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Bomba no Riocentro - livrosonlineaqui.comlivrosonlineaqui.com/wp-content/uploads/2018/07/Bomba-no-RioCentro... · A manchete de O Globo de 30 de março de 2014 me surpreendeu. Nem

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BombanoRiocentro

Ofimdeumafarsa

BelisaRibeiro

ABOMBANORIOCENTRO

Copyright2014BelisaRibeiroDiretosdestaediçãoreservadosàBelisaRibeiroÉvedadareproduçãototalouparcialdestaobrasemapréviaautorizaçãodaeditora.

CapaAnaLetíciaCarboneRevisãoPenhaDutraFotografiaVidalTrindadeDiagramaçãoViníciusMelo

CIP-Brasil.Catalogação-na-fonteSindicatoNacionaldosEditoresdeLivros-RJRibeiro,Belisa.045bABombanoRiocentro/BelisaRibeiro.-RiodeJaneiro:Codecri,19991•Atentadospolíticos-Brasil2•Imprensaepolítica-BrasilI.TítuloCDD-322-40981CDU-323.2(81)

Aosestudantesdejornalismo

Sumário

Ofimdeumafarsa-Notaàterceiraedição1981Prefácio

Introdução

ParteIAconteceu:AGrandeCorrida

Daapuraçãoàsbancas:tempocurtoeespaçocertoDia1º:nasbancas,aprimeiravitória

ParteIISuíte:odiaadia

Tudoqueforapuradoserádivulgado1999Recordareviver–refletirOqueaconteceudesdequevocênasceu?Dezoitoanos2014Umgarimpohistórico

Ofimdeumafarsa-Notaàterceiraedição

AmanchetedeOGlobode30demarçode2014mesurpreendeu.NemtantoquantoafotodoPumaquetraziaumcadáverquase inéditonaprimeirapáginadosaudosoJornaldoBrasil,maisde trêsdécadasatrás,exatamentenodia2demaiode1981, tratandoambasasnotíciasdomesmocaso–abombanoRiocentro.AespetacularmatériadojornalistaJoséCasado,nodomingoemqueojornalcontinuavasuasérie“50Anos do Golpe”, revelou o quase inacreditável: O Presidente da República, General João BaptistaFigueiredo, sabia do atentadoquepoderia termatado20mil jovens eChicoBuarque,ElbaRamalho,Gonzaguinhaeoutrosartistasconsagradosdenossopaísnaquele1ºdemaiode1981.Noprosseguirdareportagem,nãopudeconterumsorrisoirônicoeumolharaonada,recordandotantoetantos.Trintaetrêsanosdepois,temosaconfirmaçãodoqueaImprensareveloudesdeoprimeirodia:osterroristasqueerraramogolpeerampartedoGovernoMilitar.Édistoqueeste livro trata.Decomoacoberturada Imprensa foi fundamentalpara,nãosódesvendarquase que de imediato a verdade sobre as bombas, sua origem e motivação, como para, com estarevelação, contribuir para garantir o futuro da redemocratização do país, afastando novas ações daultradireitamilitar.Foi,comcerteza,umdosmomentosmais importantesdo jornalismonoBrasil.Eépor issoque tiveahonra de ter um prefácio de Barbosa Lima Sobrinho, na época Presidente da ABI, a AssociaçãoBrasileiradeImprensaquetinhaumgrandepesocomoinstituiçãonalutapelaredemocratizaçãodopaísOsdepoimentos–querevelam,maisqueacobertura,umverdadeiroembateentreosquequeriamnãodeixarsaberdeumladoeosquequeriaminformardooutro–sãodosqueestiveramnolocal,repórteresque corriam para implorar para telefonar demadrugada de ummotel na Barra da Tijuca (sim, nessaépoca não existiam telefones celulares!) e fotógrafos escondendo da Polícia o filme na meia (sim,naquelaépocaasmáquinasfotográficasusavamfilmes!).Esãotambémdoschefesdereportagemedeeditoreschefesquedecidiramcolocarasmatériasnasprimeiraspáginasàrevelia,àsvezes,degenerais.Aabrangênciaaumentacomaparticipaçãodecolunistas,chargistas,diretoresdesucursais.Muitosdeles,grandesmestresdojornalismobrasileiro,infelizmentealgunsjáfalecidos.Em 1999, quando os repórteres Chico Otavio, Ascânio Seleme e Amaury Ribeiro Jr., de O Globo,reabriramaocasocomumasériedereportagens,fizumasegundaediçãodolivrocomoscapítulosqueestão no final desta terceira edição. Em um deles, faço um apanhado dasmudanças na vida política,econômica e social naqueles 18 anos, relembrando o triste significado de palavras como casuísmo edistensão.Emoutro, relatoapesquisaquefizemumaUniversidadesobreoqueos jovensde18anossabiamsobreoanoemquetinhamnascido.Sabiampouco,apontodealgunsacharemqueGetúlioVargaseraoPresidentedaRepúblicaequeSenadorBiônicopoderiaserapenasumpolíticoquefrequentassecom assiduidade a academia de ginástica. Infelizmente, este desconhecimento de História e de suaprópriahistóriatãorecentelevouumaparcelanemtãopequenadestesjovensaumarespostatriste–adequeviveremumaditaduraouemumademocracianãofaziadiferençaparaasuavidapessoal.Esperoqueestaspáginas,quesãoquasecomofragmentosdo roteirodeumfilmedeação–emqueomocinhovence–contribuamparaafirmarocontrário.Ainformação,hoje,estáemtodapartee,osdepoimentosdosInquéritosPoliciaisMilitaresqueCasadoconseguiunosarquivosdoSuperiorTribunalMilitareemumapesquisaexaustivaeabrangente,agoraestãoaccessíveisparaaverdade,nãoapenasemcomissões.Masépreciso,ainda, lembraroquantoé

terrívelonãopodersaber.Escrevoessaslinhasnodiaemqueumajuízatomouadecisão,histórica,demandaraobancodosréusgenerais e o capitão – arrogante ementiroso – que foi àquele local de show em que tantos jovens eartistas queridos estavam reunidos em mais um ato em que se lutava pela reconquista da plenademocraciaemnossopaís.Eleetodosqueparticiparamdestasinistraetemerosaconspiraçãoquepôsemriscomilharesdevidaspodemirparaacadeia.Tomaraquesim.Masisto,agora,eéistooqueestelivrodemonstra,éapenasumdesfechonecessário.Asentençafoidadamuitoantes,pornós.Naprimeiradasprimeiraspáginas.Apreservaçãodamemóriadessemomentohistórico,emqueaatuaçãodochamado“QuartoPoder”foifundamental no combate àCensura e na luta contra aDitadura emnossopaís, bempode ajudar a quenovasgeraçõesvenhamadizer,aquaisquertentativasdeatentadoscontraademocraciaealiberdade,umfundamentadoeconsciente“nuncamais”.

1981

IntroduçãoToureiro,paraquedista,mergulhador,astronautaeaindasepodelembraroutrasparacomporalistadasprofissõessedutoras,fascinantes.Sãosempreadosquetrabalhamnolimiteentreavidaeamorte.Comomédico,também,emboraavidaeamortenãosejamasdele.Ejornalista.Quem nunca mexeu com as pretinhas*, no dia a dia de uma redação, imagina no repórter a figuraimpossível, quase mágica, que de manhã cobriu acidente de ônibus na Penha, cheirando cadáver,registrandochorodeviúva,eaofinaldatardeesteveinterpelandocríticaeagudamenteogovernadordoEstadosobrealgumgrandeescândaloadministrativo.Aquelequedecididamenteestáemtodaselevaamelhor. Fora as fantásticas viagens ao exterior – sequestro de embaixador, copa domundo, queda deAllende,Vietnã,frontSandinista,eleiçõesdeReagan,Mitterrand,quemais?–edenúnciassensacionais,osgrandesfuros,afama.Umavidaencantadoraparaquemfantasiadelongeenosvêpersonagens,tãocaracterizadoscomoborboletasventurosaseatrevidas,nosfilmesounaTV.Masnãoébemassim.Afinal,emquepodesertãoatraentetrabalhardezhoraspordia,escrevendomaisoumenosumastrêsmatérias,comummínimoprofissionaldeCr$24.241,62–executando-seosgrandesjornaisamaioriapagaissomesmo–epouquíssimaspossibilidadesdeinfluenciarnapautaounaedição;lutar,quandonãocomaCensuraexterna,comainternaouaautocensuraeaindaviver,hojemaisdoquenunca,sobamiraconstantedodesemprego,quedevetertragado,nessesdoisúltimosanos,quasemetadedacategoriaprofissional.Lendo os jornais daquela sexta-feira, 1º de maio de 1981, desconfiei. Os de sábado trouxeram aconfirmação.Deucoceira,deucalor,satisfação.Deu–ecadamatériarealmenteboasempredá–aquelacertezadequevaleapena.Nascervejasdavida,repetem-sevelhasfórmulasdelamento–“porquequeeunãofuiserbancário?”–masnofundoagentegosta.Muito.Esabe,dealgumamaneira,quejornalistabrasileironãoéexceçãoàregra.Oencanto,ofascínioestãotambémemtrabalharnolimiteentreavidaeamorte. A nossa, até que bem raras vezes.Mas cada repórter, na loucura dessa carreira, de vez emquandomergulhafundo,saltanoar,exploraodesconhecido,e,geralmente,toureira.A cobertura das explosões no Riocentro deixou exposto, nu, o limite específico e aparentemente tãosimplesdaimprensa:informar.Explodiuabomba,os“borboletas”voaramemcima,bicsazuiscorrendonoscaderninhos,cumpriramodeversocial:nodiaseguinte,emcadabanca,asociedadepôdeexercerseudireitoà informação.Oque tinha sidoapuradoviroumatéria, foto,manchete.Segundodia–e foisurpresasim–estavamlánosjornaisasnotasoficiais,asentrevistasdopoderconstituído,nemsempreconsonantescomoquetinhasidoapuradonodia,nolocaldasexplosões,equefoipublicadoereiterado,oferecendo-seaoleitor–porquenão?–tambémascontradições.Por que sim? Se pode pensar: porque era véspera de feriado,madrugada, e não havia versão oficialdisponível,sobrandomesmoapenasaapuraçãodosrepórteres.Ouaindaqueoassuntofoinoticiadocomdestaque porque a repulsa ao terror é também compartilhada pelos proprietários dos jornais. Mas adimensãoéoutra,masfunda,melhor:informareserinformadofazpartedaquelalistafamosadosdireitosdohomem.O“quartopoder”veioressurgindodascinzaspesadasejáantigascomossoprosdeaberturademocrática,antesdoferiado,enãosóporvontadedosdonosdosjornais.Não interessa apenas aos jornalistas essenovoânimo.Oquenão se sabe,nãoexistiu.Másnotícias eaindaassimnãoédifíciladivinharalgumasatisfação.Porqueeraisso–oexercíciodefazersaberdeumladoedesaberdooutro–quetambémbrotavadecadapalavraimpressasobreaquelasexplosões.Avidaeamorteliteraisforamsóocomeço.Amortedosargento,avidaemperigodocapitão,aameaçasobreasvidasdaquelas20milpessoasnoRiocentrocolocaramemjogonãosóopapelda imprensa.

Masmuitomais.Porquecontareconheceraverdade–nãoimportaqueverdade–era,naquelemomento,olimiteentreavidaeamortenãosódaliberdadedeinformação,masdeoutrastantasdurasconquistas.Era um peso, certamente, e pesou – em um grau que talvez nunca possamos exatamente medir – nadefiniçãodolimiteentreavidaeamortedofuturodecadabrasileirocomocidadão.As informações sobre as explosões no Riocentro foram apuradas, divulgadas, conhecidas. Contar umpoucodessecombate,emqueavidaganhoujádamorteaomenosessabatalha,foioquetentamosfazer.JornaldoBrasileOGloboforamouniversodetrabalhopossível.Queríamosrelatarocomportamentodagrandeimprensa,dareportagemàedição,atravésdealgunsexemplossignificativoseestávamosnoRiodeJaneiro.Inicialmente,aideiaeraincluirnestaamostratambématelevisão.Mas,naTVGlobo–aserpesquisadaobrigatoriamentepeloseupesonomercadoespecífico–,poralgumasrazõesdeorigeminterna,nãoforampossíveisosdepoimentos.Certamentepressõespesaram,nãosósobreatelevisão–quenãofoiaúnica,naquelesprimeirosdiasdecoberturadoCasoRiocentro,areceberavisitaderepresentantesdoIExército–,comosobreosdemaisveículosecadaumseuempregado,diretaouindiretamente.Eramdias debatalha e a todosos jornalistas que, comempenho, honestidade e coragem,dela saíramvitoriosos,porsobreaspressões,dirigimosemprimeirolugarestetrabalho.Elessãomuitoseestãoporai, nos outros jornais, nas revistas, rádios e TVs do Rio, em São Paulo, nas capitais e em cadaredaçãozinha do interior. Que se sintam incluídos nessa dedicatória que vai, nominalmente, aoscompanheirosquetornaramestelivropossível:Antero Luiz, Antônio Carlos Fon, Chico Caruso, Carlos Castello Branco, Carlos Peixoto, DomingosMeirelles,DarcyMoreiradaSilva,ElyMoreira,FritzUtzeri,HedylValleJr.,HeraldoDiasdeOliveira,IranFrejat, JoséCasadoLuizMárioGazaneo,MarceloPontes,MiltonCoelhodaGraça, PauloCezarGuimarães,UbirajaraMouraRoulien,VidaldaTrindade,Villas-BôasCorrêa,WilsonFigueiredo,ZuenirVentura*Pretinhaseracomoosjornalistassereferiamàsteclasdasmáquinasdeescrever

ParteIAconteceu:agrandecorrida

Daapuraçãoàsbancas:tempocurtoeespaçocerto

Quem?Onde?Quando?Como?Oquê?Ascincoperguntasfundamentaisdetodareportagem–normabásicaadotadapelamaioriadosjornaiseinspiradanosmanuaisderedaçãonorte-americanos–estavamrespondidasnolead(primeiroparágrafo)dasmatériassobreasexplosõesnoRiocentro,nasediçõesde1ºdemaiode1981.A grande corrida não foi a primeira. Desastres de trem, naufrágios, crimes e mesmo outras bombasaconteceram,antesesempre,numahistóriaqueé,tododia,adeumcorre-correquevaivirandojornal.Anosdeexperiência,muitotrabalho,tensãoeumacadeiadedecisõesbaseadasnumaéticarígida–maisinterna a cada profissional do que escrita em regulamentos ou normas – estão por trás de cada linha,título,fotofeitospelosque,emalgumaspoucashoras,construíramonoticiáriodaquelasexta-feira.Diasmaistarde,odepoimentodessesjornalistasdetalhava,minutoaminuto,atrajetóriadeseutrabalho.Eramdiasemquenãosóaimprensa,masopaísinteirosepreocupavacomumasextapergunta,queosmanuaisnemsempreaconselhamequeétãodifícil,namaioriadasvezes,aosjornaisderesponder:porquê?

“Corremoscerto,emcima.Fizemosumgrandetrabalho”.Nome:ElyMoreiraIdade:41anosTempodeprofissão:22anosFunçãoatual:ChefedeReportagemdeOGloboExperiência Profissional:Diário Carioca (repórter e colunista);Última Hora (repórter); Rádio JB(repórter);TribunadaImprensa (repórter);RádioBandeirantesdeSP (repórter esportivodecampo);RádioGuanabara (locutor esportivo, chefe de reportagem);sucursal do Jornal doBrasil emNiterói(repórter);TVGlobo (repórter); chefe de reportagem, produtor);O Globo (repórter, coordenador decorrespondentesdosmunicípios,coordenadordareportagempolicial,chefedereportagem).

ElyMoreiraéumrepórterquevirouchefe.Umrepórterdepolíciaquedeucerto,“subiunavida”,escalandoaospoucososdegrausdaprofissão.O jargão das delegacias anda em qualquer conversa, Ely mantém o gosto pela corrida atrás danotícia.Repórteraovelhoestilo,elejáfoidetudo–deredatordacolunasocial“BrotosnaPista”,nocaderno de domingo do antigo Diário Carioca, até repórter esportivo de campo, na RádioBandeirantes de São Paulo, passando pela produção de programas para a TV (Dercy Gonçalves,Chacrinha,IbrahimSued).“Péquente”,segundooscolegas,Elyfoioúnicojornalistabrasileiroquenoticiou,àprimeirahora,amortedeCheGuevara.TinhaidocobriraguerrilhaparaaTVGlobo,acaboufazendoamizadecomumdosmilitarescomandantesdeáreadointeriordaBolívia,queolevouexatamentenaexpediçãoemqueforampresosRégisDebrayeCiroBustose,poucodepois,mortoGuevara.Ele mesmo conta, rindo muito, como por acaso acabou registrando, também em primeira mão, alibertaçãodoembaixadorbrasileirosequestradonoUruguai,AloísioGomide:“FaltavaumasemanaparaocarnavaleeufiqueimuitoputodesermandadoparaoUruguaicobrirosequestro.LogonosmeusprimeirosdiasláperdiemumcassinotodoodinheiroqueaTVtinhamedadoparapagarestadaealimentação.NãodavaparapedirmaisgranaeasortefoiqueencontreiumamigomeudeinfânciatrabalhandonaEmbaixadadoBrasil.Elearrumouumcantinhoeeupasseiadormirlá.Foiassimqueumbelodia,logodepoisdeminhachegada,euestoufalandocomaAliceMaria(chefedejornalismodaTVGlobo)pelotelefonedaembaixadaemeentraquem?OGomide.Elezinho,naminhafrente.Eradiadedesfiledasescolasdesamba,naquelaépoca,umasegunda-feiradecarnaval.ATVrompeuopoolcomasoutrasestaçõeseeuentreidireto,naquelemesmotelefonema,noticiandoalibertaçãodoembaixador,aentradadelenaembaixada,tudonoar.Foiaglória.EaindachegueiatempodepegaroMonteLíbanonaterça-feira”.“Erampoucomaisdedezhorasdanoite.Achoqueeram22h10minquandoeusoube,peloDarcy(DarcyMoreiradaSilva,repórter).Nósnãotínhamosninguémlá.Àtarde,tínhamosdecidido,eueoFrejat(IranFrejat,editordareportagemlocal),nãomandarninguémparaoRiocentro.EraumshowpatrocinadopelaTVBandeirantes,masnão foi só isso.Querdizer,nãodeixamosdecobrir sóporqueeraumshowdaconcorrentedaTVGlobo.Eramuito tarde tambémeaverdade–agenteviudepois–équenãotinhaninguém lá, nenhum outro jornal teve interesse emmandar cobrir. Além de tudo, estamos com pouca

gente”.(Pouco mais de um mês antes de 30 de abril – segundo informações do Boletim do Sindicato dosJornalistas Profissionais do Rio de janeiro – o jornal OGlobo havia demitido 43 jornalistas. Só nareportagemgeral, o corte significouuma reduçãode20%sobreo total dos repórteres.Demissões emmassa–justificadascomocontençãodedespesas–jáhaviamsidofeitasanteriormentenamaioriadosjornaisesucursaisdoRiodeJaneiro).“Normalmente, o jornal fecha cedo. Naquele dia, uma quinta-feira, véspera de feriado, tinha fechadomais cedo ainda, por volta das 22h. Os repórteres e redatores já tinham ido embora. Além demim,estavamnaredaçãooFrejat,oMarceloPontes(repórter)eoMiltonCoelho(MiltonCoelhodaGraça,editor-chefe).OMarcelo já estava dispensado, estava indo embora.Tinha tambémoDarcy, que tinhachegadomais cedo por acaso, e oPauloCezar (repórter), que estava na rua cobrindo um tiroteio emBangu.AssimqueoDarcymegritouládecima(aseçãodepolíciadojornalOGloboficaemumjirausobrearedação,bemacimadamesadachefiade reportagem),mandeioMarceloeoPhillot (AníbalPhillot,fotógrafo*)correremcomumcarroparaolocal.Nempenseimuito.ODarcytinhaconfirmado,apolíciatinhaidopara láeeusabiaqueumas20milpessoasestavamassistindoaoshow.Nessahoranãotemconversa,agentetemquecorrereconferir.Mesmoassim,depoisqueoMarcelojátinhasaído,eucomeceiatentarconfirmar,sabermelhoroquetinhahavido,aextensãodonegócio.LigueiparaoBorgesFortes(DelegadoBorgesFortes,entãotitulardoDPPS–DepartamentodePolíciaPolítica eSocial).Ele estava lá, no trabalho, e falou comigo.Agenteseconhecedeoutroscarnavais,querdizer,deumaporçãodeoutrascoberturas.Elemedissequeaindanãosabiabemoquê,masquetinhaacontecidoalgumacoisa.Dissequetinhadeslocadoumgrupode policiais do DPPS e que o DGIE (Departamento Geral de Investigações Especiais) também tinhacorrido.Assimqueeudesliguei,ligouumamulher.NoGlobotemmuitodisso,dosleitoresligaremparaojornalavisandoascoisasouatépedindoprovidênciasparataparburacoderuaeacabarcomfestasbarulhentas.Àsvezesencheosaco,mastemesseoutrolado,daspessoasfazeremchegarasinformações,queémuitopositivo.Eunãoseicomoéqueessamulhersabia,maselaestavaperguntandosetinhamuitosferidos,setinhamorridomuitagente.Entãoacheimelhormandarmaisgentenossaparaolocal.ForamoDarcyemaisumfotógrafoemoutrocarro.Poucodepois,tenhocertezaquenãoeramainda23h,oMadalena(OsmarMadalena,setoristadoGlobonoHospitalMiguelCouto)ligoudizendoquetinhaentradoumcaraarrebentado,comasvíscerassaindodabarriga.NamesmahoraeuchameioPauloCezar(contatocomocarrodereportagemporsistemaderádiopróprio).DisseparaelelargarotiroteioecorrerparaoMiguelCouto.ODarcytambémsaiueeufiqueicomorepórter.ResolviligarparaoMiro(DeputadoFederalWaldomiroTeixeira, PP-RJ). Ele é um cara bem informado, normalmente tem acesso a todas as informações quechegam ao governo doEstado.Nessas horas é que a gente saca como é fundamental o caderninho detelefone.Eutenhoomeu,muitocuidadinho,cultivadoháanos,temdetudo.Deucerto,porqueoMirojásabia mesmo. Me disse que havia realmente explodido uma bomba no Riocentro, que havia algunsferidos,quetinhasidoumatentado.Euiatentarligarparamaispessoaseaíaconteceuumadessascagadasdavidaporque,graçasaDeus,oFausto(FaustoNetto,pauteiro**)meentranaredação.Erampoucomaisde23heelenormalmentesóchegaàmeia-noite.Aífoiótimo,porqueoFaustoficoudeapurador,deredator,ligandoparaaspessoas,pegandomatériapelotelefone,quebrandotodososgalhos.De repente – eu nãome lembroda hora porque a gente tinha entrado emum ritmode loucura, coma

primeirapáginaaberta,todomundoaflitoparanãoatrasarmuitoojornalesemsaberaindadireitooqueestava de fato acontecendo – o Marcelo Pontes me chamou pelo rádio. Disse que o Phillot estavafotografandoocarro,umcarrodotipoPuma,quehavianocarroummortoeumferido,tinhaidoparaoHospitalMiguelCouto.OMarcelomedissetambémquediziamlánolocalqueoferidoeomortoeramgentedoExército.Umpoucomaistarde,oPauloCezarmeligouládohospitaleconfirmouqueoferidoeraumcapitão.Elenosdeussóoprimeironome.LogodepoisoMarceloPontesnospassouonometodoládolocal.Quandorecebemosonomecompletodomorto,noslembramosdeumadessascoisasquenãosãododiaadia,mas,seilá,achoqueficamnosubconscientedecadajornalistae,nessashoras,viramumnegóciofundamental,feitoocaderninhodetelefone.NósnoslembramosdoAlmanaquedoExército.Éumlivrãogrosso,queficaguardadonagavetadaminhamesaequeagentenãousaquasenunca.OFaustofoiláelevantouavidatodadocara.Deuumtrabalhãoporqueétudoescritonumaespéciedecódigo,tudomuitoabreviado.Temtodasasinformaçõessobreosoficiais.Adatadonascimento,oscursosquefez,ondejáfoilotado,essascoisas.Comasprimeirasinformaçõeschecadas,soltamosoprimeiroclichê.Saiuumanotapequenanaprimeira,aindasemfoto,masjácomonomedosdoiscaras,oferidoeomorto,aplacadocarro,algunsdadossobreamovimentaçãodepoliciaisnolocal.Aessaaltura,oFaustojáestavafalandopelotelefonecomopessoaldaOABeredigindoumamatériacomoquetinharecebidodoMarceloPontespelorádio.NósmandamosoMarcelovoltarcomoqueeletivesse,trazendoofilmeparasoltarlogoafotono2ºclichê*.MandamoselevoltarporqueoDarcyjátinha chegado lá e também porque oMarcelomesmo tinha nos avisado que alguém da polícia ou doExército,nãoseibem,estavaquerendoapreenderosfilmesenãoestavamaisdeixandofotografar.OMarcelochegoueassimqueasfotosforamreveladassoltamoso2ºclichê,intermediárioentreaqueleprimeiroclichêsócomachamadanaprimeiraeumoutroclichêcompleto,comafotonaprimeiraeumamatériabemmaiordentro.OMarcelodeuumaolhadanoprimeiroclichê,fezrapidamenteumamatériacomtudoqueeletinhaapurado,juntamosasinformaçõestiradasdoAlmanaqueeasrepercussõescomaOABeoMiroeoúltimoclichêcomeçouàs23h35mim.Às3horasfuiemboraparacasacomojornalnamão. Acho que fizemos um grande trabalho. Corremos certo, em cima, e fizemos tudo com baseexclusivamentenaapuraçãodosnossosrepórteres”.

Ely Moreira saiu do jornal O Globo e foi para a Rede Globo, onde trabalhou como editor dosprogramas Globo Repórter e Globo Cidade. Trabalhou também na assessoria de imprensa daSecretariadeJustiçadoGovernodoEstadodoRiodeJaneiro(gestãoMoreiraFranco).Depoisde30 anos de jornalismo, decidiu estudar direito e se formou em agosto de 1996 pela FaculdadeNacional deDireito.Em1999, era advogado cível e trabalhista noRio de Janeiro, profissãoquecontinuaexercendo.

“Nãolargototalmenteojornalismo,porquetenhoojornalismonosangue.Masfoiimportantevoltaraestudaremeformaremdireito.Pensavaquenãoiaconseguircompetircomtodaaquelagarotadaeacabei passando no vestibular em segundo lugar. Não faço crime, apesar de ter sido repórter depolícia.Jáestoucomnetoenãoqueromemeternisso.Bandidoeuseicomoé.Osdoisamigosqueseformaramcomigoeforamfazerdireitocriminalforamassassinados.Naépoca,apesardeeunãoterligaçãopolíticacomnenhumpartido–eunãomeenvolvia–,eutinhaaconsciênciadequeonegócionãoestavabom.Abafavamagenteemtudo,na intelectualidade,namúsica,no teatro.Umacensura terrívelna imprensa.Aquelecaso foiumdosprimeirosque furouo

esquema.EumelembroquefoimandandopeloIExércitoumcoronelparadentrodeOGlobo.OJoséAugustoRibeiroeraoredator-chefe,masmandaramocoronelpracimademim.Essecoronelficoudomeu lado durante um mês. Quando conseguimos o furo, com o fotógrafo Paulo Moreira entrandoescondidonohospitalMiguelCoutoefotografandoocapitãoeutivequeesconderasfotos.Escondiepublicamos na primeira. Com meu papo eu consegui muita coisa, na malandragem. Era eu queconversavacomocoroneledesviavaamatériaportrásparaoFrejatsemelever.Noscomunicávamosnaredaçãoporsinais.Umligavaprooutropeloramalparasaberseeuestavaconseguindoenganarbem o homem.Ele via algumas coisas naminhamesa,mas na hora da diagramação, colocávamosoutras.Quandosoubequeiamreabrirocasoeuconfessoquechorei,pensando–atéqueenfim.Aslágrimascomeçaramacaireeupensando,agenteestavacertonaquelaépocaedeualgumacontribuiçãoparaaquelefatoviràtona.HojeoquemaismeimpressionaéqueaJustiçamilitarparamimeraapáticae,derepente,aJustiçamilitarvoltacomofulgordeesclarecer,levantandoaquelemantodaescuridão.Euacreditoqueaindatenhamaiscoisasporaíquevãoapareceretemqueaparecer.Aqueletempomeparece o tempo mais negro que o Brasil já passou e que decresceu. Acabou com líderes, com aintelectualidade. Fomos muito cerceados. Eu queria protestar e não sabia. Agora eu já sei: nafaculdade, através do convívio com meus colegas e professores, decidi participar politicamente eagora eu soumilitante doPT, alémde advogado trabalhista que é para poder acompanharmais apobrezaeassacanagensqueotrabalhadorrecebedopatrão”.ElyMoreiraOutubrode1999

*Edição extraordinária de um jornal, tirada logo após a primeira, commodificações emuma oumaispáginas,parainclusãodeumanotíciaimportante,sobrefatosocorridosduranteoudepoisdaimpressãoda edição original. Alguns jornais colocaram, no cabeçalho das páginas modificadas, a expressão“segundoclichê”, “terceiro clichê”, “quarto clichê”, etc. (DicionáriodeComunicação,CarlosAlbertoRabaça,&GustavoBarbosa-2ªed.Codecri,1980).

*AníbalJoséPhillotmorreuassassinadocomumtirona têmporaaos46anos, em5demarçode1996.OcorpodofotógrafoesportivofoiencontradoemumriachodaFazendaBotafogo,noRiodeJaneiro.

**FaustoNeto,umcaraquegostatantodejornalquechegaumahoramaiscedo,fezefazdetudona profissão. Depois de O Globo, trabalhou sempre oficialmente como redator, mas sempreexercendováriasfunções,noJornaldoBrasil,redigindoaprimeirapáginaounoCadernoCidade,emODiaeANotícia.Foiredatoremalgumascampanhaspolíticas, secretáriodeComunicaçãoeCulturadaprefeituradePortoSeguro,Bahia,eassessordeimprensaatédemilitaresdalinhadura:“QuandofuitrabalharcomocoronelPamplona,presidentedoIAA,InstitutodoAçúcaredoÁlcool,eledissequeestavamecolocandoláporquesabiaquecomunistatrabalhavamuitobem”.Em1999era redator (e faz tudo) na Folha dos Lagos, jornal diário que circula em Cabo Frio e cidadesvizinhas,nolitoralnortedoRiodeJaneiro.Foiseuúltimotrabalhoantesdefalecer.

“Erapauteiro,mas entrei na loucura.Virei repórter e dei a sorte de descobrir emprimeiramãoonome tododo sargento, porque tivea ideiadeprocurarnoAlmanaquedoExército.Aquela foi umacoberturaextraordinária.ORiocentrofoioestopimdofimdaditadura.Ficouaquelaferidaaberta,

sangrando.Etodomundoqueriabeberdaquelesangue.Assim como o Riocentro, muita coisa precisava ser reaberta, principalmente em função de umajuventudequefoiobrigadaàcegueiraeàsurdez,jáqueanossahistória,principalmenteadidática,fazcomqueumcarade30,35anosnãosaibadireitooquesepassou,quantomaisosmaisjovens.Sabemquehouveummovimentocomunista,masnãosabemoquefoiogolpedadireitacontratodauma geração, uma varredura que enfim atingiu a América do Sul inteira, destruindo governosdemocráticos,equeaindafoiseguidadeumaverdadeiratentativadelavagemcerebral.AgoraestamosescutandodenovoogritodoRiocentroemumeconemtãodistante.Aaberturaagoradocasofoinahora,parajustiçar.Nãoésóaverdadedeumcaso,éaverdadedeumaépoca”.FaustoNetoOutubrode1999

“Nuncatinhavistoapolíciacomtantomedo”.

Nome:DarcyMoreiradaSilvaIdade:28anosTempodeProfissão:7anosFunçãoatual:RepórterdaEditorialocal/madrugadasdeOGloboExperiênciaprofissional:ODia (repórter);ÚltimaHora (repórter);LutaDemocrática (repórter);OGlobo(repórter).

DarcyMoreiradaSilvatrabalhaemjornalhá9anos,masérepórterhá7.Suaprimeirafunção,naredação deODia, foi de contínuo, levandomensagens do telex aos editores às vezes quebrando ogalhona“escuta”(ouvirinformaçõesnosnoticiáriosdasrádios).Aospoucos,Darcyfoipassandoaquebrargalhostambémouvindopessoaspelotelefone,e,umdia,surgiuaoportunidadedaprimeira“saída”,aprimeiraapuraçãodematérianolocal.Eraumcrime,oassassinatodeummeninoemTrêsRios.Darcylembra:“Nãotinhaninguémnaredação.Sóeu,quenuncasonheiemserjornalistaenempercebiaque,dealgumaforma,láestavasendo,fazendoumamateriazinhaaquioutraali,pelaescuta,pelotelefone.Ochefememandousaircomcarroefotógrafoeláfuieu.Nofimdeutudocerto;comaajudadofotógrafoeatédomotoristaapureiamatéria.Tremiamuito,masacabeiconseguindofazertudodireitinho”.O horário – ele agora trabalha em O Globo, das 22h às 6h – sacrifica, mas dá ao repórter aexperiênciadecoberturadosgrandescasosinesperados.FoiassimcomareportagemsobreocercoaumassaltantenaIlhadoGovernador,quandoapolíciapraticamentedestruiuumedifícioatiros,nobairro dos Bancários. Darcy acha que foi essa a matéria mais impressionante de todas, mesmolembrandoque,nacruezadamadrugada,jáviuaté–duranteoresgatedasvítimasdeumacidentedeônibusnorioAcari–umaequipedebombeiroschorar.Apesardostiroteios,naufrágios,sangue,muitamorte,medopessoaleledizquenuncateve.MedodoquepoderiasurgirdeumamatériaDarcycontaquesó teveumavez: -Exatamentequandoviuquetambémeramedooquesentiamospoliciaisnaquelamadrugadadodia30deabril.“Tinhachegadounsquinzeminutosantesdomeuhorário.Às22h10min,telefonouumasenhora.DissequemoravanoJardimCuricica,emJacarepaguá,eperguntouseagentetinhanotíciadealgumaexplosãonoRiocentro,porqueeleacabavadedeixarofilholáehaviaesseboato,deumabombaexplodindopertodeumcarro,talvezdamortedeumhomem.Trêsouquatrominutosmaistarde,ligouumcolegadeODia.Opessoaldaapuraçãodamadrugadatrocamuitainformação,normalmente.Elemedisse:‘temumamerdalánoRiocentro,explodiramduasbombas,temdoispresuntos,touindopralá’.AquinoOGlobonóstemoscomosistemasóavisar:achefiadepoisdeumaconfirmaçãosegura.Entãoéasaídadesempre:agenteseagarrano“macaco”.TelefoneiprimeiroparaoCCOS(CentrodeComandodeOperaçõesdeSegurança),queconfirmouquetinhaacontecidoalgumacoisalá,masnãosabiabemoquê. Liguei para a radiopatrulha emBangu - é a seção da PM que cobre a área – e um soldadomeconfirmou.NamesmahoragriteiparaoEly(ElyMoreira,chefedereportagemdeOGlobo),quemandouoMarceloPontescorrer.À noite ficamos só com dois carros.Marcelo saiu com um e o outro estava com o PauloCezar num

tiroteio. O Ely decidiu me manter no “macaco” porque o Frejat queria logo umas dez linhas para aprimeirapáginado1ºclichê.Fiqueinotelefoneeligueiaindaparaa16ªDelegacia,daBarra,ondenãome falaram nada. No Lourenço Jorge, a telefonista confirmou: “Ummorto no local e um ferido, quepassou por aqui mas seguiu muito mal para o Miguel Couto”. Quase na mesma hora, o Madalena,setoristanohospital,ligoudandooprimeironomedocara.Tentei falar com os telefones que tínhamos do Riocentro, mas não atendiam. Foi no autódromo quealguémmedeuumtelefoneamaisdoRiocentro,quefinalmenterespondeu.Umcara,commuitomedo,medissequetinhaexplodidoumabombanopátioeoutranacasadeforça,masquenãotinhaatingidooalvo,estavatudobemeoshowemandamento.Às23h15minentregueiumanotadedezlinhasaoElycomessasprimeirasinformações.OPauloCezarestava chegando de Bangu. Peguei o carro, larguei o Paulo noMiguel Couto e fui para o Riocentro.Chegueiláporvoltadameia-noite.EncontreioMarceloPontes,maspraticamentenemfaleicomele,quevoltoutrazendoosfilmes.LánoRiocentrojáestavaoBira(UbirajaraMouraRoulien,repórterdaseçãodepolíciadoJornaldoBrasil),umrepórterdeODiaeequipesdaTVGloboeTVBandeirantes.Aprimeira coisaque eunotei no local foi uma tensãogeral.Ocarro estava isoladopor cordões e jáestavam lá a PM, o pessoal da Secretaria de Segurança, do DGIE e do DPPS. Aos poucos foramchegandomaispoliciaisetambémosperitos.Oisolamentodocarrofoisendoaumentadoaospoucos,oscordões sendo cada vez mais afastados. O primeiro sinal de que aquilo não era apenas mais umaexplosãodebombaeraocomportamentodosprópriospoliciais.Nuncaviapolíciacomtantomedoemtoda a minha vida. Trabalho como repórter há sete anos e sempre fiz muita cobertura policial. Têmpoliciaisqueagenteestáacostumadoaencontrarporaí,nascoberturas.LánoRiocentroeuvialgunsquetinhaconhecidoduranteaqueletiroteionosBancários,naIlhadoGovernador.Láelesconversavamcoma gente, davam algumas informações,mas noRiocentro a gente faziamenção de se aproximar e elesfingiamquenãoconheciam,viravamacara.Nomáximoiamdizendo:‘táruim,hojeéruim.’Ficamos juntos praticamente o tempo todo, eu e o Bira, e da polícia não saía mesmo nada. Asinformaçõesqueconseguimosforamdadasporduasgarotaseumrapazquetinhamouvidoaexplosãoechegadopertodocarropoucodepois.Elesconversaramcomagente,contaramoquetinhamvisto.MasopessoaldoDGIEedoIExércitoatodahoracolavanagente,querendosaberoqueaimprensaestavafazendo. Houve uma hora que estávamos comentando outras coisas que não a explosão e eles seaproximaramparasaberporqueagenteestavarindo.Nahoraemqueforamtirarocorpodosargentofoiumtalaparato,comaPMfazendoumcordãoparaninguémveraremoção,quetambémnaquelahorapenseiqueaprecauçãoestavamuitomaiordoquenosoutroscasosdeexplosãodebomba.Ali jádavaparaperceberque tinhaacontecidoumnegóciomuitograve.APM,quenormalmenteéacusadadebarbarizar,impedirotrabalhodaimprensaetal,estavaemsegundoplano.Quemameaçouosrepórtereseprincipalmenteosfotógrafosfoigenteàpaisana.Eunoteitambém que o nervosismo dos policiais era tão grande que, embora eles tivessem se preocupado emisolarcadavezmaisocarro,aáreaemvoltaficoumeiodescoberta.Tantoque,lápelasduashorasdamanhã, foi achado, por acaso, um dedo do sargentomorto em cima de uma Brasília e recolhido porchefesdeequipedoDGIE.Às3h40minelesliberaramocarro.Muitagentequeestavasaindodoshowfoiver.Eraumagarotada.Melembroquepassouumgrupoesaiugritando:‘ÉaalmadaDonaLydaquevoltouparasevingar.’Masagrande massa saiu em ônibus, que estavam estacionados do lado contrário ao acidente. Acho que amaioriatambém,maisoumenoscomoeu,custavaaacreditar.Achoqueessanãofoiminhareportagemmais emocionante,mas foi opior caso, emmatéria de se conseguir uma informação, que já apurei naminhavida”.

DarcyMoreira da Silva saiu de OGlobopara o Jornal doBrasil, onde chefiou a reportagem doCaderno Cidade. Foi para ODia, primeiro como repórter especial e em seguida como chefe dereportagem.TrabalhoutambémnaRedeGlobo,naeditoriaRio,enaTVBandeirantes,nachefiadereportagem.FoiassessordeimprensadaprefeituradeCaxiasedaLigaIndependentedasEscolasdeSambadoRiodeJaneiro.Em1999,Darcyestavadesempregado.SeuúltimotrabalhofoicomoassessordeimprensadaLIESA(LigadasEscolasdeSambadoRiodeJaneiro).Darcyfaleceuem2000.

“Paramimera rotinamandaremeu correr.Hoje vejoquequalquer coisaque sedigaou escrevaarespeitodaexplosãodaquelabombanãoparecedesarquivartotalmenteumassuntodaquelaépocaquecontinuamuito atual. Depois que a imprensa "reabriu" o caso – principalmente OGlobo – o quelemoshoje lembramuitoasmatériasque se seguiramà suítedaexplosão.Quemdeuaordem?Atéondeainvestigaçãopodeir?Participei de dois dias de cobertura noturna, mas deu para acompanhar: quando os colegasdescobriam o que consideravam ser uma pista, as fontes tinhammedo de falar. E hoje algumas seapresentamcontandoqueforamvigiadas,sabotadasemseutrabalho,etc.De"vítima"doepisódioocapitão Wilson Machado acabou sendo promovido a indiciado do novo inquérito. Dezoito anosdepois?Pessoalmente,umasatisfação:haviamaisdeumabombanaquelePuma.OGlobobancouoqueapureina época (embora tivesse que publicar um desmentido do Exército no dia seguinte) e os novosdepoimentosdehojeratificaramaquelainformação.Vamosesperarmaisquantosanosparasaberdequempartiuaordem?Ospersonagensestãovivos,bastaquequeiramcontaroquesabem...”DarcyMoreiradaSilvaOutubrode1999

“Diasdepois,fiqueiatécomraivadeterdesprezadoalgunsdetalhes.”

Nome:MarceloPontesIdade:34anosTempodeProfissão:16anosFunçãoAtual:Repórter-assistentedeeditordeOGloboExperiênciaProfissional:OPovo, jornal diário deFortaleza (repórter); Rádio e TV VerdesMares,Fortaleza (repórter); Vera (correspondente em Fortaleza e repórter da sucursal deRecife);OGlobo(repórterdaediçãopolítica,repórterdaeditorialocal).

MarceloPontesiaserpadre.Commãeviúva,8irmãos,naturaldeArocoiaba,nointeriordoCeará,ele entrou para o seminário aos 12 anos.Uma repetição de ano, considerada injusta, o levou a sedistanciardevezdaperspectivadeumavidareligiosa.“Umanodepoisdemuita‘pelada’,amãe–eleconta – praticamenteme empurrou para fazer um curso de jornalismo na AssociaçãoCearense deImprensa.Eeuacabeivirandojornalistaporcausadaprimeiracascatademinhavida.Naentrevista,a responsável pelo curso perguntou por que eu queria trabalhar em jornal. Eu, que nunca tinhapensado nisso, disse que desde menino tinha dois sonhos: ser padre ou jornalista. E completei,dramático:estouacabandodelargaroseminário.Fuiaprovadonahora.”Entreasboaslembrançasdorepórter,duasmatérias“impossíveis”:emRecife,paraarevistaQuatrorodas,MarceloPontescomprouumacarteirademotoristaparaumcego.NoGlobo,jánoRio,passouumdiainteirodirigindoumtáxiparacontarasagrurasdeumdianavidadomotorista.Textosmaisbemcuidados,“fontes”cultivadas,driblesparaquesepossa“passarumrecado”foramapreendidosduranteanosnaeditoriapolítica, tambémemOGlobo.Marcelo lembraumdos trabalhosquemaisgostou de fazer: “Não sei bem se era 1976 ou 1977, mas o movimento estudantil estava de novofazendopasseatas,recomeçandoaesquentar.Nãodavaparafazerumamatériaespecificamentesobreoassuntoporquenãoeraessaalinhadecoberturadojornal.Masacabeifazendoumamatériaquetocavanoassunto e cumpriuopapelque euqueria.O título eramaisoumenosassim: ‘Eles eramincendiários,agorasãobombeiros’–econtavaopassadodelíderestudantilcontestadordefigurascomoPetrônioPortella,UlyssesGuimarães,CélioBorja,MarcoAntônioMacieleoutros.”MarceloPontesdizquenãotemnostalgiadacoberturapolítica.Comoquasetodososrepórterescommuito tempo de profissão, ele também deve passar pelos ciclos de desilusão, em que pesam osobrecargade trabalho,adesvalorizaçãodocargoderepórternahierarquiados jornaiseapoucaparticipação no resultado final do trabalho. “Mas de repente – diz – uma matéria como essa doRiocentro reacende aquela chama e a gente se sente útil, importante, e pensa em como seriam ascoisasseaimprensanãoestivesselá.”“Eu estava vendo televisão na sala doMilton, doido para dar 23h, horário de entrada do pessoal damadrugada,parairembora,quandooElygritou.CorricomoPhillotparaoRiocentroequandochegueilásóencontreium jornalista,umrepórterdoDia.Erammaisoumenos23h30min,o localdocarro jáestavacercadoehaviamuitospoliciaisegentecompintadeperito.Minhaprimeirapreocupaçãofoiverolocal,anotaraplacadoPuma.FaleicomumpolicialdeumapatrulhinhadaPM,queaparentementeeraquemtinhafeitooiníciodaocorrência.Eledeualgumasinformaçõessobreahora,masunsdadosmeio

insignificantes.Faleipelorádioimediatamenteparaaredaçãoporquesabiaqueopessoalláestavacoma impressão de que a bomba tinha explodido dentro do Riocentro. Eu estava impressionado porqueninguémno local sabiaa identidadedomorto.Opessoalachavaqueeramilitar eda redação,uns15minutosdepois,équemeconfirmaramqueosdoiseramdoExército,aindasemsaberosnomes.Agentedoladodeforadoisolamentodocarronãotinhamuitacondiçãodesaberseopessoalqueestavalá dentro era da Polícia Federal, doExército, doDPPS ou doDGIE.Reconhecíamos a PolíciaCivilporqueseupessoaliaevinhadoscamburõesdaSecretariadeSegurança.Derepentesaiuumsenhordoisolamento. Era o tal de Tatá (Humberto Guimarães, detetive-inspetor, lotado no DPPS), como diasdepoisagenteconseguiuidentificar.Resolvimeaproximarporqueeledavaaimpressãodeserperitoeestarcomandandoaoperação:estavacomumapranchetanamãoondeiaanotandoseelesabiaquemeraomorto.Eledissequenão,masnoteiqueelesabia.EudissequesabiaqueomortoeoferidoeramdoExército.Eleriuenãofalou.Pergunteiotipodebombaeeledisse:‘Issoécoisadebomba-relógio.’Fiquei por perto do isolamento e logo em seguida fiz uma segunda tentativa com essemesmo perito,quandoeleiavoltarparajuntodoPuma.Nemchegueiafazernenhumaperguntaporqueelepediu–amime aos outros jornalistas que haviam chegado ao local – que nos afastássemos. Ele disse: ‘Se afastemporque pode ter outra bomba aí dentro.’ Essa advertência coincidiu com a ampliação do cordão deisolamento.AessaalturaumaporçãodePMscuidavamdoisolamentodaárea.Oprópriocomandantedo18ºBM, coronel IlleMarlen, estava lá e falou comigo: ‘Assumi o batalhão hoje à tarde.Não sei denada.’ Ele informou tambémque tinha pedido reforços –mais quatro choques de 25 homens cada (jáhaviaumnaárea)emais tardeumacompanhiade90homens,porqueele temiaqueno finaldo showhouvesse tumulto, com uma concentração de curiosos que poderia atrapalhar a perícia. Chegarampoliciais de choque, preparados para enfrentar a multidão. Alguns com 4 ou mais bombas de gáslacrimogêneonamão.Lembro-me que depois, quando vi no ‘Fantástico’, domingo, dia 3, o filme da TV Globo, feito noRiocentro,namadrugadadaexplosão,pensei: ‘Fizeramumacagada.’Abombaqueapareciano filme,aquelescilindrosdemetal,eraumabombadegás lacrimogêneo; igualàquelaseu tinhavistonasmãosdosPMs.Agora, é bomesclarecer o seguinte: lá noRiocentro, naquelamadrugada, ficoumuito claroquehaviaoutrabombanoPuma.NãofoisóporcausadaquelaadvertênciadoTatá.Quandoeuestavasaindoparaaredação,levandoofilmecomasfotosqueumcaradapolíciaoudoExércitoquaseapreendeu,oBiradoJBme falouquehaviaumboatodeoutrabombanocarro.BemnessahoraestavapassandooTatádenovoeeudisseparaoBiraesperarqueiatentarconfirmar.Esseperito,essemesmoquenãoquismedaronome,oTatá, ia sedirigindoparaumcamburão.Euchegueipertodeleeperguntei: ‘Éverdadequevocêsdesativaramoutrabomba?’Eelerespondeu:‘Acabamosdedesativar.Caifora,medeixaempaz.’Pareciaatéqueeleeraumcaraquequerianosajudar,daralgumasinformações,masqueestavamuitopatrulhadoporoutrospoliciais.Aindalánolocal,paraoscolegasqueestavamtrabalhando,ocapitãoeosargentoestariamconduzindoabomba.Eraespeculaçãodolocal:abombaqueexplodiunocarrosejuntavacomaqueexplodiupertodacasa.Deforça.Aoutra,ouasoutrasdocarro,queforamdesativadas,completariamoatentado.Naquelahora,anossapreocupação,detodosnós,eracorrerparapegaraediçãododia1º;nãotínhamoscondiçãodeavaliarbemarepercussãodaexplosão.Maseusabiaqueaquiloiaterumarepercussãopolítica:doismilitares ligados aoDOI, emum local onde uma entidade de esquerda estava fazendoum show, e derepenteumabombaexplodedentrodocarrodeles.Nãodavaaindaparasentirotamanho,aextensãodonegócio,masdavaparasentirqueeraumassuntomuitograve.Quandochegueiàredação,tinhaumclichêrodando,comumamatériaquejáfalavanessaoutrabomba

desativada. Eu escrevi uma matéria maior, com o nome do sargento morto e com uns pedaços queaproveiteido1ºclichê.MinhamatériasejuntoucomomaterialqueoFaustotinhacatadonoAlmanaquedoExércitoemaisasrepercussõesquefizeramcomopresidentedaOABecomoMiroTeixeira.Nessa minha matéria, procurei botar o máximo de informações, tudo muito factual. A conclusão dosjornalistasetambémadaspessoasqueestavamporlá,procurandosaberoquetinhaacontecido,eraadequeaintençãodasbombaseracausarpânico,todomundofalavacomoteriasidoumhorrorseasbombastivessemexplodido comaquelas 20mil pessoas lá.Agora, essa especulação eunemescrevi.Não foiautocensuraenemporqueeutrabalhonoGlobo,querdizer,nãofoisóporcausadalinhadojornal.Eumesmodecidi sóescreveroque tivessecomoafirmarcommuitasegurança.Querdizer,numahoradefechamentootextotemquesairdefinitivoeeunãoiajogarespeculaçõesemumassuntodetalgravidade.Minhamatériasaiuexatamentecomoeuescrevi,depoisdeserlidapeloFrejatepeloMilton.Saídaredaçãoàs3h30min.Asensaçãodegrandetrabalhojornalísticonãopintou.Pintoufoiacertezadequeaqueleeraumassuntomuitograve.Emnenhummomentoeupenseiqueojornalnãofossepublicaramatéria,porquedesdequesaídaredaçãoparaoRiocentroestavatodomundofazendotudoparadaramaiorquantidadedeinformaçãopossível,todomundopreocupadoemfazeranotícia.Masfuiparacasameio descrente, achando que no dia seguinte ia sair uma explicação oficial para o acidente e que asautoridadesmilitaresiamtentarjustificaraquilocomoumepisódionormal,paraparecerqueocapitãoeosargentotinhamsidovítimas.Éclaroqueeuacheiquealgumasinformações,comoadasegundabombadesativada no local, poderiam dificultar essa versão,mas depois desses anos todos que a gente estávivendoetambémdepoisdenãovermosnenhumatentadoesclarecidoacheiquecomessediaaconteceromesmo.Diasdepoisfiqueicomraivaatédeterdesprezadoalgunsdetalhesquenahorapareciaminsignificantes,masquedepoisveioqueteriamumaimportânciaenorme.Porexemplo,todosnós,oscoleguinhas,eeutambém,desprezamosodetalhedoPMdapatrulhinhaquefezo1ºregistrodaocorrência.Desprezamosporquetinhagentemuitomaisimportantenaárea.SóqueexatamenteestePMdeveteracronologiadachegadade todasas equipes.Pelomenoseledeve saberqualpolícia– se a federal, adoExército,oDGIE,oDPPSoDOI–chegouprimeiroe assumiuaconduçãodaperícia. Isso seria importanteparadefiniroseguinte:agentesabequetinhapessoasdoDPPSnolocalacompanhandooshow,querdizer,fazendoapolíciapolítica.Agentesabetambémque,quandochegouaequipedoDGIE,especializadaemdesativar explosivos, já encontrou o DOI. Inclusive, na segunda semana depois da explosão, li ainformação de um segurança do Riocentro que falou que três carros do Exército iam sair doestacionamentoeresolveramficarnolocal.Querdizer,falarcomessePMdapatrulhinha,naquelahora,erafundamentalparasaberessascoisas:quemjáestavaláquandoabombaexplodiu?,quemchegoueemqueordem?AgentesabequeaperíciadaPolíciaCivil,opessoaldoCarlosÉboli(InstitutodeCriminalísticaCarlosÉboli),semprechegacomatrasoemtodososlocais.Écomumagenteircobrircasosemqueocorpofica lá5ou6horas esperandoaperícia. Issodeve ter acontecidonoRiocentro.OpessoaldoCarlosÉboli deve ter chegado muito depois. Se a gente tivesse certeza da cronologia podia, por exemplo,explicar,porque–eissoémuitoprovável–olaudodoInstitutoCarlosÉbolisóvaifalardabombaqueexplodiuenãovaicitaraoutrabombadesativada.Nodiaseguinteàexplosãomechamaramemcasaàs8horas.Eutinhasaídodojornalàs3h30minenãotinhaconseguidodormiratéàs5h.Eaí,quandochegueiàredação,tiveumasurpresaporqueoquepintoufoiumentusiasmomuitograndedopessoal todo,doscolegas,pelofatodeojornal terpublicadomaisinformaçõesdoqueosoutros.Fuicobriroenterrodosargentoeaíjásabiaaimportânciadamatériaquetinhafeitonavéspera.”

MarceloPontessaiuem1984deOGloboparaoJornaldoBrasilonde,durante14anos,foieditordepolítica, titular do Informe JB e daColuna doCastello, diretor das sucursais de SãoPaulo e deBrasíliaeeditor-chefe.Em1999,erachefedaAssessoriadeComunicaçãoSocialdoMinistériodaFazenda,emBrasília.

“OentusiasmodeterlidonodiaseguintenoGloboaminhareportagemsobreaexplosãodabombanoRiocentroexatamentecomoaescreviéumbomretratodoambientepolíticoquesevivianaépoca.Estávamos vindo de anos de dolorosa convivência com a ditadura militar e com as suas marcastrágicas de prisão, tortura, perseguição, censura e assassinato de inimigos do regime.Aindahaviamedo e muita pressão e ameaça sobre a imprensa. Mas havia também um esforço gigantesco dasredações para romper definitivamente esse cerco. Antes, escrevíamos nas entrelinhas o que nãopoderiaserditoàsclaras.Lembro-meaindadareportagemcitadanaprimeiraediçãodolivro,davezemqueconseguipublicarumapáginainteirasobrearetomadadomovimentoestudantil,em1977,emOGlobo,comumgrandeartifício.Entrevisteios líderesestudantisdasdécadasde40e50e iníciodos 60, como Ulysses Guimarães, Petrônio Portela, Célio Borja, Paulo Egydio Martins e MarcoMaciel. Contava como eles tinham agitado a vida política do país em seu tempo – Ulysses, porexemplo, foi um grande orador no Centro Acadêmico 11 de Agosto, nas Arcadas, em São Paulo;Petrônio vivia atacando o governo numa revista chamada ‘Reforma’, na Faculdade Nacional deDireito, no Rio; e Marco Maciel liderou uma greve geral estudantil em Recife, no governo JânioQuadros,obrigandooministrodaEducaçãoa ir lá,negociarcomele.No finaldosanos70,quasetodoselestinhamfilhosnauniversidade.Quandolhesdavaapalavra,nareportagem,elesemgeraldiziam,comaexceçãoóbviadodoutorUlysses,queopapeldoestudanteéestudar,eoseulugaréasaladeaula.Tinhamsidoincendiários.Eram,então,bombeiros.Agrandevitóriadessareportagemfoiusarumapáginainteiraparadizeremduasoutrês linhasperdidasnomeiodelaqueosestudantesestavamvoltandoàsruasparadefenderaliberdade,comoantigamente.ComoepisódiodoRiocentrofoibastantediferente.Ali, deupara sentir commuitoprazerumgostinhoda liberdadede imprensacom que sonhava desde março de 1964, quando aos 16 anos de idade me iniciei na profissão derepórter. Desde aquela época, não há dúvida de que as bombas do Riocentro tinham um objetivo:impediravoltadaliberdade.Mas,porteremexpostocomoclarãodeumaexplosãoossubterrâneosdoregime, acabaram ajudando a apressar o fim das trevas. Ao longo desses 18 anos, em que,mesmoocupandocargosdechefiaemredaçãojamaisperdiaconsciênciadequesou,emprimeirolugarumrepórter, tive, entre as certezas absolutas de todo repórter, uma muito especial: o mistério doRiocentronãosobreviveàdemocracia”.MarceloPontesOutubrode1999

“Reportagemnãoésóoquesefaz,étambémoquesetentoufazer.”

Nome:PauloCezarGuimarãesIdade:28anosTempodeProfissão:4anosFunçãoAtual:RepórterdaeditorialocaldeOGloboExperiênciaProfissional:OGlobo(estagiáriodo2ºCaderno,repórterdaeditorialocal).

Paulo Cezar Guimarães seguiu os caminhos naturais de um formando em jornalismo: durante osúltimosperíodosde faculdadeestagiou–oquequerdizeraprender trabalhandoeganhandomuitopouco (Cr$ 600,00 na sua época) – na redação de um grande jornal. Começar no 2º Caderno éexceção que, Paulo Cezar lembra, tinha alguns privilégios: “Ainda não era contratado e já tinhaassinadoaminhaprimeiramatériadepágina inteira.”Alémdoprestígiodaassinatura,o ritmodetrabalhoemsegundocadernoébemmaislentodoqueodareportagemgeral.Quandofoicontratado,PauloCezarresistiuàideiadeirtrabalharnaeditorialocal,mashojenãosearrepende:“Ageralépauleira.Nãoécomono2ºCaderno,ondeagentefazumtextomaiselaboradoesenãoestivercomsacopodedeixarparaodiaseguinte.Masvivendoodiaadiadolocaléqueseganhamalandragem,experiência,rapidez.”Apossibilidadedeassinarmatériaémaisrara,masanotoriedade tambémaconteceePauloCezarteve,hápoucotempo,asatisfaçãodesever,peloméritodeumtrabalho,personagemdematériadaVeja.Elehavia feitoumareportagemsobreumassaltoàcasadeumbanqueiro inglês.Poucosdiasmais tarde, leu na redação outramatéria sobre a prisão de um grupo de assaltantes. Umamesmacaixinhadejoias–relacionadaentreosobjetosroubadosaobanqueiroeapresentadapelapolíciaemmeio ao material encontrado com os assaltantes presos – permitiu que Paulo Cezar e ErnestoRodrigues (repórter de O Globo) justificassem os dois casos e desvendassem o mistério antes dapolícia,paraabsolutoespantodobanqueiro,acordadoporPauloCezaremcasaàs2horasdamanhãparao“reconhecimento”dacaixinha.Osassaltantes eramosmesmos e já estavampresos.Nodiaseguinte, O Globo foi o único jornal a vincular as duas matérias. Um “furo”, que é sempre umacompensaçãoparaadurezadocotidiano.Comoosdemaisrepórteresdaeditora local,PauloCezartrabalha dez horas por dia, escrevendo de uma a três matérias com folgas em fins de semanaalternados,de15em15dias.PauloCezarganhaosaláriomédioderepórteremOGlobo:cercadeCr$70milmês.Um Passat dirigido por assaltantes, que estavam sendo perseguidos pela polícia, se acabou em umaárvore daAv.Brasil.OElyme gritou pelo rádio e eu voltei correndo, ainda sem saber de nada.Naredação, acabei de apurar amatéria deBangu pelo telefone.Bati rápido umas 30 linhas e fui para oMiguelCoutototalmentenoar.SabiaquetinhaexplodidoumabombanoRiocentro,quetinhaumferidonohospitalemaisnada.Issoaconteceàsvezeseésempreruim–orepórtersairdaredaçãosemsaberdireitooquevaifazer.Cheguei aoMiguelCouto por volta dameia-noite. Já estavam lá uns quatro ou cinco repórteres e foichegandomaisgente.QuandoviqueoZuenir(ZuenirVentura,chefedasucursaldarevistaVejanoRio)estava por lá, tentando apurar também, eu saquei que a barra era pesada.Muitos jornalistas que não

estavamtrabalhandotambémaparecerameficaramtentandoajudaropessoal.Todomundonaportaria,vigiando o elevador. Ficamos trabalhando juntos, trocando as informações que eram quase nenhuma,porqueninguémfalavanada.Qualquermédico,qualquerenfermeiraquedesciaagenteatacava,masnãosaianada.Estava um clima de tensão muito grande. Tinha muita gente rondando o hospital e pintou umadesconfiança total em todo mundo. Qualquer pessoa estranha que chegava perto das rodinhas queformávamosparaconversaragente ficavapensandoqueestavavigiandoonosso trabalho,queeradapolíciaoudoSNI.Issoporqueagentejásabiaqueoferidoeraumcapitão.Emais,antesdeeuchegaraohospital um capitão – o Capitão Souza Lima, como ele mesmo se identificou – tinha falado com oscoleguinhaseditoqueoferidotrabalhavacomelenoDOI-Codi.Nessahora,querdizer,numahoraemquetudoestádifícil,emqueagentesentequeaconteceumaisdoqueumsimplesacidenteepintaatéumcertomedo,não temmaisessade furo.Oqueaconteceéumasolidariedadeentre todosos jornalistasnumabuscadesesperadapelainformação.MelembroqueumarepórterdoJBficourondandooMiguelCouto,poralinaportaria,fingindoquetinhaatropelado uma pessoa, que estava muito nervosa, querendo saber notícias do seu “atropelado”. Elachegoucomessaconversapertodopessoaldafamíliadocapitãoferido.Ninguémseaproximou,todososoutrosjornalistasentraramnojogo,masmesmoassimelanãoconseguiunada.Lembrotambémqueagenteestavanaportariadohospitalquandotocouotelefone.Arecepcionistafalouemvozaltaqueeraalguémprocurandoumfamiliardocapitãoferido.OZuenirfoiatendero telefone,tentandoconseguiualgumacoisa.Masnãodeumesmoeeleacabousubindoparabuscarumparenteouum amigo do cara. Na volta, ele ainda ficou colado no homem que veio atender o telefone, tentandopescaralgumacoisadaconversa,mastambémnãoconseguiu.Passeialgumascoisaspelotelefoneparaaredação,basicamenteainformaçãodoCapitãoSouzaLimadequeoferido,comoele,trabalhavanoDOI-Codi.MascontinueinoMiguelCoutoatéàs4horasdamanhã.Depois,aindadeiumapassadanaredaçãoesaícomojornalnamão.Mesmonaqueledia,eujásabiaqueestavaacontecendoumnegócioimportantíssimo.Nãoescrevimatérianenhuma,masestavasatisfeitodeterentradonacobertura.Afinal,umareportagemnemsempreéoquevocêtraz,mastambémaquiloquevocêtentoufazer.”

PauloCezarGuimarãessaiudojornalOGloboemoutubrode1985paratrabalharnaassessoriadeimprensadaSouzaCruz.FoiassessordeimprensadeMarcosVillaça,presidentedaLBAerepórterda Revista Imprensa. Em 1999, já lecionava há treze anos Faculdade Hélio Alonso, no Rio deJaneiro, e comemorava uma década de fundação de sua empresa, Portfolio Comunicação.AtualmentetrabalhanoJornaldoBrasilonlineetemumblogsobreoBotafogo.

“TodososanosdouumaaulanafaculdadebaseadanolivroBombanoRiocentro,porqueeleéumaaulasobreasgrandescoberturasjornalísticas.Eestarnolivroporterparticipadocomoprofissionaldaqueleepisódio,aoladodeferascomoMiltonCoelho,Zuenir,MarceloPontes–quenaépocaeraomeu ídolo como repórter – é uma honra. OGlobo não participava na época, por algum problemainterno,dadisputadoprêmioEsso,masacreditoqueseparticipasseterialevado.Dequalquerforma,foi um dos fatos que mais marcou a minha carreira. Inesquecível. Quando me lembro fico até emdúvida se fiz bemaodeixara reportagem investigativapelo jornalismo empresarial,masdepoismelembroquesaídoGlobocomoassistentedeeditorparaganhartrêsvezesmaisnaassessoria.Eraeéumarealidadedemercado.Acho muito importante a reabertura do caso porque até hoje existem militares com um ranço de

autoritarismoqueseestendeatéaumsimplespolicial.Éprecisoqueaverdadevirehistóriaoficialparaquequemvestefardatenhatotalconsciênciadequeaditaduraacabou”.PauloCezarGuimarãesOutubrode1999

“Nodiaseguinteconstatamos:OGlobodeumbanhonosoutrosjornais.”

Nome:MiltonCoelhodaGraçaIdade:50anosTempodeProfissão:Editor-ChefedeOGloboExperiênciaProfissional:DiárioCarioca(redator);ShoppingNews(redator,editor);Hoje(redator);ODia (redator); Última Hora, sucursal de Pernambuco (chefe de redação); Jornal do Commercio(colunista político);Diário da Noite(secretário);Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste(chefe dadivulgação);DiárioCarioca (redator);Correio daManhã (subsecretário); Jóia, revista daeditoraBloch(chefedaredação);EditoraAbril(repórterdarevistaRealidade,chefedasucursaldoRiode Janeiro, diretor e chefede redaçãodeRealidade,QuatroRodas,DocumentoAbril, Intervalo);RioGráficaEditora(editor-chefe);Placar,revistadaeditoraAbril(diretor);OGlobo(editor-chefe).

ElecomeçouatrabalharcomoserventefaxineirodoCNAEE–ConselhoNacionaldeÁguaseEnergiaElétrica–aos12anos.Depoisfezmaladiretavendendoequipamentoagrícola,foitradutordeinglês,ajudante de cozinha num restaurante de Cascadura, garçom em Marechal Hermes, auxiliar deescritórioemfábricadebebidas,chefededepartamentoemprodutoracinematográfica,vendedordefiodenylon,roupasemgeral,meias;técnicoemcréditorural,auxiliardecontabilidade.Nashorasvagas,seformouemEconomia,quechegouaexercerdurantealgumtempo;eemDireito:advogadodeumasócausa,ganhaenãopaga.Dadecepção,veioojornalismo.Edecopydeskdecolunasocialno Diário Carioca – primeiro emprego – acabou virando editor-chefe de um dos maiores jornaisbrasileiros. No caminho, a primeira reportagem sobre Cuba publicada no país depois de 1964,entrevista com Papa Doc (Haiti) e com Al Fatah (Organização pela Libertação da Palestina),publicadasemRealidade.Eumadezenadeprojetostransformadosemnovasrevistasejornais.Ahistóriacertamenteexplicaochefe,exigenteprofessor.Hoje, no Globo – e o testemunho é dos repórteres –, existem três jornais: o da pauta, o dosacontecimentosinesperadosdecadadiaeo“jornaldoMilton”emque,decadamatériaéexigidoum“algo mais”, que pode vir da apuração mais apurada ou da complementação de uma pesquisa,passandosemprepelaparticipaçãomaisefetivadecadajornalistanoresultadofinal.Mastemquevir.MiltonCoelhoéoúltimoasairesóvaiemboraparacasalevandoesteterceirojornalnamão.“Normalmente, quando surge uma notícia local inesperada, em hora de fechamento, o Eloy avisa aoFrejat e o Frejat avisa a mim.Mas o Ely deu um berro e todo mundo que estava na redação ficousabendo:bombanoRiocentro.A primeira decisão foi esperar para botar uma nota no 1º clichê, que tinha que rodar, de qualquermaneira,entre11e1h15min.No1ºclichêrodamosexemplaresquevãoparaointeriordoRioeoutrosestados.Eéumanormapermanente:temosquerodaroprimeiroclichêaté1h30minnomáximo;senão,atrasamostantoasremessasquenãovaleapena.Quandochegaramasprimeirasinformações,resolvemosdarotítuloemaisumas10linhasnaprimeira.EssasinformaçõesforamasdoMarceloládolocalemaisasdaspessoasqueprocuramos.AntesdeoMarcelo chegar ao Riocentro, nós já tínhamos telefonado para a TV Globo, para oMiro Teixeira etínhamostentadofalarcomoRiocentro,quenãoatendia.

ProcuramosoMiroparasaberseogabinetedogovernadortinhaalgumainformaçãoeeleconfirmouqueunidades policiais tinham sido deslocadas para o local, que a bomba tinha mesmo ferido alguém epossivelmente matado uma pessoa. A TV (Globo) tinha as mesmas informações que nós, quer dizer,tambémnão sabia a extensão do que tinha acontecido.Esse contato entre redações existe.A regra dojornal,pararepórteres,éproibirquesejampedidasoudadasinformaçõesaoutrosjornais.Maseuseiquenaáreadepolícia é comumos repórteres trocaremoqueapuram.Paraeditor existe tambémumaespécie de consulta, quando temos um assunto que um de nós consideramuito delicado.Mas é raro,porquehánormasdeedição,háumaorientaçãobásicaemcadajornal.Porexemplo:noGlobonóstemosumanormaqueénãopublicarameaças,porqueachamosqueéumestímuloaosmalucospara ficaremligandoepassandoalarmesfalsos.SãoduascoisasqueOGlobonãopublica:suicídioealarmefalso.AntesmesmodeoMarcelovoltar,quandotivemosmaisinformaçõesapuradasnolocalporele,fizemosum clichê intermediário, que eu costumo chamar de “troca rápida”, e, além da chamada na primeira,jogamosumamatériapequenadentro,napágina9.QuandooMarcelovoltoucomofilme,paramosasmáquinaspararodaroterceiroclichê,oúltimo.Oassuntofoiparaoaltodaprimeirapágina,comafotodoPumasubstituindoumafotodeperseguiçãoaassaltantesemBonsucesso.Àúltimahora,conseguimosoprimeironomedosargentoemaisainformaçãodequeeleeramotociclistadaPolíciadoExército.LembroqueaquelanoitetenteiavisaraoEvandro(EvandroCarlosdeAndrade,diretordejornalismodeO Globo) sobre as explosões, mas não conseguiu. Depois ficou muito tarde e não tentei falar comninguém.Eramadrugadaeojornalficoupornossacontaerisco.Masnãovinenhumproblema,porqueojornalnãodeixadepublicaroqueéfato,oqueéinformação.Enormalmente,emnenhumjornal,seficaavisandoàdireçãooqueestáacontecendodemadrugada.Tínhamosinformação–etodoonossocuidadofoi o de não publicar nada que não tivesse o testemunho do nosso próprio repórter – e informação ojornalnãoomite.Publicamos tudo que foi apurado pelos nossos repórteres, o que não significa que não tenhamosselecionadoasinformações.“Censura”nãohouvenenhuma.Mastemumtipodecoisaquenãodáparatransformar em matéria. Alguns parlamentares, por exemplo, quando souberam das explosões,começaramaligarparaaredaçãoeadardeclaraçõessobreoassunto.Nãopublicamosnenhuma,porqueojornaltambémnãovaideixarquefiquemtirandocasquinha.Erammaisde3horasquandofomosembora.Enodiaseguinteconstatamos:OGlobodeuumbanhonosoutrosjornais.”

“Seiqueeraacoberturadeumfatohistórico.Eojornalacreditouinteiramentenorelatoquefiz.”

Nome:UbirajaraMouraRoulienIdade:40anosTempodeProfissão:21anosFunçãoAtual:RepórterdaseçãodepolíciadoJornaldoBrasilExperiênciaProfissional:DiárioCarioca,ediçãobrasiliense(repórter);ANoite,LutaDemocrática,OFluminense,OPaís,sucursaldoRiodoDiáriodeSãoPaulo,OGlobo,ODia,ÚltimaHora(repórterdaeditoriallocaledaseçãodepolícia);JornaldoBrasil(repórter).

Repórter depolícia.Poucos jornalistas escolhema funçãoque é a dosquepegamo trabalhomaispesado, os piores horários e permanecem, namaioria dos casos, no total anonimato, ganhando ossaláriosmaisbaixos.UbirajaraMourahámaisde20anostrabalhabasicamentenacoberturados“casosdepolícia”.Masnão se arrepende. “Se aprende a racionar, a ter agilidade, a apurar bem.Não é como cobrir umaconferência,ondevocêficalásentadoouvindoumcarafalareaindarecebeumrelease.Orepórterdepolícia chega sempre com uma hora de atraso no mínimo, porque ninguém vai marcar hora e techamar para assistir um assassinato, um desastre de trem. Então é emocionante, você tem queinvestigar.”AlémdotrabalhodeinvestigaçãoedeumaconvivênciadiárianadaagradávelcomoqueBirachamade“aescóriadasociedade”,orepórterdepolíciamuitasvezessedeparacomoutroproblema:comopublicaranotíciaqueenvolvepessoasimportantes,autoridades,emcrimesescandalososecasosdealtacorrupção?Trabalhoperdido,emalgunscasos,quandooprópriojornaldecidequeessetipodenotícianãovaleapenapublicar.Asensaçãodamissãocumpridaquando,aocontrário,seconsegueadivulgaçãodeumadenúnciaimportante.Atéhoje,exatamenteporumadessasmissõescumpridas,Ubirajaraenfrentaproblemas:“NuncativeumdesmentidonaminhacarreiraenemcensuraàsminhasmatériasporpartedoJB.Masatéameaçademorteeujárecebiporcausadeumgrandefuro,queaindadábode,seteanosdepois.”Ograndefurofoiumareportagemquedenunciavaoenvolvimentodetementes,coronéis,generaisdoExército,detetivesedelegadosemoperaçõesdecontrabando.Publicada,amatériadeuorigemaumInquéritoPolicialMilitarqueindiciou84pessoas.“Eutinhacomeçadoatrabalharàs17hdaquelediaeialargaràmeia-noite.Maisoumenosàs22h30minoGaza(LuizMárioGazaneo,seueditorlocal)gritouládasaladele:‘ExplodiuumabombanoRiocentro.Bira,vêissoaí.’Euligueio244-2020(telefonedoCCOS).Umacaramedissequetinharecebidoessainformação,quetinhaavisadoaoDPPSemandadoumaequipeparalá.SaíquaseimediatamenteparaoRiocentro, com o Vidal (Vidal da Trindade, fotógrafo). No meio do caminho o Gaza já estava mechamandopelorádioparaeupassaralgumacoisaparao1ºclichê.Euiaatédarumagozadanele,porqueaindanemtinhachegadolá,quandoamerda:meurádiosórecebia.OGazaneonãoouvianadadooutrolado.Quandoeucheguei, jáestavamláODia,OGloboaTVGloboeaVeja.Os jornalistasestavamtodosjuntos,rodandoquenemperuporforadoisolamentodocarro,feitocomumascordasa8ou10metros.

Ospoliciaisestavamdentrodocercoeeuvigentequeconheciadevista,gentedoDPPSedoDGIE.UmacaradaTVGlobomedissequeachavaqueoscarasdoPumaerammilitares.Nessahorasaiudoisolamentoumsenhordecabeçabranca,aqueledepranchetanamãoquesaiudepoisemfotonosjornais,oTatá:Eufuiemcimaparaconfirmarseoferidoeomortoerammilitares.Meapresenteiepergunteiseele tinhaonomedomorto.Eleabanouquenãodisse: ‘Essahistóriaémuito séria.Umnegóciomuitosérioaconteceuaqui.’Eupergunteiporqueeelerespondeu:‘Tinhaoutrabombadentrodocarroevocêsjáestãosabendoquetemumferidonohospital.Nãoseiseessequeestáaíéosargentoouocapitão.’Elemedissetambémqueaoutrabombatinhasidodesativadaedepoisnãoquisrespondermaisnada.Eufiqueimaluco,chameiosoutrosjornalistaseconteioqueocaratinhamedito.Nessashorasnãotemessadefuro.Issonãoexiste.Existeéasolidariedadedesocorrerumcolegaquechegoumaistarde.Furoé válido se você pega a informação sozinho, mas se está todo mundo no local o que conta é asolidariedadee,numcasocomoesse,contatambémapreocupaçãodedividiraresponsabilidade.Logodepoisdessaconversa,comoTatá,veioandandonanossadireçãoumoutropolicial,ummorenobaixinho de japona de couro com uma pistola no cinturão, segurando um walkie-talkie e umametralhadora.Depois,medisseram,eleameaçouquebrarasmáquinasemandouaprenderosfilmeseosfotógrafostrataramdecorrer.EuconheciaessecaraporqueeleestavanaqueletiroteiodaIlha(capturadeumassaltanteescondidoemumconjuntoresidencialnobairrodosBancários, IlhadoGovernador).Fuichegandopertodeleeperguntei:‘OquevocêachoudonoticiárioládaIlha?’Elerespondeu:‘Apesardos pesares, a imprensa trabalhou bem.’ E eu disse: ‘Ainda bem porque agora vem a reciprocidade.Querosaberonomedomorto.’Elefalou:‘Nemdebrincadeira,nessecasonãoháreciprocidade,nãotemcondição.’OGazaneoestavadesesperado,seesgoelandonorádiodocarroeeutinhaquepassaressasinformações.Era mais ou menos meia-noite. Tentei ainda o rádio do carro, mas não funcionou mesmo. Aí saiprocurandoumtelefonenoRiocentro.Imploreiparaumsegurançadelámedeixarfalar,masotelefonenãodavalinhadejeitonenhum.OGazaneopareciaqueiamorrerdegritarpelorádio.ResolvipegarofilmecomoVidalesairdoRiocentro.MandeiomotoristairnadireçãodeJacarepaguá,porquesabiaque tinhaunsmotéispelocaminho.Noprimeiromotel,queera longepaca, auns15km,paramos.Aísaltoeunaportariadomotel,comocarrodoJB,eocaranãoqueriadeixareuentrardemodoalgum.Pensavaqueeraparafazermatériadedenúncia,euacho.Foiumsacrifícioparaogerentemedeixarusarotelefone.Masàmeia-noiteemeiaeufinalmentepasseioquetinhaparaoGaza.Navolta,ocarromedeixounoRiocentroeseguiucomofilmeparaaredação.LánoRiocentronãoadiantavamuitoficartentandofalarcomapolícia,quejátinhaafastadoaindamaisoisolamentodocarro.EueoDarcydoGlobofomosfalarcomumvendedordechurrasquinho,quetinhaouvidoaexplosãoevistoocapitãoandando,ferido.OcaraestavamorrendodemedoeeueoDarcyficamoscomendoochurrasquinhodeleparaversesaíaumpapo.Eleacaboucontandooquesabia–queviuocaramuitoferidosendolevadoporumcasalemumPassat,queocaragemiamuitoeperguntavapeloamigo.Ficamosandandoporalielocalizamostrêsjovensquetinhamvistoocarroexplodir.Foiumsufocoparafalarcomumadelas,porqueopessoaldapolíciachegavajuntoeficavatentandoescutar.TivemosqueacabaraconversadentrodocarrodoJB.Eladissequeouviuaexplosão.Olhoueviufogoedepoisumacortina de fumaça. Saltou do carro dela e foi para perto do Puma. O capitão já estava andando,cambaleando,nadireçãodaentradadoRiocentroegritavapeloamigo.Eladisse tambémquequandochegoujuntodocarrotinhaumrapazqueapanhouumacarteiranochão.Abriuedisse:‘Ih,rapaz,sujou,ocaraécana.OnomedeleéGuilherme.Émelhoragentesairdaqui.’Elargouacarteiranochão.Eu já sabia umnome e tinha que falar como jornal de novo.Aí pedi ao cara doDia.Ele passou as

informaçõesparaojornalepediuaoSanta(EduardoSantaMaria,chefedereportagemdeODia)paraligar para o JB.Finalmente eu tinha identificadoomorto: o tal doTatá tinhadito quenão sabia se omortoeraumsargentoouumcapitão.Masnojornal,cominformaçõesdoMiguelCouto,elesjátinhammeditoqueocapitãoeraoferido.Agarotacontouahistóriaeaíeujuntei–SargentoGuilherme.Achoquenãodeutempo,porqueoJBnãodeuonomedelenojornaldodiaseguinte.Fiqueilápelolocalepegueimaisalgunsdetalhesdamovimentaçãodospoliciais,daexpansãodaáreadeisolamento.Acharamumdedodosargentoemcimadeumcarroeeuqueriafalarcomaredaçãodenovo. Chamei um segurança do Riocentro que me ajudou. Me disse que na administração tinha umtelefonediretofuncionando,porqueosdamesaeujátinhavistoqueestavamdesligados.Parachegaràadministração eu tive que passar por dentro do show.Na porta passei por um grupo de policiais doDPPS,queeuconheciadevista.Umcaradessegrupomedisse:‘VocêsabequenegócioéessePodescrerqueécoisadoCoronelZamith.’CoronelZamithéumcaraquedizemqueétorturadoretrabalhanaBaixada.LádentrodoRiocentroestavalotado,centenasdejovensestavamdeitadosnochão.Eupenseinabombadacasadeforça.Imagineiabombaexplodindoeaquilotudonoescuro.Iatergentequenãoiatertemponemdeselevantarantesdemorrerpisado.FaleipelotelefonecomoGazaneo.Dissetudoqueeutinha.Erammaisoumenosduashoras.QuandoeuvolteiparaolugardoPumatomeiumsustoporqueoisolamentoestavadescomunal.Orabecãojáestavalátirandoocorpodosargento.Eaperíciacontinuavatrabalhandoemvolta,pegandopedaçosdecarnedomortoerecolhendodentrodoscelefonesquetiravamdosmaçosdecigarros.Àstrêshorastiraramocorpoenemdeuparafotografar.Oboatodequehaviamaisduasbombasnocarropersistia.OtaldoTatájátinhameconfirmadoumaeeuqueriaesclareceressenegócio.FoiquandovioPetrônio(DelegadoPetrônioRomanoHenrique,da16ªDelegacia Policial, Barra da Tijuca). Ele estava indo embora. Eu fui em cima dele e parei perto doChevettedele,queeujáconhecia,efiqueideumjeitoqueelenãopodiaabriraportadocarrosemfalarcomigo. Os outros jornalistas ficaram por perto – me lembro que estavam o Antero, do “Estadão”(AnteroLuiz,repórterdasucursaldoRiodeJaneirodeOEstadodeSãoPaulo),oDarcydoGloboeoRiva(ArturRivadávia,repórterdeODia).Elesnãoforamemcimadohomemporqueagentesabesequesechegarumaturmagrandeelesnãofalam.Masficaramaumadistânciaquedavaperfeitamenteparaouviraminhaconversacomodelegado.Omotoristadeleentrounocarroeumoutropolicialda16ªentrounobancodetrás.OPetrônioparounaportaemedisse:‘Quandoeusaídadelegaciaporvoltadas22hfaleicomoGilberto(inspetorGilbertoFranciscoLessa)eeledisseestava tudocalmo.Mesurpreendiquando tomeiconhecimentodabomba,pelaTV.Quandovolteiparaadelegaciaumaequipejátinhavindoparacáeeuresolvivirtambém.Nãopossodizernadaporquenãofiznadaaqui,sódeiapoioaoscolegas.’EupergunteiaoPetrônioonomedorapazmorto,porquequeriaconfirmarahistóriadagarotaquetinhaassistidoàexplosão.ElememandouprocuraroGilberto,quetinhafeitoaocorrênciaesabiaonome.Eaíeuperguntei:‘Easduasbombas?’PergunteiassimporquequeriaesclarecerseumaoumaisduasbombastinhasidoencontradasnoPumaedesativadas.FoiaíqueoPetrôniomeesclareceu.Eledisse:‘Nãotemduasbombas.Foiarrecadadaumabomba.Haviaduasbombasnocarro,umaexplodiueaoutrafoiarrecadada.’Euperguntei:‘Arrecadadaporquem?’Eledisse:‘PeloDGIE,queinclusiveexpediuaguiaderemoçãodocorpo.’Eumelembroqueaindainsisti:‘Querdizerquenãotinhaduasbombas.’Eaíopolicialqueestavanobancodetrásnocarrodebruçousobreobancodafrente,arriouovidroparafalarcomigoedisse:‘Sóarrecadaramumabomba.’Os jornalistasqueestavampertoouviramessaconversaedepoisagenteconferiu tudoqueoPetrôniotinhamedito,paraanotartudocerto.Às 3h30min abriramo isolamento e oPuma ficou à nossa disposição.Descobrimos, eu e oMaurício

(MaurícioMenezes,repórterdasucursaldoRiodeJaneirodeOEstadodeSãoPaulo),queoaramedaplaca estavaviolado epensamosque aqueladevia ser umaplaca fria.OMaurício, nahoraque eu iasaindo,mepassouumasinformaçõesqueeletinhapagadocomumcarachamadoJoãodeDeus.Essecaratinha estacionado perto do Puma e chegou a dar boa-noite para o sargento. Ele disse que o sargentoestavacomobraçoapoiadonajaneladoPumaenóspensamosqueosargentoaindadeviaestarassimquandoabombaexplodiu.Deveserporisso,poressaposiçãodobraço,emcimadajanela,queobraçodelefoiamputadoeeleficousócomumcotoco,quasenaalturadoombro.SaídoRiocentropoucodepoisdas4horasefuiparaaredação.Aíescreviamatériadetalhadaquesaiunosábadodia2demaio,porqueàquelaalturaojornaljáestavafechado.Aminhapreocupaçãofoiadefazerum relatoomais fielpossível, com tudooqueeu tinhaapurado.Achoqueéaminhaobrigaçãocomorepórter.Sabiaqueeraumamatériaperigosa,commilitaresenvolvidos,masnão“censurei”nada.Eufaçosempreassim–escrevotudo,seojornalacharqueaminhamatériacontrariaseusinteresseseleséquetêmquedecidirnãopublicar.Amatéria que eu escrevi foi publicada semalterações.Quer dizer, houveumas correções naturais docopy(copy-desk,corpoderedatoresdojornal),quereduzumpoucoparacabernapágina,masnãotirounenhumdadoqueeutivesseapurado,nãocortouinformaçãonenhuma.Agoraeutambémnãofiznenhumaespeculação. É claro que, como repórter, formei omeu juízo do que teria ocorrido, porque todas asinformaçõesqueeuobtivenãomeconvencemqueocapitãoeosargentotivessemidoláparaarrecadarumabomba.Porqueseelesfossemlácomoobjetivodearrecadarexplosivosteriamidocommaterialapropriado e em um carromais apropriado do que um Puma. Até hoje naminha carreira não sei deninguémqueperdeuavidadesativandoumabomba.Alémdisso,podequemquiserapresentarsuaversãosobreoqueaconteceuporque,peloqueeuapurei,formeiaminhaconvicção.Eessaconvicçãopartedoprincípiodeque,nosmeus20anosdejornalenahistóriadosatentados,eusempresoubequequemémobilizadoparadesativarbombaéapolícia.NuncavioficiaisdoExércitoiremdesativarbomba.NuncasoubequeumpopulartelefonasseparaoExércitoeochamasseparavirdesativarumabomba.Eutenhoomeu juízo,aminhaavaliação,masnamatériaqueescrevinaquelamadrugadadodia30sóescreviosfatos. E eu saí do jornal sabendo da importância daquilo, que eu tinha feito a cobertura de um fatohistórico. Importante também, nos dias seguintes, foi ver que, embora surgissem declarações de altasautoridades falando o contrário, o jornal acreditou inteiramente no relato que fiz, com toda a minhasinceridadeebaseadoapenaseminformações”.

UbirajaraMouraRouliensaiudoJornaldoBrasilpoucotempoapósocasoRiocentroeatribuisuademissãoaumadiscordânciasobreadivisãododinheirodoprêmioEssodereportagem,ganhopelaequipe.Desistiudojornalismoeestudouadvocacia,queexerciaem1999econtinuaexercendonoRiodeJaneiro.

“Meucontentamentoépeloreconhecimento,18anosdepois,dequetudoqueapuramosepublicamoseraaverdade.Principalmenteaexistênciadasegundabomba,queelessemprenegaram.Paramim,pessoalmente, como profissional, as consequências não foram boas. Minha área de cobertura erasegurança.Eeufui impedidodecobrirqualquersolenidade,qualquercoisaqueacontecessedentroda jurisdição do 1o Exército, hoje o ComandoMilitar do Leste. Só soube quando levantei o meuhabeasdata.OJobLorena, encarregadodaquele IPM, eoFranciscodePaulaBorgesFortes, diretordoDOPS,hojeDPPS, entre outros, foramagraciados comaMedalha doPacificador.OPrêmioEsso acabousendo a minha desgraça no jornalismo. O JBganhou o Golfinho de Ouro, outro prêmio para

jornalistasanteseoWalterFontoura,naépocadiretordojornal,mechamouedisse‘nósganhamos’emedeuodinheirodoprêmio.Nemseibemqualeraamoeda,masunstrezentosmildaquelamoeda.Eupegueiedividi,fiqueicom140milparamim,dei140milparaoVidal(VidaldaTrindade,fotógrafo)eos20milrestantesparaomotorista.QuandoveiooPrêmioEsso,quefoiparaaequipequeparticipoudacobertura,oHedyl(HedyldoValleJr.,editor),semsaberoquefazer,veiomeconsultareeufuicontraoprêmioficarapenasparaoFritz(FritzUtzeri,repórterespecial)eoHeraldo(HeraldoDias,repórter especial).Elesabrirammãodeparticipardadivisãododinheiro,unsUS$2.600,00.Maistarde,quandooHeraldoassumiuachefiadereportagem,medemitiu.Euacheique valeuapenaminhaparticipaçãona coberturado caso, apesarde tudo.Mas foi bommudarparaadvocaciaporqueonossomercadofoisetornandocadavezmaisfrágil.AchoquevaleuapenatambémreabriroIPMporqueaquiloestavaengasgadonagargantadetodasaspessoasqueseviramenvolvidas,principalmenteaquelesprofissionaisprejudicadosnaépoca,queforamobrigadosaassistir entrevistas, reproduzir laudos, sabendo do que realmente havia acontecido. Por exemplo,aqueleperito,oTatá(HumbertoGuimarães,perito),ficoumeucamaradadepoisemedisse:‘elesmechamaramparadepor,seforemmeesculhambar,euvoudizertudooquetiverquedizer’.EleeradoDOPSemedissequetinhaseisfitasgravadas.Hojeestáaposentadoedestruiutudo.Masaverdadesobreviveu”.UbirajaraMouraRoulienOutubrode1999

“Nahoradaconfusão,aprimeiracoisaquefizfoiesconderofilmedentrodameia.”

Nome:VidaldaTrindadeIdade:37anosTempodeprofissão:15anosFunçãoatual:fotógrafodoJornaldoBrasilExperiência profissional:Luta Democrática, Diário de Notícias, O Dia, Última Hora, Correio daManhã,OGlobo,JornaldoBrasil(fotógrafo).

DoFotoArthurnaRuadaCarioca–umpequenoestúdiodessesquefazem3x4paradocumento–atéasfotosassinadasnasprimeiraspáginasdoJB,VidaldaTrindadeviveudesdeascorridasdapolíciaquemarcaramavidadequalquerfotógrafodejornalatéascoberturashistóricas,comoadavisitadopapaaoBrasil.FoiumfotógrafodaperíciadoInstitutoMédicoLegalquemarranjouoprimeiroestádio:doisanosdaLutaDemocrática,semcarteiraassinada,ecomumsalárioqueeraquasenada,atéqueaqualidadedo trabalho levouoprofissionalàgrande imprensa.Eaqualidadedo trabalhovaialémda técnicaperfeita.Éprecisotambématenção,rapidez,coragemepersistênciaparaessetipodefotógrafoquenãopodenuncaperderomomentoexato,poucasvezescontacomposesetemsempreaobrigaçãodetrazerafoto,custeoquecustar.Àsvezescustacaroesetepontosnopéestouradoporumabombadegás lacrimogêneo é umdos preços queVidal lembra de ter pagado.A cobertura, ainda assim feitaparaoDiáriodeNotícias,eraadodiadamortedoestudanteEdsonLuís,nocentrodoRiodeJaneiro,duranteopiquedomovimentoestudantilde1968.Os melhores momentos variam. Podem ser simplesmente aqueles em que se registra o que éplasticamentebonito–umbalãoquesobecom10millanterninhasformandoimagensnocéu.Podemser duros – um dos melhores trabalhos de Vidal da Trindade é a sequência que mostra, minuto aminuto,ojogadordefutebolPerivaldo,doBotafogo,naépocadandoapartidaemseuVolkswagenearrastandocomocargoumanamoradaquenãolhequeriasairdafrente.Asfotos,desdeasaídadoautomóvelatéamoçadepoismachucada,forampublicadashácercadedoisanosnojornalOGlobo.NacoberturadoRiocentro,atáticanãofoinova:“Onegócioéchegareirfazendo,antesquealguémdigaquenãoépermitidofotografar.Faz-setudo,registrar-seomáximo,porquenãoéraroquefotosqueparecematédesnecessáriasaquemnãoédo ramosemostrem importantesdepois, comoaquefizemosdoperitoqueafirmouexistiremoutrasbombasdentrodaquelePuma.”“Chegueimaiscedoaqueledia.Normalmenteeuentroàs23h,porquecubroamadrugada.Masachoquenãoeramainda22h30minquandopasseipela redaçãoe já fui logoouvindooGazaneogritar: ‘Vidal,pegaamáquina.ÉumabombanoRiocentro.’SaíquasequeimediatamentecomoBira.Quando chegamos ao Riocentro, tudo parecia normal. Nos identificamos com o porteiro doestacionamento,quepensouquenós íamoscobriro show.Elenãosabiadenada,masnos indicouumlugarcheiodegente,umpoucodistante,noestacionamento,quandoperguntamospelabomba.Eramesmoolugarondeestavaocarrodestroçado,aindacomocorpodosargento.Minhainstruçãoerafotografaromáximoemandarofilmeomaisrapidamentepossívelparaojornal.Ocarroestavaisolado,masdavapara fotografar.Nessahora,oscordõesde isolamentonosafastavamuns8ou10metrosdo

Puma.Eunãomepreocupeiemolharoqueestavadentrodocarro,masemdocumentaroestragoeomorto.MelembroquePhillotestavatrabalhandopertodemimquandoumdosperitosfalouconosco.Eledisseparanãonosaproximarmosmuito: ‘Émelhorvocêseafastaremporquepode termaisumabombaaí.’Ficamosentãoauns12metrosdocarro.Quandojátínhamosfotografadoàvontadeocarro,detodososângulos possíveis, pegando mesmos os peritos e policiais que estavam dentro do isolamento,trabalhando,apareceuumrapazedisse:‘Nãopodefotografarnada.Vamosparardefotografar.’AíumfotógrafodaManchetebateumaisumafotoeesserapazsevirouparaaqueleperitoquetinhaconversadoconosco–aquelequedepoisnosidentificamoscomoHumbertoGuimarães,doDPPS–emandou:‘Pegao filme dele.’ O tal do Humberto pegou o filme do fotógrafo da Manchete e os outros fotógrafosprocuraramsairdeperto.Naconfusão,meabaixeidepressaeescondimeu filmenameia.Eu já tinhapraticamente acabado com ele, que era mais ou menos de 28 exposições. O Phillot também saiu eentregouofilmedeleparaomotoristadeOGlobo.Paramosdefotografarporuns5minutoseorapazseafastou. Pouco depois, o perito que tinha pegado o filme do cara da Manchete chegou perto dele,começouaconversareseafastarumpoucodorestodopessoaledevolveuofilme.Foichegandomuitapolíciacivil eachoqueaordemeraafastar todomundo.Eles iamnos tirandodejuntodocarroeo isolamento foiaumentado,achoquemais trêsvezes,cadavezagente ficandomaislongedoPuma.Enquantoiammandandoagenteseafastariamdizendoqueeraperigosoficarali,porquepoderiahavermaisbombasdentrodocarro.Mandeimeuprimeirofilmeparaaredaçãocomomotoristaecontinueinolocal.Euaindanãosabia,mastinha feito uma foto importante: aquela em que aparece claramente o detetive inspetor HumbertoGuimarães, que tinha falado aos repórteres sobre a outra bomba.Nosdias seguintes, quando todas asinformaçõesoficiaisconstatavamaexistênciadessasegundabombadentrodoPuma,nósnoslembramosdas fotos. Pegamos todos os contatos daquelamadrugada e reconhecemos o perito. E foi a partir dafotografiaquenósconseguimosfazerasuaidentificação.”

VidaldaTrindadetrabalhoudurantemaisoitoanosnoJornaldoBrasil.Emseguida,foiparaojornalODia.Depoisdeaposentado,trabalhoucomoautônomoparaOEstadodeSãoPauloeFolhadeSãoPaulo.Em1999erafotógrafodaTribunadoNorte,diáriodeNatal,cidadeondenasceu.Estáaposentado.

“Aminhaparticipaçãoacabousendomarcantenaquelegrandeacontecimento.Pelarapidezcomquechegueiaolocal:naverdade,sóeueoPhilliot(fotógrafodeOGlobo)conseguimosfazerafotodoPumacomocorpodosargento,porque logoemseguidaaPoliciaFederaleoExércitochegarameforam isolando cada vezmais o carro.Foi um trabalhodifícil, porquenaqueles temposbrabos eratudodifícilnoslocaisondeestavaoExército.Masaminhafotofoipublicadaporque,comoconteinaépoca,escondiofilmenameia.Osoutrosfotógrafostiveramosfilmesapreendidosnahora.Essanãofoiaúnicavezqueeutiveproblemascomapolíciaouosmilitares.Houveoutrasvezesatépiores, porque fui preso. Uma delas foi na visita do Rei da Noruega ao Brasil. O Rei visitou oMonumentoaosPracinhasequandoelejáestavaentrandonocarroeucruzeiotapetevermelhoparapegar um melhor ângulo para as fotos. Levei uma gravata dos fuzileiros e fui preso. Os colegascomeçaramafotografaracenadaagressãocontramimeacabaramsendopresostambém.FicamosnoporãodomonumentoatéoSindicatodosJornalistasconseguiranossaliberação,Issofoiem1966.Doisanosdepois,abarraiapesardenovo,namortedoestudanteEdsonLuiz.Oprêmioqueganheicomoprofissionalfoiagora,maisrecente,odamelhorfotodoCarnatal,afesta

daminhacidade,queacaboumefazendoconhecerNovaYork.MasaquelacoberturadoRiocentrofoiinesquecíveleeuachomuitobomocasoserreaberto,porqueéimportanteesclarecercomofoi.Agora,coma plena democracia – quer dizer, pelomenos se pode falar – vai ser possível punir realmentequemfoioresponsávelporaquilo.”VidaldaTrindadeOutubrode1999

“Masissonãoéumpresunto.ÉafotodoAldoMoro.”

Nome:LuizMárioGazaneoIdade:50anosTempodeprofissão:27anosFunçãoatual:subeditordalocaldoJornaldoBrasilExperiência profissional: Fundamentos, revista cultural (editor); Noticias de Hoje, jornal diário(repórter, crítico de cinema, chefe da redação);Ultima Hora, São Paulo (repórter especial);NovosRumos,semanário(chefedaredação);Hoje,diário(chefedaredação);Publigraf,agênciadepublicidade(redator);Domingo Ilustrado, revista (chefe da redação);Cartaz, revista de TV (chefe da redação);JornaldoBrasil(redatordaeditoriainternacional,subeditordainternacional,subeditordareportagemlocal).

Namemóriahátambémlembrançadegrandesreportagens,comoacoberturadocasodoBandidodaLuzVermelha,condenadoàmorte.MasLuizMárioGazaneodeixoudeserrepórtercedoeteveumaexperiênciaquepoucosjornalistasjovenspuderamviver:sairdaredaçãodosgrandesjornaisparasecolocar a serviço do jornalismo político. Desde 1959, como chefe de redação do semanário NovoRumos(órgãooficial–e,naépoca,legaldoPartidoComunistaBrasileiro),até1964,comochefedaredação do diário Hoje (jornal também ligado à esquerda) Gazaneo ficou afastado da grandeimprensa.Em1964,acaboutendoquasequeabandonarojornalismo,indoserredatordeumaagênciadepublicidade.Só10anosdepoisvoltouatrabalharemumgrandejornal,oJornaldoBrasil,ondeestáatéhoje.Alargaexperiênciaderedator,aliadaàpráticaemjornaispequenos,combativosegeralmentepobres–ondesetemmuitasvezesquefazerdesdeotextodeumamatériaatéarevisãoeoacompanhamentográficonaoficina–transformaramorepórteremprofundoconhecedorda“cozinha”dojornalismo.Maisqueisso,naquelejornalistaquepercebecomclarezaascorrelaçõesdoquepoderiaserapenasmais uma matéria local com o que está acontecendo no resto do país ou no cenário da políticainternacional. Os trabalhos de que Gazaneo se lembra como os melhores de sua carreira são ascoberturasdaprimeiraeleiçãonaEspanhaedaseleçãoitalianade1979.Nãofoiàtoaque,comaajudadeumafrasesua–“maséafotodoAldoMoro”–,afotografiadocorpodosargentodentrodoPumasemidestruídoacabousendopublicadanoaltodaprimeirapáginadoJornaldoBrasilnaquele1ºdemaiode1981.“Erammaisoumenos22h30mineeuestavaassistindoGrêmioxSãoPaulonatelevisão,naminhasala,quandoorapazquetrabalhanocontroledoscarrosdereportagemmechamouparaatendero telefone.Quando peguei o telefone, a voz do outro lado – uma voz firme, um pouco nervosa, mas firme,aparentementedeum jovem–começou logodizendo: ‘Entendeu?’Apessoapensavaqueaindaestavafalandocomomesmorapazquetinhaatendidoprimeiro.Eudissequenãoapediparaelerepetir.Aíeledisseexatamenteoseguinte:‘AquiédoComandoDelta.AcaboudeexplodirumabombanoRiocentropara acabar com aquela manifestação subversiva. Entendeu? Pode ir que não é boato.’ Ele desligou

imediatamenteenemmedeuchancesdefazerqualquerpergunta.Emgeralagentechecamuitobemessainformações.Masmedeuaquelenegócio,aquela intuiçãoeeudesdeo primeiromomentonãoduvidei. Foi a primeira vez quenão tive dúvida comesse negócio debomba.MandeioBiracorrereeleaindaligouparaaoCCOSenquantooVidalsearrumavaeoCCOSconfirmou.Engraçadoqueà tardeeoHedyl (HedylValleJúnior,editordareportagemlocaldoJornaldoBrasil)tínhamosdiscutidosobre irounãofazeracoberturaeacabamosdecidindoqueeramelhornãocobrir,principalmente por causa da hora, muito tarde. Agora eu acho que isso serviu de lição para toda aimprensacarioca,porqueninguémestavalá.Umareuniãocommaisde20milpessoas,àsvésperasdo1ºdemaio,agenterealmentetemquemandaralguémnemquesejasóparaverseaconteceualgumacoisa.Quando o Bira saiu eu não fazia a menor ideia do que tinha acontecido. Avisei o Hedyl e o PauloHenrique(PauloHenriqueAmorim,editorchefedojornal).OPauloHenrique,tambémaindasemsaberoqueera,decidiudecaraseguraraprimeiraparadarumachamada.EficamosnadependênciadealgumainformaçãodoBira.Estávamoscomumcarronarua,nãomelembrocobrindooquê,emaisoquesaiucomoBiraecomoVidal.EuestavarádioparaoBiraatodahoraenãorecebianada,masnãoimagineilogo que o rádio estivesse quebrado, porque é comum o sistema não funcionar em alguns pontos dacidade,principalmentelongedocentro.Derepentecomeçamosarecebertelefonemasdecoleguinhasetambémedar telefonemasparaoutras redações, para sabermais oumenosoque estava acontecendo,porqueoBiracontinuavamudoeeujáestavaroucodetantogritarnorádio.Estávamosapenascomdois repórteresna redação, aGlória (GlóriadeOliveiraCastro, repórter) eoStanislau (StanislaudeOliveira, repórter).OStanislau foioprimeiroqueconseguiuconfirmaralgumacoisa.Ele faloupelo telefonecomumvigilantedoRiocentroquedisseque tinha realmenteexplodidoumabombadentrodeumcarroeatingidodoismilitares.NamesmahoraeugriteiparaoPauloHenrique:‘Tem milico.’ E nós todos sentimos que a coisa podia ser mais séria do que se imaginava. Toda acobertura ganhou outra dimensão e o Paulo Henrique decidiu que, a partir daquele momento, nós sóíamossaircominformaçõesconfirmadas.Euachoqueessadecisão,ofatodagentetercombinadoisso,antesatédesaberonomedosmilitaresqueestavamnoPuma,dábemaideiadequedeuumestaloemtodomundosobreagravidadedacoisa.FelizmenteoBiraarrumouumtelefoneemeinformouque tinhaumferidonoMiguelCouto.MandeiaGlóriacomoAri(AriGomes,fotógrafo)paralá.NessahoraqueoBirameligouelemedeuanoçãoexatadequeestavacontrolandoasituaçãoapesardetodososproblemascomorádioquebrado.OBiratinhasidoprotagonistadaqueletiroteionaIlhaerealmenteeuestavatranquilo,sabiaqueelepodiafazerbemonegócio.Nempenseiemmandarreforço,masnãotinhamesmomuitagentedisponível,porqueosrepórteresqueestavamtrabalhandotinhamsidodeslocadosparaoMiguelCouto,InstitutoMédicoLegalmaistardeeooutroestavagrudadonotelefone.Achoquenossoesquemadecoberturafuncionoubem,emboraOGlobonodiaseguintetenhadadoduasinformaçõesquenãopublicamos–onomedosargentomortoeavinculaçãodosdoismilitaresaoDOI-Codi.Nãodemosporque,quandooBirame ligoupelaúltimavezantesdedecidirmos rodaroúltimoclichê–erammaisoumenos2horasenóstemosumproblemadeproduçãoindustrialquemarcaonossodeadlinedefechamentodaúltimamatérianaoficinaàs2h30min–,eledisse:‘ParecequeocaraéumsargentoeparecequeonomedeleéGuilherme.’Querdizer,nósnãotínhamoscertezadequeomortoeraumsargento.AinformaçãodoBira,emboraverdadeira,estavacondicionadaenósjátínhamostomadoadecisãodesópublicarinformaçõesconcretasechecadas.Isso não significa qualquer espécie de censura, tanto que, logo no segundo clichê, nós já demos ainformaçãodequeoPumaestavacheiodeexplosivos,issoporqueoBiratinharecebidoessainformação

deumperitoedepoisdoDelegadoPetrônio.Achoqueéimportantedizerduascoisas:primeiro,queosprópriosrepórteresqueestavamtrabalhandonacobertura,tantooBira,quantoaGlória,oStanislau–emais tarde todos os outros que cobriramoprosseguimentodo caso–, sentirama responsabilidadedotrabalhoqueestavamfazendo.Nemfoiprecisoquediscutíssemosmuitocomeles.Todossepreocuparamem trazerpara a redaçãoo relatomais fiel doquevirameouviram.Nãohouvenenhumamatériaquetivesseumareferênciaqueprecisassesercortadanaediçãofinalporqueorepórtertivesseextrapolado.Querdizer,nóstodosdedentrodaredaçãoficamosimpressionadoscomasensibilidadedosrepórterespara perceber, desde o primeiro momento, o que eles tinham na mão. A segunda coisa que eu achoimportantelembraréquesetivéssemosmelhorescondiçõesdetrabalho,maisrecursos,maisjornalistas,poderíamostertidomaiorrapideznatransmissãoenarecepçãodeinformaçõesnaqueleprimeirodiaeteríamossaídocomumvolumemaiordeinformações.AssimqueoVidalvoltoudoRiocentroeasfotosforamreveladasnósfizemosumboloemfrenteàmesadeedição.Aprimeirapáginaestavaláaberta.TinhaumafotodoFigueiredonoalto.Amancheteeraopresidentefazendoumapeloaopovo:‘VotemcontraaVolksenãocontramim.’Domeioparabaixodapágina havia ainda uma foto grande de cidade (foto de uma perseguição policial e assaltantes). Oprimeiro impulsodoPauloHenrique foi substituir a foto de cidade.Ele ficou chocado coma foto docadáverdosargento.Eledisse,fazendocarafeia:‘Masissoéumpresunto.’OAlberto(AlbertoFerreiraeditordefotografia)foioprimeiroapular,defendendoafoto.Eledissequeeraumafotopolítica.AíeutambémpuleiedisseparaoPauloHenrique:‘Não,Paulo, issoaínãoéumpresunto,não.ÉafotodoAldo Moro!’ Porque me lembrei daquela foto do Moro morto, todo encolhido, que também era umpresunto, mas de status político. E a foto do Puma acabou subindo para a cabeça da primeira.Manchetão.”

LuizMário Gazaneo foi subeditor de OGlobodepois de sair do Jornal do Brasil. Trabalhou naSecretariadeComunicaçãodoGovernodoEstadodoRiodeJaneiro(gestãodeMoreiraFranco)edepois se dedicou à assessoria de imprensa, trabalhando no gabinete da deputada Lúcia Couto(PPS) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e a atividades políticas de seu partido. FoimembrodosdiretóriosnacionaleregionaldoPPSefezpartedogrupoexecutivodaAgenda21,doGovernodoEstadodoRiodeJaneiro.GazaneochefiouaassessoriadeimprensadoIBGEnosseusdezúltimosanosdetrabalho.Faleceuaos84anosem2012.

“Omeusentimentoéomesmoquetivenaépoca,odeterprestadoumserviçoe,nocasodoJB,tercontribuído para mostrar à opinião pública, com reportagens investigativas, quem eram osverdadeirosautoresdoatentado.Nodia2demaio,areportagemdoFritzUtzeriedoHeraldoDias,que conseguiram descobrir o local onde estava o carro e mandaram fazer um croquis, esclareceucompletamenteoquetinhaacontecido.AreaberturadoIPMeuachoquemaisumavezsedeveàimprensa.PrincipalmenteaoempenhodeOGlobo, que já publicara aquela ótima séria de reportagens sobre o Araguaia. Acho que é muitoimportante mesmo todo mundo saber a verdade. Importante do ponto de vista da consolidação doestadodemocráticodedireito.FoiumcrimepraticadodepoisdaAnistiaeninguém,deesquerdaoudedireita, estaria abrangido.A novaapuração é importante comoum registro paraaHistória.Nossahistórianóstemosquecontarcomoelafoi.”LuizMárioGazaneoOutubrode1999

“Nãopodíamoslevarnenhumdesmentido.Enãonosdeixamoscairemtentação.”

Nome:HedylRodriguesValleJr.Idade:35anosTempodeprofissão:19anosFunçãoatual:editordereportagemlocaldoJornaldoBrasilExperiênciaprofissional:ANoite(estagiáriodaseçãodepolícia);Chuvisco,revista(repórter);FatoseFotos (repórter);Estado de São Paulo (repórter); Jornal da Tarde (repórter e pauteiro); Realidade,revista(repórter);Placar (repórterechefederedação);Playboy, revista (editor);TVGlobo (chefederedação do setor de esportes): Jornal do Brasil (assistente do chefe da redação, editor de matériasespeciais,editordareportagemlocal).

HedylValleJr.estáentreaquelesquejá“jogaramnasonze”:passouporquasetodasasfunçõesqueumjornalistapodeexercerepelosmaisdiferentesveículos.OrepórterquetrabalhouemRealidade,alegendária revista da Abril – que chegou a concentrar, pouco depois de lançada, o que eraconsiderado “o time dos cobras” em jornalismo –, passou também pela experiência da televisão.Depoisdeváriasrevistasejornais,umramonovo,umestilocompletamentediferentedetrabalho,deque ainda resta a lembrança de “operações diabólicas”, como a cobertura daCopa doMundo de1978, em que Hedyl coordenou uma equipe de 61 pessoas no exterior, com “toneladas” deequipamentos.A vida profissional começou na quase inevitável seção de polícia, onde tantos jornalistas foramestagiáriosumdia.Eédessaépocaa lembrançadaprimeiraemoção, talvezamaior:“Eunãoeranemfoca–lembraHedyl–,eraumsuperfoca,com15anosdeidade,soltonareportagemdeANoite,cobrindopolícia.MelembroquenumademinhasprimeirassaídasfomoscobriramortedeummeninodafaveladoEsqueleto.Eueraummeninotambémenuncameesqueci.”Bons trabalhos forammuitos.Umdeles, umaampla reportagem sobre os juízes de futebol – “Juiz,HeróiouLadrão?”–feitaaos22anosparaOEstadodeSãoPaulo,comojornalistaVitalBataglia,mereceuoprêmioEssodeJornalismo.NanoiteemqueexplodiramasbombasnoRiocentro,faziaapenasdezdiasqueHedylValleJr.haviaassumidoaeditorialocal.“Normalmenteojornalfechaàs23h.Essaéahoraemquefechamosaprimeirapágina,quasesempreaúltimaafechar.Àquelanoite,noite,quandooGazaneoatendeuotelefonemadoComandoDelta,ojornalestava fechado. Quando eleme avisou que tinha explodido uma bomba no Riocentro,me lembrei dadiscussãoquetivéramosàtardesobreanecessidadeounãodecobriroshow.Melembroquepesamosduascoisas:ofatodeserumareuniãode20milpessoascontraahora,tardepraburro.Adecisãofoinãomandarninguém.Aindanãoseisefoiadecisãocerta,masdepoisvimosquefoiaquetodososjornaistomaram.O Bira, quando saiu, já tinha confirmado no CCOS que havia alguma coisa ainda não definida noRiocentroequeequipesdapolíciatinhamidoparaolocal.LogodepoisqueoBirasaiu,começamosafazercontatocomoutrasredações.LigamosprimeiroparaaBandeirantes,queestavafilmandooshow,maseles tambémnãosabiamdenada.LigamosparaaTVGloboeoutros jornaiseopessoal também

ligavaparacá.Essecontatoentreasredaçõesdediferentesjornaisnãoéfrequente.Masaconteceàsvezes,nosníveismaisdiversos.Temocontatoentreopessoaldaescuta(repórteresouestagiáriosdaseçãodepolíciaqueficam ouvindo os contatos dos carros da polícia civil e da polícia militar com suas bases por umaparelhoderádioreceptorinstaladonasredações).Éumcontatoentreopessoalquequerconfirmarumainformação, antes de sair de madrugada. E tem também o contato com editores-chefes. Geralmenteaconteceemsituaçõesdessetipo:quandosequerconfirmarumanotíciagraveesetempoucasformasdeobteraconfirmação.Nós aqui no Jornal do Brasil, além do problema comum a todos naquela noite – ter acontecido umaexplosão,àquelahora,emumlugartãodistanteeondenãotínhamosnenhumrepórter–,ficamoscomumproblema adicional, porque o rádio do carro em que o Bira saiu estava quebrado. Recebemosinformaçõesdeoutrosjornaise,mesmocomesseproblemadorádio,nossorepórternospassoutodasasinformaçõesqueosoutrostinham.Enóspublicamosoquetodomundopublicou,comalgumasexceções,porquedecidimossairapenascomoquetivessesidoapuradodiretamentepelosnossosrepórteres,comtotalsegurança.Nossosrepórtereserampoucos,porqueestávamosfuncionandonaquelavésperadeferiadoemesquemade final de semana, o que significa, em termos da reportagem geral, ter cerca de metade da equipetrabalhando.O horário em que se deu a explosão também foi problemático, porque o JB não tem umesquemadecoberturareforçadoànoite.Normalmenteficamoscomumrepórter,umfotógrafoeumcarroà disposição.Alémdisso, apenas três secretários ligados diretamente à oficina.Os editores vão paracasa e só são contatados, por telefone, no caso de um segundo clichê não previsto. É um esquemabastantediferentedejornaiscomoOGloboquetemmaisrepórteresnaeditorialocaldoquenós.Alémdisso,oconjuntodeempresasGloboémaiordoqueoconjuntodeempresasJornaldoBrasile temosmenosgentemesmo.Aediçãodojornaldaquele1ºdemaiofoisendofeitaemetapasetodososeditoresesubeditoresficaramatéofechamentodoúltimoclichê.Assimquetivemosanotíciadaexplosão,querdizer,quandooBirasaiuparaoRiocentro,decidimospararo fechamentodaprimeirapáginaeesperarparasaberse tinhamorridoalguém.Comasprimeirasinformaçõesquetivemosdolocal,confirmandoummortoeumferido,colocamos10linhasnaprimeirapáginaerodamoso1ºclichê.Nosegundoclichêamatériajápassouateraposiçãodeumassuntodamaiorgravidade,comafotografianoaltodaprimeirapágina.OGlobododia1ºsaiucomonomedosargentomorto,quenósnãopublicamosporquenãotivemosumainformação100%seguradonossorepórter.Masessafoiumadecisãobaseadaemumcritériorigorosoque o Paulo Henrique transmitiu tactilmente a todos nós, o critério de só e publicar informaçãoconfirmada.Foiumadecisãoacertada,porqueoJornaldoBrasil,nodecorrerdacobertura,foioúnicoórgãodeimprensaquenãotevequecorrigirnenhumainformação.Nãoseisehouvealgumaorientaçãosuperior,porqueeu,comoeditordalocal,mereportoaoPauloHenriqueeele,quandoachanecessário,avisa ao Walter (Walter Fontoura, Editor) ou até ao Dr. Brito (M. F. do Nascimento Brito, vice-presidenteexecutivo).Pessoalmente,sentinapelequeaqueleeraumassuntogravedesdequeestourou.Éclaroquefiqueitensocomograudeprecisãonas informaçõesquemeeraexigidoequeeu tinhadeexigir.Mascorreu tudobem, todosseguindoa regrabásicadeobterepublicaromáximode informaçãoeapenas informação.Sabíamosquenãopodíamoslevarnenhumdesmentido,aindaqueopreçofossedeixardepublicaroqueosoutrosjornaispublicariam.Masnãonosdeixamoscairemtentação.”

HedylValleJr.morreuaos48anos,em9desetembrode1993,dederramecerebral.Eraeditor-

chefedoprogramaFantástico,daRedeGlobodeTelevisão.

Dia1º:nasbancas,aprimeiravitóriaA edição de 1º de maio de 1981 do Jornal do Brasil teve quatro clichês. A tiragem de 188 milexemplaresfoianormalparadiasdesemana.BombasemShowde1ºdeMaioFazemumMortoeraotítulodamatériade20linhascomqueojornalnoticiou,naprimeirapáginadeseuprimeiroclichê,asexplosõesdoRiocentro. Informavaquehaviamocorridoduasexplosões,ohorárioaproximado,amortedeumhomemnãoidentificado,oferimentodocapitãodoExércitoWilsonLuísChavesMachado,suaidade,seuestadograveeainternaçãonoHospitalMiguelCouto.Informavaaindateracontecidonacasadeforçaasegundaexplosão,nãoexistiremmaisvítimaseteroespetáculo,com20milassistentes,prosseguidoatéofinal.DiziatambémqueoJornaldoBrasil havia sido avisado por telefone sobre a explosão e que o Comando Delta havia assumido aresponsabilidadepeloatentado.Aprimeirapágina,neste1ºclichê,tinhacomomanchete(maiordestaquenapágina)otítuloFigueiredoPede Voto Contra a VW. A primeira era relativa a pronunciamento do Presidente da Repúblicadesvinculando oGoverno da responsabilidade pelo desemprego naVolkswagen.À direita, no alto dapágina,umafotodopresidenteemquatrocolunas.Mereceram ainda chamadas nesta primeira página, primeiro clichê, os seguintes assuntos: greve dosmédicos;grevenaFiat-RJ;conflitoChile/Argentina;promoçõesnasForçasArmadas;grevedefomedosprisioneiros do IRA na Irlanda; eleições na França. Uma foto em duas colunas, nomeio da primeirapágina, funcionava como chamada para matéria sobre perseguição da polícia civil e militar a doisladrões,quehaviaresultadoemtiroteioeinvasãoderesidênciaemBonsucesso.O primeiro clichê começou a rodar à 1h30min.A referência às explosões noRiocentro resumiu-se àchamadanaprimeirapágina.Foramrodados28milexemplares.À1h55minasmáquinaspararamparaentraro2ºclichê.AsexplosõesdoRiocentro tomaramlugardemaiordestaquenojornal:altodaprimeirapágina,chamadaemduascolunassobotítuloBombasMatamumeFeremCapitãonoShowde1ºdeMaio,comfotodocorpodosargentonoPumaatingido,emquatrocolunas, ao lado. Com a modificação, a matéria e a foto sobre o pronunciamento do Presidente daRepública“desceram”napágina,ficandologoabaixodamanchete.AfotodapolícianaperseguiçãoaassaltantesemBonsucessofoiretiradadaprimeirapágina.A página 4 foi escolhida para publicação das informações sobre as explosões noRiocentro por doismotivos: era a única logono iníciodo jornal ondehaviamatéria passível de ser substituída eonde anotíciapoderiaentrarcomdestaque;eraumapáginadedicadaaotema“trabalho”(oshowdoRiocentroeracomemorativodo1ºdemaio).AmatériasobreoRiocentrofoidiagramadanoaltodapágina4,àdireita,noespaçoqueno1ºclichêeraocupadopelamatériaTSTContrariaFiespedá100%SobreHoraExtra.Comaalteração,essanotíciasobrejulgamentodereivindicaçõesdemetalúrgicospaulistas“desceu”.FicounolugardamatériaEstudoRevelaqueSalárioMínimodoBrasilEstáEntreosmaisBaixosnaA.Latina(sobreumlevantamentodoDieese),quefoiretiradadoJornal.Estaeraaúnicamatéria“fria”dapágina–aúnicaquenãosereferiaafatosacontecidosnavésperaouacontecernodiadaedição–eque,aomesmotempo,ocupavaespaçosemelhanteaonecessárioparanotificarasexplosões.Aoutramatéria“fria”,sobotítuloPastoralAlertaSobreDesemprego(mensagemdaComissãoPastoraldoTrabalhador),ocupavaespaçoinsuficienteparaasubstituição.Napágina4,haviaaindamatériassobreasdiversasmanifestaçõesdetrabalhadoresno1ºdemaio;mensagensdeministrosepartidossobreadata:grevenaFiat;convençãodoPP;enquadramento

dePMsbaianosgrevistasnaLeideSegurançaNacionalereajustesdebenefíciosdaPrevidênciaSocial.Às21h15min,osegundoclichêcomeçouarodar,chegandoaumtotalde60milexemplares.Oterceiroclichê rodou às 2h45min, com mais 70 mil exemplares. O quarto clichê, que entrou na máquina às3h30min, rodoumais 30mil exemplares.Excepcionalmente, tambémos assinantes – que normalmenterecebem exemplares do 2º clichê – receberam até o 4º clichê. A chefia de redação convocou oencarregadodacirculaçãoeordenouoremanejamentodeexemplares.Comacréscimoprogressivodedetalhes,amatériadapágina4doJornaldoBrasil,naediçãode1ºdemaio,últimoclichê,informava:aexistênciademaisbombasalémdasquehaviamexplodido(“OPumaestava cheio de explosivos”, 2º, parágrafo); as unidades policiais no local; a violência da explosãosegundo peritos (não identificados); estado do Puma e do corpo de morto (não identificado);movimentação dos peritos, polícia, assistentes do show e seus familiares; isolamento progressivo docarroatingido.Aúltimainformaçãoeúnicacomfonteidentificadaaentrarnaedição,últimoparágrafodamatéria,eraaseguinte:“Trêstestemunhas–RosanaRodriguesGarcia,NeyFreitasdeOliveiraeFátimaKur–,queestavampróximasdolocaldaexplosão,disseramterouvidoumbarulhosurdoeemseguidaviramumhomemsairdoPumacomasmãosamparandoabarriga,todochamuscado,gritandoporsocorroe chamando pelo amigo. Policiais do DGIE, no local, admitiam que a bomba deve ter explodidorealmentedentrodoveículo.”OGloboganhouacorrida:seuúltimoclichêdaediçãode1ºdemaiode1981rodouumahoraantesdoúltimoclichêdoJornaldoBrasil.AmatériasobreasexplosõesnoRiocentroeramaioremaisdetalhada.AlémdoqueoJBnoticiou,OGloboinformava:onomeeaunidadedosargentomorto;avinculaçãodoCapitãoWilsonLuísChavesMachadoaoDOI-Codi,reveladapeloCapitãoSouzaLima,eadesativaçãono localdeuma terceirabomba,encontradanoPuma,porperitosdapolícia.OGlobopublicouaindaumabrevebiografiadocapitão,baseadaemdadosdo“AlmanaquedoExército”e,naprópriaediçãododia 1º, já repercutia a notícia, ouvindo o presidente da OAB, José Bernardo Cabral, e o DeputadoFederalWaldomiroTeixeira(PP-RJ).OprimeiroclichêdeOGloborodou(30milexemplares)umpoucomaiscedoqueoprimeiroclichêdoJornal do Brasil (1h5min) e já informava que o morto era um sargento. Bomba no Riocentro MataSargentoeFereCapitãofoiotítulodamatéria,àdireita,no“pé”daprimeirapágina.Em22linhas,asinformações:explosãodebombanoPuma,nopátiodoestacionamento, edeoutranacasade força;amorte do sargentão; sua idade; horário aproximado das explosões; interdição policial da área eprosseguimentonormaldoshow.NãohaviareferênciaaotelefonemarecebidopeloJornaldoBrasil,doComandoDelta,assumindoaresponsabilidadepelasexplosões.Aprimeirapágina,nesteprimeiroclichê, tinhadoisdestaques:FigueiredoContraaRecessãoeCerco,Tiros eBombas na Fuga de doisAssaltantes, ilustrada por foto em quatro colunas no alto da página.Também mereceram chamadas nas primeiras a greve de fome na Irlanda, elevação de preços dosautomóveis,promoçãoOperário-Padrão,eleiçõesnaFrança(comfoto),vitóriadoGrêmiosobreoSãoPaulo(comfoto),atrasodasobrasdasusinasnuclearesdeAngraIeIII,conflitoChile/Argentina(comfoto),julgamentodeRonaldWatters,suspeitodosatentadosabombaàOABeàCâmaradosVereadoresdoRio,LeidosEstrangeiroseaberturadospostosdegasolinano feriado.Naprimeirapágina,ainda,editorialsobreagrevedosmédicos.Nosegundoclichê,querodoumais70milexemplaresà1h45min,OGlobopublicava,alémdachamadanaprimeira,umapequenamatérianapágina9.No terceiroeúltimoclichêdaediçãododia1º foramrodados,às2h35min,150milexemplares,perfazendoatiragemnormaldeOGloboemdiasdesemana(250milexemplares).AssimcomonoJornaldoBrasil,oassuntopassouaserodemaiordestaquedojornal:altodaprimeira

páginaàdireita,substituindoachamadaeafotosobreocercopolicialemBonsucesso.AfotodoPumasemidestruído foi destacada por uma tarja preta com título em letras brancas: Bombas Explodem noRiocentro.Eachamadaparaamatérianapágina9tinhacomotítuloSargentoMorreeCapitãoéFeriado.Comoachamadadasexplosõesentrouexatamenteno lugardamatéria sobreocercopolicial (que foiparao“pé”dapágina,semfoto),houvemenornecessidadedemodificaçõesgráficasdoqueasfeitasnoJornaldoBrasil.Todasasoutraschamadasefotosdaprimeirapáginaforammantidasiguais.Nesteterceiroclichê,amatériadeOGlobopublicava,alémdaidentificaçãodomortocomosargento,aexistênciadeoutrabombanoPuma.Naprimeirapágina, a legendadizia: “Na foto,quandoosperitosdesativavamumasegundabombaquenãoexplodiu.”Amatériainternafoidiagramadaemtrêscolunas,29cmdealtura,napágina9,intitulada“GrandeRio”.Ficouemespaço–altodapágina,àdireita–antesocupadopormatériasobreaposentadorianaRedeFerroviáriaFederalepordoisanúncios.Osanúncios“desceram”,obrigandoàretiradadeumamatériasobre trânsito na Av. Brasil e de um “calhau” (anúncio do próprio jornal, no caso do “Classifone”,utilizado quando há “buraco”, espaço vazio, na página). Foi remanejada matéria sobre aumento deefetivosdaPMe amatéria sobre aRFF saiuda edição.Permaneceramnapágina, semalterações, asmatérias TV Globo Poderá Formar Quadros Técnicos para Rádio Nacional de Angola, Postos deGasolina Abrem Amanhã das 6 às 20h, Vacinação de Cães Recomeça Segunda e Professores TerãoDescontodeVolta.

“Adistânciaentreasucursaleaedição,destavez,nãoatrapalhou.”

Nome:DomingosMeirellesIdade:41anosTempodeprofissão:16anosFunçãoatual:repórterdasucursaldoRiodeJaneirodeOEstadodeSãoPauloExperiência profissional: Ultima Hora (estagiário, repórter); Quatro Rodas (repórter); Realidade,revista(repórter);JornaldaTarde(repórter);OGlobo(repórter);OEstadodeSãoPaulo (repórterdasucursal)doRiodeJaneiro).

DomingosMeirelles,cariocadoMéier,começouatrabalharcomovencedordemáquinasdeescrever.Sonhava,entretanto–eelegarantequeeramesmoumsonho–,emserjornalistadesdemuitocedo.Ea vocação estava presente já na primeira oportunidade de “expressão literária” que teve na vida.Domingos era então inspetor de vendas em uma metalúrgica e seus relatórios – detalhados, bemescritos–eraminvariavelmenteelogiadosporseussuperioresnafábrica.Comoosrelatóriosnãoconseguiamdarvazãoaoredator,Domingosprocurou,em1965,aredaçãodaUltimaHora.Tinhajuntadodinheirosuficienteparafazerseismesesdeestágio,aindaqueojornalnãolhepagassenada.Foiefetivadocomummêsemeiodejornalecomosegundomaiorsaláriodaredação. Prêmio por um furo, uma grande reportagem política.O título eraCastello Traiu JK e amatéria anunciava o rompimento oficial do General Olímpico Mourão Filho com a Revolução de1964,porcausadonãocumprimentodeumacordofirmadopeloPresidenteCastelloBrancocomoex-presidente Juscelino Kubitschek. Nesse acordo, o PSD se comprometia a apoiar Castello que, emtroca,secomprometiaanãocassarosdireitospolíticosdoex-presidente.Amelhormatéria,entretanto,veiomaistarde.Foiumadenúnciasobrecorrupçãoenvolvendomilitaresdo Exército paraguaio em roubo de carros brasileiros e tráfico de entorpecentes. Publicada pelaQuatroRodasem1969,amatériaapontou15carrosroubadosnoBrasileregistradosnoParaguaiemnomedeoficiaisdoExércitodaquelepaís.“Passei boa parte da noite de quinta-feira, 30 de abril, naABI (AssociaçãoBrasileira de Imprensa),participandodaeleiçãoedacontagemdevotosparaarenovaçãode1/3doConselho.Chegueiemcasalápelasduasdamanhãdodia1º.FoiquandosoubequehaviaestouradoumabombanoRiocentro.Nãodeimuitaimportância,pensandoqueeramaisumabomba,maisumadasmaisde30quejásoltaramporaí.Eujáhaviatrabalhadonacoberturadeváriasdelas,comoaquematouDonaLyda,naOAB,easqueexplodiramnaTribunadaImprensaenaGráficaAmericana.Acordeiàs8h30mindamanhãe,peloJornaldoBrasil,viqueaquelabombadoRiocentro tinhamuitacoisaportrás.Onoticiárioeracompacto,masdavaparaperceberoclaroenvolvimentodesetoresdasforças de segurança. Verifiquei que o noticiário era exíguo, porque tinha havido pouco tempo para acoberturaepelaconjunturaadversaencontradapelosrepórteres.LigueientãoparaoCunhão(AntônioCunha,chefedareportagemgeraldasucursaldoRiodeOEstadodeSãoPaulo),meoferecendoparatrabalhar,emboraestivessedefolganaqueleferiadodesexta-feira.Naverdade,atravésdaquelacobertura,eupoderiaverificarseeraverdadeiraatesedequeasbombasjogadas naTribuna da Imprensa e naGráficaAmericana foram obras de pessoas ligadas ao esquema

policial-militarouàsForçasArmadas,porumgrupocontraaaberturademocrática.Claroque,naquele feriadodepoucos repórteres.Cunhão recebeuminhaofertacomalegria: ‘Pô,vocêcaiudocéu.Euestavapensandoagoraemchamarvocê.VailánoRiocentroevêoquevocêpodeapurar.EstácorrendooboatodequeocomandantedoIExércitovaiatélá.’PegueimeucarroemedirigiparaoRiocentro que fica perto de onde moro, em Jacarepaguá. Fui pensando que aquele episódio poderiaconfirmaras suspeitasdequenosatestadosàTribunaeàGráficaAmericanahouveraparticipaçãodemilitares.Oporquêdas suspeitas?É fácildeexplicar.OatentadodaTribuna,porexemplo, foipraticadoa150metrosdaSecretariadeSegurançaPública,numaáreadasmaispoliciadasdoRiodeJaneiro.ATribunaestálocalizadaacercade200metrosda5ªDelegaciaPolicial,naAv.MemdeSá;a300metrosdo13ºBatalhão da PolíciaMilitar; a 400metros da 4ª Delegacia Policial, na Praça da República; e a 800metrosdoQGdaPolíciaMilitar,naRuaEvaristodaVeiga.Na cobertura da explosão na Gráfica Americana, observei que o atentado acontecera numa áreaigualmentebempoliciada.Ecomoseguinteagravante:depoisdeteremcolocadoabombanaportadagráfica,elespassaramnaportado5ºBatalhãodaPolíciaMilitar,localizadonaPraçadaHarmonia,e,mais adiante, passaram na porta da Superintendência da Polícia Federal, na Rua Sacadura Cabral.Passarampor fimna frente da 1ªDelegacia Policial, naPraçaMauá. Pois bem, fizeram a explosão epassaramportodosesseslugaressemseremmolestados.Sócomumacoberturamilitar–éoquesepodeimaginar–seriapossívelpraticaratentadoscomtamanhasegurança,tantonaTribunaquantonaGráficaAmericana.EupensavaemtudoissoquandochegueiaoRiocentro.CruzeicomcarrosdoJBedaTVGlobo,comosrepórteresmeavisandoquenãohaviamaissentidoficarnolocal,que“nãotinhamaisnadanolocal”.De fato, eram 11 horas damanhã do dia 1º e o pátio de estacionamento onde acontecera a explosãoestavadeserto.Nãohaviamaisocarroacidentadoououtracoisaqualquerqueindicasseàdistânciaolugarexatoondeabombatinhaexplodido.Comooestacionamentoémuitogrande,tivequedarumageralatédescobrirestilhaços,inclusivedopara-brisa,pedaçosdeborrachadasportas,restosdegorduraedecarnehumana,manchasdesangue,pedaçosdeforraçãodoPuma.Anoteitudonomeucaderninhoefuiaoserviço de segurança do Riocentro. Ali aconteceu uma coisa curiosa: como entrei muito de “sola”,falandogrosso,osegurançapensouqueeufosseumdosmuitosmilitaresàpaisanaqueestiveramdenoiteeduranteamadrugadanolocaldaexplosão.Estavadecalça“Lee”,camisaesporteeessaminhabolsapretaatiracolo.ComoentreiperguntandopeloTenenteCezarWalchulck,responsávelpelasegurança,ocaramelevoulogoparaasaladele.Aíeufizduas ou três perguntas ao tenente sobre uma coisa que havia me chamado a atenção: a ausência depoliciamentodaPMnasáreasdaconcentração, inclusiveporqueosperitospoderiamquerervoltaraolocalparareexaminartudo.Acontecequeo tenente se confundiu, pensandoque eume referia à noite anterior.E abriuo jogo,meinformando que a Polícia, apesar de requisitada, não aparecera no Riocentro para proteger aconcentraçãodemaisde20miljovens.Eunoteiqueestavapegandoumainformaçãobásicadetodaacoberturaquandootenentemedissemaisoumenos o seguinte: ‘Pois, elesmedeixaramnamão.Eu perdi 70 homens e não veio ninguém.Meupessoaltevequesevirarsozinho.’Nesseponto,otenenteinterrompeuafalaeperguntouquemeuera.Comoeudissequeerajornalista,eledisse que queria saber direitinho quem eu era. ‘Você não pode sair daqui de dentro – afirmou ele,colocandoamãonorevólverpenduradonacintura.Euqueroasuacredencial.’Aímostreiacarteirado jornalepediqueeleexibisseascredenciaisdele.Eveioa resposta: ‘Porra,

vejaláoquevocêvaipublicar.’Eapartirdessemomento,otenenteresolveuseabri.EledissequenãosabiaporqueaPMnãohaviacomparecidoaoRiocentro.Eatépediudesculpasporestarmuitonervoso.Perguntei,então,seopessoaldelehaviaefetuadoalgumaprisão.Elerespondeuquenão:quenahoraopessoal dele identificou algumas pessoas. As informações do tenente não foram adiante, mas outroshomensqueestavamdeserviçonoRiocentronaquelanoiteconfirmaramque,noestacionamento,diversaspessoashaviamsidoidentificadascomomilitares.Fui, assim, surpreendido com a revelação de que a segurança do Riocentro havia mobilizado osocupantes de vários carros que tentaram deixar o local apressadamente após a explosão e que seidentificaramcomo“gentedecasa”,exibindocarteirinhasdoMinistériodoExército.Issoconfirmavaasuspeitadeque,numaoperaçãodaquelanatureza–mesmoadmitindoahipótesedequesetratavadeumamissãodeinformações–,oCapitãoWilsoneoSargentoRosárionãoestavamsozinhos.Em toda essa história daminha estada no Riocentro, só não desvendei omistério. Num determinadomomento,viumvultodemulhernopátiodoestacionamento.Fuientãoàguaritaepergunteiaoguardaseelahaviaseidentificado.Sim,deraonúmerodeElizabetedaSilvaMota.Aquelevultodemulher,numlocaldeserto,chamouaminhaatenção.Pegueimeucarroefuiatélá.Viqueelachoravamuitoepermaneciaimóvel,posiçãomarcial,olhardistante.Chegandomaispertoverifiqueiqueagoladoseumacacãoverdeestavaensopadadelágrimas.Aítravou-seumdiálogomeioabsurdo,muito estranho. Perguntei se ela era mulher do sargento Magno da Silva Mota (nome que ela haviafornecido na guarita) e se ela havia se ferido também. Ela disse que não podia responder. Então,pergunteiarazãodesuapresençaali.Eladissequetambémnãopodiaresponder.Aíeupergunteiseelaeraparentaouamigadocapitãooudosargento.Eladissequeconheciaocapitão.Nessemomento,elaolhouparamimpelaprimeiravezeperguntouquemeuera.Nãorespondi,fazendooutrapergunta:seomaridodelatinhasidovítimadealgumacidentecomoaqueleemoutraoperação.Denovoelaperguntouquemeuera.Eeuentão respondi: sou jornalista.Elanão faloumaisnadae foi retiradado localpeloTenenteCezarWalchulck,quedisseterrecebidoordenssuperioresparalevá-laemcasa.Epediuqueeunãoosseguisse.Masnãoobedeci.Fuiatrásdeles,masosperdinumsinalnasimediaçõesdaPraçadaTaquara,emJacarepaguá.Fuiparaojornal.OaproveitamentodasminhasmatériassobreasbombasdoRiocentrofoiquasetotal.Ojornal percebeu a importância da cobertura e abri espaço para o noticiário. Dos fatos que levanteinaquelasexta-feira,osmaisimportantesparaoprosseguimentodacoberturaforamadescobertadequeaPM, embora solicitada, não comparecera ao Riocentro na noite anterior e a constatação de que, nomomentoque se seguiu à explosãoquematouo sargento, haviano estacionamentooutrosmilitares doExército,alémdasduasvítimasdaexplosão.A distância entre a sucursal e a edição do jornal, lá em São Paulo, desta vez não atrapalhou omeumaterial.Claroqueotrabalhonumasucursaltemadesvantagemdainexistênciadecontatopessoalentreosrepórtereseosresponsáveisdiretospelaediçãodojornal.Paraosque,emSãoPaulo,fechamojornaldiariamente, a grande quantidade dematérias vindas de todas as partes às vezes trás dificuldades deseleção.MasnacoberturadoRiocentro,oseditoresdo‘Estadão’compreenderamaomesmotemponasucursalqueasexplosõestinhamprofundosentidopolíticoeeramumainquietantemanifestaçãocontraoprocessodeaberturademocráticadesejadoportodaaNação.”

DomingosMeirellestrabalhoudepoisdocasoduranteonzeanosnoprogramaGloboRepórtere,em1999,continuavatrabalhandonaRedeGlobodeTelevisão.Éautordolivro“AsNoitesdasGrandesFogueiras–umahistóriadaColunaPrestes”,premiadopelaBienaldeSãoPaulocomoJabuti,comoomelhorlivrodereportagensde1996.AtualmenteéapresentadornaRedeRecorddeTV.

“Nanossahistória recente,o casoRiocentro foiumdosmomentosmais exuberantesdo jornalismoinvestigativo.Aimprensasesuperaemcircunstânciasdramáticas,naquelaépoca,aindaexistiaumacensuranosjornais.Foi realmenteo trabalho solitáriodeumeoutro repórterqueacabouse somandoe impedindoqueestecasotivesseapenasaversãooficial.Osrepórteressesuperaram.Osentimentodeindignaçãofoitãogrande,quepermeoutodaaclassejornalísticaaeacabouprovocandosurpresas.Repórteresquenão tinhamexpressãopolítica nas se oferecendoparaparticipar daapuração.Oquehouve foi umsentimentogeneralizadode revolta e indignaçãoqueatingiu todaa categoriaprofissional, desdeomais obscuro repórter até o fotógrafo mais despreocupado. Formou-se um contingente interessadofundamentalmenteemapurarepublicaraverdade.Aquelalínguadefogoincendiouasredações.Quantoàversãooficial,nãosepodiaesperardeumaditaduracomaquela feiçãoumoutro tipoderesultado.OExércitonão iriaassumiraculpa.Masoquemedeixouextremamente indignado foiafarsa,adesfaçatez.Umaversãoquenãoresistiaanenhumaanálisecrítica.Eucontinueideolho,durantetodosestesanos.Sozinho,fizmuitasinvestigações,perguntas,ejáseicomofoifeitaabomba,ondeabombafoimontada.Vouescreverumlivrosobreasminhasreportagensevoudedicarumcapítuloaestetema.Considero fantástico tersidoreabertoocaso.Éumapáginaqueprecisavaserpassadaa limpoeoExército deveria aceitar esta revisão semnenhuma resistência.Quanto à imprensa, eu lamentoquehojepresenciemosavassalagemeoservilismo,quemeenvergonhamcomojornalista.Écomoseeuvivesse emoutropaís.Os jornalistasperderamacapacidadede se indignar ea imprensavirouumgrande armazém de secos e molhados, como diria o Millôr Fernandes. É uma imprensa bastantediferentedaqueladosanos80.”DomingosMeirellesOutubrode1999

“Deuumagrandeangústia,porquetínhamosmuitopoucotempoparaapurarosfatos.”

Nome:ZuenirVenturaIdade:50anosTempodeprofissão:24anosFunçãoAtual:ChefederedaçãodasucursaldoRiodeJaneirodeVejaExperiênciaProfissional:Tribuna da Imprensa (arquivista, repórter, secretário de redação, chefe deredação);CorreiodaManhã(redatorinternacional);DiárioCarioca(diretorderedação);FatoseFotos(diretorderedação);OCruzeiro(chefederedação);Visão(chefederedação);Veja(chefederedação);EscolaSuperiordeDesenhoIndustrialePós-graduaçãodaEscoladeComunicaçãodaUFRJ(professor).

Correspondente da Tribuna da Imprensa na França, em 1961, Zuenir Ventura diz que ainda podesentir hoje o cheiro de pólvora e sangue dos atentados que viu cometidos naquele país pela OAS(OrganizaçãodoExércitoSecreto),contráriaàindependênciadaArgélia.“LánoRiocentro,diz,eutiveumpoucoessasensaçãodesagradável,essalembrançadecenasquememarcaramtanto,quepossoainda,20anosdepois,sentirseucheiro,umcheirodemorte.”Acenaqueficou marcada é a de uma noite em que saiu correndo da Casa do Brasil, onde morava, na CitéUniversitairedeParis,paraencontrarummontedeferida,“umbanhodesangue”,numlocalondeosdireitistasdaOAShaviamcometidoumatentado.“Aquela época era uma época de atentados. Às vezes estávamos num cinema e de repente vinha aordem de evacuação. As bombas eram de plásticos, colavam-se às pessoas. Quando fui a Eviens,cobrir a assinatura do acordo que finalmente tornaria a Argélia independente, acabei cobrindotambémoassassinatodoprefeitodacidade:umamanhã,eleabriuajaneladosfundosdesuacasaefoidilaceradoporumabomba,umpacotepequeno,quetinhasidocolocadoali.”AntesdevoltaraoBrasilZueniraindacobriria,em1961,ohistóricoencontroentreKruscheveJohnKennedy,emViena.Aqui,elesemprefoiumjornalistamaisligadoàedição,dentrodasredações,doque à reportagem. Mas, nas boas lembranças, dois trabalhos de repórter: a entrevista que lheconcedeu,em1980,opoetaCarlosDrummonddeAndrade,normalmenteavessoafalardesipróprioajornalistas,eaque,em1979,fezcomoCapitãoSérgio,trazendodenovoàtonaoCasoPara-sar,10anosdepois.Zuenirteveaideiadelevantarocasoaindaantesdadecretaçãodaanistia,depoisqueoGeneralPeriBevilácquamanifestou-se favorável à reintegração do capitão, punido com afastamento quando serecusouapôrempráticaumatentado,planejadopeloBrigadeiroBurnier,quedepoisseriaatribuídoaoscomunistas.“Ocapitãonãofoireintegrado–lembraZuenir–eprovavelmentenãovaiser.Masolevantamentoteveoméritodelevaroassuntoaoconhecimentodasgeraçõesmaisjovens.”“AVejatemdoisfechamentos,umnaquinta-feiraeoutronasexta.Tínhamosacabadodefecharapartedequintae íamossairpara jantar–Ancelmo,Xexéo,Terezinha (repórteres)eeu–quandoouvimospelatelevisãoaprimeiranotíciasobreaexplosão.LigueiparaofotógrafoefomostodosimediatamenteparaoRiocentro.Chegamosláporvoltadameia-noite,esperandoencontrarumagrandeconfusão,algoassimcomouma

catástrofe,comtrânsitocongestionado,tumulto,muitasmortes.Masolocalestavatranquilo.Pareciaquehaviadoisambientes:deumlado,oshowcomendosoltoedistante;dooutrolado,umaconcentraçãodegenteemtornodocarrodanificado.HaviaumcordãodeisolamentocomaPMemvoltaeficamosconversandocomumsoldado,perguntandosepodíamoschegarmaispertoeeledizendoquenãodava.Eleapenasdescreveuocadáverdosargento–‘ocaraestátodoarrebentado’–emostrouumacenahorrível–‘olhaláocachorrolambendoosdedosdele’Ficamosrondandoolocal,sem,conseguirnosaproximar,ehouveummomentoemqueumjovemtruculentocomumametralhadoranamãonosdisse:‘Setiraremfotografiaseutiroofilmedevocês.’Continuamosemvolta,falandocomoscolegas,eaprimeirapessoaquenosinformouqueoscaraserammilitaresfoioBitadoJB.Antesdesaberqueerammilitares,eutinhaatécomentadocomoAncelmo:‘Vaiverqueforamdoisgarotosquenãotinhamnadaavercompolíticaesaíramarrebentados.’Mesmocomainformaçãodequeerammilitares,nãolevanteilogoapossibilidadedasbombasestaremcomeles.Até que um colega, nãome lembro bem qual, comentou: ‘Porra, Zuenir, e agora?’ E eu perguntei: ‘Eagoraoquê?’Eelefalou:‘Umcapitãoeumsargento.’Aímeveiopelaprimeiravez,derepente,aideiadequeelespoderiamestarcarregandoasbombas.Depois todomundoqueestavapresentecomeçoualigarosfatos,mesmoporqueosprimeirosindícioslevaramaumasériedesuspeitas.SaícomoAncelmo,e fomosparaoMiguelCouto tentarverocapitão.XexéoeTerezinha ficaramnoRiocentroatédemanhã.Nohospital,sóumameninadoJBconseguiuchegaratéo2ºandar,dizendoquehavia atropeladoalguém.O rostodopessoalda imprensaestavaali embaixo,naportariadohospital,quandootelefonetocou.Eraumapessoaquerendofalarcomalguémdafamíliadocapitão.Euatendiotelefoneeperguntei:‘Comquemvocêquerfalar?Quersabernotíciasdocapitão?’Eumhomemdooutroladorespondeu:‘Nãoquerofalarcomumapessoadafamília.’Eupedionomedeleparapoderchamaralguémeelemedeu:AloysioBotelhoChavesMaia,ouMaiaChaves,nãolembrobem.Fuiatéosegundoandar.Láhaviaumgrupo–duassenhorasedoisoutrêshomens–eeudisseaelesquelá embaixo havia um telefonema para alguém da família do capitão. Aí veio amãe dele. Comecei aconversarcomela,pergunteicomoeleestavaeela respondeu: ‘Nãosei,eles (osmédicos)nãodizemnada.’ Eu perguntei: ‘Mas como é que isso foi acontecer?’ Então veio quase correndo um jovem deóculos,quedisseparaamãedocapitão:‘Podedeixarqueeudesço.Láembaixotemmuitojornalista.’No elevador eleme disse que era primo do capitão, só isso.Aí ficou claro que alguém sabia que afamíliadoCapitãoWilsondeviaevitaraimprensa.Fiquei no hospital até 4 horas da manhã. Depois não havia mais informações a colher.Me deu umagrandeangústia,porquetínhamosmuitopoucotempoparaapurarosfatos,jáqueeraprecisomontartodaareportagem,reverosdados,colhernovasinformaçõesemmenosde24horas,porquearevistafechariatudonaquelasexta-feira,irremediavelmente.Foimuitotrabalhoexigiumuitodenós,masvaleu.A imprensa desempenhou um papel muito importante no Caso Riocentro. Deu uma grande prova dematuridade.Foiaimprensaqueinvestigourealmenteoatentado,prestandoumgrandeserviçoàopiniãopública.Claroquehouveerros,comonosconcentramosdemasiadonaapuraçãodaexistênciadeoutrasbombasnocarro.Comosenãobastasseaexplosãodaprimeira!Mashouveumesforçoparaevitarpreconceitoseprevenções e acho até que dissemosmuitomenos do que acreditávamos por falta demaiores provas,emborativesseficadoclaroquehouveumacidentedetrabalho.Como não houve censura, qualquer informação foi muito bem pesada por toda a imprensa. É comoalguémqueganhaautonomiaesabequetemqueadministrá-labem.Ocuidadoaumentou,paraquenãofossecometidonenhumdeslize,nenhumaleviandade.”

Zuenir Ventura saiu da Veja para a revista Isto É. Trabalhou em seguida no Jornal do Brasil,reformandoaRevistadeDomingo,editandooCadernoBecriandooCadernoIdeias.Éautordoslivros“1968,oanoquenãoterminou”(NovaFronteira),"CidadePartida"(CiadasLetras),“Inveja–MalSecreto”e“Crônicasdeumfimdeséculo”(Objetiva).ÉcolunistadeOGlobo.

“Anossa importância no acontecimento foi termos sido o que devemos ser sempre: testemunhas denosso tempo. Não sei se naquela madrugada tive consciência de que estava de alguma maneiravivendoummomentohistórico.Talveznão,masalgumacoisamedizia,meiopor intuição,meioporfeeling,queaquelefracasso,tãocarregadodesimbologia,tãocheiodesignificações,quetraziaemsiaprópriapunição,matandoumcriminosoeferindoooutro,eraofracassodomal,eraumestertor,umestrebuchardoterrorismo,umsinaldequeocrime,pelomenosaquelecrime,nãocompensava.Quantoà reaberturadocaso,oquemais importaameuver, nãoénemmesmoa reparação,muitomenosapossívelvingançaoumesmoaJustiça,tãotardia,masoexemplo,alição.Numpaísemqueseconfundemanistiaeamnésia,perdãoeesquecimento,coisastãodiferentes,ébomsaberqueagenteestáapreendendoanãoesquecer.Perdoarsim,esquecernuncamais.Aolongodestes18anos,omaisimportantetalvezfoiterviradorepórter,invertendo,comodisseumcolega,apirâmide:comeceieditore,velho,vireirepórter.Comorepórter,fizasérie‘OAcredeChicoMendes’,em89,quemedeuoPrêmioEssodeReportagemeoPrêmioWladmirHerzog.Emtodasasfunções,mesmonascrônicas,nãodeixonuncadeserrepórter,queéumpoucodaquiloqueestávamosfazendo lá naquela madrugada: o corpo a corpo com o acontecimento, o mergulho na sujeira darealidade, a emoção do instante. Talvez por isso, mesmo tendo escrito pouco sobre a Bomba doRiocentro – orientei e reescrevimais do que escrevi –, o acontecimento foi tãomarcante naminhavida,comoprofissionalecidadão.”ZuenirVenturaOutubrode1999

ParteIISuíte:odiaadia

Tudoqueforapuradoserádivulgado–Alô,16ª–ODelegadoPetrônio,porfavor.–Elenãoestá.–Porfavor,quemestáfalandoaquiéoWilsonSayão.Estounotelefone254-0401.VocêpeçaaoPetrônioparameligarassimqueelechegar.Obrigado.Menosde15minutosdepois,oDelegadoPetrônioRomanoHenrique,titularda16ªDelegaciaPolicial,BarradaTijuca,respondiaaorecado.Sóquequemoatendeuno254-0401,naquelanoitedesexta-feira,1ºdemaio,nãofoiWilsonSayão,assessordeimprensadoSecretáriodeSegurançadoEstadodoRiodeJaneiro.Foio repórterUbirajaraMouraRoulien,na redaçãodoJornaldoBrasil.OmesmoquehaviaconversadocomoDelegadoPetrônio,porvoltadas3horasdamadrugadadodia30deabril,aindanoestacionamentodoRiocentro,deleouvindoexplicaçõessobreaexistênciademaisumabombadentrodoPumaavariadoedesuadesativaçãopeloDGIE.Àscincoemeiadamanhãdodia1ºdemaio,vindodiretodoRiocentroparaaredação,Ubirajarahaviaescrito uma amplamatéria, com tudo que havia apurado no local da explosão.Era umamatéria a serpublicada na edição de sábado. Bira preferiu escrevê-la logo, porque, naquela sexta-feira, estaria deplantão: começava a trabalhar à meia-noite, hora em que o jornal de sábado já estaria fechado. Eramelhorredigiroquetinhaàquelahora,mesmocansadodanoiteemclarodoqueterquevoltaraojornalantesdeseuhorárioparaentregaramatériaatempo.MasBira acabou tendoque chegarmais cedo: por volta das 19horas foi chamado emcasa para ir àredação, tentar, entreas fotos tiradasno local, identificaroperitoque lhehaviaasseguradoexistirnoPumamaisumabombaalémdaquehaviaexplodido.Eelereconheceu,emumadasfotos,ohomemdecabelosgrisalhos,pranchetanamão,comquehaviaconversadonamadrugadaanterior(diasmaistarde,estehomemseriareconhecidopelosjornalistascomoHumbertoGuimarães–oTatá–detetive-inspetordoDPPS).Amatériaescritaàscincoemeiaestavasendoeditada.Oeditorlocal(HedylValleJr.)pediuqueBiratelefonasseaoDelegadoPetrônioparaconfirmarainformaçãodeumasegundabombanocarro.“Queríamos saber se o delegado confirmava suas informações da véspera.Para nós estava em jogo acredibilidade do jornal.Não foi, de jeito nenhum, umadesconfiança do repórter.Ao contrário.Haviapelomenosuma entrevista de autoridade– a do secretário deSegurançadoEstado,GeneralMuniz–negandoa existênciademaisumabombanoPuma.Nós tínhamospublicadoa informaçãonavéspera,baseados no testemunho do nosso repórter. Queríamos poder botar a cara de um sujeito e por issoprocuramos reconheceroperitonas fotos.Equeríamos saberoqueestava sepassandocomasoutraspessoas que falaram sobre a bomba na hora. Aí procuramos o delegado. Se fosse desconfiança dorepórter,teriamandadooutrapessoatelefonarenãoopróprioBira.”(HedylValleJr.)

–Alô.–Alô,Sayão?–Alô,Dr.Petrônio.QuemestáfalandoéoUbirajaraMoura,doJornaldoBrasil.–MasUbirajara,oqueéisso?VocênãoprecisavadizerqueeraoSayãoparafalarcomigo.–Dr.Petrônio,euestouquerendoqueosenhormedêmaisalgunsdetalhessobreaquelaoutrabombaque

osenhordissequeestavanoPumaefoiarrecadadapeloDGIE.–Peraí.Eunãodissequetinhasidoarrecadadaumabomba.Eudissequetinhaouvidodizerquetinhasidoarrecadadaumabomba.–Mas,Dr. Petrônio, umpolicial da sua delegacia, que estava no seu carro, abriu a janela para falarcomigoeconfirmou,nasuafrente,oqueosenhortinhaacabadodemedizer.–Eunãomelembro.“Jornal tem esses negócios. Eu já estava sabendo que ele ia negar. Policial geralmente tem ummedolouco de perder a sua delegacia. Mas era minha obrigação tentar. E eu ia usar de todos os meiospossíveisparafalarcomoPetrônioàquelanoite.”(UbirajaraMouraRoulien)

Amatéria deUbirajara tevepor títuloDelegado ePeritoConfirmamOutraBombanoPuma e foi amaior sobre o assunto na edição de sábado, 2 demaio.Todas as informações apuradas pelo repórterconstaramdotextofinaleditadosemcortes.AcontradiçãodoDelegadoPetrônioestavapresente.Noaltodapágina8, amatéria começa assim: “Foramduas as bombasque explodiramquinta-feira à noite noRiocentro–umadentrodoPumaOT0297,napista5doestacionamento,eoutrapertodacasadeforça.AexplosãodabombanocarrocausouamortedoSargentodoExércitoGuilhermeWilsonLuísRosárioeferimentosgravesnocapitãodoExércitoWilsonLuísChavesMachado,de33anos.Umaterceirabomba,quenãoexplodiu,foirecolhidapelapolícianoautomóveldestruído,segundoinformaçãodeumtécnicoemexplosivosdoDPPS,umhomemdeestaturamediana(cercade1,70m),cabelosgrisalhos,moreno,usandoóculos,quetinhaumapranchetanamãoepareciachefiarogrupodepoliciais.Odelegadoda16ªDelegacia,PetrônioRomanoHenrique,informaranamadrugadadeontemquehaviasidorecolhidaumabomba no Puma. Explicou não ter visto a bomba,mas afirmou que o artefato havia sido levado peloDGIE.Ànoite,porém,eledesmentiuestainformação.Depoisdedesativada,essaúltimabobafoilevada,num carro do Departamento Geral de Investigações Especiais, para a divisão de Explosivos daDelegaciadePolíciaPolíticaeSocialedaliparaoInstitutodaCriminalísticaCarlosÉboli.”Esteéumexemplodecomosecomportaramos jornaiseos jornalistasdepoisda“grandecorrida”danoitede30deabril,diaadia,noacompanhamentododesenrolardoCasoRiocentro.Dasdireçõespartiua ordem: só publicar informações apuradas com segurança pelos repórteres e publicar todas asinformaçõesapuradas.OrelatodosquehaviampassadoamadrugadanoRiocentroestavaescrito,naquelasexta-feira,antesqueosoutrosrepórteresvoltassemàsredaçõescomasmatérias“obrigatórias”dodia:acoberturadoenterrodoSargentoGuilhermePereiradoRosário,informaçõessobreoestadodesaúdedoCapitãoWilsonLuísChavesMachadoeasrepercussõesjuntoaautoridadespolíticasemilitares.O confronto de todo o material trouxe contradições flagrantes, de que a existência ou não de maisexplosivos no Puma é apenas uma parte. Os jornais, tanto O Globo quanto o Jornal do Brasil,publicaram, integralmente, informações colhidas em reportagens e declarações. Foram retiradas, emambososjornais,asmatériasfeitaspelosrepórteresqueestiveramnolocaldasexplosões:oquehaviasidopublicadonaediçãodesexta-feira,1ºdemaio,foiratificadoemmaiorespaçoecommaisdetalhes.“Opesoqueaimprensateveeestátendonestecasoémuitogrande,pordoismotivos.Emprimeirolugar,temosquelevaremcontaascircunstânciasemqueofatosedeu,asprópriascondiçõesdetrabalho.Querdizer, a coisa ter se dado emcimadeum fimde semanaprolongado, onde todas as coisas quasequedeixamdeacontecer,porquenadafunciona,tambémpesou.Seaimprensanãotivessedadoacoberturaquedeu,domodoquedeu–eoqueémaisimportante–,sem,emnenhummomento,tersedesviadoparaum outro lado, acho que as coisas todas seriam diferentes. Talvez a apuração do fato fosse mais

complicada se as explosões tivessem acontecido numa segunda-feira, quando a vida toda volta aonormal.Emsegundolugar,temosquelembrarqueotrabalhodosrepórteresfoiumnegóciofundamentalnessacobertura.Tevegentequetrabalhoumaisde12horasasseguidasedepoisaindaficavaesperandoatésaiudaredaçãocomojornalprontoonamão.Eoquemaismeimpressionou,alémdadisposição,foiasensibilidadedetodosparaaresponsabilidadedotrabalhoqueestavamfazendo.Todaaimprensasecomportouàalturade suas responsabilidades,masaquelaediçãodesábadodoJornaldoBrasil éumexemplodejornalismo.”(LuizMárioGazaneo)

Realmente, embora a edição de sábado, 2 de maio de 1981, de O Globo contivesse basicamente asmesmasinformaçõesqueadoJornaldoBrasil,foioleitordoJBquepôdemelhorperceberqueeraumacontecimento gravíssimo as explosões no Riocentro. A declaração exclusiva doministro da Justiça,IbrahimAbi-Ackel,esuatransformaçãoemmanchetedojornal(Abi-AckelDizqueBombaExplodiunoGoverno,publicadanoaltodaprimeirapágina)foiumvalordepeso.Masadecisãodededicartodaaprimeira página do jornal ao assunto também era um indício do grau de sua importância e tinha umsignificadoexato:nadamais,detãoimportante,estavaacontecendonopaísounomundoquemerecessedividircomasrepercussõesdasexplosõesoespaçodemaiorimpactodojornal.“OAbi-AckelfalouemBeloHorizonte,deuumaentrevistacoletiva,sexta-feiraàtarde,efezantes,emBrasília,algumasdeclaraçõesemoff(declaraçãoprestadasobcompromissodenãoidentificação,pelojornal,dodeclarante).EraoministrodaJustiçadizendo:‘AbombaexplodiunoPlanalto.’Nãoeraumainformaçãooff,queojornalpodeounãopublicar,dependendodequeméafonte.Eraaavaliaçãodeumministrosobreumassuntograve.Enósachamosquenãopodíamospublicarumacoisadessetipoemoff.Só restavam duas saídas: não publicar a declaração ou desrespeitar o off. OGlobo preferiu não darnada.”(MiltonCoelhodaGraça)

Na primeira página deOGlobo, edição de sábado, 2 de maio de 1981, as explosões no Riocentroocupavamtodaametadesuperior.Noaltodapágina,duasfotos(enterrodoSargentoGuilhermePereiradoRosário,eGeneralWaldyrMuniz,secretáriodeSegurançadoEstadodoRio)eamancheteGeneralMarcondesPrometeDivulgarTudoqueforApurado–IExércitoInvestigaBombasnoRiocentro.Logoabaixo, duas chamadas menores: Abi-Ackel: abertura Política Nada Sofrerá e Muniz: MilitaresApuravamDenúncia.Haviamaisoitochamadasnaprimeirapáginaeumeditorial:ATragédiaIrlandesa.EmOGlobo,aentrevistacomoministrodaJustiça,comretrancadeBeloHorizonte,foipublicadanapágina6.Empequenoentretítulo(AberturaContinua),declaraçõesdeleemBrasíliasobreacontinuidadedo processo de abertura democrática do país. No Jornal do Brasil, com retranca de Brasília, asdeclaraçõesdoministroganharamo altodapágina9:Abi-AckelDizqueBombaExplodiuDentrodoGovernoeraotítuloparaamatéria:‘EstabombaexplodiudentrodoGoverno’–afirmouoministrodaJustiça, Ibrahim Abi-Ackel, depois de repudiar as explosões ocorridas no Riocentro. “Se os autoresconseguiram tisnar com um acontecimento lutuoso uma festa universal como oDia do Trabalho, seusefeitosforamnulosnoquedizrespeitoaoprocessodeaberturademocrática.”“TínhamosduasmatériasdoAbi-Ackelnessaedição.Oqueeledisseentreaspasestavanamatériadoaltodapágina,aoladodafotodele.RecebemosamatériaondasucursaldeBrasíliaeoAbi-Ackelnãodesmentiunada.Agora,oqueelefalouemoffficouemoff.”(HedylValleJr.)

Logo abaixoda entrevista, oJornal doBrasilpublicou umamatéria em off, também com retranca deBrasília.AfonterevelavaasreaçõesàsexplosõesporpartedoAlto-ComandoMilitar.SobotítuloNoComando,ConstrangidaSurpresa,amatériadizia:“OAlto-ComandoMilitarrecebeucom‘constrangidasurpresa’as informaçõesbastanteminuciosaseprecisas sobreoatentadoabombadanoitedequinta-feira no Rio. Uma fonte do Palácio do Planalto, que por deveres da função manteve contatos comdiversaspessoasdurantetodoodia,depôssobreaperplexidadedoscomandosmilitaresdiantedoqueseafiguraumaevidencia:asbombasdoterrorismo,aomenosnesteepisódio,estavamsendocolocadasporumcapitãoeumsargentodoserviçodeinformaçõesdoExército.Esta sempre foi uma hipótese considerada inviável. Nas especulações de alto-nível, os militaresadmitiam que na periferia do sistema alguns inconformados, ligados a organizações clandestinas,participassemdeaçõesviolentas.Mas,para repetir a fraseouvidadeumministro, ‘abombaestouroudebaixodanossacama’.Opasmo,portanto,sejustificacomarevelaçãodequeoterrorismodedireitaconquistariamilitantesnosnúcleosdosistema,naprópriaorganizaçãomilitarenosseusdepartamentosmaissubmetidosàvigilânciaecontrole.”Amatériarelacionavaalgunsbenefíciosque,deacordocomosmilitaresouvidospelafontedoPaláciodo Planalto, poderiam ser recolhidos do episódio: “O maior deles é que se poderá puxar o fio dameada.” Outro seria um intervalo de tranquilidade, “pois pilhado em flagrante, o núcleo seráimplacavelmente punido e desativado”. Depois de afirmar que “talvez a necessidade de aguardar asaparênciasretardeumamedidaque,hoje,pareciamuitoprovávelemesmoinevitável:adesativaçãodosCODIs,amédioprazo”,amatériaconcluía:“AbombaabalouoGovernoestragandocomoferiado.Eterá consequências.OGoverno não vai fingir que não foi atingido.Mas agirá com a plena noção daresponsabilidadeedadelicadezadeumfatocapazdeabalarosseusfundamentoseseuprojetopolítico.”Aforaessadiferençaentreasmatériaspolíticas,onoticiáriointernodosdoisjornaiserabemsemelhante.Alémdasrepercussõesjuntoaparlamentares,àIgrejaeaministrosmilitares(ExércitoeAeronáutica),publicaram amplas entrevistas do Comandante do I Exército, General Gentil Marcondes Filho, e dosecretáriodeSegurançadoEstadodoRiodeJaneiro,GeneralWaldyrMuniz.Asentrevistas,nosdoisjornais,foramemestilo“pergunta-resposta”–usadosemprequeosjornaisqueremreproduzircomummáximodeobjetividadeeummínimodeencontroasmatériasapuradasnaantevésperapelosrepórteres.EmOGlobo,asinformaçõesapuradasnanoitedodia30deabrilde1981ocuparamquasetodaapágina,7 onde havia ainda uma pesquisa: AsOutras Bombas, Desde aAnistia, relatando todos os atentadosocorridosnopaísdesdesetembrode1979.AmatériaprincipaldapáginatinhaotítuloPolíciaApreendeduasBombas-RelógionoPumaecomeçavaassim:“ODepartamentodePolíciaPolíticaeSocial(DPPS)apreendeu dentro do Puma duas bombas-relógio, de médio teor explosivo, mas com grande poderofensivo, e uma delas chegou a ser desativada por peritos do próprio local da explosão.”Amatériarelatavacomdetalhesoestadodocarroatingido,aaçãodapolíciaedaperícianolocal;einformavaquea placa do carro era fria: “Na traseira doPumahavia indício claros de que o lacre da plaqueta foraviolado. Esse indício foi confirmado no HospitalMiguel Couto pelo Capitão Souza Lima, amigo dooficialferido.Aochegaraohospital,acompanhadodamãeedeumairmãdocolega,oCapitãoSouzaLima,julgandoestarfalandocomumpolicial–naverdadeeraumrepórter–,respondeu,quandolhefoiperguntadoseocarroeradooficialferidonaexplosão:–Nãoera,não.ExistemmuitoscarroscomplacafrialánoDOI.”Ao lado,napágina6,a íntegradasentrevistas.OGeneralGentilMarcondesFilho falouduasvezesàimprensa:noHospitalMiguelCouto,ondefoivisitaroCapitãoWilson,enocemitériodeIrajá,poucoantes do sepultamento do Sargento Guilherme. Na primeira entrevista, o Comandante do I Exércitorespondeuàsseguintesperguntas(contradizendoinformaçõespublicadasnamesmaediçãodosjornais):

–OCapitãoWilsonMachadoestavaaserviçodoIExército?Eoqueeleestavafazendolá,exatamente,quandoexplodiuabomba?–Sim.EleestavaaserviçodoIExército.MaisprecisamenteaserviçodoServiçodeInformações.–ElepertenceaosquadrosdoDOI-Codi?–Talvez.Possivelmente,mascomcertezadentrodoServiçodeInformações.–Eabombaexplodiudentrodocarrodele?–Foiumatentadolamentável,nãoé?Nãoseiseintencionaloucircunstancial.Masofatoéqueexplodiu.–Elenãoestariacomoexplosivodentrodocarro?Haviaumenvolvimentodeleedosargentonoatoemsi?–Issoémuitoprematuroeeunãopossoafirmar.–Masosenhordescartariaessahipótese?–Agentenãodescartahipótesenenhumaatéconfirmarumacoisaououtra.Masachoumahipótesemuitovaga.–Masforamencontradasduasoutrasbombasdentrodocarro.–Não.Sófoiencontradaumabombanocarro.Aqueexplodiu.No cemitério, o General Gentil reiterou suas respostas a perguntas semelhantes e respondeu ainda àseguinte:–Osenhor repudia todasasacusaçõesquedizemquepessoasdoExércitopoderiamestar envolvidasnessetipodecoisa?– É óbvio, é óbvio. Ninguém vai sematar por... (não completou e sorriu). Ninguém vai se levar aosuicídionumcasodesse,nãoé?Pessoasquenormalmenteconhecemexplosivos.(OGlobo,página6,ediçãodesábado2/5/81.)

AsmesmasentrevistasforampublicadasnoJornaldoBrasil,ediçãodomesmodia,página7.Nosdois jornais, tambémaentrevistado secretáriodeSegurançadoRio,GeneralWaldyrMuniz.ElenegouaexistênciadeoutrasbombasnoPuma,fornecendoumaexplicaçãobastantedetalhadasobreoqueteriaacontecidonoRiocentro:“OsecretáriodeSegurança,GeneralWaldyrMuniz, informounoiniciodanoitedeontemque‘osdoismilitaresdoExércitoestavamaserviçodoRiocentroquandoumabombaexplodiudentrodoPumadoCapitãoWílsonLuísChavesMachado’. Segundo o secretário, eles correram para o local, juntamentecomagentesdeoutrosórgãosdeinformações,depoisqueumapessoa,queseidentificoucomointegrantedoComandoDelta,telefonouparaopróprioRiocentroeanunciouqueumabombaexplodiriaduranteoshow.”Estetelefonemateriaocorridoumahoraantesdaexplosão:“Aúnicacoisacertaquesabemos–explicou–équeocapitãoestavadandomarchaaréemseucarro,paradeixaroestacionamento,quandoosargentoqueestavaaseuladoviuumobjetoefalou:‘Capitão,temumpetardoaqui.’Osargento,então,pegouoobjeto,queexplodiu.”AsperguntaserespostassobrecomooGeneralMuniztomaraconhecimentoexatodoocorridoforamasseguintes:–Osenhorrelembrouodiálogoentreocapitãoeosargentopoucoantesdaexplosão.Ocapitãojáfoiouvido?–Coitadodocapitão,nãopodenemfalar.–Comosesabedestediálogo?–Pessoasporpertoouviramefoiinvestigado.(OGlobo,página6,ediçãodesábado2/5/81.)

AentrevistafoipublicadanaediçãodomesmodiadoJornaldoBrasil,página9.O jornal reproduziu na íntegra a pergunta e a resposta do General Muniz sobre o andamento dasinvestigações.– Secretário, sabe-se há testemunhas e que elas já prestaram depoimentos. O senhor tem algumainformaçãoadar?–Nós estamos nas investigações. Seria até uma incoerência avançar para os senhores, nummomentodesses emque repudiamosaviolência, numdosmaisvis atentados,quando seprocuravadar amaiorsegurançaacercade20miljovensqueassistiamaumshow.ApósumtelefonemadeumComandoDeltauma hora antes, para lá acorreram os órgãos de segurança e lamentavelmente mais uma vez airracionalidadesurpreendeuminocenteque,quandodavaamarchaaré,jáoseuacompanhanteviraumpetardoqueexplodiu,matandoumeferindogravementeoutro.EmOGlobo, página 7, amatériaRiocentro: nãoHouveAmeaça informava que amesa telefônica dolocalhaviasidodesligada:“ORiocentrodesmentiuquetivesserecebidoqualquertelefonemaanunciandoaexplosãodasbombas.UmfuncionáriodisseaOGloboqueamesatelefônicafoidesligadaàs9horaseascomunicaçõestelefônicaspassaramaserdiretasparaarecepção:–Aspessoasquetrabalhamnarecepçãonãoreceberamqualquertipodeameaça.”Ascontradiçõeserammuitas.Efoidadoaosleitoresodireitodedelastomarconhecimento.“Omaiorimpactoéodamentira.Oqueforapuradoserádivulgado;temosinteressenisso”,eraadeclaraçãodoComandantedoIExército,reproduzidanaprimeirapáginadeOGloboedoJornaldoBrasil.Aimprensaadotouexatamenteestalinhadeorientação:tudoquefoiapurado,foidivulgado.UmexemploéamatériaDGIENegaTerRecolhidoOutraBombanoCarro:“OdiretordoDepartamentoGeral de Investigações Especiais, Delegado Newton Costa, desmentiu ontem a existência de outrasbombas,quenãoexplodiram,noPumaOT0297,queteriamsidorecolhidasaodepartamento.– O DIGIE não recolheu material nenhum e se há alguma coisa arrecada está na perícia. Tambémestiveramno localperitosdoExércitoedaPolíciaFederale,quandooDGIEchegouaoRiocentro,aPolícia Federal já tinha assumido as investigações. Pelo que sei, o dispositivo da bomba não era detempo(bomba-relógio)esimdeespoletaoudesensibilidadeàluz–disseodiretordoDGIE.”(JornaldoBrasil,página9,ediçãodesábadodia2/5/81.)

Namesmaedição,ojornalpublicamatériacomaafirmaçãodoDelegadoPetrônioRomanoHenrique,da16ªDelegaciaPolicial,dequeoDGIErecolheraumabomba,desativadanoRiocentro.Semescamotearadiversidadedasinformaçõesesemdecretaraexclusãodeversãonenhuma,osjornaispublicaram tudo.Foio JornaldoBrasil, entretanto,quem,dispondodosmesmosdados, forneceucommelhorclarezaaoleitorum“raciocínio”sobreasinformações.Um desenho na primeira página – e desenhos são poucas vezes usados nos primeiros cadernos dosjornaiseraríssimosnasprimeiraspáginas–sintetizouosucessodoJBemsuaproposição.Elemostravaduas figurasdehomem,sentadasembancossemelhantesaosdeumPuma.Deumobjetoquadrado–abomba–nocolodafiguraàdireitasaíamraiosqueatingiampartesdocorpodosbonecos.Aoladododesenho, o texto: “A bomba explodiu nas mãos do Sargento Guilherme Pereira do Rosário. Ele amantinhanaalturadoabdômen,dilaceradopeloimpacto,quecausoulesãoàssuaspernas,braçosemãos–ossosforamatiradoslonge.Àesquerdadosargento,oCapitãoWilsonLuísChavesMachadodirigiaocarro,comaspernasprotegidaspelo túneldacaixademarchaseoconsoledocâmbio.Seuabdômen,sem proteção, foi gravemente atingido, o que não ocorreu com o tórax, protegido pelo braço direito(deste,todaamusculaturafoidestruída),queempunhavaovolanteouocâmbio;seurostofoiatingidonoladodireito.”

“Vimmaiscedoparaojornal,juntocomoPauloHenriqueAmorim,quemorapertodemim.Nocaminho,demosumapassadanoMiguelCoutoparavercomoiamascoisas.Aí,nossosrepórteresqueestavamládescreveram, de acordo com informações dosmédicos, o estado do capitão. Viemos conversando nocaminhodoMiguelCoutoparaojornalsobreaparteatingidadocorpodecadaum,sargentoecapitão.Aí tivemosa ideiadefazerumdesenho.Aespeculação,nobomsentido,emcimadedadosconcretos,tambémé correta em jornal. Fizemos o desenho combase em indicações seguras.Não houve nenhumjuízodevalorenvolvidonisso.”(HedylValleJr.)

Napágina8,UmCarro,doisHomenseduasBombaseraotítulodeumquadroemqueoJBexpunhacomclarezaoraciocíniosobreoquepoderiateracontecidoàquelanoite.Constavadeumamatériaeváriasfotos com legendas. A maioria, sobre o estado do carro, ressaltando elementos que indicavam serpossíveldeterminartantoasuaposiçãoquantoadeseusocupantesnomomentodaexplosão.Mostravamaindaquehouverapelomenosumanegligência.Umadaslegendasdizia:“EmboraaperíciadoautomóveltenhasidofeitapeloExércitoePolíciaCivil,umasériedeobjetosepapéisaindapodiamservistos–ourecolhidoscomolembrançaporqualquercurioso–numterrenobaldio,natardedeontem,emfrenteà16ªDP,naBarradaTijuca.Aperícianãorecolheu,porexemplo,otalãodeestacionamentonoRiocentro,denúmero64.270–seguramenteumavistavaliosaparadeterminarahoraemqueoPumaentrounolocal.”Ecitava,entreosobjetosencontradosnocarro,fitasmagnéticasparagravação,umrolodefitaadesiva(tipocrepom)totalmenteusado,caixasdefósforosderestauranteemotéiseváriosoutros.Outralegenda,nomesmoquadro,indicava“depranchetanamãodireita,àesquerdadafoto,operitoqueinformouexistirumaterceirabombanapartedetrásdoPuma”.A matéria principal do quadro, além de repetir os elementos com que o jornal contou para fazer odesenhodaprimeirapágina,relacionavaalgumashipóteses:“Em nota oficial, o I Exército considera a possibilidade de os militares terem sofrido um atentado.PoliciaisdoDGIErecolheramnoPumaumasegundabombaintacta.Éforadedúvidadequehaviaduasbombas dentro do carro, na hora da explosão. Não há referências à posição da segunda bomba que,possivelmente,estarianatraseira(seestivessenafrente,elaexplodiriaporconcussão).Estasituaçãoéquecriaalgumashipóteses,queaindanãopodemserinteiramenteabandonadas.Primeirahipótese:alguémlançouduasbombasnointeriordocarro.Istoéparticularmentedifícilporumasérie de razões. A principal delas: havia justamente duas bombas no carro; com o lançamento daprimeira,osmilitares–treinados,poissãodaáreadeinformação–teriamreagido.Tambémseriadifícilatirar alguma coisa dentro de um Puma, dadas as pequenas dimensões das janelas. Qualquer outraconsideração sempreesbarrana faltadeumaexplicação razoávelpara apresençada segundabomba,principalmenteseelaestavanatraseira.Segunda hipótese: as bombas já estavam, por alguma razão, dentro do carro. É amais provável e asinvestigaçõeséqueirãodeterminarasrazõesquelevaramdoismilitares,especialmentetreinados,aficarnum carro comduas bombas – ou dois volumes suspeitos – e numa área de grandemovimentação depessoas.Ocuidadodosmilitaresdeveriaserredobrado,umavezqueestavamemmissão.Terceirahipótese:asbombasforamachadaseelesasestavamremovendo.Ahipóteseéquaseabsurda–implicariaemacreditarqueelesnãoestavamobservandoasregrasdesegurançapessoale,maisdoqueisso,colocandoemriscooutrasvidas.Oprocedimentocorretoseriachamarespecialistasemexplosivospara retirarasbombasdesarmá-las.Alémde tudo,nãose removembombas,antesde suadesativaçãototal–essaéumaregradelargoconhecimento,quedificilmenteelesviolariam.”Nodia seguinte,publicadanaprimeirapáginadoJornaldoBrasil, comdestaque,umanotaoficialdo

ComandantedoIExércitocondenava“conclusõesapressadas”.OGeneralGentilMarcondesFilho,emseis itens, informava: 1º) a bomba fora “acionada por engenho de percussão ou similar”; 2º) “dadosiniciais,colhidosnolocal,revelamseremimprocedentesasnotíciasdequeocarrosabotadoteriaoutrosartefatosnoseuinterior”:3º)“ofatodeoslaudostécnicosaindanãoteremsidodivulgadosdesaconselhaquaisquer conclusões apressadas”; 4º) “não houve gestões do Comando do I Exército no sentido deremover do HospitalMiguel Couto para o Hospital Central do Exército” o capitão; 5º) os militares“agiamno estrito cumprimento demissões normais de rotina, determinadas pelo IExército”; e 6º) “odescréditodosórgãosdesegurança,detãorelevantesserviçosprestadosàtranquilidadepública,semprefoimetabuscadaporelementosouorganizaçõessubversivas”.EmOGlobo,quepublicouanotanapágina21,alémdas informaçõesgeraisdodiasobreoassunto–novasrepercussõesjuntoapolíticosemilitares,informaçõessobreasaúdedocapitãooandamentodoslaudos periciais –, uma foto do perito Humberto Guimarães, detetive-inspetor do DPPS, ainda nãoidentificado, ilustrava matéria contando como o jornal obtivera com ele a informação sobre maisexplosivosnoPuma.OGlobopublicou tambémentrevista comopresidentedaRiotur, empresa aquepertenceoRiocentro.OtítuloeraKellyDizDesconhecerTelefonemaeamatériadizia:“OpresidentedaRiotur,JoãoRobertoKelly,disseontemdesconheceraexistênciadetelefonemaqueteriasidodadoaoRiocentroporumgrupoterroristachamadoComandoDelta,anunciandoaexplosãodebombasduranteoshowpeloDiadoTrabalho,quinta-feira.Foio tal telefonema,segundoosecretáriodeSegurança,queterialevadoaoRiocentroocapitãoeosargentodoExércitoemcujocarroexplodiuabomba.”OJornaldoBrasiltambémtinhaumamatériaamaisalémdasinformaçõesbásicasedasrepercussões.Era o relato detalhado de uma tentativa de entrevista com a viúva do SargentoGuilherme Pereira doRosário, que se recusara a responder as perguntas do repórter do JB ao telefone a negara ter dado aentrevista,publicadaemOEstadodeSãoPaulo,queoJornaldoBrasil reproduziu.Nestamatériado“Estadão”,D.Suely se disse revoltada como Jornal doBrasil. Sua indignaçãonão se voltava contranenhuma das inúmeras reportagens ou entrevistas publicadas,mas contra o artigo de um comentaristapolítico,partedaquiloquesepodechamarde“opinião”emumjornaleque,geralmente,émenoslidodoqueasnotíciasdodiaadia.

Opinião:apersonalidadedojornal

“Alguma surpresa? Nenhuma. Salvo a hipótese fantástica de uma diabólica transa de coincidência,aconteceuprecisamenteoquetodosansiosamenteesperavam.”Otrecho–destacadoemOEstadodeSãoPaulo como mencionado pela viúva do sargento Guilherme Pereira do Rosário para explicar suaindignação – é parte do artigo A Bomba Explodiu no Planalto. De autoria de Villas-Bôas Corrêa epublicadonacolunaCoisasdaPolítica,naediçãodesábado,2demaiode1981,doJornaldoBrasil,oartigolamentavao“acidentedeserviço”erelacionavaasduasbombasqueexplodiramnoRiocentroaosatentadoscontraaOAB,ABIeCâmaradosVereadoresdoRiodeJaneiro.“Eunemdelongeimaginavaque,comaqueleartigo,estavacompondoomeuChãodeEstrelas.Ahistóriaésingela,semmistério.SouotitulardacolunaCoisasdaPolíticaaossábados,funçãoqueseparobemdaeditoriadepolítica,quecoordeno.Quandoassinomatériasnaspáginas3e4(PolíticaeGoverno),elassãomaisinformativasedeanáliseinterpretativa,comlinguagemcontidaesolene.Jáacoluna,naqueledia,éminha,escrevoeassinocomminhaexclusivaresponsabilidadepessoal.Nasexta-feira,jáaoacordareutinhanacabeçaotemadacoluna.Seria‘VotemcontraaVolks,nãocontramim’,poisachoque,pelaprimeiravez,oPresidenteFigueiredotocaranateclanacionalista,aliásparadaraoseupartidoumabandeiraparaaseleiçõesde82.Li o jornal superficialmente e fui à praia.Aovoltar e ler o jornal atentamente é que a evidência dascoisasentroupelaminhavistaepercebiquenãosetratavaapenasdemaisumabomba.Jáno jornal, ligueiparaasucursalemBrasíliaesondeiareaçãopolítica.Conferi informaçõescomopessoaldareportagemgeralefizoartigoqueoDácioMaltaeoRogérioCoelhoNetto(repórteresdaeditoriapolítica)lerameacharambom.Entreguei-oeesqueci.Nosábado,dia2,fuiparaFriburgo,ondetiveaprimeiranoçãoda repercussão,porque trêsamigosquenão tinhammeu telefonede lá– recém-instalado–pediramonúmeroaquidoJBetelefonaramparacomentaroartigo.Euconcordocomateoriadequeolídernãoéaquelequeorienta,masoqueexprime,nãoéoquepuxa,maséempurrado.Aconteceuqueeuexpriminaquelemomentoumaconvicçãocoletiva,meioengasgadaemgargantasquenãotêmcomogritar.Porviastransversas,soubedaprofundairritaçãodecertasáreasquantoaoartigo,considerandoqueeumeprecipitariaaodarcomoexataumaversão.Masnãomearrependinemachoquemeprecipiteieatéhojenãoháoqueretificar.Averdadeéquesemliberdadedeimprensanãoteriahavidobomba,masumpaponoRiocentro.Oquevocênãoconhece,nãoexiste.NãoteriamtambémexistidoasnotasapressadasdoIExército.Poroutrolado,noatualquadrobrasileiro,opolíticotemmuitopoucainformação.Mas,nesseepisódio,osrestosdeumaclassepolíticaestraçalhadaforamcapazesdeumatodepressão,dandoaFigueiredoorespaldopolíticodaopiniãonacional.Estouconvencidodeque,daquiemdiante,emqualquerhipótese,opresidente,oministrodoExércitoeoComandodo1ºExércitovãofecharasportasefazerumaarrumaçãointerna.Achoqueestesdoisserãoreformulados,poisqueanaturezasigilosadas tarefasqueexecutamea facilidadedasverbassecretasvão resultando num afrouxamento do comando hierárquico, havendo um relaxamento no controle porpartedoscomandantessuperiores.Três ponderações devem ser feitas. A partir do artigo do dia 2 sustentou-se que a expectativa de

julgamentoimparcialteriaquepartirdaexataqualificaçãodosargentoedocapitão.Jamaispoderiamseridentificadoscomovítimas,atéprovaemcontrário,comoquisoGeneralGentilouGeneralMunizeseuenredonovelístico.Tambémnãosepoderiacairnoopostoconsideraraambosculpados.Sãosuperiores,comfortesevidências.Em segundo lugar, as suspicácias civis semultiplicaram como seguinte raciocínio: se as autoridadesmilitaresnocomandodo IPM tivessemconvicçãodequeocapitãoeo sargentoeramvítimashaveriaenormemobilizaçãoparaidentificarosculpados.Nãosetemnotíciaatéagoradenenhumainvestigação,comoseosencarregadosdoIPMestivessemseguros,certos–maisdoquetraduzonomeuartigoouqueexprimeaopiniãonacional.Porqueapreocupaçãosuspeitadosigilo?Emterceirolugar,nota-sequeaquiealitêmsidofeitastentativasmuitosuspeitasdeplantarversõesnaimprensa. O deputado Edson Guimarães (PDS-RJ) – coronel reformado e ligado à comunidade desegurança – inventou que o capitão tinha sido ouvido no Hospital Miguel Couto, revelando que osargento,antesdepegarabombadissera“temumacoisaesquisitaaqui”.Issoindicaquehámuitagentequerendo construir um enredo falso e que a opinião pública devemanter-se alerta, seguindo o velhoditadoquemandaconfiardesconfiando.”(LuizAntônioVillas-BôasCorrêa,editordepolíticadoJornaldoBrasil)

Villas-BôasCorrêaéumdosmaioresjornalistaspolíticosbrasileirosdetodosostempos.Completou,emoutubrode1998,50anosdeatividadejornalísticaininterrupta,semprenaáreapolítica,iniciadaem1948nojornalANotícia.TrabalhounaRádioNacionaleemdiversasemissorasdeTV.Durante23anostrabalhounasucursaldoRiodeJaneirodeOEstadodeSãoPaulo,primeirocomochefedaseção política e, mais tarde, como diretor da sucursal. Foi um dos fundadores de O Dia ondetrabalhouatéaposentar-seem1988.RetornouaoJornaldoBrasil,em1989,comoeditordepolítica.Comentarista político da TVManchete desde 1991, Villas-Bôas , em1999, assinava dois artigossemanais,matériaseentrevistasnoJornaldoBrasil.Emseu livro“CasosdaFazendadoRetiro”,relata suas lembranças da juventude e, em “AHistória deMeio Século de Jornalismo Público”,narraaslembrançasderepórterpolítico.

“Aságuasde18anosdefarsa,demistificaçãoededesculpasesfarrapadasnãolimparamasmanchasdo atentado do Riocentro. O tempo amorteceu lembranças, mas não conseguiu rolar a pedra doesquecimentosobreoepisódioquepartiuaomeioogovernodopresidenteJoãoBatistaFigueiredosemtravaramarchabatidadaabertura.De lá para cá muitas páginas engrossaram o livro da história. O presidente que pediu para seresquecidoéumareferênciaqueasreviravoltasdodestinocastigaramcomseveridade.Outrosdramastraumatizaramopaís,nasériesemfimdeinacreditáveisinesperados.DaeleiçãopeloColégioEleitoral,depenosamemória,dopresidenteTancredoNevesàagoniadaoperaçãoadiadaedasseteintervençõesnabalbúrdiadaperplexidadedopovoatéamorteem21deabrilde85,quatroanoseoitodiasdepoisdabomba.GovernodoviceJoséSarneyqueviroupresidente,subiuaescadadapopularidadecomopianoCruzado,sucessoqueduroudezmeses;daConstituição-cidadãde86,fracassoremendadoporemendas.OgrandeblefedofenômenoeleitoralCollordeMello,queacabouemescândalo,impeachment;maisumvice,ItamarFranco,alçadoàpresidência.E o resto é o hoje: a era do presidente Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo da estabilidadeeconômicaqueoelegeuereelegeuparaanovidadedareeleição,encaixadanamarra,semascautelaséticasdadesincompatibilização.Em quase duas décadas, o enredo do Riocentro foi sendo desmontado peça por peça. A cada

investigação,acadadepoimento,acadainquiriçãodetestemunha,agrandepatranhadesmoralizou-se aos últimos níveis de degradação. Ninguém quer segurar as alças do esquife do defunto. Alapidaçãojuntoumilitaresecivis.Todosatirampedrasnorenegado.OpresidenteErnestoGeisel,quegarantiraaescolhadoinesquecívelJoãoparaseusucessor,nãotemdúvidas quanto ao Riocentro: ‘Houve um recuo ali. A área militar ainda resolveu (essa áreaintransigente), mostrar a sua presença com aquela tentativa de atentado do Riocentro’. E, noarremate:‘OFigueiredoficouemcertadificuldade.Decertaforma,eletransigiu.Nãofezaapuraçãoqueerarealmentefundamental’.Comafinurahabitual,emdepoimentoaRonaldoCostaCouto,registradonapágina183dolivrodeleitura indispensável ‘MemóriadoRegimeMilitar’, opresidente JoãoFigueiredodáa suaversão:‘Tenhoaimpressãoqueaquilofoibesteiradaquelesdoiscaras.Quiseramdarumsustonagurizadaesederammal’.E,saindodareta,comalgumatraso:‘Maseunãoentreinospormenores,porqueeunão tomei parte na apuração do fato’.Mãos lavadas, enxuga asmunhecas fardadas: ‘Agora, paramim,aquidentro,foicoisadosdois.Dosargentoedocapitão.NãotinhanadacomoSNI.EratudoládoMinistériodoExército’.Querdizer,doDOI-Codi.AviúvadosargentoGuilhermebateàsportasdaJustiçaparareclamarindenizaçãoeatrasadospelamortedomarido,comoherói,cumprindomissãoaserviçodaPátria.Fisicamente recuperado, com as cicatrizes que ajudam a refrescar a memória, o capitão WilsonMachado, galgou o posto de tenente-coronel e a acaba de ser condecorado como indiciado noInquéritoMilitar,instauradopelasevidênciasdenovasprovasparalivraroExércitodacobrançadaopiniãopública,Umbomdesfechoparaalongaencenação.Istoé,dependedofimdoúltimoato.Então,serápossívelcerrarascortinaseapagarasluzes.Semesqueceraliçãoqueaindapodeserútilnofuturo.Nuncasesabe.”Villas-BôasCorrêaOutubrode1999

Villas-BôasCorrêa,umdosmaisrespeitadoscomentaristaspolíticosdojornalismobrasileiro,nãofoioúnico a analisar o episódio Riocentro naquele sábado. O próprio Jornal do Brasil, no mesmo dia,manifestajásuaprimeiraopiniãocomoeditorialEsclarecimentoUrgente.“QuandoasbombasestouraramnoRiocentro,todoopaís–Governoepopulação–estavasepreparandoparaumlongoferiado.Issodeveserlembradoparaexplicarmuitascoisasqueaconteceramdepoisqueanotíciadasbombaschegouàsredaçõeseaopúblico–primeiropelastelevisões,depoispelosjornais.Sófuisaberdasexplosõesemcasa,pelaminhamulher.Porcausadoadiantadodahora,osjornaisderamumacoberturamaiscircunstancial.Atravésdasnotíciasdodiaseguinteemesmopelonoticiáriododiatransmitidopelastelevisõesjásepodiaentenderqueaqueleepisódioteriaprofundasinfluênciasnavidadopaís.EssefoioentendimentodoDr.NascimentoBrito.Nasexta-feiramesmo(1ºdemaio),eletelefonoudeAngradosReispassandoumaorientação:quesefizesseumeditorialcauteloso,pedindoqueoGovernofosse até o fim das investigações. Esclarecimento Urgente foi o título do editorial do dia seguinte,sábado,publicadonapágina10,noespaçonormalmentereservadoàopiniãopúblicadojornal.”(WilsonFigueiredo,coordenadordaequipedeeditorialistasdoJornaldoBrasil)

Wilson Figueiredo, que a exemplo de uma significativa parcela dos intelectuais de sua geração – a

geraçãodeFernandoSabinoeOtoLaraRezende–tomouocaminhodoRiodeJaneiroquandotrabalharnos jornais deBeloHorizonte já não satisfazia, integra a equipe de editorialistas do JB desde 1962.Emboranãosejahábitodojornalinformaraautoriadosseuseditoriais,sabe-sequefoieleoredatordeAutoridade,publicadonaprimeirapáginadaediçãode5demaio.Editorialnaprimeira,nalembrançadeWilsonFigueiredo,sónoepisódiodadeposiçãodoex-presidenteJoãoGoulart,quandoaopiniãodividiucomasmanchetesolugardemaiordestaquenãosónoJornaldoBrasil,comonoDiáriodeNotíciasenoCorreiodaManhã.AsprimeirasfrasesdeAutoridadejustificavamarepetiçãodafaçanha:“Éderealgravidadeomomentobrasileiro.DesdeasvésperasdoAI-5anaçãonãovivemomentotãoalarmante.Em1968vigoravaumaConstituição, mas faltou competência política. Em 1981 o regime está em transição e há o temor depersistênciadosatosdeterror.”Aomesmotempoemqueprestavaapoio–“Fiqueicertopresidentedequeasociedade,inquietaetemerosa,estácomelenaapuraçãodosfatosenoseucompromissodefazerdestepaísumademocracia”–oeditorialcobravadoPresidentedaRepúblicaumaaçãoimediata–“AnaçãoestáàesperadadefinitivademonstraçãodoPresidentedaRepúblicadequenãoadmitesequerademoraouafaltaderesultadosnaapuraçãodefatoscomumagravidadedesafiadora.”“Oproblema foi crescendo, osmilitares davamdeclarações, notava-se que faltava uma definição porpartedoGoverno.Umaindefiniçãoperfeitamentecompreensívelporque,afinaldecontas,estávamosemplenoferiadoprolongadoeissoeuacreditoquefoideterminanteparaodesenvolvimentodosfatos.Nãotenhodúvidadeque, senão fosseo feriado, teriahavidouma reaçãodoGovernoeodesdobramento,tenhocerteza,teriasidooutro.Masnão.DasexplosõesatéaprimeirareuniãodecúpuladoGoverno,passaram-semaistrêsdias,poissónasegunda-feiraoPresidenteFigueiredoseencontroucomseusprincipaiscolaboradores,nareuniãodas9,noPaláciodoPlanalto.ParaoJornaldoBrasil, emboraoseditorialistaseeditores tenham tidoumasegunda- feiradentrodarotina, o dia foi, como não podia deixar de ser, bastante agitado.No domingo, oDr.Brito voltou deAngradosReisejánestasegundaparticipou,comosemprefaz,dareuniãodeeleitoreseeditorialistas,às16horas.Na reunião estavam os editorialistas – além demim,Heráclito Salles e Luís PauloHora –, o editorWalter Fontoura e o chefe de redaçãoPauloHenriqueAmorim.É lógico que a explosão doPuma noRiocentrofoioassuntoprincipal,comoeraemtodoopaís.Atéessedia,haviaumconfrontodireitoentreaversãoapresentadapelosmilitareseaversãoqueeradetodos,diantedefatosóbvios.Porisso,nessareunião,oJornaldoBrasilentendeuquenãocabiamistificação:tinhaquesercomofoiedecidiu-sefazerumaediçãoàaltura.Noinício,aideiaerapublicaroeditorialnapágina10,comosainormalmente,mas,ànoite,resolveu-selevá-loparaaprimeirapágina.OautordoeditorialAutoridadenãoexiste,éaprópriaempresa,porqueesseéoentendimentoquesetem:aopiniãoésempredojornal,daempresa.Nuncadequemescreveu.Apartirdomomentoemqueoeditorialistarecebeatarefadefazerumeditorial,aopiniãodivergentequeelepossatersobreoassuntoquevaicomentarnãoérelevante.Trata-sedecolocarnopapelumaopiniãoquenãoéadele;éaopiniãoqueojornaltemsobredeterminadoassunto.”(WilsonFigueiredo)

Wilson Figueiredo foi o criador e titular da coluna Informe JB. Em 1999 era vice-presidente doconselhoeditorialdo JornaldoBrasil.Atualmenteatua emumagrandeempresadeassessoriadeimprensa.

“Depoisde18anosapresentadanamolduradaversãooficial,abombadoRiocentroentrouparaoroldosfatoshistóricos.Aconclusãodoinquéritonãoconvenceuasociedadeàépocaenemcomopassardotempo.Prevaleceuporforçadascircunstâncias.EraapalavradoExércitoenãohaviacondiçãodecontrastá-la.Oefeitopolíticodareaberturadocasoficourestritoaumaparceladasociedadeatéhojeinsatisfeitacom a maneira pela qual foi conduzida a apuração das responsabilidades no episódio e que sefrustrou nas mãos de seus executantes. A opinião pública, desde o primeiro momento, rejeitou asexplicações militares e, com o tempo, a própria solução política marginalizou o interesse sobre oassunto.Mesmoassim,acompletaapuraçãoderesponsabilidadestemimportânciapolíticaelançaalgumaluzretrospectivasobreumaetapaquemereceserdeixadasemáreasdesombraparaofuturo.AanistiaapagaculpasmasnãoofuscaaHistória.EmrelaçãoaoEstadoNovo,por exemplo, ficou faltando,lamentavelmente,olevantamentominuciosoeobjetivodarepressão,queaparticipaçãodoBrasilnaSegundaGuerraabrandouporequívoco.EoCongresso,apartirdaconstituintede48,deixouparatrása tarefadeapurarresponsabilidadespolíticas.Aditadura(1937-1945)acabousendovistasemrigorhistóricoporfaltadejulgamentopolítico.Emnomedademocracia,muitagentecomprometidacomosmeioseosfinsparafascistasdoEstadoNovotransitouparaoladodademocraciasemprestarcontas.Emtempo,areaberturadocasodoRiocentroagregajulgamentopolíticoaumfatohistórico(porqueencerradodopontodevistalegal),epodeservirdeliçãoparadetentoresdopoder.Enquantoestãoporaíospersonagens,embomnúmero,épossívelchegarmaispertodaverdadeobjetiva.”WilsonFigueiredoOutubrode1999

OGlobodemoroubemmaisdoqueoJornaldoBrasilparaseposicionar.Nodia2demaio,naprimeirapágina–ondeojornalcostumapublicarsuaopinião–oeditorialeraATragédiaIrlandesa.Domingoesegunda-feiranãoforampublicadoseditoriais,comoacontecequasesempreemOGlobo.Dia5demaio,AEscaladadosJurosacabousendopublicado,deixandoanecessidadededar-seumcréditodeconfiançaaoGovernonaapuraçãodocaso.Nodiaseguinte,ODeverdeTodosmanifestavaessaconfiançae,aomesmo tempo, cobrava resultados (“ao sigilo do inquérito, entretanto, terá que corresponder a maisampladivulgaçãodoseuresultado”).OGlobopublicoumaisquatrooutroseditoriaisduranteomêsdemaioe,dia22,voltavaaexternarocréditoaoGovernoemImperativodeconfiança:“Todanaçãoestáemcompassodeespera,querendoaverdade”e“OacidentedoRiocentroéinabalável’’.OJornaldoBrasil fezmaiseditoriaise foimais incisivoemsuacobrançanãosódeesclarecimentossobreoqueacontecera,comodamanutençãodoprocessodeaberturademocrática.EnquantoemUltimato,porexemplo,OGlobocriticavaareaçãodospartidospolíticosdiantedanotaderespostadoPresidentedaRepúblicaaoapoioquelheprestaram,dia12demaio,oJornaldoBrasil,emAdvertênciaInesperada,criticavaaprópriaatitudedoPresidenteFigueiredo.OúltimoparágrafodoeditorialdeOGloboera: “Indiferente ao idôneodaOposição,oPresidentedaRepública por certo aguarda apenas, para agir, as conclusões do inquérito que não têm por que serapressadas,mastãosomenteverdadeiras.”EoeditorialdoJB,sobreomesmoassunto,bemmaisaguadodizia:“SeoobjetivodosterroristasdoRiocentro,eraforçarademonstraçãodequeosfatosdaaberturanãoafetaramopredomíniomilitarsobreoregimedoBrasil,foramelesplenamentebem-sucedidos.”Oeditorialcriticavaainda“oconstrangimentocomqueoGeneralJoãoFigueiredopassouadesempenhar

oimportantepapeldecondutordoprocessodedemocratização”eterminavaporconcluir:“Pelomenosporenquantonãotenhamosilusãocomosentidodaabertura.Ademocraciaaindanãofoirestaurada.”Nem só sisudos e solenes editoriais, entretanto,marcam a personalidade de um jornal.O desenho dehumor, a chargepolítica, içados a localdedestaquena seriíssimapáginadeopiniãoedoexpediente,foramtransformadospeloJornaldoBrasilemoutraformadetransmitirsuaopiniãosobreoqueacontecenodiaadia.Naquele sábado, 2 de maio coube a Chico Caruso – Francisco Paulo Hespanha Caruso, diploma dearquitetonagavetaemetadedeseus31anosdedicadosàcharge,principalmentepolítica,emjornaisdoRioeSãoPaulo–preencheroquadrinhodapágina10.“Soube das bombas pela televisão e desde o primeiromomento deu para sentir que essas explosõesteriam uma repercussão tão grande quanto a morte do Vladimir Herzog (jornalista Vladimir Herzog,mortoemSãoPaulo,nacarceragemdoDOI-Codi,emoutubrode1975).Naquelaquinta-feira,30deabril,tinhasidoavezdeZiraldofazerachargee,porisso,nasexta-feira,fuieuparaoJornaldoBrasilàtarde,comonormalmente,façoquandoéminhavezdefazerachargepolíticado dia seguinte. Fui como sempre para a editoria nacional. Lá tenho a minha mesa e um pouco derecolhimentoparabolarodesenho.EralógicoqueachargetinhaquesersobreasbombasnoRiocentroeparamim ficouclaroque tinhaque ser emcimada esfinge,queeuvinhausandodesdeasbombasdaOAB.Essaesfingenasceujustamentecomumabamba,aquematouDonaLyda(DonaLydaMonteiro,secretáriadopresidente,àépoca,daordemdosAdvogadosdoBrasil,SeabraFagundes,mortaem1980).Foiumamorte que chocou todomundo,masmim emparticular, porque na véspera da explosão eu estivera naOABparafalarcomoadvogadoquehojeéseupresidente,BernardoVasconcelos.EuviDonaLydaláeelamelembravaminhamãeeumatia,quetrabalhamemescritório,emrepartição,exatamentecomoela.Aíeucrieiaesfinge.Inicialmente, as charges não se referiram especificamente àmorte deDonaLyda.A esfinge ficava lá,cobrando.Masaspessoasmeperguntavammuito,jáestavamatémeparandonaruaparasabersobreaesfingeeentãoeuaproveitei a idadoPresidenteFigueiredoaoChileedizaquelachargedelecomoPinochet (nodesenho,dosdoispresidentes sentados ladoa lado,PinochetperguntaaFigueiredo:Acáentrenosotros,quiénmatóaD.Lyda?).Naquelasexta-feira,1ºdemaio,oJornaldoBrasilsofreuumamudançamuitogrande.Derepente,deixoudeteraqueleardehospital,frio,tudoseparado.Agentesentiaojornalextremamentemovimentado,osrepórteres,saindotodahoraparaarua,pareciamheróisindoparaumabatalha.EuiavendoesentindoesseclimanovoenquantoliaosjornaisdoRioeSãoPaulo,comofaçonormalmenteantesdedesenharacharge.Depois,escolhooassunto,façoalgunsesboços,desenho.Nestedia,nãotivedúvida:achargetinhaqueteresfingeeRiocentro.Atéchegaràideiafinal(odesenhodoPumaatingidoentreoPresidenteFigueiredoeaesfinge,quelhepergunta:‘Vaidecifrar,ouquerqueembrulhe?’) escrevi outras frases. Uma delas, membro, era mais ou menos assim: ‘Decifra-me ou tedevoro,digomais:ouvaiouracha,agoraoununca.’Masmedecidipeloquefoipublicado.”(ChicoCaruso,chargistadoJornaldoBrasil)

ChicoCarusoextrapolouos limitesda charge e se tornouumhumoristamultimídia, cantandoemshowscomposiçõesfeitasemparceriacomoutroschargistas,comoseuirmãoPauloCarusoeLuizFernandoVeríssimo,egravandoCDs.Em1999jáerachargistadeOGlobo.

“QuandovinaTV, entendi logooque tinhaacontecido.Masaochegarà redação, vendoagrande

movimentação dos repórteres, fotógrafos, editores, percebi que estávamos vivendo um daquelesgrandesmomentosjornalísticos,emqueaprofissãofunciona.Nãoseiseébomreabrirocaso,porqueédessascoisasqueficammalparadas.Melhordeixarpralá.Foiofinaldeumaépoca.Quesetorescondenar?Secondenar,temquecondenartodaaquelagente.Ahistória se faz um pouco assim, sobre os vencidos. Entre os militares havia gente boa, como oBierrenbach(Almirante,ministrodaMarinha).Eleséquemerecemfazerahistória”.ChicoCarusoOutubrode1999

Ofuro:anotíciaemprimeiramãoUmfuroébom,doisnemsefala.EoprimeirofurosensacionaldacoberturadoCasoRiocentroocupavatodooaltodaprimeirapáginadeOGlobo,dia6demaiode1981.FotosdoCapitãoWilsonnoHospital:letrasbrancasemtarjapretasobrea imagemdeumhomemdeolhos fechados,peitonu,deitadonumacamadehospital,indicavamofeitoquaseimpossívelquealegendaesclarecia–OGlobofotografouoCapitãoWilsonLuísnoHospitalMiguelCouto.Seuestadoaindainspiracuidados.Aolado,outrafotoea legenda: O Capitão Wilson Luís, sendo atendido no centro cirúrgico do Miguel Couto. Mais trêsfotografiasestavamnapágina6.Mascomoéqueelesfizeramisso?Aperguntaeraoassuntododianasredaçõesemuitopossivelmentenacabeçadecada leitorque,mesmosemconhecer tãodepertoquantoos jornalistas,podia imaginar,àquelaaltura,oforteesquemadesegurançaque,porsobreoscuidadosjáredobradosenaturaisemumCentrodeTratamentoIntensivo,cercavaocapitãonoMiguelCouto.A imaginação flui: o quadro é o do fotógrafo que, depois de conseguir sorrateiramente arrebatar umdaquelesconjuntinhosverde-clarocompleto–dabataàmáscaraeaogorrinho–,inteiramentevestidodemédicoecomumadiscretíssimaNikonatiracolo,passaportodaasegurança,entracomoquemnãoquernada no CTI e faz lá as fotografias do capitão de frente, de lado, de perfil, de costas, certamenteassobiandobaixinhoparadisfarçarosclicks.Nãodá.Enãodeumesmo,porqueemborase juredepéjuntonoGloboquequemfezasfotosfoiumfotógrafo,nãofoi.Foiummédico.Váriosmédicos fotografaram o CapitãoWilson naquela tarde de 5 demaio, quarta-feira. É como osmédicosdoCTI fotografaremdoentes, paraum registro científicoda evoluçãodos casos.Apenasum,entretanto,aquiesceuaoassédiodo repórter–eháaídoisméritosdo repórter: saberque tinhamsidofeitasasfotosesuacapacidadedeconvencimentoparaobterainformação.Eumdomédico:acreditarqueinformaçãonãofazmalaninguém.OfilmefoireveladopoucodepoisnasededojornalOGlobo.Omédicofoipunido.“Não foram não”, disse o médico (o médico Moisés Haiat, funcionário do Hospital Miguel Couto,plantonistadoCTI,ementrevistaaOGlobo,ediçãode10demaio,respondendoqueasfotografiasdocapitãonãohaviamsidofeitascomflash).Elasforamtiradascomfilmede400asas.Ailuminaçãodocentrocirúrgico,ondeforamfeitasasfotos,émuitoboaenemprecisadisso.Nósjásabemosquequemtirou as fotos foi um médico residente, um estagiário, e que deverá ser punido pelo hospital e peloConselhodeMedicina.Depende,claro,dorepórtereresultaoudemuitotrabalhoaexperiência,ouderapidez,eumpoucodesorte,quasesempredetudoissomisturado.Masofurodependetambémdequeexistamessasfontesdealmatãojornalísticaquantoomédico-fotógrafodoMiguelCouto.Na página 7 damesma edição do dia 6 demaio, que estampava as fotos do capitão no hospital, umsegundofurodeOGlobo:NetadeTancredolevouoCapitãoWilsonaoHospital.Amatériadizia:“FoianetadosenadorTancredoNeves(PP-MG)efilhadodeputadofederalAécioCunha(PDS-MG),Andréa,de22 anos, quemsocorreuoCapitãoWilsonMachado eo levou em seu carro, umPassat branco, aoHospitalLourençoJorge.AndréachegavaaoRiocentrocomonamoradoSérgioValle,27anos,quandoouviuaexplosãoeviuocapitãoferido,sentadonumacadeira.Diantedafaltadeiniciativadaspessoasqueocercavam–nãohaviaambulânciaparasocorrê-lo–Andréadecidiu:–Euolevonomeucarro.”

Oestarsempreligado,atentoaomínimoindíciodequehánotícianoareaconsciênciadequeanotícianãoémaisimportantequetudo–duasnormasquetodooprofissionalrealmentebomsemprerespeita–,aomesmotempo,contamahistóriadessefuro.“Eraaniversáriodomeu filho– terça-feira, 5demaio– enós estávamos tomandoumacervejinhadecomemoração,porvoltadomeio-dia, quandoentrano restaurante, por acaso,umcolegado JornaldoBrasil.Elebrincoucomigo:‘Olhaaí,jáencontramosohomemqueconduziuocapitãoaohospital,essavocês vão levar.’ O Globo tinha entrevistado a Andréa na véspera. Soubemos que era ela quentinhalevadoocapitãoporqueestavatodomundoligadonocaso,umarepórternossaouviuumaparentadeladizer que conhecia a moça que tinha socorrido o capitão, arranjou o endereço e falou com ela nasegunda-feira. Só que a Andréa pediu muito para a matéria não ser publicada, então nós realmenteseguramos.MasquandoessecolegafalouqueoJBjátinhaamatéria,eutelefoneinamesmahoraparaoEvandro(EvandroCarlosdeAndrade,diretordejornalismodeOGlobo)eavisei.Amesmarepórterfoidireto para a casa deAndréa, explicou que outro jornal já tinha amatéria, que nós queríamos honrarnossocompromissocomela,mas estávamosnum impasse e amoça se convenceu.Fizemosas fotos epublicamostudonaquarta-feira.”(IranFrejat,editorlocaldeOGlobo)

IranFrejatmorreuaos59anos,em20deabrilde1994,vítimadecirrosehepática.EraentãoeditordaeditoriaRiodeOGlobo.

“Fuiparacasanaquelaterça-feiraànoiteconvencidodequeialevaressefuro.Teveaindaapublicaçãodas fotos, nas o que me deprimiu como chefe foi a matéria com a Andréa e o Sérgio Valle, porquetecnicamenteeraofuroquenósnãopodíamostomar.”(LuizMárioGazaneo,subeditorlocaldoJornaldoBrasil)

A depressão se justifica. O repórter Carlos Peixoto do JB tivera o furo na mão: na segunda-feiraconseguiraencontrarSérgioValleepegartodaahistória.“Ojornaltinhadestacadoumaporçãoderepórteresparaocasonaquelasegunda-feira.FuiaoHospitalLourençoJorge,paraondeprimeirofoilevadoocapitão,paratentarpegaroboletimderegistromédicoeoboletimdeocorrênciapolicial,quejátinhamcarátersigiloso.TinhaumPMdeplantãoeeuconseguiconvencê-loamemostraroregistropolicial,depoisdetertentadocomosmédicos,semconseguirnada.EssePMeraumcrioulodeuns50anoseeufuiemcimaporquenoteiqueeleestavaincorporadoàqueleclimademodorra doLourenço Jorge.Entramosna sala da administração e elememostrouo registropolicial.Tinhaonome,oendereçoeotelefonedoSérgiocomocondutordavítima.Fuidiretoparacasadele.Nãotinhaninguém.Espereiduashorasatéqueumavizinhameinformouqueelesóchegavaànoite.Erammaisoumenos4horasdatardeeeufuiparaojornaldemãoabanando,masdecididoafalarcomocaraaindanaqueledia.Ligueiparaeleexatamenteàs20horas.Eleatendeu,eudissequeeradoJB,quequerialevarumpapocomeleeeletopou.Quandocheguei,aAndréatambémestavalá,muitonervosaesemquererfalarnada.Foiaíqueaceiteiumcompromisso: eles me contavam a história toda, mas eu não podia publicar nada até que eles meautorizassem.Elesmecontaramtudo,masaAndréanãofalouqueeranetadoSenadorTancredoNeves.MefalaramqueestavamchegandoaoRiocentroquandoouviramaexplosãoenemimaginaramqueerabomba.Queviramocapitãosegurandoabarrigaetodochamuscado;queelefezsinalparaumtáxieotáxinãoparou,queomédicodoRiocentrodissequenãopodiasairdelá;queocapitãoestavadesesperado,gemendo

muitoeperguntandopeloamigo,pedindoquelevassemeleparaumhospital,queelesficaramcompenadele;queunsbombeirosforamjuntonocarro;queocapitãomesmoensinouocaminhoparaoHospitalLourenço Jorge e que ele não respondeu nada quando um dos bombeiros perguntou o que tinhaacontecido.Quandoelesacabaramdecontarahistória,aAndréaestavamaisnervosaaindaeimplorouparaeunãopublicar nada. Eles não queriam tomar a iniciativa de fazer declarações à imprensa antes de seremchamados para depor, porque eles imaginavamque iam ser chamados pelos responsáveis do IPM.Euestavatranquilizandoosdoiseagentejáiasaindoquandoofotógrafoqueestavacomigobateuumafotodecadaum.ElesficaramsuperirritadosemelembrodagentesaindoeoSérgiodizendo:‘Masissonãosefaz.’

Quandochegueiàredação,conteiparaoHedyleparaoPauloHenriqueacircunstânciaemquetínhamosconseguido amatéria. O Paulo Henriqueme perguntou a história era suficientemente importante paraalterarorumodosacontecimentos,eobviamentenãoera.Eeudefendiqueojornalnãodesseamatéria.Não sei se esse critério de urbanidade, de humanidade, vale para jornalismo,mas paramim, naquelahora,valeu.Nodiaseguinte,oSérgioligouparaojornaldenoite.Elequeriafalarcomigo,meavisarquepodiadaramatéria,porqueelestinhamfaladocomOGloboerevolvidodeixaramatériasair.Maseujátinhaidoemboradojornaleelenãoaceitavafalarcommaisninguém.SeiqueoGazaneoficoumaluco,mandouumcarrosairpelobaixoLeblonmeprocurando,telefonouparatodomundoquemeconhecia,porqueeutinhamecasadohápoucosdiaseninguémsabiaomeunovoendereço.Fiqueimuitoputocomessefuro.Émuitochatoserfurado,aindamaistendotodaahistórianamão.”(CarlosPeixoto,repórterdoJornaldoBrasil)

CarlosPeixotosaiudo JornaldoBrasilefoiparaaRedeGlobo,primeiro comorepórter edepoiscomoeditordevários telejornais eprogramas jornalísticos,noRiodeJaneiro e emBrasília.Em1999 era um dos editores do programa Fantástico. Hoje atua na área de turismo entre Rio deJaneiro,IlhabelaeSantos.

“Terparticipadodaquelacoberturafoimuitobom,foiummomentoimportanteparaaimprensaedegrandecrescimentoprofissional.EudestacoarelaçãoqueexistiaentreoscolegasdentrodoJornaldoBrasileaconduçãodaequipepeloschefesnaépoca–PauloHenriqueAmorimeosaudosoHedyldoValleJr.Alémdisso,aexperiênciaderepórterescomoFritzUtzerieHeraldoDias.Eupensoquevaleuapenareabrirocasoporqueahistórianãopodeficarincompleta.Agenteprecisaprocurar a verdade até o fim. Para esta reabertura do caso eu considero que foi fundamental otrabalhodosmeninosdoGlobo.Éextremamentepositivoverumageraçãodandoprosseguimentoaotrabalhodaoutra.”CarlosPeixotoOutubrode1999

OJornaldoBrasilpublicouaentrevistacomAndréaCunhaeSérgioValleumdiadepoisdeOGlobo,naediçãodequinta-feira,7demaio.“OassinantedoJBsaiuperdendo,masestecomportamentofoicorreto.Concordeicomorepórterqueiríamos cometer uma violência publicando amatéria.Uma coisa é investigar, outra é fazer namarra,obrigaraspessoas.Ofatodeestarinvestigandonãonosdáopapeldepolíciae,mesmonumcasoassim,

emsequerrecolheromáximodeinformaçõeseasfontessãopoucas,temosquetratardepessoascomonodiaadia,respeitandosuaprivacidade,suasopções.OcontrárionãoéoestilodoJornaldoBrasileneméomeuestilo.”(HedylValleJr.,editorlocaldoJornaldoBrasil)

Ahistóriadosfurosnãoacabaaí.Houvepelomenosummomentoemque,assimcomoaconteceucomaentrevistadeAndréaeSérgio–aindaquepormotivosinteiramentediversos–,foicolocadaemquestãoapublicaçãodasfotosdoCapitãoWilson.

Sobpressão:osjornalistascontraaparede

Eram mais ou menos 9 horas da noite de terça-feira, 5 de maio, quando o coronel Job Lorena deSant’Anna–chefeda5ªediçãodoIExércitoque,dalia10dias,seriaencarregadodeconduziroIPMsobreasexplosõesnoRiocentro–chegouàredaçãodeOGloboàpaisana.Dealgumamaneira,oIExércitotomaraconhecimentodequehaviamsidofeitasfotografiasdoCapitãoWilsonnoHospitalMiguelCoutoedequeelasestavamumpoderdojornal.Nãoeradifícilsaber.NãosóporqueoCapitãoWilsoncontavacomnumerosasegurançadentrodohospital,certamenteapardasfotografias, aindaqueas julgassemde finalidadeexclusivamentecientífica.Tambémporque,porvoltadas19h30min.OGlobo,atravésdesuaagênciadenotícias,ofereceuacompradafotoatodososseusclientes(principalmentejornaiserevistasdeoutrascapitaisedointerior).Naredação,ocoronelJobLorenadirigiu-seemprimeirolugaraochefedereportagem,ElyMoreira,e,em seguida, ao editor-chefe do jornal,MiltonCoelhodaGraça.Disse que soubera que o jornal tinhafotos do capitão, tiradas no hospital, e pediu para vê-las.Mostradas as fotos, o coronel solicitou aoeditor que não as publicasse, alegando que sua divulgação ia causar umagrande complicação,muitaspessoasiriamsofrer,muitasseriamdemitidasdesuasfunções.Asuspensãodapublicaçãonemchegoua ser cogitada.Aampladivulgaçãodas fotografiasatravésdaagênciaGlobojáhaviam-natornadoinócua:aimagemdocapitão,senãoatravésdeOGlobo,chegariaaosleitoresatravésdeinúmerosoutrosveículos.Emais,daliapoucotempo,umadasfotosestariasendovistapormilhõesdetelespectadoresdoJornalNacional,segundaedição,quetambémascompraradeOGlobo.Alémde tudo isso, suspensãodapublicaçãodas fotoseraumadecisãoqueoeditor-chefenãopoderia tomar sozinho, já que a direção do jornal – superior a ele hierarquicamente – havia, à tarde,determinadoaedição.“OCoronelJobLorenafoimuitodelicadoemuitogentil.Mepediuparaveras fotoseeuasmostrei,informando-lhequesuadistribuiçãoatravésdaagênciaGloboetambémparaa televisãojáhaviasidofeita. Informeiaindaaocoronelque, semesmoassim lhe interessasseasuspensãodas fotos, teriaquefalarcommeussuperiores.Euestavacumprindoordenscomoele.Nãoseiseocoronelprocurou,àquelanoite,alguémdadireçãodojornal.Eunãorecebinenhumanovaorientaçãoemantiveadecisãotornadaàtardepeladireção.Nodiaseguinte,conformeoCoronelJobhaviasolicitado,lheforamentreguescópiasdasfotografiaspublicadasnojornal.”(MiltonCoelhodaGraça,editor-chefedeOGlobo)

Eramcercade24horasquandooCoronelJobLorenadeixouaredaçãodojornal.Naquelemomento,nãopodiaterideiadequetantoimpactoquantoasfotografiasdocapitãonohospitalcausariaamanchetedamesmaediçãododia6demaiode1981:LaudoConfirmaduasBombasnoPuma.Em duas colunas nomeio da primeira página, amatéria dizia: “O laudo pericial sobre as explosõesocorridasnoRiocentro confirmaque foramencontradas, e desativadasporperitos,mais duasbombasdentrodoPumadirigidopeloCapitãoWilsonMachado–informaramaOGloboduasfontesdignasdecrédito, uma delas política. Esse laudo e o do exame cadavérico do Sargento Guilherme Pereira doRosário não foram entregues ontem ao Presidente Figueiredo, mas, por decisão sua, encaminhadosdiretamenteaoComandodoIExército,comopeçasessenciaisdoIPMqueapuraoepisódio”.

Fontesoffnuncasãoreveladas.Os jornalistasasdefendeme,assim,asmantêm.Mesmonasredações,que,quase infalivelmente, acabaramdescobrindoa identidadedosdeclarantes, écomumos repórteresnãoconfirmaramosnomesdoque,emconfiança,lhesderaminformações.Poresseprocesso,sabe-seoinconfirmável:quedas“duas fontesdignasdecrédito”,“umadelaspolítica”,damatéria referia-seaosenadorTancredoNeves(PP-MG).OGlobotinhaainformaçãoatravésdefontedaPolíciaFederal,desdesegunda-feira,4demaio,diaemqueosjornaisanunciavamaconclusãodolaudo.PolíciaEntregaaoIExércitoLaudodaBombaeratítulodechamadanaprimeirapáginadaediçãodoJornaldoBrasil.E,nocorpodamanchetedeOGlobodomesmodia,tambémainformação:“NoRio,osecretáriodeSegurançaentregaráhojeaocomandantedoIExército, GentilMarcondes Filho, os laudos dos peritos do Instituto Carlos Éboli que examinaram oRiocentro.”Ojornalsegurouainformaçãoatéque,terça-feira,umrepórter,emBrasília,conseguiuconfirmá-lacomosenadormineiro.Diantedisso,dissiparam-seasdúvidaseadireçãodojornalachouqueasduasfontesasseguravamaveracidadedanotícia.Quarta-feira,jornalnabanca,porvoltade11horasosjornalistascredenciadosnoIExército–eàquelaaltura o plantão deles era ininterrupto – se surpreenderam com a visita ao Comando de uma pessoainesperada:odiretor-redator-chefedeOGlobo,RobertoMarinho.Nodiaseguinte,aFolhadeSãoPaulofoiumdospoucosjornais–noRio,nemOGlobonemoJornaldoBrasilpublicaramamatéria–anotíciaDiretordeOGlobovaiaoIExército:“ODiretor-redator-chefedo jornal O Globo, Roberto Marinho, esteve na manhã de ontem no Palácio Duque de Caxias,permanecendodurante40minutosno9ºandardoprédio,ondefuncionaoComandodoIExército.Elesaiuàs12h25minecincominutosantesdoGeneralGentilMarcondesFilho,comandantedoIExército.Comoacontecetodasasquartas-feiras,oexpedientemilitarfoiencerradoàs12horas.Omotivodaidado jornalista militar foi encerrado às 12 horas. Omotivo da ida do jornalista ao I Exército não foiexplicado.”Nestemesmodia,7demaio,OGlobopublicavanoaltodaprimeirapágina,àesquerda,umquadrodeduascolunas.SobotítuloFontedoIExército:noPumasóHaviaaBombaqueExplodiu,apequenanota:“FontesligadasaoIExércitoasseguraramontemaOGloboqueolaudosobreasbombasdoRiocentrodeclarahaverapenasduas:aqueexplodiunacasadeforçaeaqueexplodiunocarro.”Eraumdesmentido.Defontesoffcontrafontesoff.Ediferentedeumacorreção,dequenaprópriaediçãode7demaioháumexemploclaro.Napágina6,emumquadrosobotítulojustamentedeCorreção,OGloboinformava:“Porequívoco,OGloboatribuiuontemaoCoronelJobLorenadeSant’Anna,chefeda5ªSeçãodoExército,queelogiavaratificaçãofeitadepúblicopelaTVGlobo,adeclaraçãodeque“nãoécomumosórgãosdesegurançapenitenciarem-sepeloserroscometidos”.O que o coronel efetivamente disse a este jornal ao elogiar o procedimento da TV Globo – que,esclarecendoconfusãoanterior, informouqueexibira imagensnãodebombasencontradasnoPumadoCapitão Wilson Machado mas simplesmente bombas de gás lacrimogêneo que se encontravamregularmentenacinturadeumPM–foi:“Estaéagrandenovidade.Eéumagrandenovidadeporquenãoécomumaosórgãosdecomunicaçãosepenitenciarempeloserroscometidos.”“Errosnãodevemacontecer,masacontecem.Foiumerrodaredaçãoenãoéimpossívelqueumredatorerre, principalmente emdias emquehágrandenúmerodematéria.Não costumamosusar a expressãoórgãosdecomunicaçãoeestávamosredigindomuitasmatériasemqueapareciaaexpressãoórgãosdesegurança.Oredatorseconfundiu.Publicamosacorreçãonodiaseguinte.Todasasvezesqueojornalcometeumerro,temaobrigaçãodepublicarsuacorreção.”(MiltonCoelhodaGraça,editor-chefedeOGlobo)

Asdiferençassãosutis,masexistem.Oqueaconteceucomatelevisão,porexemplo.Averificaçãoatentada retificação feita mostra que a TV não desdisse informações anteriores, embora tenha realmenteesclarecidoumaconfusão.Nodia5demaio,jornalOGlobopublicavaumpequenoquadrono“pé”dapágina8–EsclarecimentoSobreasBombas:“ARedeGlobodeTelevisãoesclareceuontemànoite,peloJornalNacional,queasbombas que apareceram num de seus noticiários, sexta-feira da semana passada, são de gáslacrimogêneo,usadasnormalmenteportropasdechoquedaPolíciaMilitar.”Assimcomoodesmentidoemoffdaprimeirapáginadojornalsobreolaudoeasbombas,noesclarecimento,atelevisãotambémnãofezumacorreçãodiretaquantoàafirmaçãoanteriordequeforamencontradasduasbombasnoPuma,além da que explodiu.Assim como o desmentido em off do jornal, o esclarecimento da televisão foiprocedidodeumavisitaàredaçãodoCoronelJobLorenadeSant’Anna.Dia5demaio,OEstadodeSãoPaulo foidospoucosa informarnoúltimoparágrafodeumamatériagrandeintituladaBombas:GovernoEximeIExército:“Apresençadochefeda5ªSeçãodoIExército,Coronel Job Lorena de Sant’Anna, ontem pela manhã na sede da Rede Globo de Televisão levou aemissoraaapresentarumdesmentidoaonoticiárioporelaexibidonosúltimosdias,ondeapareceramcenasdoRiocentrologoapósaexplosãodasbombas,oferecendonovainterpretaçãosobreasimagensapresentadasanteriormente.OmilitarassistiuváriasvezesaovideoteipeemqueapareceramcenasdoPuma,dosagentesdoExército,doDGIedosperitosdo InstitutodeCriminalísticadeslocadosparaolocal.ATVGloboentregouduascópiasdomaterialgravadoao IExércitoeenfatizouqueasbombasfilmadassãodegáslacrimogêneo.”Nagrande imprensa, o interessedireto epúblicode autoridades emmaterial de redação resumiu-se aestesepisódios.Aimprensaalternativa,entretanto,tevesériosproblemas:invasão,pelapolícia,desuasredaçõeseapreensãodasediçõesdosjornais.Dia13demaio,OGloboeoJornaldoBrasilnoticiavamaapreensão,peloDOPSpaulista,donº84dojornalHoradoPovo,cujamancheteera:UltrajeàNaçãoeaoExército:GeneralEnterraTerroristacomHonrasMilitares.NodiaseguinteerapublicadanosgrandesjornaisainformaçãodequeoministrodaJustiça,IbrahimAbi-Ackel,encaminharaaoProcurador-geraldaRepúblicapedidodeprocessocontraHorasdoPovoeMovimento, tambémapreendido.Dia16demaio,eranoticiadaaextensãodopedidodeprocessotambémàTribunadaLutaOperária,cujaediçãodemanchete, Figueiredo Engoliu aBomba, também fora tirada de circulação.Dia 28 demaio,OGlobonoticiounovaapreensãodomesmojornal.Não era inédita a apreensão de jornais da chamada imprensa alternativa. Em outras vezes, antes, oprocessoserepetiuemoperaçõesinvariavelmentearbitráriasporque–aindaquebaseadasnoparágrafo8doartigo153daConstituiçãoFederalenoartigo634daleinº5.250,conhecidacomoLeideImprensa–costumamserfeitassemmandadojudicialesemidentificaçãodospoliciais.Tambémnãoera inédita,mas talvez tenhacausadomaior surpresa,porquebemmais rara, aprisãodedoisjornalistasdagrandeimprensa,emserviço.Comumapequenanotanapágina3daediçãodesegunda-feira,11demaio,oJornaldoBrasilnoticiouaprisãodedoisrepórteresseus:CarlosPeixoto,daeditoriallocal,eJoséAugustoAlves,daRádioJB.Anotíciafoipublicadaemsegundoclichêe,portanto,nãoconstavadosexemplaresdeassinantesnemdealgunsexemplaresdebanca.OGlobopublicouamatéria–DoisRepórteressãoDetidos–tambémem2ºclichê.O relato detalhado de Carlos Peixoto revela como, por trás de singelas 20 linhas de uma página dejornal, estão história – dramáticas ou cômicas? – sobre acontecimentos muitas vezes absurdos ouanacrônicos como esse: uma prisão ilegal, semmandado e sem flagrante, efetuada por ummajor do

Exércitoque,alémdenãoseidentificar,estavadisfarçadodefuncionáriodoHospitalMiguelCouto.“Eradomingo.EuestavanoMiguelCoutodeplantãodesdeas16horas.Maisoumenosàs9horasdanoitefomos,eueoZé(JoséAugustoAlves,daRádioJB),tomarumcafénacantina.EutinhaacabadodeconheceroZéesómaistardefuisaberqueeletinhaapenas3diasdeRádioJB.ÉimportanteparatodoorestodahistóriadizerqueeuestavadandoplantõesseguidosnoMiguelCouto.Eque,navéspera,tinhaconseguido,eueoutrosjornalistas,fazeraquelamatériaquedeuprimeiranoJBdedomingo,comoboletimdeentradadoCapitãoWilsonnoMiguelCouto.Aqueleemqueocapitãoalegou ‘explosão domotor do automóvel’ como causa dos seus ferimentos.Nós conseguimos pegar odocumentoatravésdeumfuncionáriodohospital,quepintounasalade imprensa.Pegamosoboletim,levamosparaobanheirodohospital,colamoscomdurexnosladrilhoseassimelefoifotografado.Naediçãodedomingoestavalá,naprimeira.Bem,nessemesmodomingo,maisoumenosàs9danoite,eueoZéfomosatéacantina.Éumacantinacomaquelesbanquinhosmeia-bunda.Nósestamosecomeçamosaconversarsobreocaso.Logodepois,chegaramduasmédicas.Seiqueerammédicasporqueestavamcomestetoscópioseerajustamentepelosestetoscópios que nós conseguimos diferenciarmédicos e enfermeiros. Elas sentaram e começaram afalar.UmadelasfalouumpoucomaisaltoeviqueoassuntotambémeraRiocentro.Aícomeçamos,eueo Zé, a conversar com elas meio de longe, afastados por uns três daqueles banquinhos. Todos nosjornalistasqueficávamoslánoMiguelCoutoprocurávamosfalaromáximocomosmédicos,paraversepintavaalgumainformação.MelembroquenaconversacomessasmédicasfizumaobservaçãosobreabombaquetinhaexplodidonacasadoCerqueira(DeputadoFederalMarceloCerqueira,PMDB-RJ),dizendoqueeletinhaapontadooDOI, embora oComandoDelta tivesse assumido a responsabilidade. E falei que oComandoDeltatinha ligadoparaoJBpoucoantesdeabombaexplodir.Me lembro tambémqueeudisseexatamente:‘Querosaberoqueelesvãodizeragora.’Eopapocontinuou.Asmédicasperguntaramdequejornaleueraeeudisse.Perguntaramseeraeuquetinhafeitoamatériadavésperaeeuconfirmei.Melembrotambém,comcerteza,queprimeiroagenteestavasozinhonacantina,comasmédicasemaisuma ou outra pessoa. Depois, a cantina foi enchendo de gente vestida de médico, de servente, defuncionário do hospital, tudo homem. Vi um cara meio estranho, que parou para tomar café e ficouolhandoparaagente.Estavaderoupaesporte,comcrachádefuncionáriodoMiguelCouto,mas tinhacaradecana.Pediaconta:Cr$14,00.AísaímoseoZéAugusto.Quandoestávamosacabandodesairdacantina,nosdirigindoparaoprédioprincipaldohospital,doiscaras–ambosprovavelmentenordestinos,porcausadosotaqueumcomuns30outrocomuns40anos–falaramcomagente: ‘Companheiros,vocêsestãoapresentando versões aí.’ E eu perguntei: ‘Versões de quê?’ Um disse: ‘Das bombas’ e foi seaproximando.Fiqueigelado.Esse,queeraomaisnovo,disseassim:‘Vocêestápreso.’Omaisvelho–quedepoiseusoubequeeraoMajorAdelmo,quandoooutroseidentificouaodelegadoda14ªDP–mepegoupelobraço.Pediqueeleseidentificasseeeleapertouomeubraçoedisse:‘Seidentificarporranenhuma’efezmençãodemedarumsoconoestômago.Aíchegarammaisdoiscarasdosqueestavamlánacantina, comroupaesporte, comcracháde funcionárioouvisitante.NospegarampelobraçoenoslevaramemdireçãoadoisPMsqueficaramguardandoagentenaescadariadeacessoentreemergênciaeoCTI. Eu ainda perguntei para esses caras de roupa esporte qual era a acusação contra nós, porqueestávamossendopresos,eelesnãoresponderam.Seafastaram.AíeupergunteiaumdosPMs:‘Quemsãoessescaras.’Eelerespondeu:‘ÉpessoaldoIExército,quefazasegurançadocapitão.’AmaiorpartedaspessoasqueestavanacantinaforaparaasaladeadministraçãodoMiguelCouto,quenóspodíamosverdaescada.Enósaliparados.MelembroqueoPMestavairritado.Elefalou:‘Esses

carassãounsmerdas’,masmedissequetinhaqueprestarobediência,porqueaPMerasubordinadaaoExército. Nessa hora, o ZéAugusto aindame diz que tinha só 3 dias de rádio e estava sem nenhumdocumentodeidentificação.Foiquandopassaramasduasmédicascomquemagenteestavaconversandonacantina.Pediaelasparaavisaraopessoaldasaladeimprensaqueagenteestavapreso.Maistarde,soubequeasaladeimprensaestavatrancada,masqueelasavisaramochefedelasnohospitaleeleligoupelotelefoneinternoparaopessoaldaimprensaecomunicouanossaprisão.Derepente,nósescutamosumcarrodandomarchaaré.Eraumfuscavermelhoquechegouatéaportaonde agente estava.Fiquei apavoradoquandovi aquele carroparticular e ainda insisti para elesnãolevaremoZé,dizendoqueelesótinhaescutadoaconversa,nãotinhafaladanada.Maselescolocaramagentenocarro assimmesmo.Umdaqueles carasde roupaesporte foidirigindo.FoimaisumPM–onomedeleéJorge–nocarroenósdoisnobancodetrás.Ninguémviuagentesair,porqueofuscasaiuporumalateraldohospital.Noslevaramparaa14ª,naAfrânio(14ªDelegaciaPolicial,naAv.AfrâniodeMelloFranco,Leblon).Quandochegamos,oDelegadoWashingtonMachado,quedepoiseusoubequenãoeraotitular,estavadormindo.Eleacordoueveiofalarcomagenteecomocaraderoupaesportequenoslevou.Eledisseparaessecara:‘Nãotenhonadaavercomisso.IssoécomoDPPS.’EupediaessedelegadoparaligarparaojornalefaleicomoChicoVargas(FranciscoVargas,secretáriodaredaçãodoJornaldoBrasil).Eudisse:‘Chico,touemcana,vouparaoDPPS.’Eeledelá:‘tudobem,ficatranquiloqueagentevaiagitaraíopessoal’.Eelemerecomendouqueeunãofalassenada.Odelegado,queestavaouvindovirouparamimefezumreparoàligação.Elemedisse:‘Vocênãoestápreso,estádetido.’Eeupergunteisepodiairdooutroladodaruacomprarumapipoca.Eledissequenãoeeuentãofaleiqueaquelereparodeleeraumafórmulajurídica,porque,paramim,euestavapresomesmo.Eeudisseparaelequesóiasairdaliemcarrooficial.Elemegarantiuqueficássemostranquilosporqueíamossairdecamburãoecomahonradeirsentadosnobancodafrente.Nessa hora, o PM já estava reclamando à beça, porque o horário de trabalho terminava às 22h e eleestavaa fimde irembora.Oagentemostrouacarteiradeleparaodelegadoedisseassim: ‘Qualquercoisa,é sóvocês ligaremparaoMajorAdelmo.’Foiquandocomeçaramachegaroscoleguinhas.Osprimeiros a chegar foram o Beraba, repórter deOGlobo, e oAlci, fotógrafo. Chegou também a TVGlobo.E,emseguida,oPauloHenriqueAmorim.ComelevieramosadvogadosdoJornaldoBrasil:Dr.CelsoBruno,advogadotrabalhista,eofilhodele,CláudioBruno,quetrabalhanoGabineteMilitardoGovernodoEstadodoRio.Mais tardechegoutambémoDr.Ladeira,advogadocriminalista,chamadopeloJB.ChegaramàdelegaciatambémoCaó(CarlosAlbertodeOliveira,presidentedoSindicatodosJornalistasdoRiodeJaneiro)edoisadvogadosdosindicato.ChegaramoCelsoItiberê(redator-chefeda Rádio Jornal do Brasil) e o Carlos Lemos (Superintendente do Sistema de Rádio JB). E foramchegandomuitosamigosjornalistas.Erammaisoumenos23hou23h30min.EoPauloHenriqueperguntouaodelegadoqualeraaacusaçãocontranós.AíodelegadodissequeseríamosremovidosparaoDPPS.Maistarde,odelegadodisseaoPauloHenriquequeoDelegadoBorgesFortesnãotinhasidolocalizado.MasoqueopessoalsoubefoiqueoBorgesFortesoualguémdoDPPSdissequenãoqueriamesseabacaxilá–eoabacaxieraeu.EutambémsoubequeoMajorAdelmodisseaopessoallánoMiguelCoutoqueeutinhaofendidoasForçasArmadas. Mas o delegado disse ao Paulo Henrique que o Major Adelmo queria que eu prestassedepoimentoequemeudepoimentofosseenviadoaoIExércitoporqueeuteriainformaçõesquepoderiamelucidaroCasoRiocentro.Eu acabei prestando depoimento lá na 14ª mesmo, para o Delegado Washington, acompanhado dosadvogados do sindicato e do jornal. O delegado me perguntou: ‘O que houve?’, e eu contei. Aí ele

perguntou se eu tinha alguma informaçãoque pudesse esclarecer as explosões.Eudisse que o que eusabiadocasoeraoquetinhaapuradonomeutrabalhoeoqueeutinhajáhaviasidopublicado.Dissequenãotinhanadaqueeupudesseelucidaresesoubessemaisalgumacoisajáteriapublicadotambém.Fuiliberadoporvoltade1hora.PegueimeucarroemfrenteaoHospitalMiguelCouto,preocupadoemouviralgumaexplosão,né,depoisdetudoaquilo.Mascorreutudobemefuidormir.Osmeuschefesnojornalmederamtodooapoioeopessoaldaredaçãomegozaatéhoje,porque,afinal,tantosdiasdepoisdasexplosões,atéagoraeufuioúnico“suspeito”presoeinterrogado.”(CarlosPeixoto,repórterdoJornaldoBrasil)

Resistência:fatoscontraversõesNas notas e informes reservados à oficialidade das Forças Armadas brasileiras, a classificação dasfontes de informação é feita da seguinte maneira: a) absolutamente verdadeira; b) normalmenteverdadeira; c) razoavelmente verdadeira; d) raramente verdadeira; e) provavelmente falsa; e f) aidoneidadenãopodeseravaliada.Ograudeprobabilidadedoconteúdodasnotaseinformestambéméclassificado:1)comprovadamenteverdadeiro;2)verdadeiro;3)provavelmenteverdadeiro;4)àsvezesverdadeiro;5)veracidadenula.Emcadaredação,emboratalvezcomoutranomenclatura,cadafonteecadainformação,durantetodaacoberturadoCasoRiocentro,tambémforamavaliadaseclassificadasquantoàsuaveracidade,antesdeserempublicadasasmatérias.Naverdade,apenasdeseremdiversososmétodosdeapuração,umaformadetrabalhomuitosemelhanteàdosórgãosdeinformação–nãodesprezarnenhumainformação,avaliarcomrigidezsuafonteeseuconteúdo,relacionarcadanovodadoàsinformaçõesjáobtidas,acumularomáximodedetalhessobrecadafatooupersonagem–foiaquetambémgarantiuapresençaconstantedoassunto,cadavezmaisesclarecido,naspáginasdosjornais.Poroutrolado,eironicamente,seriatalvezmuitomaisdifícilosucessodaimprensanacoberturadessecasonãofosseolongoperíodoemque,soboautoritarismo,elaviveucensurada.Équetodaatécnicadeapuraçãoe,emmuitoscasos,asmesmasfontescomqueosjornalistascontaramparafazercentenasdematérias que, censuradas, permanecem inéditas nas pastas dosdepartamentosdepesquisa dos jornais,destavezvaleram:oquefoiconsiderado“a-1”chegouatéoleitor.Maisquemétodosetécnicas,entretanto,umnovomomentopolíticoestavaportrásdadecisãodecadajornal de manter um comportamento investigativo. Foi o primeiro grande teste, depois de iniciado oprocesso de abertura democrática no país, para a liberdade de imprensa e, até, por sobre acusaçõesformaiseoficiais,aprovafoivencida.Passadososprimeirosdiasdecobertura,emquequaseexaustivamente todasaspossíveis testemunhasdaquelanoitehaviamsidoprocuradascominsistênciadiária,começaramasesentirmaisclaramenteaspressõessobreasfonteseoaumentodosilênciocomoresposta.Dia6demaio,emumpequenoquadrona página 6, O Globo informava “O diretor do Departamento de Polícia Federal, Coronel MoacirCoelho,recusou-seontemamantercontatocomaimprensa,enquantoestevenoRio.TodasasperguntassobreolaudopericialdasexplosõesnoRiocentroeramdesviadaspelaAssessoriadeImprensa,comaobservaçãodequeasededoDPFficaemBrasília.OsuperintendentedaPolíciaFederalnoEstadodoRio de Janeiro, Roberto Porto, também preferiu não conversar com os jornalistas a respeito dasexplosões.” Em outra nota, logo abaixo: “O chefe da Assessoria de Comunicação da Secretaria deSegurança,WilsonSayão, informouontemqueoGeneralWaldyrMuniznãomais falaráa respeitodasbombasqueexplodiramquinta-feiranoRiocentro,poisocasoestáentregueaoIExército.”Na16ªDelegaciaPolicialoDelegadoPetrônioRomanoHenriquenãorecebiarepórteres.Pelo menos um de seus funcionários, depois de haver dado algumas informações a O Globo, forachamado à Secretaria de Segurança, onde depôs durante 4 horas. O perito Humberto Guimarães – ohomemdecabelosgrisalhosepranchetanamãoqueinformouaváriosjornalistasdaexistênciademaisexplosivosnoPumaalémdabombaqueexplodiu–nãofoimaisencontrado.OTenenteCezarWalchulck,chefedasegurançadoRiocentro,depôsdurante8horasnoIExércitoe,apartirdeentão,nãomaisfalouàimprensa.EmpequenasnotascomoasdeOGlobododia6demaioessasinformaçõespodiamserlidasduranteos

diasseguintesnosjornais.Apesardetudo,oCasoRiocentronãomorreumesmoduranteosdiasemqueasmancheteseramavitóriadoPartidoSocialistanaseleições,presidenciais francesaseoatentadoàbalaquevitimou,naItália,oPapaJoãoPauloII.Nodomingo,10demaio,OGloboeoJornaldoBrasilhaviampublicadoemsuasprimeiraspáginasareprodução fotográfica do boletim de entrada do CapitãoWilson no HospitalMiguel Couto. A linhadestinadaa“causaeficientedalesão(alegrada)”estavapreenchida:“alegaexplosãomotorautomóvel”.Segunda-feira, 11, na primeira página, ao lado da fotografia de FrançoisMitterand, eleito na vésperapresidentedaFrança,oJornaldoBrasilrepercutiaadivulgaçãodoboletim.NachamadaAbi-AckeldizSer Impossível Apurar Atentado às Pressas, logo após a declaração doministro da Justiça – “não épossívelapressar,confundirouelegerculpados”–odiretordoMiguelCouto,médicoNovaMonteiro,comentava: “Qualquer versão apresentada por qualquer paciente aqui no hospital é aceita pelosmédicos.”Nodia12,a remoçãodoCapitãoWilson,doMiguelCoutoparaoHospitalCentraldoExército, feitacomgrandeaparatodesegurança,eraassuntodeprimeirapáginanosdoisjornais.A remoçãodo capitão– e a partir dali a imprensa foi informadadequenotícias sobre seu estadodesaúde seriam divulgadas em boletins doHCE diretamente pelo I Exército –, aliada ao sumiço ou aosilêncio de todos os que haviam estado no Riocentro, parecia quase que um ponto final. Ziraldo, napágina 10 do JB, se preocupou. Sua charge, nestemesmo dia 12 demaio,mostrava dois leitores dejornal. Um deles segurava um exemplar com manchetes sobre a eleição de François Mitterrand eperguntavaaovizinho:“Vocêviu,rapaz,avitóriadossocialistasnaFrança?”Obonecoaolado,queliaumjornalcujamancheteeraABombadoRiocentro,respondiazangado:“Nãomudadeassunto!!!”FoioPresidenteFigueiredoquemgarantiuamanutençãodoassuntonaprimeirapáginanodiaseguinte.Nota deFigueiredoFrustra aOposição era a chamada no alto da primeira do JB eOGlobo tambémnoticiavacomdestaquearespostadoPresidentedaRepúblicaaoapoiorecebidode todosospartidospolíticoseainsatisfaçãodaOposiçãocomanota.Oatentadoaopapamobilizavaquasequecompletamenteosjornaisdodia14demaio.Eduranteosdias15e16,OGloboeoJornaldoBrasilresumiramseunoticiáriosobreoRiocentroàdivulgaçãodosboletinsdesaúdedoCapitãoWilson,emitidospeloHCE.Masa reportagemnãoparou.Aocontrário, até simplesboatoseram investigadosaindanaquelesdias,comodesdeoiníciodacobertura.Algunschegaramavirarnotícia.Dia7demaioosjornaisdesmentiamo“nãomentido”quehaviamobilizadoredaçõesinteirasesucursaisdurantetodoodiaanterior.Oporta-vozdogabinetedoministrodoExército,GeneralOctávioLuizdeRezende,diantedainsistênciacomquecirculavaminformaçõessobreaexoneraçãodocomandantedoIExército,mandoudizeraosjornalistas:“1º) o General Gentil Marcondes Filho não saiu do I Exército; 3º) pede-se a colaboração doscredenciadosparanãodifundirboatosquesóprejudicaramoBrasil.”Ànoite,eraavezdoassessordecomunicação social da Secretaria de Segurança, Wilson Sayão, desmentir, que o secretário, GeneralWaldyrMuniz,ouocomandante-geraldaPM,CoronelNíltonCerqueira,estivessemdemissionários.Quealguém,emalgumlugar,emalgumahora,disse,disse.Masboatonãotemautor.Eainvestigaçãodosrepórteresnãoseresumiaaelesenemsempreviravamatéria.Porquetudoquepoderiaterclassificaçãopróximado“f-5”(fontedeidoneidadenãopassíveldeavaliaçãoeconteúdodeveracidadenula)nãofoipublicado.Frequentementevirourelatório,resumodemuitosdiasdetrabalhosemumresultadoprático.“AmesmapessoaqueligouparaoJornaldoBrasilnosábado,dia9demaio,sedizendopolicialda16ªDPedenunciandoaexistênciadeumlivronegro,queteriasidoencontradopertodoPumadoCapitãoWilson e que estaria em poder doDelegado PetrônioRomano, ligou sexta-feira paraOGlobo e deuexatamente a mesma informação. Queria negociar o livro e chegou a marcar um encontro com um

repórter,nosmesmosmoldesqueferiadepoiscomoJornaldoBrasildeixarocasoestacionadonafrenteda16ªDPqueelelargariadentroumenvelopepardo,comduasfolhasdotallivroxerocadas.Osrepórteresestiveramnolocalmarcadocomocidadãoquesediziapolicialeficaramaliumtempoenorme.Nãoapareceuninguém.Umrepórterligouparaadelegaciaeperguntousobreolivropretoeospoliciaisnegaram.Ligou,então,paraoCoronelJob,da5ªSeçãodoIExército,aquemcontousobreahistóriadolivro.Omilitardisseignoraroassunto,masqueiriaapurar.Efetivamente, no dia seguinte, segunda-feira, 11 demaio, às 15h, chegava à 16ªDP oCoronelHiltonPortela,comandantedaPolíciadoExército.EstavanoOpalapreto;placaoficialXV9585,dirigidoporummotorista civil. Reuniu-se durante 35minutos com oDelegado Petrônio, a portas fechadas. Nadatranspiroudoencontro.Nesta terça-feira,dia12,umrepórterprocurouodelgadoe lhedisse tudoqueestavaacontecendo,desdeostelefonemasatéasinformaçõesdequeodelegadoteriasidopresopeloIExércitoedemitidopelosecretáriodeSegurança.Petrônioriuedisseachargraçadetudo.Nadelegacia,umdetetivedisseque“umafarsaestavasendomontadasobreaexplosãodabomba”.Emais: que o registro da ocorrência foi ditado pelo Delegado Petrônio, de acordo com orientação doGeneralMunizeesteacordocomorientaçãodoExército.Oambienteentreospoliciaiseraderevoltacontraofato.Nenhum dos policiais se dispôs a dar nenhuma entrevista. Disseram mesmo que negariam qualquerdeclaração. Um inspetor da delegacia, cujo nome aparecia emmatéria de O Globo, foi chamado aogabinetedoGeneralMunizondeficouporquasecincohorasprestadoesclarecimentosefoiobrigadoaescreverumrelatóriodequatrolaudas,negandoseroautordaentrevista.Opolicialquefezoregistrodaocorrêncianegouqueeletivessesidoorientadopelodelegadoedissequenãopodiadarnenhumainformaçãosobreoqueeleviunolocal:“GanhoCr$68mileseperderoempregonãoachooutrocomomesmosalário.Asituaçãoaíforatábraba,irmão,enãodáparaagentefazerumacordo”.(Partedeumrelatóriointernoderepórteràchefiadereportagem.)

Oque é inconfirmável não vale; o que ninguémpode provar fica na gaveta.A situação estava braba,mesmo,paratodomundoeatéoPresidentedaRepúblicaconcordara.Foinodia4demaio.OtítulodamatérianoJBeraexatamentePresidenteAchaque“aBarraEstáPesada”econtavaumdiálogoentreopresidenteeafilhadeseuajudantedeordens,MajorDiasDourado,duranteumaexposiçãonoJóqueiClubdeBrasília:“Eleperguntouàgarotaseabarraestavaleve,eelarespondeuafirmativamente.”Delonge,ouvindoodiálogo,umjornalistainterveio,perguntandoemvozalta:–Nóspodemosescreverisso,presidente?–Seeudissevocêspodemescrever.–MasoSr.consideraqueabarraestáleve?–Não.Paramimestápesada.Masoqueseconfirma,vale,oqueseprova,viramatéria.E,depoisdaspequenasnotinhasnosdias15e16demaio,oCasoRiocentrovoltouaterdestaque.Domingo,17demaio,emumaamplaretrospectivade todo o caso revelaram-se novos detalhes. O título era Demora na Apuração do Atentado PodeConfundirOpiniãoPúblicaeamatériaestavaassinada:FritzUtzerieHeraldoDias.SãodoisdosmaisantigosemelhoresrepórteresdoJornaldoBrasil.HeraldoDias, 36 anos, 15 de profissão. Foca por curiosidade, jornalista por amor à profissão que afamília mineira achava pouca séria, incapaz de substituir o futuro de advogado, largado em meio,Heraldoseespecializounaáreadetransportes,massemprefoirepórterdegeral.Édosetorumadesuasmelhoresmatérias:a tentativadepercorreraTransamazônica,doisanosemeiodepoisde inaugurada,

comosmeiosde transportedisponíveis; foium trabalho inesquecível.O relatodaexperiênciaprovouqueaestradaeraabsolutamenteinviável,oretratodeumerropolíticomuitogrande.FritzUtzeri,36anos,13deJB,gostavamaisdeimprensauniversitáriadoquedaMedicina.NoJornaldoBrasil,ondefoiaprovadonocursodejornalismoemqueeraprofessorFernandoGabeira,cobriusaúdemuito tempo. Saco – saúde e comportamento – era a editoria que publicava, enquanto quase todas asoutras estavam sob censura, inúmeras denúncias sobre condições de saúde da população.Uma delas,pesquisadesemanasnacomparaçãodebulasderemédiosamericanosebrasileiros,chegouacriarnovasnormas regulamentadores. A epidemia demeningite trouxe a censura também ao Saco e Fritz viajou,cobrindoaquedadeIsabelitaPeróneamortedePedroJoaquimChamorro,estopimdeguerracivilnaNicarágua.Masograndetrabalho,paraosdois,foiemdupla:hádoisanosemeio,oJBpublicavaquasequeumcaderno especial inteiro com uma incrível reportagem. Seis anos depois, amatéria contava, como setivesse acontecido na véspera, a história do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva,desaparecido desde 1971 e oficialmente dado como sequestrado. A experiência do trabalho a doisnovamentevaleu.“Émuitoimportanteotrabalhoemduplaporumasériederazões.Àsvezesvocêéforçadoaumcontatocomumapessoaondenãopodetomarnotasenemgravar.Doisrepórteresconseguem,melhordoqueum,reproduzirmuitobemoquefoiditoeaprópriafonte,abertaounão,vaitersempreacertezaquefaloucomduaspessoasequeserámaisdifícilnegarasinformações.Emdupla,agentetambémpodeampliaralinhadeinvestigações,emdireçõesdiferentesecomomesmoobjetivo.Umacríticaotrabalhodooutro,exigedadosconcretos,eassimsedámaisorganizaçãoecoerênciaàreportagem.Agora,numtrabalhodeduplatemquehaveraabsolutaconfiançadeumrepórternooutroenãopodehaverestrelismonomeio.AchoquefoiimportantetermostrabalhadoemduplanacoberturadoRiocentro,masachotambémqueofundamental para o esclarecimento das explosões foi o que aconteceu na sexta-feira e no sábadoseguintes,quandotodasaspessoasaindaestavamsoboefeitodiretodosacontecimentosetãoassustadasquenãosenegavamacomentá-los,abertamente,sabendoqueestavamfalandoparajornalistas.Creioqueo erro de avaliação de alguns que foram testemunhas do que houve, em não perceber a importânciadaquilodequetinhamsidotestemunhas,explicaporqueosjornaisdesábadoestavamtãocarregadosdeinformaçõessobreofato.Naverdade,depoisdesábado,nãofaltavapraticamentenadaacontarsobreoqueaconteceu.Apartirdoenterrodosargento,entretanto,parecequeascoisasforamficandomaisclarasparaaspessoas.Comissoemaisodestaquequeoassuntoganhounosjornaisveioomedo.Maisdoquemedo, pânico realmente das pessoas. Quem tinha visto alguma coisa não queria confirmar, todos seescondiamsobaafirmação–‘estásobinvestigaçãodoIExército’–eosilêncioeraaordem.Evidentemente que as pessoas não conversavam mais com jornalistas. Mas as pessoas que foramtestemunhasdetudoaquilosãocomoasoutras:conversam,têmparentes,têmamigos.Aícomeçaonossotrabalho que é o de conhecer as pessoas certas para conversar. Eu e o Fritz trabalhamos juntos nestalinha, de procurar o parente do parente, o amigo do amigo de cada testemunha, que era a única linhacapazdenosfazercontinuarcontandoaquelahistória.Paranós,omais importante,alémdarespostaàcobrançadonossotrabalhopelo jornal,eracontaraquelahistóriacomtodahonestidade,semnenhumapredisposiçãodebotaraculpaemAouB,mascontaroqueaconteceu.ComeçamosafazercontatoscomaspessoasquepudessemnoscontarqualquercoisasobreoRiocentro.AtécnicadetrabalhoéaqueagenteusadesdeunstrêsanosatrásquandofomosfazerainvestigaçãodocasoRubensPaiva.Atécnicaéaseguinte:qualquerinformação,sejaelaqualfor,independentedafonte,é anotada.Fazemosum relatóriodiáriodoquecadaum fez,onde foi, comquem falou, evidentementeresguardandonomesquandoéocaso.Enãotemosapreocupaçãodefazerumamatériadiária.Oobjetivo

é ir reunindo informações e, numdadomomento,quandoa coisa cresce, sentamose examinamos tudoparaverseháalgodeconcreto.Apartirdaípodemosapresentaraojornalumareportagemconcreta,comfatosquesepossabancarsemriscodoprópriojornale,principalmente,semriscoparanósmesmos.Fizemos uma pasta organizada com todos os recortes de jornal sobre o caso e fomos entremeandoinformações, revendo o que aconteceu, buscando mais detalhes de cada fato. Qualquer dúvida,procurávamosumespecialista.Com essa pasta, revendo todas as matérias e relacionando-as com novas informações, é que fomoslevantandoalgumascoisas.Porexemplo,porumarazãoqualquerqueagentenãotemcertezaasegurançadoRiocentro,paraumespetáculocomoaquelecommilharesdepessoas,estavamuitoreduzida.Outracoisa queme impressionou foi aquele batalhão da PM de Jacarepaguá ter conseguidomobilizar umaenormequantidadedehomensàquelahora.Aprocuraeadificuldadeemencontrarrespostasparaestaseoutrasperguntaséoqueestánaquelanossamatériadedomingo.”(HeraldoDias,repórterdoJornaldoBrasil)

Heraldo Dias de Oliveira foi chefe de reportagem no Jornal do Brasil e em O Globo. Depois,trabalhou na assessoria de imprensa do Governo do Estado do Rio de Janeiro (gestãoMoreiraFranco).Estava fundandoumaempresadeassessoriade imprensaquandomorreuemuma festa,dançandocomamulher,Sônia,nodia6defevereirode1993,deinfarto.

Napágina8doJornaldoBrasil,amatériadedomingo,17demaio,começavaassim:“Passados16diasdaexplosãonointeriordeumPuma,dentrodopátiodeestacionamentodoRiocentro–comamortedoSargento Guilherme Rosário e fermentos graves no CapitãoWilson Luís chavesMachado, ambos doExército –, está caracterizado um processo de desinformação, aparentemente destinado a confundir aopiniãopública.Todasaspessoasque,diretaouindiretamente,sabemdealgumacoisaarespeitodoqueocorreunaquelanoite,naBarradaTijuca,preferemosilêncio,naesperadeumaversãooficial.”E, logo em seguida, a lembrança da primeira grande contradição: “Nemmesmo a existência de umasegunda bomba no interior do carro, fundamental para o perfeito esclarecimento do propósito dosmilitaresnaquelelocal,foidefinitivamentedescartada–ehátestemunhasdequeexistiu.”Sobreaprincipaldessastestemunhas–operitoque,nanoitede30deabril,confirmaraadiversosjornalistasadesativaçãodeumabombanolocal–informava:“Desdeodia1ºdemaio,nãofoipermitidoqualquercontatodopolicialcomaimprensae,segundoseussuperiores,ele aindanãodepôsno IPM.Odelegado titulardoDPPS,BorgesFortes, semostroumesmosurpresoentreapossibilidade,levantadaporumjornalista,dequeodetetivefossechamadoadepor,umavezqueentende ser de exclusiva responsabilidadedo jornalista a divulgaçãodanotícia.HumbertoGuimarãescontinua trabalhando normalmente,mas não há possibilidade de uma entrevista, formalmente proibidapelosecretáriodeSegurança.”Nadetalhadaretrospectivadetodaacobertura,amatériadoJBrelacionavaoutrospontosaesclarecer:oafastamento do Tenente Cezar Walchulck, duas horas antes do show, de suas funções de chefe desegurança doRiocentro; e o não envio, pela PolíciaMilitar, do reforço de policiamento, pedido porWalchulckemofício.Muitoantes,opróprioJornaldoBrasil(5demaio,ComandanteDesconheceQuestãodoPoliciamento,e6demaio,RiocentroPediuePMnãoEnviouPoliciamentoEspecialnoDia30)eOGlobo(7demaio,Comandante da PM Desconhece o Pedido de Policiamento) haviam levantado a questão. A primeiraentrevistado JBerado comandante IlleMarlen, do18ºBatalhão, Jacarepaguá, que cobre a área.Eledeclarouquenãotinhacondiçõesdedarqualquerinformaçãosobreoesquemadepoliciamentoporque

haviaassumidoàunidadeàs15horasdodiadasexplosões.Asegundaentrevistaeradodiretor-técnicodo Riocentro, Nílton Nepomuceno, confirmando o pedido do Riocentro em ofício. Em O Globo, aentrevista era do comandante-geral da PM, Coronel Nilton Cerqueira. Ele afirmava não ter recebidonenhum ofício e acentuava não haver necessidade de reforço do policiamento. Tantos dias depois, aquestãocontinuavaconfusa.“Háumtestemunhoimportantesobreamovimentaçãodecarros, logoemseguidaàexplosãodoPuma.UmfuncionáriodoRiocentro,doqualseconheceapenasoapelido,PassaFome,procurouasegurançapararelatarasaída,emvelocidade,daárea,deumPassatbranco.Elecruzoucomocarropróximoaumadascabinasdeacessoaoestacionamento;osocupantesdoPassatreduziramamarchaegritaramparaoPassaFome(segundootestemunhodeumdosmembrosdasegurançadoRiocentro):–Vocêsaindanãoviramnada.Pioréaquevaiexplodirládentro.Esse carro, cuja placa o funcionário não anotou, passava pelo local após a explosão doPuma, antes,portanto, da bomba lançada contra a casa de força também explodir. Este episódio, devido a umacoincidência, pode interessar às investigações: o Sargento Guilherme Rosário, segundo amigos evizinhos,tinhaumPassatbranco,carroquenãofoivistonodiaseguinteaoatentado.”Esteeraoutrotrechodamatériadedomingo,17demaio,doJornaldoBrasil,ilustradaporumafotodoTenenteWalchulck.Emumareuniãodaqualeleparticipara,trêsdiasdepoisdasexplosões,foirecolhidagrandepartedasinformaçõesqueconstavamdotextofinaldaquelareportagem.“Noprimeirodiadecobertura,noenterrodoSargentoGuilhermePereiradoRosário, já erapossívelsentirasdificuldadesqueosjornalistasteriamparaseguircontandoaquelahistória.Eufui,naquelatardedodia1ºdemaio,paraacasadosargentonaEstradadaÁguaBranca,emIrajá.Aportadoapartamentoestava aberta e eu fui entrando.Havia umchoro dos diabos,muita gente, e eu nomeio da sala.Logodepois que cheguei, me abordaram, perguntando se eu era colega do sargento. Eu disse que era econtinueilá,masmeesquecideumdetalhe:ofotógrafoquetinhaidocomigo.QuandoeleseaproximoudemimcomaquelabaitaNikon ficouevidenteaminhaposiçãodenãocolegado sargento.Aí foiumnegócio,todomundogritando‘foradaqui,urubu’.Descemosealgumasdaspessoasqueestavamlá–unscarasmaisoumenosaltos,maisoumenosparrudos,queeramoscolegasdosargento–desceramtambémafecharamatéaportariadoprédio.Aindatenteifalarcomelesdeumamaneiraamigável,dissequeoque eu queria eram informações sobre como o sargento era como pessoa.Mas nada, nada, nada. Asúnicas informações que consegui foram as crianças queme deram, porque nem os vizinhos e nem osdonosdaslojasaliporpertoqueriamfalarnada.No cemitério foi ainda mais complicado. Estava aquele clima pesado. Me lembro que havia unscaminhõesparadostodossujosdebarroe,nummomentodeparanoia,nóscomeçamosaacharqueaquilotinhaumsignificadomaior.Fuifalarcomumtenenteeelemeexplicouqueoscaminhõestinhamlevadosoldados para prestar honra fúnebre. Logo depois, chegou um cara à paisana e disse ao tenente:‘Entrevista só paramilico e credenciado.’ Perguntei quem ele era: era o coronel comandante daquelaunidade.MeexplicouqueoscaminhõesestavamsujosdebarroporquetinhamvoltadodetreinamentosemGericinóemedisse:‘Nãomeperguntemaisnada,queadúvidaquevocêstêmeutambémtenho.’Elembroudoqueeujásabia:quevinhatodoopessoaldoIExércitoequeeracomelesqueeudeviafalar.Falei,falamostodososjornalistascomocomandantedoIExército.Masquandosaídelá,eusabiaque,para conseguirmais informações sobre a noite de 30 de abril, teria que procurar asminhas própriasfontes.Na segunda-feira, 4 de maio, com uma velha fonte minha, um militar, fui à casa do Tenente CezarWalchulck,seuamigo,emJacarepaguá.OWalchulckestavaabsolutamentetensoefoicomessemilitarquemelevouatéláecomigoparaNiterói,àcasadoDickson(coroneldareservaparaquedistaDickson

Grael). O Dickson tinha sido demitido da diretoria do Riocentro pouco antes, em uma reuniãoextraordinária, a que não compareceu. Na casa dele haviamais um outro oficial e ninguém, além daminhafonte,sabiaqueeuerajornalista.OWalchuckestavaapavorado.EstavatambémfuriosoportersidoretiradodocomandodasegurançadoRiocentropoucashorasantesdasbombasexplodirem.ODickson começou a fazer um questionário para oWalchulck, para ver se ele ficavamais calmo econtava o que tinha acontecido. Aí uma porção de coisas ficou clara: oWalchulck tinha recebido ainformaçãodequeexistiaumabombanocarropessoalmentepeloTatáedepoispeloinspetorGilberto,da16ªDP.HaviaaindaumatestemunhaqueéaqueletaldePassoFome,funcionáriodoRiocentro,queviupassar umPassat.Ehavia ainda apossibilidadede se saber ohorário emqueoPumachegou aoRiocentropelocanhotodoestacionamento.Na reunião, oWalchulck lembrou também a questão do policiamento. Ele disse que não tinha havidonenhumaameaçadenadaesteano.Mas,comonoanoanterior tinhahavidoumaameaçapor telefoneetinhaestouradoumabombaemumadasagênciasdecadernetadepoupançaquevendiaingressosparaoshow, oWalchulck, depois de conversar com oDickson, resolveumostrar omesmo esquema do anoanterior,compoliciamentoostensivodobatalhãodeJacarepaguáemaisopessoaldoRiocentro,queécompostoporex-militares,pessoasdeconfiançadoWalchuck.Quemjáteveaoportunidadedeconhecerdeperto,sabequeentreosmilitarestemmuitodisso,grupos,panelinhas,quenãosedissolvem,mesmonareserva,eoWalchulckédogrupodoDickson,queporsuavezéumdosoficiaisqueparticipoudacampanhadearticulaçãodacandidaturadoGeneralEulerBentesMonteiroàPresidênciadaRepública.Bem,depoisdefalarcomoDicksonàsvésperasdoshowde1ºdemaio,oWalchulckpediuportelefoneereiterouporofíciooseupedidodequeobatalhãodeJacarepaguámandassesoldadosdaPMparadarcoberturaaoshow.Nasduashorasantesdoshow,oWalchulckcontaqueaindatelefonouparalá,masnãoobteveresposta(obatalhãoestavatrocandodecomandonaqueledia).Quandoexplodiuabomba,eleligoupessoalmenteparaoCerqueiraeaícomeçouachoverPMnaárea.Aminhapresençanessareuniãoexplicaemgrandeparteasinformaçõesqueusamosnaquelamatériadedomingo17demaioeemoutrasanteriormente.Evidentementequetivemosmuitasoutrasfontes.Todososjornais,desdeantesdoAI-5,criaramformasde obter informações. Na época da censura, os jornais tinham como prática fazer todas as matérias,mesmoasquesabiamquenãoiamsair.Foiumaposiçãocorretadosjornaisecadaumdelesformouasua pasta, com asmatérias censuradas, que ficaram comoumamemória do jornal.Essa prática geroufontesetécnicas,queagorapassaramavaler.Antigamente,umaordembastavaparaqueumamatérianãosaísse;agora,comaabertura,saimuitodoqueéapurado.Issonãosignificaqueagentenãoselecione.Naverdade,achoquetemosamesmaposturaqueosórgãosde informações: não se despreza nada, vai se relacionando nomes com locais e situações, vai seacumulandodadosaté se ter algodeconcreto.Nós também temosgrausparanossas informações.Porexemplo,asinformaçõesqueeupegueinareuniãonacasadoDicksoneunãotenhonenhumadúvidadequeeramverdadeiras,porcausadaemoçãodaspessoasqueestavamfalandoeporqueelesnãosabiamque eu era jornalista. Agora, no caso do afastamento doWalchjulck duas horas antes do show e porordemdaAngelaCapobianco(diretoradoRiocentro),eu registroa informação,masela temumvalorrestrito para mim, porque eu sei que existe uma animosidade muito grande entre a dona Angela e oDickson. Então eu anoto, mas antes de imaginar que tudo aquilo foi uma trama diabólica eu tenho ocuidado de lembrar que existe esta animosidade e que o Walchulck também pode ter sido afastadosimplesmenteporque,comonãohouveameaçanenhuma,elesacharamqueeramelhorqueelecuidasse

do dinheiro do show e do estacionamento. Agora, a informação está guardada. Se um dia ela serelacionarcomoutrasquecomprovemalgumacoisa,aíserádiferente.’’(FritzUtzeri,repórterdoJornaldoBrasil)

FritzUtzeripermaneceumais8anosnoJornaldoBrasil.FoicorrespondenteemNovaYork,entre1982 e1985, e emParis,de1985a1989.DevoltaaoBrasil, foi ainda editornacionaldo jornal.Depois,trabalhounaRedeGlobo,comoeditordeciênciae tecnologia.Natelevisão,participoudaproduçãode umprogramaGloboRepórter que rememorou o caso: “Riocentro, 15 anos depois”.Trabalhou também como Diretor de Relações Corporativas da empresa Alcatel e comoSuperintendentedeComunicaçõesdaFundaçãoRobertoMarinho.FoieditordeartigosdojornalOGloboe,em1999,estavadevoltaaoJornaldoBrasilcomoarticulistaeeditorialista.Fritzmorreuemfevereirode2013,depoisdetrêsanosdelutacontraumtipodecâncerraro.

“HojeachograçadevernosjornaisquereportagensatuaispossamterreveladoalgumanovidadequeteriadesencadeadoonovoIPMporqueaverdadetodafoicontadanaquelaépoca,doisdiasdepoisdaexplosão.Eu e oHeraldo (HeraldoDias, repórter do Jornal doBrasil) estávamos de plantão.Nosso colega,Fleury(SérgioFleuryFilho,repórterdoJornaldoBrasil),estavadefolgaefoiàpraia.Viu,emfrenteà delegacia do bairro, oPuma do capitão e telefonou para nos avisar. Fomos lá e fotografamos ocarro de todos os ângulos possíveis. A partir destas fotos e com a análise de um perito exclusivo,orientamosparaaediçãododiaseguinteaconfecçãodeumdesenhoquemostravadetalhadamentequeseria impossívelabomba terexplodidoentreaportaeobancodoPuma.Ali ficouclaroqueabombaexplodiunocolodosargento.Aqueles foram os melhores anos da minha vida profissional. Eu e o Heraldo fizemos muitasmatériasinvestigativas, sobre casos comoo desaparecimento doRubensPaiva.A ossadadoRubensPaiva nunca foi encontrada. Achamos que foi enterrada no cemitério da Cacuia, na Ilha, e foitransferidaparaládoRecreiodosBandeirantesedoAltodaBoaVista.Oproblemaéquejogavamcalvirgemnoscorposeosossosdecompunhamassimqueexpostosaoar.Conhecemosdepertoo‘porão’(nomedadoaosbastidoresdatortura),felizmentecomojornalistasenãocomovítimas.AhistóriadabombanoRiocentronãotemquerecontar,porquejáestácontada.Masareaberturadocasoémuitoimportanteparaarevelaçãodequemforamosmandantesdoatentadoedequaiseramosseusobjetivos.Duranteanostudoficoulimitadoadoisnomes,emboraagentetenhasempresabidoqueoExércitonãoiatomartodaessaculpaporcausadeumcapitãoedeumsargento.Oqueimportanão é a condenação porque, no crime que na verdade não houve, os punidos foram os autores. Arevelaçãoéimportanteporqueanistiaéumacoisaedistorçãoéoutra.Naépoca,osdoisjornaisquemelhordetalharamocasoforamoJornaldoBrasileo‘Estadão’,masqualéaparceladapopulaçãoquetinhaacessoaestesjornais?ARedeGlobodeuapenasnoFantástico,quandoaindanãosesabiaaextensãodetudo.Logodepois,osmilitaresconfiscaramosvídeose,paraatelevisão–atéporqueéumaconcessãodoGoverno–restouapenasaversãooficialdoregime.Masahistóriatemqueirparaoslivroscontandooquerealmenteaconteceu.”FritzUtzeriOutubrode1999

Ocuidado, todoocuidadodenão imaginarechecare rechecar informaçõesantesdepublicá-las,não

bastou.Exatamenteeapenasumasemanadepoisdodia17demaio,umaoutramatériadedomingotraziaoRiocentrodevoltaàprimeirapágina.‘‘1.ASSUNTO:ATENTADOTERRORISTANORIOCENTRO2.ORIGEM:IEX/2ªSEÇÃO3.AVALIAÇÃO:A-24.DIFUSÃO:X5.DIFUSÃOANTERIOR:X6.ANEXO:X7.REFERÊNCIA:X’’O cabeçalho identificava o Informe nº 233-20/81/PM-2 que o Jornal do Brasil divulgava, comexclusividade,nodia24demaiode1981.InformedaPMSobreBombaAcusaImprensaeraotítulodachamada: ‘‘Através de um informe reservado, dirigido ‘ao público interno’, a Polícia Militar fazcomentários sobre o atentado no Riocentro e acusa ‘a imprensa infiltrada da área’ de há muito virtrabalhandonosentidode formarumaopiniãopúblicadesfavorávelàsaçõesdasForçasArmadas,emrelaçãoàdefesainterna.’’Odocumento,reproduzidonodiaseguinteemOGlobo,informavaqueoIExércitohaviaumaOrdemdeMissãodeslocandoparaoPavilhãodoRiocentroumaequipedoDOI/IEX,supervisionadapeloCapitãoWilsonLuísChavesMachado,eafirmava:‘‘Aimprensa,aproveitandoaoportunidade,passouaexploraro fato de formar sensacionalistas, acusados e condenados sem qualquer prova ou fundamento e semnenhumachancededefesa,dentrodatécnicade‘orquestração’,nosperiódicosdaárea,comreflexosemtodoopaís.’’

No mesmo dia em que foi publicado o informe, o comandante da PM, Coronel Nilton Cerqueira,declaravaaos jornais:‘‘Nãoimputoà imprensa,masàspatrulhas ideológicasexistentesnosórgãosdecomunicação,essatentativadeindisporaopiniãopúblicacomasautoridadesdesegurança.’’Três dias mais tarde, o I Exército divulgavfa nota com acusações mais abrangentes: ‘‘Elementos deesquerda infiltrados na imprensa e outros, por eles influenciados, inconformados diante das medidasvigentesdesalvaguardaesigilo,vêmseutilizandodetodososmeios,forjandofatosesituações,semomínimodefundamento.Dessemodo,apresentamasmaisvariadasdeduçõesdasmenoresatividadesderotina,comafinalidadedeinfluenciaraopiniãopública,segundoversõesporelesarquitetadas.’’‘‘Emqueonoticiáriodosjornaisedemaisveículosdecomunicaçãoétendencioso?Quetendênciapodeocultar-se atrás do desejo de esclarecimento disputado livremente no noticiário dos jornais?’’ Asperguntas,noeditorialdoJornaldoBrasilde26demaio,refletiamasurpresacomquefoirecebidooInforme.Masaindignaçãoqueimediatamenteelecausoutambémestavarefletida.OJBfalavaemnomedaNação–‘‘aNaçãobrasileiratemodireitodeserconsideradacomoumtodoenãoseenquadraemartifíciosqueseparemperigosamenteosbrasileirosemduascategoriasdepúblico(internoeexterno)’’–e era veemente: ‘‘As nações que se deixaram conduzir ao fascismo legaram à humanidade uma liçãocontundentesobreosperigosdodivisionismo.Oquesevêéoprenúncioinsensatodedesviar-seoBrasilda sua possibilidade democrática para a aventura totalitária, que é inviável sem dividir os cidadãosperanteaConstituição.’’Sinais de Perigo (título do editorial) foram reconhecidos não só pela imprensa. Na verdade, páginasinteiras dos jornais dos dias seguintes estampavam a reação de praticamente todas as instituições epersonalidades democráticas da sociedade civil. Dia 27 de maio, o Conselho Administrativo daAssociação Brasileira de Imprensa aprovava nota assinada pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinhoafirmandoque‘‘onoticiáriodosjornaissecaracterizoupeladivulgaçãodefatos,enãodeversõesem

tornodoepisódiodaexplosãodebombasnoRiocentro,cumprindo,nessadivulgação,omaissagradodeseusdeveres,queéodeverdeinformar’’.AABI–quehaviasidopalcodaprimeiramanifestaçãodasociedade civil contra o atentado (logo no dia 1º demaio, quando lá se reuniram representantes dosdiretóriosregionaisdospartidospolíticoseassociaçõesdiversas)etiveraseupresidente,BarbosaLimaSobrinho,aoladodeBernardoCabral,daOAB,comodiretordareuniãodetodosospartidospolíticos,emBrasília,nodia7demaio–reiteravaseuapoioàimprensaeseurepúdioaoterrorismo.Tambémdivulgaramnotaconjunta,contra‘‘aevidenteintençãodeatribuiràimprensaresponsabilidadepeloestadodeperplexidadeeinsegurançaemqueseencontraaNação’’,oSindicatodosJornalistasdeSãoPaulo, a seçãopaulistadaABI, a comissãode JustiçaePazeoSindicatodosTrabalhadoresemEmpresas deRadiodifusão e Televisão de São Paulo.Dezenas de deputados de todos os partidos deoposiçãofizerampronunciamentos.OpresidentedaOAB,BernardoCabral,eojuristaHelenoFragosotambémcriticaramacondenaçãoàimprensa.AreaçãoearepercussãoforamtãograndesqueatéPelé,tão avesso a comentários políticos, depois de discursar em inglês na 72ªConvenção Internacional doRotaryClub, alguns diasmais tarde, afirmava à imprensa: ‘‘Opovo quer a abertura política e nemoterrorismoiráatrapalhá-la.’’Mas se as reações existirame se a repercussão foi grande, elasnão impediramoprosseguimentodasacusações:dia27demaio,umapequenanotanoJornaldoBrasil informava:AdesgAchaImprensadeMá-fé. ‘‘O presidente da Adesg, procurador Álvaro Teixeira de Assumpção, divulgou carta-circularenviadaa3mildiplomandosdaEscolaSuperiordeGuerra,naqualacusaaimprensaealgunspolíticos,cujosnomesnãorevelou,deseaproveitaremdemá-fénoatentadodoRiocentro.’’Não impediram também novas bombas. As primeiras páginas dos jornais deste mesmo 27 de maionoticiavamasuspensãodasessãodoSenadodavésperadepoisdevárioscomunicadosdeumhomemquesediziadoComandoDeltaanunciaremqueumabombaiaexplodirnoplenário.Abombaerafalsa,um brinquedo de plástico. O JB registrava: ‘‘O ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel mostrou a‘bomba’àimprensaeironizou:‘Eisoperigoexplosivo’.’’Namesmaedição,emeditoriaiseartigos,oscomentaristaspolíticosviaminsegurança,tensãoeseriedadena‘‘brincadeira’’.Enamesmachamadadeprimeira página que noticiava a falsa bomba do Senado, o Jornal do Brasil que informava que oGovernadordoEspíritoSantos,EuricoRezende,qualificarade‘‘crimedecaráteraltamenteterrorista’’umoutroatentadoabomba,contraojornalATribuna,nacapitaldaqueleestado.PoucomaishaviaaapurarsobreoRiocentro.Dia30,osjornaispublicavamentrevistadoprocuradordaJustiçaMilitarqueacompanhavaoIPM,GilsonRibeiroGonçalves,informandoquepediriaprorrogaçãode20diasparaasinvestigações.Euma‘‘altafontemilitar’’diziaaoJornaldoBrasiloqueviroutítulodechamadanaprimeirapágina:CapitãoWilsonDepõeeseDeclaraVítima.O‘‘públicoexterno’’tinhaacompanhado,diaadia,aquelahistóriaerecebiajáindicaçõesdequalseriaoseufinal.Apesardetudo,apenastrêsdiasmaistardeedevidoaproblemasentreo‘‘públicointerno’’,oassuntovoltavaaterdestaque.‘‘Cabeà8ªRegiãoMilitarexplicaromotivodeminhasubstituição,poiso2ºBIS(BatalhãodeInfantariadaSelva)estádiretamentesubordinadoàquelecomando.Sinto-menaobrigaçãodedeclararquenãoésoltandobombasquevamosconstruirumademocraciaecombaterocomunismo.EnemoExércitopodeacobertaressesatoscriminososqueatentamcontraainstituiçãoeapátria,quaisquerquesejamosseusautores.EunãoalimentodúvidasdequeasduasexplosõesdoRiocentroforamdaresponsabilidadedeintegrantesdeumórgãodeinformaçãodoExércitoedequeestaconclusão,bemcomooutrasdeigualimportância, jásãodoconhecimentodasautoridadescompetentes,queestãonaobrigaçãoderevelaraverdadeedetomarasprovidênciasindispensáveiseurgentesquetodaanaçãobrasileiraanseia.’’Adeclaração,escritadeprópriopunho, foientreguepeloTenente-CoronelNivaldoMellodeOliveira

Dias, após sua destituição do comando do 2º Batalhão de Infantaria da Selva, a uma emissora detelevisão de Belém. No dia 3 de junho, o Jornal do Brasil e OGlobo publicavammatérias sobre oassunto.Alémdacarta,asseguintesinformações:‘‘Oatosurpreendeutodaatropa,convocadaàspressasparaaformaturadetransmissãodoComandoaosubcomandante,Tenente-CoronelMonte,queserecusouaassumi-lo.SóofezporinsistênciadopróprioNivaldo.Todaaoficialidade,porém,numademonstraçãode solidariedadeaoex-comandante,nãoolhouàdireita,ondeestavaogeneral (GeneralValtencirdosSantosCosta),nahoradodesfiledatropa’’(JornaldoBrasil).Emais:‘‘FontesdoExércitoinformaramnofimdanoitequeotenente-coronelnãoserápunido,masserátransferidoparaCuiabá’’(OGlobo).Nodia5demaio,ainformaçãodeOGloboeradesmentida:osjornaisnoticiavamqueotenente-coronelfora punido com prisão de 20 dias, que já cumpria no quartel da 8ª RegiãoMilitar. Nomesmo dia,publicava-se a notícia da prisão também do Coronel Tarcísio Nunes Ferreira, por dois dias, por terconcedidoentrevistasàsrevistasIstoÉeVeja,quenãoforampublicadas.

AColunadoCastello:osbastidoresdopoder

‘‘Aleituradesuacoluna,vocêsabe,éumcompromissodiáriodetodososhomensquepensam,decidemeagemnestepaís.Eacadadiacolhemosaliopiniões,tendênciasefatosqueseguramenteinfluirãonosdestinosdetodosnós.’’NãoéexageradooelogiocomqueopresidentedaFederaçãodas IndústriasdoEstadodeSãoPaulo,LuísEulálio deBuenoVidigal, abria a carta publicada naColuna doCastello de 2 demaio.Nela, oempresárioregistravasuasurpresaporterocomentaristapolíticovisto‘‘indíciosdecondicionamentodaabertura’’navisitaàFiespdeumgrupodeoficiaisdasForçasArmadas,àfrenteoMinistroChefedoEMFA,GeneralJoséFerrazdaRocha,justamenteduranteosdiasemque,nafumaçadasexplosõesdoRiocentro, se identificava entre omeiomilitar sinais de inconformidade com o processo de aberturapolítica.AformaçãodegruposdemobilizaçãoindustrialExército-empresa–motivodavisitadosoficiais–haviasidocriticadanacolunadodia15demaio:‘‘Estepacto,comosesabe,deutranquilidadede1964a1974à operação dita revolucionária, assegurando-se a ordem para a prosperidade das empresas. Adiversificaçãocomeçouacorreremfunçãodairrupçãodedificuldadesfinanceirasedecriseeconômicana qual ainda estamos mergulhados. O Sr. Luís Eulálio Vidigal era até aqui um líder empresarialcomprometidocomaabertura. JáagorapassouaserumaliadodoEstadoMaiordasForçasArmadasparaoexameconjuntodeprojetosdedesenvolvimentoeestudodahipótesedetransformaçãodoparquefabrildeSãoPauloparaeventuaisnecessidadesbélicas.’’MasnãoeraesseoassuntoprincipaldaColunadoCastellodaqueledia.AAberturaHojeComoOntemafirmava: ‘‘O episódio do Riocentro foi bastante para demonstrar que o General Figueiredo está tãoenquadradopeloscomandosmilitaresquantoseusantecessores.’’Éque,naverdade,otemadaformaçãodos grupos industriais Exército- empresa foi apenas um dos muitos que, depois de destacados emmanchetes ou desapercebidos em pequenas notinhas, foram devidamente relacionados não só com oepisódiodoRiocentro,mascomahistóriarecentedopaís.Maisdoqueinformaçõesexclusivas–ecomfrequênciaeleastem–,nãoéexageradoafirmarqueoqueseobtevelendooCastello,diariamentequase,duranteaquelemêsdemaio,foiaconsciênciadoqueasbombasdoRiocentroiamfazendocomosprincipaispersonagensdopodercivilemilitardopaís,comoenredodoprocessodeaberturademocrática.Dia3demaioeantesquepraticamentetodaa‘‘imprensaalternativa’’encontrassenofatoalvojustoparatodasaspiadasecartoons,foiCarlosCastelloBrancoquem,aindaquecombomhumor–‘‘EstranhodomdeadivinhaçãotemoGeneralMuniz’’eraaprimeirafrasedesuaprimeiracolunasobreoRiocentro–,em primeiro lugar e melhor apontou no episódio os elementos de um estremecimento daquelespersonagensedaqueleenredo.Depois de ressaltar a intensa convivência do secretário de Segurança do Rio de Janeiro com oministério,CastellorelacionouadeclaraçãodeAbi-Ackel–‘‘abombaexplodiunoGoverno’’–aumapassagemhistórica: ‘‘Aspalavras doministro da Justiça trazemo ecode uma conferência deGetúlioVargas,nodiaseguinteaoatentadocontraojornalistaCarlosLacerda,confidênciadepoisdivulgada,deque a bala atirada contra seu adversário ricocheteara e lhe batera no peito.’’ O comentarista via‘‘felizmentediversas’’as situaçõesde1954edaquelesdiasdemaio.Masadvertia: ‘‘OGovernoestáferidopelosestilhaçosdasbombas’’e‘‘éevidentequeoGeneralSecretário,quandofalouaosjornais,nãosabiadenada.Seelesoubessedetudo, issoseriamuitograve’’.Nocorrerdosdias,Castelloiria

revelar com mais detalhes o quanto as explosões haviam ricocheteado na figura do Presidente daRepúblicaeaextensãodeseuisolamentonomeiomilitar.Apenas 5 dias depois das explosões, Castello era novamente talvez o primeiro a afirmar ‘‘semdesrespeitoaoGeneral-ComandantedoIExército’’quenãohavia‘‘muitasesperançasdequeoinquéritopolicial militar termine por transmitir à opinião pública informações completas sobre a operação noRiocentro’’.Na coluna seguinte (6 de maio) ele comentava o discurso em que o Senador Nilo Coelho haviacondenado veementemente as ‘‘notas e declarações apressadas’’ do comandante do I Exército e dosecretáriodeSegurançadoRioeafirmavaqueocomandantedoIExército–‘‘elehomenageouosargentomorto, absolvendo-o previamente’’ – já teria tido ‘‘tempo bastante para refletir nas suasresponsabilidades e aprofundar as investigações’’. É que, antecipando o que o presidente diria emdiscursoumdiadepois,Castelloachavaque‘‘oPaláciodoPlanaltoeaopiniãopúblicanãoaceitariaminvestigaçõespolíticas’’.Aobservação– ele revelou– era comum ‘‘a quantos se reuniamnoRio emtornodoex-presidenteMédici,quecomemoravacomamulhersuasbodasdeouro,cercadoporcentenasdeamigosetendoaseuladooex-presidenteErnestoGeiseleoPresidenteFigueiredo’’.Nodia7demaio,os jornaispublicavamodiscursoemque,respondendoàsolidariedaderecebidadeentidades empresariais, Figueiredo dizia: ‘‘Alguns elementos teimam em não aceitar a pacificação,Teimamemcopiarexemplosextrafronteiras.Teimam,porque teima,porqueoutrosargumentosnão têmparaapresentar,paraimpingirànaçãoaideiadequesãocapazesdedeteroGovernonadeterminaçãodenormalizarpoliticamenteopaís.’’CarlosCastelloBranco poderia ter adivinhado o clima que, naquelemomento, envolvia oPalácio doPlanaltomesmoquenãohouvesserumoresnacomemoraçãodasbodasdeourodoex-presidenteMédici.Jornalista há 43 anos, cobrindopolítica há 33 e comemorando20 anos da sua coluna – que, alémdoJornal do Brasil, é publicada em dezenas de outros jornais –, ele é o mais antigo profissionalcredenciadonoCongressoecertamenteoquemaisdispõedeprestígioefontes,nãosópolíticas.‘‘Comeceinacoberturapolíticaem1949,peloscontatosmineiros,porquesoumineiro,emetorneiamigodopessoaldoPSDedaUDN,osprincipaispartidosdaépocaemqueaCâmaraeoSenadoeramoscentros políticos. Os deputados e senadores tinham grande grau de participação. Os governadores eministrossaíamdoCongressoeparalávoltaramdepoisdefindosseusmandatosegestões.IssotornavaoCongressoafontefundamentaldosacontecimentospolíticos,oquefoiverdadedurantetodooregimede 46. Os repórteres políticos eram poucos – uns dez mais ou menos – e éramos frequentementechamadosparareuniõesinformaiscomopróprioPresidentedaRepública.Depoisde1964,opodercomeçouasetransferirgradualmentedoCongressoparaoExecutivoeparaosquartéis.Em1968,comoAI-15,atransferênciafoicompleta,emboraoCongressoaindacontinuasseaseruminstrumentopolítico importante.Masveioorecessoparlamentarecontinuamosaescrevercommuita dificuldade.Até queCosta e Silva adoecesse, ainda havia o vice-presidentePedroAleixo, queelaborava uma emenda constitucional para acabar com o AI-15 e era nossa fonte. Mas o presidenteadoeceueAleixofoi impedidodeassumir.DeixeidefrequentaroCongressoepasseiafazercontatosdentro daquelas áreas para onde se deslocou o poder político: militares e Executivos. Eu era bemrecebidoporváriosministros,comooLeitãodeAbreu,quecomandavaapolítica,eDelfimNeto.Alémdissohaviafontesmilitaresetodosnosdavamindicaçõesdastendênciaspolíticas.Aunidademilitaréumacoisamuitoprecária.Hácorrentesmaisemenosdiscretas,maisemenosconformadaseéimportanteaocomentaristapolíticolocalizaressesvazamentos.Éimportantelembrartambémqueaexperiência,oconhecimentocontam:em68eujátinha20anosdecoberturapolítica.EmBrasília, naquela época, havia ainda uma facilidade adicional: era uma cidade pequena emque a

gente estava sempre se esbarrando em reuniões sociais, almoços e acabava encontrando pessoasimportantesouatémesmotendoaoportunidadedeumaconversapessoalcomumministro.Umpoucomaistarde,aoposiçãopassouatercertaforça,algumasignificaçãonoprocessopolíticoeaítambém formamos fontes, fizemos contatos, porque é imprescindível ao repórter político, aocomentarista,adiversificaçãodasfontesdeinformação.Nestes20anosdecoluna,tirandoosdomingoseferiados,devoterescritoumas250porano,oquesignificaumtotaldemaisde5mil.Sófoipossívelporessetrabalhodeaproximaçãoeafastamentodasfontescertasnosmomentoscertos.EtambémporqueoJornaldoBrasilmeassegurousempreamáximaautonomiaeprestigiouaresistêncianospioresperíodos.Eolhaqueeujáfuipresopelomenosumastrêsvezes.As colunas de maior repercussão são as dos períodos de crise. São as que têm por base grandesinformações,porque,quandoháproblemascríticos,acolunaélidaporummaiornúmerodepessoas.Foiassim, por exemplo, durante praticamente todooGoverno JoãoGoulart, uma crise de três anos, e foiassimagoracomoepisódiodoRiocentro.Houve,emprimeirolugar,umacoberturaexcelentedesdeosprimeirosdias,umtrabalhojornalísticodeprimeiragrandezaemquedestacoosrepórteresdoJB,queforammuitobons.Apartirdovolumedeinformaçãorecolhidoepublicado,criou-senaopiniãopúblicaumaconsciênciadoquetinhahavido,atravésdeindíciosmuitofortes.Aomesmotempo,havia,tambémdesdecedo,aexpectativadequeoExércitonãoquisesseounãotivessecondiçõesderevelaratéofundooqueacontecera.Omeutrabalhosebaseouemobterinformaçõessupletivasqueanalisassemoquehaviasido apurado pela reportagem, para tornar mais ostensivas e mais ditas as evidências a partir daapuraçãodosfatos.Arepercussãodacolunafoimuitogrande.Recebicartas,muitostelefonemas,telegramasentusiasmados,quenãoéaconselhávelsepublicar,porquesãoelogios.Recebitambém,éclaro,muitasreclamações,amaioriaemcartasanônimas.Issosempreacontecequandoamatéria-primaéofato.Efatossãosemprepublicados.Análises e repercussões dependem de quem é a fonte e damaneira que a fonte coloca ainformação. Escrevo com segurança sobre as duas coisas – fonte e conteúdo – e isso asseguraantecipaçõesacertadas.AntesdeoPresidenteFigueiredovir aoRio,porexemplo,quandoda festadasbodasdeourodoex-presidenteMédici,eleteveumareuniãocomoGeneralOtávioAguiarMedeiros,chefedoSNI,ecomoGeneralDaniloVenturini,chefedaCasaMilitar.OMedeirosrepresentavaaopiniãodacomunidadedeinformaçõeseoVenturini,adoExército.Nesseencontro,ficoudecididoqueocasodeveriaserentregueao I Exército e que não se ia puxar o fio dameada. Se o assunto fosse investigado em profundidadepoderia envolver oficiais de maior nível, muitos na reserva, mas até coronéis em serviço ativo. Aapuraçãoseriarestritaaofatoemsi.QuandooPresidenteFigueiredodesceunabaseaérea,encontrouoGeneralGentilMarcondeslheesperandoecomunicou-lheadecisãodeentregarocasoaoIExército.Aconversafoifriaerápida,porqueopresidentenãoqueriafalarmuitonapresençadoGovernadordoRiode Janeiro,Chagas Freitas, que também o esperava na base.No dia seguinte, eu soube que o Sarneyandava à cata de informações sobre como seguiria o episódio Riocentro. Ele encontrou-se com umgeneral,quelhedisse:leiaaColunadoCastelloqueeleestáantecipandotudooquevaiacontecer.OqueeudiziaeraquedificilmenteoInquéritoPolicialMilitarchegariaaapontartodaaextensãodoepisódio.Eradia5demaio.Ainda nesse período, houve uma outra coluna que irritou muito os personagens envolvidos, mas erarigorosamenteautênticaebaseadaemumacartaqueoGuilhermeFigueiredoleuparaumamigocomum.”(CarlosCastelloBranco,colunistadoJornaldoBrasil)

CarlosCastelloBrancomorreuaos76anos,em1ºde junhode1993,de infarto.Foiumdosmais

brilhantes,bem-informadoseprestigiadoscolunistaspolíticosdahistóriadoBrasil,tendoexercidoaprofissãoaolongodogovernode13PresidentesdaRepúblicaedavigênciadetrêsConstituições.

Os personagens irritados eram, além de Guilherme Figueiredo, seus irmãos João, Diogo e Euclides,respectivamente, Presidente da República, comandante da Escola de Comando e Estado Maior ecomandantedaVilaMilitar.Dia23demaio,acolunaAfamíliaFigueiredocomeçavaassim:“Noticiou-sequeoPresidentedaRepúblicateriasidonotificadoporseusdoisirmãosgeneraisdeque,nahipótesedeconflitoentreoPaláciodoPlanaltoeoExército,elesficariamcomoExército.”Nela,Castellocontaainda algumas rusgas internas, antigas, íntimas, embora envolvendo assunto e cargos públicos: “OGeneral Euclides, quando coronel, serviu no Palácio do Planalto e seu irmão João era o Chefe doGabinete Militar. Um dia, Euclides pediu ao então Coronel Octávio Costa, diretor da AERP, queadmitissenoseuserviçocomoestagiárioumfilhodelequefaziacursodecomunicação.Costaatendeuimediatamente ao pedido, mas quando o General Chefe da Casa Militar soube do que se passaradeterminouaoCoronelqueexcluísseosobrinhodalistadeestagiáriosderelaçõespúblicas.”Poucosdiasmaistarde,CastellopublicavaaversãodoagoraGeneralOctávioCosta.Nãochegavaaserumdesmentido;retificavacargosecursosdocontratado/demitido.Nãoimportava.Oqueimportavaeraque,pelacoluna,Castelloestavacumprindoaproposiçãodetornarmaisostensivas,maisditas,algumastendências. E essa não era pouco importante: era a tendência ao isolamento tão profundo do generalpresidenteemseumeiomilitar.Muitoantesdodia23,esseforaotemadeváriasdascolunasemqueCastellocomentouoRiocentro.Depoisdadodia5demaio,recomendadaporumgeneralcomoleituradidáticaaoSenadorSarney,umasérie seguiaospassosdaquenodia seguinte, corrigindooSenadorNiloCoelho,vianopresidenteohomem-chave,enãonoCapitãoWilson,paraesclarecerasexplosões.Aconfiança–“opresidentetemexperiênciaediscernimentoparalereentenderoquelheforentregue”,8demaio–eaexpectativa–“oqueninguémqueréumpresidenteatingidoporbombasoumanietadonasuatentativadeexporaverdadeà nação” – 9 demaio – duram pouco. Se desde o princípio notava-se que Castello refletia em seusescritos, de um lado, a consciência de que o IPM dificilmente seria “extremamente” revelador e, deoutro,aansiedadecomqueoconjuntodaclassepolíticaeparceladomeiomilitar–asfontesconfessasdocomentarista–aguardavamumaatitudedopresidente,dia10demaioreduzia-seemmuitoaangústiadessa espera.Castello anunciavaOReversodeBrasília : “O reversoda reuniãodeBrasília (reuniãoentre representantes de todos os partidos políticos para prestar apoio ao presidente na apuração dasexplosões)poderáserumareuniãosagradadosremanescentesbolsões,‘sincerosmasradicais’,dequefalavaoGeneralErnestoGeiseleque,emcertosmomentos,sentiramsobreosombrosamãopesadadoex-presidente.OGeneralFigueiredofalagrossomassuasmãosaindanãobaixousobrequalqueropositordapolíticadaaberturaenãoseránestemomento,depoisqueeleuniuaNação,que irácometernovasimprudências.Aténovembro,oChefedoGovernoestarávinculadoaconstrangimentosnaconvivênciacom os companheiros que o ajudaram na carreira ou que o auxiliaram a chegar à Presidência daRepública. Até aquele data, basta que ele permaneça fiel ao seu juramento e espere que airreversibilidade dos acontecimentos fortaleça sua posição e o passar do tempo elimine as pressõesmorais.”Nodia13demaio,Castellosentenciavaaindamaisclaramentequalseriaoresultadodadicotomiaemque se encontrava o Presidente da República: Não se puxará o fio da meada. E, de acordo comexplicaçõesquereceberadefontesmilitares,diziaqueadecisãodoGovernoseriaadepreservarseuprestígiotendoemvistaa“opiniãointerna”.A“opiniãoexterna”seriaoutroproblema“asertratadonocorrerdostempos”.

OcondicionamentodoprocessodeaberturapolíticaàconcordânciadasForçasArmadaseraaindatemadascolunasde14e16demaio.Acolunadodia17analisavaadecisãodopresidenteemnãoconcederentrevistasà imprensadurantesuaviagemàAlemanha.Aomesmotempoemquelembravaque“nãoéestilo doGeneral João Figueiredo calar a boca”, Castello discordava de opinião recente doGeneralFerreiraMarques,queestavaassumindoachefiadoEstadoMaiordoExércitoeconcluía:“Opresidentenãoestáemcondiçõesdelevaraaberturademocráticaàsúltimasconsequências.”Maisdoqueodesagrado,oimpassequeasituaçãoimpingiaaopaístambémestevepresente.“Em1968tudo era claro. Agora tudo é obscuro, inclusive a margem de riscos que é imprevisível.” Eram asprimeirasfrasesdacolunadodia20demaio.OtemaeraasubstituiçãodoencarregadodoIPMsobreasexplosões no Riocentro: “O Coronel Prado Ribeiro, apresentado como um profissional competente,desvinculado de questões políticas, afastou-se da chefia do IPM por motivos de saúde que serãoapurados.”OIExércitotomaainiciativadedeixardúvidassobreasrazõesdoafastamentodocoronel.Apartir daí todas as especulações são legítimas. Senão vejamos. 1)O coronel pode realmente ter tidoproblemas de saúde que o impediam de desincumbir-se damissão. 2) O coronel pode ter alegado omesmo motivo para não chefiar o IPM por não querer realizá-lo, em solidariedade para comcompanheiros.3)Ocoronelpodetersidoinduzidoaafastar-seporestarindoalémdamedidadentrodaqualdevemsituar-seosfatos.Qualaversãoverdadeira,jamaisasaberemosenquantovivermossobesteregime.O coronel foi substituído por outro oficial de igual patente, atualmente na chefia de relaçõespúblicas, a quem se atribui ter orientadoo desmentidodaTVGlobo sobre a existência damisteriosasegundabomba.Diasmaistarde,osjornaisnoticiavamqueoCoronelPradoficariainternadodurante30diasnoHospitalCentraldoExército.Aindanacolunadodia20,Castellohaviaafirmado:“Assimcomoasegundabomba,aexpectativadaverdadedesapareceunohorizonte.”Outrasexpectativas–eatémesmoadarenúnciadoPresidentedaRepública–permaneciamnoar.Nodia28demaio,Castellolembrava,depoisdemencionaratrocadeconfidênciasentreoPresidenteViolaeoPresidenteFigueiredo,nasreuniõesquetiveramemPassodeLosLibreseUruguaiana(poucosdiasantes),relacionadascomas“dificuldadesinternasqueambosatravessamparaconduzirseusrespectivospaíses a uma abertura política”, um diálogo ocorrido há quase 20 anos. Era o diálogo entre os ex-presidentesArturoFrondizieJânioQuadros:“AcertaalturaoprimeirodisseparaosegundoquetinhaaimpressãodequeambososGovernos,odaArgentinaeodoBrasil,eraminstáveis,acrescentandoquedificilmente chegariam ambos ao fim do ano. Em agosto, Quadros renunciou e alguns meses depoisFrondizifoideposto.”Embora informasse existir uma versão de que o Presidente Figueiredo teria aludido já à hipótese de“deixar tudo isso e chamar o Pires para governar”, Castello dizia que, de acordo com a expectativaministerial,odesfechonãoseriaderecuo:“Opresidenteestácomavozembargadapelaemoção.Daíoseusilêncio,não,nãoasuaconformidade.”AconformidadeaínãosereferiaàapuraçãodoepisódioRiocentro.Comodesaparecimentodaverdadeno horizonte, o presidente estava já conformado.O que estava em jogo era a continuidade ou não doprocesso de abertura política. Dia 29 de maio, Castello traçava o quadro: “Ainda as bombas doRiocentro.Qualooutro tema?Anaçãoestá intranquila, oCongresso eospartidos estão isolados eoPaláciodoPlanaltofechou-seemcopas.ÉclaroqueoGovernocontinuaaoperaradministrativamentecomo sempre o fez nesses longos anos de predomínio militar, mas opera como uma entidadeensimesmadaedistante,tomandodecisõesque,mostrandooatrasodoprogramadeabertura,nãorefletemsenãoopçõesdopequenogrupoquetomouasigovernaroBrasil.”Castelloasseguravaqueopresidentenãohaviadesistidodoprojeto,masquestionavajásuaqualidade:

“Oquesediscuteéatéquepontooprojetopermitiráa límpidaapuraçãodavontadepopular,poisosindícios são de adoção de salvaguardas para assegurar o predomínio do partido governista, evitar aentregadealgunsestadosàoposiçãoemanteramaioriadoCongresso,indispensávelparafrustrarumanovaetapadaliberalizaçãoqueseriaaconvocaçãodeeleiçãodiretaparaPresidentedaRepúblicaem1984.”AsbombasdoRiocentrohaviamantecipadooconfrontoentregrupos radicaiseoGovernoemrelaçãoaoprojeto,eraoqueemsínteseacolunacomentava.Apenas dois dias depois, o comentarista político previa que o resultado desse confronto não seriatraumatizante,masnãoseriatambémdesejadoumpassoàfrenteemdireçãoàdemocraciamaisconcreta:“Para preservar a unidade, o Marechal Castello Branco assinou o Ato 2 e concordou em passar oGovernoaoMarechalCostaeSilvaque,porsuavezcomomesmoobjetivo,tevedeassinaroAto5.OGeneralGeisel reacomodou a unidade a seu própriomodo, eliminando as dissidências ocasionais.OGeneralFigueiredo,diantedeumfatoqueinicialmentepareciadramático,semabandonarseuprojetodeabertura,tomoucomobasedeleasolidariedadeeoapoiodasForçasArmadasefoiporissoqueovice-presidente Aureliano Chaves formulou com felicidade a ideia de que a abertura passa pela unidademilitar.Semoconsensodosgenerais,nadafeito.Osgeneraisconsentem,masnoepisódiohaviaouhádecisõesapreservar, como,porexemplo, adeque, em funçãodaanistia eda liberdadede imprensa,nenhummilitarsesentaránobancodosréus.”Seeraporumladotranquilizador,odesfecho–eCastelloasseguravaqueopresidentenãorecorreriaamedidadeexceção–eratambémreveladordafraquezadoconjuntodasociedadecivilanteaentidadeabstrata mas não poderosa da unidade militar: “O poder de reação civil, quando os comandos seentendem, é extremamente limitado, tanto mais quanto há no horizonte a esperança de eleições e demelhoria do pacto político.Os políticos vivemde esperanças e a convocação das eleições atende aoprincipal.”AcolunaterminavaafirmandoqueoGovernoganharaabatalhaequeasregrasdojogonãoseriamantecipadasenemmodificadas,“mesmoquenovasbombasexplodamemlocaisemquesereúnemliberaisouesquerdistasdevariadosmatizes”.Aprimeirafrasedocomentaristanestediaera“vai-serelaxandoacuriosidadepeloquesepassaránopaísdepoisdoepisódiodoRiocentro”.Eotítulodacoluna,ORiocentroForadePauta.

Casosecreto:umahistóriaapuradaepublicada

AbombaqueexplodiunocolodoSargentoGuilhermePereiradoRosárioestavanumabolsadecourosintético,dessasnormalmenteutilizadasatiracolo,eacondicionadanumalatadeóleodeautomóvel.AbombaeradeTNT(trinitrotolueno);omecanismodetonador,umrelógioqueacionavaocircuitoelétrico.Aexplosãonãoocorreunemnochãodocarronementreaportaeobanco,comodemonstramoestadodocorpodosargentoeosferimentosdocapitão.Épraticamente impossívelqueabombaestivessesendodesarmadapelosmilitarespornãohaverespaço,segurança,iluminaçãoeaparelhagemespecíficaparaaoperação.AordemparaquefossesuspensooreforçopolicialpedidopeladireçãodoRiocentroparaoshowde1ºdemaiopartiudocomandante-geraldaPolíciaMilitar,CoronelNiltonCerqueira.DeBrasília,natardedodia30deabril,eletelefonouaochefedoEstadoMaiordaPolíciaMilitar,CoronelFernandoAntônioPlott,determinandoquenãofosseenviadoochoquepedidopeloRiocentro.OCoronelPlott,numbilhetemanuscrito,comunicouadecisãoaoMajorAyrtonSotto-MaiorQuaresma, integrantedoEstadoMaior,queanotouaordemno livroderegistrose transmitiu-aaooficialdeplantãono18ºBatalhão,TenenteCirillo. O Tenente Cirillo igualmente anotou a ordem no livro de registros. Naquelemomento, o 18ºBatalhãoaindaestavasemcomandante,poisoCoronelSebastiãoFariadePaulohaviasidopunidoeonovocomandante,IlleMarlen,aindanãohaviaassumido.Quemleuosdois“furos”emOEstadodeSãoPaulo–ABombaEstavaNumaBolsadeCouro,página24,ediçãode31demaio,eComandanteCancelouoPoliciamento,página22,ediçãodomingoseguinte,7de junho de 1981 – poderia dizer que, dependendo de informação, o IPM sobre as explosões noRiocentroestariaconcluído.Asduasmatériaspraticamenteemtudo,nosmenoresdetalhes.Umrepórtertresnoitado–“nesses37diasdorminomáximoumas4horaspornoite”–recolheratodasaquelasinformações.“Agente só consegue investigar as coisas porquehápessoasque anonimamentenosdão informações.Anonimamenteporquevivemosnopaísdooff,filhodaCensuraedomedoque,dizendoaverdade,aspessoastêmdeperderseuscargos,suaposição.Lamentonãopodedizeronomedelasporquesãomaisimportantesdoqueeu.Senãofossemelas,eunãoseriarepórter.Todasessaspessoassãoanticomunistas,militares e policiais, mas são também antifascistas e não aceitam bombas, venham de onde vierem.Algumas eu já conhecia, da época emque cobri, diariamente, a campanha doGeneralEulerBentes àPresidênciadaRepública.Outras,não.Euconheciadasminhascoberturascomorepórterdepolícia,aolongodosmeusnoveanosdeprofissão.Outras,ainda,euconheciagora,comarecomendaçãodeantigasfontes.Durante toda a cobertura, eu tomei dois cuidados. O primeiro era checar exaustivamente tudo queapurava e essa era uma exigência também doRui (Rui Portilho, subsecretário da sucursal doRio deJaneirodeOEstadodeSãoPaulo).Ainformaçãodequeabombaestavanumabolsa,porexemplo,eutive11diasantesdepublicá-laefiqueitodoessetempochecando,confirmando,atéteracertezamaisabsoluta possível. Outro cuidado é o seguinte: quando você trabalha com off, principalmente na áreamilitarenapolítica,vocêcorreoriscodeserusado.Cabeaorepórteranalisaraimportânciadoquelheéditoetambémasrazõesporqueédito.Seeusentirqueumainformaçãomefoipassadaporinteressespessoaisdogrupoquecongregaaquelafonte,simplesmentenãoescrevo.Agora,asinimizadespolíticasservemmuito bem nessa hora. Por causa delas, também, as informações surgem. Aí você checa bemchecadoe, se forverdadeira,publica.Adisposiçãodas fontese tambémessaoposição, essabrigaàs

vezes entre as fontes e o Poder, foi o que tornou possível, ao lado do trabalho dos jornalistas, esobrevivência desse caso 40 dias nas páginas, num país onde a maior das catástrofes, pelo menosjornalisticamente,nãoduramaisdetrêsdias.Nãosoudaquelesqueachaqueo jornalistadeveserdetetive.Nãopodemosconfundiranossa funçãocomadapolícia.Masumjornalistatemobrigaçãodeinvestigarqualquerfato,aindamaisquandotentamimporversões.Achoqueaimprensacumpriuseupapel.Umcasopodetermuitasversões,masverdadesóexisteuma.”(AnteroLuiz,repórterdasucursalRiodeJaneirodeOEstadodeSãoPaulo)

AnteroLuizsaiudeOEstadodeSãoPaulodemitido emumprogramade contençãodedespesas,poucodepoisdereceberoPrêmioEssodeReportagem.Contratadocomorepórterpelo JornaldoBrasil, foi o responsável – junto com o repórter Heraldo Dias – por outra cobertura que ficoufamosa,adocasoProconsult,quecontavaatentativadefraudenaeleiçãodeBrizolaaoGovernodo Estado do Rio de Janeiro. Trabalhou também como Assessor de Comunicação Social daSecretariadeSaúdedoMunicípiodoRiodeJaneiro(gestãoMarceloAlencar).Emseguida,comosubeditor de OGlobo. Em 1999, já havia se tornado advogado, profissão que exerce no Rio deJaneiro.

“Eu sempre quis ser advogado e, quando a ditadura começou a acabar, o jornalismo ficoumenosatraente–viqueiacomeçaraterquecobrirburaconaesquina.Masagentesemprevaigostardeserrepórter.Umadasmatériasdequemaisgostei,fizjáformadoemadvocacia,porvoltade1993,paraojornaldaOAB,sobreoadvogadoTancredoNeves.FuiaSãoJoãoDelRey,pesquiseieescrevicommuitoprazer.Delápracá,devezemquandoalguémmeprocuraparafalarsobreoRiocentro,sobrecomo eu e oMaurícioMenezes (na época também repórter deOEstado de São Paulo) levamos aportadoPumaparacasaedepoisentregamosparaoRobertoVillarinho,peritoeentãodiretordapolíciatécnicadoRio,paraverificarmososresíduosdabomba.Naverdade,meperguntammaissobreissodoquesobreoPrêmioEsso.Um dado interessante, do ponto de vista da profissão, que aconteceu durante a cobertura e quedemonstrabememquecircunstânciaspolíticasnóstrabalhávamos,foiaformaçãodeumaespéciedepool.Alguns repórteres, entre elesoHeraldoDias, oFritzUtzeri eoAntônioCarlosFon,alémdemim, firmaram um pacto que servia, ao mesmo tempo, como uma forma de autoproteção e,principalmente, ao nosso objetivo maior que era publicar o máximo de verdade possível. A coisafuncionava da seguintemaneira: se eu não conseguir publicar a informação, por qualquer tipo decensuraou faltadeoportunidadeou interessedoveículoemqueeu trabalho,eupassoparaomeucolega.Parausaratéumtermodequeosmilitaresgostam,nóstínhamosumamissão,queeramuitomaiordoqueavaidadepessoal.Quemmemeuapistasobreotelefonemasuspendendoopoliciamentonodiadasexplosões foioHaroldoMachado,queeradaIstoÉe tambémprestavaserviçosparaaRedeGlobo.Outroexemplodessauniãodosjornalistas,dessedesprendimentoemrelaçãoadisputaspessoais,dequeeume lembrocommuitocarinho, foiomodocomo todaa redaçãodoEstadãomeindicoupararecebersozinhooPrêmioEssoquenaverdadenãoerasómeu,tinhaaparticipaçãodeTarcísioSaltar,DomingosMeirelles,CláudioLacerda,RuiPortilho, JoãoZacarias,AntônioCunha,AnaLagoa,Johnson–nãomelembrodosobrenome,dosnomesdetodosnaredação–mas,enfim,acoberturaeraoresultadodeumaenormeparticipaçãosolidáriaemissionáriadetodososjornalistasdeumasucursal,comexceçãodedoisoutrêsque,infelizmente,nãotinhamosmesmosinteresses.Naépoca,nóspublicamostudo.NãoestoudesmerecendootrabalhoatualdoscolegasdeOGlobo,masa

verdade foiapuradaepublicadaem1981.Oque importaéqueo jornalismoajudeadesvendaroscasos obscuros, como o próprio O Globo fez recentemente com a série sobre a história dosguerrilheirosnoAraguaia.Nisso,asmatériasatuaissobreoRiocentropodemajudar.Quantoàreaberturajurídicadocaso,éclaroquesouafavor,masesteinquéritoestámeparecendopiordoqueooutro.Oqueinteressanãoémaisapuniçãoporque,afinal,estamosdiantedeumalongafila de homensmortos.O que interessa é que a conclusão possamostrar que os responsáveis peloRiocentroinfringiramacoisamaissagradaparaasForçasArmadasqueéorespeitoàhierarquiaeàdisciplina.DentrodosDOI-Codisedosoutrosórgãosdoaparelhorepressor,existiamessescarasquequeriammanteropoderbaseadosemumaabstraçãoqueeraacaçaaoscomunistas.Elesacabaramcriandoumagrandemácula,principalmenteparaoExército.AforçacionovoinquéritodeveriaseradeseparardissooconjuntodasForçasArmadasquenãosabiaoqueacontecianosporõesqueelesmesmoscriaram.Além,éclaro,deservircomoumalertaparaasnovasgerações.Nãotenhomotivospara duvidar da honestidade do generalConforto,mas tenhomedo que ele acabe produzindo umainvestigaçãoconfortável.Reiterandooqueeudissenomeudepoimentoparaolivronaquelaépoca,averdadetemquesesobreporàsversões.”AnteroLuizOutubrode1999

Versõeshouve,desdeo1ºdiademaio,desdeaprimeiraeextensaentrevistadosecretáriodeSegurançadoRiodeJaneiro,GeneralWaldyrMuniz.Verdadehouvetambém,procuradadesdeoprimeirodia,emcada momento da cobertura da imprensa, única fonte de informações detalhadas, já que todas asautoridades, em qualquer área, restringiam-se a afirmar que aguardavam o final do Inquérito PolicialMilitarparasepronunciaroficialmente.Hipótesesforamlevantadaspraticamenteportodososjornaiserevistas.A revista IssoÉ,nº299,ediçãode15demaio, jáhaviaditoqueabombaera relógioe suacarga explosiva de trotil.A partir essa informação, num pequeno boxe, na página 21, um caso antigopormenorizavaumapossibilidade:“Abombaémontadacomumrelógioparadoporfaltadecorda.Elaéprovidadeumdetonadorelétrico, cujocircuitoé fechadoporumdosponteirosdo relógio.Quandoabombavaisercolocada,oterroristadácordaeoponteirocomeçaamover-seemdireçãoaopontoqueprovocaráaexplosão.Nessemomento,qualquererroéfatal:ohomemsentadoaoladodomotoristatinhaabombasobreocoloesepreparavaparaativá-la,dandocordaaorelógio.Seuerro–estaéahipóteseconsideradamaisprovável–foi teresquecidodecortarasunhasnaquelasemana.Aopegaropinoparadarcordanorelógio,suaunhaescorregouelevantouopino.Porisso,aogirá-lo, ele não estava dando corda ao relógio, mas adiantando o seu ponteiro. Na penumbra doautomóvel,nãodeuparaperceberisso,eoponteirochegouaopontododisparo.Ohomemquemanipulavaabombamorreuinstantaneamente,aspernas,asmãoseoventreestraçalhadospela explosão. Seu companheiro, o motorista, com ferimentos no braço direito e no ventre, aindaconseguiuabriraportadoautomóvel–quecirculavacomchapasfalsas–edescerpedindoporsocorro.Aconteceuemsetembrode1969,naRuadaConsolação,emSãoPaulo.OcarroeraumVolkswageneosdois homens – Ishiro Nagami e Sérgio Correa de Sá – foram identificados pelo DOI-Codi comoterroristasdaAçãoLibertadoraNacional.Ambosmorreram.”Antônio Carlos Fon, jornalista há 15 anos, é o dono da boamemória. O boxe,mais um exemplo dacautelaemsóafirmar,categoricamente,oquefossepossívelprovar.“Assim que tivemos conhecimento da bomba – recebemos a informação em São Paulo por volta das22h30mindaquelaquinta-feira,30deabril–,mechamaramparacobrirocaso.Équeeu,decertaforma,sou considerado especialista neste tipo de matéria. No Jornal da Tarde, cobri todo o processo de

formaçãodoEsquadrãodaMorteemSãoPauloetodaaguerrilhaurbana,desdeseusurgimentoatéserdesbaratada.Fiz,também,muitasmatériasnaVejasobretortura,queacabaramsendotransformadasemlivro (Tortura,asHistóriadaRepressãoPolíticanoBrasil)quemevaleuumprocessodoministrodoExércitoem1979.E,noanoseguinte,eu iriadescobriremGoiásoscadáveresdeumrapazedeumamoçaassassinadospelarepressãoeenterradosnomeiodomato.FoientãoporcausadessaexperiênciaqueentreinoCasoRiocentro.FuiparaoRionasegunda-feira,4demaio,elogoemmeusprimeirosdiasde cobertura, conversando comumperito, soube que a bomba que havia explodido noPuma era umabomba-relógio.Comoeujátinhaalgumconhecimentodebomba,,eusabiaquenãosejogabombacommecanismo de tempo, quer dizer, não se atira uma bomba-relógio como se fosse uma granada. Ela écolocada,paradartempoaoterroristadefugirantesdaexplosão.Apartirdessedado,então,ficouparamimaindicaçãodequeabombaestavasendocarregadapelosargento.Agora,comoéqueelaexplodiu?Eusabiaquesetivessehavidoumacidentenãoseriapelofatodosargentonãoterpercebidoqueestavapróximodaexplosão, jáqueosprópriosponteirosdo relógio indicamo seumomentoexato.Foi comessa pergunta – como a bomba explodiu? – queme lembrei da explosão doVolks emSão Paulo, emsetembrode1969.Eucobriaquelecaso,masnãosabiaexatamentecomoabombahaviaexplodido.Sabiaapenasqueeraumabomba-relógio tambémequeaconteceraumacidente.Procureimeinformar, fuiconversarcomosmesmosperitosquehaviamacompanhadoaquelecaso,maisdedezanosatrás.Faleitambémcomalgunssobreviventesdaguerrilhaepergunteioquehaviaacontecido.Eles–osperitoseossobreviventes–medisseramaquiloqueestánamatéria:queabomba-relógiotinhaexplodidomuitoprovavelmentequandose iamontaromecanismode tempo.Conversei comosperitosdeSãoPaulo,que eramdapolítica, edepois, no Rio, com peritos militares, e eles acreditavam que isso, esse mesmo tipo de falha, teriaocorridotambémcomoSargentoRosário.Mesmoassim,eraumacoisaqueeunãotinhacomoafirmar.EntãoconteisóahistóriadeSãoPaulo,masachoqueficamaisoumenosclaronamatériaquefoioque,tambémmuitoprovavelmente,aconteceulánoPuma.”(AntônioCarlosFon,repórterdarevistaIstoÉ)

AntônioCarlosFon,depoisdaIstoÉ,trabalhounarevistaQuatroRodas.FoipresidentedoSindicatodos Jornalistas do estado de São Paulo. Trabalhou também na EditoraAbril e no jornal CorreioBraziliense.Hojeaposentado,faztrabalhosjornalísticoscomoautônomoeatravésdesuaempresade assessoria de imprensa a Santa Fon e Associados. Escreve livros, sendo o mais recente“Massacre” (edição do Conselho Indigenista Missionário publicada pela Loyola), em que atuoucomoghostwriterdoautor,padreSilvanoSabatini.Quandonãoestavaenvolvidonapesquisaenorelatodehistóriasemocionantescomoadestelivro–quecontaumahistóriadotempodaditadura,emqueumanaçãointeirafoidizimadanoBrasilcomusoatédearmasquímicas–,FoncuidavadoScuba, seu bar à beira-mar em Peruíbe, litoral sul de São Paulo. Como elemesmo dizia, ali, no“boteco”, estava realizando um sonho que acomete amaioria dos jornalistas, principalmente nahoradofechamento...

Como profissional, tenho uma lembrança engraçada: perdi o prêmio Esso para um colega do‘Estadão’.Nósdoispegamoso laudomicroscópicodosargentonomesmodiaenamesmahora.Eutrabalhava em revista semanal e eu tentei ludibriá-lo dizendo 'não somos concorrentes, sou revistasemanal;publicamosjuntosnosábado',querdizer,tenteifazerumacordo.Issofoinumaterça-feira.Ele,muitomalandro,muitorepórter,muitojornalista–achoessahistóriasensacional–segurouenãopublicounemquartanemquinta.Publicounasexta–eganhouoprêmio.Tenhoamaioradmiração

poressecara(AnteroLuiz,repórterdeOEstadodeSãoPaulo),omaiorrespeitoprofissionalporele,porqueeuestavatentandoenganá-loeelemepassouaperna...Comocidadãooquemaismeespantaéterlevado18anosparaaconteceressareaberturadocaso.Euestava na plateia quando o Cel. Job Lorena de Sant’Anna fez a sua entrevista coletiva paraapresentação da conclusão do IPM. Todo mundo ria às gargalhadas, porque ele falava e dizia ocontrário do laudo e do que a fotografiamostrava. A famosa genitália do sargento completamentedilacerada e ele dizia: 'se a bomba tivesse explodido no colo, a genitália estaria dilacerada'. Emostrava com a varinha a genitália dilacerada. Também tem que ser ressaltado que o caso foireabertodenovoporcausadaimprensa.FoiOGloboqueprovocouareabertura.Comoprofissionalecomocidadãomesintomelhorcomareaberturadainvestigação.Agenteria,éverdade,masfoiumafrustraçãomuitogrande.Nãofoisóquemganhouprêmio,foiaimprensatoda.Todo mundo fez um trabalho tão fantástico, teve uma participação tão digna e tão eficiente que,apesardasgargalhadas,agentesaiumuitofrustrado.Foimuitocinismo.Areaberturahojemedeixamuitosatisfeito.É,depoisde18anos,verqueteutrabalho–nãootrabalhopessoal,masotrabalhodosjornalistas–valeuparaalgumacoisa.AimprensafezumtrabalhofantásticoqueocinismodoJob–edoExércitodeumaformageral–nãopermitiuquefossedevidamenteapreciadopelopaís.”AntônioCarlosFonOutubrode1999

Depois de mais de um mês de várias outras matérias como estas do “Estadão” e da Isto É, haviaindicaçõessuficientesparaseapontar,comrazoávelmargemdeacerto,oquehaviaacontecidonaquelanoite de 30 de abril noRiocentro.As três hipóteses levantadas com tanta clareza de raciocínio já naedição de sábado, 2 de maio, do Jornal do Brasil, tinham sido esmiuçadas.Mas antes que qualquereditorial,artigooureportagemsemanifestasse,oDeputadoFederalErasmoDiasfoiconclusivo.ErasmoAdmite Hipótese de Bomba no Riocentro ter Explodido ao serMontada era o título da matéria querelatava,noJornaldoBrasildequarta-feira,3dejunho,asuaentrevista:“ODeputadoFederalErasmoDias(PDS-SP),coronel reformadoeex-secretáriodeSegurançadeSãoPaulo,afirmouqueahipótesemaisprovávelnoCasoRiocentroéqueoCapitãoWilsonLuísMachadoeoSargentoGuilhermePereiradoRosário“estivessemmontandoabombadentrodoPumae,porumdescuido,elatenhaexplodido,ouseja,elesacabaramsevitimandoasipróprios”.Ahipótesemenosprovável,paraoparlamentarpaulista,é que alguém, que não os dois militares, tenha colocado a bomba dentro do Puma: “Para isso seriaprecisoumaardilezaextrema,umacapacidadedeaçãoexcepcional,numaoperaçãomuitobemmontada,dedifícilexecução.”Erasmo Dias afirmou que o IPM não acobertará fatos e que a eventual constatação de que os doismilitares são réus não gerará uma crise militar: “As Forças Armadas querem a verdade e não aesconderãodanação”,acrescentou.Oex-secretáriodeSegurança,queveiodePortoAlegreparaumapalestranaAssembleiaLegislativasobrecriminalidade,deuaentrevistanoAeroportoSalgadoFilho.Nodiaseguinte,pelaprimeiraveznahistóriadessacobertura,umjornaldissecomtodasasletrasqueoCasoRiocentroestavaencerrado.IPMConclui:CapitãodaBombaé Inocente.Amanchete ocupava todoo alto da primeira página daÚltimaHora.Achamadadizia:“OcolunistaAdirsondeBarrosrevelaqueoIPMqueapuraaexplosãodebombasnoRiocentrojáconcluipelainocênciadoCapitãoWilsonMachado,feridonaocasião.Porta-vozdoPaláciodoPlanalto,CarlosÁtila,desmentiuqueasconclusõesdoinquéritodevamsersigilosas.”A coluna deAdirson deBarros afirmava: “1)Altas fontesmilitares informaram a esta coluna que osresponsáveispeloIPMdoIExércitojáconcluírampelainocênciadoCapitãoWilsonMachadoedeseu

companheirodemissão,osargento,doatoterroristadoRiocentro.2)OsfatosreveladospeloCapitãoMachadonosseusdepoimentosforamtotalmenteconfirmadosnassindicânciasrealizadaspeloIExércitoeasinformaçõesporeleprestadasnoIPMforamamplamenteinvestigadas,nãohavendo,assim,nenhumelemento de convicção que possa imputar ao capitão e ao sargento morto a responsabilidade pelasexplosõesnoRiocentro.Aocontrário:osfatosapuradoslevamàcertezadequeocapitãoeosargentoforamvítimasdaviolência.3)Nomomentoetendoemvistaaconclusãodequeocapitãoeosargentoforamvítimasdoatentadoterrorista,oIPMaprofundasuasinvestigaçõesaoutrasáreasepercorrenovaspistas que poderão conduzir aos responsáveis pelas explosões. Mas até agora não há sinais deidentificaçãodosculpados.4)AnteasimensasdificuldadesparaaapuraçãodoatentadodoRiocentro,asautoridadesresponsáveisvãosolicitaraprorrogaçãodoprazodoIPM.5)Asmesmasfontesasseguramque o Tenente-Coronel Nivaldo Oliveira Dias, politicamente ligado ao grupo que promoveu acandidaturadoGeneralEulerBentesàsucessãopresidencial,estásendousadoporgruposdeoposiçãoparatumultuaropaíscomobjetivosjáidentificados.OTenente-CoronelNivaldo,consideradonasáreasmilitaresumapessoainteligenteeprofissionalmentecapacitada,é,contudo,politicamenteconfusoetidocomo um criador de casos. Sua nota à imprensa, concluindo pela responsabilidade do capitão e dosargentopeloatentadoterrorista,é,segundofontesmilitares,umatestadodeseudesprezopolíticoedeseuenvolvimentoporgruposdeoposiçãoaoregime.6)Confirmoinformaçãopublicadahátemponestacoluna:osórgãosdeinformaçõesesegurançaestãofortementeinfiltradosdeelementoscomunistaseestefatotalvezexpliqueoatentadoterroristadoRiocentro.”AdirsondeBarrospodesevangloriardeserumcolunistamuitobeminformado.Dia30dejunho,quase60jornalistas–convocadospeloIExércitoparaumaestranhaentrevistacoletivaondeeramformalmenteproibidasasperguntas–conheceramasconclusõesdoInquéritoPolicialMilitarsobreasexplosõesnoRiocentro, relatadaspessoalmentepor seuencarregado,ocoronel JobLorenadeSant’Anna.Tudoquehavia sidovisto, fotografado, apurado, ouvido, escrito, televisionado e irradiadonaqueles doismesesestavaerrado.AdirsondeBarros,não.Maiorméritoemantecipações,sóodosecretáriodeSegurançadoRiodeJaneiro,GeneralWaldyrMuniz,que,jánodia1ºdemaio,anunciavaemdetalhesoqueoIPMconcluiria.OCoronelJobdeSant’AnnafaloudurantepoucomenosdeumahoraemeiaaosjornalistascredenciadosnoIExército.Numasalaàsescuras–paraquemelhorfossemvistososslidesqueiaprojetandoàmedidaem que explicava o que acontecera oficialmente naquela noite de 30 de abril – ele desmentiu oitoversões, detalhou o conteúdo do relatório do IPM, inocentou de qualquer responsabilidade pelasexplosõesoCapitãoWilsonLuísChavesMachadoeoSargentoGuilhermePereiradoRosário,levantoususpeitas de que osmilitares tenham sido vítimas de grupos de esquerda,mas conclui sua exposiçãoinformandoqueoIPMestavaencerradosemquefossepossívelidentificarqualquerculpado.“Versõesdesmentidas:Asinvestigaçõespermitiramquefossemdestruídascertasversõesfantasiosas.Aprimeiradelas:osargentolevavaabombanocolo.Seassimfora,ocapitãoqueviajavaaoseuladoteriarecebido ferimentosmortais.Não foioqueaconteceu.Pelocontrário:oposicionamentodeve ter sidoesse(apontaparaodesenhoprojetado),umavezalocalizaçãodosferimentosnabarrigaàdireita;quatronobraçoesquerdo;umnodorsodamãodireita;umnomínimodamãodireitaepoucasescoriaçõesnoombrodireitodocapitão indicambemqueocorpodosargentobloqueouamaiorpartedosestilhaçosque,deoutramaneira,teriamatingidomortalmenteocapitão....Asegundaprova,tambémdenaturezatécnica:agenitáliadosargento,seabombativesseexplodidonoseucolo,teriasidodestruída.Entretanto,oexamemédicolegalconstatouqueopênisdosargentoestavapreservado,oquenãoseriapossívelseabombativesseexplodidonocolodele.... Segunda versão: o sargento regulava a bomba colocada sobre sua perna ou joelho quando

acidentalmente ela explodiu.Não é verdade. Prova: se tal tivesse ocorrido, estaria o sargento com orostovoltadoparabaixo,olhandoa regulagemeassim, tendohavidoumaexplosão tãopróxima, teriatidoorostodilacerado....Aperícia indicaporoutro ladoque,quandoabombaexplodiu,estavaenvoltaemjornal,plásticoedentrodeumabolsa,oquenãosugereregulagensposterioresaoacondicionamento.Quandodaexplosão,ocarroestavaemmovimento,saindodeumavaga.Nãoseriacríveladmitirqueregulagensfossemfeitasdentrodeumcarroemmovimento.Terceiraversão:osargentoseguravaabombanasmãos.Estaterceiraversãoécombatidapelosmesmosargumentosdaquediziaqueosargentocarregavaabombanocolo.Emais:aprovadequeosargentonãoempolgavaovolumequecontinhaabombaéadequeopolegardamãodireitaficoupreservado....Quartaversão:haviaduas,trêsoumaisbombasdentrodocarro.Nãoéverdade.Provas:foiapuradoque durante os primeiros momentos, logo após o evento, houve atrito entre os poucos policiais quetentavamgarantiroisolamentodolocalejornalistasefotógrafosmaisousados,comameaçasdeladoalado. Temos também testemunhas insuspeitas, inclusive a jovem que transportou o capitão ferido aohospital. Testemunhas essas que declaram que alguns elementos da Secretaria de Segurança, tentandoafastar os primeiros curiosos que chegavam, gritavam que havia risco de outras explosões. Issopossivelmentedeumargemàversãodasduas,trêsouváriasbombas.Masaverdadeéquesóhaviaumabombadentrodocarro:foiaqueexplodiu.Eissoéoconstantedolaudodolocaldeexplosão,feitopeloDepartamentoGeraldeInvestigaçõesEspeciais.Maisumaversãodesenvolvida:ocarronãoeradocapitão.Asinvestigaçõesprovaram,comoestavaditonas notas oficiais, que o carro Puma é de propriedade do CapitãoWilson. Mediante solicitação doencarregadodoinquérito,odiretor-geraldoDetraninformouqueocarroOT4116,Puma,ano77–nãoétão novo assim chassis com esse número, é registrado em nome deWilson ChavesMacedo, perdão,ChavesMachado......Cabeesclarecer,senhores,observandoaplacaOT0297,percebe-sequeédiferentedaconsignadanosregistrooficiasdoDetran.Aexplicaçãoésimples:asplacasamarelasusadaspeloIExército,algumassãosigilosasesãobemcontroladas.AverdadeéqueoIExército,ocomandodoIExército,saberáaqualquermomento onde está esta ou aquela placa sigilosa. Emais, o importante é frisar que não hánenhuma irregularidade no fato de agentes de informações utilizarem chapas, frisamos, reservadas,sigilosas,paraodesempenhodemissões.Maisumaversãodesenvolvida:militaresàpaisananãopoderiamestarde serviço.Emsimesmaessaversãosedesmancha.Nãopoderemosadmitirqueagentesdeinformações,agentesquecumpremserviçoreservado,seapresentemfardados.Osmilitares–insistimos–estavamcumprindomissãorecebidaqueconsistia emobservar a influênciade elementosdaesquerda radical emprogramação feitapara atrairjovens.... Sétima versão veiculada: a Polícia Militar se negou a policiar o Riocentro. Não é verdade. OComandoGeraldaPolíciaMilitardoRiodeJaneiro,muitoantesde30deabril,jáadotaraadecisãodenãomaisoferecerpoliciamentoparaespetáculoscomingressospagosemrecintosfechados....Maisumaversãoveiculada.Fotosmostramaalçadabolsaemqueosargentocertamenteconduziriauma bomba. As investigações puderam verificar que o sargento não portava bolsa de nenhum tipo enenhum volume.O que as fotosmostram vêm a ser as juntas de borracha que fazem a guarnição dosóculosoudasjanelasdoPuma....EstamosautorizadosadizerqueorelatóriodoInquéritoPolicialMilitarconstade30folhaseéeleoresumodeumtrabalhocontínuode60diascorridos.Trabalhoqueproduziucincovolumes,comcercade700 folhas.O IPMestá assim constituído (slide commostra de números do relatório: 17 perícias, 28

depoimentos informativos, 94ofícios, cincoplantas e croquis, 120 fotografias juntadas aos autos, 110fotografias emanexo, 700 folhas– emquatrovolumes e10 anexos comcassetes, vídeo, fragmentos efotos).Baseadosnestaextensaprovadocumentaletestemunhalobtiveram-seosseguintesresultados:primeirooquejáerasabido:osmilitaresestavamdeserviço;segundo:nãohá,salvomelhorjuízo,comoinculparosmilitares ocupantes do carro sinistrado; há vários grupos radicais interessados em fazer uso doterrorismoprocurandomesmoenfrentaroucomprometerórgãosdesegurança;equartoeúltimo:osdoismilitaresforamvítimasdeumaarmadilhaardilosamentecolocadadentrodocarrodocapitão.Essesresultados,emseusquatroaspectos,conduzemàsconclusõescorrespondentesemaisàquintadequehouvecrimemilitarcujaautorianãofoideterminada.Apreciaçõesfinaisparaquesebemexpliqueaossenhoresessesresultados.Primeiramente: amecânicada explosão.Oengenhoque explodiuno interior do carro eraumabombacaseiradedimensõesaproximadamentedefinidaspelaperícia,contandocomdispositivodeacionamentomecânico-pirotécnicoecomoutromecanismo,estederelojoaria....Comodepósitode explosivo foi utilizada, em suaquintaparte, uma latadeóleoHavoline, dedoislitros e meio, envolvida em jornal, depois em plástico, tudo dentro de uma bolsa de cor marrom-avermelhada.Essesimulacroaquiapresentado(foto)dáumaideiaavantajada,istoé,dedimensõessuperioresaoquedeveria ter sido a bomba na realidade.Explicamos por quê: aqui é praticamente ametade da lata deHavolineeumquintoémenosdoqueaquartaparte.... À vista dos indícios já detectados por órgãos militares de contrainformação, examinou-se apossibilidadedeoCapitãoWilsonLuísChavesMachadoeoSargentoGuilhermePereiradoRosárioterem sido alvos de um atentado. Essa possibilidade confirmou-se diante do exame pericial dosfragmentos encontrados no local da explosão. Já nos referimos a ele.É o dispositivo de acionamentomecânico-pirotécnico.Mediante diligência mandada realizar no Puma GTE idêntico ao sinistrado, verificou-se a cabalpossibilidadedeumvolumeequivalenteaopresumíveldabombaseracomodadonaparteinternainferiorà direita, entre o reforço do banco e a porta, sem estorvar a entrada do passageiro, nem estorvar ofechamentodaporta....Admite-sequeacolocaçãodabombanocarroPumatenhasidoumaaçãotalvezparaatingiragentesdeinformaçõesque,tentandoobservar,estavamsendoseguidos.Talvezaindaparacomprometerosprópriosórgãosdesegurança.Aarmadilha–esseéonometécnico–,aarmadilha,dizíamos,devetersidopreparadademodoqueoacionamentodaexplosãofosseprovocado,comodefatodevetersido,pelaprópriavítima,atravésdealgum movimento imprevisível após ter-se acomodado no carro, ou de outro modo sê-lo-ia pelomecanismoderelojoaria....Outrahipótesequalquerdeposiçãofrontaldabombasobreocolo,nomeiodacoxa,nojoelho,entreospés, teriadestruído igualmenteosmembros inferioresdo sargentoecompletamente suagenitália, teriarompidooseutórax;insistimos,seabombativesseexplodidonafrentedosargento,ocapitãotambémteriamorrido.... É possível, portanto, mediante todas essas provas periciais, concluir que os dois militares foramvítimasdeumaarmadilhaardilosamentecolocadanocarrodocapitão.... Foram recolhidos documentos probatórios de quemovimentos de esquerda possuem elementos queoperamàsemelhançadosserviçosdesegurança.Datadosde14demarçode1979,osautosdeautuaçãoeapreensão,expedidospelaSuperintendênciaRegionaldoRiodeJaneiro,doDepartamentodePolícia

Federal, arrolam, entre outros materiais arrecadados num aparelho do MR-8 em Copacabana, doisexemplaresdeumdocumentointituladoAnteprojetoparaumaPolíticadeInteligência,ondeapresentaoorganograma da estrutura do chamado MR-8, apresentando ainda um serviço de inteligência de suaorganização.Ainda no documento citado consta o seguinte trecho: “Colaboradores e agentes inimigos têm sido econtinuarão a ser detectados enquanto tais pelomovimento revolucionário e operário.” Levantamentofotográfico de órgãos de segurança do Rio de Janeiro, levantamento esse que veio a ser publicado,mostra que o volumede vistas sobre as referidas instalações permite inclusive o acompanhamento demovimento do pessoal e veículo. Elementos que transitem no pátio deste quartel, até os de dentro deviaturas,podemseracompanhados,podemseridentificados,medianteolevementefotográfico.Aindamais:houveumpanfletodistribuídologoapósaocorrência,panfletoesteatribuídoaumcomandoDelta. Com o dístico Pátria e Liberdade, o panfleto reivindicava a autoria do crime que tinha sidoperpetrado.Maistarde,porém,foinegadomedianteoutropanfletodistribuído,estenãoespalhado,masdistribuído pelo Correio até mesmo a oficiais do Exército. Negava o publicado anteriormente eintitulava-seMensagemàNaçãoBrasileira.Ambosospanfletosconstituemoquesechamaemtécnicadepropagandaumaverdadeirapropagandacinza,pois tentamconfundiropúblico-alvo, semdefinirasuaorigem.... Levam-nos esses argumentos à seguinte conclusão: agentes do Exército estão sendo alvo deacompanhamentodegruposradiais.Asinvestigaçõeslevaramaolevantamentodequeumaorganização,VanguardaPopularRevolucionária,ao mesmo tempo, foi responsável pelas pichações de diversas placas de indicação rodoviária, nasimediaçõesdoRiocentro.Identificou-seomesmoestiloe inscriçõespolíticasapóscomparaçõesfeitascomregistrosarquivadosemórgãosdeimprensa....NãoforamencontradosoutrosindíciosdeautoriaquepudessemimplicarachamadaVPR,masécertoqueelacontinuaativa......ApócrifaquesejaaMensagemàNaçãoBrasileirahápoucoreferida,nãosepodedeixardeconsiderarqueumtalcomandoDelta,pretensoautordamensagem,reivindicouaautoriadetrêsexplosõesaquinoRio,queocorreramnomêsdejaneirode1981.Essesfatoslevantamsuspeitascontrapossíveisgruposdadireitaradical,masnãoforamsuficientesparalevaraindíciosdesuaautoria.Baseados assim em extensas provas documentais e testemunhais e em resultados de perícias einvestigações, conclui-se que não há como inculpar os militares ocupantes do carro sinistrado pelaocorrência.Hágrupos radicais interessadosemcomprometerouatingiragentesouórgãosmilitaresdesegurança. E os militares, ao que tudo indica, teriam sido vítimas de uma armadilha ardilosamentecolocada no carro do capitão. Tudo isso tem como resultante que na ocorrência havida noRiocentrohouveumcrimedecompetênciadaJustiçaMilitareque,adespeitodosesforçosdesenvolvidos,nãofoipossívelcaracterizaraautoriadoilícito.”(PrincipaistrechosdasdeclaraçõesàimprensadoCoronelJobLorenadeSant’Anna,publicadasnosjornaisdodia1ºdejulhode1981.)

AchargedeZiraldo–umimensoesimplesOH!–napágina10doJornaldoBrasilde1ºdejulhoresumeareaçãoaosresultadosdoIPM.Nosdiasseguintes,osjornais–nemtodos,certamente–rememoraram,em pormenores, muitos pontos não bem esclarecidos no inquérito. E, em apenas dois dias, acredibilidadedasinvestigaçõesestavairremediavelmenteabalada.Ascontestaçõesforamnumerosas,asperguntassemresposta,também.Masdoisexemplosforamosmelhores.OEstadodeSãoPaulo,nodia2dejulho,ilustravacomumareproduçãodepáginasdoautodeexame

cadavéricodoSargentoGuilhermePereiradoRosárioumamatériaintituladaLaudoContradizAfirmaçãodocoronel:“OlaudodoexamecadavéricodoSargentoGuilhermePereiradoRosáriocontradizaversãodoCoronelJobLorenadeSant’Annadeque‘opênisdosargentoestavapreservado.OslegistasEliasdeFreitaseJoãoMacucoJaniniafirmamnodocumentoqueagenitáliaestádilacerada.Comsuaversão,ocoronelJobdeSant’Annainformavaqueabombanãoestavanocolodosargento,massimentreobancoeaportadoPuma.Orostodomilitartambémfoibastanteatingido,deacordocomolaudo,contrariandotambémoquedizoIPM.’’Nomesmodia,oJornaldoBrasililustravacomsetefotosamatériaTesteMostraqueSeriaDifícilnãoVerBombanoPuma.UsandoumPumadomesmoanoemodelododepropriedadedoCapitãoWilson,oJornaldoBrasilmostrouquenumaprimeirahipóteseabombanãocabiaentreobancoeaportadocarroeque,numasegundahipótese,reduzindo-seemmuitoo tamanhodoartefato,abombacaberianolocalapontadopeloIPMmasseriaperfeitamentevisívelporquemabrisseaportadoveículoousesentassenobancoàdireitadomotorista.Osjornaisreafirmarammaisumavezocomportamentoinvestigativoquemantiveramdesdeoiníciodacobertura do Caso Riocentro. Na verdade, por esse comportamento investigativo da imprensa, osresultadosdoinquéritoestavamdesmentidosantesmesmoquefossemdivulgados.Aessapartedahistória–aquecontaoexercíciododireitodefazersaber,deumlado,edesaber,dooutro–jánãoéprecisoacrescentarnada.Masahistórianãoacabou.Eagora?ÉaperguntaqueficouaindadepoisdosresultadosedasdúvidassobreosresultadosdoIPM.Porqueeagoranãoésóeagoraverdade ou mentira, culpado, inocente. Nem é só e agora abertura, retrocesso, repressão, casuísmo,eleições.E agora, é também, principalmente, e agora nós que soubemos, que pudemos sabermais umpouco.Oquesesabe,existe.Oqueexistiuesesoubeficamaisperto,maispartedavidadecadaum.Eporquesoubemostanto,estamosperto;parte.Eagorajáserámenospossívelnãotermosnadaavercomisso.

1999

Recordareviver–refletirNós, de novo. Foi a comissão de direitos Humanos da Câmara dos Deputados que pediu e acabouconseguindoareaberturadocasoRiocentro.Masfoiaimprensa,apartirdasériedereportagensqueOGlobopublicoudesdeabrilde1999–aodardestaqueaocasoeacrescentaràsnotíciasatuaisdadosquemostravamaquemnãosabiaounãolembravaaimportânciadofatonanossahistóriapolíticarecente–queajudouaconsolidarapossibilidadedoacertodestatalvezúltimacontadasociedadecomoregimemilitar que se impôs ao Brasil desde março de 1964. Um regime de força de mais de 15 anos, seconsiderarmos a Lei da Anistia, em 1979, como um marco do fim da ditadura. Exatamente 21, seconsiderar-seapossedocivilJoséSarneycomoseutérmino.Oumaisde25,paraquemacreditaqueademocraciaplenasófoiconquistadacomasprimeiraseleiçõesdiretasparaPresidentedaRepública,emnovembrode1989.Em1981, eu era repórter daGazetaMercantil e, profissionalmente, lidava exclusivamente com temaseconômicos. Soube doRiocentro pela imprensa e tive amesma sensação demeus colegas que foramfazeracoberturanodia30deabril:osmilitarescontráriosàredemocratizaçãoiamexplodirumabombaem um evento organizado por instituições e artistas de oposição ao governo, cometeram um erro e abombaexplodiunocarrodeles.Pensarissoeraumacoisa.Publicarnosjornaisasevidênciasdequeaverdadeeraessaeraumacoisamuitodiferente.Inéditamesmo,emumaépocatãoparadoxalque,apesardetudoserpublicadocomtodasasletras,oIPM,inquéritopolicialmilitar,acabariaconcluindoqueosculpadoseramasvitimas...DecidiescreverolivroantesdofinaldoIPM,soboimpactodaemoçãodeperceberoqueprimeirofoitomandocontadenósjornalistase,acadadiaemqueseestampavammaisemaisnotíciasnasprimeiraspáginas,tambémdetodososbrasileiroscomacessoàimprensa:ainformaçãoeraumaarmaimportante,tão importantequepodia enfrentarmaisqueo terrorismo–podiavencer a tentativada linhadura (osmilitaresdeextremadireita)dederrotarasconquistasdeumalutapelademocraciaquenuncadeixoudesertravada.Osoriginaisdolivro,emfolhasdepapeldatilografadasemumamáquinadeescreverportátilmecânica,sãoprovadotamanhodaforçadestaarma:osdadosnemcogitavamemserarquivadosetransmitidosnaforma de bytes, a primeira notícia da explosão veio pelo telefone – que não sonhava em ser sem fioquantomaiscelularoudigital–enosjornaisvaravam-semadrugadasparacalcularotamanhodecadatítuloediagramar,desenhandoàmãocomréguaelápis,asmatériaspelaspáginas.Partomaisdifícilelento,masofrutoforteestavalá: informação.Etransmitirereceberinformação,quandosevivesobopesodeumregimepolíticoemquealiberdadepodeestarporumtriz,éfundamental.O livromostra detalhadamente como foi utilizada esta arma informação, através dos depoimentos dosjornalistas que viveram o caso – do repórter ao editor chefe, do fotógrafo ao chargista, do chefe desucursalaocolunistapolítico.Eleestáaqui,exatamentecomofoiescrito.Masnãobastarecordar.Foramnecessários18anosparaqueoqueaimprensacontouchegasseàJustiçaeaverdadesabidasetornasseverdadeoficial.Sobreestanecessidadeesobretodoestetempovaleapenarefletir.Refletiramcomigoalgunsdoscolegasque,comseuempenhoemapurarepublicaraverdade–emumaépoca em que para isso eram muitas vezes necessárias certas “táticas de guerrilha” – certamenteajudaramavivermoshojeemumademocraciainstitucionalizada.Dos22profissionaisdeimprensaqueme relataram sua experiência na cobertura da explosão e de seus desdobramentos em 1981, quatromorreram,trêsmudaramdeprofissãotornando-seadvogados,umestádesempregado,osoutros,alguns

mesmo já aposentados, continuam trabalhando em jornalismo. O caso Riocentro – que serviu comomotivoparaacondecoraçãocomamedalhadoPacificadordeváriosdosmilitaresenvolvidosnafarsadoIPMeparaoenterrocomhonrasmilitaresdosargentoGuilhermePereiradoRosário,mortocomabombanocolo–nãoteveimpactodiretosobreascarreirasdestesprofissionais.ApesardeterrendidoumPrêmioEssoaoJornaldoBrasileoutroaOEstadodeSãoPaulo,ninguémfoipromovidoporisso.Mas foi o episódio que deixou asmarcas talvezmais profundas nos profissionais e nos cidadãos. Atrajetória destes jornalistas em seguida àquela cobertura histórica e seus depoimentos atuais sucedemnestareediçãoorelatoquemefizeramnaépoca.Abreverevisãodanossahistóriapolíticarecente,dosavançostecnológicosedasgrandesmudançasderumonocomportamento social enacultura, feita combasenapesquisadesenvolvidapelaeconomistaAnaMalin e nos dados apurados pela jornalista Selma Grunfeld, e revisada com a mistura (sempreimbatível)decompetênciaecarinhocomquemepresenteouacientistapolíticaLuciaHippó1ito,gerouocapítuloDezoito anos.Sempretensão algumade analisar oumesmo relatar todososmais importantesacontecimentosnacionaiseinternacionais,elequerapenascontribuirparasituarnotempoomomentodasbombasnoRiocentro.AsrespostasaoquestionáriosubmetidoaosalunosdaUniversidadeGamaFilhoeaosinternautasatravésdoportaldoZAZna Internet foramabasedocapítuloOqueaconteceudesdequevocênasceu.Éumcorte simplificadosobreapercepçãoqueos jovens têmdaquelaépoca,emqueestavamcomeçandoaviver,acompanhadodeumconviteàreflexãosobrequantooregimepolíticopodeafetaravidapessoaldecadaum,inclusiveadeumcapitãoeadeumsargento.EdorelatodahistóriadeummédicoidealistaquequasetevesuavidadestruídapelocasoRiocentro.Umrelatoquequersertambémumahomenagemaoespíritojornalísticoqueindependedaprofissãoquandoseconsideraoinformareserinformadoparteintegranteeindispensáveldosdireitoshumanos.Boaviagemnotempoeboareflexão.BelisaRibeiroNovembrode1999

Oqueaconteceudesdequevocênasceu?Foiemmeioàviagemnotempoaqueestareediçãomelevou–surpresademefalharamemóriasobretantososabsurdosqueforamseincorporandoaonossocotidianoduranteaditadura,emocionadacomobuscarereencontraroscolegasdediaadiadaprofissão18anosdepois–quedecidifazerapesquisa:um questionário destinado aos jovens com perguntas sobre o momento político, social, cultural etecnológicoquevivíamosàépocadasexplosõesdoRiocentro.Eumesma, que já era jornalista experiente naquele tempo, nãome lembravamuito bem como umdiativéramosmunicípios“desegurançanacional”que,poressarazão(entendidaapenaspelosmilitaresqueassim os decretaram), não poderiam ter eleições diretas para prefeito. Dei uma risada que foi setransformandoemumaamargura,misturadacomalembrançadaraivaquesentíamosdoregime,quandomedepareicomapalavracasuísmo,aomesmotempoemquemedavacontadequeparameusfilhos–ecertamenteparamaisdeumageração–distensão,hoje,querdizerapenasumproblemamuscular.Oqueseráqueosquenasceramnaépocadaquelasexplosõessinistras–parausarumapalavraquevirougíriadelesequeseadaptaaquinonovoenosentidoliteral–sabemdoquepassounossopaís?Sabemquechegamosaterpenademorteparacrimespolíticos?Quemorreramtantosdeumaidadepertodasua,barbaramente?Sabemquantoafaltadeliberdadedocidadãopodeferiraalmadoindivíduo?Nãosabem.Osolhinhosazuisdameninaquequerserjornalistaolharambemdentrodosmeusparamedizercomumsorrisotransparentequenãoimportamesmoseháditaduraoudemocracia–“dapraserfeliz,dependesóde mim”. Ela também estava muito espantada de tomar conhecimento pela primeira vez, através docabeçalho do questionário que iria responder, de que o sargento e o capitão foram finalmentereconhecidos como culpados: “eu pensava que eles tinham sido vítimas de um atentado de quem eracontraaditadura”.Estávamosnocampusdeumadasmaioresuniversidadesdopaíseelaacabarademeentrevistar para a TV de circuito interno sobre a pesquisa, com os alunos respondendo em algunsterminaisaoquestionárioonlinenaInternet.Outramoça,comotodobrancodenunciandosuaopçãopelamedicina, escolhera a respostaGetúlioVargas na pergunta sobre quem era o presidente doBrasil em1981.Confusos e, ao mesmo tempo, muito interessados em participar, eles não poderiam lembrar. Masdeveriamteraprendido.UmaeducaçãopolíticateriadeixadoVargasno1954dosuicídio,tãodistantedogolpemilitar.Umamemóriaadquiridateriaajudadonossapretendenteàprofissãodoinformaranãosearriscar a, amanhã – quem sabe,Deus nos livre –, participar de uma rediviva passeata dos 100mil,apoiandoumoutroregimedeforçacontraademocraciapolíticaeasliberdadesindividuais.Noresultadofinaldapesquisa(vertabeladeresultadoseanálise),amaioriaacertoubemmaisqueerrounas questões informativas. Na hora da opinião, foi alta a percentagem (18%) dos jovens quedemonstraramqueacreditamqueepossívelser feliz individualmente independentedoregimepolítico,optandopela respostadequeviver emumademocraciaouemumaditaduranão interfere emnadananossavidapessoal.

UmpatinhomuitofeioInterferiunavidadoPatinho,queerameiodecampoegostavadefuteboleatédetotó.Interferiutantoque o Patinho virouDiaboVerde e, depois, oDr.Marcos, que podia explodir bombas em bancas dejornaisoulevarumabombaparaexplodiremumshowcomumaassistênciadequase20miljovens.Patinho,DiaboVerdeeDr.Marcossãoamesmapessoa,apessoadotenente-coronelWilsonMachado,oentãocapitãoWilsondasbombasdoRiocentro.Entre um apelido e outro estão a Revolução de 64, a criação dos órgãos de repressão política quepodiam torturar e matar, toda a suspensão do estado de direito e do respeito ao cidadão. OmeninoWilsonMachadoentrouparaoColégioMilitaretevequeserinternoduranteumanoemBeloHorizonteporquenãoerafilhodemilitares.JáhaviasidotransferidoparaoexternatonoRiodeJaneiroquandoogolpemilitarderrubouopresidenteJoãoGoulart.Suaturma,queseformariaem1967,estavaacabandooantigocursoginasialepassandoparaoantigosegundograu,todosporvoltados15anos.Como era o Patinho? Entre mais de 20 colegas daquela turma, ninguém quis falar muito. Amaioria,mesmonãotendoseguidoacarreiramilitar,manteveumcomportamentodignodepresodeguerraemerespondia apenas um “não lembro”, seguido da informação de seu número e sua arma de escolha.Somandoaspouquíssimasinformaçõesqueescaparamdeumcorporativismoarraigado,restouoseguinterelato:“OPatinhojáeraumcarameiomau.Querdizer,aturmadosegundoanodavatrotenoscarasquepassavam para o primeiro ano do segundo grau, os “bichos”, mas ele continuou dando trotes atéquaseseformar.Achoquejáeraumsinaldequeeleiagostardeumcertotipodepoderautoritário.AverdadeéquefoiaRevoluçãoquemudoutudonoColégioMilitar.Até64,agenteencaravaocolégiocomo colégio, com aquelas responsabilidades a mais de farda, exercícios militares, mas nada quefizessenossentirmosdiferentesdosoutros.Derepente,veioogolpeeficamosdoismesesemeiosemaula. Os professores se imbuíram do espírito da Revolução. A gente, meio perplexo, via aquelevelhinhoquedavaauladeciênciassaindodejipeecapacete,oprofessordematemáticavestidocomuniformedecampanha.Eaícomeçouumoutroclima,comtodaumaênfasenaideologiadedireita,deenfiarnanossacabeçaquecomunistacomiacriancinha,deincutirumadiferenciaçãoentrenóseoscomunsmortaisbaseadano“EusoudoExército”.Amaiorianãoligava,estavamaisinteressadaemBeatleseRollingStoneseemmeninas,éclaro.Eeuacreditoatéqueissoexpliqueporquetantos,demaisde400daquelaturma,acabaramnãoseguindoacarreiraqueali ficoutotalmenteidentificadacomumacoisaarrogante,autoritária.Quemseguiu,éporquegostou.”WilsonMachadotinha33anosnodiaemqueexplodiuabombanoRiocentro.Duranteestes18anos,elemanteveamesmaversãodeseudepoimentonoprimeiroInquéritoPolicialMilitar,prestadonodia30demaio de 1981, noCTI doHospitalCentral doExército: que ele e o sargento estacionaram o Puma esaíramdocarro.Osargentoparaprocurarumgrupodeoutrosagentescomquemhaviacombinadodeseencontrareele,paraurinar.Navoltaaocarro,porternotadoumgrupoderapazesque“pareciaserdemaconheiros e, bem capaz, portanto, de roubar o toca-fitas do Puma” (palavras do capitão nodepoimento),eledecidiuestacionaremoutrolocal.Aoentrarnocarroeengatararé,abombaexplodiu.“Tenhoumafilha,nãopossomorrer”,eraoqueocapitãoWilsondiziaenquantoeralevadoaohospital.OmedodamortenãoterminouquandojácicatrizavamosferimentoscausadospelabombadoRiocentro.Um ex-agente do DOI-Codi¹ que virou taxista contou, anos depois das explosões, para o jornalistaMaurícioMenezesque,quandoficoudeplantãonoHospitalCentraldoExército,naportadoquartodo

capitão, percebeu que esse medo não era apenas dele, que dizia sempre temer ser assassinado – os“chefes”tambémtinhammedoque“apagassem”ocapitão.Porqueessehomem,quejánãosesentiaseguronemnohospitaldoExércitoecercadodeagentesdoseuDOI,carregoudurante todosestesanos,sozinhoemudo,aquelabomba?Certamentepesoua formaçãoque, alémdevestir deuniformede campanhaoprofessor dematemáticado seu colégio, na épocadogolpe militar de 64, tornava comum o chegar ao trabalho (no DOI-Codi*) e receber sem pedir duasplacas frias (falsas) para o próprio carro; e conhecer os colegas de trabalho por codinomes, para seesqueceromaisrápidopossíveldonomeverdadeiro–afinalaideologiapregavaqueseestavaemumaguerra, a guerra contra os comunistas, em que valia tudo e por esse tudo era melhor jamais poderresponsabilizarnominalmentealguém.Dooutroladodaguerra,nospartidosemovimentosclandestinosdaesquerda,tambémsetrocavadenome.Pormedodemorrer.OsargentoGuilhermePereiradoRosárionãoestavacommedodemorrerquandofoiparaoRiocentro.Ligouàs17h30mparacasa, avisouàmulher,Suely,quenão ia jantare secertificoudequeelahaviacomprado a carne para o churrasco do feriado do dia seguinte. Perito em explosivos, fizera todos oscursos de especialização da Brigada de Paraquedistas e recebera um elogio publicado no BoletimReservadodoExércitopor“lealdade,honestidade,definiçãodeatitude,sentimentodecumprimentododever”.Oboletimnãocontaqualfoiodevercumprido,masécertoque,pelomenosemumamissão,osargentoseferiu.Eleamavaacarreiramilitar.Suaviúva,nodepoimentoaoprimeiroInquéritoPolicialMilitar,deixouregistradoqueeleviacomorgulhoapossibilidadedeingressonacarreiramilitardeseusdois filhos.Umdeles,GuilhermePereira doRosário Jr., acompanhou amãe, nodepoimento agora aonovo IPM, comoadvogado.Desta vez,Suely, que estámovendouma ação contra oExército, pedindopromoçãodomaridoPostMorteneindenizaçãopordanosmorais,preferiuressaltarasdificuldadesqueteve para criar os filhos “sem ajuda de nenhuma autoridade militar e vendo o nome do marido serenxovalhadopelaimprensa”.DeacordocomonovoIPM,osargentoeocapitãosãoculpados.Mais,menosouemgrauigualaodosquenos quartéis lhes ensinarama antiga lição de viver pela pátria emorrer sem razão, comodizia amúsica deGeraldoVandré, preso pelo regimemilitar?Mesmo naquela época, houvemilitares que serevoltaramcomafarsadoIPM,protestarameforampresosporisso.Aperguntaqueficanoaré:porqueunssimeoutrosnão?Quantooregimeéoculpado,quantopodemose devemos escolher?A resposta, por sobre o livre arbítrio, com certeza tem a ver com informação eformação.*DOI-Codi(DepartamentodeOperaçõesInternas–ComandoOperacionaldeDefesaInterna)centralizoua repressãopolítica; chefiadoporumoficial doExército, tinha entre seusmembrosoficiais deoutrasarmasepoliciaiscivis.

UmcliquecorajosoA história de vida que se segue – com o exercício do livre arbítrio respaldado por uma educação eexemplospráticosdevaloresdemocráticos–ajudamuitoapensaremumaresposta.Seuprotagonistaédeumageraçãoabaixodadocapitãoedo sargento.Amesmageraçãodamaioriados jornalistasquedesvendaramo caso das bombas noRiocentro.Umageração que vivia a infância na época do golpe,passou a adolescência emmeio aos chamados “anos de chumbo” – a pior fase do regimemilitar – echegouàjuventudequandoalutapelademocraciacomeçavaaservitoriosa.FernandoOlintotinha26anosquando,médicoresidentedecirurgiageraldohospitalMiguelCouto,noRio de Janeiro, recebeu o capitão Wilson Machado, consciente apesar dos gravíssimos ferimentos

provocadospelaexplosãodabombanoRiocentro.Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1980, Fernando viveu o renascimento domovimentoestudantil, trabalhandonareconstruçãodoDiretórioCentralMárioPraia,orgulhosoaover,pertodadatadaformatura,asparedesdoCentroAcadêmico–nuasem1975,quandoiniciouseucurso–cheiasdecartazesdeatividadesculturaisepolíticasdosestudantes, jáentão totalmenteenvolvidosnoprocessoderedemocratizaçãodopaís.FernandosónãofoiaoshowdoRiocentroporqueestavadeplantão.Noprimeiroshow,noanoanterior,foi e nuncamais esqueceu da emoção de acompanhar commilhares de outros jovens Chico Buarquecantandoaentãonovíssimaesempreemblemática“Apesardevocê”.Eapesardosresquíciosaindadaditadura,Fernandopodecontribuirparaonascimentodaqueleoutrodiadequefalaamúsica.“Nodiaseguintedoplantão,queeraoferiadode1ºdemaio,fuidiretoparaapraia.Encontreimeupai (o advogado Tristão Fernandes) que estava com um amigo dele, um coronel do Exército. Nohospital,principalmentequandochegaumferidocomaquelagravidade,agenteolhaparaaferida,paraosangue,esópensaemsalvarapessoa.Aindamelembroquedepoisdoatendimentosoubequeomotivonafichadeentradaera“explosãodomotordoautomóvel”.Foiocoronelamigodomeupaique, lendoos jornaisque já informavamqueo feridoeramilitar,disse:“eleédoDOI”.EununcatinhaouvidofalaremDOI,sósabiaoqueeraDOPS.Volteiparaaresidênciaejáencontreiohospitaltomadopormilitares,atédentrodoCTI.E,naporta,ummontedejornalistas.Devezemquando,euconversavacomosjornalistasnobar.Empoucosdias,osjornaisapurandotudo,todomundojásabiaqueosargentoeocapitãoeramdoDOIemais,todomundojásabiamuitobemoqueeraDOI.Nodia5demaio,euestavaconversandocomoMarceloBeraba,repórterdojornalOGlobo,queeuconheciali,nuncatinhavistoantes.Eleeracandidatoapresidentedosindicatodos jornalistas,conheciaopessoaldosindicatodosmédicos.EstavacomofotógrafoPauloMoreira,tambémdoGloboeelesmepediramparatentarfazerafoto.PegueiaNikondoPauloMoreiraefuiparaasaladecirurgiaondeiaserfeitaumalimpezacirúrgicanosferimentosdocapitão.Fotografamos,eueoutrosmédicos,ocapitãoalietambém,quandoelejáestavadevoltano CTI, eu e outro residente. Falamos para os médicos que era com fins científicos, paraapresentarmosocasodepois.NoCTI,ocapitãopercebeuquandoestourouoflasheolhoupramim.Eudisseapenas‘olá’.Estavaconvictodequeeleeraumcriminosoedequeeutinhaodeverdeajudararevelara verdade.Entreguei amáquina como filmeparaoPauloMoreira eoBeraba eumahoradepoisafotojáestavaaparecendonatelevisão,noplantãodoJornalNacionaldaTVGlobo.Nodiaseguinte,estavanaprimeirapáginadoGlobo.”Cincoanosdepois,afotoaindaestavanavidadeFernando.Acusado–poralguémqueosseusjuízesnãoidentificaram–elerespondeuauminquéritosumaríssimoinstauradonoprópriohospitalMiguelCoutoefoi rapidamente condenado a uma suspensão de 29 dias na residência e em seguida transferido dohospital.Foi“exilado”nopequenohospitalPaulinoWerneck,naIlhadoGovernador.Masfoiperseguidodurantemuitomaistempo,impedidodereceberocertificadodesuaresidênciamédica,oquelhefechouas portas de tantos empregos que começou a pensar em sair do país. Seu pai, que fora presidente daFederaçãodosBancáriosdoParaná,presoem64eresponderaaumInquéritoPolicialMilitarquedurouaté1971,entroucomumaaçãonaJustiçacontraaPrefeitura.Fernandotinhamedo:deixouatédeandardemotoporumtempo,pensandoquepoderiaseratropeladoemortopelalinhadura.EocasofoipararemCuba,atravésdeumacartadeLuizCarlosPrestes,osupremochefedoPartidoComunistaBrasileiro,aoComandanteFidelCastro.O certificado acabou saindo em1987. Fernando acabou ganhando umprêmioNobel.Depois de fazerdois cursos de extensão na Europa, com poucas possibilidades de trabalho por causa da falta do

certificado e preocupado em somar à sua especialidade em cirurgia algum tipo de trabalho social,Fernando,quetrabalhavanaemergênciadohospitalGetúlioVargas,começouatrabalharemprojetosdesaúdepopulareparticipoudamontagemdocentrodesaúdedafaveladaMangueira,noRiodeJaneiro.Umprojetosemvínculoscomogoverno,queprosperou,serviudeexemploparaoutroscentrosemáreascarenteserecebeuavisitademuitasOrganizaçõesNãoGovernamentais.UmadestasONGs,daHolanda,convidou Fernando a fazer parte do grupoMédicos Sem Fronteiras. Convite aceito, primeiromédicobrasileironaorganização, lá foiele.Primeiro,combateramaláriaentreos índios ianomâmisnaselvaamazônica;depois,montarumpostomédicoemumbarracãodemadeiraemplenaáreadaguerrilhahinducontraogovernobudistadoSriLanka;emseguida,emumaviagemquemisturoubarco, trem,aviãoeperegrinaçãoportrêspaíses,foiparaRuanda,nomeiodeumaguerraentreasetniashútusetútsisquematou800milpessoasedeixou2,5milhõesdedesabrigadosemumpaísde7milhõesdehabitantes.FernandoestevetambémnaBósnia,nofrontdeSarajevo,enaSomália,emseuperíododetreinamentonosMédicosSemFronteiras,instituiçãofundadahá25anosnaFrança,quehojecontacommaisde2milmédicosem100países,sempreemtrabalhosdesocorroavítimasdeguerrasoudesastresnaturais.Emoutubrode1999,oMSFrecebeuoPrêmioNobeldaPaz.“Atrajetóriadevidadomeupaijáhaviameensinadoquantoumregimepolíticopodeinfluenciarnossavidapessoal,onossodiaadia.AreaberturadocasoRiocentroserveparareafirmarmososvaloresdademocraciaeparaqueajuventudedehojesaibadisso–comoumaditadurapodetornarinfelizocidadãoeoindivíduo.Etomeconsciênciadequantoé importantese importar,participar.Nasvésperasdoano2000,eumelembrodomédicofrancêsde62anosquefoimesubstituirnomeiodaguerrilha,acompanhoo processo contra o general Pinochet, preso em Londres, e o andamento das denúncias contra osverdadeirosculpadosporaquelasbombasnoRiocentro.EaindavejooMSFganharoprêmioNobeldaPaz.Aíseiqueestamoscaminhandoparaummundomelhor.”FernandoOlintoHenriqueFernandesOutubrode1999

UmapesquisadesconcertanteApesquisa foi feita entreosdias4 e10denovembrode1999.Noprimeirodia, quatro terminaisdecomputadorforamcolocadosàdisposiçãodosuniversitáriosnocampusdaUniversidadeGamaFilho,noRio de Janeiro. Nos demais, o questionário ficou à disposição dos internautas no portal do ZAZ,provedorqueestavarecebendonaquelemêsmaisde500milvisitaspordia.UmaanálisedosnúmerosdemonstraqueoassuntoRiocentrotempoucoapeloparaosmaisjovens:dasmaisdemilpessoasqueresponderamàpesquisa,apenas22%tinhammenosde21anos.Osmais jovens acertarammais doqueogrupogeral quando se tratavade tecnologia–nenhumdelesesqueceuquejáexistiaoAtari,oprimeirojoguinhoeletrônico.Nasmudançasnocomportamentosocialenacultura,ficaramacimadamédia,sabendomuitobemqueomundoemquenasceramjáestavalongedo“PazeAmor”defendidopeloshippiesdaépocadeseuspais.Naeconomia,ficaramumpoucoabaixodamédiaconfundindooiníciocomofimdochamado“milagrebrasileiro”.Mas,napolítica,errarambastante:forampraticamenteiguaisasopçõespelarespostacorretaem relação ao voto direto (não era permitido votar para prefeitos, por exemplo) e pela errada, que

afirmavajáserpossívelvotarparatodososcargoseletivos,àexceçãodePresidentedaRepública.Odesconhecimento sobre quem era o presidente na época também foi alto: um quinto dos entrevistadoserrouemaisdametadedosqueerrarampensaqueem1981éramosgovernadosporGetúlioVargas.OAI5ébemconhecido–apenas5%dosmaisjovensacreditamqueeleeraumaleivotadapeloCongressoqueinstituíaapenademorteparasequestradores;omesmopercentualquepensaquesenadorbiônicoeraumsenador“sarado”,“marombeiro”,adeptodosuplementoalimentarBiotônicoFontoura.Odesconhecimentosobreasmanipulaçõesdoprocessoeleitoralàépocadoregimemilitaremesmodaluta pela redemocratização fica também evidente na alta percentagem de erro nas respostas sobre oColégio Eleitoral – 20% optaram pela resposta de que era uma escola criada pelos militares paracandidatosacargoseletivos–esobreamúsicadeAldirBlanceJoãoBoscoquesetransformouemumverdadeirohinodaanistia:17,9%dosjovenspensamqueasMariaseClarissesaqueserefereàmúsicaeramatrizesdaRedeGloboeformavamumtriânguloamorosocomoirmãodoHenfil.Oquestionário,comofoiapresentadonaInternet,estáabaixo,comasrespostascorretasemnegrito.Osnúmeros mostram a percentagem de pessoas que escolheram cada opção, com a coluna “Geral”mostrandooconjuntoderespostasdepessoasdequalquerfaixaetária.Vejaapesquisanaspróximaspáginas.Nopróximocapítulo,maisinformaçõessobreestaépoca,aépocadabombanoRiocentro.Resultadosfinais

GeralMenoresde21anos

Perguntas

Percentualderespostasàpergunta

Algumasrespostaspodemsomarmaisde100%por

existirmaisdeumaopçãocorreta

1.Até1981aindanãoexistiam:

1,35,10,81,31,12,788,3

4,84,802,402,485,1

•Videoclipe•Fax• Atari, o primeirojoguinhoeletrônico•Walkman• Máquina deescrevereletrônica•Videocassete•Telefonecelular

2. Na informática, a tecnologia daépocatornavapossível:

•OlançamentodoprimeiroPC,

precursordetodosos

microcomputadores,com64megabytes

12,93,784,2

22,52,575,5

dememóriaevelocidadede4,77

megahertz•Olançamentodoprimeironotebookcommodemde14.400BPS

• O uso decomputadoresapenas em grandescorporações ougovernos. Em casa,na maioria dasempresas e naimprensa,utilizavam-semáquinas deescrever e arquivosdopapel

3. O comportamento socialmostravaque:

41,18,851,2

53,64,941,5

• A Aids é umadoençadesconhecida e amaioria absolutadosbrasileirosnãousapreservativos•Omundoviveumretorno aomovimento hippye,com os jovens sevoltando para oColetivismo,avidanocampoeoidealdePazeAmor•Omundo vive osurgimento dosyuppies (YoungUrbanProfessionals),jovens voltadospara oindividualismo,que têm comovalor máximo o

status profissionalefinanceiro

4.Nocenárioeconômiconacional:

15,3 17,1

• O país vive umafase decrescimento, comexpansão do nívelde emprego einflação baixa, noauge do chamado“milagrebrasileiro”,tornando-se a 8ªeconomia domundo

84,7 82,9

•Opaís viveumafase de recessão,endividamentoexterno crescentee inflação alta-39.000%nasomade toda a décadade 80. É o fim dochamado “milagrebrasileiro”

5.Nocenáriopolíticonacional:

9,625,864,6

7,343,948,8

•Opaísviveapiorfase do regimemilitar, com aesquerda radicalpreparando a lutaarmadaeogovernomatando etorturando presospolíticos• Já é possível ovoto direto paratodos os cargoseletivos, menospara Presidente daRepública•Opaís viveumafase deredemocratização,

mas o governomilitar nãopermite o votodireto paraprefeitos decapitais, deestânciashidrominerais eáreasconsideradas desegurançanacional e paraPresidente daRepública

6.O presidente do Brasil em 1981era:

2,692,62,03,5

12,58052,5

•GetúlioVargas• João BaptistaFigueiredo• JuscelinoKubitschek• Carlos CastelloBranco

7.AI5era:

02,397,7

0595

• Um novocomplexovitamínico quesurge com a ondade culto ao corpodesencadeada noiníciodosanos80• Uma lei votadapeloCongressoqueinstitui a pena demorte parasequestradores•Uma espécie dedecreto baixadopelosmilitaresquefecha oCongresso,estabelece acensura prévia àtelevisão e ao

rádio e cria oscrimes desegurançanacional

8.Senadorbiônicoera:

2,5 5

• Um Senador“sarado”,“marombeiro”,preocupado com asaúde, adepto dosuplementoalimentarBiotônicoFontoura

43,653,9

4550

• Um Senadorescolhido entre osmilitares• Um Senadoreleito de formaindireta pelasassembleiasestaduais

9.Colégioeleitoralera:

3,67,389,1

02080

Uma escola criadapelos sindicatospara ensinar apopulaçãodebaixarendaavotar• Uma escolacriada pelosmilitares paracandidatosacargoseletivos• Um grupoformado pormembros daCâmara, doSenado e deassembleiasestaduais queescolhia oPresidente daRepública

10.MeuBrasilQuesonhacomavoltado irmãodo

HenfilCom tanta gente que partiu numrabodefogueteChoraanossapátriamãegentilChoram marias e clarisses no solodoBrasilO trecho acima, da música “OBêbado e o Equilibrista”, de AldirBlanceJoãoBosco,serefere:

94,65,4

82,117,9

•Aduasviúvasdepresos políticosque morreramvítimas de torturana prisão daditadura militarbrasileira e àexpectativa davolta dos exiladospolíticos com aanistia• A um triânguloamoroso formadopelo irmão docartunista Henfilcomduasatrizesdenovela da RedeGlobo deTelevisão

11. O fato de se viver em umaditaduraouemumademocracia:

9,290,8

18,181,9

• Não interfere emnada na vidapessoaldecadaum– é possível serfelizindividualmenteindependente doregimepolítico• Interfere muitonavidapessoaldecada um – não épossível ser felizindividualmentesem liberdade

social e políticaplena

Umcliquecorajoso

A história de vida que se segue – com o exercício do livre arbítrio respaldado por uma educação eexemplospráticosdevaloresdemocráticos–ajudamuitoapensaremumaresposta.Seuprotagonistaédeumageraçãoabaixodadocapitãoedo sargento.Amesmageraçãodamaioriados jornalistasquedesvendaramo caso das bombas noRiocentro.Umageração que vivia a infância na época do golpe,passou a adolescência emmeio aos chamados “anos de chumbo” – a pior fase do regimemilitar – echegouàjuventudequandoalutapelademocraciacomeçavaaservitoriosa.FernandoOlintotinha26anosquando,médicoresidentedecirurgiageraldohospitalMiguelCouto,noRio de Janeiro, recebeu o capitão Wilson Machado, consciente apesar dos gravíssimos ferimentosprovocadospelaexplosãodabombanoRiocentro.Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1980, Fernando viveu o renascimento domovimentoestudantil, trabalhandonareconstruçãodoDiretórioCentralMárioPraia,orgulhosoaover,pertodadatadaformatura,asparedesdoCentroAcadêmico–nuasem1975,quandoiniciouseucurso–cheiasdecartazesdeatividadesculturaisepolíticasdosestudantes, jáentão totalmenteenvolvidosnoprocessoderedemocratizaçãodopaís.FernandosónãofoiaoshowdoRiocentroporqueestavadeplantão.Noprimeiroshow,noanoanterior,foi e nuncamais esqueceu da emoção de acompanhar commilhares de outros jovens Chico Buarquecantandoaentãonovíssimaesempreemblemática“Apesardevocê”.Eapesardosresquíciosaindadaditadura,Fernandopodecontribuirparaonascimentodaqueleoutrodiadequefalaamúsica.“Nodiaseguintedoplantão,queeraoferiadode1ºdemaio,fuidiretoparaapraia.Encontreimeupai (o advogado Tristão Fernandes) que estava com um amigo dele, um coronel do Exército. Nohospital,principalmentequandochegaumferidocomaquelagravidade,agenteolhaparaaferida,paraosangue,esópensaemsalvarapessoa.Aindamelembroquedepoisdoatendimentosoubequeomotivonafichadeentradaera“explosãodomotordoautomóvel”.Foiocoronelamigodomeupaique, lendoos jornaisque já informavamqueo feridoeramilitar,disse:“eleédoDOI”.EununcatinhaouvidofalaremDOI,sósabiaoqueeraDOPS.Volteiparaaresidênciaejáencontreiohospitaltomadopormilitares,atédentrodoCTI.E,naporta,ummontedejornalistas.Devezemquando,euconversavacomosjornalistasnobar.Empoucosdias,osjornaisapurandotudo,todomundojásabiaqueosargentoeocapitãoeramdoDOIemais,todomundojásabiamuitobemoqueeraDOI.Nodia5demaio,euestavaconversandocomoMarceloBeraba,repórterdojornalOGlobo,queeuconheciali,nuncatinhavistoantes.Eleeracandidatoapresidentedosindicatodos jornalistas,conheciaopessoaldosindicatodosmédicos.EstavacomofotógrafoPauloMoreira,tambémdoGloboeelesmepediramparatentarfazerafoto.PegueiaNikondoPauloMoreiraefuiparaasaladecirurgiaondeiaserfeitaumalimpezacirúrgicanosferimentosdocapitão.Fotografamos,eueoutrosmédicos,ocapitãoalietambém,quandoelejáestavadevoltano CTI, eu e outro residente. Falamos para os médicos que era com fins científicos, paraapresentarmosocasodepois.NoCTI,ocapitãopercebeuquandoestourouoflasheolhoupramim.Eudisseapenas‘olá’.Estavaconvictodequeeleeraumcriminosoedequeeutinhaodeverdeajudararevelara verdade.Entreguei amáquina como filmeparaoPauloMoreira eoBeraba eumahoradepoisafotojáestavaaparecendonatelevisão,noplantãodoJornalNacionaldaTVGlobo.Nodia

seguinte,estavanaprimeirapáginadoGlobo.”Cincoanosdepois,afotoaindaestavanavidadeFernando.Acusado–poralguémqueosseusjuízesnãoidentificaram–elerespondeuauminquéritosumaríssimoinstauradonoprópriohospitalMiguelCoutoefoi rapidamente condenado a uma suspensão de 29 dias na residência e em seguida transferido dohospital.Foi“exilado”nopequenohospitalPaulinoWerneck,naIlhadoGovernador.Masfoiperseguidodurantemuitomaistempo,impedidodereceberocertificadodesuaresidênciamédica,oquelhefechouas portas de tantos empregos que começou a pensar em sair do país. Seu pai, que fora presidente daFederaçãodosBancáriosdoParaná,presoem64eresponderaaumInquéritoPolicialMilitarquedurouaté1971,entroucomumaaçãonaJustiçacontraaPrefeitura.Fernandotinhamedo:deixouatédeandardemotoporumtempo,pensandoquepoderiaseratropeladoemortopelalinhadura.EocasofoipararemCuba,atravésdeumacartadeLuizCarlosPrestes,osupremochefedoPartidoComunistaBrasileiro,aoComandanteFidelCastro.O certificado acabou saindo em1987. Fernando acabou ganhando umprêmioNobel.Depois de fazerdois cursos de extensão na Europa, com poucas possibilidades de trabalho por causa da falta docertificado e preocupado em somar à sua especialidade em cirurgia algum tipo de trabalho social,Fernando,quetrabalhavanaemergênciadohospitalGetúlioVargas,começouatrabalharemprojetosdesaúdepopulareparticipoudamontagemdocentrodesaúdedafaveladaMangueira,noRiodeJaneiro.Umprojetosemvínculoscomogoverno,queprosperou,serviudeexemploparaoutroscentrosemáreascarenteserecebeuavisitademuitasOrganizaçõesNãoGovernamentais.UmadestasONGs,daHolanda,convidou Fernando a fazer parte do grupoMédicos Sem Fronteiras. Convite aceito, primeiromédicobrasileironaorganização, lá foiele.Primeiro,combateramaláriaentreos índios ianomâmisnaselvaamazônica;depois,montarumpostomédicoemumbarracãodemadeiraemplenaáreadaguerrilhahinducontraogovernobudistadoSriLanka;emseguida,emumaviagemquemisturoubarco, trem,aviãoeperegrinaçãoportrêspaíses,foiparaRuanda,nomeiodeumaguerraentreasetniashútusetútsisquematou800milpessoasedeixou2,5milhõesdedesabrigadosemumpaísde7milhõesdehabitantes.FernandoestevetambémnaBósnia,nofrontdeSarajevo,enaSomália,emseuperíododetreinamentonosMédicosSemFronteiras,instituiçãofundadahá25anosnaFrança,quehojecontacommaisde2milmédicosem100países,sempreemtrabalhosdesocorroavítimasdeguerrasoudesastresnaturais.Emoutubrode1999,oMSFrecebeuoPrêmioNobeldaPaz.“Atrajetóriadevidadomeupaijáhaviameensinadoquantoumregimepolíticopodeinfluenciarnossavidapessoal,onossodiaadia.AreaberturadocasoRiocentroserveparareafirmarmososvaloresdademocraciaeparaqueajuventudedehojesaibadisso–comoumaditadurapodetornarinfelizocidadãoeoindivíduo.Etomeconsciênciadequantoé importantese importar,participar.Nasvésperasdoano2000,eumelembrodomédicofrancêsde62anosquefoimesubstituirnomeiodaguerrilha,acompanhoo processo contra o general Pinochet, preso em Londres, e o andamento das denúncias contra osverdadeirosculpadosporaquelasbombasnoRiocentro.EaindavejooMSFganharoprêmioNobeldaPaz.Aíseiqueestamoscaminhandoparaummundomelhor.”FernandoOlintoHenriqueFernandesOutubrode1999

UmapesquisadesconcertanteApesquisa foi feita entreosdias4 e10denovembrode1999.Noprimeirodia, quatro terminaisdecomputadorforamcolocadosàdisposiçãodosuniversitáriosnocampusdaUniversidadeGamaFilho,noRio de Janeiro. Nos demais, o questionário ficou à disposição dos internautas no portal do ZAZ,provedorqueestavarecebendonaquelemêsmaisde500milvisitaspordia.UmaanálisedosnúmerosdemonstraqueoassuntoRiocentrotempoucoapeloparaosmaisjovens:dasmaisdemilpessoasqueresponderamàpesquisa,apenas22%tinhammenosde21anos.Osmais jovens acertarammais doqueogrupogeral quando se tratavade tecnologia–nenhumdelesesqueceuquejáexistiaoAtari,oprimeirojoguinhoeletrônico.Nasmudançasnocomportamentosocialenacultura,ficaramacimadamédia,sabendomuitobemqueomundoemquenasceramjáestavalongedo“PazeAmor”defendidopeloshippiesdaépocadeseuspais.Naeconomia,ficaramumpoucoabaixodamédiaconfundindooiníciocomofimdochamado“milagrebrasileiro”.Mas,napolítica,errarambastante:forampraticamenteiguaisasopçõespelarespostacorretaem relação ao voto direto (não era permitido votar para prefeitos, por exemplo) e pela errada, queafirmavajáserpossívelvotarparatodososcargoseletivos,àexceçãodePresidentedaRepública.Odesconhecimento sobre quem era o presidente na época também foi alto: um quinto dos entrevistadoserrouemaisdametadedosqueerrarampensaqueem1981éramosgovernadosporGetúlioVargas.OAI5ébemconhecido–apenas5%dosmaisjovensacreditamqueeleeraumaleivotadapeloCongressoqueinstituíaapenademorteparasequestradores;omesmopercentualquepensaquesenadorbiônicoeraumsenador“sarado”,“marombeiro”,adeptodosuplementoalimentarBiotônicoFontoura.Odesconhecimentosobreasmanipulaçõesdoprocessoeleitoralàépocadoregimemilitaremesmodaluta pela redemocratização fica também evidente na alta percentagem de erro nas respostas sobre oColégio Eleitoral – 20% optaram pela resposta de que era uma escola criada pelos militares paracandidatosacargoseletivos–esobreamúsicadeAldirBlanceJoãoBoscoquesetransformouemumverdadeirohinodaanistia:17,9%dosjovenspensamqueasMariaseClarissesaqueserefereàmúsicaeramatrizesdaRedeGloboeformavamumtriânguloamorosocomoirmãodoHenfil.Oquestionário,comofoiapresentadonaInternet,estáabaixo,comasrespostascorretasemnegrito.Osnúmeros mostram a percentagem de pessoas que escolheram cada opção, com a coluna “Geral”mostrandooconjuntoderespostasdepessoasdequalquerfaixaetária.Vejaapesquisanaspróximaspáginas.Nopróximocapítulo,maisinformaçõessobreestaépoca,aépocadabombanoRiocentro.Resultadosfinais

GeralMenoresde21anos

Perguntas

Percentualderespostasàpergunta

Algumasrespostaspodemsomarmaisde100%por

existirmaisdeumaopçãocorreta

1.Até1981aindanãoexistiam:

1,35,10,81,31,12,788,3

4,84,802,402,485,1

•Videoclipe•Fax• Atari, o primeirojoguinhoeletrônico•Walkman• Máquina deescrevereletrônica•Videocassete•Telefonecelular

2. Na informática, a tecnologia daépocatornavapossível:

12,93,784,2

22,52,575,5

•OlançamentodoprimeiroPC,

precursordetodosos

microcomputadores,com64megabytesdememóriae

velocidadede4,77megahertz

•Olançamentodoprimeironotebookcommodemde14.400BPS

• O uso decomputadoresapenas em grandescorporações ougovernos. Em casa,na maioria dasempresas e naimprensa,utilizavam-semáquinas deescrever e arquivosdopapel

3. O comportamento socialmostravaque:

• A Aids é umadoençadesconhecida e amaioria absolutadosbrasileirosnãousapreservativos

41,18,851,2

53,64,941,5

•Omundoviveumretorno aomovimento hippye,com os jovens sevoltando para oColetivismo,avidanocampoeoidealdePazeAmor•Omundo vive osurgimento dosyuppies (YoungUrbanProfessionals),jovens voltadospara oindividualismo,que têm comovalor máximo ostatus profissionalefinanceiro

4.Nocenárioeconômiconacional:

15,3 17,1

• O país vive umafase decrescimento, comexpansão do nívelde emprego einflação baixa, noauge do chamado“milagrebrasileiro”,tornando-se a 8ªeconomia domundo

84,7 82,9

•Opaís viveumafase de recessão,endividamentoexterno crescentee inflação alta-39.000%nasomade toda a décadade 80. É o fim dochamado “milagrebrasileiro”

5.Nocenáriopolíticonacional:

9,625,864,6

7,343,948,8

•Opaísviveapiorfase do regimemilitar, com aesquerda radicalpreparando a lutaarmadaeogovernomatando etorturando presospolíticos• Já é possível ovoto direto paratodos os cargoseletivos, menospara Presidente daRepública•Opaís viveumafase deredemocratização,mas o governomilitar nãopermite o votodireto paraprefeitos decapitais, deestânciashidrominerais eáreasconsideradas desegurançanacional e paraPresidente daRepública

6.O presidente do Brasil em 1981era:

2,692,62,03,5

12,58052,5

•GetúlioVargas• João BaptistaFigueiredo• JuscelinoKubitschek• Carlos CastelloBranco

7.AI5era:• Um novocomplexo

02,397,7

0595

vitamínico quesurge com a ondade culto ao corpodesencadeada noiníciodosanos80• Uma lei votadapeloCongressoqueinstitui a pena demorte parasequestradores•Uma espécie dedecreto baixadopelosmilitaresquefecha oCongresso,estabelece acensura prévia àtelevisão e aorádio e cria oscrimes desegurançanacional

8.Senadorbiônicoera:

2,5 5

• Um Senador“sarado”,“marombeiro”,preocupado com asaúde, adepto dosuplementoalimentarBiotônicoFontoura

43,653,9

4550

• Um Senadorescolhido entre osmilitares• Um Senadoreleito de formaindireta pelasassembleiasestaduais

9.Colégioeleitoralera:Uma escola criadapelos sindicatospara ensinar apopulaçãodebaixa

3,67,389,1

02080

rendaavotar• Uma escolacriada pelosmilitares paracandidatosacargoseletivos• Um grupoformado pormembros daCâmara, doSenado e deassembleiasestaduais queescolhia oPresidente daRepública

10.MeuBrasilQuesonhacomavoltado irmãodoHenfilCom tanta gente que partiu numrabodefogueteChoraanossapátriamãegentilChoram marias e clarisses no solodoBrasilO trecho acima, da música “OBêbado e o Equilibrista”, de AldirBlanceJoãoBosco,serefere:

94,65,4

82,117,9

•Aduasviúvasdepresos políticosque morreramvítimas de torturana prisão daditadura militarbrasileira e àexpectativa davolta dos exiladospolíticos com aanistia• A um triânguloamoroso formadopelo irmão docartunista Henfilcomduasatrizesdenovela da Rede

Globo deTelevisão

11. O fato de se viver em umaditaduraouemumademocracia:

9,290,8

18,181,9

• Não interfere emnada na vidapessoaldecadaum– é possível serfelizindividualmenteindependente doregimepolítico• Interfere muitonavidapessoaldecada um – não épossível ser felizindividualmentesem liberdadesocial e políticaplena

Dezoitoanos

Aidadedamaturidadeéoquenosseparadaqueleano,1981.Equeano!Pelomundoafora,oanofoideguerras de muitos mortos, de atentados com dois tiros que poderiam ter mudado a história, dereviravoltaspolíticasesociais.Foioanodairrupçãodofundamentalismomuçulmanoedonascimentodomicrocomputador,damúsicavirandoimagemcomaestreiadovideoclipedo“casamentodoséculo”.Olhandoparatrás,podemospercebernaquelaépocaumindíciodoquehojechamamosglobalização–omundo caminhando, através de sucessivos e espantosos avanços da tecnologia, para um aumentovertiginoso da velocidade da informação e vendo se afirmarem cada vez mais os valores do mundoocidental,entreelesocapitalismo,oindividualismoeoconsumismo.Vivendo,também,avalorizaçãodaliberdadeedademocracia.NaPolônia,ademonstraçãodeopçãopelosocialismoindependentedocontroledoblocosoviéticocomo sindicato “Solidariedade”, do carismático líder LechWalesa, conquistandomais de 10milhões deafiliados–duradurantequasetodooanoatéque,emdezembro,ogeneralJaruzelskiexpulsasseWalesa,acabassecomosindicatoedecretasseestadodesítionopaís.Maséesseopontodepartidaparatodaareformulação que o leste Europeu viveria ao longo dos anos seguintes e que culminaria em um dosepisódiosmaissimbólicosdonossoséculo:aquedadomurodeBerlim.Na Europa, é a social democracia que ganha maior espaço, com a eleição na França do presidenteFrançoisMitterandsomando-seadoscompanheirosdeideologialiberaledemocráticaFelipeGonzalez,daEspanha,eMárioSoares,dePortugal.NosEstadosUnidos,RonaldReagan–quesofreumatentadoatironesteano–estaresgatandooorgulhodeumaAméricaquevai seesquecendodaguerradoVietnã, se tornandocadavezmaisbem-sucedidaeconomicamenteeimpondoseuneoliberalismoaomundo.Os valores democráticos e liberais estão chegando até mesmo ao tradicionalmente autoritário mundomuçulmano.Por terdefendidoestesvalores,éassassinadoporfundamentalistasradicaisAnwarSadat,presidentedoEgitoeprimeirolíderárabeareconhecerIsrael.OPapaJoãoPauloII,queviajaomundopregandoconciliação,tambémsofreumatentado,praticadoporumturco.A guerra Irã-Iraque (que duraria oito anos, commais de ummilhão demortos) já fazia seu primeiroaniversárioeémaisumexemplodecomooplanetavaisetornando“menor”.Em1981,oIrãliberta52reféns norte-americanos que haviam ficado 444 dias em condições humilhantes no cativeiro, emdecorrênciadoapoiodosEstadosUnidosaoIraque–acriseinternacionalgeradademonstrandocomoosconflitos seriam cada vez mais "globais" no futuro próximo, extrapolando os limites regionais einterferindocadavezmaisnaeconomiaenapolíticamundiais.Até aChina começa a se curvar a essa novamaneira de pensar, produzir e consumir tão diferente daoriental e da comunista. E inicia sua abertura para o ocidente, incorporando os primeiros conceitoscapitalistaseaceitandoinvestimentosestrangeiros.Em1981,opresidenteDenXiaopingabreoprocessocontraaviúvadeMaoTséTung,oideólogoelíderdarevoluçãoquetirouaChinadiretodofeudalismoparaocomunismo.Omundoestámudandotãorapidamentequeatradicionalnobrezainglesatransformaocasamentodeseuherdeiroemshowbusinessinternacional:semdelongeimaginarque,napróximadécada,setornariaoviúvo mais famoso do mundo, o príncipe Charles une-se a Diana, a Lady Di, em uma cerimôniatransmitidaamilhões,viasatélite,pelaTV,comdireitoavendadetodotipodesouvenirs.

Tambémpelatelevisão,omundoassisteaolançamentodoprimeiroônibusespacial,anaveColumbia.Até1981,osastronautasvoltavamdoespaçoemcápsulassustentadasporparaquedas.E–foiem1981–apareceoantecessordetodososmicros,comoanúncio,pelaIBM,emNovaYork,dolançamentodoPC5150,comhojeridículos64quilobytesdememóriaevelocidadede4,77megahertz.MasocomputadoraindaeratãonovidadequesónoanoseguinteconquistouacapadarevistaTime,queestampouotítulo“AMáquinadoAno”,substituindoastradicionais,dedicadasaoHomemouàMulherdoAno.SeriaequipamentoraronomundoeraríssimonoBrasilatémeadosdadécadaqueétambémaépocaemqueaMicrosoftviriaalançaroprogramaWindowseaprimeiraversãodoWord.InternetnoBrasil,sónapróximadécadaemesmoassimapenasentreasInstituiçõesdepesquisa,comaEmbratel com o monopólio de acesso. Somente textos eram transmitidos. A rede, da maneira comoconhecemoshoje,comacapacidadedetransmitirsomeimagem,iriademorarumpouquinhomaisatéolançamentodaWorldWideWeb,porumlaboratórioeuropeu.Em1981,oBrasileomundodesconheciamatéofax,quesurgiuapenasem1986,eohojeultrapassadovídeolaser,lançadonofinaldadécada.Masjásecomeçavaaouvirfalarnowalkman,criadoporAkioMorita,presidentedaSony,enoprimeirojoguinhoeletrônico,oAtari.Sucessoemlançamentotecnológiconaqueleanoaquieraovídeocasseteque,contrabandeadoprimeiroparaexibirfilmespornográficosemmotéis,começouachegaraoslaresdeclassemédiaalta,capazesdepagaratéquaseUS$2.000,00pelomaisnovoaparelhoeletrodoméstico.Foitambémem81quesurgiramnatelinhadobrasileiroduasnovasemissorasdeTV–SBTeManchete.Noanoseguinte,ReinoUnido,AlemanhaeFrançaanunciamplanosparaImplantaraTVacabo,quesóchegariadezanosdepoisaoBrasil,emseguidaaoprimeirosistemadetelefoniamóvelcelularnopaís.Masem1981jásetornavapossível"ver"amúsica,pelomenosnosEstadosUnidos:estreiaaMTVecomelanãoapenasovideoclipe,mastodaumanovamaneiradeexibirocantartambémemshows,comMadonnaeMichaelJacksoncomoprecursoresdodarformaplásticaaosom.Por aqui, a cantora americana Joan Baez e impedida pelo governo brasileiro de cantar no teatro daUniversidade Católica de São Paulo suas músicas de protesto, consideradas subversivas mesmo eminglês.E,enquantoouvíamosnasparadasdesucessodorádioRitaLeecantando"queromaissaúde,mecansei de escutar opiniões de como ter ummundomelhor",morreGlauberRochaque, através do seuCinemaNovo,insistiaemfazervalersuasopiniões,comumaideianacabeçaeumacâmeranamão.Nomesmo1981,ocinemabrasileirobrilha:"EuTeAmo",deArnaldoJabor,faturaamaiorbilheteriacom3.500.000espectadores;"ElesNãoUsamBlackTie",deLeonHirszman,ganhaoLeãodeOuroemVenezae"Pixote,Aleidomaisfraco",deHectorBabenco,conquistaopúbliconaEuropaeépremiadona Espanha, França e Suíça. Sua protagonista, Marília Pera, é eleita melhor atriz pela SociedadeNacionaldeCríticosdeCinemadosEUAeganhaoprêmioMoliere,porsuaatuaçãonapeça"NoNatalagentevemtebuscar".Na literatura, Fernando Gabeira comemora recordes de vendagem no Brasil, com "O que é issocompanheiro"e"Crepúsculodeummacho",amboscommaisde100milexemplares,elançaseuterceirolivro.Brilhamostambémnosesportes:oFlamengoFuteboleRegatas,doRiodeJaneiro,recuperaotítulodecampeãomundialde interclubesparaoBrasil,vencendooLiverpoolnoJapãopor3x0.Otítulovinhasendoperseguido por 18 anos e consagra o jogadorZico no outro lado domundo.Lá também,PedroPaulo Carneiro, o Pepê, vence o primeiro campeonato de voo livre do mundo, organizado pelosjaponeses.NelsonPiquetconquista,pelaBrabham,ocampeonatomundialdeFórmula1.AyrtonSennaingressa, na Inglaterra, na Fórmula 3000 e é campeão. E o tenista Carlos Alberto Kirmayr vence ocampeãodeWimbledon, JohnMcEnroe,eentrano rankingdos40melhores tenistasdomundo.Todas

estasvitóriasnãoforamcapazesdecompensaradordevernossorecordistamundialemsaltotríplicenosjogosdoMéxico,JoãodoPulo,terqueamputarumaperna,apósficarentreavidaeamorte,vítimadeumacidentedecarronaviaAnhanguera,SãoPaulo,aos27anos.Tudoem1981,anoqueviuaindaoBrasil,principalmenteasbrasileiras,transformarmorteemluta.Norastrodeumaondadeagressõespassionaisviolentas,ocantordebolerosLindomarCastilhoassassinaaprópriamulheremumaBoatedeSãoPauloeasfeministasdesencadeiamacampanha"QuemAmanãoMata",queacaboucontribuindoparaacondenaçãodeRaulFernando,oDocaStreet,porcincovotosadois,noTribunaldoJúrideCaboFrio,RiodeJaneiro,pormatar,comquatrotirosnacabeça,amulher,ÂngelaDiniz.Na contramão do feminismo, estouraMaria dasGraçasMeneghel, que já eraXuxamas não pensavaaindaembaixinhos.Elabrilhaemmaisde40capasderevista,éanunciadacomoaeleitadaqueleque,umanoantes,foraeleitooAtletadoSéculo,enãopareceseimportarcomotítulocomquefoibrindadaaoaparecernua,narevistaStatus,pelaprimeiraeúnicavez,tambémem1981:“OmelhorgoldePelé”.Aos18anos,aindanãoeraaRainha,apenasPanteradoCarnaval.Nocarnaval,nuaindanãohavia,emboratenhasidoinauguradodentrodadécadaporJoãozinhoTrinta,frontaleemplenaMarquêsdeSapucaí,nodesfiledasEscolasdeSambadoRiodeJaneiro.Mas a liberalidade sexual já era marcante no Brasil neste início de década. Enquanto, nos EstadosUnidos,haviasidoproibidoumcomercialderevistacomBrookeShieldstodavestida,masinsinuandoestarsemcalcinhacomafrase"vocêsabeoqueexisteentremimeojeansCalvinKline?:nada",aquinoBrasil já estava em preparação a primeira festa popular e pública especialmente organizada parahomossexuais: foi no carnaval de 1981 que estreou, no Canecão, uma das mais conhecidas casas deespetáculodoRio,oGalaGay,incorporadoaocalendáriooficial.NaépocaaindanãosetinhapesadelocomAIDS,adoençaidentificadapelaprimeiraveznesteano.Masafestadosexolivredurariapouco:em1983morria,vítimadadoença,oprimeirobrasileiroconhecido,o costureiroMarkito.Uma sucessão de outrasmortes de homossexuais e a surpresa, em 85, deRockHudson, um dos maiores galãs norte- americanos, morrer com a AIDS revelando sua opção sexual,provocaram um verdadeiro pânico generalizado, o medo desinformado do contágio gerando muitadiscriminação dos soropositivos. Mais tarde, o alastramento da doença, contaminando mulheres ecrianças,mostrariaqueelanãoeraum“malgay”.Apesar de campanhas oficiais e voluntárias de esclarecimento à população (nem sempre tãoesclarecedoras), oBrasil já era, em 1986, o quarto país commaior incidência da doença, segundo aOMS, Organização Mundial da Saúde. E não escapou de algumas mudanças de comportamentodecorrentes, emparte,do surgimentodamaiorpragadamodernidade.Emboraestivesse surgindoumanovamodalidadedefamília–adepaisseparadoscomfilhos,quesecasavamdenovoemantinhamumbomrelacionamentocomosex-cônjuges,levandoascriançasadizeremter"doispais"e"duasmães"–,aamizadecolorida(gíriadeépocaquenasceuparadesignaronamorocomsexomassemcompromisso)eocasamentoaberto (relaçõesextraconjugaisaceitasdecomumacordo) foramperdendo terrenoparaumavoltaàvalorizaçãodocasamentotradicional.As explosões de conservadorismo têmumbomexemplo emumabaixo-assinadode100.000mulheresprotestandocontraoexcessodeliberalidadesexualqueprovocaadvertênciadoministrodaJustiça,Abi-Ackel,àRedeGlobopor"Abusodelicenciosidade"quepoderiaserumsimplestopless,decostas!NadaaestranharemumaépocaemqueexistiaumConselhoSuperiordeCensuraque,nestemesmoanode81,abriua"concessão"decriarsalasespeciaisparaexibiçãodefilmescomcenasdeviolênciaoudesexonascidadescommaisdeummilhãodehabitantes.Osonhohippyedeummundolivreparecequetinhaacabadomesmonoanoanterior,comoassassinato,

porumfãanônimo,doBeatleJohnLennon,emNovaYork.Aquiealiviam-sepunks,comoscabelosrosa ou verde e os SkinHead, carecas totalmente ou com estranhíssimos tufos em topete, os brincossubstituindooscabeloscompridosdopassado.Masosfilhosdoshippieseram,namaioria,yuppies,oslogan "Paz e Amor" substituído pelo que a própria origem da nova denominação sugere. Os YoungUrbanProfessionals(jovensprofissionaisurbanos)nãoqueriamsaberdevidacomunitáriaemuitomenosnocampo.Elescresceramaprendendoqueomaiorvaloreramesmoodinheiro,depreferênciamuitoemuitocedonavida,cultuamoindividualismo,aceitamregrascruéisdecompetiçãoeadotamumanovadroga.O início dos anos 80 foi marcado pelo culto ao corpo, uma verdadeira mania por vitaminas, apreocupaçãocomoestarpertoeprotegeranatureza,abuscadeumaalimentaçãosaudável–queincluíaomuitas vezes nada saudável sanduíche "natural" e o iogurte, ambos novidade absoluta. Foi tambémquandosurgiuoalertaparaosperigosdeserfumantepassivoeforamcriadasasprimeirasáreasrestritasparaosadeptosdosimplescigarro.Mas,apesardetodaessaligaçãonasaúde,anovadrogaerabarra-pesada.AmaconhaeoLSD,comseusefeitoscalmantes,alucinógenos,dãolugaràcocaína,comsuailusãoderaciocíniodebrilhorápido,ritmoincansável,poder.Adrogaabremaresnuncaantesnavegados,sendoaceita socialmente em parcelas cada vez maiores da classe média alta e do mundo dos executivos.Cheirava-seabertamentenasfestasequaseabertamentenosbanheirosdosbaresedasboates.Gentedaaltasociedadeetambémdaclassemédiacompravacocaínaempontosjáforadosbairrosmarginaisdasgrandes cidades.Em1982, a cocaínamataria de overdose umadasmaiores cantoras brasileiras,ElisRegina,quenuncaforaunderground.Olimiteentreocertoeoerrado,o legaleo ilegal,oéticoeo indefensávelseestreita.Emmarçode1981,RonaldBiggs,quejáviviaconfortavelmenteháalgumtempoporaqui,ésequestradopelapolíciainglesa e levado para Barbados para responder pelo roubo de um trem, em 1963, em Londres.Pouquíssimotempodepoisérecambiadoporterumfilhobrasileirocomumabelamulata.Todomundoachagraça.Nomesmo 1981, o ex-policialMarielMariscot é assassinado em frente à fortaleza do banqueiro debichoRaulcapitão,paraquemtrabalhava.Policiaiscorruptosligadosaojogodobichosãosuspeitos.ORiode Janeiro temmais de20 chefõesnotórios, quedesfrutamde liberdade e intimidade comváriosescalõesdopoderinstitucional.Nemtodomundoachagraça.Estava ficandodifícil saber quemeraobandido.Atémesmo sepensamos emqual era, afinal, a basepolíticaeeconômicadestasociedadebrasileirade1981.

Economia–Ofalsomilagredeumbolojamaisdividido

DesdeogolpequederrubouopresidenteJoãoGoulartem1964–chamadoprimeiropelosgolpistasedepoisgeneralizadamenteconhecidocomoaRevolução–,osmilitares,principalmenteosdoExército,exerceram um poder marcado pelo autoritarismo, pela censura, pela tortura e pela manipulação doprocessopolíticoeleitoral.Mas,depoisdeumperíododeajustedecercadetrêsanosacontardoiníciodoregimemilitar,aeconomiapassouairmuitobem,experimentandoumaextraordináriaexpansãodasatividades e vendo desenvolver-se novos setores geradores de renda e emprego como o dastelecomunicações, o da geração e distribuição de energia, o de transportes e o de bens de consumoduráveisedecapital.Foiochamado"milagrebrasileiro",queteveseuaugenoiníciodadécadade70.Com a ajuda de uma conjuntura internacional bastante favorável e a partir da política econômicapragmáticaedesenvolvimentistadosmilitares,oPIB,ProdutoInternoBruto,dopaísdáumverdadeirosalto, saindoda43ª posiçãonoOcidente, em1964, para a 8ª posição em1980.Umverdadeiro feito,reconhecido por um estudo mundial da OCDE, Organização de Cooperação e DesenvolvimentoEconômico,quereúneos24paísesmaisricosdomundo,queapontouaeconomiabrasileiracomoaquemaiscresceunomundoocidentalentre1900e1980.NaépocadasexplosõesnoRiocentro,essequadrojáhaviamudadomuito.Umanovacrisedopetróleo–a primeira havia sido em 1973 –, provocada por um súbito aumento de preços decidido pelaOPEP,OrganizaçãodosPaísesProdutoreseExportadoresdePetróleo,em1979,atingiraemcheiooBrasil,3°maior importador do mundo. E as taxas de juros internacionais elevadas já haviam contribuído paratransformarnossopaísnotambém3ºmaiordevedordomundo.Apesardisso,osmilitaresinsistememseuidealde"BrasilGrande",tentandomanterocrescimentoacelerado.ComprojetoscomoodausinadeAngraI,emAngradosReis,RiodeJaneiro,quecomeçouaproduçãodecalordeorigemnuclearparageraçãodeenergiaelétricaemmarçode82,depoisdedemorar11anosparaserconstruídaaumcustodeUS$1,8bilhão,enuncachegaraoperarintegralmente.ForammuitasegravesasconsequênciasdestaopçãopelodesenvolvimentismoquefezficarapenascincomesesnocargoMárioHenriqueSimonsen,oprimeiroministrodaFazendadogovernodogeneralJoãoBaptista Figueiredo. Sua intenção de "apertar o cinto", para adequar a economia brasileira à crisemundial,foirapidamentevencidapeloprojetoexpansionistabaseadoemmaisendividamentodeDelfimNetto,emfavordequemSimonsenrenuncia.Ocrescimentoatodopreçoprovocouendividamentocrescente:em1981,oBrasilprecisade6bilhõesdedólaresparapagarosserviçosdadívida.Provocoutambémaumentodainflação,quejáéde95%em81echegariaa39.000%nadécadaqueviuosCR$1.000.000,00de1980viraremNCZ$1,00em89,amoedatendopassadodecruzeiroparacruzeironovo,perdidodepoisonovo,viradocruzadoefinalmentecruzado novo. E recessão: em 1981, o PIB diminui 4,3%. A Volkswagen reduz sua produção diária,demite3.750funcionários,paralisasuaproduçãoparaomercadointernoedáfériascoletivasa11.800empregados; A Fiat dispensa 1.398; a Bosch do Brasil, 1.770; a Mercedez-Benz, mais de 5.000; OPresidente do Sindipeças revela que, entre janeiro e agosto de 81, as indústrias demitiram 55.000trabalhadores.Os números do grande crescimento econômico desde o golpemilitar de 64 não entraramno bolso do

brasileiroquedecidiunãoesperardarcertoa tesedequeerapreciso"primeiro fazercrescerobolo,para depois dividir", frase deDelfimNetto que acabou ficando célebre como definição resumida daideiadedistribuiçãoderendadopodermilitar.Os trabalhadores,porsobre todaarepressão,vinhamseorganizandoemsindicatos,principalmentenoABC paulista (região das cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, onde se localiza amaioriadaindústriaautomobilística).Nofinaldadécadaanterior,opaísviveraumaexplosãodegreves– 429 em 1979 – e este número foi caindo àmedida que conquistavam-se algumas vitórias contra oarrochosalarial.Em1981,pelaprimeiravezdesdequeosmilitarestomaramopoder,oSindicatodosMetalúrgicos São Bernardo do Campo, São Paulo, faz um acordo direto com os empresários sem aintervençãodoMinistériodoTrabalho.Mesmoassimforam34greves,areduçãoemrelaçãoaosanosanteriores é decorrente da aprovação pelo Congresso, em junho de 80, de uma política salarial comreajustessemestrais,parafazerfrenteaumainflaçãoquecorroíaossalários.Masanovaleinãoimpediaqueumtrabalhadorchegasseaperder1/3doseupoderdecompraduranteosseismesesemqueficavasemreajustessalariais.Enemtodos tinhamacorreção inflacionária total:a leideterminavaquequemganhasseentreumetrêssaláriosmínimosreceberiaacorreçãoinflacionáriaemais10%;entretrêsedezsalários,omesmoíndicedainflação;paraosqueganhavamentredeze15saláriosmínimos,acorreçãoera de 80%; para os da faixa entre 16 e 20, 50%; e acima de 20 saláriosmínimos, nenhum reajusteestabelecido. Nesta época, ganhou grande destaque no noticiário econômico o Dieese, DepartamentoIntersindical de Estudos Econômicos Sociais e Estatísticos, ao qual recorriam tanto as categoriasprofissionaisquantoosjornalistasespecializadosparaentenderecalcularasenormesperdassalariais.A mobilização dos trabalhadores do então mais moderno setor da economia brasileira (a indústriaautomobilísticaeseusfornecedores)foicombatidaduramentepeloregime.Omaiorlíderdomovimentosindical éLuiz InáciodaSilva, oLula, que, comseu carismae capacidadede liderança, começava aconstruirocaminhoqueolevariaainéditacondiçãodeoperáriocandidatoàPresidênciadaRepúblicapoucosanosdepois.Em1980,logodepoisdeserpresocomvárioscompanheirosporterlideradoumagrevede41diasnoABC,LulaéeleitopresidentedonovoPartidodosTrabalhadores.Emfevereirode1981,eleeossindicalistassãocondenados.Emumnovojúri,Lularecebeapenadetrêsanosemeiodeprisão, mas depois é absolvido pelo Superior TribunalMilitar. Em abril domesmo ano, um generalproíbealegalizaçãodaUNE,UniãoNacionaldosEstudantes,quenuncadeixoudeserumdosmaiorespontosderesistênciaàditadura.Por que um general era o ministro da Educação e por que era o STM o foro de julgamento desindicalistas?Porqueosmilitaresalmejavamcontrolartudo.Atéaproduçãodiretadebenseserviços,atravésdascompanhiasestatais.Nosprimeiroscincoanosapósogolpede1964foramcriadas46,maisdoque jamaishouveranopaís.No iníciodadécadade80,asestatais jáeram440.Mas,comacriseeconômica,estaestruturaestavacomeçandoaruir.OquemarcaaeconomiadaépocaemqueexplodiuabombanoRiocentroeoiníciodofimdosonhodomilagre brasileiro. O Estado todo-poderoso engendrado pelos militares começa a falir. E odescontentamentocomocenárioeconômico fazcomquecadavezmaiores segmentosda sociedadesetornemcontráriosaoregimemilitareafavordemudançasnapolítica.

Política–Umabravaresistênciaeagangorradoabreefecha

Nonosso ano emquestão, oPresidente daRepública era o general JoãoBaptistaFigueiredo, o sextogovernante do país desde o golpe, se somarmos, pela ordem, o marechal Carlos Castello Branco(1964/67)eosgeneraisArturdaCostaeSilva(1967/69),EmílioGarrastazuMédici(1969/74)eErnestoGeisel(1974/79)etambémaJuntaMilitarqueficoutemporariamentenopoderem1969,porcausadatrombosequedeixouemcomaematouCostaeSilva.Figueiredohaviaassumidojurandofazerdopaísumademocracia,juramentoseladocomacélebrefrase:“éparaabrirmesmo,senãoabrir,euprendoearrebento”.E, em 1981, a abertura – como se chamava então o processo de redemocratização do país – estavamesmo em curso. Não havia mais censura à imprensa; o habeas corpus* tinha sido restabelecido; jáhouveraaAnistiaeamaiorpartedosexiladosestavavoltando;aatividadepolítica,revalorizada,comoCongressotendorecuperadoprestígioepoderea linhadura–comoeramchamadososmilitaresmaisradicais – parecia sob controle.Neste ano, oBrasil teve até umpresidente civil, o primeiro desde adeposiçãodeJoãoGoulart:oviceAurelianoChavesficounopoderdurante50diasporforçadoinfartosofridopeloPresidenteFigueiredo.Mas,de1964a1981,muitaluta,emuitasvezeslutasangrenta,haviasidotravadaentreasociedadeeogoverno militar. E dentro do próprio governo militar havia, desde o início, uma disputa – entre osmoderadoseoslinha-dura–pelocontroledosrumosdopaís.Paraentendermelhor,éprecisorecordarumpouco.Amaioriadospolíticos,bemcomograndepartedasociedade,aprovouogolpemilitar.OmundoviviaoapogeudaGuerraFria–abatalha ideológicaentreocapitalismodefendidopelosEstadosUnidoseocomunismocapitaneadopelaentãoUniãoSoviética.NoBrasil,aclassemédiadasgrandescidadesviaocomunismocomoummalmaioreogovernodepostodeJoãoGoulartcomoumriscoparaqueoBrasilsucumbisseaessemal.OsEstadosUnidos,também.Ogoverno norte-americano, do presidente Lindon Johnson e da guerra do Vietnã, reconheceu o novogovernobrasileiroemmenosde48horas.EstequadrodeanticomunismoreferendadopelosEstadosUnidoscontribuiriaparaaformaçãodeváriosoutros governos autoritários: Indonésia (1966).Grécia (1967), Peru (1968), Equador (1972),Uruguai(1973),Chile(1973)eArgentina(1976).Poraqui,oautoritarismoseapresentoucomosendocorretivoetemporário.FoioCongressoqueelegeuomarechalCastelloBrancopresidente.Eleeraoprincipallíderdaalamoderadadosmilitaresgolpistasemarcaeleiçõespresidenciaisparaoutubrode1965.Ahistóriafoibemdiferente.Viveríamos,aolongodoregimemilitar,umtempoemqueerapossívelserpresodentrodaprópriacasapor ser amigo ou simplesmente conhecido de alguém suspeito de ser comunista. De pessoasdesaparecendo sem deixar vestígios (algumas tiveram seus cadáveres encontrados anos e anos maistarde,outrasnemissoatéhoje).Umaépocaemqueeramtantasasmanipulaçõesnasregraseleitoraisepolíticasquesecriouapalavra“casuísmo”–quesignificavamudarasregrasdojogopolíticoeeleitoralsemprequeoregimeachassequeiaperder.Emquecensoresficavamdentrodasredaçõesdos jornaisdecidindoquaismatériasseriamounãopublicadaseemqueeraabsolutamentecomumtermedodedizeroquepensávamos.

Relembrandoo começode tudo, logo no início de seumandato, o primeiro presidentemilitar,CarlosCastelloBranco,editaoAtoInstitucionalnúmero1,quepermitecassarmandatos,suspenderaimunidadeparlamentar,avitalidadedosmagistradoseaestabilidadedosfuncionáriospúblicos.Nototaldoregimemilitarforammaisdedezatos,queinstituíramarbitrariamentenovasregrasdojogopolíticoesocial,àreveliadaConstituição.Emoutubrode1965houveeleiçõesdiretas,masapenasparagovernador(Castellotinhaaceitoprorrogarseumandatoatémarçode1967).Oscandidatosfavoráveisaosmilitaresvenceramemtodososestados,menos emMinas Gerais e no Rio de Janeiro, onde foram eleitos políticos ligados ao ex-presidenteJuscelinoKubitschek, cassadopelosmilitares em8de junhode1964 e aclamadonas ruasdoRiodeJaneiro nesta época. Osmilitares linha dura ficam furiosos e, através doAto Institucional número 2,CastelloBrancoacabacomospartidospolíticosqueexistiamantesdogolpe.Emseguida,seriamcriadosaArena(AliançaRenovadoraNacional),quereuniaosgovernistaseoMDB(MovimentoDemocráticoBrasileiro),deoposição.Aescaladadoautoritarismovai aumentando:aUniversidadedeBrasília,umcentrode intelectuaisderesistênciaaoregime,éfechadapelapolícia,comademissãoemmassadeprofessores,ecentenasdepessoastêmseusdireitossuspensos,ficandosemodireitodevotareservotado.Ospolíticosquetêmseusmandatoscassados(entreelesJuscelinoKubitschek)formamaFrenteAmpla,unindo-se para fazer oposição ao governo. Vem o Ato Institucional número 3, que determina que osgovernadoresnãoserãomaiseleitospelovoto,masescolhidospelasAssembleiasLegislativasestaduais.OCongressoéinvadidoecolocadoemrecessoe,naseleiçõesaindadiretasparacargosproporcionais,aArenavence.Emmarçode1967,ogeneralCostaeSilva,ministrodaGuerraelíderdalinhadura,tomapossecomoonovopresidentedoBrasil.Énestaépocaquepartedaesquerdadecidequeamelhormaneiradecombateroregimeimpostoaopaíspelogolpeépegaremarmasefazerguerrilha.OsprimeirosguerrilheirossãopresosemCaparaó,MinasGerais, enquanto o PCB, PartidoComunistaBrasileiro, da alamaismoderada da esquerda, lança ummanifestocontraa lutaarmada.OsmoderadosdoExércitoperdemseu líder, comamortedeCastelloBrancoemumdesastredeavião.Evemoanoe1968,queficoumarcadocomoodasmaioresbatalhasentreasociedadeeogovernoecriariaoambienteparaoaugedasleisdeexceção.Neste ano, são muitas as manifestações públicas contra baixos salários e os estudantes organizampasseatas em que lutam com bolas de gude para derrubar os cavalos da polícia e são combatidos acassetete e bombas de gás lacrimogêneo.Emumadestas passeatas,morre o estudanteEdsonLuís, norestauranteestudantilCalabouço,noRiodeJaneiro,causandocomoçãonacional.DuranteocongressodaUNE, em Ibiúna, São Paulo, 1.240 estudantes são presos. O deputadoMárcioMoreira Alves faz umdiscursoveementecontraogovernoeoCongressoserecusaadarlicençaparaqueelesejaprocessadopelaLeideSegurançaNacionalcomoqueriamosmilitares.O contra-ataque a estes protestos crescentes vem pesado – é editado, em dezembro de 1968, o AtoInstitucionalnúmero5,oAI5,quefechaoCongresso,estabeleceacensurapréviaàtelevisãoeaorádio,suspendeoinstitutodohabeascorpus,amaisantigaliberdadedohomemcontraoarbítriodoEstado,eestipulaqueoqueoregimeconsiderarcrimedesegurançasejajulgadopelaJustiçaMilitar.ÉnestaépocaqueosociólogoFernandoHenriqueCardoso,entremuitosoutrosintelectuaisbrasileiros,éaposentado compulsoriamente. É também quando Costa e Silva determina a apreensão de livros epublicaçõesconsideradas“subversivas”einstitui68municípiosáreadesegurançanacional,onde,comonascapitais,nãopoderiahavereleiçõesdiretasparaprefeito(porquenascapitaisenestasáreasestavamoseleitoresdemaiorgraudeinstruçãoeacessoàinformação,namaioriadeoposiçãoaosmilitares).

Noanoseguinte,alinhaduraavançariaaindamais.OpresidenteCostaeSilvasofreumatrombose.Umajunta composta dos trêsministrosmilitares se recusa a dar posse ao vice- presidente, o juristaPedroAleixo;decretaextintoomandatodeCostaeSilva,queaindaestavaemcoma;tomaopodereoutorgaaEmendaConstitucionalnúmero1,legalizandoalegislaçãoexcepcionaletransferindoparaareservaosmilitaresque“ameaçamacoesãodasforçasarmadas”.Paracomplicar,algunsmilitaresnãosecontentamemameaçaroregimecomprotestoscontraalinhadurae,comoaesquerdamaisradical,resolvemtambémpartirparaaaçãoarmada.OCapitãoLamarcafogedoquarteldeQuitaúna,emSãoPaulo, juntocomumgrupodeoficiaisesoldados, levandoarmasparatentarvencer,atravésdaguerrilha,osmilitaresnopoder.Arepressãodo regimeprendee tortura.E tentacalara sociedade:em1969, sãocensuradas50peçasteatraisedezfilmes.NoRiodeJaneiroaconteceoprimeirodeumasériedesequestrospolíticos–depessoas e de aviões – praticados por várias organizações de esquerda.Foi o doEmbaixadorCharlesElbrick, dos Estados Unidos, que daria origem ao livro “O que é isso companheiro?”, de FernandoGabeira,umdossequestradores.Ajuntaaceitaascondiçõesparalibertaroembaixadoresolta15presospolíticosquesãobanidosdopaís.Aomesmotempo,decretaoAI14,queprevêpenademorteeprisãoperpétua para o que o regime considerar crimes terroristas contra a segurança nacional. Mas outrossequestrosviriam,comoodocônsuljaponêsemSãoPaulo,odoembaixadoralemãoeodoembaixadorsuíço,ambosnoRio.Aindaem1969,oCongressoéreabertoparadarposseaonovopresidente,EmílioGarrastazuMédici,quefariaogovernomaisrepressivoeviolentodetodooperíodomilitar.Alutaarmadaéadesculpadalinhaduraparajustificartodasasarbitrariedadeseoregime,aofinaldagestãoMédici,teráconseguidominaraforçadosmovimentossociaisedizimarosmilitantesdaesquerdamaisradical.DuranteosanosMédici,acensuraaumenta–agoraexisteacensurapréviatambémdelivroserevistas.Mesmoassim,surgemosjornaisdeoposição,achamadaimprensaalternativaquechegaasomarmaisde42publicaçõeseatingir tiragemsemanalde150milexemplares.EntreosprincipaisestãoOPasquim(1969), Opinião (1972), a que se seguiram posteriormente ao final do governo Médici tambémMovimento (1975) e Em Tempo (1977). Todos são censurados, mas até revistas tradicionais, comoRealidade, da editora Abril, são apreendidas em banca por conter reportagens tão simples quanto aopiniãodecriançassobreomundoadulto.Econtinuaarepressãoàlutaarmada,comamortedeváriosmilitantes sendo noticiada como suicídio, atropelamento ou resultante de “conflito entre facções”.Pessoassimplesmentedesaparecem.Apesardetodooarbítrio,favorecidopeloexcelentedesempenhodaeconomiaeatécomoconsequênciadaeuforianacionalcomaconquistadotricampeonatopeloBrasilnaCopadoMundode70,Médicitemaaprovaçãode70%naspesquisasdeopiniãopública.Nas eleições de 1973, para eleger o sucessor de Médici, o presidente do MDB, deputado UlyssesGuimarães,alia•seaopresidentedaABI,AssociaçãoBrasileiradeImprensa,ojornalistaBarbosaLimaSobrinho,esetorna“anticandidato”àpresidência.Anticandidatoparadeixarclaroseurepúdioàfarsaeleitoralemqueiamsemudandoasregrasparatentarevitarqueaoposiçãotivessechancesdeganhar.Asucessão presidencial na época era regulamentada pelo Colégio Eleitoral, que era a reunião dosMembrosdaCâmaraedoSenado.O Tribunal Superior nega o pedido do MDB para obter horário gratuito na TV e no rádio, com oargumento de que as eleições eram indiretas. Mesmo assim, o “doutor” Ulysses aproveita suaanticandidaturaparapregarademocracia,viajandoparafazerpalestraseconferênciasportodoopaís.Em 1974, assume a presidência o general ErnestoGeisel. Ele vai governar ainda com oAI5,mas éfavorável à redemocratização, em um processo que ele mesmo batiza de “abertura lenta, gradual e

segura”. Seu braço direito, no Gabinete Civil, é o general Golbery do Couto e Silva, igualmentefavorávelaoquenaépocatambémsechamavade“distensãopolítica”.ÉduranteogovernoGeiselquecomeça a se instalar no país um ciclo em que se sucedem cada vez mais conquistas por parte dasociedadeeconcessõesporpartedoregimemilitarnadireçãodademocraciaplena.Aseleiçõesde1974deixamclaroqueopovoquermudançascomaoposiçãodandoumverdadeirosaltonasurnas:dos22senadoreseleitos,16sãodeoposição.A resistênciado regimemilitar àperdadepoder se fazdeduas formasbastantediferentes e emduasfrentes de objetivos e métodos opostos. Os moderados no governo vão continuar armando asmanipulaçõesnosistemaeleitoral.Osmilitaresdalinhadura,inconformadoscomosrumosdaabertura,searticulamparaderrotaralinhamaismoderadaquetemcomoideólogoogeneralGolbery.Oquadronacionalmisturaelementosdosnovostemposumpoucomaisdemocráticos,comoaeleiçãodossenadoresdeoposição,ascenasdopassadorecentederepressãoetortura:nomesmo1975,ojornalistaWladimir Herzog, preso por ser militante do PCB, morre enforcado no DOI-Codi de São Paulo. Asautoridadesmilitaresfalamemsuicídio,asociedadereage:ocardealdeSãoPaulo,DomPauloEvaristoArns–quesedestacoucomoumdosmaioresdefensoresdoengajamentodaIgrejaCatólicanalutapelademocracia–,organizaumatoecumêniconaPraçadaSéque,apesardebloqueadapelapolícia,recebe8milpessoasemprotestocontraamortedojornalista.Novaievemdeabertura/repressão,em1976,Geisel,atravésaindadoAI5,cassadeputadosacusadosdereceberajudadoPartidoComunistaBrasileiroede“ofensaaoregime”etambémsuspendeosdireitospolíticos de vários funcionários do alto escalão dogoverno.Nestemesmo ano, novosmunicípios sãoconsideradosáreasdesegurançanacional.Maséoutramortedepresopolítico–adooperárioManuelFielFilho, tambémnasdependênciasdoDOI-Codi–quedesencadeia aprimeira crisepública entre asduas facçõesmilitares.Geisel afastaogeneralEdnardoD’Ávila,representantedalinhadura,docomandodoIIExército(responsávelpelaáreaondemorreuooperário)enomeiaparaseulugaromoderadogeneralDilermanoGomesMonteiro.Pelaprimeiravezummilitar–ogeneralRodrigoOtávio,doSuperiorTribunalMilitar–semanifestapublicamentepedindoumanovaconstituiçãoeofimdosatosdeexceção.Ainda em 1976 são realizadas eleiçõesmunicipais em novembro (com as exceções das tais áreas desegurançanacional),masnemtudoepermitidonocampopartidário:emdezembroum“aparelho”(comitêpolítico clandestino) do PC do B, Partido Comunista do Brasil, dissidência radical do PCB, PartidoComunistaBrasileiro,éinvadidopelapolíticacomoresultadodetrêsmortos.E o “abre-fecha” político continua. Novosmandatos são cassados; crescem osmovimentos demassacontra a ditadura, com um número cada vez maior de instituições se somando às mais tradicionaisbatalhadoras pela democracia – ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e OAB (Ordem dosAdvogadosdoBrasil).Asmanifestaçõescontraoregimeincluemtambémsetoresantespreocupadoscomsuasquestõesmaisespecíficas,comoosoperáriosdoABCeatémesmoosempresáriosque,comosetor,vinhamsendofavoráveisaosmilitaresdesdeaRevolução.Em1977,tevegranderepercussãoodiscursodopresidentedaFederaçãodoComérciodeSãoPaulo,pedindoaredemocratizaçãodopaís.Namesmaépoca, políticos de oposição, tendo à frenteUlyssesGuimarães, doMDB, usamo horário gratuito daJustiçaEleitoralparacriticaroregimemilitarnatelevisão.Em um movimento de recuo no processo de redemocratização, Geisel lança o Pacote de Abril,suspendendoodireitodedivulgaçãodeprogramaspartidáriospelorádioepelaTV,criandoafiguradosenador“biônico”(eleitoindiretamentepelasassembleiasjuntamentecomosgovernadores),aumentandoomandato de Presidente daRepública de cinco para seis anos e alterando a composição doColégioEleitoralqueelegeriaospróximospresidentes,paragarantiraeleiçãodemilitaresgovernistas:alémda

CâmaraedoSenado,passariamacomporoColégioEleitoralseis representantesdecadaAssembleiaLegislativa,retiradosdopartidomajoritárioque,namaiorpartedosestados,eraaArenagovernista.No ano seguinte, 1978, haveria eleições presidenciais. A linha dura se manifesta, com os aliadospolíticos e militares do ministro do Exército, Silvio Frota, lançando um manifesto de apoio à suacandidatura. Geisel exonera Frota, que, no mesmo dia, divulga carta acusando o governo de estarabandonandoosobjetivosdaRevoluçãoedesertolerantecomossubversivos.OprocessodesucessãopresidencialmostrariaqueadivisãonoExércitoeramaior:alémdalinhaduraedosmoderadoshaviaagoramilitaresseunindoàoposiçãoaoregime.EnquantoGeiselindicacomoseusucessorogeneralJoãoBaptistadeFigueiredoe,comovice,AurelianoChaves, governador de Minas pela ARENA, a oposição, com apoio até de alguns arenistas, comoMagalhãesPinto,edestesetormilitarliberallançaogeneralEulerBentescomocandidatoaPresidentedaRepúblicapeloMDB.Duranteosmesesqueantecedemaeleição,oclamorpelavoltadoestadodedireitoabrangedoSuperiorTribunalMilitaràsmanifestaçõesdaclassemédiaquegritanasruas,aomesmotempo,contraocustodevida e a ditadura. O Senador Teotônio Vilela apresenta um projeto de transição e os empresáriospaulistas lançam um manifesto afirmando que a iniciativa privada só seria duradoura se fossemprotegidososdireitosdocidadão.Pelaprimeiravezsente-seumclimadedisputa realemtornodapresidênciadopaíse,emnovembro,FigueiredoéeleitopeloColégioEleitoralcom335votos,contra266paraEuler.Onovopresidentefazumdiscursopregandoaconciliação.Aemendaconstitucionalnúmero11,quejáhaviarevogadooAI5em 1978, a proposta de conciliação das Forças Armadas e o juramento de fazer o país voltar àdemocracia não foram capazes, no entanto, de conter a parcela linha dura do regime que mantinhacontroledoaparelhoderepressãoetinhacomorespaldoaLeideSegurançaNacional,aindaemvigor.Oprocessoderedemocratizaçãocaminhavamaisrapidamente:oministrodaJustiça,PetrônioPortela,eGolberyentregamaoPresidenteFigueiredooanteprojetodaanistia,queseriaaprovadoem28deagostode1979,fazendocomquecomeçassemavoltaraopaísosexiladoseaseremapresentadaspeçasteatraisecançõesproibidasháanos.Tambémem1979temfimobipartidarismo:aARENAviraPDS(PartidoDemocráticoSocial),oMDBeoPMDB(PartidodoMovimentoDemocráticoBrasileiro)ecria-seoPT(PartidodosTrabalhadores),oPDT(PartidoDemocráticoTrabalhista)eoPTB(PartidoTrabalhistaBrasileiro).Já seria possível votar, a partir de 82, para governador e para senador em todo o país e apenas aseleiçõesdosprefeitosdascapitaisedasáreasdesegurançanacionalsãoindiretas.NemmesmooPacotedeNovembro, que estabelece o voto vinculado (só poder votar em ummesmo partido para todos oscargoseletivos),conseguesalvaroPDSeconteraescaladadaoposição.A linha dura está inconformada e é a sua Revolta contra esta escalada que literalmente explodiu noRiocentro.

Militares–AdivisãodosgolpistaseumtiropelaculatraCerca de 20 mil pessoas estavam no auditório do Riocentro, na noite do dia 30 de abril de 1981,assistindoaumshowdemúsicaorganizadopeloCebrade,CentroBrasilDemocrático,ligadoaoPartidoComunistaBrasileiro,comgrandesnomesdaMPBcomoElbaRamalho,ChicoBuarque,GonzaguinhaeAlceuValença,paracomemoraroDiadoTrabalho.Houveduasexplosões:umapróximoàcasadeforçaeoutradentrodeumcarroPuma.Umhomemmorreeooutro,gravementeferido,ésocorridoporumaestudante e levado ao hospital. Em pouco tempo, os repórteres descobrem que os dois homens erammilitaresdoDOI-Codi.EaexplosãonoRiocentrosetornaoepisódiomaismarcantedalutatravadapelalinha dura contra a redemocratização do Brasil, porque foi inteira e rapidamente esclarecido pelaimprensa antes e à revelia do Inquérito PolicialMilitar, que acabou concluindo que o então capitãoWilsonMachadoeosargentoGuilhermedoRosáriohaviamsidovítimasdeumatentadodeesquerda.O escritor ThomasE. Skidmore, em seu livro “UmaHistória doBrasil” (editora Paz e Terra, 1998),explicaassimadivisãoentreosmilitaresquederamogolpede1964:Os moderados acreditavam que seu país estava em perigo porque os brasileiros tinham sidoenganados por políticos populistas e seus aliados de esquerda. Mas também acreditavam que opúblicobrasileirorecobraraojuízoequeademocraciapoderiafuncionar,umavezqueospopulistas‘’irresponsáveis”eoscomunistasfossemremovidosdecena.Os militares “linha dura” tinham uma visão mais apocalíptica dos apuros políticos do país,desconfiavamdetodosospolíticos(...)epensavamqueapenasmedidasautoritáriaspodiamprotegeroBrasil contra as ameaças de esquerda.Os líderes da linha dura eram chefiados por oficiais quehaviam sido os mais combativamente antigetulistas, tais como (entre os mais velhos) o marechalOdílioDenyseogeneralJurandirMamede.Outros fatos, bem antes do Riocentro, haviam exposto esta divisão dos militares, sempre impondoderrotasà linhadura,comoporexemplooafastamentodogeneralEdnardoD’ÁviladocomandodoIIExércitoquandodamortedooperárioManuelFielFilhonoDOI-Codiem1976easprisõesdogeneralHugoAbreu:em1978,quandoenviaumacartaparaváriosgenerais,acusandoogrupoligadoaogeneralGolberydeformaruma“oligarquiaespúria”,eem1979,quandolançaolivro“OoutroladodoPoder”.Antes, em 1977, a pior derrota de todas: a exoneração do ministro do Exército, Silvio Frota, umanticomunista radical que a ultradireita tentava impor como candidato à sucessão do Geisel. Foi omomentomaisgravededisputaentreasduasfacçõesquenaépocaatéseautodenominavam“geiselistas”e“frotistas”.Mas os radicais de direita reagem e reagem mais fortemente quanto mais se sentem acuados pelaredemocratização.NoprimeiroanodogovernoFigueiredosãoregistradostrêsatosterroristas;em1980,são46 atribuídos aosgruposdedireita.OadvogadoDalmoDallari, daComissãode Justiça ePaz, ésequestradoeespancado;asededoPTedoComitêdeAnistiaemSãoPauloédepredada;oSindicatodosDistribuidores de Jornais e Revistas de BeloHorizonte divulga nota informando que bancas quevendem jornais de oposição ao governo, os chamados “alternativos”, estão sendo ameaçadas de serincendiadas;oComandodeCaçaaosComunistasenviaumacartaaosdistribuidoresdejornaisdeSantosameaçandoexplodirasbancasquevendemosjornaisalternativos.EmSãoPaulo,noRiodeJaneiro,eemNiteróibancassãoexplodidase incendiadas.BombasexplodemtambémnopalanquedaEscoladeSambacariocaSalgueiro,ondeseriarealizadoumatodeapoioàcriaçãodoPMDB,enoauditóriodaConfederaçãodosTrabalhadoresdaAgricultura, emBrasília, impedindoo líder comunistadas causas

agrárias,GregórioBezerra,defalar.Nosatentadosmaisgraves,duasbombasmatameferem.Uma,enviadaàCâmaradosVereadoresdoRiode Janeiro, deixa seis feridos. Outra, enviada à OAB, mata a secretária de seu presidente, D. LydaMonteirodaSilva.Em1981continuaaondadeatentados:o jornalTribunada Imprensaé invadidoporencapuzadosquecolocambombasqueexplodemeincendeiamasinstalações.Bombasexplodemaindanagráficadoex-exiladoDimasPerrinenacasadodeputadoMarceloCerqueira,noRiodeJaneiro,entremuitosoutrosatosterroristas,concretizadosouameaçados.O que muda com o Riocentro é que fica claro para a opinião pública que existe um alto grau decumplicidadedosmilitaresnopodercomosterroristasdedireitaequeestesterroristasfazempartedosórgãos de repressão criados no auge da ditadura e ainda não desativados. Fazem, portanto, parte doprópriogoverno.Ronaldo Costa Couto, ex-ministro do Interior do Governo Sarney, no livro “História Indiscreta daDitaduraedaAbertura,Brasil:1964-1985” (editoraRecord,1995)apresentaumdadoquedemonstrabem a dimensão do chamado “setor de informação”: em 1979, 27% dos principais 360 cargos daadministração federal estavam em mãos de militares; cada Ministério tinha um departamento deinformaçãoechegavamasercercade200oficiaisemcadaMinistério,emligaçãodiretacomoSNI.Em julhode1981, oministroGolberydoCouto eSilva escreveuumacarta aoPresidenteFigueiredorecomendandoaextinçãoimediatadosDOI-Codis.LogoapóstomarconhecimentodoresultadodoIPMinocentandoocapitãoeosargentopelasexplosõesnoRiocentro,eledemonstrouseudescontentamentoesuadefesadaextinçãodosórgãosderepressãopeloPresidentecomafrase:“tiremessescadáveresdogramadodoPaláciodoPlanalto”.Ummêsdepois,nãoatendido,deixariaaCasaCivil.Somente no final do governo Figueiredo é que são desativados os DOI-Codis que, através de umaportaria do ministro do Exército, Walter Pires, têm suas atividades absorvidas pelas 2ªs Seções doExércitoerestritasaocampomilitar.OCIE,CentrodeInformaçãodoExército,sóseráextintoem1985pelo próximo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. E o SNI, Serviço Nacional deInformações,criadoem1965,sóem1990teriasuasatividades transferidasparaaSAE,SecretariadeAssessoriaEstratégicadaPresidênciadaRepública,pelorecém-empossadopresidenteFernandoCollordeMello.ÉdogeneralNewtonCruz, chefedaAgênciaCentraldoSNInaépocadas explosõesnoRiocentro, eagora indiciado no novo Inquérito Policial Militar sobre o caso, uma boa explicação sobre ocomportamento dos militares que serviam nestes órgãos repressores frente à marcha acelerada dademocratização.Emdepoimentono livro citadodeRonaldoCostaCouto e referindo-se aoRiocentro,NewtonCruzafirma:“por que aconteciam estas coisas? Pelo seguinte: você passa muitos anos ensinando que tem quecombater,lutarcontraocomunismo,temquefazerisso,temquefazeraquiloetal.Ensina,meteissonacabeçadetodomundo.Fazumalavagemcerebral.Edepoisvocêchegaediz:‘Agoravocênãovaifazer mais nada disso’. O pessoal que foi treinado para fazer isso, fazia isso, e que era apoiadoporque fazia isso. Esse pessoal fica... Muitas vezes lá... Esse pessoal fica fazendo o quê? Ficamjogando futebol, não seimais o quê. Então, acaba agindo isoladamente. Em função do que faziamantesenãofaziammais.”OquantoisoladamenteagiramoentãocapitãoWilsonMachadoeosargentoGuilhermedoRosárioéoque deve agoramedir a Justiça.O peso de sua ação, isolada ou não, fez história.O tiro pela culatraderrotouaspretensõesdalinhaduradelançarcandidaturaprópria–adogeneralOtávioMedeiros,chefedoSNI–àsucessãodeFigueiredoeexpôsopresidenteeopróprioExércitoaoridículocomoresultado

doIPMqueprotegeuterroristas.Masacabouporconsolidarademocracia:apesardeenfraquecidoecomumgovernoque,pelanovacomposiçãodoMinistério,estavamaispróximodalinhaduradeMédicidoquedaaberturadeGeisel,apósocasoRiocentroFigueiredonãoabandonouaredemocratizaçãoquejánão seria mais tão lenta nem gradual. Em 1982, o Pacote de Novembro dá maioria ao PDS, mas aoposição elege os governadores de nove estados, entre eles o ex-exilado Leonel Brizola, no Rio deJaneiro.ComodisseoprópriopresidenteFigueiredoaocomentarasexplosões,“sefoicoisadooutrolado,nãopoderiatersidomaisinteligente.SefoidedentrodoExército,aburricenãopoderiasermaior”.*Garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação ouviolêncianasualiberdadedelocomoçãoporilegalidadeouabusodepoder(NovoDicionárioAuréliodaLínguaPortuguesa).

“Ajudar,comojornalista,arevelaraverdadequetodospressentiam,écumprirumadasmissõesdaprofissão,éserútilàsociedade.”

Nome:MervalPereiraIdade:64anosTempodeProfissão:46anosFunçãoAtual:ColunistadeOGlobo,editordoblogdomerval,comentaristadaGlobonews,émembrodaAcademiaBrasileiradeLetras.Experiência Profissional:Merval Pereira Filho começou a carreira como estagiário deOGlobo em1968.e,no jornal fexerceuas funçõesdeeditornacional, editor-chefe,diretorda sucursaldeBrasília,diretorderedaçãoediretorexecutivodoInfoglobo.FoiDiretordeJornalismodeMídiaimpressaerádiodasOrganizaçõesGlobo.

Em 1979 recebeu o Prêmio Esso pela série de reportagens “A segunda guerra, sucessão de Geisel”,publicada no Jornal de Brasília e escrita em parceria com o então editor do jornal André GustavoStumpf.Asérieviroulivrocomomesmonome,editadopelaBrasiliense.TrabalhoutambémnarevistaVeja,comochefedassucursaisdeBrasíliaeRioeeditornacionalemSãoPaulo.Tambémfoieditor-executivodoJornaldoBrasil.De1991a1992,fezumcursodeespecializaçãoempolíticainternacionalnaUniversidadeStanford,naCalifórnia.FazpartedoConselhoEditorialdasOrganizaçõesGloboe fezpartedoprimeiroConselhoEditorialdojornalValorEconômico;éconselheirodoCentrodeEstudosdaAméricadaUniversidadeCândidoMendes.“EueraoresponsávelpelacolunapolíticadeOGlobonoepisódiodoRiocentroepassavadeterça-feiraasextaemBrasília.No dia 5 de maio, terça-feira, embarquei para Brasília com o senador Tancredo Neves. Sentamosjuntos e fomos conversando, claro, sobre o Riocentro.Nomeio da conversa eleme disse: ‘HomemcorajosoesseChagas.LiberouumrelatórioondeestáconfirmadoquehaviaoutrabombadentrodoPuma, além da que estourou’. Passamos a conversar sobre o que aquilo representava, osdesdobramentosdocaso,etc.Quandochegueiàsucursal,ligueiimediatamenteparaoMiltonCoelhodaGraça,queeraoeditor-chefe,erelateiaconversa.ElepediuquevoltasseaoTancredoparasabermaisdetalhesedissequeessaeraagrandemanchetedodiaseguinte.Tancredo,jánoseugabinete,nãoquisdarmais informações–ounão tinhamaisnadaaacrescentar–eassimmesmodecidimosmanteramanchete,jáqueojornaltinhaamesmainformaçãodeoutrafonte.Hoje, 18 anos depois, sinto-me recompensado por poder, sendoDiretor de JornalismodeOGlobo,retomar o assunto para confirmar o que todos sabíamos então, mas não podíamos provar: que oinquéritodoRiocentro foiumafarsaequeosagentesquealiestavampoderiamterprovocadoumatragédiadeproporçõesnuncavistas.Este,comoaqueleemquedeiainformaçãodequehaviaoutrabomba no carro, é ummomento que justifica ser jornalista. Ter vivido o episódio como repórter eagora,depoisde tercruzadotodaacarreira jornalística,poderretomaro fiodameadaereabrirocaso,esclarecendo-o,atravésdasdenúnciasdosrepórteresdeOGlobo,éduplamenteemocionante:comocidadão,vejoesclarecidoumepisódioquemarcouavidadetodosnósedopaís;ajudar,comojornalista,arevelaraverdadequetodospressentiam,écumprirumadasmissõesdaprofissão,éser

útilàsociedade.”MervalPereira,outubrode1999

2014

UmgarimpohistóricoAtenacidadeeasagacidadedeumrepórtertiraramdolimbo,onderepousavahá14anos,anotícia.Ecomelaarevelaçãohistóricaquenospermitecompreendermelhornãoapenasocaráterdeumdenossosex-presidentesmilitares,masoquantoeratalvezmaisarriscadoaindadoquepercebíamosnaépocaoduroprocessodetransiçãodaDitaduraparaoregimedemocráticonoBrasil.QueoPresidenteJoãoFigueiredosabiadoatentadoaoRiocentroantesdeeleacontecerquemrevelounãofoiorepórterJoséCasadonaespetacularmatériadodia30demarçode2014.FoioGeneralOtávioMedeiros,ChefedoServiçoNacionaldeInformações!EmumdepoimentonoInquéritoPolicialMilitarde1999,quenaverdadesóacabouem2000.Mas...quemdescobriuissofoioCasado.Depoisdelerumcalhamaçoestimadoentrecincoeoitomilpáginas!Etrabalharmaisdeumano.Pararealizarseutrabalho,alémdelertrêsvezesestamontanhadepapéis–aíntegradesteinquéritode1999edoprimeiro,odafarsade1981,maisosdepoimentostomadospeloMinistérioPúblicoFederalno Rio de Janeiro no âmbito do terceiro inquérito, encerrado em março de 2014 – ele fez muitasentrevistas,emváriascidades,leudezenasdelivroseacabouaproveitando,nasquatropáginasdejornalpublicadas, apenas10%das80 laudasque escreveu,que seriamsuficientesquasequepara editarumlivro.Ummétodofoiconstante:nãoháumasófraseemtodoomaterialportrásdaqualnãoexistaorespaldodeumdocumento.Casadomedeuseudepoimentoexatamentetrintaetrêsanosdepoisdodiadoatentado,nanoitede30deabrilde2014.E,emumaincrívelcoincidência,começamosaconversaràs21h30m,justamenteahoraemqueaqueleshownoRiocentrocomeçou.

Nome:JoséCasadoIdade:60anosTempodeProfissão:42anosFunçãoAtual:EditordeOGlobo,ondemantémumacolunasemanalnaversãoimpressaecolunistadarevistaeletrônica"OGloboaMais",paratabletsExperiênciaProfissional:repórternosjornaisODiárioeATribuna,(ES);OFluminense ,ODiaeOJornal(RJ);editornojornalAGazetaenarevistaAgora(ES);repórternasrevistasConstruçãoHoje,Construção São Paulo; repórter, editor, correspondente em Buenos Aires e colunista da GazetaMercantil;repórterespecialecolunistadojornalOEstadodeSãoPaulo;editordeEconomiadoJornaldoBrasil;chefedasucursalemBrasíliaeeditordeEconomiaedePolíticadarevistaÉpoca;Éco-autordolivro"Alô,Obama"(OGlobo,ebooks),relatoampliadodasériedereportagenspublicadasem2013pelojornalsobreasatividadesdeespionagemdaagênciaNSA(EstadosUnidos)noBrasilenaAméricaLatina.

Nascido emVitória,mas com jeito demineiro, ele tem falamansa e olhar agudo. Jeito demenino esorrisofácildisfarçamoqueoleitormaisatentoebomdecálculojápercebeu.Oprofissionalcomeçoumuito cedo. Com 17 anos, já era repórter e, aos 20, já havia saído de sua cidade, passado por doisjornaisdoRiodeJaneiroevoltado,experienteeimportante,parasereditor.CasadotrabalhounaArgentinaduranteaGuerradasMalvinas,ocasiãoemqueaumentouseuinteresseeseuconhecimentosobreosprocessosdedemocratizaçãonaAméricadoSul.Dalutapelademocraciano

Brasil, sempre participou, tendo colaborado para jornais de resistência ao RegimeMilitar, como oscombativosOpinião,doRiodeJaneiro,eCoojornal,dePortoAlegre.Eleéminuciosoedetalhistaevaifundo,sejanaapuraçãodeirregularidadesnosplanosdesaúde,sejanabuscaderamificaçõesdeirmandadesmuçulmanasemFozdoIguaçu.Dísparesquesejamostemas,amarcadequalidadeCasadoeaquantidadededadosqueeleconseguelevantargeralmentetransformasuasreportagensemséries.E,agora,nosmodernostempos,eme-books.Asreportagensque fezsobreaespionagemdosEUAque tiveramcomoalvopessoase instituiçõesnoBrasilenaAméricaLatinhalherenderam(juntocomRobertoKazeGlennGreenwald)umPrêmioEssoem2013e se transformaramemum livroAlô,Obama,editadono formatoe-book (OGlobo),noqualCasadoassinaumcapítulo.Misturandomodéstiaepaixãopelaprofissão,elenempensapararesponderqualfoiamelhormatériadasuavida:“amelhormatériaésempreapróxima”.“Anopassado, no começodoano, nos reunimos no jornal parapensar emalgo sobre os cinquentaanosdogolpemilitar,seprogramaríamosumcadernoouváriosenofinalsaícomumaideiaquenãoconteidefazeroperfildeumdeterminadopersonagem.Nãomepergunte,porqueaindafareiumdia.ComoessepersonagempassavapeloRiocentro,levanteiosdoisinquéritos,oprimeiro,doJobLorena,eo segundo,de1999.No total, sãoumasoitomilpáginas.E fui lendoessevolumedepapelmuitograndeefazendoumasériedeentrevistas.Porvoltademaio,junho,eutermineiaprimeiraleituraenãohaviachegadoanenhumaconclusãosobreomeupersonagem.Acheiquetinhaperdidotempo.Fuitrabalharemoutrocaso,odaespionagemamericana.EmsetembropegueidenovonoRiocentro,masparei em outubro para escrever um capítulo do e-book Alô, Obama. Mas voltei outra vez para oRiocentro.Eu licercadequarenta livrossobreoassunto.Sóoseu livro,BombanoRiocentro,eu liduas vezes. Quando chegou no início de janeiro, percebi que eu tinha prometido escrever para aprogramação especial do jornal sobre os cinquenta anos do golpe e não tinha a matéria. Então,durantejaneiroefevereiro,decidiolhartudodenovo,fazerumareleitura,masjáliselecionandoeaíaconteceuoseguinte:eupercebiquenãopodiaescreversobreoRiocentro,porquetudojáhaviasidopublicado. Nisto o seu livro teve um papel decisivo. Também percebi que todo mundo tinha seconcentradonoatentado,nabombaexplodindoematandoosargentoeferindoocapitão.Edepois?Apartir do dia seguinte ninguém prestou muita atenção. E como diria o Conselheiro Acácio, asconsequências vêm depois...Então eu congelei, abstraí o atentado e fui para o a partir dali, o queaconteceucomaschefias,dentrodosquartéis,nascadeiasdecomandoemBrasília.Omaterialquelevanteiemfunçãodaquelepersonagemqueeupensavaemfazernoinício(eaindapensoemfazer)eratododebastidoresdequartéis.Aomontarumacronologia,quecomeçavacomoatentadodoRiocentro,em30deabril,eterminavacomacartadepedidodedemissãodoGolbery(GolberydoCoutoeSilva,ChefedaCasaCivil)aoFigueiredo(PresidenteJoãoBatistaFigueiredo),em4de julhode1981,eu tinhaumrumo.Masfoisozinho, na minha casa, um dia entre janeiro e fevereiro que, lendo aquela linguagem chata derelatórios,emformatodedepoimentospoliciais,entremilharesdepapéisdeinquérito,viquetinha,lápelomeiodoIPM(InquéritoPolicialMilitar)de1999,umdepoimentodoMedeirosdizendoquesoubedoatendadoummêsou45diasantes.Centenasecentenasdepáginasdepois,tinhaodepoimentodoNewton Cruz, dizendo que soube uma hora antes. Li duas vezes. Na terceira leitura, vi que oencarregadodo IPMconvocouos dois para umaacareação.Alémdos depoimentos havia, na pilhafinal,umTermodeAcareaçãoentreosdoisgeneraisefoiessedocumentoqueli-erelimuitomaisdeduasvezes,poiscusteiaacreditar.Énelequehápraticamenteduas linhaschavecomamençãoaoFigueiredoeaoVenturini.

AacareaçãotalveztenhasidoaúltimacoisadoIPMde1999.Foifeitanodia27dejaneirode2000.Um general, encarregado do IPM, convocou dois generais, chefes do serviço secreto na época doatentado (do SNI, Serviço Nacional de Informações), para uma acareação sobre o ato terroristacometido por dois militares da ativa e a serviço do DOI- Codi (Destacamento de Operações deInformações -CentrodeOperaçõesdeDefesa Interna), numaoperação comcolaboraçãodiretadaAgênciaRiodoSNI.EssaacareaçãofoifeitadentrodoQuartel-GeneraldoExército,emBrasília,comváriastestemunhas,oficiaismilitareseumprocuradordaJustiçaMilitar.Ficoutudoregistradoemumapáginaemeia.Oencarregadodoinquéritoacrescentoudetalhesdessaacareaçãonoseurelatóriofinal.ContoucomoNewtonCruz explodiu com o antigo chefe,Medeiros, dizendo que eramentira que ele, Cruz, teriainformado o chefe e este ao general-presidente da República, o Figueiredo, que preparava-se umatentadocontraoshow,comummêsdeantecedência.Pelo relatodoencarregadodo inquérito,MedeirosdesarmouCruzde formaaparentemente suaveeatéirônica,perguntando:"Masvocênãolembra?"Acabaramabraçadoseemocionados,naspalavrasdo encarregado do inquérito. E esse pedaço de papel ficou perdido na pilha de papéis do IPM de1999,guardadonosarquivosdoSuperiorTribunalMilitar,durante14anos.Bem,quandovocêperdeumpapelcomumtelefone,elevaiestarrealmentenoúltimolugar,sempre,naqueleúltimocanto,naúltimatelhadotelhado,nãoé?...Seeumeemocionei,depoisdetercertezadequeeraaquilomesmo?Eupulavadealegria.Depoisdeumanodeidasevindas,achandoquenãoiadaremnada,tinhaencontradoumrumoparaamatériaedocumentosmostrandoque,apartirdacenadocrime,existiaumatrilhadedigitaisqueiadocadáverdosargentodentrodocarroexplodidoaocapitãoferidonohospitale,daí,aocomandodoIExércitonoRio,atéàchefiadoSNIemBrasíliae,apartirdali,chegavanogeneral-presidente.Issoditodeformaespontânea,emjuízo,atestadoeassinadopeloprópriochefedoSNI,Medeiros,queeraomaisíntimoamigodeFigueiredo.Sótinhamotivosparacomemorar,oumelhor,escreversorrindo.Foioquefiz.”JoséCasado2014

Nãovaidaremnada?Oscrimescometidospelosenvolvidosnessesinquéritos,pessoasqueagoraestãosendo julgadas pela Justiça comum, não estão cobertos pela Lei de Anistia. Mas ainda posso ver aimagem do Capitão Wilson, arrogante e desafiador, em um depoimento recente, reproduzido emreportagemnaTV,esteano,repetindosuasnegativasdesempre.Masaverdadeéque,láatrás,jádeu.Noprimeirodia,naprimeiradasprimeiraspáginas,játinhadado.Queremos ver a Justiça punir todos os culpados, mas, enquanto a Justiça não vinha, muito antes deinquéritos sequer serem concluídos, neste caso, a Imprensa foi sendo guerrilheira e guerreira e foivencendo, batalha a batalha. Demonstrando covardias, impedindo retrocessos, demolindo imposturas,impondo a verdade. E, certamente, ajudando a sociedade a impedir um retrocesso político desejadopelosqueestavam,comoagorasabemoscomcerteza,maispertodopoderdoquesesupunha.Como antes, tivemos no garimpo exaustivo e tão bem sucedido de Casado, novamente, a Imprensa àfrentedaJustiça,revelandoofimdocasoantesdeserpromulgadaqualquersentença.Avitória,naprática,avitóriapolítica,jáhouve.Ojornalismoinvestigativoealiberdadedeimprensacontribuindoparaqueaverdadeaparecesse.E,destavez,aJustiça,aindaquetãotardiamente,seráfeita.Coincidênciasnãoexisteme,alémdeterentrevistadooCasadonomesmodiadoshow,trintaetrêsanosdepois,acordeinodiaseguinteaomeuaniversáriode60anoscomumabelanotíciapresente:ajuízaAna

PaulaVieiradeCarvalho,da6ªVaraFederalCriminaldoRiodeJaneirodecidiuacolheradenúnciadoMinistérioPúblicoFederalemandara julgamentooagoraCoronelWilsonLuizChavesMachadoeosgenerais reformados Nilton de Albuquerque Cerqueira (ex-comandante da PM) e Newton Araújo deOliveira e Cruz (ex- chefe daAgência Central do ServiçoNacional de Informações - SNI). Tambémserão julgadosogeneral reformadoÉdsonSáRocha, chefedaSeçãodeOperaçõesdoDOIem1981,acusadodeterdefendidoexplosõesdebombasemoutroshowdoRiocentro;omajorreformadoDivanyCarvalho Barros, que admitiu em depoimento ter ido ao estacionamento recolher provas queincriminariamoentãoCapitãoWilsoneoSargentoRosárioquemorreucomabombanocolo;eoex-delegadoCláudioGuerra.Areportagem,emOGlobo,eraassinadaporChicoOtávio,omesmorepórterque,em1999,reabriuocasoemefezlançarasegundaediçãodestelivro.Adecisão da juíza – a de que o atentado noRiocentro não está coberto pelaLei deAnistia de 1979porquefoiumcrimecontraaHumanidadeeé,porisso,imprescritível–mereceuaindaumartigodeJoséCasado.Com lucidez,elenãocomemora,cobra.Este julgamentoabreportasaoutros,necessários,decrimesdeigualteorquecontinuamimpunesedeveprovocaranossareflexão.Oprincípiodevalordeque crimes de tortura, desaparecimento e homicídio cometidos por agentes de Estado contra pessoascomo forma de perseguição política são crimes contra a Humanidade foi comparado pela juíza aosprincípiosquenortearamoTribunaldeNuremberg.Seadecisão foihistórica,vale finalizar lembrandooconselheiroAcácio,citadonaentrevistaquemedeuoCasado.Asconsequênciasvêmdepois.Anós,sociedade,cabeaprenderaliçãoetentarfazercomqueelasnãovenhamtãodepois...