) e famílias com renda per capita entre R$85,01 (Oitenta e cinco reais e um
centavo) a R$ 170,00(Cento e setenta reais) que tenham na composição familiar crianças ou
adolescentes de 0 a 17 anos.
4 “Um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos” (PNAS, 2004, p. 94). 5 Fonte: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/como-funciona>. Acesso em: 12 out. 2016.
Trabalho de Conclusão de Curso
As famílias com o perfil mencionado anteriormente devem procurar no município, o
setor do Cadastro Único ou CadUnico6 como é conhecido e solicitar o cadastramento, é
necessário informar toda a composição familiar, ou seja, todos as pessoas que moram na casa.
Porém, esse procedimento não garante a entrada imediata da família no programa, a seleção é
realizada através de um sistema informatizado (MDS, 2015)7.
Na tabela a seguir, os valores recebidos pelas famílias beneficiárias podem melhor ser
compreendidos:
Tabela 1: Benefícios
Tipo do Beneficio Quem recebe? Valor do Beneficio
Benefício Básico Todas as famílias extremamente pobres (renda mensal
por pessoa de até R$ 85,00).
R$ 85,00
Benefícios Variáveis (até
cinco por família):
Famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa
e que tenham em sua composição: crianças ou
adolescentes de 0 a 15 anos de idade; gestantes e/ou
nutrizes
R$ 39,00
Benefício Variável
Vinculado ao
Adolescente, (até dois por
família).
Famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa
e que tenham adolescentes entre 16 e 17 anos em sua
composição.
R$ 46,00
Benefício para Superação
da Extrema Pobreza, em
valor calculado
individualmente para
cada família.
Famílias que continuem com renda mensal por pessoa
inferior a R$ 85,00, mesmo após receberem os outros
tipos de benefícios do Programa.
O valor do benefício é
calculado caso a caso,
para garantir que a
família ultrapasse o
piso de R$ 85,00 de
renda por pessoa.
Fonte: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/beneficios>.
Para Aguiar (2006, pag. 63), o programa tem dois objetivos:
a) Combater a fome, a pobreza e as desigualdades por meio de transferência
de renda associado à garantia do acesso aos direitos sociais básicos - saúde,
educação, assistência social e segurança alimentar;
b) Promover a inclusão social, contribuindo para emancipação das famílias
beneficiárias, construindo meios e condições para que elas possam sair da
situação de vulnerabilidade em que se encontram.
6 É um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa
renda existentes no País. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2010/03/cadunico>.
Acesso em 02 nov. 2016. 7 Fonte: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/como-funciona>. Acesso em: 12 out. 2016.
Trabalho de Conclusão de Curso
Sendo assim, o programa procura subsidiar o combate à pobreza e à extrema pobreza
e contribui na inclusão social, promovendo acesso a políticas públicas, especialmente da
saúde, educação e assistência social.
Nesse sentido, Curralero et al. (2010, p.153) destacam que:
O aumento da escolarização e o cumprimento de agendas de saúde, ao
promoverem o aumento do capital humano das populações mais pobres,
possibilitariam novas perspectivas de inserção socioeconômica.
Esse compromisso na área da educação estabelece que o responsável familiar
matricule as crianças e adolescentes de 06 a 17 anos na escola, a frequência escolar deve ser
de no mínimo 85% para crianças e adolescentes de 06 a 15 anos, e de 75% para adolescentes
de 16 a 17 anos8.
Nesse sentido, Aguiar e Araujo (2002) apontam que o programa – ao integrar a
complementação de renda com o acesso à educação – combate a evasão escolar e, ao mesmo
tempo, incide nos índices de escolaridade.
Diante do exposto, este estudo buscou conhecer, a partir da visão dos pais ou
responsável, se o Programa Bolsa Família (PBF) interferiu no desempenho escolar de seus
beneficiados. Procurou-se identificar a partir da opinião dos entrevistados como ficou a
frequência e o desempenho na escola, após a inclusão no programa, assim como o
posicionamento dos mesmos sobre a obrigatoriedade da frequência, bem como a incidência
do Programa Bolsa Família no interesse dos filhos pela educação, além das expectativas dos
entrevistados quanto ao futuro educacional dos beneficiados.
2 BOLSA FAMÍLIA VERSUS DESEMPENHO ESCOLAR: o que alguns estudos
apontam
Diversos estudos foram realizados para analisar a importância dos Programas de
Transferência de Renda e alguns deles constataram que o Programa Bolsa Família vem se
8 Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e/acesso-a-educacao-e-saude/acesso-a-educacao-e-saude>. Acesso em: 12 out. 2016.
Trabalho de Conclusão de Curso
tornando fundamental para manter milhares de crianças e adolescentes, em situação de
vulnerabilidade social9, nas escolas.
Segundo pesquisa realizada pela Unesco intitulada “Avaliação do Programa Bolsa –
Escola do GDF” e citado por Aguiar e Araujo (2002), consta que houve uma diminuição na
evasão e repetência escolar dos alunos bolsistas:
Parecem ser consenso os efeitos do Programa Bolsa – Escola na evasão
escolar e na repetência. As verificações das pesquisas e avaliações chamam
a atenção para a diminuição substancial da evasão e da repetência escolar
entre crianças e adolescentes bolsistas em todos os locais em que o
Programa foi implantado (AGUIAR; ARAUJO, 2002, pág. 90).
Apesar de a pesquisa referir-se ao Bolsa Escola, antecessor do Programa Bolsa
Família, estudos realizados pelo INEP, em 2011, comprovaram a afirmação de que o
programa tem impacto positivo na frequência escolar, o que resulta no aumento de crianças e
adolescentes frequentando as salas de aula.
Os resultados apresentados neste estudo vão ao encontro de outros
apresentados na literatura. Considerando a média dos resultados
encontrados, observa-se que receber o BF aumenta a frequência escolar para
crianças com idade entre 6 e 16 anos em 3 p. p., o que significa reduzir o
número de crianças fora da escola em 36%, um resultado importante (INEP,
2011 pág. 9).
A semelhança da citação de Aguiar e Araujo (2002) e o resultado do INEP (2011)
respaldam o entendimento de que o programa contribui para manter nas escolas crianças e
adolescentes oriundos do bolsa família.
No entanto, no que se refere ao desempenho escolar, os estudos de Pellegrina (2011),
que teve como objetivo avaliar o impacto do Programa Bolsa Família sobre o abandono e o
desempenho escolar do alunado paulista, não identificou qualquer alteração sobre o
desenvolvimento escolar dos alunos.
Os estudos de Felicetti e Trevisol (2012) apontaram, também, que o Programa Bolsa
Família não teve contribuição positiva no desempenho escolar. As conclusões foram baseadas
9 “Vulnerabilidade social é uma denominação usada para caracterizar famílias expostas a fatores de risco, sejam
de natureza pessoal, social ou ambiental [...]” (PRATI COUTO KOLLER, 2009 apud RAPOPORT SILVA,
2013, p. 2,3).
Trabalho de Conclusão de Curso
em análises realizadas em notas das principais disciplinas da grade curricular, entre os anos
de 2007 a 2009, de 10 (dez) alunos beneficiários.
Já os estudos de Reimers, Silva e Trevino, (2006), citados por Pires (2013), assinalou
que os programas de transferência de renda canalizam seus esforços apenas nas matrículas,
frequência escolar e/ou no aumento da escolaridade, não havendo qualquer evidência com a
qualidade do ensino ofertado no processo de aprendizagem.
Lazani (2011) ainda afirma que é impossível vincular o Programa Bolsa Família ao
desempenho escolar. Indicadores apontam que o desempenho dos beneficiários, são mais
baixos que o dos não beneficiários do programa.
Em face do que foi exposto, nota-se que as variáveis de desempenho do aluno são
apontadas como insuficientes. Todavia, é notável que a condicionalidade da frequência
escolar é decisiva para promover a permanência de crianças e adolescentes nas escolas. Desse
modo não há dúvidas que o Programa Bolsa Família contribua positivamente para que os
beneficiários tenham o acesso à educação.
É nesse sentido que o presente estudo procurou conhecer a realidade de três famílias
beneficiárias, acompanhadas pela condicionalidade da educação, localizadas na cidade de
Campo Grande (MS), residentes no bairro Noroeste.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para atender os objetivos desta pesquisa buscou-se a princípio realizar um estudo
bibliográfico sobre a temática do Programa Bolsa Família e sua relação com a educação,
frequência e desempenho escolar.
3.1 PARTICIPANTES
Os sujeitos desta pesquisa foram 3 (três) moradoras do bairro Noroeste, localizado na
cidade de Campo Grande/MS, beneficiárias do Programa Bolsa Família, que têm crianças
e/ou adolescentes regularmente matriculados e acompanhados pela condicionalidade da
educação exigida pelo programa. Para preservar a identidade das participantes utilizou-se a
denominação fictícia de Ametista, Jade e Rubi.
Trabalho de Conclusão de Curso
3.2 LOCAL DA PESQUISA
O estudo de campo foi realizado na cidade de Campo Grande/MS, no bairro Noroeste,
o mesmo foi escolhido por apresentar uma população com a menor renda per capita por
bairro10.
3.3 INSTRUMENTOS E COLETA DE DADOS
Utilizou-se como procedimento para obtenção dos dados da pesquisa formulário e
entrevista semiestruturada. O formulário foi elaborado com perguntas fechadas que buscaram
analisar as características, bem como a identificação do perfil socioeconômico e educacional
dos sujeitos; já a entrevista semiestruturada permitiu conhecer a visão dos pais no que tange
ao desempenho escolar dos seus beneficiados, a partir de opiniões expressadas livremente por
eles.
Gil (2002, p.115) salienta que “formulário pode ser definido como a técnica de coleta
de dados em que o pesquisador formula questões previamente elaboradas e anota as
respostas”. Já por entrevista compreende-se “como a técnica que envolve duas pessoas numa
situação “face a face” e em que uma delas formula questões e a outra responde” (GIL, 2002,
p.115).
As entrevistas foram registradas através de gravação em áudio com autorização prévia
dos participantes e duraram aproximadamente 15 (quinze) minutos.
3.4 IDENTIFICANDO OS PARTICIPANTES
A localização dos participantes ocorreu por intermédio do Centro de Referência da
Assistência Social (CRAS) localizado no Jardim Futurista, ao qual o bairro Noroeste está
referenciado. Em carta de apresentação oficialmente formalizada, foi solicitado à
coordenação da instituição que fornecesse a localização de 3 (três) famílias assistidas,
beneficiárias do Programa Bolsa Família e que tivessem filhos em idade escolar. Após a
coordenação tomar conhecimento do teor da pesquisa, a direção disponibilizou o endereço
das famílias com o perfil solicitado.
10 Foi utilizado o sistema oficial da Prefeitura Municipal – SISGRAN – para localização do bairro citado.
Trabalho de Conclusão de Curso
Em seguida realizou-se uma visita à residência das famílias, onde foram apresentados
aos responsáveis pelo benefício os objetivos da pesquisa, e questionando-os quanto ao
interesse em participar da mesma, por unanimidade todos autorizaram a coleta dos dados.
3.5 REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Após a localização das 3 (três) famílias beneficiárias residentes no bairro Noroeste, as
pesquisas foram agendadas. No ato da entrevista reiterou-se aos participantes sobre os
objetivos do estudo e que seus nomes e endereço seriam mantidos em sigilo.
Antes de iniciar a entrevista todos os participantes receberam o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido11 (TCLE), que prontamente foram assinados em duas
vias, sendo uma via para o pesquisado e a outra para o pesquisador.
A técnica de entrevista mostra-se fundamental para o campo empírico, o que, para Gil
(2002), corresponde ao envolvimento entre o pesquisador e o investigado, permitindo a
interação social entre as duas partes, na busca por dados que interessem ao processo
investigatório.
Para Minayo (2001), a entrevista é a técnica mais habitual nos trabalhos de campo.
Nesse contexto, compreende que:
Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores
sociais. [...] se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores,
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada
realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser de
natureza individual e/ou coletiva (MINAYO, 2001, p. 57).
Para registrar a entrevista optou-se pela gravação, o que permite, segundo Alves e
Silva (1992), uma maior preservação do discurso dos entrevistados.
[...] esse tipo de coleta de dados coloca a necessidade de o pesquisador fazer
o que Mettel (1988) define como sendo o "bom uso da tecnologia" e que
significa nesse caso lançar mão do recurso "gravação" para poder ao mesmo
tempo auferir a vantagem da maior preservação possível do discurso dos
entrevistados, e evitar o seu comprometimento, bem como da própria
interação, pela tarefa de tomar nota das respostas (METEL, 1988 apud
ALVES; SILVA 1992).
11 De acordo coma Resolução do Conselho Nacional de Saúde Nº 466, entende-se por Consentimento Livre e Esclarecido todas as etapas a serem necessariamente observadas, para que o convidado a participar de uma pesquisa possa se manifestar, de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida. Resolução CNS nº 466/2012.
Trabalho de Conclusão de Curso
Para Schraiber (1995, p. 71), a gravação “permite captar e reter por maior tempo um
conjunto amplo de elementos de comunicação de extrema importância”, sendo possível uma
análise com maior precisão das reações dos entrevistados transmitidas por meio da fala.
Os diálogos foram sistematizados e transcritos na íntegra e serão apresentadas a
seguir.
4 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A discussão e análise dos dados depreendem-se da pesquisa de campo realizada com
três famílias beneficiárias do PBF, que buscou identificar, a partir da visão dos pais, se após o
ingresso no programa houve alteração no desempenho escolar dos beneficiados. O desfecho
dessa análise será apresentado em duas etapas: Caracterização dos Participantes e O
Programa Bolsa Família X Desempenho Escolar: O que pensam os beneficiários?
4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
A primeira etapa da análise é resultado do conteúdo extraído do formulário com
perguntas fechadas, que buscou caracterizar quem eram esses sujeitos, bem como descrever
seus perfis socioeconômicos e educacionais.
Tendo em vista que as participantes da pesquisa eram do sexo feminino, optamos por
caracterizá-las pelos nomes fictícios de Ametista, Jade e Rubi.
Weissheimer (2006, p. 92) aponta em sua obra12 que “A imensa maioria dos
entrevistados foi composta por mulheres (93,9%)”. Brito e Costa (2015) ressalta que 94%
dos titulares do Programa Bolsa Família são do gênero feminino.
Essa tendência deve-se à recomendação do Decreto 5.209 de setembro de 2004, que
regulamenta o Programa Bolsa Família e sugere em seu artigo Art. 23-A:
O titular do benefício do Programa Bolsa Família será preferencialmente a
mulher, devendo, quando possível, ser ela previamente indicada como
responsável pela unidade familiar no ato do cadastramento (Decreto 5.209,
Art. 23-A).
12 Bolsa Família: avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de
famílias no Brasil. Marco Aurélio Weissheimer. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. 160 p.
ISBN 85-7643-029-0.
Trabalho de Conclusão de Curso
Ao iniciarmos a caracterização das participantes, buscamos identificar a idade, estado
civil e raça/cor, bem como o número de filhos conforme demonstrados abaixo.
Tabela 2: Caracterização dos Entrevistados
Nome Idade Estado civil Raça/cor Nº de filhos
Ametista 31 anos Casada Parda 6
Jade 45 anos Casada Parda 4
Rubi 31 anos Casada Branca 2
Fonte: Dados retirados do formulário e elaborado pelo autor
Ao analisar o quadro, identificamos que as entrevistadas são casadas, têm faixa etária
entre 31(trinta e um) a 45 (quarenta e cinco) anos, com uma média de 4 (quatro) filhos cada.
No que se refere raça/cor, Ametista e Jade se consideram pardas, enquanto Rubi se
autodeclarou branca.
Para Weissheimer (2006):
A representatividade maior de pretos e pardos entre os beneficiários,
levando em conta o peso demográfico destes grupos populacionais, é
apontada como índice do acerto dos critérios escolhidos para candidatos ao
Bolsa Família (WEISSHEIMER 2006, p.101).
No perfil socioeconômico das entrevistadas, apresentamos o tipo de residência em que
vivem os sujeitos, a inserção dos mesmos no mercado de trabalho, bem como o número de
pessoas que moram na família.
Tabela 3: Perfil Socioeconômico
Nome Tipo de residência Inserção no Mercado de
Trabalho
Pessoas na família
Ametista Própria financiada Não trabalha 8
Jade Ocupada Assalariada sem registro 11
Rubi Ocupada Não trabalha 4
Fonte: Dados retirados do formulário e elaborado pelo autor
Observando as informações do quadro acima nota-se que duas entrevistadas não
trabalham, enquanto uma encontra-se no mercado informal. Apenas uma possui casa
financiada, enquanto as demais residem em imóveis ocupados. O número de pessoas por
Trabalho de Conclusão de Curso
domicilio apresenta-se acima da média nacional. De acordo com censo 201013, cada
residência tinha em média 3 (três) moradores.
O perfil educacional apontou que cada entrevistada possuía escolaridade diferente,
Rubi e Ametista alcançaram o ensino médio, no entanto, somente Rubi conseguiu concluí-lo.
Jade retrata um perfil comum dos beneficiários do PBF, o da baixa escolaridade.
A pesquisa de Weissheimer (2006) retrata essa realidade.
O percentual dos “sem instrução” chegou a 35,1% da amostra, e a soma
destes com os que possuem somente o primário incompleto alcançou quase
70%. No outro extremo, somente 13,1% completaram o segundo grau e
aqueles que concluíram o ensino superior representaram um percentual
ínfimo (WEISSHEIMER 2006, p.92).
Tabela 4: Escolaridade do entrevistado
Entrevistada Escolaridade
Ametista Médio incompleto
Jade Nunca estudou
Rubi Médio completo
Fonte: Dados retirados do formulário e elaborado pelo autor
A análise realizada por Camargo et al (2013) aponta na mesma direção, reforçando
que o perfil do beneficiário do PBF, em sua grande maioria, é formado por pessoas sem
instrução e conclui que “O nível de escolaridade é muito baixo [...], mais de dois terços dos
seus beneficiários (69 por cento) não possuem sequer o ensino fundamental completo”
(CAMARGO et al 2013, p. 1).
4.2 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA X DESEMPENHO ESCOLAR: O QUE PENSAM
OS BENEFICIÁRIOS?
A segunda etapa deste estudo procurou conhecer a opinião das entrevistadas sobre a
exigência da frequência e desempenho escolar dos beneficiados.
A condicionalidade da educação que determina frequência mínima como um dos
quesitos exigido para o recebimento do Bolsa Família tem influenciado os beneficiários a
manterem seus filhos frequentes nas escolas. 13 Disponível em: <http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/familias-e-domicilios.html>. Acesso em: 10 nov. 2016.
Trabalho de Conclusão de Curso
Sendo assim, questionamos as entrevistadas se houve mudanças em relação à
frequência escolar após a inclusão no programa. Ametista posicionou-se da seguinte forma:
[...] Frequentou bem mais. “Que” antes a gente tinha um “meio sossego”,
“né”?, de não “manda”, não se “preocupa”, aí, pelo benefício, a gente tem
que “manda” [...] (Ametista, em 24/10/2016).
A melhora na frequência escolar também foi reconhecida por Jade, todavia,
ultimamente não vem cumprindo com a frequência mínima de 85% de presença, conforme
relata:
Melhorou! Mas agora como parou, parou de novo (de receber), “né”?
Suspendeu agora (Benefício). [...] meu “caçulinho” (Filho mais novo) que
ele [...] quase não gosta de ir para escola, “né”? Então, tem que “tá” no “pé
dele, né”? Então, ele falhou (Faltou à aula) três dias, aí suspendeu a bolsa
família [...] (Jade, em 24/10/2016).
Jade afirma que o programa melhorou a frequência escolar, mas ainda assim
reconhece que seu filho mais novo não gosta de estudar, em consequência disso, falta às aulas
com o seu consentimento, o que acarretou a suspensão do benefício. Jade relatou que
procurou o Centro de Referência da Assistência Social para regularizar a situação e voltar a
receber o benefício.
O tom do discurso utilizado por Rubi foi enfático e demonstrou espanto quanto à
pergunta formulada.
Bom! ‘Tá’ igual, ‘tá’ igual, continuou igual, ‘tá’ igual (Rubi, em
24/10/2016).
Rubi foi direta ao afirmar que o fato de ser beneficiária do programa não incidiu na
frequência escolar dos filhos, o que ficou claro em suas expressões, que independentemente
de receber o bolsa família, a frequência à escola é algo necessário, o que justificou seu
espanto no ato da pergunta.
A fala da maioria das entrevistadas contempla um dos impactos que o programa Bolsa
Família vem demonstrando ao longo de mais de 10 anos de sua existência: incentivo à
frequência escolar por meio do cumprimento da condicionalidade da educação.
Fernandes et al. (2014) afirma sobre os efeitos que os programas de transferência de
renda vêm exercendo:
Os efeitos das transferências condicionadas de renda sobre a educação são
bastante conhecidos. Especialmente os efeitos sobre taxas de matrícula,
Trabalho de Conclusão de Curso
frequência à escola e abandono, são amplamente reconhecidos na literatura
nacional e internacional (FERNANDES et al., 2014, p.51). Grifo nosso.
Nesse sentido, procuramos conhecer a opinião das entrevistadas sobre a
obrigatoriedade da frequência escolar.
Ametista avalia positivamente a condicionalidade da educação e segundo ela, essa
exigência reafirma o compromisso do responsável sobre a escolarização dos beneficiados.
Ah! Também ensina a gente ter mais responsabilidade e preocupação, “né”?
Foi bom esse aí (condicionalidade) (Ametista, em 24/10/2016).
O discurso de Jade apresenta-se de forma confusa, contudo ficou claro um olhar
positivo sobre a educação:
A ler,”né”? Muitas coisas, “né”? Para ir “pra” faculdade, “né”? Fazer
alguma coisa, “né”? Subi a vida deles, “né”? [...]” (Jade, em 24/10/2016).
No seu relato, expressa os anseios futuros, frutos da dedicação dos seus filhos à
escola, o que nos leva a subentender que considera fundamental a obrigatoriedade da
frequência.
Ao reconhecerem como importante a obrigatoriedade da frequência escolar e que esta,
por sua vez, influenciou-as a terem maior responsabilidade com a presença dos filhos nas
salas de aula, as entrevistadas corroboram com Lofrano et al. (2016)14, os quais nos ajudam a
compreender a influência que o cumprimento das condicionalidades exerce na vida escolar
dos beneficiados.
Para ilustrar, na área da educação, a taxa de abandono dos beneficiários do
PBF é de 2,8% e de 3,2% para os não beneficiários, no ensino fundamental,
ao passo que, para o ensino médio, as taxas de abandono são de 3,8 % para
os alunos integrantes do PBF e de 7,3% para os demais estudantes
(LOFRANO et al 2016, p. 155,156).
Por meio do cumprimento das condicionalidades de educação, os resultados sobre a
taxa de abandono entre os beneficiários são menores que os não beneficiários, o que
demonstra que os não beneficiários estão mais suscetíveis a abandonarem a escola.
Rubi, por sua vez, criticou ao opinar a exigência da condicionalidade e justificou.
Ah! Eu não acho bom não, [...] dá muito problema na escola, “né”? Se sua
criança fica doente você leva um atestado, assim mesmo “eles marca” a falta
para criança e consta lá. Você entendeu? Então, eu não acho bom não, não
deveria ter (Obrigatoriedade) [...] Que nem o caso dela (apontou para a
14 <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/Caderno%20de%20Estudos%2026.pdf>
Trabalho de Conclusão de Curso
filha), ela ficou doente, ficou duas semanas doente, mesmo eu levando o
atestado constou a falta, e eu recebi a notificação do bolsa família[...] (Rubi,
em 24/10/2016).
Ao expor a situação de sua filha, indigna-se por ter que apresentar os atestados como
justificativa, pois, segundo ela, sua filha só falta às aulas por motivos de saúde e, mesmo
assim, o sistema contabiliza as faltas, o que pode acarretar na suspensão do benefício, caso
não justifique.
O procedimento relatado por Rubi condiz com o que preconiza a gestão do Programa
Bolsa Família. Stechi (2015) explica:
Caso a família considere que houve erro na informação do acompanhamento
das condicionalidades, ou que o descumprimento ocorreu por motivo
justificável, o responsável familiar pode apresentar recurso ao gestor
municipal. No recurso, a família poderá explicar o erro da informação ou o
motivo do descumprimento e solicitar que o efeito do descumprimento no
benefício seja revisto (STECHI 2015, p. 43). (Grifo nosso).
Ainda durante as entrevistas, procuramos conhecer se, após a inclusão no programa,
as entrevistadas perceberam algum interesse maior dos beneficiados pelos estudos.
[...] Não teve muita diferença “pra” eles não! Porque assim, eles sempre
“teve, né”? ... interesse nos estudos, independente do bolsa família. [...]
Sentiram mais “obrigado” a frequentar, “né”? [...] eles sempre foram
interessados em “estuda”, em “aprende” (Ametista, em 24/10/2016).
É! Acredito que sim (Jade, em 24/10/2016).
Não! Não... o tanto, também, que eu recebo, também não “é grandes coisa”,
[...] é tudo a mesma coisa (Rubi, em 24/10/2016).
Excetuando Jade, as outras entrevistadas foram categóricas ao afirmar que não
notaram diferença no desempenho escolar. Ametista reforça que o impacto aconteceu na
frequência e ressalta que os filhos sempre foram dedicados nos estudos independentemente
do bolsa família.
Jade confirma que ocorreu uma melhora, enquanto Rubi foi direta ao dizer que não
houve alteração e observou que o valor recebido é mínimo para se cobrar um interesse maior
dos beneficiados.
O fato de a maioria das entrevistadas não evidenciarem uma progressão no interesse
dos filhos pelos estudos, parte da premissa de que os programas de transferência de renda têm
seu foco nas matrículas, frequência escolar e no aumento da escolaridade (PIRES, 2013).
Trabalho de Conclusão de Curso
No entanto, apenas o programa seria incapaz de promover essa transformação.
Em seguida buscamos compreender se ocorreu alguma alteração no desempenho
escolar dos beneficiados após o ingresso no programa.
Ametista permaneceu assegurando a ideia de que os filhos sempre foram interessados,
mesmo antes de receberem o bolsa família; Jade acredita que o programa interferiu no
desempenho, enquanto Rubi nega a interferência do bolsa família no desenvolvimento
escolar.
Ah...! Nunca notei isso! Porque é o que eu “tô” te falando, não tem muita
diferença, eles sempre foram, “né”?... Interessados, não notei que mudou.
Eles começaram a estudar antes “d..o”, de “surgi” o bolsa, aí, depois, não
notei muita diferença, “tá” igual, bem estudioso (Ametista, em 24/10/2016).
Acho [...] (Jade, em 24/10/2016).
Não, não interferiu não (Rubi, em 24/10/2016).
Diante dos relatos, com exceção de Jade, foi possível observar que as entrevistadas
reconheceram que o PBF não interferiu no desempenho escolar, a opinião das mesmas
corresponde com a colocação de Reimers, Silva e Trevino (2006), citados por Pires (2013),
que afirma inexistir um sistema educacional com capacidade de aumentar o aprendizado dos
beneficiados dos programas de transferência de renda condicionada.
Todavia, Castro (2014) esclarece que existem outros fatores externos à escola que se
associam ao desempenho escolar:
Entre os fatores extraescolares, tanto a organização da sociedade, como a da
família e do próprio aluno podem ser o ponto de partida de ações
direcionadas à melhoria dos resultados educacionais, pois, exercem
influência direta sobre o processo de ensino-aprendizagem dos alunos e,
consequentemente, sobre seu desempenho (CASTRO 2014, p.63).
Depreende-se da colocação da autora, que não basta apenas o esforço da escola,
outros fatores tornam-se necessários para alcançar uma melhora nos índices educacionais,
dentre eles a participação da família. Para Rapoport e Silva (2013, p. 10) “O incentivo dos
pais e a importância que estes direcionam à escola são influenciadores e determinarão o
comprometimento da criança com a educação”.
Trabalho de Conclusão de Curso
Em relação às notas após a inclusão no programa, Ametista e Rubi não reconheceram
que o programa bolsa família tenha exercido alguma interferência no boletim de seus filhos,
enquanto Jade acredita que seu filho mais velho obteve notas melhores.
Continua a mesma coisa, permaneceu igual (Ametista, em 24/10/2016).
O mais velho (filho) tirou mais o menos, tirou bem mesmo as notas, ficou
muito bom, “melhorou” as notas deles (Jade, em 24/10/2016).
Bom, “tá” igual, também permaneceu igual, não aumentou nem diminuiu,
sempre na média (Rubi, em 24/10/2016).
A colocação de Ametista e Rubi corrobora no entendimento de que os programas de
transferência de renda não exercem seu impacto no viés do desempenho escolar.
Para Castro (2014), o sucesso na aprendizagem educacional está vinculado a fatores
extraescolares, tais como a situação social e econômica em que esses alunos estão inseridos e
intraescolares, que envolvem o comprometimento da escola no processo de aprendizagem,
ambos devem se relacionar para alcançar melhorias no desempenho escolar. Nesse sentido,
descreve:
Os fatores extraescolares e intraescolares definem limites claros para a
atuação da escola, mas ressalta-se que esses limites não devem ser
entendidos isoladamente, pois eles se inter-relacionam e nenhum é capaz de
garantir, isoladamente, bons resultados escolares. De todo modo, reconhecer
esses fatores associados ao desempenho dos alunos é o primeiro passo para
a melhoria dos resultados escolares (CASTRO 2014, p. 62).
Ao contextualizar o desempenho escolar na ótica dos responsáveis, ficou claro, nos
relatos de Ametista e Rubi, uma visão mais crítica ao afirmarem que o Programa Bolsa
Família não interferiu no desempenho escolar dos seus beneficiados. A posição das
entrevistadas vai ao encontro dos resultados apresentados por Felicetti e Trevisol (2012) e
Pellegrina (2011) nos quais os autores ao concluírem seus estudos, identificaram que o Bolsa
Família não interferiu no desempenho escolar dos alunos pesquisados.
Como bem descrevem Rego e Pinzani (2014), a frequência escolar por si só é
ineficiente para garantir a qualidade da educação:
Sem escola de qualidade, sem boas condições de estudo em casa, sem apoio
de pais e professores, as crianças de famílias pobres muito dificilmente
conseguem obter bons resultados e alcançar um nível de instrução suficiente
para ter mais chances profissionais na vida (REGO; PINZANI 2014, p.25).
Trabalho de Conclusão de Curso
Embora tenha um discurso tímido, Jade segue na contramão das outras entrevistadas e suas
respostas no que tange ao desempenho escolar foi exposta de forma coesa ao atribuir a
melhora no desempenho escolar ao Programa Bolsa Família. No entanto, não ficou claro se
de fato ela compreende que a partir da inclusão no Programa, passaram a ocorrer tais
transformações, pois no ato da entrevista expressou com muita dificuldade seus
entendimentos.
Ainda na entrevista indagamos às entrevistadas sobre o que as mesmas esperam do
futuro educacional dos seus beneficiados.
Espero que eles “consiga” fazer uma faculdade e “profissionaliza” em
alguma coisa, que “vai viver bem”, eles têm, cada um tem um sonho, [...],
então, espero que eles façam um, se “engaja” numa coisa que agrade eles
“né”? ... que eles se “de” bem, [...], espero que eles façam uma faculdade e
se “profissionalizam” naquilo que ... que eles se “dão” bem (Ametista,
24/10/2016).
Ah... Eu espero que eles sejam “um..., um rapaz que vai” dar orgulho, “né”?
... “pas” mãe e pai, “né”? Eu acredito nos meus filhos, que eles “vai”, que
nós “vamo consegui” (Jade, em 24/10/2016).
[...] Espero que eles tenham uma boa formação, “né”? E que eles “fazem” o
que eles querem e gostem, “né”? Eu acho que é o certo [...] (Rubi, em
24/10/2016).
A maioria das entrevistadas expressou suas expectativas voltadas para a formação
profissional dos beneficiados. Ao expressar a palavra “orgulho para os pais”, citado por Jade,
considera-se um desejo subjetivo, o que pode significar uma formação profissional, um bom
emprego ou, até mesmo, uma constituição de família, entre outras realizações.
Para Luchiari (1996), a expectativa dos pais é de suma importância para que os filhos
tenham condições de criar seus próprios projetos de vida, e ressalta a consequência da
ausência desse desejo:
Filhos de pais que não demonstram nenhum desejo apresentam dificuldades
para formular seus próprios, não se sentem importantes nem amados por
ninguém, e podem desenvolver um sentimento de inferioridade e de
abandono (LUCHIARI, 1996 p. 83).
É possível, também, verificar que a maioria dos anseios dos responsáveis é de que os
filhos tenham autonomia na escolha de seus projetos de vida. Nesse sentido, Luchiari (1996,
p. 83) defende que “As expectativas dos pais devem deixar um espaço suficiente para que o
Trabalho de Conclusão de Curso
jovem possa seguir sua escolha, formando sua identidade e tomando consciência de seus
próprios desejos, com relativa autonomia”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, neste estudo, realizar uma análise sobre o Bolsa família e o desempenho
escolar dos beneficiados na ótica dos pais. As entrevistas realizadas permitiram conhecer a
vivência de três mães beneficiárias, bem como a opinião delas sobre a vida escolar de seus
filhos após o ingresso no programa.
Foi possível visualizar, nesta pesquisa, que o programa bolsa família interfere
diretamente na frequência escolar. Tal situação é decorrente da exigência mínima de 85% de
presença na escola. Nesse sentido, os discursos das entrevistadas, sobre o que pensam da
exigência estabelecida pelo programa, denotaram que a maior parte se preocupa com a
frequência, apenas para cumprir com essa condicionalidade imposta. Embora as expectativas
para seus filhos sejam de um futuro repleto de conquistas inerente à educação, compreende-se
que há muito a ser trabalhado com essas famílias sobre a importância da mesma no pleno
desenvolvimento da criança.
O ponto de vista das entrevistadas quanto à incidência do programa no desempenho
escolar é praticamente nulo, a inexistência desse impacto está relacionada não apenas à
ausência de uma condicionalidade exclusiva que exija bons índices no desempenho escolar,
mas sim pelo fato de o sucesso da aprendizagem estar relacionada a outros fatores que
envolvem tanto o acompanhamento familiar quanto um sistema de ensino público capaz de
fornecer condições que possibilitem um aprendizado de qualidade.
Conclui-se, a partir da visão dos pais, que o PBF está muito distante de interferir no
desenvolvimento da aprendizagem dos seus beneficiados, tendo em vista que o programa por
si só não é capaz de promover tal impacto. Enquanto não reconhecermos que a escola, família
e sociedade dependem umas das outras para fortalecer o campo da aprendizagem do ensino
básico, continuaremos a apresentar as involuções dos indicadores educacionais.
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