Brochura Algebra (Set2009)

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LGEBRA NO ENSINO BSICO

Joo Pedro da Ponte Neusa Branco Ana Matos

Setembro de 2009

ndice1. Introduo .................................................................................................................... 3 2. lgebra e pensamento algbrico ................................................................................ 5 2.1. A lgebra, da antiguidade ao presente .................................................................. 5 2.2. Diferentes perspectivas da lgebra e da lgebra escolar......................................7 3. Orientaes para o ensino da lgebra ..................................................................... 12 3.1. Conceitos fundamentais do currculo ..................................................................12 3.2. Abordagens didcticas ......................................................................................... 13 3.3. Papel da tecnologia .............................................................................................. 16 4. Relaes ...................................................................................................................... 19 4.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ......................................... 194.1.1. Relao de igualdade e uso do sinal de igual ....................................................... 19 4.1.2. Relao de desigualdade....................................................................................... 23 4.1.3. Relaes entre nmeros, expresses e generalizao ........................................... 25 4.1.4. Propriedades das operaes .................................................................................. 28

4.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula .................................................. 294.2.1. Relaes numricas .............................................................................................. 29 4.2.2. Relaes envolvendo quantidades desconhecidas ................................................ 37

5. Sequncias e regularidades ....................................................................................... 40 5.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ......................................... 405.1.1. Sequncias e regularidades ................................................................................... 40 5.1.2. Estratgias dos alunos na explorao de sequncias ............................................ 44

5.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula .................................................. 475.2.1. Sequncias repetitivas no 1. ciclo ....................................................................... 47 5.2.2. Sequncias crescentes no 1. ciclo ........................................................................ 52 5.2.3. Sequncias crescentes nos 2. e 3. ciclos............................................................. 58 5.2.4. Esquemas numricos ............................................................................................ 69

6. Smbolos e expresses algbricas ............................................................................. 72 6.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ......................................... 726.1.1. Interpretao de smbolos e expresses ................................................................ 72 6.1.2. Desenvolvimento do sentido de smbolo .............................................................. 75 6.1.3. Expresses algbricas ........................................................................................... 77

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6.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula .................................................. 836.2.1. Sequncias pictricas e expresses algbricas equivalentes ................................ 83 6.2.2. Casos notveis da multiplicao de binmios ...................................................... 90

7. Equaes do 1. grau ................................................................................................. 92 7.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ......................................... 927.1.1. Noo de equao ................................................................................................. 92 7.1.2. Dificuldades dos alunos........................................................................................ 96 7.1.3. Progresso na aprendizagem da resoluo de equaes do 1. grau ................... 102

7.2. Tarefas Exemplos e ilustraes na sala de aula .............................................. 1067.2.1. Problemas envolvendo equaes do 1. grau...................................................... 106 7.2.2. Equaes literais ................................................................................................. 110 7.2.3. Problemas de diversos campos da Matemtica .................................................. 112

8. Funes ..................................................................................................................... 116 8.1 Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ........................................ 1178.1.1. Conceito de funo ............................................................................................. 117 8.1.2. Diferentes tipos de funes ................................................................................ 119 8.1.3. Estratgias e dificuldades dos alunos ................................................................. 122

8.2. Tarefas Exemplos e ilustraes na sala de aula .............................................. 1278.2.1. Grficos de funes ............................................................................................ 127 8.2.2. Funo linear ou de proporcionalidade directa................................................... 131 8.2.3. Funo afim (no linear) .................................................................................... 134 8.2.4. Funo de proporcionalidade inversa ................................................................. 139 8.2.5. Funo quadrtica............................................................................................... 141

9. Sistemas de Equaes, Equaes do 2. grau e Inequaes .................................148 9.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem ....................................... 1499.1.1. Sistemas de equaes ......................................................................................... 149 9.1.2. Equaes do 2. grau .......................................................................................... 152 9.1.3. Inequaes do 1. grau ........................................................................................ 155

9.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula ................................................ 1579.2.1. Sistemas de equaes ......................................................................................... 157 9.2.2. Equaes do 2. grau .......................................................................................... 165 9.2.3. Inequaes do 1. grau ........................................................................................ 169

Referncias ...................................................................................................................172 Notas ............................................................................................................................. 178

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1. Introduo

A presente brochura constitui um material de apoio ao trabalho dos professores no mbito do Programa de Matemtica do Ensino Bsico1. A lgebra um dos quatro grandes temas que, a par com as Capacidades Transversais, so considerados fundamentais, ao longo dos trs ciclos. Embora no surja como tema independente no 1. ciclo, so diversos os aspectos de carcter algbrico que so trabalhados logo nos primeiros anos: a explorao de sequncias, o estabelecimento de relaes entre nmeros e entre nmeros e operaes e o estudo de propriedades geomtricas. Nos 2. e 3. ciclos, a lgebra surge como um tema matemtico individualizado, sendo o seu propsito principal de ensino o desenvolvimento do pensamento algbrico dos alunos. O captulo 2 passa em revista os aspectos mais marcantes do desenvolvimento histrico da lgebra, enquanto grande tema da Matemtica, e discute o conceito de pensamento algbrico. O captulo seguinte foca diversas orientaes gerais para o ensino da lgebra, nomeadamente aspectos de natureza curricular, abordagens didcticas e o papel da tecnologia, tendo em vista o desenvolvimento do pensamento algbrico desde os primeiros anos de escolaridade. Os restantes captulos incidem sobre os principais tpicos da lgebra trabalhados nos diversos ciclos. Em cada um deles feita uma discusso sobre conceitos fundamentais e aspectos especficos da aprendizagem dos respectivos conceitos. Esta discusso acompanhada por diversos exemplos de tarefas, alguns deles incluindo produes de alunos portugueses, que ilustram o tipo de trabalho que pode ser realizado na sala de aula. Em cada exemplo so salientados aspectos importantes na explorao de cada tarefa. Em todos os captulos indicam-se alguns dos erros e dificuldades usualmente sentidas pelos alunos. Os captulos 4 e 5 abordam Relaes e Sequncias e regularidades, dois tpicos que servem de base a muito do trabalho que se faz em lgebra, mas que nem sempre recebem a necessria ateno. O captulo 6, Smbolos e expresses algbricas, d particular relevncia aos diversos usos dos smbolos, ao desenvolvimento do sentido de smbolo e manipulao algbrica com significado. 3

As Equaes, numricas e literais, so o foco principal do captulo 7. Em seguida, o captulo 8 aborda o conceito de Funo, dando ateno s diversas formas de representao e analisando, de forma particular, os diversos tipos de funes que so trabalhados ao longo do ensino bsico. Por fim, no captulo 9, so abordados os tpicos Sistemas de Equaes, Equaes do 2. grau e Inequaes do 1. grau que constituem o culminar do trabalho em lgebra neste ciclo. Esta brochura organiza-se por tpicos da lgebra e no por ciclos ou anos de escolaridade. Os professores de todos os ciclos encontraro aspectos de interesse na maioria dos captulos. Estes podem ser lidos de modo independente mas, por vezes, existe uma ou outra ideia que se relaciona com questes abordadas em captulos anteriores. Pelo seu contedo, os captulos 2 e 3, que discutem questes de natureza geral, interessam aos professores de todos os ciclos. O mesmo acontece aos captulos 4 e 5, que abordam questes fundamentais da lgebra escolar, pertinentes para o trabalho com os alunos do 1. ao 9. ano. O captulo 6 especialmente importante para os professores dos 2. e 3. ciclos e, finalmente, os captulos 7, 8 e 9 abordam questes prprias do programa do 3. ciclo. Os exemplos apresentados esto escritos numa linguagem para o professor e no numa linguagem prpria para apresentar aos alunos na sala de aula, que, de resto, varia substancialmente de ciclo para ciclo. Deste modo, se decidir usar na sua prtica lectiva algumas das tarefas ou exemplos aqui apresentados, o professor ter de os adaptar, em termos de linguagem e da informao disponibilizada, s caractersticas dos seus alunos. Para alm da leitura individual por parte dos professores, a brochura presta-se a servir de base a momentos de trabalho colectivo nos grupos disciplinares das escolas e agrupamentos. A leitura e discusso de um captulo e a resoluo das tarefas propostas ajudam a ajustar a planificao das unidades relacionadas com os aspectos discutido. Os professores podem, tambm, tirar partido da organizao da brochura para discutir a articulao dos diversos tpicos do programa entre os trs ciclos. Agradecemos vivamente a todos os professores que nos deram sugestes tendo em vista o aperfeioamento deste documento e esperamos que possa ser til para todos aqueles que procuram interpretar e pr em prtica as orientaes do Programa de Matemtica, nomeadamente na lgebra.

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2. lgebra e pensamento algbrico

A lgebra constitui um dos grandes ramos da Matemtica, ao lado da Geometria e da Anlise Infinitesimal. Em Portugal, at meados do sculo XX tinha um lugar incontestado nos programas do ensino bsico e secundrio. No entanto, aps o perodo da Matemtica moderna, desapareceu como grande tema do currculo. Nos ltimos anos, porm, comeou a falar-se com insistncia da sua importncia. Subjacentes a estas mudanas esto diferentes vises da lgebra, do que constitui o pensamento algbrico e do seu papel no ensino. Neste captulo faz-se uma breve resenha do desenvolvimento da lgebra, desde as suas origens chamada lgebra clssica e desta lgebra moderna, e contrastam-se diferentes vises da lgebra escolar.

2.1. A lgebra, da antiguidade ao presente Podemos dizer que as origens da lgebra situam-se na formalizao e sistematizao de certas tcnicas de resoluo de problemas que j so usadas na Antiguidade no Egipto, na Babilnia, na China e na ndia. Por exemplo, o clebre papiro de Amhes/Rhind essencialmente um documento matemtico com a resoluo de diversos problemas, que assume j um marcado cunho algbrico2. Pouco a pouco vai-se definindo o conceito de equao e a lgebra comea a ser entendida como o estudo da resoluo de equaes. Um autor da Antiguidade, por alguns considerado o fundador da lgebra, Diofanto (c. 200-c. 284), que desenvolve diversos mtodos para a resoluo de equaes e sistemas de equaes num estilo de linguagem conhecido como sincopado. Deste modo, os enunciados dos problemas, que tinham comeado por ser expressos em linguagem natural, passam a incluir pequenas abreviaes. O termo lgebra s surge alguns sculos mais tarde, num trabalho de al-Khwarizmi (790-840), para designar a operao de transposio de termos, essencial na resoluo de uma equao3. Lentamente vai-se avanando na resoluo de equa-

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es incompletas e completas dos 1. e 2. graus, embora usando formas de representao dificilmente reconhecveis ao leitor moderno. De equaes de grau superior ao 2., sabem resolver-se apenas casos particulares. No sculo XVI, com Franois Vite (1540-1603), d-se uma transformao fundamental, entrando-se numa nova etapa, a da lgebra simblica. Nessa mesma poca, do-se grandes progressos na resoluo de equaes. Scipione del Ferro (1465-1526) quem primeiro consegue resolver a equao geral do 3. grau. No entanto, del Ferro no publica os seus resultados, e a mesma descoberta feita igualmente por Tartaglia (15001557) e publicada por Cardano (1501-1576), na sua Ars Magna. Finalmente, a equao geral do 4. grau resolvida por Ferrari (1522-1565). O sucesso destes matemticos italianos do Renascimento marca um momento importante na histria da Matemtica pois, como referem Kolmogorov et al. (1977), a primeira vez que a cincia moderna ultrapassa claramente os xitos da Antiguidade. Note-se, tambm, que so os processos de resoluo das equaes algbricas do 3. grau que fazem surgir a necessidade da introduo de um novo tipo de nmeros os nmeros complexos. Uma questo central da teoria das equaes a de saber quantas solues pode ter uma equao de grau n (ou, noutros termos, quantos zeros pode ter uma funo polinomial de grau n). Vite indica equaes de grau n com n solues, mas o primeiro matemtico a afirmar que uma tal equao tem sempre n solues Albert Girard (1595-1632), em 1629, num livro intitulado Invention nouvelle en lAlgbre. Este teorema, actualmente designado como Teorema Fundamental da lgebra, tem diversas propostas de demonstrao, todas elas refutadas, numa histria muito interessante em que intervm matemticos famosos como Leibniz (1646-1716), Euler (1707-1783), dAlembert (1717-1783) e Lagrange (1736-1813). Finalmente, a demonstrao feita de modo considerado satisfatrio por Argand (1768-1822) e por Gauss (1777-1855) Ao mesmo tempo que se desenvolve a teoria das equaes algbricas, vai-se desenvolvendo tambm o conceito de funo como uma correspondncia entre os valores de duas variveis. As primeiras funes consideradas so naturalmente as algbricas, ou seja, as funes polinomiais e racionais (que resultam da diviso de um polinmio por outro). No entanto, depressa se passam a considerar funes mais complexas, ditas transcendentes, onde intervm operaes como radiciao e exponenciao, logaritmos e razes trigonomtricas, bem como condies de natureza geomtrica e mecnica, por exemplo, relativas a movimentos. No desenvolvimento da teoria das funes, os concei-

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tos de infinitsimo e derivada vo ocupar um lugar central, dando origem a um novo ramo da Matemtica a Anlise Infinitesimal. Dois importantes resultados marcam a etapa final do desenvolvimento da teoria das equaes algbricas, encerrando o que podemos designar por perodo da lgebra clssica. O primeiro resultado prova da impossibilidade de encontrar uma soluo geral para uma equao com coeficientes arbitrrios de grau superior ao 4., dada por Abel (1802-1829). O segundo a formulao das condies necessrias e suficientes para que uma equao de grau superior ao 4. tenha soluo por mtodos algbricos, dada por Galois (1811-1832). este matemtico quem, num trabalho clebre, considera pela primeira vez a estrutura de grupo. A partir de meados do sculo XIX a lgebra conhece uma evoluo profunda. O estudo das equaes algbricas esgota-se com a demonstrao do Teorema Fundamental da lgebra e com a demonstrao de que no existem mtodos algbricos gerais para a resoluo de equaes de grau superior ao 4.. A partir dessa altura, a ateno dos matemticos volta-se cada vez mais para o estudo de equaes no algbricas, ou seja, para o estudo de equaes diferenciais, tanto ordinrias como com derivadas parciais e para o estudo de equaes envolvendo objectos matemticos como funes. Outros matemticos dedicam-se a partir da ao estudo de estruturas abstractas como grupo, espao vectorial, anel e corpo, temas que passam a constituir o ncleo central da lgebra moderna.

2.2. Diferentes perspectivas da lgebra e da lgebra escolar Em termos epistemolgicos, a natureza de cada campo da Matemtica est relacionada com os objectos com que esse campo trabalha mais directamente. Podemos ento perguntar: Quais so os objectos fundamentais da lgebra? H trezentos anos a resposta seria certamente: expresses e equaes. Hoje em dia, essa resposta j no satisfaz, uma vez que no centro da lgebra esto relaes matemticas abstractas, que tanto podem ser expressas por equaes, inequaes ou funes como podem ser representadas por outras estruturas definidas por operaes ou relaes em conjuntos. No entanto, a viso da lgebra como consistindo no trabalho com expresses continua a persistir. A perspectiva prevalecente dos que estudaram este tema que se trata de um conjunto de regras de transformao de expresses (monmios, polinmios, fraces algbricas, expresses com radicais) e processos de resoluo de 7

equaes do 1. e 2. grau e de sistemas de equaes. Esta perspectiva perfeitamente coerente com a terminologia usada nos programas da dcada de 1990 que, em vez de falarem em lgebra, falavam apenas em clculo ou clculo algbrico4. Trata-se de uma viso redutora da lgebra, que desvaloriza muitos aspectos importantes desta rea da Matemtica, quer relativos Antiguidade (resoluo de problemas), quer actuais (relaes, estruturas algbricas), quer mesmo do perodo clssico da lgebra (estudo de funes). Uma perspectiva assumida por alguns autores, e que no se diferencia muito da anterior, a de que o objecto central da lgebra so os smbolos. Este campo da Matemtica seria ento definido pelo uso que faz de uma linguagem prpria a linguagem algbrica. Deste modo, faz sentido encarar o trabalho em lgebra como a manipulao dos smbolos e das expresses algbricas. Esta perspectiva no anda longe da concepo formalista da Matemtica bem popular no incio do sculo XX, com o logicismo de Gottlob Frege e Bertrand Russell e o formalismo de David Hilbert segundo a qual a Matemtica essencialmente um jogo de smbolos sem significado. A verdade que no podemos minimizar a importncia dos smbolos. Esta importncia reconhecida, por exemplo, pelo matemtico americano Keith Devlin quando defende que sem os smbolos algbricos, uma grande parte da Matemtica simplesmente no existiria5. A linguagem algbrica cria a possibilidade de distanciamento em relao aos elementos semnticos que os smbolos representam. Deste modo, a simbologia algbrica e a respectiva sintaxe ganham vida prpria e tornam-se poderosas ferramentas para a resoluo de problemas. No entanto, esta grande potencialidade do simbolismo tambm a sua grande fraqueza. Esta vida prpria tem tendncia a desligar-se dos referentes concretos iniciais e corre o srio risco de se tornar incompreensvel para o aluno. o que acontece quando se utiliza simbologia de modo abstracto, sem referentes significativos, transformando a Matemtica num jogo de manipulao, pautado pela prtica repetitiva de exerccios envolvendo expresses algbricas, ou quando se evidenciam apenas as propriedades das estruturas algbricas, nos mais diversos domnios, como sucedeu no movimento da Matemtica moderna. Este movimento foi fortemente criticado por Hans Freudenthal6, fundador da corrente da Educao Matemtica Realista. Na sua perspectiva, na escola, os smbolos literais devem ter algum significado, pelo menos numa fase inicial, por analogia com o que sucedeu no desenvolvimento histrico da lgebra. Alm disso, Freudenthal inter8

preta a linguagem algbrica como um sistema regido por um vasto conjunto de regras sintcticas que permitem desenvolver alguma aco. Compara a linguagem corrente com a linguagem algbrica e sublinha a complexidade desta e a quantidade de interpretaes incorrectas que podem surgir na sua aprendizagem. Com esta nfase na linguagem algbrica e nos smbolos, numa fase inicial associados a referentes, continua a dar uma importncia primordial ao simbolismo e progressiva formalizao, mas apresenta j uma outra concepo da lgebra. Mais recentemente, principalmente desde a dcada de 80 do sculo passado, tem vindo a emergir uma outra viso da lgebra. Muitas discusses realizadas desde ento procuram delimitar o que deve ser includo neste campo e, em particular, na lgebra que se ensina na escola bsica e secundria. Dessas discusses surgiu igualmente o interesse pela caracterizao do pensamento algbrico. Um dos autores que escreveu sobre esta ideia foi o americano James Kaput7, para quem o pensamento algbrico algo que se manifesta quando, atravs de conjecturas e argumentos, se estabelecem generalizaes sobre dados e relaes matemticas, expressas atravs de linguagens cada vez mais formais. Este processo de generalizao pode ocorrer com base na Aritmtica, na Geometria, em situaes de modelao matemtica e, em ltima instncia, em qualquer conceito matemtico leccionado desde os primeiros anos de escolaridade. Kaput identifica, em 1999, cinco facetas do pensamento algbrico, estreitamente relacionadas entre si: (i) a generalizao e formalizao de padres e restries; (ii) a manipulao de formalismos guiada sintacticamente; (iii) o estudo de estruturas abstractas; (iv) o estudo de funes, relaes e de variao conjunta de duas variveis; e (v) a utilizao de mltiplas linguagens na modelao matemtica e no controlo de fenmenos. Num texto mais recente, de 2008, Kaput8 refere de novo estes cinco aspectos, integrando os dois primeiros (simbolismo e generalizao), que designa como aspectos nucleares (core aspects) da lgebra, e considerando os trs ltimos como ramos (strands) deste domnio com expresso na Matemtica escolar. Podemos ento dizer que o grande objectivo do estudo da lgebra nos ensinos bsico e secundrio desenvolver o pensamento algbrico dos alunos. Este pensamento inclui a capacidade de manipulao de smbolos mas vai muito alm disso. Esta a perspectiva que est subjacente ao Programa de Matemtica9. tambm a perspectiva que o NCTM10 apresenta quando diz que o pensamento algbrico diz respeito ao estudo das estruturas, simbolizao, modelao e ao estudo da variao:

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Compreender padres, relaes e funes, Representar e analisar situaes e estruturas matemticas usando smbolos algbricos, Usar modelos matemticos para representar e compreender relaes quantitativas, Analisar a variao em diversos contextos. Deste modo, o pensamento algbrico inclui a capacidade de lidar com expresses algbricas, equaes, inequaes, sistemas de equaes e de inequaes e funes. Inclui, igualmente, a capacidade de lidar com outras relaes e estruturas matemticas e us-las na interpretao e resoluo de problemas matemticos ou de outros domnios. A capacidade de manipulao de smbolos um dos elementos do pensamento algbrico, mas tambm o o sentido de smbolo (symbol sense), como diz Abraham Arcavi11, que inclui a capacidade de interpretar e usar de forma criativa os smbolos matemticos, na descrio de situaes e na resoluo de problemas. Um elemento igualmente central ao pensamento algbrico a ideia de generalizao: descobrir e comprovar propriedades que se verificam em toda uma classe de objectos. Ou seja, no pensamento algbrico d-se ateno no s aos objectos mas principalmente s relaes existentes entre eles, representando e raciocinando sobre essas relaes tanto quanto possvel de modo geral e abstracto. Por isso, uma das vias privilegiadas para promover este raciocnio o estudo de regularidades num dado conjunto de objectos. A perspectiva sobre a lgebra e o pensamento algbrico acima apresentada refora a ideia de que este tema no se reduz ao trabalho com o simbolismo formal. Pelo contrrio, aprender lgebra implica ser capaz de pensar algebricamente numa diversidade de situaes, envolvendo relaes, regularidades, variao e modelao. Resumir a actividade algbrica manipulao simblica, equivale a reduzir a riqueza da lgebra a apenas a uma das suas facetas. Podemos dizer que o pensamento algbrico inclui trs vertentes: representar, raciocinar e resolver problemas (Quadro 1). A primeira vertente representar diz respeito capacidade do aluno usar diferentes sistemas de representao, nomeadamente sistemas cujos caracteres primitivos tm uma natureza simblica. Na segunda vertente raciocinar, tanto dedutiva como indutivamente assumem especial importncia o relacionar (em particular, analisando propriedades de certos objectos matemticos) e o generalizar (estabelecendo relaes vlidas para uma certa classe de objectos). Tal como nos outros campos da Matemtica, um aspecto importante do raciocnio algbrico o 10

deduzir. Finalmente, na terceira vertente resolver problemas, que inclui modelar situaes trata-se de usar representaes diversas de objectos algbricos para interpretar e resolver problemas matemticos e de outros domnios.Quadro 1 Vertentes fundamentais do pensamento algbrico

Ler, compreender, escrever e operar com smbolos usando as convenes algbricas usuais; Representar Traduzir informao representada simbolicamente para outras formas de representao (por objectos, verbal, numrica, tabelas, grficos) e vice-versa; Evidenciar sentido de smbolo, nomeadamente interpretando os diferentes sentidos no mesmo smbolo em diferentes contextos. Relacionar (em particular, analisar propriedades); Raciocinar Generalizar e agir sobre essas generalizaes revelando compreenso das regras; Deduzir. Usar expresses algbricas, equaes, inequaes, sistemas (de equaes e de inequaes), funes e grficos na interpretao e resoluo de problemas matemticos e de outros domnios (modelao).

Resolver problemas e modelar situaes

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3. Orientaes para o ensino da lgebra

As orientaes curriculares e didcticas para o ensino da lgebra tm mudado profundamente nos ltimos anos. Neste captulo mostramos como, por um lado, o foco da ateno se tem deslocado de uns objectos para outros: expresses, equaes, funes, estruturas matemticas. Por outro lado, indicamos como tem tambm variado a perspectiva sobre onde se deve centrar a actividade do aluno na aprendizagem deste tema. E, finalmente, mostramos que, tal como tem acontecido noutras reas do currculo, o desenvolvimento de novas tecnologias tem colocado novos desafios ao ensino-aprendizagem da lgebra.

3.1. Conceitos fundamentais do currculo Os elementos centrais na abordagem curricular tm variado ao longo dos tempos e, ainda hoje, variam de pas para pas. Considerando os conceitos fundamentais na lgebra clssica, distinguimos trs grandes temas. O primeiro a manipulao de expresses algbricas, envolvendo, nomeadamente monmios, polinmios, fraces algbricas e radicais. O segundo a resoluo de equaes, inequaes e sistemas, incluindo equaes numricas e literais dos 1. e 2. graus, inequaes dos 1. e 2. graus e sistemas de equaes e inequaes. Finalmente, o terceiro o trabalho elementar com funes, sem recorrer ao conceito de derivada12, onde se incluem as funes linear e afim (no linear)13 de proporcionalidade inversa, quadrtica, homogrfica e funes irracionais. Notemos que as equaes, sistemas e desigualdades so casos especiais de expresses, onde intervm situaes de igualdade ou desigualdade e que, alm disso, a noo de funo se relaciona estreitamente com a noo de equao ( y = f (x ) uma equao que representa uma funo). H cerca de um sculo, os manuais davam grande destaque s expresses, que eram estudadas em detalhe antes do incio do estudo das equaes, estando as funes remetidas para um lugar secundrio. Nos nossos dias, cada vez mais se d destaque ao conceito de funo, tendo as expresses que so apresenta12

das aos alunos conhecido uma grande simplificao. Alguns autores defendem que o papel das funes devia ser ainda mais reforado do que aquilo que j habitual nos nossos dias14. Note-se, ainda, que as estruturas algbricas, tema fundamental do perodo da lgebra moderna, foram muito valorizadas no movimento da Matemtica moderna. Estudavam-se, de forma implcita, diversas estruturas algbricas (grupo aditivo dos inteiros, corpo dos racionais, grupo das rotaes em torno de um dado ponto, espao vectorial dos vectores livres no plano, etc.), verificando a natureza fechada das operaes, a existncia de elemento neutro, de inverso para cada elemento e das propriedades comutativa, associativa e distributiva. Estudavam-se mesmo algumas estruturas de forma explcita, como grupide, grupo, anel e corpo. O balano negativo que se fez deste movimento levou a secundarizar estes conceitos no currculo escolar. No entanto, como vimos no captulo anterior, a ideia de dar novamente nfase s relaes e estruturas tem vindo a ganhar terreno. Ser necessrio, no entanto, no repetir os erros cometidos nos anos de 1960-70, que tornaram o estudo das estruturas muito pouco interessante para os alunos. Hoje em dia, smbolos, expresses algbricas, equaes, sistemas, inequaes e funes continuam a ter um papel central no currculo da lgebra escolar. No entanto, no surgem necessariamente do mesmo modo do que no passado, pois verifica-se uma maior nfase na noo de funo e alguma simplificao na natureza das expresses algbricas e equaes com que se trabalha. Alm disso, surgem agora com maior nfase o estudo de sequncias e as actividades de modelao. Existe, tambm, um movimento no sentido de promover uma iniciao ao pensamento algbrico desde os 1. e 2. ciclos, preparando o terreno para as aprendizagens posteriores.

3.2. Abordagens didcticas Em estreita ligao com a questo dos conceitos centrais no ensino-aprendizagem deste tema surgem as abordagens didcticas. A este respeito, devemos notar que o ensino da lgebra elementar tem conhecido mudanas significativas atravs dos tempos. A primeira corrente corresponde viso letrista, na expresso de Rmulo Lins e Joaquin Gimnez15, que reduz a lgebra exclusivamente sua vertente simblica. Esta viso tem uma verso pobre, em que o objectivo aprender a manipular os smbolos 13

apenas por treino e prtica, e tem uma verso melhorada segundo a qual o objectivo aprender a manipular correctamente os smbolos, recorrendo a apoios intuitivos como modelos analgicos, de carcter geomtrico (como figuras, objectos) ou fsico (como a balana16). Com estes apoios intuitivos procura dar-se significado s manipulaes, o que raramente se consegue, dada a preocupao central com os aspectos sintcticos. Esta perspectiva assume que a lgebra constitui um instrumento tcnico para a resoluo de problemas mais poderoso que a Aritmtica e coloca a nfase no domnio das respectivas regras sintcticas para a transformao de expresses actividade que Dario Fiorentini, ngela Miorim e Antnio Miguel17 designam de transformismo algbrico. O pressuposto que se o aluno dominar essas regras, posteriormente capaz de as aplicar a situaes concretas. Nesta abordagem, as situaes extra-matemticas tm um papel secundrio. Nos manuais de h um sculo tais situaes apenas surgem nos captulos de Problemas dos 1. e 2. graus, sendo consideradas como simples campo de aplicao. Nos manuais actuais estas situaes tm uma presena muito mais significativa, servindo muitas vezes de ilustrao na apresentao dos conceitos. A segunda corrente corresponde viso estruturalista subjacente ao movimento da Matemtica moderna. Para esta tendncia, a ateno deve centrar-se nas estruturas algbricas abstractas, ou seja, nas propriedades das operaes numricas ou das transformaes geomtricas. No trabalho com expresses algbricas e equaes, d-se especial ateno s propriedades estruturais para fundamentar e justificar as transformaes a efectuar. Tal como no caso anterior, as situaes extra-matemticas tm um papel secundrio, de simples ilustrao ou aplicao. Finalmente, uma terceira corrente procura ultrapassar as limitaes das duas anteriores, preservando, no entanto, os respectivos contributos. Assim, procura recuperar-se o valor instrumental da lgebra, mas sem a reduzir resoluo de problemas susceptveis de serem resolvidos atravs de uma equao ou um sistema de equaes. Procura dar-se nfase aos significados que podem ser representados por smbolos levando os alunos a pensar genericamente, percebendo regularidades e explicitando essas regularidades atravs de estruturas ou expresses matemticas e a pensar funcionalmente, estabelecendo relaes entre variveis. Procura agora valorizar-se a linguagem algbrica como meio de representar ideias e no apenas como um conjunto de regras de transformao de expresses simblicas. Trata-se, no fundo, de promover o desenvolvimento do pensamento algbrico, tal como referimos no captulo anterior. Esta 14

perspectiva traduz-se num movimento que se desenha desde o incio da dcada de 1980 que visa a revalorizao da lgebra no currculo da Matemtica escolar. Isso passa por entender a lgebra de uma forma ampla e multifacetada, valorizando o pensamento algbrico e tornando-o uma orientao transversal do currculo, tal como acontece desde h largas dezenas de anos com o pensamento geomtrico. Tornar o pensamento algbrico uma orientao transversal do currculo significa, como sugerem James Kaput e Maria Blanton18:

Promover hbitos de pensamento e de representao em que se procure a generalizao, sempre que possvel; Tratar os nmeros e as operaes algebricamente prestar ateno s relaes existentes (e no s aos valores numricos em si) como objectos formais para o pensamento algbrico; Promover o estudo de padres e regularidades, a partir do 1. ciclo. Esta terceira corrente a que informa o Programa de Matemtica. Nela, as situaes extra-matemticas tm um papel importante como ponto de partida para a construo de modelos e explorao de relaes. Mais do que simples ilustrao ou aplicao, nelas que os alunos encontram os elementos com os quais constroem representaes e modelos para descrever fenmenos e situaes, que esto na base de novos conceitos e relaes matemticas. Esta corrente favorece uma iniciao ao pensamento algbrico desde os primeiros anos de escolaridade, atravs do estudo de sequncias e regularidades (envolvendo objectos diversos), padres geomtricos, e relaes numricas associadas a importantes propriedades dos nmeros19. Uma questo que atravessa todas as correntes anteriores a actividade que os alunos realizam. Nas duas primeiras correntes, esta actividade traduz-se essencialmente na resoluo de exerccios e eventualmente, alguns problemas. O que varia o foco das tarefas propostas expresses, equaes e funes, no primeiro caso, conjuntos, grupos, espaos vectoriais, no segundo. Na terceira corrente, a actividade a realizar pelo aluno assume necessariamente outra natureza, desenvolvendo-se a partir de tarefas de cunho exploratrio ou investigativo, seja em contexto matemtico ou extra-matemtico. esta perspectiva que procuramos ilustrar nos captulos seguintes desta brochura.

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3.3. Papel da tecnologia Outra questo, ainda, diz respeito ao papel da tecnologia, nomeadamente calculadoras e computadores. Os alunos devem poder usar calculadora simples no seu trabalho em lgebra? Devem poder usar algum tipo de software? Se sim, com que objectivos? Com que cuidados? Um dos tipos de software mais usados no ensino da lgebra a folha de clculo (como o Excel). A folha de clculo um programa relativamente simples, podendo ser usada por alunos dos 2. e 3. ciclos, tal como indica o Programa de Matemtica. Permite criar com facilidade tabelas com valores que seguem uma determinada lei de formao, a comear pela sequncia dos nmeros naturais, e permite relacionar valores em diferentes linhas (ou colunas). Permite, ainda, criar representaes grficas de conjuntos de valores. No entanto, usa uma representao algo distante da habitual na Matemtica escolar, pois as frmulas ou expresses tm um aspecto diferente das que usualmente encontramos nos livros ou escrevemos com papel e lpis. Alm disso, estas expresses ficam remetidas para segundo plano, no aparecendo directamente visveis nas suas clulas. Diversas investigaes mostram que o uso da folha de clculo ajuda os alunos a interiorizar a noo de varivel e a desenvolver a sua capacidade de resolver certos tipos de problemas. No entanto, para alguns aspectos da aprendizagem da lgebra, como a resoluo de equaes, a folha de clculo no parece ter um efeito visvel20. A calculadora grfica tem caractersticas prximas da folha de clculo. No entanto, enquanto a folha de clculo d especial salincia s tabelas e valores numricos, a calculadora grfica d especial salincia aos grficos de funes. Trata-se de uma ferramenta que pode ser muito til para estudar as funes lineares, afins (no lineares), de proporcionalidade inversa e quadrticas simples, previstas no programa, sendo, no entanto, necessrio ter especial cuidado na definio das janelas de visualizao. Recentemente, surgiram novos programas que combinam potencialidades para o trabalho em lgebra e Geometria, como o GeoGebra21. Estes programas, tal como a calculadora grfica, permitem relacionar as informaes dadas algebricamente com as representaes grfica e em tabela e apresentam os objectos matemticos numa representao mais prxima da usual. Tm, por isso, grandes potencialidades para o trabalho a realizar no 3. ciclo do ensino bsico. Existem tambm programas especficos, para trabalhar este ou aquele tpico ou conceito, de que os exemplos mais conhecidos so os applets, muitos dos quais dispon16

veis na Internet. Estes programas, que por vezes assumem a forma de jogos, so muitas vezes muito teis para promover a aprendizagem de aspectos especficos da lgebra. Finalmente, de referir a existncia de programas de clculo simblico ou lgebra computacional22 (como o DERIVE). Estes programas permitem fazer todo o tipo de manipulao algbrica, desde a simplificao de expresses, resoluo de equaes e sistemas, bem como clculos mais avanados, como derivao e integrao de funes e tm sido usados em diversos pases com alunos dos ensinos superior e secundrio e, por vezes, at com alunos mais novos. Estas tecnologias favorecem o trabalho com diferentes formas de representao promovendo o desenvolvimento da noo de varivel e a visualizao das formas simblicas das funes. Representam, por isso, recursos de grande valor para a aprendizagem da lgebra. No entanto, s por si, o seu uso no garante a aprendizagem dos alunos. Por isso, necessrio saber quando e como devem estes usar a tecnologia. Devem aprender primeiro os conceitos e processos pelos mtodos tradicionais, baseados no papel e lpis, ou devem aprend-los, desde o incio, usando estes instrumentos? E com que propsito devem usar a tecnologia para confirmar os resultados j obtidos com mtodos de papel e lpis ou como instrumento de explorao? A resposta a estas questes depende muito da situao da familiaridade que os alunos tm com os instrumentos tecnolgicos, prpria do seu meio cultural, dos seus interesses e preferncias, mas tambm dos recursos existentes na escola e da experincia do prprio professor. Com as mudanas aceleradas que ocorrem na sociedade, muitos professores reconhecero que uma boa resposta hoje, para uma certa turma, pode no o ser amanh, para outra turma. O recurso ao papel e lpis tambm tem os seus pontos fortes nomeadamente a possibilidade de visualizarmos em simultneo uma variedade de registos. Por isso, o uso de calculadoras e de software matemtico no deve significar menosprezo por este suporte de trabalho. A calculadora comum pode ser muito til no estudo de regularidades numricas, em especial em situaes de iterao de uma operao. A calculadora grfica, pelo seu lado, pode ser muito til no estudo de diversos tipos de funes. A folha de clculo e programas como o GeoGebra podem servir de base resoluo de problemas e modelao de situaes, constituindo importantes suportes para a aprendizagem. Deve notar-se que a tecnologia tem muitas potencialidades mas tambm tem os seus problemas. Por exemplo, uma potencialidade importantssima da calculadora grfica o facto de relacionar expresses e grficos, o que pode dar aos alunos feedback 17

visual ilustrando vrios aspectos de um mesmo objecto. Outra potencialidade no menos importante que a calculadora realiza o trabalho mecnico e favorece a realizao de exploraes e investigaes. Estas potencialidades tm um reverso problemtico: as representaes grficas no so transparentes, por isso, compreend-las e us-las pressupe uma aprendizagem no trivial por exemplo, reconhecendo que as escalas dos dois eixos de coordenadas podem ter ou no a mesma unidade e que o aspecto de um grfico depende muito da janela de visualizao utilizada. Outro exemplo, ainda, referese ao facto j aludido dos instrumentos tecnolgicos usarem uma forma de representar as expresses algbricas e equaes diferente da usual, o que cria aos alunos dificuldades acrescidas de interpretao. Finalmente, o facto do software e da calculadora terem a sua sintaxe e regras de processamento prprios tambm um factor potencial de dificuldades e incompreenses dos alunos, se o professor no se assegurar de que estes conhecem efectivamente o modo como funcionam os instrumentos que tm sua disposio. Assim, parte destas dificuldades resultam da tenso entre o currculo usual e a tecnologia23, e outra parte resulta do facto do professor muitas vezes no assumir que ensinar os alunos a usar correctamente a tecnologia que usam na aula de Matemtica faz parte integrante do seu papel profissional.

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4. Relaes

O trabalho envolvendo relaes tem incio no 1. ciclo, no tema Nmeros e operaes. Estabelecem-se relaes entre nmeros e promove-se a compreenso das operaes, das suas propriedades e das relaes entre diferentes operaes. Nos primeiros anos, os alunos devem descrever e representar as relaes que identificam usando linguagem natural e, progressivamente, usando tambm alguns smbolos matemticos. Uma importncia especial assume, logo desde o incio, a noo de igualdade. No 2. ciclo, procura-se que os alunos desenvolvam a capacidade de identificar relaes e de as descrever recorrendo a linguagem simblica. Esta primeira abordagem identificao de relaes e sua representao contribui para o desenvolvimento do pensamento algbrico dos alunos, preparando-os para a compreenso da linguagem algbrica. No 3. ciclo, trabalha-se com relaes matemticas mais complexas como funes e condies envolvendo expresses algbricas (equaes, sistemas de equaes e inequaes).

4.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem

4.1.1. Relao de igualdade e uso do sinal de igual 1. Igualdade numrica. Em Matemtica, a noo de igualdade desempenha um papel fundamental, tendo um significado muito mais prximo de equivalncia do que de identidade. Na identidade matemtica existe uma coincidncia total entre dois objectos um objecto s idntico a si mesmo. Em contrapartida, a igualdade ou equivalncia matemtica sempre relativa apenas a uma certa propriedade. Em termos matemticos, a relao de igualdade uma relao de equivalncia. Isso quer dizer que simtrica (se a = b ento b = a , para quaisquer elementos a e b), reflexiva ( a = a , para todo o elemento a) e transitiva (se a = b e b = c , ento a = c para quaisquer elementos a, b e c). Aos poucos os alunos devem conseguir reconhecer e usar estas propriedades. Na expresso numrica 5 + 2 = 7 , os termos direita (7) e 19

esquerda ( 5 + 2 ) do sinal de igual so diferentes (no existe identidade entre eles), mas representam o mesmo nmero (so equivalentes). Usamos a noo de igualdade com vrios objectivos. Um deles para representar o resultado de uma operao aritmtica. Assim, ao dizermos que 5 + 2 = 7 , estamos a dizer que se tivermos um conjunto com 5 elementos e o reunirmos com um conjunto com 2 outros elementos obtemos um conjunto com 7 elementos. A expresso numrica

5 + 2 = 7 indica que 7 o resultado da adio de 5 com 2. Mas tambm indica que existe o mesmo nmero de elementos na reunio de dois conjuntos, um com 5 e outro com 2 elementos, e num conjunto com 7 elementos. a propriedade ter o mesmo nmero de elementos que justifica o uso do sinal de igual nesta expresso. O sentido do sinal de igual como resultado de uma operao largamente usado nos primeiros anos. No entanto, fundamental que no se perca o sentido mais geral deste sinal como estabelecendo uma equivalncia entre duas expresses numricas. Os alunos devem, por isso, ser capazes de comear por reconhecer igualdades muito simples. Contudo, o professor deve ter em conta que estas igualdades no devem surgir apenas do modo que mais habitual, ou seja, na forma a + b = c , mas tambm como

c = a + b . Os alunos podem, assim, comear por reconhecer diferentes formas de representar 7 atravs de igualdades numricas:

7 = 1 + 6 , 7 = 2 + 5 , 7 = 3 + 4 , 7 = 4 + 3 , 7 = 5 + 2 , 7 = 6 + 1.O reconhecimento do zero leva a juntar novas igualdades lista anterior:

7 = 0+7, 7 = 7+0.Os alunos podem investigar as diferentes decomposies dos nmeros, usando expresses numricas para as representar e observando a estrutura dessas expresses. Por exemplo: Famlia do 7: 7 + 0 = 6 + 1 = 5 + 2 = 4 + 3 = 3 + 4 = 2 + 5 = 1 + 6 = 0 + 7 Famlia do 12: 12 + 0 = 11 + 1 = 10 + 2 = 9 + 3 = 8 + 4 = 7 + 5 = 6 + 6 = 5 + 7 A utilizao da recta no graduada pode ajudar a representar estas relaes, como mostra a figura: 20

Progressivamente, podem trabalhar-se igualdades mais complexas, como, por exemplo: a) Escrever 3 + 5 como uma adio de dois nmeros de todas as formas possveis ( 3 + 5 = 0 + 8 = 1 + 7 = ... ); b) Escrever 9 como uma adio de trs nmeros todos diferentes uns dos outros ( 9 = 8 + 1 + 0 = 7 + 2 + 0 = 6 + 3 + 0 = 5 + 4 + 0 = 6 + 2 + 1 = 5 + 3 + 1 = ... ).

Situaes anlogas envolvendo igualdades podem ser exploradas, a seu tempo, para as operaes de multiplicao, subtraco e diviso. Em qualquer caso, o professor deve ser muito cuidadoso com o modo como o sinal de igual utilizado nestas expresses. Este sinal representa sempre equivalncia entre a expresso que est antes e a que est depois. Deste modo, numa expresso ligada por vrios sinais de igual, estamos a dizer que o primeiro termo equivalente ao ltimo termo. Estes dois modos de encarar o sinal de igual processual e estrutural levam Carolyn Kieran24 a distinguir entre pensamento aritmtico e pensamento algbrico. O pensamento aritmtico marcado pelo clculo realizam-se operaes, procurando saber qual o respectivo resultado. O pensamento algbrico marcado pela ateno s estruturas e s relaes que esto na sua base. Para a autora, os alunos comeam por uma concepo processual das operaes e relaes e podem desenvolver progressivamente uma concepo estrutural dos nmeros, das operaes com nmeros e de outros objectos matemticos. Um aspecto fundamental desta passagem da concepo processual para a concepo estrutural tem a ver com o entendimento do sinal de igual. Este sinal, numa perspectiva processual, indica a realizao de uma operao, e, numa perspectiva estrutural, remete para uma relao de equivalncia. De um ponto de vista processual, o sinal de igual assume um significado de operador direccional. Por exemplo, na situao 5 + 7 = 12 o aluno pode dizer adicionei 5 e 7 e obtive 12 ou, simplesmente, 5 mais 7 d 12. Este o principal modo como, nos primeiros anos de escolaridade, se trabalha com este sinal. Com frequncia, na resolu21

o de um problema, os alunos realizam operaes de um modo sequencial, da esquerda para a direita, usando o sinal de igual tanto como separador entre dois raciocnios como para introduzir um novo resultado, a partir de valores numricos anteriores25. A seguinte expresso, escrita por um aluno do 2. ano, exemplifica esta situao: Representao adequada: Aluno: So quinze pares porque cinco mais cinco igual a dez e dez mais cinco igual a quinze.

5 + 5 = 10 10 + 5 = 15

Karen Falkner, Linda Levi e Thomas Carpenter26 identificaram, em alunos do 1. ao 6. ano, uma fortssima incidncia na perspectiva processual. Os autores questionaram os alunos sobre o nmero que deveria ser colocado no quadrado de modo a tornar verdadeira a expresso numrica 8 + 4 =

+ 5 . A questo era de escolha mltipla,

sendo dadas as possibilidades de resposta 7, 12 e 17. Embora a resposta correcta seja 7, a maioria dos alunos indicou a resposta 12. Na verdade, a resposta correcta foi indicada apenas por 5% dos alunos dos 1. e 2. anos, por 9% dos alunos dos 3. e 4. anos e por 2% dos alunos dos 5. e 6. anos. Estes resultados mostram que a concepo processual do significado do sinal de igual prevalece de maneira extremamente forte na maioria dos alunos dos primeiros anos. , portanto, necessrio propor aos alunos situaes que promovam uma compreenso da equivalncia entre as expresses de ambos os lados do sinal de igual e a anlise e comparao dessas mesmas expresses. 2. Os diversos significados do sinal de igual27. Note-se que o significado do sinal de igual depende da situao em que este aparece. J vimos que, numa perspectiva processual, este sinal pode ter um significado de operador, indicando uma operao a realizar (e o seu resultado). Surge em situaes aritmticas como 7 + 5 = 12 ou

8 3 = 24 e na simplificao de expresses algbricas, como 3 x 5( 2 x) = 8 x 10(lida da esquerda para a direita). Alm disso, pode indicar uma equivalncia entre dois objectos, que podem ser nmeros ou expresses numricas, como 8 + 4 = 7 + 5 , ou expresses algbricas como a (b) = a + b e ( a + 1) 2 = a 2 + 2 a + 1 (igualdades que so vlidas quaisquer que sejam os nmeros a e b). No entanto, o sinal de igual pode assumir ainda outros significados. Por exemplo, pode surgir em equaes, como por exemplo 8 + x = 18 . Aqui, este sinal identifica uma possvel equivalncia entre expresses para certos casos, ou seja, coloca a pergunta 22

se as expresses dadas nos dois membros podem ser equivalentes, para algum valor de x. Finalmente, o sinal de igual pode ainda ser usado para definir uma relao funcional, como, por exemplo, em y = 2 x + 7 , sendo x um nmero natural entre 1 e 10. O sinal de igual assinala aqui a relao de dependncia entre duas variveis. A natureza da relao algbrica em cada um dos quatro casos indicados bastante diferente devido natureza dos objectos que esto relacionados pelo sinal de igual e, principalmente, do objecto global que temos pela frente um clculo, a afirmao de uma relao de equivalncia, uma pergunta acerca dos objectos que satisfazem uma relao de equivalncia, e uma funo estabelecendo uma correspondncia entre dois conjuntos. Como indicam Jean-Philippe Drouhard e Anne Teppo28, a discusso acerca dos diferentes significados do sinal de igual pode ajudar os alunos a construir ligaes relacionais entre objectos matemticos e smbolos algbricos. 3. Proporcionalidade como igualdade entre duas razes. A proporcionalidade directa traduz uma igualdade entre duas razes:a c = , tpico que trabalhado no 2. b d

ciclo. Os principais problemas que se colocam so de valor omisso dados trs termos de uma proporo, descobrir o quarto termo e de comparao ser que duas razes esto na mesma proporo? Dados os quatro termos de uma proporo ou dadas informaes sobre uma situao contextualizada, os alunos devem saber dizer se se trata de uma situao de proporcionalidade directa ou de um outro tipo de relao. Note-se, contudo, que j no 1. ciclo os alunos devem resolver problemas que envolvem o raciocnio proporcional, explorando, por exemplo, sequncias e tabelas, abordagem que constitui a base para o desenvolvimento da noo de proporcionalidade, como ilustramos no captulo sobre Sequncias. No 3. ciclo, os alunos continuam a trabalhar com situaes de proporcionalidade directa, encarada agora como uma funo linear, como mostramos no captulo sobre Funes.

4.1.2. Relao de desigualdade Para alm da relao de igualdade (representada por =), os alunos devem contactar tambm com as relaes de ordem (, , ) e de diferente (). Particular ateno deve ser dada, logo desde o 1. ciclo, utilizao dos smbolos < e >. Numa fase inicial, as expresses envolvendo relaes de desigualdade devem ser muito simples, pois o que se pretende que os alunos percebam a natureza destas rela23

es no desenvolver tcnicas de resoluo de inequaes. Ser importante que os alunos percebam desde logo que a soluo de uma condio do tipo

< 10 um con-

junto com diversos elementos. Devem tambm perceber a afinidade entre a relao de menor e a relao de maior, ou seja, que tanto faz dizer que 2 < 5 como dizer que 5 > 2 . Recorde-se que inicialmente os alunos conhecem os nmeros naturais e o zero so, portanto, estes os valores numricos que nos primeiros anos podem ser dados como solues para questes envolvendo desigualdades. Mais tarde, o conjunto das solues pode envolver j os nmeros racionais na sua representao fraccionria ou decimal. Por exemplo, o professor pode propor aos alunos do 1. ciclo que procurem solues para a condio

< 5 . Estes verificaro que os nmeros naturais 1, 2, 3 e 4 satisfazem

a condio e o mesmo acontece com o 0. No caso de j terem trabalhado partes da unidade, como a metade ou a tera parte, e a sua representao na forma de fraco, os alunos podem indicar como solues para a condio< 1 , por exemplo, 0,

1 1 1 , , . 2 3 10

No caso desta questo ser colocada a alunos que j tenham trabalhado com a representao decimal, podem dar como solues, por exemplo, 0,3, 0,51, 0,891. J no final do 2. ciclo, como solues para a condio dada, alm de nmeros racionais no negativos so tambm admissveis os nmeros inteiros negativos. No 2. ciclo, as relaes de igualdade e de ordem (menor e maior) desempenham um papel importante na aprendizagem da comparao e ordenao no tpico Nmeros racionais no negativos. No que respeita igualdade, os alunos devem reconhecer que um mesmo nmero racional pode ser representado de vrias formas, nomeadamente na forma fraccionria ou na forma decimal. Salienta-se, ainda, que a representao em cada uma dessas formas no nica, existindo, por exemplo, diversas fraces e diversas representaes decimais equivalentes:1 3 = = 0,5 = 0,50... 2 6

A ordenao dos nmeros racionais traz dificuldades significativas para os alunos. Nos nmeros naturais, o prprio sistema de representao decimal proporciona um processo intuitivo para estabelecer a ordenao de dois nmeros, mas nos nmeros racionais isso no acontece. Assim, por exemplo, no fcil dizer qual maior entre5 9

24

e

4 . Neste caso de usar a representao decimal e a recta numrica. Note-se, porm, 7

que mesmo na representao decimal surgem, por vezes, dificuldades significativas nos alunos, por exemplo, ao ordenar 0,7 e 0,14. Muitos deles ignoram o significado posicional dos algarismos e dizem que 0,14 maior que 0,7 pois 14 maior que 7. Na verdade, nem todos os alunos generalizam as propriedades do sistema de numerao decimal dos nmeros inteiros para os nmeros decimais, assunto que tem de ser abordado explicitamente na sala de aula. Depois dos alunos j terem adquirido alguma familiaridade com a relao de menor, devem perceber que esta relao transitiva ( a < b e b < c implica que a < c ) mas no simtrica (se a < b no se tem b < a ) nem reflexiva (no se verifica a < a ). O mesmo se passa, de um modo semelhante, para a relao de maior. A relao de menor ou igual merece, tambm, alguma ateno, no fim do 3. ciclo, a propsito do estudo das inequaes. de notar que esta relao, tal como a relao de menor, transitiva. Alm disso, tal como a relao de menor, no simtrica (por exemplo, temos 5 7 mas no temos 7 5 ). No entanto, ao contrrio da relao de menor, a relao de menor ou igual reflexiva: para todo o nmero x, temos x x . Note-se que a discusso do trabalho a fazer com inequaes ser feita em pormenor mais adiante, no ltimo captulo desta brochura.

4.1.3. Relaes entre nmeros, expresses e generalizao Tendo em vista o desenvolvimento nos alunos do sentido de nmero, podem ser exploradas diversas relaes entre nmeros. Muitas dessas situaes podem ser igualmente trabalhadas procurando identificar e generalizar regularidades, promovendo assim o desenvolvimento do pensamento algbrico. Exemplos destas situaes so a relao inversa entre adio e subtraco ( 39 17 = 22 pois 39 = 22 + 17 ), a relao de compensao ( 31 + 9 = 30 + 10 ; 39 17 = 40 18 ), a composio e decomposio de nmeros ( 23 + 11 + 9 = 23 + 20 ; 39 17 = 39 10 7 ; 17 8 = 17 10 + 2 ). O professor deve procurar que os alunos justifiquem as relaes que estabelecem, com base na sua compreenso das operaes e deve question-los acerca da validade destas relaes para todos os nmeros. Para tal, os alunos podem analisar diversos exemplos ou procurar contra-exemplos. Alm disso, j nos primeiros anos, os alunos trabalham tambm com

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relaes inversas como o dobro de e a metade de, por exemplo, para apoiar estratgias de clculo mental, bem como a compreenso e construo da tabuada. Numa perspectiva semelhante, Megan Franke, Thomas Carpenter e Dan Battey29 sugerem que os alunos devem desenvolver desde cedo um pensamento relacional. Caracterizam este pensamento pela capacidade de analisar expresses e equaes como um todo em vez de o fazer apenas segundo um processo realizado por etapas. Indicam que, para tal, fundamental o uso de propriedades dos nmeros e das operaes. Apresentam como exemplo a resoluo da expresso 78 + 34 34 = ___ . A resoluo desta expresso comeando pela operao 78 + 34 e subtraindo depois 34 ao resultado, no envolve pensamento relacional. No entanto, esse conhecimento usado se tivermos em ateno que 34 34 = 0 e usarmos essa relao para obter a resposta. Um aspecto muito importante para o desenvolvimento do pensamento relacional dos alunos o questionamento feito pelo professor quando procura que estes esclaream o seu modo de pensar. Perante a questo Como que fizeste? os alunos explicam que pensaram que 34 34 d zero e 78 + 0 78. Contudo, terminar aqui a discusso no explora todas as potencialidades da situao. Seria bom averiguar qual o fundamento desta estratgia e qual o seu alcance. Para isso, o professor deve perguntar, tambm, Como que sabes isso? Ser que isso vlido para todos os nmeros? Na verdade, est em causa o uso da propriedade associativa (que permite que se comece a resoluo da expresso determinando 34 34 ). No importante que os alunos reconheam desde logo o nome desta propriedade, mas importante que saibam reconhecer quando a podem usar na determinao do valor de expresses deste tipo. Questes como estas levam os alunos a pensar porque que uma dada abordagem legtima e promove o desenvolvimento da sua capacidade de generalizao. Ao mesmo tempo que se estabelecem generalizaes, importante que os alunos tomem conscincia que existem generalizaes que no so vlidas. Por exemplo no verdade que 3 + (4 2) seja igual a (3 + 4) 2 . Ou seja, neste caso faz toda a diferena a ordem pela qual se fazem as diferentes operaes. Por isso, fundamental que os alunos compreendam o significado dos parnteses e a prioridade das operaes numa expresso numrica. Tendo em vista estabelecer generalizaes de relaes entre nmeros e de propriedades, Rina Zaskis30 sugere o uso algbrico dos nmeros em diversas situaes, como, por exemplo, no jogo Pensa num nmero. Criando uma situao em que aps a

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realizao de diversas operaes se obtm o mesmo nmero de partida ou quando se consegue adivinhar o nmero a que se chega, desperta-se a curiosidade dos alunos para a razo que permite que tal seja possvel. Aps realizarem experincias com diferentes valores numricos, os alunos podem ser chamados a descobrir as relaes estabelecidas e as propriedades usadas, procurando apresentar uma generalizao relativa situao. No 2. ciclo, os alunos comeam a usar a linguagem simblica para descrever relaes. Uma situao apropriada para a iniciao a esta linguagem o estudo das reas e permetros. Por exemplo, o permetro de um rectngulo pode ser representado por P = 2c + 2l . Os alunos devem reconhecer que o significado desta expresso no dois comprimentos mais duas larguras, mas sim duas vezes um nmero (a medida do comprimento do rectngulo) mais duas vezes outro nmero (a medida da largura do mesmo rectngulo). Note-se que a introduo de letras para designar nmeros desconhecidos corresponde adopo de uma escrita progressivamente mais abreviada, incluindo, por exemplo, a omisso do sinal de multiplicao. Deste modo, no preciso escrever 2 l para representar o produto de 2 por l. No entanto, 25 continua a ter uma interpretao aritmtica, representando o nmero duas dezenas e cinco unidades e no o produto de 2 por 5, que continua a ser representado por 2 5 . Ainda neste contexto, de propor situaes que possibilitem uma interpretao geomtrica de expresses algbricas, promovendo a capacidade de visualizao dos alunos. Por exemplo, usando a frmula da rea do rectngulo, podemos escrever a rea do rectngulo de dimenses a e a + 2 como a(a + 2) :

a+2 a 2

a

Do mesmo modo, podemos escrever a soma das medidas das reas do quadrado de lado a e do rectngulo de dimenses a e 2 de diversas maneiras, como aa + 2a , ou

27

a(a + 2) , ou ainda, a 2 + 2a . Estas situaes so tambm propcias explorao de pro-

priedades das operaes, como a propriedade comutativa da adio e da multiplicao ou a propriedade distributiva da multiplicao em relao adio.

4.1.4. Propriedades das operaes J anteriormente fizemos vrias referncias s propriedades das operaes aritmticas. Estas propriedades devem ser reconhecidas em casos particulares e, progressivamente, generalizadas. Na verdade, uma das formas de encarar a lgebra como Aritmtica generalizada. A identificao destas propriedades e a sua generalizao desde os primeiros anos de escolaridade constituem uma base importante para o pensamento algbrico. Da Aritmtica, sabemos, por exemplo, que se tem 5 + 7 igual a 7 + 5 . Mas uma relao semelhante vale para qualquer par de nmeros naturais, ou seja, a + b igual a

b + a , para quaisquer nmeros naturais a e b. Podemos ento escrever a + b = b + a .Neste caso, temos uma relao de igualdade associada operao de adio (que se designa por propriedade comutativa da adio). fcil de ver que a multiplicao de nmeros naturais tambm comutativa, ou seja a b = b a , para quaisquer nmeros naturais a e b. Mas o mesmo j no acontece para as respectivas operaes inversas, subtraco e diviso, como os alunos podem verificar. Para nenhum par de nmeros naturais diferentes se tem a b = b a nem a : b = b : a . Para alm da propriedade comutativa da adio e da multiplicao, os alunos devem reconhecer a propriedade associativa destas operaes bem como a propriedade distributiva da multiplicao em relao adio. No caso de termos uma diviso exacta tambm possvel recorrer propriedade distributiva, neste caso da diviso em relao adio, decompondo o dividendo, para determinar mais facilmente o quociente. Esta situao particular pode ser bastante til na realizao de clculo mental envolvendo divises. No caso de se proceder decomposio do divisor no possvel usar esta propriedade. Por exemplo, para realizar a operao 124 : 4 podemos ter:124 : 4 = (120 + 4) : 4 = 120 : 4 + 4 : 4 = 30 + 1 = 31

De um modo geral, sendo a = x + y , temos que:

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a : b = ( x + y) : b = x : b + y : b =

x y + b b

Os alunos devem tambm reconhecer os elementos neutros da adio e da multiplicao. Qualquer nmero natural adicionado com 0 d esse mesmo nmero (0 o elemento neutro para a adio) e qualquer nmero natural multiplicado por 1 d esse mesmo nmero (1 o elemento neutro para a multiplicao). O estabelecimento deste tipo de relaes, associadas s propriedades das operaes, e a sua expresso, primeiro em linguagem natural e depois, progressivamente, em linguagem simblica, um dos aspectos do pensamento algbrico. Muitas vezes os alunos usam as propriedades das operaes e as relaes entre nmeros em situaes de clculo mental sem lhes fazer referncia. No sendo o principal objectivo que os alunos mencionem constantemente essas propriedades, o professor deve estar atento sua utilizao, verificando se o esto a fazer de um modo adequado. Deve, ainda, fomentar a formulao de conjecturas e a apresentao de generalizaes nas situaes em que estas so vlidas.

4.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula

4.2.1. Relaes numricas Exemplo 1 Igualdade de expresses numricas. Os alunos devem trabalhar sequncias de expresses numricas com o intuito de encontrarem relaes numricas, reforando o significado de equivalncia do sinal de igual. Eis diversas expresses numricas que se podem propor:

11 + = 26 11 + 15 = + 11 11 + 15 = 12 + 11 + 15 = + 16 11 + 15 = + 17

= 15 + 11 11 + = 11 + 15 14 + = 11 + 15 + 12 = 11 + 15 + 13 = 11 + 15

29

No fim da sua resoluo, os alunos devem ser questionados para que expliquem o seu raciocnio. Com isto procuramos que os alunos estabeleam relaes entre os nmeros, comparando as expresses que se apresentam de ambos os lados do sinal de igual. Nas primeiras quatro expresses os alunos podem verificar que, na adio, a ordem das parcelas no altera o resultado. Na expresso 11 + 15 = 12 + , os alunos podem usar um raciocnio de compensao, argumentando, por exemplo, que o nmero em falta o 14, uma vez que para manter a equivalncia a unidade que se adiciona a 11 para obter 12 tem de ser subtrada a 15. Exemplo 2 Anlise de expresses numricas. A identificao de relaes entre nmeros e a capacidade de as generalizar, aliadas compreenso e ao uso das propriedades das operaes, contribuem para o desenvolvimento de aspectos do pensamento algbrico dos alunos, promovendo a generalizao e a compreenso da relao de equivalncia. Na tarefa seguinte os alunos analisam as expresses numricas e identificam relaes entre os nmeros e as propriedades das operaes que lhes permitem dizer se estas expresses so verdadeiras ou falsas.

57 + 23 23 = 57 + 45 45 24 + 9 9 = 23 41 + 1 = 42 + 19 19 20 20 + 77 = 78 1 64 = 65 + 1 1 15 + 7 = 15 + 5 + 2 46 16 = 46 6 10 O professor deve promover uma discusso colectiva das justificaes dos alunos de modo a realar as relaes que estabeleceram e as propriedades em que se baseiam para analisar a validade das expresses numricas sem recorrer ao clculo. Exemplo 3 Relao de proporcionalidade directa. Os professores devem propor situaes que os alunos analisam para verificar se envolvem ou no relaes de proporcionalidade directa, resolvendo depois questes, como no exemplo que se segue:

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A Joana pintou as paredes do seu quarto com uma cor que criou, misturando as cores amarelo e azul. Para cada duas doses de amarelo juntou trs doses de azul. a) Se a Joana colocar num recipiente 45 doses de azul, quantas doses de amarelo dever juntar para obter a cor que criou? b) Se a Joana colocar num recipiente 14 doses de amarelo e 15 doses de azul obtm a cor com que pintou as paredes do seu quarto? c) E se a Joana colocar num recipiente 18 doses de amarelo e 27 doses de azul obtm a cor que inicialmente usou? Para manter sempre a mesma cor, a Joana tem que usar amarelo e azul sempre na mesma proporo. Trata-se, portanto, de uma relao de proporcionalidade directa. Podem resolver a alnea a) usando a propriedade fundamental das propores, recorrendo razo unitria (para 1 dose de amarelo, usar 1,5 doses de azul), ou usando, ainda, outras estratgias. Na alnea b) pretende-se que os alunos concluam que a igualdade2 14 no se verifica, pelo que a cor que se obtm no a mesma. Na alnea c) devem = 3 15

confirmar a existncia de igualdade entre as duas razes. Exemplo 4 Utilizao dos smbolos , =. Os sinais que estabelecem a relao de menor, de maior ou de igualdade podem surgir em situaes que apelem identificao de relaes entre os nmeros como as que se apresentam de seguida:

Completa os com os smbolos ou =, de modo a obteres afirmaes verdadeiras. Explica o teu raciocnio. 38 + 45 40 + 45 39 + 42 35 + 42 38 + 47 40 + 43 41 + 45 40 + 43 34 + 40 40 + 43 52 27 55 32 52 29 50 25 52 32 52 27

A apresentao, por parte dos alunos, do raciocnio que realizaram para obter a sua resposta fundamental para identificar as relaes que conseguem estabelecer. Nesta tarefa no se pretende que os alunos calculem o valor de cada expresso numrica para indicar o sinal correcto em cada situao. Pelo contrrio, devem analisar as diversas expresses numricas e procurar relaes entre os nmeros que as compem. Por exemplo, comparando directamente os nmeros envolvidos, podemos concluir que as 31

expresses 38 + 45 e 40 + 43 representam o mesmo valor na verdade, 40 tem mais 2 que 38 mas, em compensao, 43 tem menos 2 que 45. Alm disso, da anlise de

40 + 45 e de 41+ 45 ressalta que 45 est presente em ambas as expresses e que 40 menor do que 41, pelo que se conclui que 40 + 45 < 41 + 45 . No caso da operao de subtraco, na situao 52 27 invarincia do resto). Exemplo 5 Ordenao de nmeros racionais. A partir do 2. ciclo, os alunos devem saber comparar e ordenar nmeros racionais representados nas formas decimal e fraccionria, identificando relaes entre os nmeros e recorrendo s suas propriedades.

50 25 , tanto ao aditivo como ao subtractivo de

52 27 foi subtrado 2 para obter 50 25 o que no altera a diferena (propriedade da

Observa os nmeros racionais seguintes:0,75 2 5 2 8 0,1 9 10 0,3 6 12

a) Indica os que so menores que

1 . Explica o teu raciocnio. 2

b) Representa na recta numrica todos os nmeros racionais indicados:

Nesta tarefa, os alunos comparam todos os nmeros racionais dados com

1 . 2

Podem faz-lo com base na representao decimal de cada nmero ou recorrer sua compreenso de fraco e ao conhecimento de fraces equivalentes. Na representao na recta podem comear por marcar1 e usar as concluses a que chegaram na alnea 2

anterior para assinalar os restantes nmeros na recta. Como a unidade est dividida em dez partes, ser vantajoso que os alunos identifiquem algumas relaes, como por exemplo,2 1 2 4 = = 0,25 e = . 8 4 5 10

Exemplo 6 Desigualdades. Os alunos podem tambm resolver outros tipos de questes envolvendo desigualdades. Por exemplo:

32

Utilizando os nmeros naturais e o zero, indica, para cada um dos casos, os valores que os tornam afirmaes verdadeiras:

l , basta considerar c > 24 . No 3. ciclo esta situao pode ser explorada no mbito do tpico Funes.

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4.2.2. Relaes envolvendo quantidades desconhecidas Exemplo 10 Descobre o preo. O problema que apresentamos, em seguida, procura iniciar o trabalho de anlise de relaes com uma varivel. A quantidade desconhecida inicialmente tratada como um objecto que pode ser manipulado, permitindo depois determin-la.

Eva e Rui tinham a mesma quantia de dinheiro no bolso. Foram a uma loja comprar cadernos escolares iguais. Quando saram, cada um tinha na mo o que a figura apresenta. Determina o preo de um caderno.

Qualquer dos dois amigos comprou pelo menos um caderno. O Rui comprou apenas um caderno e ainda lhe restaram 2,75 euros. A Eva comprou dois cadernos e restaram-lhe 1,5 euros. Comparando as duas situaes, verificamos que um caderno e 1,5 euros da Eva valem o mesmo que a quantia de dinheiro do Rui, ou seja, 2,75 euros. Facilmente se determina agora que um caderno custou 1,25 euros. O professor pode ainda questionar os alunos sobre a quantia total que possua cada um dos amigos antes de entrar na loja. Exemplo 11 Saltos na recta32. Esta tarefa procura salientar o significado de equivalncia do sinal de igual com base no trabalho com a recta no graduada. Esta representao permite resolver problemas com valores desconhecidos (incgnitas) dando nfase equivalncia de expresses:

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Numa actividade de Educao Fsica, o professor props aos seus alunos realizar dois tipos diferentes de percurso sobre uma linha com o mesmo comprimento, um constitudo por saltos (todos com o mesmo comprimento) e outro por passos (tambm todos com os mesmo comprimento). A Anabela fez o percurso A e a Beatriz fez o percurso B:

A

B A quantos passos corresponde todo o percurso? Parte do percurso em A e em B igual. Ambos iniciam com trs saltos, pelo que este incio do percurso, numa primeira fase, no nos d muita informao. A parte final de ambos os percursos d-nos mais informao. Comparando os dois casos, verificamos que um salto e um passo equivalem a cinco passos, donde se conclui que um salto equivale a quatro passos. Com esta informao podemos j indicar que cada percurso corresponde a dezassete passos no total. O professor pode pedir aos alunos que marquem ambos os percursos numa recta de modo a facilitar o estabelecimento de relaes entre eles, como mostra a figura:

Recorrendo linguagem algbrica, a situao pode ser traduzida por uma equao equivalente a 3 x + 5 = 4 x + 1 . Novas situaes podem ser propostas dando apenas as indicaes por escrito e solicitando aos alunos que representem a situao na recta e determinem a soluo do problema.

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Exemplo 12 Relaes com duas variveis33. A situao que se segue pode ser resolvida por meio de um sistema de duas equaes a duas incgnitas. Contudo, tambm pode ser trabalhada com os alunos antes de se iniciar o estudo desse tpico. O que se pretende que os alunos estabeleam relaes entre os dados a que tm acesso.

Em duas lojas foram colocados na montra os mesmos artigos mas em quantidades e disposies diferentes. A montra A tem um valor total de 37,35 euros e a montra B tem um valor total de 58,95 euros. Descobre o preo de cada um dos artigos. A B

37,35

58,95

Podemos comear por considerar o par de tnis e o relgio como um todo. Da primeira montra conclumos que o par de tnis e o relgio custam 37,35 euros. Como os produtos so iguais em ambas as montras, tambm na montra B o par de tnis e o relgio custam 37,35 euros. A montra B tem mais um par de tnis do que a montra A e o seu valor acresce 21,60 euros. Ficamos assim a saber que o par de tnis tem um preo de 21,60 euros. Usando, por exemplo, a informao da montra A fazemos 37,35 21,60 e obtemos o preo do relgio. Este tipo de tarefa abre caminho para uma posterior formalizao. Se x representar o preo do par de tnis e y o preo do relgio, um sistema de duas equaes correspondente a este problema :

x + y = 37,35 2 x + y = 58,95

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5. Sequncias e regularidades

O tpico Sequncias e Regularidades percorre todo o ensino bsico, tendo como principal objectivo contribuir para o desenvolvimento do pensamento algbrico dos alunos. No 1. ciclo, este tpico integra o tema Nmeros e operaes, envolvendo a explorao de regularidades numricas em sequncias e em tabelas de nmeros. Os alunos identificam a lei de formao de uma dada sequncia e expressam-na por palavras suas. Este trabalho contribui para o desenvolvimento do sentido de nmero nos alunos e constitui uma base para o desenvolvimento da sua capacidade de generalizao. Nos 2. e 3. ciclos, este tpico est includo no tema lgebra, envolvendo tanto a explorao de sequncias como o uso da linguagem simblica para as representar. No 2. ciclo, os alunos contactam com conceitos como termo e ordem. No 3. ciclo, usa-se a linguagem algbrica para expressar generalizaes, nomeadamente para representar o termo geral de uma sequncia e promover a compreenso das expresses algbricas e o desenvolvimento da capacidade de abstraco nos alunos.

5.1. Conceitos fundamentais e aspectos da aprendizagem

5.1.1. Sequncias e regularidades 1. Sequncias pictricas e numricas. Ao longo de todo o ensino bsico, os alunos trabalham com sequncias pictricas e numricas. Na anlise de uma sequncia pictrica identificam regularidades e descrevem caractersticas locais e globais das figuras que a compem e tambm da sequncia numrica que lhe est directamente associada. O trabalho com sequncias pictricas e com sequncias numricas finitas ou infinitas (estas ltimas chamadas sucesses) envolve a procura de regularidades e o estabelecimento de generalizaes. Note-se que a descrio dessas generalizaes em linguagem natural j exige uma grande capacidade de abstraco. A sua progressiva representao de um modo formal, usando smbolos matemticos adequados, contribui para a

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compreenso dos smbolos e da linguagem algbrica, nomeadamente a compreenso da varivel como nmero generalizado e das regras e convenes que regulam o clculo algbrico. Ao longo de toda a escolaridade, a anlise de sequncias permite aos alunos progredir de raciocnios recursivos para raciocnios envolvendo relaes funcionais. Como refere o NCTM (2007), o trabalho com sequncias pode constituir uma base para a compreenso do conceito de funo. Note-se, ainda, que nos primeiros anos, a generalizao exprime-se na linguagem natural dos alunos. As tarefas envolvendo generalizaes, para alm de promoverem a capacidade de abstraco, visam tambm desenvolver a capacidade de comunicao e o raciocnio matemtico. 2. Sequncias repetitivas e sequncias crescentes. Neste captulo, abordamos dois tipos principais de sequncias, as repetitivas e as crescentes. Numa sequncia repetitiva h uma unidade (composta por diversos elementos ou termos) que se repete ciclicamente, como na figura seguinte:

A11A11A11A11 vermelho, amarelo, verde, vermelho, amarelo, verde, vermelho, amarelo, verde, Dada uma sequncia repetitiva com uma unidade de comprimento n, a determinao do elemento seguinte pode ter por base duas caractersticas: (i) a existncia de uma igualdade entre cada elemento da sequncia e um dos primeiros n elementos; (ii) a existncia de uma igualdade entre cada elemento da sequncia e o elemento n posies antes dele. Ao analisar este tipo de sequncias os alunos tm oportunidade de continuar a sua representao, procurar regularidades e estabelecer generalizaes. A compreenso da unidade que se repete pode no ser facilmente conseguida pelos alunos nos primeiros anos do ensino bsico, mas possvel desenvolv-la progressivamente. A percepo da unidade que se repete permite determinar a ordem de diversos elementos da sequncia por meio de uma generalizao. John Threlfall34, num estudo realizado com crianas entre trs e cinco anos de idade, considera que o uso de sequncias repetitivas constitui um veculo para o trabalho com smbolos, um caminho conceptual para a lgebra e um contexto para a generaliza-

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o. Faz notar, no entanto, que as crianas mais novas podem continuar as sequncias repetitivas usando mtodos rtmicos sem compreender a unidade. A regularidade que ocorre tem por base um ritmo que lhes permite continuar uma sequncia. Aponta, no entanto, que a abordagem rtmica no suficiente para generalizar a sequncia. Para que tal acontea necessrio que os alunos compreendam qual a unidade que se repete. As crianas mais pequenas nem sempre o conseguem. Assim, o autor sugere que o trabalho com sequncias repetitivas seja continuado para alm dos primeiros anos, com o intuito de aprofundar a explorao da sequncia baseada na compreenso dessa unidade. Com alunos mais velhos, possvel estabelecer generalizaes significativas. Pelo seu lado, as sequncias crescentes so constitudas por elementos ou termos diferentes. Cada termo na sequncia depende do termo anterior e da sua posio na sequncia, que designamos por ordem do termo. As sequncias crescentes podem ser constitudas por nmeros ou por objectos que assumem uma configurao pictrica, como na figura seguinte:

5, 10, 15, 20, 25, 1, 4, 7, 10, 13, 16, 1, 4, 9, 16, 25, 36,

3. Diferentes possibilidades de continuao de uma sequncia. Dados alguns termos de uma sequncia, os alunos podem ser questionados quanto continuao da sequncia, identificando alguns dos termos seguintes. Nesta situao, o professor deve atender possibilidade de os alunos interpretarem os termos apresentados de diferentes maneiras, identificando relaes entre eles e, por isso, continuarem a sequncia de modos distintos. Dada a possibilidade dos alunos apresentarem sequncias diferentes mas com alguns termos em comum, torna-se fundamental solicitar-lhes que apresentem o seu raciocnio e justifiquem as suas opes. Alm disso, em algumas tarefas podem ser dados um ou mais termos da sequncia, que no sejam termos iniciais, pedindo aos 42

alunos para indicar termos anteriores. Analisamos, de seguida, situaes que proporcionam o surgimento de vrias sequncias. Exemplo 1 Sequncia repetitiva35. Consideremos os trs primeiros termos de uma sequncia repetitiva:

Os alunos podem, por exemplo, continuar a sequncia dos seguintes modos: a) (o conjunto que se repete formado por dois elementos: quadrado vermelho, rectngulo no quadrado azul) b) (o conjunto que se repete formado por trs elementos: quadrado vermelho, rectngulo no quadrado azul, quadrado vermelho) c) (o conjunto que se repete formado por cinco elementos: quadrado vermelho, rectngulo no quadrado azul, quadrado vermelho, crculo amarelo, crculo amarelo) Alm destas, existem muitas outras possibilidades de construir sequncias repetitivas a partir dos trs elementos dados. Exemplo 2 Sequncia numrica crescente. Consideremos a sequncia numrica cujos dois primeiros termos so: 1, 3, Questionados, por exemplo, acerca dos quatro termos seguintes, os alunos podem, tambm nesta situao, apresentar diferentes sequncias crescentes cujos dois primeiros termos so 1 e 3: a) 1, 3, 5, 7, 9, 11,

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(sequncia de nmeros mpares, justificando que a diferena entre dois termos consecutivos sempre dois) b) 1, 3, 6, 10, 15, 21, ... (sequncia dos nmeros triangulares, justificando que a diferena entre dois termos consecutivos tem sempre mais uma unidade que a diferena entre os dois termos consecutivos anteriores) c) 1, 3, 7, 13, 21, 31, (a sequncia das diferenas entre termos consecutivos a sequncia de nmeros pares)

5.1.2. Estratgias dos alunos na explorao de sequncias Numa sequncia pictrica crescente, quando solicitada a indicao de uma relao entre a ordem de um termo e algum aspecto da sua constituio, o aluno pode seguir diversas abordagens. De seguida, apresentamos algumas das estratgias que surgem com maior frequncia na investigao realizada neste mbito36, acompanhadas de exemplos. As duas primeiras referem-se sequncia que se segue:

1. Estratgia de representao e contagem. O aluno representa todos os termos da sequncia at ao termo solicitado e conta os elementos que o constituem para determinar o termo da sucesso numrica correspondente. Por exemplo, Matilde (7. ano) segue esta estratgia para determinar o termo de ordem 10 numa sequncia pictrica em que cada figura formada por um conjunto de pontos e onde so dados os trs primeiros termos:

Joana (7. ano) segue, tambm, esta estratgia para determinar o nmero de quadrados do 8. termo de uma outra sequncia pictrica da qual se conhecem os quatro primeiros termos: 44

Esta estratgia no evidencia uma generalizao de carcter global por parte do aluno, pelo que importante question-lo sobre o processo que usou para representar os termos da sequncia. Esta questo permite compreender que anlise o aluno faz da sequncia e que estratgia est, efectivamente, por trs da sua representao e contagem. Joana clarifica a anlise da sequncia que est na base da sua representao: Da figura dois para a figura trs tem que se acrescentar um aqui e um aqui [ver esquema].

2. Estratgia aditiva. Esta estratgia tem por base uma abordagem recursiva. O aluno compara termos consecutivos e identifica a alterao que ocorre de um termo para o seguinte. Esta a estratgia que se identifica no exemplo anterior e que Joana usa para generalizar, expressando-se em linguagem natural:

Esta estratgia muitas vezes constitui um obstculo determinao da relao entre cada termo e a sua ordem. Por outro lado, pode tambm conduzir a generalizaes erradas. Por exemplo, dado que, de um termo para o seguinte, o nmero de quadrados aumenta duas unidades, alguns alunos tendem a apresentar como termo geral da sequncia numrica relativa ao nmero de quadrados a expresso 2n. No entanto, esta estratgia tambm permite chegar ao termo geral. Para isso basta partir do 1. termo e considerar n saltos de 2 unidades. Assim, para obter o termo geral desta forma basta ter em conta o 1. termo da sequncia, o nmero de passos, enquanto nmero generalizado, e a diferena entre termos consecutivos. 3. Estratgia do objecto inteiro37. O aluno pode considerar um termo de uma dada ordem e com base nesse determinar o termo de uma ordem que mltipla desta. Por exemplo, o aluno determina o termo de ordem 10 com base no termo de ordem 5 ou determina o termo de ordem 36 com base nos termos de ordem 4 e 9, multiplicando-os.

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Esta estratgia conduz, muitas vezes, a generalizaes erradas, como no caso da sequncia seguinte:

Rafaela (7. ano) considera que o nmero de quadrados cinzentos do termo de ordem 10 o dobro do nmero de quadrados do termo de ordem 5. Tem, portanto, em conta, para diferentes termos, a razo entre as suas ordens. Para esta sequncia tal estratgia no d origem a uma resposta correcta, uma vez que h sobreposio:

Aps uma anlise mais atenta da composio dos termos da sequncia, os alunos podem verificar que, ao fazer a duplicao do termo de ordem 5, ficam com uma figura muito semelhante ao termo que pretendem obter mas que tem mais 3 quadrados cinzentos. Catarina (7. ano) explica como procedeu: Fiz o dobro do nmero de quadrados da figura cinco. Fiz 28 mais 28 e foi dar 56. Mas tive de retirar 3 quadrados. Com base nesta estratgia e analisando cuidadosamente os termos da sequncia, possvel determinar correctamente os termos de algumas ordens. No entanto, se no se observarem as propriedades da figura, a estratgia do objecto inteiro dificulta a generalizao. Na verdade, esta estratgia funciona perfeitamente quando h proporcionalidade directa (como em alguns dos exemplos anteriores) mas no funciona quando no h proporcionalidade (caso em que de usar outras abordagens, como mostramos a seguir). 4. Estratgia da decomposio dos termos. A decomposio de um termo de uma sequncia pictrica permite, muitas vezes, identificar o seu processo de construo, possibilitando a determinao de termos de ordem distante. Nesta estratgia, o aluno

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estabelece uma relao entre um termo e a sua ordem. A expresso algbrica que indica para o termo geral representa essa relao. Esta estratgia potencia o surgimento de diferentes expresses algbricas para generalizar a sequncia numrica associada sequncia pictrica em anlise, como mostram as respostas de trs alunos do 7. ano relativas sequncia seguinte:

Nmero de CD do 32. termo

Termo geral

5.2. Tarefas: Exemplos e ilustraes na sala de aula

5.2.1. Sequncias repetitivas no 1. ciclo As sequncias repetitivas so as mais simples e podem ser usadas para o trabalho inicial da procura de regularidades e da generalizao. Na sala de aula podem ter diferentes exploraes de acordo com o ano de escolaridade. Este trabalho pode incidir nos seguintes pontos:

(i) Continuar a representao da sequncia (representando os termos imediatamente a seguir aos dados); (ii) Identificar a unidade que se repete ciclicamente;

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(iii) Descrever uma relao entre os termos da sequncia e a sua ordem (com base no comprimento da unidade que se repete); (iv) Usar a relao entre o termo e a sua ordem na sequncia para indicar o termo de uma ordem (geralmente mais distante) e para indicar a ordem de um termo dado; (v) Expressar essa relao em linguagem natural e simblica (generalizar). Os termos de uma sequncia repetitiva podem ter apenas um atributo, como por exemplo, o tamanho, a cor, a orientao dos objectos, a forma, etc., como se verifica nos trs exemplos seguintes: (i) o tamanho (ii) a cor (iii) a orientao

Numa sequncia pode estar envolvido mais do que um atributo, como, por exemplo:

De seguida apresentamos vrios exemplos que podem ser utilizados na sala de aula com o objectivo de desenvolver a capacidade de generalizao dos alunos. Exemplo 3 Compreenso da unidade que se repete. A sequncia repetitiva da figura seguinte tem apenas um atributo a considerar, o tipo de objecto. Alm disso, tem apenas dois objectos diferentes:

Os alunos podem fazer a representao de alguns dos termos seguintes da sequncia, identificando a alternncia entre os dois objectos. Devem, ainda, associar cada termo a uma posio na sequncia. O professor pode, portanto, questionar, por

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exemplo, que objecto se encontra na quarta posio da sequncia, ou na nona posio da sequncia. Para promover a generalizao, pode pedir-se aos alunos que indiquem a ordem em que os termos surgem na sequncia, nomeadamente as borrachas:

Ao indicar a lei de formao da sequncia, os alunos podem ter apenas em ateno o seu comportamento rt