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EaD 1 POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD Coleção Educação a Distância Série Livro-Texto Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2009 Dejalma Cremonese POLÍTICAS PÚBLICAS

C-- Editora 2009-EAD-S rie Livr0006 - Capital … Programa de Mestrado em Desenvolvimento na Linha de Pesqui-sa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento. Atuo também no Depar- tamento

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POLÍTICAS PÚBLICASUNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD

Coleção Educação a Distância

Série Livro-Texto

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil2009

Dejalma Cremonese

POLÍTICASPÚBLICAS

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EaD Dejalma Cremonese

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2009, Editora UnijuíRua do Comércio, 136498700-000 - Ijuí - RS - BrasilFone: (0__55) 3332-0217Fax: (0__55) 3332-0216E-mail: [email protected]

Editor: Gilmar Antonio Bedin

Editor-adjunto: Joel Corso

Capa: Elias Ricardo Schüssler

Designer Educacional: Tania Rubin Deustschmann

Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:

Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

C915p Cremonese, Dejalma.

Políticas públicas / Dejalma Cremonese. – Ijuí : Ed.Unijuí, 2009. – 140 p. – (Coleção educação a distância.Série livro-texto).

ISBN 978-85-7429-797-2

1. Política. 2. Políticas públicas. 3. Estado. 4. Ciênciapolítica. 5. Democracia. I. Título. II. Série.

CDU : 32 321

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POLÍTICAS PÚBLICAS

SumárioSumárioSumárioSumário

CONHECENDO O PROFESSOR .................................................................................................7

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................9

UNIDADE 1 – A CIÊNCIA POLÍTICA E A QUESTÃO DO PODER E DO ESTADO........ 11

Seção 1.1 – Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política ............................... 12

Seção 1.2 – Campos de Investigação da Ciência Política ................................................ 13

Seção 1.3 – A Evolução da Disciplina ................................................................................ 14

Seção 1.4 – Métodos Comumente Empregados ................................................................ 16

Seção 1.5 – A Questão do Poder .......................................................................................... 18

UNIDADE 2 – A QUESTÃO DO ESTADO ............................................................................... 23

Seção 2.1 – Etimologia da Palavra Estado ......................................................................... 23

Seção 2.2 – Diferentes Entendimentos sobre o Estado .................................................... 24

Seção 2.3 – Os Elementos do Estado .................................................................................. 27

Seção 2.4 – O Estado e o Poder ........................................................................................... 29

Seção 2.5 – A Função do Estado ......................................................................................... 31

Seção 2.6 – Justificativas Teóricas do Estado .................................................................... 32

UNIDADE 3 – A TEORIZAÇÃO SOBRE O ESTADO MODERNO...................................... 35

Seção 3.1 – Maquiavel e o Estado Moderno ..................................................................... 36

3.1.1 – O contexto histórico: o Renascimento ....................................................... 37

3.1.2 – A realidade da Itália no tempo de Maquiavel e sua biografia ............... 39

3.1.3 – Síntese das idéias de O Príncipe ................................................................. 39

Seção 3.2 – O Estado para Hobbes ..................................................................................... 43

Seção 3.3 – O Estado para Locke ........................................................................................ 47

Seção 3.4 – O Estado para Rousseau ................................................................................. 49

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UNIDADE 4 – A CRÍTICA CONTRA O ESTADO NO SÉCULO 19 ......................................55

Seção 4.1 – O Anarquismo ....................................................................................................55

4.1.1 – Os principais representantes: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi ....56

Seção 4.2 – O Socialismo Utópico........................................................................................57

4.2.1 – Os principais representantes: Saint-Simon,

Fourrier, Owen e Louis Blanc........................................................................57

Seção 4.3 – O Socialismo Científico ....................................................................................58

4.3.1 – Os principais representantes: Marx e Engels ............................................58

UNIDADE 5 – CRISES E TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO NO SÉCULO 20 ..............63

Seção 5.1 – Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo .....................................64

Seção 5.2 – O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea............65

5.2.1 – A teoria das elites ...........................................................................................65

5.2.2 – A teoria pluralista ...........................................................................................69

5.2.3 – A teoria neomarxista ......................................................................................70

5.2.4 – A Teoria participacionista (MacPherson, Held e Pateman) .....................71

Seção 5.3 – A Procedência do Estado do Bem-Estar Social:

a Teoria Keynesiana e a Social-Democracia ..................................................74

UNIDADE 6 – ESTADO, SOCIEDADE E CIDADANIA NO BRASIL ....................................79

Seção 6.1 – Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público ............................81

6.1.1 – A “conquista” da terra brasilis .....................................................................81

6.1.2 – A escravidão ....................................................................................................82

6.1.3 – O analfabetismo .............................................................................................84

Seção 6.2 – A Formação do Estado no Brasil: Participação

Incipiente na Independência e na República .................................................85

6.2.1 – Um Estado sem nação ...................................................................................85

6.2.2 – Uma República sem povo ..............................................................................87

Seção 6.3 – Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira .........................88

Seção 6.4 – Os Direitos Sociais Emergem Quando

os Direitos Civis e Políticos Fenecem .................................................................92

Seção 6.5 – Síntese sobre o Estado e a Sociedade no Brasil ............................................94

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UNIDADE 7 – O ESTADO, AS CONSTITUIÇÕES E OS DIREITOS SOCIAIS

NO BRASIL: do Desenvolvimentismo aos Nossos Dias .............................. 103

Seção 7.1 – A Constituição de 1946 ................................................................................. 103

Seção 7.2 – Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar .................................. 104

Seção 7.3 – A Constituição Cidadã de 1988 .................................................................... 105

Seção 7.4 – A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais ...................................... 107

Unidade 8 – A REFORMA DO ESTADO NOS ANOS 90: O Neoliberalismo ................... 113

Seção 8.1 – Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo: Friedrich A. von Hayek ...... 114

8.1.1 – Hayek diverge de Keynes ............................................................................ 115

8.1.2 – A planificação estatal leva ao “caminho da servidão” .......................... 116

Seção 8.2 – As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo .......................................... 119

Seção 8.3 – Consenso de Washington: Revisão do Neoliberalismo .............................. 121

Seção 8.4. A Experiência Neoliberal do Brasil ................................................................ 123

8.4.1 – Conseqüências das políticas neoliberais no Brasil ................................. 125

Seção 8.5 – A Continuidade do Colonialismo ................................................................. 127

Seção 8.6 – A Crise Atual do Neoliberalismo .................................................................. 129

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 133

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Conhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o Professor

Sou Dejalma Cremonese, tenho 39 anos, nasci no dia 7 de

dezembro de 1968 no Centro-Serra do Rio Grande do Sul, mais pre-

cisamente no município de Arroio do Tigre (a uma distância de 243

Km de Porto Alegre). Sou o décimo terceiro filho de uma família de

pequenos agricultores e realizei meus primeiros estudos (Ensino

Fundamental) em uma escola interiorana da rede pública (1976-

1983). A continuidade dos estudos só foi possível graças ao meu

ingresso no Seminário Diocesano de Santa Maria – RS, onde con-

cluí o Ensino Médio, mais o curso propedêutico (1984-1987). Con-

tinuando os estudos, graduei-me em Filosofia (Licenciatura e Ba-

charelado) pela Fafimc de Viamão – RS (1988-1990). Ao retornar a

Santa Maria, cursei ainda 2 anos do curso de Teologia (1991-1992)

no Seminário Máximo Palotino. Minha Pós-Graduação foi em “Pes-

quisa Científica” (nível de Especialização) na FIC (1993-1994). Logo

após iniciei o Mestrado em Filosofia pela UFSM, o qual concluí em

1997. Quase uma década depois, em 2006, concluí o Doutorado em

Ciência Política pela UFRGS. Minha atuação profissional iniciou

em 1994 como professor nas turmas secundaristas do Colégio

Sant’Anna, em Santa Maria. Como professor universitário, lecionei

no Ensino de Graduação da FIC (hoje Unifra) em Santa Maria; tam-

bém atuei como professor substituto na UFSM no ano de 1995; fui

professor da Universidade de Cruz Alta (Unicruz) no período de 1997-

2002. Desde 1998 exerço as atividades acadêmicas na Universidade

Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).

Nesta Universidade, sou professor Associado 1 (40 horas), atuando

no Programa de Mestrado em Desenvolvimento na Linha de Pesqui-

sa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento. Atuo também no Depar-

tamento de Ciências Sociais da mesma Universidade nos seguintes

componentes curriculares: Ciência Política, Teoria Política, Teoria

do Estado e Sociedade, Política e Cultura. O meu eixo de pesquisa

está centrado nos temas da Democracia (teoria e processos demo-

cráticos), Cidadania (participação e inclusão social), Cultura Políti-

ca (Capital Social) e Desenvolvimento. Para maiores informações,

disponibilizo um site na Internet no seguinte endereço:

<www.capitalsocialsul.com.br>. Para contato direto informo o meu

endereço de e-mail: [email protected]

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POLÍTICAS PÚBLICAS

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação

Este texto tem como objetivo apresentar conceitos básicos de política, poder, Estado,

democracia, sob a ótica dos autores clássicos da filosofia política, da teoria política e da

ciência política. A partir destes conceitos gerais, discutir as origens históricas do Estado e

das legislações de proteção social no Brasil, especialmente sobre a questão da cidadania,

das políticas públicas, da governança e governabilidade.

Na 1ª Unidade o leitor encontra uma descrição conceitual da importância da ciência

política na compreensão da questão do poder e do Estado. A Unidade discute também algu-

mas definições gerais da ciência e da Filosofia política, as principais áreas de estudo, evolu-

ção e métodos da ciência política. Por fim, trata da questão do poder e do Estado.

A Unidade 2 destaca a questão do Estado. Apresenta também definições de Estado,

apresenta os elementos, a função, as justificativas teóricas do Estado e, ao final, a relação

Estado e poder.

A Unidade 3 trata da teorização do Estado Moderno (formação e evolução), discute as

idéias principais da obra O Príncipe, de Maquiavel, bem como as idéias principais dos teóri-

cos considerados contratualistas: Hobbes, Locke e Rousseau. Por fim, apresenta uma sínte-

se das principais idéias destes autores.

A crítica ao Estado no século 19 é a principal abordagem da Unidade 4. Para tanto

apresenta um debate das teorias anarquistas, do socialismo utópico e do socialismo cientí-

fico, aprofundando alguns aspectos do Manifesto Comunista, de Karl Marx.

A Unidade 5 aborda as crises e transformações do Estado no século 20, iniciando com

um debate sobre os intérpretes de Karl Marx, mais especificamente Lenin e Rosa Luxemburgo.

Mais adiante trata do Estado na Teoria Democrática Contemporânea (teoria das elites,

pluralistas e participativa) e finaliza com uma discussão sobre o Estado de Bem-Estar Social

(Welfare State) e sua aplicabilidade em países da Europa logo após a 2ª Guerra Mundial.

A Unidade 6 trata mais especificamente do Estado, da sociedade e da cidadania no

Brasil. Discute a dimensão da diminuta participação social na estruturação do Estado bra-

sileiro (Estado sem nação), das mazelas culturais e institucionais da política e da difícil

construção da cidadania (cidadania regulada, estadania).

A Unidade 7 enfoca os direitos sociais nas diferentes Constituições do Brasil.

Por fim, a Unidade 8 debate a questão do neoliberalismo (teorização), da reforma do

Estado no Brasil e trata ainda da crise atual do capitalismo na fase neoliberal.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1

A CIÊNCIA POLÍTICA E A QUESTÃODO PODER E DO ESTADO

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Evidenciar a contribuição da ciência política em seu aspecto abrangente (origem e desen-

volvimento da disciplina) para analisar a questão do poder e do Estado.

• Conceituar ciência política e apresentar as possíveis diferenças entre esta e a Filosofia

política.

• Apresentar as principais áreas de estudo da ciência política.

• Tratar da evolução da ciência política no Ocidente: do debate entre os pensadores clássi-

cos ao debate contemporâneo.

• Apresentar os métodos comumente empregados pelos cientistas políticos em suas pes-

quisas.

• Analisar a questão do poder e do Estado.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 1.1 – Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política

Seção 1.2 – Campos de Investigação da Ciência Política

Seção 1.3 – A Evolução da Disciplina

Seção 1.4 – Métodos Comumente Utilizados

Seção 1.5 – A Questão do Poder

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Seção 1.1

Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política

A ciência política dedica-se ao estudo dos fenômenos políticos e da atividade política

em geral (que ocorre em todas as organizações, sejam elas empresas, sindicatos, igrejas ou

organizações sociais).1 Assim, a política diz respeito a toda a forma de poder (ligada à toma-

da de decisões). A ciência política, como disciplina, observa a política de forma objetiva,

recorre ao método experimental, à observação, à formulação de hipóteses, a experiências e,

finalmente, à elaboração de leis conseqüentes, a repetição dos fatos com as mesmas reações

sociais e políticas. A ciência política analisa a política como ela realmente é, como as lide-

ranças (elites políticas) se movimentam e se articulam para conquistar, aumentar e manter-

se no poder. Como veremos mais à frente, o objeto específico da ciência política é tratar da

questão do poder e do Estado.

Para Bobbio (2000), a ciência política é compreendida como o estudo dos fenômenos

políticos conduzidos com a metodologia das ciências empíricas e utilizando todas as técni-

cas de pesquisas próprias da ciência do comportamento. Tem uma função essencialmente

descritiva ou explicativa (trata da política como ela é). O autor apresenta uma sensível

diferença entre a ciência política e a Filosofia política, embora a primeira provenha da se-

gunda. A Filosofia política, segundo Bobbio (2000, p. 13), trata do “projeto da ótima Repú-

blica” e da construção de um modelo ideal de Estado, como também faz uma descrição e

uma projeção em sua análise, buscando sempre o fundamento último do poder (legitimida-

de do poder).

Tratar da forma ideal do Estado e da política e refletir sobre qual o governo ideal é uma

atribuição da Filosofia política. Os pensadores antigos, como Platão e Santo Agostinho, se

encarregaram de refletir sobre as formas de governo e de Estados ideais. Inserida na Filoso-

fia política encontra-se a teoria política, tradição que se inicia entre os gregos. Em síntese:

na Filosofia política a política é concebida como descrição daquilo que “deve ser”. Por exem-

plo, a obra A República, de Platão, considerada o primeiro clássico da Filosofia política, é

uma descrição da ótima República, uma idealização racionalista. Também Morus, Hobbes,

Locke, Rousseau, Kant e Hegel são considerados filósofos políticos.

Já a ciência política pode ser definida como o estudo das estruturas, relações e dinâ-

micas entre as pessoas e estas dentro de um contexto político (um estudo da função gover-

namental de uma sociedade). A política refere-se a todos os aspectos relacionados a um

1 Para compreender melhor a diferença entre ciência política e Filosofia política, ler Bobbio (2000).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

sistema de governo. A ciência política é também chamada de ciência do Estado (Teoria do

Estado) e se ocupa com os elementos que o formam, as características que apresenta e suas

relações com outros conhecimentos. Assim, a ciência política se ocupa dos fenômenos polí-

ticos em conexão com o Estado, o descreve, o interpreta e o critica.

Em outras palavras, a ciência política não se interessa apenas pelas instituições polí-

ticas, mas também pelas idéias políticas, inclusive com as teorias do Estado, criadas pelos

filósofos políticos, e os princípios gerais da política que constituem o pensamento político

da massa e do povo (Cavalcanti, 1969).

Seção 1.2

Campos de Investigação da Ciência Política

Entre os campos de investigação da ciência política encontram-se delimitadas cinco

áreas de estudo:

a) o estudo do governo: ligado ao Direito Constitucional, ocupa-se com o estudo das insti-

tuições e procedimentos – legislativos ou poderes Executivos – até o estudo dos partidos

políticos. O estudo se ocupa também de padrões comportamentais e até que ponto insti-

tuições e procedimentos influenciam o comportamento);

b) a administração pública: analisa a estrutura e as características dos organismos públi-

cos, bem como as condições de emprego dos que dirigem esses organismos;

c) as relações internacionais: tratam da política entre nações;

d) o comportamento político: verifica como as pessoas fazem suas escolhas políticas no

contexto das eleições e analisa as elites políticas, membros de partidos, legisladores e

funcionários públicos;

e) estudo de análises políticas públicas: mais recente subsetor da ciência política,

tem origem na administração pública e diz respeito ao modo pelo qual o comporta-

mento dos agentes políticos pode afetar as decisões, enquanto a administração pú-

blica trata basicamente das estruturas e dos efeitos dessa estrutura (Outhwaite;

Bottomore, 1996).

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Seção 1.3

A Evolução da Disciplina

É atribuída a Aristóteles, na Grécia Antiga, a criação da ciência política.2 Mais tarde,

entretanto, no período renascentista e moderno (século 15 até 18), outros teóricos vão con-

tribuir para o desenvolvimento da ciência política. Especialmente Maquiavel, Bodin,

Montesquieu e Tocqueville tratarão de temas específicos da ciência política, como a ques-

tão do poder, do Estado, das formas de governo, da participação e da democracia. É, contu-

do, depois da primeira metade do século 20 (pós-1945) que a ciência política vai despontar

como uma disciplina autônoma. É importante destacar também que a ciência política é

uma ciência interdisciplinar, isto é, utiliza métodos de outras Ciências Sociais, principal-

mente a História, a Sociologia, a Etnografia e a Antropologia.

MAQUIAVEL

A questão do poder é central em Maquiavel, como: conquistar, manter, aumentar e

não perder o poder. Com Maquiavel abandona-se, enfim, a Cidade de Deus e os séculos de

agostianismo político. Maquiavel expulsa a metafísica e a moral das Ciências Sociais, sepa-

ra a ciência política da Teologia, liberta a política do aspecto religioso e do metafísico.

Maquiavel foi um observador, testemunha ocular dos acontecimentos políticos e, por isso,

um analista (utilizou o método da observação direta) ao estudar a realidade social como um

objeto. Escreve Maquiavel em O Príncipe: “Pareceu-me mais conveniente seguir a verdade

efetiva das coisas do que a sua imaginação”.

Maquiavel, na obra O Príncipe (1983), inicia a discussão teórica sobre o Estado refe-

rindo que: “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os

homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Em síntese, foi Maquiavel com O Prín-

cipe quem, por primeiro, fez uma análise objetiva da política. A política, o poder e o Estado

serão vistos sob um prisma diferenciado em comparação com as análises da política feitas

por pensadores anteriores (Platão e Santo Agostinho).3

2 Aristóteles, opondo-se ao seu mestre Platão, utilizou o método indutivo, empírico e histórico. Compilou e organizou 158 Constituiçõespor toda a Grécia, no entanto chegou até nós apenas a Constituição de Atenas.

3 Para um maior aprofundamento da teoria de Maquiavel, conferir a Unidade 3.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

TOCQUEVILLE

Da mesma forma, Alexis de Tocqueville utilizou a observa-

ção como método. Da sua observação direta dos fatos políticos

surgiu a obra A Democracia na América, que faz uma análise

completa e penetrante da sociedade americana. Com o objetivo

de estudar o funcionamento do regime político e analisar a vida

sociopolítica dos norte-americanos, Tocqueville chegou a Nova

York, em 1831, com 25 anos de idade. Como síntese dos seus es-

tudos, surgiu a sua principal obra, A Democracia na América (La

Démocratie en Amerique), cujo primeiro volume foi impresso em

1835 e o segundo, em 1840. Munido de instrumentos empíricos,

Tocqueville procurou construir teoricamente um “tipo ideal” de

democracia.

A CIÊNCIA POLÍTICA NO SÉCULO 20

No século 20 a ciência política surge definitivamente como

uma ciência autônoma (é necessário observar e conhecer os fa-

tos) e é nos Estados Unidos da América que a disciplina se de-

senvolve em duas escolas distintas: a primeira é a teoria

“institucionalista”4 e a segunda é a teoria behaviorista.

Os behavioristas fazem a observação sistemática do com-

portamento político. Para isso empregam métodos empíricos e

quantitativos, em outras palavras, consideram, além dos fatos,

as atitudes dos homens e das instituições. Os teóricos que defen-

dem esta corrente tiveram seu momento de ápice nos anos 50 do

século passado, no entanto confinaram-se na pura e simples des-

crição dos fatos.

Entre os anos 20 e 40, a ciência política ganha notoriedade

com os estudos concretos e empíricos, utilizando métodos quan-

titativos, elaborados pelos pesquisadores da Universidade de Chi-

cago. Harold Lasswell, importante pesquisador deste centro, in-

teressou-se por psicologia política (valores em uma sociedade).

Behaviorismo

(Behaviorism em inglês, debehaviour ou behavior (EUA):comportamento, conduta), é oconjunto das teorias psicológi-cas (dentre elas a Análise doComportamento, a PsicologiaObjetiva) que postulam ocomportamento como o maisadequado objeto de estudo daPsicologia. Comportamentogeralmente é definido por meiodas unidades analíticasrespostas e estímulos.Historicamente, a observação edescrição do comportamentofez oposição ao uso do métodode introspecção. Disponívelem: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Behaviorismo>. Acessoem: maio 2008.

4 A Teoria Institucional contribuiu para os estudos organizacionais ao seguirem uma ênfase sociológica, introduzindo variáveis comovalores compartilhados, busca de legitimidade e isomorfismo na análise sobre relações entre organizações e entre organizações eambiente.

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Da mesma forma, os estudos da cultura política de Gabriel Almond

e Sidney Verba ganham espaço e notoriedade.5 Outros temas da

ciência política ganham evidência com o passar do tempo: a par-

ticipação política tem sido objeto de estudo de Verba e seus asso-

ciados. Outros teóricos tratam da modernização, democratiza-

ção e performance governamental (a importância dos partidos

políticos para o processo democrático), bem como de estudos so-

bre as organizações governamentais, políticas públicas e política

econômica. A teoria da democracia tem sido tratada por Robert

Dahl, Arend Lijphart e Giovanni Sartori; já a democratização é

objeto de análise de Juan Linz, Larry Diamond, Phillipe Schmitter,

Guillermo O’Donnell e Samuel Huntington, entre outros.

Seção 1.4

Métodos Comumente Empregados

Entre os métodos comumente empregados pelos cientistas

políticos, pode-se citar o indutivo, utilizado por Aristóteles ao

compilar, documentar e analisar a Constituição de pelo menos

125 Cidades-Estado gregas; o método objetivo, adotado por

Maquiavel na conjuntura política da Itália renascentista; o mé-

todo da observação de Bodin; o método da observação sistemáti-

ca de Montesquieu e o da observação em profundidade de

Tocqueville ao utilizar o método científico da observação direta

dos fatos ao fazer uma viagem de estudos aos Estados Unidos

(1831), utilizando técnicas de entrevistas, lançando hipóteses de

trabalho, além da descrição minuciosa e esquadrinhada de uma

paisagem precisa. Tem-se ainda o método positivista de Comte,

que chega à ciência por meio da observação e da objetividade.

Como método a ciência política lança mão também das for-

mas quantitativas e qualitativas no sentido amplo e técnicas de

investigação no sentido estrito. A ciência política também utiliza

Método indutivo

Observação direta da natureza,dos fatos humanos e dos fatos

políticos para a sua análiseposterior.

5 Ronald Inglehart, Samuel Barnes e Robert Putnam são seguidores desta linha de pesquisa: cultura política.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

análises de documentos; observação direta (pesquisa de campo); apóia-se nas provas (aná-

lise dos fatos); pesquisa participante, questionários (surveys); entrevistas e grupos de dis-

cussão.

Em síntese:

a) Quanto à observação documental (pesquisa e observação):

– a ciência política é indutiva (parte dos fatos);

– é necessário pesquisar e analisar os fatos;

– fontes de documentação: são, essencialmente, escritas (livros, jornais, arquivos, filmes,

fotografias e gravações);

– trabalhos publicados;

– artigos de revistas.

b) Quanto à observação direta dos fatos (análise comparativa dos fatos), esta ocorre por

meio da observação extensiva e intensiva:

A observação extensiva dirige-se a grupos maiores, sendo realizada por meio de:

– amostragem aleatória ou por cotas – IBGE;

– interrogação dessa população: a pesquisa propriamente dita (questionário: perguntas

abertas e fechadas; aplicação dos questionários; número de perguntas; redação das

perguntas);

– aproveitamento dos resultados da pesquisa (apuração dos resultados, operação técni-

ca, codificação);

– publicação dos resultados.

A observação intensiva dirige-se a grupos menores, é mais apurada e mais profunda, reali-

zada mediante:

– entrevistas (formas e técnicas de entrevistas);

– observação – participação;

– experimentação de laboratório.

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Seção 1.5

A Questão do Poder

A ciência política é a ciência que estuda basicamente o poder e suas manifestações.6

Acredita-se que as relações de poder sejam um fenômeno próprio da natureza (aspecto bio-

lógico), na medida em que se percebem relações de poder também entre os animais: o mais

forte ou o mais velho comanda os demais. São, contudo, nas relações humanas que se evi-

denciam com maior clareza tais manifestações. Já nas sociedades humanas primitivas as

relações de poder (organização política) eram perceptíveis, os mais fortes, ou o caçador e ou

pescador mais hábil, ou o chefe espiritual (xamãs e sacerdotes), que se destacavam pela

liderança política diante dos demais membros da comunidade.

Com o passar do tempo o homem, aos poucos, desenvolve sua inteligência, o que

proporcionará o avanço tecnológico, igualando-se ao detentor do poder por meio da força

física. Nessa fase quem detinha o machado ou as lanças tinha, igualmente, o poder, pois

estes utensílios eram usados para a caça (garantindo a sobrevivência), para a proteção do

grupo e para a conquista de novos territórios. A tecnologia estendeu seus benefícios ao

homem na produção eficiente dos alimentos e dos agasalhos e, ainda, na incrementação do

cultivo intencional e organizado de plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e, na

América, do trigo) e do pastoreio de animais (ovelhas, bois, cavalos).

Percebe-se então que o poder não é apenas das forças ou das armas, é muito mais dos

que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio. Os constantes conflitos entre tribos primi-

tivas, assim como os freqüentes ataques e saques aos rebanhos e ao armazenamento de

alimentos, possibilitaram o surgimento de uma nova classe, a guerreira. Em outras pala-

vras, a classe militar. Desta realidade surgiu a institucionalização e as relações entre os

poderes, como o comandante versus comandado, e na escolha (seleção) de um novo coman-

dante na ausência ou morte do anterior. O poder esteve, então, desde sempre ligado à domi-

nação de uma classe superior em relação a outra inferior. O poder, portanto, sempre favore-

ceu os grupos dominantes (a teoria marxista defende esta idéia).

Falar em poder é tratar dos fenômenos ligados à força (coação e coerção). A coerção

pode ser de ordem física, econômica, ou até mesmo mediante a propaganda ideológica (que

não deixa de ser uma coação de ordem psicológica) que atua como anestesia na mente dos

indivíduos. Além destes fenômenos, podemos elencar ainda as crenças, um instrumento

mais facilitado de dominar, pois não utiliza, nem tem necessidade da força. O sistema de

6 Para aprofundar a questão do poder, ler Bobbio et al (1995).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

dominação por meio de crenças utiliza certos mitos tradicionais e o poder da legitimidade.

Estas idéias são defendidas por Weber, Aron e Duverger. Para Bobbio et al (1995), o poder

manifesta-se por meio da política (aqueles que comandam e dirigem os subordinados); da

economia (aqueles que são donos do capital: terra, indústria, bens, dinheiro, sobre os que

nada têm – operários) e da ideologia (formadores de opinião – propaganda).

Segundo Bobbio et al (1995), a palavra política, na sua concepção clássica, provém do

grego pólis (politikós), ou seja, tudo o que se refere à cidade, o que é urbano, civil e público.

Aristóteles, na obra A Política, contribui com o primeiro tratado sobre a natureza, funções e

divisões do Estado e suas várias formas de governo. Por muitos séculos o termo política

permanece com o desígnio de informar as atividades que se referem ao Estado. Na

modernidade, porém, o termo política será substituído por outras expressões, como “ciência

do Estado”, “doutrina do Estado”, “ciência política” e “filosofia política”.

A política inexoravelmente está ligada à concepção de poder. A política consiste, se-

gundo o entendimento de Hobbes (apud, Bobbio et al, 1995), “nos meios adequados à ob-

tenção de qualquer vantagem”; ou, como na visão de Russell (apud, Bobbio et al, 1995, p.

954), que vê a política como um “conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos dese-

jados”. Segundo Bobbio et al (1995), o poder é a imposição de um sobre o outro, é a impo-

sição de uma vontade sobre outra vontade. Já o poder político pertence à categoria do poder

do homem sobre outro homem, não à do poder do homem sobre a natureza. A relação do

poder político pode ser percebida de mil maneiras: por exemplo, na relação entre governantes

e governados; entre soberano e súditos; entre Estado e cidadãos; entre autoridade e obedi-

ência. Há, conforme Bobbio et al (1995), várias formas de poder do homem sobre o homem e

o poder político é uma delas. Já Aristóteles, no período clássico, distinguia três formas de

poder: o paterno, o despótico e o político. Da mesma forma John Locke, na obra Segundo

tratado sobre o governo, apresenta o poder paterno, que se sustenta na natureza; o poder

despótico, sustentado no castigo, e o poder civil, tendo como fundamento o consenso.

Na modernidade o conceito de poder resume-se, segundo Bobbio et al (1995), no po-

der econômico, no poder ideológico e no poder político. O primeiro é o que se vale da posse

de certos bens, necessários e considerados como tais: “numa situação de escassez, para

induzir aqueles que não os possuem a manter um certo comportamento, consistente sobre-

tudo na realização de certo tipo de trabalho” (p. 955). Estes são os donos dos meios de

produção, que têm a posse da terra e das indústrias e têm a empresa em seu nome. Em

oposição está o trabalhador, que nada tem a não ser a sua força de trabalho (mão-de-obra),

para, em troca, receber um salário mínimo.

O poder ideológico baseia-se na influência das idéias elaboradas pelo poder dominan-

te. Tais idéias são expressas, em determinadas circunstâncias, “por uma pessoa investida de

autoridade e difundida mediante certos processos, exercem sobre a conduta dos associados”

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(p. 955). Os formadores de idéias têm a função de consenso, isto é, de criar idéias que man-

tenham as estruturas intactas, preservando a classe dominante. A família, as religiões, a

escola, os meios de comunicação social e o Direito (lei) são alguns dos aparelhos (institui-

ções) que dão sustentação ao sistema.

O poder político tem a estrutura burocrática (administrativa) a seu favor. Assim, quem

detém o poder econômico e o poder ideológico tem, conseqüentemente, o poder político,

que se utiliza, muitas vezes, de instrumentos para exercer a força física (armas de toda

espécie e potência). É o poder que se utiliza da força (coação), empregando diferentes for-

mas de violência para garantir a permanência dos privilégios de determinado grupo. Dessa

forma, pode-se dizer que as três formas de poder se fundamentam e mantêm uma sociedade

de desiguais, “dividida em ricos e pobres, com base no primeiro; em sábios e ignorantes, com

base no segundo; em fortes e fracos, com base no terceiro; genericamente, em superiores e

inferiores” (Bobbio et al, 1995, p. 955).

A teoria marxista analisa a sociedade de acordo com esse esquema: a base real, ou

também chamada de estrutura, que compreende o sistema econômico e a superestrutura

que conta com a força do sistema ideológico, capaz de criar e disseminar idéias dos mais

variados tipos, utilizando a persuasão, ou, popularmente falando, a “cantada” para legiti-

mar os atos da superestrutura. Durante séculos perduraram dois tipos de poder: o espiritual

(que atualmente chamaríamos de ideológico) e o temporal, que unificou o dominium (do-

mínio) e o imperium (império).

O poder político diferencia-se dos demais por utilizar-se da força, visando sempre, se-

gundo Bobbio et al (1995, p. 957), à “monopolização da posse e uso dos meios com que se

pode exercer a coação física”. A teoria hobbesiana é evidenciada na estruturação do Estado

moderno, onde é evidente a conotação da força de um ser (Leviatã) sobre os demais (súdi-

tos). Os indivíduos (súditos) vivem no estado de natureza uma ameaça constante, vivem

com medo de morrer de forma violenta. Por isso, de certa maneira, os indivíduos abrem mão

da sua liberdade individual, dos seus direitos limitados e de sua liberdade e proteção

fragilizada para, mediante um pacto social, construir o Estado civil, ou seja, é a passagem

da apolitização e a-narchía do Estado de natureza para a sociedade civil organizada; os

indivíduos renunciam a sua força para confiar em uma pessoa ou assembléia que doravante

está autorizada, graças ao pacto, a proteger os súditos. Nenhum súdito deverá se indispor

contra ela sob pena de sofrer duros castigos. A partir do momento em que o súdito abrir mão

da segurança individual, ele está determinado a aceitar o que o chefe quiser.

Na teoria marxista fica explícita a autoridade coerciva do Estado, em que as institui-

ções políticas tendem a permitir que a classe dominante mantenha seu domínio por meio da

força. Por essa razão, Bobbio et al (1995) afirma que cada Estado é, e não pode deixar de ser,

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uma ditadura. A definição de Estado, na concepção de Weber (apud Bobbio et al, 1995, p.

956), é ainda mais forte ao afirmar que a violência do Estado está legitimada e amparada

pela lei: “Por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter político onde o

aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopó-

lio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”. Tal afirmação encontra

adeptos na ciência política contemporânea, em que os teóricos G. A. Almond e G. B. Powel

(apud Bobbio et al, 1995, p. 956) afirmam que “é a força física legítima que constitui o fio

condutor da ação do sistema político, ou seja, lhe confere sua particular qualidade e impor-

tância, assim como sua coerência como sistema”. A lei, segundo estes teóricos, é uma aliada

permanente do poder político: “As autoridades políticas, e somente elas, possuem o direito,

tido como predominante, de usar a coerção e de impor a obediência nela [...]”, junto com as

demais instituições que, igualmente, utilizam a força: “Quando falamos de sistema político,

referimo-nos também a todas as interações respeitantes ao uso ou à ameaça de uso de coer-

ção física legítima” (Almond; Powel apud Bobbio et al, 1995, p. 956).

SÍNTESE DA UNIDADE 1

Esta Unidade procurou definir ciência política e Filosofia política,

bem como identificar os campos de investigação da primeira. Mos-

trou a contribuição dos teóricos (Maquiavel, Bodin, Montesquieu

e Tocqueville) na evolução da disciplina até despontar como uma

ciência autônoma (século 20), utilizando-se, para tal, de métodos

de outras Ciências Sociais.

Por fim, a Unidade enfatizou a questão do poder, foco principal da

ciência política.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2

A QUESTÃO DO ESTADO

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Discutir a questão do Estado a partir de sua etimologia (origem).

• Apresentar diferentes definições sobre o Estado, segundo alguns comentadores.

• Elencar os elementos que compõem o Estado, a relação Estado e poder, a função e as

teorias justificativas do Estado.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 2.1 – Etimologia da Palavra Estado

Seção 2.2 – Diferentes Entendimentos sobre o Estado

Seção 2.3 – Os Elementos do Estado

Seção 2.4 – O Estado e o Poder

Seção 2.5 – A Função do Estado

Seção 2.6 – Justificativas Teóricas do Estado

Seção 2.1

Etimologia da Palavra Estado

De pólis advém o conceito de política, que é a ciência/arte de governar a cidade. Para

os romanos, a civitas ou res pública é chamada de status, que significa situação ou condi-

ção. E é na modernidade que o Estado surgirá como instituição, tal como o conhecemos

atualmente. Assim como encontraremos diversas grafias para a palavra (em francês Estado

será État, Staat para o alemão, Stato para o italiano e Estado para o espanhol e para o portu-

guês), também seu significado sofre alterações ao longo da História.

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A definição etimológica de Estado, segundo Dallari (1995), é que a palavra tem ori-

gem latina, status, que significa estar firme, denotando situação permanente de convivência

e ligada à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O Príncipe, de Maquiavel,

escrito em 1513. O conceito de Estado, portanto, na forma que o entendemos hoje, é recen-

te, uma definição moderna. Nem sempre o Estado, do modo que o conhecemos hoje, existiu.

Foi apenas no início da Idade Moderna (séculos 16-17) que se tornou uma realidade. Fran-

ça, Inglaterra, Espanha e Portugal foram os primeiros Estados a se unificarem.1 Maquiavel,

na obra O Príncipe (1513), inicia a discussão teórica sobre o Estado: “Todos os Estados,

todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas

ou principados”.2 Isso não significa, entretanto, que antes da formação do Estado moderno

não existissem outras formas de governo e de poder. Nas seções subseqüentes conheceremos

mais sobre o assunto.

Seção 2.2

Diferentes Entendimentos sobre o Estado

Entende-se o Estado como sendo um corpo de pessoas (unido por laços sociais) viven-

do num determinado território, organizado politicamente, estando subordinado à autorida-

de de um governo (poder jurídico e de coerção), capaz de garantir a soberania e o bem

comum.3

Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade que se constitui essencialmente de

um grupo de indivíduos unidos e organizados, permanentemente, para atingir um objetivo

comum. Essa sociedade política é determinada por normas de Direito Positivo, é hierarquizada

na forma de governantes e governados e tem como finalidade o bem público.

Esse Estado emerge na tentativa de superar o instinto natural do homem e instituir

definitivamente a sociedade política. Na visão de Azambuja (1971, p. 3), o instinto social

leva ao Estado, que a razão e a vontade criam e organizam. Assim, “a causa primária da

sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível” (Azambuja, 1971, p.

3). O Estado, então, é uma criação artificial do homem. O homem, desde seu nascimento,

encontra-se submisso à tutela do Estado. Mesmo contra a sua própria vontade, é obrigado

1 Segundo Schwartzman (1970), Portugal em 1600 já era Estado absoluto.

2 Conferir a obra O Príncipe, de Maquiavel (1983), principalmente o Capítulo 1 De quantas espécies são os principados e de que modosse adquirem.

3 Diferentes são os entendimentos sobre a questão do Estado, no entanto indica-se a leitura de Max Weber, principalmente a obra Ciênciae política: duas vocações (1999).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

a seguir os ditames do Estado, razão pela qual “da tutela do Estado o homem não se eman-

cipa jamais” (p. 3). Se eventualmente o homem transgredir as normas do Estado, ou não

acatá-las, sofrerá as sanções de tal procedimento. O Estado impõe pesados impostos, obriga

ao serviço militar (sacrificar a vida em uma guerra, “morrer pela pátria”), impõe a lei mesmo

contra a vontade dos cidadãos. Conforme Azambuja (1971, p. 5), “O Estado aparece, assim,

aos indivíduos e à sociedade, como um poder de mando, como governo e dominação. O

aspecto coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele editadas, suas decisões

obrigam a todos os que habitam o seu território”. O autor sintetiza a sua noção de Estado

como a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com

governo próprio e território determinado.

Os termos nação e Estado também são tratados por Lima (1957), que define Estado

como “uma nação organizada”. O autor inicia sua obra pela definição do termo nação,

entendendo-o como um vasto conceito e como a mais complexa das formas com as quais as

sociedades humanas se apresentam. O que antecede a nação é uma ordem civil, portanto

não existe nacionalidade onde não existir ordenamento civil. O conceito de nacionalidade,

em Lima (1957), fica atrelado aos conceitos apresentados pelo mesmo nas afirmações de

outros escritores. Assim, Lima (1957) cita H. Hauriou, que define o termo nação “como uma

população fixada no solo, na qual um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamen-

to da unidade do grupamento”. Cita, igualmente, o conceito de nação segundo o entendi-

mento de Jellinek:

quando um grande número de homens adquire a consciência de que existe entre eles um conjunto

de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são próprios [...]. O conceito de

nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de consciência (p. 4).

O conceito de Estado, em Lima, está ligado diretamente à organização política, em

que as condições físicas, biológicas, psicológicas, econômicas, intelectuais, morais e jurídi-

cas giram em torno de um governo que administra sob o poder de coação, de uma autorida-

de que provém do uso incontido da força. O autor argumenta que o Estado está igualmente

ligado ao Direito, ou melhor, o Estado está a serviço do Direito.

Outro autor que define Estado é Maluf (1995). Para ele, não existe uma definição

única de Estado. Há vários autores que tratam do tema, cada um com uma concepção ou

doutrina diferente. Segundo Maluf (1995, p. 11), o “Estado é o órgão executor da soberania

nacional [...] O Estado é apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização

dos fins da comunidade nacional [...]”. Ainda conforme Maluf (1995), o Estado é entendido

como a sociedade política necessária, dotada de um governo soberano, a exercer seu poder

sobre uma população, dentro de um território bem definido, no qual cria, executa e aplica

seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum.

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Já para Filomeno (1997), o Estado é um tipo especial de sociedade, sendo fundamen-

tal analisá-lo nos aspectos sociológico, político e jurídico. Com vistas a explicar sua origem,

estrutura, evolução, fundamentos e fins, explicita: “O Estado é um ser social e, portanto,

único, embora complexo e não simples, em atenção aos diversos aspectos que apresente:

método científico, método filosófico, método histórico e método jurídico” (Perez, apud

Filomeno, 1997, p. 17). O Estado deve estar a serviço do homem: o Estado, para Filomeno,

“é mero instrumento para a realização do homem, tendo em vista sua fragilidade e impossi-

bilidade de bastar-se a si mesmo” (p. 18).

Menezes (1996) ensina que o Estado é uma sociedade de homens, fixada em território

próprio e submetida a um governo que lhe é originário: “O Estado é uma pessoa politica-

mente organizada da nação em um país determinado”.

Na definição de Mann (1992), o Estado é constituído de quatro elementos funda-

mentais: o Estado é um conjunto diferenciado de instituições e funcionários, expressan-

do centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam de um centro para

cobrir uma área demarcada territorialmente, sobre a qual ele exerce o monopólio do

estabelecimento de leis autoritariamente obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos

meios de violência física. Tal posição encontra sustentação a partir de uma visão mista,

a qual foi referida originalmente por Max Weber. Parte-se do princípio de que o Estado é

um conjunto de instituições decorrentes do desenvolvimento de desigualdades sociais

quanto ao exercício do poder de decisão e mando. É classicamente identificado com a

idéia de soberano.

A idéia de Estado advém do desenvolvimento das formas de governo como resultante

das diversas maneiras de dividir o poder entre governantes e governados. O Estado é um

conjunto de instituições especializadas em expressar um dado equilíbrio e uma condensação

de forças favoráveis a um grupo e/ou uma classe social. Ele assegura a unidade de qualquer

sociedade dividida em interesses, particularmente de classes, mas também estamentais, pois

garante o monopólio (centralizado ou descentralizado) do uso da força nas mãos do grupo,

da classe ou do estamento dominante.

Para que o Estado funcione como tal, no entanto, é necessário um conjunto de ele-

mentos que lhe forneça sustentação, conforme será visto na próxima seção.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Seção 2.3

Os Elementos do Estado

Fazem parte do Estado, conforme Azambuja (1971), três elementos fundamentais: uma

população, um território e um governo independente, ou quase, dos demais Estados. Cada

elemento é essencial, “não pode existir Estado sem um deles” (p. 18). Da mesma forma,

Azambuja (1971) conceitua povo e nação como sendo integrantes da população de um

Estado. Povo é, segundo o autor, o grupo humano encarado na sua integralidade, numa

ordem estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis. O elemento

humano do Estado é sempre um povo, ainda que com ideais e aspirações diferentes. Já o

conceito de nação é entendido como “indivíduos que se sentem unidos pela origem comum,

pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns” (p. 19). O povo

é uma entidade jurídica, nação é uma entidade moral, é uma comunidade de consciências

unidas por um sentimento comum. O patriotismo é citado por Azambuja como exemplo. Os

conceitos de raça, língua e religião são conceitos coadjuvantes, não constituem a caracte-

rística fundamental da nação, mas o que une um povo até constituir uma nação é a identi-

dade de História e de tradição, em que o passado comum é condição indispensável para a

formação nacional.

Mancini (apud Azambuja, 1971, p. 22), professor de Direito Internacional de Turim,

em 1851 conceituou o termo nação da seguinte forma: “Nação é uma sociedade natural de

um homem, na qual a unidade de território de origem, de costumes, de língua e a comunhão

de vida criará a consciência social”.

Considerando ainda outros comentadores, pode-se citar, de forma resumida, quatro

elementos do Estado.4

O primeiro elemento é a população. Ela representa a massa total dos indivíduos que

vivem dentro dos limites territoriais de um país, incluindo os nacionais e os não-nacio-

nais. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Por

nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos perma-

nentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais – ou um grupo de indivíduos que se

sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais

e aspirações comuns.

4 Para Maluf (1995), os elementos que constituem o Estado são os materiais, compostos pela população e território; os elementosformais, constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico, e o elemento final, o bem comum.

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Pode-se citar, como exemplo de nações que não constituem

um Estado, a Espanha, catalães (Catalunha); os judeus, que até

1948 não haviam constituído um Estado; os bascos, na França e

Espanha, e na Irlanda o IRA. Outras nações procuram formar

um Estado: os eslavos, sérvios, albaneses e croatas – Guerra da

Bósnia (Bálcãs), gregos e turcos (Chipre), os curdos, muçulma-

nos (há no mundo cerca 1,3 bilhão de muçulmanos, que formam

a maioria da população ou minorias significativas em quase 60

países. A Organização da Conferência Islâmica, que pretende

assegurar o progresso e o bem-estar de todos os muçulmanos do

mundo, tem 57 países – membros). Dessa forma, é possível afir-

mar que não existe Estado sem nação, mas há muitas nações que

não constituem propriamente um Estado.

O segundo elemento do Estado é o território, o qual consti-

tui a base física propriamente dita, o âmbito geográfico da na-

ção, onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Também não

existe Estado sem território. Integram o território: o solo, o

subsolo, o espaço aéreo, as embaixadas, os navios e aviões de

uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas, no caso

brasileiro). Azambuja (1971) cita os judeus como um exemplo de

povo que até há pouco tempo era uma nação, mas não consistia

ainda um Estado, por faltar-lhe um território. Somente em 1948

formou-se o Estado de Israel. Da mesma forma, os nômades e os

ciganos, por exemplo, não constituem um Estado em função da

falta de um território próprio.

O terceiro elemento é o governo. Por governo entende-se a

instituição (de caráter temporário) responsável pela efetivação de

políticas públicas. O governo pode estar nas mãos de um partido

mais à esquerda, centro ou direita, nas mãos de líderes religiosos,

chefes tribais ou soldados armados. O governo é uma das mais

antigas instituições humanas. Para isso, volta-se às primeiras ci-

vilizações orientais da Babilônia, Síria e do Egito (6 mil anos

atrás...). O governo é, positivamente, o conjunto das funções

necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração

pública.

Bascos

Grupo étnico que habita partedo norte da Espanha e do

Sudeste da França. São nativosde Navarra. A intenção dessa

nação é formar um Estadoindependente (Pátria Basca eLiberdade, mais conhecidos

pela sigla ETA, grupo queadota a prática da luta armadae o terrorismo como meio dealcançar a independência da

região do país Basco).

Disponível em:<wikipédia.org/wiki/ETA>.Acesso em: mar. 2008.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Como formas de governo pode-se citar:

a) Unitário: governo centralizado, existente em mais de 50 Estados. Ex.: A Grã-Bretanha.

b) Estado Democrático/Federal: quando o poder do governo é dividido entre um governo

central e vários governos locais (divisão de poderes). Ex.: Estados Unidos (e seus 50 Esta-

dos), Austrália, Canadá, México, Alemanha, Índia, Brasil.

c) Governos Confederados: formam uma aliança de Estados independentes. O órgão central

do governo confederado tem o poder de tomar decisões pelos demais. A Comunidade dos

Estados Independentes, como os extintos em 1991 após a queda da União Soviética, é um

exemplo de Confederação.

Como sistemas de governo pode-se citar o presidencialista e o parlamentarista. O

presidencialista está intimamente ligado à separação de poderes: Executivo, Legislativo e

Judiciário (agindo de forma independente). O presidente é o chefe maior. Já no sistema

parlamentarista o chefe maior é o primeiro-ministro, o qual é escolhido pelo partido majori-

tário ou pela coalizão de partidos que fizeram maior número de assentos no Parlamento.

Por fim, o último elemento do Estado é denominado de soberania. Por soberania en-

tende-se, segundo Pinto (1975), “a capacidade de impor a vontade própria, em última ins-

tância, para a realização do direito justo”. Em outras palavras, a soberania significa auto-

nomia, sem intervenções externas. A soberania é a forma suprema de poder: é o poder in-

contestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre uma popu-

lação, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem comum.

Como será visto na próxima seção, dos elementos que constituem o Estado, o governo

será sempre o palco das maiores disputas e das decisões que mais repercutem na vida dos

indivíduos.

Seção 2.4

O Estado e o Poder

O Estado, sede do poder, torna-se palco de lutas políticas. Pelo fato de aqueles que

estão no poder gozarem de legitimidade, a oposição, às vezes, tem alternativa de aceitar os

procedimentos autorizados pelo aparelho do Estado ou de se arriscar a uma prova de força.

É preciso ressaltar que nunca houve na História um Estado que interviesse tanto no

cotidiano pessoal do indivíduo como ocorre na atualidade. Para Mann (1992, p. 169):

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[...] o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte, sem o nosso consentimento ou

o de nossos próximos ou parentes (o que o Estado, antes de 1850, nunca fora capaz de fazer); ele

estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações sobre cada um de

nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os lugares sob o seu domí-

nio; sua influência sobre a economia global é enorme; ele até provê diretamente a subsistência

da maioria de nós (via os empregos que oferece, as pensões previdenciárias, etc.).

Como se pode constatar, o Estado atual interfere na vida cotidiana mais do que qual-

quer Estado histórico. Seu poder infra-estrutural cresceu enormemente. Não há um lugar

para se esconder do alcance infra-estrutural do Estado moderno, conclui o autor. A partir

dessas afirmações, questiona-se: “Mas, afinal, quem controla esses Estados?” Mann (1992)

afirma que é “uma elite estatal autônoma”.

Mann (1992) enumera duas características do poder do Estado. A primeira seria o

poder despótico da elite estatal. O autor apresenta o exemplo do imperador chinês, que,

como filho do Sol, “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qual-

quer indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. O imperador romano, apenas um “deus”

menor, adquiriu poderes que, em princípio, também eram ilimitados fora da área restrita de

afazeres nominalmente controlada pelo Senado.

Alguns monarcas da época do início da Europa moderna também reivindicaram pode-

res absolutos, divinamente derivados, embora eles próprios não fossem divinos.

Em contrapartida, o poder infra-estrutural – segunda característica do poder estatal –

“é a capacidade do Estado de realmente penetrar a sociedade civil e de implantar

logisticamente as decisões políticas por todo o seu domínio” (Mann, 1992, p. 168-169). A

existência do Estado, que fundamenta a legitimidade e garante a continuidade do poder, é

também a condição para que se possa afirmar a superioridade da competência dos

governantes.

Com o surgimento da propriedade individual, nasce a divisão do trabalho, a sociedade

se divide em classes, como a dos proprietários e a dos que nada têm. Dessa divisão nasce o

poder político, o Estado, cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe

sobre outra, recorrendo, inclusive, à força e, assim, a de impedir que a sociedade dividida em

classes se transforme num estado de permanente anarquia. Mann5 (1992) apresenta três

formas de poder: o econômico – os que detêm a riqueza; o ideológico – os que se apossam do

saber, e o político – os que têm a força.

5 Mann (1992) corrobora com o pensamento de Bobbio ao definir as formas de poder, conforme visto anteriormente.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Mann (1992) apresenta outras funções do Estado, como a da manutenção da ordem

interna, servindo diretamente à classe dominante; a de defesa, a de agressão militar, dirigida

contra o ataque dos inimigos estrangeiros; a da manutenção das infra-estruturas de comu-

nicação (estradas, rios, sistema de mensagens, cunhagens, pesos, mercados...). A próxima

seção abordará esse tema de forma mais detalhada.

Seção 2.5

A Função do Estado

Ao Estado compete manter o equilíbrio da sociedade de classes, atuando sempre e

garantindo sua reprodução enquanto tal, “filtrando” as contradições em seu interior, uma

vez que para ele convergem as forças em choque. Só podemos entender um determinado

tipo de Estado a partir da análise das classes que o compõem. Assim, o Estado goza de certa

autonomia. Ele tem a função de direção, que implica pensar a longo prazo. Como visto na

seção anterior, as funções do Estado podem ser: a) técnico-econômica: tem por objetivo

viabilizar o objetivo econômico da(s) classe(s) dominante(s); b) função ideológica: de criar o

consenso e, c) função política: manutenção do nível da luta de classes por meio da coerção.

Para Weber, o Estado pode ser definido como uma empresa institucional de caráter

político, em que o aparelho administrativo leva adiante, em certa medida e com êxito, a

pretensão do monopólio da legítima coerção física, visando ao cumprimento das leis (eco-

nomia e sociedade).

Os objetivos da política são tantos quantos forem as metas a que se propõem os deten-

tores do poder em um determinado momento. Logo, o Estado não pode ser definido pelos

fins a que se propõe, mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da

política é a manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial

em relação aos demais Estados.

O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente.6

Por classes sociais entende-se, segundo Santos (1991), os agregados básicos de indiví-

duos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que desempenham no processo

produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre si nas organizações do traba-

lho e quanto à propriedade. As classes sociais compõem uma comunidade de interesses em

oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação social, ou sobreviventes de forma-

ções anteriores ou base de futuros agregados). Isto os faz tender a uma comunidade de:

6 Esta é a crítica feita por muitos autores das Ciências Sociais.

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a) consciência de classe: unidade de concepção de mundo e de sociedade segundo seus

interesses gerais de classe, o que dá origem a uma ideologia;

b) situação social: formas de comportamento, atitudes, valores, interesses imediatos, distri-

buição de renda, ação e interesse político diante dos partidos e do Estado.

Como “classe dominante”, pode-se citar ainda a burguesia: industrial (indústrias), a

financeira (bancos), a burguesia agrária (empresas rurais) e a burguesia comercial (lojistas

e atacadistas). Como “classe dominada”, o proletariado (dedica-se ao trabalho manual: ope-

rários, agregados, funcionários administrativos e não -manuais – trabalhadores

automatizados); as camadas intermediárias, compostas por pequenos empresários (presta-

ção de serviços, alfaiates, taxistas, profissionais liberais), e as camadas excluídas (sacoleiros,

catadores de papel, bóias-frias, camelôs).

Vamos refletir um pouco sobre como surgiu o Estado.

Seção 2.6

Justificativas Teóricas do Estado

Historiadores e teóricos da política, entre outros, têm se questionado sobre a possível

origem do Estado, mas poucos chegaram a um consenso. O que se tem é uma resposta

aproximada, porém não-conclusiva sobre a sua origem. Serão elencadas a seguir as princi-

pais teorias que tentam responder a esta controversa questão.

A primeira trata da teoria da força. Esta teoria defende que o Estado nasceu da força,

quando uma pessoa ou grupo controlou os demais (poucos submeteram muitos). Dessa

forma, o Estado surge com a luta de classes (visão marxista). Na concepção marxista o

Estado defende os interesses daqueles que pertencem à classe dominante (donos do poder

econômico). Para Marx, o Estado é visto como dominação de classe.7 Igualmente para Weber

(1999), o Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, tal

como é peculiar a qualquer outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física.

Consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento

da violência legítima. Weber, portanto, define Estado como uma “empresa institucional de

caráter político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a

pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”.

7 Da mesma forma, para Pateman (apud Held, 1991, p. 149), “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção ereprodução das desigualdades da vida cotidiana, enviesando decisões em favor de interesses particulares”.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

A segunda teoria é a teoria evolucionária. Segundo esta teoria, o Estado desenvolveu-

se naturalmente a partir da união de laços de parentesco, em que o mais forte (guerreiro,

caçador ou pescador mais hábil ou o mais velho) detinha o controle do poder. Evolução do

bando – clãs – tribos (caçadores e coletores nômades) até agricultores e pastores (nascimen-

to do Estado).

A terceira teoria é denominada de teoria do direito divino. Para os estudiosos que de-

fendem esta teoria, o Estado nasceu na Europa, entre os séculos 15 e 18. Defendem que o

Estado foi criado por Deus, e Deus delegou o poder divino de governar aos reis (despotismo

esclarecido). Como exemplo da teoria do direito divino pode-se referenciar as experiências

dos governos absolutistas de Henrique VIII e Luís XIV.

Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado.

Afirma Bodin (apud Chevallier, 1986, p. 61):

Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por

Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário

lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a

obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe

soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na Terra.

Da mesma forma, para Bossuet (apud Chevallier, 1986, p. 97-98), o rei é a própria

presença de Deus na Terra:

Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem

harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os

exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no mais alto dos

céus, governa a natureza inteira... Enfim, reúne tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre

a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado,

paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada

numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real.

Em outras épocas da História Antiga houve, igualmente, a teocracia como forma de

governo, como nos impérios egípcio e chinês, bem como entre os astecas e maias. Mais

próximo dos tempos, tem-se a experiência administrativa centralizada e autocrática do

Mikado, experienciada no Japão até 1945.

Por fim, a teoria do contrato social, a mais significativa das teorias da origem do Estado. O

Estado nasce do contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas Hobbes e

Jean-Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. Do “Estado de natureza” para o “Estado

civil”, sobre os quais aprofundaremos nosso estudo na próxima Unidade, em que vamos desen-

volver aspectos mais aprofundados sobre o Estado moderno a partir da leitura de Maquiavel em

sua obra O Príncipe, bem como a teoria contratualista de Hobbes, Locke e Rousseau. Vamos lá?

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SÍNTESE DA UNIDADE 2

Como é possível constatar, esta Unidade teve por objetivo

conceituar o Estado. Por isso, foi feita uma análise do Estado (fun-

ções, poderes, formas de poder, relações de classe), e abordadas,

também, as principais teorias que o justificam.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 3Unidade 3Unidade 3Unidade 3

A TEORIZAÇÃO SOBRE O ESTADO MODERNO

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Tratar sobre o Estado moderno.

• Analisar os aspectos gerais de alguns teóricos de referência da Teoria Política.

• Discutir a obra O Príncipe, de Maquiavel.

• Promover um debate sobre o contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau sobre a dimen-

são da criação artificial do Estado moderno, conseqüência do contrato social.

• Sintetizar as principais idéias de Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau sobre a questão

do poder e do Estado.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 3.1 – Maquiavel e o Estado Moderno

3.1.1 – O contexto histórico: o Renascimento

3.1.2 – A realidade da Itália no tempo de Maquiavel e sua biografia

3.1.3 – Síntese das idéias de O Príncipe

Seção 3.2 – O Estado para Hobbes

Seção 3.3 – O Estado para Locke

Seção 3.4 – O Estado para Rousseau

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Seção 3.1

Maquiavel e o Estado Moderno

Figura 1: Nicolau Maquiavel.

Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.

Maquiavel1 , em O Príncipe (escrito em 1513), inicia a discussão teórica acerca do Es-

tado afirmando que “Todos os Estados e todos os governos que exerceram ou exercem certo

poder sobre a vida dos homens foram e são ou repúblicas ou principados” (Maquiavel 1983,

p. 5). Como, no entanto, O Príncipe destina-se à análise do Estado moderno e suas formas

posteriores, este é o primeiro conceito realmente relevante. Nessa obra transmite todo o seu

conhecimento e sua experiência, buscando ensinar a arte da guerra. Nela, o autor diz como

conquistar, aumentar e manter o poder, e alerta também sobre os perigos que existem em se

manter o poder.

A concepção de Estado encontrada em Maquiavel parte da experiência real do seu

tempo, fundando seu pensamento político no contexto moderno, buscando oferecer respos-

tas novas a uma situação histórica também nova, tendo sido a primeira a tratar do Estado

no seu sentido moderno, e sua principal contribuição para a especificidade da política, a

qual, ao contrário da concepção da ordem moral, que unia a sociedade na Idade Média. Em

outras palavras, separa ética de política, afirmando que a primeira diz respeito às questões

do indivíduo e a última, às coisas públicas. “É necessário a um príncipe, para se manter no

poder, que aprenda a ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessida-

de” (Maquiavel, apud Bedin, 2008, p. 97). Quaisquer meios empregados (sejam bons ou

maus) justificam os fins, a estruturação do Estado, no caso.

1 A obra organizada por Francisco Weffort, Os clássicos da política (1992), v. I, é uma importante referência para tratar de Maquiavele os contratualistas.

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3.1.1. O CONTEXTO HISTÓRICO: O Renascimento

Renascimento ou Renascença são os termos usados para identificar o período da His-

tória da Europa aproximadamente entre fins do século 13 e meados do século 17, quando

diversas transformações em uma multiplicidade de áreas da vida humana assinalam o final

da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar de essas transformações serem bem

evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição

do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o

termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na Filosofia e nas

ciências.2

Nesse período ocorreram mudanças nos aspectos sociais/culturais, econômicos e polí-

ticos, entre as quais se destacam:

Fatores sociais/culturais

– renascer da cultura clássica (greco-romana);

– avanço científico e tecnológico (bússola, pólvora, navegações);

– “descobertas” e conquista de novos mundos;

– a conquista do Atlântico (Novo Mundo);

– mudança na concepção de arte, cultura, Filosofia e política;

– cidades italianas: Gênova, Veneza, Florença...;

– o mundo transforma-se;

– mudança de paradigma: do geocentrismo (Ptolomeu) para o heliocentrismo (Copérnico e

Galileu);

– o surgimento das universidades laicas (não religiosas) no final do século 13 impulsionou

um novo saber;

– nova concepção de mundo: do teocentrismo medieval para o antropocentrismo;

– a separação entre Igreja (poder religioso) e Estado (poder temporal);

– o surgimento da imprensa de Gutemberg;

– a Filosofia de Giordano Bruno e a concepção de universo ilimitado;

– laicização, secularização, racionalidade, individualismo, universalização.

2 Para maiores informações, acessar: <http//www.wikipedia.com.br>.

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Fatores econômicos

– crise do feudalismo e o avanço do mercantilismo;

– ascensão de uma nova classe social: a burguesia;

– aparecimento do capitalismo mercantil;

– renascimento comercial e urbano;

– busca de metais e especiarias;

– monopólio italiano no Mediterrâneo;

– conquista de novas terras e novas rotas comerciais.

Fatores políticos

– formação dos Estados Nacionais Modernos: França, Inglaterra, Espanha e Portugal;

– surge o Estado Moderno: para Max Weber, o Estado é uma instituição que tem o monopó-

lio legítimo do uso da força física num determinado território;

– os elementos do Estado: unificação territorial, centralização do poder, burocracia e unifi-

cação da administração, exército profissional, unificação da ordem legal, unificação do

recolhimento de impostos;

– centralização política;

– aliança rei-burguesia;

– nobreza: corte real;

– idioma nacional;

– fronteiras definidas;

– exército permanente;

– Estado-nação: unificação da língua, referência a hábitos, costumes e tradições comuns,

identidade territorial, construção da Nação;

– a concepção de soberania de Bodin;

– Bodin e Bossuet: teoria do direito divino;

– a política separa-se da ética religiosa: Maquiavel: O Príncipe (autonomia política); o pri-

meiro a mencionar a palavra Estado com o entendimento moderno; finalidade da política:

conquistar, manter, aumentar o poder e os perigos para não perder o poder.

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3.1.2. A REALIDADE DA ITÁLIA NO TEMPO DE MAQUIAVEL E SUA BIOGRAFIA

A Itália, no tempo de Maquiavel, encontrava-se nas seguintes condições:

– fragmentação territorial (diversos principados);

– rica, mas mal administrada politicamente;

– invadida pela França;

– Itália é unificada em 1870.

Biografia de Maquiavel

Nasceu em 1469, proveniente de família humilde (pequenos proprietários rurais) e

morreu em 1527. Conhecia bem o latim e talvez um pouco de grego (Mosca, 1968).

Com 29 anos tornou-se secretário da Segunda Chancelaria (Departamento dos Negó-

cios Interiores), acumulando, depois, o cargo de administrador da Primeira Chancelaria

(Departamento dos Negócios Exteriores). Aos 43 anos se aposentou, após 14 anos de ativi-

dades públicas.

Maquiavel era autodidata, homem público (aos 29 anos – chanceler) que, deposto,

sofre o exílio em sua própria terra (San Casciano).

Um estrategista na arte da guerra, fundador da Ciência Política (a política como ela é

– opondo-se a Platão e Santo Agostinho, que tiveram uma concepção idealista da políti-

ca...). Tinha visão pessimista da natureza humana (contrária a Aristóteles) e defendia a

unificação do Estado italiano: “Todos os domínios (Estados) que existiram ou existem sobre

os homens foram ou são Repúblicas ou principados...”

As obras de Maquiavel continham idéias desconexas e paradoxais. Para muitos, as

concepções de Maquiavel são diabólicas.

3.1.3. SÍNTESE DAS IDÉIAS DE O PRÍNCIPE

– manual de como conquistar e manter o poder;

– os exércitos: descrédito com as tropas mercenárias;

– o que o príncipe deve evitar;

– estar preparado para a guerra (de duas formas: na teoria e na prática);

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– a diferença entre virtù e a fortuna;

– os fins justificam os meios;

– o leão e a raposa;

– trata do Estado como ele é, afirmando que deseja escrever coisa que preste, útil, por isso

não tratará do Estado como deve ser, mas como é; nada melhor, para que o governante

planeje bem suas ações. A ação deliberada, planejada, eficaz, se dá no plano do que ele

chama de virtù e que nada tem a ver com a virtude, no sentido cristão ou moral. Ninguém,

contudo, realiza todos os seus planos. Metade dos resultados de nossas ações, diz, deve-

se à virtù, metade à fortuna;

– as repúblicas e as monarquias: Maquiavel começa distinguindo repúblicas e monarquias:

falará delas. Dos reinos, uns são antigos e outros novos: só tratará dos novos. E, destes,

alguns foram conquistados por armas próprias e outros com armas alheias e graças à

fortuna (no sentido de sorte) – interessam-lhe estes. Como um novo governante, que não

se beneficia da opinião favorável que a idade dá a um regime, pode conseguir ser aceito

por seu povo? eis a questão. Isto é: como passar da força bruta ou da violência ao poder,

que depende do consentimento dos dominados;

– Maquiavel e o republicanismo: Maquiavel retoma a leitura de textos da Antiguidade para

tratar de temas republicanos: liberdade, igualdade, participação;

– Maquiavel é um ícone do pensamento republicano pré-moderno, trata com grande origi-

nalidade as questões da política e da cidade. Apesar de compartilhar de muitas concep-

ções dos humanistas, passa a revê-las e interpretá-las. Maquiavel admirava a Roma clás-

sica, mas rompe com algumas de suas idéias. Enquanto Maquiavel propositava exaltar as

virtudes de Roma, expondo-as por Lívio, ele na verdade as transformava.

– Maquiavel deixa clara sua concepção de virtude para o príncipe, mas as mesmas qualida-

des de virtù eram requeridas para os líderes e cidadãos (que também deveriam ser arma-

dos) de uma república. Para ele, seria nas repúblicas que a virtude mais provavelmente

poderia ser encontrada. Suas concepções, ao contrário da maioria dos republicanos pré-

modernos centrados na regra, eram centradas na virtù. A lei cívica é muito importante

porque a organização é vista como a única reguladora da política;

– O Príncipe de Maquiavel é um conjunto de regras que tornam possível a governabilidade

de uma nação por meio do temor e da maldade, segundo alguns teóricos;

– muitos interpretam Maquiavel sob um viés maniqueísta (bem X mal), velha forma de inter-

pretar o mundo;

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POLÍTICAS PÚBLICAS

– Maquiavel escreve O Príncipe num contexto em que predominavam as idéias oficiais da

Igreja Católica acerca do modo de governar um povo;

– antes de Maquiavel a ética e a política andavam juntas;

– ruptura com a tradição religiosa e concepção de ética;

– dedicou a sua obra a César Borgia, filho de Alexandre Bórgia;

– Maquiavel dissocia ética da política ao fazer referência ao príncipe, dizendo que: “Não

deve, portanto, importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos

unidos e com fé, por que com raras exceções, é ele mais piedoso do que aquele que por

muita clemência deixa acontecer desordens, das quais podem nascer assassinos e

rapinagens” (p. 69);

– separação entre o agir do príncipe e a moral de sua época;

– Maquiavel defende uma teoria política que se desenvolverá enquanto habilidade necessá-

ria para a preservação do poder;

– sobre a questão do temor e do amor, diz que: “É muito mais seguro ser temido do que

amado quando se tenha que falhar numa delas” (p. 70);

– sobre a natureza humana refere que: “Os homens são ingratos, volúveis, simuladores,

covardes, ambiciosos de dinheiro e, enquanto lhes fizerem o bem todos estão contigo,

oferecem-te sangue, os bens, vidas, filhos, como disse acima, desde que a necessidade

esteja longe de ti. Mas quando ela se avizinha voltam-se para outra parte (p. 70);

– contra o idealismo da política (a Igreja e a teologia – caráter transcendental –Platão,

Santo Agostinho e Tomás de Aquino): “Todavia, como é meu intento escrever coisa útil

para os que se interessam, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito

das coisas do que pelo que delas se possa imaginar” (p. 63);

– Maquiavel: autor ligado ao universo renascentista; o moralismo cristão não é uma prática

eficaz em política e é por ter libertado o pensamento político disso que o autor passa a ser

lembrado pela tradição. Busca a honra e a glória no plano material;

– virtù: coragem;

– o que o príncipe deve fazer para se manter no poder e conservar o Estado: não poderá, em

hipótese alguma, se apossar dos bens e das mulheres dos súditos, pois isso fará com que

ele atraia sobre si o ódio de toda a população. Não pode impensadamente lançar-se em

guerra, pois, no caso de derrota, perderá seu Estado;

– aparentar a virtude: Maquiavel aconselha que o príncipe deve aparentar virtude, dado que

isto apenas fará com que sejam satisfeitas as exigências contidas na moralidade vigente

na maioria da população;

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– Maquiavel e o real: para Maquiavel não interessa como as coisas deveriam ser. Interessa-

lhe como elas são na concretude de suas realidades. Importa-lhe o fazer, a práxis política

enquanto processo, da qual emanam todos os valores e normas da atividade política.

“Seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta [...]. Esta é a sua regra

metodológica: ver e examinar a realidade como ela é e não como se gostaria que ela fosse”

(Sadek, 1991);

– temor, amor e ódio: mais vale ao príncipe ser temido do que amado, porém nunca odiado

pelo povo;

– a conduta humana: nada difere a do príncipe em relação à dos súditos.

– na obra Cartas familiares Maquiavel fala da extrema miséria que deixou os seus familia-

res; O Asno de Ouro (fala dos feitos de cada um aos seus contemporâneos); Os Discursi

(Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio) – história de Roma compôs um verdadeiro

tratado de ciência política, inacabado, sobre o governo republicano;

Segundo Mosca (1968), na obra “O Príncipe”:

– Maquiavel enumera uma série de preceitos relativos aos meios pelos quais se constituem,

se conservam e se expandem os Estados;

– valoriza as tropas nacionais, condena as mercenárias e as mistas (aliadas);

– a obra é dividida em duas partes: na primeira o autor cita exemplos de homens que, em

diversas circunstâncias, tiveram êxito em subir ao poder e em se conservar nele. Na se-

gunda parte, baseando-se nas características da natureza humana, enuncia preceitos e

conselhos sobre a arte de governar, e ilustra-os com alguns exemplos;

– Maquiavel começa dizendo que todos os governos que têm exercido sua autoridade sobre

os homens podem dividir-se em repúblicas (parece que esta é a primeira vez que a palavra

república é empregada se emprega em seu sentido moderno de Estado não governado por

uma monarquia) e em principados. Estes podem subdividir-se em hereditários (mais está-

veis), mistos (instáveis) e novos (fundados pelas armas, ou pela habilidade política ou por

atos que se aproximam do banditismo);

– do capítulo 15 ao 18, Maquiavel enumera as virtudes e os vícios da natureza humana;

– o príncipe deve ser amado ou temido? (as duas coisas, mas se uma há de perecer, que

pereça o amor);

– no capítulo 25 (penúltimo) trata da relação entre virtù e da fortuna;

– Maquiavel ensina às repúblicas os meios pelos quais podem expandir-se e durar;

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POLÍTICAS PÚBLICAS

– republicano de coração, Maquiavel imaginara, sem dúvida, a realização de uma república

italiana, herdeira da república romana segundo Tito Lívio, pela liberdade cívica à antiga,

animando um exército nacional (Chevallier, 1986);

– nos Discursos e até em certas passagens de O Príncipe estavam presentes o amor à liberda-

de republicana à antiga e o ódio à tirania;

– seu livro “é o livro dos republicanos”. Ao simular dar lições aos reis, deu grandes lições ao

povo (Chevallier, 1986).

Seção 3.2

O Estado para Hobbes

Como foi visto na Unidade anterior, a origem do Estado tem sido tratada através dos

tempos pelos mais diversos tipos de teóricos, nos mais diferentes contextos, não tendo havi-

do consenso acerca da matéria. Nessa linha de trabalho, desenvolveram-se quatro princi-

pais teorias acerca dessa origem: a teoria da força, a teoria evolucionária, a teoria do direito

divino e a teoria contratualista.

A teoria do contrato social, desenvolvida por Hobbes, Locke e Rousseau, nos séculos

17 e 18, foi a mais significativa das quatro aqui citadas. Segundo ela, o Estado nasce do

contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques

Rousseau desenvolveram esta teoria do Estado de natureza para o Estado civil.

Figura 2: Thomas Hobbes.

Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.

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O filósofo e cientista político Thomas Hobbes foi um de-

fensor do regime absolutista monárquico, afirmando que um rei

era mais capaz que uma república. Achava que a democracia

era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico con-

siderado contratualista, pois defendia a idéia de que a origem

do Estado e da sociedade está em um contrato. Sua principal

obra foi O Leviatã, que apresenta a síntese de seu pensamento,

segundo o qual o Estado é um monstro poderoso que tem liber-

dade, oferecendo segurança, fundindo a sociedade e o poder de

maneira que um fosse totalmente dependente do outro. Nesse

Estado o governante tem poderes absolutos, decidindo o futuro

de seus súditos. Sua principal contribuição foi, portanto, a jus-

tificativa da centralização do poder e suas implicações políticas

(Bedin, 2008).

O estado de natureza e o estado político justificam o poder,

ou seja, para que saia do primeiro, atingindo a civilidade, o ho-

mem precisa criar o artifício da sociabilidade humana. Isso con-

traria a concepção aristotélica de que o homem seria natural-

mente civilizado.

Daí a expressão latina homo homini lupus, afirmando que

o homem não é naturalmente bom, como afirmava Aristóteles.

Sem a presença do poder político centralizado, os homens natu-

ralmente “não-bons” estão livres para a realização de suas pai-

xões e satisfação dos seus instintos, o que caracteriza a falta de

civilidade. Assim, quando se encontra nesse estágio, a existência

humana é temerária, sendo apenas a partir da centralização arti-

ficial do poder que alguma segurança pode surgir e permitir a

vida em sociedade.

Fora do Estado, para Hobbes, o homem é livre de qualquer

princípio moral, humanitário ou ético. Assim, do mesmo modo

que pode vitimar pela sua liberdade, pode também ser vítima, es-

tando amedrontado a toda hora, pois a qualquer instante pode

perder seu bem maior, que é a vida. Isso configura o estado natu-

ral, no qual a liberdade é a ausência de oposição, e o homem livre

é o que não é impedido de fazer a sua vontade, tornando-se um

selvagem. A verdadeira liberdade existiria apenas dentro do Es-

tado soberano, contendo as liberdades de cada um.

Homo homini lupus

O homem é o lobo dopróprio homem.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

A teoria contratualista se faz presente em sua obra porque os homens firmariam um

acordo, apoiados na idéia de que sozinho está exposto à barbárie, contando somente com

as suas forças para se defender de uma humanidade sem regras, em que cada um poderia

proceder diante do outro da maneira que as suas forças permitissem. Essa concepção é fruto

do seu conceito de liberdade.

Hobbes afirma não faltar “liberdade” no Estado Absoluto, pois esta significa, em sen-

tido próprio, a ausência de oposição, e oposição seriam os impedimentos externos do movi-

mento. A leitura de gregos e latinos nos fez pensar “errado” o valor da liberdade e o clamor

popular, princípio pelo qual homens lutam e morrem. Para Hobbes, a liberdade se reduz a

uma determinação física, aplicável a qualquer corpo físico. A liberdade, portanto, está de-

positada no Estado e não nos súditos. Para este autor, o poder é sempre o mesmo, está sob

todas as formas, leis ou acordos que se supõe serem suficientes para proteger ou controlar os

súditos. A “condição incômoda” do homem é aceitável, visto que a sua “condição natural”

é infinitamente pior e, ainda, no Estado Absoluto de Hobbes, o indivíduo “conserva um

direito à vida”. Em síntese, sobre Hobbes, é preciso considerar os seguintes pontos:

a) Contexto histórico

– Inglaterra (conflito entre a Coroa e o Parlamento);

– defensor teórico do absolutismo (Estado Monárquico);

– obra principal: O Leviatã (1651);

– um pensador empirista (origem do conhecimento é a sensação);

– contraria a tese da sociabilidade do homem de Aristóteles (abelhas e formigas);

– o homem é considerado como um ser naturalmente anti-social.

b) Estado de natureza

– todos os homens pensam na sua própria sobrevivência;

– desejo de poder, riqueza e propriedade;

– buscam as alegrias e vaidades (pride), o maior sofrimento é ser desprezado (busca a vin-

gança);

– estado de extrema infelicidade;

– inexistência de leis, sabedoria, tecnologia e progresso;

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– impera a lei do mais forte (lei natural);

– homo homini lupus (o homem é lobo do próprio homem);

– condição de guerra de todos contra todos;

– condição de miséria universal;

– insegurança, medo da morte violenta;

– o medo obriga o homem a fundar um Estado social e autoridade política.

c) Contrato/pacto social

– consentimento unânime dos súditos;

– todos são obrigados a pactuar (não existe pacto sem espada);

– o acordo se dá entre os súditos;

– cada um abre mão de sua liberdade individual;

– renúncia ao direito absoluto que tem sobre as coisas em favor do soberano;

– a paz e a segurança visão da renúncia de cada um (poder individual).

d) Estado (governo civil)

– o soberano herda os direitos de todos (poder absoluto);

– é o grande Leviatã (Deus mortal abaixo do Deus imortal);

– Leviatã: animal monstruoso, cruel e invencível, que é o rei dos orgulhosos (analogia –

retirado do livro de Jó, cap. XLI (cap. 41);

– é o soberano que tem a tarefa de organizar, preservar e defender o homem do próprio

homem;

– o soberano detém a força (o direito é seu poder e sua vontade);

– é a inauguração da sociedade civil;

– tem a função de defender os indivíduos dos ataques dos estrangeiros;

– garante a paz, o progresso e a satisfação do bem-viver;

– centralização dos poderes.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Seção 3.3

O Estado para Locke

Figura 3: John Locke.

Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.

John Locke escreveu Dois Tratados sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o

Entendimento Humano e Carta sobre a Tolerância. O contexto histórico-cultural em que pro-

duz sua obra é a Inglaterra da segunda metade do século 17, que se tornou um promissor

império mercantil, cuja burguesia necessita de fundamentação às aspirações de liberdade

(direitos individuais) e soberania.

Em Dois Tratados sobre o Governo Civil Locke teoriza contra o absolutismo, buscando

derrubar a teoria do direito divino. Dessa forma, também adota as idéias da passagem do

estado de natureza ao estado civil mediante o contrato entre indivíduos, no entanto, ao

contrário de Hobbes, que tem o estado de natureza como um âmbito de profunda inimizade

e insegurança, Locke o vê como um âmbito no qual os indivíduos estão regulados pela

razão e há uma organização pré-social e pré-política em que todos nascem com os direitos

naturais: vida, liberdade, propriedade privada e punição àqueles que infligem o mal contra

inocentes.

A propriedade é a extensão de terra que cabe a cada um, que tem a responsabilidade

de lavrá-la, semeá-la e cultivá-la, não sendo tratada a acumulação especulativa da propri-

edade. A união dos homens em sociedades políticas, bem como a sua submissão a um

governo, visam à conservação de suas propriedades, pois o estado natural não as garante

por si só.

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O Estado concebido por Locke é liberal, pois é soberano, mas sua autoridade vem

somente do contrato que o faz nascer. Daí advém o fato de ter sido Locke um teórico monar-

quista parlamentar liberal, e não absolutista. Esse contrato é também o fundamento do livre

consentimento segundo o qual os homens formam a sociedade civil para preservar e conso-

lidar os direitos originalmente apropriados no estado de natureza.

O governo civil, em Locke, tem como poder mais importante o Legislativo, cabendo a

ele a elaboração das leis de proteção às propriedades de todos os membros da sociedade,

sustentando-se sobre o poder delegado pelo povo. Sobre Locke, deve-se considerar os se-

guintes pontos:

a) Contexto histórico

– Inglaterra: importante império mercantil;

– viveu longo tempo na França e na Holanda, onde permaneceu até 1688;

– ascensão da burguesia;

– nascem os direitos naturais e Locke é seu fundador teórico;

– no âmbito da Filosofia (teoria do conhecimento), combateu a doutrina das idéias inatas de

Platão e Descartes;

– Locke é empirista: tudo provém da experiência (nada existe na mente humana...);

– a alma é uma “tabula rasa”;

– teorizou contra as idéias absolutistas (contrário à teocracia anglicana);

– um apologista da Revolução Gloriosa (1688): instituição da República (o triunfo do libe-

ralismo sobre o absolutismo);

– Locke foi um defensor da Monarquia Constitucional;

– O direito de propriedade (posse dos bens móveis e imóveis): todos têm direito, mas àquilo

que cada um possa arar, semear e colher... (o direito de propriedade é justificado pelo

trabalho).

b) Estado de natureza

– é de relativa paz, concórdia e harmonia;

– o homem está regulado pela razão;

– existe uma organização pré-social e pré-política, na qual todos nascem com os direitos

naturais de vida, liberdade, igualdade, propriedade.

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c) Contrato/Pacto social

– assemelha-se a um contrato com reciprocidade de compromissos;

– é a passagem do estado de natureza para a sociedade civil.

d) Estado (governo civil)

– tem como objetivo garantir os direitos naturais;

– visa a preservar e proteger a comunidade, tanto dos perigos internos quanto externos;

– garante a conservação da propriedade;

– o soberano (governo civil) não é senão o mandatário de um povo que (em caso de abuso

da autoridade pelo Estado) conserva o direito de insurreição;

– na teoria de Locke inicia-se a “separação dos poderes” (Executivo, Legislativo e Federati-

vo – relações externas).

Seção 3.4

O Estado para Rousseau

Figura 4: Jean-Jacques Rousseau.

Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.

Concomitantemente à concepção liberal do Estado moderno, nasce a concepção de-

mocrático-burguesa com Jean-Jacques Rousseau, cuja principal obra, Do Contrato Social,

também preconiza a existência da condição natural dos homens, qual seja, de felicidade, de

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virtude e de liberdade, denegrida pela civilização (concepção, portanto, oposta à de Hobbes).

Rousseau também é contratualista, pois para ele a sociedade nasce de um acordo, de um

contrato, firmado pelos indivíduos que preexistem a ele.

Para Rousseau, a Assembléia é o único órgão soberano que representa o povo, que

pode confiar a alguns indivíduos tarefas administrativas estatais, podendo a qualquer mo-

mento revogá-las. O povo, entretanto, não perde sua soberania, nunca a transfere para um

organismo estatal separado.

As idéias de Rousseau defendem a igualdade, pois somente nessa condição é possível

ser livre. Assim, nota-se a oposição a Locke, para quem a liberdade é condicionada justa-

mente pela desigualdade entre proprietários e não-proprietários (visto que para o liberal

inglês a liberdade é diretamente proporcionada pela propriedade).

Rousseau tem em vista a democracia da antiga Atenas, porém vê igualmente limita-

ções nesse modelo (justamente a diferenciação entre homens livres e escravos). O autor

ressaltava a impossibilidade de existir a democracia em qualquer tempo, bem como a condi-

ção natural a ela.

A democracia, conforme Bobbio (1983), apresenta duas diferenças básicas. Para os

antigos, era entendida como democracia direta; já para os modernos, como representativa.

A teoria clássica (aristotélica) tem a democracia como a forma de governo de todos os cida-

dãos, em contraposição à aristocracia (governo de poucos) e da monarquia (de um só). Era

termo sinônimo de “isonomia”, e, para Platão (apud Bobbio, 1983), constituía a pior das

formas boas de governo e a melhor das formas más de governo.

A teoria romano-medieval a tem como o governo de soberania popular (ascendente) em

contraposição ao poder do príncipe (descendente). A partir dessa teoria há a separação entre

a titularidade e o exercício do poder: numa monarquia, o povo transferiria o exercício do

poder ao príncipe, justamente por possuir a titularidade do poder de fazê-lo (ou revogá-lo).

A teoria moderna, iniciada com Maquiavel, nasce com o Estado moderno, e tem a

antiga democracia como uma das duas formas de república: haveria a república democráti-

ca e a república aristocrática. “[...] por democracia se entende toda a forma de Governo

oposta a toda forma de despotismo” (Dahl, apud Bobbio, 1983). Sofre modificações impor-

tantes, principalmente após o Contratualismo.

Com o liberalismo, passou-se a entender o termo liberdade como dividida entre civil

(liberdade negativa, mera capacidade de fazer e não fazer) e política (liberdade positiva,

atribuição de uma capacidade jurídica específica de participar, mesmo que indiretamente,

do governo). O poder político deve ser exercido por representantes eleitos pelos detentores

da liberdade política. O desenvolvimento da democracia representativa deu-se com a ampli-

ação gradual do direito de voto e pela multiplicação dos órgãos representativos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Com o socialismo, o sufrágio universal, que constituía o fim do processo de democra-

tização do Estado liberal, torna-se apenas o seu início (BOBBIO, 1983). É criticada a demo-

cracia simplesmente representativa e retoma-se alguns pontos da democracia direta, alar-

gando a participação popular não apenas nos órgãos de decisão política, mas também eco-

nômica, passando-se do autogoverno para a autogestão, buscando a máxima

descentralização (conselhos operários e camponeses, por exemplo).

Independentemente da teoria que a analise, pode-se afirmar que democracia é um

conjunto de regras que conduz à governança: eleição (direta ou indireta), instituições lo-

cais eleitas (além da instituição máxima de governo), sufrágio universal, igualdade de voto,

liberdade de opção de voto, maioria numérica, não-limitação de direitos da minoria por

parte da maioria e confiança no órgão de governo por parte do Parlamento ou do chefe do

Executivo, eleitos pelo povo.

Democracia não significa a participação de todos no processo eleitoral. Para Kelsen

(apud Bobbio, 2000), um dos maiores teóricos da democracia moderna, a eleição é o ele-

mento essencial da democracia real, pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso. A

frase ilustrativa de Bobbio (2000, p. 272) expõe o caráter “sagrado” que a Corte Suprema

dos EUA, por ocasião das eleições de 1902, confere ao seu processo eleitoral, mesmo que

quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições

americanas, onde cada um de nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda da arca da

aliança e cada um oficia do seu próprio altar”. É possível perceber que a democracia ociden-

tal é uma conquista relativamente nova, e as Revoluções Americana e Francesa marcam seu

início.

A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. Para

isso, ocorreram três eventos que caracterizaram a Filosofia social da Idade Moderna: o

contratualismo, o nascimento da economia política (com Adam Smith) e a Filosofia utilitarista

(de Jeremy Bentham e John Stuart Mill). Nesse sentido:

O Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático. Estado

liberal e Estado democrático são interdependentes. É pouco provável que um Estado não liberal

possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte, é pouco provável

que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais (Bobbio,

2000, p. 20).

É imprescindível também, para o entendimento da formação do Estado moderno, a

consideração das idéias de Montesquieu. O francês entrou para a história da ciência po-

lítica pela importância e atualidade dos argumentos da sua principal obra, O Espírito das

Leis (1748), que influenciou, principalmente, as políticas do sistema de governo inglês,

das Revoluções Americana e Francesa e de todo o mundo depois dele. Nela, encontra-se a

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separação dos poderes como método para assegurar a liberdade. Assim, criam-se os pode-

res Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma harmônica e independente, co-

laborando entre si e mantendo relações recíprocas, auxiliando e corrigindo-se mutuamen-

te, para a efetivação da liberdade, posto que a esta não existe se uma pessoa ou grupo

exercer os referidos poderes ao mesmo tempo. Sobre Rousseau, deve-se considerar as se-

guintes idéias:

a) Contexto histórico

– com Rousseau nasce a concepção democrático-burguesa do Estado;

– tem-se com Rousseau o debate da democracia ideal e pura;

– propriedade privada (o primeiro que tendo cercado um terreno...);

– para Rousseau, a sociedade deveria ser homogênea, sem conflitos de interesse, que deveri-

am ser resolvidos por meio de uma democracia direta, impossível em uma sociedade de

massas.

b) Estado de natureza

– condição de felicidade, saúde, de virtude e liberdade que é destruída pela civilização (a

civilização perturba as relações sociais e violenta a humanidade)

c) Contrato/Pacto Social

– dá origem à vontade geral.

d) Estado (democrático)

– assembléia (único órgão soberano, representa o povo);

– vontade geral (é a soma das vontades individuais);

– o Contrato Social é a utopia política, que propõe um Estado ideal, resultante de consenso

e que garanta os direitos de todos os cidadãos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

SÍNTESE DA UNIDADE 3

Nesta Unidade foi abordado o Estado moderno, analisando-se os

aspectos gerais de alguns teóricos de referência da Teoria Política;

discutida a obra O Príncipe, de Maquiavel, e apresentado um de-

bate sobre o contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau. Ao fi-

nal foi feita uma síntese das principais idéias de Maquiavel, Hobbes,

Locke e Rousseau sobre a questão do poder e do Estado.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 4Unidade 4Unidade 4Unidade 4

A CRÍTICA CONTRA O ESTADO NO SÉCULO 19

OBJETIVO DESTA UNIDADE

O objetivo desta Unidade é tratar da crítica ao Estado contemporâneo a partir da

teoria anarquista, do socialismo utópico e do socialismo científico.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 4.1 – O Anarquismo

4.1.1 – Os principais representantes: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi

Seção 4.2 – O Socialismo Utópico

4.2.1 – Os principais representantes: Saint-Simon, Fourrier, Owen e Louis Blanc

Seção 4.3 – O Socialismo Científico

4.3.1 – Os principais representantes: Marx e Engels

Seção 4.1

O Anarquismo

Genericamente, pode-se afirmar que o anarquismo é uma teoria que nega todo tipo de

autoridade política, religiosa, econômica ou ideológica que se impõe sobre os indivíduos.

Em outras palavras, o cerne do anarquismo é o repúdio aos governantes.

No âmbito político, os anarquistas escolhem o Estado moderno como principal inimi-

go. Este Estado, dentro de seu território, divide as pessoas em governantes e governados,

monopoliza os principais meios de coerção física, reivindica soberania sobre todas as pessoas

e toda a propriedade; promulga leis visando a suprimir todas as outras leis e costumes, pune

os que infringem suas leis e apropria-se à força, mediante impostos e outros gravames, da-

quilo que é propriedade de seus subordinados. Dessa forma, os anarquistas se opõem aos

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teóricos que justificam e defendem a existência do Estado, como Thomas Hobbes, que argu-

menta que, na ausência do Estado, não há sociedade e a vida é solitária, medíocre, desagra-

dável, brutal e curta. Os anarquistas defendem a idéia de “sociedade natural”, uma socieda-

de auto-regulada, pluralista, na qual poder e autoridade estão radicalmente descentraliza-

dos (Outhwaite; Bottomore, 1996).

4.1.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi

Foi Joseph Proudhon (1809-1865) o primeiro teórico a se intitular anarquista. Proudhon

está inserido no que se denomina de anarquismo socialista. Para este autor, todos os parti-

dos políticos são variedades de despotismo; o poder do Estado e do capital são sinônimos; o

proletariado, portanto, não tem como se emancipar pelo uso do poder do Estado, apenas

por meio de ação direta (pacífica); a sociedade deveria ser organizada na forma de comuni-

dades locais autônomas de associações de produtores, unidas pelo “princípio federativo”

(Outhwaite; Bottomore, 1996). É também de Proudhon a famosa frase: “A propriedade é um

roubo”.

Por outro lado, Michael A. Bakunin (1814-1876) e Pyotr Alexeyevich Kropotkin (1842-

1921), na Rússia, substituíram o “mutualismo” de Proudhon, primeiro pelo “coletivismo” e,

depois, pelo “comunismo”, este último implicando o “tudo pertence a todos” e a sua distri-

buição de acordo com as necessidades. Sob a influência de Bakunin, os anarquistas adota-

ram a estratégia de estimular insurreições populares, no decorrer das quais previa-se que a

propriedade capitalista e fundiária seria expropriada e coletivizada, e o Estado abolido. No

lugar do Estado surgiriam as comunas autônomas, unidas federativamente: uma sociedade

socialista organizada de baixo para cima, e não ao contrário. Insurreições, assassinatos e

atos de terrorismo faziam parte das estratégias dos anarquistas para alcançar seus objeti-

vos. Muitas foram, no entanto, as formas de repressão que os anarquistas sofreram, exata-

mente pelo caráter de violência das suas ações. Por isso adotaram uma estratégia alternati-

va associada ao sindicalismo. A idéia era transformar os sindicatos em instrumentos revolu-

cionários da luta de classes e fazer deles, em vez das comunas, as unidades básicas de uma

nova sociedade.

Os anarquistas, diferentemente dos marxistas, acreditavam que era possível chegar a

uma nova ordem social (ao comunismo) sem precisar passar pela ditadura do proletariado.

Em outras palavras, advogavam a passagem direta para a “sociedade sem Estado”.

Leon Tolstoi (1828-1910), romancista russo, opunha-se radicalmente ao anarquismo

revolucionário e seus métodos, mas não a sua visão de uma nova sociedade socialista. Seu

anarquismo, no entanto, estava mais ligado à tradição pacifista: a “lei do amor”, expressa

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POLÍTICAS PÚBLICAS

no Sermão da Montanha, o fez denunciar o Estado e sua “violência organizada” e conclamar

as pessoas a não obedecerem as suas exigências imorais. O apelo de Tolstoi deixou seguido-

res, entre os quais Gandhi, no desenvolvimento de sua Filosofia de não-violência na Índia.

Ele popularizou a técnica da resistência não-violenta de massas e deu origem à idéia-chave

do anarco-pacifismo: a revolução não-violenta, descrita como um programa não para a

tomada do poder, mas para a transformação dos relacionamentos.

Seção 4.2

O Socialismo Utópico

Da mesma forma que o anarquismo, o socialismo utópico saiu em defesa do proletari-

ado (oprimidos e explorados), opondo-se ao individualismo econômico (liberalismo ou capi-

talismo), pois este último tem como prioridade a defesa da propriedade particular dos meios

de produção, o lucro pessoal, a livre concorrência, a lei da oferta e da procura e o Estado

mínimo (não-intervenção na economia).1

4.2.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Saint-Simon, Fourrier, Owen e Luis Blanc

Um dos mais importantes pensadores do socialismo utópico foi Saint-Simon, o qual

faz severas acusações contra a propriedade privada, a herança e os lucros sem trabalho.

Criticou também a exploração do proletariado.

Da mesma forma, Charles Fourrier fez críticas à indústria, as suas crises de pletora ou

superprodução e a sua anarquia econômica, cujas repercussões sofre física e moralmente o

operário, pois a sua pseudolivre concorrência dá origem a legiões famélicas de proletários.

Afirma Fourrier: “A liberdade política, a soberania do povo: simples fachada! Esse povo, que

morre de fome, ‘estranho soberano’”.

Robert Owen inovou no aspecto da participação dos operários nos lucros de sua em-

presa, ou, nas palavras de Chevallier (1986), “grande patrão inglês, quer regenerar a dege-

nerada raça dos operários”.

Outro autor que defendia o socialismo utópico foi Charles Louis Blanc.

1 Para aprofundar a temática do socialismo utópico, conferir Chevallier (1986).

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Seção 4.3

O Socialismo Científico

Segundo Outhwaite e Bottomore (1996), as idéias socialistas expressaram-se de várias

formas em séculos passados, mas o socialismo, como doutrina e movimento característico,

só apareceu por volta de 1830, quando o próprio termo entrou em uso corrente. Logo após

se propagou rapidamente pela Europa, sobretudo após as revoluções de 1848. No final do

século 19, muitos partidos socialistas já haviam se desenvolvido em diversos países euro-

peus, como na Alemanha e na Áustria, bem como em outros países do mundo.

Tem-se no marxismo o alicerce intelectual do socialismo científico, principalmente na

Europa continental. O marxismo analisa e aponta as principais contradições do sistema

capitalista moderno, que divide a sociedade em duas classes: a burguesia (superestrutura) e

o proletariado (infra-estrutura). Critica de forma direta o individualismo capitalista e propõe

o socialismo como forma de priorizar o bem-estar de toda a sociedade. A teoria marxista

(como fundamento das idéias socialistas) passou por constantes adaptações no início do

século 20. A teoria é reavaliada e desembocará em três tendências específicas: uma “refor-

mista” (Grã-Bretanha, com o Partido Trabalhista), outra “ revolucionária” (Lenin, os

bolcheviques e Stalin) e a terceira, de caráter “centrista” (social-democracia, de Kautsky). A

tendência “ revolucionária” foi posta em prática na Rússia em 1917 por Lenin e os

bolcheviques, vindo a ser, mais tarde, instaurada uma ditadura do proletariado de caráter

totalitário e centralizador na União Soviética, introduzida por Stalin. O socialismo buro-

crático será abrandado após a morte de Stalin, em 1953, até o seu derradeiro colapso a

partir de 1990.

4.3.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Marx e Engels

Marx criticou o socialismo utópico pelo seu caráter irreal e ingênuo, pois os utópicos

queriam substituir o sistema econômico existente por outro imaginado por eles: “tudo é feito

apenas por eles mesmos, tal como a aranha faz a sua teia” (Marx apud Prélot, 1973, p. 59).

Em outras palavras, Marx critica os socialistas utópicos por acreditarem ingenuamente que

os burgueses, num gesto de benevolência e candura, vão distribuir seus bens aos famintos.

Herdeiro da visão hegeliana, Marx inverte a teoria de Hegel (na questão do materialis-

mo dialético) para o materialismo histórico. Marx parte então para a defesa exclusiva do

proletariado e a síntese de suas idéias aparece na obra O Manifesto Comunista, dividida em

quatro partes: a primeira, intitulada “Burgueses e Proletários”, trata de questões da Filosofia

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POLÍTICAS PÚBLICAS

e da História. A segunda parte, “Proletários e Comunistas”, explica a posição dos comunistas

em relação ao conjunto de proletários, repelindo as censuras feitas ao mesmo tempo pela

“burguesia”. Sob o título “Literatura Socialista e Comunista”, a terceira parte passa sarcasti-

camente em revista as diversas formas, “reacionárias” ou feudais, “de pequena burguesia”,

“conservadores” ou “burguesas”, “crítico-utópicas” do movimento social da época. Na quar-

ta parte, brevíssima, consta a posição dos comunistas diante dos outros partidos da oposição.

Eis alguns destaques mais importantes da obra O Manifesto Comunista, de Marx e Engels:

A luta de classes

– “A história de toda a sociedade até hoje é a história de luta de classes” (Marx; Engels,

1996, p. 66).

– “A sociedade inteira vai-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em

duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia e proletariado” (p. 67).

A burguesia

– “A própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de

uma série de revoluções nos modos de produção e de troca” (p. 68).

– “A burguesia desempenhou na História um papel extremamente revolucionário. Onde quer

que tenha chegado ao poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais,

idílicas. [...] Afogou nas águas gélidas do cálculo egoísta os sagrados frêmitos da exaltação

religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês” (p. 68).

– “A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produ-

ção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto, todo o conjunto das relações

sociais” (p. 69).

– “A necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia

para todo o globo terrestre” (p. 69).

– “A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. [...] Suprime cada vez mais a disper-

são dos meios de produção, da propriedade e da população [...] Criou forças produtivas

mais poderosas e colossais do que todas as gerações passadas em conjunto” (p. 70-71).

O proletariado

– “A burguesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte; produziu também os

homens que empunharão essas armas – os operários modernos, os proletários. [...] O pro-

letariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia co-

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meça com sua própria existência. [...] Com o desenvolvimento da indústria, o proletariado

não apenas se multiplica; concentra-se em massas cada vez maiores, sua força aumenta e

ele sente mais tudo isso. [...] De todas as classes que hoje se opõem à burguesia, apenas o

proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária” (p. 72-75).

– “Todos os movimentos precedentes foram movimentos de minorias ou no interesse de mi-

norias. O movimento proletário é o movimento independente da imensa maioria no inte-

resse da imensa maioria. O proletariado, estrato inferior da atual sociedade, não pode

erguer-se, pôr-se de pé, sem que salte pelos ares toda a superestrutura dos estratos que

constituem a sociedade civil oficial” (p. 77).

O capital fruto da exploração do trabalho

– “A condição mais essencial para a existência e a dominação da classe burguesa é a acumu-

lação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o aumento do capital; a condição

do capital é o trabalho assalariado. [...] A burguesia produz, acima de tudo, seus próprios

coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis” (p. 77-78).

– “O capital é um produto coletivo e só pode ser colocado em movimento pela atividade

comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade

comum de todos os membros da sociedade. O capital, portanto, não é uma potência pes-

soal, é uma potência social” (p. 81).

– “Assim, se o capital é transformado em propriedade comum pertencente a todos os membros da

sociedade, não é uma propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. Transfor-

ma-se apenas o caráter social da propriedade. Ela perde o ser caráter de classe” (p. 81).

A ideologia

– “O que demonstra a história das idéias senão que a produção intelectual se transforma

com a produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da

classe dominante” (p. 85).

O comunismo

– “O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletá-

rios: constituição do proletariado em classe, derrubada da dominação da burguesia, con-

quista do poder político pelo proletariado” (p. 80).

– “O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição

da propriedade burguesa. [...] Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria

nessa única expressão: abolição da propriedade privada” (p. 79).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

O Estado

– “O poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os

negócios comuns de toda a classe burguesa” (p. 68).2

SÍNTESE DA UNIDADE 4

Nesta Unidade você pôde compreender aspectos teóricos referente

à crítica do Estado no século 20. Especialmente as principais idéias

defendidas pelos anarquistas, socialistas utópicos e científicos, ten-

do em Karl Marx o seu principal expoente. Karl Marx analisou

criticamente o processo de acumulação capitalista. Isto é, a classe

detentora do capital, a burguesia, expropria o lucro do proletaria-

do mediante a exploração da sua força do trabalho (exploração da

mão-de-obra). A teoria marxista influenciou outros intelectuais

após a morte deste pensador e, com o passar do tempo, a sua obra

continua atual.3

2 As citações das páginas 56-60 são de Marx e Engels (1996). Para maiores informações sobre a crítica ao Estado burguês e a ditadura doproletariado, ver a obra de Chevallier (1986); Prélot (1973).

3 Nenhum teórico se igualou a Marx na análise e na compreensão do sistema capitalista. Por isso a leitura de suas obras é imprescindívela todos aqueles que se dedicam à análise da sociedade, da economia e da política atual. Um exemplo bastante evidente da atualidade daobra de Marx presencia-se neste momento histórico de crise do capitalismo. Marx previu que o próprio capitalismo em excesso haveriade se autodestruir. Estaria ele certo em seu prognóstico?

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 5Unidade 5Unidade 5Unidade 5

CRISES E TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO NO SÉCULO 20

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Apresentar alguns argumentos que tratam da divisão das idéias marxistas, principalmente

entre o socialismo democrático e o comunismo leninista.

• Tratar da questão do Estado na teoria democrática.

• Analisar a questão do Estado: crises e transformações durante o século 20.

• Discutir o Estado sob a ótica dos teóricos marxistas, entre eles Lenin e Rosa Luxemburgo.

• Debater sobre a participação e a representação na teoria democrática contemporânea.

• Discorrer sobre o Estado na teoria das elites, pluralistas, neomarxistas e na teoria

participativa.

• Discutir a questão do Estado de Bem-Estar Social, modelo de Estado aplicado após a crise

do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos, inspirado nas teorias keynesianas.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 5.1 – Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo

Seção 5.2 – O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea

5.2.1 A teoria das elites

5.2.2 A teoria pluralista

5.2.3 A teoria neomarxista

5.2.4 A Teoria Participacionista (MacPherson, Held e Pateman)

Seção 5.3 – A Procedência do Estado do Bem-Estar Social: a Teoria Keynesiana e a Social-

Democracia

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Seção 5.1

Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo

Vladimir Ilyich Lenin1 foi estadista, revolucionário e teórico político russo.2 Estudou

por pouco tempo na Universidade de Kazan e depois dedicou-se inteiramente às atividades

revolucionárias. Liderou a 2ª fase da Revolução Russa (bolchevique), logo após ter regressa-

do do exílio, tornando-se presidente do Conselho de Comissários do Povo. Em obras como

Que fazer? (1902) e Estado e Revolução (1917), descreveu a natureza do Estado socialista e

imprimiu uma ênfase diferente à teoria da revolução de Marx ao sublinhar a centralidade da

luta de classes liderada por um partido rigorosamente organizado, e, em O imperialismo,

fase superior do capitalismo (1916), elaborou uma teoria do imperialismo como etapa final

do capitalismo. Por meio da Internacional Comunista, inspirou suas idéias que foram

divulgadas no mundo inteiro. Foi o mais influente líder político e teórico do marxismo no

início do século 20, mas a atração do leninismo declinou no transcorrer do século.

Desde a sua entrada na vida política Lenin defendeu um marxismo violento, denomi-

nado por ele de “marxismo revolucionário”. Recusou a idéia de Marx expressa, no Manifes-

to Comunista, de que “o Estado burguês deve ser substituído pela organização do proletariado

como classe dominante”, isto é, Lenin recusou esperar a vitória do socialismo a partir das

“leis imanentes ao desenvolvimento do capitalismo” e como conseqüência inevitável da

sucessão das estruturas econômicas. Também não aceitou a tese de Engels sobre a possibi-

lidade de se chegar ao socialismo pela via da legalidade democrática e parlamentar. Criticou

e se opôs radicalmente à democracia tradicional capitalista. Para ele, a passagem da demo-

cracia capitalista “que se revela inevitavelmente tacanha e que exclui disfarçadamente os

pobres, sendo por conseqüência hipócrita e enganadora”, para uma democracia cada vez

mais perfeita, não se opera com a simplicidade e com a facilidade imaginadas pelos profes-

sores liberais e pelos pequenos burgueses oportunistas. Segundo Lenin, a evolução pacífica

não bastava, uma vez que o sufrágio universal é um engano. O regime democrático parla-

mentar encontrava-se falseado pela intervenção oculta ou direta dos poderes capitalistas.

Lenin acusou a democracia clássica burguesa de ser truncada, miserável e falsificada; uma

democracia apenas para os ricos, ou seja, para uma minoria; de ser puramente formal, com-

posta exclusivamente por normas constitucionais e de deixar de lado o essencial ao consi-

derar que as soluções econômicas e sociais derivam da política. Na sua convicção, apenas

uma sociedade sem classes resolveria as contradições políticas e permitiria o surgimento de

1 Para compreender melhor as idéias de Lenin, conferir Prélot (1973, p. 69-79).

2 Para aprofundar o tema dos interpretes de Marx, conferir Outhwaite; Bottomore (1996, p. 814).

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uma democracia concreta, em que houvesse liberdade para cada um e em que todos partici-

passem do poder. A vida política deixaria de ser uma luta para se tornar uma comunhão,

graças ao trabalho em comum num espírito de unidade e humanidade.

Rosa Luxemburgo, revolucionária socialista, ajudou a criar o Partido Social-Democra-

ta da Polônia, e em seguida, mudou-se para a Alemanha. Luxemburgo defendeu a causa da

revolução e expôs sua adesão ao reformismo em Reforma social ou revolução (1899). Em

Greve de massas, partido político e sindicatos (1906), propôs a greve de massas, e não a

vanguarda organizada defendida por Lenin, como o mais importante instrumento da revo-

lução proletária. Em sua principal obra teórica, A acumulação do capital (1913), identificou

o imperialismo como uma luta competitiva entre nações capitalistas que culminaria no co-

lapso do capitalismo. Fundou com Karl Liebknecht a Liga Espartaquista, e ambos foram

brutalmente assassinados na prisão por oficiais da extrema-direita em 1919, depois da su-

pressão de um malogrado levante em Berlim (Outhwaite; Bottomore, 1996).

Seção 5.2

O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea

O Estado será o objeto central das análises de diferentes estudiosos da Teoria Demo-

crática Contemporânea, principalmente no debate da teoria das elites, da teoria pluralista,

na teoria neomarxista e da teoria participacionista. Este é o objetivo desta seção.

5.2.1. A TEORIA DAS ELITES

Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels integram o grupo de autores consi-

derados elitistas clássicos. São, na verdade, os fundadores da teoria das elites.3 São autores

liberais que entendem a política como uma prática de lideranças que, por sua origem e

formação, atribuem-se o direito de dirigir e comandar as massas populares, as quais, por sua

condição social e histórica, não estão aptas a fazê-lo. Neste contexto, é natural que os

“inferiores” sejam dirigidos pelos “superiores”, que possuem o conhecimento da arte de co-

mandar. Para os referidos autores (apud Pio; Porto, 1998), sempre haverá desigualdade na

sociedade, em especial a desigualdade política. Ou seja, sempre existirá uma minoria diri-

gente e uma maioria condenada a ser dirigida, o que significa dizer que a democracia, en-

3 Sobre a teoria das elites, conferir o trabalho de Oliveira (2003).

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quanto “governo do povo”, é uma fantasia inatingível. Ou seja, os elitistas rejeitam a teoria

clássica da democracia, bem como o ideal democrático rousseauniano – de autogoverno das

massas que, é, pois, descartado como utópico. A teoria das elites encontra sua fundamenta-

ção teórica nas idéias de Max Weber, para quem a democracia é um antídoto contra o avan-

ço totalitário da burocracia. O autor entende que a política deve ser exercida por profissio-

nais e não por aquele político que não tem vocação.

Para os elitistas, a igualdade é impossível. As massas são necessariamente governadas

por uma minoria, que se impõe até mesmo no seio dos partidos que se qualificam a si mes-

mos de democráticos.

Os autores da teoria das elites defendem que, na vida política, há pouco espaço para a

participação democrática e o desenvolvimento coletivo. Quanto à democracia, definem-na

como meio de escolher pessoas encarregadas de tomar decisões e de impor alguns limites a

seus excessos.

A seguir, as principais concepções e diferenças entre os autores:

Pareto (1848-1923)

Fervoroso partidário do liberalismo econômico, adversário do socialismo, recu-

sou a concepção marxista da luta de classes. Em sua substituição, propõe a teoria da

“circulação das elites”, que explica a história como “a contínua substituição de um

escol por outro” (Schwartzenberg, 1979, p. 226).

Pareto afirma que elite é o nome dado ao grupo de indivíduos que demonstram

possuir o grau máximo de capacidade, cada qual em seu ramo de atividade. Cada um

desses ramos inclui algumas pessoas que são as mais bem-sucedidas, e a reunião delas

forma a elite. Para ele, toda sociedade está sempre dividida em uma “elite” e uma

“não-elite”.

Mosca (1858-1941)

Diferentemente de Pareto, que tem uma abordagem psicológica, Mosca tem uma

abordagem organizacional. Foi professor, deputado e senador italiano. Publica os Ele-

mentos da ciência política, em 1896, e impõe a idéia de “classe dirigente”, segundo a

qual todas as sociedades assentam-se na distinção entre dirigentes e dirigidos. O po-

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POLÍTICAS PÚBLICAS

der, segundo ele, não pode ser exercido por um só indivíduo e nem pelo conjunto dos

cidadãos, mas somente por uma minoria organizada: a “classe dirigente” (“classe po-

lítica”). A classe dirigente é esta minoria de pessoas que detém o poder (verdadeira

classe social) (Schwartzenberg, 1979).

Para Mosca (apud Pio; Porto, 1998), a elite política deriva do fato de que seus

membros são aqueles que possuem um atributo altamente valorizado e de muita influ-

ência na sociedade em que vivem, isto é, possuem qualidades que lhes conferem certa

superioridade material, intelectual e mesmo moral, ou são herdeiros de indivíduos que

possuem tais qualidades. Em síntese, o conceito de elite, para Mosca, é uma minoria

com interesses homogêneos e, devido a essa homogeneidade, de fácil organização. É

justamente essa organização que explica sua capacidade de domínio sobre as massas.

Michels (1876-1936)

Contrariando Mosca, que se recusou a aprovar as leis fascistas sobre as prerro-

gativas do chefe do governo, Michels se tornou um defensor das idéias fascistas, esta-

belecendo, inclusive, uma amizade com o próprio Mussolini.

Segundo Michels (apud Schwartzenberg, 1979), as massas não podem atuar,

dirigir, governar por si próprias. O governo direto das massas esbarra numa “impossi-

bilidade mecânica e técnica”. Defende a “lei de ferro da oligarquia”. Isto quer dizer:

“Quem diz organização, diz tendência para a oligarquia”. Em cada organização, prin-

cipalmente nos partidos políticos, o pendor aristocrático será preponderante. Observa

Michels que em todas as organizações os dirigentes tendem a se opor aos aderentes, a

formar um círculo interno mais ou menos fechado e a se perpetuar no poder.

Assim, a “lei de ferro da oligarquia”, de Michels, significa a dependência política das

massas em relação às lideranças dos partidos. Os líderes resolvem os problemas de ação

coletiva do partido, ou seja, pagam a maior parte dos custos para a obtenção dos bens

coletivos que o partido provê e, por essa razão, são valorizados e mesmo considerados im-

prescindíveis pelas massas (Pio; Porto, 1998, p. 294-295). Para o elitismo, a desigualdade é

um fato natural entre os seres humanos. Pode-se afirmar que a teoria das elites é

antidemocrática na medida em que condena como impossível qualquer forma de governo do

povo.

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É exatamente esta visão (teoria das elites) que, sobretudo a partir da teoria de Schumpeter,

publicada nos anos 40, se torna a base da tendência dominante da teoria democrática (teoria

pluralista) e penetra profundamente na concepção corrente sobre a democracia.

Para Schumpeter (1984), a democracia direta é inviável porque nem todos na socieda-

de estão no mesmo estágio de desenvolvimento cultural. O autor critica as teorias clássica e

liberal da democracia pelo seu idealismo e utopia. A democracia é apenas um processo elei-

toral. Importa saber como as democracias funcionam e não como elas devem ser.

Neste sentido, a democracia não está ligada a um ideal ou fim; ela é um método polí-

tico, um tipo de arranjo institucional para se chegar a decisões políticas. Sua definição é

processual. Quanto à participação, fica restrita, e o sufrágio não precisa ser universal, de-

vendo ser suficiente para manter a máquina eleitoral.

Assim, existem os líderes e os seguidores, os que não estão interessados e os que são

mal-informados. Segundo Schumpeter, os objetivos da sociedade devem ser formulados por

líderes, por uma elite que seja politicamente atuante, que possa devotar-se ao estudo dos

problemas sociais relevantes e seja capaz de compreendê-los. Em outras palavras, o cidadão

comum é mal-informado e facilmente influenciado pela propaganda política. Vulnerável,

portanto. Aos eleitores cabe apenas decidir qual grupo de líderes (políticos) deseja levar a

cabo no processo de tomada de decisão. Ou seja, os eleitores não decidem nada, apenas

escolhem. As decisões devem ser tomadas por especialistas, pois a maior parte dos cidadãos

são desinformados e desinteressados e até mesmo mal-informados e irracionais, com pouca

tolerância pelas opiniões políticas rivais.

A democracia é entendida como concorrencial (eleições dos líderes apenas). O autor é

contrário à doutrina clássica da democracia (a democracia é o método para promover o bem

comum mediante a tomada de decisão pelo próprio povo, com a intermediação de seus re-

presentantes). Para Schumpeter (1984, p. 336), “o método democrático é aquele acordo

institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de

decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.

Anthony Downs, seguidor de Schumpeter, propõe o emprego de regras da economia

como referência para um governo que se almeja racional e democrático. Downs, defensor da

teoria da escolha racional, vê o indivíduo como ator político racional, pois estão em jogo as

preferências de cada indivíduo, o seu agir estratégico e o custo e benefício de uma ação

(maximizar a satisfação e minimizar os danos). Em síntese, a ação é eficientemente planeja-

da para alcançar os fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados do ator, seja

ele o governo ou os cidadãos de uma democracia.4

4 O teórico Mancur Olson comunga com as idéias de Schumpeter ao afirmar que o povo não sabe tomar decisões políticas.

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5.2.2. A TEORIA PLURALISTA

A teoria pluralista da democracia política norte-americana tem em Tocqueville o seu

precursor. Ganhou evidência a partir de 1940 com Parson e Truman. O maior expoente,

porém, é Robert Dahl, com a obra Um prefácio à teoria democrática, de 1989. Segundo

Outhwaite e Bottomore (1996, p. 575), “nas mãos de Dahl o pluralismo torna-se uma teoria

da competição política estável e relativamente aberta e das condições institucionais e

normativas que a sustentam”.

O pluralismo é considerado o elitismo democrático na teoria política contemporânea.

Para os pluralistas clássicos, a democracia não parece requerer um alto grau de envolvimento

ativo de todos os cidadãos; ela pode funcionar muito bem sem ele. Pelo contrário, a apatia

política pode refletir a saúde da democracia (Held, 1987). Nas palavras de Carnoy (1994), a

teoria política pluralista é a ideologia oficial das democracias capitalistas. Para a tese

pluralista, não existe uma classe dirigente, mas numerosas categorias dirigentes, que umas

vezes cooperam, outras se combatem, mas de certo modo se equilibram e representam as

pressões da base (Schwartzenberg, 1979, p. 673).

A teoria pluralista opõe-se à concentração de poder por parte do Estado. Ou seja, é

contra o estatismo (o poder é descentralizado e administrado por outras instituições). Em

outras palavras, é a sociedade com diversos centros de poder, mas nenhum deles totalmente

soberano. Para Dahl (2001), um dos mais importantes expoentes do pluralismo democráti-

co, o Estado é considerado um elemento neutro, cujo papel é promover a conciliação dos

interesses que interagem na sociedade segundo a lógica do mercado. Assim, a multiplicidade

de centros de poder complementa a existência das minorias concorrentes. Dahl chamou

estes diversos centros de poder de “poliarquias”.5

O estudo clássico de Robert Dahl, Polyarchy: participation and opposition, publicado

pela primeira vez em 1972, apresenta oito garantias institucionais da poliarquia: a) liberda-

de de formar e se integrar a organizações; b) liberdade de expressão; c) direito de voto; d)

elegibilidade para cargos políticos; e) direito de líderes políticos competirem por meio da

votação; f) fontes alternativas de informação; g) eleições livres e idôneas e h) existência de

instituições que garantam que as políticas governamentais dependam de eleições e de ou-

tras manifestações de preferência da população.

5 Dahl apresenta um diferenciação substancial entre democracia e poliarquia. Democracia é um ideal não alcançado. Poliarquia é ogoverno de muitos, capaz de garantir e proteger a liberdade de expressão; liberdade de formar e participar de organizações; acesso àinformação; eleições livres; competição de líderes pelo apoio do eleitorado e, ainda, instituições destinadas a formular a políticagovernamental (Oliveira, 2003).

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O pluralismo também é chamado de política competitiva das elites. Dahl define elite

como um grupo minoritário que exerce uma dominação política sobre uma maioria dentro

de um sistema de poder democrático. No pluralismo alguns poucos tomam as decisões polí-

ticas (é o governo das minorias).

O pluralismo opõe-se à concepção participacionista da teoria democrática, que vê a

solução na participação mais ampla possível dos cidadãos nas decisões políticas. Em sínte-

se, os pluralistas nunca sentiram-se muito confortáveis com o sufrágio universal e com o

governo da maioria.

Na visão dos pluralistas, o poder está disperso em toda a sociedade, é não-hierárquico

e estruturado de forma competitiva. Havendo pluralidade de pontos de pressão, surgem vá-

rias formulações concorrentes de linhas políticas e vários centros de tomadas de decisão

(Held, 1987).

As idéias da teoria pluralista são compatíveis com a doutrina constitucionalista, tam-

bém conhecida como teoria democrática elitista, institucionalista, procedimental, descriti-

va/normativa ou concorrencial. O pluralismo, na visão norte-americana, é uma doutrina da

competição política.

Para Dahl, a poliarquia é o sistema político das sociedades industriais modernas, ca-

racterizado por uma forte descentralização dos recursos do poder e no seio do qual as deci-

sões essenciais são tomadas a partir de uma livre negociação entre pluralidades de grupos

autônomos e concorrentes, mas ligados mutuamente por um acordo mínimo sobre as regras

do jogo social e político.

5.2.3. A TEORIA NEOMARXISTA

Os princípios teóricos neomarxistas – Nikos Poulantzas, Ralph Miliband e Claus Offe

–rejeitam tanto a tese “elitista” de Michels quanto a tese “pluralista” de Dahl. A primeira

porque não assenta o poder na detenção dos meios de produção. A segunda, sobretudo,

porque seria uma tentativa de “camuflagem”, dando crédito à ilusão liberal da ordem polí-

tica autônoma (Schwartzenberg, 1979).

A Filosofia de Poulantzas com a obra Poder político e classes sociais, publicada

pela primeira vez em 1968, centra-se na reflexão sobre o papel do Estado nas sociedades

modernas.

Para Poulantzas, a tese da pluralidade das elites “é apenas uma reação ideológica

típica à teoria marxista do político: a da corrente funcionalista”. Esta tese visa a esconder a

luta das classes e a verdadeira natureza do poder do Estado. Considerando o poder como

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POLÍTICAS PÚBLICAS

que disperso entre diversos grupos, os “elitistas-pluralistas” querem fazer esquecer a reali-

dade do poder da classe dominante, para fazer crer, pelo contrário, na autonomia do políti-

co e na neutralidade do Estado. Segundo este, parece que a tese elitista de Mosca, Pareto e

Michels procura ter sempre por finalidade sustentar o esquema geral do domínio político.

Para um pensador marxista, no entanto, é evidente que a classe politicamente dirigente

identifica-se necessariamente com a classe economicamente dominante (aqueles que pos-

suem os meios de produção) (Schwartzenberg, 1979).

Em síntese, os neomarxistas, especialmente Poulantzas, travaram discussões com os

pluralistas, principalmente no que se refere às relações entre economia, classes sociais e

Estado. Para os neomarxistas, as relações de classe são relações de poder; e as políticas

estatais são reflexos dos interesses do capital.

Os neomarxistas concebem o Estado como configurado pela luta de classes, de forma

direta ou indireta. Poulantzas argumenta que democracia é socialismo e não há socialismo

verdadeiro que não seja democracia. Por outro lado, Poulantzas defende que se deva manter

a democracia representativa, no entanto somente uma transição ao socialismo pode expan-

dir e aprofundar mais a democracia sob essas condições. Para este teórico, o Estado não é

mais simplesmente um aparelho repressivo ou os aparelhos ideológicos e repressivos da bur-

guesia, mas é produto da luta de classes (Schwartzenberg, 1979).

Diferentemente de Poulantzas, que rejeita a noção de elite, Miliband considera possí-

vel admitir o conceito de elite e até reconhecer a sua pluralidade. Não se pode, contudo,

omitir que as elites, ainda que diversificadas, pertencem sempre à classe dominante. Elites

distintas existem na sociedade capitalista (elites econômicas, políticas, etc.), mas todas fa-

zem parte da classe dominante (Schwartzenberg, 1979).

Na visão de Claus Offe, a burocracia de Estado representa os interesses dos capitalis-

tas, pois ele depende da acumulação de capital para continuar existindo como Estado. O

autor vê o Estado como um mediador das crises capitalistas – um administrador de crises.

5.2.4. A TEORIA PARTICIPACIONISTA (MACPHERSON, HELD E PATEMAN)

A origem da referida teoria pode ser encontrada em Rousseau6 na defesa teórica da

democracia direta do contrato social. Contrariando a teoria pluralista, surge a escola da

teoria participativa, que entende que a democracia não se limita à seleção de líderes políti-

cos, mas supõe, igualmente, a participação dos cidadãos. Os autores desta corrente fazem

também uma crítica à abordagem elitista.

6 Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da participação (Pateman, 1992).

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Carole Pateman é uma das principais autoras que defendem a teoria participativa. As

suas idéias centrais estão expostas na sua obra clássica Participation and Democratic Theory,

escrita em 1970. Pateman apresenta, no primeiro capítulo, as Teorias recentes da democracia

e o “mito clássico”. A autora analisa a crítica dos teóricos institucionalistas à teoria clássica

de democracia, dominante até então. Os institucionalistas refutam com veemência a teoria

política clássica de democracia porque a consideram perigosa na medida em que abre espa-

ço para a participação popular na política (a República de Weimar, baseada na participação

das massas com tendências fascistas, é citada como exemplo).7

Os teóricos da teoria clássica da democracia vêm da tradição de Thomas Madison e

encontram em Locke, Rousseau, Tocqueville, Mill e Bentham seus principais representan-

tes. Por outro lado, Mosca, Michels, Schumpeter, Berelson, Dahl e Sartori integram o grupo

dos teóricos que refutam o idealismo dos teóricos clássicos. Para estes teóricos, a participa-

ção não tem um papel especial ou central. Tudo o que se pode dizer é que um número

suficiente de cidadãos participa para manter a máquina eleitoral – os arranjos institucionais

– funcionando de modo satisfatório.8

Como foi mencionado, o pressuposto da teoria institucionalista da democracia (teoria elitista)

resume-se em considerar que o povo deve seguir as diretrizes da elite e não questioná-las.

Oposta à visão dos institucionalistas, a corrente da teoria participacionista vê o maior

grau de participação direta da sociedade civil, na função de governo, como condição funda-

mental para a construção de um Estado democrático, desenvolvido politicamente.

Ao buscar a origem da corrente da democracia participativa, constata-se que remete

para os anos 60 do século passado, quando as idéias que configuram esta proposta vêem-se

envolvidas no clima de transformações vividas nos campi universitários, nas escolas, nas

fábricas, nos lares, nas ruas das grandes urbes. Os participacionistas, segundo Vitullo,

buscavam sustento e consistência teórica às propostas alternativas dos novos atores que apareci-

am em cena, e dar algum grau de sistematicidade a suas demandas e reivindicações. Procuravam

construir um modelo de democracia que, resgatando a participação como um valor fundamen-

tal, pudesse se opor ao modelo centrado da teoria das elites, já então predominante. Em suma,

para os teóricos que defendem esta corrente, sem participação não seria possível pensar em uma

sociedade mais humana e eqüitativa (1999, p. 9).

7 O medo de que a participação ativa da população no processo político levasse direto ao totalitarismo permeia todo o discurso de Sartori.Da mesma forma, para Dahl, um aumento da taxa de participação poderia apresentar um perigo para a estabilidade do sistemademocrático.

8 Na teoria de Schumpeter, os únicos meios de participação abertos ao cidadão são os votos para líder e a discussão. O autor (1984) propõeuma definição de democracia que rompe com o ideal clássico ligado à etimologia da palavra. A democracia deixa de ser entendida comoo “governo do povo” e passa a ser entendida como um método ou procedimento de escolha de lideranças que devem conduzir oscomplexos assuntos públicos das sociedades modernas.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Ainda segundo a descrição de Vitullo (1999), a corrente participativista nega-se a

aceitar que a democracia seja apenas um método de seleção de líderes por parte de um

conjunto de cidadãos desinformados, desinteressados, alienados e apáticos. Não con-

corda com o modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a perspectiva

atemorizada do mundo político. Para os teóricos que defendem esta corrente, a democra-

cia deveria ir além do simples voto individual e da escolha não -refletida. Os

participacionistas propõem, ainda, a ampliação do entendimento de política. Os autores

que defendem esta linha entendem que é preciso democratizar todos os espaços em que

interagem os indivíduos. Procuram levar a democracia à vida cotidiana das pessoas nos

mais diferentes âmbitos, tornando estas politicamente mais responsáveis, ativas e com-

prometidas, estimulando-as a construir um maior grau de consciência em relação aos

interesses dos grupos.

Os participacionistas criticam a democracia com seus instrumentos procedimentais,

não se contentam com o simples fato do comparecimento às urnas a cada dois, três ou

quatro anos, como a única e quase exclusiva atividade que cabe ao cidadão comum em

uma democracia. Ambicionam atividades mais comprometidas, aspiram estabelecer a demo-

cracia direta em diversas esferas e atividades. Procuram maximizar as oportunidades de

todos os cidadãos intervirem, eles mesmos, na adoção das decisões que afetam sua vida, em

todas as discussões e deliberações que levem à formulação e instituição de tais decisões

(Vitullo, 1999).

Os participacionistas buscam multiplicar as práticas democráticas, institucionalizando-

as dentro da maior diversidade de relações sociais, dentro de novos âmbitos e contextos:

instituições educativas e culturais, serviços de saúde, agências de bem-estar e serviços sociais,

centros de pesquisa científica, meios de comunicação, entidades desportivas, organizações

religiosas, instituições de caridade, em síntese, na ampla gama de associações voluntárias

existentes nas sociedades atuais (Vitullo, 1999).

No entendimento de Pateman, para que ocorra uma forma de governo democrático é

imprescindível a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade na qual

todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e em que a socialização possa

ocorrer em todas as áreas. Para concluir, segundo Pateman (1992), a área mais importante

de participação é o seu próprio lugar de trabalho, ou seja, a indústria, pois é exatamente

ali que a maioria dos indivíduos despende grande parte de sua vida e pode propiciar uma

educação na administração dos assuntos coletivos, praticamente sem paralelo em outros

lugares.

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Seção 5.3

A Procedência do Estado do Bem-Estar Social:a Teoria Keynesiana e a Social-Democracia

O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Grã-

Bretanha e foi difundido após a 2ª Guerra Mundial, opondo-se

ao modelo liberal de Estado (laissez-faire), que foi dominante

durante todo o século 19 e início do século 20. O modelo liberal

prescindia da existência do Estado. Isto é, o papel do Estado era

apenas de proteger o indivíduo em seus direitos naturais (direito

à vida, à liberdade e à propriedade), deixando que a economia se

regulasse pela “mão invisível” do próprio mercado. Em outras

palavras, o Estado não deveria intervir na economia. Com a crise

do modelo liberal, no entanto, com o crash (quebra) da Bolsa de

Valores de Nova York de 1929 (Grande Depressão), o Estado foi

“convocado” a salvar a falida economia capitalista. Ente 1930 e

1940 o Estado passou a instituir e financiar programas e planos

de ação destinados a promover interesses sociais coletivos de seus

membros, além de subsidiar, estatizar e socorrer empresas falidas.

O Estado de Bem-Estar Social teve a sua fundamentação

teórica em John Maynard Keynes.

Para este autor, o Estado deve assumir um papel de lideran-

ça na promoção do crescimento e do bem-estar material e na

regulação da sociedade civil. Em outras palavras, os mercados

livres não regulados, por si sós, não conseguem gerar crescimen-

to estável, nem eliminar as crises econômicas, o desemprego e a

inflação. Keynes defende a idéia de que o Estado tenha um papel

central no crescimento e no bem-estar material. Em sua teoria, o

pleno emprego ganhava prioridade como um direito do cidadão.

Referindo-se ao Estado Social, pode-se afirmar que foi com

a Constituição mexicana, de 1917, e a Constituição de Weimar,

de 1919, que o modelo constitucional do Welfare State, ou o

Estado de Bem-Estar Social,9 principiou sua construção.

9 Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social, conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 522).

Laissez-faire

É a expressão clássica da livre-concorrência, gerando acompetição entre as pessoas.

Welfare State

Estado de bem-estar social

(em inglês: Welfare State):também conhecido como

Estado-providência, é um tipode organização política eeconômica que coloca o

Estado (nação) como agenteda promoção (protetor e

defensor) social e organizadorda economia.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Estado_de_bem-estar_social>.Acesso em: maio 2009.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Como já mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa

muitos anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do proje-

to liberal transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do

século 20, ganhando contornos definitivos após a 2ª Guerra Mundial. Para Morais (2002),

a história dessa passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos operários pela

conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social. Característica

do Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20. Assim, o

Estado, com sua ordem jurídica, implica intervenção.

Cabe lembrar e reconhecer, conforme evidencia Morais (2002, p. 35), “que o processo

de crescimento/aprofundamento/transformação do papel, do conteúdo e das formas de atua-

ção do Estado não beneficiou unicamente as classes trabalhadoras”. O papel do Estado, em

vários setores, possibilitou investimentos em estruturas básicas que alavancaram o processo

produtivo industrial, as quais mostraram-se viáveis para o investimento privado (como a

construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.).

Essa dupla face faz parte da peculiar trajetória do Estado social, em que a intervenção

pública refletia as reivindicações dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, a ação

intervencionista do Estado tornava possível a flexibilização do sistema, o que garantia a

sua própria manutenção e continuidade, bem como dava condições de infra-estrutura para

o seu desenvolvimento.

Constatado o progresso nas atividades econômicas, sociais, previdenciárias, educacio-

nais, entre outras, o Estado visto como liberal vê-se a um passo de um Estado social. Cabe

destacar que a presença do Estado se faz absolutamente necessária para a correção de

desequilíbrios muito grandes a que são submetidas as sociedades ocidentais que, por sua

vez, não têm um comportamento disciplinar com relação a sua economia, ou seja, não pos-

suem um planejamento centralizado.

Nesse ínterim, o Estado passa a assumir um papel de controlador, regulador da econo-

mia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Assim, o Estado torna-se um

gigante, um grande empregador, conferindo complexidade à vida social. Fala-se, nesse mo-

mento, da burocracia estatal (Bastos, 1999).

Segundo diversos estudiosos, até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a

ideologia oficial do que chamavam de compromisso de classe, quando diferentes grupos

podiam entrar em conflito nos limites do sistema capitalista e democrático. Por esse motivo,

a crise do keynesianismo é entendida como uma crise do capitalismo democrático.

O keynesianismo, desde o pós-guerra, defende a tese de que o Estado pode harmoni-

zar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia.

São fornecidas as bases para que ocorra o compromisso de classe, oferecendo aos partidos

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políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para que exerçam o governo em

sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de emprego e na redistribuição de

renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado é visto como provedor de

serviços sociais e também um regulador de mercado, constituindo-se, dessa forma, no media-

dor das relações e dos conflitos sociais.

A crise do keynesianismo, portanto, nada mais é do que o conflito das políticas de

administração de demanda, isto é, quando aparecem sinais de insuficiência de capital, as

políticas que são voltadas à eliminação da junção entre a produção corrente e a produção

potencial não mais apontam soluções.

Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio

do Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria

disfunção ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado

conserva aqueles valores jurídico-políticos clássicos, mas em consonância com o sentido

que vem tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as condições da

sociedade do momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e direitos com

relação às prestações do Estado. Faz-se necessário corrigir o individualismo liberal por meio

de garantias coletivas. Isso se dá pela correção do liberalismo clássico, pela reunião do

capitalismo na busca do bem-estar social, que é a fórmula geradora do Welfare State

neocapitalista no pós-2ª Guerra Mundial.

Na Europa Ocidental esse modelo político-econômico foi chamado de Estado de Bem-

Estar Social (Welfare State); na América Latina ficou conhecido como desenvolvimentismo

e, nos Estados Unidos da América, esse modelo de Estado foi denominado de New Deal e

colocado em prática por Franklin Delano Roosevel entre os anos de 1933 e 1940. Este mode-

lo tinha como finalidade promover a recuperação da Grande Depressão e corrigir os defeitos

no sistema que se acreditava terem sido por ela revelados. Entre as medidas tomadas pelo

New Deal nos EUA estavam: a) substancial libertação da política monetária das restrições

do padrão-ouro e maior aceitação da responsabilidade da política monetária para a estabi-

lização da economia; b) crescente confiança na política orçamentária governamental para

levar a cabo e manter altos níveis de emprego; c) instituição do Estado de Bem-Estar Social

(o fortalecimento do sistema de seguridade social, fornecendo benefícios de aposentadoria

para trabalhadores; sistema de seguro-desemprego; o fornecimento de auxílio financeiro a

famílias pobres com filhos dependentes); d) intervenção do governo para controlar preços e

produção agrícola; e) promoção governamental da organização sindical; f) novo ou amplia-

do controle governamental de preços, tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia,

comunicação e indústria financeira e, g) movimento no sentido de uma política mais liberal

de comércio internacional.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

O Estado de Bem-Estar Social alcança seu ápice entre os anos 40 e 70 (considerados

os anos de ouro do capitalismo). A partir da década de 70 o Estado de Bem-Estar Social

começa a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas questões sociais (saú-

de, emprego, moradia, previdência e educação). Os gastos sociais aumentam, o que desen-

cadeia uma crise fiscal do Estado, além de estancamento econômico, elevadas taxas de

desemprego e inflação. Ressurge a defesa das idéias liberais do livre mercado, agora sob um

novo rótulo chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal interlocutor.

Para Hayek, a vida social sob a égide do Estado é o caminho indefectível para a servidão. A

crítica dos neoliberais incide sobre o dirigismo e a planificação do Estado sobre a economia,

ou seja, defendem o mercado desregulamentado e menos pressões tributárias.

SÍNTESE DA UNIDADE 5

Procurou-se expor, nesta Unidade, idéias e autores que tratassem

das crises e das transformações do Estado no século 20. Desde as

teorias de Lenin e Rosa Luxemburgo (experiências totalitárias),

passando pelos diferentes entendimentos do Estado na Teoria De-

mocrática, até a experiência do Estado de Bem-Estar Social na

Europa. Em síntese, o Estado de Bem-Estar social foi instituído

basicamente por partidos social-democratas, delimitando uma ter-

ceira via entre o socialismo de esquerda e o liberalismo de direita.

Os social-democratas prevêem uma passagem gradual do capita-

lismo ao socialismo exclusivamente pelas vias eleitorais e parla-

mentares.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 6Unidade 6Unidade 6Unidade 6

ESTADO, SOCIEDADE E CIDADANIA NO BRASIL

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Discorrer sobre o Estado, a sociedade e a cidadania no Brasil.

• Analisar a ausência de direitos e de poder público no Brasil colonial. A conquista lusitana,

o latifúndio, a monocultura de exportação, o analfabetismo e a escravidão são “pesos nega-

tivos do passado” que ainda determinam a vida social, econômica e política do Brasil.

• Apresentar dois fatos históricos mais relevantes do Brasil do século 19 – a Independência

e a República –, destacando-se a quase nula participação de grande parte do povo nesses

processos.

• Discutir os vícios institucionais e culturais da política brasileira (patrimonialismo,

coronelismo, populismo), a partir de alguns clássicos das Ciências Sociais do Brasil.

• Referenciar que, diferentemente de outros países, os direitos sociais emergem no Brasil em

regimes políticos ditatoriais, que excluem inexoravelmente os direitos políticos e civis.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 6.1 – Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público

6.1.1 A “conquista” da terra brasilis

6.1.2 A escravidão

6.1.3 O analfabetismo

Seção 6.2 – A Formação do Estado no Brasil: Participação Incipiente

na Independência e na República

6.2.1 Um Estado sem nação

6.2.2 Uma República sem povo

Seção 6.3 – Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira

Seção 6.4 – Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem

Seção 6.5 – Síntese sobre o Estado e a Sociedade no Brasil

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Tratar da construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da História.

Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens, percebe-se que

a consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros. Muito se tem

discutido na academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas instituições

políticas e na opinião pública, mas, concretamente, é um conceito ainda a ser construído.

Após a ditadura militar (1964-1985), pensava-se que, finalmente, os ares da democra-

cia e da cidadania iriam pairar no cenário político-social brasileiro. A democracia poliárquica,

no entanto, descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres, partidos polí-

ticos consolidados, Congresso Nacional autônomo), não garantiu avanços significativos e

a democracia social (igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda é utopia

para milhões de brasileiros. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a democracia

social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas e os políticos têm passado por um

alto grau de descrédito junto a opinião pública do país. Da mesma forma, a cidadania é

incipiente num país em que predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade

social e a violência difusa.

Diante dessa situação, questiona-se: Quais os principais obstáculos para a constru-

ção da cidadania brasileira? A difícil efetivação da cidadania no Brasil está relacionada

exclusivamente ao “peso do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem influenciar

essa realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais, civis e

políticos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil, em comparação com ou-

tros países? Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta Unida-

de. Para tanto, recorremos à fundamentação teórica de autores das Ciências Sociais, reco-

nhecidos estudiosos do tema.

A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém dos

gregos, especificamente por volta do ano 380 a.C. (período do apogeu daquela civilização).

Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se afirmar que

tanto a democracia quanto a cidadania gregas não deixam de ser conquistas inéditas e

avanços significativos para a História ocidental.1 A evolução e a real consolidação da cida-

dania, no entanto, dão-se na Modernidade.2 Junto com a cidadania moderna nascem os

direitos naturais (vida, propriedade, liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas

consecutivas “Declarações de Direitos”, elaboradas a partir das revoluções liberais na In-

glaterra (Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados Unidos (emancipação política, 1776) e Fran-

ça (Revolução Francesa, 1789).3

1 O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente analisado por renomadosteóricos, como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Barker (1978), Kitto (1970), entre outros.

2 Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade, conferir o trabalho de Domingues (2001).

3 Da mesma forma, não convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores: Saes (2000), Moisés(2005) e Marshall (1967).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Seção 6.1

Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público

Inicialmente é preciso referir que, no Brasil, a construção da cidadania não seguiu a

lógica da trajetória inglesa. Houve no Brasil, segundo Carvalho (2002), pelo menos duas

diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em

relação aos outros; a segunda diz respeito à alteração na seqüência em que os direitos

foram adquiridos: entre nós os sociais precederam os outros.

Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está liga-

da, como explicita Carvalho (2002, p. 18), ao “peso do passado”, mais especificamente ao

período colonial (1500-1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país

dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma

população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifun-

diária, um Estado Absolutista”. Em suma, foram 322 anos sem poder público, sem Estado,

sem nação e sem cidadania.

6.1.1. A “CONQUISTA” DA TERRA BRASILIS

Já no princípio da História do Brasil as contradições apareceram. Primeiro, pode-se

afirmar que o Brasil não foi “descoberto”, conforme comumente é mencionado, mas sim

“conquistado” pelos europeus (portugueses). O encontro dessas duas culturas (a européia

versus a dos povos nativos das Américas) resultou no confronto trágico de duas forças em

que uma pereceu necessariamente, um encontro pouco amigável entre duas civilizações:

uma considerada “desenvolvida”, por conhecer certas tecnologias (a irrigação, o ferro e a

utilização do cavalo) versus a nativa (“desconhecida” e, por isso mesmo, considerada “bár-

bara”). Os nativos viviam em contato com a natureza, seguiam uma religião diferente do

cristianismo europeu. Suas crenças eram mescladas com os elementos da natureza: a Lua, o

Sol, as estrelas. Até mesmo a palavra “índio” foi o nome dado pelos europeus ao se confron-

tarem com o “outro” a quem deu o nome, no caso, acabou se apossando, ficando dono.4

Antes de o europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos

religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza como

um todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força e

conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do

4 Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).

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Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O

resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de mi-

lhões de índios.5 Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo ho-

mem “civilizado”. Calcula-se que havia no Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4

milhões de índios. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (Carvalho, 2002). A demografia

indígena, porém, depois de ter sido reduzida drasticamente, tem crescido de forma significa-

tiva nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, realizado pelo IBGE, 734 mil pessoas

(0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de

440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil pessoas (0,2% dos

brasileiros) se diziam indígenas.6

Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. O Brasil

serviu à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia, forne-

cendo a cana-de-açúcar. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos

negros africanos. Foi assim que no Brasil se configurou o latifúndio monocultor e exporta-

dor de base escravista. Outros ciclos de exploração se sucederam no Brasil, como o da mine-

ração (século 18), do gado, da borracha, do café..., servindo assim, por muito tempo, apenas

como fornecedor de matérias-primas à metrópole (Portugal).7

6.1.2. A ESCRAVIDÃO

No período colonial a cidadania foi negada à quase totalidade da população; os mais

afetados, contudo, foram os escravos negros provenientes do continente africano. Segundo

Carvalho (2002, p. 19), “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão”. Foi por

volta de 1550 que os escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até

1850, 28 anos após a Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na

colônia cerca de 3 milhões de escravos. Na época da Independência, numa população de

cerca de 5 milhões, incluindo 800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos (Carvalho,

2002, p. 19). É importante destacar que em todas as classes sociais desse período haviam

escravos.8

5 Callage Neto (2002, p. 29) argumenta que as sociedades ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo “hibridismo do absolutismoautoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que o precederam na Península Ibérica e umincipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da Revolução Mercantil”.

6 Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do IBGE intitulado: Uma análisedos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este estudo está disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2005.

7 Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Faoro (2001), principalmente o capítulo IV “O Brasil até o governo Geral”.

8 Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Depois de mais de 300 anos o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa do

que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção

da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O

Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra, essen-

cialmente por interesses comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro, insti-

tuído com a Lei Eusébio de Queiroz, que se constituiu num passo importante para a aboli-

ção que só viria a se dar 38 anos mais tarde.

Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua

cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de

novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do

bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o

principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais impor-

tante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que

ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta

de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas)

era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o nome de

algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro, no no-

roeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a noroes-

te de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na época,

atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.

Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o de-

senvolvimento dos Estados nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso,

realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos,

que eram mestres ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de rique-

za, geradora do capitalismo. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na

conquista, na pirataria, no saque e na exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a

acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro, como se suas mãos

tivessem construído as docas e fabricado as máquinas a vapor”.9

O escravo africano, além de sofrer a dominação econômica e religiosa, foi excluído,

igualmente, do pensamento filosófico europeu. Foi considerado um povo a-histórico, irracio-

nal, bárbaro, fechado em si mesmo, sem condições de ascender ao “espírito universal”. Hegel,

no início do século 19, escreveu a obra Filosofia da história universal, na qual se percebe a

ideologia racista, superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à África. Páginas

preconceituosas, que maculam a história da Filosofia mundial.

9 Segundo Fernandes (1978, p. 9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na transição da ordemescravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e mulatos foram inferiores em relação aosbrancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.

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A situação do negro, hoje, continua sendo de marginalização e de exclusão. Por isso,

faz-se necessário a adoção de medidas não apenas afirmativas, mas também transformativas

para a emancipação da etnia negra no país.10 Há muito a fazer para que a verdadeira abolição

da escravidão aconteça, principalmente na questão da educação, acesso ao trabalho e à ren-

da. Índices comprovam que o analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do

IBGE, em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais era de 8,3% para

brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10 anos de idade

ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os negros.

Em relação ao acesso ao trabalho, as diferenças também são expressivas: 6% de brancos

com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador domésti-

co, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na categoria

empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos pretos.

Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por classes, os

dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimento de até um

salário mínimo contra 28,6% dos chefes das famílias pretas e 27,7% das pardas (IBGE, 2000).

Segundo ainda dados do IBGE, em 1999 a população branca que trabalhava tinha rendimen-

to médio de cinco salários mínimos; pretos e pardos alcançavam menos que a metade disso:

dois salários. Essas informações confirmam a existência e a manutenção de uma significativa

desigualdade de renda entre brancos, pretos e pardos na sociedade brasileira.11

6.1.3. O ANALFABETISMO

Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. A maioria da popula-

ção, segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a Independência,

somente 16% da população era alfabetizada.

Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento, enquanto o analfa-

betismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos superio-

res, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de

analfabetos” (Carvalho, 2000b, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era comum a for-

mação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa. Além disso,

Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território, ao contrário da Espanha,

que permitiu, desde o início, a criação de universidades em suas colônias.

10 Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os dilemas entre redistribuiçãoe reconhecimento, pode-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As medidas afirmativas têm por objetivo a correção deresultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultadosindesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz (Matos, 2004).

11 Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de Indicadores – 2000,editada também pelo IBGE.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao núme-

ro de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas

tinham-se formado nas universidades da América espanhola. Só a Universidade do México

formou 39.367 estudantes até a Independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudan-

tes brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872” (Carvalho, 2000b, p. 62),

quadro que será revertido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808. No

final do século 18 somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a

escola. É perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início da

História. Somente em 1879 houve uma reforma que dividiu este curso em Ciências Jurídicas

e Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências

Sociais, as primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas, admi-

nistradores e políticos” (p. 76).

É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos recebiam o título

de doutores, “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em Direito” (p. 90). Os

cargos políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite, principalmente aos proprietá-

rios rurais. Essa mesma elite circulava pelo país e por postos no Judiciário, Legislativo e

Executivo, buscando assegurar vantagens pessoais. Como conclui Carvalho (2002), a buro-

cracia foi a vocação da elite imperial brasileira.

Seção 6.2

A Formação do Estado no Brasil:Participação Incipiente na Independência e na República

Inicialmente cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil

no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real parti-

cipação da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional,

tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O

objetivo desta seção é analisar tais acontecimentos.

6.2.1. UM ESTADO SEM NAÇÃO

Acredita-se que a estruturação da cidadania esteja ligada essencialmente à instaura-

ção de uma nação e de um Estado. Isto é, tem a ver com a formação de uma identidade entre

as pessoas (tradição, religião, língua, costumes), com a construção de uma nacionalidade

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ou, sob o aspecto jurídico, com a formação de um Estado. Assim, o sentimento de pertencer

a uma nação é um indicativo importante para tal construção. Sentir-se parte de uma nação

e de um Estado é condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer

que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a

nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma

nação e de um Estado” (Carvalho, 2002, p. 12).

No Brasil, o Estado precedeu a formação da nação. A criação do Estado deu-se exclu-

sivamente pela vontade da elite portuguesa, que aceitou e negociou com a Inglaterra e com

a elite brasileira a “independência” do país. Segundo Carvalho (2002, p. 27), “Graças à

intermediação da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o paga-

mento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas”.

A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma identida-

de própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de nacio-

nalidade ocorreu, na lição de Carvalho (2000b, p. 11), apenas em 1865, na Guerra do

Paraguai. A luta contra o inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe

inspirador), o culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o

Brasil possibilitaram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira

idéia de identidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do

Paraguai”. Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses indivi-

duais, ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi na Independência, como explicita

Costa (1981, p. 65): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e

das vontades individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e

de sonhos de liberdade, faz-se a independência do país”. É importante ressaltar que a notí-

cia da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do

fato ocorrido.

O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real

para o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os

ingleses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a

Independência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do

povo.12

12 Prado Júnior (1993) procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo histórico tendo servidode fundamento teórico para explicar o Brasil. Já Holanda (2000) faz sua análise em Raízes do Brasil, partindo da economia e dasociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. ParaFaoro, a formação do Estado português está na origem do Brasil, que é, essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder daautoridade, pois é dela a distribuição do mesmo.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Em sua obra A construção da ordem: a elite política imperial, Carvalho (1996) trata,

entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite política. O

autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias espanhola e

portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis fragmen-

taram-se politicamente, tornando-se Estados independentes, ao passo que os portugueses

concentraram-se. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos (instabilidade

e rebeliões), os portugueses não recorreram a essas formas violentas. O domínio político

português sobre a Colônia foi intenso, com os capitães-gerais sendo nomeados diretamente

pela Coroa e a ela respondiam.

Deste modo o Brasil herdou, na construção de seu Estado, a burocratização do Estado

moderno, conforme fora descrito por Weber (apud Carvalho, 2000b, p. 23): “A ordem legal, a

burocracia, a jurisdição compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo

da força são características essenciais do Estado moderno”. O Estado moderno utilizou

quatro mecanismos: a burocratização, o monopólio da força, a criação de legitimidade e a

homogeneização da população.

No período imperial existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o

Conservador e o Liberal. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária prove-

niente dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário),

enquanto o segundo voltava-se para os interesses da burguesia progressista, representada

pelos comerciantes (domínio urbano) (p. 182). Afirma Carvalho que, até 1837, não se pode

falar em partido político no Brasil, existindo apenas a maçonaria.

No período colonial, assim como na República Velha (1890-1930), a grande maioria

da população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de

nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos

oposicionistas (abolicionistas, separatistas, monarquistas, anti-republicanos, luta pela ter-

ra...). Eram muitas as formas de luta, no entanto todos os movimentos foram duramente

reprimidos e aniquilados pelo poder central: a Balaiada, no Maranhão, a Cabanagem, no

Pará (a mais violenta, que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha, no Rio Grande do Sul,

além de Canudos, na Bahia, o Contestado, em Santa Catarina, e a Revolta da Vacina, no

Rio de Janeiro, são alguns exemplos de revoltas localizadas.

6.2.2. UMA REPÚBLICA SEM POVO

Assim como a emancipação política (Independência), a Proclamação da República

brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter

golpista e elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi pego de surpresa com

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a instituição do novo regime. A frase de Lobo (apud Carone, 1969, p. 289) é bastante

elucidativa: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que

significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada militar”. Sobre o

caráter golpista da Proclamação da República, assim também se expressou Carvalho (2002,

p. 80): “Além disso, o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e comandado pelos

militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias antes da

data marcada para o início do movimento”.

O processo eleitoral (participação política) entre os eleitores durante os períodos im-

perial e republicano foi insignificante. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da população

livre. Em 1881 os analfabetos foram impedidos de votar. De 1881 até 1930 – fim da Primeira

República –, os votantes não passavam de 5,6% da população. Foram 50 anos de governo,

imperial e republicano, sem povo.13

Até o final da República Velha (1930), portanto, a participação política popular foi

restrita. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um senti-

mento nacional consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram

protagonizados pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo

sem entender muito bem o que se passava.14

Seção 6.3

Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira

Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e

republicano, mas, de certa forma, a história política atual, está relacionado aos “males” ou

“vícios”, como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo,15 o populismo e o

personalismo das nossas instituições e lideranças políticas. Por exemplo, segundo DaMatta

(2000), o populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As

lideranças políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento

13 Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%; 1960 – 18%; 1970 –24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (Carvalho, 2000b, p. 17).

14 Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral,defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para Alberto Torres (apud Carvalho, 2002, p. 93), “asociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la efornecer-lhe esse propósito”.

15 O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo DaMatta (2000, p. 94), que escreve: “O Brasil, atéhoje, combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. Investigação de opinião realizada nos últimos20 anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideraçãomuito mais a pessoa do candidato do que o partido ao qual pertence (Baquero, 2004, p. 156).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

messiânico, que tem suas raízes históricas no sebastianismo por-

tuguês. Vive-se ainda na esperança de que algum “herói sagra-

do”, ou um “salvador da pátria”, desça do Olimpo e resolva os

problemas da população. Como observa Ribeiro (2000, p. 66), as

pessoas carregam a “expectativa messiânica no surgimento de

algum pai da pátria que as livrará do desamparo”. É preciso pa-

rar de esperar por um milagre sobrenatural: “A questão brasileira

é a necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta (2000, p. 104),

igualmente, trata da esperança messiânica da sociedade brasilei-

ra ao declarar que “espera-se um salvador da pátria”.16

Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes

de construir nossa grandeza, quem sabe se um novo Dom Sebas-

tião não o pode fazer por nós” (Carvalho, 2000b, p. 24). O autor

insiste na herança lusitana, que encontrou terreno fértil por es-

tas paragens para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente

foi, e continua sendo, a promiscuidade entre o público e o priva-

do. Assim, corrupção, clientelismo e patrimonialismo parecem se

perpetuar na terra brasilis.17

A análise de Prado Júnior evidencia, da mesma forma, al-

guns vícios da política brasileira, como o clientelismo e a depen-

dência da metrópole.18

No período colonial cerca de 60% da população ainda vivia

no litoral, mas, aos poucos, ocorreu uma migração para o interior

(ciclo da mineração); com a decadência desse modelo econômi-

co, porém, volta-se para o litoral novamente. A economia, no

Messiânico

Entende-se por messianismo aesperança da salvação coletivaposta nas mãos de indivíduosvistos como dotados de donsespeciais.

16 Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política brasileira, vendo nelas acontinuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma cultura personalista (responsabilidadeindividual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano.Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio, e da promiscuidade entreo público e o privado na vida política do país.

17 “O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [...]. O patrimonialismotambém não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do processo de transição” (Carvalho, 2000b, p. 24).Da mesma forma, para Faoro (2001), o patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura política brasileira. Com a instituição docapitalismo, surgiu um Estado de natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronatopolítico brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do poder”. O sistemapatrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casa do soberano. Para Faoro, essaestrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo (in Baquero, 2006).

18 Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do povoamento do Brasil, doTratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu a cultura do cacau e da Companhia de Jesus; emSão Paulo, o bandeirantismo. Escreveu ainda sobre a aliança entre Espanha e Portugal.

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período colonial, era baseada na monocultura com o emprego do trabalho escravo. A Colô-

nia devia fornecer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira

com os parcos excedentes. Quanto à organização social do Brasil, era constituída de escra-

vos (totalmente excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por inter-

médio da Igreja). Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil,

relacionando os pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole,

trabalho braçal/desqualificação e escravidão.

Na Evolução política do Brasil e outros estudos, Prado Júnior (1993) tratou da Colônia

e do processo de ocupação da terra pelas capitanias. Para este autor, “um ensaio de feuda-

lismo que não deu certo”. No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas acabou

prevalecendo o clientelismo político com a doação de sesmarias. O clientelismo não foi uma

prática recorrente apenas no período colonial. Encontra-se tal vício em diferentes momen-

tos do cenário político, evidenciado, inclusive, nas últimas eleições gerais (2006). Esse fenô-

meno é mais amplo e atravessa toda a história política do país. É um tipo de relação que

envolve a concessão de benefícios públicos entre atores políticos. O clientelismo aumentou

com o fim do coronelismo, quando a relação passa a se dar diretamente entre políticos e

setores da população, sem a intermediação do coronel, que perdeu sua capacidade de con-

trolar os votos da população. Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era

visto como importante instrumento de dominação e não como simples empreguismo. O

emprego público irá adquirir importância como fonte de renda nas relações clientelistas

(Carvalho, 1997).

A questão do coronelismo, outra característica da política brasileira, foi tratada por

Victor Nunes Leal, na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada originalmente em 1948.

Na concepção de Leal (apud Carvalho, 1997), o coronelismo é visto como um sistema polí-

tico, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República,

envolvendo compromissos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma:

O que procurei examinar foi, sobretudo, o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema,

mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e as maneiras pelas quais as relações de poder

se desenvolviam na Primeira República, a partir do município (apud Carvalho, 1997).

O autor investigou a relação entre o poder local e o poder nacional, em que o

coronelismo estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico

específico, incrustado na conjuntura política e econômica do Brasil no período da Repúbli-

ca Velha (1889-1930). No âmbito político cria-se o federalismo, em substituição ao centralismo

imperial. A partir do federalismo emergiu um novo ator político com amplos poderes, o pre-

sidente de Estado. No âmbito econômico, segundo Leal, vivia-se a decadência dos fazendei-

ros, que também é comentada por Carvalho (1997):

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus

dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado,

que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo

era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava

o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel.19

Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema

político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do

poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como

um caminho de mão dupla, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:

O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,

sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a profes-

sora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima,

os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu

domínio no Estado. O coronelismo é a fase de processo mais longo de relacionamento entre os

fazendeiros e o governo (Leal, apud Carvalho, 1997).

Leal (1975, p. 20-21) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a ori-

gem do conceito de coronelismo no Brasil:

O tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer

chefe político, a todo e qualquer potentado; até hoje recebem popularmente o tratamento de

“coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos

de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário.

Leal (1975) acredita que o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desor-

ganização dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Ao

coronel estão ligados o voto de cabresto e a capangagem.

Os trabalhadores rurais, desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse

mudança de vida, eram dependentes do coronel:

Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas,

nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o

patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura

existência conhece (p. 25).

A troca de favores era a essência do compromisso coronelista, que consistia em apoiar

os candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais: “enquanto que, da parte da

situação estadual, vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da

facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomea-

ção de funcionários estaduais do lugar” (Leal, 1975, p. 50).

19 O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se no site: <http://www.scielo.br/scielo>.

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Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida po-

lítica brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade

civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização

dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o

conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autori-

dades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus

atos” (Marenco dos Santos, 2003). O accountability (controle democrático) pode ser vertical

(relação governantes e governados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o

próprio governo. Por meio da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar

o próprio poder, empreendendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais

ou inclusive impeachment, conforme o caso.20

Seção 6.4

Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem

A partir dos anos 20 inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política na-

cional. Os tempos agora são outros: influências internas, como o processo crescente de

urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e

a Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valo-

res de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim,

na década de 30, o Brasil vê emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta

data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais

rápido” (Carvalho, 2002, p. 87), principalmente com a criação do Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas,21 em 1943. Fica evidente que,

no Brasil, os direitos sociais não foram conquistados, mas conseqüência de concessões de

governos centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspira-

ção fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois, em 1937, Vargas instaura uma

ditadura apoiada pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Após

esse período o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo

como principal característica política o populismo e o nacionalismo.

20 Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998).

21 Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa legislação foi,em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro”, adotada pelo regime fascista italiano.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Depois da breve experiência democrática o Brasil entrou, do ponto de vista dos direi-

tos civis e políticos, no período mais sombrio da sua História, o da ditadura militar. Houve

perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideran-

ças políticas, sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo.

O AI 1, de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para

a Presidência da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e esta-

beleceu um sistema bipartidário. Já o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de

todos, o que mais fundo atingiu os direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado,

passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o

habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (Carvalho, 2002), houve cassa-

ções de mandatos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da

demissão sumária de funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de

morte por fuzilamento.

No que se refere aos direitos sociais, constata-se que houve uma sensível melhora na

época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fun-

do de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

(FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e

Assistência Social.

Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares

de novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão políti-

ca da oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os

militares deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram cri-

ados e a nova Constituição Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da

resistência de alguns setores conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados

que defendiam as grandes propriedades rurais), foi considerada a mais liberal de todas. O

presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, na época a chamou de “Constituição Ci-

dadã”.

Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes

desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas

taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em

1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (Carvalho, 2002, p. 212). O

Judiciário não cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também,

um número reduzido de defensores públicos.

Deu-se, no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os direi-

tos sociais, depois os políticos e civis, como argumenta Carvalho (2002, p. 220):

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Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos

políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os

direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em

outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em

peça decorativa do regime.

Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos

direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da popu-

lação. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).22

Seção 6.5

Síntese Sobre o Estado e a Sociedade no Brasil

– no Brasil o Estado vem antes da nação (o Estado funda a nação);

– nasce o Estado antes da sociedade civil;

– o Estado agiu com força violenta e opressão desde o início (caça aos índios e escravidão);

– o Estado no Brasil surgiu como vontade impositiva da coroa portuguesa em seu processo

de expansão mercantil;

– um Estado moldado pelo “estamento patrimonialista”;

– patrimonialismo (apropriação do público pelo privado);

– um Estado privatizado pelos que detêm o poder;

– cidadania restrita e regulada;

– antes dos anos 30: modo de produção semifeudal – latifúndio;

– Brasil, após os anos 30: ruptura, marco fundador da sociedade burguesa (antilatifúndio e

antiimperialista); imbricação Estado e sociedade;

– o Brasil adotou uma matriz de desenvolvimento dependente do capital multinacional.

22 No entendimento de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em Marshall (civis, políticose sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

PERÍODO COLONIAL

– “descobrimento” e colonização (extração das riquezas naturais foi a tônica da administra-

ção política portuguesa – metrópole);

– na questão social: preponderante a marca da violência e o desrespeito ao homem;

– caráter parasitário – herança da metrópole portuguesa (tradição ibérica) – estamento bu-

rocrático – patrimonial (Faoro, 2001).

REPÚBLICA VELHA (1890-1930)

– hegemonia das oligarquias rurais (discurso liberal com práticas conservadoras);

– política do café-com-leite;

– coronelismo: O coronelismo é uma forma de relação de dominação que atua no reduzido

cenário do governo loca; seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a dizer os

municípios rurais (Victor Nunes Leal, 1975);

– voto a descoberto;

– corrupção eleitoral;

– violência contra a oposição política;

– baixa participação eleitoral (o número de votantes somente atingiu mais de 5% da popula-

ção em 1930, e somente superou a marca de 10% em 1945) definia a política nacional

como uma política baseada nas oligarquias estaduais.

REVOLUÇÃO DE 1930-1945 (A ERA VARGAS) – ANTECEDENTES (DÉCADA DE 20)

– novos movimentos políticos e artísticos;

– fundação do PC, em 1922;

– tenentismo (Coluna Prestes – uma certa elite procurou fazer a revolução);

– Semana de Arte Moderna: “descobrir” o Brasil;

– crescimento do mercado interno; migração européia;

– urbanização;

– aumento da imigração;

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– aumento dos estabelecimentos industriais;

– aumento do número de operários;

– aumento do número de servidores públicos;

– transformações, mudança de perfil na sociedade e na economia.

MOVIMENTOS E ACONTECIMENTOS POLÍTICOS DA ÉPOCA

– Fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932, por Plínio Salgado – conotação

fascista (partido de direita);

– Revolução Constitucionalista de 1932: São Paulo se levanta contra Vargas;

– Fundação da Aliança Nacional Libertadora por L.C. Prestes, em 1934;

– Fundação da USP (Universidade Federal de São Paulo);

– 1935: levante comunista (ANL);

– 1938: levante integralista.

A REVOLUÇÃO (1930)

– “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, slogan de Antônio Carlos em 1930;

– as massas populares permanecem o parceiro-fantasma no jogo político;

– Estado varguista (autocrático e desenvolvimentista);

– State Building: centralização política e administrativa;

– não houve modificações fundamentais na infra-estrutura econômica (não foi uma revolu-

ção social);

– governo Vargas marcado pelo populismo: é a exaltação do poder público, é o próprio Estado

colocando-se, mediante seu líder, em contato direto com os indivíduos reunidos na massa;

– Vargas, o “pai dos pobres”, mas “mãe dos ricos”;

– ruptura com o Estado oligárquico: início do Estado burguês;

– reordenamento das elites;

– Estado autoritário (pensamento conservador). Não é possível construir um Estado liberal

se a sociedade não é liberal. Por isso a necessidade do Estado (a sociedade precisa ser

tutelada pela centralização política e administrativa);

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POLÍTICAS PÚBLICAS

– sociedade insolidária (Oliveira Vianna);

– país fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico;

– Estado regulador;

– Estado nacional desenvolvimentista (interventor);

– o movimento sindical será atrelado ao Estado;

– conquistas sociais (CLT);

– pouca participação popular;

– a redescoberta do Brasil;

– a construção do Estado e a emergência da sociedade e de suas transformações (desenvol-

vimento e democracia).

ESTADO NOVO (1937)

– Carta Outorgada de Vargas (Estado Novo). Manteve as mesmas diretrizes nacionalistas e

intervencionistas do Estado;

– 1943 (CLT): O Estado “doará” uma legislação trabalhista para os cidadãos

– 1945: Vargas deposto.

1945-1964

– 1946: surgem o PSD – UDN – PTB e PCB;

– 1945-50: política econômica governamental servia aos interesses das empresas privadas

nacionais e estrangeiras;

– 1954: suicídio de Vargas;

– 1955: Juscelino Kubitschek: criação da indústria automobilística, construção de Brasília,

“50 anos em 5”, industrialização via capital estrangeiro;

– 1946-1960: crise política e econômica, inflação, redução de investimentos, diminuição de

capital externo;

– João Goulart: reformas de base;

– 1962-63: greves operárias, invasões de propriedades agrárias, insubordinação nas Forças

Armadas;

– a classe dominante dá a resposta: se a democracia ameaça o poder, elimina-se a democracia.

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DITADURA MILITAR (1964-1985)

– organização das elites;

– as intensificações do autoritarismo AI-2 em 1965 (supressão do multipartidarismo e cria-

ção do bipartidarismo: Arena e MDB, eleições indiretas, as perdas dos direitos políticos

dos opositores ao regime, intervencionismo federal e segurança nacional) e o AI-5, em 13

de dezembro de 1968;

– 1964-70: tendência internacionalista na política econômica governamental;

– economia aquecida de 1970-73: média de 12% no período. Sentimento ufanista com a

vitória da seleção brasileira de futebol no México em 1970;

– eleições de 1974: vitória expressiva da oposição (MDB) nas eleições majoritárias, em 16

Estados. A oposição elege 16 dos 22 senadores e 160 dos 364 deputados;

– 1975: torturas, morte do jornalista Vladimir Herzog (DOI-Codi);

– forças políticas do Regime:

a) os sorbonistas (força político-ideológica mais qualificada para dirigir a coalizão golpista

de 1964, integrando maciçamente o governo de Castello Branco). A direção política do

Estado ficou com os sorbonistas. Os sorbonistas remontam à Revolução de 32 (resistên-

cia a Vargas e o Estado Novo, à aliança com os Estados Unidos na frente antifascista

da 2ª Guerra). Oriundos da UDN, porta-vozes do pensamento liberal, opunham-se ao

socialismo em geral e aos movimentos populares;

b) os nacionalistas de direita davam apoio aos oficiais de linha dura;

c) a linha dura;

d) a linha burocrática.

Presidentes militares: Castello Branco; Costa e Silva; Garrastazu Médici.

ERNESTO GEISEL (1974-79)

– liberalização (abertura), democratização;

– eleições de 1974: a oposição se fortalece no Congresso;

– 1975-77: o governo dá uma guinada à direita;

– 1978: o tema da liberalização ganha força.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

JOÃO BATISTA FIGUEIREDO

– início da transição propriamente dita;

– bomba Rio-Centro;

– eleições de 1982;

– Diretas Já.

1985-1990

– processo de democratização;

– estreito relacionamento entre sociedade política e sociedade civil;

– uma passagem sem rupturas;

– 1985: morte de Tancredo Neves;

– José Sarney: antigo presidente da Arena;

– 1986: vitória esmagadora do PMDB (Constituinte e nos governos estaduais).

1990-2000 (ERA FHC)

– ajuste estrutural do Estado;

– neoliberalismo;

– privatizações.

2002– 2010 (ERA LULA)

– reaparelhamento do Estado;

– políticas sociais.

O SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO

– sistema político brasileiro: federativo na forma e no conteúdo;

– a República (Constituição de 1891) consagrou o princípio do Federalismo.

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PARTICIPAÇÃO ELEITORAL

– nas eleições de 1933 e 1934 os eleitores inscritos representavam apenas 5% da população.

Em 1950, 22% da população.

PRINCIPAIS PARTIDOS POLÍTICOS DO BRASIL

1945-64: apenas 6 partidos nacionais (PCB, PSD, PTB, UDN, PSP, PR);

PCB: Partido Comunista Brasileiro (1922) (mais alinhado à esquerda e vinculado ao prole-

tariado urbano. Em 1947, cai na ilegalidade;

PSD: representava o situacionismo da época da ditadura (partido de elite – forte nas zonas

rurais – pró-Vargas);

PTB: fundado sobre um esquema sindical montado por Vargas (áreas urbanas – industriais),

partido populista;

UDN: proprietários/aproveitando-se do latifúndio, oposição a Vargas (partido conservador

de elite), líder: Carlos Lacerda, depois Jânio Quadros;

PSP: Ademar de Barros (partido populista);

PR: (partido conservador).

OS INTÉRPRETES DO BRASIL

– Visconde do Uruguay, Silvio Romero, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Euclides da Cunha;

– Alberto Torres, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Oliveira Vianna: pensamento au-

toritário nacionalista, pró-Vargas, argumentavam que o Estado seria responsável pela

emancipação da sociedade brasileira.

– Gilberto Freyre: escreveu Casa Grande e Senzala em 1933, no qual diz que o negro está

em todos nós. Sem o negro não teria havido nem havia Brasil (p. 26).

– Sérgio Buarque de Holanda: Raízes do Brasil (1936): origem ibérica (Portugal) do Brasil.

Os portugueses não haviam se organizado de forma coesa e solidária. A aspiração de cada

pessoa era de bastar-se a si própria (individualismo exacerbado...). Todos queriam ser ba-

rões; desprezo pelo esforço manual, pelo trabalho. Para Holanda (2000), o português era

aventureiro e criativo. Aceitava riscos e ignorava obstáculos... Incapaz do trabalho siste-

mático, lento e seguro. Queria enriquecer depressa e voltar o mais rápido possível para

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POLÍTICAS PÚBLICAS

sua terra. A sua moral era a aventura e não trabalho. Confusão entre o público e o priva-

do. O compadrio tornou-se norma, bem como a total ausência de solidariedade e respon-

sabilidade fora dos laços de família.

– Caio Prado Júnior: Evolução política do Brasil e outros estudos (1933); Formação do Brasil

contemporâneo (1942). O Brasil surgirá como parte da expansão mercantil do nascente capita-

lismo europeu. O país fundar-se-á de fora para dentro, para fornecer açúcar e bens tropicais.

– Raymundo Faoro: escreveu Os donos do poder (1985): Patrimonialismo; estudou as técni-

cas de mandonismo e as astúcias de perpetuação hegemônica.

– Florestan Fernandes: O negro no mundo dos brancos. O passado escravista com toda a

sua violência não nos dissera adeus. O negro está à margem do corpo social e foi obrigado

a render-se aos valores do branco para em seu universo, a duras penas, ingressa o negro

no mundo dos brancos... Eram também cidadãos de segunda o índio, os mestiços e o

branco encardido, porque pobre.

– Celso Furtado: escreveu Formação econômica Brasil em 1959. O que se produzia era fruto de

decisões externas. Não se criava mercados para os produtos do país. Tudo era regido de fora...

– Darcy Ribeiro: O povo brasileiro (1955). O brasileiro é, antes de mais nada um mestiço.

– Roberto Damatta. Carnavais, malandros e heróis (1979). Chama a atenção para o gosto

dos brasileiros por paradas militares, desfiles de escola de samba e procissões.

SÍNTESE DA UNIDADE 6

Esta Unidade procurou apresentar argumentos que comprovam a

difícil construção da cidadania no país. Como se sabe, o conceito de

cidadania sempre esteve e ainda está ligado à conquista de direitos,

tanto civis (individuais), quanto políticos e sociais. Percebe-se isso

na história das civilizações clássicas (greco-romanas); durante a

Modernidade (conquistas da sociedade liberal burguesa), e, especi-

ficamente, o caso aqui exposto (experiência do Brasil).

Tem-se consciência de que este estudo poderia ter avançado, prin-

cipalmente no debate teórico atual da questão da cidadania glo-

bal e da cidadania cosmopolita. Optou-se, porém, por investigar e

responder quais os principais obstáculos para a construção da ci-

dadania brasileira. Pensa-se, em outra oportunidade, contemplar

tais questões.

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Constatou-se que o latifúndio agroexportador do período colonial,

bem como o escravismo e o analfabetismo, marcaram negativa-

mente as origens e, até hoje, dificultam avanços no âmbito políti-

co-social e econômico. Além dessas, outras razões foram e conti-

nuam sendo entraves para a consolidação das instituições políti-

cas, impedindo os avanços necessários para uma cidadania plena.

Na ordem política, permanecem ainda algumas mazelas históri-

cas, como o patrimonialismo (promiscuidade entre o público e o

privado), o personalismo (messianismo), o coronelismo com sua

nova roupagem, o clientelismo, além da corrupção, entre outras...

Percebe-se também que as conquistas dos direitos no Brasil, com-

paradas com as de outros países, se deram de maneira tardia e

inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos após a chegada dos

portugueses, aparecem os primeiros direitos civis e políticos (antes

disso estávamos submetidos à lei da Coroa portuguesa). Aos pou-

cos surgiram os direitos sociais, mas exatamente no momento em

que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no período

da ditadura de Vargas (1937-1945) e na ditadura militar (1964-

1985).

Por fim, há de se concordar com Benevides (1994) quando afirma

que, no intuito de reverter a realidade político-social excludente,

ou de uma cidadania passiva ou sem “povo”, é necessário recorrer

a mecanismos institucionais, como o referendo, o plebiscito e a

iniciativa popular para a construção do que a autora chama de

uma cidadania ativa ou democracia semidireta: “Assim, discuto a

participação política, através de canais institucionais, no sentido

mais abrangente: a eleição, a votação (o referendo e plebiscito) e a

apresentação de projetos de lei ou de políticas públicas (iniciativa

popular), como defendo a complementaridade entre representação

e participação direta, adoto, em decorrência, a expressão ‘demo-

cracia semidireta’” (1994, p. 10). Embora com grandes dificulda-

des, é possível reverter o processo por meio da educação política,

entendida como educação para a cidadania ativa e plena.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 7Unidade 7Unidade 7Unidade 7

O ESTADO, AS CONSTITUIÇÕES E OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL:do Desenvolvimentismo aos Nossos Dias

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

Esta Unidade pretende analisar aspectos teóricos ligados ao Estado, às Constituições

e aos Direitos Sociais no Brasil. O debate inicia-se no período denominado de

“desenvolvimentista” e prossegue até os nossos dias.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 7.1 – A Constituição de 1946

Seção 7.2 – Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar

Seção 7.3 – A Constituição Cidadã de 1988

Seção 7.4 – A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais

Em 1945 Getúlio Vargas volta ao governo eleito plenamente pelo povo, mas ainda

persistem ressentimentos da ditadura. Em 1954 Vargas se suicida e o populismo ganha for-

ça. Entre 1945-1964, o país passou por várias mudanças. Foram extintos os antigos e cria-

dos os novos partidos políticos, com pouca participação popular. Em 1946 foi reconstituída

a Constituição Federal da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual legislava acerca

das eleições dos Estados-membros, para prefeitos e vereadores (Brum, 1988).

Seção 7.1

A Constituição de 1946

A Constituição de 1946 teve como principal característica o constitucionalismo, pois,

com o fim da 2ª Guerra Mundial, muitos Estados tornaram-se independentes e passaram a

criar suas Constituições com base em um assistencialismo social. Assim, é mister salientar

que

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na estrutura típica do constitucionalismo burguês, buscava-se um pacto social apto a conciliar,

numa fórmula de compromisso, os interesses dominantes do capital e da propriedade com as

aspirações emergentes de um proletariado que se organizava (Barroso, 1996, p. 24).

A Carta de 1946 continha um avanço significativo, pois enunciava direitos e garantias

individuais, como cultura e educação, bem como princípios que deveriam nortear a área

econômica e social. O Judiciário deveria apreciar qualquer lesão de direito individual. O

ensino primário tornou-se obrigatório, bem como a repressão do poder econômico, que

condicionou a posse da propriedade ao bem-estar social e, também, o direito dos emprega-

dos de participar do lucro das empresas, entre outros aspectos sociais (Barroso, 1996).

Com a deposição e o suicídio de Vargas até a posse de Juscelino Kubitschek de Olivei-

ra, a política brasileira esteve em crise. De 1956 a 1960 Juscelino transformou a economia

brasileira com um programa de metas, considerado moderno para a época, na qual a famosa

frase marcou época: “Cinqüenta anos em cinco” (Ianni, 1986, p. 151).

Também nesse período o Brasil foi marcado pelo desenvolvimento, e após Juscelino

Kubitschek, outros presidentes continuaram a buscar o desenvolvimento econômico e social,

como João Goulart e Jânio Quadros, tendo optado por programas de metas, criando estatu-

tos e direitos. Pode-se afirmar que foi uma fase desenvolvimentista do Brasil. Convém ressal-

tar, no entanto, que, de 1964 a 1985, os governos de Castello Branco, Costa e Silva,

Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo adotaram políticas semelhantes, vol-

tadas ao desenvolvimento econômico, de mercado e social (Ianni, 1986,).

Seção 7.2

Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar

Em 1964 ocorreu um golpe militar que se iniciou com o governo de Castello Branco e

prosseguiu com os demais, com o objetivo de revolucionar por meio de Atos Inconstitucionais

que se iniciaram com o número 1 e foram até o número 16. Os mais terríveis foram os de

número 1 ao 5, que suprimiram alguns dos principais direitos da população (Brum, 1988).

A Constituição de 1964 teve anexado em seu texto cerca de 20 Emendas Constitucio-

nais, sem mencionar os Atos Institucionais baixados pelo presidente, com os quais modifi-

cou-se a forma das eleições, que passaram a ser indiretas, tanto para presidente quanto

para governadores, poder permanente ao presidente da República e restrição aos direitos

políticos. Com o fim do mandato de Castello Branco, os Atos Institucionais aumentaram,

pois continuaram com o presidente eleito indiretamente, Costa e Silva, em 1967. Além das

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POLÍTICAS PÚBLICAS

restrições já declaradas, foi imposta a censura à imprensa, possibilidade de confisco de bens,

tortura aos adversários políticos, perseguição aos estudantes, que foram duramente reprimi-

dos, guerrilhas urbanas, enfim, uma desordem total (Barroso, 1996).

Depois, com a ascensão do general Emílio Garrastazu Médici, em 1969, pelo voto

indireto, ocorre a promulgação da Carta de 1969. Este governo, milagrosamente, consegue

fazer com que cresça a economia, adotando uma política calcada na concentração de ren-

da. A Constituição de 1969 é, basicamente, “nominal”, pois sua efetivação nunca passou

do papel, haja vista que os direitos sociais também não passavam de meras formalidades.

Esse Texto Constitucional passou por duas Emendas, uma que permitia eleições indiretas e

outra que instituía a ocupação de cargos no governo sem perda dos mandatos. Desta forma,

em 1974 o general Ernesto Geisel assume a Presidência e cassa os mandatos dos parlamen-

tares, pois foi no seu governo que teve início o processo gradativo de refluxo do poder. De-

pois, Geisel coibiu a tortura e “revogou os Atos Institucionais e os Atos Complementares,

no que contrariava a Constituição”. Em 1979 assume João Batista de Oliveira Figueiredo,

que tinha como objetivo restabelecer a legalidade democrática. E, por fim, é eleita a chapa

de Tancredo Neves, que não chega a assumir a Presidência devido a sua enfermidade, assu-

mindo o vice-presidente José Sarney (Barroso, 1996, p. 37-39).

Seção 7.3

A Constituição Cidadã de 1988

Em 1985 se define, por meio da Nova República, a adoção de um novo perfil para o

país, visando à transição para a democracia. Nessa época ocorreu o movimento das “Dire-

tas já!”, um marco histórico brasileiro na luta pela eleição direta para presidente da Repú-

blica, e assim, com o advento da Constituição Federal de 1988, a “Constituição cidadã”, o

Brasil entra em uma nova fase em relação à importância de se garantir direitos sociais.

Hoje, entende-se que a efetividade da Constituição Federal depende da sua eficácia,

da aplicação e realização de suas normas, fazendo prevalecer o sentido e valor do que é

tutelado. “É a ligação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”, e assim, “ao

instituir o Estado, a Constituição organiza o poder político, define os direitos fundamentais

do povo e estabelece princípios e traça fins públicos”, de modo que possam ser alcançados

(Barroso, 1996, p. 283).

Complementando, Moraes (2001, p. 34) esclarece que:

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A Constituição deve ser entendida como lei fundamental e suprema do Estado, que contém nor-

mas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e

aquisição do poder de governar, distribuindo competências, direitos, garantias e deveres dos

cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de

normas jurídicas, legislativas e administrativas.

Nestes termos, não se pode falar em desenvolvimento econômico e social, ou

estruturação do Estado, sem que a Constituição esteja presente, pois o que faz a cidadania,

a democracia e também a soberania de uma população, sem dúvida, é a lei mais importante

do país. Sem ela não se pode pensar em liberdade, igualdade, direitos, garantias e deveres, e

muito menos em justiça e política, posto que a Carta Magna consagra a todos, justamente

por ser uma lei fundamental.

Pode-se adiantar que no conjunto de valores mais importantes da Constituição Fede-

ral, promulgada em 5 de outubro de 1988, encontra-se em seu preâmbulo:

[...] instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias.

Nesse sentido, é necessário alertar que a obtenção dos pressupostos anteriormente

descritos somente é possível com a aplicação de políticas públicas eficazes voltadas ao de-

ver-ser que o Estado deve proporcionar aos seus cidadãos. Desta forma, Faoro (1985, p. 16)

assim se posiciona:

Com a Constituição, o poder não apenas se organiza, senão que, submetido ao controle de baixo,

se legitima, estabelecendo as regras fundamentais que permitem a emergência de novas forças

sociais, sem privilegiá-las e sem oprimir as minorias que outrora foram maiorias, assegurando-

lhes os meios de entrar e sair do poder sem abalos sociais e sem convulsões políticas. A Constitui-

ção, finalmente, é a suprema força política do país, nas suas normas e valores, coordenadora e

árbitro de todos os conflitos, sempre que fiel ao poder constituinte legitimamente expresso.

Nesse contexto, depreende-se que o Estado não possui poder próprio, mas passa a ter

quando emerge das classes, do povo, ou seja, dos cidadãos para o Estado, e essa ação de-

pende das práticas de políticas públicas, pois a “construção da esfera pública estende a

todos os cidadãos a condição de igualdade básica, é a função precípua da cidadania”, o que

nos torna parte do Estado (Corrêa, 2002, p. 224-225).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Seção 7.4

A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais

A reforma do Estado,1 nos anos 90, surgiu “como um enorme fardo nas costas, o que

desafiou e sufocou todos os governos” dessa época. O neoliberalismo presente e a globalização

transferiram “doses adicionais de individualismo, diferenciação e fragmentação”, ou seja, o

país passou a ser “‘pós-moderno’ sem ter conseguido ser plenamente ‘moderno’”, o que é

um desafio a cada dia (Nogueira, 2005, p. 25).

Observa-se que tal passagem não se concretizou devido ao longo período vivenciado

pelos moldes ditatoriais, constatando-se que, mesmo após consolidada a democracia no

país, ainda há uma certa necessidade de efetivação dos direitos, principalmente os sociais,

tão fragmentados e diminuídos na atualidade.

Pode-se afirmar, no entanto, que a globalização2 tem uma influência notável no que

diz respeito às políticas estatais, bem como na vida dos cidadãos. Assim, Bauman (1999)

destaca que os espaços públicos passaram a ser privados, e o território urbano passou a ser

um campo de batalha, no qual as questões sociais são resolvidas pelas próprias mãos e

pagas com o sofrimento humano por aqueles desprezados e despojados, avisando aos de-

mais para não ultrapassarem seus territórios.

Cada vez mais se questiona a respeito do fenômeno da globalização e do enfraqueci-

mento do Estado como nação. Hoje, as idéias de Estado e de “soberania territorial” torna-

ram-se sinônimas dentro das práticas modernas, ou seja, o Estado reivindica o seu direito

legítimo para impor suas regras, mas as transforma em ambivalência (Bauman, 1999).

Nesse sentido, também se afirma que a única tarefa econômica permitida ao Estado e

que se espera que ele assuma é a de garantir um “orçamento equilibrado”, policiando e

controlando as pressões locais por intervenções estatais mais vigorosas na direção dos ne-

gócios e em defesa da população diante das conseqüências mais sinistras da anarquia de

mercado. Assim, a globalização, por sua independência de movimento e irrestrita liberdade

para perseguir seus objetivos, das finanças, comércio e indústria de informações globais,

depende da fragmentação política e do cenário mundial, o que representa a separação polí-

tica da economia.

1 Autores consultados a respeito da reforma do Estado: Corrêa (2002), Nogueira (2005), Giddens (1996), Bobbio (1986), entre outros.

2 Autores citados a respeito da globalização e neoliberalismo: Bauman (1999), Santos (2003), Falk (1999), Touraine (2007), entreoutros.

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A era do capitalismo, entretanto, é ao mesmo tempo um período e uma crise, ao con-

trário dos tempos mais antigos, em que a crise vinha após o período vivenciado, pois dia

após dia vive-se em crise. A globalização, fenômeno inafastável do capitalismo, impõe que,

devido ao choque de influências, todos devam se adaptar às novas regras na busca do bem-

estar.

Diante disso, conforme Santos (2003, p. 55):

[...] cabe-nos, mesmo, indagar diante dessas novas realidades sobre a pertinência da presente

utilização de concepções já ultrapassadas como democracia, cidadania, opinião pública, con-

ceitos que necessitam urgente revisão, sobretudo nos lugares onde essas categorias nunca foram

claramente definidas nem totalmente exercitadas.

Nesse viés, este autor revela preocupação por um novo discurso, e afirma que “o Esta-

do continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições

supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território,

sua vontade política ou econômica” (Santos, 2003, p. 77).

Ao contrário do que se vê, contudo, o discurso neoliberal ganha força “à medida que

prossegue a desregulamentação, enfraquecendo as instituições políticas que poderiam, em

princípio, tomar posição contra a liberdade do capital e da movimentação financeira”

(Bauman, 2000, p. 36). Ou seja, com as novas instituições, os governos ficam amarrados e

as multinacionais livres para tornar ainda mais grave o nível de precariedade da sociedade,

marginalizando os países mais pobres e libertando os operadores de mercado.

A globalização, portanto, fez com que ocorresse um “declínio da cidadania como fun-

damento significativo e relevante para asserção de reivindicações relativas a recursos, sofre

de uma falta de legitimidade ideológica, de influência política e de reforço cultural no Oci-

dente” (Falk, 1999, p. 262). Esse declínio de cidadania implica também a efetivação dos

direitos, pois no momento em que a sociedade participa, conhece e reivindica seus direitos,

há um fortalecimento da cidadania e, na medida em que as políticas públicas oferecem ao

cidadão a garantia de direitos, há uma política forte.

Muitas promessas políticas não são efetivadas. A esse respeito, Bobbio (1986, p. 33-

34) argumenta:

[...] As promessas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos ou

que surgiram em decorrência das “transformações” da sociedade civil. [...] Na medida em que as

sociedades passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma econo-

mia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, aumentaram os proble-

mas políticos que requerem competências técnicas [...].

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POLÍTICAS PÚBLICAS

As transformações da sociedade requerem adaptações do Estado às suas políticas in-

ternas e externas, para que seja alcançado o bem-estar social. Diante disso, “[...] um Estado

mínimo tem de ser um Estado forte, a fim de fazer cumprir as leis das quais depende a

competição, proteger contra os inimigos externos, e fomentar os sentimentos de nacionalis-

mo que sejam integradores” (Giddens, 1996, p. 47).

O que se pretende, todavia, é que o Estado cumpra seu “dever-ser” e garanta aos

cidadãos o que está disposto na norma fundamental e suprema deste país. Os direitos de

cidadania alcançados ao longo da história brasileira são direitos mínimos relevantes e ine-

rentes ao desenvolvimento da sociedade.

Segundo Callage Neto (2002, p. 290), a “função agenciadora como modelo de Estado

e apoio à cidadania para a formação de competências sociais foi o que faltou no processo de

reformas das sociedades emergentes ao longo desses últimos 20 anos”, pois houve certa

precarização dos direitos em relação às mudanças do Estado.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao elencar em seu texto direitos de cidadania,

além dos individuais, pois os direitos sociais passaram a ser coletivos, difusos e

transindividuais, bem como inalienáveis e indisponíveis, mas mesmo assim a cidadania con-

tinua sendo adiada (Callage Neto, 2002).

Assim, o que se tem hoje não é novidade, mas uma praxe de uma política voltada ao

patrimonialismo, seguida das práticas de clientelismo, lobysmo e insolidarismo, ou seja,

formas de políticas que distorcem o verdadeiro sentido do Estado Democrático de Direito e

tornam a política interna frágil e ineficaz, voltada às intervenções de mercado, impossibili-

tando, desta forma, um melhor acesso aos direitos sociais e conturbando a sociedade e a

qualidade de vida dos cidadãos. Nas palavras de Vieira (2000, p. 108), entretanto, é impor-

tante salientar que:

Na perspectiva da globalização, o Estado liberal democrático é freqüentemente caracterizado

como um Estado capturado na teia da interconexão global, permeado por forças supranacionais,

intergovernamentais e transnacionais, e incapaz de determinar seu próprio destino. Contudo, é

importante frisar que a era do Estado-Nação de modo algum terminou, ainda que apresente

sinais de declínio.

Hoje, a situação real é um vasto endividamento dos países subdesenvolvidos ou emer-

gentes que tentaram amenizar suas crises com a ajuda do Banco Mundial e do Fundo Mo-

netário Internacional (FMI), pois ocorre que uma boa parte da população mundial vive com

salários insignificantes, enquanto a concentração de riqueza fica apenas nas mãos de uma

minoria. Dessa forma, cresce o trabalho informal, a exploração financeira, o desemprego, a

destruição ambiental, bem como as crises econômicas, culturais, sociais, a miséria e a po-

breza que assolam o mundo todo.

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O Brasil, desde a Era de Vargas e após a ditadura militar, possui semelhanças com o

modelo europeu em relação à formalidade, bem como às práticas democráticas, pelo que se

declara conscientemente que o futuro do país depende do próprio Brasil (Touraine, 2007).

Desta forma, novos paradigmas devem ser buscados, ou até mesmo renovados,

reestruturados, como a democracia e os direitos de cidadania. Também devem ser aplicados,

com ênfase na população, e na inclusão social, de modo que a cooperação e integração

sejam voltadas ao desenvolvimento estatal de forma harmônica, sem exploração, com políti-

cas abrangentes de interesse público e não privativas apenas de agentes econômicos e/ou

políticos.

O Brasil carece de uma reforma organizacional, que deverá partir da sociedade, haja

vista que, para tal atitude, a própria civilização deverá saber e reconhecer seus direitos.

Partindo do social, terá um embasamento forte aos direitos políticos, ou seja, àqueles de

participação imediata ao povo, não se restringindo apenas ao voto, ao plebiscito, ao referen-

dum, mas ao engajamento na democratização do poder, pois a “organização em sociedade

não precisa e nem deve ser feita contra o Estado em si. Ela deve ser feita contra o Estado

clientelista, corporativo, colonizado” (Carvalho, 2002, p. 227).

Pode-se afirmar, contudo, que o fortalecimento de políticas referentes ao desenvolvi-

mento social básico poderá trazer ao Estado maior democratização, bem como um alcan-

ce maior de cidadania, se a sociedade mudar alguns vícios negativos, como adiar, deixar

para depois a resolução das causas conflitantes dos problemas sociais, como a desigual-

dade, que, segundo Carvalho (2002, p. 229), é o “câncer” que impede a sociedade de se

democratizar, e suas raízes sabe-se bem de onde partem, sendo necessária uma

reestruturação estatal, voltada a práticas democráticas e cidadãs. Para isso, no entanto, a

cidadania e os direitos de cidadania devem ser praticados, defendidos e reconhecidos, e

embora se tenha uma Constituição em vigor há 20 anos, há muitos direitos que precisam

ser concretizados, para que se possa alcançar um Estado de Bem-Estar Social desenvolvi-

do e uma sociedade cidadã.3

3 Para aprofundar esta temática, ler as seguintes obras:

a) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Importante o acadêmicoprocurar sempre as informações necessárias diretamente na Constituição Federal sobre o tema dos direitos sociais.

b) Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Todas as obrasde José Murilo de Carvalho são referências importantes, em especial a citada.

c) Fico, Carlos. Como eles agiam nos subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Record, 2001. Importantepesquisador do período da ditadura, especialmente a obra citada.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

SÍNTESE DA UNIDADE 7

A Unidade analisou as Constituições brasileiras e o papel do Esta-

do no tocante aos direitos sociais, bem como a realidade brasileira

em relação aos direitos do cidadão e a necessidade de efetivar es-

ses direitos, que ainda são uma utopia.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Unidade 8Unidade 8Unidade 8Unidade 8

A REFORMA DO ESTADO NOS ANOS 90:O Neoliberalismo

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

• Debater questões teóricas ligadas à reforma do Estado nas últimas décadas em âmbito

mundial e no Brasil.

• Discutir as origens teóricas do neoliberalismo, a partir da análise da obra O caminho da

servidão, de Friedrich August von Hayek, e a sua discordância com as teorias keynesianas.

• Descrever as conseqüências das políticas neoliberais praticadas no mundo e nos países de

economia emergente, como o Brasil, especialmente a partir da revisão do neoliberalismo,

denominado de Consenso de Washington (seção 8.3), no que se refere às conseqüências

desastrosas nas questões sociais e econômicas.

• Tecer algumas considerações sobre a crise atual do modelo capitalista de inspiração

neoliberal.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE

Seção 8.1 – Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo: Friedrich A. Hayek

8.1.1 Hayek diverge de Keynes

8.1.2 A planificação estatal leva ao “caminho da servidão”

Seção 8.2 – As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo

Seção 8.3 – Consenso de Washington: revisão do Neoliberalismo

Seção 8.4 – A Experiência Neoliberal do Brasil

8.4.1 Conseqüências das políticas neoliberais no Brasil

Seção 8.5 – A Continuidade do Colonialismo

Seção 8.6 – A Crise Atual do Neoliberalismo

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Seção 8.1

Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo:Friedrich A. Von Hayek

Tem-se na pessoa de Friedrich von Hayek1 um dos princi-

pais teóricos das idéias liberais do século 20. A contribuição do

pensamento de Hayek é fundamentada em três campos diferen-

tes: a) a intervenção governamental (Estado); b) o cálculo eco-

nômico sob o socialismo e c) o desenvolvimento da estrutura

social.

Sofreu influência do pensamento da Escola Austríaca de

Economia, na qual os princípios de economia de Menges (1871)

eram aplicados. Tais teorias foram refinadas e redefinidas por

Eugênio Boehm Bawerk, por seu cunhado Friedrich Wieser e por

Ludwig von Mises. Hayek assistiu a algumas aulas de Mises na

Universidade de Viena, porém considerou que sua posição anti-

socialista era equivocada. Hayek via com maior simpatia as idéi-

as de Wieser, que era socialista fabiano, e em 1922 tornou-se seu

discípulo.

Ironicamente, porém, foi Mises, por meio de sua devasta-

dora crítica ao socialismo, quem afastou definitivamente Hayek

das teorias do socialismo fabiano.

A partir dessa drástica mudança, Hayek se transformou em

um profundo analista do sistema elaborado por Mises, o qual

defendia a cooperação social. Hayek soube responder a todas as

interrogações de Mises, explicitou o que estava obscuro, reafir-

mou o que havia sido esboçado. Sua originalidade derivou da

análise do socialismo que permeou toda a sua obra, desde os ci-

clos dos negócios até a origem da cooperação social.

Durante cinco anos Hayek trabalhou com Mises em uma

instituição do governo. Em 1927, tornou-se diretor do Instituto

para investigação dos ciclos econômicos, que ele e Mises haviam

Socialismo Fabiano

É o nome atribuído aomovimento intelectual criado

pela organização britânica“Sociedade Fabiana” no fim doséculo 19, cujo objetivo era abusca dos ideais socialistas

por meios graduais e reformis-tas, em contraste com os

meios revolucionários propos-tos pelo marxismo.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Socialismo_fabiano>.Acesso em: 22 out. 2008.

1 Os argumentos expostos aqui sobre a biografia de Hayek, sua produção intelectual e o debate com outros teóricos seguem os estudos dePeter J. Boettke, professor de Economia de Nova York. Disponível em: <http://www.hayek.cat/hayek.html>.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

organizado no intuito de analisar o assunto na teoria e também na prática. O primeiro livro

de Hayek, Teoria monetária e o ciclo comercial (1929), abordou os efeitos da expansão do

crédito na estrutura do capital de uma economia. Com esta obra Hayek passou a fazer

conferências na Escola de Economia de Londres. Após, foi editado o segundo livro, intitulado

A teoria austríaca do ciclo comercial, preços e produção (1931), que foi mencionado pela

comissão do Prêmio Nobel, em 1974. As conferências de Hayek (1930-31), na Escola de

Londres, lhe permitiram alcançar o ápice de sua carreira de economista aos 32 anos.

8.1.1. HAYEK DIVERGE DE KEYNES

Pouco depois da chegada a Londres, Hayek polemizou com John Maynard Keynes. O

debate entre eles foi, talvez, o mais importante sobre economia monetária ocorrido no sécu-

lo 20. Começando com seu ensaio O fim do laissez-faire (1926), Keynes apresentou sua

demanda de intervencionismo na linguagem de um liberalismo pragmático clássico. Foi

dessa forma que Keynes foi aclamado como “salvador do capitalismo”, em vez de ser reco-

nhecido pelo que realmente era: um defensor da inflação e da intervenção do Estado.

Hayek detectou o problema fundamental em que as concepções econômicas de Keynes

eram vulneráveis, sua incapacidade para compreender o papel que desempenham as taxas

de interesses e a estrutura do capital em uma economia de mercado. Devido ao seu costume

de utilizar categorias, Keynes não pôde abordar estes problemas adequadamente em seu

livro Um tratado sobre o dinheiro (1930). Hayek argumentou que as categorias coletivas de

Keynes distraíam os economistas e não lhes permitiam examinar como a estrutura industri-

al da economia emergia das opções econômicas dos indivíduos.

Keynes reagiu com veemência às críticas de Hayek. Primeiro, respondeu atacando a

obra Preços e produção, de Hayek. Após, alegou que já não acreditava no que havia escrito

em Um tratado sobre o dinheiro e voltou sua atenção para a redação de outro livro, A teoria

geral do emprego, do interesse e do dinheiro (1936) que, com o tempo, se converteu na obra

mais influente do século 20 em matéria de política econômica. Em contrapartida, Hayek

dedicou-se a refinar a teoria do capital, com base na qual apresentou suas teses na Teoria

pura do capital (1941), o livro mais técnico que escrevera até o momento. No final dos anos

30 o tipo de modelo econômico defendido por Keynes acabava de triunfar aos olhos do

público: Keynes havia derrotado Hayek, pelo menos momentaneamente. A partir de então,

o tema a ser analisado por Hayek foi o cálculo econômico no socialismo, do qual foi um

crítico ferrenho, vindo a ser apreciado de novo por economistas e intelectuais. A crítica que

Hayek faz ao socialismo deve-se ao fato de este não dispor de preços de mercado, ser auto-

ritário, exterminar a liberdade e suprimir a individualidade do homem.

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8.1.2 A PLANIFICAÇÃO ESTATAL LEVA AO “CAMINHO DA SERVIDÃO”

A argumentação refinada de Hayek seguiu a lógica favorável a uma sociedade liberal.

Escreveu, em 1944, a obra O caminho da servidão, tendo presente a realidade dos problemas

do socialismo que havia observado na Alemanha nazista e na Grã-Bretanha.

Peter Boettke, comentador de Hayek, afirma que o autor de O Caminho da servidão

estava com a razão no que se referia ao problema político do socialismo, pois o século 20 foi

marcado com o sangue das vítimas inocentes das experiências socialistas. Stalin, Hitler,

Mao, Pol Pot e muitos tiranos menores cometeram crimes hediondos contra a humanidade

em nome de alguma variante do socialismo, conclui Boettke. Hayek mostrou que o socialis-

mo era o resultado lógico do ordenamento institucional de planificação socialista e, a partir

de então, afastou-se dos problemas técnicos da economia e se concentrou na reformulação

dos princípios do liberalismo clássico.

Principais questões da obra: 1) assinalou a necessidade dos preços de mercado como

transmissores de uma informação econômica desigual; 2) mostrou que os propósitos de subs-

tituir e controlar o mercado levaram a um problema de conhecimento; 3) descreveu o proble-

ma totalitário associado à onipresença do poder circunscrito nas mãos de poucos; 4) exami-

nou os prejuízos intelectuais que cegam o homem e o impedem de enxergar os problemas da

planificação da economia governamental (do Estado).

Argumentou que a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma reação contrária

às tendências socialistas do período precedente, mas um resultado necessário destas mes-

mas tendências. Equiparou o conceito socialista com o nazismo e o fascismo, consideran-

do-os regimes totalitários, e em razão disso todos foram tratados com resistência, como

inimigos e como adversários (Hayek, 1944). A homogeneização dos conceitos é proposital

em Hayek:2 socialismo, stalinismo, marxismo, nacional-socialismo (nazismo) e fascismo são

conceitos iguais: “O marxismo levou ao fascismo e ao nacional-socialismo, porque, em to-

dos os seus fundamentos essenciais, marxismo é fascismo e nacional-socialismo”.

Assim como o nazismo, o socialismo leva o homem a se tornar escravo do Estado.

Hayek argumentou que o elemento socialista foi o responsável pela criação do totalita-

rismo: “Era, com efeito, a predominância das idéias socialistas e não o prussianismo que

a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia, e foi das massas e não das classes

imbuídas da tradição prussiana, e auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socia-

lismo”.

2 Hayek (1944, p. 56) cita o argumento do escritor inglês F. A. Voigt para afirmar as semelhanças entre os referidos modelos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Hayek destacou que, na Alemanha, o nacional socialismo (o mesmo que nazismo)

não seguiu a tradição prussiana, mas foi influenciado diretamente pelas idéias socialistas

propagadas pelas massas.

O caminho que imperou durante todo o século 19, que Hayek entendia ser o modelo

político-econômico ideal, era o velho ideário do liberalismo clássico laissez-faire. No libera-

lismo, o laissez-faire “É a melhor maneira de guiar os esforços individuais”, no entanto para

isso é preciso agir sob a esfera da legalidade. A concorrência é vista como positiva e saudá-

vel para o bom andamento da economia liberal, é eficaz e benéfica. Em conseqüência do

rompimento desse modelo, ocorreu um profundo choque de toda uma geração ao se deparar

com o totalitarismo. Hayek citou alguns teóricos do liberalismo clássico, como Tocqueville,

que já havia alertado sobre os perigos do socialismo, entendido como o mais temível regime

totalitário, que significava servidão, o que é considerado um grande mal para o autor: “O

socialismo é criador de um Estado servil”.

Hayek (1944, p. 38) escreveu que os grandes teóricos liberais foram, em seu tempo,

totalmente esquecidos. Por isso, cita Adam Smith, Hume, Locke e Milton como inovadores

e fundadores da civilização ocidental, tendo suas bases lançadas pela tradição clássica greco-

romana e pelo cristianismo: “Não é meramente o liberalismo dos séculos XVII e XIX, mas o

individualismo básico que herdamos de Erasmo e Montaigne, de Cícero e Tácito, de Péricles

e Tucídides, o que estamos progressivamente abandonando”.

O Estado totalitário nazista, definido como aquele que promoveu a revolução nacio-

nal-socialista, acabou, segundo o teórico, destruindo a civilização clássica ocidental. Tudo

o que o homem moderno construiu a partir da Renascença foi, de certa forma, negado.

Conceitos como “individualismo”, entendido como respeito ao homem individual; “liberda-

de”, “independência” e “tolerância”, segundo Hayek (1944), desapareceram de todo com a

estruturação do Estado totalitário.

Os fundamentos da teoria neoliberal pressupunham a existência da ambição. Esse

conceito emergiu segundo Hayek (1944), à medida que o homem tomou consciência de seu

próprio destino. A partir de então, seguiram-se inúmeras possibilidades de melhorar a sua

vida, com novas oportunidades e possibilidades; o sucesso; e com o sucesso a ambição: “O

homem tem todo o direito de ser ambicioso” (Hayek, 1944, p. 42). Pena que esse progresso

tão eficiente e animador tenha dado sinais de exaustão e lentidão com a estruturação de um

novo modelo de Estado (totalitário), lamenta o autor.

Hayek (p. 52) voltou a mencionar Tocqueville como um dos pais da democracia, en-

tendida como liberdade individual, que se opõe ao socialismo num conflito inconciliável: “A

democracia aumenta a esfera da liberdade individual – dizia ele (Tocqueville) em 1848 –, o

socialismo restringe-a. A democracia dá todo o valor possível a cada homem; o socialismo

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faz de cada homem um mero agente, um simples número”. Para Hayek, socialismo e demo-

cracia tinham apenas uma palavra em comum – a igualdade –, porém com significados

totalmente opostos. “Enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialis-

mo procura a igualdade no constrangimento e na servidão” (p. 52).

O princípio fundamental do liberalismo clássico é o regime da lei, que assegura a

liberdade. Os filósofos Kant e Voltaire sintetizam este pensamento ao afirmarem que o ho-

mem é livre quando não tem de obedecer a ninguém, mas unicamente às leis. Este princípio

fundamental encontra-se, segundo Hayek (1944), ameaçado por um governante despótico

que se considera a própria lei, governando arbitrariamente com poderes ilimitados. Hayek

tinha uma posição contrária ao que chama de controle econômico, regido pelos governos

totalitários. Ao que se nota, ele acredita na total liberdade econômica, inclusive com o ob-

jetivo de enriquecer e usufruir dos gozos dos frutos que advêm do trabalho: “Seria muito

mais exato dizer que o dinheiro é um dos maiores instrumentos de liberdade já inventados

pelo homem” (p. 137). A concorrência também é considerada positiva, na medida em que o

comprador não necessita ficar à mercê de um monopolista, tendo liberdade de escolher onde,

quando e como comprar um produto: “No regime de concorrência, os preços que temos a

pagar por um artigo [...] dependem da quantidade dos outros artigos da mesma espécie que

ficam disponíveis para outros membros da sociedade depois de termos adquirido o nosso”.

Esse preço não é determinado pela vontade consciente de pessoa alguma. E, “se um

certo meio de conseguirmos os nossos fins se mostra demasiado dispendioso, temos liberda-

de de tentar outros meios” (p. 142-143). Em outras palavras, o que impera é a livre concor-

rência.

Hayek previu um modelo econômico em que algumas indústrias pudessem aumentar

a sua produção com um preço de custo por unidade cada vez menor, e que seria inevitável

que algumas grandes empresas eliminassem as pequenas. Segundo o autor (1944, p. 79),

“Este processo deverá continuar até que de cada indústria só reste uma ou, no máximo,

umas poucas firmas gigantes” Essa realidade é comprovada atualmente – o processo de

globalização da economia que impera no mundo une algumas grandes empresas para supe-

rar as limitações em detrimento de muitas pequenas que são, literalmente, engolidas. Hayek

publicou, ainda, A contra-revolução da ciência em 1952, fruto de uma série de ensaios que

escreveu durante os anos 40. Na visão de Boettke, este foi o seu melhor livro. A obra exami-

na as tendências filosóficas dominantes, que prejudicavam os intelectuais de uma forma tal

que permitiu reconhecer os problemas sistemáticos com os quais se confrontariam os

planificadores econômicos. Trata, igualmente, de uma detalhada história intelectual do

“racionalismo construtivista” e do problema do “cientificismo” nas Ciências Sociais. Nesse

trabalho Hayek articula sua versão do projeto da linha escocesa, de David Hume e Adam

Smith, de utilizar a razão para ensinar modéstia à sexta razão. A civilização moderna não

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POLÍTICAS PÚBLICAS

estava ameaçada por muitos ignorantes obstinados em destruir o mundo, senão pelo abuso

da razão empreendida pelo racionalismo construtivista em seu intento de desenhar consci-

entemente o mundo moderno.

Em 1960 escreveu A constituição da liberdade, primeiro tratado sistemático sobre a

economia clássica liberal. Em 1962 incrementou seus esforços para analisar o ordenamento

espontâneo da atividade social e econômica. O autor se dispôs a reconstruir a teoria do

liberalismo e forneceu uma visão de cooperação social entre homens livres.

Hayek, segundo a explanação de Boettke, viveu uma vida longa e frutífera, tendo

de suportar as conseqüências de ter alcançado fama desde jovem, para, logo em seguida,

ser ridicularizado quando as teorias keynesianas e socialistas conquistaram a hegemonia

cultural, porém, afirma Boettke, viveu o suficiente para ver reconhecido seu enorme in-

telecto.

“Tanto os keynesianos como os socialistas foram esmagadoramente derrotados pelos

acontecimentos e pela poderosa verdade de sua obra,” o liberalismo clássico é novamente

um corpo vibrante de pensamento. Um grande estudioso não se define pelas respostas que

dá, mas pelas interrogações que promove, conclui o comentador.

Seção 8.2

As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo

Nas palavras de Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu depois da 2ª Guerra Mun-

dial, nas regiões da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi uma

reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar Social

(Welfare State). Sobre a difusão do neoliberalismo, Anderson (1995) aponta para a chega-

da da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973 (pós-Vietnã), quando o

mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela

primeira vez, baixas taxas de crescimento com altos índices de inflação, que favoreceram

mudanças.

A partir daí, as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, pres-

supostos do fortalecimento neoliberal, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos

sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de

acumulação capitalista com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada

vez mais os gastos sociais.

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Esses dois processos inflacionários, argumenta Anderson

(1995, p. 11), não podiam deixar de desembocar numa crise ge-

neralizada das economias de mercado: “o remédio, então, era cla-

ro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o

poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco3 em

todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”.

A teia neoliberal começou a ser tecida a partir da segunda

metade da década de 70. A primeira experiência de instituição

das reformas neoliberais ocorreu no Chile, em 1975, sob a dita-

dura de Pinochet. O neoliberalismo chileno defendia a abolição

da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras

militares do pós-guerra. Em 1979, na Inglaterra, foi eleito o go-

verno de Margareth Thatcher, o primeiro governo de um país de

capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prá-

tica o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Ronald

Reagan chegou à Presidência dos Estados Unidos. Em 1982,

Helmuth Khol derrotou o regime social-liberal de Helmut Schmidt,

na Alemanha. Em 1983 a Dinamarca, Estado modelo do bem-

estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de

direita, o governo de Schluter. Tais governos restringiram a emis-

são monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drastica-

mente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram contro-

les sobre os fluxos financeiros, criaram volumes maciços de em-

prego, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-

sindical e cortaram gastos sociais.4

Nos Estados Unidos, por exemplo, a primeira prioridade do

presidente Reagan foi reduzir o déficit orçamentário, e a segun-

da, adotar uma legislação draconiana e repressiva contra a de-

linqüência, lema principal também da nova liderança trabalhista

na Inglaterra.

3 Nem tão “parcos” foram os recursos dados pelo Estado nas intervenções econômicas. Foram, no entanto, bilhões de dólares fornecidospelo Estado para que o mercado pudesse manter-se.

4 Perry Anderson argumenta que, na Europa, na década de 80, uma direita vitoriosa passou à ofensiva. E relata Anderson (1999, p. 107-108): “No mundo anglo-saxônico, os regimes Reagan e Tatcher, depois de anularem o movimento operário, fizeram recuar aregulamentação e a redistribuição”. Da experiência da Grã-bretanha, outros países da Europa adotaram políticas semelhantes: “aprivatização do setor público, os cortes dos gastos sociais e altos níveis de desemprego criaram um novo padrão de desenvolvimentoneoliberal, por fim adotado tanto por partidos de esquerda como de direita”.

Augusto José Ramón

Pinochet Ugarte

(Valparaíso, 25 de novembrode 1915 – Santiago, 10 dedezembro de 2006) foi umgeneral do exército chileno,tendo se tornado presidentedo Chile em 17 de junho de

1974 pelo Decreto Lei nº 806editado pela junta militar

(Conselho do Chile), que foiestabelecida para governar o

país após a deposição deSalvador Allende, e posterior-

mente tornado senadorvitalício de seu país, cargo

criado exclusivamente para ele,por ter sido um ex-governante.Governou o Chile entre 1973 e1990, com poderes de ditador,

depois de liderar o golpemilitar que derrubou ogoverno do presidente

socialista legalmente eleito,Salvador Allende.

Disponível em:<http: // pt.wikipedia.o rg/wiki/

Augusto_Pinochet>.Acesso em: 24 set. 2008.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

A queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, de 1989 a 1991,

ocorreu exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo tornavam-se cada vez

mais óbvios no Ocidente. A vitória do Ocidente na Guerra Fria, com o colapso de seu adver-

sário comunista, não foi o triunfo de qualquer capitalismo, mas do tipo específico liderado e

simbolizado por Reagan e Thatcher nos anos 80. O impacto do triunfo neoliberal no Leste

Europeu tardou a ser sentido em outras partes do globo, mas não demorou a chegar na

América Latina, que hoje em dia se converte no terceiro grande palco de experimentações

neoliberais, embora em seu conjunto as reformas neoliberais tenham chegado antes mesmo

que nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

e na antiga União Soviética, com privatizações e desemprego em massa.

Genealogicamente a Europa foi testemunha da primeira experiência neoliberal siste-

mática do mundo.

Todas estas medidas, no entanto, haviam sido concebidas como mecanismos para al-

cançar um fim histórico, ou seja, a revitalização do capitalismo avançado mundial, restau-

rando taxas altas de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse

aspecto, o quadro mostrou-se absolutamente decepcionante.

Pode-se afirmar, então, que o neoliberalismo se constitui num movimento ideológico,

em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia experimentado no

passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamen-

te decidido a adaptar todo o mundo a sua imagem, em sua ambição estrutural e sua exten-

são internacional. Eis aí algo muito parecido com o movimento comunista de ontem do que

com o liberalismo eclético e distendido do século passado.

A execução das políticas neoliberais trouxe consigo conseqüências desastrosas para a

economia dos referidos Estados. Foi, contudo, nas políticas públicas e sociais que mais se

detectou retrocesso, principalmente nas questões de emprego, saúde, moradia e educação.

O empobrecimento deu-se entre os países ex-socialistas (Rússia, principalmente) e

naqueles de economia emergente (países latino-americanos).

Seção 8.3

Consenso de Washington: revisão do neoliberalismo

Inicialmente é preciso explicar que o Consenso de Washington não foi nenhuma cons-

piração político-econômica ou trama diabólica do Fundo Monetário Internacional (FMI),

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional de Reconstrução e

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Desenvolvimento (Bird), nem do governo americano para pôr em prática nos países da Amé-

rica Latina.5 A síntese das idéias que circulavam pelos bastidores das instituições internaci-

onais e no governo norte-americano foi elaborada pelo economista John Williamson, em

reunião na capital americana (Washington) em 1989.6 Essa reunião ficou conhecida como

Consenso de Washington e tinha como objetivo discutir as reformas necessárias para a Amé-

rica Latina.

Quais seriam os problemas que o economista percebia? Williamson afirmou na época:

“Eu dividiria o que sinto, pressinto e leio como um grande consenso em três planos”. O

primeiro plano é de ordem macroeconômica. Há um acordo completo entre todas as agênci-

as econômicas de que a totalidade dos países periféricos devem ser convencidos a aplicar um

programa em que lhes é requerido um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal

ao máximo, que passa, inevitavelmente, por um programa de reformas administrativas,

previdenciárias e fiscais, além de um corte violento nos gastos públicos. Esses países devem

instituir políticas monetárias rigidíssimas, porque a prioridade número 1 é a estabilização,

sendo que a política fiscal tem de ser submetida à política monetária. O segundo plano visa

a apresentar propostas e reformas de ordem microeconômica: é preciso desonerar fiscalmente

o capital para que ele possa aumentar a sua competitividade no mercado internacional,

desregulado e aberto. Então, o único caminho para as pequenas empresas situadas nos

países da periferia entrarem nesse jogo seria pelo aumento de competitividade, o que passa-

ria por desoneração fiscal, flexibilização dos mercados de trabalho, diminuição da carga

social com os trabalhadores e redução dos salários. A terceira ordem de coisas que o Consen-

so propunha era: nada disso será possível se não houver o desmonte radical do modelo

anterior (Estado interventor) que vigora nesses países.

Em síntese, o Consenso de Washington propunha que os Estados latino-americanos

passassem por profundas reformas estruturais, também chamadas de reformas institucionais.

A primeira era a desregulamentação de alguns setores, sobretudo o financeiro e o do traba-

lho. Esta já foi posta em prática em quase todos os países da América Latina. A outra pro-

posta era de privatização, de preferência selvagem; a terceira, de abertura comercial, e a

quarta, a da garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é, nos

serviços, propriedade intelectual, etc.

Sempre se estuda o Estado, na sua concepção moderna, como uma instituição criada

a partir de uma convenção da sociedade, com o objetivo de garantir a segurança, a proprieda-

de, a vida (direitos naturais), isto é, uma instituição capaz de assegurar o bem-estar a todos

os cidadãos. Os teóricos neoliberais, contrários ao Estado-Social, apregoam que o Estado

5 Sobre o Consenso de Washington, conferir a explanação de Portella Filho (1994).

6 Sobre o neoliberalismo ler Sader; Gentili (1995).

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POLÍTICAS PÚBLICAS

tem apenas uma função: garantir, por meio de seu aparato, o

livre mercado. Estas idéias já foram defendidas pelo liberalismo

clássico do século 17, mas o Estado neoliberal tem um diferencial:

o descompromisso com as questões sociais, lesando a saúde, edu-

cação, infra-estrutura, segurança e a política previdenciária da

coletividade.

Seção 8.4

A Experiência Neoliberal do Brasil

As políticas neoliberais globalizantes começaram, no Bra-

sil, no início dos anos 90, ainda com o presidente Collor de Mello

que, de uma maneira surpreendente, deu início às reformas de

Estado. Começaram, nesse período, a desregulamentação eco-

nômica, a abertura do mercado e a planificação da economia (ten-

tativa de diminuir a inflação galopante). Ocorrem, nesse perío-

do, igualmente, as tratativas iniciais com as instituições interna-

cionais, principalmente com o FMI.

As reformas do Estado no governo Collor não foram bem-

sucedidas. Nem mesmo a própria elite empresarial estava prepara-

da para tais mudanças, muito menos a elite política do Brasil, que

se mostrou um tanto insegura com os rumos que essas reformas

poderiam tomar. Foi nesse contexto que o governo Collor viu-se

enredado em situações ilícitas, em que processos e acusações de

corrupção começaram a se acumular. A mídia brasileira, a mesma

que apostou e promoveu seu governo, aos poucos deserdou o “ca-

çador de marajás” e caiu na realidade, mostrando as imagens das

numerosas e grandiosas mobilizações sociais, oriundas de todos

os setores da sociedade civil. Collor de Mello não tinha nenhuma

base política, a não ser o seu frágil Partido da Renovação Nacio-

nal (PRN), e, talvez, esta tenha sido uma das razões para o proces-

so de impeachment que acabou sofrendo.

Collor foi julgado e condenado, deixando, melancolicamen-

te, seu governo marcado mais por excentricidades, bloqueio da

poupança da população e pela corrupção do que propriamente

Fernando Affonso

Collor de Mello

(Rio de Janeiro, 12 de agostode 1949) é um empresário epolítico brasileiro, atualmentefiliado ao Partido TrabalhistaBrasileiro. Foi o 32º presidenteda República Federativa doBrasil, cargo que exerceu de15 de março de 1990 a 29 dedezembro de 1992. Foitambém o primeiro presidenteda República eleito por votodireto após o Regime Militar,em 1989. Seu governo foimarcado pela instituição doPlano Collor, pela abertura domercado nacional às importa-ções e pelo início do ProgramaNacional de Desestatização.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Collor_de_Mello>.Acesso em: 24 set. 2008.

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pela reforma do Estado que se propusera a realizar. Itamar Fran-

co, vice de Collor, assumiu a Presidência da República do Brasil,

com um governo mais voltado para as políticas internas, dando

uma trégua nas negociações com o FMI e interrompendo as re-

formas do Estado por um curto período.

Ainda no governo Itamar Franco assumiu o Ministério das

Relações Exteriores o então senador Fernando Henrique Car-

doso (FHC), um cargo que sempre estivera em seus planos. As

tratativas com as instituições internacionais (FMI e Banco Mun-

dial) recomeçaram. Logo após, FHC assumiu o Ministério da Fa-

zenda e instituiu, junto com uma equipe de técnicos, um plano

econômico capaz de frear a inflação e restabelecer a volta do cres-

cimento econômico – o Plano Real. Tais políticas estimularam a

volta do programa de reformas de Estado iniciado por Collor e

interrompido por Itamar Franco.

É importante mencionar que FHC e seu partido, o Partido

da Social Democracia Brasileira (PSDB), partem do princípio de

que o Estado deve se “modernizar”. “Modernização” do Estado

significa um Estado mais ágil, menos “truculento”, “moroso” e

“burocratizado”. Para tanto estabeleceu uma grande propagan-

da ideológica para que se efetivasse o processo de privatização

das empresas estatais brasileiras.

A instituição da nova moeda brasileira – o real – ocorreu no

dia 31 de julho de 1994 (junto com a Copa do Mundo de Fute-

bol).7 Até o fim daquele ano a moeda valorizou-se e FHC ganhou

as eleições à custa da ficção do Plano Real. A mão estendida de

FHC pré-anunciava as suas principais metas: saúde, educação,

moradia, agricultura e segurança. O Plano econômico, chama-

do, no Brasil, de “Plano Real”, fazia parte de uma sistemática

política global mais abrangente. A idéia de planificação econô-

mica foi criada pelas instituições financeiras do Primeiro Mundo

numa tentativa de conter a elevada inflação das economias emer-

gentes, como no caso do Chile, México, Argentina, Brasil e ou-

7 Essa data marca o início formal do Plano Real, a partir do anúncio de um programa de ajuste fiscal e de suas duas fases seguintes, quaissejam: a criação de uma quase-moeda (a URV), em março de 1994 e, quatro meses depois, isto é, a partir de 31 de julho, a suatransformação em uma nova moeda: o real.

Fernando Henrique Cardoso

(Rio de Janeiro, 18 de junhode 1931), sociólogo, professor

universitário e político. Foi o34º presidente da República

Federativa do Brasil, cargo queexerceu por dois mandatos

consecutivos, de 1º de janeirode 1995 a 31 de dezembro de2002. Foi também o primeiropresidente reeleito da História

do país. É co-fundador e,desde 2001, presidente dehonra do PSDB (Partido da

Social Democracia Brasileira). Étambém comumente conheci-

do por seu acrônimo FHC.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Fernando_Henrique_Cardoso>.Acesso em: 22 out. 2008.

Planificação econômica

Refere-se à centralização, porparte do Estado, dos poderesde planejamento e execução

das políticas econômicas,suprimindo o mercado e a livre

concorrência.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Planifica%C3%A7%C3%A3o_

econ%C3%B4mica>.Acesso em: 24 set. 2008.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

tros. Daí advém o proselitismo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao afirmar: “Dá

gosto ver que hoje nós somos um país respeitado. E o ponto inicial para que houvesse uma

volta desse respeito foi a nossa capacidade de vencer a hiperinflação e de manter a democra-

cia, a nossa capacidade de negociar para poder avançar. Isso mostra que somos um país

realmente amadurecido”.

Durante o período do Plano Real (equiparação cambial: 1 real chegando a valer mais

que 1 dólar) a elite brasileira, literalmente, foi às nuvens. A euforia com o Plano levou a

burguesia e boa parte da classe média brasileira a consumir de maneira nunca vista, inclu-

sive fretando aviões particulares para fazer compras em Miami (EUA). Por sua vez, o povão

comia frango a “um real o quilo”, de sobremesa iogurte, colocava dentadura nova e fazia

compras no Paraguai... Eis algumas propagandas oficiais de FHC durante boa parte do

Plano Real.

A partir de então o processo de “modernização” do Estado se intensificou. Outra mar-

ca do governo FHC foi o abuso da instituição de medidas provisórias (mais de 5 mil). Isso

significa um governo de ditadura civil, pois nem mesmo os ditadores militares (anos 64-85)

intervieram tanto na Constituição como FHC. Algumas medidas provisórias ficaram famo-

sas, como é o caso da MP para o processo de privatização e a MP para a vergonhosa e

corrupta emenda da reeleição.

Muitos teóricos apregoam que o governo de FHC apenas serviu aos interesses das

corporações internacionais, outros o chamam de “embaixador” do Banco Mundial e do

FMI. Acusado de exercer um governo neoliberal, entretanto, FHC reagiu num tom sarcásti-

co: “Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação. De quem não vê a realidade. É

cópia. É mimetismo”. O Brasil, segundo o ex-presidente, não se encaixava nesse modelo,

porque vivia de problemas peculiares que devem ser resolvidos, não pelo Estado

patrimonialista, nem clientelista.

8.4.1. CONSEQÜÊNCIAS DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO BRASIL

As reformas dos Estados nacionais da América Latina, em conseqüência das políticas do

Consenso de Washington, implicaram a adoção de programas de ajustes estruturais, como as

reformas administrativas e previdenciária, que exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fis-

cal (austeridade fiscal ao máximo), as privatizações, a redefinição do papel do Estado na

economia, causando, ao contrário do que os defensores de tais políticas alardeavam, recessão

econômica, ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos

sociais, crise de modelos políticos tradicionais, flexibilização dos direitos trabalhistas, precarieda-

de e, ainda, o desmonte dos sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.

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No Brasil, as principais políticas de reestruturação do Estado foram a chamada Refor-

ma Administrativa, também conhecida como Reforma Bresser-Pereira (então ministro da

Ciência e Tecnologia e da Administração) e a Reforma do Estado (promovida no governo do

presidente FHC).

Bresser-Pereira (2002), em artigo publicado na Folha de São Paulo, reclamava da crise

de confiança de que a economia brasileira vinha sendo vítima nos últimos meses. Para isso,

usou exemplos de presidentes de bancos centrais e diretores de câmbio – dos anos 70 – que

“controlavam a entrada de capitais e defendiam o interesse nacional”. Bresser lembrou,

igualmente, de declaração de Elio Gaspari: “A inconformidade do presidente Arthur Bernardes

(1923) com a crise a que os credores externos estavam, então, levando o Brasil, e com as

chantagens que o país sofria frente ao cenário internacional”. Bresser concluiu que, infeliz-

mente, o governo brasileiro era impotente ante o cenário econômico internacional.

Talvez por isso Bresser-Pereira tenha lamentado que sua Reforma Administrativa não

tenha dado resultados ao afirmar que: “Cumprimos uma parte desse programa, mas, em vez

de reconstruir financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em relação ao proces-

so de privatização, Bresser também admitiu reclamou: “Em vez de privatizarmos apenas

setores competitivos, privatizamos também monopólios naturais”. No Brasil ocorreu a

“flexibilização” do mercado e a multiplicação da dívida: “Em vez de controlar a entrada de

capitais e reduzir a dívida externa, ampliamo-la; ao invés de mantermos um câmbio relati-

vamente desvalorizado, como fizeram todos os países que iniciavam seu desenvolvimento,

deixamos que a entrada de capitais valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente

salários e consumo”.

Seguimos, de joelhos, as normas das instituições internacionais: “E tudo, nos anos

90, com o apoio do FMI, do Banco Mundial e dos mercados financeiros internacionais”,

concluiu Bresser-Pereira.

Dentre as principais conseqüências das políticas neoliberais aplicadas no país, desta-

cou-se o alto índice do desemprego. Outra decorrência das políticas neoliberais foi o avanço

das multinacionais nos países periféricos, ou seja, uma abertura completa destes ao merca-

do internacional fez aparecerem as empresas multinacionais, invasoras de seus espaços ge-

ográficos, subsidiadas com empréstimos ou isenções de impostos por determinados períodos

(que vão de 15 a 20 anos), além do substancial apoio financeiro que exigem receber sob

ameaça de se retirarem urgentemente do país e instalar-se em outro lugar.

O Brasil privatizou mais de 70% das empresas administradas pelo Estado, o que aju-

dou a aumentar a importação e contribuiu para o déficit comercial. Também se soma a isto

empresas privadas controladas por estrangeiros, do que resultam mais lucros e mais impor-

tações. A inundação dos importados e os altos juros levaram várias empresas à falência, à

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POLÍTICAS PÚBLICAS

redução da jornada de trabalho ou a reduções salariais, para não fecharem as portas. Isto

acarretou forte desemprego e uma grande inadimplência, pois o consumo era realizado a

crédito. O país recebeu investimentos do capital estrangeiro em aquisições patrimoniais, e

não onde fundamentalmente necessitava que ocorressem (no setor industrial e, principal-

mente, na agricultura) para promover o crescimento econômico. Em decorrência de tais

políticas, aumentou a exclusão social no Brasil. O número de pobres cresceu assustadora-

mente. Aparentemente houve a planificação econômica e a queda da inflação, porém não é

suficiente a contenção da inflação se, em termos econômicos, constata-se a estagnação e a

recessão. O crescimento do país permaneceu em torno de 2% ao ano, quando deveria alcan-

çar os 5%. Embora as contas ajustadas, o saldo positivo na balança financeira e a estabili-

dade econômica, houve aumento do desemprego e a situação dos mais pobres piorou dia

após dia.

Cerca de 80% da população brasileira vive com até 3 salários mínimos. O Brasil está

colocado entre as dez primeiras potências econômicas do mundo ocidental; por outro lado,

os indicadores sociais se aproximam dos países com menor desenvolvimento do mundo afro-

asiático.

Para 65% da população brasileira faltam as condições básicas de sobrevivência, como

saúde, alimentação, moradia, transporte, educação, lazer e vestuário. Já os 10% mais ricos

têm acesso a quase 50% da renda da população, e destes os 5% mais ricos detêm 35% da

riqueza.

Seção 8.5

A Continuidade do Colonialismo

Tem-se assistido nas últimas décadas às transformações pelas quais os Estados oci-

dentais têm passado e, conseqüentemente, o sistema democrático. O poder das instituições

internacionais vem imperando, o FMI e o Banco Mundial, que atuam “discretamente” nos

bastidores dos governos locais, impondo as chamadas “reformas econômicas”, com o objeti-

vo de “reduzir os déficits públicos”, “combater a inflação” e “deter a economia que está

superaquecida”. Em nome de tais “programas”, fenecem as políticas públicas do Estado,

que tem seu poder diminuído. Ou seja, tem-se o Estado máximo para servir aos interesses de

grandes grupos econômicos e o Estado mínimo para as questões sociais.

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Os mais altos cargos desses governos na área econômica, tais como presidentes de

Bancos Centrais, ministros da Fazenda e secretários de Tesouro, são, comumente, ocu-

pados por executivos de grandes empresas privadas. Por exemplo: o secretário do Tesou-

ro norte-americano no governo Clinton, Robert Rubin, foi um alto executivo banqueiro

da Goldman Sachs, da mesma forma que o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis

Preston, foi diretor presidente da J. P. Morgan. No Brasil não é diferente, basta analisar

a procedência do presidente do Banco Central, Henrique Meireles, para entender tal

afirmação.

Tem-se um Estado monopartidário, em que são determinantes as preocupações econô-

micas e financeiras privadas, um Estado distante dos interesses do povo, sem falar da nega-

ção e controle dos direitos democráticos de seus cidadãos.

A economia mundial passa hoje por uma crise globalizada. O que fazem então os

países desenvolvidos? Qual é a saída mais eficaz? Não fazem nada mais do que apertar o

cerco em torno de suas antigas colônias, o que traz como conseqüência imediata a falência

das instituições e a queda do padrão de vida.

Sob o lema “privatização dos lucros e socialização das despesas”, a globalização eco-

nômica, ou a economia de mercado, tem favorecido a concentração da riqueza nas mãos de

poucos, enquanto a maioria tem apenas a globalização da pobreza.

Acusar os governos locais e as instituições internacionais não é suficiente, pois admi-

nistradores burocratas e credores estão unidos. É preciso avançar mais e perceber que os

agentes financeiros, bancos e corporações transnacionais são inimigos do povo e, por isso,

devem ser atacados. É urgente reconhecer o fracasso do modelo econômico neoliberal em

âmbito global, assim como cancelar imediatamente a dívida externa dos países em desen-

volvimento, e, para tanto, é necessário estruturar mecanismos financeiros alternativos e

concretos.

Se existe uma globalização do mercado que gera fome, exclusão e desemprego, é ur-

gente que se promova uma globalização solidária que una todos os povos do mundo. Nada

vai mudar sem uma persistente luta social, ampla e democrática. Todos os excluídos do

sistema deverão se mobilizar para tal empreendimento: trabalhadores, agricultores, produ-

tores independentes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros do cle-

ro, estudantes e intelectuais. Tais movimentos de pressão (antiglobalização) contra as per-

versas políticas econômicas do FMI e Banco Mundial já estão ocorrendo em diferentes par-

tes do mundo.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Seção 8.6

A Crise Atual do Neoliberalismo

Nos anos 90 o neoliberalismo defendia as idéias do liberalismo clássico do século 18,

do laissez-faire (livre mercado sem a intervenção do Estado). Com a crise atual, contudo,

por mais paradoxal que pareça, o Estado vem cumprindo uma função inversa, a de intervir

diretamente na economia, salvando as empresas falidas.

Nesta ótica, é preciso esclarecer que as crises econômicas são inerentes ao capitalis-

mo, pois foram constantes desde o seu início.8 Por vezes pregava-se o livre mercado, noutras

ocasiões pedia-se intervenção (vide a crise de 1929):

• anos 70 (crise do modelo intervencionista do Estado);

• anos 70 e 80 – o livre mercado (neoliberalismo);

• em 2008, vivencia-se crise do livre mercado (o Estado passa a intervir novamente).

É o pêndulo do relógio que se movimenta novamente, a sinalizar que mais um ciclo do

capitalismo chega ao fim. A crise atual, entretanto, não é apenas mais uma, mas uma das

maiores crises econômicas do capitalismo em âmbito global dos últimos tempos. Stiglitz, ex-

presidente do Banco Mundial, afirma que é a pior crise deste século, e que ela decorre exa-

tamente do mercado financeiro (defendido até o último momento pelos liberais como o úni-

co guardião e salvador do mundo). O mercado financeiro fez empréstimos ruins, diz Stiglitz,

como a bolha imobiliária norte-americana, em que foram feitos empréstimos com base em

preços inflados. Essas dívidas não podem ser pagas neste momento.

É possível constatar que a economia global entra neste instante em um novo ciclo, o

ciclo da recessão. O sistema financeiro ruiu. A cada dia presenciamos bancos abrindo

concordata, empresas demitindo: as pessoas estão perdendo seus empregos, seus benefíci-

os e até suas casas, enquanto outras correm o risco de perder toda a sua economia. A

Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê 20 milhões de desempregados, atin-

gindo especialmente os setores da construção, imobiliário, automotivo, turístico e serviços

financeiros.

8 É detectada a crise no capitalismo quando os lucros privados não conseguem se manter em patamares positivos. Estagnação e recessãoeconômica implicam reformular o sistema.

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Segundo Otaviano Canuto, vice-presidente de Países do BID,

o mundo financeiro dos últimos 25 a 30 anos morreu. Passada

mais de uma década desde a turbulência asiática, e depois dos

episódios semelhantes que atingiram a Rússia, Brasil e Argenti-

na, a crise voltou-se contra a própria Wall Street, o coração do

sistema financeiro global.

AS CAUSAS

Uma das causas principais do impasse do capitalismo atual

diz respeito à crise de confiança, ou seja, à perda de crença no

sistema. Na origem está o deslocamento do capital produtivo: muita

gente querendo ganhar manipulando dinheiro, uma embriaguez

de enriquecimento sem trabalho. Ou seja, o dinheiro não é aplica-

do na economia real, mas na economia virtual. Vive-se especulan-

do em qual bolsa de valores é possível aplicar e obter mais lucros.

Outro aspecto diz respeito à busca escandalosa por recompensas

econômicas excessivas até a especulação arriscada.9 Em síntese,

vive-se uma crise da economia virtual que tem atingido diretamente

a economia real. O capitalismo vive um dilema. Precisa, de um

lado, que ocorra produção de capital e, de outro, que haja consu-

midores. A superprodução leva à saturação do mercado, que faz

diminuir o poder de compra dos trabalhadores. Com a redução do

consumo, ocorre uma queda na taxa de lucro dos capitalistas; com

a diminuição dos lucros há, conseqüentemente, cortes de salários

e demissões para cortar custos (círculo vicioso). Outra causa está

no endividamento das pessoas, principalmente nos Estados Uni-

dos. É naquele país que se localiza o epicentro da crise. Como

afirma Boike Rehbein, vive-se o fim da hegemonia neoliberal

estadunidense. O endividamento privado nos Estados Unidos du-

plicou nos últimos sete anos e hoje ultrapassa os US$ 14,5 bilhões.

Já a dívida do governo federal é de 9,3 bilhões de dólares.

Há mesmo evidências de que os Estados Unidos perderam a

liderança da economia global, devendo em breve dividir com ou-

tros países a hegemonia mundial.

9 O capitalismo atual é um sistema de aposta com dinheiro emprestado via computador.

Wall Street

É uma rua que corre naManhattan Inferior, e éconsiderada o coração

histórico do atual DistritoFinanceiro da cidade de NovaYork, onde se localiza a Bolsa

de Valores de Nova York, amais importante dos Estados

Unidos e uma das maisimportantes do mundo.

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/

Wall_Street>.Acesso em: 24 set. 2008.

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POLÍTICAS PÚBLICAS

O MODELO CONSUMISTA

O capitalismo se mantém alicerçado no consumo. Nunca se produziu e se vendeu

tantos bens de consumo como agora: computadores, TVs, geladeiras e automóveis.10 Da

mesma forma, o consumo energético está nas alturas, o que vem acarretando sérios proble-

mas para o meio ambiente. É exatamente este modelo consumista desenfreado da sociedade

que precisa ser revisto, repensado. As pessoas estão gastando além do seu próprio limite (em

âmbito individual) e, também, estão consumindo além dos recursos que o planeta consegue

sustentar. Algo precisa ser feito, portanto, de forma urgente.

A VOLTA DO ESTADO (REGULAÇÃO)

Segundo Boaventura de Sousa Santos, o impensável aconteceu: o Estado deixou de

ser o problema para voltar a ser a solução. A palavra não aparece na mídia americana, mas

é disso que se trata: nacionalização. Na mesma linha opina o economista Marcio Pochmann.

O Estado é extremamente necessário, pelo fato de garantir maior regulação e maior condi-

ção da existência da economia. Agora, segundo Pochmann, diante de um novo movimento

do pêndulo, cada vez mais inclinado para a ampliação da regulação sobre a economia capi-

talista. Em síntese, os neoliberais defendiam a não-interferência nos mercados, mas o que

temos agora? O Estado volta a regular a economia.

Observe-se o exemplo da intervenção direta do Estado na economia. O governo ame-

ricano está a socorrer inúmeras instituições de crédito. Foram gastos mais de US$ 700 bi-

lhões de dólares para salvar bancos.11 Vive-se hoje um Estado socialista, mas apenas para

Wall Street. Estão sendo privatizados os lucros e socializadas as despesas. Nas palavras do

economista Eduardo Giannetti: “Quando os banqueiros estavam ganhando bilhões de dóla-

res, tudo era privado e particular”. No momento em que esses banqueiros e esses grandes

aplicadores perdem bilhões, vem o governo e socializa, jogando a conta para as gerações

futuras.

Há algo profundamente errado do ponto de vista ético nesse sistema. É uma assimetria

inaceitável de tratamento de ganhos e perdas. Note-se o funcionamento artificial do siste-

ma: “O Goldman Sachs tinha US$ 25 aplicados para cada US$ 1 de caixa. No início da

década de 80, o lucro dos bancos representava 10% do lucro total da economia americana.

10 Na cidade de São Paulo são emplacados 800 novos carros por dia. Multiplique por 30 dias e teremos 24 mil novos carros em um só mês.Multiplicados por 12 meses, teremos o total de 288 mil novos carros emplacados em um único ano só na capital paulista.

11 “Não se pode dar US$ 700 bilhões aos bancos e se esquecer da fome” (Hans-Gert Poettering, alemão, presidente do ParlamentoEuropeu).

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Agora, é de 40%. É muita gente tentando ganhar manipulando dinheiro”.12 Este é também

o entendimento do economista Paulo Nogueira Batista, ao afirmar que é bem provável que

grande parte do sistema financeiro acabe nas mãos do Estado.

SÍNTESE DA UNIDADE 8

Procurou-se apresentar nesta Unidade aspectos teóricos ligados

ao neoliberalismo: teorização e aplicabilidades. Vimos que o capi-

talismo tem passado por constantes crises nos últimos anos, no

entanto a crise atual não é o colapso do capitalismo e sim o fim de

um modelo do capitalismo sob a característica neoliberal (articu-

lação entre mercado, Estado e sociedade). Por mais paradoxal que

pareça, os neoliberais sempre pregaram a não-intervenção do Es-

tado na economia, contudo a intervenção do Estado na economia

tem sido a regra e não a exceção por muitas décadas. Como desta-

ca Chomsky: “Nos últimos 15 anos 20 companhias entre as 100

maiores do mundo não teriam sobrevivido sem a ajuda dos seus

governos. As demais 80 restantes obtiveram ganhos pela via de

solicitar aos seus governos que ‘socializassem as perdas’. Quem

paga a conta é o contribuinte sofrido”.

12 Conferir Eduardo Giannetti. In: Conjuntura da semana. Uma leitura das “Notícias do Dia” do IHU de 23 a 30 de setembro de 2008.

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