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POLÍTICAS PÚBLICASUNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil2009
Dejalma Cremonese
POLÍTICASPÚBLICAS
EaD Dejalma Cremonese
2
2009, Editora UnijuíRua do Comércio, 136498700-000 - Ijuí - RS - BrasilFone: (0__55) 3332-0217Fax: (0__55) 3332-0216E-mail: [email protected]
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Tania Rubin Deustschmann
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
C915p Cremonese, Dejalma.
Políticas públicas / Dejalma Cremonese. – Ijuí : Ed.Unijuí, 2009. – 140 p. – (Coleção educação a distância.Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-797-2
1. Política. 2. Políticas públicas. 3. Estado. 4. Ciênciapolítica. 5. Democracia. I. Título. II. Série.
CDU : 32 321
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POLÍTICAS PÚBLICAS
SumárioSumárioSumárioSumário
CONHECENDO O PROFESSOR .................................................................................................7
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................9
UNIDADE 1 – A CIÊNCIA POLÍTICA E A QUESTÃO DO PODER E DO ESTADO........ 11
Seção 1.1 – Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política ............................... 12
Seção 1.2 – Campos de Investigação da Ciência Política ................................................ 13
Seção 1.3 – A Evolução da Disciplina ................................................................................ 14
Seção 1.4 – Métodos Comumente Empregados ................................................................ 16
Seção 1.5 – A Questão do Poder .......................................................................................... 18
UNIDADE 2 – A QUESTÃO DO ESTADO ............................................................................... 23
Seção 2.1 – Etimologia da Palavra Estado ......................................................................... 23
Seção 2.2 – Diferentes Entendimentos sobre o Estado .................................................... 24
Seção 2.3 – Os Elementos do Estado .................................................................................. 27
Seção 2.4 – O Estado e o Poder ........................................................................................... 29
Seção 2.5 – A Função do Estado ......................................................................................... 31
Seção 2.6 – Justificativas Teóricas do Estado .................................................................... 32
UNIDADE 3 – A TEORIZAÇÃO SOBRE O ESTADO MODERNO...................................... 35
Seção 3.1 – Maquiavel e o Estado Moderno ..................................................................... 36
3.1.1 – O contexto histórico: o Renascimento ....................................................... 37
3.1.2 – A realidade da Itália no tempo de Maquiavel e sua biografia ............... 39
3.1.3 – Síntese das idéias de O Príncipe ................................................................. 39
Seção 3.2 – O Estado para Hobbes ..................................................................................... 43
Seção 3.3 – O Estado para Locke ........................................................................................ 47
Seção 3.4 – O Estado para Rousseau ................................................................................. 49
EaD Dejalma Cremonese
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UNIDADE 4 – A CRÍTICA CONTRA O ESTADO NO SÉCULO 19 ......................................55
Seção 4.1 – O Anarquismo ....................................................................................................55
4.1.1 – Os principais representantes: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi ....56
Seção 4.2 – O Socialismo Utópico........................................................................................57
4.2.1 – Os principais representantes: Saint-Simon,
Fourrier, Owen e Louis Blanc........................................................................57
Seção 4.3 – O Socialismo Científico ....................................................................................58
4.3.1 – Os principais representantes: Marx e Engels ............................................58
UNIDADE 5 – CRISES E TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO NO SÉCULO 20 ..............63
Seção 5.1 – Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo .....................................64
Seção 5.2 – O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea............65
5.2.1 – A teoria das elites ...........................................................................................65
5.2.2 – A teoria pluralista ...........................................................................................69
5.2.3 – A teoria neomarxista ......................................................................................70
5.2.4 – A Teoria participacionista (MacPherson, Held e Pateman) .....................71
Seção 5.3 – A Procedência do Estado do Bem-Estar Social:
a Teoria Keynesiana e a Social-Democracia ..................................................74
UNIDADE 6 – ESTADO, SOCIEDADE E CIDADANIA NO BRASIL ....................................79
Seção 6.1 – Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público ............................81
6.1.1 – A “conquista” da terra brasilis .....................................................................81
6.1.2 – A escravidão ....................................................................................................82
6.1.3 – O analfabetismo .............................................................................................84
Seção 6.2 – A Formação do Estado no Brasil: Participação
Incipiente na Independência e na República .................................................85
6.2.1 – Um Estado sem nação ...................................................................................85
6.2.2 – Uma República sem povo ..............................................................................87
Seção 6.3 – Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira .........................88
Seção 6.4 – Os Direitos Sociais Emergem Quando
os Direitos Civis e Políticos Fenecem .................................................................92
Seção 6.5 – Síntese sobre o Estado e a Sociedade no Brasil ............................................94
UNIDADE 7 – O ESTADO, AS CONSTITUIÇÕES E OS DIREITOS SOCIAIS
NO BRASIL: do Desenvolvimentismo aos Nossos Dias .............................. 103
Seção 7.1 – A Constituição de 1946 ................................................................................. 103
Seção 7.2 – Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar .................................. 104
Seção 7.3 – A Constituição Cidadã de 1988 .................................................................... 105
Seção 7.4 – A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais ...................................... 107
Unidade 8 – A REFORMA DO ESTADO NOS ANOS 90: O Neoliberalismo ................... 113
Seção 8.1 – Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo: Friedrich A. von Hayek ...... 114
8.1.1 – Hayek diverge de Keynes ............................................................................ 115
8.1.2 – A planificação estatal leva ao “caminho da servidão” .......................... 116
Seção 8.2 – As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo .......................................... 119
Seção 8.3 – Consenso de Washington: Revisão do Neoliberalismo .............................. 121
Seção 8.4. A Experiência Neoliberal do Brasil ................................................................ 123
8.4.1 – Conseqüências das políticas neoliberais no Brasil ................................. 125
Seção 8.5 – A Continuidade do Colonialismo ................................................................. 127
Seção 8.6 – A Crise Atual do Neoliberalismo .................................................................. 129
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 133
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Conhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o Professor
Sou Dejalma Cremonese, tenho 39 anos, nasci no dia 7 de
dezembro de 1968 no Centro-Serra do Rio Grande do Sul, mais pre-
cisamente no município de Arroio do Tigre (a uma distância de 243
Km de Porto Alegre). Sou o décimo terceiro filho de uma família de
pequenos agricultores e realizei meus primeiros estudos (Ensino
Fundamental) em uma escola interiorana da rede pública (1976-
1983). A continuidade dos estudos só foi possível graças ao meu
ingresso no Seminário Diocesano de Santa Maria – RS, onde con-
cluí o Ensino Médio, mais o curso propedêutico (1984-1987). Con-
tinuando os estudos, graduei-me em Filosofia (Licenciatura e Ba-
charelado) pela Fafimc de Viamão – RS (1988-1990). Ao retornar a
Santa Maria, cursei ainda 2 anos do curso de Teologia (1991-1992)
no Seminário Máximo Palotino. Minha Pós-Graduação foi em “Pes-
quisa Científica” (nível de Especialização) na FIC (1993-1994). Logo
após iniciei o Mestrado em Filosofia pela UFSM, o qual concluí em
1997. Quase uma década depois, em 2006, concluí o Doutorado em
Ciência Política pela UFRGS. Minha atuação profissional iniciou
em 1994 como professor nas turmas secundaristas do Colégio
Sant’Anna, em Santa Maria. Como professor universitário, lecionei
no Ensino de Graduação da FIC (hoje Unifra) em Santa Maria; tam-
bém atuei como professor substituto na UFSM no ano de 1995; fui
professor da Universidade de Cruz Alta (Unicruz) no período de 1997-
2002. Desde 1998 exerço as atividades acadêmicas na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Nesta Universidade, sou professor Associado 1 (40 horas), atuando
no Programa de Mestrado em Desenvolvimento na Linha de Pesqui-
sa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento. Atuo também no Depar-
tamento de Ciências Sociais da mesma Universidade nos seguintes
componentes curriculares: Ciência Política, Teoria Política, Teoria
do Estado e Sociedade, Política e Cultura. O meu eixo de pesquisa
está centrado nos temas da Democracia (teoria e processos demo-
cráticos), Cidadania (participação e inclusão social), Cultura Políti-
ca (Capital Social) e Desenvolvimento. Para maiores informações,
disponibilizo um site na Internet no seguinte endereço:
<www.capitalsocialsul.com.br>. Para contato direto informo o meu
endereço de e-mail: [email protected]
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POLÍTICAS PÚBLICAS
ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação
Este texto tem como objetivo apresentar conceitos básicos de política, poder, Estado,
democracia, sob a ótica dos autores clássicos da filosofia política, da teoria política e da
ciência política. A partir destes conceitos gerais, discutir as origens históricas do Estado e
das legislações de proteção social no Brasil, especialmente sobre a questão da cidadania,
das políticas públicas, da governança e governabilidade.
Na 1ª Unidade o leitor encontra uma descrição conceitual da importância da ciência
política na compreensão da questão do poder e do Estado. A Unidade discute também algu-
mas definições gerais da ciência e da Filosofia política, as principais áreas de estudo, evolu-
ção e métodos da ciência política. Por fim, trata da questão do poder e do Estado.
A Unidade 2 destaca a questão do Estado. Apresenta também definições de Estado,
apresenta os elementos, a função, as justificativas teóricas do Estado e, ao final, a relação
Estado e poder.
A Unidade 3 trata da teorização do Estado Moderno (formação e evolução), discute as
idéias principais da obra O Príncipe, de Maquiavel, bem como as idéias principais dos teóri-
cos considerados contratualistas: Hobbes, Locke e Rousseau. Por fim, apresenta uma sínte-
se das principais idéias destes autores.
A crítica ao Estado no século 19 é a principal abordagem da Unidade 4. Para tanto
apresenta um debate das teorias anarquistas, do socialismo utópico e do socialismo cientí-
fico, aprofundando alguns aspectos do Manifesto Comunista, de Karl Marx.
A Unidade 5 aborda as crises e transformações do Estado no século 20, iniciando com
um debate sobre os intérpretes de Karl Marx, mais especificamente Lenin e Rosa Luxemburgo.
Mais adiante trata do Estado na Teoria Democrática Contemporânea (teoria das elites,
pluralistas e participativa) e finaliza com uma discussão sobre o Estado de Bem-Estar Social
(Welfare State) e sua aplicabilidade em países da Europa logo após a 2ª Guerra Mundial.
A Unidade 6 trata mais especificamente do Estado, da sociedade e da cidadania no
Brasil. Discute a dimensão da diminuta participação social na estruturação do Estado bra-
sileiro (Estado sem nação), das mazelas culturais e institucionais da política e da difícil
construção da cidadania (cidadania regulada, estadania).
A Unidade 7 enfoca os direitos sociais nas diferentes Constituições do Brasil.
Por fim, a Unidade 8 debate a questão do neoliberalismo (teorização), da reforma do
Estado no Brasil e trata ainda da crise atual do capitalismo na fase neoliberal.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1
A CIÊNCIA POLÍTICA E A QUESTÃODO PODER E DO ESTADO
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Evidenciar a contribuição da ciência política em seu aspecto abrangente (origem e desen-
volvimento da disciplina) para analisar a questão do poder e do Estado.
• Conceituar ciência política e apresentar as possíveis diferenças entre esta e a Filosofia
política.
• Apresentar as principais áreas de estudo da ciência política.
• Tratar da evolução da ciência política no Ocidente: do debate entre os pensadores clássi-
cos ao debate contemporâneo.
• Apresentar os métodos comumente empregados pelos cientistas políticos em suas pes-
quisas.
• Analisar a questão do poder e do Estado.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política
Seção 1.2 – Campos de Investigação da Ciência Política
Seção 1.3 – A Evolução da Disciplina
Seção 1.4 – Métodos Comumente Utilizados
Seção 1.5 – A Questão do Poder
EaD Dejalma Cremonese
12
Seção 1.1
Definições Gerais: Ciência Política e Filosofia Política
A ciência política dedica-se ao estudo dos fenômenos políticos e da atividade política
em geral (que ocorre em todas as organizações, sejam elas empresas, sindicatos, igrejas ou
organizações sociais).1 Assim, a política diz respeito a toda a forma de poder (ligada à toma-
da de decisões). A ciência política, como disciplina, observa a política de forma objetiva,
recorre ao método experimental, à observação, à formulação de hipóteses, a experiências e,
finalmente, à elaboração de leis conseqüentes, a repetição dos fatos com as mesmas reações
sociais e políticas. A ciência política analisa a política como ela realmente é, como as lide-
ranças (elites políticas) se movimentam e se articulam para conquistar, aumentar e manter-
se no poder. Como veremos mais à frente, o objeto específico da ciência política é tratar da
questão do poder e do Estado.
Para Bobbio (2000), a ciência política é compreendida como o estudo dos fenômenos
políticos conduzidos com a metodologia das ciências empíricas e utilizando todas as técni-
cas de pesquisas próprias da ciência do comportamento. Tem uma função essencialmente
descritiva ou explicativa (trata da política como ela é). O autor apresenta uma sensível
diferença entre a ciência política e a Filosofia política, embora a primeira provenha da se-
gunda. A Filosofia política, segundo Bobbio (2000, p. 13), trata do “projeto da ótima Repú-
blica” e da construção de um modelo ideal de Estado, como também faz uma descrição e
uma projeção em sua análise, buscando sempre o fundamento último do poder (legitimida-
de do poder).
Tratar da forma ideal do Estado e da política e refletir sobre qual o governo ideal é uma
atribuição da Filosofia política. Os pensadores antigos, como Platão e Santo Agostinho, se
encarregaram de refletir sobre as formas de governo e de Estados ideais. Inserida na Filoso-
fia política encontra-se a teoria política, tradição que se inicia entre os gregos. Em síntese:
na Filosofia política a política é concebida como descrição daquilo que “deve ser”. Por exem-
plo, a obra A República, de Platão, considerada o primeiro clássico da Filosofia política, é
uma descrição da ótima República, uma idealização racionalista. Também Morus, Hobbes,
Locke, Rousseau, Kant e Hegel são considerados filósofos políticos.
Já a ciência política pode ser definida como o estudo das estruturas, relações e dinâ-
micas entre as pessoas e estas dentro de um contexto político (um estudo da função gover-
namental de uma sociedade). A política refere-se a todos os aspectos relacionados a um
1 Para compreender melhor a diferença entre ciência política e Filosofia política, ler Bobbio (2000).
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POLÍTICAS PÚBLICAS
sistema de governo. A ciência política é também chamada de ciência do Estado (Teoria do
Estado) e se ocupa com os elementos que o formam, as características que apresenta e suas
relações com outros conhecimentos. Assim, a ciência política se ocupa dos fenômenos polí-
ticos em conexão com o Estado, o descreve, o interpreta e o critica.
Em outras palavras, a ciência política não se interessa apenas pelas instituições polí-
ticas, mas também pelas idéias políticas, inclusive com as teorias do Estado, criadas pelos
filósofos políticos, e os princípios gerais da política que constituem o pensamento político
da massa e do povo (Cavalcanti, 1969).
Seção 1.2
Campos de Investigação da Ciência Política
Entre os campos de investigação da ciência política encontram-se delimitadas cinco
áreas de estudo:
a) o estudo do governo: ligado ao Direito Constitucional, ocupa-se com o estudo das insti-
tuições e procedimentos – legislativos ou poderes Executivos – até o estudo dos partidos
políticos. O estudo se ocupa também de padrões comportamentais e até que ponto insti-
tuições e procedimentos influenciam o comportamento);
b) a administração pública: analisa a estrutura e as características dos organismos públi-
cos, bem como as condições de emprego dos que dirigem esses organismos;
c) as relações internacionais: tratam da política entre nações;
d) o comportamento político: verifica como as pessoas fazem suas escolhas políticas no
contexto das eleições e analisa as elites políticas, membros de partidos, legisladores e
funcionários públicos;
e) estudo de análises políticas públicas: mais recente subsetor da ciência política,
tem origem na administração pública e diz respeito ao modo pelo qual o comporta-
mento dos agentes políticos pode afetar as decisões, enquanto a administração pú-
blica trata basicamente das estruturas e dos efeitos dessa estrutura (Outhwaite;
Bottomore, 1996).
EaD Dejalma Cremonese
14
Seção 1.3
A Evolução da Disciplina
É atribuída a Aristóteles, na Grécia Antiga, a criação da ciência política.2 Mais tarde,
entretanto, no período renascentista e moderno (século 15 até 18), outros teóricos vão con-
tribuir para o desenvolvimento da ciência política. Especialmente Maquiavel, Bodin,
Montesquieu e Tocqueville tratarão de temas específicos da ciência política, como a ques-
tão do poder, do Estado, das formas de governo, da participação e da democracia. É, contu-
do, depois da primeira metade do século 20 (pós-1945) que a ciência política vai despontar
como uma disciplina autônoma. É importante destacar também que a ciência política é
uma ciência interdisciplinar, isto é, utiliza métodos de outras Ciências Sociais, principal-
mente a História, a Sociologia, a Etnografia e a Antropologia.
MAQUIAVEL
A questão do poder é central em Maquiavel, como: conquistar, manter, aumentar e
não perder o poder. Com Maquiavel abandona-se, enfim, a Cidade de Deus e os séculos de
agostianismo político. Maquiavel expulsa a metafísica e a moral das Ciências Sociais, sepa-
ra a ciência política da Teologia, liberta a política do aspecto religioso e do metafísico.
Maquiavel foi um observador, testemunha ocular dos acontecimentos políticos e, por isso,
um analista (utilizou o método da observação direta) ao estudar a realidade social como um
objeto. Escreve Maquiavel em O Príncipe: “Pareceu-me mais conveniente seguir a verdade
efetiva das coisas do que a sua imaginação”.
Maquiavel, na obra O Príncipe (1983), inicia a discussão teórica sobre o Estado refe-
rindo que: “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os
homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Em síntese, foi Maquiavel com O Prín-
cipe quem, por primeiro, fez uma análise objetiva da política. A política, o poder e o Estado
serão vistos sob um prisma diferenciado em comparação com as análises da política feitas
por pensadores anteriores (Platão e Santo Agostinho).3
2 Aristóteles, opondo-se ao seu mestre Platão, utilizou o método indutivo, empírico e histórico. Compilou e organizou 158 Constituiçõespor toda a Grécia, no entanto chegou até nós apenas a Constituição de Atenas.
3 Para um maior aprofundamento da teoria de Maquiavel, conferir a Unidade 3.
EaD
15
POLÍTICAS PÚBLICAS
TOCQUEVILLE
Da mesma forma, Alexis de Tocqueville utilizou a observa-
ção como método. Da sua observação direta dos fatos políticos
surgiu a obra A Democracia na América, que faz uma análise
completa e penetrante da sociedade americana. Com o objetivo
de estudar o funcionamento do regime político e analisar a vida
sociopolítica dos norte-americanos, Tocqueville chegou a Nova
York, em 1831, com 25 anos de idade. Como síntese dos seus es-
tudos, surgiu a sua principal obra, A Democracia na América (La
Démocratie en Amerique), cujo primeiro volume foi impresso em
1835 e o segundo, em 1840. Munido de instrumentos empíricos,
Tocqueville procurou construir teoricamente um “tipo ideal” de
democracia.
A CIÊNCIA POLÍTICA NO SÉCULO 20
No século 20 a ciência política surge definitivamente como
uma ciência autônoma (é necessário observar e conhecer os fa-
tos) e é nos Estados Unidos da América que a disciplina se de-
senvolve em duas escolas distintas: a primeira é a teoria
“institucionalista”4 e a segunda é a teoria behaviorista.
Os behavioristas fazem a observação sistemática do com-
portamento político. Para isso empregam métodos empíricos e
quantitativos, em outras palavras, consideram, além dos fatos,
as atitudes dos homens e das instituições. Os teóricos que defen-
dem esta corrente tiveram seu momento de ápice nos anos 50 do
século passado, no entanto confinaram-se na pura e simples des-
crição dos fatos.
Entre os anos 20 e 40, a ciência política ganha notoriedade
com os estudos concretos e empíricos, utilizando métodos quan-
titativos, elaborados pelos pesquisadores da Universidade de Chi-
cago. Harold Lasswell, importante pesquisador deste centro, in-
teressou-se por psicologia política (valores em uma sociedade).
Behaviorismo
(Behaviorism em inglês, debehaviour ou behavior (EUA):comportamento, conduta), é oconjunto das teorias psicológi-cas (dentre elas a Análise doComportamento, a PsicologiaObjetiva) que postulam ocomportamento como o maisadequado objeto de estudo daPsicologia. Comportamentogeralmente é definido por meiodas unidades analíticasrespostas e estímulos.Historicamente, a observação edescrição do comportamentofez oposição ao uso do métodode introspecção. Disponívelem: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Behaviorismo>. Acessoem: maio 2008.
4 A Teoria Institucional contribuiu para os estudos organizacionais ao seguirem uma ênfase sociológica, introduzindo variáveis comovalores compartilhados, busca de legitimidade e isomorfismo na análise sobre relações entre organizações e entre organizações eambiente.
EaD Dejalma Cremonese
16
Da mesma forma, os estudos da cultura política de Gabriel Almond
e Sidney Verba ganham espaço e notoriedade.5 Outros temas da
ciência política ganham evidência com o passar do tempo: a par-
ticipação política tem sido objeto de estudo de Verba e seus asso-
ciados. Outros teóricos tratam da modernização, democratiza-
ção e performance governamental (a importância dos partidos
políticos para o processo democrático), bem como de estudos so-
bre as organizações governamentais, políticas públicas e política
econômica. A teoria da democracia tem sido tratada por Robert
Dahl, Arend Lijphart e Giovanni Sartori; já a democratização é
objeto de análise de Juan Linz, Larry Diamond, Phillipe Schmitter,
Guillermo O’Donnell e Samuel Huntington, entre outros.
Seção 1.4
Métodos Comumente Empregados
Entre os métodos comumente empregados pelos cientistas
políticos, pode-se citar o indutivo, utilizado por Aristóteles ao
compilar, documentar e analisar a Constituição de pelo menos
125 Cidades-Estado gregas; o método objetivo, adotado por
Maquiavel na conjuntura política da Itália renascentista; o mé-
todo da observação de Bodin; o método da observação sistemáti-
ca de Montesquieu e o da observação em profundidade de
Tocqueville ao utilizar o método científico da observação direta
dos fatos ao fazer uma viagem de estudos aos Estados Unidos
(1831), utilizando técnicas de entrevistas, lançando hipóteses de
trabalho, além da descrição minuciosa e esquadrinhada de uma
paisagem precisa. Tem-se ainda o método positivista de Comte,
que chega à ciência por meio da observação e da objetividade.
Como método a ciência política lança mão também das for-
mas quantitativas e qualitativas no sentido amplo e técnicas de
investigação no sentido estrito. A ciência política também utiliza
Método indutivo
Observação direta da natureza,dos fatos humanos e dos fatos
políticos para a sua análiseposterior.
5 Ronald Inglehart, Samuel Barnes e Robert Putnam são seguidores desta linha de pesquisa: cultura política.
EaD
17
POLÍTICAS PÚBLICAS
análises de documentos; observação direta (pesquisa de campo); apóia-se nas provas (aná-
lise dos fatos); pesquisa participante, questionários (surveys); entrevistas e grupos de dis-
cussão.
Em síntese:
a) Quanto à observação documental (pesquisa e observação):
– a ciência política é indutiva (parte dos fatos);
– é necessário pesquisar e analisar os fatos;
– fontes de documentação: são, essencialmente, escritas (livros, jornais, arquivos, filmes,
fotografias e gravações);
– trabalhos publicados;
– artigos de revistas.
b) Quanto à observação direta dos fatos (análise comparativa dos fatos), esta ocorre por
meio da observação extensiva e intensiva:
A observação extensiva dirige-se a grupos maiores, sendo realizada por meio de:
– amostragem aleatória ou por cotas – IBGE;
– interrogação dessa população: a pesquisa propriamente dita (questionário: perguntas
abertas e fechadas; aplicação dos questionários; número de perguntas; redação das
perguntas);
– aproveitamento dos resultados da pesquisa (apuração dos resultados, operação técni-
ca, codificação);
– publicação dos resultados.
A observação intensiva dirige-se a grupos menores, é mais apurada e mais profunda, reali-
zada mediante:
– entrevistas (formas e técnicas de entrevistas);
– observação – participação;
– experimentação de laboratório.
EaD Dejalma Cremonese
18
Seção 1.5
A Questão do Poder
A ciência política é a ciência que estuda basicamente o poder e suas manifestações.6
Acredita-se que as relações de poder sejam um fenômeno próprio da natureza (aspecto bio-
lógico), na medida em que se percebem relações de poder também entre os animais: o mais
forte ou o mais velho comanda os demais. São, contudo, nas relações humanas que se evi-
denciam com maior clareza tais manifestações. Já nas sociedades humanas primitivas as
relações de poder (organização política) eram perceptíveis, os mais fortes, ou o caçador e ou
pescador mais hábil, ou o chefe espiritual (xamãs e sacerdotes), que se destacavam pela
liderança política diante dos demais membros da comunidade.
Com o passar do tempo o homem, aos poucos, desenvolve sua inteligência, o que
proporcionará o avanço tecnológico, igualando-se ao detentor do poder por meio da força
física. Nessa fase quem detinha o machado ou as lanças tinha, igualmente, o poder, pois
estes utensílios eram usados para a caça (garantindo a sobrevivência), para a proteção do
grupo e para a conquista de novos territórios. A tecnologia estendeu seus benefícios ao
homem na produção eficiente dos alimentos e dos agasalhos e, ainda, na incrementação do
cultivo intencional e organizado de plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e, na
América, do trigo) e do pastoreio de animais (ovelhas, bois, cavalos).
Percebe-se então que o poder não é apenas das forças ou das armas, é muito mais dos
que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio. Os constantes conflitos entre tribos primi-
tivas, assim como os freqüentes ataques e saques aos rebanhos e ao armazenamento de
alimentos, possibilitaram o surgimento de uma nova classe, a guerreira. Em outras pala-
vras, a classe militar. Desta realidade surgiu a institucionalização e as relações entre os
poderes, como o comandante versus comandado, e na escolha (seleção) de um novo coman-
dante na ausência ou morte do anterior. O poder esteve, então, desde sempre ligado à domi-
nação de uma classe superior em relação a outra inferior. O poder, portanto, sempre favore-
ceu os grupos dominantes (a teoria marxista defende esta idéia).
Falar em poder é tratar dos fenômenos ligados à força (coação e coerção). A coerção
pode ser de ordem física, econômica, ou até mesmo mediante a propaganda ideológica (que
não deixa de ser uma coação de ordem psicológica) que atua como anestesia na mente dos
indivíduos. Além destes fenômenos, podemos elencar ainda as crenças, um instrumento
mais facilitado de dominar, pois não utiliza, nem tem necessidade da força. O sistema de
6 Para aprofundar a questão do poder, ler Bobbio et al (1995).
EaD
19
POLÍTICAS PÚBLICAS
dominação por meio de crenças utiliza certos mitos tradicionais e o poder da legitimidade.
Estas idéias são defendidas por Weber, Aron e Duverger. Para Bobbio et al (1995), o poder
manifesta-se por meio da política (aqueles que comandam e dirigem os subordinados); da
economia (aqueles que são donos do capital: terra, indústria, bens, dinheiro, sobre os que
nada têm – operários) e da ideologia (formadores de opinião – propaganda).
Segundo Bobbio et al (1995), a palavra política, na sua concepção clássica, provém do
grego pólis (politikós), ou seja, tudo o que se refere à cidade, o que é urbano, civil e público.
Aristóteles, na obra A Política, contribui com o primeiro tratado sobre a natureza, funções e
divisões do Estado e suas várias formas de governo. Por muitos séculos o termo política
permanece com o desígnio de informar as atividades que se referem ao Estado. Na
modernidade, porém, o termo política será substituído por outras expressões, como “ciência
do Estado”, “doutrina do Estado”, “ciência política” e “filosofia política”.
A política inexoravelmente está ligada à concepção de poder. A política consiste, se-
gundo o entendimento de Hobbes (apud, Bobbio et al, 1995), “nos meios adequados à ob-
tenção de qualquer vantagem”; ou, como na visão de Russell (apud, Bobbio et al, 1995, p.
954), que vê a política como um “conjunto de meios que permitem alcançar os efeitos dese-
jados”. Segundo Bobbio et al (1995), o poder é a imposição de um sobre o outro, é a impo-
sição de uma vontade sobre outra vontade. Já o poder político pertence à categoria do poder
do homem sobre outro homem, não à do poder do homem sobre a natureza. A relação do
poder político pode ser percebida de mil maneiras: por exemplo, na relação entre governantes
e governados; entre soberano e súditos; entre Estado e cidadãos; entre autoridade e obedi-
ência. Há, conforme Bobbio et al (1995), várias formas de poder do homem sobre o homem e
o poder político é uma delas. Já Aristóteles, no período clássico, distinguia três formas de
poder: o paterno, o despótico e o político. Da mesma forma John Locke, na obra Segundo
tratado sobre o governo, apresenta o poder paterno, que se sustenta na natureza; o poder
despótico, sustentado no castigo, e o poder civil, tendo como fundamento o consenso.
Na modernidade o conceito de poder resume-se, segundo Bobbio et al (1995), no po-
der econômico, no poder ideológico e no poder político. O primeiro é o que se vale da posse
de certos bens, necessários e considerados como tais: “numa situação de escassez, para
induzir aqueles que não os possuem a manter um certo comportamento, consistente sobre-
tudo na realização de certo tipo de trabalho” (p. 955). Estes são os donos dos meios de
produção, que têm a posse da terra e das indústrias e têm a empresa em seu nome. Em
oposição está o trabalhador, que nada tem a não ser a sua força de trabalho (mão-de-obra),
para, em troca, receber um salário mínimo.
O poder ideológico baseia-se na influência das idéias elaboradas pelo poder dominan-
te. Tais idéias são expressas, em determinadas circunstâncias, “por uma pessoa investida de
autoridade e difundida mediante certos processos, exercem sobre a conduta dos associados”
EaD Dejalma Cremonese
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(p. 955). Os formadores de idéias têm a função de consenso, isto é, de criar idéias que man-
tenham as estruturas intactas, preservando a classe dominante. A família, as religiões, a
escola, os meios de comunicação social e o Direito (lei) são alguns dos aparelhos (institui-
ções) que dão sustentação ao sistema.
O poder político tem a estrutura burocrática (administrativa) a seu favor. Assim, quem
detém o poder econômico e o poder ideológico tem, conseqüentemente, o poder político,
que se utiliza, muitas vezes, de instrumentos para exercer a força física (armas de toda
espécie e potência). É o poder que se utiliza da força (coação), empregando diferentes for-
mas de violência para garantir a permanência dos privilégios de determinado grupo. Dessa
forma, pode-se dizer que as três formas de poder se fundamentam e mantêm uma sociedade
de desiguais, “dividida em ricos e pobres, com base no primeiro; em sábios e ignorantes, com
base no segundo; em fortes e fracos, com base no terceiro; genericamente, em superiores e
inferiores” (Bobbio et al, 1995, p. 955).
A teoria marxista analisa a sociedade de acordo com esse esquema: a base real, ou
também chamada de estrutura, que compreende o sistema econômico e a superestrutura
que conta com a força do sistema ideológico, capaz de criar e disseminar idéias dos mais
variados tipos, utilizando a persuasão, ou, popularmente falando, a “cantada” para legiti-
mar os atos da superestrutura. Durante séculos perduraram dois tipos de poder: o espiritual
(que atualmente chamaríamos de ideológico) e o temporal, que unificou o dominium (do-
mínio) e o imperium (império).
O poder político diferencia-se dos demais por utilizar-se da força, visando sempre, se-
gundo Bobbio et al (1995, p. 957), à “monopolização da posse e uso dos meios com que se
pode exercer a coação física”. A teoria hobbesiana é evidenciada na estruturação do Estado
moderno, onde é evidente a conotação da força de um ser (Leviatã) sobre os demais (súdi-
tos). Os indivíduos (súditos) vivem no estado de natureza uma ameaça constante, vivem
com medo de morrer de forma violenta. Por isso, de certa maneira, os indivíduos abrem mão
da sua liberdade individual, dos seus direitos limitados e de sua liberdade e proteção
fragilizada para, mediante um pacto social, construir o Estado civil, ou seja, é a passagem
da apolitização e a-narchía do Estado de natureza para a sociedade civil organizada; os
indivíduos renunciam a sua força para confiar em uma pessoa ou assembléia que doravante
está autorizada, graças ao pacto, a proteger os súditos. Nenhum súdito deverá se indispor
contra ela sob pena de sofrer duros castigos. A partir do momento em que o súdito abrir mão
da segurança individual, ele está determinado a aceitar o que o chefe quiser.
Na teoria marxista fica explícita a autoridade coerciva do Estado, em que as institui-
ções políticas tendem a permitir que a classe dominante mantenha seu domínio por meio da
força. Por essa razão, Bobbio et al (1995) afirma que cada Estado é, e não pode deixar de ser,
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POLÍTICAS PÚBLICAS
uma ditadura. A definição de Estado, na concepção de Weber (apud Bobbio et al, 1995, p.
956), é ainda mais forte ao afirmar que a violência do Estado está legitimada e amparada
pela lei: “Por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter político onde o
aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopó-
lio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”. Tal afirmação encontra
adeptos na ciência política contemporânea, em que os teóricos G. A. Almond e G. B. Powel
(apud Bobbio et al, 1995, p. 956) afirmam que “é a força física legítima que constitui o fio
condutor da ação do sistema político, ou seja, lhe confere sua particular qualidade e impor-
tância, assim como sua coerência como sistema”. A lei, segundo estes teóricos, é uma aliada
permanente do poder político: “As autoridades políticas, e somente elas, possuem o direito,
tido como predominante, de usar a coerção e de impor a obediência nela [...]”, junto com as
demais instituições que, igualmente, utilizam a força: “Quando falamos de sistema político,
referimo-nos também a todas as interações respeitantes ao uso ou à ameaça de uso de coer-
ção física legítima” (Almond; Powel apud Bobbio et al, 1995, p. 956).
SÍNTESE DA UNIDADE 1
Esta Unidade procurou definir ciência política e Filosofia política,
bem como identificar os campos de investigação da primeira. Mos-
trou a contribuição dos teóricos (Maquiavel, Bodin, Montesquieu
e Tocqueville) na evolução da disciplina até despontar como uma
ciência autônoma (século 20), utilizando-se, para tal, de métodos
de outras Ciências Sociais.
Por fim, a Unidade enfatizou a questão do poder, foco principal da
ciência política.
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2
A QUESTÃO DO ESTADO
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Discutir a questão do Estado a partir de sua etimologia (origem).
• Apresentar diferentes definições sobre o Estado, segundo alguns comentadores.
• Elencar os elementos que compõem o Estado, a relação Estado e poder, a função e as
teorias justificativas do Estado.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – Etimologia da Palavra Estado
Seção 2.2 – Diferentes Entendimentos sobre o Estado
Seção 2.3 – Os Elementos do Estado
Seção 2.4 – O Estado e o Poder
Seção 2.5 – A Função do Estado
Seção 2.6 – Justificativas Teóricas do Estado
Seção 2.1
Etimologia da Palavra Estado
De pólis advém o conceito de política, que é a ciência/arte de governar a cidade. Para
os romanos, a civitas ou res pública é chamada de status, que significa situação ou condi-
ção. E é na modernidade que o Estado surgirá como instituição, tal como o conhecemos
atualmente. Assim como encontraremos diversas grafias para a palavra (em francês Estado
será État, Staat para o alemão, Stato para o italiano e Estado para o espanhol e para o portu-
guês), também seu significado sofre alterações ao longo da História.
EaD Dejalma Cremonese
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A definição etimológica de Estado, segundo Dallari (1995), é que a palavra tem ori-
gem latina, status, que significa estar firme, denotando situação permanente de convivência
e ligada à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O Príncipe, de Maquiavel,
escrito em 1513. O conceito de Estado, portanto, na forma que o entendemos hoje, é recen-
te, uma definição moderna. Nem sempre o Estado, do modo que o conhecemos hoje, existiu.
Foi apenas no início da Idade Moderna (séculos 16-17) que se tornou uma realidade. Fran-
ça, Inglaterra, Espanha e Portugal foram os primeiros Estados a se unificarem.1 Maquiavel,
na obra O Príncipe (1513), inicia a discussão teórica sobre o Estado: “Todos os Estados,
todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas
ou principados”.2 Isso não significa, entretanto, que antes da formação do Estado moderno
não existissem outras formas de governo e de poder. Nas seções subseqüentes conheceremos
mais sobre o assunto.
Seção 2.2
Diferentes Entendimentos sobre o Estado
Entende-se o Estado como sendo um corpo de pessoas (unido por laços sociais) viven-
do num determinado território, organizado politicamente, estando subordinado à autorida-
de de um governo (poder jurídico e de coerção), capaz de garantir a soberania e o bem
comum.3
Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade que se constitui essencialmente de
um grupo de indivíduos unidos e organizados, permanentemente, para atingir um objetivo
comum. Essa sociedade política é determinada por normas de Direito Positivo, é hierarquizada
na forma de governantes e governados e tem como finalidade o bem público.
Esse Estado emerge na tentativa de superar o instinto natural do homem e instituir
definitivamente a sociedade política. Na visão de Azambuja (1971, p. 3), o instinto social
leva ao Estado, que a razão e a vontade criam e organizam. Assim, “a causa primária da
sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível” (Azambuja, 1971, p.
3). O Estado, então, é uma criação artificial do homem. O homem, desde seu nascimento,
encontra-se submisso à tutela do Estado. Mesmo contra a sua própria vontade, é obrigado
1 Segundo Schwartzman (1970), Portugal em 1600 já era Estado absoluto.
2 Conferir a obra O Príncipe, de Maquiavel (1983), principalmente o Capítulo 1 De quantas espécies são os principados e de que modosse adquirem.
3 Diferentes são os entendimentos sobre a questão do Estado, no entanto indica-se a leitura de Max Weber, principalmente a obra Ciênciae política: duas vocações (1999).
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POLÍTICAS PÚBLICAS
a seguir os ditames do Estado, razão pela qual “da tutela do Estado o homem não se eman-
cipa jamais” (p. 3). Se eventualmente o homem transgredir as normas do Estado, ou não
acatá-las, sofrerá as sanções de tal procedimento. O Estado impõe pesados impostos, obriga
ao serviço militar (sacrificar a vida em uma guerra, “morrer pela pátria”), impõe a lei mesmo
contra a vontade dos cidadãos. Conforme Azambuja (1971, p. 5), “O Estado aparece, assim,
aos indivíduos e à sociedade, como um poder de mando, como governo e dominação. O
aspecto coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele editadas, suas decisões
obrigam a todos os que habitam o seu território”. O autor sintetiza a sua noção de Estado
como a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com
governo próprio e território determinado.
Os termos nação e Estado também são tratados por Lima (1957), que define Estado
como “uma nação organizada”. O autor inicia sua obra pela definição do termo nação,
entendendo-o como um vasto conceito e como a mais complexa das formas com as quais as
sociedades humanas se apresentam. O que antecede a nação é uma ordem civil, portanto
não existe nacionalidade onde não existir ordenamento civil. O conceito de nacionalidade,
em Lima (1957), fica atrelado aos conceitos apresentados pelo mesmo nas afirmações de
outros escritores. Assim, Lima (1957) cita H. Hauriou, que define o termo nação “como uma
população fixada no solo, na qual um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamen-
to da unidade do grupamento”. Cita, igualmente, o conceito de nação segundo o entendi-
mento de Jellinek:
quando um grande número de homens adquire a consciência de que existe entre eles um conjunto
de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são próprios [...]. O conceito de
nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de consciência (p. 4).
O conceito de Estado, em Lima, está ligado diretamente à organização política, em
que as condições físicas, biológicas, psicológicas, econômicas, intelectuais, morais e jurídi-
cas giram em torno de um governo que administra sob o poder de coação, de uma autorida-
de que provém do uso incontido da força. O autor argumenta que o Estado está igualmente
ligado ao Direito, ou melhor, o Estado está a serviço do Direito.
Outro autor que define Estado é Maluf (1995). Para ele, não existe uma definição
única de Estado. Há vários autores que tratam do tema, cada um com uma concepção ou
doutrina diferente. Segundo Maluf (1995, p. 11), o “Estado é o órgão executor da soberania
nacional [...] O Estado é apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização
dos fins da comunidade nacional [...]”. Ainda conforme Maluf (1995), o Estado é entendido
como a sociedade política necessária, dotada de um governo soberano, a exercer seu poder
sobre uma população, dentro de um território bem definido, no qual cria, executa e aplica
seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum.
EaD Dejalma Cremonese
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Já para Filomeno (1997), o Estado é um tipo especial de sociedade, sendo fundamen-
tal analisá-lo nos aspectos sociológico, político e jurídico. Com vistas a explicar sua origem,
estrutura, evolução, fundamentos e fins, explicita: “O Estado é um ser social e, portanto,
único, embora complexo e não simples, em atenção aos diversos aspectos que apresente:
método científico, método filosófico, método histórico e método jurídico” (Perez, apud
Filomeno, 1997, p. 17). O Estado deve estar a serviço do homem: o Estado, para Filomeno,
“é mero instrumento para a realização do homem, tendo em vista sua fragilidade e impossi-
bilidade de bastar-se a si mesmo” (p. 18).
Menezes (1996) ensina que o Estado é uma sociedade de homens, fixada em território
próprio e submetida a um governo que lhe é originário: “O Estado é uma pessoa politica-
mente organizada da nação em um país determinado”.
Na definição de Mann (1992), o Estado é constituído de quatro elementos funda-
mentais: o Estado é um conjunto diferenciado de instituições e funcionários, expressan-
do centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam de um centro para
cobrir uma área demarcada territorialmente, sobre a qual ele exerce o monopólio do
estabelecimento de leis autoritariamente obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos
meios de violência física. Tal posição encontra sustentação a partir de uma visão mista,
a qual foi referida originalmente por Max Weber. Parte-se do princípio de que o Estado é
um conjunto de instituições decorrentes do desenvolvimento de desigualdades sociais
quanto ao exercício do poder de decisão e mando. É classicamente identificado com a
idéia de soberano.
A idéia de Estado advém do desenvolvimento das formas de governo como resultante
das diversas maneiras de dividir o poder entre governantes e governados. O Estado é um
conjunto de instituições especializadas em expressar um dado equilíbrio e uma condensação
de forças favoráveis a um grupo e/ou uma classe social. Ele assegura a unidade de qualquer
sociedade dividida em interesses, particularmente de classes, mas também estamentais, pois
garante o monopólio (centralizado ou descentralizado) do uso da força nas mãos do grupo,
da classe ou do estamento dominante.
Para que o Estado funcione como tal, no entanto, é necessário um conjunto de ele-
mentos que lhe forneça sustentação, conforme será visto na próxima seção.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Seção 2.3
Os Elementos do Estado
Fazem parte do Estado, conforme Azambuja (1971), três elementos fundamentais: uma
população, um território e um governo independente, ou quase, dos demais Estados. Cada
elemento é essencial, “não pode existir Estado sem um deles” (p. 18). Da mesma forma,
Azambuja (1971) conceitua povo e nação como sendo integrantes da população de um
Estado. Povo é, segundo o autor, o grupo humano encarado na sua integralidade, numa
ordem estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis. O elemento
humano do Estado é sempre um povo, ainda que com ideais e aspirações diferentes. Já o
conceito de nação é entendido como “indivíduos que se sentem unidos pela origem comum,
pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns” (p. 19). O povo
é uma entidade jurídica, nação é uma entidade moral, é uma comunidade de consciências
unidas por um sentimento comum. O patriotismo é citado por Azambuja como exemplo. Os
conceitos de raça, língua e religião são conceitos coadjuvantes, não constituem a caracte-
rística fundamental da nação, mas o que une um povo até constituir uma nação é a identi-
dade de História e de tradição, em que o passado comum é condição indispensável para a
formação nacional.
Mancini (apud Azambuja, 1971, p. 22), professor de Direito Internacional de Turim,
em 1851 conceituou o termo nação da seguinte forma: “Nação é uma sociedade natural de
um homem, na qual a unidade de território de origem, de costumes, de língua e a comunhão
de vida criará a consciência social”.
Considerando ainda outros comentadores, pode-se citar, de forma resumida, quatro
elementos do Estado.4
O primeiro elemento é a população. Ela representa a massa total dos indivíduos que
vivem dentro dos limites territoriais de um país, incluindo os nacionais e os não-nacio-
nais. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Por
nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos perma-
nentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais – ou um grupo de indivíduos que se
sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais
e aspirações comuns.
4 Para Maluf (1995), os elementos que constituem o Estado são os materiais, compostos pela população e território; os elementosformais, constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico, e o elemento final, o bem comum.
EaD Dejalma Cremonese
28
Pode-se citar, como exemplo de nações que não constituem
um Estado, a Espanha, catalães (Catalunha); os judeus, que até
1948 não haviam constituído um Estado; os bascos, na França e
Espanha, e na Irlanda o IRA. Outras nações procuram formar
um Estado: os eslavos, sérvios, albaneses e croatas – Guerra da
Bósnia (Bálcãs), gregos e turcos (Chipre), os curdos, muçulma-
nos (há no mundo cerca 1,3 bilhão de muçulmanos, que formam
a maioria da população ou minorias significativas em quase 60
países. A Organização da Conferência Islâmica, que pretende
assegurar o progresso e o bem-estar de todos os muçulmanos do
mundo, tem 57 países – membros). Dessa forma, é possível afir-
mar que não existe Estado sem nação, mas há muitas nações que
não constituem propriamente um Estado.
O segundo elemento do Estado é o território, o qual consti-
tui a base física propriamente dita, o âmbito geográfico da na-
ção, onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Também não
existe Estado sem território. Integram o território: o solo, o
subsolo, o espaço aéreo, as embaixadas, os navios e aviões de
uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas, no caso
brasileiro). Azambuja (1971) cita os judeus como um exemplo de
povo que até há pouco tempo era uma nação, mas não consistia
ainda um Estado, por faltar-lhe um território. Somente em 1948
formou-se o Estado de Israel. Da mesma forma, os nômades e os
ciganos, por exemplo, não constituem um Estado em função da
falta de um território próprio.
O terceiro elemento é o governo. Por governo entende-se a
instituição (de caráter temporário) responsável pela efetivação de
políticas públicas. O governo pode estar nas mãos de um partido
mais à esquerda, centro ou direita, nas mãos de líderes religiosos,
chefes tribais ou soldados armados. O governo é uma das mais
antigas instituições humanas. Para isso, volta-se às primeiras ci-
vilizações orientais da Babilônia, Síria e do Egito (6 mil anos
atrás...). O governo é, positivamente, o conjunto das funções
necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração
pública.
Bascos
Grupo étnico que habita partedo norte da Espanha e do
Sudeste da França. São nativosde Navarra. A intenção dessa
nação é formar um Estadoindependente (Pátria Basca eLiberdade, mais conhecidos
pela sigla ETA, grupo queadota a prática da luta armadae o terrorismo como meio dealcançar a independência da
região do país Basco).
Disponível em:<wikipédia.org/wiki/ETA>.Acesso em: mar. 2008.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Como formas de governo pode-se citar:
a) Unitário: governo centralizado, existente em mais de 50 Estados. Ex.: A Grã-Bretanha.
b) Estado Democrático/Federal: quando o poder do governo é dividido entre um governo
central e vários governos locais (divisão de poderes). Ex.: Estados Unidos (e seus 50 Esta-
dos), Austrália, Canadá, México, Alemanha, Índia, Brasil.
c) Governos Confederados: formam uma aliança de Estados independentes. O órgão central
do governo confederado tem o poder de tomar decisões pelos demais. A Comunidade dos
Estados Independentes, como os extintos em 1991 após a queda da União Soviética, é um
exemplo de Confederação.
Como sistemas de governo pode-se citar o presidencialista e o parlamentarista. O
presidencialista está intimamente ligado à separação de poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário (agindo de forma independente). O presidente é o chefe maior. Já no sistema
parlamentarista o chefe maior é o primeiro-ministro, o qual é escolhido pelo partido majori-
tário ou pela coalizão de partidos que fizeram maior número de assentos no Parlamento.
Por fim, o último elemento do Estado é denominado de soberania. Por soberania en-
tende-se, segundo Pinto (1975), “a capacidade de impor a vontade própria, em última ins-
tância, para a realização do direito justo”. Em outras palavras, a soberania significa auto-
nomia, sem intervenções externas. A soberania é a forma suprema de poder: é o poder in-
contestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre uma popu-
lação, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem comum.
Como será visto na próxima seção, dos elementos que constituem o Estado, o governo
será sempre o palco das maiores disputas e das decisões que mais repercutem na vida dos
indivíduos.
Seção 2.4
O Estado e o Poder
O Estado, sede do poder, torna-se palco de lutas políticas. Pelo fato de aqueles que
estão no poder gozarem de legitimidade, a oposição, às vezes, tem alternativa de aceitar os
procedimentos autorizados pelo aparelho do Estado ou de se arriscar a uma prova de força.
É preciso ressaltar que nunca houve na História um Estado que interviesse tanto no
cotidiano pessoal do indivíduo como ocorre na atualidade. Para Mann (1992, p. 169):
EaD Dejalma Cremonese
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[...] o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte, sem o nosso consentimento ou
o de nossos próximos ou parentes (o que o Estado, antes de 1850, nunca fora capaz de fazer); ele
estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações sobre cada um de
nós; pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os lugares sob o seu domí-
nio; sua influência sobre a economia global é enorme; ele até provê diretamente a subsistência
da maioria de nós (via os empregos que oferece, as pensões previdenciárias, etc.).
Como se pode constatar, o Estado atual interfere na vida cotidiana mais do que qual-
quer Estado histórico. Seu poder infra-estrutural cresceu enormemente. Não há um lugar
para se esconder do alcance infra-estrutural do Estado moderno, conclui o autor. A partir
dessas afirmações, questiona-se: “Mas, afinal, quem controla esses Estados?” Mann (1992)
afirma que é “uma elite estatal autônoma”.
Mann (1992) enumera duas características do poder do Estado. A primeira seria o
poder despótico da elite estatal. O autor apresenta o exemplo do imperador chinês, que,
como filho do Sol, “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qual-
quer indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. O imperador romano, apenas um “deus”
menor, adquiriu poderes que, em princípio, também eram ilimitados fora da área restrita de
afazeres nominalmente controlada pelo Senado.
Alguns monarcas da época do início da Europa moderna também reivindicaram pode-
res absolutos, divinamente derivados, embora eles próprios não fossem divinos.
Em contrapartida, o poder infra-estrutural – segunda característica do poder estatal –
“é a capacidade do Estado de realmente penetrar a sociedade civil e de implantar
logisticamente as decisões políticas por todo o seu domínio” (Mann, 1992, p. 168-169). A
existência do Estado, que fundamenta a legitimidade e garante a continuidade do poder, é
também a condição para que se possa afirmar a superioridade da competência dos
governantes.
Com o surgimento da propriedade individual, nasce a divisão do trabalho, a sociedade
se divide em classes, como a dos proprietários e a dos que nada têm. Dessa divisão nasce o
poder político, o Estado, cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe
sobre outra, recorrendo, inclusive, à força e, assim, a de impedir que a sociedade dividida em
classes se transforme num estado de permanente anarquia. Mann5 (1992) apresenta três
formas de poder: o econômico – os que detêm a riqueza; o ideológico – os que se apossam do
saber, e o político – os que têm a força.
5 Mann (1992) corrobora com o pensamento de Bobbio ao definir as formas de poder, conforme visto anteriormente.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Mann (1992) apresenta outras funções do Estado, como a da manutenção da ordem
interna, servindo diretamente à classe dominante; a de defesa, a de agressão militar, dirigida
contra o ataque dos inimigos estrangeiros; a da manutenção das infra-estruturas de comu-
nicação (estradas, rios, sistema de mensagens, cunhagens, pesos, mercados...). A próxima
seção abordará esse tema de forma mais detalhada.
Seção 2.5
A Função do Estado
Ao Estado compete manter o equilíbrio da sociedade de classes, atuando sempre e
garantindo sua reprodução enquanto tal, “filtrando” as contradições em seu interior, uma
vez que para ele convergem as forças em choque. Só podemos entender um determinado
tipo de Estado a partir da análise das classes que o compõem. Assim, o Estado goza de certa
autonomia. Ele tem a função de direção, que implica pensar a longo prazo. Como visto na
seção anterior, as funções do Estado podem ser: a) técnico-econômica: tem por objetivo
viabilizar o objetivo econômico da(s) classe(s) dominante(s); b) função ideológica: de criar o
consenso e, c) função política: manutenção do nível da luta de classes por meio da coerção.
Para Weber, o Estado pode ser definido como uma empresa institucional de caráter
político, em que o aparelho administrativo leva adiante, em certa medida e com êxito, a
pretensão do monopólio da legítima coerção física, visando ao cumprimento das leis (eco-
nomia e sociedade).
Os objetivos da política são tantos quantos forem as metas a que se propõem os deten-
tores do poder em um determinado momento. Logo, o Estado não pode ser definido pelos
fins a que se propõe, mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da
política é a manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial
em relação aos demais Estados.
O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente.6
Por classes sociais entende-se, segundo Santos (1991), os agregados básicos de indiví-
duos numa sociedade, os quais se opõem entre si pelo papel que desempenham no processo
produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre si nas organizações do traba-
lho e quanto à propriedade. As classes sociais compõem uma comunidade de interesses em
oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação social, ou sobreviventes de forma-
ções anteriores ou base de futuros agregados). Isto os faz tender a uma comunidade de:
6 Esta é a crítica feita por muitos autores das Ciências Sociais.
EaD Dejalma Cremonese
32
a) consciência de classe: unidade de concepção de mundo e de sociedade segundo seus
interesses gerais de classe, o que dá origem a uma ideologia;
b) situação social: formas de comportamento, atitudes, valores, interesses imediatos, distri-
buição de renda, ação e interesse político diante dos partidos e do Estado.
Como “classe dominante”, pode-se citar ainda a burguesia: industrial (indústrias), a
financeira (bancos), a burguesia agrária (empresas rurais) e a burguesia comercial (lojistas
e atacadistas). Como “classe dominada”, o proletariado (dedica-se ao trabalho manual: ope-
rários, agregados, funcionários administrativos e não -manuais – trabalhadores
automatizados); as camadas intermediárias, compostas por pequenos empresários (presta-
ção de serviços, alfaiates, taxistas, profissionais liberais), e as camadas excluídas (sacoleiros,
catadores de papel, bóias-frias, camelôs).
Vamos refletir um pouco sobre como surgiu o Estado.
Seção 2.6
Justificativas Teóricas do Estado
Historiadores e teóricos da política, entre outros, têm se questionado sobre a possível
origem do Estado, mas poucos chegaram a um consenso. O que se tem é uma resposta
aproximada, porém não-conclusiva sobre a sua origem. Serão elencadas a seguir as princi-
pais teorias que tentam responder a esta controversa questão.
A primeira trata da teoria da força. Esta teoria defende que o Estado nasceu da força,
quando uma pessoa ou grupo controlou os demais (poucos submeteram muitos). Dessa
forma, o Estado surge com a luta de classes (visão marxista). Na concepção marxista o
Estado defende os interesses daqueles que pertencem à classe dominante (donos do poder
econômico). Para Marx, o Estado é visto como dominação de classe.7 Igualmente para Weber
(1999), o Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar, tal
como é peculiar a qualquer outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física.
Consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento
da violência legítima. Weber, portanto, define Estado como uma “empresa institucional de
caráter político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a
pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”.
7 Da mesma forma, para Pateman (apud Held, 1991, p. 149), “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção ereprodução das desigualdades da vida cotidiana, enviesando decisões em favor de interesses particulares”.
EaD
33
POLÍTICAS PÚBLICAS
A segunda teoria é a teoria evolucionária. Segundo esta teoria, o Estado desenvolveu-
se naturalmente a partir da união de laços de parentesco, em que o mais forte (guerreiro,
caçador ou pescador mais hábil ou o mais velho) detinha o controle do poder. Evolução do
bando – clãs – tribos (caçadores e coletores nômades) até agricultores e pastores (nascimen-
to do Estado).
A terceira teoria é denominada de teoria do direito divino. Para os estudiosos que de-
fendem esta teoria, o Estado nasceu na Europa, entre os séculos 15 e 18. Defendem que o
Estado foi criado por Deus, e Deus delegou o poder divino de governar aos reis (despotismo
esclarecido). Como exemplo da teoria do direito divino pode-se referenciar as experiências
dos governos absolutistas de Henrique VIII e Luís XIV.
Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado.
Afirma Bodin (apud Chevallier, 1986, p. 61):
Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por
Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens, é necessário
lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a
obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe
soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na Terra.
Da mesma forma, para Bossuet (apud Chevallier, 1986, p. 97-98), o rei é a própria
presença de Deus na Terra:
Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem
harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e os
exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no mais alto dos
céus, governa a natureza inteira... Enfim, reúne tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre
a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado,
paternal e absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada
numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real.
Em outras épocas da História Antiga houve, igualmente, a teocracia como forma de
governo, como nos impérios egípcio e chinês, bem como entre os astecas e maias. Mais
próximo dos tempos, tem-se a experiência administrativa centralizada e autocrática do
Mikado, experienciada no Japão até 1945.
Por fim, a teoria do contrato social, a mais significativa das teorias da origem do Estado. O
Estado nasce do contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas Hobbes e
Jean-Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. Do “Estado de natureza” para o “Estado
civil”, sobre os quais aprofundaremos nosso estudo na próxima Unidade, em que vamos desen-
volver aspectos mais aprofundados sobre o Estado moderno a partir da leitura de Maquiavel em
sua obra O Príncipe, bem como a teoria contratualista de Hobbes, Locke e Rousseau. Vamos lá?
EaD Dejalma Cremonese
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SÍNTESE DA UNIDADE 2
Como é possível constatar, esta Unidade teve por objetivo
conceituar o Estado. Por isso, foi feita uma análise do Estado (fun-
ções, poderes, formas de poder, relações de classe), e abordadas,
também, as principais teorias que o justificam.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 3Unidade 3Unidade 3Unidade 3
A TEORIZAÇÃO SOBRE O ESTADO MODERNO
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Tratar sobre o Estado moderno.
• Analisar os aspectos gerais de alguns teóricos de referência da Teoria Política.
• Discutir a obra O Príncipe, de Maquiavel.
• Promover um debate sobre o contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau sobre a dimen-
são da criação artificial do Estado moderno, conseqüência do contrato social.
• Sintetizar as principais idéias de Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau sobre a questão
do poder e do Estado.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 3.1 – Maquiavel e o Estado Moderno
3.1.1 – O contexto histórico: o Renascimento
3.1.2 – A realidade da Itália no tempo de Maquiavel e sua biografia
3.1.3 – Síntese das idéias de O Príncipe
Seção 3.2 – O Estado para Hobbes
Seção 3.3 – O Estado para Locke
Seção 3.4 – O Estado para Rousseau
EaD Dejalma Cremonese
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Seção 3.1
Maquiavel e o Estado Moderno
Figura 1: Nicolau Maquiavel.
Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.
Maquiavel1 , em O Príncipe (escrito em 1513), inicia a discussão teórica acerca do Es-
tado afirmando que “Todos os Estados e todos os governos que exerceram ou exercem certo
poder sobre a vida dos homens foram e são ou repúblicas ou principados” (Maquiavel 1983,
p. 5). Como, no entanto, O Príncipe destina-se à análise do Estado moderno e suas formas
posteriores, este é o primeiro conceito realmente relevante. Nessa obra transmite todo o seu
conhecimento e sua experiência, buscando ensinar a arte da guerra. Nela, o autor diz como
conquistar, aumentar e manter o poder, e alerta também sobre os perigos que existem em se
manter o poder.
A concepção de Estado encontrada em Maquiavel parte da experiência real do seu
tempo, fundando seu pensamento político no contexto moderno, buscando oferecer respos-
tas novas a uma situação histórica também nova, tendo sido a primeira a tratar do Estado
no seu sentido moderno, e sua principal contribuição para a especificidade da política, a
qual, ao contrário da concepção da ordem moral, que unia a sociedade na Idade Média. Em
outras palavras, separa ética de política, afirmando que a primeira diz respeito às questões
do indivíduo e a última, às coisas públicas. “É necessário a um príncipe, para se manter no
poder, que aprenda a ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessida-
de” (Maquiavel, apud Bedin, 2008, p. 97). Quaisquer meios empregados (sejam bons ou
maus) justificam os fins, a estruturação do Estado, no caso.
1 A obra organizada por Francisco Weffort, Os clássicos da política (1992), v. I, é uma importante referência para tratar de Maquiavele os contratualistas.
EaD
37
POLÍTICAS PÚBLICAS
3.1.1. O CONTEXTO HISTÓRICO: O Renascimento
Renascimento ou Renascença são os termos usados para identificar o período da His-
tória da Europa aproximadamente entre fins do século 13 e meados do século 17, quando
diversas transformações em uma multiplicidade de áreas da vida humana assinalam o final
da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar de essas transformações serem bem
evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição
do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o
termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na Filosofia e nas
ciências.2
Nesse período ocorreram mudanças nos aspectos sociais/culturais, econômicos e polí-
ticos, entre as quais se destacam:
Fatores sociais/culturais
– renascer da cultura clássica (greco-romana);
– avanço científico e tecnológico (bússola, pólvora, navegações);
– “descobertas” e conquista de novos mundos;
– a conquista do Atlântico (Novo Mundo);
– mudança na concepção de arte, cultura, Filosofia e política;
– cidades italianas: Gênova, Veneza, Florença...;
– o mundo transforma-se;
– mudança de paradigma: do geocentrismo (Ptolomeu) para o heliocentrismo (Copérnico e
Galileu);
– o surgimento das universidades laicas (não religiosas) no final do século 13 impulsionou
um novo saber;
– nova concepção de mundo: do teocentrismo medieval para o antropocentrismo;
– a separação entre Igreja (poder religioso) e Estado (poder temporal);
– o surgimento da imprensa de Gutemberg;
– a Filosofia de Giordano Bruno e a concepção de universo ilimitado;
– laicização, secularização, racionalidade, individualismo, universalização.
2 Para maiores informações, acessar: <http//www.wikipedia.com.br>.
EaD Dejalma Cremonese
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Fatores econômicos
– crise do feudalismo e o avanço do mercantilismo;
– ascensão de uma nova classe social: a burguesia;
– aparecimento do capitalismo mercantil;
– renascimento comercial e urbano;
– busca de metais e especiarias;
– monopólio italiano no Mediterrâneo;
– conquista de novas terras e novas rotas comerciais.
Fatores políticos
– formação dos Estados Nacionais Modernos: França, Inglaterra, Espanha e Portugal;
– surge o Estado Moderno: para Max Weber, o Estado é uma instituição que tem o monopó-
lio legítimo do uso da força física num determinado território;
– os elementos do Estado: unificação territorial, centralização do poder, burocracia e unifi-
cação da administração, exército profissional, unificação da ordem legal, unificação do
recolhimento de impostos;
– centralização política;
– aliança rei-burguesia;
– nobreza: corte real;
– idioma nacional;
– fronteiras definidas;
– exército permanente;
– Estado-nação: unificação da língua, referência a hábitos, costumes e tradições comuns,
identidade territorial, construção da Nação;
– a concepção de soberania de Bodin;
– Bodin e Bossuet: teoria do direito divino;
– a política separa-se da ética religiosa: Maquiavel: O Príncipe (autonomia política); o pri-
meiro a mencionar a palavra Estado com o entendimento moderno; finalidade da política:
conquistar, manter, aumentar o poder e os perigos para não perder o poder.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
3.1.2. A REALIDADE DA ITÁLIA NO TEMPO DE MAQUIAVEL E SUA BIOGRAFIA
A Itália, no tempo de Maquiavel, encontrava-se nas seguintes condições:
– fragmentação territorial (diversos principados);
– rica, mas mal administrada politicamente;
– invadida pela França;
– Itália é unificada em 1870.
Biografia de Maquiavel
Nasceu em 1469, proveniente de família humilde (pequenos proprietários rurais) e
morreu em 1527. Conhecia bem o latim e talvez um pouco de grego (Mosca, 1968).
Com 29 anos tornou-se secretário da Segunda Chancelaria (Departamento dos Negó-
cios Interiores), acumulando, depois, o cargo de administrador da Primeira Chancelaria
(Departamento dos Negócios Exteriores). Aos 43 anos se aposentou, após 14 anos de ativi-
dades públicas.
Maquiavel era autodidata, homem público (aos 29 anos – chanceler) que, deposto,
sofre o exílio em sua própria terra (San Casciano).
Um estrategista na arte da guerra, fundador da Ciência Política (a política como ela é
– opondo-se a Platão e Santo Agostinho, que tiveram uma concepção idealista da políti-
ca...). Tinha visão pessimista da natureza humana (contrária a Aristóteles) e defendia a
unificação do Estado italiano: “Todos os domínios (Estados) que existiram ou existem sobre
os homens foram ou são Repúblicas ou principados...”
As obras de Maquiavel continham idéias desconexas e paradoxais. Para muitos, as
concepções de Maquiavel são diabólicas.
3.1.3. SÍNTESE DAS IDÉIAS DE O PRÍNCIPE
– manual de como conquistar e manter o poder;
– os exércitos: descrédito com as tropas mercenárias;
– o que o príncipe deve evitar;
– estar preparado para a guerra (de duas formas: na teoria e na prática);
EaD Dejalma Cremonese
40
– a diferença entre virtù e a fortuna;
– os fins justificam os meios;
– o leão e a raposa;
– trata do Estado como ele é, afirmando que deseja escrever coisa que preste, útil, por isso
não tratará do Estado como deve ser, mas como é; nada melhor, para que o governante
planeje bem suas ações. A ação deliberada, planejada, eficaz, se dá no plano do que ele
chama de virtù e que nada tem a ver com a virtude, no sentido cristão ou moral. Ninguém,
contudo, realiza todos os seus planos. Metade dos resultados de nossas ações, diz, deve-
se à virtù, metade à fortuna;
– as repúblicas e as monarquias: Maquiavel começa distinguindo repúblicas e monarquias:
falará delas. Dos reinos, uns são antigos e outros novos: só tratará dos novos. E, destes,
alguns foram conquistados por armas próprias e outros com armas alheias e graças à
fortuna (no sentido de sorte) – interessam-lhe estes. Como um novo governante, que não
se beneficia da opinião favorável que a idade dá a um regime, pode conseguir ser aceito
por seu povo? eis a questão. Isto é: como passar da força bruta ou da violência ao poder,
que depende do consentimento dos dominados;
– Maquiavel e o republicanismo: Maquiavel retoma a leitura de textos da Antiguidade para
tratar de temas republicanos: liberdade, igualdade, participação;
– Maquiavel é um ícone do pensamento republicano pré-moderno, trata com grande origi-
nalidade as questões da política e da cidade. Apesar de compartilhar de muitas concep-
ções dos humanistas, passa a revê-las e interpretá-las. Maquiavel admirava a Roma clás-
sica, mas rompe com algumas de suas idéias. Enquanto Maquiavel propositava exaltar as
virtudes de Roma, expondo-as por Lívio, ele na verdade as transformava.
– Maquiavel deixa clara sua concepção de virtude para o príncipe, mas as mesmas qualida-
des de virtù eram requeridas para os líderes e cidadãos (que também deveriam ser arma-
dos) de uma república. Para ele, seria nas repúblicas que a virtude mais provavelmente
poderia ser encontrada. Suas concepções, ao contrário da maioria dos republicanos pré-
modernos centrados na regra, eram centradas na virtù. A lei cívica é muito importante
porque a organização é vista como a única reguladora da política;
– O Príncipe de Maquiavel é um conjunto de regras que tornam possível a governabilidade
de uma nação por meio do temor e da maldade, segundo alguns teóricos;
– muitos interpretam Maquiavel sob um viés maniqueísta (bem X mal), velha forma de inter-
pretar o mundo;
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
– Maquiavel escreve O Príncipe num contexto em que predominavam as idéias oficiais da
Igreja Católica acerca do modo de governar um povo;
– antes de Maquiavel a ética e a política andavam juntas;
– ruptura com a tradição religiosa e concepção de ética;
– dedicou a sua obra a César Borgia, filho de Alexandre Bórgia;
– Maquiavel dissocia ética da política ao fazer referência ao príncipe, dizendo que: “Não
deve, portanto, importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos
unidos e com fé, por que com raras exceções, é ele mais piedoso do que aquele que por
muita clemência deixa acontecer desordens, das quais podem nascer assassinos e
rapinagens” (p. 69);
– separação entre o agir do príncipe e a moral de sua época;
– Maquiavel defende uma teoria política que se desenvolverá enquanto habilidade necessá-
ria para a preservação do poder;
– sobre a questão do temor e do amor, diz que: “É muito mais seguro ser temido do que
amado quando se tenha que falhar numa delas” (p. 70);
– sobre a natureza humana refere que: “Os homens são ingratos, volúveis, simuladores,
covardes, ambiciosos de dinheiro e, enquanto lhes fizerem o bem todos estão contigo,
oferecem-te sangue, os bens, vidas, filhos, como disse acima, desde que a necessidade
esteja longe de ti. Mas quando ela se avizinha voltam-se para outra parte (p. 70);
– contra o idealismo da política (a Igreja e a teologia – caráter transcendental –Platão,
Santo Agostinho e Tomás de Aquino): “Todavia, como é meu intento escrever coisa útil
para os que se interessam, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito
das coisas do que pelo que delas se possa imaginar” (p. 63);
– Maquiavel: autor ligado ao universo renascentista; o moralismo cristão não é uma prática
eficaz em política e é por ter libertado o pensamento político disso que o autor passa a ser
lembrado pela tradição. Busca a honra e a glória no plano material;
– virtù: coragem;
– o que o príncipe deve fazer para se manter no poder e conservar o Estado: não poderá, em
hipótese alguma, se apossar dos bens e das mulheres dos súditos, pois isso fará com que
ele atraia sobre si o ódio de toda a população. Não pode impensadamente lançar-se em
guerra, pois, no caso de derrota, perderá seu Estado;
– aparentar a virtude: Maquiavel aconselha que o príncipe deve aparentar virtude, dado que
isto apenas fará com que sejam satisfeitas as exigências contidas na moralidade vigente
na maioria da população;
EaD Dejalma Cremonese
42
– Maquiavel e o real: para Maquiavel não interessa como as coisas deveriam ser. Interessa-
lhe como elas são na concretude de suas realidades. Importa-lhe o fazer, a práxis política
enquanto processo, da qual emanam todos os valores e normas da atividade política.
“Seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta [...]. Esta é a sua regra
metodológica: ver e examinar a realidade como ela é e não como se gostaria que ela fosse”
(Sadek, 1991);
– temor, amor e ódio: mais vale ao príncipe ser temido do que amado, porém nunca odiado
pelo povo;
– a conduta humana: nada difere a do príncipe em relação à dos súditos.
– na obra Cartas familiares Maquiavel fala da extrema miséria que deixou os seus familia-
res; O Asno de Ouro (fala dos feitos de cada um aos seus contemporâneos); Os Discursi
(Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio) – história de Roma compôs um verdadeiro
tratado de ciência política, inacabado, sobre o governo republicano;
Segundo Mosca (1968), na obra “O Príncipe”:
– Maquiavel enumera uma série de preceitos relativos aos meios pelos quais se constituem,
se conservam e se expandem os Estados;
– valoriza as tropas nacionais, condena as mercenárias e as mistas (aliadas);
– a obra é dividida em duas partes: na primeira o autor cita exemplos de homens que, em
diversas circunstâncias, tiveram êxito em subir ao poder e em se conservar nele. Na se-
gunda parte, baseando-se nas características da natureza humana, enuncia preceitos e
conselhos sobre a arte de governar, e ilustra-os com alguns exemplos;
– Maquiavel começa dizendo que todos os governos que têm exercido sua autoridade sobre
os homens podem dividir-se em repúblicas (parece que esta é a primeira vez que a palavra
república é empregada se emprega em seu sentido moderno de Estado não governado por
uma monarquia) e em principados. Estes podem subdividir-se em hereditários (mais está-
veis), mistos (instáveis) e novos (fundados pelas armas, ou pela habilidade política ou por
atos que se aproximam do banditismo);
– do capítulo 15 ao 18, Maquiavel enumera as virtudes e os vícios da natureza humana;
– o príncipe deve ser amado ou temido? (as duas coisas, mas se uma há de perecer, que
pereça o amor);
– no capítulo 25 (penúltimo) trata da relação entre virtù e da fortuna;
– Maquiavel ensina às repúblicas os meios pelos quais podem expandir-se e durar;
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
– republicano de coração, Maquiavel imaginara, sem dúvida, a realização de uma república
italiana, herdeira da república romana segundo Tito Lívio, pela liberdade cívica à antiga,
animando um exército nacional (Chevallier, 1986);
– nos Discursos e até em certas passagens de O Príncipe estavam presentes o amor à liberda-
de republicana à antiga e o ódio à tirania;
– seu livro “é o livro dos republicanos”. Ao simular dar lições aos reis, deu grandes lições ao
povo (Chevallier, 1986).
Seção 3.2
O Estado para Hobbes
Como foi visto na Unidade anterior, a origem do Estado tem sido tratada através dos
tempos pelos mais diversos tipos de teóricos, nos mais diferentes contextos, não tendo havi-
do consenso acerca da matéria. Nessa linha de trabalho, desenvolveram-se quatro princi-
pais teorias acerca dessa origem: a teoria da força, a teoria evolucionária, a teoria do direito
divino e a teoria contratualista.
A teoria do contrato social, desenvolvida por Hobbes, Locke e Rousseau, nos séculos
17 e 18, foi a mais significativa das quatro aqui citadas. Segundo ela, o Estado nasce do
contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques
Rousseau desenvolveram esta teoria do Estado de natureza para o Estado civil.
Figura 2: Thomas Hobbes.
Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.
EaD Dejalma Cremonese
44
O filósofo e cientista político Thomas Hobbes foi um de-
fensor do regime absolutista monárquico, afirmando que um rei
era mais capaz que uma república. Achava que a democracia
era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico con-
siderado contratualista, pois defendia a idéia de que a origem
do Estado e da sociedade está em um contrato. Sua principal
obra foi O Leviatã, que apresenta a síntese de seu pensamento,
segundo o qual o Estado é um monstro poderoso que tem liber-
dade, oferecendo segurança, fundindo a sociedade e o poder de
maneira que um fosse totalmente dependente do outro. Nesse
Estado o governante tem poderes absolutos, decidindo o futuro
de seus súditos. Sua principal contribuição foi, portanto, a jus-
tificativa da centralização do poder e suas implicações políticas
(Bedin, 2008).
O estado de natureza e o estado político justificam o poder,
ou seja, para que saia do primeiro, atingindo a civilidade, o ho-
mem precisa criar o artifício da sociabilidade humana. Isso con-
traria a concepção aristotélica de que o homem seria natural-
mente civilizado.
Daí a expressão latina homo homini lupus, afirmando que
o homem não é naturalmente bom, como afirmava Aristóteles.
Sem a presença do poder político centralizado, os homens natu-
ralmente “não-bons” estão livres para a realização de suas pai-
xões e satisfação dos seus instintos, o que caracteriza a falta de
civilidade. Assim, quando se encontra nesse estágio, a existência
humana é temerária, sendo apenas a partir da centralização arti-
ficial do poder que alguma segurança pode surgir e permitir a
vida em sociedade.
Fora do Estado, para Hobbes, o homem é livre de qualquer
princípio moral, humanitário ou ético. Assim, do mesmo modo
que pode vitimar pela sua liberdade, pode também ser vítima, es-
tando amedrontado a toda hora, pois a qualquer instante pode
perder seu bem maior, que é a vida. Isso configura o estado natu-
ral, no qual a liberdade é a ausência de oposição, e o homem livre
é o que não é impedido de fazer a sua vontade, tornando-se um
selvagem. A verdadeira liberdade existiria apenas dentro do Es-
tado soberano, contendo as liberdades de cada um.
Homo homini lupus
O homem é o lobo dopróprio homem.
EaD
45
POLÍTICAS PÚBLICAS
A teoria contratualista se faz presente em sua obra porque os homens firmariam um
acordo, apoiados na idéia de que sozinho está exposto à barbárie, contando somente com
as suas forças para se defender de uma humanidade sem regras, em que cada um poderia
proceder diante do outro da maneira que as suas forças permitissem. Essa concepção é fruto
do seu conceito de liberdade.
Hobbes afirma não faltar “liberdade” no Estado Absoluto, pois esta significa, em sen-
tido próprio, a ausência de oposição, e oposição seriam os impedimentos externos do movi-
mento. A leitura de gregos e latinos nos fez pensar “errado” o valor da liberdade e o clamor
popular, princípio pelo qual homens lutam e morrem. Para Hobbes, a liberdade se reduz a
uma determinação física, aplicável a qualquer corpo físico. A liberdade, portanto, está de-
positada no Estado e não nos súditos. Para este autor, o poder é sempre o mesmo, está sob
todas as formas, leis ou acordos que se supõe serem suficientes para proteger ou controlar os
súditos. A “condição incômoda” do homem é aceitável, visto que a sua “condição natural”
é infinitamente pior e, ainda, no Estado Absoluto de Hobbes, o indivíduo “conserva um
direito à vida”. Em síntese, sobre Hobbes, é preciso considerar os seguintes pontos:
a) Contexto histórico
– Inglaterra (conflito entre a Coroa e o Parlamento);
– defensor teórico do absolutismo (Estado Monárquico);
– obra principal: O Leviatã (1651);
– um pensador empirista (origem do conhecimento é a sensação);
– contraria a tese da sociabilidade do homem de Aristóteles (abelhas e formigas);
– o homem é considerado como um ser naturalmente anti-social.
b) Estado de natureza
– todos os homens pensam na sua própria sobrevivência;
– desejo de poder, riqueza e propriedade;
– buscam as alegrias e vaidades (pride), o maior sofrimento é ser desprezado (busca a vin-
gança);
– estado de extrema infelicidade;
– inexistência de leis, sabedoria, tecnologia e progresso;
EaD Dejalma Cremonese
46
– impera a lei do mais forte (lei natural);
– homo homini lupus (o homem é lobo do próprio homem);
– condição de guerra de todos contra todos;
– condição de miséria universal;
– insegurança, medo da morte violenta;
– o medo obriga o homem a fundar um Estado social e autoridade política.
c) Contrato/pacto social
– consentimento unânime dos súditos;
– todos são obrigados a pactuar (não existe pacto sem espada);
– o acordo se dá entre os súditos;
– cada um abre mão de sua liberdade individual;
– renúncia ao direito absoluto que tem sobre as coisas em favor do soberano;
– a paz e a segurança visão da renúncia de cada um (poder individual).
d) Estado (governo civil)
– o soberano herda os direitos de todos (poder absoluto);
– é o grande Leviatã (Deus mortal abaixo do Deus imortal);
– Leviatã: animal monstruoso, cruel e invencível, que é o rei dos orgulhosos (analogia –
retirado do livro de Jó, cap. XLI (cap. 41);
– é o soberano que tem a tarefa de organizar, preservar e defender o homem do próprio
homem;
– o soberano detém a força (o direito é seu poder e sua vontade);
– é a inauguração da sociedade civil;
– tem a função de defender os indivíduos dos ataques dos estrangeiros;
– garante a paz, o progresso e a satisfação do bem-viver;
– centralização dos poderes.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Seção 3.3
O Estado para Locke
Figura 3: John Locke.
Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.
John Locke escreveu Dois Tratados sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o
Entendimento Humano e Carta sobre a Tolerância. O contexto histórico-cultural em que pro-
duz sua obra é a Inglaterra da segunda metade do século 17, que se tornou um promissor
império mercantil, cuja burguesia necessita de fundamentação às aspirações de liberdade
(direitos individuais) e soberania.
Em Dois Tratados sobre o Governo Civil Locke teoriza contra o absolutismo, buscando
derrubar a teoria do direito divino. Dessa forma, também adota as idéias da passagem do
estado de natureza ao estado civil mediante o contrato entre indivíduos, no entanto, ao
contrário de Hobbes, que tem o estado de natureza como um âmbito de profunda inimizade
e insegurança, Locke o vê como um âmbito no qual os indivíduos estão regulados pela
razão e há uma organização pré-social e pré-política em que todos nascem com os direitos
naturais: vida, liberdade, propriedade privada e punição àqueles que infligem o mal contra
inocentes.
A propriedade é a extensão de terra que cabe a cada um, que tem a responsabilidade
de lavrá-la, semeá-la e cultivá-la, não sendo tratada a acumulação especulativa da propri-
edade. A união dos homens em sociedades políticas, bem como a sua submissão a um
governo, visam à conservação de suas propriedades, pois o estado natural não as garante
por si só.
EaD Dejalma Cremonese
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O Estado concebido por Locke é liberal, pois é soberano, mas sua autoridade vem
somente do contrato que o faz nascer. Daí advém o fato de ter sido Locke um teórico monar-
quista parlamentar liberal, e não absolutista. Esse contrato é também o fundamento do livre
consentimento segundo o qual os homens formam a sociedade civil para preservar e conso-
lidar os direitos originalmente apropriados no estado de natureza.
O governo civil, em Locke, tem como poder mais importante o Legislativo, cabendo a
ele a elaboração das leis de proteção às propriedades de todos os membros da sociedade,
sustentando-se sobre o poder delegado pelo povo. Sobre Locke, deve-se considerar os se-
guintes pontos:
a) Contexto histórico
– Inglaterra: importante império mercantil;
– viveu longo tempo na França e na Holanda, onde permaneceu até 1688;
– ascensão da burguesia;
– nascem os direitos naturais e Locke é seu fundador teórico;
– no âmbito da Filosofia (teoria do conhecimento), combateu a doutrina das idéias inatas de
Platão e Descartes;
– Locke é empirista: tudo provém da experiência (nada existe na mente humana...);
– a alma é uma “tabula rasa”;
– teorizou contra as idéias absolutistas (contrário à teocracia anglicana);
– um apologista da Revolução Gloriosa (1688): instituição da República (o triunfo do libe-
ralismo sobre o absolutismo);
– Locke foi um defensor da Monarquia Constitucional;
– O direito de propriedade (posse dos bens móveis e imóveis): todos têm direito, mas àquilo
que cada um possa arar, semear e colher... (o direito de propriedade é justificado pelo
trabalho).
b) Estado de natureza
– é de relativa paz, concórdia e harmonia;
– o homem está regulado pela razão;
– existe uma organização pré-social e pré-política, na qual todos nascem com os direitos
naturais de vida, liberdade, igualdade, propriedade.
EaD
49
POLÍTICAS PÚBLICAS
c) Contrato/Pacto social
– assemelha-se a um contrato com reciprocidade de compromissos;
– é a passagem do estado de natureza para a sociedade civil.
d) Estado (governo civil)
– tem como objetivo garantir os direitos naturais;
– visa a preservar e proteger a comunidade, tanto dos perigos internos quanto externos;
– garante a conservação da propriedade;
– o soberano (governo civil) não é senão o mandatário de um povo que (em caso de abuso
da autoridade pelo Estado) conserva o direito de insurreição;
– na teoria de Locke inicia-se a “separação dos poderes” (Executivo, Legislativo e Federati-
vo – relações externas).
Seção 3.4
O Estado para Rousseau
Figura 4: Jean-Jacques Rousseau.
Fonte: Disponível em: <http//www.wikipedia.org>. Acesso em: 20 mar. 2009.
Concomitantemente à concepção liberal do Estado moderno, nasce a concepção de-
mocrático-burguesa com Jean-Jacques Rousseau, cuja principal obra, Do Contrato Social,
também preconiza a existência da condição natural dos homens, qual seja, de felicidade, de
EaD Dejalma Cremonese
50
virtude e de liberdade, denegrida pela civilização (concepção, portanto, oposta à de Hobbes).
Rousseau também é contratualista, pois para ele a sociedade nasce de um acordo, de um
contrato, firmado pelos indivíduos que preexistem a ele.
Para Rousseau, a Assembléia é o único órgão soberano que representa o povo, que
pode confiar a alguns indivíduos tarefas administrativas estatais, podendo a qualquer mo-
mento revogá-las. O povo, entretanto, não perde sua soberania, nunca a transfere para um
organismo estatal separado.
As idéias de Rousseau defendem a igualdade, pois somente nessa condição é possível
ser livre. Assim, nota-se a oposição a Locke, para quem a liberdade é condicionada justa-
mente pela desigualdade entre proprietários e não-proprietários (visto que para o liberal
inglês a liberdade é diretamente proporcionada pela propriedade).
Rousseau tem em vista a democracia da antiga Atenas, porém vê igualmente limita-
ções nesse modelo (justamente a diferenciação entre homens livres e escravos). O autor
ressaltava a impossibilidade de existir a democracia em qualquer tempo, bem como a condi-
ção natural a ela.
A democracia, conforme Bobbio (1983), apresenta duas diferenças básicas. Para os
antigos, era entendida como democracia direta; já para os modernos, como representativa.
A teoria clássica (aristotélica) tem a democracia como a forma de governo de todos os cida-
dãos, em contraposição à aristocracia (governo de poucos) e da monarquia (de um só). Era
termo sinônimo de “isonomia”, e, para Platão (apud Bobbio, 1983), constituía a pior das
formas boas de governo e a melhor das formas más de governo.
A teoria romano-medieval a tem como o governo de soberania popular (ascendente) em
contraposição ao poder do príncipe (descendente). A partir dessa teoria há a separação entre
a titularidade e o exercício do poder: numa monarquia, o povo transferiria o exercício do
poder ao príncipe, justamente por possuir a titularidade do poder de fazê-lo (ou revogá-lo).
A teoria moderna, iniciada com Maquiavel, nasce com o Estado moderno, e tem a
antiga democracia como uma das duas formas de república: haveria a república democráti-
ca e a república aristocrática. “[...] por democracia se entende toda a forma de Governo
oposta a toda forma de despotismo” (Dahl, apud Bobbio, 1983). Sofre modificações impor-
tantes, principalmente após o Contratualismo.
Com o liberalismo, passou-se a entender o termo liberdade como dividida entre civil
(liberdade negativa, mera capacidade de fazer e não fazer) e política (liberdade positiva,
atribuição de uma capacidade jurídica específica de participar, mesmo que indiretamente,
do governo). O poder político deve ser exercido por representantes eleitos pelos detentores
da liberdade política. O desenvolvimento da democracia representativa deu-se com a ampli-
ação gradual do direito de voto e pela multiplicação dos órgãos representativos.
EaD
51
POLÍTICAS PÚBLICAS
Com o socialismo, o sufrágio universal, que constituía o fim do processo de democra-
tização do Estado liberal, torna-se apenas o seu início (BOBBIO, 1983). É criticada a demo-
cracia simplesmente representativa e retoma-se alguns pontos da democracia direta, alar-
gando a participação popular não apenas nos órgãos de decisão política, mas também eco-
nômica, passando-se do autogoverno para a autogestão, buscando a máxima
descentralização (conselhos operários e camponeses, por exemplo).
Independentemente da teoria que a analise, pode-se afirmar que democracia é um
conjunto de regras que conduz à governança: eleição (direta ou indireta), instituições lo-
cais eleitas (além da instituição máxima de governo), sufrágio universal, igualdade de voto,
liberdade de opção de voto, maioria numérica, não-limitação de direitos da minoria por
parte da maioria e confiança no órgão de governo por parte do Parlamento ou do chefe do
Executivo, eleitos pelo povo.
Democracia não significa a participação de todos no processo eleitoral. Para Kelsen
(apud Bobbio, 2000), um dos maiores teóricos da democracia moderna, a eleição é o ele-
mento essencial da democracia real, pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso. A
frase ilustrativa de Bobbio (2000, p. 272) expõe o caráter “sagrado” que a Corte Suprema
dos EUA, por ocasião das eleições de 1902, confere ao seu processo eleitoral, mesmo que
quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições
americanas, onde cada um de nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda da arca da
aliança e cada um oficia do seu próprio altar”. É possível perceber que a democracia ociden-
tal é uma conquista relativamente nova, e as Revoluções Americana e Francesa marcam seu
início.
A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. Para
isso, ocorreram três eventos que caracterizaram a Filosofia social da Idade Moderna: o
contratualismo, o nascimento da economia política (com Adam Smith) e a Filosofia utilitarista
(de Jeremy Bentham e John Stuart Mill). Nesse sentido:
O Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático. Estado
liberal e Estado democrático são interdependentes. É pouco provável que um Estado não liberal
possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte, é pouco provável
que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais (Bobbio,
2000, p. 20).
É imprescindível também, para o entendimento da formação do Estado moderno, a
consideração das idéias de Montesquieu. O francês entrou para a história da ciência po-
lítica pela importância e atualidade dos argumentos da sua principal obra, O Espírito das
Leis (1748), que influenciou, principalmente, as políticas do sistema de governo inglês,
das Revoluções Americana e Francesa e de todo o mundo depois dele. Nela, encontra-se a
EaD Dejalma Cremonese
52
separação dos poderes como método para assegurar a liberdade. Assim, criam-se os pode-
res Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma harmônica e independente, co-
laborando entre si e mantendo relações recíprocas, auxiliando e corrigindo-se mutuamen-
te, para a efetivação da liberdade, posto que a esta não existe se uma pessoa ou grupo
exercer os referidos poderes ao mesmo tempo. Sobre Rousseau, deve-se considerar as se-
guintes idéias:
a) Contexto histórico
– com Rousseau nasce a concepção democrático-burguesa do Estado;
– tem-se com Rousseau o debate da democracia ideal e pura;
– propriedade privada (o primeiro que tendo cercado um terreno...);
– para Rousseau, a sociedade deveria ser homogênea, sem conflitos de interesse, que deveri-
am ser resolvidos por meio de uma democracia direta, impossível em uma sociedade de
massas.
b) Estado de natureza
– condição de felicidade, saúde, de virtude e liberdade que é destruída pela civilização (a
civilização perturba as relações sociais e violenta a humanidade)
c) Contrato/Pacto Social
– dá origem à vontade geral.
d) Estado (democrático)
– assembléia (único órgão soberano, representa o povo);
– vontade geral (é a soma das vontades individuais);
– o Contrato Social é a utopia política, que propõe um Estado ideal, resultante de consenso
e que garanta os direitos de todos os cidadãos.
EaD
53
POLÍTICAS PÚBLICAS
SÍNTESE DA UNIDADE 3
Nesta Unidade foi abordado o Estado moderno, analisando-se os
aspectos gerais de alguns teóricos de referência da Teoria Política;
discutida a obra O Príncipe, de Maquiavel, e apresentado um de-
bate sobre o contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau. Ao fi-
nal foi feita uma síntese das principais idéias de Maquiavel, Hobbes,
Locke e Rousseau sobre a questão do poder e do Estado.
EaD
55
POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 4Unidade 4Unidade 4Unidade 4
A CRÍTICA CONTRA O ESTADO NO SÉCULO 19
OBJETIVO DESTA UNIDADE
O objetivo desta Unidade é tratar da crítica ao Estado contemporâneo a partir da
teoria anarquista, do socialismo utópico e do socialismo científico.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 4.1 – O Anarquismo
4.1.1 – Os principais representantes: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi
Seção 4.2 – O Socialismo Utópico
4.2.1 – Os principais representantes: Saint-Simon, Fourrier, Owen e Louis Blanc
Seção 4.3 – O Socialismo Científico
4.3.1 – Os principais representantes: Marx e Engels
Seção 4.1
O Anarquismo
Genericamente, pode-se afirmar que o anarquismo é uma teoria que nega todo tipo de
autoridade política, religiosa, econômica ou ideológica que se impõe sobre os indivíduos.
Em outras palavras, o cerne do anarquismo é o repúdio aos governantes.
No âmbito político, os anarquistas escolhem o Estado moderno como principal inimi-
go. Este Estado, dentro de seu território, divide as pessoas em governantes e governados,
monopoliza os principais meios de coerção física, reivindica soberania sobre todas as pessoas
e toda a propriedade; promulga leis visando a suprimir todas as outras leis e costumes, pune
os que infringem suas leis e apropria-se à força, mediante impostos e outros gravames, da-
quilo que é propriedade de seus subordinados. Dessa forma, os anarquistas se opõem aos
EaD Dejalma Cremonese
56
teóricos que justificam e defendem a existência do Estado, como Thomas Hobbes, que argu-
menta que, na ausência do Estado, não há sociedade e a vida é solitária, medíocre, desagra-
dável, brutal e curta. Os anarquistas defendem a idéia de “sociedade natural”, uma socieda-
de auto-regulada, pluralista, na qual poder e autoridade estão radicalmente descentraliza-
dos (Outhwaite; Bottomore, 1996).
4.1.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi
Foi Joseph Proudhon (1809-1865) o primeiro teórico a se intitular anarquista. Proudhon
está inserido no que se denomina de anarquismo socialista. Para este autor, todos os parti-
dos políticos são variedades de despotismo; o poder do Estado e do capital são sinônimos; o
proletariado, portanto, não tem como se emancipar pelo uso do poder do Estado, apenas
por meio de ação direta (pacífica); a sociedade deveria ser organizada na forma de comuni-
dades locais autônomas de associações de produtores, unidas pelo “princípio federativo”
(Outhwaite; Bottomore, 1996). É também de Proudhon a famosa frase: “A propriedade é um
roubo”.
Por outro lado, Michael A. Bakunin (1814-1876) e Pyotr Alexeyevich Kropotkin (1842-
1921), na Rússia, substituíram o “mutualismo” de Proudhon, primeiro pelo “coletivismo” e,
depois, pelo “comunismo”, este último implicando o “tudo pertence a todos” e a sua distri-
buição de acordo com as necessidades. Sob a influência de Bakunin, os anarquistas adota-
ram a estratégia de estimular insurreições populares, no decorrer das quais previa-se que a
propriedade capitalista e fundiária seria expropriada e coletivizada, e o Estado abolido. No
lugar do Estado surgiriam as comunas autônomas, unidas federativamente: uma sociedade
socialista organizada de baixo para cima, e não ao contrário. Insurreições, assassinatos e
atos de terrorismo faziam parte das estratégias dos anarquistas para alcançar seus objeti-
vos. Muitas foram, no entanto, as formas de repressão que os anarquistas sofreram, exata-
mente pelo caráter de violência das suas ações. Por isso adotaram uma estratégia alternati-
va associada ao sindicalismo. A idéia era transformar os sindicatos em instrumentos revolu-
cionários da luta de classes e fazer deles, em vez das comunas, as unidades básicas de uma
nova sociedade.
Os anarquistas, diferentemente dos marxistas, acreditavam que era possível chegar a
uma nova ordem social (ao comunismo) sem precisar passar pela ditadura do proletariado.
Em outras palavras, advogavam a passagem direta para a “sociedade sem Estado”.
Leon Tolstoi (1828-1910), romancista russo, opunha-se radicalmente ao anarquismo
revolucionário e seus métodos, mas não a sua visão de uma nova sociedade socialista. Seu
anarquismo, no entanto, estava mais ligado à tradição pacifista: a “lei do amor”, expressa
EaD
57
POLÍTICAS PÚBLICAS
no Sermão da Montanha, o fez denunciar o Estado e sua “violência organizada” e conclamar
as pessoas a não obedecerem as suas exigências imorais. O apelo de Tolstoi deixou seguido-
res, entre os quais Gandhi, no desenvolvimento de sua Filosofia de não-violência na Índia.
Ele popularizou a técnica da resistência não-violenta de massas e deu origem à idéia-chave
do anarco-pacifismo: a revolução não-violenta, descrita como um programa não para a
tomada do poder, mas para a transformação dos relacionamentos.
Seção 4.2
O Socialismo Utópico
Da mesma forma que o anarquismo, o socialismo utópico saiu em defesa do proletari-
ado (oprimidos e explorados), opondo-se ao individualismo econômico (liberalismo ou capi-
talismo), pois este último tem como prioridade a defesa da propriedade particular dos meios
de produção, o lucro pessoal, a livre concorrência, a lei da oferta e da procura e o Estado
mínimo (não-intervenção na economia).1
4.2.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Saint-Simon, Fourrier, Owen e Luis Blanc
Um dos mais importantes pensadores do socialismo utópico foi Saint-Simon, o qual
faz severas acusações contra a propriedade privada, a herança e os lucros sem trabalho.
Criticou também a exploração do proletariado.
Da mesma forma, Charles Fourrier fez críticas à indústria, as suas crises de pletora ou
superprodução e a sua anarquia econômica, cujas repercussões sofre física e moralmente o
operário, pois a sua pseudolivre concorrência dá origem a legiões famélicas de proletários.
Afirma Fourrier: “A liberdade política, a soberania do povo: simples fachada! Esse povo, que
morre de fome, ‘estranho soberano’”.
Robert Owen inovou no aspecto da participação dos operários nos lucros de sua em-
presa, ou, nas palavras de Chevallier (1986), “grande patrão inglês, quer regenerar a dege-
nerada raça dos operários”.
Outro autor que defendia o socialismo utópico foi Charles Louis Blanc.
1 Para aprofundar a temática do socialismo utópico, conferir Chevallier (1986).
EaD Dejalma Cremonese
58
Seção 4.3
O Socialismo Científico
Segundo Outhwaite e Bottomore (1996), as idéias socialistas expressaram-se de várias
formas em séculos passados, mas o socialismo, como doutrina e movimento característico,
só apareceu por volta de 1830, quando o próprio termo entrou em uso corrente. Logo após
se propagou rapidamente pela Europa, sobretudo após as revoluções de 1848. No final do
século 19, muitos partidos socialistas já haviam se desenvolvido em diversos países euro-
peus, como na Alemanha e na Áustria, bem como em outros países do mundo.
Tem-se no marxismo o alicerce intelectual do socialismo científico, principalmente na
Europa continental. O marxismo analisa e aponta as principais contradições do sistema
capitalista moderno, que divide a sociedade em duas classes: a burguesia (superestrutura) e
o proletariado (infra-estrutura). Critica de forma direta o individualismo capitalista e propõe
o socialismo como forma de priorizar o bem-estar de toda a sociedade. A teoria marxista
(como fundamento das idéias socialistas) passou por constantes adaptações no início do
século 20. A teoria é reavaliada e desembocará em três tendências específicas: uma “refor-
mista” (Grã-Bretanha, com o Partido Trabalhista), outra “ revolucionária” (Lenin, os
bolcheviques e Stalin) e a terceira, de caráter “centrista” (social-democracia, de Kautsky). A
tendência “ revolucionária” foi posta em prática na Rússia em 1917 por Lenin e os
bolcheviques, vindo a ser, mais tarde, instaurada uma ditadura do proletariado de caráter
totalitário e centralizador na União Soviética, introduzida por Stalin. O socialismo buro-
crático será abrandado após a morte de Stalin, em 1953, até o seu derradeiro colapso a
partir de 1990.
4.3.1. OS PRINCIPAIS REPRESENTANTES: Marx e Engels
Marx criticou o socialismo utópico pelo seu caráter irreal e ingênuo, pois os utópicos
queriam substituir o sistema econômico existente por outro imaginado por eles: “tudo é feito
apenas por eles mesmos, tal como a aranha faz a sua teia” (Marx apud Prélot, 1973, p. 59).
Em outras palavras, Marx critica os socialistas utópicos por acreditarem ingenuamente que
os burgueses, num gesto de benevolência e candura, vão distribuir seus bens aos famintos.
Herdeiro da visão hegeliana, Marx inverte a teoria de Hegel (na questão do materialis-
mo dialético) para o materialismo histórico. Marx parte então para a defesa exclusiva do
proletariado e a síntese de suas idéias aparece na obra O Manifesto Comunista, dividida em
quatro partes: a primeira, intitulada “Burgueses e Proletários”, trata de questões da Filosofia
EaD
59
POLÍTICAS PÚBLICAS
e da História. A segunda parte, “Proletários e Comunistas”, explica a posição dos comunistas
em relação ao conjunto de proletários, repelindo as censuras feitas ao mesmo tempo pela
“burguesia”. Sob o título “Literatura Socialista e Comunista”, a terceira parte passa sarcasti-
camente em revista as diversas formas, “reacionárias” ou feudais, “de pequena burguesia”,
“conservadores” ou “burguesas”, “crítico-utópicas” do movimento social da época. Na quar-
ta parte, brevíssima, consta a posição dos comunistas diante dos outros partidos da oposição.
Eis alguns destaques mais importantes da obra O Manifesto Comunista, de Marx e Engels:
A luta de classes
– “A história de toda a sociedade até hoje é a história de luta de classes” (Marx; Engels,
1996, p. 66).
– “A sociedade inteira vai-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em
duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia e proletariado” (p. 67).
A burguesia
– “A própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de
uma série de revoluções nos modos de produção e de troca” (p. 68).
– “A burguesia desempenhou na História um papel extremamente revolucionário. Onde quer
que tenha chegado ao poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais,
idílicas. [...] Afogou nas águas gélidas do cálculo egoísta os sagrados frêmitos da exaltação
religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês” (p. 68).
– “A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produ-
ção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto, todo o conjunto das relações
sociais” (p. 69).
– “A necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia
para todo o globo terrestre” (p. 69).
– “A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. [...] Suprime cada vez mais a disper-
são dos meios de produção, da propriedade e da população [...] Criou forças produtivas
mais poderosas e colossais do que todas as gerações passadas em conjunto” (p. 70-71).
O proletariado
– “A burguesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte; produziu também os
homens que empunharão essas armas – os operários modernos, os proletários. [...] O pro-
letariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia co-
EaD Dejalma Cremonese
60
meça com sua própria existência. [...] Com o desenvolvimento da indústria, o proletariado
não apenas se multiplica; concentra-se em massas cada vez maiores, sua força aumenta e
ele sente mais tudo isso. [...] De todas as classes que hoje se opõem à burguesia, apenas o
proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária” (p. 72-75).
– “Todos os movimentos precedentes foram movimentos de minorias ou no interesse de mi-
norias. O movimento proletário é o movimento independente da imensa maioria no inte-
resse da imensa maioria. O proletariado, estrato inferior da atual sociedade, não pode
erguer-se, pôr-se de pé, sem que salte pelos ares toda a superestrutura dos estratos que
constituem a sociedade civil oficial” (p. 77).
O capital fruto da exploração do trabalho
– “A condição mais essencial para a existência e a dominação da classe burguesa é a acumu-
lação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o aumento do capital; a condição
do capital é o trabalho assalariado. [...] A burguesia produz, acima de tudo, seus próprios
coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis” (p. 77-78).
– “O capital é um produto coletivo e só pode ser colocado em movimento pela atividade
comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade
comum de todos os membros da sociedade. O capital, portanto, não é uma potência pes-
soal, é uma potência social” (p. 81).
– “Assim, se o capital é transformado em propriedade comum pertencente a todos os membros da
sociedade, não é uma propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. Transfor-
ma-se apenas o caráter social da propriedade. Ela perde o ser caráter de classe” (p. 81).
A ideologia
– “O que demonstra a história das idéias senão que a produção intelectual se transforma
com a produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da
classe dominante” (p. 85).
O comunismo
– “O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais partidos proletá-
rios: constituição do proletariado em classe, derrubada da dominação da burguesia, con-
quista do poder político pelo proletariado” (p. 80).
– “O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição
da propriedade burguesa. [...] Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria
nessa única expressão: abolição da propriedade privada” (p. 79).
EaD
61
POLÍTICAS PÚBLICAS
O Estado
– “O poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os
negócios comuns de toda a classe burguesa” (p. 68).2
SÍNTESE DA UNIDADE 4
Nesta Unidade você pôde compreender aspectos teóricos referente
à crítica do Estado no século 20. Especialmente as principais idéias
defendidas pelos anarquistas, socialistas utópicos e científicos, ten-
do em Karl Marx o seu principal expoente. Karl Marx analisou
criticamente o processo de acumulação capitalista. Isto é, a classe
detentora do capital, a burguesia, expropria o lucro do proletaria-
do mediante a exploração da sua força do trabalho (exploração da
mão-de-obra). A teoria marxista influenciou outros intelectuais
após a morte deste pensador e, com o passar do tempo, a sua obra
continua atual.3
2 As citações das páginas 56-60 são de Marx e Engels (1996). Para maiores informações sobre a crítica ao Estado burguês e a ditadura doproletariado, ver a obra de Chevallier (1986); Prélot (1973).
3 Nenhum teórico se igualou a Marx na análise e na compreensão do sistema capitalista. Por isso a leitura de suas obras é imprescindívela todos aqueles que se dedicam à análise da sociedade, da economia e da política atual. Um exemplo bastante evidente da atualidade daobra de Marx presencia-se neste momento histórico de crise do capitalismo. Marx previu que o próprio capitalismo em excesso haveriade se autodestruir. Estaria ele certo em seu prognóstico?
EaD
63
POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 5Unidade 5Unidade 5Unidade 5
CRISES E TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO NO SÉCULO 20
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar alguns argumentos que tratam da divisão das idéias marxistas, principalmente
entre o socialismo democrático e o comunismo leninista.
• Tratar da questão do Estado na teoria democrática.
• Analisar a questão do Estado: crises e transformações durante o século 20.
• Discutir o Estado sob a ótica dos teóricos marxistas, entre eles Lenin e Rosa Luxemburgo.
• Debater sobre a participação e a representação na teoria democrática contemporânea.
• Discorrer sobre o Estado na teoria das elites, pluralistas, neomarxistas e na teoria
participativa.
• Discutir a questão do Estado de Bem-Estar Social, modelo de Estado aplicado após a crise
do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos, inspirado nas teorias keynesianas.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 5.1 – Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo
Seção 5.2 – O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea
5.2.1 A teoria das elites
5.2.2 A teoria pluralista
5.2.3 A teoria neomarxista
5.2.4 A Teoria Participacionista (MacPherson, Held e Pateman)
Seção 5.3 – A Procedência do Estado do Bem-Estar Social: a Teoria Keynesiana e a Social-
Democracia
EaD Dejalma Cremonese
64
Seção 5.1
Os Intérpretes de Marx: Lenin e Rosa Luxemburgo
Vladimir Ilyich Lenin1 foi estadista, revolucionário e teórico político russo.2 Estudou
por pouco tempo na Universidade de Kazan e depois dedicou-se inteiramente às atividades
revolucionárias. Liderou a 2ª fase da Revolução Russa (bolchevique), logo após ter regressa-
do do exílio, tornando-se presidente do Conselho de Comissários do Povo. Em obras como
Que fazer? (1902) e Estado e Revolução (1917), descreveu a natureza do Estado socialista e
imprimiu uma ênfase diferente à teoria da revolução de Marx ao sublinhar a centralidade da
luta de classes liderada por um partido rigorosamente organizado, e, em O imperialismo,
fase superior do capitalismo (1916), elaborou uma teoria do imperialismo como etapa final
do capitalismo. Por meio da Internacional Comunista, inspirou suas idéias que foram
divulgadas no mundo inteiro. Foi o mais influente líder político e teórico do marxismo no
início do século 20, mas a atração do leninismo declinou no transcorrer do século.
Desde a sua entrada na vida política Lenin defendeu um marxismo violento, denomi-
nado por ele de “marxismo revolucionário”. Recusou a idéia de Marx expressa, no Manifes-
to Comunista, de que “o Estado burguês deve ser substituído pela organização do proletariado
como classe dominante”, isto é, Lenin recusou esperar a vitória do socialismo a partir das
“leis imanentes ao desenvolvimento do capitalismo” e como conseqüência inevitável da
sucessão das estruturas econômicas. Também não aceitou a tese de Engels sobre a possibi-
lidade de se chegar ao socialismo pela via da legalidade democrática e parlamentar. Criticou
e se opôs radicalmente à democracia tradicional capitalista. Para ele, a passagem da demo-
cracia capitalista “que se revela inevitavelmente tacanha e que exclui disfarçadamente os
pobres, sendo por conseqüência hipócrita e enganadora”, para uma democracia cada vez
mais perfeita, não se opera com a simplicidade e com a facilidade imaginadas pelos profes-
sores liberais e pelos pequenos burgueses oportunistas. Segundo Lenin, a evolução pacífica
não bastava, uma vez que o sufrágio universal é um engano. O regime democrático parla-
mentar encontrava-se falseado pela intervenção oculta ou direta dos poderes capitalistas.
Lenin acusou a democracia clássica burguesa de ser truncada, miserável e falsificada; uma
democracia apenas para os ricos, ou seja, para uma minoria; de ser puramente formal, com-
posta exclusivamente por normas constitucionais e de deixar de lado o essencial ao consi-
derar que as soluções econômicas e sociais derivam da política. Na sua convicção, apenas
uma sociedade sem classes resolveria as contradições políticas e permitiria o surgimento de
1 Para compreender melhor as idéias de Lenin, conferir Prélot (1973, p. 69-79).
2 Para aprofundar o tema dos interpretes de Marx, conferir Outhwaite; Bottomore (1996, p. 814).
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
uma democracia concreta, em que houvesse liberdade para cada um e em que todos partici-
passem do poder. A vida política deixaria de ser uma luta para se tornar uma comunhão,
graças ao trabalho em comum num espírito de unidade e humanidade.
Rosa Luxemburgo, revolucionária socialista, ajudou a criar o Partido Social-Democra-
ta da Polônia, e em seguida, mudou-se para a Alemanha. Luxemburgo defendeu a causa da
revolução e expôs sua adesão ao reformismo em Reforma social ou revolução (1899). Em
Greve de massas, partido político e sindicatos (1906), propôs a greve de massas, e não a
vanguarda organizada defendida por Lenin, como o mais importante instrumento da revo-
lução proletária. Em sua principal obra teórica, A acumulação do capital (1913), identificou
o imperialismo como uma luta competitiva entre nações capitalistas que culminaria no co-
lapso do capitalismo. Fundou com Karl Liebknecht a Liga Espartaquista, e ambos foram
brutalmente assassinados na prisão por oficiais da extrema-direita em 1919, depois da su-
pressão de um malogrado levante em Berlim (Outhwaite; Bottomore, 1996).
Seção 5.2
O Debate sobre o Estado na Teoria Democrática Contemporânea
O Estado será o objeto central das análises de diferentes estudiosos da Teoria Demo-
crática Contemporânea, principalmente no debate da teoria das elites, da teoria pluralista,
na teoria neomarxista e da teoria participacionista. Este é o objetivo desta seção.
5.2.1. A TEORIA DAS ELITES
Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels integram o grupo de autores consi-
derados elitistas clássicos. São, na verdade, os fundadores da teoria das elites.3 São autores
liberais que entendem a política como uma prática de lideranças que, por sua origem e
formação, atribuem-se o direito de dirigir e comandar as massas populares, as quais, por sua
condição social e histórica, não estão aptas a fazê-lo. Neste contexto, é natural que os
“inferiores” sejam dirigidos pelos “superiores”, que possuem o conhecimento da arte de co-
mandar. Para os referidos autores (apud Pio; Porto, 1998), sempre haverá desigualdade na
sociedade, em especial a desigualdade política. Ou seja, sempre existirá uma minoria diri-
gente e uma maioria condenada a ser dirigida, o que significa dizer que a democracia, en-
3 Sobre a teoria das elites, conferir o trabalho de Oliveira (2003).
EaD Dejalma Cremonese
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quanto “governo do povo”, é uma fantasia inatingível. Ou seja, os elitistas rejeitam a teoria
clássica da democracia, bem como o ideal democrático rousseauniano – de autogoverno das
massas que, é, pois, descartado como utópico. A teoria das elites encontra sua fundamenta-
ção teórica nas idéias de Max Weber, para quem a democracia é um antídoto contra o avan-
ço totalitário da burocracia. O autor entende que a política deve ser exercida por profissio-
nais e não por aquele político que não tem vocação.
Para os elitistas, a igualdade é impossível. As massas são necessariamente governadas
por uma minoria, que se impõe até mesmo no seio dos partidos que se qualificam a si mes-
mos de democráticos.
Os autores da teoria das elites defendem que, na vida política, há pouco espaço para a
participação democrática e o desenvolvimento coletivo. Quanto à democracia, definem-na
como meio de escolher pessoas encarregadas de tomar decisões e de impor alguns limites a
seus excessos.
A seguir, as principais concepções e diferenças entre os autores:
Pareto (1848-1923)
Fervoroso partidário do liberalismo econômico, adversário do socialismo, recu-
sou a concepção marxista da luta de classes. Em sua substituição, propõe a teoria da
“circulação das elites”, que explica a história como “a contínua substituição de um
escol por outro” (Schwartzenberg, 1979, p. 226).
Pareto afirma que elite é o nome dado ao grupo de indivíduos que demonstram
possuir o grau máximo de capacidade, cada qual em seu ramo de atividade. Cada um
desses ramos inclui algumas pessoas que são as mais bem-sucedidas, e a reunião delas
forma a elite. Para ele, toda sociedade está sempre dividida em uma “elite” e uma
“não-elite”.
Mosca (1858-1941)
Diferentemente de Pareto, que tem uma abordagem psicológica, Mosca tem uma
abordagem organizacional. Foi professor, deputado e senador italiano. Publica os Ele-
mentos da ciência política, em 1896, e impõe a idéia de “classe dirigente”, segundo a
qual todas as sociedades assentam-se na distinção entre dirigentes e dirigidos. O po-
EaD
67
POLÍTICAS PÚBLICAS
der, segundo ele, não pode ser exercido por um só indivíduo e nem pelo conjunto dos
cidadãos, mas somente por uma minoria organizada: a “classe dirigente” (“classe po-
lítica”). A classe dirigente é esta minoria de pessoas que detém o poder (verdadeira
classe social) (Schwartzenberg, 1979).
Para Mosca (apud Pio; Porto, 1998), a elite política deriva do fato de que seus
membros são aqueles que possuem um atributo altamente valorizado e de muita influ-
ência na sociedade em que vivem, isto é, possuem qualidades que lhes conferem certa
superioridade material, intelectual e mesmo moral, ou são herdeiros de indivíduos que
possuem tais qualidades. Em síntese, o conceito de elite, para Mosca, é uma minoria
com interesses homogêneos e, devido a essa homogeneidade, de fácil organização. É
justamente essa organização que explica sua capacidade de domínio sobre as massas.
Michels (1876-1936)
Contrariando Mosca, que se recusou a aprovar as leis fascistas sobre as prerro-
gativas do chefe do governo, Michels se tornou um defensor das idéias fascistas, esta-
belecendo, inclusive, uma amizade com o próprio Mussolini.
Segundo Michels (apud Schwartzenberg, 1979), as massas não podem atuar,
dirigir, governar por si próprias. O governo direto das massas esbarra numa “impossi-
bilidade mecânica e técnica”. Defende a “lei de ferro da oligarquia”. Isto quer dizer:
“Quem diz organização, diz tendência para a oligarquia”. Em cada organização, prin-
cipalmente nos partidos políticos, o pendor aristocrático será preponderante. Observa
Michels que em todas as organizações os dirigentes tendem a se opor aos aderentes, a
formar um círculo interno mais ou menos fechado e a se perpetuar no poder.
Assim, a “lei de ferro da oligarquia”, de Michels, significa a dependência política das
massas em relação às lideranças dos partidos. Os líderes resolvem os problemas de ação
coletiva do partido, ou seja, pagam a maior parte dos custos para a obtenção dos bens
coletivos que o partido provê e, por essa razão, são valorizados e mesmo considerados im-
prescindíveis pelas massas (Pio; Porto, 1998, p. 294-295). Para o elitismo, a desigualdade é
um fato natural entre os seres humanos. Pode-se afirmar que a teoria das elites é
antidemocrática na medida em que condena como impossível qualquer forma de governo do
povo.
EaD Dejalma Cremonese
68
É exatamente esta visão (teoria das elites) que, sobretudo a partir da teoria de Schumpeter,
publicada nos anos 40, se torna a base da tendência dominante da teoria democrática (teoria
pluralista) e penetra profundamente na concepção corrente sobre a democracia.
Para Schumpeter (1984), a democracia direta é inviável porque nem todos na socieda-
de estão no mesmo estágio de desenvolvimento cultural. O autor critica as teorias clássica e
liberal da democracia pelo seu idealismo e utopia. A democracia é apenas um processo elei-
toral. Importa saber como as democracias funcionam e não como elas devem ser.
Neste sentido, a democracia não está ligada a um ideal ou fim; ela é um método polí-
tico, um tipo de arranjo institucional para se chegar a decisões políticas. Sua definição é
processual. Quanto à participação, fica restrita, e o sufrágio não precisa ser universal, de-
vendo ser suficiente para manter a máquina eleitoral.
Assim, existem os líderes e os seguidores, os que não estão interessados e os que são
mal-informados. Segundo Schumpeter, os objetivos da sociedade devem ser formulados por
líderes, por uma elite que seja politicamente atuante, que possa devotar-se ao estudo dos
problemas sociais relevantes e seja capaz de compreendê-los. Em outras palavras, o cidadão
comum é mal-informado e facilmente influenciado pela propaganda política. Vulnerável,
portanto. Aos eleitores cabe apenas decidir qual grupo de líderes (políticos) deseja levar a
cabo no processo de tomada de decisão. Ou seja, os eleitores não decidem nada, apenas
escolhem. As decisões devem ser tomadas por especialistas, pois a maior parte dos cidadãos
são desinformados e desinteressados e até mesmo mal-informados e irracionais, com pouca
tolerância pelas opiniões políticas rivais.
A democracia é entendida como concorrencial (eleições dos líderes apenas). O autor é
contrário à doutrina clássica da democracia (a democracia é o método para promover o bem
comum mediante a tomada de decisão pelo próprio povo, com a intermediação de seus re-
presentantes). Para Schumpeter (1984, p. 336), “o método democrático é aquele acordo
institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de
decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.
Anthony Downs, seguidor de Schumpeter, propõe o emprego de regras da economia
como referência para um governo que se almeja racional e democrático. Downs, defensor da
teoria da escolha racional, vê o indivíduo como ator político racional, pois estão em jogo as
preferências de cada indivíduo, o seu agir estratégico e o custo e benefício de uma ação
(maximizar a satisfação e minimizar os danos). Em síntese, a ação é eficientemente planeja-
da para alcançar os fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados do ator, seja
ele o governo ou os cidadãos de uma democracia.4
4 O teórico Mancur Olson comunga com as idéias de Schumpeter ao afirmar que o povo não sabe tomar decisões políticas.
EaD
69
POLÍTICAS PÚBLICAS
5.2.2. A TEORIA PLURALISTA
A teoria pluralista da democracia política norte-americana tem em Tocqueville o seu
precursor. Ganhou evidência a partir de 1940 com Parson e Truman. O maior expoente,
porém, é Robert Dahl, com a obra Um prefácio à teoria democrática, de 1989. Segundo
Outhwaite e Bottomore (1996, p. 575), “nas mãos de Dahl o pluralismo torna-se uma teoria
da competição política estável e relativamente aberta e das condições institucionais e
normativas que a sustentam”.
O pluralismo é considerado o elitismo democrático na teoria política contemporânea.
Para os pluralistas clássicos, a democracia não parece requerer um alto grau de envolvimento
ativo de todos os cidadãos; ela pode funcionar muito bem sem ele. Pelo contrário, a apatia
política pode refletir a saúde da democracia (Held, 1987). Nas palavras de Carnoy (1994), a
teoria política pluralista é a ideologia oficial das democracias capitalistas. Para a tese
pluralista, não existe uma classe dirigente, mas numerosas categorias dirigentes, que umas
vezes cooperam, outras se combatem, mas de certo modo se equilibram e representam as
pressões da base (Schwartzenberg, 1979, p. 673).
A teoria pluralista opõe-se à concentração de poder por parte do Estado. Ou seja, é
contra o estatismo (o poder é descentralizado e administrado por outras instituições). Em
outras palavras, é a sociedade com diversos centros de poder, mas nenhum deles totalmente
soberano. Para Dahl (2001), um dos mais importantes expoentes do pluralismo democráti-
co, o Estado é considerado um elemento neutro, cujo papel é promover a conciliação dos
interesses que interagem na sociedade segundo a lógica do mercado. Assim, a multiplicidade
de centros de poder complementa a existência das minorias concorrentes. Dahl chamou
estes diversos centros de poder de “poliarquias”.5
O estudo clássico de Robert Dahl, Polyarchy: participation and opposition, publicado
pela primeira vez em 1972, apresenta oito garantias institucionais da poliarquia: a) liberda-
de de formar e se integrar a organizações; b) liberdade de expressão; c) direito de voto; d)
elegibilidade para cargos políticos; e) direito de líderes políticos competirem por meio da
votação; f) fontes alternativas de informação; g) eleições livres e idôneas e h) existência de
instituições que garantam que as políticas governamentais dependam de eleições e de ou-
tras manifestações de preferência da população.
5 Dahl apresenta um diferenciação substancial entre democracia e poliarquia. Democracia é um ideal não alcançado. Poliarquia é ogoverno de muitos, capaz de garantir e proteger a liberdade de expressão; liberdade de formar e participar de organizações; acesso àinformação; eleições livres; competição de líderes pelo apoio do eleitorado e, ainda, instituições destinadas a formular a políticagovernamental (Oliveira, 2003).
EaD Dejalma Cremonese
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O pluralismo também é chamado de política competitiva das elites. Dahl define elite
como um grupo minoritário que exerce uma dominação política sobre uma maioria dentro
de um sistema de poder democrático. No pluralismo alguns poucos tomam as decisões polí-
ticas (é o governo das minorias).
O pluralismo opõe-se à concepção participacionista da teoria democrática, que vê a
solução na participação mais ampla possível dos cidadãos nas decisões políticas. Em sínte-
se, os pluralistas nunca sentiram-se muito confortáveis com o sufrágio universal e com o
governo da maioria.
Na visão dos pluralistas, o poder está disperso em toda a sociedade, é não-hierárquico
e estruturado de forma competitiva. Havendo pluralidade de pontos de pressão, surgem vá-
rias formulações concorrentes de linhas políticas e vários centros de tomadas de decisão
(Held, 1987).
As idéias da teoria pluralista são compatíveis com a doutrina constitucionalista, tam-
bém conhecida como teoria democrática elitista, institucionalista, procedimental, descriti-
va/normativa ou concorrencial. O pluralismo, na visão norte-americana, é uma doutrina da
competição política.
Para Dahl, a poliarquia é o sistema político das sociedades industriais modernas, ca-
racterizado por uma forte descentralização dos recursos do poder e no seio do qual as deci-
sões essenciais são tomadas a partir de uma livre negociação entre pluralidades de grupos
autônomos e concorrentes, mas ligados mutuamente por um acordo mínimo sobre as regras
do jogo social e político.
5.2.3. A TEORIA NEOMARXISTA
Os princípios teóricos neomarxistas – Nikos Poulantzas, Ralph Miliband e Claus Offe
–rejeitam tanto a tese “elitista” de Michels quanto a tese “pluralista” de Dahl. A primeira
porque não assenta o poder na detenção dos meios de produção. A segunda, sobretudo,
porque seria uma tentativa de “camuflagem”, dando crédito à ilusão liberal da ordem polí-
tica autônoma (Schwartzenberg, 1979).
A Filosofia de Poulantzas com a obra Poder político e classes sociais, publicada
pela primeira vez em 1968, centra-se na reflexão sobre o papel do Estado nas sociedades
modernas.
Para Poulantzas, a tese da pluralidade das elites “é apenas uma reação ideológica
típica à teoria marxista do político: a da corrente funcionalista”. Esta tese visa a esconder a
luta das classes e a verdadeira natureza do poder do Estado. Considerando o poder como
EaD
71
POLÍTICAS PÚBLICAS
que disperso entre diversos grupos, os “elitistas-pluralistas” querem fazer esquecer a reali-
dade do poder da classe dominante, para fazer crer, pelo contrário, na autonomia do políti-
co e na neutralidade do Estado. Segundo este, parece que a tese elitista de Mosca, Pareto e
Michels procura ter sempre por finalidade sustentar o esquema geral do domínio político.
Para um pensador marxista, no entanto, é evidente que a classe politicamente dirigente
identifica-se necessariamente com a classe economicamente dominante (aqueles que pos-
suem os meios de produção) (Schwartzenberg, 1979).
Em síntese, os neomarxistas, especialmente Poulantzas, travaram discussões com os
pluralistas, principalmente no que se refere às relações entre economia, classes sociais e
Estado. Para os neomarxistas, as relações de classe são relações de poder; e as políticas
estatais são reflexos dos interesses do capital.
Os neomarxistas concebem o Estado como configurado pela luta de classes, de forma
direta ou indireta. Poulantzas argumenta que democracia é socialismo e não há socialismo
verdadeiro que não seja democracia. Por outro lado, Poulantzas defende que se deva manter
a democracia representativa, no entanto somente uma transição ao socialismo pode expan-
dir e aprofundar mais a democracia sob essas condições. Para este teórico, o Estado não é
mais simplesmente um aparelho repressivo ou os aparelhos ideológicos e repressivos da bur-
guesia, mas é produto da luta de classes (Schwartzenberg, 1979).
Diferentemente de Poulantzas, que rejeita a noção de elite, Miliband considera possí-
vel admitir o conceito de elite e até reconhecer a sua pluralidade. Não se pode, contudo,
omitir que as elites, ainda que diversificadas, pertencem sempre à classe dominante. Elites
distintas existem na sociedade capitalista (elites econômicas, políticas, etc.), mas todas fa-
zem parte da classe dominante (Schwartzenberg, 1979).
Na visão de Claus Offe, a burocracia de Estado representa os interesses dos capitalis-
tas, pois ele depende da acumulação de capital para continuar existindo como Estado. O
autor vê o Estado como um mediador das crises capitalistas – um administrador de crises.
5.2.4. A TEORIA PARTICIPACIONISTA (MACPHERSON, HELD E PATEMAN)
A origem da referida teoria pode ser encontrada em Rousseau6 na defesa teórica da
democracia direta do contrato social. Contrariando a teoria pluralista, surge a escola da
teoria participativa, que entende que a democracia não se limita à seleção de líderes políti-
cos, mas supõe, igualmente, a participação dos cidadãos. Os autores desta corrente fazem
também uma crítica à abordagem elitista.
6 Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da participação (Pateman, 1992).
EaD Dejalma Cremonese
72
Carole Pateman é uma das principais autoras que defendem a teoria participativa. As
suas idéias centrais estão expostas na sua obra clássica Participation and Democratic Theory,
escrita em 1970. Pateman apresenta, no primeiro capítulo, as Teorias recentes da democracia
e o “mito clássico”. A autora analisa a crítica dos teóricos institucionalistas à teoria clássica
de democracia, dominante até então. Os institucionalistas refutam com veemência a teoria
política clássica de democracia porque a consideram perigosa na medida em que abre espa-
ço para a participação popular na política (a República de Weimar, baseada na participação
das massas com tendências fascistas, é citada como exemplo).7
Os teóricos da teoria clássica da democracia vêm da tradição de Thomas Madison e
encontram em Locke, Rousseau, Tocqueville, Mill e Bentham seus principais representan-
tes. Por outro lado, Mosca, Michels, Schumpeter, Berelson, Dahl e Sartori integram o grupo
dos teóricos que refutam o idealismo dos teóricos clássicos. Para estes teóricos, a participa-
ção não tem um papel especial ou central. Tudo o que se pode dizer é que um número
suficiente de cidadãos participa para manter a máquina eleitoral – os arranjos institucionais
– funcionando de modo satisfatório.8
Como foi mencionado, o pressuposto da teoria institucionalista da democracia (teoria elitista)
resume-se em considerar que o povo deve seguir as diretrizes da elite e não questioná-las.
Oposta à visão dos institucionalistas, a corrente da teoria participacionista vê o maior
grau de participação direta da sociedade civil, na função de governo, como condição funda-
mental para a construção de um Estado democrático, desenvolvido politicamente.
Ao buscar a origem da corrente da democracia participativa, constata-se que remete
para os anos 60 do século passado, quando as idéias que configuram esta proposta vêem-se
envolvidas no clima de transformações vividas nos campi universitários, nas escolas, nas
fábricas, nos lares, nas ruas das grandes urbes. Os participacionistas, segundo Vitullo,
buscavam sustento e consistência teórica às propostas alternativas dos novos atores que apareci-
am em cena, e dar algum grau de sistematicidade a suas demandas e reivindicações. Procuravam
construir um modelo de democracia que, resgatando a participação como um valor fundamen-
tal, pudesse se opor ao modelo centrado da teoria das elites, já então predominante. Em suma,
para os teóricos que defendem esta corrente, sem participação não seria possível pensar em uma
sociedade mais humana e eqüitativa (1999, p. 9).
7 O medo de que a participação ativa da população no processo político levasse direto ao totalitarismo permeia todo o discurso de Sartori.Da mesma forma, para Dahl, um aumento da taxa de participação poderia apresentar um perigo para a estabilidade do sistemademocrático.
8 Na teoria de Schumpeter, os únicos meios de participação abertos ao cidadão são os votos para líder e a discussão. O autor (1984) propõeuma definição de democracia que rompe com o ideal clássico ligado à etimologia da palavra. A democracia deixa de ser entendida comoo “governo do povo” e passa a ser entendida como um método ou procedimento de escolha de lideranças que devem conduzir oscomplexos assuntos públicos das sociedades modernas.
EaD
73
POLÍTICAS PÚBLICAS
Ainda segundo a descrição de Vitullo (1999), a corrente participativista nega-se a
aceitar que a democracia seja apenas um método de seleção de líderes por parte de um
conjunto de cidadãos desinformados, desinteressados, alienados e apáticos. Não con-
corda com o modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a perspectiva
atemorizada do mundo político. Para os teóricos que defendem esta corrente, a democra-
cia deveria ir além do simples voto individual e da escolha não -refletida. Os
participacionistas propõem, ainda, a ampliação do entendimento de política. Os autores
que defendem esta linha entendem que é preciso democratizar todos os espaços em que
interagem os indivíduos. Procuram levar a democracia à vida cotidiana das pessoas nos
mais diferentes âmbitos, tornando estas politicamente mais responsáveis, ativas e com-
prometidas, estimulando-as a construir um maior grau de consciência em relação aos
interesses dos grupos.
Os participacionistas criticam a democracia com seus instrumentos procedimentais,
não se contentam com o simples fato do comparecimento às urnas a cada dois, três ou
quatro anos, como a única e quase exclusiva atividade que cabe ao cidadão comum em
uma democracia. Ambicionam atividades mais comprometidas, aspiram estabelecer a demo-
cracia direta em diversas esferas e atividades. Procuram maximizar as oportunidades de
todos os cidadãos intervirem, eles mesmos, na adoção das decisões que afetam sua vida, em
todas as discussões e deliberações que levem à formulação e instituição de tais decisões
(Vitullo, 1999).
Os participacionistas buscam multiplicar as práticas democráticas, institucionalizando-
as dentro da maior diversidade de relações sociais, dentro de novos âmbitos e contextos:
instituições educativas e culturais, serviços de saúde, agências de bem-estar e serviços sociais,
centros de pesquisa científica, meios de comunicação, entidades desportivas, organizações
religiosas, instituições de caridade, em síntese, na ampla gama de associações voluntárias
existentes nas sociedades atuais (Vitullo, 1999).
No entendimento de Pateman, para que ocorra uma forma de governo democrático é
imprescindível a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade na qual
todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e em que a socialização possa
ocorrer em todas as áreas. Para concluir, segundo Pateman (1992), a área mais importante
de participação é o seu próprio lugar de trabalho, ou seja, a indústria, pois é exatamente
ali que a maioria dos indivíduos despende grande parte de sua vida e pode propiciar uma
educação na administração dos assuntos coletivos, praticamente sem paralelo em outros
lugares.
EaD Dejalma Cremonese
74
Seção 5.3
A Procedência do Estado do Bem-Estar Social:a Teoria Keynesiana e a Social-Democracia
O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Grã-
Bretanha e foi difundido após a 2ª Guerra Mundial, opondo-se
ao modelo liberal de Estado (laissez-faire), que foi dominante
durante todo o século 19 e início do século 20. O modelo liberal
prescindia da existência do Estado. Isto é, o papel do Estado era
apenas de proteger o indivíduo em seus direitos naturais (direito
à vida, à liberdade e à propriedade), deixando que a economia se
regulasse pela “mão invisível” do próprio mercado. Em outras
palavras, o Estado não deveria intervir na economia. Com a crise
do modelo liberal, no entanto, com o crash (quebra) da Bolsa de
Valores de Nova York de 1929 (Grande Depressão), o Estado foi
“convocado” a salvar a falida economia capitalista. Ente 1930 e
1940 o Estado passou a instituir e financiar programas e planos
de ação destinados a promover interesses sociais coletivos de seus
membros, além de subsidiar, estatizar e socorrer empresas falidas.
O Estado de Bem-Estar Social teve a sua fundamentação
teórica em John Maynard Keynes.
Para este autor, o Estado deve assumir um papel de lideran-
ça na promoção do crescimento e do bem-estar material e na
regulação da sociedade civil. Em outras palavras, os mercados
livres não regulados, por si sós, não conseguem gerar crescimen-
to estável, nem eliminar as crises econômicas, o desemprego e a
inflação. Keynes defende a idéia de que o Estado tenha um papel
central no crescimento e no bem-estar material. Em sua teoria, o
pleno emprego ganhava prioridade como um direito do cidadão.
Referindo-se ao Estado Social, pode-se afirmar que foi com
a Constituição mexicana, de 1917, e a Constituição de Weimar,
de 1919, que o modelo constitucional do Welfare State, ou o
Estado de Bem-Estar Social,9 principiou sua construção.
9 Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social, conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 522).
Laissez-faire
É a expressão clássica da livre-concorrência, gerando acompetição entre as pessoas.
Welfare State
Estado de bem-estar social
(em inglês: Welfare State):também conhecido como
Estado-providência, é um tipode organização política eeconômica que coloca o
Estado (nação) como agenteda promoção (protetor e
defensor) social e organizadorda economia.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Estado_de_bem-estar_social>.Acesso em: maio 2009.
EaD
75
POLÍTICAS PÚBLICAS
Como já mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa
muitos anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do proje-
to liberal transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do
século 20, ganhando contornos definitivos após a 2ª Guerra Mundial. Para Morais (2002),
a história dessa passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos operários pela
conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social. Característica
do Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20. Assim, o
Estado, com sua ordem jurídica, implica intervenção.
Cabe lembrar e reconhecer, conforme evidencia Morais (2002, p. 35), “que o processo
de crescimento/aprofundamento/transformação do papel, do conteúdo e das formas de atua-
ção do Estado não beneficiou unicamente as classes trabalhadoras”. O papel do Estado, em
vários setores, possibilitou investimentos em estruturas básicas que alavancaram o processo
produtivo industrial, as quais mostraram-se viáveis para o investimento privado (como a
construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.).
Essa dupla face faz parte da peculiar trajetória do Estado social, em que a intervenção
pública refletia as reivindicações dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, a ação
intervencionista do Estado tornava possível a flexibilização do sistema, o que garantia a
sua própria manutenção e continuidade, bem como dava condições de infra-estrutura para
o seu desenvolvimento.
Constatado o progresso nas atividades econômicas, sociais, previdenciárias, educacio-
nais, entre outras, o Estado visto como liberal vê-se a um passo de um Estado social. Cabe
destacar que a presença do Estado se faz absolutamente necessária para a correção de
desequilíbrios muito grandes a que são submetidas as sociedades ocidentais que, por sua
vez, não têm um comportamento disciplinar com relação a sua economia, ou seja, não pos-
suem um planejamento centralizado.
Nesse ínterim, o Estado passa a assumir um papel de controlador, regulador da econo-
mia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Assim, o Estado torna-se um
gigante, um grande empregador, conferindo complexidade à vida social. Fala-se, nesse mo-
mento, da burocracia estatal (Bastos, 1999).
Segundo diversos estudiosos, até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a
ideologia oficial do que chamavam de compromisso de classe, quando diferentes grupos
podiam entrar em conflito nos limites do sistema capitalista e democrático. Por esse motivo,
a crise do keynesianismo é entendida como uma crise do capitalismo democrático.
O keynesianismo, desde o pós-guerra, defende a tese de que o Estado pode harmoni-
zar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia.
São fornecidas as bases para que ocorra o compromisso de classe, oferecendo aos partidos
EaD Dejalma Cremonese
76
políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para que exerçam o governo em
sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de emprego e na redistribuição de
renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado é visto como provedor de
serviços sociais e também um regulador de mercado, constituindo-se, dessa forma, no media-
dor das relações e dos conflitos sociais.
A crise do keynesianismo, portanto, nada mais é do que o conflito das políticas de
administração de demanda, isto é, quando aparecem sinais de insuficiência de capital, as
políticas que são voltadas à eliminação da junção entre a produção corrente e a produção
potencial não mais apontam soluções.
Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio
do Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria
disfunção ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado
conserva aqueles valores jurídico-políticos clássicos, mas em consonância com o sentido
que vem tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as condições da
sociedade do momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e direitos com
relação às prestações do Estado. Faz-se necessário corrigir o individualismo liberal por meio
de garantias coletivas. Isso se dá pela correção do liberalismo clássico, pela reunião do
capitalismo na busca do bem-estar social, que é a fórmula geradora do Welfare State
neocapitalista no pós-2ª Guerra Mundial.
Na Europa Ocidental esse modelo político-econômico foi chamado de Estado de Bem-
Estar Social (Welfare State); na América Latina ficou conhecido como desenvolvimentismo
e, nos Estados Unidos da América, esse modelo de Estado foi denominado de New Deal e
colocado em prática por Franklin Delano Roosevel entre os anos de 1933 e 1940. Este mode-
lo tinha como finalidade promover a recuperação da Grande Depressão e corrigir os defeitos
no sistema que se acreditava terem sido por ela revelados. Entre as medidas tomadas pelo
New Deal nos EUA estavam: a) substancial libertação da política monetária das restrições
do padrão-ouro e maior aceitação da responsabilidade da política monetária para a estabi-
lização da economia; b) crescente confiança na política orçamentária governamental para
levar a cabo e manter altos níveis de emprego; c) instituição do Estado de Bem-Estar Social
(o fortalecimento do sistema de seguridade social, fornecendo benefícios de aposentadoria
para trabalhadores; sistema de seguro-desemprego; o fornecimento de auxílio financeiro a
famílias pobres com filhos dependentes); d) intervenção do governo para controlar preços e
produção agrícola; e) promoção governamental da organização sindical; f) novo ou amplia-
do controle governamental de preços, tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia,
comunicação e indústria financeira e, g) movimento no sentido de uma política mais liberal
de comércio internacional.
EaD
77
POLÍTICAS PÚBLICAS
O Estado de Bem-Estar Social alcança seu ápice entre os anos 40 e 70 (considerados
os anos de ouro do capitalismo). A partir da década de 70 o Estado de Bem-Estar Social
começa a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas questões sociais (saú-
de, emprego, moradia, previdência e educação). Os gastos sociais aumentam, o que desen-
cadeia uma crise fiscal do Estado, além de estancamento econômico, elevadas taxas de
desemprego e inflação. Ressurge a defesa das idéias liberais do livre mercado, agora sob um
novo rótulo chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal interlocutor.
Para Hayek, a vida social sob a égide do Estado é o caminho indefectível para a servidão. A
crítica dos neoliberais incide sobre o dirigismo e a planificação do Estado sobre a economia,
ou seja, defendem o mercado desregulamentado e menos pressões tributárias.
SÍNTESE DA UNIDADE 5
Procurou-se expor, nesta Unidade, idéias e autores que tratassem
das crises e das transformações do Estado no século 20. Desde as
teorias de Lenin e Rosa Luxemburgo (experiências totalitárias),
passando pelos diferentes entendimentos do Estado na Teoria De-
mocrática, até a experiência do Estado de Bem-Estar Social na
Europa. Em síntese, o Estado de Bem-Estar social foi instituído
basicamente por partidos social-democratas, delimitando uma ter-
ceira via entre o socialismo de esquerda e o liberalismo de direita.
Os social-democratas prevêem uma passagem gradual do capita-
lismo ao socialismo exclusivamente pelas vias eleitorais e parla-
mentares.
EaD Dejalma Cremonese
78
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 6Unidade 6Unidade 6Unidade 6
ESTADO, SOCIEDADE E CIDADANIA NO BRASIL
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Discorrer sobre o Estado, a sociedade e a cidadania no Brasil.
• Analisar a ausência de direitos e de poder público no Brasil colonial. A conquista lusitana,
o latifúndio, a monocultura de exportação, o analfabetismo e a escravidão são “pesos nega-
tivos do passado” que ainda determinam a vida social, econômica e política do Brasil.
• Apresentar dois fatos históricos mais relevantes do Brasil do século 19 – a Independência
e a República –, destacando-se a quase nula participação de grande parte do povo nesses
processos.
• Discutir os vícios institucionais e culturais da política brasileira (patrimonialismo,
coronelismo, populismo), a partir de alguns clássicos das Ciências Sociais do Brasil.
• Referenciar que, diferentemente de outros países, os direitos sociais emergem no Brasil em
regimes políticos ditatoriais, que excluem inexoravelmente os direitos políticos e civis.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 6.1 – Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público
6.1.1 A “conquista” da terra brasilis
6.1.2 A escravidão
6.1.3 O analfabetismo
Seção 6.2 – A Formação do Estado no Brasil: Participação Incipiente
na Independência e na República
6.2.1 Um Estado sem nação
6.2.2 Uma República sem povo
Seção 6.3 – Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira
Seção 6.4 – Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem
Seção 6.5 – Síntese sobre o Estado e a Sociedade no Brasil
EaD Dejalma Cremonese
80
Tratar da construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da História.
Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens, percebe-se que
a consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros. Muito se tem
discutido na academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas instituições
políticas e na opinião pública, mas, concretamente, é um conceito ainda a ser construído.
Após a ditadura militar (1964-1985), pensava-se que, finalmente, os ares da democra-
cia e da cidadania iriam pairar no cenário político-social brasileiro. A democracia poliárquica,
no entanto, descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres, partidos polí-
ticos consolidados, Congresso Nacional autônomo), não garantiu avanços significativos e
a democracia social (igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda é utopia
para milhões de brasileiros. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a democracia
social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas e os políticos têm passado por um
alto grau de descrédito junto a opinião pública do país. Da mesma forma, a cidadania é
incipiente num país em que predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade
social e a violência difusa.
Diante dessa situação, questiona-se: Quais os principais obstáculos para a constru-
ção da cidadania brasileira? A difícil efetivação da cidadania no Brasil está relacionada
exclusivamente ao “peso do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem influenciar
essa realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais, civis e
políticos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil, em comparação com ou-
tros países? Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta Unida-
de. Para tanto, recorremos à fundamentação teórica de autores das Ciências Sociais, reco-
nhecidos estudiosos do tema.
A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém dos
gregos, especificamente por volta do ano 380 a.C. (período do apogeu daquela civilização).
Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se afirmar que
tanto a democracia quanto a cidadania gregas não deixam de ser conquistas inéditas e
avanços significativos para a História ocidental.1 A evolução e a real consolidação da cida-
dania, no entanto, dão-se na Modernidade.2 Junto com a cidadania moderna nascem os
direitos naturais (vida, propriedade, liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas
consecutivas “Declarações de Direitos”, elaboradas a partir das revoluções liberais na In-
glaterra (Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados Unidos (emancipação política, 1776) e Fran-
ça (Revolução Francesa, 1789).3
1 O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente analisado por renomadosteóricos, como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Barker (1978), Kitto (1970), entre outros.
2 Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade, conferir o trabalho de Domingues (2001).
3 Da mesma forma, não convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores: Saes (2000), Moisés(2005) e Marshall (1967).
EaD
81
POLÍTICAS PÚBLICAS
Seção 6.1
Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público
Inicialmente é preciso referir que, no Brasil, a construção da cidadania não seguiu a
lógica da trajetória inglesa. Houve no Brasil, segundo Carvalho (2002), pelo menos duas
diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em
relação aos outros; a segunda diz respeito à alteração na seqüência em que os direitos
foram adquiridos: entre nós os sociais precederam os outros.
Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está liga-
da, como explicita Carvalho (2002, p. 18), ao “peso do passado”, mais especificamente ao
período colonial (1500-1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país
dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma
população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifun-
diária, um Estado Absolutista”. Em suma, foram 322 anos sem poder público, sem Estado,
sem nação e sem cidadania.
6.1.1. A “CONQUISTA” DA TERRA BRASILIS
Já no princípio da História do Brasil as contradições apareceram. Primeiro, pode-se
afirmar que o Brasil não foi “descoberto”, conforme comumente é mencionado, mas sim
“conquistado” pelos europeus (portugueses). O encontro dessas duas culturas (a européia
versus a dos povos nativos das Américas) resultou no confronto trágico de duas forças em
que uma pereceu necessariamente, um encontro pouco amigável entre duas civilizações:
uma considerada “desenvolvida”, por conhecer certas tecnologias (a irrigação, o ferro e a
utilização do cavalo) versus a nativa (“desconhecida” e, por isso mesmo, considerada “bár-
bara”). Os nativos viviam em contato com a natureza, seguiam uma religião diferente do
cristianismo europeu. Suas crenças eram mescladas com os elementos da natureza: a Lua, o
Sol, as estrelas. Até mesmo a palavra “índio” foi o nome dado pelos europeus ao se confron-
tarem com o “outro” a quem deu o nome, no caso, acabou se apossando, ficando dono.4
Antes de o europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos
religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza como
um todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força e
conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do
4 Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).
EaD Dejalma Cremonese
82
Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O
resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de mi-
lhões de índios.5 Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo ho-
mem “civilizado”. Calcula-se que havia no Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4
milhões de índios. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (Carvalho, 2002). A demografia
indígena, porém, depois de ter sido reduzida drasticamente, tem crescido de forma significa-
tiva nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, realizado pelo IBGE, 734 mil pessoas
(0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento absoluto de
440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil pessoas (0,2% dos
brasileiros) se diziam indígenas.6
Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. O Brasil
serviu à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia, forne-
cendo a cana-de-açúcar. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos
negros africanos. Foi assim que no Brasil se configurou o latifúndio monocultor e exporta-
dor de base escravista. Outros ciclos de exploração se sucederam no Brasil, como o da mine-
ração (século 18), do gado, da borracha, do café..., servindo assim, por muito tempo, apenas
como fornecedor de matérias-primas à metrópole (Portugal).7
6.1.2. A ESCRAVIDÃO
No período colonial a cidadania foi negada à quase totalidade da população; os mais
afetados, contudo, foram os escravos negros provenientes do continente africano. Segundo
Carvalho (2002, p. 19), “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão”. Foi por
volta de 1550 que os escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até
1850, 28 anos após a Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na
colônia cerca de 3 milhões de escravos. Na época da Independência, numa população de
cerca de 5 milhões, incluindo 800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos (Carvalho,
2002, p. 19). É importante destacar que em todas as classes sociais desse período haviam
escravos.8
5 Callage Neto (2002, p. 29) argumenta que as sociedades ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo “hibridismo do absolutismoautoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que o precederam na Península Ibérica e umincipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da Revolução Mercantil”.
6 Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do IBGE intitulado: Uma análisedos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este estudo está disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2005.
7 Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Faoro (2001), principalmente o capítulo IV “O Brasil até o governo Geral”.
8 Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).
EaD
83
POLÍTICAS PÚBLICAS
Depois de mais de 300 anos o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa do
que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção
da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O
Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra, essen-
cialmente por interesses comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro, insti-
tuído com a Lei Eusébio de Queiroz, que se constituiu num passo importante para a aboli-
ção que só viria a se dar 38 anos mais tarde.
Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua
cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de
novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do
bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o
principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais impor-
tante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que
ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta
de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas)
era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o nome de
algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro, no no-
roeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a noroes-
te de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na época,
atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.
Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o de-
senvolvimento dos Estados nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso,
realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos,
que eram mestres ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de rique-
za, geradora do capitalismo. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na
conquista, na pirataria, no saque e na exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a
acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro, como se suas mãos
tivessem construído as docas e fabricado as máquinas a vapor”.9
O escravo africano, além de sofrer a dominação econômica e religiosa, foi excluído,
igualmente, do pensamento filosófico europeu. Foi considerado um povo a-histórico, irracio-
nal, bárbaro, fechado em si mesmo, sem condições de ascender ao “espírito universal”. Hegel,
no início do século 19, escreveu a obra Filosofia da história universal, na qual se percebe a
ideologia racista, superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à África. Páginas
preconceituosas, que maculam a história da Filosofia mundial.
9 Segundo Fernandes (1978, p. 9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na transição da ordemescravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e mulatos foram inferiores em relação aosbrancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.
EaD Dejalma Cremonese
84
A situação do negro, hoje, continua sendo de marginalização e de exclusão. Por isso,
faz-se necessário a adoção de medidas não apenas afirmativas, mas também transformativas
para a emancipação da etnia negra no país.10 Há muito a fazer para que a verdadeira abolição
da escravidão aconteça, principalmente na questão da educação, acesso ao trabalho e à ren-
da. Índices comprovam que o analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do
IBGE, em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais era de 8,3% para
brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10 anos de idade
ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os negros.
Em relação ao acesso ao trabalho, as diferenças também são expressivas: 6% de brancos
com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador domésti-
co, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na categoria
empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos pretos.
Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por classes, os
dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimento de até um
salário mínimo contra 28,6% dos chefes das famílias pretas e 27,7% das pardas (IBGE, 2000).
Segundo ainda dados do IBGE, em 1999 a população branca que trabalhava tinha rendimen-
to médio de cinco salários mínimos; pretos e pardos alcançavam menos que a metade disso:
dois salários. Essas informações confirmam a existência e a manutenção de uma significativa
desigualdade de renda entre brancos, pretos e pardos na sociedade brasileira.11
6.1.3. O ANALFABETISMO
Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. A maioria da popula-
ção, segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a Independência,
somente 16% da população era alfabetizada.
Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento, enquanto o analfa-
betismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos superio-
res, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de
analfabetos” (Carvalho, 2000b, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era comum a for-
mação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa. Além disso,
Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território, ao contrário da Espanha,
que permitiu, desde o início, a criação de universidades em suas colônias.
10 Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os dilemas entre redistribuiçãoe reconhecimento, pode-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As medidas afirmativas têm por objetivo a correção deresultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultadosindesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz (Matos, 2004).
11 Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de Indicadores – 2000,editada também pelo IBGE.
EaD
85
POLÍTICAS PÚBLICAS
Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao núme-
ro de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas
tinham-se formado nas universidades da América espanhola. Só a Universidade do México
formou 39.367 estudantes até a Independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudan-
tes brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872” (Carvalho, 2000b, p. 62),
quadro que será revertido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808. No
final do século 18 somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a
escola. É perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início da
História. Somente em 1879 houve uma reforma que dividiu este curso em Ciências Jurídicas
e Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências
Sociais, as primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas, admi-
nistradores e políticos” (p. 76).
É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos recebiam o título
de doutores, “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em Direito” (p. 90). Os
cargos políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite, principalmente aos proprietá-
rios rurais. Essa mesma elite circulava pelo país e por postos no Judiciário, Legislativo e
Executivo, buscando assegurar vantagens pessoais. Como conclui Carvalho (2002), a buro-
cracia foi a vocação da elite imperial brasileira.
Seção 6.2
A Formação do Estado no Brasil:Participação Incipiente na Independência e na República
Inicialmente cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil
no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real parti-
cipação da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional,
tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O
objetivo desta seção é analisar tais acontecimentos.
6.2.1. UM ESTADO SEM NAÇÃO
Acredita-se que a estruturação da cidadania esteja ligada essencialmente à instaura-
ção de uma nação e de um Estado. Isto é, tem a ver com a formação de uma identidade entre
as pessoas (tradição, religião, língua, costumes), com a construção de uma nacionalidade
EaD Dejalma Cremonese
86
ou, sob o aspecto jurídico, com a formação de um Estado. Assim, o sentimento de pertencer
a uma nação é um indicativo importante para tal construção. Sentir-se parte de uma nação
e de um Estado é condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer
que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a
nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma
nação e de um Estado” (Carvalho, 2002, p. 12).
No Brasil, o Estado precedeu a formação da nação. A criação do Estado deu-se exclu-
sivamente pela vontade da elite portuguesa, que aceitou e negociou com a Inglaterra e com
a elite brasileira a “independência” do país. Segundo Carvalho (2002, p. 27), “Graças à
intermediação da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o paga-
mento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas”.
A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma identida-
de própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de nacio-
nalidade ocorreu, na lição de Carvalho (2000b, p. 11), apenas em 1865, na Guerra do
Paraguai. A luta contra o inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe
inspirador), o culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o
Brasil possibilitaram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira
idéia de identidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do
Paraguai”. Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses indivi-
duais, ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi na Independência, como explicita
Costa (1981, p. 65): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e
das vontades individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e
de sonhos de liberdade, faz-se a independência do país”. É importante ressaltar que a notí-
cia da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do
fato ocorrido.
O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real
para o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os
ingleses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a
Independência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do
povo.12
12 Prado Júnior (1993) procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo histórico tendo servidode fundamento teórico para explicar o Brasil. Já Holanda (2000) faz sua análise em Raízes do Brasil, partindo da economia e dasociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. ParaFaoro, a formação do Estado português está na origem do Brasil, que é, essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder daautoridade, pois é dela a distribuição do mesmo.
EaD
87
POLÍTICAS PÚBLICAS
Em sua obra A construção da ordem: a elite política imperial, Carvalho (1996) trata,
entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite política. O
autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias espanhola e
portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis fragmen-
taram-se politicamente, tornando-se Estados independentes, ao passo que os portugueses
concentraram-se. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos (instabilidade
e rebeliões), os portugueses não recorreram a essas formas violentas. O domínio político
português sobre a Colônia foi intenso, com os capitães-gerais sendo nomeados diretamente
pela Coroa e a ela respondiam.
Deste modo o Brasil herdou, na construção de seu Estado, a burocratização do Estado
moderno, conforme fora descrito por Weber (apud Carvalho, 2000b, p. 23): “A ordem legal, a
burocracia, a jurisdição compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo
da força são características essenciais do Estado moderno”. O Estado moderno utilizou
quatro mecanismos: a burocratização, o monopólio da força, a criação de legitimidade e a
homogeneização da população.
No período imperial existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o
Conservador e o Liberal. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária prove-
niente dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário),
enquanto o segundo voltava-se para os interesses da burguesia progressista, representada
pelos comerciantes (domínio urbano) (p. 182). Afirma Carvalho que, até 1837, não se pode
falar em partido político no Brasil, existindo apenas a maçonaria.
No período colonial, assim como na República Velha (1890-1930), a grande maioria
da população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de
nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos
oposicionistas (abolicionistas, separatistas, monarquistas, anti-republicanos, luta pela ter-
ra...). Eram muitas as formas de luta, no entanto todos os movimentos foram duramente
reprimidos e aniquilados pelo poder central: a Balaiada, no Maranhão, a Cabanagem, no
Pará (a mais violenta, que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha, no Rio Grande do Sul,
além de Canudos, na Bahia, o Contestado, em Santa Catarina, e a Revolta da Vacina, no
Rio de Janeiro, são alguns exemplos de revoltas localizadas.
6.2.2. UMA REPÚBLICA SEM POVO
Assim como a emancipação política (Independência), a Proclamação da República
brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter
golpista e elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi pego de surpresa com
EaD Dejalma Cremonese
88
a instituição do novo regime. A frase de Lobo (apud Carone, 1969, p. 289) é bastante
elucidativa: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que
significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada militar”. Sobre o
caráter golpista da Proclamação da República, assim também se expressou Carvalho (2002,
p. 80): “Além disso, o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e comandado pelos
militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias antes da
data marcada para o início do movimento”.
O processo eleitoral (participação política) entre os eleitores durante os períodos im-
perial e republicano foi insignificante. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da população
livre. Em 1881 os analfabetos foram impedidos de votar. De 1881 até 1930 – fim da Primeira
República –, os votantes não passavam de 5,6% da população. Foram 50 anos de governo,
imperial e republicano, sem povo.13
Até o final da República Velha (1930), portanto, a participação política popular foi
restrita. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um senti-
mento nacional consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram
protagonizados pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo
sem entender muito bem o que se passava.14
Seção 6.3
Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira
Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e
republicano, mas, de certa forma, a história política atual, está relacionado aos “males” ou
“vícios”, como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo,15 o populismo e o
personalismo das nossas instituições e lideranças políticas. Por exemplo, segundo DaMatta
(2000), o populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As
lideranças políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento
13 Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%; 1960 – 18%; 1970 –24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (Carvalho, 2000b, p. 17).
14 Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral,defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para Alberto Torres (apud Carvalho, 2002, p. 93), “asociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la efornecer-lhe esse propósito”.
15 O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo DaMatta (2000, p. 94), que escreve: “O Brasil, atéhoje, combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. Investigação de opinião realizada nos últimos20 anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideraçãomuito mais a pessoa do candidato do que o partido ao qual pertence (Baquero, 2004, p. 156).
EaD
89
POLÍTICAS PÚBLICAS
messiânico, que tem suas raízes históricas no sebastianismo por-
tuguês. Vive-se ainda na esperança de que algum “herói sagra-
do”, ou um “salvador da pátria”, desça do Olimpo e resolva os
problemas da população. Como observa Ribeiro (2000, p. 66), as
pessoas carregam a “expectativa messiânica no surgimento de
algum pai da pátria que as livrará do desamparo”. É preciso pa-
rar de esperar por um milagre sobrenatural: “A questão brasileira
é a necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta (2000, p. 104),
igualmente, trata da esperança messiânica da sociedade brasilei-
ra ao declarar que “espera-se um salvador da pátria”.16
Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes
de construir nossa grandeza, quem sabe se um novo Dom Sebas-
tião não o pode fazer por nós” (Carvalho, 2000b, p. 24). O autor
insiste na herança lusitana, que encontrou terreno fértil por es-
tas paragens para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente
foi, e continua sendo, a promiscuidade entre o público e o priva-
do. Assim, corrupção, clientelismo e patrimonialismo parecem se
perpetuar na terra brasilis.17
A análise de Prado Júnior evidencia, da mesma forma, al-
guns vícios da política brasileira, como o clientelismo e a depen-
dência da metrópole.18
No período colonial cerca de 60% da população ainda vivia
no litoral, mas, aos poucos, ocorreu uma migração para o interior
(ciclo da mineração); com a decadência desse modelo econômi-
co, porém, volta-se para o litoral novamente. A economia, no
Messiânico
Entende-se por messianismo aesperança da salvação coletivaposta nas mãos de indivíduosvistos como dotados de donsespeciais.
16 Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política brasileira, vendo nelas acontinuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma cultura personalista (responsabilidadeindividual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano.Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio, e da promiscuidade entreo público e o privado na vida política do país.
17 “O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [...]. O patrimonialismotambém não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do processo de transição” (Carvalho, 2000b, p. 24).Da mesma forma, para Faoro (2001), o patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura política brasileira. Com a instituição docapitalismo, surgiu um Estado de natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronatopolítico brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do poder”. O sistemapatrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casa do soberano. Para Faoro, essaestrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo (in Baquero, 2006).
18 Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do povoamento do Brasil, doTratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu a cultura do cacau e da Companhia de Jesus; emSão Paulo, o bandeirantismo. Escreveu ainda sobre a aliança entre Espanha e Portugal.
EaD Dejalma Cremonese
90
período colonial, era baseada na monocultura com o emprego do trabalho escravo. A Colô-
nia devia fornecer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira
com os parcos excedentes. Quanto à organização social do Brasil, era constituída de escra-
vos (totalmente excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por inter-
médio da Igreja). Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil,
relacionando os pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole,
trabalho braçal/desqualificação e escravidão.
Na Evolução política do Brasil e outros estudos, Prado Júnior (1993) tratou da Colônia
e do processo de ocupação da terra pelas capitanias. Para este autor, “um ensaio de feuda-
lismo que não deu certo”. No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas acabou
prevalecendo o clientelismo político com a doação de sesmarias. O clientelismo não foi uma
prática recorrente apenas no período colonial. Encontra-se tal vício em diferentes momen-
tos do cenário político, evidenciado, inclusive, nas últimas eleições gerais (2006). Esse fenô-
meno é mais amplo e atravessa toda a história política do país. É um tipo de relação que
envolve a concessão de benefícios públicos entre atores políticos. O clientelismo aumentou
com o fim do coronelismo, quando a relação passa a se dar diretamente entre políticos e
setores da população, sem a intermediação do coronel, que perdeu sua capacidade de con-
trolar os votos da população. Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era
visto como importante instrumento de dominação e não como simples empreguismo. O
emprego público irá adquirir importância como fonte de renda nas relações clientelistas
(Carvalho, 1997).
A questão do coronelismo, outra característica da política brasileira, foi tratada por
Victor Nunes Leal, na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada originalmente em 1948.
Na concepção de Leal (apud Carvalho, 1997), o coronelismo é visto como um sistema polí-
tico, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República,
envolvendo compromissos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma:
O que procurei examinar foi, sobretudo, o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema,
mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e as maneiras pelas quais as relações de poder
se desenvolviam na Primeira República, a partir do município (apud Carvalho, 1997).
O autor investigou a relação entre o poder local e o poder nacional, em que o
coronelismo estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico
específico, incrustado na conjuntura política e econômica do Brasil no período da Repúbli-
ca Velha (1889-1930). No âmbito político cria-se o federalismo, em substituição ao centralismo
imperial. A partir do federalismo emergiu um novo ator político com amplos poderes, o pre-
sidente de Estado. No âmbito econômico, segundo Leal, vivia-se a decadência dos fazendei-
ros, que também é comentada por Carvalho (1997):
EaD
91
POLÍTICAS PÚBLICAS
Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus
dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado,
que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo
era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava
o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel.19
Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema
político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do
poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como
um caminho de mão dupla, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:
O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,
sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a profes-
sora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima,
os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu
domínio no Estado. O coronelismo é a fase de processo mais longo de relacionamento entre os
fazendeiros e o governo (Leal, apud Carvalho, 1997).
Leal (1975, p. 20-21) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a ori-
gem do conceito de coronelismo no Brasil:
O tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer
chefe político, a todo e qualquer potentado; até hoje recebem popularmente o tratamento de
“coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos
de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário.
Leal (1975) acredita que o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desor-
ganização dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Ao
coronel estão ligados o voto de cabresto e a capangagem.
Os trabalhadores rurais, desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse
mudança de vida, eram dependentes do coronel:
Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas,
nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o
patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura
existência conhece (p. 25).
A troca de favores era a essência do compromisso coronelista, que consistia em apoiar
os candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais: “enquanto que, da parte da
situação estadual, vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da
facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomea-
ção de funcionários estaduais do lugar” (Leal, 1975, p. 50).
19 O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se no site: <http://www.scielo.br/scielo>.
EaD Dejalma Cremonese
92
Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida po-
lítica brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade
civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização
dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o
conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis, autori-
dades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus
atos” (Marenco dos Santos, 2003). O accountability (controle democrático) pode ser vertical
(relação governantes e governados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o
próprio governo. Por meio da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar
o próprio poder, empreendendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais
ou inclusive impeachment, conforme o caso.20
Seção 6.4
Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem
A partir dos anos 20 inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política na-
cional. Os tempos agora são outros: influências internas, como o processo crescente de
urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e
a Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valo-
res de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim,
na década de 30, o Brasil vê emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta
data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais
rápido” (Carvalho, 2002, p. 87), principalmente com a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas,21 em 1943. Fica evidente que,
no Brasil, os direitos sociais não foram conquistados, mas conseqüência de concessões de
governos centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspira-
ção fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois, em 1937, Vargas instaura uma
ditadura apoiada pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Após
esse período o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo
como principal característica política o populismo e o nacionalismo.
20 Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998).
21 Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa legislação foi,em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro”, adotada pelo regime fascista italiano.
EaD
93
POLÍTICAS PÚBLICAS
Depois da breve experiência democrática o Brasil entrou, do ponto de vista dos direi-
tos civis e políticos, no período mais sombrio da sua História, o da ditadura militar. Houve
perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideran-
ças políticas, sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo.
O AI 1, de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para
a Presidência da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e esta-
beleceu um sistema bipartidário. Já o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de
todos, o que mais fundo atingiu os direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado,
passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o
habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (Carvalho, 2002), houve cassa-
ções de mandatos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da
demissão sumária de funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de
morte por fuzilamento.
No que se refere aos direitos sociais, constata-se que houve uma sensível melhora na
época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fun-
do de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e
Assistência Social.
Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares
de novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão políti-
ca da oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os
militares deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram cri-
ados e a nova Constituição Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da
resistência de alguns setores conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados
que defendiam as grandes propriedades rurais), foi considerada a mais liberal de todas. O
presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, na época a chamou de “Constituição Ci-
dadã”.
Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes
desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas
taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em
1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (Carvalho, 2002, p. 212). O
Judiciário não cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também,
um número reduzido de defensores públicos.
Deu-se, no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os direi-
tos sociais, depois os políticos e civis, como argumenta Carvalho (2002, p. 220):
EaD Dejalma Cremonese
94
Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos
políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os
direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em
outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em
peça decorativa do regime.
Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos
direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da popu-
lação. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).22
Seção 6.5
Síntese Sobre o Estado e a Sociedade no Brasil
– no Brasil o Estado vem antes da nação (o Estado funda a nação);
– nasce o Estado antes da sociedade civil;
– o Estado agiu com força violenta e opressão desde o início (caça aos índios e escravidão);
– o Estado no Brasil surgiu como vontade impositiva da coroa portuguesa em seu processo
de expansão mercantil;
– um Estado moldado pelo “estamento patrimonialista”;
– patrimonialismo (apropriação do público pelo privado);
– um Estado privatizado pelos que detêm o poder;
– cidadania restrita e regulada;
– antes dos anos 30: modo de produção semifeudal – latifúndio;
– Brasil, após os anos 30: ruptura, marco fundador da sociedade burguesa (antilatifúndio e
antiimperialista); imbricação Estado e sociedade;
– o Brasil adotou uma matriz de desenvolvimento dependente do capital multinacional.
22 No entendimento de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em Marshall (civis, políticose sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.
EaD
95
POLÍTICAS PÚBLICAS
PERÍODO COLONIAL
– “descobrimento” e colonização (extração das riquezas naturais foi a tônica da administra-
ção política portuguesa – metrópole);
– na questão social: preponderante a marca da violência e o desrespeito ao homem;
– caráter parasitário – herança da metrópole portuguesa (tradição ibérica) – estamento bu-
rocrático – patrimonial (Faoro, 2001).
REPÚBLICA VELHA (1890-1930)
– hegemonia das oligarquias rurais (discurso liberal com práticas conservadoras);
– política do café-com-leite;
– coronelismo: O coronelismo é uma forma de relação de dominação que atua no reduzido
cenário do governo loca; seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a dizer os
municípios rurais (Victor Nunes Leal, 1975);
– voto a descoberto;
– corrupção eleitoral;
– violência contra a oposição política;
– baixa participação eleitoral (o número de votantes somente atingiu mais de 5% da popula-
ção em 1930, e somente superou a marca de 10% em 1945) definia a política nacional
como uma política baseada nas oligarquias estaduais.
REVOLUÇÃO DE 1930-1945 (A ERA VARGAS) – ANTECEDENTES (DÉCADA DE 20)
– novos movimentos políticos e artísticos;
– fundação do PC, em 1922;
– tenentismo (Coluna Prestes – uma certa elite procurou fazer a revolução);
– Semana de Arte Moderna: “descobrir” o Brasil;
– crescimento do mercado interno; migração européia;
– urbanização;
– aumento da imigração;
EaD Dejalma Cremonese
96
– aumento dos estabelecimentos industriais;
– aumento do número de operários;
– aumento do número de servidores públicos;
– transformações, mudança de perfil na sociedade e na economia.
MOVIMENTOS E ACONTECIMENTOS POLÍTICOS DA ÉPOCA
– Fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932, por Plínio Salgado – conotação
fascista (partido de direita);
– Revolução Constitucionalista de 1932: São Paulo se levanta contra Vargas;
– Fundação da Aliança Nacional Libertadora por L.C. Prestes, em 1934;
– Fundação da USP (Universidade Federal de São Paulo);
– 1935: levante comunista (ANL);
– 1938: levante integralista.
A REVOLUÇÃO (1930)
– “Façamos a revolução antes que o povo a faça”, slogan de Antônio Carlos em 1930;
– as massas populares permanecem o parceiro-fantasma no jogo político;
– Estado varguista (autocrático e desenvolvimentista);
– State Building: centralização política e administrativa;
– não houve modificações fundamentais na infra-estrutura econômica (não foi uma revolu-
ção social);
– governo Vargas marcado pelo populismo: é a exaltação do poder público, é o próprio Estado
colocando-se, mediante seu líder, em contato direto com os indivíduos reunidos na massa;
– Vargas, o “pai dos pobres”, mas “mãe dos ricos”;
– ruptura com o Estado oligárquico: início do Estado burguês;
– reordenamento das elites;
– Estado autoritário (pensamento conservador). Não é possível construir um Estado liberal
se a sociedade não é liberal. Por isso a necessidade do Estado (a sociedade precisa ser
tutelada pela centralização política e administrativa);
EaD
97
POLÍTICAS PÚBLICAS
– sociedade insolidária (Oliveira Vianna);
– país fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico;
– Estado regulador;
– Estado nacional desenvolvimentista (interventor);
– o movimento sindical será atrelado ao Estado;
– conquistas sociais (CLT);
– pouca participação popular;
– a redescoberta do Brasil;
– a construção do Estado e a emergência da sociedade e de suas transformações (desenvol-
vimento e democracia).
ESTADO NOVO (1937)
– Carta Outorgada de Vargas (Estado Novo). Manteve as mesmas diretrizes nacionalistas e
intervencionistas do Estado;
– 1943 (CLT): O Estado “doará” uma legislação trabalhista para os cidadãos
– 1945: Vargas deposto.
1945-1964
– 1946: surgem o PSD – UDN – PTB e PCB;
– 1945-50: política econômica governamental servia aos interesses das empresas privadas
nacionais e estrangeiras;
– 1954: suicídio de Vargas;
– 1955: Juscelino Kubitschek: criação da indústria automobilística, construção de Brasília,
“50 anos em 5”, industrialização via capital estrangeiro;
– 1946-1960: crise política e econômica, inflação, redução de investimentos, diminuição de
capital externo;
– João Goulart: reformas de base;
– 1962-63: greves operárias, invasões de propriedades agrárias, insubordinação nas Forças
Armadas;
– a classe dominante dá a resposta: se a democracia ameaça o poder, elimina-se a democracia.
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98
DITADURA MILITAR (1964-1985)
– organização das elites;
– as intensificações do autoritarismo AI-2 em 1965 (supressão do multipartidarismo e cria-
ção do bipartidarismo: Arena e MDB, eleições indiretas, as perdas dos direitos políticos
dos opositores ao regime, intervencionismo federal e segurança nacional) e o AI-5, em 13
de dezembro de 1968;
– 1964-70: tendência internacionalista na política econômica governamental;
– economia aquecida de 1970-73: média de 12% no período. Sentimento ufanista com a
vitória da seleção brasileira de futebol no México em 1970;
– eleições de 1974: vitória expressiva da oposição (MDB) nas eleições majoritárias, em 16
Estados. A oposição elege 16 dos 22 senadores e 160 dos 364 deputados;
– 1975: torturas, morte do jornalista Vladimir Herzog (DOI-Codi);
– forças políticas do Regime:
a) os sorbonistas (força político-ideológica mais qualificada para dirigir a coalizão golpista
de 1964, integrando maciçamente o governo de Castello Branco). A direção política do
Estado ficou com os sorbonistas. Os sorbonistas remontam à Revolução de 32 (resistên-
cia a Vargas e o Estado Novo, à aliança com os Estados Unidos na frente antifascista
da 2ª Guerra). Oriundos da UDN, porta-vozes do pensamento liberal, opunham-se ao
socialismo em geral e aos movimentos populares;
b) os nacionalistas de direita davam apoio aos oficiais de linha dura;
c) a linha dura;
d) a linha burocrática.
Presidentes militares: Castello Branco; Costa e Silva; Garrastazu Médici.
ERNESTO GEISEL (1974-79)
– liberalização (abertura), democratização;
– eleições de 1974: a oposição se fortalece no Congresso;
– 1975-77: o governo dá uma guinada à direita;
– 1978: o tema da liberalização ganha força.
EaD
99
POLÍTICAS PÚBLICAS
JOÃO BATISTA FIGUEIREDO
– início da transição propriamente dita;
– bomba Rio-Centro;
– eleições de 1982;
– Diretas Já.
1985-1990
– processo de democratização;
– estreito relacionamento entre sociedade política e sociedade civil;
– uma passagem sem rupturas;
– 1985: morte de Tancredo Neves;
– José Sarney: antigo presidente da Arena;
– 1986: vitória esmagadora do PMDB (Constituinte e nos governos estaduais).
1990-2000 (ERA FHC)
– ajuste estrutural do Estado;
– neoliberalismo;
– privatizações.
2002– 2010 (ERA LULA)
– reaparelhamento do Estado;
– políticas sociais.
O SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO
– sistema político brasileiro: federativo na forma e no conteúdo;
– a República (Constituição de 1891) consagrou o princípio do Federalismo.
EaD Dejalma Cremonese
100
PARTICIPAÇÃO ELEITORAL
– nas eleições de 1933 e 1934 os eleitores inscritos representavam apenas 5% da população.
Em 1950, 22% da população.
PRINCIPAIS PARTIDOS POLÍTICOS DO BRASIL
1945-64: apenas 6 partidos nacionais (PCB, PSD, PTB, UDN, PSP, PR);
PCB: Partido Comunista Brasileiro (1922) (mais alinhado à esquerda e vinculado ao prole-
tariado urbano. Em 1947, cai na ilegalidade;
PSD: representava o situacionismo da época da ditadura (partido de elite – forte nas zonas
rurais – pró-Vargas);
PTB: fundado sobre um esquema sindical montado por Vargas (áreas urbanas – industriais),
partido populista;
UDN: proprietários/aproveitando-se do latifúndio, oposição a Vargas (partido conservador
de elite), líder: Carlos Lacerda, depois Jânio Quadros;
PSP: Ademar de Barros (partido populista);
PR: (partido conservador).
OS INTÉRPRETES DO BRASIL
– Visconde do Uruguay, Silvio Romero, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Euclides da Cunha;
– Alberto Torres, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Oliveira Vianna: pensamento au-
toritário nacionalista, pró-Vargas, argumentavam que o Estado seria responsável pela
emancipação da sociedade brasileira.
– Gilberto Freyre: escreveu Casa Grande e Senzala em 1933, no qual diz que o negro está
em todos nós. Sem o negro não teria havido nem havia Brasil (p. 26).
– Sérgio Buarque de Holanda: Raízes do Brasil (1936): origem ibérica (Portugal) do Brasil.
Os portugueses não haviam se organizado de forma coesa e solidária. A aspiração de cada
pessoa era de bastar-se a si própria (individualismo exacerbado...). Todos queriam ser ba-
rões; desprezo pelo esforço manual, pelo trabalho. Para Holanda (2000), o português era
aventureiro e criativo. Aceitava riscos e ignorava obstáculos... Incapaz do trabalho siste-
mático, lento e seguro. Queria enriquecer depressa e voltar o mais rápido possível para
EaD
101
POLÍTICAS PÚBLICAS
sua terra. A sua moral era a aventura e não trabalho. Confusão entre o público e o priva-
do. O compadrio tornou-se norma, bem como a total ausência de solidariedade e respon-
sabilidade fora dos laços de família.
– Caio Prado Júnior: Evolução política do Brasil e outros estudos (1933); Formação do Brasil
contemporâneo (1942). O Brasil surgirá como parte da expansão mercantil do nascente capita-
lismo europeu. O país fundar-se-á de fora para dentro, para fornecer açúcar e bens tropicais.
– Raymundo Faoro: escreveu Os donos do poder (1985): Patrimonialismo; estudou as técni-
cas de mandonismo e as astúcias de perpetuação hegemônica.
– Florestan Fernandes: O negro no mundo dos brancos. O passado escravista com toda a
sua violência não nos dissera adeus. O negro está à margem do corpo social e foi obrigado
a render-se aos valores do branco para em seu universo, a duras penas, ingressa o negro
no mundo dos brancos... Eram também cidadãos de segunda o índio, os mestiços e o
branco encardido, porque pobre.
– Celso Furtado: escreveu Formação econômica Brasil em 1959. O que se produzia era fruto de
decisões externas. Não se criava mercados para os produtos do país. Tudo era regido de fora...
– Darcy Ribeiro: O povo brasileiro (1955). O brasileiro é, antes de mais nada um mestiço.
– Roberto Damatta. Carnavais, malandros e heróis (1979). Chama a atenção para o gosto
dos brasileiros por paradas militares, desfiles de escola de samba e procissões.
SÍNTESE DA UNIDADE 6
Esta Unidade procurou apresentar argumentos que comprovam a
difícil construção da cidadania no país. Como se sabe, o conceito de
cidadania sempre esteve e ainda está ligado à conquista de direitos,
tanto civis (individuais), quanto políticos e sociais. Percebe-se isso
na história das civilizações clássicas (greco-romanas); durante a
Modernidade (conquistas da sociedade liberal burguesa), e, especi-
ficamente, o caso aqui exposto (experiência do Brasil).
Tem-se consciência de que este estudo poderia ter avançado, prin-
cipalmente no debate teórico atual da questão da cidadania glo-
bal e da cidadania cosmopolita. Optou-se, porém, por investigar e
responder quais os principais obstáculos para a construção da ci-
dadania brasileira. Pensa-se, em outra oportunidade, contemplar
tais questões.
EaD Dejalma Cremonese
102
Constatou-se que o latifúndio agroexportador do período colonial,
bem como o escravismo e o analfabetismo, marcaram negativa-
mente as origens e, até hoje, dificultam avanços no âmbito políti-
co-social e econômico. Além dessas, outras razões foram e conti-
nuam sendo entraves para a consolidação das instituições políti-
cas, impedindo os avanços necessários para uma cidadania plena.
Na ordem política, permanecem ainda algumas mazelas históri-
cas, como o patrimonialismo (promiscuidade entre o público e o
privado), o personalismo (messianismo), o coronelismo com sua
nova roupagem, o clientelismo, além da corrupção, entre outras...
Percebe-se também que as conquistas dos direitos no Brasil, com-
paradas com as de outros países, se deram de maneira tardia e
inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos após a chegada dos
portugueses, aparecem os primeiros direitos civis e políticos (antes
disso estávamos submetidos à lei da Coroa portuguesa). Aos pou-
cos surgiram os direitos sociais, mas exatamente no momento em
que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no período
da ditadura de Vargas (1937-1945) e na ditadura militar (1964-
1985).
Por fim, há de se concordar com Benevides (1994) quando afirma
que, no intuito de reverter a realidade político-social excludente,
ou de uma cidadania passiva ou sem “povo”, é necessário recorrer
a mecanismos institucionais, como o referendo, o plebiscito e a
iniciativa popular para a construção do que a autora chama de
uma cidadania ativa ou democracia semidireta: “Assim, discuto a
participação política, através de canais institucionais, no sentido
mais abrangente: a eleição, a votação (o referendo e plebiscito) e a
apresentação de projetos de lei ou de políticas públicas (iniciativa
popular), como defendo a complementaridade entre representação
e participação direta, adoto, em decorrência, a expressão ‘demo-
cracia semidireta’” (1994, p. 10). Embora com grandes dificulda-
des, é possível reverter o processo por meio da educação política,
entendida como educação para a cidadania ativa e plena.
EaD
103
POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 7Unidade 7Unidade 7Unidade 7
O ESTADO, AS CONSTITUIÇÕES E OS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL:do Desenvolvimentismo aos Nossos Dias
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Esta Unidade pretende analisar aspectos teóricos ligados ao Estado, às Constituições
e aos Direitos Sociais no Brasil. O debate inicia-se no período denominado de
“desenvolvimentista” e prossegue até os nossos dias.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 7.1 – A Constituição de 1946
Seção 7.2 – Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar
Seção 7.3 – A Constituição Cidadã de 1988
Seção 7.4 – A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais
Em 1945 Getúlio Vargas volta ao governo eleito plenamente pelo povo, mas ainda
persistem ressentimentos da ditadura. Em 1954 Vargas se suicida e o populismo ganha for-
ça. Entre 1945-1964, o país passou por várias mudanças. Foram extintos os antigos e cria-
dos os novos partidos políticos, com pouca participação popular. Em 1946 foi reconstituída
a Constituição Federal da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual legislava acerca
das eleições dos Estados-membros, para prefeitos e vereadores (Brum, 1988).
Seção 7.1
A Constituição de 1946
A Constituição de 1946 teve como principal característica o constitucionalismo, pois,
com o fim da 2ª Guerra Mundial, muitos Estados tornaram-se independentes e passaram a
criar suas Constituições com base em um assistencialismo social. Assim, é mister salientar
que
EaD Dejalma Cremonese
104
na estrutura típica do constitucionalismo burguês, buscava-se um pacto social apto a conciliar,
numa fórmula de compromisso, os interesses dominantes do capital e da propriedade com as
aspirações emergentes de um proletariado que se organizava (Barroso, 1996, p. 24).
A Carta de 1946 continha um avanço significativo, pois enunciava direitos e garantias
individuais, como cultura e educação, bem como princípios que deveriam nortear a área
econômica e social. O Judiciário deveria apreciar qualquer lesão de direito individual. O
ensino primário tornou-se obrigatório, bem como a repressão do poder econômico, que
condicionou a posse da propriedade ao bem-estar social e, também, o direito dos emprega-
dos de participar do lucro das empresas, entre outros aspectos sociais (Barroso, 1996).
Com a deposição e o suicídio de Vargas até a posse de Juscelino Kubitschek de Olivei-
ra, a política brasileira esteve em crise. De 1956 a 1960 Juscelino transformou a economia
brasileira com um programa de metas, considerado moderno para a época, na qual a famosa
frase marcou época: “Cinqüenta anos em cinco” (Ianni, 1986, p. 151).
Também nesse período o Brasil foi marcado pelo desenvolvimento, e após Juscelino
Kubitschek, outros presidentes continuaram a buscar o desenvolvimento econômico e social,
como João Goulart e Jânio Quadros, tendo optado por programas de metas, criando estatu-
tos e direitos. Pode-se afirmar que foi uma fase desenvolvimentista do Brasil. Convém ressal-
tar, no entanto, que, de 1964 a 1985, os governos de Castello Branco, Costa e Silva,
Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo adotaram políticas semelhantes, vol-
tadas ao desenvolvimento econômico, de mercado e social (Ianni, 1986,).
Seção 7.2
Os Direitos Sociais no Período da Ditadura Militar
Em 1964 ocorreu um golpe militar que se iniciou com o governo de Castello Branco e
prosseguiu com os demais, com o objetivo de revolucionar por meio de Atos Inconstitucionais
que se iniciaram com o número 1 e foram até o número 16. Os mais terríveis foram os de
número 1 ao 5, que suprimiram alguns dos principais direitos da população (Brum, 1988).
A Constituição de 1964 teve anexado em seu texto cerca de 20 Emendas Constitucio-
nais, sem mencionar os Atos Institucionais baixados pelo presidente, com os quais modifi-
cou-se a forma das eleições, que passaram a ser indiretas, tanto para presidente quanto
para governadores, poder permanente ao presidente da República e restrição aos direitos
políticos. Com o fim do mandato de Castello Branco, os Atos Institucionais aumentaram,
pois continuaram com o presidente eleito indiretamente, Costa e Silva, em 1967. Além das
EaD
105
POLÍTICAS PÚBLICAS
restrições já declaradas, foi imposta a censura à imprensa, possibilidade de confisco de bens,
tortura aos adversários políticos, perseguição aos estudantes, que foram duramente reprimi-
dos, guerrilhas urbanas, enfim, uma desordem total (Barroso, 1996).
Depois, com a ascensão do general Emílio Garrastazu Médici, em 1969, pelo voto
indireto, ocorre a promulgação da Carta de 1969. Este governo, milagrosamente, consegue
fazer com que cresça a economia, adotando uma política calcada na concentração de ren-
da. A Constituição de 1969 é, basicamente, “nominal”, pois sua efetivação nunca passou
do papel, haja vista que os direitos sociais também não passavam de meras formalidades.
Esse Texto Constitucional passou por duas Emendas, uma que permitia eleições indiretas e
outra que instituía a ocupação de cargos no governo sem perda dos mandatos. Desta forma,
em 1974 o general Ernesto Geisel assume a Presidência e cassa os mandatos dos parlamen-
tares, pois foi no seu governo que teve início o processo gradativo de refluxo do poder. De-
pois, Geisel coibiu a tortura e “revogou os Atos Institucionais e os Atos Complementares,
no que contrariava a Constituição”. Em 1979 assume João Batista de Oliveira Figueiredo,
que tinha como objetivo restabelecer a legalidade democrática. E, por fim, é eleita a chapa
de Tancredo Neves, que não chega a assumir a Presidência devido a sua enfermidade, assu-
mindo o vice-presidente José Sarney (Barroso, 1996, p. 37-39).
Seção 7.3
A Constituição Cidadã de 1988
Em 1985 se define, por meio da Nova República, a adoção de um novo perfil para o
país, visando à transição para a democracia. Nessa época ocorreu o movimento das “Dire-
tas já!”, um marco histórico brasileiro na luta pela eleição direta para presidente da Repú-
blica, e assim, com o advento da Constituição Federal de 1988, a “Constituição cidadã”, o
Brasil entra em uma nova fase em relação à importância de se garantir direitos sociais.
Hoje, entende-se que a efetividade da Constituição Federal depende da sua eficácia,
da aplicação e realização de suas normas, fazendo prevalecer o sentido e valor do que é
tutelado. “É a ligação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”, e assim, “ao
instituir o Estado, a Constituição organiza o poder político, define os direitos fundamentais
do povo e estabelece princípios e traça fins públicos”, de modo que possam ser alcançados
(Barroso, 1996, p. 283).
Complementando, Moraes (2001, p. 34) esclarece que:
EaD Dejalma Cremonese
106
A Constituição deve ser entendida como lei fundamental e suprema do Estado, que contém nor-
mas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e
aquisição do poder de governar, distribuindo competências, direitos, garantias e deveres dos
cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de
normas jurídicas, legislativas e administrativas.
Nestes termos, não se pode falar em desenvolvimento econômico e social, ou
estruturação do Estado, sem que a Constituição esteja presente, pois o que faz a cidadania,
a democracia e também a soberania de uma população, sem dúvida, é a lei mais importante
do país. Sem ela não se pode pensar em liberdade, igualdade, direitos, garantias e deveres, e
muito menos em justiça e política, posto que a Carta Magna consagra a todos, justamente
por ser uma lei fundamental.
Pode-se adiantar que no conjunto de valores mais importantes da Constituição Fede-
ral, promulgada em 5 de outubro de 1988, encontra-se em seu preâmbulo:
[...] instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias.
Nesse sentido, é necessário alertar que a obtenção dos pressupostos anteriormente
descritos somente é possível com a aplicação de políticas públicas eficazes voltadas ao de-
ver-ser que o Estado deve proporcionar aos seus cidadãos. Desta forma, Faoro (1985, p. 16)
assim se posiciona:
Com a Constituição, o poder não apenas se organiza, senão que, submetido ao controle de baixo,
se legitima, estabelecendo as regras fundamentais que permitem a emergência de novas forças
sociais, sem privilegiá-las e sem oprimir as minorias que outrora foram maiorias, assegurando-
lhes os meios de entrar e sair do poder sem abalos sociais e sem convulsões políticas. A Constitui-
ção, finalmente, é a suprema força política do país, nas suas normas e valores, coordenadora e
árbitro de todos os conflitos, sempre que fiel ao poder constituinte legitimamente expresso.
Nesse contexto, depreende-se que o Estado não possui poder próprio, mas passa a ter
quando emerge das classes, do povo, ou seja, dos cidadãos para o Estado, e essa ação de-
pende das práticas de políticas públicas, pois a “construção da esfera pública estende a
todos os cidadãos a condição de igualdade básica, é a função precípua da cidadania”, o que
nos torna parte do Estado (Corrêa, 2002, p. 224-225).
EaD
107
POLÍTICAS PÚBLICAS
Seção 7.4
A Necessidade de Consolidar os Direitos Sociais
A reforma do Estado,1 nos anos 90, surgiu “como um enorme fardo nas costas, o que
desafiou e sufocou todos os governos” dessa época. O neoliberalismo presente e a globalização
transferiram “doses adicionais de individualismo, diferenciação e fragmentação”, ou seja, o
país passou a ser “‘pós-moderno’ sem ter conseguido ser plenamente ‘moderno’”, o que é
um desafio a cada dia (Nogueira, 2005, p. 25).
Observa-se que tal passagem não se concretizou devido ao longo período vivenciado
pelos moldes ditatoriais, constatando-se que, mesmo após consolidada a democracia no
país, ainda há uma certa necessidade de efetivação dos direitos, principalmente os sociais,
tão fragmentados e diminuídos na atualidade.
Pode-se afirmar, no entanto, que a globalização2 tem uma influência notável no que
diz respeito às políticas estatais, bem como na vida dos cidadãos. Assim, Bauman (1999)
destaca que os espaços públicos passaram a ser privados, e o território urbano passou a ser
um campo de batalha, no qual as questões sociais são resolvidas pelas próprias mãos e
pagas com o sofrimento humano por aqueles desprezados e despojados, avisando aos de-
mais para não ultrapassarem seus territórios.
Cada vez mais se questiona a respeito do fenômeno da globalização e do enfraqueci-
mento do Estado como nação. Hoje, as idéias de Estado e de “soberania territorial” torna-
ram-se sinônimas dentro das práticas modernas, ou seja, o Estado reivindica o seu direito
legítimo para impor suas regras, mas as transforma em ambivalência (Bauman, 1999).
Nesse sentido, também se afirma que a única tarefa econômica permitida ao Estado e
que se espera que ele assuma é a de garantir um “orçamento equilibrado”, policiando e
controlando as pressões locais por intervenções estatais mais vigorosas na direção dos ne-
gócios e em defesa da população diante das conseqüências mais sinistras da anarquia de
mercado. Assim, a globalização, por sua independência de movimento e irrestrita liberdade
para perseguir seus objetivos, das finanças, comércio e indústria de informações globais,
depende da fragmentação política e do cenário mundial, o que representa a separação polí-
tica da economia.
1 Autores consultados a respeito da reforma do Estado: Corrêa (2002), Nogueira (2005), Giddens (1996), Bobbio (1986), entre outros.
2 Autores citados a respeito da globalização e neoliberalismo: Bauman (1999), Santos (2003), Falk (1999), Touraine (2007), entreoutros.
EaD Dejalma Cremonese
108
A era do capitalismo, entretanto, é ao mesmo tempo um período e uma crise, ao con-
trário dos tempos mais antigos, em que a crise vinha após o período vivenciado, pois dia
após dia vive-se em crise. A globalização, fenômeno inafastável do capitalismo, impõe que,
devido ao choque de influências, todos devam se adaptar às novas regras na busca do bem-
estar.
Diante disso, conforme Santos (2003, p. 55):
[...] cabe-nos, mesmo, indagar diante dessas novas realidades sobre a pertinência da presente
utilização de concepções já ultrapassadas como democracia, cidadania, opinião pública, con-
ceitos que necessitam urgente revisão, sobretudo nos lugares onde essas categorias nunca foram
claramente definidas nem totalmente exercitadas.
Nesse viés, este autor revela preocupação por um novo discurso, e afirma que “o Esta-
do continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições
supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território,
sua vontade política ou econômica” (Santos, 2003, p. 77).
Ao contrário do que se vê, contudo, o discurso neoliberal ganha força “à medida que
prossegue a desregulamentação, enfraquecendo as instituições políticas que poderiam, em
princípio, tomar posição contra a liberdade do capital e da movimentação financeira”
(Bauman, 2000, p. 36). Ou seja, com as novas instituições, os governos ficam amarrados e
as multinacionais livres para tornar ainda mais grave o nível de precariedade da sociedade,
marginalizando os países mais pobres e libertando os operadores de mercado.
A globalização, portanto, fez com que ocorresse um “declínio da cidadania como fun-
damento significativo e relevante para asserção de reivindicações relativas a recursos, sofre
de uma falta de legitimidade ideológica, de influência política e de reforço cultural no Oci-
dente” (Falk, 1999, p. 262). Esse declínio de cidadania implica também a efetivação dos
direitos, pois no momento em que a sociedade participa, conhece e reivindica seus direitos,
há um fortalecimento da cidadania e, na medida em que as políticas públicas oferecem ao
cidadão a garantia de direitos, há uma política forte.
Muitas promessas políticas não são efetivadas. A esse respeito, Bobbio (1986, p. 33-
34) argumenta:
[...] As promessas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos ou
que surgiram em decorrência das “transformações” da sociedade civil. [...] Na medida em que as
sociedades passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma econo-
mia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada, aumentaram os proble-
mas políticos que requerem competências técnicas [...].
EaD
109
POLÍTICAS PÚBLICAS
As transformações da sociedade requerem adaptações do Estado às suas políticas in-
ternas e externas, para que seja alcançado o bem-estar social. Diante disso, “[...] um Estado
mínimo tem de ser um Estado forte, a fim de fazer cumprir as leis das quais depende a
competição, proteger contra os inimigos externos, e fomentar os sentimentos de nacionalis-
mo que sejam integradores” (Giddens, 1996, p. 47).
O que se pretende, todavia, é que o Estado cumpra seu “dever-ser” e garanta aos
cidadãos o que está disposto na norma fundamental e suprema deste país. Os direitos de
cidadania alcançados ao longo da história brasileira são direitos mínimos relevantes e ine-
rentes ao desenvolvimento da sociedade.
Segundo Callage Neto (2002, p. 290), a “função agenciadora como modelo de Estado
e apoio à cidadania para a formação de competências sociais foi o que faltou no processo de
reformas das sociedades emergentes ao longo desses últimos 20 anos”, pois houve certa
precarização dos direitos em relação às mudanças do Estado.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao elencar em seu texto direitos de cidadania,
além dos individuais, pois os direitos sociais passaram a ser coletivos, difusos e
transindividuais, bem como inalienáveis e indisponíveis, mas mesmo assim a cidadania con-
tinua sendo adiada (Callage Neto, 2002).
Assim, o que se tem hoje não é novidade, mas uma praxe de uma política voltada ao
patrimonialismo, seguida das práticas de clientelismo, lobysmo e insolidarismo, ou seja,
formas de políticas que distorcem o verdadeiro sentido do Estado Democrático de Direito e
tornam a política interna frágil e ineficaz, voltada às intervenções de mercado, impossibili-
tando, desta forma, um melhor acesso aos direitos sociais e conturbando a sociedade e a
qualidade de vida dos cidadãos. Nas palavras de Vieira (2000, p. 108), entretanto, é impor-
tante salientar que:
Na perspectiva da globalização, o Estado liberal democrático é freqüentemente caracterizado
como um Estado capturado na teia da interconexão global, permeado por forças supranacionais,
intergovernamentais e transnacionais, e incapaz de determinar seu próprio destino. Contudo, é
importante frisar que a era do Estado-Nação de modo algum terminou, ainda que apresente
sinais de declínio.
Hoje, a situação real é um vasto endividamento dos países subdesenvolvidos ou emer-
gentes que tentaram amenizar suas crises com a ajuda do Banco Mundial e do Fundo Mo-
netário Internacional (FMI), pois ocorre que uma boa parte da população mundial vive com
salários insignificantes, enquanto a concentração de riqueza fica apenas nas mãos de uma
minoria. Dessa forma, cresce o trabalho informal, a exploração financeira, o desemprego, a
destruição ambiental, bem como as crises econômicas, culturais, sociais, a miséria e a po-
breza que assolam o mundo todo.
EaD Dejalma Cremonese
110
O Brasil, desde a Era de Vargas e após a ditadura militar, possui semelhanças com o
modelo europeu em relação à formalidade, bem como às práticas democráticas, pelo que se
declara conscientemente que o futuro do país depende do próprio Brasil (Touraine, 2007).
Desta forma, novos paradigmas devem ser buscados, ou até mesmo renovados,
reestruturados, como a democracia e os direitos de cidadania. Também devem ser aplicados,
com ênfase na população, e na inclusão social, de modo que a cooperação e integração
sejam voltadas ao desenvolvimento estatal de forma harmônica, sem exploração, com políti-
cas abrangentes de interesse público e não privativas apenas de agentes econômicos e/ou
políticos.
O Brasil carece de uma reforma organizacional, que deverá partir da sociedade, haja
vista que, para tal atitude, a própria civilização deverá saber e reconhecer seus direitos.
Partindo do social, terá um embasamento forte aos direitos políticos, ou seja, àqueles de
participação imediata ao povo, não se restringindo apenas ao voto, ao plebiscito, ao referen-
dum, mas ao engajamento na democratização do poder, pois a “organização em sociedade
não precisa e nem deve ser feita contra o Estado em si. Ela deve ser feita contra o Estado
clientelista, corporativo, colonizado” (Carvalho, 2002, p. 227).
Pode-se afirmar, contudo, que o fortalecimento de políticas referentes ao desenvolvi-
mento social básico poderá trazer ao Estado maior democratização, bem como um alcan-
ce maior de cidadania, se a sociedade mudar alguns vícios negativos, como adiar, deixar
para depois a resolução das causas conflitantes dos problemas sociais, como a desigual-
dade, que, segundo Carvalho (2002, p. 229), é o “câncer” que impede a sociedade de se
democratizar, e suas raízes sabe-se bem de onde partem, sendo necessária uma
reestruturação estatal, voltada a práticas democráticas e cidadãs. Para isso, no entanto, a
cidadania e os direitos de cidadania devem ser praticados, defendidos e reconhecidos, e
embora se tenha uma Constituição em vigor há 20 anos, há muitos direitos que precisam
ser concretizados, para que se possa alcançar um Estado de Bem-Estar Social desenvolvi-
do e uma sociedade cidadã.3
3 Para aprofundar esta temática, ler as seguintes obras:
a) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Importante o acadêmicoprocurar sempre as informações necessárias diretamente na Constituição Federal sobre o tema dos direitos sociais.
b) Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Todas as obrasde José Murilo de Carvalho são referências importantes, em especial a citada.
c) Fico, Carlos. Como eles agiam nos subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Record, 2001. Importantepesquisador do período da ditadura, especialmente a obra citada.
EaD
111
POLÍTICAS PÚBLICAS
SÍNTESE DA UNIDADE 7
A Unidade analisou as Constituições brasileiras e o papel do Esta-
do no tocante aos direitos sociais, bem como a realidade brasileira
em relação aos direitos do cidadão e a necessidade de efetivar es-
ses direitos, que ainda são uma utopia.
EaD
113
POLÍTICAS PÚBLICAS
Unidade 8Unidade 8Unidade 8Unidade 8
A REFORMA DO ESTADO NOS ANOS 90:O Neoliberalismo
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Debater questões teóricas ligadas à reforma do Estado nas últimas décadas em âmbito
mundial e no Brasil.
• Discutir as origens teóricas do neoliberalismo, a partir da análise da obra O caminho da
servidão, de Friedrich August von Hayek, e a sua discordância com as teorias keynesianas.
• Descrever as conseqüências das políticas neoliberais praticadas no mundo e nos países de
economia emergente, como o Brasil, especialmente a partir da revisão do neoliberalismo,
denominado de Consenso de Washington (seção 8.3), no que se refere às conseqüências
desastrosas nas questões sociais e econômicas.
• Tecer algumas considerações sobre a crise atual do modelo capitalista de inspiração
neoliberal.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 8.1 – Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo: Friedrich A. Hayek
8.1.1 Hayek diverge de Keynes
8.1.2 A planificação estatal leva ao “caminho da servidão”
Seção 8.2 – As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo
Seção 8.3 – Consenso de Washington: revisão do Neoliberalismo
Seção 8.4 – A Experiência Neoliberal do Brasil
8.4.1 Conseqüências das políticas neoliberais no Brasil
Seção 8.5 – A Continuidade do Colonialismo
Seção 8.6 – A Crise Atual do Neoliberalismo
EaD Dejalma Cremonese
114
Seção 8.1
Os Fundamentos Teóricos do Neoliberalismo:Friedrich A. Von Hayek
Tem-se na pessoa de Friedrich von Hayek1 um dos princi-
pais teóricos das idéias liberais do século 20. A contribuição do
pensamento de Hayek é fundamentada em três campos diferen-
tes: a) a intervenção governamental (Estado); b) o cálculo eco-
nômico sob o socialismo e c) o desenvolvimento da estrutura
social.
Sofreu influência do pensamento da Escola Austríaca de
Economia, na qual os princípios de economia de Menges (1871)
eram aplicados. Tais teorias foram refinadas e redefinidas por
Eugênio Boehm Bawerk, por seu cunhado Friedrich Wieser e por
Ludwig von Mises. Hayek assistiu a algumas aulas de Mises na
Universidade de Viena, porém considerou que sua posição anti-
socialista era equivocada. Hayek via com maior simpatia as idéi-
as de Wieser, que era socialista fabiano, e em 1922 tornou-se seu
discípulo.
Ironicamente, porém, foi Mises, por meio de sua devasta-
dora crítica ao socialismo, quem afastou definitivamente Hayek
das teorias do socialismo fabiano.
A partir dessa drástica mudança, Hayek se transformou em
um profundo analista do sistema elaborado por Mises, o qual
defendia a cooperação social. Hayek soube responder a todas as
interrogações de Mises, explicitou o que estava obscuro, reafir-
mou o que havia sido esboçado. Sua originalidade derivou da
análise do socialismo que permeou toda a sua obra, desde os ci-
clos dos negócios até a origem da cooperação social.
Durante cinco anos Hayek trabalhou com Mises em uma
instituição do governo. Em 1927, tornou-se diretor do Instituto
para investigação dos ciclos econômicos, que ele e Mises haviam
Socialismo Fabiano
É o nome atribuído aomovimento intelectual criado
pela organização britânica“Sociedade Fabiana” no fim doséculo 19, cujo objetivo era abusca dos ideais socialistas
por meios graduais e reformis-tas, em contraste com os
meios revolucionários propos-tos pelo marxismo.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Socialismo_fabiano>.Acesso em: 22 out. 2008.
1 Os argumentos expostos aqui sobre a biografia de Hayek, sua produção intelectual e o debate com outros teóricos seguem os estudos dePeter J. Boettke, professor de Economia de Nova York. Disponível em: <http://www.hayek.cat/hayek.html>.
EaD
115
POLÍTICAS PÚBLICAS
organizado no intuito de analisar o assunto na teoria e também na prática. O primeiro livro
de Hayek, Teoria monetária e o ciclo comercial (1929), abordou os efeitos da expansão do
crédito na estrutura do capital de uma economia. Com esta obra Hayek passou a fazer
conferências na Escola de Economia de Londres. Após, foi editado o segundo livro, intitulado
A teoria austríaca do ciclo comercial, preços e produção (1931), que foi mencionado pela
comissão do Prêmio Nobel, em 1974. As conferências de Hayek (1930-31), na Escola de
Londres, lhe permitiram alcançar o ápice de sua carreira de economista aos 32 anos.
8.1.1. HAYEK DIVERGE DE KEYNES
Pouco depois da chegada a Londres, Hayek polemizou com John Maynard Keynes. O
debate entre eles foi, talvez, o mais importante sobre economia monetária ocorrido no sécu-
lo 20. Começando com seu ensaio O fim do laissez-faire (1926), Keynes apresentou sua
demanda de intervencionismo na linguagem de um liberalismo pragmático clássico. Foi
dessa forma que Keynes foi aclamado como “salvador do capitalismo”, em vez de ser reco-
nhecido pelo que realmente era: um defensor da inflação e da intervenção do Estado.
Hayek detectou o problema fundamental em que as concepções econômicas de Keynes
eram vulneráveis, sua incapacidade para compreender o papel que desempenham as taxas
de interesses e a estrutura do capital em uma economia de mercado. Devido ao seu costume
de utilizar categorias, Keynes não pôde abordar estes problemas adequadamente em seu
livro Um tratado sobre o dinheiro (1930). Hayek argumentou que as categorias coletivas de
Keynes distraíam os economistas e não lhes permitiam examinar como a estrutura industri-
al da economia emergia das opções econômicas dos indivíduos.
Keynes reagiu com veemência às críticas de Hayek. Primeiro, respondeu atacando a
obra Preços e produção, de Hayek. Após, alegou que já não acreditava no que havia escrito
em Um tratado sobre o dinheiro e voltou sua atenção para a redação de outro livro, A teoria
geral do emprego, do interesse e do dinheiro (1936) que, com o tempo, se converteu na obra
mais influente do século 20 em matéria de política econômica. Em contrapartida, Hayek
dedicou-se a refinar a teoria do capital, com base na qual apresentou suas teses na Teoria
pura do capital (1941), o livro mais técnico que escrevera até o momento. No final dos anos
30 o tipo de modelo econômico defendido por Keynes acabava de triunfar aos olhos do
público: Keynes havia derrotado Hayek, pelo menos momentaneamente. A partir de então,
o tema a ser analisado por Hayek foi o cálculo econômico no socialismo, do qual foi um
crítico ferrenho, vindo a ser apreciado de novo por economistas e intelectuais. A crítica que
Hayek faz ao socialismo deve-se ao fato de este não dispor de preços de mercado, ser auto-
ritário, exterminar a liberdade e suprimir a individualidade do homem.
EaD Dejalma Cremonese
116
8.1.2 A PLANIFICAÇÃO ESTATAL LEVA AO “CAMINHO DA SERVIDÃO”
A argumentação refinada de Hayek seguiu a lógica favorável a uma sociedade liberal.
Escreveu, em 1944, a obra O caminho da servidão, tendo presente a realidade dos problemas
do socialismo que havia observado na Alemanha nazista e na Grã-Bretanha.
Peter Boettke, comentador de Hayek, afirma que o autor de O Caminho da servidão
estava com a razão no que se referia ao problema político do socialismo, pois o século 20 foi
marcado com o sangue das vítimas inocentes das experiências socialistas. Stalin, Hitler,
Mao, Pol Pot e muitos tiranos menores cometeram crimes hediondos contra a humanidade
em nome de alguma variante do socialismo, conclui Boettke. Hayek mostrou que o socialis-
mo era o resultado lógico do ordenamento institucional de planificação socialista e, a partir
de então, afastou-se dos problemas técnicos da economia e se concentrou na reformulação
dos princípios do liberalismo clássico.
Principais questões da obra: 1) assinalou a necessidade dos preços de mercado como
transmissores de uma informação econômica desigual; 2) mostrou que os propósitos de subs-
tituir e controlar o mercado levaram a um problema de conhecimento; 3) descreveu o proble-
ma totalitário associado à onipresença do poder circunscrito nas mãos de poucos; 4) exami-
nou os prejuízos intelectuais que cegam o homem e o impedem de enxergar os problemas da
planificação da economia governamental (do Estado).
Argumentou que a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma reação contrária
às tendências socialistas do período precedente, mas um resultado necessário destas mes-
mas tendências. Equiparou o conceito socialista com o nazismo e o fascismo, consideran-
do-os regimes totalitários, e em razão disso todos foram tratados com resistência, como
inimigos e como adversários (Hayek, 1944). A homogeneização dos conceitos é proposital
em Hayek:2 socialismo, stalinismo, marxismo, nacional-socialismo (nazismo) e fascismo são
conceitos iguais: “O marxismo levou ao fascismo e ao nacional-socialismo, porque, em to-
dos os seus fundamentos essenciais, marxismo é fascismo e nacional-socialismo”.
Assim como o nazismo, o socialismo leva o homem a se tornar escravo do Estado.
Hayek argumentou que o elemento socialista foi o responsável pela criação do totalita-
rismo: “Era, com efeito, a predominância das idéias socialistas e não o prussianismo que
a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia, e foi das massas e não das classes
imbuídas da tradição prussiana, e auxiliado pelas massas, que surgiu o nacional-socia-
lismo”.
2 Hayek (1944, p. 56) cita o argumento do escritor inglês F. A. Voigt para afirmar as semelhanças entre os referidos modelos.
EaD
117
POLÍTICAS PÚBLICAS
Hayek destacou que, na Alemanha, o nacional socialismo (o mesmo que nazismo)
não seguiu a tradição prussiana, mas foi influenciado diretamente pelas idéias socialistas
propagadas pelas massas.
O caminho que imperou durante todo o século 19, que Hayek entendia ser o modelo
político-econômico ideal, era o velho ideário do liberalismo clássico laissez-faire. No libera-
lismo, o laissez-faire “É a melhor maneira de guiar os esforços individuais”, no entanto para
isso é preciso agir sob a esfera da legalidade. A concorrência é vista como positiva e saudá-
vel para o bom andamento da economia liberal, é eficaz e benéfica. Em conseqüência do
rompimento desse modelo, ocorreu um profundo choque de toda uma geração ao se deparar
com o totalitarismo. Hayek citou alguns teóricos do liberalismo clássico, como Tocqueville,
que já havia alertado sobre os perigos do socialismo, entendido como o mais temível regime
totalitário, que significava servidão, o que é considerado um grande mal para o autor: “O
socialismo é criador de um Estado servil”.
Hayek (1944, p. 38) escreveu que os grandes teóricos liberais foram, em seu tempo,
totalmente esquecidos. Por isso, cita Adam Smith, Hume, Locke e Milton como inovadores
e fundadores da civilização ocidental, tendo suas bases lançadas pela tradição clássica greco-
romana e pelo cristianismo: “Não é meramente o liberalismo dos séculos XVII e XIX, mas o
individualismo básico que herdamos de Erasmo e Montaigne, de Cícero e Tácito, de Péricles
e Tucídides, o que estamos progressivamente abandonando”.
O Estado totalitário nazista, definido como aquele que promoveu a revolução nacio-
nal-socialista, acabou, segundo o teórico, destruindo a civilização clássica ocidental. Tudo
o que o homem moderno construiu a partir da Renascença foi, de certa forma, negado.
Conceitos como “individualismo”, entendido como respeito ao homem individual; “liberda-
de”, “independência” e “tolerância”, segundo Hayek (1944), desapareceram de todo com a
estruturação do Estado totalitário.
Os fundamentos da teoria neoliberal pressupunham a existência da ambição. Esse
conceito emergiu segundo Hayek (1944), à medida que o homem tomou consciência de seu
próprio destino. A partir de então, seguiram-se inúmeras possibilidades de melhorar a sua
vida, com novas oportunidades e possibilidades; o sucesso; e com o sucesso a ambição: “O
homem tem todo o direito de ser ambicioso” (Hayek, 1944, p. 42). Pena que esse progresso
tão eficiente e animador tenha dado sinais de exaustão e lentidão com a estruturação de um
novo modelo de Estado (totalitário), lamenta o autor.
Hayek (p. 52) voltou a mencionar Tocqueville como um dos pais da democracia, en-
tendida como liberdade individual, que se opõe ao socialismo num conflito inconciliável: “A
democracia aumenta a esfera da liberdade individual – dizia ele (Tocqueville) em 1848 –, o
socialismo restringe-a. A democracia dá todo o valor possível a cada homem; o socialismo
EaD Dejalma Cremonese
118
faz de cada homem um mero agente, um simples número”. Para Hayek, socialismo e demo-
cracia tinham apenas uma palavra em comum – a igualdade –, porém com significados
totalmente opostos. “Enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialis-
mo procura a igualdade no constrangimento e na servidão” (p. 52).
O princípio fundamental do liberalismo clássico é o regime da lei, que assegura a
liberdade. Os filósofos Kant e Voltaire sintetizam este pensamento ao afirmarem que o ho-
mem é livre quando não tem de obedecer a ninguém, mas unicamente às leis. Este princípio
fundamental encontra-se, segundo Hayek (1944), ameaçado por um governante despótico
que se considera a própria lei, governando arbitrariamente com poderes ilimitados. Hayek
tinha uma posição contrária ao que chama de controle econômico, regido pelos governos
totalitários. Ao que se nota, ele acredita na total liberdade econômica, inclusive com o ob-
jetivo de enriquecer e usufruir dos gozos dos frutos que advêm do trabalho: “Seria muito
mais exato dizer que o dinheiro é um dos maiores instrumentos de liberdade já inventados
pelo homem” (p. 137). A concorrência também é considerada positiva, na medida em que o
comprador não necessita ficar à mercê de um monopolista, tendo liberdade de escolher onde,
quando e como comprar um produto: “No regime de concorrência, os preços que temos a
pagar por um artigo [...] dependem da quantidade dos outros artigos da mesma espécie que
ficam disponíveis para outros membros da sociedade depois de termos adquirido o nosso”.
Esse preço não é determinado pela vontade consciente de pessoa alguma. E, “se um
certo meio de conseguirmos os nossos fins se mostra demasiado dispendioso, temos liberda-
de de tentar outros meios” (p. 142-143). Em outras palavras, o que impera é a livre concor-
rência.
Hayek previu um modelo econômico em que algumas indústrias pudessem aumentar
a sua produção com um preço de custo por unidade cada vez menor, e que seria inevitável
que algumas grandes empresas eliminassem as pequenas. Segundo o autor (1944, p. 79),
“Este processo deverá continuar até que de cada indústria só reste uma ou, no máximo,
umas poucas firmas gigantes” Essa realidade é comprovada atualmente – o processo de
globalização da economia que impera no mundo une algumas grandes empresas para supe-
rar as limitações em detrimento de muitas pequenas que são, literalmente, engolidas. Hayek
publicou, ainda, A contra-revolução da ciência em 1952, fruto de uma série de ensaios que
escreveu durante os anos 40. Na visão de Boettke, este foi o seu melhor livro. A obra exami-
na as tendências filosóficas dominantes, que prejudicavam os intelectuais de uma forma tal
que permitiu reconhecer os problemas sistemáticos com os quais se confrontariam os
planificadores econômicos. Trata, igualmente, de uma detalhada história intelectual do
“racionalismo construtivista” e do problema do “cientificismo” nas Ciências Sociais. Nesse
trabalho Hayek articula sua versão do projeto da linha escocesa, de David Hume e Adam
Smith, de utilizar a razão para ensinar modéstia à sexta razão. A civilização moderna não
EaD
119
POLÍTICAS PÚBLICAS
estava ameaçada por muitos ignorantes obstinados em destruir o mundo, senão pelo abuso
da razão empreendida pelo racionalismo construtivista em seu intento de desenhar consci-
entemente o mundo moderno.
Em 1960 escreveu A constituição da liberdade, primeiro tratado sistemático sobre a
economia clássica liberal. Em 1962 incrementou seus esforços para analisar o ordenamento
espontâneo da atividade social e econômica. O autor se dispôs a reconstruir a teoria do
liberalismo e forneceu uma visão de cooperação social entre homens livres.
Hayek, segundo a explanação de Boettke, viveu uma vida longa e frutífera, tendo
de suportar as conseqüências de ter alcançado fama desde jovem, para, logo em seguida,
ser ridicularizado quando as teorias keynesianas e socialistas conquistaram a hegemonia
cultural, porém, afirma Boettke, viveu o suficiente para ver reconhecido seu enorme in-
telecto.
“Tanto os keynesianos como os socialistas foram esmagadoramente derrotados pelos
acontecimentos e pela poderosa verdade de sua obra,” o liberalismo clássico é novamente
um corpo vibrante de pensamento. Um grande estudioso não se define pelas respostas que
dá, mas pelas interrogações que promove, conclui o comentador.
Seção 8.2
As Idéias Neoliberais Constituídas no Mundo
Nas palavras de Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu depois da 2ª Guerra Mun-
dial, nas regiões da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi uma
reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar Social
(Welfare State). Sobre a difusão do neoliberalismo, Anderson (1995) aponta para a chega-
da da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973 (pós-Vietnã), quando o
mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela
primeira vez, baixas taxas de crescimento com altos índices de inflação, que favoreceram
mudanças.
A partir daí, as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, pres-
supostos do fortalecimento neoliberal, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos
sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de
acumulação capitalista com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada
vez mais os gastos sociais.
EaD Dejalma Cremonese
120
Esses dois processos inflacionários, argumenta Anderson
(1995, p. 11), não podiam deixar de desembocar numa crise ge-
neralizada das economias de mercado: “o remédio, então, era cla-
ro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o
poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco3 em
todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”.
A teia neoliberal começou a ser tecida a partir da segunda
metade da década de 70. A primeira experiência de instituição
das reformas neoliberais ocorreu no Chile, em 1975, sob a dita-
dura de Pinochet. O neoliberalismo chileno defendia a abolição
da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras
militares do pós-guerra. Em 1979, na Inglaterra, foi eleito o go-
verno de Margareth Thatcher, o primeiro governo de um país de
capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prá-
tica o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Ronald
Reagan chegou à Presidência dos Estados Unidos. Em 1982,
Helmuth Khol derrotou o regime social-liberal de Helmut Schmidt,
na Alemanha. Em 1983 a Dinamarca, Estado modelo do bem-
estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de
direita, o governo de Schluter. Tais governos restringiram a emis-
são monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drastica-
mente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram contro-
les sobre os fluxos financeiros, criaram volumes maciços de em-
prego, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-
sindical e cortaram gastos sociais.4
Nos Estados Unidos, por exemplo, a primeira prioridade do
presidente Reagan foi reduzir o déficit orçamentário, e a segun-
da, adotar uma legislação draconiana e repressiva contra a de-
linqüência, lema principal também da nova liderança trabalhista
na Inglaterra.
3 Nem tão “parcos” foram os recursos dados pelo Estado nas intervenções econômicas. Foram, no entanto, bilhões de dólares fornecidospelo Estado para que o mercado pudesse manter-se.
4 Perry Anderson argumenta que, na Europa, na década de 80, uma direita vitoriosa passou à ofensiva. E relata Anderson (1999, p. 107-108): “No mundo anglo-saxônico, os regimes Reagan e Tatcher, depois de anularem o movimento operário, fizeram recuar aregulamentação e a redistribuição”. Da experiência da Grã-bretanha, outros países da Europa adotaram políticas semelhantes: “aprivatização do setor público, os cortes dos gastos sociais e altos níveis de desemprego criaram um novo padrão de desenvolvimentoneoliberal, por fim adotado tanto por partidos de esquerda como de direita”.
Augusto José Ramón
Pinochet Ugarte
(Valparaíso, 25 de novembrode 1915 – Santiago, 10 dedezembro de 2006) foi umgeneral do exército chileno,tendo se tornado presidentedo Chile em 17 de junho de
1974 pelo Decreto Lei nº 806editado pela junta militar
(Conselho do Chile), que foiestabelecida para governar o
país após a deposição deSalvador Allende, e posterior-
mente tornado senadorvitalício de seu país, cargo
criado exclusivamente para ele,por ter sido um ex-governante.Governou o Chile entre 1973 e1990, com poderes de ditador,
depois de liderar o golpemilitar que derrubou ogoverno do presidente
socialista legalmente eleito,Salvador Allende.
Disponível em:<http: // pt.wikipedia.o rg/wiki/
Augusto_Pinochet>.Acesso em: 24 set. 2008.
EaD
121
POLÍTICAS PÚBLICAS
A queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, de 1989 a 1991,
ocorreu exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo tornavam-se cada vez
mais óbvios no Ocidente. A vitória do Ocidente na Guerra Fria, com o colapso de seu adver-
sário comunista, não foi o triunfo de qualquer capitalismo, mas do tipo específico liderado e
simbolizado por Reagan e Thatcher nos anos 80. O impacto do triunfo neoliberal no Leste
Europeu tardou a ser sentido em outras partes do globo, mas não demorou a chegar na
América Latina, que hoje em dia se converte no terceiro grande palco de experimentações
neoliberais, embora em seu conjunto as reformas neoliberais tenham chegado antes mesmo
que nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
e na antiga União Soviética, com privatizações e desemprego em massa.
Genealogicamente a Europa foi testemunha da primeira experiência neoliberal siste-
mática do mundo.
Todas estas medidas, no entanto, haviam sido concebidas como mecanismos para al-
cançar um fim histórico, ou seja, a revitalização do capitalismo avançado mundial, restau-
rando taxas altas de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse
aspecto, o quadro mostrou-se absolutamente decepcionante.
Pode-se afirmar, então, que o neoliberalismo se constitui num movimento ideológico,
em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia experimentado no
passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamen-
te decidido a adaptar todo o mundo a sua imagem, em sua ambição estrutural e sua exten-
são internacional. Eis aí algo muito parecido com o movimento comunista de ontem do que
com o liberalismo eclético e distendido do século passado.
A execução das políticas neoliberais trouxe consigo conseqüências desastrosas para a
economia dos referidos Estados. Foi, contudo, nas políticas públicas e sociais que mais se
detectou retrocesso, principalmente nas questões de emprego, saúde, moradia e educação.
O empobrecimento deu-se entre os países ex-socialistas (Rússia, principalmente) e
naqueles de economia emergente (países latino-americanos).
Seção 8.3
Consenso de Washington: revisão do neoliberalismo
Inicialmente é preciso explicar que o Consenso de Washington não foi nenhuma cons-
piração político-econômica ou trama diabólica do Fundo Monetário Internacional (FMI),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional de Reconstrução e
EaD Dejalma Cremonese
122
Desenvolvimento (Bird), nem do governo americano para pôr em prática nos países da Amé-
rica Latina.5 A síntese das idéias que circulavam pelos bastidores das instituições internaci-
onais e no governo norte-americano foi elaborada pelo economista John Williamson, em
reunião na capital americana (Washington) em 1989.6 Essa reunião ficou conhecida como
Consenso de Washington e tinha como objetivo discutir as reformas necessárias para a Amé-
rica Latina.
Quais seriam os problemas que o economista percebia? Williamson afirmou na época:
“Eu dividiria o que sinto, pressinto e leio como um grande consenso em três planos”. O
primeiro plano é de ordem macroeconômica. Há um acordo completo entre todas as agênci-
as econômicas de que a totalidade dos países periféricos devem ser convencidos a aplicar um
programa em que lhes é requerido um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal
ao máximo, que passa, inevitavelmente, por um programa de reformas administrativas,
previdenciárias e fiscais, além de um corte violento nos gastos públicos. Esses países devem
instituir políticas monetárias rigidíssimas, porque a prioridade número 1 é a estabilização,
sendo que a política fiscal tem de ser submetida à política monetária. O segundo plano visa
a apresentar propostas e reformas de ordem microeconômica: é preciso desonerar fiscalmente
o capital para que ele possa aumentar a sua competitividade no mercado internacional,
desregulado e aberto. Então, o único caminho para as pequenas empresas situadas nos
países da periferia entrarem nesse jogo seria pelo aumento de competitividade, o que passa-
ria por desoneração fiscal, flexibilização dos mercados de trabalho, diminuição da carga
social com os trabalhadores e redução dos salários. A terceira ordem de coisas que o Consen-
so propunha era: nada disso será possível se não houver o desmonte radical do modelo
anterior (Estado interventor) que vigora nesses países.
Em síntese, o Consenso de Washington propunha que os Estados latino-americanos
passassem por profundas reformas estruturais, também chamadas de reformas institucionais.
A primeira era a desregulamentação de alguns setores, sobretudo o financeiro e o do traba-
lho. Esta já foi posta em prática em quase todos os países da América Latina. A outra pro-
posta era de privatização, de preferência selvagem; a terceira, de abertura comercial, e a
quarta, a da garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é, nos
serviços, propriedade intelectual, etc.
Sempre se estuda o Estado, na sua concepção moderna, como uma instituição criada
a partir de uma convenção da sociedade, com o objetivo de garantir a segurança, a proprieda-
de, a vida (direitos naturais), isto é, uma instituição capaz de assegurar o bem-estar a todos
os cidadãos. Os teóricos neoliberais, contrários ao Estado-Social, apregoam que o Estado
5 Sobre o Consenso de Washington, conferir a explanação de Portella Filho (1994).
6 Sobre o neoliberalismo ler Sader; Gentili (1995).
EaD
123
POLÍTICAS PÚBLICAS
tem apenas uma função: garantir, por meio de seu aparato, o
livre mercado. Estas idéias já foram defendidas pelo liberalismo
clássico do século 17, mas o Estado neoliberal tem um diferencial:
o descompromisso com as questões sociais, lesando a saúde, edu-
cação, infra-estrutura, segurança e a política previdenciária da
coletividade.
Seção 8.4
A Experiência Neoliberal do Brasil
As políticas neoliberais globalizantes começaram, no Bra-
sil, no início dos anos 90, ainda com o presidente Collor de Mello
que, de uma maneira surpreendente, deu início às reformas de
Estado. Começaram, nesse período, a desregulamentação eco-
nômica, a abertura do mercado e a planificação da economia (ten-
tativa de diminuir a inflação galopante). Ocorrem, nesse perío-
do, igualmente, as tratativas iniciais com as instituições interna-
cionais, principalmente com o FMI.
As reformas do Estado no governo Collor não foram bem-
sucedidas. Nem mesmo a própria elite empresarial estava prepara-
da para tais mudanças, muito menos a elite política do Brasil, que
se mostrou um tanto insegura com os rumos que essas reformas
poderiam tomar. Foi nesse contexto que o governo Collor viu-se
enredado em situações ilícitas, em que processos e acusações de
corrupção começaram a se acumular. A mídia brasileira, a mesma
que apostou e promoveu seu governo, aos poucos deserdou o “ca-
çador de marajás” e caiu na realidade, mostrando as imagens das
numerosas e grandiosas mobilizações sociais, oriundas de todos
os setores da sociedade civil. Collor de Mello não tinha nenhuma
base política, a não ser o seu frágil Partido da Renovação Nacio-
nal (PRN), e, talvez, esta tenha sido uma das razões para o proces-
so de impeachment que acabou sofrendo.
Collor foi julgado e condenado, deixando, melancolicamen-
te, seu governo marcado mais por excentricidades, bloqueio da
poupança da população e pela corrupção do que propriamente
Fernando Affonso
Collor de Mello
(Rio de Janeiro, 12 de agostode 1949) é um empresário epolítico brasileiro, atualmentefiliado ao Partido TrabalhistaBrasileiro. Foi o 32º presidenteda República Federativa doBrasil, cargo que exerceu de15 de março de 1990 a 29 dedezembro de 1992. Foitambém o primeiro presidenteda República eleito por votodireto após o Regime Militar,em 1989. Seu governo foimarcado pela instituição doPlano Collor, pela abertura domercado nacional às importa-ções e pelo início do ProgramaNacional de Desestatização.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Collor_de_Mello>.Acesso em: 24 set. 2008.
EaD Dejalma Cremonese
124
pela reforma do Estado que se propusera a realizar. Itamar Fran-
co, vice de Collor, assumiu a Presidência da República do Brasil,
com um governo mais voltado para as políticas internas, dando
uma trégua nas negociações com o FMI e interrompendo as re-
formas do Estado por um curto período.
Ainda no governo Itamar Franco assumiu o Ministério das
Relações Exteriores o então senador Fernando Henrique Car-
doso (FHC), um cargo que sempre estivera em seus planos. As
tratativas com as instituições internacionais (FMI e Banco Mun-
dial) recomeçaram. Logo após, FHC assumiu o Ministério da Fa-
zenda e instituiu, junto com uma equipe de técnicos, um plano
econômico capaz de frear a inflação e restabelecer a volta do cres-
cimento econômico – o Plano Real. Tais políticas estimularam a
volta do programa de reformas de Estado iniciado por Collor e
interrompido por Itamar Franco.
É importante mencionar que FHC e seu partido, o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), partem do princípio de
que o Estado deve se “modernizar”. “Modernização” do Estado
significa um Estado mais ágil, menos “truculento”, “moroso” e
“burocratizado”. Para tanto estabeleceu uma grande propagan-
da ideológica para que se efetivasse o processo de privatização
das empresas estatais brasileiras.
A instituição da nova moeda brasileira – o real – ocorreu no
dia 31 de julho de 1994 (junto com a Copa do Mundo de Fute-
bol).7 Até o fim daquele ano a moeda valorizou-se e FHC ganhou
as eleições à custa da ficção do Plano Real. A mão estendida de
FHC pré-anunciava as suas principais metas: saúde, educação,
moradia, agricultura e segurança. O Plano econômico, chama-
do, no Brasil, de “Plano Real”, fazia parte de uma sistemática
política global mais abrangente. A idéia de planificação econô-
mica foi criada pelas instituições financeiras do Primeiro Mundo
numa tentativa de conter a elevada inflação das economias emer-
gentes, como no caso do Chile, México, Argentina, Brasil e ou-
7 Essa data marca o início formal do Plano Real, a partir do anúncio de um programa de ajuste fiscal e de suas duas fases seguintes, quaissejam: a criação de uma quase-moeda (a URV), em março de 1994 e, quatro meses depois, isto é, a partir de 31 de julho, a suatransformação em uma nova moeda: o real.
Fernando Henrique Cardoso
(Rio de Janeiro, 18 de junhode 1931), sociólogo, professor
universitário e político. Foi o34º presidente da República
Federativa do Brasil, cargo queexerceu por dois mandatos
consecutivos, de 1º de janeirode 1995 a 31 de dezembro de2002. Foi também o primeiropresidente reeleito da História
do país. É co-fundador e,desde 2001, presidente dehonra do PSDB (Partido da
Social Democracia Brasileira). Étambém comumente conheci-
do por seu acrônimo FHC.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Fernando_Henrique_Cardoso>.Acesso em: 22 out. 2008.
Planificação econômica
Refere-se à centralização, porparte do Estado, dos poderesde planejamento e execução
das políticas econômicas,suprimindo o mercado e a livre
concorrência.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Planifica%C3%A7%C3%A3o_
econ%C3%B4mica>.Acesso em: 24 set. 2008.
EaD
125
POLÍTICAS PÚBLICAS
tros. Daí advém o proselitismo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao afirmar: “Dá
gosto ver que hoje nós somos um país respeitado. E o ponto inicial para que houvesse uma
volta desse respeito foi a nossa capacidade de vencer a hiperinflação e de manter a democra-
cia, a nossa capacidade de negociar para poder avançar. Isso mostra que somos um país
realmente amadurecido”.
Durante o período do Plano Real (equiparação cambial: 1 real chegando a valer mais
que 1 dólar) a elite brasileira, literalmente, foi às nuvens. A euforia com o Plano levou a
burguesia e boa parte da classe média brasileira a consumir de maneira nunca vista, inclu-
sive fretando aviões particulares para fazer compras em Miami (EUA). Por sua vez, o povão
comia frango a “um real o quilo”, de sobremesa iogurte, colocava dentadura nova e fazia
compras no Paraguai... Eis algumas propagandas oficiais de FHC durante boa parte do
Plano Real.
A partir de então o processo de “modernização” do Estado se intensificou. Outra mar-
ca do governo FHC foi o abuso da instituição de medidas provisórias (mais de 5 mil). Isso
significa um governo de ditadura civil, pois nem mesmo os ditadores militares (anos 64-85)
intervieram tanto na Constituição como FHC. Algumas medidas provisórias ficaram famo-
sas, como é o caso da MP para o processo de privatização e a MP para a vergonhosa e
corrupta emenda da reeleição.
Muitos teóricos apregoam que o governo de FHC apenas serviu aos interesses das
corporações internacionais, outros o chamam de “embaixador” do Banco Mundial e do
FMI. Acusado de exercer um governo neoliberal, entretanto, FHC reagiu num tom sarcásti-
co: “Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação. De quem não vê a realidade. É
cópia. É mimetismo”. O Brasil, segundo o ex-presidente, não se encaixava nesse modelo,
porque vivia de problemas peculiares que devem ser resolvidos, não pelo Estado
patrimonialista, nem clientelista.
8.4.1. CONSEQÜÊNCIAS DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO BRASIL
As reformas dos Estados nacionais da América Latina, em conseqüência das políticas do
Consenso de Washington, implicaram a adoção de programas de ajustes estruturais, como as
reformas administrativas e previdenciária, que exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fis-
cal (austeridade fiscal ao máximo), as privatizações, a redefinição do papel do Estado na
economia, causando, ao contrário do que os defensores de tais políticas alardeavam, recessão
econômica, ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos
sociais, crise de modelos políticos tradicionais, flexibilização dos direitos trabalhistas, precarieda-
de e, ainda, o desmonte dos sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.
EaD Dejalma Cremonese
126
No Brasil, as principais políticas de reestruturação do Estado foram a chamada Refor-
ma Administrativa, também conhecida como Reforma Bresser-Pereira (então ministro da
Ciência e Tecnologia e da Administração) e a Reforma do Estado (promovida no governo do
presidente FHC).
Bresser-Pereira (2002), em artigo publicado na Folha de São Paulo, reclamava da crise
de confiança de que a economia brasileira vinha sendo vítima nos últimos meses. Para isso,
usou exemplos de presidentes de bancos centrais e diretores de câmbio – dos anos 70 – que
“controlavam a entrada de capitais e defendiam o interesse nacional”. Bresser lembrou,
igualmente, de declaração de Elio Gaspari: “A inconformidade do presidente Arthur Bernardes
(1923) com a crise a que os credores externos estavam, então, levando o Brasil, e com as
chantagens que o país sofria frente ao cenário internacional”. Bresser concluiu que, infeliz-
mente, o governo brasileiro era impotente ante o cenário econômico internacional.
Talvez por isso Bresser-Pereira tenha lamentado que sua Reforma Administrativa não
tenha dado resultados ao afirmar que: “Cumprimos uma parte desse programa, mas, em vez
de reconstruir financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em relação ao proces-
so de privatização, Bresser também admitiu reclamou: “Em vez de privatizarmos apenas
setores competitivos, privatizamos também monopólios naturais”. No Brasil ocorreu a
“flexibilização” do mercado e a multiplicação da dívida: “Em vez de controlar a entrada de
capitais e reduzir a dívida externa, ampliamo-la; ao invés de mantermos um câmbio relati-
vamente desvalorizado, como fizeram todos os países que iniciavam seu desenvolvimento,
deixamos que a entrada de capitais valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente
salários e consumo”.
Seguimos, de joelhos, as normas das instituições internacionais: “E tudo, nos anos
90, com o apoio do FMI, do Banco Mundial e dos mercados financeiros internacionais”,
concluiu Bresser-Pereira.
Dentre as principais conseqüências das políticas neoliberais aplicadas no país, desta-
cou-se o alto índice do desemprego. Outra decorrência das políticas neoliberais foi o avanço
das multinacionais nos países periféricos, ou seja, uma abertura completa destes ao merca-
do internacional fez aparecerem as empresas multinacionais, invasoras de seus espaços ge-
ográficos, subsidiadas com empréstimos ou isenções de impostos por determinados períodos
(que vão de 15 a 20 anos), além do substancial apoio financeiro que exigem receber sob
ameaça de se retirarem urgentemente do país e instalar-se em outro lugar.
O Brasil privatizou mais de 70% das empresas administradas pelo Estado, o que aju-
dou a aumentar a importação e contribuiu para o déficit comercial. Também se soma a isto
empresas privadas controladas por estrangeiros, do que resultam mais lucros e mais impor-
tações. A inundação dos importados e os altos juros levaram várias empresas à falência, à
EaD
127
POLÍTICAS PÚBLICAS
redução da jornada de trabalho ou a reduções salariais, para não fecharem as portas. Isto
acarretou forte desemprego e uma grande inadimplência, pois o consumo era realizado a
crédito. O país recebeu investimentos do capital estrangeiro em aquisições patrimoniais, e
não onde fundamentalmente necessitava que ocorressem (no setor industrial e, principal-
mente, na agricultura) para promover o crescimento econômico. Em decorrência de tais
políticas, aumentou a exclusão social no Brasil. O número de pobres cresceu assustadora-
mente. Aparentemente houve a planificação econômica e a queda da inflação, porém não é
suficiente a contenção da inflação se, em termos econômicos, constata-se a estagnação e a
recessão. O crescimento do país permaneceu em torno de 2% ao ano, quando deveria alcan-
çar os 5%. Embora as contas ajustadas, o saldo positivo na balança financeira e a estabili-
dade econômica, houve aumento do desemprego e a situação dos mais pobres piorou dia
após dia.
Cerca de 80% da população brasileira vive com até 3 salários mínimos. O Brasil está
colocado entre as dez primeiras potências econômicas do mundo ocidental; por outro lado,
os indicadores sociais se aproximam dos países com menor desenvolvimento do mundo afro-
asiático.
Para 65% da população brasileira faltam as condições básicas de sobrevivência, como
saúde, alimentação, moradia, transporte, educação, lazer e vestuário. Já os 10% mais ricos
têm acesso a quase 50% da renda da população, e destes os 5% mais ricos detêm 35% da
riqueza.
Seção 8.5
A Continuidade do Colonialismo
Tem-se assistido nas últimas décadas às transformações pelas quais os Estados oci-
dentais têm passado e, conseqüentemente, o sistema democrático. O poder das instituições
internacionais vem imperando, o FMI e o Banco Mundial, que atuam “discretamente” nos
bastidores dos governos locais, impondo as chamadas “reformas econômicas”, com o objeti-
vo de “reduzir os déficits públicos”, “combater a inflação” e “deter a economia que está
superaquecida”. Em nome de tais “programas”, fenecem as políticas públicas do Estado,
que tem seu poder diminuído. Ou seja, tem-se o Estado máximo para servir aos interesses de
grandes grupos econômicos e o Estado mínimo para as questões sociais.
EaD Dejalma Cremonese
128
Os mais altos cargos desses governos na área econômica, tais como presidentes de
Bancos Centrais, ministros da Fazenda e secretários de Tesouro, são, comumente, ocu-
pados por executivos de grandes empresas privadas. Por exemplo: o secretário do Tesou-
ro norte-americano no governo Clinton, Robert Rubin, foi um alto executivo banqueiro
da Goldman Sachs, da mesma forma que o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis
Preston, foi diretor presidente da J. P. Morgan. No Brasil não é diferente, basta analisar
a procedência do presidente do Banco Central, Henrique Meireles, para entender tal
afirmação.
Tem-se um Estado monopartidário, em que são determinantes as preocupações econô-
micas e financeiras privadas, um Estado distante dos interesses do povo, sem falar da nega-
ção e controle dos direitos democráticos de seus cidadãos.
A economia mundial passa hoje por uma crise globalizada. O que fazem então os
países desenvolvidos? Qual é a saída mais eficaz? Não fazem nada mais do que apertar o
cerco em torno de suas antigas colônias, o que traz como conseqüência imediata a falência
das instituições e a queda do padrão de vida.
Sob o lema “privatização dos lucros e socialização das despesas”, a globalização eco-
nômica, ou a economia de mercado, tem favorecido a concentração da riqueza nas mãos de
poucos, enquanto a maioria tem apenas a globalização da pobreza.
Acusar os governos locais e as instituições internacionais não é suficiente, pois admi-
nistradores burocratas e credores estão unidos. É preciso avançar mais e perceber que os
agentes financeiros, bancos e corporações transnacionais são inimigos do povo e, por isso,
devem ser atacados. É urgente reconhecer o fracasso do modelo econômico neoliberal em
âmbito global, assim como cancelar imediatamente a dívida externa dos países em desen-
volvimento, e, para tanto, é necessário estruturar mecanismos financeiros alternativos e
concretos.
Se existe uma globalização do mercado que gera fome, exclusão e desemprego, é ur-
gente que se promova uma globalização solidária que una todos os povos do mundo. Nada
vai mudar sem uma persistente luta social, ampla e democrática. Todos os excluídos do
sistema deverão se mobilizar para tal empreendimento: trabalhadores, agricultores, produ-
tores independentes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros do cle-
ro, estudantes e intelectuais. Tais movimentos de pressão (antiglobalização) contra as per-
versas políticas econômicas do FMI e Banco Mundial já estão ocorrendo em diferentes par-
tes do mundo.
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129
POLÍTICAS PÚBLICAS
Seção 8.6
A Crise Atual do Neoliberalismo
Nos anos 90 o neoliberalismo defendia as idéias do liberalismo clássico do século 18,
do laissez-faire (livre mercado sem a intervenção do Estado). Com a crise atual, contudo,
por mais paradoxal que pareça, o Estado vem cumprindo uma função inversa, a de intervir
diretamente na economia, salvando as empresas falidas.
Nesta ótica, é preciso esclarecer que as crises econômicas são inerentes ao capitalis-
mo, pois foram constantes desde o seu início.8 Por vezes pregava-se o livre mercado, noutras
ocasiões pedia-se intervenção (vide a crise de 1929):
• anos 70 (crise do modelo intervencionista do Estado);
• anos 70 e 80 – o livre mercado (neoliberalismo);
• em 2008, vivencia-se crise do livre mercado (o Estado passa a intervir novamente).
É o pêndulo do relógio que se movimenta novamente, a sinalizar que mais um ciclo do
capitalismo chega ao fim. A crise atual, entretanto, não é apenas mais uma, mas uma das
maiores crises econômicas do capitalismo em âmbito global dos últimos tempos. Stiglitz, ex-
presidente do Banco Mundial, afirma que é a pior crise deste século, e que ela decorre exa-
tamente do mercado financeiro (defendido até o último momento pelos liberais como o úni-
co guardião e salvador do mundo). O mercado financeiro fez empréstimos ruins, diz Stiglitz,
como a bolha imobiliária norte-americana, em que foram feitos empréstimos com base em
preços inflados. Essas dívidas não podem ser pagas neste momento.
É possível constatar que a economia global entra neste instante em um novo ciclo, o
ciclo da recessão. O sistema financeiro ruiu. A cada dia presenciamos bancos abrindo
concordata, empresas demitindo: as pessoas estão perdendo seus empregos, seus benefíci-
os e até suas casas, enquanto outras correm o risco de perder toda a sua economia. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê 20 milhões de desempregados, atin-
gindo especialmente os setores da construção, imobiliário, automotivo, turístico e serviços
financeiros.
8 É detectada a crise no capitalismo quando os lucros privados não conseguem se manter em patamares positivos. Estagnação e recessãoeconômica implicam reformular o sistema.
EaD Dejalma Cremonese
130
Segundo Otaviano Canuto, vice-presidente de Países do BID,
o mundo financeiro dos últimos 25 a 30 anos morreu. Passada
mais de uma década desde a turbulência asiática, e depois dos
episódios semelhantes que atingiram a Rússia, Brasil e Argenti-
na, a crise voltou-se contra a própria Wall Street, o coração do
sistema financeiro global.
AS CAUSAS
Uma das causas principais do impasse do capitalismo atual
diz respeito à crise de confiança, ou seja, à perda de crença no
sistema. Na origem está o deslocamento do capital produtivo: muita
gente querendo ganhar manipulando dinheiro, uma embriaguez
de enriquecimento sem trabalho. Ou seja, o dinheiro não é aplica-
do na economia real, mas na economia virtual. Vive-se especulan-
do em qual bolsa de valores é possível aplicar e obter mais lucros.
Outro aspecto diz respeito à busca escandalosa por recompensas
econômicas excessivas até a especulação arriscada.9 Em síntese,
vive-se uma crise da economia virtual que tem atingido diretamente
a economia real. O capitalismo vive um dilema. Precisa, de um
lado, que ocorra produção de capital e, de outro, que haja consu-
midores. A superprodução leva à saturação do mercado, que faz
diminuir o poder de compra dos trabalhadores. Com a redução do
consumo, ocorre uma queda na taxa de lucro dos capitalistas; com
a diminuição dos lucros há, conseqüentemente, cortes de salários
e demissões para cortar custos (círculo vicioso). Outra causa está
no endividamento das pessoas, principalmente nos Estados Uni-
dos. É naquele país que se localiza o epicentro da crise. Como
afirma Boike Rehbein, vive-se o fim da hegemonia neoliberal
estadunidense. O endividamento privado nos Estados Unidos du-
plicou nos últimos sete anos e hoje ultrapassa os US$ 14,5 bilhões.
Já a dívida do governo federal é de 9,3 bilhões de dólares.
Há mesmo evidências de que os Estados Unidos perderam a
liderança da economia global, devendo em breve dividir com ou-
tros países a hegemonia mundial.
9 O capitalismo atual é um sistema de aposta com dinheiro emprestado via computador.
Wall Street
É uma rua que corre naManhattan Inferior, e éconsiderada o coração
histórico do atual DistritoFinanceiro da cidade de NovaYork, onde se localiza a Bolsa
de Valores de Nova York, amais importante dos Estados
Unidos e uma das maisimportantes do mundo.
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Wall_Street>.Acesso em: 24 set. 2008.
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131
POLÍTICAS PÚBLICAS
O MODELO CONSUMISTA
O capitalismo se mantém alicerçado no consumo. Nunca se produziu e se vendeu
tantos bens de consumo como agora: computadores, TVs, geladeiras e automóveis.10 Da
mesma forma, o consumo energético está nas alturas, o que vem acarretando sérios proble-
mas para o meio ambiente. É exatamente este modelo consumista desenfreado da sociedade
que precisa ser revisto, repensado. As pessoas estão gastando além do seu próprio limite (em
âmbito individual) e, também, estão consumindo além dos recursos que o planeta consegue
sustentar. Algo precisa ser feito, portanto, de forma urgente.
A VOLTA DO ESTADO (REGULAÇÃO)
Segundo Boaventura de Sousa Santos, o impensável aconteceu: o Estado deixou de
ser o problema para voltar a ser a solução. A palavra não aparece na mídia americana, mas
é disso que se trata: nacionalização. Na mesma linha opina o economista Marcio Pochmann.
O Estado é extremamente necessário, pelo fato de garantir maior regulação e maior condi-
ção da existência da economia. Agora, segundo Pochmann, diante de um novo movimento
do pêndulo, cada vez mais inclinado para a ampliação da regulação sobre a economia capi-
talista. Em síntese, os neoliberais defendiam a não-interferência nos mercados, mas o que
temos agora? O Estado volta a regular a economia.
Observe-se o exemplo da intervenção direta do Estado na economia. O governo ame-
ricano está a socorrer inúmeras instituições de crédito. Foram gastos mais de US$ 700 bi-
lhões de dólares para salvar bancos.11 Vive-se hoje um Estado socialista, mas apenas para
Wall Street. Estão sendo privatizados os lucros e socializadas as despesas. Nas palavras do
economista Eduardo Giannetti: “Quando os banqueiros estavam ganhando bilhões de dóla-
res, tudo era privado e particular”. No momento em que esses banqueiros e esses grandes
aplicadores perdem bilhões, vem o governo e socializa, jogando a conta para as gerações
futuras.
Há algo profundamente errado do ponto de vista ético nesse sistema. É uma assimetria
inaceitável de tratamento de ganhos e perdas. Note-se o funcionamento artificial do siste-
ma: “O Goldman Sachs tinha US$ 25 aplicados para cada US$ 1 de caixa. No início da
década de 80, o lucro dos bancos representava 10% do lucro total da economia americana.
10 Na cidade de São Paulo são emplacados 800 novos carros por dia. Multiplique por 30 dias e teremos 24 mil novos carros em um só mês.Multiplicados por 12 meses, teremos o total de 288 mil novos carros emplacados em um único ano só na capital paulista.
11 “Não se pode dar US$ 700 bilhões aos bancos e se esquecer da fome” (Hans-Gert Poettering, alemão, presidente do ParlamentoEuropeu).
EaD Dejalma Cremonese
132
Agora, é de 40%. É muita gente tentando ganhar manipulando dinheiro”.12 Este é também
o entendimento do economista Paulo Nogueira Batista, ao afirmar que é bem provável que
grande parte do sistema financeiro acabe nas mãos do Estado.
SÍNTESE DA UNIDADE 8
Procurou-se apresentar nesta Unidade aspectos teóricos ligados
ao neoliberalismo: teorização e aplicabilidades. Vimos que o capi-
talismo tem passado por constantes crises nos últimos anos, no
entanto a crise atual não é o colapso do capitalismo e sim o fim de
um modelo do capitalismo sob a característica neoliberal (articu-
lação entre mercado, Estado e sociedade). Por mais paradoxal que
pareça, os neoliberais sempre pregaram a não-intervenção do Es-
tado na economia, contudo a intervenção do Estado na economia
tem sido a regra e não a exceção por muitas décadas. Como desta-
ca Chomsky: “Nos últimos 15 anos 20 companhias entre as 100
maiores do mundo não teriam sobrevivido sem a ajuda dos seus
governos. As demais 80 restantes obtiveram ganhos pela via de
solicitar aos seus governos que ‘socializassem as perdas’. Quem
paga a conta é o contribuinte sofrido”.
12 Conferir Eduardo Giannetti. In: Conjuntura da semana. Uma leitura das “Notícias do Dia” do IHU de 23 a 30 de setembro de 2008.
EaD
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POLÍTICAS PÚBLICAS
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