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Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. 1989 SOBRE O PODER SIMBÓLICO (...) o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (p. 07-08) Os ‘sistemas simbólicos’, como instrumentos de conhecimento e comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem genealógica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) (...) (p. 09) Contra todas as formas do erro ‘interaccionista’, o qual consiste em reduzir todas as relações de força a relações de comunicação, não basta notar que as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que, como o dom ou o potlatch, podem permitir acumular poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou legitimação da dominação (...) (p. 11) As diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do

Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. 1989

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Bourdieu, Pierre. O poder simblico. 1989SOBRE O PODER SIMBLICO

(...) o poder simblico , com efeito, esse poder invisvel, o qual s pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que no querem saber que lhe esto sujeitos ou mesmo que o exercem. (p. 07-08)

Os sistemas simblicos, como instrumentos de conhecimento e comunicao, s podem exercer um poder estruturante porque so estruturados. O poder simblico um poder de construo da realidade que tende a estabelecer uma ordem genealgica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) (...) (p. 09)Contra todas as formas do erro interaccionista, o qual consiste em reduzir todas as relaes de fora a relaes de comunicao, no basta notar que as relaes de comunicao so, de modo inseparvel, sempre, relaes de poder que dependem, na forma e no contedo, do poder material ou simblico acumulado pelos agentes (ou pelas instituies) envolvidos nessas relaes e que, como o dom ou o potlatch, podem permitir acumular poder simblico. enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicao e de conhecimento que os sistemas simblicos cumprem a sua funo poltica de instrumentos de imposio ou legitimao da dominao (...) (p. 11)

As diferentes classes e fraces de classes esto envolvidas numa luta propriamente simblica para imporem a definio do mundo social mais conforme os seus interesses, e imporem o campo da tomadas de posies ideolgicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posies sociais. (p. 11)

O campo de produo simblica um microcosmos da luta simblica entre classes: ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produo (s nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produo. (p. 12)

Os sistemas simblicos devem sua fora ao facto de as relaes de fora que neles se exprimem s se manifestarem neles em forma irreconhecvel de relaes de sentido (deslocao). (p. 14)O poder simblico como poder de constituir o dado pela enunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso do mundo e, deste modo, a aco sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica) graas ao efeito especfico de mobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio. (p. 14)

A GNESE DOS CONCEITOS DE HABITUS E DE CAMPO

(...) eu desejava por em evidncia as capacidades criadoras, activas, inventivas do habitus e do agente (que a palavra hbito no diz), embora chamando a ateno para a ideia de que este poder gerador no o de um esprito universal, de uma natureza ou de uma razo humana, como em Chomsky o habitus, como indica a palavra um conhecimento adquirido e tambm um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradio idealista) o babitus, a hexis, indica a disposio incorporada, quase postural - , mas sim o de um agente em ao (...) (p. 61)Com efeito, mediante a uma crtica da viso interacionista das relaes entre os agentes religiosos proposta por weber que implicava uma crtica retrospectiva da minha representao inicial do campo intelectual, eu propunha uma construo do campo religioso como estrutura de relaes objectivas que pudesse explicar a forma concreta das interaes que Max Weber descrevia em forma de uma tipologia realista. (p. 66).ESPAO SOCIAL E A GNESE DAS CLASSES

Pode-se assim representar o mundo social em forma de um espao (a varias dimenses) construdo na base de princpios de diferenciao ou de distribuio constitudos pelo conjunto das propriedades que actuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor deles, fora ou poder neste universo. Os agentes so assim definidos pelas suas posies relativas neste espao. (...) (p. 133-4)Na medida em que as propriedades tidas em considerao para construir este espao so propriedades actuantes, ele pode ser descrito como campo de foras, quer dizer, como um conjunto de relaes de fora objectivas impostas a todos os que entrem nesse campo e irreductveis s intenes dos agentes individuais ou mesmo s interaces directas entre os agentes. (p. 134)

As propriedades actuantes, tidas em considerao como princpios de construo do espao social, so as diferentes espcies de poder ou de capital que ocorrem nos diferentes campos. (p. 134).

A posio de um determinado agente no espao social pode assim ser definida pela posio que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuio dos poderes que actuam em cada um deles (...) (p. 134).

Pode-se descrever o campo social como um espao multidimensional de posies tal que qualquer posio actual pode ser definida em funo de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variveis pertinentes; os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimenso, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimenso, segundo a composio do seu capital quer dizer,, segundo o peso relativo das diferentes espcies no conjunto de suas posses. (p. 135)

preciso afirmar, contra o realismo inteligvel (ou reificao dos conceitos), que as classes que podemos recortar no espao social (por exemplo, por exigncias da anlise estatstica que o nico meio de revelar a estrutura do espao social) no existem como grupos reais, embora expliquem a probabilidade de se constiturem em grupos prcticos, famlias (homogamia), clubes, associaes e mesmo movimentos sindicais ou polticos. O que existe um espao de relaes o qual to real como um espao geogrfico, no qual as mudanas de lugar se pagam em trabalho, em esforos e sobretudo em tempo (ir de baixo para cima guindar-se, trepar e trazer as marcas ou os estigmas desse esforo). (p. 136-7)

A percepo do mundo social produto de uma dupla estruturao social: do lado objectivo, ela est socialmente estruturada porque as autoridades ligadas aos agentes ou s instituies no se oferecem percepo de maneira independete, mas em combinaes de probabilidades muito desigual (...); do lado subjectivo, ela est estrutura porque os esquemas de percepo e de apreciao susceptveis de serem utilizados no momento considerado, e sobretudo os que esto sedimentados na linguagem, so produto das lutas simblicas anteriores e exprimem, de forma mais ou menos transformada, o estado das relaes de fora simblica. (p. 139-40).

O capital simblico outro nome da distino no outra coisa seno o capital, qualquer que seja sua espcie, quando percebido por um agente dotado de categorias de percepo resultantes da incorporao da estrutura da sua distribuio, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de bvio. As distines, enquanto transfguraes simblicas das diferenas, de facto, e mais geralmente, os nveis, ordens, graus ou quaisquer outras hierarquias simblicas, so produto da aplicao de esquemas de construo que, como por exemplo os pares de adjectivos empregados para enunciar a maior parte dos juzos sociais, so produto da incorporao das estruturas a que elas se aplicam (...) (p. 145)As tomadas de posio polticas num dado tempo (por exemplo, os resultados eleitorais) so tambm produto de um encontro entre uma oferta poltica de opinies polticas objetivadas (programas, plataformas de partidos, declaraes, etc.) que est ligada a toda a histria anterior do campo de produo e uma procura poltica ligada, ela prpria, histria das relaes entre oferta e procura. A correlao que se pode observar num dado momento entre as tomadas de posio sobre este ou aquele problema poltico e as posies no espao social s se pode compreender perfeitamente se se notar que as classificaes utilizadas pelos votantes para fazerem a sua escolha (direita/esquerda, por exemplo) so produto de todas as lutas anteriores e que o mesmo se passa com as classificaes utilizadas pelo analista para classificar no s as opinies, nas tambm os agentes que as exprimem. Toda a histria do campo social est presente, em cada momento, em forma materializada em instituies tais como os servios permanentes de partidos ou de sindicatos e em forma incorporada nas atitudes dos agentes que fazem funcionar estas instituies ou que as combatem (...) (p. 156)A poltica o lugar, por excelncia, da eficcia simblica, aco que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e, sobretudo, grupos. (p. 159).

A REPRESENTAO POLTICA: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DO CAMPO POLTICO

O que faz com que a vida poltica possa ser descrita na lgica da oferta e da procura a desigual distribuio dos instrumentos de produo de uma representao do mundo social explicitamente formulada: o campo poltico o lugar em que se geram, na concorrncia entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos polticos, problemas, programas, anlise, comentrios, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidados comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados esto do lugar de produo. (p. 164)