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1 BREVE CURSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO FERNANDO CARDOSO PEDRÃO 1961 revisado em 2010

Breve curso de desenvolvimento economico

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BREVE CURSO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO FERNANDO CARDOSO PEDRÃO 1961 revisado em 2010

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Índice Introdução

A. O desenvolvimento como fenômeno provocado B. O interesse pelo desenvolvimento C. O papel da política econômica D. O papel do economista

Parte primeira: As bases do desenvolvimento Capítulo I. O desenvolvimento na teoria e no tempo

A. O fenômeno histórico do desenvolvimento B. O desenvolvimento industrial C. A teoria do desenvolvimento

Capítulo II. Conceito e características do subdesenvolvimento

A. O conceito do desenvolvimento B. Características demográficas do subdesenvolvimento C. As atitudes da comunidade D. O sistema educacional E. Estabilidade política F. O comércio exterior

Capítulo III. Os recursos

A. O conceito de recurso: país pobre e país rico B. Classificação dos recursos C. Valor dos recursos: localização e acessibilidade D. A conservação dos recursos

Capítulo IV. O capital para o desenvolvimento

A. A estrutura produtiva B. A depreciação C. O processo de formação de capital D. A escassez de divisas E. A pressão populacional F. O capital internacional e o imperialismo

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Capítulo V. O capital social

A. Natureza e efeito sobre os custos da produção B. Classificação por grupos de ação C. Importância do capital social no curso do processo do desenvolvimento

Parte Segunda. A política para o desenvolvimento Capítulo VI. A necessidade de planejar

A. As funções da vida econômica B. O papel da opção C. O requisito estabilidade D. As fases do planejamento

Capítulo VII. As relações internacionais

A. Papel das vantagens comparativas B. Influência na formação do capital

Capítulo VIII. O financiamento do desenvolvimento

A. A posição do Estado B. As formas de financiamento

Capítulo IX. Os projetos

A. Natureza e fases do projeto B. Mercado, tamanho e localização C. A avaliação do projeto

Capítulo X. O planejamento global

A. Planejamento e capitalismo B. Conceito de plano: somatório ou unidade fracionável? C. O uso da técnica de projeções D. O controle do setor externo E. Os orçamentos nacionais

Capítulo XI. O desenvolvimento regional

A. Conceito de região econômica e não econômica B. Classificação regional por mercados e por estrutura produtiva C. Região econômica supranacional e sub-nacional D. A base regional de recursos

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E. O capital para o desenvolvimento regional F. O elemento integração G. A função da economia regional H. A aplicação de planos específicos para uma região

Bibliografia recomendada

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Nova introdução (2004) O imperativo do desenvolvimento Ao substituir-se a moral individual por uma ética historicamente determinada, por isso, fundada sobre coletivos, encontra-se uma responsabilidade inescusável frente ao futuro que é o imperativo do desenvolvimento. O desenvolvimento envolve a valorização daquela parte da sociedade que depende do emprego gerado pelo capital. A questão do desenvolvimento é a daquelas transformações econômicas, sociais e políticas que deverão beneficiar as maiorias, portanto, do conflito ideológico entre a conservação da dominação e a emancipação. O velho e bom discurso original do desenvolvimento ficou na superfície desse conflito porque se ateve aos efeitos conseqüenciais da dominação colonial e de sua renovação na revolução industrial. Teve um indiscutível papel histórico como revelador das contradições de poder que se acentuaram com o atrelamento das ex-colônias ao sistema do capitalismo avançado, mas ficou fragilizado por se apresentar como discurso técnico, inclusive reduzindo a crítica histórica do processo à condição de pré-moderna. A redução do questionamento sócio-político à condição de gestão dos sistemas descreve uma opção ideológica na representação de classes imersa nesse processo. O re-conhecimento histórico da teoria é um passo prévio ao desenvolvimento de um raciocínio capaz de acompanhar as progressivas mudanças de posição dos países em seu posicionamento internacional. Desenvolvimento torna-se um determinante da sobrevivência das sociedades nacionais no desgaste causado pela concentração de riqueza e pela precarização das rendas dos trabalhadores. A presunção de que quatro ou cinco nações ditam as regras de convivência para todas as demais e que se prerrogam o direito de intervir onde e quando lhes convenha é reiteração dos princípios fundamentais do colonialismo que não se legitima nem mais com um desempenho econômico superior ao dos demais, agora que as nações colonialistas vivem uma crise crônica. A luta pelo desenvolvimento é o modo de reagir à dominação hegemônica que sobrepõe os interesses das potências ex-colonialistas aos das demais nações. As nações se ocupam de desenvolvimento como único modo de não cair em processos de subdesenvolvimento e subalternidade. Assim, não há como separar os problemas nacionais de desenvolvimento do contexto de relacionamentos desiguais e equivalentes do mundo internacional. A teoria do desenvolvimento que se esboçou nas duas primeiras décadas após a segunda guerra mundial registrou diferenças ideológicas entre os herdeiros e representantes do sistema colonialista e os representantes de novas situações históricas. A imposição de padrões formais junto com a exportação de modelos culturais fez com que o predomínio econômico se tornasse um aparelho envolvente dotado de novos mecanismos de penetração e de reprodução.

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A linha defensiva do engajamento ideológico A desqualificação da crítica como ideologia tem sido uma das manobras mais eficazes a serviço do sistema de dominação que fez a ponte entre o velho colonialismo e a nova hegemonia. A entrada em cena de ideologias libertárias, desde a influência da Revolução Francesa, incorporando o nacionalismo do positivismo e os contrapontos do anarquismo e do socialismo, delineou um campo de rebeldia ao bloco hegemônico que assumiria uma variedade de perfis, desde a formação de governos nacionalistas de inspiração positivista, como no Brasil, no México, na Argentina, no Chile, até o pleito pelo desenvolvimento econômico que começa no período entre as guerras mundiais e toma corpo desde a década de 1940 estendendo-se até a crise política das décadas de 1960 e de 1970. Para a América Latina é importante resgatar as lutas sociais acontecidas na segunda metade do século XX mesmo elas sucumbiram às ofensivas do sistema de dominação com seus componentes internacionais e internos.

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A. O desenvolvimento como fenômeno provocado

O que primeiro se deve esclarecer é o modo pelo qual nele se concebe e encara o fenômeno que se pretende estudar. O desenvolvimento será um processo internamente determinado – por exemplo, como uma semente se revela como determinada árvore – ou como um processo que acontece em relações e inter-relações desiguais entre nações? Historicamente não se pode construir o conceito de desenvolvimento sem o de subdesenvolvimento com suas diversas conexões. Ambos conceitos ficam indeterminados enquanto não se consideram os efeitos de projeções de poder de umas nações sobre outras, isto é, enquanto não se consideram os movimentos de colonização e escravização, em suas diversas modalidades na história.

O desenvolvimento tem lugar quando uma economia se encontra diante

de condições favoráveis a sua expansão e quando seus integrantes desejam o desenvolvimento. A opção pelo desenvolvimento é sempre uma manifestação de vontade política de grupos de poder organizados, traduzindo uma relação de classes. Essa afirmação não deve ser tomada no sentido restrito e ambos os fatores – vontade própria e condições incontroláveis – podem se verificar em proporções diferentes e tampouco com isso queremos dizer que é a vontade pura e simples das pessoas que produz o desenvolvimento, ou que o desenvolvimento pode se verificar sem sua interferência.

A vontade de se desenvolver é um fator decisivo para a consumação do

desenvolvimento e sobre seu poder de interferência repousam as possibilidades de consolidação de uma teoria do desenvolvimento integrada. Interpretamos aqui a vontade de se desenvolver incluindo a disposição mental tendente a enfrentar os problemas econômicos de forma e favorecer o desenvolvimento e não apenas como uma atitude consciente de desejar atuar sobre as variáveis econômicas no sentido de produzir o impulso para crescer.

Considerando o desenvolvimento sob uma perspectiva histórica, pode-se

perceber que as diferentes nações que lograram se desenvolver, fizeram-no porque adotaram as políticas econômicas adequadas no momento histórico em que se encontraram, porém isso nada teve que ver com uma consciência do processo de desenvolvimento, como tampouco o tiveram as políticas defeituosas que auxiliaram a decadência de uma ou outra economia. Nos casos de desenvolvimento de economias pré-industriais, como explicaremos adiante, a plena exploração das possibilidades de desenvolvimento, proporcionadas pelas bases econômicas sobre que se fundavam essas economias, conduziu a certos limites que a industrialização permitiu operar. Nos casos de desenvolvimento iniciados a partir do advento da industrialização, a interferência da política econômica em favor do desenvolvimento se iniciou antes dos estudos do

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fenômeno do desenvolvimento como tal, e , em muitos países, os governos adotaram políticas que concorreram para seu desenvolvimento, antes mesmo de conhecerem as características do fenômeno sobre que influíam.

Dentro do conceito amplo que adotamos para a interferência da vontade

humana no processo de desenvolvimento, isto é, do grau de importância da política econômica para a efetivação do desenvolvimento, cremos que se justifica plenamente a confiança que se deposita nesse fator como meio de emergir do estado de subdesenvolvimento em que ainda se encontram muitas áreas do globo. Essa confiança, contudo, não deve levar longe demais e fazer com que se espere que a política econômica possa proporcionar para todas as áreas subdesenvolvidas do mundo uma situação de abundância e riqueza que, como veremos adiante, não está reservada para todos. Contudo, a política econômica dedicada ao desenvolvimento pode elevar o produto nacional, tornar a sua composição mais adequada às necessidades nacionais, elevando o nível de vida dessas áreas. Uma política econômica interessada no desenvolvimento pode, mais que tudo, aproveitar as possibilidades de crescer de uma economia – nacional ou regional – e tratar de evitar os possíveis efeitos da situação econômica internacional que interfiram de forma desfavorável na dinâmica do crescimento. Daí que, ao reconhecer que as possibilidades materiais de qualquer economia são limitadas e ainda, que durante sua vida ela sempre terá que enfrentar condições favoráveis e desfavoráveis e que, qualquer que seja a forma pela qual ela seja conduzida, a maneira de conduzir constituirá uma política - ainda que de não interferência – nada mais natural que se procurar atingir o máximo das possibilidades da economia através de uma política adequada. Se a opção dos integrantes da economia é pela felicidade imediata, pela riqueza futura, ou se eles preferem riqueza futura combinada com certos padrões de bem estar considerados indispensáveis, é um outro problema que deve ser examinado à parte e que não contradiz a fé em poder produzir desenvolvimento.

B. O interesse pelo desenvolvimento

Dissemos que políticas favoráveis ao desenvolvimento foram postas em prática antes de se estudar o fenômeno, ou antes que a simples expressão desenvolvimento fosse posta em voga. Desenvolver-se é o modo de superar a prostração e a inferiorização herdadas dos sistemas do colonialismo e abrir novos canais de diversificação do sistema produtivo. Trata-se, portanto, de condições objetivas dos sistemas sócio-produtivos e não só das condições operacionais dos sistemas tecno-produtivos. Contudo, fora a natural ambição de crescer, no sentido de conseguir mais poder, que sempre acompanhou todos os povos, diremos que o interesse consciente pelo desenvolvimento, se adiante vamos ligá-lo a inovações materiais, corresponde a uma eclosão de consciência que se alastrou pelo mundo no último meio século. Examinaremos esse fato

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com cuidado no Capítulo I, mas cabe mencioná-lo a esta altura, pela estreita relação que ele tem com a confiança nas possibilidades de interferência do homem sobre o processo de desenvolvimento. Povos de grandes regiões do globo reivindicam para si uma melhor situação e passaram a dedicar seus esforços para atingi-la, cônscios de que possuem recursos suficientes para tal.

A vontade de se desenvolver veio acompanhada de um fortalecimento do

Estado e da sobreposição dos interesses nacionais pela abundancia material, e outros tais como a grandeza dinástica, a grandeza aristocrática ou a supremacia em dissensões internas. Principalmente, a proposta de desenvolvimento é a mesma de superação do colonialismo e dos efeitos negativos da hegemonia. A coordenação de esforços necessária para o desenvolvimento econômico pressupõe uma sólida união nacional, e, se não importa muito que a população esteja dividida em suas crenças religiosas, é fundamental que ela esteja agrupada em torno do mesmo ideal de realização, ou, pelo menos, o aceite com espírito de cooperação. Se, por um lado se pode planejar o desenvolvimento de uma economia com o apoio exclusivo da força, não cabe dúvida que não seria possível executar com sucesso um plano contra a vontade expressa da população em país algum. O sucesso, de uma forma ou de outra, implica no assentimento. Em muitos casos, a vontade do povo precede e solicita o plano, ainda que de forma indistinta e sob diversas formas de reivindicações. Noutros, os planejadores necessitam ganhar o apoio popular como primeiro fator essencial e têm de fazê-lo antes da imposição do plano.

C. O papel da política econômica

Desde quando se tem interesse no desenvolvimento econômico e o estudamos como a um fenômeno sobre o qual é possível interferir, haverá uma inclinação natural a ligar o estudo do processo do desenvolvimento com o das formas de interferir sobre ele. Essa é a justificação para o estudo conjunto do desenvolvimento e da política econômica, que aparece em muitos textos sobre desenvolvimento e que utilizamos neste livro. Todo governo, por mais liberal que seja, tem de exercer uma série de atividades que afetam o funcionamento da economia que rege. Nesse caso está a função de emitir moeda, de cobrar impostos, de realizar obras públicas e até de precisar os direitos dos indivíduos. A maneira de desincumbir-se dessas tarefas constitui uma determinada política econômica. Não há, pois, como fugir à evidência de que todo governo sempre está realizando uma determinada política econômica. Entretanto, toda política econômica envolve uma concepção de qual deva ser o melhor para a coisa administrada, e, consideradas as possibilidades que se oferecem ao governante, uma intenção de realização. Isso implica numa fixação de objetivos políticos, ou, em linguagem mais comum entre os estudiosos do desenvolvimento, numa fixação de metas. O nível de liberdade estabelecido

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pelas instituições sociais do país, e as circunstâncias sob que se realiza a política, dirão quais os meios a serem escolhidos para sua execução.

Como veremos no capítulo 6, quando a fixação de metas e a escolha dos

meios passam a ser o resultado de uma vontade de atuar com proveito sobre a economia, formam-se as bases para o planejamento. Este é nada mais que o desenvolvimento de uma técnica racional, a qual, a partir do conhecimento detalhado de uma economia, procura conduzi-la a certos fins através dos meios disponíveis e num tempo determinado. É o conhecimento detalhado da economia sobre que se planeja que tornará possível fixar metas exeqüíveis para o período do plano, bem como utilizar os métodos mais adequados para esse fim. Contudo, apesar da crescente popularidade do planejamento econômico, é preciso não estabelecer uma relação necessária entre política econômica e planejamento, quando se examine o papel desempenhado pela primeira vez no processo de desenvolvimento. O simples fato de atuar sobre os mecanismos do sistema econômico não implica numa atividade planejadora por parte do governo. Por isso é que, embora ao mencionarmos política econômica neste livro geralmente voltemos nossa atenção para a política interessada em planejar , por considerá-la a mais a mais diretamente ligada à vontade de se desenvolver, não pretendemos com isso cobrir todo o campo da política econômica. O objeto central deste livro é o desenvolvimento em si, e a política econômica é estudada como um fator de obtenção de desenvolvimento, cuja utilidade descansa na eficácia da vontade dos membros de uma economia para desenvolvê-la.

D. O papel dos intelectuais e o da ideologia no planejamento em geral 1 O papel dos intelectuais nos processos de planejamento do desenvolvimento é um tema que vem ocupando o debate social e político das transformações da economia mundial desde o trabalho de Jöhr e Singer de 1958. Trata-se do economista ou do sociólogo enquanto cientista social e não como mero técnico capaz de elaborar modelos reduzidos de problemas técnicos. A crítica de Giddens aos “peritos” retoma, de modo muito mais diluído questões que foram levantadas, respectivamente por Gramsci e Lukács. A questão relativa ao papel do economista reabre um tema mais amplo que é o da desvalorização profissional e da redução do papel dos intelectuais como e enquanto grupo capaz de representar o debate ideológico do desenvolvimento. Serão apenas técnicos a serviço do capital ou representarão a crítica social dos processos de acumulação e concentração de capital, com seus efeitos no emprego e na

1 A reflexão sobre o papel do economista – representando os planejadores em geral – foi suscitado por um livro Singer & Jöhr com esse título e surgia em um momento em que se procurava diferenciar o burocrata do homem de ação no planejamento. Não significa uma opção ideológica mas uma avaliação de operacionalidade.

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mobilidade dos trabalhadores. A discussão do papel dos intelectuais ligará a análise econômica do desenvolvimento à análise política dos processos do poder. Sendo o desenvolvimento um fenômeno complexo cujos efeitos se estendem a todos os setores da vida de um país, possui ele, contudo, uma característica indispensável: é que se realiza sobre meios materiais e implica na evolução da vida econômica do país onde se verifica, no sentido de uma expansão dos seus meios de produção. Esse fato permite, sem que isso signifique um desprestígio para os profissionais de outras ciências, naturalmente interessadas nas transformações inerentes ao desenvolvimento, que a função central de estudo e coordenação de esforços para o desenvolvimento caiba ao economista. A expansão das atividades do governo sobre a vida econômica, a criação de agências de desenvolvimento e a generalização de políticas econômicas cada vez mais abrangentes das atividades nacionais, e solicitando, portanto, uma interpretação mais detalhada dos fatos econômicos, rapidamente, dilataram as funções do economista como assessor técnico. A fronteira que separa o economista do político se deslocou para o campo estrito das decisões globais. Se, em última análise, a escolha da taxa de crescimento prevista pelo programa que se faça permanece sendo uma decisão política, ao economista cabe, contudo, a atribuição de destinar os investimentos. Cabe-lhe fazer recomendações sobre as medidas mais adequadas a cada problema com que se confronte a economia, e, quanto mais impessoais forem os métodos de decidir utilizados, crescerá com eles o poder de interferência do economista. Sua formação profissional deverá prever, pois, um cuidado especial quanto à forma de atuação como assessor técnico, na qual deverá estar incluído um senso de propriedade de cooperação entre profissionais das diversos ciências humanas em função de objetivos sociais maiores.

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PARTE PRIMEIRA: AS BASES DO DESENVOLVIMENTO Capítulo I O desenvolvimento na teoria e no tempo

A. O processo histórico do desenvolvimento A questão de desenvolvimento surge com a insatisfação de segmentos politicamente significativos com o modo como a economia se transforma e como se distribui a renda. A constatação de que algumas nações ficaram ricas a custa de colonização e que algumas classes ficaram ricas mediante exploração interna foi corroborada pelo fato de que a maioria dos que ficaram pobres continuaram como estavam ou se encontram em situação comparativamente pior. A combinação da globalização com o conseqüente enfraquecimento da causa dos interesses nacionais, junto com a maré neoliberal, representativa dos interesses do grande capital internacionalizado, deu novo significado ao desenvolvimento econômico e social das nações, em que se separam, com mais clareza que antes, os interesses reivindicatórios de transformações, combinando os planos nacionais e os internacionais, e os interesses em aperfeiçoar as condições de crescimento da economia mundializada com sua composição de poder. Esses movimentos que marcaram a década de 1980 se contrapuseram às políticas de desenvolvimento que se apresentaram no período de 1946 a 1970. Em novos termos, a velha questão: desenvolvimento de quem e para quem. A conceituação de desenvolvimento veio desde uma formulação de Joseph Schumpeter em sua Teoria do desenvolvimento econômico de 1894 às concepções de Lenin e de Trotsky, entre 1910 e 1924, com as de expansão do capitalismo e de desenvolvimento desigual combinado e com as de Bukharin, 1917, sobre o papel do imperialismo no processo do capital. Nos países ocidentais surgiram uma teoria da dinâmica econômica de Harrod em 1939 e uma série de contribuições no período de 1946 a 1965, de autores como W.Arthur Lewis, W.W. Rostow, Paul Baran, Gunnar Myrdal e vários outros. Destaca-se a contribuição de Raul Prebisch liderando o grupo da CEPAL, com sua teoria da relação entre centro e periferia que foi dada a público em 1949 2. Outros pensadores se destacaram nesse campo, dentre os quais Celso Furtado que primeiro falou de processos de subdesenvolvimento (1959) e André Gunder Frank com uma visão marxista da internacionalidade do capital. 2 A teoria da relação desigual entre centro e periferia, ou de termos desfavoráveis de intercâmbio, como se dizia na época, apareceu no Estudo econômico da América Latina de 1949. Apontou condições restritivas ao desenvolvimento dos países exportadores de matérias primas, produtos agrícolas e minerais, frente a países exportadores de bens de capital e de bens de consumo de alta tecnologia. A questão do controle social da tecnologia tornava-se uma parte essencial de um discurso que passaria a alimentar uma renovação da análise de classes sociais.

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Um exame histórico do processo de desenvolvimento guiado pela sua mecânica fenomenológica permite que se divida a história econômica da humanidade em duas grandes fases: uma que precedeu a revolução industrial e que recua até os primeiros tempos da história humana; e outra que se inicia com o advento da revolução industrial e que continua pelos tempos atuais. Antes do advento da revolução industrial, o desenvolvimento foi um fenômeno isolado, que se havia verificado em diferentes momentos da história, em lugares diferentes e nem sempre houve relação entre um surto de desenvolvimento e outro.

A expansão das economias pré-industriais deve-se basicamente a dois

fatores que determinaram a expansão dos mercados que foram a: conquista, criando sistemas de colonização, e a expansão dos sistemas de comercialização3, ambos dependendo de sucessos na sustentação de um poderio naval. Ambos são antiqüíssimos e seria muito difícil precisar em que momento se iniciaram. A conquista militar forneceu subsídios para o desenvolvimento das nações vitoriosas através de fornecimento de mão de obra escrava e do pagamento de tributos. Freqüentemente, as duas formas se combinaram e no momento em que um povo vitorioso numa guerra deixou de matar os seus inimigos, passando a exigir-lhes tributos ou escravizando-os, iniciou um método de desenvolvimento que iria ocupar um lugar importante em um grande período da história da humanidade.

A incorporação a uma economia dos excedentes da produção de outras

economias permitia liberar uma parte considerável de sua mão de obra para ocupações militares, que tornavam o país militarmente mais forte, portanto, em condições de fazer novas conquistas. O próprio método de impor tributos sofreu profundas modificações, desde a destruição completa de uma economia à imposição de tributos tão pesados que tornassem impossível sua elevação dos níveis de subsistência e até a captação de excedentes de produção que não chegassem a perturbar de modo decisivo a vida dos povos tributários. Esta última forma de imposição de tributos possivelmente tenha sido iniciada pelo

3 # O desenvolvimento do comércio em escala crescente e a longa distância se fez mediante a aceleração da circulação de dinheiro convertido em capital como mostrou Marx. A conversão de dinheiro em novo capital significou a possibilidade de se abrirem novas linhas de produção. Com esta referência cabe insistir em que o processo do capital foi conduzido pelos mecanismos internos de expansão do comércio que determinaram uma pressão sobre o sistema produtivo para atender a expansão do mercado. A inclusão da América na economia européia foi, nesse sentido, incomparavelmente mais importante que a da Ásia, porque deu lugar à criação de novos sistemas produtivos que passaram a estimular a economia européia, inclusive fornecendo novos alimentos tais como batata, tomate, milho etc. O outro aspecto determinante desse processo é a enorme inclusão de força de trabalho, compreendendo a dos americanos e a dos africanos, reunida em torno do sistema produtivo americano.

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Império Persa sob Ciro mas forneceu o esquema de poder que sustentaria a expansão do Império Romano em sua internacionalidade. 4

O desenvolvimento de alguns países à base de conquista de outros

sempre conduziu os grandes impérios a um processo de expansão limitado e substituído por movimentos de perda de vitalidade e enfraquecimento interno no momento em que as suas possibilidades de conquista desapareceram. Cabe entender que o esgotamento dos movimentos de conquista constitui também o ponto inicial dos movimentos de declínio e pode-se medir sua queda a partir do momento em que suas fronteiras, uma vez estabilizadas, tenderam a se retrair.5

Por sua parte, o comércio é tão imemorial quanto as conquistas e se bem

estivesse ligado à força militar – fez-se comércio quando não se pôde conquistar, garantiu-se o comércio com a força e o comércio foi um meio de aumentar o poderio econômico – permitiu formas mais estáveis de desenvolvimento. Se há grandes diferenças técnicas entre a expansão mercantil de Atenas e Cartago comparadas com Veneza e a Holanda há em comum o problema essencial de ajuste entre a expansão da capacidade produtiva e a do mercado. Ver-se-á ter sido essa a principal contradição dos modos escravistas de produção modernos que se depararam com o fato de que os escravos participavam da força produtiva mas não do mercado.

O crescimento de uma economia de tipo comercial se inicia com a

formação de uma simples corrente entre duas economias de estruturas diferentes e no nível de subsistência. O intercâmbio de novos produtos agrícolas pode ir incrementando o desenvolvimento das economias entrelaçadas pelo comércio internacional. Porém os ganhos da atividade comercial serão retidos pela classe possuidora das frotas mercantes e serão empregados na expansão

4 # O exemplo mais completo e durável dessa combinação de tributos, escravização e uso do comércio parece ter sido o Império Romano, que, ao longo de seu desenvolvimento se tornou progressivamente mais dependente do valor extraído dos povos dominados, o que gerou contradições internas de poder que não pôde controlar. Hoje ganham novo significado as observações de Giovanni Arrighi (1998) quando diz que o poder dominante – o norte-americano – retrocede a práticas de controle internacional que foram essenciais às potências dominantes no século XVII, em seu empenho em práticas comerciais que dependem de uma desterritorialização do poder econômico. Observa-se que a visão de Arrighi e outros é uma variante da visão européia dominante, mas prossegue com o subentendido que a Europa será sempre o elemento ativo do processo de desenvolvimento. A importância da CEPAL está seu pioneirismo na construção de uma visão latino-americana e da construção de um conhecimento compartilhado das experiências nas nações latino-americanas. 5 O tema do declínio das potências dominantes, que nos fascina desde Gibbon até o trabalho recente de Carlo Cippolla (1988) ganha novos contornos quando se vê que os fundamentos nacionais do poder dominante estão a novos fatores de internacionalidade, por exemplo, pela absorção de elites de outras nações. O exemplo mais estudado, por seus efeitos indiretos, é o do declínio do Império Romano, estudado por autores desde Gibbon a Ferdinand Lot.

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das instalações e dos equipamentos necessários à expansão da atividade comercial, como frota mercante ou o estabelecimento de feitorias no estrangeiro. O destino alternativo que restará à renda da classe comercial será o investimento em obras improdutivas. A combinação dos interesses comerciais com poderio militar, especialmente poderio naval, nem é mencionada pela análise econômica do desenvolvimento e tratada apenas por historiadores.

O fator limitante do crescimento dessas economias será a integração de

novas áreas à sua corrente comercial ou a ampliação das existentes. 6 A estrutura das economias mercantis não conta com capacidade de aplicar os lucros do comércio em forma sempre produtiva. Mas a limitação do crescimento das economias mercantis encontrou sempre as riquezas acumuladas sob a forma de metais preciosos ou construções, extinguindo-se o estímulo externo sem provocar impulso interno algum capaz de sustentar uma expansão contínua da economia.

B. O desenvolvimento industrial

É preciso começar por reconhecer que a revolução industrial começou

como um movimento da economia do capital mercantil que simplesmente precisava mobilizar grupos sociais mais numerosos para absorverem sua produção. A formação de um impulso interno de tal ordem só veio a aparecer com o advento da industrialização, o que nos conduz à segunda parte da história econômica, de acordo com a classificação por nós utilizada. A indústria promove a diversificação da demanda e com ela a expansão do mercado interno. Daí deriva uma regra fundamental do sistema capitalista pela qual o capital flui para onde o mercado se expande.

A principal característica da atuação da indústria no desenvolvimento é

justamente essa, de ser capaz de fornecer impulso para a continuidade do desenvolvimento, através da reintegração no processo produtivo de uma parte da própria produção e de poder agrupá-la de formas diferentes, introduzindo variações na composição do produto nacional. Permitindo a absorção de matérias primas variadas e podendo expandir-se de forma crescente para abranger novos mercados, a indústria foi provocando a integração de regiões até então fora do raio de ação dos capitais da Europa ocidental, realizando por assim dizer, a integração do mundo econômico do capital. Nos princípios do 6 Captação de excedente, ou controle de mecanismos internacionais de captação de mais valia? A leitura das transformações da economia mundializada desde a década de 1980 reafirma a compreensão de Marx (L.I,Cap.VI) de que o sentido da reprodução do capital é captar mais valia. A visão de que o capitalismo avança mediante captação de excedente, que foi absorvida por alguns dos nossos teóricos mais respeitáveis, implica de fato em supor que o capital funciona sempre dentro de um esquema invariante de territorialidade, o que, obviamente, é incompatível com o sentido de finalidade do imperialismo e não tem fundamento algum na era da expansão do capital financeiro.

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século XX, essa integração estava praticamente terminada e havia uma forma de relações internacionais que não fora, contudo, capaz de estender os benefícios do desenvolvimento a toda a face da Terra, ou que montara um modelo de concentração do capital antagônico com essa expansão. Os países onde se originara o desenvolvimento industrial haviam se desenvolvido rapidamente e se formara um sistema de relações privilegiadas em que tais países criaram relações privilegiadas de comércio, a partir das quais chegaram a um sistema pelo qual exportavam produtos manufaturados, importando produtos primários com baixo valor adicionado.

Para nós, é fundamental reconhecer que esse sistema de relacionamentos

da expansão industrial aproveitou o sistema colonial de relações comerciais num movimento que favoreceu a potência que capitalizou a industrialização, que foi a Inglaterra. A potência que passou a controlar a industrialização, valeu-se de um domínio mercantil construído a partir de suas vitórias militares na primeira metade do século XVIII. A Inglaterra internalizou vantagens que obteve de acumulação primitiva em suas incursões colonialistas, junto com o afluxo de capitais europeus, especialmente holandeses, que procuraram se beneficiar dos espaços de mercado fechados pelos ingleses. Contra as teorias que afirmam uma suposta substituição da economia mercantil pela industrial vemos que a economia industrial é uma metamorfose da economia mercantil e o que o sistema do capitalismo continua pautado pelos princípios do comércio.

A primeira guerra mundial encontrou tal estado de coisas e um ambiente

político favorável a sua manutenção, debilitando-o em alguns países desenvolvidos e nos subdesenvolvidos, porém não chegando a abalá-lo substancialmente. Nessa época se iniciou a experiência socialista da União Soviética, que, ainda através de grandes sacrifícios de consumo, aprimorou uma técnica de planejamento coroada de sucesso em suas aplicações. Forçando rapidamente a industrialização e realizando medidas drásticas de reforma agrária, começou a dar corpo a um exemplo cuja simples existência entrou a fazer pressão sobre o sistema liberal colonialista do após guerra de 1918. Um sistema colonialista de relações internacionais perdurou, pois, depois do término da guerra de 1914-1918 e o desenvolvimento dos países de economia colonial somente era compreendido internacionalmente por um aumento de suas exportações dentro da estrutura em que eles se encontraram.

No término da segunda guerra mundial o mundo se deparou com uma

insatisfação geral em relação em relação aos padrões colonialistas. Durante o conflito formaram-se núcleos ou desenvolveram-se indústrias em muitos dos países sub-desenvolvidos, e passou a haver um interesse consciente em um desenvolvimento socialmente integrado, no qual ocupavam lugar essencial diversas reivindicações sociais. Em suma, o modelo colonialista resultara num

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traje pequeno demais para o mundo de 1945. 7 O reconhecimento dessas reivindicações causou a criação de comissões especiais encarregadas de realizar estudos e assessorar governos para as diversas regiões do globo. Dentre elas, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que estudou a posição e os interesses dos países latino-americano, os quais foram definidos num estudo geral para a América Latina em seu conjunto em 1949. Essa posição reflete-se no desejo de crescer em forma integrada e num ritmo suficiente para superar o subdesenvolvimento. Tal desempenho, no essencial, reverteria as tendências seculares decrescentes conseqüentes do declínio das economias coloniais e de termos de intercâmbio negativos. Na América Latina os efeitos acumulados do fechamento do mercado europeu pela primeira guerra mundial e da crise de outubro de 1929 esterilizaram ganhos de vários países obtidos no modelo anterior de exportações primárias e construíram o processo de subdesenvolvimento contra o qual se colocou a proposta da CEPAL.

C. A teoria do desenvolvimento

Começaremos por mencionar a idéia oposta à de desenvolvimento econômico. A evolução da ciência econômica no século XIX levou os economistas clássicos, especialmente David Ricardo, à concepção do chamado estado estacionário, como resultado dos efeitos combinados da teoria da renda da terra, da teoria dos salários e da lei dos rendimentos decrescentes, numa teoria de lucros decrescentes. O estado estacionário seria aquela situação em que, ocupadas todas as terras e dado que a fração da renda nacional destinada aos assalariados seria fixada ao nível de subsistência, a parte dos lucros tenderia a decrescer até sua extinção. Essa tendência decrescente dos lucros teria efeitos negativos nos investimentos e o resultado final desse processo seria a estagnação do sistema produtivo. John Stuart Mill trouxe uma modificação à concepção ricardiana do estado estacionário, afirmando que a limitação da produção poderia ser causada, tanto pela escassez de terras, como se exerceria através da impossibilidade de combinar capital adicional com terra disponível, de modo a compensar o sacrifício do consumo.8 A idéia de Mill é, de certa forma, uma antecipação à teoria da eficiência marginal do capital e da preferência pela liquidez expressa por J.M.Keynes em sua Teoria geral, mas não teve o

7 # A maior parte das leituras das transformações sociais, políticas e econômicas do após guerra focaliza nas razões de poder, que aparecem como razões de Estado dos paÍses poderosos, dando pouco relevo – se algum – aos movimentos próprios das colônias e dos países dominados em geral, para removerem os sistemas coloniais. É mais uma demonstração do controle ideológico embutido nos sistemas coloniais, que será preciso rever. A perspectiva histórica do processo leva a reconhecer a importância dos movimentos sociais, desde aqueles que levaram à independência política formal aos que continuam reagindo aos autoritarismos e promovendo a emancipação dos grupos sociais dominados. 8 John Stuart Mill, Princípios de Economia Política, Mésico, Fondo de Cultura Econômica, 1951, pp.182/183.

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amadurecimento necessário para se constituir em uma teoria do desenvolvimento. Apesar disso, foi no século XX que a idéia de desenvolvimento começou a ser trabalhada amplamente. Joseph Schumpeter apresentou uma versão interpretativa do processo de desenvolvimento que seria a realização de entes sociais complexos. Em sua visão, a inovação tecnológica seria o fator decisivo do processo, que ficaria a cargo dos empresários introdutores de inovações tecnológicas, os responsáveis da formação do impulso de desenvolvimento. As melhorias tecnológicas introduzidas por eles seriam copiadas pela grande massa dos outros empresários e a produtividade global da economia seria elevada por tal método. Outros autores, depois de Schumpeter, começaram a ocupar-se do tema e hoje, quem quer que deseje estudar desenvolvimento econômico, terá que mencionar os nomes de vários economistas oriundos de países desenvolvidos, que têm se ocupado desse tema, trazendo contribuições de valor, tais como Harrod, Domar, W.A.Lewis, Nurkse, Rostow, Joan Robinson e outros. O interesse despertado pelo desenvolvimento econômico foi em parte uma derivação dos estudos das flutuações da atividade econômica que se sucederam à grande crise de 1930. A maior parte dos estudos sobre desenvolvimento foi feita depois dessa catástrofe. O interesse teórico da elucidação dos problemas afetos às flutuações da atividade econômica, conduziu alguns economistas por caminhos que levaram ao estudo do desenvolvimento e um exemplo digno de nota dessa condição e o de Roy Harrod.

O modelo de Harrod preocupa-se expressamente com o problema dos

ciclos, mas se baseia num princípio geral de crescimento do produto social. A formulação matemática de seu modelo é similar à do modelo de Evsey Domar, porém em Harrod o modelo está baseado no princípio de aceleração, enquanto o de Domar dirige-se para a acumulação de capital usando a relação produto/capital. A contribuição de Domar com seu modelo explicativo da relação entre expansão do capital e expansão do emprego, inclui também uma nova noção de equilíbrio, relativa à dinâmica do sistema produtivo. O equilíbrio dinâmico existe, então, quando as proporções requeridas para manter um certo ritmo de crescimento são mantidas entre as variáveis da economia.

O principal defeito de que padecem os modelos de Harrod e Domar é o de

serem demasiado simplificados, reduzindo o processo de crescimento a duas grandes variáveis – recursos e técnica – da mesma forma que Keynes fizera com o funcionamento total da economia, reduzindo-a a consumo e investimento. Assim é que os modelos de Harrod e Domar ignoraram as características específicas dos recursos e as transformações estruturais próprias do crescimento. Apesar que ambos autores representassem os pontos de vista mais progressistas do que se veio a chamar de corrente keynesiana, seus métodos de análise estavam indelevelmente marcados por uma linguagem positivista. Os debates sobre desenvolvimento que tiveram lugar desde a década de 1960, representados por autores como Samir Amin (1967) Gunder Frank

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(1968) e Christian Palloix (1972) recuperaram e desenvolveram as teorias sobre o imperialismo lançadas por John Hobson (1898) e Nicolai Bukharin (1917). A visão histórica do processo que foi captada por Maurice Dobb (1968) foi explorada pela corrente marxista que dialogou com pós keynesianos como Joan Robinson (1965) e Nicholas Kaldor (1972). A visão sistêmica desse processo já tinha sido enunciada por Jean Marchal (1955). A recuperação de teorias prá clássicas foi feita por Celso Furtado que procurou ligar as escolhas de categorias de análise a opções de política de desenvolvimento 9. A onda de neoconservadorismo autodenominada de neoclássica representou uma focalização da teoria econômica em análises de equilíbrio macroeconômico, construindo a chamada síntese neoclássica pós-keynesiana que na verdade é a adoção da tradição de análise de equilíbrio que vem desde Leon Walras, que incorpora os preceitos da análise positivista de Eugen Böhm-Bawerk, modernamente representada por economistas monetaristas como Milton Friedmann e liberais conservadores como Hayek.

O desterro da visão marxista por parte da economia

“ortodoxa” levou a um ecletismo único, essencialmente estático, que substitui o questionamento de processos de desigualdade por problemas de articulação da economia mundializada capitalista avançada. É a prioridade ao equilíbrio macroeconomico frente a prioridade ao desenvolvimento e à inclusão social. As contradições do processo de acumulação e concentração de capital, de desemprego crônico e de crises recorrentes do sistema fariam seu retorno já década de 1990, diante do alargamento da brecha entre ricos e pobres. Com a intenção de resolver os problemas decorrentes da indivisibilidade e especificidade dos recursos, Lowe recorreu ao esquema de reprodução ampliada do Tomo II de O Capital de Marx. 10 De modo geral, entretanto, os trabalhos dedicados a esse tema ficam aquém desse escopo teórico e dão ao crescimento o posto central da teoria econômica.

W.A.Lewis, construiu um modelo em que deu outro uso ao conceito

marxista de exército de reserva do trabalho, onde a mão de obra é uma oferta ilimitada ao mercado de trabalho. Nisso parece estar acorde com a realidade dos países subdesenvolvidos onde, como assinala Eugenio Gudin, não há justificativa para a aplicação do conceito de subocupação. Com isso, Lewis acertadamente denuncia a inaplicabilidade da tese keynesiana às economias subdesenvolvidas, uma vez que nelas o fator escasso não é demanda efetiva e

9 Acerca dessa contribuição de Celso Furtado, ver meu artigo O retorno à polêmica fundamental, in Revista de Economia Política, vol.11,n.2.junho 2011 10 Juan Noyola Vasquez, A evolução do pensamento econômico, Econômica Brasileira, n.1, vol.III, jan. 1957.

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sim capital. O modelo de Lewis parece falhar pela sua “incompreensão dos motivos de acumulação, da conduta do empresário capitalista com indivíduo e em sua aparição e desenvolvimento como classe social”.11 Lewis construiu uma critica conservadora de um aparelho de análise conservador, ignorando as especificidades do desenvolvimento em ambientes coloniais como o dele próprio.

Além do interesse específico incorporado à teoria do desenvolvimento, a

crise de 1930, através de seus resultados, teve outros efeitos na formação de uma teoria do desenvolvimento econômico. O mais importante deles talvez tenha sido aquele trazido pela formação de um instrumental analítico adequado ao tratamento dos fenômenos do desenvolvimento. Somente depois que a teoria do desenvolvimento esteve de posse do instrumental necessário para o tratamento dos problemas econômicos através de macrounidades e passou a utilizar mecanismos capazes de refletir de algum modo as inter-relações orgânicas das economias, passou a ser possível uma compreensão da forma por que se distribuem pelo sistema econômico os impactos provenientes do crescimento. Nesse sentido, muito tem contribuído para a formação da teoria do desenvolvimento o tratamento dos sistemas econômicos por meio de modelos. No que diz respeito ao tratamento macroeconômico das economias nacionais, a teoria do desenvolvimento deve muito a Keynes, se bem que ele tenha dado à luz apenas uma teoria de curto prazo e que essa teoria contém algumas suposições teóricas inadmissíveis para uma teoria do desenvolvimento, tais como a de que o investimento seja uma variável independente. Sua teoria foi elaborada sobre pressupostos de uma economia desenvolvida, interessando-se, principalmente, pela manutenção do pleno emprego e não por um padrão de emprego ligado ao crescimento da economia. O enfoque macroeconômico foi da máxima importância para que fosse possível a elaboração dos modelos a que nos referimos. Nos anos subseqüentes, aumentou consideravelmente a literatura sobre desenvolvimento econômico, e, se ainda não se conta com uma teoria completa desse processo, já se está muito longe da época em que Schumpeter publicou sua contribuição à teoria do desenvolvimento.

No após guerra em 1945 a formação de comissões especiais das Nações

Unidas para assuntos econômicos e sociais nos diversos continentes concorreu para formar e expor novos pontos de vista sobre os problemas do desenvolvimento. A Comissão para a Europa resultou em uma série de iniciativas que foi reforçada pela UNIDO e desembocou na formação da OECD e finalmente na União Européia. Os trabalhos da CEPAL procuraram identificar as causas do subdesenvolvimento na América Latina identificando e possibilidades e limites de superação da economia burguesa para superar os sistemas de dominação. A novidade trazida pelos estudos comandados por Raul 11 Juan Noyola Vasquez, op.cit.

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Prebisch consistiu em estudar o subdesenvolvimento à luz de relações internacionais cambiantes, entre esses países e entre eles e os países desenvolvidos. A CEPAL desenvolveu uma técnica de planejamento que incorporou a modelagem sintética, as relações inter-industriais e técnicas de projeções, além de métodos de programação linear. Também foi o primeiro veículo das técnicas soviéticas de planejamento: os balanços de materiais e mais tarde as análises de sensibilidade. .A própria teoria do desenvolvimento tornou-se um grande progresso técnico, incorrendo na contradição de se distanciar da visão histórica dos processos de transformação da economia e do sistema político.

Mas essa teoria baseou-se em determinado conhecimento da realidade

latino-americana, que foi superado pelo próprio trabalho da CEPAL e que levou a novas tentativas de síntese do processo, primeiro mediante a chamada teoria da dependência, que foi um conjunto de observações formulado na década de 1960 e depois pela tentativa de um novo estudo econômico em 1970. A Cepal chegou a descobrir as contradições de seu esforço de interpretação dos processos do continente mas seria reiteradamente atacada por diferentes correntes conservadoras latino-americanas identificadas com os modelos de livre cambismo da hegemonia colonialista.

No entanto, e para registrar outras abordagens que surgiram no contexto

latino-americano, é preciso registrar as contribuições da corrente marxista e as do conservadorismo modernizante e incluir uma crítica histórica do desenvolvimento da economia mundial.

O campo marxista. A partir do entendimento de Marx de que o processo

de produção na sociedade capitalista leva a um movimento de acumulação e de concentração de capital, por extensão entende-se que o desenvolvimento do sistema capitalista de produção é o mesmo desenvolvimento do capital e leva, necessariamente a sociedades desiguais. A apropriação de valor pela classe dominante é o mecanismo social que conduz o movimento de acumulação e que se desdobra no plano político, no qual essa classe dominante se apóia para garantir sua própria reprodução. Na perspectiva marxista Trotsky fala de um desenvolvimento desigual combinado e Bukharin de uma articulação da economia mundial pelo imperialismo. A modernização ocupa um lugar central na condução da economia, identificando-se com a industrialização na versão soviética marcada pela Nova Economia Politica (NEP) de 1926. A variante chinesa representou uma abordagem completamente diferente da soviética desde o início, valorizando um movimento de mobilização da sociedade rural e

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procurando integrar a industrialização com o fortalecimento do mercado interno 12.

No campo marxista na Europa as principais experiências com

planejamento são as da União Soviética, acompanhadas de experiências de planejamento em variantes nacionais na Polonia, na Hungria e na Iugoeslavia, com contribuições notórias de Lange e outros na Polonia, da tentativa do governo de Imre Nägy na Hungria e do planejamento do governo de Tito. Algumas contribuições importantes vieram de autores da Europa ocidental como Charles Bettelheim, Christian Palloix e André Gunder Frank.

O conservadorismo modernizante. O conservadorismo modernizante

representa a negação da ideologia do desenvolvimento enquanto superação de relações desiguais e trabalha com uma estrutura de análise econômica em condições instantâneas ou em condições de pseudo-tempo. encampa a suposição que pode haver progresso no contexto das relações internacionais desiguais. Apóia-se na suposição de uma harmonia da economia mundial (Bastiat, Pigou e outros) , na racionalidade individual (Marshall e outros) e na necessidade de uma “teoria monetária da produção” (John Maynard Keynes) 13. Encontram-se diversas variantes de teoria do desenvolvimento e de teoria do planejamento, que vão desde abordagens essencialmente econométricas, principalmente baseadas nos Países Baixos, nos nórdicos e logo nas correntes tornadas ortodoxas nos Estados Unidos. A corrente keynesiana, que se desdobra em várias tendências neo-keynesianas, atribui uma posição essencial ao governo, apesar de não discutir os fundamentos políticos do Estado. Desde a década de 1960 esse conservadorismo assume o rótulo de economia neoclássica, identificando planejamento como controle de equilíbrio monetário e financeiro, na prática adotando o pressuposto de uma racionalidade unificada no sistema social da economia que aparece na economia neoclássica com o nome de expectativas racionais.

A crítica histórica. A visão em perspectiva histórica dos processos da economia envolve,

necessariamente, o questionamento dos processos de poder e da desigualdade social entranhada na formação dos impérios e das grandes empresas internacionalizadas. Esse desenvolvimento do sistema produtivo se realiza 12 Na já imensa literatura sobre a China que se acumulou nos últimos decênios destacam-se de Yu Guangyuan, Economia de China (Ediciones em lenguas extrajereas, 2 vols. 1984) e Jonathan Fenby, History of modern China (Londres, Penguin, 2010) 13 Esse conservadorismo incorreu em contradições surpreendentes como a que reduziu Alfred Marshall a patrono de uma análise estática sem reconhecer seu papel como autor de uma análise de equilíbrio instável, de deslocamentos graduais e de fundamento social da tecnologia.

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mediante uma divisão do trabalho que tem instâncias nacionais e internacionais. A incorporação da variável colonização, ou o estudo histórico do colonialismo, em suas diversas manifestações, desde o século XVI aos dias de hoje, leva a rever as teorias do desenvolvimento também como explicações da reprodução das desigualdades historicamente acumuladas. Essa visão crítica naturalmente descarta o culturalismo e a suposição idealista de que algumas nações têm o monopólio do progresso.

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Capítulo II. Conceito e características do subdesenvolvimento A. O conceito de desenvolvimento

No capítulo anterior referimo-nos à teoria do desenvolvimento, de como

ela surgiu, e também ao fenômeno do desenvolvimento como tal, definindo e localizando a posição latino-americana em relação com ele. Faz-se necessário agora conceituar e caracterizar o desenvolvimento econômico como processo social concreto.

A expressão desenvolvimento econômico é utilizada com muita

freqüência, mas nem sempre com acerto. Superficialmente, o desenvolvimento econômico é um fenômeno que se identifica com um aumento prolongado da renda nacional, mas no essencial se caracteriza por um aumento secular da capacidade de produzir. Não significam desenvolvimento, portanto, os ganhos incidentais que um país tenha, por condições alheias a sua estrutura produtiva, ou por flutuações internacionais de preços. Quando, porém, esses ganhos se incorporam à estrutura produtiva e fazem-na crescer, influem na formação do produto nacional, surgindo como desenvolvimento. Exemplificando, diremos que não se podem considerar como desenvolvimento econômico as vantagens que os países latino-americanos auferiram durante a segunda guerra mundial, e de que dispunham quando aquele conflito terminou. Mas os ganhos que o Brasil teve como resultado de um aumento das exportações de café, causados por uma expansão da área cultivada no norte do Paraná naquele mesmo período fazem parte de um processo de desenvolvimento. Isso porque um aumento da área cultivada reflete-se numa melhor relação entre a não de obra empregada no trabalho e o resultado desse trabalho. Dito de outra forma, o desenvolvimento econômico se caracteriza por um aumento constante da produtividade do trabalho empregado na economia em seu conjunto. Dizemos total porque de nada valeria aumentar rapidamente a produtividade do trabalho utilizado enquanto se produz um desemprego crescente, desde quando o peso do desemprego sobre o trabalho realizado compensa negativamente o aumento de produtividade, abortando o movimento de desenvolvimento.

O desenvolvimento pode ainda ser concebido como o estado em que a

renda potencial de um país iguala sua renda real. Isso quer dizer que, avaliadas em termos de renda, as suas possibilidades de crescer estariam limitadas e seus recursos teriam plena utilização. Entretanto, essa compreensão do problema torna-se inútil quando se chega a uma generalização do subdesenvolvimento que inclui os países mais ricos, onde a diferença entre a renda potencial e a renda real se torna uma questão apenas de tecnologia. No entanto, essa compreensão agruparia sob a designação geral de subdesenvolvidos os países que poderiam reduzir a diferença entre renda real e a renda potencial usando apenas a tecnologia em uso nos países mais

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adiantados, que é um modo de ver o problema que ignora os motivos mais poderosos para estudar o subdesenvolvimento, que são diferenças de níveis de vida.

O desenvolvimento tem sido aferido através de níveis de renda per

capita, geralmente expressos em dólares. Grosso modo, entendem-se como países subdesenvolvidos aqueles cuja população não atinge os 300 doláres anuais de renda per capita, que é uma cifra ínfima. Na relação feita pela Organização das Nações Unidas, a lista dos países desenvolvidas vem encabeçada pelos Estados Unidos e o Brasil encontra-se entre os subdesenvolvidos, junto com a totalidade dos países latino-americanos. Mas a validade dessa avaliação do desenvolvimento poderá sofrer dois tipos de restrições: as resultantes das falhas intrínsecas da renda per capita como elemento de mensuração e as procedentes daquilo que se poderia chamar de falácia dos agregados de renda nacional. Vale a pena examiná-las.

Vejamos as falhas da renda per capita como elemento de mensuração. A

primeira delas é que a renda per capita não registra as desigualdades na distribuição da renda, oferecendo, pó isso, um quadro muito imperfeito da economia a que se refere. A segunda é que, como sua finalidade principal é estudar casos concretos de desenvolvimento, e, para tanto, é indispensável considerar as verdadeiras disponibilidades de consumo e de investimento, pelo que, é preciso considerar a esfera do consumo de subsistência, ou o consumo local em geral. Esse fenômeno que acontece em larga escala nos países subdesenvolvidos, está, entretanto, fora do alcance da renda per capita . A terceira falha provém de que a separação entre cidade e campo, verificado em países subdesenvolvidos, contribui para produzir sensíveis diferenças na estrutura do custo de vida, favorecendo as populações rurais no relativo a alimentos e favorecendo as populações urbanas no relativo a serviços.

Vejamos agora o que entendemos por falácia dos agregados de renda

nacional. Os agregados de renda nacional exprimem quantidades globais indiferenciáveis em termos qualitativos. Isso quer dizer que não atentam às peculiaridades da estrutura econômica a que se referem. A falha mais clamorosa que daí resulta é a que toma a fração não consumida do produto como uma massa financeira que se denomina de poupança e que se considera que automaticamente se converte em investimento. Essa é uma simplificação introduzida pela macroeconomia keynesiana , que ignora os problemas da mecânica da conversão da fração não consumida em dinheiro e de subseqüente conversão desse dinheiro em investimentos ou em sua esterilização em entesouramento. 14 Como nas economias subdesenvolvidas uma grande parte

14 # Essa simplificação realizada pela macroeconomia marginalista não considera as diferenças de monetização entre economias mais capitalizadas e menos capitalizadas, nem considera os efeitos de variações de preços entre os momentos em que os produtores têm que vender seus

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do valor social que se forma – e que toma a forma de produto social – consiste de produtos que se destinam a exportação, portanto, cuja comercialização depende do exterior, não há como ignorar que, se esses produtos não forem comercializados, ou se forem vendidos por preços inferiores aos previstos, perde-se a conversão do produto em dinheiro. Nesse caso, uma parte do produto que a contabilidade nacional vai registrar como aumento de estoques significa uma quantidade não vendida de produtos.

Outro argumento é considerar é que essa simplificação permite supor

que os investimentos podem aumentar linearmente junto com o aumento da quantidade de dinheiro disponível, o que, por sua vez, significa considerar que o mecanismo internacional não depende de variações no valor externo da moeda.É uma suposição que não é compatível com a heterogeneidade do capital e com a conseqüente diversificação do sistema tecno-produtivo, conduzida pela renovação de tecnologias. Historicamente o sistema de produção incorpora novas tecnologias e modifica os modos de uso das tecnologias existentes. Os movimentos das tecnologias vão junto com mudanças nos perfis de qualificação dos trabalhadores 15.

Finalmente, como a renda per capita representa uma divisão da renda

total pela população total, ela engloba as diversidades do capital e do trabalho e oculta as condições concretas de produzir junto com as condições concretas de consumo. Desse modo, ela absorve todas as incorreções provenientes da quantificação indiscriminada do produto nacional, não representando assim, de modo algum, a verdadeira capacidade de demandar de uma pessoa integrante de uma economia.Indicadores das condições operacionais específicas dos setores da produção, tais como a renda média da indústria ou a da agricultura não superam os inconvenientes da generalidade excessiva.

Alguns economistas têm se preocupado em estabelecer uma diferenciação

entre o desenvolvimento econômico e o crescimento econômico, fazendo uso de uma ênfase dada por Alvin Hansen aos mecanismos do processo, sem uma correspondente consideração das transformações de estrutura que produtos e os momentos em que realizam compras de outros elencos de bens e serviços, inclusive o preço do dinheiro. A conversão da massa de dinheiro em investimento, isto é, a volta do dinheiro ao processo produtivo, representa diferentes problemas para diferentes capitalistas, tanto em função de condições de velocidade de circulação, tal como mostrou Marx ( ) Capital , Livro II) como porque as condições prevalecentes nas regiões subdesenvolvidas representam restrições à conversão dos capitais formados em atividades de baixa tecnologia em atividades de alta tecnologia. 15 Esse é o principio básico enunciado na teoria de Marx sobre a composição do capital. O capitsl sempre surge mediante uma certa diversificação dos meios de produção e dos trabalhos específicos que são engajados nessa produção. O processo do capital consiste em deslocamentos na complexidade dos meios de produção e do trabalho resultando em formas específicas de produção.

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acompanham a dilatação do arcabouço do sistema produtivo. Queremos deixar claro, tal como já assinalou Alain Barrére, 16 que uma teoria do crescimento deve englobar as mudanças estruturais que se verificarão necessariamente ao transcorrer o desenvolvimento em tempo e lugar definidos. Como essas mudanças são a base principal em que se apóiam os analistas para diferenciar entre crescimento e desenvolvimento, entendemos que essa diferenciação se torna completamente ociosa e desprovida de sentido prático no estudo do desenvolvimento. Nesse caso, por exemplo, está o modelo de Hicks pra uma economia em expansão. 17 Tal como criticou Joan Robinson, tal modelo constitui uma aplicação do modelo Keynesiano para o caso de uma economia em expansão no longo prazo, sem, entretanto, introduzir como variável o crescimento do capital, necessária numa análise a longo prazo. 18

A renda per capita nada mais é que uma relação entre a renda total - a

avaliação monetária do total dos bens e serviços produzidos num determinado período – e a população total. Quando se trata de avaliar o crescimento de uma economia nacional numa série de anos, toma-se como unidade de mensuração a renda per capita deflacionada, ou seja, os bens e serviços produzidos durante esses anos, avaliados a partir da relação preços-salários de um ano determinado19. Depois de um uso generalizado inicial nas décadas de 50 e 60 a renda per capita entrou em desuso e foi agora substituída por indicadores com o índice de desenvolvimento humano (IDH) que são modos mais sofisticados de cometer os mesmos erros.

B. Características demográficas do subdesenvolvimento.

O desenvolvimento é um processo integrado do mundo social que pode ser caracterizado a partir de uma avaliação do produto nacional, que inclui diversos outros aspectos. Assim, o desenvolvimento pode ser abordado a partir de aspectos demográficos, por meio do exame das pirâmides populacionais dos diversos países. Agrupam-se as populações dos países por grupos de idade e por sexo, obtendo-se uma pirâmide. Nos países geralmente há uma grande mortalidade até um ano de idade e até cinco anos e logo uma expectativa de vida muito restrita, ainda com um grupo de pessoas que chegam a idades muito avançadas. Configura-se uma pirâmide muito ampla na base, afinando-se rapidamente nos anos subseqüentes para compor certa proporcionalidade nas

16 Alain Barrére, O mecanismo do desenvolvimento nos diferentes estágios do desenvolvimento, Revista Brasileira de Economia, ano 7, n.2, pp.89-112. 17 John R. Hicks, Uma aportación a la teoria del ciclo econômico, Madrid, Aguilar, 1954. 18 Joan Robinson, Modelo de una economia em expansión, El Trimestre Econômico, jul.-set. 1954. 19 # Na realidade a deflação da renda envolve um problema complexo de comparabilidade entre as rendas dos diversos países, portanto, de que as rendas deles sejam deflacionadas de modo equivalente e que chegue ao verdadeiro poder de compra das diferentes moedas e em relação com os outros países onde elas sejam usadas.

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idades mais elevadas. Nos países desenvolvidos, com maior proporção de pessoas nos grupos médios de idade há pirâmides mais proporcionais. Os efeitos globais que tem a distribuição da população por grupos de idade podem ser facilmente compreendidos quando se leva em conta a importância da composição da população por grupos de idade na composição da população economicamente ativa e a correspondente carga representada por crianças e inativos. Isso significa que os ganhos de produtividade são absorvidos para cobrir esses custos sociais gerais que chegam à sociedade através da distribuição da carga tributária. Historicamente, a difusão da medicina sanitária com sistemas de saúde publica e educação, precedendo investimentos suficientes em formação de capacidade produtiva e criação de empregos, provocou uma rápida elevação da população mediante queda de mortalidade 20. Esse crescimento da população total, independente de crescimento do produto social, teve como resultado aumentar as dificuldades com que se tem que lutar para elevar a renda per capita. C. As atitudes das comunidades [ # pobreza e demanda básica] As atitudes das comunidades têm que ser consideradas, bem entendido, como fatores que contribuem ou obstaculizam o processo de desenvolvimento. Em algumas regiões há tradições de obrigações morais familiares que resultam em certo tipo de pressão do componente inativo sobre o ativo 21. A sociedade chinesa era sempre citada nesse particular, mas uma revisão rápida da América Latina mostra que os modos tradicionais de solidariedade, que têm sido atingidos pela modernização, têm um papel fundamental nas condições de sobrevivência dos pobres e na formação do poder dos ricos. Uma referência habitual é à China e a Índia, mas o mesmo acontece nos ambientes tradicionais da América Latina. Os ideólogos da modernização ao estilo norte-americano criticam os mecanismos tradicionais de solidariedade, a nosso ver sem fundamento. Se permanece uma fração de população inativa sem condições de trabalhar ela representa uma pressão social que acaba por desencadear políticas públicas. Se os inativos são subsidiados por suas famílias isso funciona como equivalente a seguro desemprego. Se o subsidio vai para grupos de rendas elevadas resulta em aumento de demanda, inclusive por bens manufaturados de segunda ordem 22 de necessidade, que provavelmente aumentará a procura 20 # Viu-se,adiante, que os efeitos de queda de natalidade surgiram depois e por outros conjuntos de causas em que pesaram políticas de governo em alguns países e decisões familiares em muitos outros. 21 No Brasil de hoje essa situação se inverteu e as aposentadorias e pensões dos mais velhos tornaram-se renda principal de muitas atingidas pelo desemprego crônico. 22 # Na experiência do Brasil de hoje a bolsa família veio a desempenhar um papel significativo inegável na superação de muitas situações de fome ligadas a desemprego crônico. O programa

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interna de bens nacionalmente produzidos. Esse problema teria que ser avaliado no Nordeste, mediante os efeitos de despesas públicas assistenciais e com os efeitos de aposentadorias. Mas a importância das comunidades para o desenvolvimento deve ser vista ainda sob outros prismas tanto ou mais importantes que este. Citaremos os hábitos de poupança e os efeitos finais da gestão de poupanças. Se bem que numa dada estrutura de consumo a capacidade de poupar seja determinada com certa rigidez pela renda e pelo nível de vida da população, a formação ético-religiosa ou uma motivação nacional para crescer podem ser estímulos suficientes para fazer elevar a taxa de poupança 23. Essa capacidade de poupar se bem aproveitada por uma comercialização eficiente, ou se apresenta como uma transferência de um setor para outro, viria a mola central para a elevação da taxa de investimentos, portanto, para o desenvolvimento. Viu-se, a seguir, ser esta uma posição ingênua que não considerava a evasão de recursos financeiros dos países e das regiões subdesenvolvidos para os desenvolvidos e as flutuações de recursos financeiros como parte da massa de capitais especulativos. A suposição inicial foi que os hábitos de poupança estariam comprometidos pelo efeito demonstração. Esse princípio, indicado por James Duesenberry e aplicado no plano internacional por Ragnar Nurkse e Celso Furtado, nada mais é que a atração exercida pelo consumo de grupos de alta renda sobre grupos de baixa renda 24.

recebe críticas bem intencionadas, interessadas em melhorá-lo e críticas do capital que com a bolsa família perde controle sobre o segmento mais carente da força de trabalho. As críticas positivas ao programa bolsa família referem-se principalmente a que ele não prepara os beneficiados para ingressarem no mercado de trabalho, que é uma meta adicional que está contemplada pelo próprio programa. Certamente, há uma avaliação técnica e outra ideológica enfrenta reações dos proprietários que perdem controle sobre o segmento mais pobre da força de trabalho. 23 # Ao longo do tempo houve uma controvérsia acerca das teses que privilegiam a ligação entre ética e religião como base historicamente válida para explicar a formação de capacidade de investir, com uma ampla aceitação da tese de Weber sobre a importância da ética protestante na formação do capitalismo. Essa visão de Weber choca com a explicação histórica que vê a formação de capacidade de produção como resultado de uma sucessão de processos de apropriação violenta identificados com a colonização e que foram perpetrados, sucessivamente, por portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses. O argumento de Weber parece ingênuo e, por mais que bem intencionado, portador de uma visão européia do problema. Os europeus jamais se compenetraram que seu desenvolvimento se deve à exploração de outros povos e não a supostas virtudes calvinistas ou àquele simplório Bom Homem Ricardo de que nos fala Benjamim Franklin. Com uma candidez surpreendente, Weber desconhece a ambivalência ética do protestantismo que comprava escalpos de índios nas colônias norte-americanas, que praticou escravidão como penalidade criminal, que queimou suspeitos de bruxaria e dissidentes como Miguel Servet, que forneceu os argumentos para discriminação de outras religiões. 2424 # Em sua formulação supõe que a composição do consumo é uma curva continua que não é alterada por diferenças culturais e políticas, o que obviamente não é aceitável.

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Além dos hábitos de poupança, de inegável importância para a formação de capital há outros dois elementos fundamentais que são as atitudes perante as inovações técnicas e de organização e o sistema de herança. A receptividade da sociedade para inovações é de especial importância para a elevação da produtividade, especialmente no que concerne às atividades primárias que predominam nos países subdesenvolvidos. O sistema de herança, por sua vez, tem implicações que devem ser examinadas com cuidado. Em alguns países as heranças são divididas entre herdeiros e em outros ficam com os filhos mais velhos, os morgados. Os objetivos de desenvolvimento e de melhorar a distribuição da renda levariam a uma taxação progressiva sobre as heranças assim como deveriam proteger as famílias da pulverização das propriedades rurais D. O sistema educativo Desde seu primeiro momento as teorias do desenvolvimento reconheceram a importância da educação, mas geralmente viram-na como um modo de fornecer mão de obra qualificada para as empresas e não como um modo de valorizar aos próprios trabalhadores. Frente ao desafio do desenvolvimento há duas questões sobre educação: educar a quem e para que e que se entende por educar. Educar uma elite e a grupos integrados com a elite ou educar as maiorias. Educar para preparar mão de obra ou para dar mobilidade. Neste ultimo caso a educação se torna a chave para reverter alienação e emancipar. A perspectiva burguesa do desenvolvimento entendeu sempre a educação como um processo a ser desenhado para acompanhar as nações mais ricas ou mais desenvolvidas. E. Consistência, estabilidade e significado do sistema político A principal característica do capitalismo avançado, desde o fim do século XIX, é a concentração de capital, que deu lugar a cartéis, monopólios e oligopólios, primeiro em setores estratégicos e depois no controle do consumo. A concentração de capital se forma desde os grandes centros da economia mundial e se desdobra de diversos modos nas periferias da economia mundializada. Em consonância com a concentração de capital, uma característica dos países subdesenvolvidos tem sido a instabilidade política, ou sua vulnerabilidade ao autoritarismo dos grupos de poder. A estabilidade é a cara aparente de processos políticos conduzidos por elites autoritárias que derivaram em golpes de

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Estado e em sistemas políticos que respaldam as desigualdades econômicas. Para as elites econômicas a instabilidade pode significar incerteza para investimentos ou controle das oportunidades de acumulação de riqueza. É notório que as ditaduras latino-americanas funcionaram como mecanismos de enriquecimento privilegiado e em formação de cartéis e enriquecimento de grupos. As ditaduras deram lugar à formação de novos tipos de empresas ou de grupos empresariais na modalidade das chamadas “espinhas de peixe” que são grupos que atuam, ao mesmo tempo, em ambientes de alta e de baixa tecnologia e aproveitam sistematicamente as oportunidades de investimento oferecidas pelos governos, manipulando mecanismos sofisticados de corrupção. A corrupção veio a ser um mecanismo integrado no capital internacionalizado no qual participam as grandes empresas internacionais obtendo vantagens dos governos nacionais para exercerem vantagens de oligopólio e de monopólio. Há toda uma hierarquia das formas de controle de poder, abrangendo a esfera econômica e a política e incorporando mecanismos colaterais como o controle da opinião pública pela mídia. Tornou-se praticamente impossível separar os processos de reprodução do capital internacionalizado dos controles de vantagens políticas para investimentos, assim como se tornou impossível separar as condições econômicas de competitividade dos controles de vantagens combinando o poder econômico e o político. Neste contexto tornou-se obvia a inoperância da chamada economia institucional que se apóia na análise das estruturas institucionalizadas assim como as análises que consideram uma suposta racionalidade universalizada dos negócios. F. O determinismo do comércio exterior Ao longo do desenvolvimento do sistema produtivo o comércio se desenvolveu mediante um grande movimento duplo que ligou a expansão dos mercados em cada país com circuitos internacionais de mercado e onde as articulações internacionais de mercado prevaleceram cada vez mais sobre as internas dos mercados nacionais. Desde os inícios do século XIX a teoria econômica refletiu o desenvolvimento internacional do mercado. Distinguem-se duas grandes linhas principais do comércio que são as que retratam relações gerais entre países e as que olham para relações na esfera dos capitais e na esfera dos trabalhadores. As teorias das vantagens comparativas, tanto como instrumentos de análise como os balanços de pagamento, manejam sínteses de relações entre países. Tais relações hoje retratam cada vez uma realidade em que aumentam as relações intra empresas no plano internacional e em que as transações na

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esfera do capital financeiro vulneram as estruturas institucionais dos países. Ao longo do tempo e segundo aumentam as transações internacionalizadas de capitais, aumentam as margens de incerteza com que se movem os capitais financeiros e muda de feição a articulação entre o sistema produtivo propriamente dito e os movimentos dos capitais financeiros. No plano mundial há deslocamentos nas posições dos países mas alguns deles são apenas aparentes. Por exemplo, o Brasil diversificou sua economia e se industrializou mas sua participação no sistema das relações econômicas internacionais se amplia sobre a base de exportação de produtos de baixo valor agregado e importação de produtos de alto valor agregado.

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Capitulo III Os recursos físicos 3.1. Conceituação dos recursos físicos Distinguiremos uma visão do mundo físico com o nome de natureza e como um conjunto passivo a ser conquistado pela humanidade ou como uma totalidade do planeta que tem sua própria atividade e condiciona o povoamento e a vida econômica. Os primeiros registros dos recursos físicos em economia falavam de terra, que logo passou a incluir o componente água. Passou-se a trabalhar com um conceito de recursos físicos, adiante superado pela noção de sistemas de recursos, na qual se inclui a dinâmica da reprodução própria dos sistemas de recursos naturais. Finalmente, passou-se a trabalhar com a percepção de sistemas de recursos integrados a uma visão de unidade planetária dos sistemas absorvendo os avanços teóricos da Física, da Termodinâmica e da Meteorologia. No essencial passou-se de uma visão de sistemas estáticos de recursos para a de sistemas dinâmicos que são afetados por um movimento geral de entropia e por descobertas de recursos. A noção de irreversibilidade leva a pensar em termos de sistemas que se deslocam em trajetórias irreprodutíveis. A determinação de reservas de petróleo é o exemplo mais destacado hoje e justamente pelo aumento de consumo, pelo aperfeiçoamento das técnicas de pesquisa e lavra e pela identificação de reservas. As variações positivas de reservas são dados que deslocam a argumentação dos “limites do crescimento”e reavaliam as relações entre os países do bloco de poder e os ascendentes. 3.2. País rico e país pobre A produção de qualquer país depende de disponibilidades que vão desde a existência de minerais e potencial hidrelétrico até a força de trabalho fornecida pela população levadas em conta suas diferentes habilidades. Entre elas contam-se ainda as instituições formadas pela cultura da nação e cuja presença é um elemento de peso que tanto pode ser favorável como desfavorável ao desenvolvimento. Ao conjunto dessas disponibilidades chamamos de sistemas de recursos. O papel fundamental desempenhado pelo conjunto de recursos no processo de desenvolvimento econômico torna imprescindível o seu

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estudo quando se pretenda obter uma visão das bases em que o desenvolvimento poderá ocorrer. As diferenças nas dotações de recursos dos diferentes países permitem classificá-los em países ricos e países pobres. O conceito de país pobre é diferente de subdesenvolvido, o qual se refere às condições sociais de aproveitamento dos recursos. Por exemplo, o Japão e Israel são países desenvolvidos e pobres, enquanto a Bolívia e o Peru são países ricos e subdesenvolvidos. A pobreza de recursos pode ser flagrante em um país que se classifique como desenvolvido dentro do princípio que tenha atingido a renda máxima alcançável com sua constelação de recursos. Contudo, se um país pode desenvolver-se em ser excepcionalmente bem dotado de recursos de todos os tipos, provavelmente não o conseguirá se carece de uma composição adequada de recursos para elevar a produtividade do trabalho. Mais ainda, é difícil que um país se desenvolva se seus recursos não permitem uma diversificação de suas atividades, mas os limites impostos ao desenvolvimento pelos recursos podem ser flexibilizados quando a escassez de alguns recursos é compensada pela abundancia de outros. Capital e técnica podem suprir as deficiências do solo, tal como acontece em Israel. A aplicação intensiva e adequada de trabalho foi como se superou a falta de capital na China e como na formação da maior parte dos vinhedos da Europa. Na relação entre os recursos e o desenvolvimento o essencial é que os recursos só podem ser convertidos de potência em operação quando há instituições e qualificação adequadas. País algum poderá se desenvolver de modo prolongado se seu esforço produtivo se limita a atividades em que predominam as vantagens de recursos em seu estado natural. Mais ainda, um impulso de desenvolvimento gera condições para um aproveitamento melhor e mais amplo dos recursos de que o país é dotado. Não será mero jogo de palavras dizer que os países ricos têm mais facilidade de se desenvolverem e que o desenvolvimento enriquece os países. 3.3. Classificação dos recursos. A grande variedade de formas com que se apresentam os recursos permite sua classificação de diversos modos. Distinguiremos recursos físicos, humanos, profissionais e institucionais. Os recursos físicos compreendem os recursos naturais e os construídos pela sociedade, tais como redes de infra-estrutura e bosques recompostos. Recursos físicos não se confundem com capital porque também incluem disponibilidade de

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elementos que não são parte do sistema produtivo. Os recursos humanos estão constituídos da força de trabalho com suas aptidões em que se combinam sua cultura com suas qualificações. Aí se incluem recursos profissionais. O desenvolvimento envolve mudanças na produção e no consumo no contexto de movimentos de modernização. Há uma questão relativa a assimilação de tecnologia, que como se tem visto, depende da formação sócio-cultural. A economia funciona dentro de certas normas que se institucionalizam. As preferências da sociedade se cristalizam em entidades que executam tarefas de assistência, de diversão, que simbolizam as atitudes da sociedade diante dos problemas de conflitos de interesse suscitados pelos problemas de sobrevivência e luta pelo poder. O uso de recursos físicos está sempre condicionado pela perspectiva de esgotamento, já que todos os recursos a rigor não são renováveis. Alguns recursos estão se renovando constantemente [ou não ] como os rios, contudo a pressão por sua utilização agrava as perspectivas de esgotamento. Desde já é preciso considerar que o exaurimento de alguns inviabiliza o aproveitamento de outros. Reservamos o conceito de recursos não renováveis para aqueles que são atingidos de modo direto pela exploração. Como a exploração de recursos sempre se faz com critérios econômicos ou estratégicos a inexequibilidade dessa exploração enfrentará custos crescentes de exploração e não estará subordinada a simples escassez física. Por sua vez o conceito de recursos renováveis cinge-se à capacidade de certos recursos de se recomporem tal como é o caso das florestas 25. C. Valor social dos recursos: localização, acessibilidade O valor social dos recursos depende da vontade da sociedade de utilizá-los. Nenhum significado teriam jazidas de ferro para uma sociedade da idade da pedra, contudo a sobrevivência dessa sociedade dependeria da existência de florestas com reservas de caça. Este princípio está claro em sociedades modernas que se abstêm de utilizar recursos de alimentação por motivos religiosos. A vontade de usar recursos está determinada por necessidades concretas de sobrevivência e não por desejos individuais genéricos tal como aparece na teoria marginalista 26.

25 Distinguiremos florestas de bosques em que as florestas se reproduzem com crescente diversidade e os bosques podem ser plantados como monoculturas sem a capacidade de se diversificarem. O exemplo mais claro são os bosques de eucalipto das grandes empresas produtoras de celulose cujos efeitos negativos devem ser avaliados. 26 Em Marshall essa vontade aparece como wants (desejos) e não como algo necessário.

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A decisão de usar recursos depende de custos – de levantamento e de exploração – envolvendo custos de transporte que implicam na localização dos recursos. Exemplificando: o valor social da energia fornecida por uma queda d’água depende de sua distância dos centros de consumo de energia, considerando que a distância incide em custos de instalação e de transmissão, chegando ao momento em que a exploração deixa de ser compensatória. A localização aparece como um elemento de custo independente das dificuldades físicas de execução do aproveitamento da queda d’água. Mas nem sempre a localização pode ser considerada como um dado preliminar. Com freqüência ela vem acompanhada de problemas de acessibilidade, tanto dos centros de consumo às fontes de recursos como destas aos locais de aproveitamento ou de exportação. O valor social de uma faixa de terras férteis será diferente se ela se encontra em planaltos de difícil acesso ou em planícies de fácil comunicação com portos. O mesmo será verdade quanto a jazidas de minerais que devem ser transportados a locais de fundição ou a pontos de embarque. Outro elemento ponderável no valor social dos recursos é oportunidade de sua exploração, isto é, sua situação no tempo. A prioridade que se dê à utilização presente de um recurso em relação com seu possível uso futuro será determinante do valor social de seu uso atual. A opção por momentos no tempo para a exploração dos recursos será o dado necessário para armar o quebra-cabeças da política de desenvolvimento. Por último, o valor social dos recursos dependerá de sua concentração, ou, dito de outra forma poderá estar comprometido por sua dispersão.

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Capítulo IV. O capital e o trabalho 1. O capital A conceituação de capital Historicamente a conceituação de capital evolui junto com as transformações do próprio capital. Compreende três acepções que representam diferentes aspectos, também diferentes percepções do capital como uma totalidade. A visão que se constrói desde os Clássicos – Adam Smith e David Ricardo – e que se consolida com Marx que é de uma relação social desigual formada em torno da propriedade privada e representa o valor social acumulado e reintegrado ao processo de produção. Há uma visão positivista que se pretende antagônica da anterior ( Böhm-Bawerk 27) que vê o capital como um principal que pode ser emprestado e cujo custo no tempo aparece como juros. Como derivação da visão histórica cabe ver o capital como um potencial de produção que pode ser acionado pelo sistema de poder com seus componentes de esfera pública e privada. Em todo caso, capital é o valor socialmente produzido que se reintegra ao sistema produtivo em um processo que faz com que essa reincorporação sempre se faça sob novas formas técnicas e novos modos de organização social da produção. Valores socialmente produzidos mas que não necessariamente se reintegram ao processo produtivo classificaremos como patrimônio. É o processo que condiciona o capital ao progresso tecnológico e à evolução das formas de poder que está subjacente na renovação de tecnologia. A preservação do valor do capital exige que ele seja aplicado com resultados suficientes para sua plena reposição que é uma operação que não está garantida e requer o aproveitamento de oportunidades de investimento disponíveis em mercado28. Daí que os representantes dos interesses de capital têm que disputar as oportunidades de aplicação, tanto concorrendo entre empresas como comprando participação nas empresas que conseguem aplicar. O processo de venda de produtos e de aplicação de capital é o componente de risco que continuamente enfrentado pelos capitalistas, que tentam transferir esses riscos para os trabalhadores – mediante compressão de salários e 27 Eugen von Böhm-Bawerk autor de Teoria positiva do capital e Capital e juros, seguramente o pai do positivismo em economia, cuja contribuição é valiosa, junto com a de Knut Wicksell na mesma linha de pensamento, que convém distinguir do posterior encurtamento conceitual dessa corrente de pensamento. 28 As operações que são instigadas pelos interesses do capital também são parte dessa disponibilidade em mercado que objetivamente é o que pode ser feito em cada momento e lugar. Em seu desiderato de superar riscos e garantir sua reprodução o capital desenvolve estratégias para induzir comportamentos dos consumidores, desde campanhas de publicidade, técnicas de vendas, financiamento em varejo, forçando os diversos segmentos da classe trabalhadora a operarem sempre em condições de endividamento.

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precarização do emprego – e para o Estado mediante uso arbitrário do poder econômico sobre a esfera da política. O objetivo de perpetuação do valor social representado pelo capital representa uma separação entre o sentido de finalidade social, justificado por usos que sejam socialmente significativos, por uma inversão de sentido de finalidade que passa a ser a simples acumulação de capital como tal. Essa inversão do fundamento ético faz com que a reprodução do capital se torne uma negação do humanismo e revela a contradição essencial do esforço de acumular. A reprodução do capital nada tem a ver com serviços à sociedade e constitui o meio por excelência de exploração de todos que precisam vender tempo para obter renda ou que dependem do poder empregatício do capital. As formas de exploração na sociedade moderna tornaram-se cada vez mais indiretas ao tempo em que mais penetrantes e eficazes porque passaram a controlar a vida das pessoas. A destruição da privacidade é parte inerente da sociedade do individualismo. A estruturação do sistema produtivo Cabe distinguir o sistema sócio-produtivo que é determinado pela estruturação social da produção e o sistema tecno-produtivo, que envolve o conjunto do conhecimento e dos usos. O sistema sócio-produtivo é a representação de relações de classe que exprimem o modo de funcionamento da sociedade de interesse 29. O sistema tecno-produtivo é o conjunto das técnicas incorporadas pela sociedade em suas diversas formas de organização. Os sistemas produtivos dos países estão marcados pela heterogeneidade do capital que se manifesta nas composições dos sistemas de infra-estrutura com os sistemas de estabelecimentos produtivos. Partindo da visão tradicional que o capital está constituído de equipamentos, instalações e inventários de mercadorias, cabem alguns comentários sobre cada um desses componentes e sobre sua combinação em sistemas de capital que são, ao mesmo tempo, sistemas sócio-produtivos e sistemas tecno-produtivos. Equipamentos. Os equipamentos estão datados, isto é, suas características tecnológicas respondem aos momentos em que foram produzidos, e são partes de conjuntos interdependentes cujos limites variam e cuja complexidade varia constantemente. Daí, a imprecisão de falar em bens de capital pressupondo que são unidades como uma faca ou uma foice. Uma

29 Algumas referências sobre a sociedade de classe são necessárias. Desde o prefácio de Marx na Contribuição à crítica da Economia Política a Georg Lukács, História e consciência de classe (1922) e a István Mészáros, Estrutura social e formas de consciência 2 vols. (2010).

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grande parte do capital está constituída de equipamentos complexos de uso invariante enquanto uma outra parte compõe-se de equipamentos de uso múltiplo. Alguns equipamentos podem continuar a serem usados justamente aqueles mais simples enquanto outros dependem do ajuste tecnológico com outros. Facas e foices podem ser usadas em qualquer circunstância mas peças para automóveis e aviões dependem dos aviões em seu conjunto. A distinção entre equipamentos de uso múltiplo ou de uso único e a noção de combinações de equipamentos é essencial para compreender o uso de maquinaria na economia de alta industrialização que já não se parece em nada com a da primeira revolução industrial 30. Desde Marx a análise industrial distingue um departamento que produz bens de consumo e outro que produz bens de capital. O desenvolvimento do sistema produtivo traduz-se em maior número de bens de consumo duráveis e em aumento dos requisitos de qualidade dos bens de consumo. Os bens de capital incorporam mais tecnologia e passam a fazer parte de grandes conjuntos de equipamentos. A noção de setor precisa ser revisada para registrar as interdependências entre os setores e para contemplar a crescente irreversibilidade das características técnicas dos bens produzidos. Para registrar nossas observações sobre os aspectos sistêmicos dos equipamentos na economia da produção industrial avançada distinguiremos equipamentos simples e complexos e equipamentos de lenta e de rápida renovação tecnológica. Como a produção se torna mais indireta, isto é, com maior número de atividades intermediarias até os produtos finais, aumenta a participação dos bens de capital enquanto os bens de consumo incorporam maior número de operações. Em seu conjunto, o sistema produtivo se torna mais maleável a mudanças de finalidade dos equipamentos e mais sensível às mudanças e adaptações de equipamentos. Instalações. As instalações da produção capitalista são componentes essenciais da atividade produtiva direta e das condições ambiente da produção. As instalações abrigam as unidades produtivas. São fábricas, fazendas, mas também são portos e aeroportos. Cabe distinguir as instalações da atividade produtiva direta e as situam na sociedade, em cidades ou em áreas rurais. Neste sentido os sistemas de infra-estrutura, a urbanização em geral e as soluções de moradia constituem condicionantes do sistema tecno-produtivo. 30 Escrevendo no início da segunda revolução industrial, entre 1844 e 1870, Marx desenvolve sua análise da indústria distinguindo um setor produtor de bens de consumo e outro produtor de bens de capital. Marx trabalha com um cálculo econômico que compara custos de produção com extração de mais valia e presumindo que a conversão de mais valia em lucro está garantida, isto é, sem contemplar as diferenças de condições de mercado entre linhas de produção e sem considerar os ajustes de inventários que se impõem entre variações de procura. É uma simplificação que decorre da abordagem microeconômica com que começa sua análise mais que deixa em aberto o problema de consolidação de uma abordagem macroeconômica.

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No desenvolvimento do sistema produtivo há mudanças das instalações tanto como resultado de progresso tecnológico, como por reorganização dos sistemas urbanos e dos portuários em geral, pelo que o planejamento urbano deve ser considerado como uma parte integrante do planejamento para o desenvolvimento. A funcionalidade das instalações passa a ser examinada com outros critérios, tais como os de impacto ambiental. Muitas instalações têm continuado a serem usadas enquanto muitas outras foram desativadas e as variações nos usos das instalações representam ganhos ou perdas do sistema produtivo que devem ser contabilizados como custos sociais. Inventários. Na produção industrial avançada aumentam os inventários de todo tipo, desde matérias primas a produtos terminados e produtos que se tornam materiais para produção. Os inventários são quantidades de matérias primas para a produção e são produtos terminados ainda por serem vendidos. São produtos agrícolas que chegam ao mercado, em uma parte que é negociada e outra que é perdida. O argumento de Paul Baran sobre a importância do desperdício no sistema capitalista tem que ser examinado com cuidado, porque as perdas afetam gravemente a disponibilidade de alimentos em países que estão sujeitos a fome. O objetivo administrativo – ou logístico – de reduzir estoques – o famoso Just in time – é simples contraponto do movimento geral pelo qual aumentam as quantidades de mercadorias que devem ser comercializadas em determinados prazos. Os custos das demoras de comercialização passam a ser aspectos essenciais da operacionalização do sistema de produção. O capital financeiro e a financeirização da produção Desde os trabalhos de Marx sobre a moeda e o capital nos seus Grundrisse, lançavam-se as bases para um tratamento da transformação financeira do capital, cuja primeira formalização foi feita por John Hobson e sua consolidação por Hilferding – O capital financeiro – em 1917. A substituição da lógica industrial da acumulação pela lógica da reprodução do capital financeiro passou por uma metamorfose dos circuitos de capital produtivo e não se reconhece mais como uma combinação de capital bancário com capital industrial. O capital financeiro passou a ser regido por uma lógica de velocidade de circulação em que os períodos de produção são continuamente afetados e onde as empresas passam a focalizar mais em movimentos de capital que em lucros sobre produção. A expansão do capital financeiro foi atrasada pelo período da segunda guerra mundial mas retomou seu impulso junto com a reconstrução da Europa e do Japão. A revolução dos meios de comunicação na década de 1960 aumentou a fluidez dos capitais entre as bolsas de valores, desenvolvendo-se novos modos de relacionamento entre os fluxos de capital que passam por relações visíveis

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entre empresas e os fluxos menos visíveis de relacionamentos internos dos grupos econômicos. Em sua evolução o capital financeiro desenvolveu seus próprios mecanismos que realimentam sua velocidade e estendem suas raízes no sistema sócio-produtivo. Alguns são mecanismos institucionais, que vêm desde a criação dos bancos centrais até o desenvolvimento de empresas não bancárias que operam no mercado financeiro. Outros são mecanismos financeiros como o mercado de derivativos e outros ainda são manobras com a dívida pública. As condições de gestão dos capitais privados mudaram radicalmente com a chamada desintermediação financeira que significa que os detentores de capitais privados passam a gerir seus próprios interesses. 2. O trabalho As metamorfoses do capital interagem com as do trabalho. As transformações da participação do trabalho na produção são, realmente, modificações nas condições de inserção de pessoas na qualidade de trabalhadores. O mecanismo de alienação conduzido pelos interesses do capital consiste, primeiro, em considerar que o desemprego é um processo técnico e não é um mecanismo de controle social e de exclusão de pessoas do processo de poder. A substituição de pessoas concretas por trabalho genérico é o movimento essencial de uso da reprodução do capital como ferramenta de domínio sobre os que precisam trabalhar. Aí tem-se uma inversão de valores, porque o trabalho é a fonte do capital, mas a participação das pessoas como trabalhadores no processo de produção depende de oportunidades de emprego criadas pelo capital e os trabalhadores são sempre os que dependem de contratos fornecidos pelos capitalistas. O sistema se aperfeiçoa com a operacionalização do Estado, cujo poder de empregar funciona como complemento do capital privado ao tempo em que cria espaços resguardados de mercado de trabalho protegendo os trabalhadores. As pessoas que não dispõem de capital são trabalhadores potenciais que aparecem como empregados ou como desempregados e que têm expectativa de vida profissional desigual. Os conceitos sobre o trabalho são voláteis: quem nunca trabalhou é trabalhador? Como classificar as diferenças de qualidade no trabalho e como atribuí-las à organização da produção ou ao talento dos trabalhadores? Porque considerar que os trabalhadores são sempre objeto das manobras dos capitalistas e não são sujeitos ativos do processo? Assim como o capital passa por metamorfoses em seus aspectos econômicos e políticos desde a predominância da lógica mercantil da acumulação até a lógica financeira, o trabalho passa por metamorfoses que são as criadas pela qualificação dos trabalhadores e por sua mobilidade. A qualificação representa graus de liberdade em escolhas de condições de trabalho em termos de renda e de condições de vida; e a mobilidade é uma

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etapa adicional na escolha de condições de vida incluindo expectativa de vida profissional, independência e proteção contra políticas de desemprego. À medida que o sistema produtivo se torna mais complexo há pressões crescentes por qualificação das pessoas para participarem do processo produtivo seguidas de mecanismos colaterais de exclusão que incidem na forma de risco de perda de emprego e de perda de renda. A pressão de desemprego dito tecnológico, justificado pela substituição de tecnologias reflete-se em perda de capacidade de negociação coletiva dos trabalhadores. Observa-se que grande parte dos novos empregos que são criados são parte dessa individualização que favorece novas formas de alienação dos trabalhadores. No ambiente da economia mundializada do novo século há uma maior pressão sobre os trabalhadores que precisam fazer maiores esforços para obter renda, manterem-se em seus empregos e disputar as oportunidades de empregos garantidos. A precarização do emprego com a conseqüente fragilização dos sindicatos leva os trabalhadores de volta a dependerem mais do emprego público e a uma subordinação ao sistema político. A tentativa da representação do capital de separar o conhecimento do trabalhador choca-se com essa realidade do aprofundamento da distância entre as classes em que se abrem contradições nos diversos níveis de renda e de posição. Com a aceleração da substituição de tecnologias cria-se um ambiente em que os trabalhadores são responsabilizados por sua baixa renda e por sua incapacidade de acompanhar as demandas do capital nos novos postos de trabalho. Sua necessidade de comprovar, constantemente, sua capacidade de desempenhar as tarefas que justificam seus empregos serve como fundamento para um aprofundamento da exploração, na qual desaparece sua vida privada e aumenta sua carga de trabalho. Desenvolvem-se mecanismos de mobilidade negativa (GAUDEMAR, 1977) e dissolvem-se os laços de solidariedade que sustentaram a formação de sindicatos. A sindicalização torna-se um sintoma de situações privilegiadas no mundo do trabalho.

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PARTE SEGUNDA. A POLÍTICA PARA O DESENVOLVIMENTO Capítulo VI. A inevitabilidade de políticas econômicas e a necessidade de planejar A. Um discurso falsamente técnico Desde a década de 1940 à de 1970 o planejamento experimentou um auge de popularidade e passou a ser desvalorizado como contraditório com o progresso da economia, ser portador de uma racionalidade emissária da superação do poder oligárquico até ser desqualificado como prática de uma burocracia incompetente e paralisante. O planejamento no ocidente foi promovido com um conceito de racionalidade neutra, com a econometria dos saxões e nórdicos, como uma receita de governo que poderia ser difundida como um mecanismo de racionalidade. Com os soviéticos o planejamento desenvolveu-se como uma atividade essencialmente técnica, perdendo-se de seu fundamento ideológico, por definição questionador. Nos Países Baixos e nos nórdicos assumiu uma linguagem decididamente econométrica, desligando-se de uma vez de compromissos com conflitos de classe. Nos Estados Unidos, onde supostamente não há planejamento, trabalham com cenários estratégicos e substituem e fazem modelagem da política substituindo conflitos de classe por análises comportamentais a la Skinner. Na América Latina, onde o planejamento foi seriamente avariado, primeiro por ficar em mãos de economistas neoclássicos e depois pela avalanche neoliberal, há uma crescente sensibilidade aos efeitos da exclusão social na confecção de políticas de desenvolvimento. Há uma correlação direta inversa entre direitos dos trabalhadores – ou legislação trabalhista – e planejamento. Fora dessa visão de planejamento mecânico, a própria noção de política para o desenvolvimento implica na intenção de alterar o modo histórico de reproduzir-se do sistema produtivo, pelo que envolve atos de poder . A política para o desenvolvimento pressupõe uma teoria da ação social, portanto, uma combinação de ideologia e tecnologia, já que compreende uma representação dos interesses dos grupos sociais que planejam, e já que representa um modo de conduzir os assuntos econômicos de interesse público. Há uma diferença clara entre autores que se voltaram para os aspectos ideológicos desse processo, tais como Karl Manheim, W. Arthur Lewis e Marshall Wolfe; e outros que trataram o planejamento apenas como uma técnica. A perspectiva socialista do planejamento é que os problemas teóricos e os práticos se encontram entrelaçados e são referências necessárias O desgaste do planejamento global autoritário, que se configurou com as contradições e o desastre da União Soviética, alimentou uma literatura crítica desses sistemas de decisão central, assim como mostraram que uma política

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econômica integrada em torno de planejamento tornou-se uma necessidade histórica. As contradições das políticas de desenvolvimento na Europa oriental e na América latina foram reduzidas a fracassos técnicos, separadas de sua fundamentação política. Mais recentemente, Habermas 31 desenvolve uma crítica do que denominou de racionalidade instrumental – aquela das decisões centrais – sem ter se dado ao trabalho de examinar as teorias da ação social incorporadas nas teorias da política econômica de autores como Jan Tinbergen ou como W.Arthur Lewis, que discutiram as condições históricas da racionalidade da política econômica. Não há dúvida que Habermas ignora a teoria da política econômica e do planejamento e que trata com uma perspectiva de ação social que não consulta a necessária historicidade do agir coletivo em sociedade. Sem descartar o mérito desse mapeamento do agir na esfera pública impõe-se reconhecer a importância do trabalho de Mészáros no que trata do peso da historicidade do agir social contemporâneo. A questão relativa ao núcleo essencial da política econômica está ligada aos problemas de pertinência da teoria econômica. A identificação desse núcleo essencial foi objeto de um ensaio de Maurice Dobb, 32 que não pode ser ignorado, e os problemas de pertinência foram claramente colocados por Gunnar Myrdal 33 e por Pajestka e Feinstein.34 Numa leitura histórica de política econômica torna-se inevitável reconhecer que há duas esferas de ação e decisão, que correspondem, respectivamente, às necessidades de reprodução social do sistema produtivo, que é aquela que denomino de planejamento socialmente necessário, e às necessidades de prevenir desastres, controlar crises e controlar o desempenho financeiro da economia. Esta última chamo de planejamento de controle social.

B. As funções da vida econômica

A economia desempenha uma série de funções na vida social que, num ou

noutro sistema político, são resolvidas mediante a orientação que se dá aos usos de recursos. Paul Samuelson sintetizou essas funções essenciais em três: que produzir, como produzir e para quem produzir.35 Além disso, é preciso esclarecer quem decide. Quem decide são os interesses do capital, diretamente representados por empresas, ou indiretamente representados através do 31 Jurgen Habermas, Teoria de la acción comunicativa, Madrid, Taurus, 2 vols. 1987. 32 Maurice Dobb, An essay on economic growth and planning, N.York, Modern Reader, 1969 33 Gunnar Myrdal, Asian dramma, N.York, Random, 3 vols. 1968. 34 Jozef Pajestka e C.H. FEinstein (sel.), La pertinência de lãs teorias econômicas, México, Fondo de Cultura Econômica, 1983. 35 Paul Samuelson, Introdução à análise econômica, (1954)

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controle econômico do sistema político. Quem decide configura a crítica de Marx da Economia Política. São decisões de capitalistas e de trabalhadores individuais ou são decisões de Estado e de empresas? A análise marginalista omite a relação de classes que se encontra no fundamento dessas decisões e refere-se a produtores e a consumidores individuais genéricos. Uma teoria da ação social que sustente a política de desenvolvimento deve distinguir o relativo ao agir de empresas – como entidades representantes do capital- do Estado, como máxima entidade política e de trabalhadores com sua variedade de instituições representativas.

A vida econômica das nações tem sua razão de ser firmada na existência

de conjuntos de necessidades de grupos sociais determinados e na capacidade limitada para atende-los, já seja por limitação dos meios de produção disponíveis, ou seja pelo modo como eles são objetos de controle social. O valor de troca dos bens de extinguiria, se eles existissem em quantidade ilimitada, quando não haveria dificuldade alguma na satisfação das necessidades.3637 Mas a impossibilidade de ter quaisquer bens à sua disposição simultaneamente e nas quantidades desejadas, coloca o produtor – consumidor ou o consumidor – produtor diante de uma opção contínua, que é a primeira função da vida econômica.

A segunda função será uma opção tecnológica. Como produzir dependerá,

fundamentalmente, das técnicas disponíveis e de suas vantagens econômicas. A decisão de para quem destinar a produção será feita pelo sistema político que, tanto pode deixá-la entregue ao sistema de mercado, como pode interferir em favor de uma ordem prioritária que adote. De um modo ou de outro, todas três funções dependem primordialmente de decisões políticas. Vejamos agora a síntese das funções econômicas feita por Frank Knight. 38

Segundo Frank Knight, as funções que regem a vida econômica são as

cinco seguintes. “Em primeiro lugar, a sociedade deve determinar os fins – deve decidir que classe de bens e serviços devem ser produzidos e em que quantidade. Segundo, os recursos devem ser distribuídos entre as indústrias que produzem bens e serviços destinados a satisfazer adequadamente as necessidades, Terceiro, é necessário ajustar o consumo, dentro de períodos curtos, a ofertas relativamente fixas ou à velocidade com que se produzem os bens e serviços. Quarto, a produção tem que ser repartida entre os membros da 36 # Esse é o verdadeiro fundamento da hipótese de W.Arthur Lewis de oferta ilimitada de mão de obra. Ao criar condições artificiais de oferta ilimitada de mão de obra, o capital deprecia o trabalho e controla os salários. O modelo de análise de Lewis ignora por completo as estratégias de defesa dos trabalhadores, que têm migrado cada vez mais, dentro de cada país e ao exterior. 37 38 Frank Knight apud George Stigler, La teoria de los precios, Madrid, Editorial Revista de Direito Privado, 1953.

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sociedade, deve-se decidir quais necessidades devem ser satisfeitas e em que medida. Quinto, é preciso assegurar a manutenção e a expansão do sistema econômico.”39 Esta classificação de Knight adapta-se muito mais aos nossos interesses que a de Samuelson. A preocupação com uma distribuição dos recursos adequada à satisfação das necessidades sociais aparece explícita na segunda das funções que enumera, revelando uma prioridade social. Mas a principal para nós é a quinta dessas funções, que é de garantir a sustentação e a expansão do sistema econômico. Como o impacto das flutuações cíclicas atinge as economias subdesenvolvidas através de suas relações com as economias industrializadas, que lhes vendem mercadorias a preços fora de seu controle, seu interesse concentra-se no problema do desenvolvimento, que lhes atinge mais diretamente. Quando há uma preocupação dominante de crescer, a orientação que se impõe à política econômica, que é a de aumentar a taxa de investimento nos pontos de maior poder de germinação, influi em todas as outras funções aludidas.

C. O papel das opções As características históricas, sociais e políticas, de cada sistema

econômico determinam certas condições em que se colocam as opções dos diversos grupos sociais. A apropriação de percepções de tempo e de risco por parte de grupos de empresários capitalistas e de trabalhadores torna-se o diferencial que explica porque alguns trabalham com longo prazo, outros vivem em curto prazo e os trabalhadores informais vivem com horizontes diários de emprego.

A natureza dessas opções pode ser bem exemplificada em períodos de

guerra, quando os países beligerantes se encontram diante da necessidade de desviar sua capacidade produtiva de bens de consumo para material bélico com sacrifício de seus níveis de vida. Sobre essa situação formulou-se o exemplo do dilema entre manteiga e canhões. Entretanto, a questão de optar não é tão simples como esse exemplo leva a pensar. Pode acontecer que num dado sistema seja mais importante produzir algumas unidades de certos bens de importância estratégica que muitas unidades de outros bem, sendo que alguns terão valor social não mensurável em termos microeconômicos. Esse é o ponto de partida para examinar os aspectos quantitativos e qualitativos das opções, que é uma técnica que foi explorada por Jan Tinbergen (1956, 1960).

O Brasil poderia incrementar fisicamente em muito sua produção de café

ou de cacau, mas é duvidoso que desse modo resolva seus problemas de desenvolvimento. Estrategicamente, é mais indicado construir algumas hidrelétricas, apesar de que seus benefícios só apareceriam mais tarde e seriam 39 Frank Knight, op. cit.

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indiretos. O planejamento da produção de energia só pode ser feito com projeções em longo prazo e considerando mudanças de composição da oferta, mas tem que considerar alterações de demanda em curto prazo. A necessidade específica de determinados investimentos pode elevar os custos relativos de outros serviços, causando pontos de estrangulamento para o funcionamento do sistema em seu conjunto. Um dos exemplos mais comentados de pontos de estrangulamento é que surge nos sistemas de transportes. A remoção desse tipo de estrangulamento é vital para a expansão do sistema produtivo, pelos prejuízos indiretos que pode causar. Como assinala Lowe (1956) “o que estorva o desenvolvimento acelerado das regiões atrasadas não é tanto a miséria geral, mas sim a escassez de determinado tipo de mercadorias, os bens de capital, cuja forma física se modifica tipicamente com o progresso econômico” . Acrescente-se que os bens de capital têm uma identificação tecnológica e que sua utilidade depende de como eles se inserem no sistema produtivo. Nada adianta contar com peças de modelos de aviões que já não se usam, nem dispor de estoques de parafusos com especificações inadequadas.

Ao examinar a natureza dos pontos de estrangulamento que podem

comprometer o crescimento de uma economia nacional, podemos reuni-los em dois grandes grupos, que são o daqueles causados pela carência de recursos naturais e dos causados pela própria dinâmica do crescimento. Pode-se dizer que a escassez de água e de energia é o principal estrangulamento de recursos naturais. Embora o impacto dos diferentes tipos de estrangulamento seja semelhante em seu momento inicial, seus desdobramentos são diferentes, assim como o modo de superá-los.

O desempenho demográfico é fundamental nesse conjunto. A obrigação

de assegurar a manutenção e a expansão do sistema econômico resulta em precisar ter um crescimento do produto social superior ao crescimento demográfico, mas que terá que funcionar dentro das margens permitidas pela disponibilidade de recursos. Como as variações da população respondem a taxas de natalidade e de mortalidade que só se alteram em períodos plurianuais, em principio, o comportamento de cada população é um dado histórico a ser considerado como antecedente da política econômica. Em suma, a grande tarefa das políticas de desenvolvimento consiste em aumentar a capacidade dos países de crescer de modo prolongado.

D. O requisito estabilidade Já dissemos que o desenvolvimento econômico requer um ritmo de

crescimento do produto social compatível com a estabilidade financeira. Diremos agora que o desenvolvimento requer o máximo crescimento tolerável perante condições sociais e econômicas de estabilidade. Por estabilidade entendemos estabilidade dinâmica, isto é, aquelas condições de relações que

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permitem que o crescimento continue durante muito tempo. Se o crescimento acontece em condições de inflação ou de instabilidade política, incorre em contradições crescentes, que compreendem o desemprego, a concentração de renda. Se se força o esforço de crescer desprezando os estrangulamentos, eles acumulam pressões que comprometem a capacidade de crescer como tal. Há um aspecto do papel da estabilidade na mecânica do processo e um aspecto estratégico, que leva a julgar os custos e riscos da instabilidade numa perspectiva histórica. Na perspectiva da técnica de planejamento a estabilidade é o fundamento da previsibilidade das projeções, que permite trabalhar em médio e em longo prazo.

E. As fases do planejamento A necessidade de alcançar um ritmo de crescimento tão intenso quanto

possível dentro de condições de estabilidade implica em dispor de um conhecimento tão completo quanto possível do sistema produtivo, para que se avaliem suas possibilidades de crescimento. Isso leva à primeira etapa do planejamento, que é a da elaboração de um diagnóstico da economia nacional. Outrossim, a vontade de crescer a um ritmo tão intenso quanto possível implica num ordenamento das medidas de política econômica, de modo a maximizar os efeitos dos investimentos e a garantir que o crescimento aconteça sobre bases harmoniosas. Como os recursos disponíveis são sempre escassos, o acompanhamento das reações da economia dirá quais metas poderão ser fixadas para o crescimento.

A fixação de metas e a escolha dos meios a serem utilizados para

alcançá-las é a função precípua do planejamento. Tal como ensinava Jorge Ahumada, o planejamento pode ser organizado em três fases interdependentes, que são o diagnóstico, a formulação de um programa econômico e social e sua execução. O diagnóstico é a interpretação da situação estrutural e dinâmica, que se estende a um conjunto de previsões, ou prognóstico, de tendências mais prováveis. A opção de planejar parte do reconhecimento das possibilidades objetivas de interferir favoravelmente nas tendências vigentes, para deslocar o desempenho histórico do sistema para padrões mais convergentes com os objetivos do desenvolvimento.

O que se veio a chamar de programação é o aspecto mecânico do

planejamento econômico e compreende um diagnóstico, um prognóstico, e a programação propriamente dita. A programação, portanto, não exclui o planejamento em seu sentido mais amplo de articulação entre os campos econômico, político e institucional. O planejamento terá que operar com determinadas margens de liberdade de ação e tomar o quadro institucional como um dado inicial. A programação toma as condições políticas como um dado, podendo ser aplicada em economias socialistas e capitalistas. Em alguns

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casos os planos terão mais um caráter orientador e deverão ser tanto mais flexíveis quanto menor for o poder de intervir do governo. Em outros casos terão maior poder ordenador, usando meios diretos e indiretos de intervenção do governo na economia. As limitações impostas à interferência do governo resultam de condições objetivas da organização do país, compreendendo sua estrutura fundiária, leis de herança, religião, hábitos de trabalho, relações familiares e comunitárias e até hábitos alimentares.

O contexto sócio político do planejamento envolve os valores da sociedade

no momento histórico que ela atravessa. A sociedade pode preferir construir um processo de crescimento a longo prazo, pode preferir consumo a curto prazo ou ambições militaristas, ou pode, ainda, ser forçada pelas circunstâncias internacionais a operar em padrões de comércio internacional que não coincidem com seus interesses.

Assim, a partir do reconhecimento dos antecedentes institucionais e

culturais o planejamento se fundará na utilização de um conjunto de variáveis globais, que são. Basicamente, o produto interno bruto, o consumo nacional, o investimento nacional, as despesas de governo e o comércio com o exterior.40 Tais variáveis nada mais são que a representação do destino que se dá ao produto interno bruto num determinado período. Assim, a igualdade PIB=C+I+G+(Im-Ex) na realidade é apenas uma síntese que reflete um momento em que convergem tendências dispares e em torno da qual se reajustam proporções de uso de capacidade de produção e em que variam as condições de consumo. A programação, justamente, será o instrumento pelo qual se tenta alterar essas proporções.

Para superar essa simplificação originada na análise da corrente

keynesiana desenvolveu-se uma macroeconomia falsamente global, de fato organizada sobre critérios microeconômicos, redutora das opções sociais a condições de lucro e risco de empresas.

A análise desses agregados pertence ao domínio da análise de renda

nacional e levou ao desenho de formas sintéticas de análise macroeconômica. No entanto, na prática da política econômica o manejo dessas referencias sintéticas envolve um trabalho penoso de controle de qualidade das informações, portanto, de controle da fidedignidade dos dados e da precisão das medidas de política. Esse é um dos principais recados que nos dá Lewis em sua revisão do planejamento para desenvolvimento em países claramente

40 # Observe-se que, mesmo nos esquemas mais simplificados de planejamento, sempre foi preciso passar das cifras globais de investimento para números indicativos da composição dos investimentos , não só por setores como por tipo de investimento, o que sempre significou que se precisa contrastas as informações agregadas com dados diretos de investimentos em curso e de investimentos novos.

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subdesenvolvidos.41 Dificuldades de informações somam-se a problemas concretos de falta de acessibilidade interna e principalmente, falta de pessoal treinado. Daí, a necessidade de reaprender as estatísticas, isto é, trabalhar com a sensibilidade dos dados insuficientes e inadequados, em lugar de seguir a tendência habitual de avançar na sofisticação dos esquemas de análise.

Surge um conflito entre a análise que se desenvolve para captar os

movimentos do capital e do trabalho e a que se organiza para captar a territorialidade do processo econômico – que leva distinguir o produto interno bruto e o produto nacional – tem profundas implicações na análise operacional das transformações da economia.42 A análise do desenvolvimento não é, geneticamente, uma filha da teoria do crescimento, porque já inicia tratando com movimentos complexos e reversíveis; O contrário do desenvolvimento não é falta de crescimento, é subdesenvolvimento. A teoria do desenvolvimento não só é dinâmica como é histórica. As contribuições de Harrod (1939, 1961) mostraram o contexto do crescimento dos sistemas produtivos nacionais, mas foi Erik Lindahl (1947) quem estabeleceu que a análise dinâmica em economia é uma análise de variações da taxa de crescimento do produto e não apenas uma análise das possibilidades de crescimento. Isso quer dizer que a análise dinâmica deve referir-se ao percurso concreto do desenvolvimento dos países e não a trajetórias genéricas. A experiência de planejamento nos países latino-americanos, com inúmeros sucessos e fracassos parciais, mostra que os processos de planejamento, que geralmente foram estimulados por situações de crise, ficaram submetidos a descontinuidade formal e variações na qualidade do trabalho de planejamento, que afetaram inclusive seus componentes essenciais.

Justamente, se a análise econômica que sustenta o planejamento do

desenvolvimento precisa entrar no mérito das transformações da oferta, terá, necessariamente, que ocupar-se dos destinos que são dados à produção; e de ver qual parte da produção é realizada com finalidades previamente estabelecidas. Na prática, não há como analisar os destinos da produção sem considerar de quais modos seus responsáveis – empresas e governo - contemplam o mercado

41 W. Arthur Lewis, Development planning, (1966). É um autor que reúne referências sobre os países anglófonos do Caribe e com alguns países africanos. Representa uma proposta de planejamento para o desenvolvimento em bases ortodoxas que correspondem aos dados do mundo pos- colonial. 42 # Um dos exemplos mais destacados é a diferença entre a análise industrial baseada em dados de produção de estabelecimentos e a análise que focaliza nas empresas e que vê os estabelecimentos como meras unidades operacionais das empresas. Há uma falta de continuidade fatal entre a análise industrial convencional, que usa números de produção sem distinguir de quais tipos de empresa resultam, e a análise de empresas, que se apresenta como um problema de administração ou como um tema de administradores. A distinção entre grande e pequeno capital - ver Joseph Steindl, Grande e pequeno capital (1986) reforça o anterior mostrando que o grande capital condiciona as condições de participação das empresas de pequeno e médio porte.

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interno e a relação com o exterior. A análise das relações internacionais torna-se imperativa.

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Capítulo VII A função das relações internacionais

A. Relações econômicas e políticas internacionais

O quadro dos relacionamentos internacionais compreende aspectos econômicos, políticos e culturais e a separação entre as políticas internacionais e a análise econômica internacional compreende relações entre países e entre agentes não estatais. O levantamento das condições internacionais em que operam as diversas sociedades nacionais envolve aspectos tão diferentes como o comércio de mercadorias e os tratados políticos. A análise econômica tradicional do comércio internacional vê apenas os fluxos de mercadorias e de capitais quando eles na verdade estão atrelados a sistemas políticos de relacionamento. Chegou a sua extrema simplificação quando trata de relações hipotéticas entre dois países e dois produtos. Essa análise convencional do comércio tornou-se completamente inoperante para registrar mudanças no número de países parceiros das relações internacionais e para registrar a complexidade do comércio. Ao reconhecer que as relações internacionais são essencialmente desiguais e que estão submetidas a variações irreversíveis torna-se claro que essa análise convencional perdeu vigência.

B. Papel das vantagens comparativas

O estudo das relações econômicas internacionais ficou prejudicado por uma diferença entre as análises formais das economias nacionais e a dos movimentos do capital internacional.

Ao analisar as economias nacionais sem suas relações com o exterior e ao

considerar que se estabelece uma relação comercial entre elas, supõe-se que ambas sairão ganhando com o fato, porque poderão produzir diferentes mercadorias, aproveitando suas vantagens de produtividade;. Dedicando seus esforços à produção das mercadorias em que têm vantagens comparativas, poderão produzir mais e melhor, adquirindo o que necessitam através do sistema de trocas. Haverá vantagens para as duas, desde quando estarão consumindo produtos feitos aos custos mais baixos possíveis. Essa é a vantagem aparente da divisão internacional do trabalho, e, como vimos no capítulo I, desse modo pode se formar um impulso de desenvolvimento. Isso significa reduzir as relações internacionais a relações de comércio, desentendendo-se dos movimentos de capitais.

Aparentemente, um sistema econômico internacional baseado apenas em

relações desse tipo pode dar origem ao aparecimento de potencias como Veneza e Florência no fim da Idade Média, mas o principal é que pode constituir um

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estímulo poderoso para o desenvolvimento da atividade econômica. Entretanto, vimos suas limitações. Situando as relações internacionais no quadro da economia mundial de hoje,seu efeito é outro. Dada a condição de todas economias, de ter suas possibilidades de produção limitadas por sua estrutura produtiva, surge como questão central a dificuldade de modificar a estrutura produtiva, quando se opera com economias tecnologicamente simples, que precisam construir uma capacidade de vender ao exterior e gerar entradas de divisas suficientes para financiar sua mudança de estrutura. A teoria das vantagens comparativas, em suas diversas leituras, simplesmente descreve desvantagens dos países subdesenvolvidos em determinadas situações estruturais. O que nos interessa não é constatar as desigualdades, mas explicar como elas se formam e como se alteram.

A teoria da relação centro-periferia elaborada por Raul Prebisch no

contexto da CEPAL consistiu em mostrar o mecanismo dos termos de intercambio desfavoráveis para os países subdesenvolvidos, que seriam, essencialmente, sub-industrializados. O mérito da teoria da relação centro-periferia de Prebisch foi deslocar essa controvérsia para períodos em que mudam as referidas condições estruturais, onde se considera como peça chave a diversificação da estrutura produtiva dos países pouco industrializados.

O coração desse problema, a nosso ver, encontra-se na comercialização da

produção em geral, que compreende a venda ao exterior e as vendas no mercado interno. A suposta igualdade entre poupança e investimento encobre o problema da comercialização. De fato, as quantidades não consumidas do produto têm que ser comercializadas para serem transformadas em dinheiro, com o qual será possível comprar a variedade dos bens e serviços demandados pela economia. A grande dificuldade para os países subdesenvolvidos decorre, justamente, que, com sua estrutura produtiva pouco diversificada têm maior dificuldade de realizar a comercialização. Dificuldade de comercializar nesse caso pode significar que o país subdesenvolvido acumula estoques de mercadorias de que só consegue se desfazer com prejuízo. 43 A reintegração da parte não consumida do produto à estrutura produtiva depende principalmente da comercialização externa do produto interno bruto. De outro modo, os estoques perdem preço e sua armazenagem se converte em custos que se acumulam. Além disso muitos estoques perdem qualidade quando armazenados, tais cacau e café, enquanto outro ganham preço, tais como arroz e chá. Para os países que dependem de poucos produtos de baixa elasticidade preço, esse mecanismo revela-se fatal.

43 A experiência brasileira com a sustentação da produção cafeeira no primeiro quarto do século XX é um exemplo cabal dessa acumulação de custos em um sistema de comercialização organizado em escala mundial, em que o Brasil não tinha poder para estabelecer preços, apesar de ser o maior produtor mundial.

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Finalmente, como esse mecanismo opera num ambiente de mudança da estruturação social da economia, é preciso considerar os efeitos cumulativos de relações desfavoráveis de preços no conjunto das contas de relações com o exterior, isto é, como uma pressão na balança de pagamentos. Na prática, significa que o sistema de relacionamentos dos países subdesenvolvidos fica à mercê de movimentos erráticos de entrada de capitais do exterior.

C. Influencia do setor externo na formação de capital

Vejamos agora a função do exterior, não só como elemento propiciador da

utilização da formação de capital interna, senão, também, como elemento contribuidor de poupança para a formação interna de capital. Na economia capitalista a relação com o resto do mundo é parte essencial da organização interna da economia.

Na perspectiva do desenvolvimento, a análise da relação com o exterior é

diametralmente oposta à análise estática em suas diversas variantes, neoclássica e keynesiana. Trata-se de conjuntos de relacionamentos que se realizam no tempo, em períodos de diferente duração. Quando o processo de desenvolvimento se transforma numa pressão sobre a balança de pagamentos, essa pressão pode ser aliviada se entram capitais de fora no país, não importa se sob a forma de empréstimos ou como capitais destinados a investimentos. No capítulo I vimos o papel historicamente desempenhado por esses capitais de investimento no desenvolvimento dos países subdesenvolvidos do inicio da era industrial. 44 Recapitulando, diremos que esses capitais especulativos moveram-se, basicamente, interessados na exploração de serviços públicos e na exploração de matérias primas, operando em moldes claramente colonialistas. Isso não impediu que fossem de grande utilidade para formar capitais em cada país, que se tornaram estratégicos para seu desenvolvimento. No entanto, é um mecanismo de incerteza, que se reproduziu várias vezes ao longo do século XX. Nos momentos em que o fluxo de entrada decresceu ou estancou, as remessas de lucros para os países de origem exerceram pressão desfavorável decisiva na balança de pagamentos, reduzindo o poder de compra desses países das matérias primas e dos componentes que eles necessitam.

44 # Há um conjunto importante de movimentos de capital entre os países que se capitalizaram no século XVIII e os que assumiram posições de liderança na era industrial. A Inglaterra foi a principal beneficiária desses movimentos, que, dentre outros aspectos, fez com que a economia escravista do sul dos Estados Unidos fosse, de fato, um componente periférico da economia inglesa. Hobsbawn (2004) considera que essa articulação da economia do sul dos Estados Unidos por parte da indústria inglesa aconteceu depois da independência norte-americana, a partir de 1790. Isso significaria que a economia do norte de fato concorria com a inglesa para integrar o espaço econômico do sul.

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Para os países que iniciaram seu desenvolvimento muito depois de adiantada a era industrial, como o Brasil e o México, a relação com os países mais adiantados tem um efeito duplo. Por um lado, permite-lhes acesso a tecnologia através do mecanismo de comércio, inclusive de chegar a tecnologias inovadoras, bem como contratarem trabalhadores com qualificações que não poderiam dar. Por outro lado, a pequenez de seu mercado interno os obriga a adquirirem bens desenhados para mercados muito mais amplos e que representam uma despesa excessiva em relação com suas possibilidades. O efeito demonstração no consumo contribui para essa despesa excessiva, agravando-se junto com o desenvolvimento dos meios de comunicação.

Em síntese, muda o papel do setor externo, ou das relações com os

demais países, numa economia nacional, à medida que ela se diversifica e se industrializa. Consumo passa a representar nova composição de compras, com outro impacto na balança de pagamentos. As despesas do governo evoluem do mesmo modo, com outro componente importado. Observando essa mudança de composição ao longo do tempo, é preciso lembrar que em cada ano as compras correspondem a necessidades identificadas no ano anterior e que os investimentos só têm sentido mediante efeitos que aparecem nos anos subseqüentes.

Nesse mesmo sentido, é preciso lembrar que o coeficiente de importações

representa majoritariamente despesas cujo corte bloquearia o funcionamento do sistema produtivo, enquanto o coeficiente de exportação representa as vendas ao exterior que o país consegue fazer, em relação com o produto social total. Noutras palavras, o país não conseguiria aumentar o coeficiente de exportação de um ano a outro nem conseguiria reduzir o coeficiente de importação.

Essa rigidez do setor externo acontece num cenário onde a rubrica

investimentos representa um conjunto de investimentos específicos com diferentes períodos de maturação e diferentes etapas de amadurecimento, portanto, onde os efeitos concretos dos investimentos resultam, realmente, numa cadeia de efeitos, que não pode ser alterada num único momento, senão que se estende no tempo e só pode ser alterada no tempo. A noção de investimento global torna-se um estorvo para que se entenda o que realmente acontece na composição da formação de capital.

Finalmente, a rigidez do setor externo acontece num ambiente de

relacionamentos internacionais, em que participam países em diferentes condições de autonomia, e onde alguns se beneficiam da situação dependente de outros. Os países semi-industrializados que procuram se desenvolver frequentemente concorrem, ao mesmo tempo, com economias industrializadas e tecnificadas mais poderosas e com a participação de países mais pobres que funcionam como plataformas de exportação dos países mais ricos. Por exemplo,

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a maior parte das exportações de banana são realizadas por interesses norte-americanos e franceses instalados em países que funcionam como colônias econômicas. As transações internacionais de chá e café funcionam mediante uma classificação de produtos estabelecida na Inglaterra e com empresas inglesas, alemãs e italianas que são os maiores compradores e revendedores. O mesmo acontece com o mercado do cacau, onde os grandes fabricantes de chocolate são países europeus, como a Bélgica e a Suíça.

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Capítulo VIII. O financiamento do desenvolvimento A. A posição do Estado

Começamos por distinguir entre o que significa o financiamento da

produção como tal e o financiamento daquele aumento da produção que se identifica com o desenvolvimento econômico. O que se entende como financiamento do desenvolvimento é o financiamento da transformação do sistema produtivo que amplia sua capacidade de crescer.

O primeiro fato que se deve considerar no relativo ao financiamento do

desenvolvimento é o papel do Estado moderno. Está claro que o papel que se atribui ao Estado projeta uma posição de interesse, portanto, de classe social. Por isso, há uma diferença entre uma leitura formal das funções aparentes do Estado e uma leitura do papel do Estado como representação de poder.

Está claro que o papel do Estado nacional tem que ser colocado em

relação com as condições de desenvolvimento do capitalismo na escala mundial, pelo que, não se pode ver o Estado tal como ele foi concebido nos primeiros tempos da revolução industrial, ou no início do capital monopolista. A intervenção do Estado em determinados setores da economia foi sendo admitida e julgada necessária como um elemento de controle próprio do sistema capitalista. A participação do Estado na economia vem do século XIX, através da atividade do Estado como construtor de sistemas de infra-estrutura e de serviços de utilidade pública, que se tornaram meios de acumular capital social e de conceder contratos a capitais privados. Em seu desenvolvimento, o capitalismo precisou de um Estado que realize uma parte de acumulação de capital que é a construção de um capital social com um fundo público captado através de uma tributação direcionada para essa finalidade. A tributação deixou de ser apenas uma fonte de financiamento do poder do príncipe e de sua máquina administrativa, para tornar-se um elemento de redistribuição da renda, estimulador ou desestimulador de investimentos e base do financiamento do desenvolvimento. Um melhor conhecimento das possibilidades de emissão de moeda e da manipulação dos tributos é responsável em grande parte pelo modo de agir do Estado para o desenvolvimento (Hansen, 1954)

O desenvolvimento dos estudos das flutuações cíclicas fez com que a

concepção do papel do Estado se modificasse sensivelmente, forçando sua participação como elemento de segurança geral do funcionamento do sistema produtivo, o que envolve presença nos campos, econômico, político e social. Esta visão em perspectiva histórica corrige um pouco a visão mais comum, de que o Estado participante no mundo capitalista seja um produto apenas da doutrina de Keynes. Na realidade, esse discurso que reduz a questão da participação do

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Estado ao problema de reativação da economia capitalista ocidental, ignora, de modo incompreensível, a tradição do intervencionismo desde Friedrich List e passando pelo Estado unificado intervencionista alemão de 1870 e pelo Estado soviético. Além disso, devemos lembrar que a construção do Estado capitalista no Brasil compreendeu uma atividade intensa de construção de um Estado participante, que começou no Segundo Império. Tal como veremos adiante, a colocação no plano internacional dessa atitude dinâmica do Estado em países subdesenvolvidos, reuniu-se a exigências de sua condição, de grande importância para o financiamento de seus programas de desenvolvimento. Ela encontrou o Estado diante de novas funções, a que ele teve que atender com métodos novos, e é em grande parte uma adaptação institucional a uma atuação nova.

B. As formas de financiamento

O financiamento é o destino de determinada capacidade de compra a um

empreendimento e compreende recursos públicos e privados. Cada empreendimento novo significa um aumento na procura de mercadorias, e essa procura tanto se exerce sobre mercadorias de origem nacional como internacional, pelo que o financiamento requer quantidades de moeda nacional e de outros países, para adquirir essas mercadorias. A restrição de moeda internacional está na base da composição do financiamento, porque responde por aquele componente rígido de importações. O financiamento em moeda nacional compreende o financiamento dos investimentos públicos e o dos investimentos privados. O financiamento dos investimentos privados se faz com poupanças das empresas, das pessoas e empréstimos bancários. As poupanças concretas das pessoas dependem de nível e da distribuição da renda e de padrões de consumo, que são condicionados por condições ambiente, tradições, publicidade e outras estratégias das empresas para induzir consumo. Nos países subdesenvolvidos geralmente há uma maioria da população om rendas iguais ou inferiores aos seus custos de subsistência, que não geram poupança. A capacidade de poupar e de investir concentra-se num pequeno número de pessoas. Além disso, o perfil do consumo da maioria está constantemente pressionado por sua demanda reprimida e pelo efeito demonstração. Os efeitos do efeito demonstração se avolumam quando aumenta a renda dos grupos de baixa renda. Arthur Smithies fez um estudo das poupanças privadas, concluindo que há uma tendência no longo prazo em termos relativos aos montantes da renda nacional. Sua conclusão baseou-se em que o processo de desenvolvimento implica num processo de urbanização e que as características de poupança da população urbana são diferentes daquelas da população rural. Os atrativos de consumo são maiores entre a população urbana que entre a rural. Daí que, para salários iguais há menor propensão para poupar na cidade que no campo. Se acrescentamos que, ao longo do

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processo de desenvolvimento há um deslocamento da população do campo para a cidade, entendem-se as razões que determinam a tendência decrescente das poupanças. Outro aspecto a considerar é o entesouramento, que tem um efeito negativo na formação de poupança. A inflação, o temor de inflação, a falta de opções de investimento, levam a entesourar, na própria moeda ou em moeda estrangeira, em todo caso, numa procura de moedas plenamente conversíveis. A democratização do mercado financeiro contrapõe-se ao entesouramento, mas não supera os problemas de desconfiança. À parte disso, há uma diferença entre a poupança voluntária, que as pessoas tomam a iniciativa de fazer, e a poupança forçada, que resulta de uma série de manobras do governo para conter o consumo, tais como manipular a carga tributária e obrigar as pessoas a comprarem ações de empresas públicas. Na história econômica recente do Brasil há vários exemplos de poupança forçada, desde as taxas sobre uso de combustíveis até a expropriação de contas de poupança no governo Collor. Outras formas de poupança, não exatamente forçada, mas induzidas, são partes dos lucros das sociedades anônimas que um sistema de tributação pode levar a que se prefira não distribuir, mantendo-as como investimento. Essa indução de poupança é causada, especialmente pelo imposto de renda; que, em princípio, funciona como um incentivo à expansão das empresas e ao investimento de modo geral. Por sua parte, o sistema bancário, além de fazer a ligação entre os que poupam e os que investem, aumenta o horizonte de possibilidades de financiamento, pela sua capacidade de concentrar e criar moeda e de direcionar o financiamento. Esta capacidade vem da diferença entre a obrigação representada pelos depósitos bancários e a oportunidade em que os depositantes solicitam seus recursos. Essa diferença de velocidade é o fundamento de um poder de alterar a circulação, em que, finalmente, os bancos controlam certos circuitos da criação de dinheiro, mas perdem outros espaços, pelo fenômeno da desintermediação, 45 em que empresas de outro tipo entram a participar dos circuitos de financiamento. Surgem conexões entre grupos de empresas e entre empresas e bancos, dando lugar aos grandes conglomerados, que passam a comandar os grandes movimentos de capital, que arrastam a participação dos investidores individuais. Vejamos agora o financiamento do governo. Suas fontes são: tributação, empréstimos e emissão de moeda. A tributação compõe-se de tipos de 45 Realização de operações financeiras diretamente pelos interessados ou em todo caso, por fora do sistema bancário.

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recebimento perfeitamente caracterizados e diferenciáveis uns dos outros e que se dividem em impostos e taxas. Os impostos, por sua vez, se subdividem em diretos e indiretos, com os primeiros incidindo nos recebedores de renda e os segundo gravando as mercadorias, incidindo nos consumidores. Os efeitos dos dois tipos de impostos diretos, progressivos, tendem a redistribuir a renda em favor das classes menos favorecidas, enquanto os impostos indiretos contribuem para uma concentração da renda. A redistribuição proporcionada pelos impostos diretos se concretiza através de obras sociais, enquanto os impostos indiretos pela estrutura do consumo de mercadorias essenciais, cujos consumidores se encontram, em sua maioria, nos grupos de baixa renda. Além disso, a facilidade de translação da carga dos impostos indiretos permite que os intermediários consigam transferir a carga tributária para os consumidores. Uma redistribuição desse tipo se agrava em condições de inflação, porque como os preços sobem antes dos salários, os reajustamentos da relação preços/salários deixam espaços onde a incidência proporcional dos impostos indiretos, isto é, onde sua carga tributária real é maior do que a carga tributária nominal, com o que a capacidade do salário dos trabalhadores se reduz pela elevação dos preços. As vantagens da aplicação de uma tributação tão progressiva quanto possível dependem da capacidade de formação de capital das economias nacionais, que, por sua vez, tem que ser situada no contexto das flutuações cíclicas, isto é, a política tributária opera com os parâmetros externos da economia mundial (Sommers, 1952). Explicando melhor, pode-se ter como excelentes os objetivos morais de uma tributação progressiva. Seus efeitos econômicos seriam uma redistribuição da renda fortemente favorável aos recebedores de pequenas rendas, mas ela teria que ser completada com mecanismos que reestruturem a formação de capital. Esse problema tem que ser examinado à luz das condições de formação do produto nacional, da eficiência econômica da tributação 46 e da capacidade do governo para realizar os investimentos que compensem a redução da formação de capital dos grupos de altas rendas. Tal papel tem sido ocupado pelo Estado absorvendo os compromissos de investimentos de longa maturação e baixos rendimentos, tacitamente subsidiando a rentabilidade dos investimentos privados diretos na produção. Como os investimentos em capital social em obras de longa maturação são os 46 # A eficiência econômica da tributação pode ser medida (a) como uma relação entre o custo da aplicação do imposto e a receita obtida e (b) como uma relação entre a aplicação do imposto e a capacidade de pagamento dos grupos sociais afetados. A principal inconsistência do pensamento tributário é de estimar eficiência apenas no primeiro caso, desconsiderando a capacidade de pagamento dos grupos sociais tributados. Essa visão tributarista reflete uma separação entre os objetivos de reprodução do poder do Estado e os objetivos sociais atribuídos à ação do Estado.

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que menos atraem os capitais privados, e , dado seu papel estratégico na formação do capital, esse tipo de aplicações de capital tem sido realizado pelo governo, com o duplo resultado de garantir a infra-estrutura necessária e de realizar uma acumulação de capital que, na prática, tem revertido em grande parte para os interesses privados. Esse subsidio vem junto com os efeitos da evasão de impostos, que, certamente, é maior nos grupos de maiores rendas e que tem sido privilégio de certos grupos sociais, principalmente nos países subdesenvolvidos. A evasão de impostos resulta de um conjunto de estratégias de renda, que dependem de conhecimento do sistema tributário e de meios técnicos e conexões informais para poder evadir. A evasão altera a relação entre a carga tributária real e a nominal, traduzindo-se em vantagens objetivas para as empresas e as pessoas que detêm esse poder.

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Capítulo IX . Os projetos

A. Natureza e fases do projeto

O projeto é uma apresentação detalhada do que um empreendimento será. Por isso, contém informações completas sobre os aspectos econômicos, técnicos e institucionais do empreendimento. Acima de tudo, um projeto é uma descrição de uma unidade investimento, pelo que, enquanto ação prevista para ser realizada num tempo e lugar, é um empreendimento. Pode-se, portanto, dizer que o projeto é o aproveitamento de uma oportunidade de investimento e como há sempre um número limitado de oportunidades de investimento rentáveis e pouco arriscadas, o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis se vê como uma comparação entre projetos, onde os projetos são parte de estratégias de aplicação de capital das empresas.

Por isso, de entrada, é essencial estabelecer que a avaliação de projetos

se faz ao mesmo tempo, nos dois planos, de avaliação de cada empreendimento tomado isoladamente e de avaliação de cada projeto como parte de um conjunto de investimentos. A maior parte da literatura sobre projetos trabalha apenas com projetos considerados individualmente. No entanto, os efeitos diretos e indiretos, a duração do projeto e o momento em que ele é realizado, mudam completamente, segundo ele é analisado de modo restrito ou de modo ampliado.

A análise ampliada dos projetos ficou como parte das análises de

sustentação do planejamento em seu sentido mais amplo, usando os projetos como referencias na construção de objetivos de planejamento macroeconômico . A literatura sobre projetos trata da análise restrita, isto é, trata de empreendimentos individuais, que analisa segundo critérios de eficiência microeconômica.

O que se denomina projeto é o estudo detalhado de viabilidade

econômica, técnica e financeira de um empreendimento. O projeto é o detalhamento de uma proposta de intenções e a seguir, de um estudo preliminar, que se tem denominado de anteprojeto. O projeto tem que justificar basicamente as respostas das perguntas, porque, quando, onde e como fazer o investimento. Essas respostas dependem de um estudo de mercado dos produtos que resultarão do investimento, de um estudo da tecnologia a ser aplicada e de um estudo da rentabilidade do projeto. Observando-se o projeto quanto ao seu aspecto de realização material e de realização econômica, é possível dividi-lo, ainda, em duas partes, segundo a proposta de Julio Melnick, que são a engenharia do projeto e a economia do projeto. As duas estão entrelaçadas em seu conjunto e influem-se mutuamente. Entretanto, percebe-se que há um campo de atuação para o engenheiro e outro para o economista na realização do projeto. A análise dos efeitos indiretos do projeto e o

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reconhecimento de que ele pode levar a situações negativas, traz o projeto para o campo da Economia Política, onde se reconhecem movimentos positivos e negativos do capital.

A vinculação do projeto com a política econômica parte de que, a rigor,

um plano econômico se concretiza através de projetos. A integração dos projetos perfaz o investimento total, enquanto a demanda de matérias primas dos projetos é igual à demanda de insumos industriais; e as necessidades nacionais de importação são a soma dos requisitos de importação dos projetos. Pensando no projeto nesses termos, compreende-se a estreita relação que há entre o critério de avaliação de projetos que se utilize, o diagnóstico da economia nacional e a fixação de metas para seu desenvolvimento. Tal relação está na base estrutural do planejamento.

B. Mercado, tamanho e localização

As diferentes fases da elaboração de um projeto estão intimamente

ligadas. Justifica-se a realização de um projeto demonstrando-se, antes de mais nada, a existência de um mercado para seus produtos. Mercado é o espaço de transações. Fala-se de mercado atual, mercado potencial, mercado previsto. Há dados históricos de mercado, previsões de probabilidade de expansão de mercado e meras intenções de mercado. Os dados de mercado de um projeto envolvem tudo isso, mas têm que se resolver em termos objetivos de mercado atual e de previsões probabilísticas de mercado. O projeto opera num mercado aberto, em condições de oligopólio ou de monopólio?

A dimensão desse mercado e mais a tecnologia determinarão o tamanho

de fábrica com que o projeto poderá operar. Além disso, as matérias primas requisitadas pela tecnologia empregada, a distância do mercado comprador e vendedor, e as condições de transporte, determinarão o local onde o projeto será levado a efeito.

Além disso, a análise de mercado envolve as circunstancias da execução

do projeto. Trata-se de um ambiente de paz ou de um ambiente de turbulência política? O reconhecimento das condições internacionais é o ponto de partida da identificação das condições ambiente em que um mercado inicialmente concorrencial se transforma em mercado oligopólico ou vice versa. As decisões estratégicas sobre um projeto geralmente dependem de referencias muito mais amplas sobre o ambiente econômico, social e técnico em que ele se realiza. O que é certo para o plano econômico nacional, quanto à necessidade de um conhecimento minucioso da economia também é certo para o projeto. Este deve ser realizado a partir de um conhecimento das probabilidades de crescimento da economia. E isso depende do uso de projeções. Se o mercado hoje admite uma certa demanda de um dado produto, conhecendo-se sua elasticidade renda,

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e estimando-se um aumento da renda na economia nacional em um dado período, o projeto deverá poder captar essa diferença operando a preços que essa demanda possa absorver.

Assim, longe de que o estudo de mercado se limite aos dados da

atualidade, que, inclusive por ser desencorajadora desestimule outros estudos, deve estar atento às mais prováveis conseqüências do atual entrechoque de forças na economia. Nessa base deve-se pensar na decisão a ser tomada quanto ao tamanho do projeto, que, em termos econômicos nada mais é que a magnitude dos investimentos aplicados num empreendimento. Assim, o tamanho do mercado é uma condicionante poderosa da decisão do tamanho do projeto, Mas não é a única. Quando os custos de transporte do produto terminado forem altos, o tamanho do projeto estará mais influenciado pela concentração geográfica do mercado que por sua dimensão total. Mais ainda, se dois mercados crescem com igual rapidez e suas elasticidades são as mesmas, a maior concentração de um será justificativa para que se invista mais nele que no outro.

Além disso, o tamanho do projeto é função de tecnologia. Citamos o caso

de países obrigados a realizar projetos de tamanho de fábrica maior que o aconselhado pelas projeções de demanda de seus mercados, pela impossibilidade de utilizar conjuntos de equipamento adequados às suas necessidades. Essa impossibilidade muitas vezes se apresenta como o principal fator limitante da industrialização dos países subdesenvolvidos de pequena extensão territorial. A localização do projeto tornou-se uma disciplina da análise econômica. Simplificando, podemos dizer que a localização se faz em termos de custos de transporte. Diferentes indústrias têm diferentes requisitos de capital e de mão de obra e a relação entre esses requisitos e os custos de transporte será o fator orientador da localização do empreendimento.

O principal problema que se apresenta a seguir refere-se ao

desdobramento dos custos de localização. Uma coisa é decidir sobre localização para implantar um empreendimento e outra coisa são as decisões sobre mantê-lo em lugar original ou mudar de localização. Permanecer num mesmo lugar ou mudar de localização é uma questão que fica sempre em aberto e que as empresas podem ter que decidir a qualquer momento. A gestão de projetos certamente não se resume ao momento da implantação.

C. A avaliação de projetos

O aparecimento de um impulso de desenvolvimento determina uma série

de alterações na organização da vida econômica do país onde ocorre, exprimindo-se em termos materiais por uma tendência constante à mudança na estrutura da produção nacional. À parte o caso de alguns países onde o

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desenvolvimento foi provocado e controlado estritamente desde seu início por governos dotados de poder irrestrito de interferir, diferentes, 47 portanto, dos sistemas institucionais por que somos regidos, teremos a considerar as prováveis reações causadas por um impulso de desenvolvimento em economias capitalistas. Se bem que as economias nacionais hoje operam em outras condições de interdependência, completamente diferentes das condições de autonomia das políticas econômicas do inicio da industrialização, a atividade governamental continua exercendo um papel fundamental, estimulando ou desestimulando atividades, desempenhando um poderoso papel indireto na condução ou na indução do processo. De fato, os governos têm operado representando uma dada combinação de forças políticas que representam os interesses econômicos predominantes.

Calcados sobre decisões políticas – diretrizes e metas para atingir

resultados consensuais – os programas de desenvolvimento se concretizam em aplicações de capital nos diferentes setores da economia. Um programa de desenvolvimento terá, portanto, que avaliar um comportamento provável do produto interno bruto. Tomando como referencia um certo crescimento do produto, terá que qualificar as relações de suas grandes variáveis. Isso pressupõe um provável consumo futuro. Compreenderá uma previsão de necessidades de importação. Sobretudo, terá quantificar os investimentos necessários para atingir as metas fixadas e analisar os investimentos em curso, para comparar as intenções de investimento e a realidade das aplicações de capital. 48 Tanto como os investimentos resultam de ações do governo, compreendem iniciativas do setor privado sobre as quais o governo não tem influencia alguma, e outras iniciativas privadas que estão indiretamente influenciadas pelo governo.

Como os investimentos são os grandes responsáveis pelos aumentos de

pressão na balança de pagamentos, quando se calculam as necessidades totais de importações não se podem prever as modificações nos requisitos de divisas resultantes da diferença nos critérios utilizados pelos empresários para escolherem seus projetos de investimento. Além disso, as técnicas de seleção de investimentos podem ser classificadas em técnicas destinadas a maximizar

47 # Na prática isso só aconteceu nos paises onde houve autoritarismo combinado com poder econômico, tal como na Alemanha nazista ou na União Soviética stalinista, onde o Estado reuniu poder econômico suficiente seguir opções próprias de modo independente da comunidade dos países mais ricos. O autoritarismo nos países subdesenvolvidos jamais pôde operar desse modo. 48 # Reconhecer o que de fato acontece jamais foi uma parte explícita das técnicas de planejamento, que têm oscilado entre uma perspectiva macroeconômica globalizante e simplificadora e uma perspectiva microeconômica de projetos considerados como prioritários ou como mais importantes. É preciso assinalar a necessidade de contar com avaliações do que está efetivamente acontecendo, do que chamaremos de condições objetivas atuais dos investimentos.

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benefícios individuais, de empresas ou de pessoas, e técnicas desenhadas para avaliar benefícios para a sociedade em seu conjunto.

Diversos critérios para avaliar projetos, desde diferentes pontos de vista

têm sido apresentados, alguns deles baseados na eficiência de um só recurso e outros na eficiência de um conjunto de recursos. Esses critérios, que examinaremos adiante, têm a característica de não poderem considerar o estágio de desenvolvimento do país onde são aplicados ou as condições específicas para cada projeto. Tal deficiência constitui a maior dificuldade para o uso desses critérios, onde a inexistência de referências solidas para identificar condições ambiente de desenvolvimento seria o maior obstáculo para fundamentar a aplicação dessas ferramentas de análise. Mas, em que pese essa restrição, cabe entender que a referência aos estágios de desenvolvimento ajuda em muito a qualificar as condições de aplicação desses critérios. Os textos sobre projetos geralmente omitem esses aspectos, por isso, separando as técnicas de avaliação de projetos das técnicas de planejamento.

Um argumento contrário importante, que já serviu como referencia

principal em processos “pragmáticos” de planejamento, é o tratamento ou a remoção de pontos de estrangulamento. Em alguns casos eles são tão visíveis que não dificuldade alguma em definir linhas de ação imediatas. Mas não há uma correspondente clareza quando são pontos de estrangulamento resultantes de desajustes nas articulações dos setores da economia, tal como, por exemplo, desajustes na composição da produção de energia. Os dois problemas fundamentais, de falta de capital ou de falta de recursos humanos qualificados são, finalmente, sínteses de conjuntos de problemas práticos do sistema de produção.

No entanto, esses são critérios defensivos, isto é, critérios baseados em

remover dificuldades e não em propor políticas afirmativas. Como referências positivas para uma política de seleção de projetos podem ser considerados quatro critérios: (a) efeitos na formação de capital e no emprego; (b) efeitos na balança de pagamentos; (c) efeitos em setores prioritários da economia; (d) efeitos na matriz energética. Logicamente, são critérios que refletem o ponto de vista do interesse público.

Efeitos na formação de capital e no emprego. Compreende efeitos diretos

e indiretos durante os períodos de construção e durante a vida útil prevista do projeto. Refere-se a efeitos quantificáveis tomando como referência um período determinado. A análise dos efeitos de multiplicador cai dentro desse conjunto, que, entretanto, é muito mais amplo. Observa-se que os efeitos na formação de capital, frequentemente, surgem como efeitos de diminuição dos postos de trabalho e que o efeito emprego levanta esse outro aspecto de adequação da oferta de postos de trabalho e de qualificação dos trabalhadores.

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Efeitos na balança de pagamentos. Compreende efeitos de aumento de exportações, de substituição de importações e de movimentos de capitais, com seus respectivos períodos de incidência e prazos de duração. Observa-se a inconsistência teórica de propor políticas de apoio a exportações que não consideram seu enraizamento na desempenho das importações. Além disso, observa-se que estes efeitos da realização de projetos poucas vezes são considerados.

Efeitos em setores prioritários da economia. A definição de prioridades

pode ser feita de vários modos, mas, quando se trabalha com planejamento do desenvolvimento econômico, necessariamente, as prioridades estarão relacionadas com a capacidade da economia para sustentar seu crescimento. Assim, as prioridades de algum modo representam a ligação entre a solução de problemas a curto prazo e o desempenho da economia no longo prazo.

Efeitos na matriz energética. O principal traço de união do

funcionamento do sistema produtivo em seu conjunto é o uso de energia. A intensidade de uso de energia e seu impacto no uso de energia de fontes nacionalmente disponível compara-se com usos de energia que representam pressão no uso de fontes não renováveis ou na importação de energéticos. O cálculo de impacto energético permite equalizar as diversas abordagens de avaliação de projetos individuais em termos de uma restrição nacional fundamental.

Efeitos na qualificação de recursos humanos. A qualificação tem

aspectos gerais e específicos e constitui um aspecto variável do processo econômico em que resulta de movimentos de valorização e de desvalorização do trabalho. A qualificação não é genérica nem permanente: sempre tem uma especificidade e sempre se renova ou perde valor.

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Capítulo X. O planejamento global A. Planejamento e capitalismo

O planejamento global é uma atividade que se sustenta sobre uma

mobilização social e uma capacidade de converter mobilização social em autoridade, portanto, com uma representação política e institucional capaz de estabelecer metas e trabalhar para alcançar resultados nacionalmente definidos. Isso significa estabilidade política e comunidade de interesses, resultando em força do governo.49 O plano de desenvolvimento é um elemento exógeno ao sistema capitalista e sua aceitação se deve, basicamente, a três elementos: a necessidade de mobilização da sociedade em torno de objetivos principais num período bélico, a necessidade de enfrentar problemas de desemprego agudo e a necessidade de desenvolver-se rapidamente. A mobilização de esforços solicitada pelo estado de guerra dá ao governo esse poder de mobilização, mas o fim das atividades bélicas dissolve esse poder de mobilização, reduzindo o planejamento a umas quantas obras públicas e medidas fiscais. Importa, portanto, examinar o planejamento para o desenvolvimento econômico.

A depender do poder efetivo do governo de influir no sistema produtivo, o

planejamento torna-se mero exercício formal de compatibilização de orçamentos. Entretanto, como poder de intervir entende-se o conjunto dos meios diretos e indiretos de influir no sistema e não apenas os mecanismos formais de disciplina de despesa. Nesse sentido, cabe considerar que os governos têm os meios para planejar e não planejam por uma opção de política. No essencial, pode-se considerar que um país tem condições de planejar quando consegue integrar os usos de recursos financeiros do governo e quando consegue coordenar as aplicações de recursos sobre as quais tem poder de decisão.

Planejar a rigor é um modo de governar tendo o futuro como referência,

com a intenção de alterar os rumos da reprodução do sistema produtivo. O planejamento surgiu com o exército alemão nas guerras de 1870 e foi adotado pelo regime bolchevique quando da revolução de 1917. Na década de 1930 foi adotado no primeiro plano qüinqüenal da Índia e pouco depois pelos Estados Unidos, quando da criação do Tennessee Valley Authority. Ainda antes da segunda guerra mundial, a Inglaterra adotou o plano Beveridge para enfrentar o desemprego. Durante o Estado Novo no Brasil houve uma tentativa de

49 # Na história da América Latina o período de 1946 a 1956 foi um dos períodos em que se iniciou maior número de planos de desenvolvimento e em que houve maior número de golpes de Estado, com uma notável repetição de planos que se repetiram e foram interrompidos em lapsos muito breves.

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realizar um plano nacional de transportes, que não se concretizou. Em 1948 foi realizado o plano de transportes coordenado pelo ministro Lucas Lopes. Sucederam-se tentativas de planejamento para o país em seu conjunto e em alguns estados. Os primeiros planos estaduais de desenvolvimento no Brasil foram os da Bahia em 1960, o PLANDEB e o plano de desenvolvimento de Pernambuco elaborado pelo CONDEPE. No início da década de 1960 surgiram o primeiro e o segundo planos diretores da SUDENE, conduzidos por Celso Furtado, que marcaram o ponto mais alto do planejamento regional no país. No mesmo sentido, pode-se considerar que o Plano Trienal de 1959 foi o documento que aspirou a uma harmonização de tendências e uma visão sintética da economia nacional. O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) de 1965, representando a política econômica de Roberto Campos, foi o principal documento representativo de uma proposta de modernização conservadora.

Desde inícios da década de 1950 realizaram-se muitos esforços para

instalar e operar sistemas de planejamento em diversas partes do mundo, com uma importante participação das Nações Unidas, tanto na elaboração dos estudos básicos para o planejamento, como em assessoria a governos empenhados em planejar. Esse esforço esteve claramente associado à modernização das políticas públicas. Destacou-se o papel da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), especialmente no período de 1949 a 1970. Em alguns países latino-americanos, como na Argentina, no Chile, no Peru e na Bolívia acumularam-se importantes experiências, com variado grau de aproveitamento e de perda.

No Brasil continuou-se a usar a linguagem do planejamento, que

entretanto perdeu significado desde a década de 1980, tornando-se pouco mais que uma coordenação de orçamento com algumas iniciativas indicativas de programas limitados. A frustração do II Plano Nacional de Desenvolvimento do regime autoritário em 1973 levou a um descrédito desse modo de trabalho e no Brasil o planejamento passou a ser um instrumento de poder articulado e dependente do Ministério da Fazenda.

B. Plano: somatório ou unidade fracionável? A principal dificuldade institucional com o planejamento sempre foi de

construir e operar uma visão de conjunto de uma economia nacional, situando historicamente suas transformações. Repetidamente, confundiu-se essa visão de conjunto histórica com os modelos sintéticos de crescimento, que, justamente, não tinham como exprimir a complexidade social do planejamento. O reconhecimento dessa complexidade ficou claramente exposto em alguns momento dos debates do final da década de 1960 e do início da década de 1970.

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50 Os componentes de ideologia e tecnologia do planejamento foram seguidamente, substituídos por um tecnicismo que se manifestou no chamado planejamento a curto prazo e na redução do processo social de planejar ao da construção de modelos econométricos de desempenho da economia nacional, organizados em função de um equilíbrio macroeconômico condicionado por objetivos definidos no plano internacional. O chamado “consenso” de Washington registrou esse ambiente de dependência internacional das políticas econômicas nacionais, que passaram a ter que adaptar-se a padrões de resultados aferidos pelo Fundo Monetário Internacional.

Em todo caso, em todo plano de desenvolvimento há um componente de

maior controle que corresponde às ações do setor público e outro componente de menor controle que é o das ações induzidas do setor privado. A relação entre a esfera pública e a privada é um dado básico do planejamento. A possibilidade de estabelecer metas indicativas para o setor privado começa quando a direção dos investimentos públicos se combina com a política monetária e há controle sobre as operações com o exterior.

C. O uso de técnicas de projeções

No planejamento em geral sempre se usaram todas as técnicas

disponíveis de projeções. Mas uma diferença fundamental entre as técnicas de projeções que se usaram enquanto se trabalhou com uma noção de probabilidades, mas pressupondo um universo de certezas; e as modificações que se introduziram nas técnicas de planejamento desde fins da década de 1960, quando se passou a trabalhar considerando ambientes de incerteza. Em suas primeiras etapas o planejamento econômico foi marcado pela lógica de instrumentos tais como a análise das relações inter-industriais e até a programação linear (1957). Enfrentava-se a contradição lógica de usar instrumentos de análise de equilíbrio geral para acompanhar processos plurianuais de mudança. Posteriormente, aprofundou-se o uso da econometria, especialmente com modelos capazes de registrar as diversas condições de incerteza do sistema produtivo. Pode-se considerar que essas análises decretaram a falência por antecipação das análises setoriais convencionais, especialmente da análise industrial.

D. O setor externo e o endividamento A relação “clássica” do planejamento com o setor externo fez-se sobre

referencias tais como a lei das vantagens comparativas e considerando limites máximos da carga do pagamento da dívida externa em relação com o produto 50 Especialmente, destaca-se Discusiones sobre planificación (ILPES,1968)

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interno bruto. 51 O planejamento precisava se separar da velha análise neoclássica de relações entre dois países e trabalhar com o contexto das relações econômicas internacionais. Daí, a importância do estudo da brecha comercial e o do aumento do endividamento com que opera a economia mundializada.

Muitos estudos sobre processos de desenvolvimento e de frustração de

desenvolvimento, sobre processos de transformação positiva e de retrocessos de economias nacionais, têm mostrado que, mesmo países classificados como subdesenvolvidos industrializados como o Brasil, têm tido grande dificuldade de modificar substancialmente a composição de suas exportações, e que o comércio mundial continua sendo concentrado em poder dos países mais ricos. Vê-se que não há uma linearidade desses processos, senão que a estruturação do comércio internacional continua sendo uma projeção de uma acumulação de capital concentrada entre poucos países.

51 Falava-se em 25% como limite máximo e somos tentados a pensar que esse limite veio da mesma mentalidade que estabeleceu limites de endividamento para as pessoas físicas em suas hipotecas.

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Capítulo XI O desenvolvimento regional A. Conceituação de região: econômica e não econômica

A dimensão regional do desenvolvimento leva-nos ao estudo de um

universo diferente do fornecido pelas tradicionais fronteiras políticas. Isso nos obriga a um esforço preliminar, para estabelecer uma conceituação adequada, de um ponto de vista analítico, do que seja esse universo, isto é, o contexto regional do sistema produtivo em sua internacionalidade e em sua organização nos países.

O interesse em agrupar territórios em regiões não é exclusivo dos

economistas, pertencendo a várias outras ciências. A identificação de regiões a partir de critérios não econômicos pode resultar em regiões naturais, culturais e outras mais. A maior parte desses critérios de classificação regional não econômicos envolve implicações econômicas, resultando, portanto, em alguma correspondência com o padrão de classificação econômica, entendendo-se que neste último estão referencias ao estágio de desenvolvimento econômico. As principais interferências que podem alterar uma classificação econômica ou não econômica de regiões terminam por alterar as demais classificações, pelo que o debate sobre classificações regionais termina por ser pouco relevante.

B. Classificação regional por mercados e por estrutura produtiva

Idealmente, um modo de definir regiões para chegar a uma consistência

analítica é considerar como região uma área onde a procura dos elementos de consumo básico iguala a oferta desses produtos. No entanto, logo se vê que essa igualdade se desfez com a mundialização da economia e só pode acontecer em comunidades isoladas. Assim, é possível passar a uma classificação baseada na composição do comércio entre local e internacional, mas termina-se por enfrentar as mesmas dificuldades, que obrigam a considerar diferenças nas condições de acessibilidade e de restrições para estabelecer que sejam um centro e uma periferia.

O desenvolvimento dos meios de transportes e das comunicações

modificou o conceito de territorialidade dos sistemas produtivos, que, em todas as estruturas mais avançadas, operam mediante redes de comunicação a longa distancia. Essa fluidez dos territórios tornou obsoletas as análises regionais de fundo marginalista, que operavam com uma noção de mercado baseada em relação custos/distancia e que consideravam – tal como muitos ainda consideram – que a regionalidade depende de espaços contínuos.

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Surge daí uma observação sobre a noção de limites, que é indissociável da de região. Os limites de cada região serão função, principalmente, da área de influencia de um centro irradiador de serviços, onde, portanto, os serviços de transportes são a parte mais visível, mas, onde o fundamental são combinações de serviços, tais como de serviços de transportes com educação ou com saúde, ou ainda, onde a aglomeração de serviços cria um poder de atrair capital e trabalho qualificado. A descentralização das grandes empresas e a maior facilidade de deslocar componentes de capital, assim como de articular trabalho a longa distancia teve como resultado inverso uma maior concentração de empresas nos grandes centros, ou nas cidades mundiais, resultando em que a fluidez dos espaços econômicos não impede a tendência geral de concentração do capital.

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