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A exploração madeireira que dá lucro e ajuda a preservar a Amazônia, as atividades de reflorestamento que geram renda local, as florestas plantadas que ajudam a transformar a economia brasileira. Preservação e produção não são incompatíveis.
Citation preview
45Horizonte Geográfico
Bons negócios naFLORESTA
Desenvolvimento econômico e preservação ambiental não são incompatíveis. Essa é a mensagem
da ONU no Ano Internacional das Florestas
Texto | Natália Martino
Há 60 anos, Lauro Lopes mora às mar-
gens do rio Xingu. Foi seringueiro e ago-
ra é pescador. Sempre tirou da floresta o
sustento da sua família, que vive em Altamira
(PA). Como ele, 1,6 bilhão de pessoas no mun-
do dependem diretamente das florestas para
sobreviver. O restante da população mundial,
que já chega a 7 bilhões, também recebe de-
las benefícios indispensáveis, como ar puro.
Retirar carbono da atmosfera é, ao lado da
manutenção de mananciais de água, exemplo
dos serviços ambientais prestados por flores-
tas preservadas. Serviços que já têm preço.
Empresas pagam por áreas preservadas
para que o gás carbônico emitido em suas
operações seja retirado da atmosfera pela
fotossíntese da vegetação que deixará de ser
desmatada. O mecanismo ficou conhecido in-
ternacionalmente como REDD (Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal). Um dos projetos brasileiros mais
representativos nesse sentido é a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Juma, em Novo
Aripuanã (AM). O carbono retirado da atmos-
fera pela sua cobertura florestal é comprado
por uma rede de hotéis.
Projetos como esse, somados ao trabalho
de comunidades, empresas e ONGs que encon-
traram formas de usar as florestas para gerar
renda sem destruí-las, contribuem para garan-
tir a continuidade das florestas no mundo. O
desafio não é pequeno: as florestas cobrem
31% da Terra, mas, a cada ano, 13 milhões
de hectares dessas áreas, o equivalente a 106
cidades do Rio de Janeiro, desaparecem, de
acordo com a FAO (Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação). Esse
desmatamento é responsável, de acordo com
Painel Intergovernamental de Mudanças Cli-
máticas (IPCC), da ONU, por 20% das emissões
globais de gases de efeito estufa.
Preservação e desenvolvimentoNo Brasil, os dois mais importantes biomas
florestais são a Amazônia e a Mata Atlântica.
Se os bons exemplos de geração de renda sus-
tentável não forem replicados país afora, esses
biomas vão continuar diminuindo enquan-
to as cidades crescerão envoltas em massas
de ar cada vez mais irrespiráveis e com uma
quantidade cada vez menor de água potável
disponível. “Conciliar preservação e desenvol-
vimento não é um desejo, é uma necessidade”,
resume Antônio Carlos Hummel, diretor-geral
do Serviço Florestal Brasileiro. A dependência
do homem em relação às florestas ganhou
atenção mundial graças à iniciativa da ONU de
declarar 2011 o Ano Internacional das Flores-
tas. “Precisamos trazer o homem para as dis-
cussões, florestas e pessoas estão conectadas”,
explica Jan McAlpine, diretora da ONU para
florestas, que esteve recentemente no país.iLu
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Melhores Práticas
46 47Horizonte Geográfico Horizonte Geográfico
Madeira sustentável
Sem medo Terras públicas
José Roberto da Silva extrai madeira da Amazônia há quase 30 anos. Mas só nos últimos meses passou a ter orgulho disso. Morador da comunidade Terra preta, na RDS do Rio Negro (AM), Silva conseguiu uma licença ambiental para desenvolver a atividade. O principal ganho foi em qualidade de vida: “antes trabalhávamos à noite, sempre nos escondendo”. Silva salienta sua felicidade em trabalhar sem medo e afirma que antes vendia madeira ilegal apenas por necessidade. “Achávamos que era a única alternativa” diz. Foi o programa Bolsa Floresta, administrado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que mostrou a Silva e a outras 21 famílias da Terra preta a possibilidade de fazer de outra forma. “Antes, o governo chegava só para prender, agora ele vem nos ensinar”, diz Silva. O programa investe em média 160 mil reais anuais em projetos que ajudam na preservação florestal dentro de 15 unidades de conservação do Amazonas.
Um dos caminhos mais promissores para diminuir a exploração ilegal de madeira no Brasil é a concessão de florestas públicas para a atividade, na opinião de Antônio Carlos Hummel. Segundo o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, as vantagens são facilidades para a fiscalização e segurança fundiária. “É cada dia mais difícil encontrar terras legalizadas para a exploração madeireira na Amazônia, por isso a concessão é uma boa saída”, avalia Mauro Shigueo, dono da Madeireira Sakura, uma das três empresas autorizadas a trabalhar na Flona Jamari, alvo da primeira concessão desse tipo, oficializada em 2010. Para Hummel, a experiência já é um exemplo de sucesso: “Além do aumento da oferta de empregos formais, as pessoas trabalham com segurança, vivem em alojamentos adequados e recebem salários dignos”, avalia. De acordo com ele, cerca de 10 milhões de hectares de florestas públicas, área equivalente à metade do Estado de Sergipe, já tem hoje condições de receber uma concessão.
Fiscalização na AmazôniaNúmero de operações e multas aplicadas pelo Ibama em fiscalizações de desmatamento e madeira ilegal entre 2003 e 2007, na Amazônia Legal
A exploração da madeira não precisa,
necessariamente, significar desma-
tamento. “Qualquer recurso natural
pode ser explorado de forma sustentável,
basta que a intensidade do seu uso seja me-
nor do que a velocidade de reposição natural
do ambiente”, explica Virgílio Viana, superin-
tendente-geral da Fundação Amazonas Sus-
tentável (FAS). Para garantir que esse limite
seja respeitado, devem ser produzidos os
planos de manejo que definem as áreas que
podem ser exploradas, a quantidade máxima
de madeira a ser retirada, as espécies que
devem ser protegidas – por serem endêmi-
cas ou estarem em extinção – e árvores que
precisam ser mantidas como porta-sementes
– para garantir a regeneração da floresta.
O desafio é fazer com que esses planos
de manejo sejam usados. Madeiras ilegais
representam entre 30% e 35% das vendas
no Brasil, segundo Antônio Carlos Hummel,
do Serviço Florestal Brasileiro, vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente. “Ainda é um
número alto, mas representa uma vitória
porque essa taxa já alcançou 90%”, explica.
Segundo ele, a redução da ilegalidade tem
suas origens na maior presença de fiscaliza-
ção (veja gráfico) e na substituição de docu-
mentos de papel por processos eletrônicos.
Do outro lado da cadeia produtiva, no
mercado consumidor, o engajamento tam-
bém é essencial, já que a madeira legal é,
em geral, mais cara. “O produto ilegal é mais
barato por burlar impostos, registros de fun-
cionários e desrespeitar as leis ambientais. É
preciso que as empresas formem um merca-
do mais exigente”, diz Dimitrios Paleologos,
diretor da Madeireira Mart.
Mas é essencial, ainda, equacionar ou-
tro problema. O fim de uma serraria, mes-
mo que ilegal, significa desemprego, o que
pode ser especialmente grave em locais que
baseiam toda a sua economia na atividade
(veja tabela à direita). É o caso, por exemplo,
de Novo Progresso e Itaituba, no Pará. Antes
polos madeireiros, os municípios tiveram
2.500
2.000
1.500
1.000
500
2003 2004 2005 2006 2007
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Multas (R$ milhões) N0 de operações
Fonte: Ibama (2008)
cerca de 80% das suas serrarias fechadas
por atividades ilegais. “Isso gera um proble-
ma socioeconômico enorme. Então, o que
estamos discutindo é como favorecer uma
retomada das serrarias na região, mas, des-
sa vez, trabalhando de forma sustentável”,
afirma Hummel.
EstadosNúmero deEmpresas
Empregos(diretos e indiretos)
Receita bruta(milhões de R$)
Acre 24 4.641 181,96
Amapá 48 1.516 32,10
Amazonas 58 6.525 115,19
Maranhão 54 3.975 59,00
Mato Grosso 592 56.932 1.598,36
Pará 1.067 92.423 2.199,61
Rondônia 346 34.825 713,49
Roraima 37 2.865 62,66
Amazônia Legal 2.226 203.702 4.940,39
Economia da madeiraNúmero de empresas, empregos e receita bruta da atividade madeireira na Amazônia, em 2009
Fonte: Imazon/Serviço Florestal, 2010
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OMANEJO
48 49Horizonte Geográfico Horizonte Geográfico
Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
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10
20
30
40
5
15
25
35
45
A volta do verderEFlOrESTAMENTO
u ma vez devastada, a floresta nunca
mais voltará a ser como antes. “Es-
pécies se perdem no caminho, não é
possível restaurar o estágio inicial de mata
nativa”, explica Ludmila Pugliese, gerente de
restauração florestal da SOS Mata Atlântica.
Apesar disso, é possível recuperar serviços
ambientais como oferta de água e estabili-
dade do solo. E a restauração pode significar,
também, geração de renda. “Precisamos de
coletores de sementes, assessores técnicos,
pessoas para fazer o plantio – muita gente
tem de colocar a mão na massa”, avalia Au-
rélio Padovezi, coordenador de restauração
ecológica da TNC (The Nature Conservancy).
Geração de renda, porém, não é o ob-
jetivo primordial da restauração. Por outro
lado, florestas de eucalipto e pinus são plan-
tadas com fins comerciais. A prática levanta
polêmica, principalmente pelo histórico de
substituição de mata nativa por florestas
plantadas. “Políticas equivocadas geraram
exemplos ruins ao longo da década de 1970
e ficou um passivo de credibilidade no setor”,
explica Mário Mantovani, diretor de políticas
públicas da SOS Mata Atlântica.
Porém, segundo ele, vários fatores, espe-
cialmente o surgimento da certificação FSC,
mudaram o perfil das florestas plantadas.
“Ainda recebemos denúncias de empresas
convertendo áreas de florestas nativas em
reflorestadas, mas elas não conseguirão cer-
tificação e, sem selo, não têm mais mercado”,
explica. Assim, a maior parte das florestas
plantadas atualmente ocupa áreas antes
devastadas para pastagens. Essas florestas
foram incluídas nas práticas previstas no
Programa Agricultura de Baixo Carbono,
ação do Ministério da Agricultura para re-
duzir a emissão de gases de efeito estufa.
Eucalipto e pinus adaptaram-se tão bem
ao país que crescem mais rapidamente e
produzem mais madeira por hectare do
que em outros países (veja tabela na página
seguinte). Hummel explica que é necessário
aproveitar essas vantagens para diminuir a
pressão sobre as matas nativas. “É preciso
entender que quando a economia cresce, a
demanda por produtos florestais também
aumenta”, diz, defendendo a ampliação da
área do cultivo do Brasil para 12 milhões de
hectares, o dobro do que é hoje.
Unidos pela restauração
“Sempre tentei trazer emprego para piracaia (Sp), região carente de oportunidades. com a restauração, realizei esse sonho”, afirma André Donizeti do Amaral, presidente da Ambiência Cooperativa de Trabalho para Reflorestamento Ambiental. A cooperativa é formada por 25 pessoas capacitadas pela TNc (The Nature conservancy) para promover a restauração de 103 hectares do entorno do reservatório cachoeira, do sistema de abastecimento de São paulo. A cooperativa já assinou outro contrato para manutenção da área, o que inclui controle de incêndios e ervas daninhas. “Hoje, a maior parte da renda dos cooperados vem do reflorestamento”, afirma Amaral.
Produção diversificada
Com o fornecimento de mudas, assistência técnica, educação ambiental e garantia de comercialização da madeira, a Fibria, empresa que atua no segmento de florestas plantadas, estimula pequenos proprietários rurais a plantar eucalipto. Dessa forma, garante não apenas o reflorestamento de grandes áreas, mas também oferece mais uma fonte de renda para esses pequenos proprietários. O programa
foi batizado de Poupança Floresta e já gerou quase quatro mil contratos com fornecedores em sete estados brasileiros. São mais de 100 mil hectares de florestas plantadas graças à iniciativa, que também incentiva o plantio de outras culturas, especialmente no rio Grande do Sul, onde a Fibria oferece um selo de certificação para alimentos produzidos em florestas de eucalipto.
Produtividade florestal(m3/ha.ano)
Eucalipto (fibra curta) Pinus (fibra longa)
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4 452
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veja como as plantações de eucalipto e pinus são muito mais produtivas no Brasil que em outros países
50 51Horizonte Geográfico Horizonte Geográfico
Desafios das comunidades
R ibeirinhos, indígenas, quilombolas
e outras comunidades tradicionais
sempre tiraram da floresta seu ali-
mento e sua moradia sem deixar para trás
um rastro de destruição. Muitos querem con-
tinuar assim, mas sem abrir mão dos direi-
tos garantidos a outros cidadãos brasileiros:
saúde, educação e acesso a bens de consumo
como geladeira e televisão. Projetos que ge-
rem renda e ajudem a garantir esses direitos
a comunidades que protegem a floresta por
dependerem dela são apontados, por mui-
tos, como o caminho para o tão almejado
desenvolvimento sustentável.
Mas os desafios são muitos. Em primeiro
lugar, o problema logístico. Muitas comuni-
dades, especialmente as da Amazônia, estão
isoladas e, para serem alcançadas, deman-
dam viagens de dias pelos rios locais. “Como
querer que ribeirinhos vivam da venda de
açaí se eles não têm como escoar sua pro-
dução?”, questiona Célia Regina Favacho, do
Conselho Nacional de Populações Extrativis-
tas (CNS). Diante desse impasse, as popula-
ções acabam se rendendo aos atravessado-
res, que engolem a maior parte dos possíveis
lucros do negócio. Ou, pior, rendem-se ao
dinheiro imediato oferecido por madeireiros
ilegais. Ficam entre escolhas cruéis: ou pro-
tegem seu território e permanecem na ca-
rência dos mais básicos recursos ou ajudam
a destruir o ambiente à sua volta e garantem
certos confortos agora para sentir o peso da
escolha nos anos futuros.
Há, ainda, a questão da terra. “A agricul-
tura e a pecuária avançam, enquanto as co-
munidades tradicionais são empurradas para
mais longe”, diz Célia. Foi para garantir às
comunidades de seringueiros do Acre o direi-
to à terra na qual sempre viveram que lutou
o líder seringalista Chico Mendes. Tornou-se
mártir e até hoje é lembrado quando o assun-
to é reserva extrativista, tipo de unidade de
conservação que ajudou a criar. Mais de 20
anos depois do seu assassinato, seus suces-
sores, José Claudio Ribeiro da Silva e Maria
do Espírito Santo da Silva, tiveram o mesmo
fim. Foram assassinados no Pará, em maio
deste ano. A morte do casal ganhou os noti-
ciários e escancarou nossa distância de um
desenvolvimento socialmente sustentável.
receitas de sucesso
“Eu achava que essa palmeira aí não servia para nada”, confidencia Ana Rosa dos Santos Barbosa sobre a juçara, que hoje representa cerca de 30% da renda da sua família no período de safra da espécie. Original da Mata Atlântica, a palmeira juçara está na lista oficial do Ministério do Meio Ambiente de espécies ameaçadas de extinção graças, especialmente, à ação dos palmiteiros, que precisam sacrificar a árvore para obter o palmito. para ajudar a reverter esse quadro de extinção próxima, o ipema (instituto de permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica) começou a trabalhar com comunidades do interior de São paulo para que a palmeira se transformasse em uma fonte de renda sustentável. Hoje, 40 famílias participam diretamente do projeto, que incentiva o uso do fruto na culinária local. Festivais promovem novas receitas, restaurantes incorporaram o ingrediente ao cardápio e as cidades envolvidas o incluiram na merenda escolar. “A juçara já entrou para a culinária local”, comemora cristiana dos Reis, coordenadora do projeto que está repovoando quase 200 hectares com a palmeira.
Espinhos da sorte
Árvore brasileira conhecida por ter muitos espinhos, o murumuru é, em geral, presença indesejada. A espécie era constantemente arrancada por quem se embrenhava na mata para colher açaí, fruta com alto valor comercial. Isso até o murumuru também ganhar preço. A mudança aconteceu quando a Natura Cosméticos procurou comunidades do Amazonas e do Pará para fazer o manejo da árvore para criar uma linha de sabonetes. A espécie conta hoje com mais de três mil árvores protegidas nessas regiões. “Quando o murumuru passa a ser fonte de renda complementar, as comunidades começam a protegê-lo”, diz Sérgio Talocchi, gerente de relacionamento com as comunidades da Natura. “Muitos chegam dizendo, por exemplo, que compraram motor para o barco. Em uma comunidade à qual só é possível ter acesso pelo rio, isso é uma grande melhoria de vida”, completa.
Produto Quantidade(toneladas)
Valor(em milhares de reais)
Carnaúba (cera e pó) 21.132 97.136
Erva-mate 218.102 86.587
Babaçu (amêndoa) 109.299 121.351
Açaí (fruto) 115.947 160.528
Piaçava 72.232 110.245
Castanha-do-pará 37.467 2.261
Hévea (látex coagulado e líquido) 3.363 7.603
Fonte: IBGE, 2009
Comércio dos principais produtos não madeireiros explorados no Brasil
O fruto da palmeira (acima)
transformou-se em ingrediente
de pratos criados para festivais
da juçara (ao lado):
1- moqueca de peixe com juçara;
2- cajutapu; 3- pão de juçara;
4- bolo de juçara com banana
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