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opinião análise informação circulação interna) r 286 C4/e)4/2CCC v BRASIL. li ANOS O O sindicalismo na história do Brasil O Flexibilização dos direitos do trabalho O Terceiro setor e economia solidária O Globalização e recomeço da história O A revolução como motor O Uma guerreira contra o racismo Custo unitário desta edição: R$ 2.50

BRASIL. ANOS - cpvsp.org.br · Sindicato dos Previdenciarios de São Paulo ... Sindicato dos Jornalistas de São Paulo Apeoesp de Osasco ... Vereador Miguel (PT Mauá)

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opinião análise

informação

circulação interna)

r 286 C4/e)4/2CCC v

BRASIL. li ANOS

O O sindicalismo na história do Brasil

O Flexibilização dos direitos do trabalho

O Terceiro setor e economia solidária

O Globalização e recomeço da história

O A revolução como motor

O Uma guerreira contra o racismo

Custo unitário desta edição: R$ 2.50

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CIJINZENAN0 28©

CURTAS Internet

A única ccl§a aue temc§ a ccmemcrar §ãc cs cincc §éculc§ úe luta§ e rebeliões üc PC\C ncbre e exnlcraüc !

Através da campanha dos governos e da Rede Globo para a "comemoração" dos "500 anos do Brasil" busca- se mutilar a consciência e a memória popular. Escondem os massacres e a exploração realizados pelos colonizado-' res europeus. Também mentem ao insistir no mito de que o povo brasileiro é " dócil e pacífico".

Mas a verdadeira historia é outra, são os 500 Anos de Resistência Indígena, Negra e Popular através dos quais os explorados e oprimidos desta terra rebelaram-se em levantes, inssureições, quilombos, guerrilhas, greves. É a história de homens e mulheres, Zumbi, Dandara, Antônio Conselheiro, Olga Benário, Edgard Leuenroth, Gêge Mahim, Lamarca, Jõao Cândido, Anita Garibaldi, Marighella, Sepé Tiaraju, entre tantos outros e outras das quais nos orgulha- mos ser descendentes e continuadores de suas lutas.

O Piquete n0 491

Desempreflc -Erasíl é € terceiro O Brasil é o terceiro País em desemprego no mundo, em

números absolutos. É o que mostra uma pesquisa do econo- mista Márcio Pochmann, da Unicamp, com base em dados oficiais de I4l países. Em 1999, segundo o levantamento, o volume de desemprego aberto em todo o mundo foi de 138 milhões de pessoas. O Brasil, de acordo com os dados do IBGE, com 7,7 milhões de pessoas sem trabalho, concentrou 5,61% desse total. Só conseguimos ficar atrás da Rússia, com 9,1 milhões de pessoas sem emprego, e da índia, com quase 40 milhões. Vale lembrar que a índia tem mais de 800 milhões de habitantes e o Brasil 160 milhões.

O levantamento de Pochmann mostra também que, no início dos anos 90, o País ocupava o oitavo lugar no ranking mundial do desemprego. Em 95, subiu para quinto e em 98 atingiu a terceira posição.

Nos últimos 24 anos, o desemprego mundial aumentou de 2,3% da PEA para 5,5%. Nos países desenvolvidos, as taxas cresceram em média 53%. Em outros, o aumento chegou a

200%. No Brasil, nesse período, o índice cresceu 369,4%, pas- sando de 1,73% da PEA, em 1975, para 9,8%, em 1999. Pochmann acredita que a globalização está aumentando a con- centração do desemprego em países pobres, incluindo o Brasil. O economista diz que a pesquisa questiona a tese de que os avanços tecnológicos seriam responsáveis pelo desemprego, já que os países mais afetados pelo problema são justamente os mais atrasados. Inverta

Franceses pedem verba para ensine

Dezenas de milhares de alunos e professores de escolas públicas foram às ruas de Paris para pedir verbas para a Edu- cação. O protesto aconteceu no dia 16 e levou o primeiro ministro ministro Lionel Jospin a anunciar que pretende libe- rar U$ 150 milhões para o ensino público.

Lm anc depois do inicio do bombardeio

Em 24 de março, o povo italiano vai às ruas para protestar contra a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Há exatamente um ano atrás, a OTAN (hegemonizada pelos EUA) iniciava os bombardeios contra a Iugoslávia. Um tribu- nal italiano pretende julgar os crimes cometidos pela OTAN, que atacou sem piedade alvos abertamente civis: zonas urba- nas, fábricas em funcionamento, comboios civis, fora o crimi- noso ataque à Embaixada da China e um míssil que atingiu a Sofia, capital da Bulgária. Trata-se da primeira guerra da histó- ria em que um dos lados não sofreu uma única baixa.

€ M V tem uma páâína na internet

Para quem ainda nãc conhece, c §ite é este:

WWW. Iida$.€rfí.br/cpv/inílex.htm

C D I N Z E N

Expediente

O boletim Quinzena é uma publicação do: CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

Rua São Domingos, 224 - Térreo - Bela Vista CEP 01326-000 - São Paulo - SP

Telefone (011) 3104-7995 Fax (011)3104-3133

O objetivo do boletim é divulgar uma seleção de material informativo, analítico e opinativo, publicado na grande imprensa, partidária e alternativa e

outras fontes importantes existentes nos movimentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação dessas informações, facilitando o debate sobre as questões

políticas em pauta na conjuntura.

Caso você queira divulgar algum texto no Cllinzena, basta nos enviar. Pe- dimos que se atenha a, no máximo, 8 laudas. Textos que ultrapassem este li- mite estarão sujeitos a cortes, por impo- sição de espaço

Equipe do Boletim Quinzena: Luiz Rosalvo Costa, Leonor Marques da Silva, Valdecila Cruz Lima, Renato Samuel Lima.

Ilustrações: Ohi

A única celsa «ue temes a ccmemcrar sãc cs cincc secuies de lutas e rebeliões de neve pebre e explerade! .

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CUINZCNANC 28€

Documento Trabalhadcres

Em defesa dos sindicatos e da democracia Nós, militantes e dirigentes dos sindicatos, de par-

tidos e organizações populares, nos reunimos no Sindicato dos Químicos de São Paulo no dia 13/

12/1999, para discutir a necessidade de unir os esforços dos trabalhadores em defesa dos seus direitos contra a ofensiva da globalização que visa destruí-los.

Há poucos dias, na cidade de Seattle nos EUA, dezenas de milhares de manifestantes protestaram nas ruas aos gritos de "Abaixo a Globalização" e "Abaixo a OMC" , contra a Reu- nião de Cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Convocada pela central sindical norte-americana AFL-CIO, a manifestação Seattle demonstrou a vontade de luta existente entre os trabalhadores, que buscam a unidade internacional para enfrentar os planos dos governos e das multinacionais.

A realização nos dias 11,12, 13 ei 4/02 do ano de 2000, na cidade de San Francisco (Califórnia), da Conferência Mundial Aberta em defesa da Independência dos Sindicatos e Liberdades Democráticas, constituiu-se numa oportunida- de maior para o intercâmbio de experiências de luta entre os trabalhadores de distintos países de todos os continentes e para adoção de iniciativas concretas de luta e ação unitárias e políticas das instituições mutilaterais à serviço das mutinacionais- como o FMI, o BIRD e a própria OMC.

Ao atender à Convocatória lançada por companheiros sindicalistas de San Francisco e de diferentes países e pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores, queremos reafir- mar suas palavras quando ela diz:

Uma das principais preocupações ( é) a crescente ameaça contra a independência das organizações sin- dicais em todos os continentes. Constataram- se as ten- tativas reiteradas da OMC e do FMI de quebrar a força dos sindicatos, buscando integrar os dirigentes sindi- cais em "pactos sociais" e "mesas redondas" com os patrões e governos, os mesmos que destroem nossos empregos, degradam as condições de trabalho questio- nam a própria existência dos sindicatos.

Tais "pactos" estão baseados na idéia que trabalha- dores, empregadores e governantes deveriam reunir-se para encontrar "soluções comuns" (...) Tais "pactos" só podem abrir ainda mais a via para a integração/ cooptação dos sindicatos ao sistema da globalização. As multinacionais precisam desesperadamente disso para evitar levantes sociais de massa que possam ameaçar seus planos antioperários. E necessário organizar uma Conferência Mundial visando a defesa da independên- cia das organizações sindicais - e da própria democra- cia, na medida em que o movimento operário indepen- dente é um pilar essencial de uma sociedade livre e de- mocrática. (...) Devemos unir todos os que se pronunci- am em defesa das organizações sindical a que perten- çam ou de sua tendência política.

(...) Uma resposta mundial unificada é o que mais temem os patrões e seus políticos. E precisamente esta resposta que precisamos forjar. "

Desde a publicação de sua Convocatória, a Conferência de San Francisco vem se preparando sobre a base de campa- nhas intemacionalistas práticas: a defesa das Convenções da OIT contra a onda de desregulamentação de direitos traba- lhistas em curso - em particular a defesa da Convenção 103, que protege a mulher trabalhadora quando gestante e mãe, contra revisão " para baixo"; a campanha para salvar a vida do militante negro norte-americano Múmia Abu-Jamal; o apoio à iniciativa de se realizar um Tribunal Internacional para julgar os responsáveis pela terrível situação atual existente na África (que se realizará em Los Ageles, também na Califórnia, uma semana antes da Conferência de San Francisco.

Neste 13 de dezembro de 1999, em São Paulo, nosso Ato também manifestou seu repúdio ao assassinato dos compa- nheiros Beto e Jurandir do MST, que completa um ano, reite- rou a exigência de punição dos responsáveis por este crime contra o conjunto do movimento dos trabalhadores.

Neste 13 de dezembro de 1999, em São Paulo nosso Ato tem o significado de apoiar constituição de uma ampla e representativa delegação brasileira à Conferência de San Francisco, o que implica o compromisso assumido em co- mum por todos os participantes de contribuir financeiramente com esta delegação, divulgando os materiais preparatórios juntos a todos os setores interessados, dando assim sua con- tribuição para forjar a unidade dos trabalhadores e suas or- ganizações em defesa da independência dos sindicatos e das liberdades democráticas.

Antônio Carlos Spis, Diretor Executivo CUT Nacional Júlio Turra, Diretor Executivo CUT Nacional Roque José Ferreira, Federação Nacional de Trabalhadores

sobre os Trilhos (CUT) Teresa Lajolo, pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores

Entidades representadas Sindicato dos Professores da Região do ABC (Sinpro-ABC) Sindicato dos Professores de Osasco Sindicato dos radialistas de São Paulo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais São Paulo (Sindsep) Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsef-SP) Federação Nacional dos Fiscais da Previdência (Fenafisp) Sindicato dos Ferroviários de Bauru e Mato Grosso Sindicato dos Químicos de Osasco Sindicato dos Previdenciarios de São Paulo (Sinsprev) Sindicatos dos Petroleiros de São Paulo (Sindipetro) Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp) Sindicato dos Jornalistas de São Paulo Apeoesp de Osasco Oposição Sindical no Sindicato Judiciário de Campinas Vereador Miguel (PT Mauá) MST da Fazenda Santa Rita Fórum de Saúde do Campo Limpo UPES, UEE CA História-USP UMES Franco da Rocha PT Guarulhos PT Baixada Santista PT Franco da Rocha PT Guaianazes-capital PT Santa Cecília-capital PT Campo Limpo-capital □

A única ccísa aue temes a eememerar sãe es eínee sécules de lutas e rebeliões de PCVC pebre e explerade!

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CUINZENAN" 286

Trabalhadores PUC viva Revista - dez. - 99- n07

A presença do sindicalismo na história política do Brasil

Armando Boito Jr.

A revista PUCviva solicitou-me, para a edição sobre os 500 Anoí, um texto sobre o sindicalismo na história do Brasil. O tema é vasto, e é claro que

qualquer ambição de tratar um conjunto muito grande de proble- mas contidos em tal tema seria inútil, dados os limites de espa- ço da revista e de conhecimento deste autor. Há, contudo, um ponto interessante a ser considerado e sobre o qual pretendo dizer algumas palavras. Refiro-me à intervenção da luta sindi- cal na história política do País. Farei isso, já que se trata de um balanço do "aniversário de 500 anos", dando ao leitor algumas indicações dos debates e dos autores que trataram do tema. O espaço, contudo, me impede de dar muitas indicações e de apresentar as referências bibliográficas completas.

Existe uma concepção da história do Brasil que omite sistematicamente a intervenção dos trabalhadores no proces- so histórico nacional. Essa concepção aparece em diferentes versões. Uma primeira versão, de motivação conservadora e elitista, que consiste em abordar os acontecimentos da histó- ria nacional, como a Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 1930, o fim da ditadura militar e outros, ocul- tando, pelo silêncio ou pela negação explícita, a importância da interferência dos trabalhadores na definição dos rumos de tais processos políticos. Outra versão, de motivação distinta, que subjetivamente pode, eventualmente, ser até simpática aos trabalhadores, é aquela que analisa as condições de vida, as formas de organização e a luta dos trabalhadores ou, mais recentemente, seus hábitos e suas práticas culturais, separa- damente das transformações políticas e sociais pelas quais o Brasil passou ao longo de sua história. Faz-se uma história dos trabalhadores separada da história do Brasil. Esses dois modos de omitir a presença dos trabalhadores na história nacional podem até se fundir, dando origem a uma terceira vertente. De conteúdo aparentemente crítico e progressista, essa terceira vertente, marcada por um forte pessimismo, não só silencia ou nega a intervenção dos trabalhadores nas transformações pelas quais o Brasil passou, como tende a apresentar tais transformações como quimeras: a Independên- cia teria sido um mero acerto entre membros da família real, a República um golpe de Estado, a Revolução de 1930 expres- são de uma "dissidência oligárquica", o fim da ditadura, resul- tado da política de abertura do general Figueiredo etc. Numa história marcada por mudanças fictícias, seria mesmo melhor que os trabalhadores se mantivessem afastados dessa comé- dia. Esses enfoques são, historicamente, incorretos e, politi- camente, prejudiciais ao movimento operário e popular.

Essa corrente tem algo em que se apoiar, mas apresenta um enfoque unilateral. O Brasil transitou para o capitalismo fazendo economia de uma revolução burguesa à moda fran- cesa. Isso teve implicações que marcam, profundamente, a vida econômica, política e social do País. Tivemos a formi- dável ruptura que significou a abolição da escravidão, mas não tivemos, aqui, a reforma agrária - e a luta do MST está aí para comprovar a importância e a atualidade dessa questão. No início do século XIX, a administração colonial portugue- sa foi substituída por um Estado nacional e, já no século XX, a Revolução de 1930 permitiu que se desencadeasse um pro-

cesso de industrialização e expansão dos direitos sociais, mas a economia brasileira permaneceu dependente - e o agravamento recente dessa dependência realçou essa verdade - e a expansão dos direitos sociais não chegou a moldar um Estado de bem-estar no Brasil. Alguns marxistas brasileiros, como João Quartim de Moraes, J. Chasin e Carlos Nelson Coutinho, utilizaram conceitos como os de "via prussiana", "capitalismo hipertardio" e "revolu- ção passiva", para indicar essa transformação (limitada) sem re- volução. Mas o fato é que entre, de um lado, o Brasil de hoje, organizado por um Estado nacional, industrializado e regido por uma política democrático-burguesa, e o Brasil de ontem, colonial, agrícola e escravista, a diferença é de qualidade.

0 sindicalismo brasileiro nasceu fazendo política E claro que, sendo nosso tema o sindicalismo, não podemos

travar essa polêmica tomando como referência o conjunto da his- tória do Brasil. Temos de restringir nossa análise ao período em que os trabalhadores livres assalariados, e principalmente a classe operária, já constituem o principal setor das classes trabalhado- ras. Os trabalhadores livres assalariados não existem há muito tempo no Brasil. Até o quarto século de nossa história, a econo- mia brasileira baseava-se no trabalho escravo. Ligada à exporta- ção de café desenvolveu-se, já na segunda metade do século 19, uma nova classe média urbana - trabalhadores do comércio, de escritório, de atividades culturais etc. -, mas toda a economia exportadora girava em torno da escravidão. Após a Abolição, cres- ceu o trabalho assalariado na indústria e também nos serviços urbanos. Mas é preciso lembrar que a indústria brasileira era, até a Primeira Grande Guerra, uma atividade econômica secundária e estava localizada em poucos centros urbanos. No vasto interior do País, nas fazendas, ainda dominava a figura do trabalhador que se encontrava pessoalmente subordinado ao proprietário da terra - o antigo colono, nos cafezais de São Paulo, o agregado ou o morador nos canaviais do Nordeste etc. Ora, o escravo não organiza sindicatos. Alguns historiadores utilizam, impropriamente, o termo negociação para se referir a alguns tipos de luta entre escravos e senhores. É certo que os escravos lutaram. Num pata- mar inferior, tínhamos, de fato, pressões difusas dos escravos sobre os fazendeiros, e, num patamar superior, rebeliões e fugas. Mas, mesmo quando dessas pressões difusas e dessas rebeliões resultaram concessões dos fazendeiros, não é correto falar em negociação entre trabalhador e proprietário. O trabalhador só pode negociar as condições de sua própria exploração com os proprie- tários dos meios de produção, negociação que é o que caracteriza o sindicalismo, quando esse trabalhador é reconhecido como ci- dadão, dotado de direitos civis plenos, o que não ocorre (por definição) na escravidão, e só ocorre de modo parcial no caso dos camponeses dependentes.

O sindicalismo no Brasil nasce, então, com o trabalhador livre e, principalmente, com o trabalhador livre manual, empregado na indústria. Foi a abolição da escravidão que abriu caminho para o sindicalismo. No período imediatamente posterior à Abolição e à Proclamação da República, a ação de tipo sindical dos trabalhadores já está presente. Estudos de Francisco Foot Hardman, Victor Leonardi e Marcus Vinícius Pansardi mostram o forte vínculo existente, na última década do século passado, entre esse movi-

\ única ccísa aue temes a ccmemcrar são cs cíncc séculcs de lutas e rebeliões de PCVC nebre e explcradc!

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QUINZENA N" 2S6

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mento sindical incipiente e os acontecimen- tos políticos de então. Os primeiros anos da República são marcados por diversos con- flitos entre as classes dominantes. De um lado, conflitos entre as correntes republica- nas que tinham assumido o poder e as cor- rentes monarquistas que chegaram a ence- tar ações restauradoras, e, de outro lado, conflitos no interior das correntes republi- canas, dividindo os partidos oligárquicos re- gionais, ligados aos fazendeiros e ao grande comércio exportador, e a instituição militar, cuja base política era composta por parte dos trabalhadores urbanos. Esses conflitos deram um grande impulso ao sindicalismo e ao movimento popular urbano. Parte da ofi- cialidade do Exército, principalmente na ci- dade do Rio de Janeiro, procurou, como mostrou também o historiador José Murilo de Carvalho, estabelecer uma aliança com os trabalhadores, para manter-se como for- ça governante, contra restauradores e oligarcas. Com a ascen- são dos presidentes civis e o estabelecimento da chamada po- lítica dos governadores, reunificou-se o campo das classes do- minantes, e os trabalhadores e o sindicalismo perderam espaço no processo político nacional.

0 anarco-sindicalísmo despolitizou o movimento sindical

Ao longo da República Velha (1894-1930) e, principalmen- te, até o início dos anos 20, o movimento sindical foi dominado pela ideologia anarco-sindicalista, um amálgama do anarquismo com o sindicalismo, que propugnava o abstencionismo políti- co dos trabalhadores. O anarco-sindicalismo predominava e era mais forte em São Paulo, no setor industrial. No Rio de Janeiro, havia, como mostrou Lígya Osório, uma tendência sindical, menos representativa é verdade, de tipo tradeunionista, ligada principalmente aos trabalhadores das ferrovias e do por- to. A Confederação Operária Brasileira era controlada pelos anarco-sindicalistas.

Há uma longa discussão entre os historiadores sobre as ra- zões de ter dominado no Brasil a orientação anarco-sindicalista. A explicação mais antiga, e de inspiração conservadora, atribuía tal orientação à origem imigrante da classe operária. O "anarquismo" seria uma "planta exótica", contrabandeada pelos imigrantes para um país pacífico como o Brasil. Essa explicação foi rejeitada pela pesquisa historiográfica. Talvez a explicação mais consistente seja aquela lançada por Azis Simão, retomada e desenvolvida por Sílvia Magnani. Tal explicação valoriza o fato de a classe operária estar excluída do sistema político (o voto urbano pouco significava devido ao fato de o voto de cabresto, o bico de pena e a Comissão de Verificação dos Poderes decidirem o resultado das eleições) e isolada das demais classes populares (a massa camponesa encontrava-se dispersa e sob controle dos fazendeiros, a classe média urbana estava embuída do duplo pre- conceito contra o imigrante e contra o trabalhador manual, afinal mal saíramos da escravidão). Essa exclusão e esse isolamento podem ter levado os operários fabris a desacreditarem da políti- ca e a, com seu abstencionismo, legitimarem, ainda que a contrapelo, o elitismo da democracia oligárquica.

O número de trabalhadores assalariados e o potencial do sindicalismo cresceram com a industrialização que se acelerara

Nc perícdc pcstericr â

Abdiçâc e à Preclamaçâe da

Pepública, a açâe sindical dcs

trabaihadcres já está presente.

Estudes mestram e forte vincule entre

e mevi mente sindical e es

acenteci mentes pelítices de

entãe.

Ticibcilliciclcres durante a Primeira Guerra Mundial. A greve geral de 1917, em São Paulo, está ligada a esse surto industrial. Na década de 1920, a vinculação entre a história política do País e o movimento sindical voltaria a se evidenciar. Ago- ra, não só uma nova conjuntura de crise entre os de cima favoreceu o movimento operário e sindical, como também esse movimento teve um papel importante, ainda que de modo parti- cular, na solução dessa crise.

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1930: o sindicalismo intervém no processo de revolução burguesa

A Revolução de 1930 não foi um mero golpe de Estado. Apresentada como tal pela antiga direção do PCB e por parte dos histo- riadores, como o historiador Edgar de Decca, ou como uma mera dissidência oligárquica, tal qual 1930 aparece nos trabalhos de Boris Fausto, esse movimento tem sido redimensionado pela pesquisa mais recente

na história e na ciência política, pesquisa que, na verdade, revaloriza e desenvolve, com enfoques e métodos novos, algumas teses que já estavam presentes em Nelson Wemeck Sodré, Celso Furtado e ou- tros. A Revolução de 1930 pode ser vista como parte do processo de revolução burguesa no Brasil. A revolução política burguesa é um processo prolongado. Seu ponto de partida foi, como demonstrou Décio Saes, a ruptura no Estado brasileiro provocada pela Abolição e pela República surge, então, no Brasil, um Estado baseado no direito (formalmente) igualitário burguês com instituições políticas (formalmente) universalistas. Esse é o tipo de Estado necessário para a difusão das relações de produção baseadas na exploração do trabalho livre, isto é, capitalista. A Revolução de 1930 deve ser situ- ada nesse processo porque, ao encerrar a hegemonia da grande bur- guesia ligada ao comércio de exportação e importação, deu novo impulso ao desenvolvimento do Estado e da economia capitalista no Brasil: ela ampliou a cidadania, com o desenvolvimento dos direitos políticos e sociais, unificou o mercado nacional e desencadeou o processo de industrialização, permitindo a constituição das forças produtivas especificamente capitalistas no Brasil.

O sindicalismo foi parte integrante desse processo. A crise política de 1930 possibilitou um rápido crescimento do movi- mento sindical. Ao lado do anarco-sindicalismo e do tradeunionismo surgira, em 1922, o Partido Comunista do Bra- sil. O movimento tenentista buscou, nos mais variados pontos do País, em São Paulo, no Estados do Nordeste e no Sul, apoio nos trabalhadores, e particularmente no sindicalismo, para ven- cer a resistência da velha burguesia mercantil ao avanço da Re- volução. Trabalhos já antigos, como os de Edgard Carone e Maria Hermínia Tavares de Almeida, e principalmente alguns trabalhos recentes, como os de Cláudio Cavalcanti, Brasília Carlos Ferreira, Ângela Carneiro de Araújo e outros, evidenci- am essa frente entre tenentismo e sindicalismo, seja no momento da deposição de Washington Luiz, seja no de consolidação do novo poder. Como demonstrou de modo pioneiro Virgínio Santa Rosa, a pressão difusa das massas urbanas na década de 20 é o pano de fundo do movimento de 1930 e, acrescentamos nós, justamente por ter se tratado de uma pressão difusa, isto é, sem direção parti- dária e programa político próprios, o governo Vargas pôde implan- tar direitos sociais e legislação de fábrica limitados, de modo gradativo e segmentado, e, ademais, apresentar essa legislação como se fos- se uma doação do Estado aos trabalhadores.

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QUINZENA Nc 286

A Revolução de 1930 não realizou a reforma agrária, proposta que era defendida pela ala esquerda do movimento tenentista, não rompeu com o imperialismo, embora tivesse ampliado o controle do Estado nacional sobre a economia do País e ampli- ado sua autonomia no cenário internacional, e tampouco logrou implantar um Estado de bem-estar - os trabalhadores rurais, que compunham a maioria da população economicamente ativa até os anos 50, ficaram excluídos dos direitos sociais e tra- balhistas. Porém, ela iniciouoim processo de ampliação dos direitos sociais e criou condições para ampliar a democracia burguesa no Brasil, como se viu no período 1945-1964. É importante repetir que o sindicalismo dos trabalhadores urba- nos e, em primeiro lugar, o sindicalismo operário foi um dos agentes dessa transformação.

Há outras transformações na história política do Brasil con- temporâneo que são incompreensíveis se deixarmos de lado o papel desempenhado pelos sindicatos. Refiro-me a transforma- ções reacionárias, como o golpe militar de 1964, que foi apresen- tado pelos próprios golpistas como uma medida preventiva con- tra a implantação de uma suposta "República Sindicalista". O simples fato de o sindicalismo ser apresentado como motivo do golpe já é um indicador da sua presença na história política do Brasil no período da democracia populista.

Sindicalismo acuou a ditadura militar e contribuiu para o surgimento de uma nova esquerda no Brasil

As relações complexas do sindicalismo brasileiro com os go- vernos populistas é tema de grandes polêmicas na bibliografia. Esse debate gira em torno de alguns temas como a natureza da política varguista, a força real desse movimento sindical, sua dependência frente aos governos populistas, seu apego à estru- tura sindical corporativa de Estado, a amplitude e importância dos movimentos de base, "espontâneos", e outros. Há inúmeros debates sobre esses pontos, envolvendo autores como Luis Wemeck Vianna, Francisco Weífort e Leôncio Martins Rodrigues. Eu próprio intervim nessas polêmicas, publicando trabalhos so- bre o populismo e a estrutura sindical. Alguns cientistas sociais e historiadores de Campinas e do Rio de Janeiro estão, atualmente, retomando, de modo polêmico, essas questões - Paulo Fontes, Fernando Teixeira da Silva, Marcelo Badaró Mattos, Daniel Aarão Reis e outros. Não entraremos nesses temas neste nosso rápido apanhado. Passaremos à discussão do papel desempenhado pelo sindicalismo na luta pelo fim da ditadura militar.

Aqui nos deparamos, de novo, com um fator econômico- social e quantitativo: o crescimento industrial induzido pelos governos militares e suas repercussões nas classes trabalhado- ras. Há um interessante livro de Duarte Pereira, intitulado O Perfil da Classe Operária, que mostra o crescimento do ope- rariado industrial ao longo da década de 1970. Esse crescimen- to teve como "carrochefe" a indústria automobilística concen- trada no ABC paulista. Alguns autores, analisando a liderança sindical emergente no ABC, em meados da década de 1970, diagnosticaram que essa liderança se endereçaria para uma ação sindical de tipo norte-americano: negociação dura, setorial, e combinada com despolitização. Maria Hermínia Tavares de Almeida foi uma das que apresentou, então, esse diagnóstico. No final da década, já com uma perspectiva histórica mais ampla, propiciada pelas primeiras greves que surgiam no ABC, John Humprhey polemizou com essa tese, e insistiu que, se os operários do ABC possuíam uma situação diferenciada frente ao restante do operariado brasileiro, eles eram, tal qual o res- tante da massa proletária, oprimidos pelo mesmo regime políti- co e pela mesma política econômica e social, o que estava le-

li«ih<illi<Hlii<k\ vando à radicalização e à politização do movimento sindical que res- surgia, depois de um longo hiato, como movimento sindical de massa.

É interessante relembrar como as coisas se passaram, para compreender como a crise da ditadura facilitou o ressurgimento da luta sindical de massa e, por sua vez, como essa luta tomou iifeversível, até onde se pode falar em irreversibilidade na políti- ca, a crise da ditadura militar. A liderança emergente do ABC surgiu falando em livre-negociação e defendendo a separação entre sindicalismo e luta política. Não se tratava de um retomo ao anarco-sindicalismo, uma pregação doutrinária sobre o cará- ter necessariamente burguês da atividade política, mas sim de uma atitude que consistia em menosprezar a importância da po- lítica na solução dos problemas dos trabalhadores. Livre-negoci- ação, apoliticismo e base social nos trabalhadores qualificados do setor mais moderno da indústria: parecia que o ABC caminha- va, de fato, para um sindicalismo de tipo norte-americano.

Desde o fim do "milagre econômico" e da derrota da luta armada, o partido burguês de oposição, o MDB, adotara uma linha mais crítica frente à ditadura militar. Parte da grande im- prensa também passou a refletir as insatisfações de setores da burguesia nesse ambiente de fim do "milagre". Tanto a ação do MDB quanto a atitude da imprensa favoreceram, de maneiras variadas, a retomada do movimento sindical. Quando, porém, o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo sentiu-se forte para organizar sua primeira greve, em 1979, a reação da ditadura mi- litar, de um lado, e do movimento popular, de outro, politizaram aquele sindicalismo. A ditadura reagiu com uma repressão dura e violenta. A greve só pôde se manter graças ao apoio dos mais variados movimentos populares e democráticos de todo País - movimento contra a carestia, movimentos de bairro, movimento pela anistia e outros. Processou-se, então, uma virada na orienta- ção do sindicalismo do ABC.

A proposta de livre-negociação verificou-se uma quimera sob a ditadura: esta não admitia nenhum tipo de sindicalismo - nem mesmo o de tipo norte-americano. A idéia de agir sozinho, dispensando alianças e frentes políticas, revelou-se inviável: não fosse o apoio ativo do movimento popular e a conivência da imprensa burguesa e de um setor representativo do MDB, a greve de 1979 não teria alcançado a duração e o impacto que alcançou. A partir de então, o sindicalismo do ABC inscreve, gradativamente, a luta contra a ditadura na sua ação e no seu discurso, aproxima-se dos movimentos populares e lança a pro- posta da criação de um Partido dos Trabalhadores e, pos- teriormente, da CUT. Nesse processo, aquilo que ficou conheci- do como novo sindicalismo, se espraiou, ganhando amplos e novos setores das classes trabalhadoras, inclusive amplos seto- res das classes médias que debutaram no movimento sindical, como mostram os trabalhos de Décio Saes, Maria da Glória Bonelli, Márcia Maria Moreira Corsi Fantinatti, Patrícia Vieira Trópia, Silvana Soares de Assis e outros. Foi, portanto, o pro- cesso político, além de outros fatores subjetivos como a ação de correntes marxistas e de parte da Igreja Católica, fatores esses que não podemos analisar aqui, que definiram o rumo do sindicalismo de São Bernardo.

Essa nova força social, representada pelo par PT/CUT, será um da dado novo na conjuntura, elevando a crise da ditadura militar para um patamar superior. Nem mesmo a campanha das diretas pode ser entendida sem a criação dessa nova força social no cenário político nacional. De novo, o comportamento do mo- vimento sindical apresentou-se vinculado ao processo político do País e influenciou, de modo decisivo, o desdobramento dos acontecimentos políticos. A ação do movimento sindical foi um fator fundamental na crise e na superação da ditadura militar.

A única de lutas e rebeliões de ucve pobre e expicrade!

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A própria força po- lítica e eleitoral de- monstrada pela candidatura Lula em 1989 é incompreen- sível se não levarmos em conta a ação do mo- vimento sindical. A ação da CUT ao longo da década de 1980, e particularmente as cin- co greves gerais de protesto que organizou, reunindo milhões de trabalhadores de quase todos Estados do País, contribuiu, de modo decisivo, para demar- car um campo demo-

crático e popular e evidenciar, para grande parte dos trabalhado- res, o caráter antipopular da política do Estado brasileiro. É claro que, também aqui, é necessário apontar os limites dessa trans- formação. A estrutura sindical corporativa de Estado, a decapita- ção da esquerda durante a ditadura, o economicismo da liderança emergente de São Bernardo, economicismo do qual essa lideran- ça não se libertou nem mesmo depois de ter criado o PT ,esses e outros fatores permitiram que a ditadura fosse substituída, sob controle da burguesia, por uma democracia burguesa restrita que não tocou no arcaísmo da estrutura econômica e social do Bra- sil. As condições de vida dos trabalhadores na atualidade são uma prova eloqüente de que, mais uma vez, as classes populares não lograram assumir o controle do processo de mudança. Dian- te dessa limitação do processo de mudança, recorrente na histó- ria do Brasil como estamos vendo, talvez se deva falar numa "história lenta", mas não em algo paradoxal como uma "história parada", na qual as lutas políticas seriam meras encenações, e nem mesmo em algo como uma "história paralela", em que as transformações políticas, de um lado, e a vida e a luta dos trabalhadores, de outro, nunca se tocariam.

A defensiva do sindicalismo nos anos 90 Ao longo dos anos 90, o sindicalismo brasileiro tem estado

numa posição defensiva - pouco pode fazer além de tentar, sem muito sucesso, rechaçar o assédio do inimigo às suas antigas conquistas. O principal responsável por essa situação foi um acontecimento político: a vitória de Fernando Collor de Melo na eleição presidencial de 1989, vitória que deu início à "era neoliberal" no Brasil.

A política econômica e social do neoliberalismo consiste em desmontar a pouca proteção que existe para o trabalhador e para a economia nacional - abertura comercial e desregulamentação financeira, privatização das empresas e ser- viços públicos, desregulamentação do mercado de trabalho e redução dos gastos e dos direitos sociais. Não há espaço para demonstração, mas é possível argumentar que essa política aten- de, fundamentalmente, os interesses do capital financeiro inter- nacional, que ganha com todas as medidas da política neoliberal que arrolamos acima, e os interesses da grande burguesia inter- na, principalmente o grande capital bancário, que ganha com a maioria das medidas arroladas. Como conseqüência da aplica- ção do programa neoliberal, a economia brasileira tem oscilado, ao longo dos anos 90, entre o crescimento baixo e a recessão.

Trabalhadcres a política de juros está voltada para o estímulo da acumulação financeira, o desemprego atingiu um patamar inaudito na história do Brasil e houve um nova vaga de reconcentração da renda. Segundo o Ipea, na década de 1960, quando a renda já era muito concentrada no Brasil, os 50% mais pobres da população detive- ram, como média anual, 18% da renda nacional; na década de 1970, a parcela da renda apropriada pelos mais pobres caiu para 15% e na década de 80 para 14%. Os governos neoliberais conseguiram jogar a renda dos mais pobres ainda mais para bai- xo. Entre 1990 e 1996, a média foi de 12% da renda apropriada pelos 50% mais pobres. O fato de, ao longo dos dois primeiros anos do Plano Real, ter havido uma pequena e efêmera melhoria nos termos da distribuição da renda foi usado, indevidamente, como propaganda pelos neoliberais. Porém, como evidenciam os dados disponíveis para 97, esse acidente foi passageiro e não alterou a tendência concentradora da década do neoliberalismo.

São inúmeros os fatores econômicos e sociais que contri- buíram para colocar o sindicalismo brasileiro na defensiva. A maio- ria deles está ligada, de um modo ou de outro, à aplicação da política neoliberal no Brasil. O desemprego intimida o trabalhador, e esse desemprego afetou, de modo marcante, dois dos setores mais ati- vos do sindicalismo brasileiro nos anos 80 - os metalúrgicos do ABC e os bancários. Hoje, no ABC, há pouco mais da metade do número de metalúrgicos que havia nos anos 80, e no setor bancário já foram suprimidos, ao longo da década de 90, cerca de 500 mil postos de trabalho. Outro setor muito ativo do sindicalismo na década de 80, os funcionários públicos, tam- bém entrou em declínio: o Estado, que os governos neoliberais querem reduzir ao mínimo, não contrata mais, tendo passado, na verdade, a demitir. Ademais, no plano ideológico, o funcio- nalismo público foi colocado na defensiva - os governos neoliberais lograram identificar o funcionário público com uma casta privilegiada, os "marajás". O pano de fundo das situações apontadas acima é a desindustrialização provocada pela política neoliberal, fenômeno estudado por autores como Luciano Coutinho, e o declínio dos direitos sociais e dos serviços públi- cos. Um outro setor poderoso do sindicalismo, os petroleiros, foi vencido com o recurso à repressão - na greve nacional de 1995, o governo FHC determinou a ocupação das refinarias pelas Forças Armadas e o Judiciário impôs multas impagáveis aos sindicatos em greve.

Mas a defensiva do movimento sindical decorre, também, dos remanejamentos políticos ocorridos no interior Ha burgue- sia brasileira e das mudanças no cenário internacional. Durante os anos 80, a burguesia brasileira estava dividida politicamente: primeiro, dividiu-se na crise da ditadura, depois, na querela so- bre a estratégia de política econômica, pois que a burguesia industrial relutou em abrir mão do desenvolvimentismo e aderir ao neoliberalismo. Havia um partido burguês de oposição à di- tadura militar e, nos trabalhos da Constituinte, os sindicalistas puderam contar com os votos de partidos burgueses para constitucionalizar direitos trabalhistas e sociais, medidas de pro- teção ao mercado interno e de preservação de monopólios do Estado. Hoje, os partidos de esquerda e as centrais sindicais estão isolados no Congresso Nacional, e todos partidos bur- gueses votam a favor das reformas neoliberais. No cenário in- ternacional, as mudanças foram igualmente desfavoráveis aos trabalhadores e ao sindicalismo. Os EUA aparecem sozinhos como superpotência política e militar, recuperaram sua econo- mia, e podem, graças também à desagregação da antiga URSS, agir livremente no cenário internacional. Hoje, o imperialismo norte- americano, agindo diretamente ou através de agências como o FMI e

A única ccísa ciue temes a cememerar $ãe cs cínce sécules de lutas e rebeliões de neve pebre e expleradc!

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Trabalhadores

o BID, tutelam a política econômica e social dos países periféricos. Além da situação nacional e internacional objetivamente des-

favorável para a luta dos trabalhadores, o sindicalismo foi enfraquecido pela adesão da central Força Sindical a parte da plataforma neoliberal e pela nova linha sindical da CUT. Por iniciativa própria e por influência da Igreja Católica e da Soci- al-democracia, instituições cuja orientação caminhou para a direita do espectro político ao longo dos últimos anos, a cor- rente majoritária da CUT, a Articulação Sindical, fez a central adotar o chamado sindicalismo propositivo, que deprecia a ação sindical de massa e nutre a ilusão de que é possível, com base em propostas tecnicamente bem elaboradas, convencer o governo e os empresários da necessidade de introduzir mudanças na política eco- nômica. O sindicalismo propositivo multiplicou os fóruns tripartites (governo, empresários e sindicatos) mas não logrou, ao longo de toda a década de 90, apresentar resultados palpáveis para os trabalha- dores. A CUT acabou enredando-se numa atuação contraditória e hesitante frente ao neoliberalismo. Apenas agora, em 1999, a direção da central dá alguns sinais de que poderá rever a estratégia propositiva.

0 sindicalismo no segundo governo FHC A reflexão que poderíamos deixar em aberto, seguindo essa

proposta de pensar as relações entre o movimento sindical e a história política do País, seria a questão de saber se há uma modificação importante na situação política dos anos 90 nesta conjuntura curta do segundo mandato de FHC.

Há muitos elementos novos neste final de década que podem vir a configurar uma fase de declínio do neoliberalismo brasileiro: as sucessivas crises cambiais que levaram à desvalorização do real, o agravamento dos conflitos na própria base política do governo, a queda de popularidade de FHC, o crescimento do MST e o ressur- gimento, ainda tímido, de greves e de demonstrações de massa de âmbito nacional. No plano internacional, também surgem alguns sinais alvissareiros: a formação do governo Chávez na Venezuela e o crescimento da luta guerrilheira na Colômbia. Como essa nova conjuntura poderá influenciar o sindicalismo? De que modo o sindicalismo poderá intervir para, valendo-se de uma eventual crise

política, contribuir para que a solução da crise seja a mais favorável possível para os trabalhadores brasileiros?

O movimento sindical deve estar atento, nessa conjuntura, para o papel muito importante que tem desempenhado a luta dos trabalhadores cujas vidas foram transtornadas pelo neoliberalismo. Essa parte da população está mostrando que é sensível às pro- postas de ação direta: os que foram despedidos de seu emprego, despejados da residência que alugavam ou impedidos de traba- lhar no setor informal (perueiros, camelôs) engrossaram a ação do MST na ocupação de terras e começam a ocupar edifícios vagos para utilizá-los como moradia. O governo FHC tem fica- do na defensiva política e ideológica diante dessas ações. O mesmo governo que está forte e é arrogante diante da luta sindi- cal, vê-se em situação embaraçosa diante dessas novas lutas sociais. Se em períodos anteriores de nossa história, o sindicalismo pôde valer-se da expansão industrial e do crescimento do setor público, no período atual, marcado pela desindustrialização e pela retração do Estado, o sindicalismo deve aliar-se às novas lutas dos desempregados por moradia, por terra e emprego, lu- tas que são frutos da política neoliberal.

Se o sindicalismo influenciou a história política do País, é de se esperar que possa influenciar também o presente. Outra ques- tão é saber se ele, agindo com os partidos de esquerda e com os novos movimentos populares (MST, Movimento de Moradia, luta dos trabalhadores do setor informal), será capaz de romper com o padrão que essa intervenção tem apresentado até aqui. De fato, vimos que a presença do sindicalismo na história políti- ca do Brasil foi, sempre, uma presença "indireta". Ela foi eficaz para desestabilizar regimes e governos, mas incapaz de vincu- lar-se a forças políticas de esquerda, reformistas ou revolucio- nárias, que lograssem dirigir os processos de transição. É certo que a mudança desse padrão não depende apenas, e talvez nem fundamentalmente, do sindicalismo. Mas, no aniversário dos 500 anos, essa é outra questão que nos desafia e interroga. □

Armamlo Boi Io Jr. é estudioso do movimento operário e professor do Departamento de Ciência Politica da Vnicanw. Acaba de lançar o livro

Política Neoliberal e Sindicalismo no Brasil, editora Xamâ. SãoPaulo/ 99.

Jornal dos Economistas-jan./2000- n0129

Flexibilização dos direitos sociais do trabalho: no máximo, uma profissão de fé

Cláudio Salvadori Dedecca

No final de 1999, o ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, com apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso, declarou à imprensa que envia-

ria proximamente ao Congresso Nacional uma proposta de flexibilização do artigo 7o da Constituição. O principal objetivo da proposta seria permitir que os direitos inscritos no referido artigo possam ser "flexibilizados" através de negociação coletiva. A in- tenção de realizar essa modificação está presente desde o início do primeiro mandato de Fernando Henrique, tendo o ministro do Trabalho da época declarado inúmeras vezes seu apoio. Para me- lhor entender a proposta do governo, é importante apresentar, mesmo rapidamente, a evolução de sua posição sobre o tema ao longo dos últimos cinco anos.

No primeiro ano de governo Fernando Henrique Cardoso argumentou recorrentemente que o mercado de trabalho no Brasil tinha uma boa capacidade de geração de novas ocupações, porém em sua maioria de má qualidade. Relacionava essa característica à dinâmica da negociação coletiva que, segundo a posição oficial, induz o acomodamento dos sindicatos, comprometendo, em conse-

qüência, a possibilidade de maior envolvimento dos trabalhadores com o desempenho da empresa. Assim, o governo defendia a altera- ção dos artigos 8o (referente à regulação da estrutura, do direito e da contribuição sindical) e 9° (que regula o direito de greve). O govemo argumentava que maior liberdade sindical só poderia ser exercida se fosse possível uma maior negociação dos direitos previstos no artigo 7o (13'J salário, férias, descanso semanal remunerado, licença materni- dade e outros). Esse discurso foi progressivamente abandonado pelo governo, a partir do início de 1997, pois o crescimento do desempre- go, manifestado inclusive pelo temor da população (medido nas pes- quisas de opinião pública contratadas pelo Palácio do Planalto), explicitou a gravidade do problema do emprego. A politica implementada pelo govemo tinha como uma de suas conseqüências a baixa geração de postos de trabalho.

A partir de meados de 1997, frente a impossibilidade de continuar sustentando sua proposta na idéia de que o nível de de- semprego tenderia a ser baixo, o governo passa a relacionar a flexibilização do artigo 7o à necessidade de se alterarem os artigos 8o e 9o, com o objetivo de ampliar a liberdade sindical e o campo da nego-

A única ccísa aue temes a cc memorar são es cinco séculos de lutas e rebeliões do novo pobre e explorado!

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ciação coletiva. Argumentava, inclusive, que essa proposta ia ao encontro do interesses do movimento sindicai, que historicamente reivindica o fim do padrão de regulação das relações de trabalho herdado do período getulista. Essa posição buscava apoio no dis- curso dos segmentos mais combativos do movimento sindical brasi- leiro. A ausência de qualquer projeto unitário entre as centrais aca- bou também por dificultar a legitimação da proposta. O governo aca- bou por não encontrar o respaldo esperado entre o movimento sindi- cal, necessário para encaminhar a proposta ao Congresso Nacional.

Diante das dificuldades de negociação junto ao movimento sindical, o atual ministro do Trabalho, no primeiro semestre de 1999, declarou o desmembramento da proposta e a intenção de fazer uma alteração restrita e direta do artigo 7°. No final do ano, informou que estaria enviando o projeto para apreciação do Congresso Nacional, abandonando, dessa forma, a negociação via os atores sociais dire- tamente envolvidos. A posição do governo baseia-se no argumento de que os direitos inscritos no artigo?" induzem uma segmentação dos trabalhadores brasileiros entre cidadãos de primeira classe, co- bertos pelos referidos direitos, e de segunda classe, excluídos de qualquer direito. Para o governo, a flexibilização permitiria uma redu- ção dos custos de contratação, estimulando a formalização dos con- tratos e o fim da situação de acomodamento daqueles já protegidos.

Em sua versão última, a posição do governo ataca diretamen- te a questão principal: a flexibilização dos direitos sociais do trabalho. Isso é feito explicitamente, deixando de estar presente de forma envergonhada, como nas proposições anteriores. Apesar do sucessi- vo desmoronamento dos argumentos apresentados a cada momento pelo governo para sustentar sua posição, seu objetivo principal se mantém, tomando-se, no melhor dos casos, somente uma profissão de fé. Por quê? As razões são várias e as conseqüências também.

A flexibilização do artigo 7o, proposta pelo governo, só pode ser entendida como parte do processo de reorganização da economia e dá sociedade brasileira, empreendida a partir de 1990. A abertura comercial realizada pelo governo Collor expôs fortemente nossa es- trutura produtiva à concorrência internacional, provocando uma rá- pida desnacionalização da economia e o aumento da parcela de bens de origem importada consumidos localmente, sem o devido cresci- mento das exportações. Essa situação foi aprofundada com o Plano Real, que ampliou o grau de abertura seja através da redução de certas tarifas de importação, seja pela valorização cambial da nova moeda. Setores com baixa presença de empresas estrangeiras, como o alimentar e o financeiro, foram rapidamente desnacionalizados.

A internacionalização produtiva, realizada através da transferência de patrimônio, foi seguida de maior, integração pro- dutiva. Como resultado, ampliou-se a presença de componentes importados e as ligações das plantas locais com as demais plantas, espalhadas pelo mundo, das empresas multinacionais. A valoriza- ção cambial estimulou esse processo ao encarecer o produto inter- no e ao facilitar às grandes empresas a importação de parte de seu consumo e de bens acabados. A internacionalização da produção, como em outros países, acabou por pressionar o sistema nacional de relações de trabalho existente. As grandes empresas começaram a demandar maior flexibilidade das relações de trabalho nas negoci- ações coletivas, e os sindicatos, pressionados fortemente pelo de- semprego, foram constrangidos a ratificar tais exigências. Posteri- ormente, o governo regulamentou esse processo de flexibilização acordada, realizado na maioria das vezes através da negociação do banco de horas e da participação nos lucros e resultados.

Essas mesmas pressões incidem sobre o artigo 7°. A maior internacionalização acirra a competição no mercado local, levando que as empresas demandem maior flexibilização dos direitos sociais com o objetivo de reduzir os custos salariais. A especialização do país em produtos de, baixo conteúdo tecnológico, com reduzido crescimento internacional dos mercados e com a presença intensa de países com baixa proteção social, faz dos custos diretos a alavanca da capacidade competitiva da base produtiva local. Assim, a flexibilização dos direitos sociais do trabalho passa a desempenhar um papel importante na consolidação do novo padrão de competitividade do país.

Por outro lado, a flexibilização dos direitos permitiria re-

11 < 111« 11 hacleres duzir os gastos do Estado com pessoal, em suas diversas esferas. Essa redução se somaria com aquela obtida com o fim do regime de aposentadoria para os trabalhadores do setor público. Portanto, a flexibilização casaria com a política de "Estado mínimo" que o gover- no tem defendido fielmente. Pode-se afirmar que a flexibilização, caso adotada, reforçará nosso caráter de economia de baixos salá- rios, sem maiores conseqüências para a estrutura do mercado de trabalho brasileiro. Vejamos porquê.

Os dados da Pesquisa Nacional e Domicílios (PNAD IBGE) mostram que, entre 1990 e 1997, oito de cada dez novas pessoas que passam a integrar a população economicamente ativa (PEA) conse- guiram ocupações geradas em atividades voltadas para o consumo pessoal/familiar e com baixa exigência de qualificação e escolaridade. A maioria dessas ocupações criadas não depende do desempenho econômico, pois são caracterizadas pela auto-ocupação. EÍàs estão inseridas no chamado setor informal do mercado de trabalho. Ade- mais, duas outras se mantiveram desempregadas. A informalidade e o desemprego foram as marcas do nosso mercado de trabalho nos anos 90, tanto nas regiões onde a reorganização industrial foi inten- sa, como naquelas onde presença do setor é incipiente.

O determinante principal de evolução do mercado de trabalho foi a dinâmica específica de nossa economia. Durante a década, mantivemos um crescimento lento do PIB, com crescimen- to da parcela importada e fortes pressões para aumento da produti- vidade a qualquer custo. Os efeitos foram a destruição de empre- gos, seja pela reorganização da base produtiva seja pela exportação dos mesmos através da importação de que os problemas de gera- ção de emprego encontram-se estreitamente relacionados com a dinâmica da economia brasileira, decorrente da opção por um de- senvolvimento subordinado à inserção internacional, em especial à financeira. Assim, a explosão do número de "cidadãos de segunda classe", adotando o termo nefasto utilizado pelo governo, deve-se predominantemente à política econômica do próprio governo. A proposta flexibilização do artigo 7o' busca atender a essa diretriz política, ferozmente abraçada pelo governo, e não ao grave proble- ma de emprego existente hoje no país.

Deve-se salientar que a proposta, se aprovada, implodirá as políticas sociais hoje existentes, na medida que atacará os fundos que as financiam. As conseqüências da flexibilização não se restrin- gem, portanto, aos direitos sociais do trabalho.

Cabe ainda alertar que a tentativa do governo de flexibilizar o artigo ' 7~ vem em um momento em que fica cada vez mais visível que tal política tem efeitos predominantemente negativos sobre o emprego, negando uma suposta virtuosidade apresentada em sua defesa. Organismos internacionais e governos dos países desen- volvidos vêm reconhecendo os resultados desfavoráveis desse tipo de política e a necessidade de recompor a proteção social.

Ao invés de atacar a frágil regulação social hoje existen- te no Brasil, que nada ajudará na superação do grave problema de emprego que penaliza o pais, o governo deveria aproveitar as con- dições existentes para uma recuperação da produção e do mercado interno, abertas com a desvalorização cambial. A recuperação nes- sas condições poderá de fato favorecer o emprego, situação já si- nalizada com a incipiente recomposição da produção industrial ob- servada no final do ano passado.

E lógico que essa opção impõe uma alteração da política macroeconômica. Em vez de privilegiar a inserção externa, em especi- al aquela de caráter financeiro, ela deveria valorizar o desenvolvimen- to interno. Além disso, seria necessário recuperar as políticas de planejamento público, em especial a política industrial. Não se defen- de um fechamento completa da economia brasileira, mas de uma ex- posição externa que se subordine à política de desenvolvimento na- cional. Nesse contexto poderia se dar um melhor tratamento aos traba- lhadores e à questão social. Mas, tudo indica que esse não é um projeto para o governo brasileiro atual e nem interessa aos segmen- tos econômicos com os quais ele se encontra comprometido. □ Cláudio Salvadori Dedecca é professor Livre Docente do Departamento de

Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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Trabalhaderes Caros Amigos - fev./2000 n" 35

Uma guerreira contra o racismo (1) "Ela resolveu atacar de frente uma doença social que no Brasil está completando quinhentos anos: a discriminação do negro. Formada em filosofia,

autoridade no assunto e liderança do Geledés (pronuncia-se gueledés) - Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro desmascara o "mito da democracia racial", garante que "aqui se produziu a mais perversa e sofisticada forma de racismo do mundo ", e diz, com todas as letras, o que é ser negro numa sociedade dominada pelos brancos, um sentimento que se estabelece muito além da flor da pele."

José Arbex Jr.- Muitos dos traços que você mencionou de formação familiar lembram da família de imigrantes que tenta se estabelecer num país estrangeiro. Você diria que,

de certa maneira, os negros no Brasil são como estrangeiros com relação a sociedade branca?

Sueli Carneiro- É muito mais que isso. Uma das coisas cruéis e perversas que se faz neste país para comparar a situação do escravo com o imigrante, como se fosse possível estabelecer algum parâmetro de comparação para uma situação em que você imigra, ainda que este- ja abandonando condições muito difíceis de guerra, de pobreza, de miséria, até de racismo, de intolerância de qualquer natureza, mesmo chegando em outro país nessas condições e, a despeito de tudo o que você possa ter perdido, há uma coisa que não está perdida, que é a sua humanidade. Já a condição escrava coloca esse limite, o limite da desumanização de um ser humano. Além do desenraizamento, além da aculturação, há a perda da condição humana, porque o negro era um objeto de trabalho. Na verdade, só adquirimos condição humana a partir de 1888, quando deixamos de ser escravos a condição de objeto produz seqüelas profundas, e demanda muito tempo para resgatar a auto-estima, com uma experiência tão traumática.

Marina Amaral- E tão recente... Sueli Carneiro- Do ponto de vista histórico é um fato muito

recente, uma experiência que, para cicatrizar, ainda leva muito tem- po. A experiência de discriminação, de ser tratado como minoria, como inferior, a experiência de ser desenraizado, tudo isso produz estratégias semelhantes de resistência e sobrevivência dentro de uma realidade hostil. Então, há muitas similitudes entre as experiên- cias dos estrangeiros que vieram para cá e de negros que estão aqui, mas os negros são aqueles que têm um sentimento mais naci- onalista e são também os mais rejeitados dessa nação, e desenvol- veram uma perspectiva profundamente nacionalista porque não têm para onde voltar não sabemos para onde voltar, não temos registros de nossa origem no continente africano porque todas as ligações essenciais de grupo étnico e cultural foram rompidas. Então, tivemos de adotar essa visão nacionalista que se manifesta muito nas lutas dos movimentos negros, a Frente Negra Brasileira da década de 30 expressava claramente isso, era um desejo de tomar o Brasil sua pátria, justamente pela experiência histórica que temos com este país, pelos séculos que aqui estamos - quase cinco séculos -, e também pela impossibilidade de voltar à terra de origem, de reconstituir as /■oo/j(raízes), como os norte-americanos puderam fazer.

Marina Amaral- Você concorda com expressões com afro-ame- ricano e afro-brasileiro?

Sueli Carneiro - Gosto desse termo. Marina Amaral - Isso não reforça um caráter estrangeiro? Sueli Carneiro - Mas é importante resgatar essa identidade em

um pais que não nos acolhe, que nos convida a trair a nossa origem como precondição para experimentarmos mobilidade social nele! Para que o negro consiga sair do lugar ao qual a sociedade o destinou, ele tem de cumprir certos rituais; esse caminho tem pré requisitos, e o principal deles é você renunciar a sua identidade, renunciar a sua comunidade; ou seja, você precisa embranquecer para poder ser aceito e permanecer numa situação mais confortável dentro do mundo dos brancos. Mas gosto mais ainda da expressão afro -descendente, porque ela resgata toda essa descendência ne- gra que se diluiu nas miscigenações, desde a primeira miscigena-

ção que foi o estupro colonial, até as subseqüentes, produto da ideologia da democracia racial. A expressão resgata a negritude de todo esse contingente de pessoas que buscam se afastar de sua identidade negra mas que têm o negro profundamente inscrito no corpo e na cultura. Não temos vergonha de nossa origem, que é africana mesmo, somos oriundos do continente que é o berço da existência humana, o berço da humanidade. É o resto do mundo que tenta nos estigmatizar. Por tudo isso acho muito importante esse resgate de nossas origens.

Marco Frenette - Como você explicaria o fato de o racismo no Brasil atuar de maneira tão forte e prejudicial e, ao mesmo tempo, permanecer "escondido", já que ninguém parece enxergá-lo?

Sueli Carneiro - A "genialialidade" do racismo brasileiro reside exatamente nisso. Aqui se produziu a forma mais sofisticada e per- versa de racismo que existe no mundo, porque nosso ordenamento jurídico assegurou uma igualdade formal, que dá a todos uma su- posta igualdade de direitos e oportunidades, e liberou a sociedade para discriminar impunemente. Até 1951, por exemplo, o racismo não era nem sequer contravenção penal. Portanto, você tem uma sociedade onde vigora uma ideologia que lhe diz o tempo todo: "Todos são iguais perante a lei". Desde nossa primeira Constitui- ção, o princípio da igualdade formal está assegurado, e acho que é uma estratégia perfeita de, sob o manto de uma suposta igualdade legal, você se omitir completamente diante da desigualdade racial concreta existente em nossa sociedade. Corroborando tudo isso há uma ideologia poderosa - a do mito da democracia racial. E o contraponto do Brasil sempre foram os Estados Unidos, onde havia a segregação legal. Ora, não havendo segregação legal, estaríamos no paraíso racial. Tanto é que o senso comum opera com uma com- preensão estreita do que seja racismo, entendendo-o apenas como a existência de um ódio racial ou de um confronto racial, ou ainda de uma situação de segregação legal, como existiu e existe nos Estados Unidos e na África do Sul. Essa nossa situação de igualdade formal aprofundou a visão de inferioridade natural do negro, porque, se você tem uma situação onde supostamente há uma igualdade - pelo menos no plano legal -, então, se os negros vivem pior se são des- graçados, miseráveis, pobres e analfabetos, é porque devem isso às suas próprias características... E isso denuncia o desprezo absoluto que a sociedade brasileira tem pelo negro. O negro não chega a ser objeto de ódio dessa sociedade, é apenas objeto de desprezo. Ain- da nem chegamos nesse patamar de desenvolver uma força podero- sa como a provocada pelo ódio, e que causaria um confronto entre negros e brancos. A possibilidade nem chegou a existir entre nós; foi sufocada por essa engenharia da igualdade no plano legal e a exclusão absoluta no plano das relações concretas, acobertada pelo mito da democracia racial. E, desse ponto de vista, é a forma de racismo mais perversa que existe no mundo, porque ela foi uma estratégia vitoriosa no sentido de tirar a questão racial do plano político, é um tema absolutamente despolitizado.

José Arbex Jr. - Isso teria produzido o desprezo do negro pelo negro?

Sueli Carneiro - É evidente, tanto que todas as organizações negras têm preocupação fundamental com o problema da autoestima. Nós, negros, há quase quinhentos anos escutamos que somos infe- riores, imperfeitos, feios, que não somos inteligentes e que temos uma humanidade incompleta. Não acredito que qualquer povo bom-

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Ttcibalhaclore§ bardeado durante quinhentos anos por esse tipo de ideologia pos- sa desenvolver uma auto-estima positiva. Reverter isso é justamen- te o esforço que os movimentos e organizações negros vêm fazen- do, mas, acima de tudo, isso tem de ser objeto de políticas públicas e de uma contra-ideologia nos meios de comunicação, bem como de uma revisão profunda no nosso sistema de educação. Ou seja, para erradicar essa disposição negativa que cerca o negro, seria preciso mobilizar a mesma magnitude de esforços que foram utilizados para oprimir para violentar, para marginalizar para excluir e para explorar essa massa de pessoas.

Marina Amaral - O que você acha de ações mais violentas e organizadas, mais politizadas, como os panteras Negras nos EUA?

Sueli Carneiro - Não temos politização suficiente para isso. Aqui, a grande revolta negra é absorvida pela marginalidade. Um velho companheiro negro costuma dizer que os nossos guerreiros estão dentro das prisões. Como a questão negra não consegue se politizar ela acaba em revoltas individuais que desembocam na marginalidade.

Ricardo Vespucci - A esquerda brasileira nunca levou em conta essa questão?

Sueli Carneiro - Nunca lidou com a questão de raça com a de- vida centralidade que ela tem em sociedades multirraciais, parti- cularmente quando há tanta desigualdade entre negros e brancos como é o caso do Brasil. E racismo e discriminação são instru- mentos produtores de privilégios para o grupo racial dominante, tendo impacto na própria estrutura de classes. Aqui, o problema racial tem cor ele é majoritariamente negro e isto não é gratuito, está diretamente articulado com a forma pela qual o racismo e a discrimi- nação vêm historicamente excluindo este segmento. E essa pobreza negra está tão "naturalizada" para a sociedade que, quando se vê um negro dentro de um carro de luxo, ele é logo parado e tratado como ladrão. Saiu do "lugar" que a sociedade lhe destinou. Esse quadro não será alterado cabalmente se combate ao racismo e à discriminação não for eixo fundamental de propostas partidárias.

José Arbex Jr. Em minha opinião o conceito de raça é uma abs- tração um conceito inventado em nome de interesses de dominação e exploração. É uma abstração no seguinte sentido: se você leva- rem consideração a cor da pele da Sueli, ela é diferente de todo mundo nesta sala, mas, se você acrescentar mais um dado, como largura do nariz, cada um aqui vai ser completamente diferente do outro. Então, você está lidando com uma abstração, que é raça, um conceito que não existe biologicamente...

Sueli Carneiro - Não existe biologicamente mas existe politica- mente, e é disso que se trata.

José Arbex Jr. - Então trata-se de política, e não de raça. E um problema político deve ser tratado politicamente, e não racialmen- te. Sem pretender escamotear a existência da discriminação raci- al, faço a seguinte pergunta: você combate a segregação racial utilizando argumentos racistas, ou raciais, ou você combate a se- gregação utilizando argumentos de classe?

Sueli Carneiro - Primeiro, que jamais utilizaria argumentos de um modo racista, mas sim a partir de uma perspectiva racial. E por quê? Porque raça é um conceito político, e tem sido utilizado neste sécu- lo como um instrumento de promoção de privilégios e desigualda- des, isso é comum em toda a parte, no Brasil, Estados Unidos, África do Sul etc. Quando omito essa dimensão de meu processo de luta política, corro o risco de não assegurar que numa outra situação - falemos um pouco de utopia -, onde estivermos melhor participando e vivendo numa sociedade melhor pela qual todos lutamos, corre-se o risco de, se essas coisas não se explicitam, esse elemento racial continuar a funcionar como um elemento discricio- nário. O conceito de luta de classes por si só não dá conta de resolver essa ideologia racista. No mais, já conhecemos experiênci- as concretas de sociedade socialistas onde o racismo e a discrimi-

nação não foram erradicados. O que nos impele a ter de trabalhar com a dimensão racial é a insuficiência do pensamento de esquerda para incorporar esse tipo de contradição.

Ricardo Vespucci - Qual seria o motivo dessa insuficiência? Sueli Carneiro - Do nosso ponto de vista, esquerda e direita são

duas dimensões de uma mesma civilização: é a cara e coroa de uma mesma civilização, que tem como elemento fundante de seu modus operandi a negação do outro. Ou seja, é um tipo de civilização que não suporta o outro como equivalente, como semelhante, o outro é sempre a negação do eu. Acho que há uma impossibilidade quase conceituai aí. Quase que uma imposaihilidade metafísica da admis- são do outro como semelhante.

Marco Frenette - Qual é sua opinião a respeito das ações norte ameri- canas para promoção social dos negros por meio de cotas de vagas garan- tidas para minorias em universidades e empresas, as chamadas ações afirmativas? Você acha viável a aplicação dessas idéias no Brasil?

Sueli Carneiro - Primeiramente, ação afirmativa não é necessari- amente uma invenção norte-americana. E um instrumento de pro- moção da igualdade que foi usado em vários países, inclusive em Israel e nações africanas. Se eu fosse um ser revolucionário e tives- se perspectiva de transformação radical das condições materiais em que vivemos, evidentemente não levaria em consideração esse instrumento de promoção. Porém, como atuo dentro de uma realida- de, dentro de um modo hegemônico, e tem uma ordem muito clara colocada aí, que é a ordem neoliberal, e como não há nenhuma revolução à vista, então é preciso agir dentro das condições que se tem. Nesse contexto de sociedade capitalista, as políticas de promo- ção da igualdade são instrumentos possíveis para reduzir as distân- cias entre os grupos raciais. Agora, é evidente que políticas de ação afirmativa costumam ser instrumentos que conseguem incor- porar ou integrar rapidamente os indivíduos mais aptos de determi- nado segmento discriminado. Ou seja, a ação afirmativa ajuda aquele indivíduo que tem todas as condições de ocupar determinado car- go mas não ocupa ainda pelo fato de ser preto, visto que vai dispu- tar um lugar no mercado de trabalho que é um lugar reservado aos brancos. A ação afirmativa, então, consegue dar conta desse contin- gente, mas ela não dá conta da grande maioria que está completa- mente excluída dos direitos mais elementares e básicos de cidada- nia. E isso você não resolve com ações afirmativas, mas sim com políticas públicas de combate à miséria e ao analfabetismo etc.

José Arbex Jr. - Quero retornar à questão da desbiologização da questão racial, porque acho que essa questão é central. Quando disse que cor não é um atributo da pele, quis dizer o seguinte: se o Michael Jordan aparece na rua, você vai dizer que ele é um deus apolíneo, porque ele ganha milhões de dólares por ano. Se você vê uma outra pessoa com a mesma estatura e cor de pele de Michael Jordan, que é pedreiro na esquina, você já vai desvalorizá-lo. Por tanto, a cor não pertence à pele...

Sueli Carneiro - Você está dizendo que basta eu experimentar mobilidade social para adquirir imunidade ao racismo, e isso não é verdade! O sujeito pode deixar de sofrer carências materiais, mas deixar de ser discriminado é uma outra história. Vou ler uma coisa que vocês já conhecem: "Existem dois pretos que são admirados por todo o Brasil, um é o Pele, o nosso rei de sempre, e o outro é o rei asfalto, todo mundo gosta do asfalto. É o preto de que todo mundo gosta". Isso foi dito pelo ministro Eliseu Padilha a respeito de seu colega, o ministro Edson Arantes do Nascimento, o Pele. Veja o que o racismo faz. O que o habilita a comparar Pele com o asfalto? É essa desumanização que o racismo produz, é essa visão de uma humanidade incompleta que faz com que um negro admirá- vel só seja comparável a uma coisa admirável, não a um outro ser humano admirável. Você percebe a diferença? Note: essas são as honras reservadas ao rei negro no Brasil, porque Pele é um rei.

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Então comparam-no não com o Airton Senna ou com o Roberto Carlos, mas com um produto nobre, que é o asfalto, derivado do petróleo... E essa não é a primeira situação em que o Pele é envolvi- do. Mas o problema é que ele sempre foi o garoto propaganda da democracia racial, e sempre deixou essas ofensas passar batidas. A Benedita da Silva, para dar outro exemplo, todo mundo conhece os agravos que ela sofre sistematicamente, e hoje é vice-govemadora do Rio de Janeiro. Já quando deputada, senadora, também sofria agravos. Durante a campanha eleitoral ouviu coisas do seguinte tipo: "Seu gabinete vai virar o Planeta dos Macacos". E tudo isso é tratado como se fosse brincadeira, não racismo...

José Arbex Jr. - Mas queria insistir no fato de que raça é uma invenção?

Sueli Carneiro - Até ai está todo mundo de acordo, mas não é este o problema. Claro que do ponto de vista científico o conceito de raça não se sustenta, mas na prática há uma desigualdade muito clara entre pretos e brancos produzida pela aplicação social de teses racista.

José Arbex Jr. - O que estou questionando é se o olhar racial é a forma correta de abordar o problema racial.

Sueli Carneiro - Olhe: eu sou negra, e tenho absoluta consciên- cia de todas as desigualdades que a minha comunidade, que a mi- nha população sofre, e essas desigualdades se manifestam dentro de uma realidade que já colocamos aqui: há um mundo branco e um mundo negro. Como é que asseguro que políticas de promoção de igualdade atinjam a população negra sem me referir à raça? Veja bem, vou dar um exemplo: por que as mulheres negras chegaram à conclusão de que têm de se organizar politicamente para enfrentar a tríplice discriminação que sofrem, na condição de mulheres, po- bres e negras? A história vem demonstrando o seguinte: o movi- mento feminista nasce, cresce, se desenvolve, as mulheres se orga- nizam, reivindicam e conquistam direitos. A sociedade se abre para a questão e começa a reconhecer a desigualdade entre gêneros, políticas começam a ser desenvolvidas. Muito bem, mas se não introduzo nessa história a variável racial o que acontece? Todas essas conquistas, que são conquistas coletivas de mulheres bran- cas e negras, resultam no privilegiamento das mulheres brancas, ampliando as desigualdades que existem entre mulheres negras e brancas no país. Isso já aconteceu aqui, a comparação do censo de 1980 com o de 1991 demonstra isso. Houve uma diversificação ab- soluta na participação das mulheres no mercado de trabalho, elas começam a entrar em carreiras tradicionalmente masculinas. Mara- vilha! Agora, divida isso por cor e veremos que as negras continu- am confinadas no emprego doméstico. Vamos agora para o movi- mento negro, os negros lutam, reivindicam etc. Está bom. Mas, se não introduzo a variável de gênero nessa luta, quem é privilegiado? 0 homem negro. Ou seja, como mulher negra trabalho essas variá- veis de raça, gênero e classe articuladas o tempo todo, porque essa sociedade não me dá nenhuma garantia de que, se aumentar o bolo, vai sobrar um pedaço para mim.

Marco Frenette - Poucos negros brasileiros famosos falam de racismo. A que você atribui o fato de Pele se comportar como branco e nunca pautar o assunto? Você acha que ele é livre para agir como bem entender ou carrega uma dose de responsabilidade para com sua raça?

Sueli Carneiro - Não gosto dessa idéia de "se comportar como branco", porque dá a impressão de que a mobilidade social do ne- gro sempre implica embranquecimento. O Pele é um negro conser- vador. Como também não admito dizer que o Pitta seja um negro branco; ele é um negro de direita, representa os interesses de direi- ta. Senão, a gente vai cair no estigma de que, para ser negro autên- tico, é preciso tomar cachaça, comer feijoada e cair no samlja. A questão que você coloca passa pelo fato de haver a ideologia da democracia racial, que é um grande arranjo e representa um pacto entre brancos e negros, de não violência - "vamos fazer de conta

Trabal hadcres que você não é discriminado, você faz de conta que não acredita, e vamos tocando a vida". Esse é o pacto que há em nossa sociedade, e me parece que os negros que estão em processo de mobilidade social rapidamente percebem qual é o código, que diz que reconhe- cer e enfrentar o problema é um impeditivo para consolidar seu processo de mobilidade social. Mas diria que há mudanças nesse quadro. Há novas gerações chegando com outro tipo de visão, outro tipo de perspectiva. 0 pessoal do hip hop, por exemplo, de- monstra muito bem essa mudança, eles vêm com outra postura, há segmentos das novas gerações que vêm com a clara disposição de não compactuar com esse acordo de silêncio em relação à questão racial. Você vê, por exemplo, um pagodeiro como o Netinho, um rapaz que vem de um processo de crescimento de consciência racial que é uma coisa extraordinária, e de um crescimento espantoso de compromisso para com seu povo. Tudo isso sinaliza para algo novo que a sociedade brasileira vai ter de enfrentar no campo das rela- ções raciais, porque é um outro tipo de consciência, e os negros se politizam cada vez mais cedo, se envolvem com a discussão racial cada vez mais jovens. Temos tido essa experiência no Geledés, onde temos um trabalho com rappers e grupos de rap; lá chegam jovens de doze, treze, catorze anos já com um discurso combativo, com um nível de consciência do grau de marginalização que sofrem. Seria impensável encontrar alguém da minha geração que, com essa ida- de, tivesse esse grau de consciência.

Ricardo Vespucci - E como esses jovens vêem os brancos? Marina Fuentes - Complementando: vejo que movimentos como

o hip hop, ao mesmo tempo em que aumentam a auto-estima dos negros, criam um ódio entre brancos e negros. Não sei se é genera- lizado, mas já ouvi integrantes de grupos de rap dizer o seguinte: "Somos negros, somos bons, vocês branquinhos são uns merdas". Como lidar com uma coisa que aumenta a auto-estima mas ao mes- mo tempo cria uma margem muito maior de ódio?

Sueli Carneiro - Bem, os negros estão submetidos nesse país à violência racial faz quinhentos anos. E essa violência é tão grande que, se a sociedade fosse pagar a dívida que tem para com os quase 10 milhões de negros que vieram escravizados para cá, e que trabalha- ram gratuitamente e debaixo do chicote para construir o país, qui- nhentos anos nos devolvendo 0 que nos foi tirado, não pagaria o crime hediondo que foi praticado. É impossível que uma coisa des- sa magnitude possa passar eternamente sob a égide de um racismo cordial. 0 aumento da tensão racial é inevitável à medida que a consciência racial avançar no país, pois a relação entre negros e brancos é uma relação violenta, historicamente de expropriação, de desumanização, e isso é profundamente brutal. Se os negros ainda não conseguiram se organizar o suficiente para dar uma resposta política para isso, precisam continuar caminhando nesse sentido. Nenhum povo foi oprimido indefinidamente. Entendo o seguinte: há segmentos organizados de negros no país buscando equacionar o problema racial numa perspectiva pacifista, mas, se essa sociedade não responde, não há como impedir que outras formas de luta sejam desencadeadas. É uma questão de legítima defesa. Não sabemos como as próximas gerações vão responder a tamanha exclusão.

Ricardo Vespucci - Quais são esses segmentos organizados que trabalham a partir dessa perspectiva pacifista?

Sueli Carneiro - Há organizações negras de norte a sul do país. 0 que existe é um absoluto desinteresse da sociedade por essa coisa chamada movimento negro. Você tem organizações peque- nas, médias, grandes, ONGs e que trabalham cotidianamente no combate ao racismo, propondo políticas públicas, fazendo traba- lhos comunitários, etc. Por exemplo, enfrentamos a questão da ex- clusão universitária com cursinhos para negros espalhados por todo o país. Vem se negociando também projeto de ação afirmativa. No Geledés desenvolvemos hoje um dos projetos pioneiros de ação

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Trabalhadcres afirmativa no Brasil, que é o projeto chamado Geração 21, em parce- ria com um órgão do governo, a Fundação Cultural Palmares, e com a Fundação Bank Boston. 0 Rio Grande do Sul acaba de selar um acordo - evidentemente, por mérito do trabalho do movimento ne- gro local - com uma rede de supermercados que está se instalando lá que é inédito na sociedade brasileira. A contrapartida para a rede se instalar em Porto Alegre foi a garantia de 5 por cento de vagas para negros em todos os níveis hierárquicos da empresa. Você tem trabalhos em vários níveis desenvolvendo políticas específicas para a promoção da igualdade no plano da saúde, no plano da educação. Há um esforço extraordinário de uma militância que atua em condi- ções extremamente precárias, porque em geral somos pobres, te- mos um grau de educação inferior e se luta com muito mais dificul- dade; mas é uma militância aguerrida que está aí.

Marina Amaral - A Fundação Palmares é um órgão governamen- tal, como é a articulação do movimento negro com os órgãos do governo? A Fundação Palmares promove de fato alguma coisa im- portante para o movimento negro?

Sueli Carneiro - Ela tem uma atribuição de desenvolver políticas na área. Os órgãos de governo voltados para a questão racial pade- cem dos mesmos problemas que qualquer órgão do governo tem hoje para implantar políticas de alcance social. Um governo que não tem políticas soáais claras dificilmente terá políticas específi- cas eficientes. Há, então, essa limitação que é muito clara. De qual- quer modo, são órgãos que foram criados por esforços dessa cole- tividade negra. Além do mais, a Fundação palmares é ligada ao Ministério da Cultura, e sabemos que a questão racial exige políti- cas macros, que deveriam passar pelo conjunto dos ministérios. Mas há uma questão que a Fundação palmares vem trabalhando e que é estratégica - é a questão da titulação das terras dos remanes- centes dos quilombos. É uma luta que se toma específica pela im- possibilidade política - ou de concepção-de os movimentos pela reforma agrária incorporarem uma luta histórica do negro pela terra. Acho que a existência desses órgãos é algo importante porque sinaliza para a sociedade e para o Estado a existência de um proble- ma específico, que um dia terá de ser objeto de políticas públicas efetivas. A simples existência deles pontua o problema da obra inconclusa da escravidão que está aí como uma pendênáa do país para o próximo milênio.

José Arbex Jr - Você afirmou que a consciência negra vem cres- cendo nos últimos anos, que é justamente um período de refluxo político, por conta do avanço do neoliberalismo, da desestrutura- ção dos sindicatos, a falência dos partidos etc. Como você explica essa contradição de maior politização dos jovens negros em meio a esse refluxo político?

Sueli Carneiro - É possível ter consciência racial sem que isso necessariamente se transfomle em ação política. Mas acho que as duas coisas vêm acontecendo, aumenta a consciência racial e au- menta o processo de organização, scí que isso se dá de uma manei- ra bastante pulverizada. E essa engenhoca chamada ONG facilita o processo organizativo mas pulveriza também.

Marina Amaral - E não despolitiza também ? Sueli Carneiro - Se partirmos de um conceito ortodoxo de politi-

zação, pode até ser. Mas, se flexibilizarmos o conceito, veremos que esse processo é importante e positivo. O problema será juntar tudo isso lá na frente. Esse é o nosso desafio. Há muitas iniciativas. Há uma área que cresceu extraordinariamente nos últimos cinco anos, que é a área do direito e relações raciais. Você tem sen,iços como 0 SOS Racismo se instalando no país inteiro. Nosso serviço SOS Racismo, no Geledés, foi pioneiro aqui em São Paulo. E esses servi- ços produziram uma outra forma de organização, que é a dos opera- dores de direitos negros empenhados em travar o confronto racial por meio da via legal, estabelecer um diálogo com o Poder Judiciário

não só por meio de criminalização, mas também por meio de pesqui- sas que demonstram os níveis de desigualdade racial entre brancos e negros. Isso está sendo feito no país inteiro. Há muito intercâm- bio com organizações que têm experiência maior no trato dessas questões. O resultado desse esforço é a existência de diversas ONGs negras trabalhando especificamente essa questão de direitos e re- lações raciais. Livros estão sendo publicados, ações estão sendo impetradas, ações individuais, ações de interesse coletivo. E tudo isso começa a influenciar a sociedade. As universidades estão abrin- do linhas específicas de pesquisa, a educação é outra área em que a atuação negra se faz presente. Recentemente houve uma grande revisão dos instrumentos curriculares, extirpou-se um grande nTímero de literatura escolar que reforçava a estereotipia do negro. Não foi passado um pente fino, mas houve um expurgo razoável.

José Arbex Jr. - Você mencionou há pouco o Netinho, mas não falou nada do Mano Brown, o que você acha dele?

Sueli Carneiro - Mano Brown é um monumento da causa negra no Brasil, um porta-voz muito qualificado da causa negra. Naquele contex- to não me referi ao Mano Browr porque ele representa justamente um nível de consciência racial muito mais avançado, mais radicalizado.

Ricardo Vespucci - A gente sempre se perguntou como é que um pobre pode votar no Maluf, né?

Sueli Carneiro - Pois é, é disso que estou falando. Porque, cada vez que exigem de mim uma "coerência", que eu como negro funci- one segundo aquilo que você entende que seriam os meus interes- ses legítimos, você está reduzindo a minha humanidade.

Marina Amaral - Mas você defendeu o Pitta na campanha para a prefeitura?

Sueli Carneiro - Surgiu na ocasião uma história de que o Geledés apoiou o Pitta. E isso não é verdade, até porque em todas as campa- nhas do Maluf o Geledés foi chamado e atendeu para dar depoi- mentos contrários ao senhor Paulo Maluf. 0 que é que aconteceu de novo com a coisa do Pitta? O Pitta é um negro e estava se confron- tando com uma das mais combativas e importantes mulheres e lide- ranças políticas do país, que é a ex-prefeita Erundina. Só que aconte- ceu uma polêmica no contexto da campanha em que, inadvertidamen- te e com muita infelicidade, a ex-prefeita Erundina disse que ela repre- sentava os interesses do movimento negro e que o Pitta era um negro de alma branca, um negro safado. Eu não aceito que se agrida um negro, seja ele de direita, de esquerda, de centro, e mais: os negros já passaram do tempo de ser tutelados, mesmo por boas almas de es- querda, (risos) Portanto, ela não representa o movimento negro.

Marina Amaral - E o Pitta representa? Sueli Carneiro - Muito menos. E mais, o Pitta não é um negro de

alma branca, não é um negro traidor. O Pitta é um homem de direita, comprometido com forças reacionárias, que defende os interesses dessas forças. É esse combate que deve ser travado com ele, não um combate racial. Fui no jornal para dizer exatamente isso. E ainda disse que o voto negro em São Paulo historicamente é voto cativo da esquerda. Provado por pesquisa. Então, quando começou toda aquela discussão, falei: "Se o problema for cair na questão racial, vai dar problema, porque queremos travar o combate ideológico, mas, se vão apelar no sentido de baixar o nível de discussão para a questão racial, não vamos ser coniventes". Aí teve toda essa histó- ria e deixei muito claro que era lamentável que a direita se antecipas- se ao crescimento da consciência negra, ao crescimento da capaci- dade reivindicatória da nossa comunidade, se antecipasse e nos apresentasse um candidato a prefeito negro, enquanto a esquerda continuava nos oferecendo "espelhinho" . A solução que o PT deu à candidatura do Pitta foi botar uma apresentadora preta no seu programa eleitoral lembram vocês? na época da campanha. Um de- sastre. Agora, é evidente que, como não saímos, nesse confronto, num alinhamento acrítico, sofremos retaliação. E estamos prontos

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para sofrer sempre. Sabe, entre a esquerda e a direita, sei que conti- nuo preta. Porque a direita tem um claro projeto de exclusão para nós e a esquerda tem um claro projeto de inclusão paritária para nós. Não somos apenas estômagos vazios à espera das cestas bá- sicas da solidariedade. Queremos participar de processos decisórios.

José Arbex Jr. - O que é o Geledés? Como foi formado? Qual o objetivo dele?

Sueli Carneiro - O Geledés é uma organização que surgiu muito no contexto daqueles exemplos que eu estava dando. Foi formado por um grupo de mulheres negras oriundas de movimentos negros, de movimentos de mulheres, de movimentos sociais.

José Arbex Jr. - Quando? Sueli Carneiro- Em 1988, vai fazer doze anos. Ricardo Vespucci - O que significa a palavra? Sueli Carneiro - Geledés é uma palavra em iorubá, nome de

organizações femininas que existem nas sociedades tradicionais iombás. É uma espécie de maçonaria feminina que cultua o poder feminino em oposição ao poder masculino, (risos) A escolha do nome também é uma tentativa de responder ao feminismo branco de que temos nas nossas matrizes culturais formas próprias de organi- zação específica das mulheres, que temos nas nossas tradições uma compreensão da dimensão feminina muito mais ampla, muito mais abrangente, muito mais rica do que as estreitas formulações da cultura judaico-cristã que as mulheres combatem. Ajuda a ver tam- bém que na nossa tradição a subordinação da mulher se dá da mesma maneira que no Ocidente, em muitos casos de maneira até mais violenta, mas as explicações são de outra ordem. A subordina- ção da mulher não se dá porque ela é uma costela do homem ou é um ser inferior mas - como as iabás, as nossas deusas - porque ela tem poderes e atributos que podem submeter o homem e por isso tem de ser controlada, porque está do lado da natureza selvagem, tem toda uma mitologia sobre isso...

José Arbex Jr. - Estou começando a ficar com medo. (risos) Sueli Carneiro - A idéia, ao cabo, era sensibilizar os movimentos

feministas para a necessidade de integrar a variável racial como uma questão estrutural na luta das mulheres considerando o tipo de desigualdade que o racismo gera para a metade da população feminina do país, que é não-branca.

Marina Amaral - Que tipo de trabalho vocês desenvolvem? Sueli Carneiro - Temos quatro programas básicos hoje: um pro-

grama de direitos humanos, um de saúde, um de comunicação, um de capacitação e profissionalização. Cada programa abriga vários projetos. O de direitos humanos é o programa que coordeno. Então temos vários módulos: o SOS racismo é um serviço de atendimento jurídico e encaminhamento legal de processos para vítimas de ra- cismo. Atuamos juridicamente em casos que atingem a imagem co- letiva da comunidade. Por exemplo, movemos uma ação judicial contra a Rede Globo, há quatro anos, durante a exibição daquela novela Pátria Minha. Deu uma polêmica no país inteiro. Metade do país dizia que estávamos querendo fazer censura, a outra metade dizia que era legítimo. A Globo chamou todos os seus artistas ne- gros para bombardear a gente, os autores da novela nos esculham- baram. 0 importante é que, quando a polêmica chegou num ponto que começou a ser desconfortável para a Rede Globo, eles vêm a público dizer que a novela cede a protestos do movimento negro e aí vem o Silvio de Abreu, o autor e diz que era legítimo o questionamento. Também dentro dessa linha de trabalho, desen- volvemos pesquisas sobre desigualdades raciais nas instituições. A pesquisa mais importante que a gente já realizou foi em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência, da DSP Foi coordenada pelo professor Sérgio Adorno e é um estudo sobre a desigualdade de atribuição de penas para negros e brancos quando praticam crimes semelhantes. Os resultados da pesquisa revelam o que todo mundo

Trabcilliacleres sabe: os negros sofrem penas muito superiores às dos brancos mes- mo tendo cometido o mesmo tipo de crime. Pelos dados da pesquisa, dá para perceber o quanto a população negra está sob controle dos órgãos de repressão. Quer dizer tudo aquilo que a gente sabe a olho nu, empiricamente, mas o nosso interesse era produzir um tipo de informação que fosse inquestionável, que não pudesse ser tratado como denúncia vazia do movimento, como coisa de negros paranói- cos. E tem uma coisa louca que o Sérgio Adorno identificou nos processos, que é o seguinte: o réu vai escurecendo se a tendência é pela condenação dele e vai clareando se a tendência é pela absolvi- ção. Continuando sobre o Geledés, nossa equipe jurídica é dividida em duas: uma cuida especificamente de vítimas de racismo, discrimi- nação e atende homens e mulheres; e a outra atende exclusivamente mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. Brancas, negras, nipônicas. E evidente que, sendo uma organização negra, as mulhe- res negras procuram com mais facilidade o serviço.

José Arbex Jr. - Bom, o que falta falar do Geledés? Sueli Carneiro- Dentro ainda desse programa de direitos humanos,

temos um curso de capacitação de lideranças comunitárias como promo- toras legais populares. São trinta mulheres que estão sendo capacitadas em relação a direitos básicos de cidadania: direitos da mulher legislação para situação de discriminação racial, direitos do consumidor...

José Arbex Jr. - Essas mulheres não são membros do Geledés? Sueli Carneiro- Não, é um curso que a gente abriu para a comu-

nidade. São mulheres da Zona Leste, Zona Sul, das periferias, e o curso tem por objeóvo capacitá-las para ser mediadoras entre as necessidades das suas comunidades e os poderes. O programa dos direitos humanos oferece uma série de cursos que têm por objetivo formar lideranças negras, mulheres e jovens, nas questões de gêne- ro e de raça. Ah, esqueci c3ue no Programa de Direitos Humanos está o projeto rappers, que tem por vocação denunciar as condi- ções de marginalização e discriminação que a comunidade vive, particularmente os jovens. E aquele projeto de capacitação e profissionalização acabou surgindo como uma decorrência do pro- jeto rappers. Porque você passa a trabalhar com jovens de perife- ria, marginalizados, começa o processo de politização. A gente criou uma área específica de trabalhos com eles, e para desenvolver os trabalhos foi sendo demandada capacitação, a capacitação deles foi criando a demanda do público-alvo deles e aí a gente entrou numa bola-de-neve e construiu o projeto Brio, um projeto para capacitação de jovens e adolescentes que teve o apoio do Comuni- dade Solidária. 0 que a gente está tentando conciliar neste momen- to são ações que permitam uma capacitação a curto prazo, particu- larmente para jovens que não têm nenhum tipo de capacitação e geralmente vêm de escolas muito ruins, vêm desinformados, sem nenhuma habilidade, não conhecem computador não conhecem...

Ricardo Vespucci - Capacitação a curto prazo o que é? Sueli Carneiro - Cursos de informática, de eletricista, au-

xiliar de enfermagem... Marina Amaral -£ esses cursos têm algum tipo de

preocupação com a questão racial? Sueli Carneiro- As questões de gênero, de raça, de direi-

tos básicos, de direitos e cidadania são módulos permanentes de todos os nossos cursos. Até porque queremos formar no- vos guerreiros e novas guerreiras. □

Por imposição de espaço nós retiramos algumas perguntas de acordo com o grau de relevância para este boletim. Perguntas sobre a vida pessoal de Sueli, sobre a Revista Raça e sobre Gilberto Freyre e Roberto da Mata ficaram de fora. Além desta: "por que todo jogador de futebol negro arruma uma loira?"

A única celsa aue temes a cememerar sãc cs cínce séculos de lutas e rebeliões de IH vi pebre e explcradc!

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A proposta de reforma do governo FHC e os desafios do sindicalismo brasileiro

João Batista Lemos

Inicialmente, gostaria de registrar que é uma satisfação debater com os dirigentes das entidades dos docentes das universidades brasileiras. Principalmente, quando o

tema relaciona-se com a organização sindical. Trata-se de um tema muito importante, pois diz respeito a como os trabalhadores devem se organizar para defender seus interesses imediatos e futuros. E isso que está colocado para nós, e é essa a reflexão que faremos a seguir.

É importante registrar que nós do Centro de Estudos Sindi- cais - CES -, temos realizado vários debates sobre esse assunto, convidando sempre dirigentes sindicais e intelectuais das mais diversas correntes da esquerda brasileira que se dedicam ao es- tudo desta questão. A revista que editamos, a "Debate Sindical", tornou-se o instrumento de divulgação destes debates.

A minha contribuição ao debate será uma abordagem mais política da organização sindical, tomando como referência, a tra- jetória da luta de classes. Para situarmos historicamente e de for- ma bem pontual, partiremos do período pós-guerras , que o histo- riador Eric Hobsbawm denomina de a "Era de Ouro" do desenvol- vimento econômico, do capitalismo keynesianista, das conquistas trabalhistas, do estado de bem estar social, do fortalecimento da União Soviética e do bloco socialista, do mundo bipolar - o bloco capitalista com os EUA a frente X o bloco socialista com a URSS. Essa situação estendeu-se até o final da década de 60, sob a lógica da guerra fria. A partir de 1970, o capitalismo entra em crise com queda da taxa de lucro e a crise do petróleo; no final da década de 80, a crise do socialismo - a déblac, a derrota histórica do movi- mento operário revolucionário -; impactado também por uma 3o

revolução Técnico-Científica, que elevou a produtividade a pata- mares extraordinários o que influiu nas ralações sociais e logicamente nas relações de trabalho.

O problema da crise do socialismo repercutiu ideologica- mente, na perda de perspectivas, de setores da esquerda que lutavam pela transformação social..

No mundo unipolar, o capital encontra-se sem barreiras para exercer sua estratégia de globalização neoliberal. Essa estraté- gia encontra-se a serviço do capital financeiro mundial, dos países centrais e das grandes transnacionais. Consiste na libe- ração do comércio exterior com desregulamentação alfandegá- ria, no estabelecimento de um estado mínimo, nas privatizações e na supressão dos direitos sociais.

No setor produtivo e no setor de serviços, predomina a des- valorização da força de trabalho com enxugamento de mão de obra e aumento da produtividade, com a depreciação dos salá- rios e a redução dos direitos trabalhistas, para garantir maior margem de lucro. Isso se dá no Brasil e em todo mundo. Pode- mos resgatar um artigo do jornalista Clóvis Rossi, em um jornal de grande circulação, onde ele relatava que os operários da Ale- manha Unificada tinham saudades da antiga Alemanha Oriental, porque o capital tinha de ceder para os trabalhadores, pelo me- nos as conquistas como o emprego, a saúde, a habitação, etc. Para fazer frente ao país socialista. Agora não tem mais isso, não existe contraponto ao capitalismo.

A estratégia do grande capital levou a contradições extraor- dinárias no mundo, de um lado a concentração e a centralização das riquezas, que podemos exemplificar com essas megafusões - de grandes setores financeiros a nível mundial e também se- tores industriais -; de outro lado a exclusão social, segundo a OIT, estima-se em mais de 1 bilhão de desempregados e sub- empregados em todo o mundo. O que mostra a incapacidade do capitalismo resolver os grandes problemas da humanidade. Por isto mesmo tem havido resistências. Os trabalhadores têm resistido a essa ofensiva neoliberal contra os seus direitos, até mesmo dentro dos EUA, há greves dos operários contra o tra- balho temporário; na França há greve dos servidores públicos, dos operários, contra a quebra do estado de bem estar social, da retirada de direitos; na Coréia do Sul são várias as movimen- tações etc. Há resistência em todas as partes do mundo.

Sobre PEC 623/98 O quadro anterior é importante para compreendermos o

porque dessa PEC 623/98, da reforma trabalhista que vem num bojo de um pacote fiscal, imposto pelo FMI. O FMI exigiu, para liberar o empréstimo ao Brasil, entre umas das medidas a implementação das reformas trabalhista e da organização sindi- cal. É importante compreendermos que todas essas mudanças e alterações das relações sociais, acontecem com uma ofensiva antitrabalho, que não é criação de Fernando Henrique, como todos nós sabemos; vem também do consenso de Washington, estratégia do capital internacional. Se em outros países também houvesse a unicidade sindical, a exemplo do Brasil, com certe- za estariam sofrendo uma ofensiva contra sua estrutura sindi- cal, pois essa estrutura impõe limitações à flexibilização do mercado de trabalho e a desregulamentação trabalhista. Na ver- dade, trata-se de uma tentativa maior de impedir a organização dos trabalhadores, pois também promovem um ataque aos par- tidos de bases populares, com medidas restritivas tipo cláusula de barreiras, o voto distrital misto. O neoliberalismo não com- bina com democracia e o povo precisa de mais democracia para defender seus direitos

É por isso que a PEC 623/98 tem um caráter draconiano e antidemocrático, o seu objetivo é pulverizar o movimento sin- dical através do sindicato por empresa, toda justificação se dá em torno disso. É importante registrar que nós somos contra o sindicato por empresa não por uma questão de princípio. Con- versando com um trabalhador dirigente da CGT francesa, ele informou que na Renault, o sindicato é por empresa, mas que há condição, por se tratar de sindicato filiado a CGT, de se estabelecer uma unidade de ação com os outros sindicatos da empresa existentes no país e garantir um direção classista.

O problema do sindicato por empresa, que está embutido PEC, é que ele está ligado a todo um sistema de relações de trabalho, cujo objetivo é flexibilizar o mercado de trabalho e desregulamentar as leis trabalhistas, tanto que está previsto que no prazo de 1 ano, serão zeradas todas as conquistas. O objeti-

A única ccísa mie temes a cememerar sãc cs cíncc séculcs de lutas e rebeliões de PCVC pebre e explcradc!

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Trabalhadores vo apresentado é a flexibilização dos direitos com a restrição do acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho. A análise que nós fazemos é de que todo esse processo está vinculado a uma estratégia maior do capital para garantir mais lucro; é por isso que há a depreciação do trabalho e também a redução dos direi- tos sociais em todo o mundo. Então, qual a saída para os sindi- catos? Como enfrentar essa situação? A saída é fundamental- mente política. Nós achamos que a saída para os trabalhadores para defender os sindicatos deve se dar em dois campos: o da resistência e a dos novos desafios. Pois o que está colocado, além dessa ofensiva política neoliberal, são as mudanças no pro- cesso de produção, no modo de se trabalhar, através da reestruturação industrial, do processo de terceirização, e das no- vas técnicas gerenciais etc. Hoje no Brasil, que tem numa popu- lação economicamente ativa de 75 milhões, 42milhões são assa- lariados e apenas 23 milhões, segundo Márcio Pochmann do CESIT/UNICAMP, possuem carteira assinada. Há uma redução do poder de força, de mobilização e de barganha dos sindicatos.

Nós estamos vivendo uma crise do sindicalismo, e como en- frentar isso? Com certeza, do ponto de vista político, não será aceitando uma PEC como essa ou tentando negociar uma outra, mais vinculada aos interesses dos trabalhadores, pois no mo- mento a correlação de forças existente é totalmente desfavorável .Como pressuposto, qualquer alteração na organização e na es- trutura das entidades sindicais, caso ocorra, deve ser discutida e implementada pelos próprios trabalhadores. E só deve ocorrer dentro de uma conjuntura de pleno emprego, de retomada do desenvolvimento econômico. Debater e fazer alterações hoje, numa situação em que o desemprego atinge o maior índice da história de nosso país conseqüência desta política econômica do governo de F.H.C., que está levando a destruição das empresa do país, onde a reforma do estado está levando a demissão do fun- cionalismo, os sindicatos ficam acuados e desestabilizados.

Nós acompanhamos recentemente o acordo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC com a Volkswagen em São Bernardo/ SP, onde está prevista a redução da jornada de trabalho e dos salários para a manutenção dos empregos. Trata-se do sindica- to mais forte e com a base mais concentrada do país. Não foi um bom acordo com certeza, mas foi o possível? Trata-se de um problema de orientação política? Pode ser também. Mas é fundamentalmente um problema objetivo. Esse exemplo forta- lece a nossa opinião de que é complicado alterar a organização sindical diante de uma ofensiva do capital e de uma correlação de forças totalmente desfavorável. Pensamos que a postura a ser adotada em primeiro lugar, deva ser a da resistência, para derrotar essa PEC do governo. Precisamos construir um am- plo movimento de defesa da organização sindical e dos direitos dos trabalhadores. Obviamente, esse movimento não deve sig- nificar a defesa da unicidade sindical, que é a base do modelo atual, tendo em vista as controvérsias existentes no movimento sindical. Mas precisamos ter clareza de que a PEC não é só para acabar com a unicidade sindical, é para acabar com a or- ganização sindical do país, é para liquidá-la.

Nesse sentido, foi muito importante a decisão da reunião da direção nacional da CUT (09 e 10/12/98) de ser contra a PEC e de não articular a apresentação de uma PEC alternativa para negociar. O Exemplo da Reforma da Previdência precisa ser lembrado. No primeiro instante, a posição da CUT prejudicou o

movimento sindical, alimentando certa esperança de que o go- verno e a maioria conservadora do Congresso Nacional iriam aprovar alguma coisa favorável para os trabalhadores. Não te- mos de negociar com este governo, principalmente numa situ- ação' desfavorável aos trabalhadores, pressionados pelo desem- prego estrutural e conjuntural. O momento exige a luta de re- sistência em defesa da organização sindical, articulada com a resistência geral à ofensiva neoliberal. Com a luta por um novo modelo econômico em defesa do Brasil defendido pela Frente das Oposições, de ruptura com o atual modelo, contendo uma política de retomada do crescimento econômico, de pleno em- prego, de distribuição de renda, de reforma agrária. Um con- junto de medidas de incentivo ao mercado interno, num pro- cesso de acúmulo de força em defesa da nação soberana e de- mocrática, na perspectiva do socialismo. O que está colocado hoje, dentro dessa situação é uma saída ainda transitória para os trabalhadores, uma política alternativa ao projeto neoliberal. A luta de resistência em defesa da organização sindical, tem de estar articulada também com as lutas mais gerais, uma luta mais política, porque sindicato forte só é possível com o cres- cimento econômico, e com trabalho. Assim haverá condições de poder de barganha e de mobilização.

Os desafios do sindicalismo brasileiro Como enfrentar as mudanças no mundo do trabalho que

estão corroendo as bases de sustentação do sindicalismo .Acho que nós deveríamos buscar as respostas na própria experiência e na história de luta do movimento sindical em nosso país. O movimento sindical brasileiro, transformou-se com a sua práti- ca nos embates do dia a dia. As próprias centrais sindicais fo- ram construídas na marra, na luta e nos embates dos cotidiano. Portanto é possível avançar na organização sindical, partindo do que está aí, até acumularmos mais forças e em um momen- to mais favorável para os trabalhadores, partirmos para a mu- dança dessa estrutura . Achamos que, no atual momento, a proposta mais abrangente é a proposta que aponta na horizontalização das entidades, do sindicato unitário por ramo de atividade. Precisamos trabalhar nesse rumo. Não seria im- posto, mas conscientemente aprovado.

É possível fazer essas mudanças a partir da estrutura atual- mente existente? Claro que sim. A ANDES - Sindicato Nacio- nal é um exemplo vivo e concreto disso, um sindicato de deter- minada categoria organizado nacionalmente. A própria existên- cia da CUT mostra que é possível, que uma organização maior dos trabalhadores, rompa com as barreiras legais e

institucionais existentes no país. Outras perguntas: é possí- vel fazer então, mesmo na vigência dessa atual legislação, fu- sões e incorporações? É possível a construção de sindicatos regionais ? Tudo vai depender da vontade política. Por exem- plo, no Vale do Paraíba em São Paulo, onde a CUT dirige os Sindicatos de Metalúrgicos de Taubaté, de Pindamonhagaba, e de São José dos Campos, é possível experimentarmos a cons- trução um de sindicato regional, já que aqueles metalúrgicos que moram em São José dos Campos, trabalham em Taubaté, ou em Pindamonhagaba e assim vice-versa? Claro que sim. A construção de um só sindicato, unitário, mais forte, mais re- presentativo, é muito mais interessante do que a existência de vários sindicatos pequenos, que a cada dia, vão perdendo sua

A única ccisa que temes a ccmemerar sãc cs cíncc séculos de lutas e rebeliões de PCVC nebre e exulcradc!

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Traballiadcres força de barganha. A própria CUT já tem experiência de fusões de ramos, como aconteceu com os petroquímicos e químicos que, do ponto de vista das suas organizações superiores, unificaram-se.

Quais os pressupostos para a construção, na prática, de um novo sindicalismo? Uma nova organização sindical para o país, que rompa com a atuai estrutura? Em primeiro lugar, é preciso mudar a estrutura sindical a partir do que já foi conquistado, dos atuais sindicatos existentes, do quadro de associados, do patrimônio, dos estatutos e dos fóruns democráticos. Deve- mos ser contra a destruição do patrimônio político, cultural e material, conquistado através de décadas. Há sindicatos que têm história, e isso precisa ser considerado ao propormos fu- sões, para que não aconteçam processos artificializados.

A artificialização foi um dos problemas que aconteceu no ABC paulista. Ali, a tentativa era flindar o sindicato do ABC Santo André, São Bernardo e São Caetano -, o processo foi encaminhado de forma autoritária pelo sindicato mais forte, o de São Bernardo. Apesar das direções dos sindicatos integrarem uma mesma cor- rente política, inclusive majoritária nacionalmente, a unificação não ocorreu porque se tentou superar diferenças por cima (pela cúpu- la), sem um processo maior de aprofundado debate político, da discussão com as bases. O sindicalistas de Santo André conside- raram-se "anexados por São Bernardo". O Sindicato de Santo André foi fundado pelos comunistas muitos anos atrás. Quando ocorreu a fusão/anexação, retiraram a placa da sede do Sindicato de Santo André e colocaram outra nova "SINDICATO DO ABC" - com a data de fundação recente. Essas

questões artificializaram o processo, provocando o rompi- mento do Sindicato de Santo André que se apoiou na "Força Sindical" para se contrapor ao Sindicato de São Bernardo, que é filiado a CUT. Um verdadeiro retrocesso, foi um problema polí- tico ou foi um problema da estrutura sindical vigente? Foi um problema político. O exemplo do ABC é importante para a nossa reflexão, pois se desejamos construir uma proposta de nova or- ganização sindical, temos de construir vontade política unitária.

O segundo pressuposto para a construção de uma nova estru- tura sindical, deve considerar que as mudanças ocorram com base na iniciativa dos próprios trabalhadores. Devemos defender sindi- catos representativos contra os sindicatos amarelos, criados pelas empresas, com iniciativa do Estado, pelo Governo ou por patrões. Os sindicatos de pequenos grupos e sem representatividade, de- vem ser combatidos; devemos buscar sindicatos mais abrangentes para defender os interesses e as mudanças necessárias. As defini- ções políticas devem ser aprovadas após ampla consulta aos tra- balhadores. Sindicatos democráticos e representativos só são pos- síveis com a participação ampla das suas bases.

O terceiro pressuposto, diz respeito à base territorial do sin- dicato, que não pode ser menor do que um município, porque isso evita o sindicato por empresa, que não tem tradição cultu- ral e também por fazer parte da estratégia patronal O sindicato de base regional ou estadual parece ser o melhor, capaz de res- ponder às necessidades dos trabalhadores de fortalecimento de suas entidades, o que depende de cada realidade. São algumas considerações mais gerais para a reflexão.

Há um debate no interior da CUT no sentido de organizar um sindicato nacional de metalúrgicos e um sindicato nacional de bancários, baseados nas experiências existentes na Alema- nha, na Espanha e na França. O parâmetro não é muito próxi-

mo, pois a França é quase do tamanho de Minas Gerais; já o nosso país é continental. Formar um sindicato nacional do ramo metalúrgico, talvez tome difícil dar as resposta aos problemas do cotidiano e a unificação da luta dos trabalhadores. A definição acerca da viabilidade deste sindicato e se ele corresponderá mesmo à ex- pectativa, caberá aos próprios metalúrgicos responderem, após um debate democrático e amplo. Já em outras categorias, é possí- vel ter o sindicato nacional. A ANDES-SN é uma experiência con- creta. O Sindicato dos Aeronautas é nacional. Os Aeroviários tam- bém poderiam ter um sindicato nacional. Isso depende muito da situação concreta de cada base, até mesmo da sua história.

Um pressuposto também importante, que na verdade cons- titui-se num desafio, diz respeito ao enraizamento do sindicato nas bases, através da OLT - Organização por Local de Traba- lho. É um pressuposto fundamental para qualquer organização sindical. A OLT deve ter condições de fiscalizar qualquer con- venção ou acordo através dos trabalhadores nos locais de tra- balho. Isso exigirá a realização de processos eleitorais que en- volvam a base amplamente, através de convenções e fóruns mais democráticos. A eleição das diretorias dos sindicatos tam- bém deve ser amplamente democrático.

O financiamento das entidades, a forma de custeio, também deve ser encarado com seriedade. O fim das contribuições que alcançam toda a categoria, só podem ser aceitas com a garantia de que serão decididas soberanamente pelos trabalhadores em suas assembléias, assegurando-se os descontos obrigatórios na folha de pagamento. Trata-se de uma questão que não dá para abrir mão. A PEC 623/98 determina o fim das taxas compulsó- rias. Quando estas medidas partem do governo, no mínimo temos que colocar um ponto de interrogação na frente, pois trata-se de um governo neoliberal que visa quebrar financeira- mente os sindicatos. O problema não é a forma como são arre- cadados os recursos, mas como são gastos. Os sindicatos gas- tam mal a sua arrecadação e destinam pouco para a luta, que é a questão fundamental. O Sindicato dos Metroviários de São Paulo, tinha a prática de fazer a devolução do imposto sindical compulsório previsto na lei, mas devido a uma multa que sofre- ram da Justiça do Trabalho, após uma greve que realizaram, a exemplo do que aconteceu com os petroleiros, tiveram que al- terar esse comportamento. Recorreram para evitar o pagamen- to e assim, impedir o fechamento do sindicato. Mas enquanto não sai o resultado, eles optaram por não devolver essa arreca- dação que é compulsória. É errado isso? Se os trabalhadores em assembléia concordaram ? Claro que não.

Os trabalhadores pagam muitos impostos. O problema não é apenas esse, se esse recurso é para financiar a sua entidade. O problema é como se gastam os recursos. Quais são os me- canismos existentes de fiscalização das finanças da entidade pelos trabalhadores? Os mecanismos democráticos de contro- lar a gestão e a administração da entidade, essa é a questão de fundo, a questão essencial para os trabalhadores no tocante ao custeio das suas entidades. A arrecadação não deve ser apenas dos associados, mais de toda a categoria. Trata-se de princípio justo. Isso também é um pressuposto da CUT.

Para finalizar, outro desafio que precisa ser encarado, é como organizar os excluídos. Os sindicatos estão representado um número cada vez menor de trabalhadores, pois cerca de 60% dos trabalhadores estão no mercado informal de trabalho. Como

A única c€í§a mie temes a cememerar sãc cs cinco sécuies de lutas e rebeliões de neve mine e exnlerade!

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Trabalhaclcres nós organizaremos esse segmento grande e importante? Organizar os que já estão trabalhando já é difícil, com as entidades que temos hoje. Como nós vamos organizar os excluídos? Os trabalhadores no mercado informal de trabalho, os subempregados e os de tra- balho temporário ? Os temporários, podemos organiza-los através do sindicato por ramo, com uma horizontalização maior da entida- de. Trata-se de um grande desafio que precisa de resposta.

O MST, por exemplo, que é uma forma de organização que não se limita simplesmente ao campo institucional, tem conse- guido se organizar mais amplamente. Possui um certo caráter sindical, mas tem também um caráter político e as vezes atua quase como um partido político, ao ter um projeto político alter- nativo para a sociedade. E os sindicatos, também não devem organizar esses trabalhadores excluídos? Claro que sim, mudan- do seus estatutos e criando mecanismos capazes de organiza- los. Trata-se de um desafio importante. O Fórum Nacional de Luta " Terra, Trabalho, e Cidadania", que congrega entidades nacionais e partidos políticos, aprovou a organização de comitês de desempregados, mas tem tido dificuldades em implementar a

proposta, pois a mesma precisa ser amadurecida e aceita. A relação maior do sindicato com a sociedade é fundamental.

O sindicato também deve assumir a defesa de políticas públicas de saúde, educação e outras mais, independente da categoria que represente. Temos que romper com a lógica atual, pois os pro- blemas da saúde, não dizem respeito apenas aos trabalhadores do sindicato da saúde; os problemas da educação, não são apenas do interesse dos trabalhadores do sindicato ligado à educação. A saúde e a educação, bem como as demais políticas públicas de- vem ser do interesse de todos os sindicatos, sejam de trabalha- dores metalúrgicos, têxteis, do setor de transportes etc.

A análise está feita, o diagnóstico apresentado, bem como os desafios e algumas propostas. É hora de quebrarmos a es- trutura verticalizada que ainda prevalece no sindicalismo brasi- leiro, mesmo no campo da CUT. É hora de superarmos o corporativismo e buscarmos uma articulação mais horizontal do movimento sindical e política. Só assim poderemos avançar na organização dos trabalhadores, derrotar o neoliberalismo e marchar rumo à construção de um futuro mais justo e feliz. □

À venda no CPV "O ROUBO DA FALA" Origens da ideologia do trabalhismo no Brasil

A legislação trabalhista teria sido, de fato, uma mera "concessão" de Getúlio Vargas aos trabalhadores do Brasil? Diferentemente de outros países, aqui a "outorga" dos direitos sociais teria se dado de forma indolor, inde- pendentemente de lutas e protestos por parte da classe trabalhadora?

Para responder a estas e muitas outras questões que dizem respeito ao Governo Vargas, o professor Adalberto Paranhos, da Universidade Federal de Uberlândia, escreveu O Roubo da Fala: Origens da Ideologia do Trabalhismo no Brasil, publicado pela Boitempo Editorial, de São Paulo, originalmente sua dissertação de Mestrado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

O livro Quarto livro da coleção Mundo do Trabalho, dirigida pelo pro-

fessor Ricardo Antunes, ele promove a desmontagem de muitos mitos de que se alimentou a "era Vargas", além de discutir critica- mente a bibliografia sobre esse período da nossa história.

Tomando a ideologia do trabalhismo no seu processo de cons- tituição, desde os anos 30, O Roubo da Fala põe a descoberto os vínculos que a prendem a um projeto político autoritário que bus- cou soterrar o passado de lutas das classes trabalhadoras. E mais, deixa à mostra os mecanismos de dominação política e ideológica a partir dos quais se procurou reduzir a fala operária a mera caixa de ressonância do discurso estatal, em meio à tentativa de trans- formar os trabalhadores em "força-tarefa" a serviço da ditadura estado-novista e/ou de Vargas.

Ao fazer o inventário do trabalhismo varguista, Adalberto Paranhos questiona a visão oficial, segundo a qual "as leis soci- ais não passariam de simples dádivas caídas dos céus getulistas

sobre a cabeça dos trabalhadores". Para tanto, o autor mostra que ocorreu o que se poderia chamar de um "roubo da fala": as falas, as bandeiras de lutas e os símbolos da classe operária foram apropriados pelos ideólogos do "Estado Novo" (1937/1945) e, simultaneamente, passaram por um pro- cesso de reelaboração/ressignificação para serem, então, devolvidos aos trabalhado- res em forma de mitos.

Tudo isso, como lembra, no prefácio, o professor Caio Navarro de Toledo, da Unicamp, com a vantagem de ser "um texto que, lucidamente, não se dirige apenas para os iniciados da Academia. Ao contrário de alguns trabalhos universitários, aborrecidos e hermé- ticos, estamos diante de um texto ágil e fluen- te, escrito de forma clara, concisa e com alu- sivas e sonoras metáforas musicais. Enfim, um livro escrito com rigor e rítmica".

O autor Adalberto Paranhos é professor de Política e de Socio-

logia no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Ciência Política pela Unicamp, exerceu o magistério durante vários anos na PUC de Campinas. Atualmente, desenvolve sua pesquisa de dou- torado em História Social na PUC de São Paulo.

Escreveu, anteriormente, o livro Dialética da Domi- nação (Papirus) e é co-autor dos livros Introdução às Ciências Sociais (Papirus) e Música Popular en Améri- ca Latina (este editado no Chile). Foi ainda diretor da revista Cara a Cara, publicação da editora Vozes dirigida ao meio universitário.

Radialista e jornalista profissional, Adalberto Paranhos traba- lhou na CBN - Campinas, no "Jornal de Campinas", no " Diário do Povo" de Campinas, bem como na "Tribuna da Imprensa", do Rio de Janeiro, tendo sido ainda editor para o Estado de São Paulo do seminário "Jornal de Debates".

Foi também o primeiro presidente eleito da Apropucc (As- sociação dos Professores da PUCC). P

\ única ccísa que temes a cememcrar sác es eínce sécules de lutas e rebeliões de PCVO ncbre e exuleradc!

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Saúde Folha de S. Paulo/Suplemento Time

Riscos e benefícios A terapia hormonal pode fazer maravilhas, mas

um novo estuda enfatiza os riscos de câncer

"Ccltaüas tias mulheres". La- menta a caraíclcQl§ta da Lnlversl- dade de Hlchlaan, Lcrl Mcsca. *éTcda vez aue um ncrc estude é publlcadc, elas têm de reavaliar sua declsãc9*. Milhões de mulhe- res nue entram na menenausa en- frentam c dilema de temar suple- mentes hcrmcnals nara rencr as reduzidas reservas de estrcocnlc de craanlsme, na esnerança de t>re\enlr enfermidades come

^estecnerese e doenças cardíacas. I

Tomar essa decisão nunca foi fácil e, depois dessa pesquisa, ficou ainda mais difícil. Segundo estudo publicado pela conceituada revista científica Jo/--

nal ofthe American Medicai Association, as 8,6 milhões de norte-americanas que hoje tomam um combinado de estrogênio e progesterona, a forma mais co- mum de reposição dos hormônios, podem estar sob um risco significativamente maior do que se supunha de desenvolver cân- cer de mama.

A combinação de estrogênio e progesterona, afirmam os pesqui- sadores, pode aumentar em 8% ao ano os riscos de uma mulher ter câncer de mama. Quando o trata- mento é feito apenas à base de estrogênio, a diferença é de ape- nas 1%. "O que nos surpreendeu foi a magnitude do aumento", afir- ma o epidemiologista Walter Willett, da escola de saúde pública da Universidade Harvard. "E raro encontrar uma diferença tão grande".

A perspectiva, no entanto, não é tão sombria assim. Embo- ra seja um estudo grande, com um grupo de 46.355 mulheres na pós-menopausa, o número estudado de pacientes que rece- bia terapia combinada de estrogênio e progesterona era com- parativamente modesto. Além disso, o aumento do risco foi observado em um grupo ainda mais reduzido que fazia uso contínuo dos hormônios por quatro anos ou mais. De um total de 2.082 casos de câncer de mama, 101 ocorreram em mulhe- res que ainda tomavam a combinação estrogênio-progesterona. Desses casos, 39 foram notados num grupo de 3.200 mulheres que haviam tomado os dois hormônios por quatro anos ou mais.

O aumento do risco foi mais acentuado entre mulheres ma- gras, correspondentes a dois terços dos 39 casos. A boa notícia é que, depois que as mulheres pararam de tomar os hormônios, o risco de desenvolver câncer de mama caiu rapidamente

Para Catherine Schairer, epidemiologista do Instituto Na- cional de Câncer e principal pesquisadora do estudo, as mu- lheres não devem se desesperar, especialmente se estão to- mando o combinado de hormônios por apenas dois ou três anos para aliviar os sintomas de mal-estar provocado pelas ondas de calor e oscilação do humor. O estudo confirma o que os especialistas pensavam há muito tempo; o uso de hormônios a curto prazo pode trazer benefícios considerá- veis com um risco relativamente baixo.

O tratamento de reposição hormonal a longo prazo tem outras implicações. O que se sabe até o momento sobre seus riscos e benefícios vem de estudos dos efeitos do estrogênio

quando tomado isoladamente, uma opção de tratamento que hoje fica reservada às mulheres que tiveram o útero retirado. Isso porque se sabe que o "estrogênio não contrabalançado" como se diz no jargão médico, aumenta o risco de câncer uterino. Os médicos observaram que a adição da progesterona poderia prevenir tumores malignos no útero. Com o novo es-

tudo, Schairer e sua equipe queri- am verificar se essa vitória sobre uma forma de câncer viria associa- da a um maior risco de desenvolver outro tipo da mesma doença.

"Antes supúnhamos que as duas formas de tratamento ti- nham o mesmo efeito", afirma Susan Love, especialista em cirur- gia de mama da Universidade da Califórnia e conhecida adversária da terapia de reposição hormonal. "De repente começamos a ter pro- vas que refutavam essa idéia". Como muitos de seus colegas, Love

espera ansiosa pelos resultados de um grande estudo clinico da Women's Health Initiative, iniciado em 1993, especialmente planejado para avaliar os prós e contras da reposição de hormônios. Os primeiros resultados devem ser conhecidos em cinco anos.

Por enquanto, as mulheres e seus médicos terão de se virar com o pouco que se sabe sobre o assunto. "Quando se toma hormônios", explica Dorothy Gohdes, médica de Albuquerque, Novo México, "é preciso lembrar que eles não são inócuos. Trata-se de uma troca". Por exemplo, uma mulher com uma história familiar de alta incidência de câncer de mama pode optar por não tomar hormônios, mesmo por um curto período, enquanto outra com grande probabilidade de desenvolver osteoporose ou doença do coração pode decidir correr o risco.

Outro fato encorajador é a quantidade crescente de op- ções na prevenção de osteoporose e doença do coração. Há novos medicamentos no mercado para combater a perda ós- sea, inclusive drogas com efeitos parecidos ao do estrogênio, que agem como fatores inibidores do câncer de mama. A medida que surjam medicamentos ainda melhores, a terapia hormonal a longo prazo deve cair para o e segundo plano.

Por enquanto, no entanto, as mulheres não devem des- cartar o tratamento hormonal a longo prazo, mas precisam ponderar cuidadosamente os prós e contras. "E apenas um estudo", diz Schairer. "Eu não depositaria todas minhas fi- chas nele, mas acho que é um bom estímulo para que as mulheres discutam as alternativas com seus médicos", d

Reportagem lan K. Smith/Nova York

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QUINZENA Nc 286 2C

Eccncmía Jornal da CUT S.Paulo - jan./2000

A banalização da miséria Emir Sader

Na última semana do ano, o Jornal Nacional da TV Globo apresentou uma reportagem sobre crianças tra balhando nas plantações de babaçu no Maranhão.

Cenas infelizmente usuais na nossa realidade, menos na mídia, porém, dada a banalização da miséria que acomete o país, tor- nam-se cenas relativamente costumeiras também na mídia.

Trinta mil crianças trabalhando nas piores condições pos- síveis. Nas imagens exibidas, sentadas em tomo de suas mães, sujeitavam facões com a perna, enquanto golpeavam a sua lâmina com as mãos até quebrar o babaçu. A mãe de uma delas dizia que as que estudam chegam ao quarto ano e se- guem repetindo-o porque não existe, nas proximidades, esco- la para seguirem os estudos.

Na cena final, um menino de três anos (sic), interrom- pendo seu trabalho, reclamava, chorando: "Mãe, eu quero ir embora". Antes, perguntada sobre o que queria, uma menina sequer diz que gostaria de estudar ou de brincar, mas de tra- balhar em algo menos duro. Relatados os salários de fome, esses explorados, considerando-se o orçamento miserável das famílias, representam uma porcentagem não desprezível na sua estratégia de sobrevivência.

Cenas pungentes, diante das quais um desavisado poderia supor que ninguém menos que o presidente da República in- terviria no mesmo dia, diante da escandalosa e urgente situa- ção. Que, se não se dispusesse a mudar radicalmente a con- dição das trinta mil crianças de que o Brasil soubera a exis- tência, pelo menos tomasse medidas em relação àquelas cujos rostos haviam sido incorporados obrigatoriamente à mente dos que ainda mantêm viva a capacidade de se indignar.

Ou que, pelo menos, o seu ministro da Educação chamaria a imprensa para anunciar as providências que permitissem tirar aquelas crianças do trabalho e levá-las à escola, imediatamente.

Ou então que o ministro da Saúde, indignado, anunciasse medi- das que dessem um mínimo de existência sanitariamente digna para aquelas crianças, do mesmo país que os filhos e netos dele.

Ou que o secretário de Direitos Humanos corresse a fazer um pronunciamento sobre aquela brutal violação dos direitos ele- mentares dos seres mais fragilizados da nossa sociedade, antes que organismos internacionais publicassem mais um relatório condenando a situação do trabalho infantil e escravo no Brasil.

Ou que o ministro da Fazenda afirmasse que, apesar das difi- culdades por que passa o país, se dispensaria a compra de alguns guardanapos das toalhas de linho compradas para o enxoval pre- sidencial, para atender àqueles meninos, apesar das incomodida- des que isso poderia provocar no Palácio do Planalto.

Ou que a encarregada do Comunidade Solidária anunci- asse que algum programa, justamente para atenção daqueles meninos e meninas, estava no prelo, na dependência da par- ceria de algum empresário do setor financeiro.

Ou que o presidente do Banco Central anunciasse que, apesar da situação das crianças do Maranhão, não se modi- ficaria o viés da taxa de juros, com o que, confirmando a previsão do ministro da Fazenda, lá por 2015, - quando aque-

la menina de três anos, se sobrevivente, estaria chegando à maioridade - a miséria seria reduzida pela metade, se nenhu- ma outra surpresa externa ocorresse como, por exemplo, que a Rússia entrasse em falência, que a Argentina tivesse que decretar moratória ou que a situam de ingovernabilidade não fosse resolvida na Colômbia.

Ou ainda, que o ministro de Relações Exteriores se apres- sasse a prevenir as grandes potências e entidades internaci- onais que se tratava de um fenômeno em extinção no Brasil, que não poderia provocar sua caracterização como doping.

Ou que o ministro de Ciência e Tecnologia viesse imediata- mente dizer que aquela situação vergonhosa só era possível devido à baixa qualificação da mão-de-obra do país, resultado da entrada precipitada daquelas crianças no mercado de tra- balho, responsáveis, assim, pelo custo Brasil, que, logo que as reformas fossem aprovadas no Congresso, seria resolvido.

Ou que pelo menos o presidente do Banco Mundial afirmasse que a culpa não é deles, mas dos governos que aplicaram as polí- ticas do FMI e da entidade que ele dirige ao pé da letra, sem levar em conta as particularidades de regiões como o Maranhão.

Ou que a governadora do Maranhão, sensível como toda mulher que adere à vida política, viesse imediatamente deslindar responsabilidades, tanto de seu governo, como da sua família e, em particular de seu pai, que sempre fizeram tudo que esta- va a seu alcance para superar situações infames como aquela.

Não aconteceu nada, nem sequer no reino impune das palavras. Em suma, a banalização da miséria está decretada neste país, assumida oficialmente pelo presidente da Repú- blica, desde que afirmou sem conseqüências penais -, que há milhões de "inimpregáveis" neste país, diante dos quais ele, pelo menos, diz não ter nada a fazer.

Além disso, o presidente estava ocupado organizando o convescote no Forte de Copacabana, de onde assistiria ao espetáculo pirotécnico da passagem do ano, em meio a mi- nistros, embaixadores, governadores e esposas. Desligado do Brasil real, o presidente talvez sequer tenha consciência dos motivos que o tornaram objeto da maior vaia dirigida a um governante na história do Brasil: Copacabana vaia em coro, maravilhosamente ocupada por três milhões de pessoas, en- quanto no palanque oficial reinava um clima misto de baile da Ilha Fiscal e de renúncia de Fulgência Batista naquele réveillon de 1958/59, em Havana. Apavorada diante da massividade dos apupos, a comitiva presidencial se sentiu em pânico não suficientemente retratado pela grande imprensa quando, di- ante da inevitabilidade de sair da festa de carro - dada a impossibilidade de sair todos de helicóptero -, o trajeto, em que não foram poupados um segundo pelo povo, pareceu, ao casal presidencial e a seus ministros, uma eternidade.

Restaria, num país digno, num governo não devorado pela podridão moral, a renúncia e a entrega ao povo da possibilidade de escolher um outro caminho, um outro governo, em que a miséria de trinta mil seja um problema dos 160 milhões, que possam confiar em seus governantes para resolvê-lo.□

Emir Sader é socióloeo

X única ccísa aue temes a ccmemcrar sãc cs cíncc séculcs de lutas e rebelíces de PCVC pobre e explorado!

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€UINZEN/1NC 28e 21

Ecencmía Caderno UNICEF/2000

Guerra não declarada Apesar dos progressos feitos com relação a muitas

das metas estabelecidas no Encontro Mundial de Cúpula pela criança de 1990, esta foi uma déca-

da de guerra não declarada contra mulheres, adolescentes e crianças, uma vez que pobreza, conflitos, instabilidade social crônica e doenças evitáveis, como HFV/AIDS, ameaçam seus direitos humanos e sabotam seu desenvolvimento.

Para mulheres e meninas, cada um desses obstáculos é composto pela discriminação contra elas, infiltrada em todos os setores da sociedade, em todos os países. A discrimina- ção de gênero, tão arraigada em normas sociais a ponto de sequer ser noticiada, mantém meninas jovens fora da escola e impedem que as mulheres tenham envolvimento ativo e igualitário em suas comunidades. Esta discriminação está na base de muitas das violações dos direitos das mulheres, in- clusive a coação física da violência doméstica ou o uso estra- tégico de estupro e gravidez forçada como armas de guerra. E onde os direitos das mulheres estão em risco, os direitos das crianças também estão.

A armadilha da pobreza A pobreza é um mundo de escuridão, onde cada dia é

uma luta pela sobrevivência. Os pobres constituem a maioria da população em aproximadamente um em cada cinco paí- ses do mundo. Em países ricos, estão cada vez mais concen- trados em comunidades minoritárias. Enfrentam uma vida de fome, desnutrição e doenças, e são desrespeitados em seus direitos à educação, a receber bom atendimento de saúde, a ter acesso a água limpa e saneamento, e a ter proteção em situações que possam lhes causar danos.

O número de pessoas vivendo na pobreza continua a cres- cer à medida que a globalização - um dos fenômenos econô- micos mais poderosos do século 20 - avança em seu curso inerentemente assimétrico: expandindo mercados através de fronteiras nacionais e aumentando a renda de relativamente poucos, e oprimindo ainda mais a vida daqueles que não têm os recursos para serem investidores ou capacidade para usu- fruir da cultura global. Em sua maioria, são mulheres e crian- ças, que já eram pobres, mas que são ainda mais pobres ago- ra, à medida que a economia mundial, dividida em duas ca- madas, aumenta a distância entre países ricos e pobres e entre pessoas ricas e pobres.

Ser uma menina nascida na pobreza significa enfrentar a discriminação muitas e muitas vezes, em condições pene- trantes e insidiosas. Desde o momento da concepção, os di- reitos das meninas já estão em perigo. E possível que exis- tam cerca de 60 milhões de 'mulheres desaparecidas' em todo o mundo, que estariam vivas hoje não fosse a discri- minação de gênero, que começa antes de seus nascimentos e continua durante suas vidas.

Embora a discriminação contra meninas e mulheres seja

encontrada em todos os continentes do mundo, devido à enor- me escala de sua população e às restrições culturais contra gênero e classe, poucas regiões podem ser comparadas à Ásia Meridional, onde, a cada ano, milhões de meninas nas- cem na pobreza, em condições de servidão devido a dívidas, e em castas sociais desumanas. Mulheres grávidas pobres, preocupadas com o custo futuro do dote de uma filha, procu- ram cada vez mais os serviços dos 'médicos de ultrassonografia' itinerantes, e abortos ilegais de fetos do gênero feminino têm sido registrados em 27 dos 32 estados da índia. Em algumas comunidades de Bihar e Rajasthan, as taxas de nascimentos, que naturalmente deveriam estarem torno de 100 mulheres para cada 103 homens, foram drasti- camente reduzidas para 60 mulheres para cada 100 homens. Essas meninas, crianças da pobreza, freqüentemente come- çam suas vidas preteridas em favor de seus irmãos com rela- ção a alimentação, cuidados médicos e escolarização. A mercê dos homens de suas famílias e comunidades, sofrem o isolamento da ignorância e do analfabetismo, a agonia de es- pancamentos. Para meninas e mulheres da classe social mais baixa, humilhações públicas são freqüentes.

A pobreza de castas sociais persiste por toda aquela vasta região, desafiando leis que proíbem sua prática e destituindo de seus direitos, só na índia, muito mais de 160 milhões de pessoas. Um peso particularmente cruel cai sobre as crianças, quando os pais contraem pequenos empréstimos em troca do envio ou da venda de uma cri- ança para um dono de fábrica ou de fazenda. Na Ásia Meridional, estima-se em 20 milhões o número de meni- nas e meninos que trabalham nesta servidão da dívida, curvados sobre teares, fazendo tijolos ou enrolando cigar- ros com a mão - mas esse número talvez chegue a 40 milhões. Outros tantos, em número incontável, passam sua infância e adolescência em servidão doméstica, varrendo o chão e esfregando potes e panelas.

É perturbador imaginar o que espera uma criança de seis anos quando seus pais a colocam como garantia de dívida em troca de um empréstimo por sementes ou abri- go. É quase incompreensível que uma menina das mon- tanhas do Nepal, vendida por seus pais empobrecidos a um agente que oferece emprego em uma fábrica de ta- petes, em vez disso se encontre, juntamente com outras meninas, em uma sala sem janelas em Calcutá ou Bom- baim, forçada a fazer sexo com duas dúzias de clientes adultos por dia. Assim como os países em que vivem, que estão presos na armadilha da dívida, as crianças ra- ramente conseguem pagar as dívidas de seus pais, mes- mo depois de 10 ou 12 anos, e perpetuam a servidão de suas famílias transmitindo-a a um irmão mais novo ou a seus próprios descendentes." □

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QUINZENA Nc JHi 22

Eccncmía Inverta mar. -n" 240

100 dólares não reporia nem as perdas em 1 ano Renato Fialho Jr.

Cinco anos de real, 5 anos de arrocho salarial máxi mo. E, agora, exatamente os responsáveis por esta política econômica (neoliberal) resolvem vir a pú-

blico defender o reajuste do salário mínimo para 100 dólares, uma velha proposta outrora defendida por Barelli, ministro do Trabalho no Governo Itamar.

Curiosamente, fica contemplada também a antiga proposta de- fendida por Paulo Paim (PT-RS), de R$ 180,00 para o salário mínimo.

Como se vê, de uma hora para outra, não foram poucos os que caíram no ridículo de propor US$ 100 (ou menos).Sim, pois o que significam 100 dólares hoje? A proposta é ridícula, porque o salário mínimo, segundo o Dieese, deveria corresponder a R$ 942,76 em janeiro de 2000, o que significa 532 dólares pelo câmbio atual. Mas a discussão é tão tênue, como o salário atual de R$ 136 (ou 76 dólares). Para derrubá- la, basta qualquer acontecimento da conjuntura. Isto se não estourar a crise econômica (que desta vez atingirá mais for- temente o Brasil) e lançar para muito longe todas essas pa- lavras de miserável agrado.

Frente as eleições burguesas e o carnaval, vale tudo para ludibriar briar o povo. Mas, no dia 1" de maio (que o governo converteu em dia de discussão exclusivamente economicista e eleitoreira), o que virá realmente em termos de reajuste? Muitos apostam num meio termo. Algo, digamos, similar a uns R$140, R$ 150 ou quem sabe R$ 160. Isto deixaria "bem" o PSDB de FHC e deixaria ACM (atual proprietário da pro- posta dos 100 dólares) na oposição, em situação ainda me- lhor: "Tentei, mas FHC não permitiu! Elejam-me, e vos darei o que querem", dirá Malvadeza. Mas, tudo isto não passa de discussão nominal. Na realidade tudo é bem diferente.

Sem dúvida, o salário mínimo é uma importante referên- cia econômica. Determina, de certo modo, o grau de explo- ração da mão-de-obra num determinado país, melhor dizen- do, a taxa de mais-valia.

Mas, o que deve ser dito é que o salário mínimo em janeiro de 99 correspondia a 107dólares (pois na época o salário estava a R$ 130 e o dólar a R$ 1,21). Ora, isto signi- fica que reajustar para 100 dólares o salário hoje é o mesmo que não conceder aumento algum. Para chegarmos ao salá- rio de janeiro de 99 seria preciso reajustar a proposta para 107 dólares (=R$ 190). E isto não significaria aumento algum. Mas, reajuste das perdas em apenas um ano.

Ora, como se vê, a burguesia não está disposta a conceder um milímetro no que diz respeito à extração de mais valia. E é sempre assim em tempos de liberalismo e recuo da classe operaria.

Mas, mesmo se aumento real houvesse, o capitalismo tem seus métodos para recuperar a quantia a mais despendida em salários: é a inflação. Aumentando os preços, ela confis- ca os trabalhadores e seus aumentos. Mas, como há muito não há aumentos, o que a burguesia tem feito é avançar ain- da mais no tempo necessário à sobrevivência dos trabalha- dores. Com menos dinheiro no bolso, os trabalhadores tem cada vez mais que abrir mão de itens relativos a saúde, edu- cação, moradia, alimentação e por ai vai.

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Este ano faz 60 anos que o salário mínimo foi implantado. E não há quem. duvide de que este caiu ao seu valor máximo. Bastaria a intuição e o dia-a- dia nos supermercados para verificar esta realidade: cada 'vez mais trazemos menos produtos para casa'.

Mas as pesquisas apontam na mesma direção. O professor de Economia da UNICAMP, Márcio Poch- mann, um estudioso da questão salarial, afirma que , desde que fora instituído em 1940 o salário mínimo nunca ultrapassou seu valor inicial. Assim, nos próprios anos 40, seu poder aquisitivo médio repre- sentou 68% e nos anos 50, cerca de 92%. Na déca- da de 60, o poder aquisitivo do mínimo caiu para 87%, caindo ainda mais nas décadas seguintes: 60% nos anos 70, 51 % nos anos 80 e 26% nos anos 90.

Sem dúvida, a pesquisa mostra que os períodos de , recuperação salarial coincidem com os períodos de forte organização e luta da classe operária, década de 50 e 60. A partir do golpe militar de 64, as con- dições salariais, pouco a pouco, vão se deterioran- do, devido à presença cada vez maior do capital in- ternacional na economia do país.

A situação salarial no país é cada dia mais grave. Segundo a pesquisa, "em 1957, por exemplo, o salário mínimo anual chegou a representar 2,7 vezes a renda per capita dos brasileiros, enquanto em 1999 significou apenas 28%, uma das menores indicações desde 1940"

"Em 1980, por exemplo, número de brasileiros com rendimentos até o valor nominal do salário mí- nimo (que era 38,2% inferior ao de 1940) foi de 13,6 milhões, enquanto em 1998 foram 14,9 milhões de trabalhadores com rendimento até o valor nominal do piso nacional (era 73,4% inferior ao de 1940). Assim, a redução relativa dos trabalhadores de salá- rio mínimo de 29,9% em 1980 para 21,3% em 1998 termina sendo ilusória, pois no mesmo período o mínimo perdeu 57,0% do seu valor real", conclui Pochmann.

Comparando-se o valor do mínimo com a hierar- quia salarial dos trabalhadores ocupados no setor in- dustrial, percebe-se que as diferenças são exorbitantes no Brasil. A diferença entre o salário médio do operá- rio e o salário médio da administração na indústria de transformação brasileira é de 9,4 vezes, enquanto na Alemanha é de 1,6 vezes, de 2,8 vezes na França, de 2,1 vezes na Holanda, de 1,8 vez na Dinamarca e de 1,7 vez na Itália.

Pela pesquisa de Márcio Pochmann, cerca de 14,9 brasileiros recebem o equivalente a um salá- rio mínimo e a região que mais concentra traba- lhadores que recebem salário mínimo é o Nordeste com 54,2% do total do país e o Sudeste, segunda região, com 24,7%.

Pelas estimativas do Professor Márcio Poch- mann, o novo valor do salário mínimo deveria corresponder a R$ 400 para um trabalhador poder se sustentar por um mês, o que eqüivale a cerca de US$ 220. (JCFL e RFJ) □

^ J A única ccísa aue temes a cememcrar sãc es cínce sécules

de lutas e rebeliões de neve pebre e e^nlerade!

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Nacícnal Folha de São Paulo

Terceiro setor e economia solidária Fernando Haddad

Um quiproquó paralisa a esquerda. Uma nova di reita resolve empunhar duas bandeiras caras ao movimento social progressista: o associativismo

e o cooperativismo. Trata-os pelas alcunhas de terceiro se- tor e economia solidária. Num pólo político, ONGs compori- am uma dimensão social tida como pública não-estatal. Num pólo econômico, cooperativas de trabalhadores comporiam uma dimensão social tida como coletiva, ou privada não- individual. Sem cerimônia, a nova direita apropria-se daquilo com o que só a esquerda parecia poder se comprometer.

Como isso foi possível e o que fazer diante desse fato novo? Denunciar como retrógrada e abandonar uma agen- da defendida pela esquerda nos últimos 200 anos?

Antes de tudo, precisamos explicar o porquê desse súbi- to interesse do atual "'reformismo conservador" por essas formas de organização social. Infelizmente, à guisa de defe- sa dos legítimos interesses da sociedade, encontramos os motivos menos nobres. Paradoxalmente, o associativismo e o cooperativismo estão sendo usados para destruir a prote- ção jurídica conquistada, particularmente no segundo pós- guerra, pelos cidadãos sem propriedade.

No plano político, para garantir os recursos suficientes para remunerar "convenientemente" os detentores dos títu- los da dívida pública, promove-se um processo espúrio de terceirização, deixando a cargo de ONGs a execução de funções antes consideradas obrigações do Estado. De vári- as maneiras as ONGs colaboram na solução da propalada "crise fiscal": seus funcionários muitas vezes prestam ser- viço voluntário, não recebendo nenhuma remuneração; tam- bém prestam um serviço público, mas sem direito à aposen- tadoria pública; e muitas ONGs recebem recursos de agên- cias internacionais dos quais as máquinas estatais não são mais consideradas dignas etc.

No plano econômico, o objetivo não é outro senão o mes- mo "corte de custos". Aqui, são as cooperativas o instru- mento usado para promover a usurpação de direitos. Em primeiro lugar, os trabalhadores das cooperativas, conside- rados sócios e não empregados do "empreendimento", não estão sujeitos à limitação da jornada de trabalho ou ao salá- rio mínimo da sua categoria. Em segundo lugar, férias, des- canso remunerado, FGTS, 13o salário, entre outros direitos, podem ser facilmente negados ao trabalhador pelo empre- sário contratante da cooperativa, que atribui sua atitude aos imperativos do mercado. Por fim, não há indenização pela demissão dos trabalhadores, já que, do ponto de vista legal, não haveria relação trabalhista entre o empresário contra- tante da cooperativa e a própria cooperativa, mas tão-so- mente uma relação de direito civil.

A esse respeito, algumas mudanças legislativas e o Mi- nistério Público muito têm feito para coibir abusos, mas muitas vezes sem discernimento para separar o joio do trigo, isto é, as chamadas coopergatos (cooperativas de fachada) das verdadeiras cooperativas.

A esquerda começa a acordar para o problema e esboça uma interessante reação.

A Abong (Associação Brasileira de Organizações Não- Govemamentais) e a CUT acusam o golpe, cujo fundamento num e noutro caso é absolutamente o mesmo, e movimentam- se na mesma direção. Em vez de recolher as bandeiras do associativismo e do cooperativismo desfraldadas pela direita, essas duas instituições tomam o único caminho que sua histó- ria de lutas permitiria: o da politização.

Ao "reformismo conservador" só interessam ONGs e co- operativas despolitizadas. Pois, tão logo se politize uma ONG, ela passa de braço terceirizado do poder estatal, disfarçado de poder público, a importante mecanismo promotor da di- mensão deliberativa da democracia, tendo como objetivo pri- mordial a socialização do orçamento público por meio da de- mocratização do sistema tributário. Da mesma forma, tão logo se politize uma cooperativa, ela passa de braço terceirizado do poder do capital, disfarçado de poder coletivo, a importante mecanismo promotor da dimensão substantiva da democra- cia, tendo como objetivo a socialização da propriedade por meio da democratização do sistema de crédito.

É dessa forma que a correta ação política da Abong e da CUT (e também do MST, da Anteag -Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão-, das incuba- doras de cooperativas e bancos populares, dos conselhos de orçamento participativo etc.) deve ensejar a reapropriação pela esquerda das históricas bandeiras.

E claro que tudo isso seria enormemente facilitado por um governo de esquerda. Nessa eventualidade, poderíamos imaginar um projeto de sociedade que, implementado numa escala à altura dos desafios presentes, John Stuart Mill não hesitaria em chamar de socialismo republicano: socialismo porque recupera a discussão sobre formas alternativas de propriedade, tema que o neoliberalismo quer sepultar, im- pondo-nos a falsa escolha entre a propriedade estatal e a privada, que, historicamente, só têm se distinguido pela for- ma e não pelo conteúdo; republicano porque revaloriza o vi- ver cívico ("vivere civile"), ou seja, a virtude e a participa- ção políticas, assunto enaltecido pelos que desejam ir além da tradição liberal-democrática.

PS - Nesse particular, é elucidativa a composição inter- na do maior partido de oposição, o PT: uma "esquerda" socialista, uma "direita" republicana e um "centro" hegemônico social-desenvolvimentista. Ou seja, três ingre- dientes essenciais do socialismo republicano num país eco- nomicamente semiperiférico. No seu congresso, o PT per- deu uma oportunidade de dar o salto qualitativo que a soci- edade anseia e para o qual, diga-se a seu favor, só ele está preparado. Mas haverá outras. □

Fernando Haddad. 36. mestre em economia e doutor em filosofia, é professor de ciência polílica na Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências

Humanas da USP (Universidade de São Paulo).

A única coisa aue temes a cememerar sãc cs cínce sécuies de lutas e rebeliões de neve IM lire e explcradc!

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QUINZENA N0 286 24

Opinião Socialista- 24/02 a 09/03 de 2000- n0 90 Nacíenal

Quando a velhice chega aos vinte, não é hora de assoprar velas

Valéria Arcarv

Tem uma piada reacionária, que diz que quem não foi sócia lista aos vinte anos não tem coração, e que quem conti nua socialista aos quarenta, não tem juízo. A resposta

certa, para disparar sem misericórdia, é acrescentar que quem aos quarenta renega os ideais dos vinte não merece respeito, porque esqueceu o que tinha de melhor.

A direção nacional do PT decidiu comemorar o aniversário dos 20 anos com uma sessão comemorativa... na Câmara dos Deputados em Brasoportunidade depanhar TV paga (que só é usuf) sedeliciou com uma imperdível seqüência de discursos de representantes dos partidos burgueses de plantão, entre eles o próprio presidente da casa, o impagável Michel Temer, o ex-quercista, que se derramou em elogios ao PT e sua direção. Tudo no melhor estilo solene que define o repugnante cinismo da "grande política" brasileira: o PT sendo aplaudido como um partido que sabe fazer oposição. Uma cena impensável no passado.

Já entre os milhares de militantes que se reivindicam petistas (e eles ainda são a maioria da parcela mais ativa dos trabalhadores e da juventude, no campo e na cidade), o aniversário redondo não foi motivo para festas. Cresce o desconforto e mal-estar com a indisfarçável adaptação da direção petista. E, como sempre, mais importante do que discutir o balanço do como aqui chegamos, está a questão do para onde vamos. Embora, é preciso que se diga, nada de novo poderá surgir da perda de memória.

Muitos, honestamente, se perguntam se a grande tragédia já ocor- reu, ou se está ainda por se dar o desenlace decisivo. Afinal, o destino dos partidos operários com influência de massas pareceria se decidir em processos necessariamente longos...E, finalmente, o PT não teria chegado ao poder... nem cometido a "grande traição",o seu Agosto de 14... Sendo assim, seria ainda possível, numa nova situação política mais favorável para os trabalhadores, deslocar os rumos do partido, acumular para uma possível construção de uma nova maioria... Premis- sas falsas, conclusões erradas.

Não só a grande tragédia já ocorreu, como as suas seqüelas são incontomáveis. Para marxistas, os partidos e suas direções são analisa- dos, em primeiro lugar, por um critério de classe.

Há muito, há mais de dez anos, que o PT é um partido de oposi- ção (moderada) ao governo, mas é ao meswo tempo um partido de sustentação do regime político.

Tão pouco é verdade que a degeneração dos partidos de classe se define em processos "looongos". Ao contrário, a a.daptáção social dos partidos pode se realizar em prazos historicamente curtos, em pou- cos anos, na verdade. O SPD alemão, por exemplo, conquistou a lega- lidade em 1890, e em 96, Bemstein começa a publicação de seus artigos, e rapidamente descobre que, de fato, possui a maioria. E o que pode ser longo, e mesmo assim depende da clareza política dos revolucionários que provocam a luta interna de resistência, é a elaboração e assimilação das ideologias que justifiquem a integração à ordem, o famoso "sair de costas para fingir que se está entrando de frente".

Por outro lado, é verdade que pode ser longa, dramaticamente longa, a agonia de um partido de massas. E muito tempo depois de sua degeneração, ele pode conseguir manter posições de grande influência entre os trabalhadores.

Gorender defende, no seu recente Marxismo sem Utopia que isso

se explica porque os trabalhadores seriam uma classe essencialmente reformista. Mas não parece ser uma posição historicamente sustentá- vel. Em inúmeros países, nos anos 20, os partidos comunistas, antes da estalinização, fizeram uma transição bem sucedida, de organizações de vanguarda para partidos de massas, disputando a direção dos traba- lhadores com os velhos partidos da 2a Internacional, levantando um programa político revolucionário.

A influência dos partido reformistas de massas é inseparável de conjunturas históricas e políticas muito precisas. Não é uma maldi- ção inelutável. Ou seja, se explica essencialmente: (1) por uma etapa histórica de crescimento capitalista sustentado que permite fazer con- cessões às reivindicações das massas, como foi o período dos 30 anos do pós-guerra nos países imperialistas; ou (2) pela prostração dos trabalhadores depois de derrotas, quando perdem a confiança em suas próprias forças, isto é, quando a relação de forças é tão desfavorável, que a classe prefere se entrincheirar atrás de suas ve- lhas organizações para se defender.

Por isso a esquerda petista tem muitas razões para se perguntar seriamente, nesse aniversário de 20 anos, qual é o seu desejo secre- to, quando assoprar as velas. A construção de um novo partido era uma tarefa para ontem. Nem a economia mundial vive uma fase de crescimento que permita concessões aos trabalhadores e à juventu- de (ao contrario, é indisfarçável o empobrecimento, mesmo nos países centrais, e a recolonização nos países dependentes), nem a perspectiva no Brasil é de refluxo. A crise do PT passará, no próxi- mo período, por uma nova fase de aceleração. E se algo podemos e devemos aprender do passado é que às vezes a maçã apodrece no galho, e quando se vai colher, é tarde demais. A maçã está podre e é irrecuperável. A geração de militantes que viveu a crise do PCB só procurou um novo caminho depois da trágica derrota de 64, e pa- gou o preço pelo seu atraso histórico. Os franceses cunharam uma palavra que pode ser útil para explicar os dilemas da esquerda petista: "attentisme", que poderíamos traduzir como quietismo político. Em Minas se diz "ficar na moita". O problema está em que o tempo que se ganha parece ser igual ao tempo que se perde. Mas, na verdade, em política, o tempo que se perde vale o dobro, o triplo, o imensu- rável. As forças revolucionárias que se desgastam numa luta inter- na estéril, são as mesmas que poderiam estar engajadas na afirma- ção de um novo partido, que teria enormes possibilidades de reali- zar a disputa da direção em condições incomparavelmente mais favoráveis, e despertar forças que permanecem ainda intactas.

Para concluir, uma fábula sobre perdas e ganhos: ensina uma sabedoria antiga que Zeus enviou Pandora para vingar o roubo do fogo por Prometeu, que assim fizera viver os seres humanos. Tendo por isso desafiado os desígnios dos deuses, fora condenado a sofrer todas as maldições mais atrozes, até que Júpiter, tomado de piedade, decidiu fechar a caixa de Pandora, quando no seu interior só restava a última, porém a mais terrível das maldições. A Humani- dade foi assim poupada do pior dos males, o mais invisível e o mais perturbador, a perda da esperança.

Os revolucionários são os filhos de Prometeu. Há coisas que não se podem perder. D

A única ccísa aue temes a eememerar sãe es eínee séeules de lutas e rebeliões de neve pcbre e e^pleradc!

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Ncicícnal Refundar a IV lnternacional-fev.2000

Os resultados da pesquisa "A cara do PT" Um partido que fez a opção pelas reformas

O cientista político Carlos Novaes divulgou nessa semana o levantamento sobre o perfil político- ideológico dos delegados presentes ao I I Con-

gresso Nacional do PT, de 23 a 28 de novembro em Belo- Ho- rizonte (MG). Foram ouvidos 375 dos 906 participantes, a mai- oria com idade entre 35 e 45 anos, curso superior (mesmo in- completo) e renda familiar acima de R$1 mil. Às vésperas de seu vigésimo aniversário, que foi comemorado no dia 10 de feverei- ro, as respostas ao questionário apresentado revelam um partido profundamente vinculado com a idéia de conduzir as transfor- mações sociais pelo caminho das reformas.

Ao contrário do debate incentivado por alguns veículos de comunicação antes da reunião petista, há uma ampla maioria a favor da definição do caráter socialista da agremiação: 88,6% dos entrevistados declararão sua filiação a essa perspectiva. Mas essa unidade parece não transpor o patamar dos valores morais que essa opção pode significar. Quando perguntados se "um governo do PT deveria estimular o processo que levará ao fim da propriedade privada dos meios de produção", 50% dos delegados consultados discordaram dessa tese e outros 46% res- ponderam positivamente. Esse recorte possivelmente revela a raiz ideológica do conflito entre os chamados ""moderados" e ""radi- cais". Os primeiros provavelmente refutam uma ruptura com o fundamento da ordem capitalista, propondo uma via que discipli- ne e controle suas operações. Os segundos revelam sua fidelida- de às concepções clássicas sobre a natureza do socialismo.

O detalhamento dessa questão foi revelador. O pesquisador pediu a seus interlocutores que se manifestassem sobre a se- guinte afirmação: "'A extinção do mercado não deve ser uma meta, pois um mercado controlado é indispensável ao funciona- mento de qualquer sociedade." Ainda que a técnica utilizada se- meie a confusão, por conta da exposição de uma negativa como hipótese, a resposta dos delegados mostra a polêmica instalada entre

os petistas. Enquanto 76% concordaram com essa tese, 19% rejei- taram e 5% não manifestaram opinião a respeito. A interseção das três indagações - sobre o socialismo, a propriedade e o mercado- demonstra que a referência cultural dos petistas é anticapitalista, mas com uma tensão acentuada sobre a modalidade desse sistema.

Uma outra pergunta ajudou a iluminar essa diferença. No I Congresso do PT, em 1991, 51,5% dos presentes aquele encontro não tinham identificação com a social-democracia. No fim do ano passado esse índice tinha caído para 39,8%. O percentual dos que acham que a opção social-democrata não deve ser descartada su- biu de 10% a 24,7%. O professor Carlos Novaes, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", considerou que "'o crescimento desse último contingente é coerente com a defesa de reformas que não questionam a existência da ordem capitalista".

Essas discussões adquirem um corpo mais definido di- ante de temas programáticos mais concretos. Para 63,1% dos entrevistados "um governo do PT não deveria opor-se à vinda do capital estrangeiro", mas 24% consideram esse aporte "'perfeitamente dispensável" e 10% acham que deve- ria ser repelido. Na opinião de 23,4% dos delegados entre- vistados, "um governo do PT não deveria pagar as dívidas internas e externas", mas 73,9% defendem uma negociação política sobre seu pagamento e 1,1% acha que esses com- promissos deveriam ser honrados. Essa faixa de 25 a 30% que assinala para uma ruptura com os centros financeiros é provavelmente composta pelas mesmas pessoas que se re- velam a propriedade privada e o mercado. Um outro seg- mento, de 10 a 15%, é critico da propriedade privada, mas não do mercado - e não se sente confortável com um pro- grama de confrontação antiimperialista, apesar de também não se filiar às referências sociais- democratas. Uma maio- ria de 55 a 65%, no entanto, alinha-se com uma política de reformas paulatinas. Mas todos são pelo socialismo. □

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Internacícricil Folha de São Paulo 09/01/00

As novas condições materiais, base da globalização perversa, poderão alavancar a mutação filosófica do homem.

O recomeço da história. Milton Santos

Vivemos em um mundo complexo, marcado na ordem ma terial pela multiplicação incessante do número de obje tos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que

aos objetos nos unem. Nosso mundo é complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra nos objetos e ações. Por isso mesmo, a era da globalização, mais do que qualquer outra antes dela, exige uma interpretação sistêmica cuida- dosa, de modo a permitir que cada coisa seja redefinida em relação ao todo planetário. A grande sorte dos que desejam pensar a nossa época é a existência de uma técnica planetária, direta ou indireta- mente presente em todos os lugares, e de uma política planetária, que une e norteia os objetos técnicos. Juntas, elas autorizam uma leitura ao mesmo tempo geral e específica, filosófica e prática, de

máximo, continentais, em função dos impérios que se estabelece- ram em uma escala mais ampla.

A vez da humanidade. O que até então se chamava de história universal era a visão pretensiosa de um país ou continente sobre os outros, considerados bárbaros ou irrelevantes. O ecúmeno era for- mado de frações separadas ou escassamente relacionadas do pla- neta. Somente agora a humanidade faz sua entrada na cena históri- ca como um bloco, entrada revolucionária, graças à interdependência das economias, dos governos, dos lugares. O movimento do mun- do conhece uma só pulsação, ainda que as condições sejam diver- sas segundo continentes, países, lugares, valorizados pela sua for- ma de participação na produção dessa nova história. Um dado im- portante de nossa época é a coincidência entre a produção dessa história universal e a relativa liberação do homem em relação à natu- reza. A denominação de era da inteligência poderia ter fundamento nesse fato concreto: os materiais hoje responsáveis pelas realiza- ções preponderantes são cada vez mais objetos materiais manufa- turados e não mais matérias-primas naturais. Na era da ecologia triunfante, é o homem quem fabrica a natureza, ou lhe atribui valor e sentido, por meio de suas ações já realizadas, em curso ou mera- mente imaginadas. As pretensões e a cobiça povoam e valorizam territórios desertos. Todavia a mesma materialidade, atualmente uti- lizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. Basta que se completem as duas grandes mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana. A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais, ao contrário das técnicas das máquinas, são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que o seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão a serviço do homem. Por outro lado, muito falamos hoje nos progres- sos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico. Isso, porém, ainda é do domínio da história da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se fala das condições ainda hoje presentes, que podem assegurar uma muta- ção filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à exis- tência de cada pessoa e também do planeta. Nesse emaranhado de técnicas dentro do qual estamos vivendo, o homem descobre suas novas forças. Já que o meio ambiente é cada vez menos natural, o uso do entorno imediato pode ser menos aleatório. Aumenta a

cada ponto da Terra. Emerge, desse modo, uma universalidade empírica, de modo a ajudar na formulação de idéias que exprimam o que é o mundo e o que são os lugares. Cria-se, de fato, um novo mundo. Para sermos ainda mais precisos, o que, afinal, se cria é o mundo como realidade histórica unitária, ainda que ele seja extre- mamente diversificado. Ele é datado com uma data substantiva- mente única, graças aos traços comuns de sua constituição técnica e à existência de um único motor das ações hegemônicas, represen- tado pelo lucro em escala global. É isso, aliás, que, junto à informa- ção generalizada, assegura a cada lugar a comunhão universal com todos os outros. Ao contrário do que tanto se disse, a história universal não acabou; ela apenas começa. Antes o que havia era uma história de lugares, regiões, países. As histórias podiam ser, no

previsibilidade e a eficácia das ações. Ampliam-se e diversificam-se as escolhas, desde que se possa combinar adequadamente técnica e política

O mundo misturado. O mundo fica mais perto de cada qual, não importa onde esteja. Criam-se, para todos, a certeza e a consciência de ser mundo e de estar no mundo, mesmo se ainda não o alcançamos em plenitude material ou intelectual. O próprio mundo se instala nos luga- res, sobretudo nas grandes cidades, pela presença maciça de uma humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo con- sigo interpretações variadas e múltiplas que ao mesmo tempo se cho- cam e colaboram na produção renovada do entendimento e da crítica da existência. Assim, o cotidiano de cada qual se enriquece, pela expe- riência própria e pela do vizinho, tanto pelas realizações atuais como pelas perspectivas de futuro. As ricas dialéticas da vida nos lugares criam, paralelamente, o caldo de cultura necessário à proposição e o exercício de uma nova política.

Ousamos, desse modo, pensar que a história do homem sobre a Terra dispõe afinal das condições objetivas, materiais e intelectu- ais, para superar o endeusamento do dinheiro e dos objetos técni- cos e enfrentar o começo de uma nova trajetória. Aqui, não se trata de fixar datas para as etapas ou o início do processo e, nessa ordem de idéias, o ano 2000, o novo século, o novo milênio são apenas momentos da folhinha, marcos num calendário. Ora, a folhinha e o calendário são outros nomes para o relógio, por isso são convenci- onais, repetitivos e historicamente vazios. O que conta mesmo é o tempo das possibilidades efetivamente criadas, a que chamamos tempo empírico, cujas mudanças são marcadas pela irrupção de novos objetos, de novas ações e relações e de novas idéias.

As condições materiais já estão dadas para que se imponha a dese- jada grande mutação, mas o seu destino vai depender de como serão aproveitadas pela política. O que, talvez, seja irreversível são as técni- cas, porque elas aderem ao território e ao cotidiano. Mas a globalização atual não é irreversível. Agora que estamos descobrindo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana, finalmente, está começando, n

Milton Santos é seóerafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor, entre outros, de "Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e Meio Técnico-Científíco-Informacional" (Hucitec). Ele escreve a

cada dois meses na seção "Brasil 500 d.C. do Mais!.

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liiternacícnal Em Tempo - fevereiro/2000 - n" 313

A revolução como motor Para os astrônomos, depois de 1727, a "revolução"

é a rotação de um corpo em tomo de seu eixo.Do ponto de vista socialista, revolução significa exata-

mente o contrário: interromper o curso monótono desta pseudo- civilização capitalista ocidental em tomo dela mesma, quebrar este eixo de uma vez por todas e criar a possibilidade de um outro movimento, de um movimento mais livre e mais harmoni- oso, de uma civilização comunista libertária da atração apai- xonada (Fourier), de uma realização efetiva da promessa utó- pica que contêm as palavras democracia e igualdade.

A idéia marxista de revolução se caracteriza antes de tudo por seu caráter radicalmente democrático e anti-autoritário. Enquanto os socialistas utópicos, e os primeiros comunistas (discípulos de Babeuf), reclamando-se do materialismo, en- carregavam um déspota esclarecido ou uma minoria revolu- cionária de mudar as circunstâncias e libertar as pessoas do obscurantismo, Marx se situa em um terreno filosófico e po- lítico muito diferente. Através de sua ruptura com as premis- sas do materialismo mecânico, ele formulou o germe de uma nova filosofia e, ao mesmo tempo, os fundamentos metodológicos para uma nova teoria da revolução.

Rejeitando ao mesmo tempo o velho materialismo mecanicista e o idealismo neohegeliano, Marx cortou, com sua filosofia da práxis, o nó górdio ideológico da época, proclamando que na práxis revolucionária a mudança das circunstâncias coincide com a transformação da consciência dos seres humanos.

Daí decorre, com rigor e coerência lógica, sua nova con- cepção da revolução, apresentada pela primeira vez em A ide- ologia alemã: é através de sua própria experiência, no curso de sua própria práxis revolucionária, que os explorados e opri- midos podem quebrar ao mesmo tempo as "circunstâncias" sociais que os aprisionam - o capital, o Estado - e sua consci- ência mistificada anterior. Em outras palavras: não existe outra forma de emancipação autêntica senão a autoemancipação. Como escreveria mais tarde Marx no Manifesto inaugural da Primeira Internacional (1864): "A emancipação dos traba- lhadores será obra dos próprios trabalhadores".

No quadro desta visão de revolução - que diz respeito, claro, não somente à "tomada do poder", mas à todo um período histó- rico de transformação social ininterrupta - não há lugar para qualquer déspota esclarecido, individual ou coletivo. Os antece- dentes de culto do chefe-Stalin, Mao, Kim-II-Sung, Ceaucescu e outros - devem ser procurados antes na história das religiões ou nos costumes do despotismo oriental - bizantino ou asiático - do que no pensamento do autor do Manifesto comunista.

No curso do século XX, após o grande momento insurrecional de 1917/1923, a idéia marxista da revolução co- mo auto-emancipação foi substituída, na ideologia da esquer- da realmente existente, por uma espécie de automatismo do "progresso", partilhado pelo estalinismo e pela social-demo- cracia: o socialismo era inevitável, era o trem da história, bas- taria nadar no sentido da corrente. Sua vitória estaria asse- gurada: segundo alguns pela produtividade crescente das fá-

/f Sem uma memò^ ria ccletiva de pas- sadc nác se pede ter c senho de futurc.Mas as revo- luções do século Wt serão novas e maravilhosamente

^imprevisíveis. J

bricas soviéticas; se- gundo outros, pela acumulação de re- formas sociais (na Europa ocidental).

Hoje, o contexto mudou: segundo o consenso dominante, o progresso apenas pode ser realizado no horizonte inalterável da ordem burguesa. Nestas condições, a idéia de revolução ainda é atual? Não se trata de uma peça de museu, ou de uma ilusão que nós amamos muito?

Renunciar à mudança? Explicam-nos que não existe altemativa ao capitalismo, que

toda busca de um outro caminho conduz ao totalitarismo, ou é uma ilusão, uma utopia, um sonho romântico, um anacronismo fora de moda. Deve-se, pois, renunciar à toda esperança de mudança? É este, com poucas mudanças, o argumento atual da social-democracia. O reformismo mudou profundamente a natureza das coisas nos últimos decênios: em sua forma soci- al-democrata clássica, ele pretendia suprimir o capitalismo por uma sucessão de reformas decretadas pelo Parlamento. Hoje, com o social-liberalismo, que encontra na "terceira via" de Blair e no "novo centro" de Schrõder sua forma mais cínica, não se trata mais de um caminho reformista para o socialismo, mas de um cortejo social do neoliberalismo, da introdução de algu- ma "alma" social no capitalismo.

A aspiração revolucionária não é um sonho: ela se apoia nas contradições do sistema, nos conflitos de classes, nos interesses dos oprimidos, e sobre uma análise lúcida da reali- dade, que nos mostra que a "prosperidade" prometida pelo sistema capitalista mundial é necessariamente o privilégio de uma elite cada vez menor. Os países do Sul não poderão jamais atingir o Norte capitalista avançado, tanto porque o sistema imperialista dominante há um século não permite o avanço de outras nações, quanto porque a generalização do modo de produção e de consumo do Ocidente é impossível por razões ecológicas evidentes. Além disso, nos próprios pa- íses do Norte o número de excluídos (pobres, desempregados, precarizados, imigrantes) não pára de crescer, enquanto os eco- nomistas explicam que o pleno emprego não retomarájamais. Não há lugar para muito otimismo: a aposta revolucionária, o combate por uma nova sociedade, por uma cultura da solida- riedade, da fraternidade, da esperança, contra a cultura capita- lista do egoísmo individualista e da morte, choca-se com obs- táculos consideráveis, dos quais o menor não é a decepção causada pelo colapso dos pretensos socialismos reais.

Todavia acontecimentos como a sublevação zapatista de 1994, o grande movimento social de 1995 na França, a

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mobilização internacional contra a OMC em Seattle mostram que a aspiração de uma mudança de paradigma existe. Mas esta mudança, e a realização das idéias libertárias, igualitá- rias e democráticas comuns ao socialismo, ao movimento de emancipação das mulheres e à ecologia social, não podem ser efetivadas sem atacar as raízes da desordem estabelecida: a lei do lucro, a exploração capitalista, o imperialismo, o po- der de classe do grande capital. Isto é, sem uma revolução.

A revolução social, escrevia Marx no Dezoito Brumário, não tira sua poesia do passado mas do futuro. Ele estava

lnternacícnal

tanto errado como certo. Errado na medida onde as recordações dos grandes momentos revolucionários do último século Petrogrado 1917, Budapeste e Munich 1919, Barcelona 1936, La Havana 1959, Saigon 1975, Managua 1979, Chiapas 1994 - continuam indispensáveis: sem uma memória coletiva do passado, não se pode ter o sonho do futuro. Certo porque as revoluções do século XXI serão novas e maravilhosamente imprevisíveis. □

Michael Lowv é socióloeo. pesquisador do CNRS (Paris) e autor, entre outras obras, de Revolta e Melancolia (Petrópolis: Vozes. 1995).

Texto enviado para o Quinzena

Declaração final do III seminário Internacional Unamos nossa voz e nossa ação contra neoliberalismo

Declaração do IIISeminário Internacional Problemas da Revolução na América Latina

No final do presente milênio, o sistema capitalista- imperialista enfrenta uma nova crise generaliza da que sacode seus alicerces.

Ninguém, nem a própria burguesia imperialista nega sua existência, porém, há uma distância marcada na inter- pretação relativo às origens e o resultado necessário su- perar isto definitivamente.

É uma crise de superprodução relativa, que se manifes- ta em todos os âmbitos, regiões e países, embora apareça como se fora só uma crise de mercado ou financeiro. Isto traz grandes sofrimentos às massas e golpeia com força às classes trabalhadoras e os povos, particularmente aos dos países subdesenvolvidos.

Sem dúvida, tal situação coloca aos revolucionários a necessidade de aproveitar para demarcar a organização e a luta revolucionaria.

Desmentindo os desejos da burguesia internacional e do impe- rialismo relativo ao fim suposto da históriae das lutas revolucioná- rias dos povos, nós verificamos que o refluxo que afetou o movi- mento dos trabalhadores, e as lutas de libertação social e nacional, e a luta dos revolucionários e comunistas ficou para trás.

Frente à deterioração das condições de vida dos povos, e do aviltamento de seus direitos e conquistas democráticas, ao crescimento da dívida externa, ante às políticas reacionárias e fascistisantes dos governos os. os trabalhadores e os povos se levantam contra a dominação burguesa e sua política chamada "neoliberal", contra o imperialismo e as oligarquias nativas.

Em vários países se está passando da ação defensiva à con- tra-ofensiva. A classe operária protagoniza grandes mobiliza- ções e greves por seus direitos. França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Bélgica, a Coréia do Sul escutou a voz vibrante da classe operária contra a dominação do capital, da reconversão e da relocalização industrial; ditaduras e governos opressores como o de Suharto na Indonésia, Bucaran em Equador ou Raul Cubas no Paraguai caíram pelas lutas dos povos: ao ressurgimento do movimento grevista no Japão e nos Estados Unidos nós olhamos o combate dos trabalhadores de companhias transnacionais.

A América Latina é cenário de importantes lutas protagonizadas por diversos setores sociais. Não há nenhu- ma semana em que não acontece uma greve, uma manifes- tação, uma ocupação de terras, uma mobilização, etc. de gran- de qualidade. Um dia são os trabalhadores rurais, outro os trabalhadores da indústria ou do funcionalismo, em seguida os jovens, os professores, ou todos unidos para fazer retroce- der os governos das classes dominantes. Continua a luta contra o bloqueio imperialista à Cuba. No México e Peru

persistem formas militares de organização que atuam ape- sar dos esforços dos inimigos para os esmagar: na Colômbia as forças insurgentes se encontram na ofensiva, conquistan- do vitórias militares e políticas.

Por isso reiteramos que assistimos a um momento de re- animação das lutas das massas em escala internacional, que esta recuperação vai dando lugar a um ascenso do combate popular em vários países e regiões; existe uma tendência ao crescimento, para o desenvolvimento de novas e massivas mobilizações para uma onda de luta revolucionária.

Em algumas destas lutas estamos presentes, em outras não, muitas delas acontecem de um modo espontâneo. Temos o desafio de não deixar que estes combates sejam aproveitados pela burguesia, ou pelo reformismo, ou pela social-democracia para os fazer funcionar o sistema, e, pelo contrário devemos canalizá-los pela senda da revolução e o socialismo.

Nas massas existe um desejo de mudança, todavia, se este se procura levar a cabo nos marcos da institucionalidade burguesa, as lutas e o movimento popular podem cair no reformismo, socialdemocratismo e na denominada "terceira via',, sem isto afete a estabilidade do sistema. Nossa tarefa não é manter vivo o domínio do imperialismo e das classes dominantes, mas aniquilá-los, para construir em seu lugar a sociedade dos trabalhadores e o povo.

Para que estas lutas se moldem nos objetivos estratégico que nos encorajam, os povos devem estar alimentados, enri- quecido um pensamento, uma ideologia e uma política revo-

de lutas e rebeliões do POVO pobre e explorado!

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lucionária, pelos ideais da libertação e do socialismo pelo Marxismo o Leninismo.

Sem teoria revolucionária não movimento revolucionário, diz um conhecido enunciado. Isto força os revolucionários a defen- der o Marxismo frente do revisionismo, pôr atenção ao estudo e enriquecimento da teoria; unir a teoria à prática, e frente à ela definir as tarefas que nós pretendemos executar, resumindo-as em uma proposta de programática que se identifique plenamen- te com os interesses imediatos das massas. A elaboração e melhoria do programa dos revolucionários e comunistas é um instrumento político que clarifica nossa ação e permite unificar aos setores interessados nas transformações sociais.

Nisto, um papel importante cumpre a propaganda revoluci- onária de nossas posições, o enfrentamento à ofensiva ideoló- gica reacionária e o combate às idéias errôneas que semeiam o ceticismo e um espírito derrotista no seio das massas.

A luta educa. Nas horas de ação e combate, as massas aprendem que normalmente fazem isto em anos de calma relativa. A tempestade da luta de classes, a confrontação pelos interesses dos trabalhadores contra o imperialismo e das oligarquias nativas, os combates pela soberania e a inde- pendência nacional constituem uma grande escola para a educação política das massas. Porém, a luta por si só, não basta para afirmar uma política e uma consciência revolucio- nária, é necessário que esta luta seja moldada no projeto es- tratégico, que se consegue com a ação política do Partido.

Sem abandonar a luta pelas reinidicações e direitos das clas- ses trabalhadoras e dos povos, pelo contrário, pressupondo que os impelimos nos apoiamos nelas, nós pretendemos encami- nha-las nos propósitos da revolução e o socialismo.

Trabalhamos para afirmar nossa influência ideológica, política e orgânica em meio ao povo. Nutrir nossas fileiras com os melhores combatentes provenientes da classe operá- ria, do campesinato, da juventude e demais setores oprimi- dos. Entregar nossas energias pela construção e desenvolvi- mento das organizações de massas, para a construção das próprias forças do Partido e outros instrumentos necessários para o desenvolvimento da luta revolucionária, como instân- cias unitárias, etc...

Reconhecemos a validade e necessidade de diversas for- mas de luta. A luta armada se mostra vigente e como cami- nho para conquistar a vitória. A luta econômica, pelos direi- tos democráticos, a greve, a manifestação de rua, a luta elei- toral, a ocupação de terras no campo ou na cidade, a luta armada revolucionária. Todas elas são úteis e necessárias e eles exigem sua aplicação em função de uma realidade con- creta de um momento especifico. Não obstante, estamos convencidos que só com a violência organizada das massas, com a luta armada dos povos conquistaremos o poder. O caminho da conquista do poder passa pela utilização e com- binação de todas estas formas de luta.

Próximo a nós lutam uma série de organizações revoluci- onárias. Antimperialistas, democráticas, progressistas que se opõem ao domínio e a exploração do imperialismo e as oli- garquias que coincidem com vários de nossos pontos de vista com quem procuramos estabelecer ações unitárias. A unida- de destas forças é uma condição para avançar no processo

Internacieticil

revolucionário se consolidará em meio a ação, da luta no seio das massas e suas organizações.

Frente a dominação imperialista, do domínio internacional do capital, erguemos as bandeiras do intemacionalismo prole- tário. Os trabalhadores, os povos, os revolucionários e os de- mocratas temos : grande responsabilidade de lutar junto para opormos ao imperialismo e sua política de opressão e explora- ção. Ratificamos o princípio de que a revolução tem a tarefa e a capacidade de derrotar o capitalismo, o imperialismo e seus aliados em cada um dos países. A luta revolucionária nos paí- ses deve contar com a solidariedade internacional e por sua vez esta contribui à luta geral contra o inimigo comum.

Nos países latino-americanos existem identidade de pro- blemas e aspirações, que surgem de elementos comuns como a dependência do imperialismo. - principalmente norte-ame- ricano em disputa com outras potências imperialistas -: o len- to e pequeno desenvolvimento das forças produtivas, produto do ingerência estrangeira: a aplicação de políticas chamadas neoliberais que agravaram os problemas econômicos e soci- ais da população: o processo de recuperação da luta das massas, a tradição de luta conjunta expressada nos movi- mentos independentistas. Tudo isso vai em benefício da ação internacionalista e da solidariedade antimperialista. Esta luta é conjugada com a dos povos oprimidos de outros continen- tes e com a luta do proletariado internacional.

Temos um compromisso com a classe operária e os po- vos de nossos países, com a revolução no respectivo territó- rio, um compromisso com a classe operária mundial e seus objetivos históricos.

Reiteramos nossa decisão de cumpri-lo. O Terceiro Seminário rende sua homenagem à memória

do camarada Jaime Hurtado Gonzalez, notável dirigente polí- tico dos trabalhadores e do povo equatoriano, assassinado em 17 de fevereiro de 1999, em Quito.

Resolvemos nos autoconvocar para voltarmos a nos reu- nir dentro de um ano, no IV Seminário sobre os Problemas da Revolução na América Latina.

Quito, julho de 1999 Partido Comunista Revolucionário (PCR) - Argentina Corrente

Maxista Leninista (Argentina) Fórum de Autonomia e Independência de Classe (Brasil) Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP) Exército de Li- beração Nacional (ELN) - Colômbia Exército Popular de Libertação (EPL) - Colômbia Partido Comunista da Colômbia - Marxista Leninista (PC da C -ML)

Coletivo Sindical Classista "Guillermo Marin" Coordenadora Agrária

Movimento Popular Revolucionário Paraguai Pyahura Partido Comunista do Peru - Pátria Roja Partido Comunista do Trabalho (PCT) - República Dominicana Movimento Independência Unidade e Mudança (MIUCA) Re-

pública Dominicana Partido Bandeira Vermelha (Venezuela)

Partido Comunista da Alemanha (KPD) Partido do Trabalho da Bélgica (PTB) Partido Comunista Revolucionário (TDKP) - Turquia Movimento Popular Democrático (Equador)

Juventude Revolucionária do Equador (JRE) Partido Comunista Maxista Leninista do Equador (PCMLE) □

Tradução: Alfredo dos Santos

A única coisa aue temes a cememerar sãe es cince sécules de lutas e rebeliões de peve nebre e e^nlerade!

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QUINZENA Nc 286 3C

Revés do Avesso - jan/fev 2000 - Ano 9-n0 1/2 Interncicícnal

Equador- novo capítulo da história Como em Chiapas, os quéchuas equatorianos

fizeram ouvir seu clamor de liberdade. / Emanuel Dias

O ano se inicia para o Equador com uma insurrei ção popular, não violenta na forma mas ambicio sa nos seus objetivos. País sul-americano da cos-

ta do Pacífico, fronteira com a Colômbia a nordeste e com o Peru a leste e ao sul, o Equador tem uma rica planície tropical e é atravessado de norte a sul pelos Andes. Sua população, 12 milhões de habitantes, é constituída em mais de 30% pelos in- dígenas. No altiplano vivem os quéchuas, descendente dos incas.

Quito é a capital. A segunda cidade mais importante, tida como capital econômica, se encontra no sul do país. Chama-se Guayaquil e seu porto é o que vê a saída de seus principais produtos: petróleo e banana. Neste início de ano o país está sendo atacado pelos mesmos especuladores que vivem enfernizando as economias dos povos, escondidos atrás das determinações dos banqueiros internacionais que estão usando organismos como o FMI, para levarem países à bancarrota.

O interessante é que ainda uma vez os indígenas se en- contram liderando o movimento de libertação neste continente. Em Chiapas, no México, o sino dobrou em janeiro de 1994. Ago- ra, no Equador, o sino está novamente dobrando, fazendo ecoar ainda uma vez a voz dos índios em nosso continente.

O mundo ocidental afirma que o Equador está enfrentando sua primeira crise institucional, acompanhado de uma grande instabilidade financeira nestes primeiros dias do ano que marca o fim do século. A instabilidade, dizem os analistas, pode transfor- mar-se rapidamente em ameaças institucionais em outros países do subcontinente. Por isso tem que ser aniquilada o mais rapida- mente possível. E os Estados Unidos, guardiães da democracia e da paz, pediram às Forças Armadas equatorianas que respeitem a ordem constitucional e as advertiram sobre as "conseqüências desastrosas" de um golpe. E o porta- voz da Casa Branca bra- dou, ameaçando: "todo regime que surja de um processo anticonstitucional deverá enfrentar um isolamento político e eco- nômico, causando uma miséria ainda maior ao seu povo".

Nossos irmãos do Norte sabem que o Equador, como outros países da América Latina, está vivendo na miséria! Também o porta-voz do Departamento de Estado disse: "qualquer tentativa de depor o Governo constitucional do Equador, qualquer que seja o pretexto (sic), terá conseqüências desastrosas para to- dos os equatorianos". Como são zelosos com a preservação da democracia pelos "cucarachas".

Sindicatos, movimento indígenas, partidos de oposição, es- tudantes foram à rua contra o presidente Jamil Mahuad, pedin- do sua renúncia porque dolarizou a economia do país, acatando determinações do FMI e do Banco Mundial. Os equatorianos pediram então a suspensão do pagamento da dívida externa, o confisco de dólares dos exportadores, dos banqueiros e dos grandes comerciantes, o congelamento dos preços de alguns produtos e o controle cambial. Pediram a instauração de uma junta popular e a dissolução do Congresso e da Corte Suprema.

Só nos primeiros dias de janeiro a moeda local - o sucre - perdeu valor em relação ao dólar em 15%, depois de uma queda de 67% no ano passado. Em menos de três anos, o país teve três presidentes. O último deposto, Jamil Mahuad, representante do partido chamado de "Democracia Popular" (sic) havia assumido o poder em agosto de 1998 para um mandato de 5 anos. Pouco mais de um ano depois, denunciou uma conspiração subversiva para derrubá-lo, enquanto 45% da população declaravam-se a favor de sua renúncia e somente 9% defendiam sua permanência no palácio presidencial.

O alvo do protesto foi sua política econômica. Em agosto de 1999, o país declarou moratória, (interrompeu unilateralmente o pagamento da divida). A inflação foi no ano passado de 60,7% perdendo o sucre 67% do seu valor, o maior índice da América Latina. Estava declarada a falência, que se tornaria um mau exemplo para o resto da América Latina. Foi quando o FMI prometeu liberar 250 milhões de dólares para pagar em dia os juros aos banqueiros. O PIB equatoriano é insignificante em relação ao do Brasil ou do México, mas os gringos pensaram que ainda poderiam tirar proveito de sua economia que regrediu 7,3% no ano passado, enquanto o desemprego da população ativa alcançava o patamar dos 17%. Assim, de cada cem traba- lhadores, 17 estavam sem emprego. Num ano o salário perdeu dois terço de seu valor. Diga-se de passagem que o salário mí- nimo neste país é de quatro dólares mensais.

Com a dolarização tudo teve que ser reajustado. Metade da economia é importada. Há um ano, o dólar valia 5 mil sucres; hoje pulou para 25 mil sucres. Os salários foram congelados. E a taxa de juro dos bancos chegou a 160% ao ano. Será que este tipo de política não tem um alto custo social? Todos terão que pagar entre três e cinco vezes mais para quitar sua dívida. Os depósitos bancários diminuíram barbaramente da noite para o dia, sem pensar que, também no ano passado, o Governo confis- cou (repetiu-se ali a política collorida) a poupança dos correntistas em meio a uma crise bancária sem precedente. Serão necessári- os dez anos para liberar o dinheiro, dizem os economistas, sem pensar que o confisco ocorreu quando o dólar valia 15 mil sucres. O valor do investimento foi totalmente corroído e a dolarização vai provocar a destruição de milhares de pequenas empresas e lojas que fizeram suas dívida em dólares.

As Forças Armadas pediram a renúncia do presidente Jamil Mahuad para evitar uma explosão social. Também o presidente do Congresso Juan José Pars, ex-partidário do presidente. Pediu a renúncia do man- datário. 1.500 indígenas tomaram a sede do Congresso anunciando a formação de um "Govemo de salvação nacional" que prometa revo- gar a dolarização. Foi nomeado presidente da Junta o coronel Lúcio Gutierrez que tomou posse acompanhado por 50 oficiais. Também o líder do movimento indígena Antônio Vargas assumiu a chefia do poder Legislativo e o advogado Carlos Solórzano foi proclamado che- fe da Corte Suprema. Durou um "espace du matin" o sonho do povo equatoriano de poder se ver livre da oligarquia a serviço do Império.

A única ccísa que temes a ccmemcrar sãc cs cíncc séculcs de lutas e rebeliões de PCVC pebre e e^plcradc!

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Internacícnal

Os parlamentares que estavam em recesso (olhando de cama- rote os acontecimentos) convocaram uma reunião extraordinária no Banco Central de Guayaquil a 270 km a sudoeste da capi- tal. Foi muito simbólica a convocação dentro do Banco Central! O programa da Junta deveria ter revogado a dolarização da econo- mia do país, iniciado o combate a corrupção, criado uma nova democracia "dando mais poder às populações indígenas". Sobre- tudo a classe média foi reduzida em poucas horas à miséria junta- mente com os trabalhadores. Daí a rebelião popular, aliada aos setores nacionalistas do Exército que encerraram 17 meses de Governo de Jamil Mahuad (pode ler-se: mau há para receber a noticia não-boa do novo presidente, Gustavo Noboa).

O que aconteceu no Equador poderia chamar-se de diver- sos nomes, mas não certamente de "golpe". Foi na verdade o quinto "levantamiento" popular vivido pelo povo equatoriano. O espanto que tomou conta do Império foi fora do comum porque de fato anulou por poucas horas o poder pretoriano dos Estados Unidos a serviço da alta finança e das sete irmãs do petróleo que, em oito anos de exploração, pagaram onze mi- lhões de impostos e levaram mais de um bilhão em emprésti- mos subsidia- dos. A Cia comprou, numa reunião na calada da noite no palácio Carondelet, sede do Governo provisório, o Alto Comando que tinha aderido à nova Junta popular. Detrás da máscara da restauração da ordem constitucional, abandonaram as lideranças populares que queriam outra ordem constitucio- nal com um programa em que finalmente os indígenas, organi- zados regionalmente pudessem ter participação.

Hoje se percebe como no Equador a componente majoritária da população se organizou de modo eficaz para combater não só a tradicional estrutura colonial na economia, na cultura e na política mas também os efeitos do neoliberalismo, como as

privatizações do patrimônio público e dos serviços, a destrui- ção da pequena economia camponesa artesanal e comercial. A dívida catastrófica e o desemprego que produz marginal ização social não poderiam contribuir para a construção de uma demo- cracia efetivamente participativa, com um povo organizado. Tudo isso foi a síntese do plano da dolarização do país, que fez au- mentar a sublevação popular e que foi chamada de revolução dos ponchos e dos capacetes numa sexta-feira quando o pes- soal dos transportes coletivos e os motoristas de táxi se uniram aos "longos", como são chamados os indígenas, e que em quéchua significa as crianças, os ingênuos! O que se viu neste dia no Equador foi mais que um movimento épico, quando mi- lhares se dirigiam a pé para a capital trilhando os caminhos conhecidos e ensinados pelos seus antepassados.

Os EUA alardearam que o Equador poderia ser a nova Cuba da América Latina. Por isso os países de todo o Continente começaram a falar da legalidade e da unidade nacional.

O fato novo foi que os excluídos puderam fazer ouvir sua voz. Pela primeira vez entraram no palácio presidencial não para pedir esmola, mas para oferecer ao povo equatoriano em idioma quéchua um novo modo de entender a política e a solidariedade. Parecia sonho: os militares se confraternizando com os índios.

O Alto Comando, recebendo sua bagatela, voltava atrás, e esta foi a noticia "não boa" quando o vice-presidente da Opus Dei, Gustavo Noboa, tomou posse acompanhado pelos militares do alto escalão. Cruz e espada respaldados pelo FMI e sustentados pelo Banco Mundial. Num primeiro momento o novo mandatário se comprometeu a ficar só seis meses, convocando eleições gerais. Empossado, esqueceu-se da promessa, do juramento, e mandou que os líderes da insurreição fossem jogados nas masmorras do país. Acreditamos que no Equador se escreveu parte de outro capítulo desta nossa história, que não vai parar aqui. • □

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( ) Anual R$ 50,00 ( ) Semestral R$ 25,00 ( ) Trimestral R$ 15,00 ( ) Exterior - Anual US$ 120,00 ( ) Exterior - Semestral US$ 60,00

( ) Semestral R$ 35,00 Assinatura de Apoio:

( ) Anual R$ 70,00

Nome Completo Endereço: N0 Bloco Apto. Bairro: C. Postal Fone ( ) Cidade: Estado: Cep: Profissão/Categoria: TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO: Assinatura: Data:

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NOSSA SEDE ou DEPÓSITO BANCÁRIO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL AGÊNCIA BELA VISTA - 0240 - C/C 003 - 15634-5

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QUINZENA N" 286 32

Culturci

€ue culpa...

Que culpa tiene ei tomate «me está tranqüilo eu Ia mata y viene uu hilc de puta y Io lleva hacia Caracas.

Que culpa tiene ei triac une está tranquilc en rcsadc y ylene un hijo de yaca y Io lleya hacia ei mercado.

Que culpa tíenen todos que tranqüilos se quedam y yiene Io extranjero

y les tira Ia paz. habrá un dia en que los nobres comerán nau nau y los ricos mierda.

anônimo venezuelano

Hinlia especialidade

Minha especialidade é viver - era a lesenda de um homem ( que não tinha renda

porque não estava à venda)

olhar á direita - replicaram num seaundo dois bilhões de Piolhos pUblicos do fundo

de um par de calças (moribundo)

ee. cumnings traduzido por A. de campos

Memória • 01/04/1980 '04/04/1983 •08/04/1945 110/04/1984- •11/04/1927 115/04/1906 •17/04/1996-

• Co meça a greve de 330 mil metalúrgicos no ABC e interior de SP • ■ Passeata dos desempregados em São Paulo desencadeia onda de saques a supermercados em SP e RJ , • Levante do gueto de Varsóvia contra a ocupação nazista • Comício de 1,2 milhão de pessoas pelas Diretas-Já, na Candelária, Rio de Janeiro • Início da Coluna Prestes

• Io Congresso Operário Brasileiro cria a COB (Confederação Operária Brasileira) • Massacre de Eldorado de Carajás: 19 sem-terra são assassinados pela polícia do Pará

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