BRUNO, Fernanda - Membranas e Interfaces

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    Membranas e interf aces*

    Fernanda Bruno

    Um corpo s existe para ser outros corposWilliam Burroughs

    O corpo no centro da obra. No cenrio contemporneo da arte tecnolgica, so freqentes os

    projetos que exploram os limites expressivos, sensoriais e materiais do corpo a partir de dispositivos

    tecnolgicos. O corpo do artista tanto pode ser um ambiente onde ingressam microchips, microcmerase esculturas, quanto um ambiente estendido e amplificado por computadores, engenhos robticos e

    redes. Nos projetos interativos, o corpo do espectador - gestos, sopros, respiraes ou a sua mera

    presena fsica - entra em relao com sensores, sons, imagens, cmeras, redes e outros corpos,

    tornando-se ao mesmo tempo matria e co-autor da obra. Dentre os inmeros deslocamentos

    promovidos por esse movimento da arte contempornea, deslocamentos que afetam desde as noes

    de representao, presena, matria, fruio at as noes de autor, obra e espectador, interessa-nos

    aqueles que se passam na espacialidade do corpo. Ainda uma ressalva: a anlise destes deslocamentos,embora encontre na arte tecnolgica um campo privilegiado de visibilidade e expresso, no pretende

    ser uma reflexo sobre a arte, seus conceitos e condies de possibilidade, mas um breve mapeamento

    da condio do corpo no cenrio mais amplo da cultura contempornea.

    Duas vias de problematizao dos limites e fronteiras do corpo vm sendo exploradas pela arte

    tecnolgica: a primeira caracteriza-se pela intruso da tecnologia no corpo reconfigurando tanto o

    espao interno do corpo quanto a sua relao com a exterioridade e com tcnica, a segunda engendra

    processos de ramificao do corpo no espao externo - os dispositivos tecnolgicos, situados fora ou

    na superfcie dos corpos, multiplicam as suas capacidades de expresso, afeco e conexo, para alm

    da pele e dos limites territoriais naturais ou etolgicos.

    *Este artigo foi publicado no livro Que corpo esse?, organizado por Nzia Villaa, Fred Ges e Ester Kosovski, Riode Janeiro: Mauad, 1999

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    Tcnicas intra-corporais.

    Um novo jogo entre interioridade e exterioridade, orgnico e inorgnico, natural e artificial

    encenado pelo ingresso da tecnologia no corpo do artista. Ao implantar um microchip sob a pele e

    registr-lo num banco de dados pela Web, Eduardo Kac faz conviver, no espao subcutneo,

    memrias internas vividas e memrias artificiais externas1. A possibilidade de introduzir chips de

    memria no interior do corpo aponta, segundo o autor, para novas modalidades de experincia na

    cultura digital. A memria digital, quando armazenada nos computadores, constrange o corpo s

    formas cbicas e estticas do computador. Miniaturizada e biocompatvel, a tcnica oferece

    interfaces midas2 - sob a pele, a memria digital no concorre com a mobilidade do corpo. Se a

    motricidade do corpo mantm-se inviolada quando a tcnica torna-se intrusiva, o espao interno,

    subcutneo, abre-se a novas misturas e novos materiais; diante desse componente estranho que agorajaz dentro, o corpo cria uma camada de tecido conjuntivo em torno do microchip para evitar migrao.

    Este processo de ingesto da tecnologia vem sendo tematizado e realizado pelo performer

    australiano Stelarc como uma aposta na transfigurao do corpo e da condio humana. Em Escultura

    no Estmago3, o espao interno do corpo abriga tcnica e arte - o estmago deixa de ser

    exclusivamente um rgo com funes digestivas onde habitam elementos orgnicos e qumicos e torna-

    se um ambiente esttico para elementos estranhos nossa constituio estritamente humana,

    estritamente orgnica. A ingesto de uma escultura projetada para um corpo oco4e para um

    espao hospedeiro5 - um corpo sem limites ontolgicos definidos e um espao hospedeiro de

    substncia hbridas. O corpo orgnico - organizado - subvertido tanto no mbito da relao rgo-

    funo quanto no da relao corpo-tcnica: os rgos assumem novas funes ao mesmo tempo em

    que a tcnica deixa de habitar a extremidade ou a exterioridade do corpo. E, assim como a tcnica, a

    arte ingressa no corpo - como um corpo, no se observa mais a arte, no se age mais como arte, mas

    se contm arte. O corpo oco torna-se um hospedeiro, no para um eu ou uma alma, mas simplesmente

    1Kac, E. Time Capsule inGiannetti, C. (Org.).Ars Telemtica. Lisboa: Relgio dgua, 1998, p. 239.2Idem, p. 242.3Nesta performance, Stelarc projeta uma escultura para ser engolida e alojada no seu prprio estmago dilatado. Cf.Stelarc. Das estratgias psicolgicas s ciberestratgias: a prottica, a robtica e a existncia remota inDomingues,D. (Org.).A Arte no sculo XXI: a humanizao das tecnologias. So Paulo: Unesp, 1997, p. 52.4Idem, p. 57.5Ibidem.

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    para uma escultura6. Num projeto recente, ainda em fase de elaborao, Stelarc pretende adicionar

    uma orelha extra ao lado da orelha direita. O procedimento visado consiste em inserir um balo debaixo

    da pele e infl-lo gradualmente por aproximadamente 4 ou 6 semanas at que uma bolha de pele

    esticada seja formada. Remove-se o balo e insere-se, na bolsa de pele, uma cartilagem ou um plstico

    com o formato de uma orelha que talvez precise ser aparafusada no osso da face. A Orelha Extra

    ter sensibilidade, mas obviamente no poder ouvir. A idia a de que ela fale. Um chip de som

    implantado ser ativado por um sensor de proximidade caso algum chegue suficientemente perto. Por

    fim, o objetivo criar uma orelha que sussurre doces bobagens na outra orelha 7. Nestaperformance, a

    tcnica ingressa no corpo no para tocar o espao das cavidades internas ou profundas, mas para

    abrir um novo orifcio, uma nova superfcie de contato com a exterioridade, um novo rgo de sentido

    - uma orelha que fala e vibra diante da aproximao de corpos externos.Ainda que nos soe invasivo e nos cause desconforto, a abertura do interior do corpo a

    componentes tcnicos no mais to estranha cultura contempornea. As tecnologias biomdicas vm

    revelando o interior do corpo em funcionamento, em vida. Regies cada vez mais profundas e cada vez

    menores - rgos, tecidos, membranas, clulas, genes - tornam-se visveis por meio de tomografias

    computadorizadas, ressonncias magnticas, videolaparoscopias. O interior do corpo, essa regio de

    sombra que no podia ser vista do exterior, ao mesmo tempo em que era a condio de toda viso e

    explorao da exterioridade, perde progressivamente a sua opacidade. E no s para o olhar, como

    imagem, que o interior do corpo se revela, mas tambm para o tato, digo, a ao, a manipulao. A

    biologia molecular, ao revelar a estrutura do ADN, torna possvel manipular e modificar as menores e

    decisivas peas do nosso corpo, intervindo diretamente na informao biolgica que constitui a sua

    memria.

    A abertura dessas vias tecnolgicas de acesso ao interior do corpo inclui a manufatura de novos

    materiais capazes de penetr-lo e habit-lo. Desde o marcapasso cardaco, s placas de titnio e ao

    silicone, os artefatos tcnicos ingressam no corpo humano recompondo seu ritmo, sua estrutura ou

    remodelando sua forma. A cada dia menores e biocompatveis, esses artefatos prometem interfaces

    mais eficientes e digerveis entre o orgnico e o inorgnico. No novo campo das tcnicas e interfaces

    6Ibidem.7Cf. Stelarc.Extra Ear. Home Page: http://merlin.com.au/stelarc/index.html.

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    intra-corporais, a nanotecnologia8 exemplar. Manipulando tomo por tomo, pretende-se recombinar

    esta microestrutura da matria para fabricar robs, circuitos ou redes de extrema velocidade no

    processamento de informao, capazes de funcionar em escala molecular. Um dos objetivos permitir

    que esses artefatos miniaturizados penetrem no corpo humano para, por exemplo, auxiliar o sistema

    imunolgico ou reparar artrias danificadas. Outra possibilidade, pouco explicitada nos projetos oficiais

    e nos pedidos de auxlio financeiro, construir implantes de memria e estimulantes das demais

    faculdades mentais. Esses tecnoimplantes ou prteses interiorizveis desvinculam ou liberam o corpo

    de seus limites biolgicos. Se as neurocincias j permitem a ingesto de elementos qumicos que

    modulam o nosso comportamento e a nossa sensibilidade, as nanotecnologias prometem a ingesto de

    estimulantes tcnicos - pastilhas inteligentes - que no visam apenas suprir um dficit ou corrigir um

    desvio, mas superestimular e superexcitar as faculdades mentais que no mais estaro limitadas aocorpo orgnico e qumico9.

    Uma nova espacialidade, uma nova topologia do corpo vem sendo delineada por essas prticas

    de intruso tecnolgica. Segundo os padres clssicos do nosso corpo orgnico e biolgico, o contato

    com a exterioridade se d atravs da superfcie do corpo - pele e rgos do sentido; s a h

    membrana - filtragem e comunicao entre o dentro e o fora. Quando o estmulo atravessa a

    extremidade, ingressa num espao interno apartado do exterior at retornar como resposta, expresso

    ou ao no mundo. Agora, o mundo toca diretamente os rgos internos, os ossos, as artrias, as

    clulas. Esta nova forma de penetrao no corpo no pode deixar inalterados os limites entre a

    interioridade e a exterioridade. Sabemos que tais limites so dados pelo corpo - ele constitui tanto a

    fronteira quanto a mediao entre o interior e o exterior; tambm sabemos que esses mesmos limites

    no esto restritos ao corpo biolgico - o modo como o interior se projeta no exterior e vice-versa no

    unicamente determinado pela natureza do corpo. Esta ltima sabedoria relativamente recente no

    pensamento ocidental - simplificadamente, podemos afirmar que desde a segunda metade do sculo

    XIX, desde Marx, Nietzsche e Freud, a concepo da experincia do corpo e de sua relao com o

    8A nanotecnologia uma tcnica que age em escala molecular e que visa compor, manipulando tomo por tomo,matrias inteligentes miniaturizadas (um nanmetro corresponde bilionsima parte do metro) capazes de armazenaruma grande quantidade de informao e de processar em alta velocidade. Cf. Rosnay, J.LHomme Symbiotique . Paris:Seuil, 1995, pp. 259-61 e Lvy, P.LIntelligence Collect ive. Paris: La Dcouverte, 1994, pp. 50-62.9Cf. Virilio, P.A Arte do Motor. So Paulo: Estao Liberdade, 1996, pp. 91-114.

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    mundo inclui dimenses que ultrapassam os aspectos estritamente naturais. Abre-se uma nova zona de

    visibilidade do corpo, para alm de uma fisiologia ou anatomia puras, onde procura-se ler as

    inscries dos fatores econmicos e polticos, da moral, da cultura, dos fantasmas e dos investimentos

    de desejo que circunscrevem o modo como o corpo emprega a sua fora de trabalho, instintual ou

    pulsional.

    A partir da dcada de 60, acentuam-se as anlises que, de diferentes modos, procuram pensar

    o modo como o corpo - sua doena, sua sexualidade, seus prazeres, seus gestos e posturas, sua

    sensorialidade, sua relao com os objetos, o com o espao e com o outro - atravessado por

    instituies, instrumentos, saberes, poderes, etc.10. No interior destas anlises sobre a produo scio-

    cultural dos corpos, encontram-se tambm as que privilegiam a tcnica ou a tecnologia, consideradas

    como dispositivos de modulao do corpo11

    . Retomando a questo de que estvamos tratando - o quesignifica supor que os limites entre o dentro e o fora no so apenas dados pelo corpo natural, mas

    tambm pela tcnica?

    Nomeemos homem o animal cujo corpo abandona suas funes12, diz Michel Serres. Nossos

    rgos lanam suas funes originais no exterior e adquirem novas funes. A boca que um dia esteve

    restrita captura do alimento, agora fala ou significa; a mo-pata, que apoiava e locomovia, passou a

    pegar, depois a trabalhar, depois a escrever - e hoje pega, trabalha e escreve cada vez menos; a

    memria deixa o crebro, passa ao papel e agora aos chips13. O homem que abandona o seu corpo

    o homem que faz tcnica, que se desprende do aqui e agora das circunstncias, das imposies do meio

    ou das urgncias vitais e produz, projeta o que no estava a. aquele, portanto, que estabelece com a

    natureza - com o seu corpo e com o seu meio - no uma simples relao de acomodao ou

    adaptao, mas de transformao. Deste modo, no o corpo nu ou natural que estabelece a mediao

    ou a fronteira entre o homem e o mundo, mas um corpo atravessado, modulado pela tcnica - no por

    10Os trabalhos de Michel Foucault, Georges Vigarello e Alain Corbin so referncias importantes neste campo. Parauma anlise dos estudos sobre o corpo nos domnios da histria, da antropologia e da sociologia, Cf. SantAnna, D.B. O Corpo entre antigas referncias e novos desafios inCadernos de Subjetividade - Dossi Corpo. So Paulo,1997, pp. 275-284.11Tais estudos datam, em sua maioria, da segunda metade do nosso sculo e vm se tornando cada vez maisnumerosos desde a dcada de 70. Michel Serres, Donna Haraway, Franois Dagonet e Paul Virilio so refernciasimportantes no cenrio contemporneo dos estudos sobre a relao entre corpo e tecnologia.12Serres, M. Prface inTestart, J.LOeuf Transparent. Paris: Flammarion, 1986, p. 8.13Cf. Idem.

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    acaso que esta tambm se define como mediao. Mas isso no deve conduzir suposio de que a

    tcnica seja um mero prolongamento das funes do corpo - a compreendidas as cognitivas -, pois ao

    disseminar suas funes no espao externo, nem o corpo nem o mundo permanecem os mesmos - o

    interior e o exterior, bem como a mediao entre eles, ganham novos contornos. Com a escrita, por

    exemplo, um outro corpo e um outro mundo - um outro homem - advm: novas relaes entre os

    rgos (a boca que fala e a mo que escreve no tm a mesma relao que a boca que captura e a mo

    que locomove), novas experincias de tempo e espao, novos objetos, novas instituies, etc.. A

    interioridade e a exterioridade no so, pois, dimenses espaciais estticas, mas domnios relativos

    histria das mediaes onde as fronteiras entre o dentro e o fora no cessam de se alterar.

    Esse processo de descolamento e projeo das funes de nossos rgos entra numa nova fase

    quando projetamos artefatos tcnicos para habitar no apenas o espao externo, mas o interior docorpo. Habitando vsceras, rgos e tecidos a tcnica multiplica as membranas do corpo, tanto as

    internas quanto as externas. A orelha extra de Stelarc e o microchip de Kac ilustram bem essa

    multiplicao de membranas entre o dentro e o fora a partir do ingresso da tcnica no interior do corpo.

    Sob a pele natural, o microchip torna-se uma espcie de segunda pele criando uma nova zona de

    comunicao com o mundo. Enquanto a pele orgnica constitui o espao de troca de informaes entre

    o interior do corpo e o mundo local, ao mesmo que tempo confere um limite, um invlucro

    extremidade ou superfcie do corpo, a pele inorgnica contm informaes externas que, ao invs de

    migrarem para o interior do corpo, so enviadas para o mundo global, ampliando a conectividade do

    corpo para alm do aqui e agora. Do mesmo modo, a orelha extra amplia as camadas de sensibilidade

    na medida em que reage, falando, aproximao de outros corpos.

    Esse contato entre o orgnico e o inorgnico confere ao corpo novos ritmos e novos regimes de

    funcionamento que por sua vez alteram quantitativa e qualitativamente o modo como ele lida como as

    informaes externas. Ainda no sabemos ao certo que modalidades de experincia do corpo e do

    mundo derivaro da. Contudo, podemos perceber que este corpo com membranas cada vez mais

    fluidas e multiplicadas insinua um novo processo de individuao. O espao topolgico vital, proposto

    por Simondon, nos d algumas pistas para pensar tal processo. Recusando a topografia que supe um

    interior e um exterior absolutos, o autor prope, no domnio da individuao do organismo vivo, uma

    topologia de diversos nveis de interioridade e de exterioridade: o espao das cavidades digestivas

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    uma exterioridade em relao ao sangue que irriga as paredes intestinais; mas o sangue por sua vez um

    meio de exterioridade em relao s glndulas de secreo interna que derramam os produtos de sua

    atividade no sangue14. No vivo, o dentro e o fora so, portanto, um processo dinmico de mediao

    transdutiva de interioridades e exterioridades15. Esta topologia supe uma cronologia do vivo que no

    coincide com a forma fsica do tempo. O espao interior correlativo a um tempo sucessivo

    condensado, a um passado que est presente sem distncia e sem atraso16na medida em que o que

    foi produzido pela individuao no passado faz parte do contedo do espao interior que, por sua vez,

    est em contato topolgico com o contedo do espao exterior sobre os limites do vivo. A

    exterioridade , assim, um futuro: dizer que uma substncia pertence ao meio exterior significa dizer que

    ela pode advir. O presente , por fim, esta metaestabilidade da relao entre interior e exterior, entre

    passado e futuro17

    , relao que caracteriza o processo de individuao.Nas novas prticas de intruso tecnolgica, no apenas ingerimos elementos orgnicos e

    qumicos - com os quais temos um parentesco material -, ingerimos componentes estranhos nossa

    constituio natural que at ento no participaram da constituio da matria viva. Tais elementos,

    agora, habitam o interior do corpo e, logo, se integraro ao nosso passado, tornado biotecnolgico.

    Quando nos colocamos a questo acerca da experincia que teremos desse corpo, como interioridade,

    podemos perceber que ele se torna cada vez mais problemtico, isto , menos natural, habitual, familiar.

    J dissemos que at h pouco tempo, o interior do corpo era concebido como um espao que, em vida,

    era inviolvel, um espao fora do alcance da viso e da ao direta. Mudava-se a aparncia dos

    corpos, seus gestos, comportamentos e ainda que ingerssemos remdios ou realizssemos intervenes

    cirrgicas, essas aes sobre o corpo visavam recompor o seu estado natural. Hoje, parte das tcnicas

    intra-corporais prometem no apenas cumprir o papel de prteses que visam reparar as funes

    normais, mas ampli-las, estimul-las, transform-las ou mesmo criar novas funes.

    O interior do corpo sai, assim, do domnio da invisibilidade e da fatalidade e torna-se uma

    matria que pode ser manipulada, transformada e produzida. Torna-se fonte de problematizao na

    medida em que entra nos clculos sobre o que o indivduo pode ser, experimentar, sentir e tornar-se.

    14Simondon, G. (1964).LIndividu et sa Gense Physico-Biologique. Paris: PUF, p. 261.15Idem.16Ibidem, p. 263.17Ibidem, p. 264.

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    Assim como a medicina e a engenhara genticas fazem com que os traos genticos do nosso corpo

    deixem de ser a nossa herana irremedivel e tornem-se problemticos, ingressando no domnio de

    nossas aes, clculos e reflexes ticas, as prticas de intruso tecnolgica tornam o espao interno do

    corpo um campo a ser modulado por nossos desejos, temores, expectativas, etc. A gentica

    contempornea torna possvel gerir esse possvel em sono18que o nosso gentipo e, num mesmo

    movimento, faz surgir uma nova modalidade de doena que se manifesta no silncio dos rgos19,

    pois trata-se da enfermidade que eu posso vira a ter, a doena virtual, e no a doena atual que me

    informa, por dores, sintomas e sinais, sobre o estado do meu corpo presente. Os tecnoimplantes e

    prteses interiorizveis, assim como os diversos tipos de transplantes, permitem que o nosso corpo

    contenha outros corpos ou partes de corpos dos mais variados tipos e provenincias - nano-mquinas,

    circuitos eletrnicos, fgados de porco, coraes e crneas de homens mortos. Todos esses outroscorpos tornam-se parte da gesto e reflexo sobre o corpo individual, que agora confunde-se com o

    coletivo. Campanhas, discusses e debates ticos proliferam em nossa sociedade na tentativa de melhor

    gerir os bancos de rgos, espermas e sangues, assim como os projetos de implantes e prteses

    interiorizveis. O corpo implantado e transplantado um corpo cuja identidade tente a ser

    continuamente modulada e negociada entre o eu e o outro, o natural e o artificial, o humano e o no

    humano.

    Um dos problemas colocados nas anlises sobre as implicaes dessas mudanas o de como

    esses outros corpos podero integrar o interior do corpo sem violar sua integridade e sem abalar a

    experincia do corpo prprio20. A percepo do interior do corpo com a qual estamos habituados ,

    em situao normal, a de uma impresena21. Apenas em situaes no normais - na doena, na dor,

    no mal-estar - podemos viver ou sentir a presena do interior do corpo - rgos, fluxos, ritmos.

    Nestes momentos, o corpo se torna estranho, um a mais22, um espao problemtico suscetvel de

    18Serres, M., 1986, op.cit., p. 10.19A sade, at a dcada de 50 de nosso sculo, foi definida a vida no silncio dos rgos. Hoje, com a antecipaodas enfermidades virtuais, h doena no silncio dos rgos. Cf. Canguilhem, G. La Sant, Concept Vulgaire &Question Philosophique. Toulouse: Sables, 1990, p.10 e Bruno, F. Do Sexual ao Virtual. So Paulo: Unimarco, 1997,pp. 106-14.20Paul Virilio, Bernard Stiegler, Jol de Rosnay e Bernard Andrieu so alguns dos autores que chamam a ateno paraesse problema.21Gil, J.Metamorfoses do Corpo . Lisboa: Relgio dgua, 1997, 2 ed., p. 178.22Idem.

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    receber determinaes objetivas23. As prticas de intruso tecnolgica, j vimos, tornam problemtico

    o espao interno na medida em que ele deixa de ser apenas um dado natural e torna-se algo a ser

    produzido. Contudo, os mdicos, tcnicos e engenheiros moleculares trabalham para que, uma vez

    interiorizados, esses outros corpos no sejam percebidos como estranhos. Trata-se, aqui, de um tema

    to presente na tecnocincia, na arte e no design - a interface. Uma das tendncias visadas nos projetos

    de interfaces entre o homem e os objetos tcnicos a de torn-las invisveis, intangveis,

    desmaterializadas. Esta viso da interface ideal vai de par com a concepo de que a relao entre o

    indivduo e o mundo, bem como o limite entre o interior e o exterior no so determinadas por um

    corpo nu. Se a experincia do mundo atravessada por mediaes tcnicas, nada mais natural do que

    supor e projetar interfaces midas que diluam a fronteira entre o corpo e a tcnica, que promovam a

    iluso de eliminar mais uma barreira entre o dentro e o fora, de modo a constituir membranasbiotecnolgicas entre o homem e o mundo. Alojar a tcnica no interior do corpo um modo de torn-la

    invisvel e intangvel. A composio de materiais biocompatveis e a miniaturizao dos artefatos

    tcnicos visam tornar insensvel a sua presena e dot-los da propriedade original da percepo do

    interior do corpo - a impresena.

    Mas no s para o espao interno que a interface vem sendo pensada, inmeros projetos no

    campo da arte e da tecnocincia procuram desenvolver interfaces no invasivas a partir de dispositivos

    tcnicos que se alojam na superfcie dos corpos e ampliam suas possibilidades de expresso, conexo e

    comunicao com as mquinas e com corpos distantes. Passemos segunda via de problematizao

    dos limites e fronteiras do corpo.

    Tcnicas inter-corporais

    Nos trabalhos que promovem acoplamentos corpo-mquina ou corpo-rede, os msculos,

    ondas cerebrais e descargas eltricas do corpo do artista dialogam com sensores, eletrodos,

    dispositivos robticos, computadores e sistemas de comunicao, explorando novas possibilidades de

    expresso e conexo do corpo. Atau Tanaka faz msica com os seus msculos - sensores sobre o

    corpo, conectados a computadores, tornam as contraes musculares a fonte de sons para um

    23Ibidem, p. 180.

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    concerto24. Stelarc, em Third Hand, utiliza tcnicas mdicas, uma mo artificial e sistemas audio-visuais

    na realizao de uma performance que combina movimentos involuntrios, voluntrios e programados.

    O movimento do corpo natural improvisado; a mo artificial, acoplada ao brao direito como uma

    adio e no tanto como uma substituio prottica25, movimentada por sinais de EMG dos

    msculos de seu abdmem e de suas pernas, podendo assim efetuar movimentos independentes; o

    brao esquerdo natural agitado distncia, independentemente de sua vontade, por estimuladores

    musculares. Os sons do motor do mecanismo da Terceira Mo e os sinais dos estimuladores so

    utilizados como fontes sonoras. A iluminao composta como uma manifestao dos ritmos do

    corpo26. Norman White, em Telephonic Arm-Wrestling, disputa uma queda de brao, um brao-de-

    ferro transatlntico com um antagonista a 6.000 km de distncia27.

    Nas obras interativas, diversas partes do corpo do espectador - e no apenas os olhos e ocrebro - participam ativamente da composio da obra. Edmond Couchot, em colaborao com

    Michel Bret e Marie-Hlne Tramus, realizaram um dispositivo que permite ao observador soprar

    objetos virtuais (uma pena de pssaro, uma flor de anjinho) que reagem ao poder e a modulao deste

    sopro28. Em Intro Act, de Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, os corpos dos visitantes da

    instalao so imediatamente projetados num espao virtual tridimensional onde formas orgnicas

    abstratas so criadas, desenvolvidas, modificadas ou destrudas em sincronia com seus movimentos e

    gestos. Nos projetos interconectados em rede, vrias pessoas ou corpos participam da dinmica

    interativa, ultrapassando a relao dual obra/espectador.Body Withouth Organs29, uma obra realizada

    na Internet, constituda por pedaos de corpos de indivduos que, de diversos lugares do mundo,

    conectam as suas cmeras Rede e filmam parte do seu corpo ou de outra pessoa. Mais uma vez,

    Stelarc, em Stimbod30, realiza um software composto de uma tela sensvel ao toque em interface com

    um estimulador muscular mltiplo que permite a programao de movimentos involuntrios do corpo,

    24Cf. Costa, M. Corpo e Redes inDomingues, D., 1997, op. cit., p. 310.25Stelarc, 1997, op. cit., p. 56.26Idem.27Cf. Costa, M. O Sublime Tecnolgico. So Paulo: Experimento, 1995, p. 39.28Couchot, E. A arte pode ainda ser um relgio que adianta? O autor, a obra e o espectador na hora do tempo real inDomingues, D., 1997, op. cit., p. 138.29. Para uma breve descrio da obra, Cf. Giannetti, C., 1998, op. cit., p.267.30Stelarc, 1997, op.cit., p. 58-9

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    seja no prprio local ou em lugares remotos, atravs do toque nos muscle-sites do modelo do

    computador. H ainda projetos que promovem conexes entre o corpo do indivduo com o corpo da

    Terra - Sensorium31, um Web Site que procura explorar e expandir o potencial da Internet como um

    circuito para experimentar sensorialmente o mundo vivo, desenvolve projetos, no restritos Internet,

    onde se pode ouvir os sons, sentir a velocidade e experimentar fisicamente a temperatura da Terra.

    O que est em jogo, nessas obras e projetos, a amplificao e a ramificao do corpo atravs

    da tecnologia. Em alguns casos, a capacidade expressiva do corpo que encontra-se potencializada: o

    ritmo silencioso dos sinais musculares e as descargas eltricas do corpo tornam-se audveis e visveis

    quando acoplados a dispositivos tecnolgicos - compem msica, movimentam a mo robtica,

    orquestram a iluminao. A explorao de novas formas de expresso acompanhada de uma

    transformao da organizao natural do corpo e de uma fuga s cadeias operatrias cotidianas. Noso apenas os ouvidos, as cordas vocais e o crebro que produzem msica, mas msculos de diversas

    partes do corpo. Ao comportar um novo membro - a terceira mo - novos eixos de comunicao e

    contato so estabelecidos: abdmem-mo, perna-mo; e o membro natural - o brao esquerdo - deixa

    de responder aos sinais cerebrais passando ao comando dos sinais eltricos da mquina.

    Quando, nos projetos interativos, o corpo real do espectador funde-se com as imagens virtuais,

    amplia-se no apenas a sua capacidade de expresso, mas os seus limites sensoriais - no s no olho

    que se forma a imagem, mas no sopro, nos gestos e nos movimentos. As interfaces quase invisveis e

    desmaterializadas estabelecem um duplo fluxo de informaes entre o corpo e a mquina onde as

    fronteiras se diluem progressivamente, criando um espao de experincia comum - a obra. Como

    informao, o corpo expande suas membranas de contato com a exterioridade, misturando-se a dados

    numricos, imagens, sons. Interconectados em rede, os corpos expandem a sua capacidade de conexo

    no apenas com imagens e dados informacionais distantes, mas tambm com corpos remotos. Trata-se,

    aqui, de criar interfaces que ofeream formas de transduo e de afetao fsica dos corpos, para alm

    do espao etolgico. Ramificado, o corpo-rede pode acionar o corpo de um indivduo distante, assim

    como pode experimentar fisicamente a temperatura do Planeta.

    A tecnologia anima e redimensiona o corpo, reconfigurando o humano. Mais uma vez, essa

    imagem da relao entre o homem, seu corpo e a tcnica no est afastada das reflexes e prticas

    31. Cf. tambm Giannetti, C., 1998, op. cit., p. 271.

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    cotidianas da nossa cultura. Os artefatos tecnolgico no mais se reduzem a objetos inertes;

    apresentam-se em grande parte como espaos de experincia de si, do outro e do mundo e como

    ocasio de hibridao. Os computadores, a Internet, e a Realidade Virtual modulam nossas

    capacidades fsicas, sensoriais e cognitivas. As discusses e projetos sobre a interface com estes

    dispositivos tcnicos tambm apontam para a necessidade de miniaturizao, desmaterializao e

    produo de materiais biocompatveis que possam tornar-se mais ntimos e prximos do corpo. Mas ao

    invs de ingressarem no espao interior, esses dispositivos devem alojar-se na superfcie dos corpos,

    revestindo-o com uma espcie de segunda pele super-sensvel capaz de transduzir informaes entre o

    homem e a mquina de um modo cada vez mais direto e livre dos constrangimentos de peso, movimento

    e deslocamento no espao. O simples movimento dos olhos tende a substituir o mousecomo interface

    entre o homem e o computador32

    ; as pesadas e desconfortveis ferramentas de interface na RealidadeVirtual - videocapacetes e datagloves - vm sendo substitudas por pequenos e leves culos,

    biocaptores, etc.33; o passo seguinte criar interfaces biticas com o crebro e suas zonas visuais,

    olfativas, emocionais e motoras para a fazer nascer diretamente imagens, sons e sensaes34.

    A tcnica torna-se cada vez menor e mais invisvel para fazer crescer o corpo, para ampliar a

    sua conectividade e redimension-lo escala global. No tenho nem peso nem dimenso em qualquer

    sentido exato. Sou medido pela minha conectividade35. Crebros planetrios, hipercrtex,

    ciberpercepo, hiper-sujeito planetrio - eis algumas das imagens que ilustram essa nova dimenso de

    um corpo hbrido, coletivo, clonvel, ubiquitrio e teletransportvel - um corpo que est cada vez

    menos restrito ao invlucro orgnico e ao espao-tempo natural que vinham definindo o seu territrio. A

    possibilidade de experimentar sem corpo-presente, de prescindir do espao-tempo natural para

    perceber e sentir paisagens, objetos e corpos faz retornar o problema do corpo prprio, j levantado

    nas prticas de intruso tecnolgica. Tais experincias de ramificao e ampliao do corpo diluem a

    oposio entre o corpo-objeto, passvel de ser conhecido do exterior por analogia ao corpo do outro, e

    o corpo-sujeito, experimentado do interior e indisponvel explorao objetiva, pois no est jamais

    diante do sujeito mas o prprio sujeito como condio de toda explorao do mundo, corpo que no

    32Cf. Rosnay, J., 1995, op. cit., p. 120.33Cf. Idem, p. 135.34Ibidem, p. 137.35Ascott, R. Cultivando o Hipercrtex inDomingues, D., 1997, op. cit., p. 337.

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    se possui, mas corpo que se - corpo prprio36. O corpo-objeto acoplado e interfaceado com a

    tecnologia, pode perceber, sentir e tocar prescindindo em parte do corpo-sujeito que encontra-se, pois,

    parcialmente destitudo do lugar de condio de toda experincia. A experincia do corpo prprio, que

    testemunhava a ancoragem no mundo e constitua a condio de acesso aos objetos exteriores, perde

    seu privilgio de ser sempre presente e condio de toda presena. O corpo-objeto, por sua vez,

    tambm acha-se modificado na medida em que suas propriedades materiais no apenas se oferecem ao

    olhar desencarnado do cientista que apreenderia suas caractersticas gerais e estveis. O corpo-objeto,

    o corpo orgnico-material, torna-se ocasio de experincia e espao de transformao, o que permite

    aos artistas apontarem a necessidade de sua insero nesses novos processos do corpo. Diversificar o

    corpo em forma e funo potencializar as possibilidades de ser um corpo pela transformao dos

    meios de se ter um corpo. A arte engloba sistemas de transformao e procura maximizar umainterao com o seu meio. Isso tambm acontece com o corpo humano. Temos feito do corpo um lugar

    de transformao, de forma a transgredir as limitaes genticas. E procuramos maximizar a interao

    como o nosso ambiente, tanto o visvel como o invisvel, ao maximizarmos a capacidade do ambiente

    para um comportamento inteligente e antecipatrio. O artista reside no ciberespao enquanto que outros

    simplesmente o encaram como um instrumento37.

    Ao longo deste artigo vimos os deslocamentos dos limites e fronteiras que insinuam uma nova

    espacialidade do corpo na contemporaneidade. A concepo e a construo - pelas interfaces

    desmaterializadas - de corpos que jamais esto imediatamente no mundo, mas sempre mediados por

    dispositivos tcnicos, a abertura do corpo biolgico modulao tcnica, a capacidade de abandonar

    o corpo, desvencilhar-se dessa ancoragem e ainda assim poder sentir e explorar mundos - todas

    essas potencialidades, engendradas tanto pelas tcnicas intra-corporais quanto pelas inter-corporais,

    apontam para a transformao da experincia do corpo prprio fundada na oposio entre corpo-

    sujeito e corpo-objeto.

    Tal transformao tambm est articulada ao estatuto do conhecimento e da interveno

    cientfica e tecnolgica sobre o corpo. Quando a tecnocincia no mais se restringe s exigncias de

    objetividade que descreviam um corpo desencarnado e quando as mquinas ou artefatos tcnicos

    36Cf. Merleau-Ponty, M. (1945).Phnomnologie de la Perception. Paris: Gallimard.37Ascott, R. A Arquitetura da Ciberpercepo inGiannetti, C., 1998, op. cit., pp.166-7.

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    deixam de ser o modelo de um corpo regido pelo automatismo e tornam-se dispositivos de

    transformao e ramificao do corpo, rompe-se, ao menos em parte, com a herana cartesiana que se

    apresentava na cincia analisada e questionada pela fenomenologia do corpo-prprio38. Ter um corpo,

    at h bem pouco tempo, era uma fatalidade. E, nesta medida, a experincia de ser um corpo

    apresentava-se como aquilo que excede ao simples fenmeno biofisiolgico e se dirige ao sentido,

    experincia sempre inacabada, jamais totalmente constituda, pois relao com o Ser, abertura ao

    mundo. Nesta mesma perspectiva, a filosofia e a arte deviam afastar-se da cincia, pois ao invs de

    instaurarem a distncia que garante a objetividade, deviam conduzir-se ao que possibilita todo visvel.

    Do corpo sem interior e sem si39da cincia, distingue-se o meu corpo (que) ao mesmo tempo

    vidente e visvel ... um si, no por transparncia, como o pensamento ... mas um si por confuso40.

    Doravante, a experincia de ter um corpo ganha uma certa plasticidade e isto pode, sem dvida,no representar nenhuma transformao positiva ou mesmo indicar a radicalizao de um determinismo

    tecnolgico, mas tambm pode haver a uma ocasio para recolocarmos a questo acerca das

    possibilidades do corpo. Questo que encena uma nova modalidade de corpo-objeto e que vem sendo

    explorada pela arte tecnolgica. Problematizando as fronteiras do corpo e da tecnologia, a arte

    engendra, ao mesmo tempo, um espao de expresso, experincia e reflexo. Explorar as

    possibilidades do corpo pode ser, a, no uma mera reproduo das proezas tecnolgicas ou das

    descobertas cientficas, mas um questionamento dos limites com os quais vnhamos demarcando as

    condies de nossa experincia e de nossa humanidade.

    38Limitamo-nos, aqui, viso de Merleau-Ponty.39Merleau-Ponty, M. (1984). O Olho e o Esprito in Os Pensadores - Merleau Ponty. So Paulo: Abril Cultural, p. 89.40Idem, p. 88.