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BOOTH, Wayne. A retórica da ficção. Tradução Maria Teresa H. Guerreiro. Lisboa: Arcádia, 1980. 4. Regras gerais, III: “A arte como deve ser ignora a audiência” “Os artistas como devem ser escrevem apenas para si próprios” “O que o autor cria não é apenas uma imagem de si próprio. Cada pincelada que implique o seu alter ego ajudará a moldar o leitor, tornando-o no tipo de pessoa que sabe apreciar tal personagem e o livro que escreve” (p.109). Teoria da Arte Pura Eliminação do leitor encontra-se na teoria da arte pura que exige a eliminação deste ou daquele elemento (inclusive da retórica) para realizar a poesia pura. Aristóteles, por outro lado, nunca repudia por completo a dimensão retórica da poesia. O que o poeta deve fazer é produzir efeitos na audiência. Ao fazer isso, a poesia está, de fato, intimamente relacionada com a retórica. Mesmo próxima da retórica, a poesia não é o estudo dos efeitos destinados a coadunarem com as características de determinada audiência. A audiência em vista é mantida constante; só quando estudamos a retórica é que as peculiaridades da audiência serão levadas em conta. “No entanto, constatando embora que a poesia tem sempre efeitos sobre a audiência mantendo assim uma íntima relação com a retórica, Aristóteles deplora toda a retórica óbvia, destacável, como acabamos de ver, porque é ‘extrínseca’. Por um lado, temos o que é integrante e, daqui, poético: a ação imitada. Por outro lado, temos os comentários do autor e do coro que, tal como a encenação espetacular, ameaçam sempre tornar-se extrínsecos e, como tal, menos poéticos por definição” (p.110-111). 1

Booth - A Retórica Da Ficção

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Fichamento do texto clássico de Booth sobre Teoria Literária

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BOOTH, Wayne

BOOTH, Wayne. A retrica da fico. Traduo Maria Teresa H. Guerreiro. Lisboa: Arcdia, 1980.

4. Regras gerais, III: A arte como deve ser ignora a audincia

Os artistas como devem ser escrevem apenas para si prprios

O que o autor cria no apenas uma imagem de si prprio. Cada pincelada que implique o seu alter ego ajudar a moldar o leitor, tornando-o no tipo de pessoa que sabe apreciar tal personagem e o livro que escreve (p.109).

Teoria da Arte Pura

Eliminao do leitor encontra-se na teoria da arte pura que exige a eliminao deste ou daquele elemento (inclusive da retrica) para realizar a poesia pura.

Aristteles, por outro lado, nunca repudia por completo a dimenso retrica da poesia. O que o poeta deve fazer produzir efeitos na audincia. Ao fazer isso, a poesia est, de fato, intimamente relacionada com a retrica. Mesmo prxima da retrica, a poesia no o estudo dos efeitos destinados a coadunarem com as caractersticas de determinada audincia. A audincia em vista mantida constante; s quando estudamos a retrica que as peculiaridades da audincia sero levadas em conta.

No entanto, constatando embora que a poesia tem sempre efeitos sobre a audincia mantendo assim uma ntima relao com a retrica, Aristteles deplora toda a retrica bvia, destacvel, como acabamos de ver, porque extrnseca. Por um lado, temos o que integrante e, daqui, potico: a ao imitada. Por outro lado, temos os comentrios do autor e do coro que, tal como a encenao espetacular, ameaam sempre tornar-se extrnsecos e, como tal, menos poticos por definio (p.110-111).

Paul Valry: no ensaio Pura poesia a poesia s passa a existir quando as palavras revelam um certo desvio da expresso de pensamento mais direta, ou seja, mais insensvel, s no momento em que esses desvios prenunciam, por assim dizer, um mundo de relaes distinto do mundo puramente prtico (p.111).

Para ser pura, para acertar o passo com a poesia, para obter um estatuto de igualdade com as artes mais obviamente puras, o autor tem que arranjar meio de criar um objeto limpo que possa falar por si prprio.

T. S. Eliot: O nico meio de expressar emoo na forma de arte encontrar um objetivo correlativo; por outras palavras, um grupo de objetos, uma situao, uma cadeia de acontecimentos, que constitua a frmula dessa emoo particular; de modo a que, quando so dados os fatos externos, que tm que terminar em experincia sensorial, a emoo seja imediatamente evocada (p.114).

A impureza da grande literatura

Se os apelos visveis ao leitor so sinais de imperfeio, impossvel encontrar literatura perfeita.

Eptetos e citaes presentes na obra de grandes poetas, como Eliot, por exemplo, servem para prepara o estado de esprito do leitor e lhe sugerir um tema. Os romancistas, por vezes, criam cenas que parecem desnecessrias, mas do ajuda ao leitor.

Henry James cria personagens que no fazem propriamente parte da trama, mas funcionam como amigo do leitor, aquele que auxilia o leitor a entender o desenvolvimento do tema. Processo retrico.

O conceito de escrever uma histria parece conter implcita a noo de procura de tcnicas de expresso que tornem a obra acessvel no mais alto grau possvel.

Destacar a presena nas oras de elementos destacveis e identificveis como amigos do leitor.

Para o leitor, nada real at que o autor a faa real; e para o leitor que o autor escolhe tornar esta cena to forte quanto possvel (p.125).

Distino entre autor real e seu alter ego. Expressar este ego pblico e afetar um pblico composto de egos semelhantes tornam-se processos idnticos; e a distino entre teorias de literatura expressiva e retrica desaparece.

Ser a fico pura teoricamente desejvel?

1) Chekhov: quando escrevo, conto inteiramente com o leitor, que acrescentar, por si, os elementos subjetivos que faltam histria (p.126) citao de Letters on the short story, the drama and other literary topics, 1920.

2) Qualquer histria ser incompreensvel se no incluir, mesmo sutilmente, a quantidade de contar necessria, [...] para nos dispor a aceitar esse sistema de valores, pelo menos temporariamente. verdade que o leitor tem que suspender, em certa medida, a sua descrena [...] Mas a obra em si tem que preencher, com a sua retrica, o espao criado pela suspenso das minhas prprias crenas (p.129).

A reao do leitor depender de um juzo comunicado pelo autor.

3) Modas de vesturio e penteados, tipos de comportamento masculino, conduta sexual todos os setores da vida em que a conveno opera podem ser usados para estabelecer carter, mas s dentro dos limites de tempo e espao cuidadosamente definidos e controlados pelo autor.

O leitor este sempre face questo do que significa um gesto especial, um detalhe especial. No chega dizer que no precisa de significar nada porque, simplesmente, . A acumulao sem significado de detalhes observados com preciso no pode satisfazer-nos por muito tempo; os detalhes s so tolerveis quando contam, quando esto carregados de significado para as vidas mostradas (p.130).

Embora alguns personagens e acontecimentos possam comunicar, por si prprios, a sua mensagem artstica ao leitor, carregando assim, sob forma fraca, a sua retrica, nenhum deles o far com clareza e fora necessrias at que o autor faa incidir todos os seus poderes sobre o problema de levar o leitor a ver o que eles realmente so. (p.132)

BOOTH, Wayne. A retrica da fico. Traduo Maria Teresa H. Guerreiro. Arcdia, Lisboa, 1980.

4. Regras gerais, II: Todos os autores sero objetivos

Neutralidade e o alter ego do autor

Estado de esprito ou alma dos autores modernos busca libertao da tirania da subjetividade.

Objetividade pode significar uma atitude de neutralidade para com todos os valores ou desinteresse em todas as coisas.

Flaubert: tratar da alma humana com imparcialidade que os cientistas fsicos mostram no estudo da matria, teremos dado um imenso passo em frente [...] atravs de um mtodo implacvel, a preciso das cincias fsicas (citao de Correspondence 12 de outubro de 1853 Booth p. 86).

Toda declarao em defesa da neutralidade do artista revela compromisso.

Chekhov: O artista no devia ser juiz dos seus personagens e das conversas que travam, mas sim testemunha imparcial. Uma vez, ouvi uma conversa desconexa sobre pessimismo, entre dois russos; nada se resolveu a minha tarefa relatar a conversa tal como a ouvi e deixar que o jri, ou seja, os leitores, pesem o seu valor. A minha tarefa apenas ter o talento, isto , ser capaz de iluminar os personagens e falar a sua linguagem (citao de Letters on the shot story, the drama and other literary topics, 1924, p. 58-9) p. 87.

Alguns intelectuais veem como necessrio o repdio a todas as causas intelectuais e polticas. Ao contrrio, outros assinalam a necessidade de engajamento, como Sartre. Alguns grandes artistas estavam comprometidos com as causas de seu tempo, outros no.

O engajamento, ou no, do autor, depender dos objetivos especficos do artista que lhe permitem fazer do seu compromisso e no na sua prpria existncia desse compromisso.

O argumento da neutralidade til na medida em que avisa o romancista de que raro poder dar-se ao lixo de verter os seus preconceitos em bruto para a obra.

Questo da individualidade do autor: enquanto escreve, o autor no cria, simplesmente, um homem em geral, impessoal, ideal, mas sim uma verso implcita de si prprio, que diferente dos autores implcitos que encontramos nas obras de outros homens. Na verdade, pareceu a alguns romancistas que se estavam a descobrir ou a criar a medida que escreviam (p. 88).

Alter ego do autor efeitos mais importantes do autor de que o leitor se apercebe. Por impessoal que ele tente ser, o leitor construir, inevitavelmente, uma imagem do escriba oficial que escreve desta maneira e, claro, esse escriba oficial nunca ser neutral em relao a todos os valores. O nosso problema atual a intrincada relao do chamado autor real com as vrias verses oficiais de si prprio (p. 89).

Nota de rodap sobre Kathleen Tillotson: Contido na sua conferncia inaugural na Universidade de Londres, publicada sob o ttulo The tale and the teller (Londres, 1959). Escrevendo sobre George Eliot, em 1877, Dowden disse que a forma que mais persiste na mente, depois da leitura dos seus romances, no a de qualquer dos personagens, mas sim a de algum que, se no George Eliot real, o alter ego, prossegue Dowden, mais substancial que qualquer simples personalidade humana e tem menos reservas; e por trs dele est, satisfeito, o verdadeiro ego histrico, a salvo da observao e crticas impertinentes p. 22 (p. 89).

Temos que falar em vrias verses porque, independentemente da sinceridade que o autor intenda, cada uma das suas obras implicar diferentes verses, diferentes combinaes ideais de normas. Tal como as cartas pessoais de cada um de ns prprios, dependendo das diferentes relaes que temos com cada correspondente e da finalidade de cada carta, o escritor assume ares diferentes, dependendo das necessidades de cada obra (p. 89).

Estas diferenas so mais evidentes quando o alter ego tem um papel exposto de orador dentro da histria.

H semelhanas entre os autores implcitos no caso do mesmo autor emprico e de diferentes obras e, ao mesmo tempo, grande variedade entre eles.

O sentido que temos do autor implcito inclui no s os significados que podem ser extrados, como tambm o contedo emocional ou moral de cada parcela de ao e sofrimento de todos os personagens. Inclui, em poucas palavras, a percepo intuitiva de um todo artstico completo; o principal valor para com o qual este autor implcito se comprometeu, independentemente do partido a que pertence na vida real isto , o que a forma total exprime (p. 91).

Outros termos usados para fazer referncia ao autor implcito:

1. Estilo aquilo que nos d a entender o que o autor v e ajuza, com mais profundidade que os personagens apresentados;

2. Tom avaliao implcita que o autor consegue transmitir atravs da apresentao explcita;

3. Tcnica sinais discernveis da habilidade do artista.

O autor implcito escolhe, consciente ou inconscientemente, aquilo que lemos; inferimo-lo como verso criada, literria, ideal dum homem real ele a soma das opes deste homem. S distinguindo entre autor e a sua imagem implcita podemos evitar discusses vs e ftuas sobre qualidades como sinceridade e seriedade do autor (p. 92).

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