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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ci ˆ encias Humanas Edgar Luis Bezerra de Almeida An ´ alise das Condi ¸ c ˜ oes de Verdade e dos Requerimentos Existenciais em Axiomatiza ¸ c ˜ oes da Aritm ´ etica Campinas 2017

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas

Edgar Luis Bezerra de Almeida

Analise das Condicoes de Verdade e dos Requerimentos Existenciaisem Axiomatizacoes da Aritmetica

Campinas2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FAPESP, 2013/01.011-6ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7980-713

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências HumanasPaulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Almeida, Edgar Luis Bezerra de, 1976- AL64a AlmAnálise das condições de verdade e dos requerimentos existenciais em

axiomatizações da aritmética / Edgar Luis Bezerra de Almeida. – Campinas, SP: [s.n.], 2017.

AlmOrientador: Itala Maria Loffredo D'Ottaviano. AlmCoorientador: Rodrigo de Alvarenga Freire. AlmTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas.

Alm1. Aritmética. 2. Ontologia. 3. Verdade. I. D'Ottaviano, Itala Maria Loffredo,

1944-. II. Freire, Rodrigo de Alvarenga. III. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Analysis of truth conditions and existential requirements inaxiomatizations of arithmeticPalavras-chave em inglês:ArithmeticOntologyTruthÁrea de concentração: FilosofiaTitulação: Doutor em FilosofiaBanca examinadora:Itala Maria Loffredo D'Ottaviano [Orientador]Alexandre Fernandes Batista Costa-LeiteEdélcio Gonçalves de SouzaHugo Luiz MarianoGiorgio VenturiData de defesa: 11-12-2017Programa de Pós-Graduação: Filosofia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores

Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 11/12/2017, considerou o candidato

Edgar Luis Bezerra de Almeida aprovado.

Profa Dra Itala Maria Loffredo D’Ottaviano

Prof Dr Alexandre Fernandes Batista Costa-Leite

Prof Dr Edélcio Gonçalves de Souza

Prof Dr Hugo Luiz Mariano

Prof Dr Giorgio Venturi

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida

acadêmica do aluno.

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À Inés,

com carinho e gratidão.

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Agradecimentos

Agradeço, respeitosa e carinhosamente, à professora Itala D’Ottaviano; os anos em

que estive sob sua supervisão despertaram em mim profundo respeito e admiração. A liberdade

de trabalho que usufruí e a confiança em mim depositada sempre foram fontes de motivação e

entusiasmo e, sem seu respaldo, este trabalho não lograria êxito.

Agradeço, afetuosa e imensamente, a Rodrigo Freire, grande amigo e excelente

orientador desta tese de doutorado. Desde antes de me graduar, Rodrigo sempre me incentivou

e motivou com relação à academia e, durante meus anos como pós-graduando, esteve sempre

presente e muito solícito. É colossal minha gratidão pela confiança em mim depositada, pelas

muitas horas de trabalho em seminários e pelos muitos quilômetros de caminhadas, regadas à

conversas sobre lógica e filosofia da matemática, pelos campi da Unicamp, USP e UnB.

Agradeço, alegre e emocionadamente, a meus queridíssimos amigos Leandro, Hen-

rique, Newton, Inés, Alfredo e Juliana. As viagens, a cumplicidade e a convivência das quais

tive o privilégio e felicidade de gozar na companhia de vocês foram alguns dos principais mo-

mentos de alegria e contentamento que vivenciei durante os anos de doutoramento. Os muitos

bons momentos com vocês compartilhados deixaram marcas indeléveis em mim e, sem vossa

amizade, estes últimos anos teriam sido muito menos divertidos e tranquilos.

Agradeço, muitíssimo, aos professores, aos pesquisadores e a todos os colegas -

em especial ao Bruno, Edson, Dave e Francesco - pela convivência harmoniosa, pelo ambiente

amistoso e pelo clima de camaradagem e descontração presentes em todas as atividades desen-

volvidas no Centro de Lógica. Sem esta atmosfera extremamente favorável, as muitas horas

em que passei no Centro de Lógica certamente não teriam sido tão proveitosas e prazerosas.

Por fim, gradeço à FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São

Paulo, pela concessão da bolsa de doutorado, cujo número do processo é 2013/01.011-6.

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Resumo

Esta Tese tem por objetivo contribuir para o entendimento de dois assuntos caros à filosofia

da matemática, a noções de verdade de proposições matemáticas e a noção de existência em

aritmética. Para isso, são apresentadas duas contribuições originais, uma para cada um desses

assuntos. Com relação à noção de verdade, são exploradas as consequências da adoção do

pressuposto que as condições de verdade das proposições aritméticas são determinadas por

um padrão normativo instituído pela prática matemática. A análise desenvolvida estabelece

precisamente em qual sentido o modelo padrão da aritmética - e consequentemente, o valor

de verdade das sentenças aritméticas - é fixado pelo pressuposto de análise. Quanto à noção

de existência, é desenvolvida uma proposta de avaliação dos requerimentos existenciais das

sentenças aritméticas a partir do pressuposto que o importe existencial destas sentenças é um

atributo das condições de verdade das proposições aritméticas. A análise desse pressuposto

motiva uma definição precisa e bem fundamentada, no contexto aritmético, para o conceito de

axioma de existência de conjuntos. Adicionalmente, a análise fomenta um critério de diferen-

ciação entre os axiomas de teorias que são, sob o prisma das interpretações, indistinguíveis.

Palavras Chave: Aritmética. Verdade. Ontologia.

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Abstract

This Thesis aims to contribute to the understanding of two important subjects to the philosophy

of mathematics. The notion of truth for mathematical propositions and the notion of existence

in arithmetic. To pursue this target two original contributions are presented, one for each of

these subjects. With regard to the notion of truth, we explore the consequences of adopting

a normative framework to fix the truth value of arithmetic propositions. This normative

framework is instituted by mathematical practice. The analysis will establish in what sense

the standard model of arithmetic - and hence the truth value of arithmetic sentences - is fixed

by the analysis’ hypothesis. Concerned with the notion of existence, a proposal is made to

evaluate the existential requirements of arithmetic sentences. This evaluation is based on the

assumption that the existential import of these sentences is an attribute of the truth conditions of

arithmetic propositions. The analysis of this assumption motivates a precise and well-founded

definition, in the arithmetical context, to the concept of existence axiom in arithmetical context.

In addition, the analysis fosters a criterion of differentiation between the axioms of theories that

are, from the perspective of interpretations, indistinguishable.

Key Words: Arithmetic. Truth. Ontology.

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Sumário

Introdução 10

1 Análise das Condições de Verdade 19

1.1 Os princípios diretivos da aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.2 Análise dos princípios diretivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

1.3 Outras análises das condições de verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

1.4 Normatividade e verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

2 Análise dos Requerimentos Existenciais 69

2.1 Avaliação existencial da teoria de conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

2.2 Avaliação existencial da aritmética de Peano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

2.3 Avaliação existencial da aritmética de segunda ordem . . . . . . . . . . . . . . . . 94

2.4 Análise dos resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

Considerações Finais 110

Notas 117

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

Capítulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Capítulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

Bibliografia 133

Índice Remissivo 137

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Introdução

Tanto a noção de verdade de proposições matemáticas quanto à noção de importe

existencial dessas proposições são temas de inegável interesse para a filosofia da matemática.

São também, há muito, fontes de acalorado debate e rigoroso escrutínio, dos quais resultaram

uma miríade de interpretações e propostas de caracterização para tais noções. Não obstante,

acreditamos que há ainda muito para ser esclarecido e muitas lacunas a serem preenchidas.

Este trabalho é uma contribuição original, ainda que bastante modesta e limitada ao âmbito da

aritmética, à compreensão dessas duas noções.

O propósito, aqui, não é discutir em que consiste a verdade das proposições arit-

méticas ou elucubrar questões metafísicas acerca da existência em matemática. O que faremos

é apresentar duas propostas. A primeira consiste em um argumento voltado para a fixação

do valor de verdade das sentenças aritméticas. A segunda é uma proposta de avaliação das

demandas existenciais de sentenças aritméticas em sistemas axiomáticos.

Os pressupostos empregados nas discussões serão apresentados, de modo explícito,

ao longo da exposição, mas não serão alvo de defesa, crítica ou análise. Esses pressupostos

devem ser vistos como hipóteses de trabalho, com as conclusões condicionadas à adoção dos

pressupostos. Entretanto, tais pressupostos não são arbitrários; pelo contrário, encontram

respaldo em robustos quadros conceituais contemporâneos, cujas apresentações e análises não

estão no escopo desta Tese. Com relação a estes quadros teceremos apenas alguns comentários,

pertinentes às conclusões obtidas e para elas direcionados.

Neste trabalho, o estudo dos requerimentos existenciais é centrado em preceitos

semânticos, enquanto que na análise das condições de verdade das sentenças aritméticas há

substancial ênfase na prática matemática. Estas características são indícios da forte conexão

entre as propostas presentes nesta Tese de Doutorado e parte significativa do debate contem-

porâneo em filosofia da matemática.

Uma rápida reflexão sobre o papel da filosofia na matemática expõe duas posições

diametralmente opostas. Em um extremo, a filosofia precede à matemática. Posturas ou

atitudes, cujas motivações e justificativas são de cunho filosófico, exercem pressão sobre a

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matemática a qual, consequentemente, é influenciada e direcionada pela filosofia. Indícios

desse comportamento podem ser vistos na escola intuicionista, onde posições filosóficas acerca

de princípios lógicos e da natureza matemática engendram uma rejeição ao princípio do terceiro

excluído e, consequentemente, alteram de modo muito significativo os métodos e resultados

do universo matemático. Mostras desta primazia da filosofia sobre a matemática podem ser

vistos, também, em Leopold Kronecker, Henri Poincaré e Henri Lesbegue.1

Embora influente, a concepção de que a filosofia tem alguma prioridade sobre a

matemática não parece ser ratificada pela história desta última. De fato, a adoção do princípio

do terceiro excluído pelos matemáticos não parece ser motivada por razões filosóficas. O mesmo

pode ser dito da inclusão do axioma da escolha à teoria canônica de conjuntos, bem como a

adoção das definições impredicativas e a existência de um modelo pretendido para a aritmética.

Outra atitude, no extremo oposto da descrita acima, preconiza que a filosofia não

tem implicações na matemática. Mais incisivamente: a matemática é indiferente e independente

da filosofia. Com isso, ponderações filosóficas acerca da ontologia de objetos abstratos ou

sobre o status epistemológico da verdade matemática não oferecem qualquer contribuição

para matemática. Segundo Stewart Shapiro, com o qual concordamos, um filósofo que se

atenha a esta posição limita seu trabalho à simples descrição das atividades executadas pelos

matemáticos. Além disso, tal filósofo deve estar disposto a rejeitar todos os seus esforços, caso

estes entrem em conflito com desenvolvimentos na matemática.2

Um exemplo bastante ilustrativo das consequências de se adotar, em alguma me-

dida, uma ou outra atitude, é oferecida pela comparação dos posicionamentos de Errett Bishop

e Paul Bernays frente à crise pela qual passaram os fundamentos da matemática no começo do

século XX. Para Bernays, não havia crise alguma, pelo menos não para os matemáticos; as ob-

jeções eram, todas, de natureza filosófica, e a alegada crise na matemática era apenas aparente.

Bishop defendeu o oposto: a falta de escrúpulos filosóficos conduziu, sim, a matemática para

uma crise; essa crise era urgente e só poderia ser ignorada propositadamente.3 Outro exemplo,

este na segunda metade do século XX, é dado pelas posições antagônicas de Willard Quine e

Penelope Maddy acerca da adoção de novos axiomas para a teoria de conjuntos. Quine, mo-

tivado por considerações filosóficas, propõe que a teoria de conjuntos seja munida do axioma

da construtibilidade, mesmo que a maioria dos teóricos de conjuntos rejeite tal axioma. Na

direção oposta, Maddy indica que a filosofia da matemática deve se concentrar em analisar em

aspectos metodológicos do trabalho matemático e, em particular, as implicações do axioma da

construtibilidade.4

Não somos simpáticos a posições extremadas. Tendemos a uma posição moderada,

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que se afasta dos extremos e com muitas semelhanças à posição professada por Shapiro em

Philosophy of Mathematics: Structure and Ontology. Mas com uma diferença importante.

Como Shapiro, acreditamos que, em geral, os matemáticos sabem o que estão fa-

zendo e fazem algo que é valoroso; também endossamos o princípio de que a maior parte da

matemática é correta.5 No entanto, isso não nos impede de reconhecer que os matemáticos even-

tualmente cometem erros e incorrem em equívocos, alguns sistemática e continuadamente. Um

dos papéis da filosofia tem sido, e é, revelar alguns destes equívocos.6 Também concordamos

com Shapiro que não é possível escolher uma ontologia correta para então fazer matemática,

nem que se pode extrair a ontologia correta a partir da matemática como praticada.7 Em sin-

tonia com essa posição, a análise desenvolvida nesta Tese de Doutorado não endossa, e não

pressupõe, a adoção de uma posição particular com relação a ontologia de entes matemáticos.

Por razões que devem ficar claras ao longo da exposição, neste trabalho nos comprometemos

com a objetividade das proposições aritméticas acerca de números, não com a existência de

números.

Discordamos de Shapiro com relação à afirmação que “filosofia e matemática são

intimamente relacionadas, com nenhuma dominando a outra”.8 Como ele, entendemos que as

duas disciplinas são intimamente relacionadas. Mas, acreditamos, há uma pequena diferença

hierárquica entre elas, com predomínio da matemática sobre a filosofia. Por exemplo, se a

análise matemática de uma posição filosófica se mostrar inconsistente, então tal posição deve

ser abandonada, mesmo que seja extremamente criativa e eloquente acerca da matemática. Mas

um campo da matemática, por mais desarticulado e inverossímil que possa se revelar à análise

filosófica, não deve ser descartado em por esta razão.

Com relação à filosofia da matemática, endossamos a posição de que se trata de

uma atividade tanto descritiva quanto interpretativa da matemática. Neste sentido, não é

seu papel estipular como os matemáticos devem atuar, nem tentar impor quais problemas

devem ser atacados. No entanto, descrição e interpretação da matemática não devem ser os

únicos papéis desempenhados pela filosofia da matemática. Sugestões de quadros conceituais

e análises críticas do trabalho matemático são, em nosso entender, tarefas a serem executadas

em filosofia da matemática. Em não oposição a este entendimento, e por razões que se tornarão

claras ao longo da exposição, adotamos paradigmas pouco explorados na análise das noções

de verdade e existência no contexto aritmético.9 Para a verdade sugerimos um novo esquema

de fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas. Este esquema procura superar

algumas das principais dificuldades encontradas pelas tradições realista e formalista ao abordar

o mesmo problema. Quanto à existência, a análise fundamenta-se em critérios semânticos, não

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em critérios sintáticos. Como resultado as sentenças aritméticas são classificadas, de modo

uniforme e homogêneo, quanto às demandas existenciais.

Contemporaneamente, sistemas axiomáticos desempenham papel central na des-

crição e interpretação da matemática. Estes sistemas possuem duas componentes: sistemas

formais e modelos. Os modelos são de natureza semântica-veritativa, enquanto os sistemas

formais são de natureza sintático-dedutiva. Grosso modo, o modelo codifica as condições de

verdade das proposições do ramo da matemática descrito pelo sistema axiomático, enquanto o

sistema formal codifica a linguagem, os métodos de dedução e os termos primitivos da área da

matemática em análise.

Fixado um sistema formal, há duas possibilidades para seus modelos: ou há um

único modelo (a menos de isomorfismos) ou há uma infinidade de modelos (não isomorfos).

Quando ocorre o primeiro caso, trata-se de um sistema formal interpretado e, quando ocorre o

outro caso, o sistema formal é não interpretado. Essa nomenclatura é estendida, de modo natural,

também aos sistemas axiomáticos. Tal diferenciação na relação entre os sistemas formais e os

modelos não é incomum na literatura sobre lógica matemática e filosofia da matemática.10

Exemplos canônicos de sistemas axiomáticos não interpretados são os da teoria

de grupos; nestes, toda estrutura que ateste a veracidade dos axiomas de grupos é um mo-

delo genuíno da teoria de grupos.11 Defendemos que o mesmo não ocorre com a aritmética.

Endossamos a postura, compartilhada por muitos matemáticos e filósofos, que os sistemas

axiomáticos da aritmética são interpretados: há, a menos de isomorfismos, um único modelo

para a aritmética. Este modelo é o modelo padrão, ou modelo pretendido, da aritmética.12

O entendimento de que há um modelo padrão para a aritmética acarreta consequên-

cias imediatas para a análise da verdade em aritmética: se há um modelo privilegiado, então

as condições de verdade das proposições aritméticas estão dadas por esse modelo. E, uma vez

que as condições de verdade das proposições são preservadas nas sentenças que expressam

a proposição, o valor de verdade da proposição pode ser aferido pela inspeção recursiva da

sentença. Deste modo, se a estipulação do modelo padrão da aritmética estiver alicerçada em

bases robustas, então o mesmo poderá ser dito sobre a verdade das proposições aritméticas.

Entretanto, é reconhecidamente problemático fornecer bases segundo as quais um modelo da

aritmética possa, justificadamente, ser denominado modelo padrão. Fornecer bases para a esti-

pulação do modelo padrão e, consequentemente, do valor de verdade das sentenças aritméticas

é o primeiro dos problemas atacados nesta Tese. Visando a este fim, será adotado o pressu-

posto de que a verdade das proposições aritméticas é determinada por princípios de natureza

normativa, instituídos pela prática matemática. A partir desse pressuposto, o enredo que será

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seguido na investigação do problema é formado por quatro partes.

Na primeira parte, são oferecidas referências para o quadro conceitual que suporta

a adoção do pressuposto acima. Visto que este pressuposto situa a verdade das sentenças arit-

méticas em um espaço normativo, são apresentadas algumas considerações sobre classificação

de normas direcionadas para a matemática. O intuito dessas considerações não é caracterizar

por completo a noção de norma no contexto aritmético; é, sim, fornecer uma lista de condições,

que entendemos necessárias, para que uma expressão seja uma norma para a prática aritmé-

tica. Em seguida, explicações são oferecidas para a noção de prática matemática, que é outro

constituinte do pressuposto. De modo similar ao anterior, não se pretende caracterizar essa

noção; apenas fornecemos uma formulação de como essa noção deve ser entendida no contexto

desta Tese. Em seguida, são enunciadas as normas que, alegamos, regem a aritmética e estão

em conformidade com as considerações tecidas previamente. Por fim, afirmamos que se a

aritmética é uma disciplina regida por tais normas, então qualquer estrutura que se conforme

a estas normas pode ser denominada modelo padrão da aritmética.

Na segunda seção esclarecemos em qual sentido, precisamente, as normas enunci-

adas são fundantes da estipulação do modelo padrão. Para isso, é desenvolvida uma análise

rigorosa tanto das normas quanto dos métodos de análise das normas. As ferramentas empre-

gadas na análise das normas são os sistemas semânticos de Per Lindström.13 Uma vez avaliadas

as normas, procede-se a avaliação dos sistemas semânticos; para isso, são consideradas três mé-

tricas, que quantificam e qualificam aspectos matemáticos, dedutivos e modelo-teóricos. A

partir dos resultados dessas análises é possível estabelecer, de modo preciso, em qual medida a

adoção do quadro normativo contribui para a fundamentação do modelo pretendido da aritmé-

tica. Além de fixar o modelo padrão da aritmética, a análise oferece uma fundamentação para

verdade dos axiomas da aritmética de Peano e, por fim, a análise também motiva a sugestão de

que linguagens infinitárias podem desempenhar papel relevante, ou pelo menos interessante,

no estudo de questões fundacionais.

Este não é o primeiro trabalho desenvolvido com o objetivo de fundamentar a esti-

pulação do modelo padrão da aritmética. Como expresso no início desta Introdução, este é um

problema importante, há muito discutido e para o qual formulamos, dentre tantas outras, uma

contribuição original. Deste modo, é certamente benéfico comparar a proposta aqui defendida

com outras presentes na literatura. Isto é realizado na terceira seção, quando são apresentadas

e discutidas três propostas. A primeira é uma estratégia, proposta por Vann McGee, que consi-

dera modelos da teoria de conjuntos com átomos e em segunda ordem. A segunda é o critério

de minimalidade empregado por Haim Gaifman e, a última, é o estruturalismo modal de Geof-

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15

frey Hellman. O resultado das comparações é extremamente favorável à proposta apresentada

nesse trabalho.

A quarta, e última, seção dedicada à análise da verdade traz o esboço de um

esquema conceitual para a verdade de sentenças aritméticas; tal esquema é coerente com a

análise desenvolvida nas seções anteriores e, uma vez adotado, serve de suporte às mesmas.

Este esquema é comparado a outros dois esquemas conceituais que se dedicam ao mesmo fim,

associados às tradições formalista e realista em filosofia da matemática. Por esta razão, são

apresentadas algumas das características da fixação do valor de verdade das sentenças aritmé-

ticas por estas escolas. Concomitantemente, são apresentados os principais problemas dessas

abordagens: os “modelos no céu”, no caso da tradição realista e o problema da transcendência

da verdade, ligado à escola formalista. Apresentados os esquemas e destacados os problemas,

discorremos sobre o novo esquema conceitual, que pressupõe o entendimento normativo da

aritmética e compartilha muitas das virtudes, mas não de todos os vícios, das abordagens tra-

dicionais citadas. Com isto, concluímos as investigações acerca das condições de verdade das

sentenças aritméticas.

Acreditamos que a conjunção das estratégias empregadas na análise com as con-

clusões obtidas são uma forte evidência de que a proposta presente nesta Tese deva ser consi-

derada, ao menos, um modo interessante de pensar a fixação do modelo padrão da aritmética.

Na sequência do trabalho o foco migra, da noção de verdade, para considerações a respeito dos

requerimentos existenciais das sentenças aritméticas.

Uma motivação para a análise existencial reside no folclore, bastante difundido,

que sistemas formais bi-interpretáveis são dedutivamente equivalentes. Tal posição não carece

de fundamento; de fato, se dois sistemas formais são bi-interpretáveis, então as linguagens são

interdefiníveis, todo teorema de um sistema é mapeado em um teorema do outro sistema e toda

dedução de teorema elaborada em um dos sistemas pode ser mecanicamente convertida, no

outro sistema, na dedução da interpretação do teorema. Deste modo, a diferença entre sistemas

formais bi-interpretáveis consistiria, apenas, nos símbolos escolhidos como primitivos e nas

sentenças escolhidas como axiomas. Do ponto de vista dedutivo, tais distinções não parecem

ser relevantes. Além disso, como consequência da bi-interpretação, a interdefinibilidade dos

modelos dos sistemas formais não permite que haja uma diferenciação significativa por apelo

às classes de modelos dos sistemas formais. Trata-se, portanto, de uma forma bastante forte de

equivalência.

Visto por este prisma folclórico, o sistema axiomático da aritmética de Peano e uma

certa teoria axiomática de conjuntos T são equivalentes.14 Não se coloca em disputa que esses

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sistemas são extremamente parecidos do ponto de vista dedutivo e da classe de modelos. Mas,

se sustentamos que sistemas axiomáticos são um instrumento de interpretação da matemática,

é natural que seja formulada a seguinte questão: há algum sentido preciso, segundo o qual os

sistemas axiomáticos da aritmética de Peano e a teoria T são, significativamente, distinguíveis?

A análise das demandas existenciais desenvolvida nesta Tese de Doutorado fornece, no nível

dos axiomas da teorias envolvidas, uma resposta afirmativa para esta questão.

Outra motivação para a investigação da noção de existência em sistemas axiomáti-

cos da aritmética reside na ausência de uma definição precisa - a despeito do uso amplamente

disseminado - da noção axioma de existência de conjuntos em contextos aritméticos.15 A análise

existencial, voltada para os axiomas das aritméticas de Peano e de segunda ordem, motiva a

formulação de uma definição de axioma de existência no contexto aritmético e, com isso, preenche

uma lacuna conceitual detectada nos tratados fundacionais contemporâneos em aritmética.

A definição que será apresentada neste trabalho é adequada por ao menos duas

razões. Primeiramente, a definição encontra-se em conformidade com as investigações sobre

axiomas de existência desenvolvidas pelo programa da matemática reversa, programa este

apresentado por Stephen Simpson e discutido brevemente na Seção 2.4 deste trabalho. Outra

razão é a uniformidade da definição presente nesta Tese com a definição de axioma de existência,

no contexto da teoria de conjuntos ZFC, formulada por Rodrigo Freire.

Deve ser destacado que a homogeneidade entre a proposta de Freire e a desen-

volvida neste trabalho não é acidental; pelo contrário, foi esperada e almejada. Isto porque

as estratégias utilizadas nas investigações existenciais aqui desenvolvidas são, integralmente,

motivadas e fundamentadas no trabalho realizado por Freire.

A tarefa de investigar a noção de axioma de existência demandou de Freire a

confecção de três artigos científicos. No primeiro [27], a partir de pressupostos semânticos

é oferecida uma definição original, precisa e bem fundamentada, da noção de axioma de

existência de conjuntos na teoria ZFC; essa definição motiva, do ponto de vista existencial,

uma classificação original dos axiomas desta teoria. No segundo artigo [28], a classificação dos

axiomas é alvo de avaliação, revelando que se trata de uma classificação bastante robusta e

estável. Por fim, no terceiro e último artigo [29], a análise existencial é estendida e utilizada

como ferramenta de investigação para a busca de novos axiomas para a teoria de conjuntos. As

estratégias empregadas por Freire no primeiro dos artigos são, aqui, adaptadas para o contexto

aritmético e exploradas em quatro etapas, com uma seção dedicada a cada uma das etapas.

Na primeira etapa são apresentados, breve e explicitamente, os pressupostos que

são empregados na análise existencial das sentenças. Em seguida são discutidas, também

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de modo breve, duas propostas distintas (cada uma delas fundadas em pressupostos distintos

daqueles empregados por Freire e aqui adotados) de análise existencial de sentenças aritméticas.

Concomitantemente, são tecidos alguns comentários sobre problemas inerentes, e que julgamos

sérios, dessas propostas. Encerramos a primeira parte com a apresentação da estratégia geral

presente no primeiro artigo de Freire e das adaptações necessárias para a análise da aritmética.

Na etapa seguinte é apresentado um sistema axiomático da aritmética de Peano em

primeira ordem. Na sequência, a teoria de conjuntos bi-interpretável com o a aritmética de

Peano é apresentada e a noção de grau de requerimento existencial, para sentenças aritméticas, é

definida. São exploradas algumas consequências dessa definição e os axiomas da aritmética de

Peano são classificados em razão de seu grau de requerimento existencial.

A seção seguinte é dedicada à aritmética de segunda ordem e segue roteiro análogo

ao da etapa anterior: um sistema axiomático da aritmética de segunda ordem é apresentado

e a teoria de conjuntos bi-interpretável com esta aritmética é descrita; a definição de grau de

requerimento existencial, dada para Peano, é estendida para a aritmética de segunda ordem;

as sentenças da aritmética de segunda ordem são classificadas em função de seu grau de

requerimento existencial e algumas consequências da definição são exploradas.

Na última seção desta Tese são avaliadas as consequências do estudo existencial

para os problemas acima delineados. O resultado é bastante animador, pois é bem ajustada ao

emprego corrente da noção de existência no programa de matemática reversa. Além disso, a

análise aponta para uma diferenciação significativa entre as axiomatizações da aritmética de

Peano e da teoria T.

Antes de iniciarmos a análise sistemática das ideias e resultados até o momento

delineados, é imperativo que sejam feitos esclarecimentos, e reconhecimentos, relativos a ori-

ginalidade das ideias aqui presentes.

Nesta Introdução procuramos apresentar, motivar e delinear os temas aos quais

essa Tese se dedica: uma análise das condições de verdade e dos requerimentos existenciais em

sistemas axiomáticos aritméticos. Para ambos os temas, as posições assumidas e endossadas

pelo autor desse trabalho foram profundamente influenciadas pelas posições de seus orienta-

dores acerca de lógica e filosofia da matemática. Particularmente influentes foram as posições

de Freire acerca da natureza da matemática.

No caso da análise existencial, a influência pode ser diretamente referenciada: os

métodos de análise e algumas das motivações foram extraídas e motivadas pelos trabalhos

de Freire acima citados. Quanto às investigações acerca da verdade, a influência também é

marcante, mas mais difícil de ser referenciada. A atitude de considerar a matemática regida

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por normas instituídas pela prática é uma concepção e visão de matemática elaborada por

Rodrigo Freire e, infelizmente, ainda não publicada. O autor deste trabalho foi profundamente

influenciado e cativado por essa posição ao longo de seu doutoramento, e endossa essa visão da

natureza matemática. Dito isso, a análise das condições de verdade em aritmética desenvolvida

nesta Tese deve ser vista como o estudo de um caso particular (aritmética), feita pelo autor da

Tese, da concepção de matemática concebida por Freire.

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Capítulo 1

Análise das Condições de Verdade

Este capítulo é dedicado à análise das condições de verdade das sentenças aritmé-

ticas,1 a qual será articulada em torno da suposição que a aritmética é de natureza normativa e

que as normas relevantes são instituídas pela prática matemática. O elemento normativo não

desempenha papel acessório na estipulação do conteúdo proposicional das sentenças aritmé-

ticas; pelo contrário, as normas que regem a aritmética determinam o valor de verdade das

proposições aritméticas. Entretanto, não é o objetivo deste trabalho discorrer sobre o papel das

normas na determinação das condições de verdade de proposições em geral e, em particular,

da aritmética; há um rico e extenso debate a este respeito. Uma argumentação contemporânea,

muito abrangente, filosoficamente articulada, bem fundamentada e bastante influente acerca

da relação entre normatividade e conteúdo proposicional é professada por Robert Brandom.

Segundo Brandom, os pensamentos e argumentos desenvolvidos por nós - seres

sapientes, moralmente comprometidos com aquilo que afirmamos e logicamente articulados -

são governados por normas que estão implícitas na prática discursiva, e é precisamente esta

prática que institui os padrões normativos que constituem o significado das próprias palavras;

o significado das palavras é, essencialmente, social.2 E, uma vez que estejamos comprometidos

com os respectivos discursos e estes são fundados na prática social, a explicação do conteúdo

proposicional é desenvolvida a partir da prática pública em direção ao pensamento e conteúdo

privado. O ponto central em Brandom - e para o pressuposto que assumimos na análise

desenvolvida neste capítulo - é que o fundamento do conteúdo proposicional do discurso

racional é a prática social. A descrição precisa deste rico quadro conceitual é apresentada por

Brandom em seu prestigiado Making it Explicit, [9].

Cientes desse aparato conceitual, assumimos que o conteúdo proposicional de sen-

tenças aritméticas (condições de verdade inclusas) é fundado na prática matemática e analisa-

mos as consequências, com relação à fixação do valor de verdade de sentenças aritméticas, da

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adoção do seguinte pressuposto:

As condicoes de verdade das sentencas aritmeticas saodeterminadas por normas que, por sua vez, sao

instituidas pela pratica matematica.

O cerne de nossa proposta de análise das condições de verdade é estabelecer, em

qual medida e sob quais condições, a estrutura padrão da aritmética pode ser fixada com base

neste pressuposto. Mas o pressuposto não será objeto de análise. Isto porque qualquer projeto

de análise conceitual das relações entre os componentes individuais do pressuposto - verdade,

normatividade, prática matemática - constitui, por si só, tema de investigação filosófica que

demanda por um trabalho, intensa e exclusivamente, destinado a esse fim.

Na sequência discorremos de modo breve acerca de condições que nos parecem

suficientes para as noções de norma e prática matemática. Julgamos que o entendimento destas

noções segundo as condições apresentadas é coerente com as demandas presentes no quadro

conceitual de Brandom e bastam para os propósitos desta Tese. Também apresentamos uma

coleção de normas que, acreditamos, estão presentes na prática matemática da aritmética. Uma

das evidências da adequação destas normas enquanto regimento do discurso aritmético é a

fixação do modelo padrão da aritmética, discutido na Seção 1.2.

1.1 Os princípios diretivos da aritmética

Contemporaneamente, análises filosóficas da matemática e, em particular da arit-

mética, tem se voltado à prática matemática em busca de fundamentação, inspiração e moti-

vação. Exemplos dessa tendência podem ser vistos no compêndio editado por Paolo Mancuso

[56] e no livro de José Ferreirós [23]. Uma vez que, no que tange a investigação da noção de ver-

dade em aritmética, a noção de prática matemática aparece como um dos componentes centrais

do pressuposto adotado, o trabalho desenvolvido nesta Tese pode ser considerado alinhado à

investigações atuais em filosofia da matemática.

Ainda que bastante empregada, não é uma tarefa fácil definir, ou mesmo caracterizar

de modo abrangente, a noção de prática matemática. E, embora a análise apresentada neste

capítulo prescinda de uma caracterização dessa noção, alguns comentários serão tecidos com a

expectativa de fornecer uma noção de prática matemática que seja coerente com o pressuposto

adotado e com o quadro conceitual que lhe dá suporte.

Uma explicação comumente encontrada, mas inócua e não objetiva, estabelece

que prática matemática é “o produto do trabalho do matemático.”3 Uma definição precisa,

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filosoficamente articulada e bastante influente é apresentada por Philip Kitcher em [45], para

quem a matemática, assim como qualquer outra atividade humana, é falível. Ainda segundo

Kitcher, a lógica matemática é uma ferramenta de extrema importância para os programas

fundacionais, mas não é apropriada para a análise das descobertas em matemática ou para

esclarecimentos acerca da natureza do conhecimento matemático. É a prática matemática que

possui lugar privilegiado para reflexões sobre tais questões.

A partir desta perspectiva, Kitcher formula uma explicação para o acúmulo de

conhecimento matemático. Na articulação dessa explicação, a noção de prática matemática

recebe uma definição precisa, cuja inspiração é, assumidamente, a concepção de Kuhn acerca

do conhecimento científico.4 Um elemento que Kitcher vê, em Kuhn, é o entendimento de que

acúmulo de conhecimento científico deve ser explicado pelas mudanças da prática científica

a partir de diversas componentes, tais como: linguagem; princípios teóricos; exemplos de

trabalhos experimentais e teóricos dignos de emulação; métodos de raciocínio; técnicas de

resolução de problemas; avaliações da importância de questões; pontos de vista metacientíficos

e assim por diante. Para Kitcher, o principal insight de Kuhn sobre as mudanças em ciência é a

visão de que a história de um campo científico pode ser considerada uma sequência de práticas.

E, a partir deste ponto de vista, propõe uma tese análoga para a matemática, ou seja, que o

acúmulo do conhecimento matemático deve ser explicado pelos desenvolvimentos da prática

matemática.5

Kitcher, influenciado pelas ideias de Kuhn, sustenta que a noção de prática mate-

mática é constituída por cinco componentes e denotada pela quíntupla 〈L,M,Q,R,S〉, em que

L é uma linguagem na qual os demais componentes são desenvolvidos, M é a metamatemática

(que, entre outros fatores, inclui os padrões de rigor em voga), Q são os problemas matemáticos

aceitos, R são as formas de raciocínio aceitas e S são asserções. A partir dessa noção, é de-

senvolvida uma extensa análise da metodologia da matemática, explicando como a mediação

racional da passagem de uma prática matemática para outra incrementa o conhecimento mate-

mático. Com isso, o problema de explicar o acúmulo de conhecimento matemático reduz-se ao

problema de entender o que torna a transição de uma prática 〈L,M,Q,R,S〉, para uma prática

imediatamente seguinte 〈L′,M′,Q′,R′,S′〉, uma transição racional.

As ideais de Kitcher acerca da prática matemática e do conhecimento matemático

influenciaram, assumida e diretamente, as posições que José Ferreirós manifesta em Mathema-

tical Practice, [23]. Nesta obra, Ferreirós investiga o lugar do conhecimento matemático dentro

do conhecimento humano e, ao atacar este problema, adota a perspectiva de que a reflexão filo-

sófica sobre a matemática e sua metodologia deve ser interdisciplinar e centralizada na noção

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de prática matemática. Contudo, esta postura não descarta que outros pontos de vista possam

ser interessantes e esclarecedores; indica, apenas, que não são por ele considerados. De modo

coerente com essa posição, o elemento interdisciplinar da análise do conhecimento matemático

tecida por Ferreirós emprega uma perspectiva cognitiva, pragmática e histórica.6

Ferreirós exclui a componente M, metamatemática, da definição de prática mate-

mática em Kitcher, de modo que a quádrupla resultante constitua uma primeira aproximação

do que ele entende como a noção de framework.7 Esta noção desempenha papel importante

na caracterização de prática matemática oferecida por Ferreirós e ilumina um ponto de discor-

dância deste com relação a Kitcher. Para Ferreirós - diferentemente do que sustenta Kitcher

- em um mesmo momento histórico podem coexistir diversos frameworks para a prática ma-

temática, sendo que o elemento chave para a compreensão do conhecimento matemático são

as inter-relações entre as diversas práticas matemáticas. Após tecer algumas críticas à concep-

ção (precisa) de Kitcher, Ferreirós reconhece que definir uma noção de prática ou de prática

matemática é deveras complicado e, também por essa razão, ele se limita a oferecer uma carac-

terização que, embora bastante inclusiva, fornece um conjunto de condições suficientes, mas

não necessárias, para a noção de prática matemática.

Neste processo de caracterização são avaliados os trabalhos e métodos tanto de

historiadores quanto de filósofos da matemática. Ao longo da avaliação, Ferreirós destaca

que não há prática sem praticantes, que são os fatores regulativos da prática matemática que

tornam o conhecimento matemático possível e que as análises desses fatores regulativos não

devem excluir os praticantes. Por fim, ele advoga que a noção de prática requer um certo

grau restrito de generalidade, pois não se trata de uma noção que visa à compreensão de todo

conhecimento compartilhado por uma comunidade. Estas considerações redundam na seguinte

caracterização: “prática matemática é o que a comunidade de matemáticos faz quando emprega

recursos como frameworks com base em suas habilidades cognitivas para resolver problemas,

provar teoremas, formatar teorias e (às vezes) elaborar novos frameworks”.8

No quadro conceitual de Brandom, normas implícitas na prática discursiva de

uma comunidade desempenham papel central na instituição do conteúdo proposicional do

discurso racional da comunidade. Na extensão de nossa compreensão do quadro de Brandom

e da proposta de Ferreirós, a caracterização de prática matemática oferecida pelo último é

harmônica com a noção geral de prática pressuposta no quadro conceitual do primeiro. É

segundo a caracterização de Ferreirós, enunciada no parágrafo anterior, que a noção de prática

matemática deve ser entendida nesta Tese.

Afirmamos acima que a noção de prática matemática tem desempenhado papel

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relevante na filosofia da matemática contemporânea. O mesmo pode ser dito acerca do papel

das normas na estipulação do conteúdo proposicional e do significado de proposições. Isto

pode ser atestado, por exemplo, pelas múltiplas referências oferecidas por Kathrin Glüer e Åsa

Wikforss em [32]. Entretanto, caracterizar em que consiste uma norma, assim como caracterizar

a noção de prática matemática, não é tarefa das mais simples.

Em [75], Georg von Wright discute diversos empregos e fornece uma classificação

bastante ampla das normas empregadas nos mais variados discursos. Tal classificação identifica

três grupos principais de normas, as prescrições, as regras e as normas técnicas. Para von

Wright, exemplos canônicos de prescrições são as normas de cunho jurídico e as leis do estado,

impostas por agentes em posição de autoridade com relação àqueles que se submetem às

normas. A promulgação é componente essencial das prescrições, cuja efetividade é resguardada

por sanções que são anunciadas juntamente com a promulgação. Regras são caracterizadas

como normas que regulam o desenvolvimento dos mais diversos tipos de jogos; exemplos

canônicos de regras são aquelas que regem as partidas de xadrez e de beisebol. As regras

não descrevem e não prescrevem o jogo, elas determinam o jogo e, em geral, não possuem

uma contraparte semântica. As normas técnicas dizem respeito aos meios necessários para que

determinados fins sejam atingidos. Exemplos canônicos dessas normas são de instruções de uso,

nas suas diversas formulações. Ainda segundo von Wright, há outros três grupos de normas

que, em uma primeira aproximação, podem ser vistos como combinações dos grupos acima. As

normas morais compartilham de características das prescrições e das normas técnicas, enquanto

as regras ideais apresentam características em comum com as regras e as normas técnicas. Por

fim, os costumes compartilham propriedades com as regras e as prescrições.

Quanto ao foco deste trabalho, a aritmética, von Wright sugere que as normas que

legislam sobre o discurso matemático devem ser classificadas como regras.9 Uma classificação

em que as normas que regem o discurso aritmético são vistas como regras de um jogo pode ser

entendida como um endosso à tradição formalista da matemática, posição que não endossamos.

Lembramos que o pressuposto central adotado neste capítulo é que a aritmética é

uma disciplina cujo discurso é legislado por normas, que as normas determinam o valor de

verdade das proposições aritméticas e que essas normas são instituídas pela prática matemática.

No restante deste trabalho, as normas que se ajustam a este pressuposto serão denominadas

princípios diretivos da aritmética e, muitas vezes, referenciadas apenas por princípios diretivos ou,

simplesmente, princípios.10

Os princípios diretivos não se identificam com nenhuma das classificações apre-

sentadas por von Wright, embora compartilhem com as prescrições algumas características.

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Por exemplo, em consonância com as prescrições, os princípios diretivos exercem pressão nor-

mativa sobre os membros da comunidade matemática e são passíveis de aprimoramentos e

substituições; em dissonância, não há promulgação dos princípios e não são previstas sanções

àqueles que não se sujeitem as normas. Em tais casos, identifica-se a ocorrência de erros e, em

situações extremas, a não conformidade aos princípios diretivos é um atestado de que o assunto

em discussão não é aritmética.

Mesmo que a aritmética fosse considerada um jogo simbólico-formal e os princípios

diretivos os axiomas desse formalismo (ambas as conjuntas são rejeitadas nesta Tese), ainda

assim os princípios diretivos não deveriam ser classificados como regras (no sentido de von

Wright), pois os princípios possuem dimensão semântica. Esta dimensão semântica, a qual não

é inteiramente capturada por sistemas formais de primeira ordem, permite a possibilidade de

fixação do modelo padrão da aritmética a partir dos princípios diretivos.11

As características catalogadas por von Wright contemplam apenas parcialmente a

fundamentação e enunciação das propriedades que almejamos para os princípios diretivos.

As demais características encontram respaldo conceitual em outros quadros conceituais nor-

mativos. Um exemplo de tal quadro é o apresentado por John Searle em seu importante e

influente Speach Acts [65], no qual é investigada a natureza da linguagem através da análise

dos denominados atos de fala.12 Central na abordagem de Searle é o pressuposto que falar

uma dada linguagem é performar atos em conformidade com certas normas, que por sua vez

são estratificadas em duas classes principais, as regras constitutivas e as regras regulativas. Estas

últimas podem sempre ser reformuladas na forma imperativa e legislam sobre um estado de

coisas independente das normas. Um exemplo canônico são as normas de etiqueta.13 Os prin-

cípios diretivos não se enquadram na categoria de regras regulativas; tampouco são exemplos

de normas regulativas, embora compartilhem de algumas das especificidades destas.

De modo similar às regras constitutivas, não há sanções para violações dos princí-

pios diretivos. Ademais, não parece razoável que os princípios diretivos da aritmética possam

ser violados; afinal, como violar uma diretiva que é constitutiva da aritmética? Se há uma

tal violação, não se trata da aritmética. Ainda em conformidade com as normas constitutivas,

princípios diretivos não necessariamente precisam ser parafraseadas no imperativo.

Uma das principais características das normas constitutivas de Searle, e da qual

também são munidos os princípios diretivos da aritmética, é a seguinte: os princípios são

seguidos mesmo que não sejam conhecidos.14 Além disso, em tese, um matemático que im-

plicitamente se sujeita a um princípio diretivo pode rejeitar tal princípio quando apresentado

a uma formulação explícita do mesmo. Isso pode ocorrer pois, ao ser formulado de modo

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explícito em uma linguagem específica, ocorrem distorções na codificação do princípio. Outra

razão deve-se à possibilidade de, ao ser exposto a uma formulação explícita do princípio, o

matemático não identificá-lo como aceitável, mesmo que parte significativa de sua atividade

profissional seja implicitamente governada pelo princípio. Acreditamos que um exemplo elu-

cidativo desta última situação pode ser visto na teoria de conjuntos, com relação ao princípio

de escolha dessa teoria.15 Conforme descrito por Gregory Moore em [61, p. 92-103] , Lebes-

gue empregou, implicitamente, princípios de escolha em seu trabalho matemático mas, ao ser

apresentado a formulação explícita do princípio desenvolvida por Zermelo (isto é, ao axioma

da escolha), manifestou contundente oposição. Embora não conheçamos, para a aritmética, um

exemplo contundente como o de Lebesgue, essa possibilidade não é excluída.

Para que sejam submetidos à análise, os princípios diretivos devem ser formulados

explicitamente. Em conformidade com o não endosso a versões fortes de realismo matemático,

a formulação dos princípios não deve apelar à intuição de objetos matemáticos. Uma vez

que são instituídos pela prática matemática, os princípios devem ser corretos com relação a

história da aritmética. Do ponto de vista metodológico, os princípios diretivos devem ser

extraídos da prática matemática da aritmética padrão e em conformidade com a tese que tanto

o significado das expressões dessa disciplina quanto o valor de verdade de suas proposições

são instituídos pelos princípios. Princípios que possam ser fundantes da verdade de sentenças

afirmativas acerca da existência de números que não são denotados por numerais (os números

não-standard) não parecem razoáveis, pois entendemos que a enunciação destes elementos são

manifestações dos sistemas formais da aritmética, não da prática aritmética padrão.

Ressaltamos que princípios diretivos da aritmética não são um sistema formal e não

são substitutos de sistemas formais. Isso, naturalmente, não os impede de serem submetidos

à análises lógicas, matemáticas e formais. Tanto este é o caso que, após serem enunciados de

modo explícito, serão submetidos ao escrutínio lógico. Não sustentamos que o modo como

serão avaliados é a única forma produtiva de se analisar os princípios, mas certamente é uma

forma legítima de fazê-lo.

A seguir serão enunciados, de modo explícito, quatro princípios diretivos para a

aritmética. Esta lista não é necessariamente minimal, pois eventualmente um dos princípios

pode ser considerado redundante na presença dos demais. Além disto, essa não é a lista de

princípios diretivos, pois outros princípios poderiam, eventualmente, ser admitidos. Por fim,

não está excluída a possibilidade de desenvolvimentos em aritmética fomentarem a adoção

de novos princípios diretivos - a prática matemática institui os princípios, não o contrário.16

Entretanto, mesmo que este seja o caso, no que diz respeito à fixação do valor de verdade das

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sentenças aritméticas, a adoção de novos princípios diretivos não é relevante; os princípios

diretivos aqui listados fixam o modelo padrão da aritmética e, consequentemente, qualquer

novo princípio diretivo será inócuo para a fixação do valor de verdade de sentenças aritméticas

- essa afirmação será avaliada na próxima seção. Uma vez que os princípios enunciados fixam

o valor de verdade das sentenças aritméticas, uma eventual revisão não trivial da lista de

princípios diretivos submeteria o valor de verdade das sentenças aritméticas à revisão. Mas

este não parece ser o caso; o lastro que estes princípios encontram na história da aritmética

nos deixam bastante confiantes de que estes são corretos e não serão revisados. Os princípios

diretivos da aritmética são enunciados a seguir.

Primeiro Principio Diretivo da Aritmetica (PD1):Cada número é denotado por um único numeral, que é um objeto sintático

obtido pela repetição, possivelmente vazia, de um símbolo primitivo.

Segundo Principio Diretivo da Aritmetica (PD2):Cada numeral denota um único número.

Terceiro Principio Diretivo da Aritmetica (PD3):Dados dois numerais s and t, a soma dos números denotados por s e t é

denotada pelo numeral obtido pela repetição do símbolo primitivodeterminado por s sobre t.

Quarto Principio Diretivo da Aritmetica (PD4):Dados dois numerais s e t, o produto dos números denotados por s e t é

denotado pelo numeral obtido pela repetição da repetição s determinada por t.

O ordenamento dos princípios - primeiro, segundo, etc - destina-se, exclusivamente, a identi-

ficação dos mesmos com vistas à referências futuras. Não há nenhuma relação de prioridade

entre eles. Além disso, parece-nos razoável a afirmação que, uma vez seja aceita a tese de

que a aritmética é de natureza normativa, dificilmente os princípios diretivos acima elencados

poderão ser vistos em oposição às normas que regem a aritmética. Quanto ao terceiro princípio

diretivo, uma forma de entender a denotação da soma dos números denotados por s e t é pela

concatenação dos numerais s e t. De forma análoga, a denotação do número que é o produto

dos números denotados por s e t pode ser entendida como t concatenação iteradas de s. Mas

como concatenação não é a única forma possível de proceder com os numerais, optamos pelas

formulações mais gerais dos princípios.

Os princípios diretivos PD1 e PD2 não devem ser vistos como uma proposta de

identificação entre número e numeral. Há ao menos duas boas razões para isso. A primeira,

é que tal identificação acarreta um forte comprometimento acerca da ontologia dos números;

quando números são numerais, a existência de números está determinada pela existência dos

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numerais e, uma vez que estes últimos são elementos sintáticos, recursivos e linguísticos, o

mesmo deveria ser dito acerca dos números. Estamos comprometidos com a objetividade do

valor de verdade das sentenças aritméticas, não com a existência de tais objetos. Julgamos

que, quando a fixação do modelo pretendido da aritmética é fundada nos princípios diretivos,

podemos prescindir de objetos particulares, físicos ou metafísicos, para a fixação do valor de

verdade de proposições da aritmética; o que é relevante é a determinação de um critério para

que se possa analisar todos os possíveis candidatos interessados em desempenhar o papel dos

números em aritmética. E esse critério é fornecido pelos princípios diretivos da aritmética

(voltaremos a este tema na Seção 1.4). Outra razão para a não adoção do colapso entre número

e numeral é que esta abordagem já foi considerada, em filosofia da matemática, por algumas

versões fortes de formalismo e, quando submetidas à análise, tais propostas se revelaram

bastante inapropriadas.

Uma forma adequada de compreender os princípios PD1 e PD2 é em analogia com

a tese de William Kneale, professada em Numbers and Numerals, segundo a qual números es-

tão para numerais assim como proposições estão para sentenças.17 Esta afirmação deve ser

entendida do seguinte modo: há diversas concepções distintas acerca da natureza das proposi-

ções, cada uma delas visando a distintos problemas ontológicos e epistemológicos; entretanto,

a despeito dessa multiplicidade de abordagens, em geral não é problemático assumir que as

sentenças são o vetor por meio do qual analisamos as proposições (esta é a posição adotada

neste trabalho com relação a ambos os temas em análise, as condições de verdade e os requeri-

mentos existenciais de proposições aritméticas). Analogamente, independentemente do status

ontológico e epistemológico dos números, os numerais são o veículo de análise dos números no

que tange questões aritméticas. Com isso, assim como para cada proposição há uma sentença (a

menos de equivalência), para cada número há um numeral (a menos de isomorfismos). E, assim

como sentenças são objetos linguístico que expressam as condições de verdade das proposições,

numerais são objetos sintáticos que expressam propriedades combinatórias dos números.

Além disso, assim como não há uma correspondência unívoca entre proposições

e sentenças - uma mesma proposição pode ser expressa por uma infinidade de sentenças

equivalentes -, também não há uma correspondência unívoca entre números e numerais. Isto

porque os numerais são vistos neste trabalho como objetos sintáticos obtidos por recursão a

partir de símbolo primitivo e há, claramente, infinitos modos de construir tais numerais.

Quanto aos princípios que regem as manipulações numéricas básicas, não nos

parece razoável questionar que estes refletem, de modo preciso, a prática das operações de

soma e a multiplicação. E também nos parece claro que, quando a aritmética é concebida como

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elemento de um espaço normativo, estes são os princípios que legislam sobre as operações

de soma e multiplicação. Além de bastante resistentes a críticas (por inversão do ônus da

prova), os princípios diretivos PD3 e PD4 encontram amplo lastro na história da matemática.

Por exemplo, quando são analisados alguns dos textos canônicos em história da matemática,

nota-se que o ensino da soma, da forma efetuada em ábacos ou pelos pitagóricos, pode ser

escrita, de modo não problemático e com linguagem moderna, na forma do princípio PD3. Se o

símbolo primitivo presente no enunciado dos princípios é, como no artigo em que Holger Leuz

[53] propõe uma fundamentação moderna da aritmética grega, representado pelo símbolo •, a

passagem a seguir, em que Leuz comenta sobre a adição nos Elementos de Euclides, pode ser

lida como um endosso da adequação do PD3 com relação a história da matemática:

[Euclides] não introduz a soma e a subtração como operações primi-tivas separadas, na verdade Euclides nem sequer define a soma. Emvez disso, ele usa noções intuitivas de reunião ou composição [...] Aapresentação de números como multiplicidades, acompanhada de dia-gramas informativos, torna na realidade claro o suficiente o que soma esubtração são. [...] O que as palavras que acabei de usar não implicamé óbvio o suficiente quando pensamos nelas e visualizamos em termosde coleções de pontos:18

• • • • • compostos com • • • resulta em • • • • • • • •

Quanto à multiplicação, a adequação do princípio diretivo PD4 com relação a his-

tória da matemática é evidenciada, por exemplo, pela leitura livro VII dos Elementos:

Um número é dito multiplicar um número, quando, quantas são asunidades nele tantas vezes o multiplicado seja adicionado, e algum sejaproduzido. [7, p. 270]

É claramente não problemático parafrasear a passagem acima na forma PD4.

Na sequência, os princípios diretivos serão submetidos ao escrutínio de sistemas

lógicos. O objetivo desse exame é indicar precisamente em quais, sentido e medida, o modelo

padrão da aritmética - e, consequentemente, o valor de verdade das sentenças aritméticas - é

fixado pelos os princípios diretivos da aritmética.

1.2 Análise dos princípios diretivos

Sustentamos que os princípios diretivos não são entes matemáticos, não são sistemas

formais e não são substitutos de sistemas formais; os princípios são constitutivos do espaço

normativo que rege aritmética e, neste sentido, devem ser vistos como anteriores aos sistemas

formais da aritmética. Mas não há razão para supor que estas considerações inviabilizem a

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análise rigorosa e formal dos princípios. Pelo contrário, uma análise dessa natureza é realizada

nesta seção e os princípios são examinados de uma perspectiva lógica.

Esclarecimentos quanto ao método de análise se fazem necessários, pois o termo

‘lógica’ é, usualmente, acompanhado de muitas qualificações, aplicações e apresentações. Gö-

del, por exemplo, em Russell’s Mathematical Logic toma por lógica a lógica formal a qual, por

sua vez, apresenta duas facetas distintas: por um lado, é um ramo da matemática e, por outro

lado, é uma ciência anterior a todas as outras.19 A análise que desenvolveremos não ocorrerá

segundo a perspectiva de “ciência anterior a todas as outras” mas, sim, de uma perspectiva

bastante próxima à matemática.

A noção de lógica empregada na análise dos princípios é a de Lindström, segundo

o qual uma lógica L é um par 〈LΣ, |=〉. Uma lógica, no sentido de Lindström, usualmente é

denominada lógica abstrata mas, no entanto, julgamos que a denominação sistema semântico é

mais adequada e daremos preferência a esta denominação. Dado um sistema semântico L, a

primeira componente par é um conjunto de sentenças em uma assinatura Σ. Serão considerados

apenas sistemas semânticos cujas sentenças admitam definição recursiva. A segunda compo-

nente dos sistemas semânticos é a relação de satisfatibilidade entre a classe das Σ-estruturas e

as Σ-sentenças. Exige-se, dentre outras condições, que a classe de estruturas seja fechada por

redutos e isomorfismos.20

Sistemas semânticos não necessariamente são munidos de uma contraparte formal,

isto é, não necessariamente há um sistema formal correlato para os sistemas semânticos. Entre-

tanto, este não é o caso dos sistemas semânticos empregados na análise dos princípios diretivos.

O sistema formal correlato a um sistema semântico é composto por uma linguagem formal, um

conjunto recursivo de axiomas e uma coleção finita de regras de inferência. Exemplos de

tais sistemas semânticos são a lógica de primeira ordem, lógica de segunda ordem e a lógica

infinitária que admite sentenças formadas por disjunções enumeráveis e ocorrência de quanti-

ficadores apenas em número finito. Tais sistemas serão denotados, respectivamente, Lωω, L2 e

Lω1ω. A apresentação detalhada desses sistemas pode ser vista, por exemplo, em [19] ou [20].

Formalização é o processo de reescrita de sentenças da linguagem natural em uma

linguagem formal.21 Uma das principais características da formalização é a eliminação de am-

biguidades ou vaguidades que, eventualmente, estejam presentes em sentenças da linguagem

natural. Em [49], Georg Kreisel destaca que a formalização tem outras virtudes além da elimi-

nação de ambiguidades, pois desempenha papel destacado em processos cognitivos, filosóficos

e relativos à prática matemática. Isto porque a formalização de um conceito é parte importante

do processo psicológico de entendimento, além de ser componente essencial do programa de

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Hilbert e desempenhar papel de relevo no trabalho diário do lógico-matemático. Exemplos

dessa última afirmação são a análise da estrutura cumulativa de conjuntos desenvolvida por

Zermelo, a explicação do porquê um problema matemático é um problema aberto com relação

a uma teoria e o entendimento do processo de memorização de provas matemáticas. Estas são

algumas das razões pelas quais a legitimidade e correção da formalização da linguagem natural

não é posta em discussão neste trabalho.

O primeiro passo em direção à análise rigorosa dos princípios diretivos é a forma-

lização dos mesmos. E, ainda que a formalização fosse considerada apenas da perspectiva da

eliminação de ambiguidades e vaguidades, isso não acarretaria que os princípios devessem ser

considerados vagos ou ambíguos. Os princípios diretivos da aritmética governam a prática

aritmética e, certamente, não há vaguidade ou imprecisão nesta afirmação ou nos enunciados

PD1 − PD4. A formalização, como a empregamos nesta Tese, não tem por foco a eliminação de

ambiguidades. A formalização é o primeiro movimento em direção a avaliação dos princípios

no que diz respeito à fixação do modelo padrão da aritmética.

Uma objeção que pode ser levantada quanto à formalização dos princípios diz

respeito a uma pretensa circularidade: a aritmética é governada por princípios que, por sua vez,

são formalizados em sistemas semânticos, os quais são formulados em metateorias impregnadas

de noções aritméticas. Mas não há circularidade alguma. Isto porque os princípios diretivos

da aritmética precedem conceitualmente os sistemas formais empregados na análise. Esta

observação continua válida mesmo quando os sistemas nos quais os princípios diretivos são

analisados internalizam completamente a aritmética ou quando a metateoria desses sistemas é

a aritmética.

Na formalização dos princípios será empregada a assinatura Σ = {+, ·, s, 0}, em que

0 é símbolo de constante, s é símbolo de função unária e tanto + quanto · são símbolos de função

binária. A interpretação pretendida aos símbolos é a usual: 0 é o numeral que denota o número

zero, s é o símbolo de função tal que, para cada numeral t, tem-se que st é o numeral que denota

o número que é o sucessor do número denotado por t. Por sua vez + é o símbolo de operação

binária tal que, dados os numerais t e v, tem-se que t + v é o numeral que denota a soma dos

números denotados por t e v. Analogamente, · é o símbolo de operação binária tal que, dados

os numerais t e v, tem-se que t ·v é o numeral que denota o produto dos números denotados por

t e v. A não estipulação de uma interpretação pretendida aos símbolos da assinatura inviabiliza

a formalização dos princípios. Isso porque a atribuição de símbolos da linguagem formal a

termos, relações e expressões da linguagem natural é elemento central da formalização. Não é

possível formalizar o discurso normativo aritmético, ou qualquer discurso, se não é atribuída

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uma interpretação privilegiada aos membros da assinatura da linguagem a ser interpretada.

A concatenação de sequências de símbolos será representada por _ e, com isso,

a concatenação das sequências u e v será denotada u_v. Os numerais são os termos sm(t),

definidos por recursão a partir dos Σ-termos t pelas seguintes cláusulas:

s0(t) = t e sm+1(t) = s_sm(t).

Uma vez que o único termo da assinatura Σ em consideração é o símbolo de

constante 0, adotamos a definição recursiva dos numerais em que s0(0) = 0 e sm(t), para m > 0,

é a expressão formada pela repetição de m símbolos s à esquerda do símbolo 0. Como usual, os

numerais 0, s0, ss0, etc, serão representados por 0, 1, 2, etc.

O principal objetivo dessa seção é analisar em que medida os princípios diretivos

da aritmética contribuem para a fixação do modelo padrão da aritmética. Diremos que uma

coleção de sentenças Γ com assinatura Σ em uma lógica L fixa a estrutura A quando A é modelo

de Γ e qualquer outro modelo de Γ é isomorfo a A. Uma vez que, dada qualquer estrutura

A e qualquer conjunto X equipotente ao domínio de A, há um modo canônico de obter uma

estrutura B, isomorfa a A e com domínio X, não é possível fixar uma estrutura a menos de sua

classe de isomorfismos. Posto de outro modo, uma coleção de sentenças fixa uma estrutura

quando a coleção de sentenças é, no sentido da teoria de modelos, categórica.

A contribuição dos princípios diretivos para a fixação da estrutura padrão será

avaliada do seguinte modo. Primeiro, escolhemos um sistema semânticoL cuja linguagem seja

suficientemente expressiva para formalizar, ao menos parcialmente, os princípios diretivos a

partir da assinatura Σ. Uma Σ-estrutura A é correta segundo os princípios diretivos da aritmética

quandoA é um modelo do conjunto de sentenças que corresponde a formalização dos princípios

diretivos. Neste sentido, os princípios constituem um critério de seleção, dentre todas as

Σ-estruturas, daquelas que são corretas segundo os princípios diretivos. Se quaisquer dois

membros na classe das estruturas corretas segundo os princípios diretivos são isomorfos, então

os princípios diretivos da aritmética fixam as estruturas aritméticas corretas. Se os princípios

diretivos da aritmética fixam as estruturas aritméticas corretas e 〈ω,+,×, suc, 0〉 é uma estrutura

correta, então os princípios diretivos da aritmética fixam o modelo pretendido da aritmética.

É natural que se proceda a uma meta-análise dos princípios diretivos, isto é, que os

sistemas semânticos que avaliam os princípios diretivos da aritmética sejam submetidos, eles

próprios, à análise. Tais sistemas serão avaliados com base em aspectos dedutivos, metateóricos

e matemáticos. Com relação ao primeiro desses aspectos, uma lógica é avaliada enquanto

ciência da dedução, e o caráter dedutivo encontra-se intrinsecamente associado ao aparato

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formal. Desta perspectiva, o critério de avaliação dos sistemas semânticos é a completude.

Sistemas semânticos nos quais as sentenças válidas sejam demonstráveis no sistema formal

correlato são mais bem avaliados do que os sistemas semânticos que não apresentam esta

característica.

O caráter metateórico está relacionado ao papel de instrumento de identificação de

estruturas matemáticas e noções correlatas que os sistemas semânticos podem assumir. Esse

aspecto será avaliado, prioritariamente, segundo as propriedades semânticas de Löwenheim-

Skolem e compacidade. Uma característica de sistemas semânticos munidos da propriedade de

Löwenheim-Skolem é a impossibilidade de fixar estruturas que possuam domínio infinito. Já

os sistemas munidos da propriedade de compacidade não distinguem estruturas com domínio

finito, mas arbitrariamente grande, de estruturas com domínio infinito. Sistemas semânticos

munidos dessas propriedades serão mais bem avaliados do que aqueles que não as possuem.22

Sistemas semânticos são impregnados de noções matemáticas, e o ambiente natural

de avaliação dessas noções é a teoria de conjuntos ZFC. Uma forma usual de avaliar quão

impregnado de noções matemáticas encontra-se um determinado conceito, expressável em

ZFC, é pela aferição da classe de modelos de ZFC para a qual o conceito sob avaliação é absoluto

- quanto maior a classe de modelos, menos impregnada de noções matemáticas encontra-se a

noção em análise. Nos casos considerados neste trabalho, a coleção de sentenças é definida por

recursão a partir de uma relação bem fundada e absoluta para modelos transitivos de ZFC e,

portanto, como consequência de um resultado bem conhecido [50, Teorema IV.5.6], a coleção

de sentenças é absoluta para modelos transitivos de ZFC. Resta, portanto, avaliar para quais

classes de modelos a relação de satisfatibilidade é absoluta.

Análise dos princípios diretivos em primeira ordem

Linguagens de primeira ordem são bastante expressivas, o que é atestado pelo fato

de parte significativa da matemática contemporânea ser descrita em uma dessas linguagens.23

Mas não é possível formalizar, em primeira ordem e com uma única sentença, a expressão

“a todo número corresponde um único numeral”.24 Uma vez que o princípio diretivo PD1,

apresentado através de uma expressão em linguagem natural, não pode ser formalizado por

uma única sentença em linguagem de primeira ordem, diremos que este princípio não admite

uma formalização plena em primeira ordem. Entretanto, pode-se apelar ao esquema de indução,

presente nas axiomatizações em primeira ordem da aritmética de Peano, e estabelecer uma

correlação entre o princípio diretivo PD1 e as infinitas instâncias do esquema de indução. Essa

correlação pode ser entendida como uma formalização parcial do princípio diretivo PD1.

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Em linguagem natural, uma forma de enunciar o princípio da indução é: considere

uma propriedade que se aplica aos números; se o número zero goza desta propriedade e, se

sempre que um número possuir tal propriedade seu sucessor também a possui, então todos os

números naturais possuem a propriedade em consideração.

O princípio diretivo PD1 pode ser empregado para justificar o princípio da indução.

Suponha PD1 e que há uma propriedade acerca dos números naturais tal que (i) o número zero

goza dessa propriedade, (ii) se um número possui tal propriedade, então seu sucessor também

a possui e (iii) há um número que não possui a propriedade. Pela condição (i) o número

denotado por 0 goza dessa propriedade e, pela condição (ii), se o número denotado por k

possui a propriedade, então o número denotado por sk também possui tal propriedade. Em

consequência da definição recursiva apresentada na página 31, os numerais são esgotados pelas

condições (i) e (ii) e, consequentemente, o número em (iii) que não goza da propriedade não

pode ser denotado por um numeral, o que contraria o princípio diretivo.

O princípio da indução pode ser usado para justificar o princípio diretivo. Admita

o princípio da indução e que a propriedade considerada é “ser denotado por um numeral". A

propriedade é desfrutada pelo número natural zero, pois este pode ser denotado pelo numeral 0.

O passo indutivo também é o caso, pois se um número é denotado pelo numeral k, seu sucessor

pode ser denotado por sk. Logo, é o caso que todo número é denotado por um numeral.

A partir da interpretação fornecida na página 30 aos termos primitivos da linguagem

aritmética, os demais princípios diretivos podem ser formalizados, plena e facilmente, em

primeira ordem. O princípio diretivo PD2 estabelece que numerais distintos denotam números

distintos. Os números são elementos do domínio das estruturas corretas segundo os princípios e

os numerais são termos gerados recursivamente. Disto, uma formalização do segundo princípio

diretivo é a expressão

∀m∀n(m , n→ sm(0) , sn(0)

).

O princípio diretivo PD3 estabelece que a soma de dois números é denotada pela

soma dos numerais que denotam cada um dos números. Os numerais são definidos pela

justaposição do símbolo s e, desse modo, é natural estabelecer que a soma de numerais é dada

pela justaposição, à esquerda, da sequência de símbolos s ao outro numeral. Por exemplo, a

soma do numeral s0 com o numeral ss0 é a concatenação s_ss(0), isto é, sss0. A partir dessas

considerações é razoável formalizar PD3 pela sentença

∀m∀n(sm+n(0) = sm(0) + sn(0)

).

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A formalização do PD4 é análoga ao do PD3, o que resulta em

∀m∀n(sm·n(0) = sm(0) · sn(0)

).

Admitindo-se que os princípios diretivos regem a prática aritmética, a formalização

aponta para uma justificativa plausível e bem fundamentada para a aceitação dos axiomas de

Peano. De fato, se a formalização dos princípios diretivos da aritmética em primeira ordem são

uma axiomatização da arimética de Peano, os axiomas são asserções aritméticas verdadeiras

não porque eles são verdades evidentes acerca dos números; de fato, não nos parece não

problemático afirmar que todas as infinitas instâncias do princípio da indução são verdades

evidentes. Também não defendemos que os axiomas devam ser vistos como verdadeiros pelo

fato de constituirem uma adaptação, quanto à expressividade, da veracidade dos axiomas da

aritmética escritos por Peano na linguagem de segunda ordem. Uma vez que se aceite a tese de

que há princípios que regulamentam aritmética e estes podem ser explicitados por PD1-PD4, os

axiomas da aritmética de Peano em primeira ordem não devem ser postos sob suspeição porque

trata-se apenas de formalizações, não plenas, dos princípios diretivos que regem aritmética.

Aceito o quadro segundo o qual os princípios são fundados na prática matemática, pode-se

afirmar que a adequação dos axiomas de Peano é fundada na prática matemática.

Conversamente, se os axiomas da aritmética de Peano são considerados não pro-

blemáticos, então não se pode advogar contra a adequação dos princípios diretivos PD1-PD4,

pois estes podem ser vistos como simples traduções, para a linguagem natural, dos axiomas.

Formalizados os princípios diretivos, procede-se a investigação do papel destes com

relação a fixação da estrutura padrão. A classe de estruturas corretas segundo os princípios

diretivos pode, certamente, ser considerada uma noção matemática. E o ambiente lógico-

matemático para a análise de noções matemáticas é, por excelência, a lógica de primeira ordem.25

As razões para esse reconhecimento são consonantes com as métricas que propomos para

a avaliação dos sistemas semânticos. Do ponto de vista dedutivo, sistemas semânticos de

primeira ordem são completos; quanto ao critério matemático, do mesmo modo que o conjuntos

de sentenças, a relação de satisfatibilidade é absoluta para todos os modelos transitivos de ZFC,

resultado folclórico que pode ser visto, por exemplo, em [18, Cap. 5, § 3]. Do ponto de vista

semântico, valem as propriedades de Löwenheim-Skolem, compacidade e, adicionalmente, as

propriedades da definibilidade de Beth e da interpolação de Craig. Entretanto, os princípios

diretivos da aritmética não fixam a estrutura padrão da aritmética, e a existência de modelos

não padrão para a aritmética de Peano justifica esta afirmação. De fato, se a formalização

dos princípios diretivos em primeira ordem fixasse a estrutura padrão da aritmética, então os

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axiomas de Peano fixariam tal estrutura, pois estes correspondem à formalização daqueles.

Quando as teses de que os princípios diretivos regem a prática aritmética e que a

prática deve fundamentar a fixação do modelo pretendido são endossadas, o fato da análise

dos princípios em sistemas semânticos de primeira ordem não fixar o modelo padrão pode ser

creditado à limitação expressiva da linguagem de primeira ordem - e, se este for o caso, lingua-

gens mais expressivas podem contribuir para a fixação do modelo pretendido. Mas, embora a

formalização dos princípios diretivos em primeira ordem não fixe o modelo pretendido da arit-

mética, a abordagem normativa da aritmética motiva uma diferenciação importante na classe

de modelos dos sistemas formais aritméticos. Essa diferenciação se faz necessária pois nenhum

sistema formal, em primeira ordem, é capaz de diferenciar o modelo pretendido dos demais

modelos do sistema formal. Como é bem colocado por Shoenfield em [69], o elemento fundante

da identificação do modelo padrão de um sistema formal não podem ser as intenções de quem

formata o sistema. Uma resposta objetiva pode ser dada com base nos princípios diretivos,

segundo o entendimento de que um modelo não standard é uma estrutura que é modelo de um

sistema formal mas que não se conforma a algum dos princípios diretivos.

Por exemplo, consideremos a teoria cuja linguagem é a linguagem da aritmética de

Peano acrescida de um símbolo de constante c e cujos axiomas são os da aritmética de Peano,

estendidos com uma coleção infinita de axiomas da forma c , 0, c , 1, c , 2, ... Esta teoria

é consistente e tem modelo C, cujo reduto apropriado é modelo da aritmética de Peano. Mas

a estrutura C não é um modelo pretendido da aritmética, pois não é correta com relação ao

princípio diretivo PD1.

Sabidamente, elemento importante para a não fixação da estrutura padrão pela for-

malização dos princípios diretivos é a validade, em primeira ordem, da propriedade ascendente

de Löwenheim-Skolem. Na sequência, os princípios diretivos serão formalizados em lingua-

gens mais expressivas do que a de primeira ordem e o resultado será avaliado em sistemas

semânticos nos quais não vale a versão ascendente da propriedade de Löwenheim-Skolem.

Análise dos princípios diretivos em segunda ordem

Posto que a linguagem de segunda ordem é mais expressiva do que a linguagem de

primeira ordem, toda sentença da última é uma sentença da primeira e, consequentemente, os

princípios diretivos PD2 − PD4 podem ser formalizados pelas mesmas expressões empregadas

nas considerações acima, relativas a primeira ordem. Quanto ao princípio diretivo PD1, em

segunda ordem é possível a formalização plena, isto é, formalizar o PD1 em uma única sentença

da linguagem formal. Uma apresentação dos princípios diretivos são as sentenças a seguir, em

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que P é uma variável de predicado unário, possivelmente com parâmetros.

PD1, em segunda ordem: ∀P(P(0) ∧ ∀x

(P(x)→ P(sx)

)→ ∀x P(x)

).

PD2, em segunda ordem: ∀m∀n(m , n→ sm(0) , sn(0)

).

PD3, em segunda ordem: ∀m∀n(sm+n(0) = sm(0) + sn(0)

).

PD4, em segunda ordem: ∀m∀n(sm·n(0) = sm(0) · sn(0)

).

Claramente, a formalização dos princípios diretivos corresponde a uma axiomati-

zação da aritmética de Peano em segunda ordem. Portanto, de modo análogo ao discutido

anteriormente, a adequação dos axiomas da aritmética de Peano em segunda ordem pode ser

asseverada pois correspondem à formalização dos princípios diretivos.

Segundo o quadro conceitual que adotamos, não é a axiomática de Peano que

motiva ou estabelece os princípios diretivos. Os princípios legislam sobre a aritmética, e devem

ser vistos como anteriores ao sistema formal. Disto, o fato dos axiomas serem uma versão

da formalização dos princípios deve ser visto como uma evidência favorável à correção dos

axiomas, não o inverso. Entretanto, se outra postura é adotada, pela qual os axiomas do

sistema formal da aritmética de segunda ordem são aceitos de modo inconteste, então não

parece razoável rejeitar os princípios diretivos, pois estes são meras traduções daqueles.

Quanto à fixação da estrutura padrão da aritmética a partir dos princípios diretivos,

o teorema de categoricidade de Dedekind responde, afirmativamente, a esta questão.

Teorema 1.2.1. [Dedekind] Toda Σ-estrutura que é modelo da formalização dos princípios

diretivos da aritmética em segunda ordem é isomorfa à estrutura padrão 〈ω,+,×, suc, 0〉.

Prova. SejaA a Σ-estrutura 〈A,⊕,⊗,mu, c〉. Definimos o conjunto h como a intersecção de todos

os conjuntos X tais que (i) 〈0, c〉 ∈ X e (ii) se 〈a, b〉 ∈ X, então 〈suc(a),mu(b)〉 ∈ X. Grosseiramente,

(i) indica que os ‘zeros’ das estruturas estruturas estão em X e (ii) indica que X é fechado

para as sucessões. Nestas condições, é imediato que h , ∅, pois 〈0, c〉 ∈ h. Se denotamos a

expressão 〈a, b〉 ∈ h por h(a) = b, verifica-se facilmente que h é uma função bijetiva de domínio

ω e codomínio A. Além disso, partir da formalização dos princípios diretivos acerca da soma e

do produto, é um exercício rotineiro verificar que h preserva as propriedades estruturais, isto

é, que (i) h(0) = c, (ii) h(suc(a)) = mu(h(a)), (iii) h(a + b) = h(a) ⊕ h(b) e (iv) h(a × b) = h(a) ⊗ h(b).

Consequentemente, h é um isomorfismo de 〈ω,+,×, suc, 0〉 em 〈A,⊕,⊗,mu, c〉.

Uma vez que a linguagem de segunda ordem é bastante corriqueira na prática ma-

temática e a formalização dos princípios nessa linguagem fixa a estrutura padrão da aritmética,

poder-se-ia argumentar que o problema relativo à fixação da estrutura pretendida, com base

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nos princípios diretivos da aritmética, está resolvido. Mas há uma crítica forte e imediata a

este encaminhamento: o ambiente de análise dos princípios diretivos que viabiliza a fixação da

estrutura padrão encontra-se, por diversas razões, sujeito a uma série de críticas.

A situação é particularmente problemática pois há duas interpretações para o escopo

das variáveis de segunda ordem, a interpretação ampla e a interpretação de Henkin - ambas

estão bastante presentes na literatura e podem ser vistas, por exemplo, em [66, Cap. 3].

De acordo com a interpretação adotada se obtém semânticas distintas e, consequentemente,

sistemas semânticos de segunda ordem distintos. Em si, a possibilidade de mais uma semântica

para a linguagem formal não é problemática, pois a linguagem da lógica de primeira ordem

possui essa característica. De fato, há duas interpretações possíveis para as variáveis livres de

uma fórmula da linguagem de primeira ordem, a interpretação condicional e a interpretação

de generalidade.26 Mas, em primeira ordem, a escolha da semântica não é particularmente

problemática, pois ambas são inter-interpretáveis. Entretanto, o mesmo não ocorre com as

interpretações ampla e de Henkin em segunda ordem.

Se a semântica de Henkin é adotada, a interpretação dos quantificadores é sujeita

a críticas quanto à arbitrariedade da interpretação, isto porque o escopo de interpretação dos

quantificadores de segunda ordem é fixado de modo arbitrário. Por exemplo, se Ψ = {P},

em que P é uma variável de predicado unário e A é uma Ψ-estrutura de domínio A, então a

relação A |= ∀P ϕ(P) não deve ser entendida como “para todo subconjunto C ∈ P(A), é o caso

que A |= ϕ(P)[C]”; deve, isto sim, ser entendida como “para todo subconjunto C ∈ D ⊆ P(A),

é o caso que A |= ϕ(P)[C]”. Isto constituí uma restrição completamente arbitrária no escopo

do quantificador, pois a restrição D na coleção de subconjuntos de A é arbitrária. Além

deste, há outro problema com a semântica de Henkin: o sistema semântico resultante pode

ser interpretado no sistema de primeira ordem, e o problema da não fixação da estrutura

padrão, associado à análise dos princípios diretivos em primeira ordem, contamina a análise

dos princípios em segunda ordem.

A semântica ampla suporta a categoricidade da aritmética de Peano e possui uma

alegada naturalidade semântica, ao não restringir de modo arbitrário o escopo de quantificação.

Entretanto, a pretensa naturalidade da semântica não é livre de críticas. Uma delas é apontada

por Hilary Putnam em [62, p. 481], no contexto de como estabelecer os referentes dos elementos

do vocabulário da linguagem de segunda ordem:

[A] interpretação ‘pretendida’ do formalismo de segunda ordem não éfixada pelo uso do formalismo (o próprio formalismo admite os cha-mados modelos de Henkin [· · · ]), e [assim] torna-se necessário atribuira mente poderes especiais para ’agarrar’ noções de segunda ordem.27

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Uma vez que a lógica de segunda ordem é passível de discussão quanto à inter-

pretação dos quantificadores e, como aponta Putnam, devem ser feitos apelos a propriedades

subjetivas para a adoção da semântica e fixação do referente, temos um motivo para considerar

que os sistemas semânticos de segunda ordem não são a ferramenta ideal para a análise dos

princípios diretivos da aritmética.

Outra razão, complementar e mais relevante, é que sistemas semânticos de segunda

ordem não são bem avaliados quanto às métricas fixadas. Do ponto de vista dedutivo, não

há aparato sintático que seja completo para a semântica ampla. Da perspectiva semântica, o

sistema não é dotado das propriedades de Löwenheim-Skolem e compacidade, e sequer das

propriedades da definibilidade de Beth e interpolação de Craig.

Por fim, o elevado poder expressivo das linguagens de segunda ordem é fonte de

recorrentes críticas. Isto porque o alto poder expressivo permite que questões matemáticas

sofisticadas sejam reduzidas a questões do âmbito semântico. Como expõe Leslie Tharp,

O poder expressivo desta lógica [a lógica de segunda ordem], que é de-masiado grande para admitir um procedimento de prova, é adequadopara expressar declarações conjuntistas. Questões abertas típicas, comoa hipótese do contínuo ou a existência de grandes cardinais, são facil-mente declaradas como questões da validade de fórmulas de segundaordem. Assim, os princípios dessa lógica fazem parte de uma área ativae um pouco esotérica da matemática. Parece haver um sentimento justi-ficável de que esta teoria deve ser considerada matemática, e que lógicadeve ser mais auto-evidente e menos aberta.28

Se pretendemos fixar o modelo padrão tomando por base os princípios diretivos,

os quais são considerados anteriores a algumas noções matemáticas e aos sistemas formais, é

certamente desejável que a ferramenta de análise dos princípios faça o mínimo de referência

a tais noções. E, embora seja reconhecidamente problemático caracterizar precisamente a

extensão do “mínimo de referência a noções matemáticas", a citação acima revela que existe a

percepção de que, quando se trata da lógica de segunda ordem, este “mínimo” é extrapolado.

Essa crítica à permeabilidade do sistema semântico por noções matemáticas é consonante com a

análise da relação de satisfatibilidade, pois esta é absoluta apenas para modelos supertransitivos

de ZFC.29

Quando formalizados em segunda ordem, os princípios diretivos fixam a estrutura

padrão da aritmética. Mas a análise do sistema semântico que viabiliza a fixação da estrutura

padrão fomenta sérias questões, que podem obscurecer a real contribuição dos princípios

diretivos. O emprego de uma linguagem menos expressiva certamente será mais valoroso.

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39

Análise dos princípios diretivos em linguagem infinitária

A terceira linguagem empregada à formalização dos princípios diretivos da arit-

mética é infinitária. Nesta linguagem, as variáveis são, exclusivamente, variáveis individuais

e são admitidas fórmulas de comprimento infinito enumerável, mas nas quais o número de

ocorrências de variáveis ligadas é finito. Diferentemente da linguagem de segunda ordem, a

linguagem infinitária não se encontra tão presente no discurso matemático, embora ocorram

exceções marcantes como, por exemplo, os grupos de torção. A baixa expressividade da lin-

guagem infinitária, quando comparada a de segunda ordem, pode ser uma razão para a pouca

aplicação. Uma apresentação dessa linguagem e do correspondente sistema semântico Lω1ω

podem ser vistos, por exemplo, em [44, Cap. 1-2].

Assim como na linguagem de segunda ordem, a formalização dos princípios dire-

tivos na linguagem infinitária é plena. O princípio PD1 pode ser formalizado pelo emprego

de um quantificador universal e uma disjunção enumerável. E, por se tratar de uma extensão

da linguagem de primeira ordem, os demais princípios podem ser formalizados pelas mesmas

expressões formais empregadas em primeira ordem. Entretanto, o poder expressivo da lin-

guagem viabiliza outra formalização, empregando-se sentenças de comprimento enumerável

e sem apelo ao emprego de quantificadores, a qual é apresentada pelas sentenças abaixo.

Formalização do PD1 : ∀x∨m∈ω

(x = sm(0)

).

Formalização do PD2 :∧m∈ω

∧n∈ω\{m}

(sm(0) , sn(0)

).

Formalização do PD3 :∧m∈ω

∧n∈ω

(sm(0) + sn(0) = sm+n(0)

).

Formalização do PD4 :∧m∈ω

∧n∈ω

(sm(0) · sn(0) = sm·n(0)

).

A correção da formalização dos princípios pelas expressões acima é imediata. O

princípio PD1, por exemplo, afirma que todo número é denotado por um numeral. Assim ,se

temos um número qualquer, ele é denotado por 0 ou s0 ou ss0 ou · · · . Essa disjunção enumerável

pode ser formalizada pela primeira expressão acima. A formalização dos demais princípios

é igualmente simples. O resultado a seguir responde afirmativamente quanto à fixação da

estrutura padrão da aritmética com base nos princípios diretivos.

Teorema 1.2.2. [Categoricidade em Lω1ω] Toda Σ-estrutura que satisfaz a formalização dos

princípios diretivos da aritmética em Lω1ω é isomorfa à estrutura padrão 〈ω,+,×, suc, 0〉.

Prova. Seja A a Σ-estrutura 〈A,⊕,⊗,mu, c〉. Definimos a função h de domínio ω e codomínio

A pelas cláusulas recursivas (i) h(0) = c e (ii) h(suc(a)) = mu(h(a)). Grosseiramente, o ‘zero’

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40

da estrutura canônica é levado, por h, no zero da estrutura A e h mapeia a sucessão de modo

homogêneo. Por indução em ω mostramos facilmente que h é injetiva. A sobrejetividade de

h é consequência direta de A ser modelo da formalização de PD1 - de fato, claro está que a

interpretação do Σ-símbolo de função s é mu e, consequentemente, pela formalização de PD1, se

a ∈ A, então a = c ou a = mu(b), para algum b ∈ A. A verificação que h preserva as propriedades

estruturais da soma e produto, isto é, que (i) h(a+b) = h(a)⊕h(b) e (ii) h(a×b) = h(a)⊗h(b), é feita

facilmente a partir das formalizações dos princípios diretivos PD3 e PD4. Consequentemente,

h é um isomorfismo de 〈ω,+,×, suc, 0〉 em 〈A,⊕,⊗,mu, c〉.

Formalizados na linguagem infinitária, os princípios diretivos fixam o modelo pre-

tendido da aritmética. Resta avaliar a adequação do sistema semântico infinitário. Pelo critério

semântico, a lógica infinitária Lω1ω não padece dos mesmos problemas da lógica de segunda

ordem. Não há propostas consolidadas de interpretações concorrentes para os quantificadores.

Além disso, esses sistemas são dotados da propriedade de Löwenheim-Skolem, bem como das

propriedades de interpolação de Craig, definibilidade de Beth e um resultado que mimetiza,

em muitas aplicações, a compacidade.30 Se forem admitidas apenas fórmulas de comprimento

enumerável e deduções a partir de um conjunto enumerável de sentenças, há uma contraparte

sintática de Lω1ω que é adequada do ponto de vista dedutivo, isto é, há um aparato de prova

que é correto e completo com relação a semântica.31 Do ponto de vista matemático, Lω1ω se

revela muito menos impregnado de noções matemáticas do que os sistemas de segunda or-

dem, aproximando-se dos sistemas de primeira ordem. De fato, a relação de satisfatibilidade

é absoluta para qualquer modelo transitivo de ZFC que contenha HC, a coleção dos conjuntos

hereditariamente contáveis.32

Essas considerações nos motivam a aceitar que, com relação as métricas que adota-

mos, a lógica infinitária é um ambiente bastante adequado para a análise dos princípios.

A crítica de Button & Walsh ao emprego de linguagens infinitárias com relação à

fixação da sequência numérica certamente é valorosa.

Nós podemos obter a categoricidade adicionando-se à aritmética dePeano em primeira ordem uma disjunção contável dizendo: “tudo ézero, ou o sucessor de zero, ou o sucessor do sucessor de zero, etc.”.Mas para capturar essa proposta, nós precisamos capturar o ‘etc’.; e issoparece exatamente o desafio original de capturar a (ou uma) sequênciade números naturais.33

Mas entendemos que essa crítica não se aplica a tese defendida neste capítulo, pois

não é abordado o problema da ‘captura’ da sequência numérica por um sistema formal, nem de

extensões da aritmética de Peano com sentenças de comprimento enumerável. A posição aqui

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defendida é que a prática aritmética é regida por princípios e que estes são fundantes da verdade

aritmética. O papel desempenhado pelos sistema semântico Lω1ω no que diz respeito à fixação

da estrutura padrão limita-se a formalização e análise dos princípios diretivos; não é analisado

um conjunto com infinitos números ou a sequência infinita dos números naturais, mas sim

as normas que regulam a prática aritmética. E a análise dos princípios no sistema semântico

Lω1ω explicita em qual sentido os princípios diretivos fixam a estrutura canônica. A análise

do sistema semântico Lω1ω nos mostra em que sentido consideramos essa lógica adequada à

análise dos princípios diretivos: este sistema é bem comportado segundo as métricas adotadas.

Isso nos permite afirmar que, sob essas condições, a estrutura canônica da aritmética

é fixada pelos princípios diretivos. E, dentre as todas as estruturas adequadas à linguagem da

aritmética e que satisfazem aos axiomas de um sistema formal aritmético, os princípios nos

permitem selecionar quais são as estruturas corretas com relação à prática aritmética.

Claro que se a semântica da lógica infinitária for formalizada na teoria de conjuntos

em primeira ordem, o teorema de categoricidade deixa de valer, mas essa situação é incontor-

nável, por se tratar de uma característica do ambiente de análise da semântica infinitária, não

necessariamente da própria semântica.

Um comentário a favor da adequação do sistema semântico Lω1ω, enquanto ambi-

ente de análise de noções matemáticas, pode ser tecido a partir das considerações de Timothy

Bays, relativos a primeira ordem, presentes em [3]:

[As] noções de finitude e recursão são necessárias para descrever a teoriade modelos de primeira ordem, uma vez que as fórmulas da lógica deprimeira ordem podem ser de comprimento finito e arbitrário, mas nãoinfinito, e a relação de satisfação é definida recursivamente.34

Para uma teoria de modelo infinitária, o que se exige é que fórmulas de compri-

mento infinito enumerável sejam aceitas como não problemáticas e que a recursão transfinita

enumerável seja aceita como não problemática. Essas exigências são completamente razoá-

veis, uma vez que em primeira ordem são aceitas fórmulas com comprimento “arbitrariamente

grande” e o discurso sobre coleções enumeravelmente infinitas permeia parte significativa da

matemática e filosofia da matemática contemporânea.

As considerações tecidas nesta seção acerca do papel dos sistemas semânticos en-

quanto ferramentas de análise dos princípios diretivos oferece uma perspectiva de investigação

que pode ser de interesse para a filosofia da lógica. Isso porque, pelo teorema ascendente de

Lowenheim-Skolem, teoremas de categoricidade para teorias que possuam modelos infinitos

devem ser desenvolvidos em extensões da lógica de primeira ordem. Entretanto, o apelo a estas

extensões é, em geral, visto como uma petição de princípio, pois estas extensões envolvem o

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apelo à noções matemáticas que o resultado de categoricidade procurou garantir em primeiro

lugar.

As investigações nesse trabalho evitam essa petição de princípio, pois o que se

investiga são as consequências de um novo paradigma, segundo o qual os princípios direti-

vos legislam sobre a aritmética. A adoção deste paradigma fomenta questões acerca de qual

linguagem deve ser considerada adequada para a formalização e análise dos análise dos prin-

cípios. Pela análise aqui desenvolvida, a resposta a tais questões é que um ambiente bastante

adequado é fornecido pelos sistemas semânticos Lω1ω - afinal, estes são os sistemas semânticos

mais bem comportados segundo as métricas adotadas e que tanto fixam o modelo pretendido

da aritmética quanto permitem a formalização plena desses princípios. Quanto à teoria de

conjuntos, resultados discutidos por Freire em [25] indicam que a linguagem infinitária Lω1ω1 é

um ambiente de análise basante adequado para investigações acerca da verdade de sentenças

da teoria de conjuntos ZFC.35

Na próxima seção iremos apresentar e comparar algumas propostas de fixação do

modelo padrão da aritmética. A comparação com tais propostas cumprirá duplo papel. Por um

lado, irá esclarecer e elucidar algumas nuances da proposta baseada nos princípios diretivos.

Por outro lado, irá ressaltar as diferenças entre algumas abordagens presentes na literatura e a

abordagem desenvolvida nesta Tese.

1.3 Outras análises das condições de verdade

Nesta seção são apresentadas três propostas de fixação do valor de verdade de

sentenças aritméticas.36 A primeira é uma proposta de Vann McGee na qual ele avalia o

modo como aprendemos a linguagem matemática e, em decorrência disto, fixamos o valor de

verdade de sentenças. Também será considerada a proposta de Haim Gaifman na qual a fixação

do modelo padrão é consequência de um critério de minimalidade na classe de modelos do

sistema formal da aritmética. Por fim, são discutidas questões ligadas à linguagem adotada por

Geoffrey Hellman em seu estruturalismo modal.

A apresentação dessas propostas visa a dois objetivos. Por um lado, elas adotam

alguns pontos de vista que endossamos e, ao serem evidenciados, tornarão nossas posições

acerca das condições de verdade das proposições aritméticas mais claras. Por outro lado, ao

apontar para algumas das diferenças que nutrimos com relação a essas posições bem estabe-

lecidas na literatura, algumas das virtudes do quadro normativo adotado neste trabalho são

explicitadas.

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Vann McGee, em How We Learn Mathematical Language, [57]

McGee analisa as condições de verdade de sentenças matemáticas dentro do para-

digma realista e com o objetivo de elucidar algumas das dificuldades associadas à determinação

do valor de verdade de tais sentenças. Tais análises são motivadas pelo seguinte problema:

A concepção realista supõe que o sentido dos termos matemáticos éfixado com suficiente precisão para garantir que uma sentença tenhavalor de verdade determinado. Agora, seja qual for o significado deuma expressão linguística, ela o possui em virtude dos pensamentose práticas dos seres humanos. Nem todo significado é dependente depensamentos e práticas de seres humanos - o fato de que um céu verme-lho pela manhã significa tempestade não é uma questão de convenção -mas o fato de que o numeral ‘7’ se refere ao quarto número primo é umaquestão de como escolhemos usar o símbolo. Então, deve haver algoque pensamos, fazemos ou dizemos que fixa o significado pretendidode termos matemáticos. Como somos capazes de fazer isso? 37

Embora McGee dedique especial atenção às sentenças aritméticas e da teoria de

conjuntos, nos restringiremos às primeiras. Com isso, uma resposta ao problema estará bem

encaminhada quando houver uma explicação de como nossos pensamentos e práticas fixam

o significado dos termos aritméticos de modo preciso e que, adicionalmente, forneça a cada

sentença aritmética um valor de verdade determinado.

O problema atacado por McGee não diz respeito à atribuição de referente aos

termos aritméticos. Para ele, tal questão está resolvida: nossas práticas e pensamentos ao

empregar a linguagem aritmética são incapazes de nos permitir discernir entre cópias isomorfas

de estruturas aritméticas, o que torna impossível fixar, a menos de isomorfismos, o referente dos

termos da linguagem aritmética. Em particular, não há referentes privilegiados para numerais.

Entretanto, a impossibilidade de fixar um referente para um termo aritmético não

acarreta a impossibilidade de fixar as condições de verdade de sentenças aritméticas.38 Mas,

então, como sentenças da linguagem aritmética adquirem determinado valor de verdade?

Para responder a isso, McGee observa que aprendemos a linguagem da aritmética quando

aprendemos a contar objetos concretos tais quais, por exemplo, palitos de sorvete. Mas, uma

vez que a prática de contar palitos permite a acomodação de modelos diferentes do pretendido,

“algo mais” é necessário; este algo mais, dirá McGeee, é uma teoria matemática. Disto, ele

defende que aprender aritmética é aprender uma linguagem aritmética e aprender uma teoria

matemática.39 O papel dessa teoria matemática, assim como suas principais características, são

para ele claras:

[O] que precisamos para explicar o fato de que as sentenças aritméticastêm um valor de verdade determinado é uma teoria com as seguin-

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tes características: (i) a teoria, juntamente com os fatos matemáticos,deve determinar um valor de verdade exclusivo para cada sentençaaritmética, de tal maneira que os axiomas aritméticos aceitos sejamclassificados como verdadeiros, e (ii) a teoria deve ser aprendida porseres humanos.40

Mas qual seria esta teoria? A resposta óbvia é pouco promissora.41 Isto porque

é pouco razoável sustentar que seres humanos aprendam uma teoria que não seja, ao menos,

recursiva. Por este motivo, não é razoável supor que a teoria aprendida quando se aprende

aritmética é uma teoria de primeira ordem T que inclui as sentenças aritméticas verdadeiras e

segundo a qual uma sentença aritmética ϕ é verdadeira se, e somente, ϕ é consequência lógica

de T. Uma saída promissora - aponta McGee - poderia ser a lógica de segunda ordem42 e, se

este é o caso, quando aprendemos aritmética estamos aprendendo uma teoria: a aritmética de

Peano em segunda ordem.

Admitida essa solução, a determinação do valor de verdade das sentenças aritméti-

cas está esclarecido: uma sentença aritmética é verdadeira apenas no caso de ser consequência

lógica da teoria e, falsa, apenas no caso de sua negação ser consequência lógica da teoria. Essa

solução é aceitável? McGee dirá que, uma vez que a aritmética de Peano em segunda ordem é

categórica e formada apenas por axiomas simples, acrescidos do axioma esquema de indução

em segunda ordem, se não houver objeções à lógica de segunda ordem, a resposta é sim.

Mas, reconhece McGee, pairam muitas suspeitas sobre a lógica de segunda ordem,

o que nos obriga a não extrapolar os recursos da lógica de primeira ordem. Submetendo-se às

restrições da lógica de primeira ordem, McGee propõe que aprendemos aritmética através de

esquemas, com o auxílio de esquemas (regras) de substituição.

O que aprendemos quando aprendemos um vocabulário matemáticonão é um conjunto fixo de axiomas de primeira ordem, mas sim umconjunto fixo de axiomas de primeira ordem e esquemas de axiomas. Aaritmética de Peano em primeira ordem, como geralmente é apresen-tada, consiste no axioma esquema de indução, que é a expressão abertaobtida do axioma de indução de segunda ordem, excluindo o quanti-ficador universal inicial, juntamente com uma pequena lista de fatosaritméticos rudimentares. Qualquer expressão (fechada) que pode serobtida a partir do axioma esquema de indução, substituindo uma ex-pressão aberta pela variável de segunda ordem livre (que, nesse con-texto, é chamada de variável esquemática), evitando colisões de variáveisligadas e, então, prefixando quantificadores universais de primeira or-dem, é um axioma de indução.43

Quanto ao aprendizado da aritmética,

[O] que nos é ensinado quando aprendemos a linguagem da aritméticasão os axiomas de Peano, entendidos de modo que podemos substi-

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tuir no axioma esquema de indução qualquer sentença aberta que nosagrade. Podemos substituir qualquer expressão aberta do português.Além disso, se estendemos o português dos dias de hoje com vocabu-lário adicional, esperamos poder ser capazes de substituir em qualquerexpressão aberta do idioma estendido [· · · ]. Nossa compreensão da lin-guagem da aritmética é tal que antecipamos que o axioma esquema deindução, como as leis da lógica, irão persistir em todas essas mudanças.Não há um único conjunto de axiomas de primeira ordem que expresseplenamente o que aprendemos sobre o significado da notação aritmé-tica quando aprendemos o axioma esquema de indução, já que sempresomos capazes de gerar novos axiomas de indução, pela expansão doidioma.44

Com as passagens acima, parece claro que McGee advoga que ao aprendermos

aritmética, estamos aprendendo axiomas de primeira ordem e uma “regra” de livre instanciação

de um esquema de indução. Esta regra é poderosa o suficiente para a fixação, a menos de

isomorfismos, do referente dos termos aritméticos. Além disso, o aprendizado dessa regra não

está sujeito às principais objeções da lógica de segunda ordem.45

Concordamos integralmente com a posição de McGee acerca da impossibilidade de

fixação, a menos de isomorfismo, do referente dos termos aritméticos. Adicionalmente, endos-

samos sua visão de que a impossibilidade de fixação do referente não impede que sentenças

aritméticas tenham valor de verdade determinado e, principalmente, que o valor de verdade

das sentenças aritméticas deve ser fixado pela prática, em harmonia com o modo pelo qual

aprendemos aritmética. Entretanto, vemos com ressalvas a solução por ele indicada e acredita-

mos que proposta fundada nos princípios diretivos por nós desenvolvida fornece uma resposta

muito mais natural ao problema da fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas.

De fato, não nos parece sólida sua posição de que, ao aprendermos aritmética,

estamos aprendendo os axiomas de Peano e que os entendemos de tal maneira que um esquema

de indução pode ser instanciado por qualquer sentença que nos agrade, quer seja do léxico

atual, quer seja de qualquer extensão do léxico atual. O próprio McGee reconhece a falta de

conexão entre sua proposta de aprendizado da linguagem aritmética e os processos educacionais

segundo o qual as crianças aprendem, desde a tenra idade, aritmética.

Enquanto psicologia do desenvolvimento, a história [que foi contada]tem pouca plausibilidade, uma vez que, de fato, ser treinado para afir-mar e concordar com frases matemáticas complexas desempenha poucoou nenhum papel na aquisição, por crianças, do vocabulário matemá-tico. [O que] descrevemos [foi] um processo através do qual o voca-bulário matemático é adquirido por uma idealização realista de umaprendiz da linguagem, alguém que executa o mesmo tipo de atividademental que executamos, mas as realiza sem falhas e incansavelmente.Para que se obtenha sucesso na resolução de nosso problema filosófico,

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não é requerido que o processo que descrevemos espelhe o processopelo qual uma criança real aprende o vocabulário; é apenas requeridoque o processo não requeira habilidades mentais que sejam de tiposdiferentes daquelas realmente observadas em salas de aula.46

Em sua defesa, McGee argumenta que suas preocupações não são de natureza peda-

gógica mas, sim, filosóficas; em especial, ele tem interesse em entender como seres com nossas

capacidades cognitivas são capazes de entrar em contato com o universo realista. Ademais, se

sua proposta resolve um problema filosófico acerca da aquisição da linguagem, não há razões

para supor que problemas pedagógicos, relativos ao modo segundo o qual crianças aprendem a

linguagem aritmética, serão contemplados pela elucidação filosófica. Por fim, ele argumentará

que, se há um descompasso entre a proposta e o processo de aprendizagem, este descompasso

é esperado e ocorre sempre que se faz uma reconstrução racional de processos complexos.47

Concordamos com McGee que soluções a problemas filosóficos não necessaria-

mente apresentam consequências, ou podem ser estendidos, para a pedagogia ou outras áreas

do conhecimento humano. Também endossamos a tese de que reconstruções racionais de

processos complexos e dinâmicos apresentam distorções em relação aos processos. Dito isso,

julgamos que sua hipótese de que o aprendizado da aritmética envolve o aprendizado de axio-

mas e um esquema que pode ser livremente instanciado é deveras artificial. Adicionalmente,

acreditamos que a adoção de um quadro normativo para a aritmética, governado pelos princí-

pios que elencamos, fornece uma solução mais crível para a reconstrução racional da aquisição

da linguagem aritmética. Realmente, nos parece muito mais razoável sustentar que crianças,

quando expostas a aritmética, entram em contato com um sistema notacional regido pelos

princípios em vez do quadro proposto por McGee.

Ao aprendermos aritmética, o que quer que aprendamos sobre os números, apren-

demos através de um sistema notacional. Não somos apresentados a números destituídos de

notação; números são representados por numerais e, quanto à manipulação numérica, apren-

demos a manipular números ao aprendermos a manipulação da linguagem notacional. Afinal,

quando a soma de números é aprendida? Quando é aprendido o algoritmo de transformação de

notações que correspondente a soma. O mesmo ocorre para a multiplicação: aprender a mul-

tiplicar números é aprender o algoritmo da multiplicação dos numerais. Uma vez aprendido

o sistema notacional, por exemplo o apresentado na Seção 1.2, página 31, a comutatividade da

soma e da multiplicação são consequências naturais dessas operações, não consequências de

instanciações do esquema de indução em alguma extensão da linguagem aritmética.

Julgamos que, ao supormos que o aprendizado de um sistema notacional regido

pelos princípios diretivos da aritmética é o vetor do aprendizado aritmético, nos aproximamos

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dos processos cognitivos e pedagógicos reais de aprendizado da aritmética. Além disso, cremos

que esta mesma suposição fornece uma solução ao problema de fixação do referente dos termos

aritméticos de modo mais plausível que aquela oferecida por McGee. De fato, para fixação do

valor de verdade das sentenças aritméticas McGee fixa o referente de termos aritméticos e, para

realizar isto a menos de isomorfismos e sem recorrer a lógica de segunda ordem, ele considera

um esquema segundo o qual livres instanciações em expansões ilimitadas da linguagem são

permitidas.

A solução oferecida nesta Tese demanda muito menos recursos. Em vez de apren-

dermos axiomas e um esquema de indução que admite instanciações misteriosas, aprendemos

um sistema notacional muito simples e lógica de primeira ordem, acrescida de disjunção enu-

merável - não parece razoável considerar disjunções enumeráveis mais problemáticas do que

considerar quaisquer instanciações que nos agrade em quaisquer extensões do léxico atual ou

futuro.

Por fim, McGee se propõe a entender como aprendemos a linguagem realista da

aritmética. Se supormos um quadro realista, julgamos que a resposta oferecida pelos princí-

pios diretivos atende, com vantagens, as demandas por ele estabelecidas. Adicionalmente, a

proposta centrada nos princípios diretivos pode ser empregada para explicar a apreensão da

linguagem aritmética em contextos diferentes do realismo.

Haim Gaifman, em Non-Standard Models in a Broader Perspective, [31]

Gaifman defende que os modelos não padrão da aritmética e teoria de conjuntos

são fontes de interesse filosófico e matemático. Do ponto de vista matemático, sustenta - e

concordamos - que os modelos não padrão são estruturas matemáticas interessantes em si

mesmas e objetos legítimos de estudo, além de possuírem diversas aplicações. Estas aplicações

ocorrem, por exemplo, quando os modelos não padrão são empregados no estudo de sistemas

dedutivos, quando motivam o projetos tais como a análise não standard de Robinson e quando

atuam como guias heurísticos para investigações acerca do infinito.

Do prisma filosófico, Gaifman reconhece que Skolem - quem introduziu modelos

não padrão nas disciplinas matemáticas - obteve diferentes conclusões conceituais a partir

desses modelos: enquanto os modelos não pretendidos da aritmética são uma evidência da

limitação dos sistemas formais de primeira ordem em capturar o modelo pretendido de modo

pleno, os modelos não padrão da teoria de conjuntos fornecem suporte a uma posição cética

acerca de conjuntos não enumeráveis.48 A despeito do reconhecimento da posição de Skolem,

Gaifman defende que modelos não padrão não podem ser empregados para fomentar ceticismos

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quanto ao realismo. Esta postura é adotada em oposição ao argumento que Putnam apresenta

em [62], segundo o qual o realismo é posto em dificuldades frente a modelos não padrão da

teoria de conjuntos (um aspecto deste trabalho de Putnam é comentado no fim da próxima

seção). O foco da breve análise aqui tecida não é a crítica de Gaifman ao Putnam mas, sim, algo

que a precede: a caracterização de modelo padrão oferecida pelo primeiro.

Após uma breve digressão histórica, em que analisa desenvolvimentos em aritmé-

tica, no conceito de função e em geometria, Gaifman identifica três noções para os quais haveria

uma interpretação pretendida: a sucessão numérica, a noção de boa ordenação e o conceito

de conjunto construtível. Ele, então, procura responder à seguinte questão: “Qual, se algum

dentre alguns modelos dados, é o modelo padrão?”49

Para a sucessão numérica, o modelo pretendido é o modelo padrão da aritmética e

Gaifman defende, a partir de uma condição de minimalidade, a seguinte caracterização:

[O modelo padrão] é o menor modelo, incluído como um segmentoinicial em qualquer outro modelo. Se um determinado modelo é nãopadrão, isso será revelado por um segmento inicial apropriado que é fe-chado sob a função sucessor. Formalmente, a caracterização é expressapelo esquema indutivo:

(I) P(0) ∧ ∀x(N(x)→

(P(x)→ P(x + 1)

))→ ∀x

(N(x)→ P(x)

),

sendo que ‘N(x)’ representa ‘x é um número natural’ e ‘P(·)’ representaqualquer predicado. Qualquer fórmula bem formada da linguagemem uso pode ser um substituto para ‘P(·)’. O conceito de sequência denúmeros naturais, contudo, não é dependente da linguagem. ... [paraeliminar a dependência] o esquema indutivo deve ser entendido comoo metacomprometimento:50

(II) Qualquer predicado não vago, em qualquer idioma, pode sersubstituído por ‘P(·)′ em (I).

Para Gaifman, o modo como este metacomprometimento deve ser assumido é em sintonia com

a proposta de McGee já discutida nesta Tese e sintetizada por Gaifman do seguinte modo:

“Como Vann McGee diz, se o próprio Deus criar um novo predicado, então esse predicado

pode ser substituído por P.”51 Não endossamos a proposta de Gaifman, e isso não se deve

apenas ao endosso dele a algumas das ideias de McGee para a fixação do modelo padrão.

A proposta de adoção de um critério de minimalidade para a fixação do modelo

padrão não nos parece razoável. Como o próprio Gaifman aponta, a existência de modelos não

padrão é um fenômeno recente na história da aritmética e apresentados por Skolem apenas em

1934 (modelos enumeráveis da teoria de conjuntos foram apresentados em 1922). Concordamos

com Skolem que modelos não padrão da aritmética evidenciam uma limitação dos sistemas

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formais de primeira ordem e, consequentemente, não nos parece crível sedimentar o modelo

padrão enquanto “o menor modelo”. Isto porque, se os modelos não padrão são manifestações

de sistemas formais de primeira ordem, nos parece que carece de sentido considerar todos os

modelos não pretendidos desses sistemas formais para, então, fixar aquele que é segmento

inicial de todos esses modelos e identificá-lo como a interpretação pretendida do discurso

aritmético padrão praticado por Diofanto, Gauss, Fermat e outros.

Outra crítica à abordagem de Gaifman é que o tratamento por ele oferecido para a

fixação da interpretação pretendida não é uniforme. Por exemplo, ao analisar o conceito de boa

ordenação, a interpretação pretendida é “dada pela classe de todos os conjuntos ‘verdadeira-

mente’ bem ordenados.”52 Gaifman entende que boa ordenação é uma generalização natural

do esquema (I) citado acima, com a condição do predicado N(x) ser substituído por Ord(x), em

que Ord(x) expressa que “x é ordinal”. Disto, e do fato conjuntista que de se Ord é a classe dos

ordinais, então cada conjunto bem ordenado é isomorfo a um único segmento inicial de Ord,

ele propõe que a classe Ord seja a interpretação pretendida da noção de boa ordem.53 Essa

solução indica que a fixação do modelo pretendido da noção de boa ordem emprega um critério

de maximalidade.

Sem prejuízo a outras críticas que possam ser feitas, propor a fixação do modelo

pretendido de noções matemáticas a partir de critérios que oscilam entre maximalidade e

minimalidade não nos parece uma boa prática, e pode ser confundido com a não adoção de

critérios objetivos.

Quanto à teoria de conjuntos, Gaifman sustenta que se a interpretação padrão da

boa ordem por ele formulada é aceita, então qualquer construção indutiva baseada na boa

ordem padrão deve ser vista como bem delimitada e não ambígua. Assim L, que é construído

a partir dessas premissas, é a interpretação pretendida do conceito de conjunto construtível.

Gaifman reconhece a debilidade da posição por ele assumida e, em sua defesa, apela aos

números naturais:

O argumento baseia-se apenas na plausibilidade de uma construçãotransfinita, percorrendo todos os ordinais, onde cada estágio não é pro-blemático. No entanto, a sugestão é atraente e é reforçada pela observa-ção de que não existem resultados de independência conhecidos paraL, do tipo que proliferou na teoria dos conjuntos nos últimos quarentaanos. L parece a este respeito mais como os números naturais.54

Não concordamos com a premissa de Gaifman, pois julgamos que a interpretação

padrão da noção de boa ordem é passível de críticas. Adicionalmente, ao comparar os conjuntos

construtíveis como os números naturais, Gaifman volta a adotar um critério de minimalidade.

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50

Por fim, a suposição de um modelo pretendido para os construtíveis não parece encontrar

respaldo na história da disciplina.55

Se aceitamos que, além da aritmética, outras disciplinas matemáticas possuem uma

interpretação privilegiada, então um método que seja aplicado de modo uniforme às diversas

disciplinas matemáticas é preferível às estratégias que tenham escopo de aplicação limitado. Se

esta postura é endossada, então defendemos que, se a fundamentação normativa para a verdade

que adotamos no caso aritmético for estendida para outras disciplinas matemáticas, então o

método de fixação do modelo pretendido empregado no caso aritmético pode ser estendido a

outras disciplinas que tenham modelos pretendidos. Este, de fato, é o caso com relação a teoria

de conjuntos, investigada por Freire em [26].

Geoffrey Hellman, em Mathematics Without Numbers, [37]

Hellman vê a matemática como “a livre exploração de possibilidades estruturais,

perseguidas por meios dedutivos (mais ou menos) rigorosos”.56 Essa posição é alinhada ao

estruturalismo, escola em filosofia da matemática para a qual o elemento central das teorias

matemáticas são as relações entre os objetos matemáticos, e não a natureza interna desses

objetos. O endosso ao estruturalismo conduz ao entendimento de que, em aritmética, “o

que importa são as relações estruturais entre os itens de uma progressão arbitrária, e não a

identidade individual desses itens. Como comumente se diz: ‘qualquer ω-sequência serve’.”57

Para Hellman, o estudo dos números naturais é um ponto de partida legítimo para

análises estruturais. Uma razão para isso é o alegado fato que os números estão bastante

enraigados na prática e pensamento matemáticos. Outra razão é o entendimento de que o

estudo dos números é genuinamente estrutural, no sentido de que estudar números é estudar

as relações dos elementos presentes em ω-sequências arbitrárias.

Tradicionalmente, o ambiente natural de articulação das análises estruturais é a

teoria de conjuntos; entretanto, Hellman defende que este paradigma seja abandonado e uma

nova direção seja seguida. Isto porque o paradigma tradicional torna a aritmética dependente

da teoria de conjuntos em um nível que, do ponto de vista matemático, é desejável evitar. Além

disto, é salutar evitar que problemas presentes na teoria de conjuntos contaminem a aritmética.

Segundo o estruturalismo professado por Hellman, uma sentença aritmética ver-

dadeira expressa não algo que é o caso em alguma estrutura infinita de um certo tipo mas,

sim, o que seria o caso em qualquer estrutura de tipo apropriado que pudesse existir. Isto,

contudo, sem que a própria sentença assevere que tal estrutura (ou classe de tais estruturas)

exista. Esta postura exime Hellman de se comprometer com a existência de objetos abstratos e,

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51

em particular, ele não se compromete com a existência de estruturas de um certo tipo, embora

se comprometa com a possibilidade lógica de existência de estruturas de tipo apropriado. Uma

vez que há apenas o comprometimento com a possibilidade de existência de estruturas, esta

posição é conhecida estruturalismo modal.

Visando à articulação da aritmética dentro dessa visão estruturalista original, Hell-

man inicialmente fornece um padrão de tradução (estrutural modal) para a aritmética, com

o intuito de eliminar toda referência literal aos números. Em seguida, ele organiza os pres-

supostos por trás do padrão de tradução para, então, defender a adequação de sua proposta

com relação à prática matemática.58 Por fim, seguindo o enredo estabelecido para a aritmé-

tica, Hellman estende sua visão estruturalista da matemática para a análise real e a teoria de

conjuntos.

Concentraremos nossos comentários na primeira dessas etapas, o estabelecimento

do padrão de tradução (estrutural modal) das sentenças aritméticas. A razão para isso é

simples: julgamos que as exigências que devem ser cumpridas para o estabelecimento da inter-

pretação almejada são um preço muito alto a ser pago pelo não comprometimento ontológico.

Esboçaremos o porquê e, na sequência, seguimos [37, §1, §2] e [38, §1, §5].

Quando ϕ é uma sentença aritmética, Hellman procura por um padrão de tradução

que associe ϕ a um contrafactual da forma

(A) Se X fosse qualquer ω-sequência, então ϕ seria o caso em X.

O padrão de tradução a ser estabelecido e que associa ϕ ao contrafactual (A) deve

ser munido das seguintes características: (i) respeitar a objetividade da verdade das sentenças

aritméticas e (ii) evitar quantificações sobre estruturas e mundos possíveis e, com isso, evitar o

comprometimento com a existência de objetos abstratos. A condição (i) é satisfeita pela adoção

de restrições oriundas da matemática, que constituem o componente categórico do padrão de

tradução. Restrições na lógica subjacente fornecem as garantias exigidas por (ii) e constituem o

componente hipotético do padrão de tradução.

A linguagem na qual o padrão de tradução é formulado emprega um operador

primitivo de necessidade modal �. Esta linguagem não está comprometida com a semântica

de mundos possíveis e nela a formalização do contrafactual (A) resulta em

(A’) �∀X(X é uma ω-sequência → ϕ é o caso em X

).

A noção de possibilidade expressa pelo operador � é aquela presente no sistema modal S5.59

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52

Para que a proposta logre sucesso é preciso formalizar as noções de ω-sequência

e satisfatibilidade (“é o caso”) na linguagem do padrão de tradução, e o modo canônico de

fazê-lo é via teoria de conjuntos. Entretanto, Hellman rejeita essa maneira, pois isso reduziria

seu programa estruturalista a um fragmento das teorias modais de conjuntos. A alternativa

por ele adotada é considerar “que algumas noções de ordem superior serão necessárias”; tais

noções são apresentadas em linguagem de segunda ordem.

De posse de uma lógica de segunda ordem modal, Hellman se opõe à formalização

usual de “ϕ é verdadeira” como �(T2 → ϕ), que expressa “é necessário que ϕ seja consequência

lógica de T2”, em que T2 é a conjunção dos axiomas da aritmética de Peano em segunda ordem.

Isto porque Hellman não endossa a forma como os símbolos não lógicos da linguagem de T2

são interpretados na lógica modal.60 O caminho por ele seguido é via a quantificação sobre

relações: se s é o único símbolo não lógico da linguagem de T2, então “ϕ é verdadeira” deve ser

formalizada por

�∀ f(T2 → ϕ

)[s/ f ],

em que f é uma relação de variável binária e [s/ f ] indica que f substitui toda ocorrência

do símbolo não lógico s. A expressão acima é uma sentença que corresponde a asserção

metamatemática de que ϕ é consequência lógica dos axiomas de T2.

Hellman destaca que a sentença acima traz questionamentos acerca dos domínios

das estruturas envolvidas no estabelecimento da consequência lógica. Estes questionamentos

são dirimidos pela quantificação sobre tais domínios, resultando em

�∀X∀ f(T2 → ϕ

)X[s/ f ].

Se ψ é uma sentença da aritmética de primeira ordem, as operações de soma e

multiplicação devem ser definidas de modo usual - por recursão a partir dos axiomas de Peano

em segunda ordem - e as sentenças que definem essas operações são acrescidos aos axiomas

de T2, resultando em T?2 . Com isso, o padrão de tradução (estrutural modal) proposto por

Hellman para sentenças ϕ da aritmética de primeira ordem é

(B) �∀X∀ f∀g∀h(T?2 → ϕ

)X[s,+,×/ f , g, h],

em que g e h são variáveis de relação ternárias e [s,+,×/ f , g, h] indica as substituições das

ocorrências de s, + e × por, respectivamente, f , g e h.

O esquema (B) acima corresponde ao componente hipotético da interpretação es-

trutural modal defendida por Hellman e expressa apenas o conteúdo estrutural modal das

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sentenças da linguagem da aritmética de primeira ordem. Mas, como diz Hellman, “há muito

mais na prática da matemática do que a mera declaração de sentenças. Existe a prática de

provar teoremas”61 que, segundo ele, é capturada pelo componente categórico.

Para isso, é preciso garantir a possibilidade de existência de alguma ω-sequência, o

que é feito com a adoção do axioma:

�∃X∃ f(T2

)X[s/ f ].

Entretanto, enquanto Hellman se compromete com a possibilidade de existência de uma ω-

sequência, ele prefere ser neutro quanto à existência de algo que possivelmente seja uma

ω-sequência. Logo, a lógica modal subjacente S5 deve bloquear a fórmula de Barcan.62

Além da fórmula de Barcan, o componente categórico exige um cuidado adicional

com o emprego da lógica de base: o axioma da compreensão da lógica de segunda ordem deve

ser instanciado, unicamente, por fórmulas ψ(x1, ..., xn) em que não há ocorrência de operadores

modais. O esquema de compreensão, em que R não ocorre em ψ, é formulado do seguinte

modo:

�∃R∀x1....∀xn(R(x1, ..., xn)↔ ψ

).

Adicionalmente, são incorporados à lógica subjacente ao padrão de tradução al-

guns elementos mereológicos, que por sua vez conduzem a uma reformulação do esquema

de compreensão restrito descrito acima. Mas não precisamos entrar nesses detalhes. O que

apresentamos até o momento é suficiente para o ponto ao qual queremos chamar a atenção.

Consideramos extremamente feliz o movimento de Hellman em direção a uma

posição filosófica que endossa a objetividade do valor de verdade das proposições aritméticas

sem, em contrapartida, requerer a existência de objetos abstratos para fixar o valor de verdade

das proposições. Entretanto, discordamos dele com relação ao “assunto” ao qual a aritmética

corresponde. Enquanto Hellman vê a aritmética como estudo de relações que ocorrem no

interior de possíveis estruturas arbitrárias, para as quais só é oferecida a possibilidade lógica

de existência, vemos o assunto aritmética como a atividade performada em obediência aos

princípios diretivos. Uma característica marcante da análise desenvolvida por Hellman no

contexto aritmético é sua direta adaptação para outros ramos da matemática, em especial a

análise real e a teoria de conjuntos. Uma possível crítica à proposta de Hellman é o comentário

de Peter Clark, para quem não está claro em que medida, se em alguma, a noção de possibilidade

presente no trabalho de Hellman é vantajosa, para a aritmética e análise, com relação àquela

presente no estruturalismo de Shapiro, o qual endossa o realismo de estruturas.63

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54

Mesmo que Hellman obtenha sucesso pleno e sua proposta se revele superior as

outras escolas estruturalistas, se o custo de fixação da verdade de sentenças da aritmética de

primeira ordem, de modo objetivo e não comprometida com o realismo, é a adoção de uma

estratégia escorada em lógica de segunda ordem acrescida tanto do aparato modal S5 sem fórmula de

Barcan quanto de cuidados especiais no emprego do axioma esquema da compreensão, além de elementos

de cunho mereológicos e axiomas de Peano em segunda ordem, então somos bastante reticentes em

aceitar a posição defendida por Hellman.

Estamos convencidos que o quadro normativo que adotamos permite a fixação do

valor de verdade das sentenças aritméticas, de modo muito mais natural e sem o comprometi-

mento com objetos abstratos, do que o oferecido por Hellman. Para a lógica de base basta uma

lógica infinitária que, de acordo com as métricas que discutimos na seção anterior, é bastante

próxima da linguagem de primeira ordem. Em vez de elementos categóricos que impõe con-

dições artificiais sobre a lógica de base, temos os princípios diretivos, que são harmônicos com

a história da aritmética, são de natureza algorítmica e facilmente aprendidos, além de todas as

demais características elencadas nas seções anteriores.

Por fim, estamos convencidos que o quadro normativo para a aritmética pode

ser compatibilizado com uma posição estruturalista modal, no sentido de que, se a avaliação

da verdade de sentenças aritméticas deve ser consequência de um padrão de tradução da

sentença com relação a todas as estruturas possíveis, então os princípios diretivos podem

ser vistos como um critério que seleciona, dentre todas as estruturas possíveis, aquelas que

são as estruturas aritméticas apropriadas. Precisamente, as estruturas que se conformam aos

princípios. Essa posição, entretanto, não será desenvolvida nesta Tese - nos limitaremos a

alguns breves comentários a este respeito na parte final da próxima seção.

1.4 Normatividade e verdade

O objetivo desta seção é contribuir para o estabelecimento de bases segundo as

quais as sentenças aritméticas possam ser predicadas da verdade.64 O estabelecimento de tais

bases é uma questão premente para a filosofia da matemática, cujas diferentes escolas fornecem

estratégias próprias de predicação. De especial interesse, para a sequência deste trabalho, são

as estratégias oriundas das tradições denomindadas formalismo e realismo.

Aparentemente, não é problemático atribuir valor de verdade a algumas sentenças

aritméticas simples como, por exemplo, (i) “quatro é maior do que um”, (ii) “todo par é a soma

de dois ímpares”, (iii) “um é maior do que quatro” e (iv) “todo ímpar é a soma de dois pares”.

As duas primeiras são verdadeiras e as outras duas, falsas. Entretanto, não parece que o mesmo

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55

pode ser dito acerca da conjectura de Goldbach. Mas, por adequação aos preceitos da lógica

clássica esta conjectura, assim como qualquer sentença matemática, ou é verdadeira ou é falsa.

A dificuldade reside em estabelecer qual é o caso.

A predicação da verdade pode ser estabelecida pela adoção de um critério de cor-

reção, no sentido de que sentenças aritméticas verdadeiras são, precisamente, aquelas corretas

segundo o critério. Naturalmente, se um tal critério estiver bem fundamentado, o mesmo po-

derá ser dito acerca da atribuição de valor de verdade às sentenças. No realismo, o critério de

correção repousa na noção de modelo. Já o formalismo alicerça o critério de correção na noção

de demonstração matemática. Ambos os critérios são delineados nesta seção e são exibidos,

também, os principais problemas inerentes a cada um deles - a transcendência da verdade,

no formalismo e o problema do acesso ao modelo, no caso do realismo. Por fim, a partir do

pressuposto que a verdade de sentenças aritméticas é normativamente fixada, é esboçada uma

estratégia que acomoda as principais virtudes - e, acreditamos, contorna algumas das principais

fraquezas - dessas duas abordagens tradicionais.65

Realismo

Realismo de objetos ou, simplesmente, realismo, é a posição em filosofia da matemá-

tica que advoga em favor da existência de um universo de objetos matemáticos. Tais objetos não

estão em relação causal entre si ou com o universo sensível e, além disso, são independentes da

prática e da linguagem matemática.66 Uma maneira de descrever o realismo é em analogia com

o universo sensível: assim como átomos e sistemas planetários existem independentemente de

físicos e experimentações, números e estruturas matemáticas existem independentemente dos

matemáticos e demonstrações matemáticas. Há diversos argumentos em defesa do realismo

de objetos; um exemplo é aquele fornecido por Newton da Costa, em [14, Capítulo 3, § 11], no

qual é defendida, no âmbito das ciências formais, uma versão do realismo. Outro argumento,

que se configura em um dos mais importantes e influentes em favor do realismo, foi forjado

por Frege e alicerça-se em duas pressuposições.

A primeira é que se um elemento semântico é empregado na linguagem matemá-

tica, este elemento não desempenha papel semântico diferente daquele desempenhado por

um elemento de mesmo tipo mas empregado na linguagem não matemática. Em particular,

a semântica deve ser de tal sorte que nomes próprios da linguagem matemática se refiram a

indivíduos. A segunda hipótese é que muitos dos teoremas matemáticos são verdadeiros. Ad-

mitidas tais pressuposições, consideremos os teoremas aritméticos em cuja formulação ocorra

ao menos um termo singular. Muitos destes teoremas são verdadeiros e, em particular, suponha

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56

que ϕ é um desses teoremas verdadeiros. Se há em ϕ a ocorrência de um termo singular, então

a semântica exige um indivíduo ao qual o termo se refere e, sendo tal indivíduo um objeto

matemático, o mesmo não pode ser um objeto físico. Trata-se de um objeto abstrato.

A despeito da defesa promovida por Frege, há uma série de objeções ao realismo.

Um modo natural de contestar o argumento é pelo ataque as hipóteses que, em contrapartida,

podem ser defendidas de diversas formas. Por exemplo, o programa logicista de Frege e o

argumento da indispensabilidade de Quine, dentre outros, podem ser evocados em defesa da

segunda hipótese. Já contestações da primeira hipótese devem arcar com o ônus da prova,

explicando o porquê da semântica da linguagem matemática ser distinta da semântica da

linguagem não matemática. Embora tais disputas sejam interessantes, não são o foco da

presente investigação.

Aceita a tese realista da existência de um universo de objetos matemáticos, as pro-

posições matemáticas descrevem este universo abstrato e independente. E, no que tange a

verdade, as proposições matemáticas verdadeiras devem ser “descobertas” pelos matemáti-

cos.67 O realismo de objetos adota um critério de correção para a atribuição de valor de verdade

para as sentenças matemáticas que pode ser visto de modo análogo ao critério adotado para a

predicação de sentenças do universo sensível.

Grosseiramente, quando ϕ é uma sentença acerca do universo sensível, o critério

de correção para a predicação da verdade de ϕ é o universo físico, ou seja, ϕ é verdadeira se, e

somente se, o que ϕ expressa acerca do mundo sensível é o caso. Por exemplo, se ϕ expressa

uma certa condição sobre alinhamento de planetas no sistema solar ou sustenta uma certa

disposição de cadeiras em uma sala, então ϕ é verdadeira se, e somente se, os planetas estão

alinhados comoϕ assevera ou as cadeiras estão dispostas na sala do modo que é sustentado por

ϕ. Quando a predicação da verdade das sentenças aritméticas é motivada por analogias com

as sentenças acerca do mundo físico, as estruturas aritméticas desempenham papel análogo

àquele ocupado pelo universo físico. O critério de correção para a predicação da verdade deϕ é

a noção de verdade no modelo, e pode ser caracterizado do seguinte modo: seϕ é uma sentença

aritmética, então ϕ é verdadeira se, e somente se, ϕ é verdadeira no modelo da aritmética.

Um problema inerente a esta proposta de predicação diz respeito ao acesso epis-

temológico às estruturas matemáticas, descrito por Benacerraf em Mathematical Truth, [5]. A

posição de Benacerraf é bastante influente, não ataca as hipóteses presentes no argumento de

Frege e redunda em um dilema, o qual pode ser enunciado do seguinte modo: (i) se o realismo

é o caso e a semântica da linguagem matemática não é distinta da semântica da linguagem não

matemática, então não há uma epistemologia satisfatória para a matemática e (ii) se o realismo

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é rejeitado, então é possível uma epistemologia razoável para a matemática, mas a linguagem

matemática e a linguagem não matemática são munidas de semânticas distintas.

A partir desse dilema, Benacerraf destaca que, se existem objetos matemáticos e

a semântica é uniforme, então não há possibilidade de acesso epistemológico ao universo

matemático. Em particular, se o modelo padrão da aritmética habita o universo abstrato do

realismo de objetos, não é possível, epistemologicamente, acessar este modelo; trata-se de um

“modelo no céu” que não nos é possível conhecer.

O argumento de Benacerraf emprega uma teoria causal da referência segundo a

qual, para saber que uma proposição é verdadeira, é preciso que se tenha alguma relação causal

entre o agente que sabe a verdade da proposição e os termos, predicados e quantificadores

da proposição. Este pressuposto causal é fonte de críticas ao argumento exposto acima. Por

exemplo, Hartry Field escreve Realism, Mathematics and Modality [24] nove anos após Benacerraf

e sustenta que, embora o dilema apresente dificuldades ao realismo, “quase ninguém acredita”

na teoria do conhecimento na qual ele se apoia.68 Field então defende que as dificuldades

oriundas da teoria do conhecimento podem ser contornadas e, como consequência, uma objeção

mais forte do que o dilema pode ser apresentada ao realismo. A estratégia de Field consiste

em desviar o ataque ao realismo do campo do conhecimento matemático para o campo da

confiabilidade da matemática.69

As críticas de Benacerraf e Field colocam em dificuldades o realismo em geral e, em

particular, a estratégia realista de predicação da verdade. Por fim, quando consideramos que o

critério de correção das sentenças aritméticas tem por base a noção de verdade em um modelo,

somos alienados do acesso ao valor de verdade das sentenças aritméticas.

Formalismo

O formalismo é uma escola tradicional em filosofia da matemática que não endossa

a tese de existência de um universo de objetos abstratos. Em particular, não endossa a tese

de que a matemática seja uma coleção de proposições que descrevem uma realidade abstrata

independente. Entretanto, o formalismo não deve ser entendido como uma posição filosófica

única acerca da natureza matemática mas, sim, como uma miríade de pontos de vista que

compartilham núcleo comum, dentre os quais destacam-se a adoção de métodos precisos de

demonstração, adoção de estritos padrões de rigor e atribuição de papel destacado à linguagem

matemática. Dentre outros, David Hilbert, Haskell Curry, Heinrich Heine, Johannes Thomae,

Ludwig Wittigenstein e Reuben Goldstein defenderam, em algum momento de suas carreiras,

posições alinhadas ao formalismo. Na sequência serão apresentadas, de modo bastante breve

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e visando à proposta de Hilbert, alguns dos elementos do formalismo.70

Segundo a posição formalista defendida por Heine números existem, são objetos

concretos e identificados com os numerais. Estes últimos, por sua vez, estabelecem as operações

entre números.71 Quanto às sentenças aritméticas, estas não expressam proposições e seus

termos não denotam números; mais do que isso, não são admitidos elementos extralinguísticos

a serem denotados. Entretanto, os termos possuem referentes, e o referente de um termo da

linguagem aritmética é o próprio termo. Com isso, uma vez que se insista que o assunto da

aritmética é o estudo de números, esta deve ser vista como o estudo de caracteres, símbolos

gráficos destituídos de conteúdo; neste sentido, a aritmética é exaurida pela linguagem. Do

prisma epistemológico, conhecer aritmética é conhecer como os símbolos são manipulados e

conhecer as relações entre símbolos.

A dificuldade em predicar a verdade de sentenças aritméticas é premente a esta

vertente do formalismo. Afinal, se números são identificados com numerais, como justificar

a verdade de 1 + 3 = 2 + 2? Negá-la é abandonar qualquer esperança de que o discurso seja

aritmético. Tampouco se pode afirmar que 1 + 3 e 2 + 2 denotam o mesmo número, pois nada

há para ser denotado. Sustentar que 1 + 3 e 2 + 2 se referem a si próprios é problemático, pois

nesse caso o símbolo = não diz respeito a igualdade.

Uma tentativa de solução seria considerar que 1 + 3 e 2 + 2 são mesmos types

para distintos tokens. Mas types são abstratos, e não há vantagem alguma em substituir um

discurso sobre números por um discurso sobre types. Afinal, sabemos muito sobre os primeiros,

e quase nada sobre os últimos. Ademais, mesmo que se adote um discurso sobre types, surge

a dificuldade de explicar o porquê do discurso ser aritmético, uma vez que números estão

presentes no discurso e prática da aritmética, enquanto types, não.

Outra possibilidade de solução considera que expressões da forma A = B indicam,

simplesmente, que cada ocorrência do símbolo correspondente a A pode ser substituído pelo

símbolo que corresponde a B. Isso reduziria a expressão 1+3 = 2+2 a 1+3 = 1+3 ou 2+2 = 2+2,

isto é, a instâncias do princípio da identidade. Mesmo que esta solução seja admitida, surgem

outros obstáculos. O primeiro diz respeito a estender esta abordagem de modo a abarcar

outras áreas da matemática. Em particular, surgem dificuldades com o discurso acerca dos

números reais pois não há numerais suficientes para referenciá-los. Uma solução, imediata e

inaceitável, é sustentar que a matemática deve ser limitada a aritmética. Outra dificuldade é a

extrema dependência da linguagem. De fato, linguagens distintas fornecem numerais distintos

e, consequentemente, a verdade das sentenças aritméticas torna-se inteiramente dependente da

linguagem aritmética empregada, o que não parece ser uma concessão aceitável.

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Goodstein apresenta uma versão do formalismo que, de modo análogo ao de Heine,

considera que os símbolos da linguagem aritméticas não são interpretados.72 Mas, enquanto

Heine considera que o assunto da aritmética é sua terminologia, para Goodstein a aritmética

é como um jogo, e seu assunto é completamente exaurido pelas regras deste jogo, o jogo-

aritmética. Este último, por sua vez, é um jogo simbólico-formal, análogo ao jogo de xadrez.

Nesta comparação, a aritmética está para o xadrez assim como os números estão para as peças

do xadrez. Já os movimentos lícitos do xadrez estão para as operações aritméticas assim como o

xadrez está para a aritmética. A caracterização dos números a partir dessa analogia é explicada

por Goodstein do seguinte modo:

O que constitui que uma peça seja o rei são seus movimentos. A peça reié aquela que tem os movimentos do rei. E o rei do xadrez em si? O reido xadrez é simplesmente um dos papéis que as peças desempenhamem um jogo de xadrez. [...] para uma compreensão do significado dosnúmeros, devemos olhar para o jogo que os números jogam, isto é, paraa aritmética. Os números um, dois, e assim por diante, são personagensno jogo da aritmética, as peças que reproduzem esses personagens sãoos numerais e o que torna um numeral a marca de um número específicoé o papel que ele desempenha, ou como podemos dizer, de forma maisadequada ao contexto, o que faz com que um símbolo seja o símbolo deum número específico são as regras de transformação do símbolo.73

Esta proposta resolve diversas questões delicadas em filosofia da matemática de

modo extremamente rude.74 Com relação a verdade das sentenças aritméticas, a predicação de

1 + 3 = 2 + 2 deve ser fruto da transformação dos símbolos primitivos pela aplicação das regras

do jogo-aritmética. Uma vez que, matematicamente, a obtenção de uma sentença pela aplicação

das regras do jogo aos símbolos é a demonstração da sentença, a veracidade de 1 + 3 = 2 + 2 é

identificada com sua demonstrabilidade, e o mesmo cânone deve ser aplicado tanto ao último

teorema de Fermat quanto à qualquer outra sentença aritmética. Esta é uma solução claramente

problemática, pois acarreta no abandono do princípio do terceiro excluído.

A proposta formalista de Hilbert incorpora, de modo ameno, maduro e bastante

refinado, alguns dos elementos descritos acima. Tal abordagem considera a matemática formal

como um jogo, mas essa postura não necessariamente reflete a posição filosófica de Hilbert

acerca da matemática. Trata-se, principalmente, de uma estratégia metodológica para as di-

versas disciplinas matemáticas e, em particular, para a aritmética.75 Com relação ao método, o

posicionamento de Hilbert não é estático; os preceitos por ele empregados quando do estudo da

geometria na segunda metade do século XIX amadurecem e se tornam mais sofisticados, culmi-

nando, na primeira metade do século XX, no famoso e ambicioso programa de fundamentação

da matemática que leva seu nome.

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Quando da análise dos fundamentos da geometria, Hilbert identifica dois compo-

nentes no jogo-geometria. Estes elementos estão presentes na concepção contemporânea de

sistemas formais: a componente lógica, cujas regras são compartilhadas por todos os jogos

simbólico-formais que compõem a matemática e a componente geométrica, estabelecida pelos

axiomas da geometria. A parte lógica é fixada a partir de trabalhos prévios, desenvolvidos por

Frege. Quanto aos axiomas, em um primeiro momento estes expressam fatos fundamentais

da intuição e, uma vez formulados, a intuição passa a ser completamente descartada.76 Os

axiomas, quando dos estudos em geometria, são para Hilbert definições implícitas dos termos

geométricos ‘ponto’, ‘linha reta’ e ‘plano’; já o assunto da geometria é o estabelecimento das

consequências lógicas dos axiomas. Além disso, embora a atribuição de sentido às sentenças

possa motivar estratégias de derivação, o sentido é extrínseco à matemática e não desempenha

papel algum no desenvolvimento do assunto. A definição implícita dos termos pelos axiomas

confere liberdade ao matemático, e o abandono da intuição torna o trabalho do matemático fe-

cundo, pois bloqueia a possibilidade de que algum significado atribuído aos termos e sentenças

restrinja deduções.77

Quando não interpretada, a axiomatização da geometria contribui à fecundidade e

liberdade do trabalho matemático, mas fica exposta a questionamentos relativos à consistência.

Visando dirimir problemas dessa natureza, Hilbert axiomatiza a aritmética dos números reais

e fornece uma prova de que se estes axiomas são consistentes, então a geometria também o é.

Naturalmente, essa atitude apenas transfere o problema da consistência da geometria para os

reais, o que torna necessária uma demonstração da consistência destes últimos. Esta não é uma

questão secundária à Hilbert, para quem a consistência dos axiomas desempenha papel central

à existência e verdade nas disciplinas matemáticas.78

À época das investigações de Hilbert acerca dos fundamentos da matemática, esta

passava por sua terceira grande crise, desencadeada pela descoberta dos paradoxos da teoria

de conjuntos, o que fomentou desconfianças e ataques aos métodos empregados por Georg

Cantor. Por um lado, Leopold Kronecker e Henry Poincaré opunham-se ao infinito atual,

caro à teoria cantoriana. De outro lado, Luitzen Brouwer e Hermann Weyl contestavam os

métodos empregados tanto na matemática em geral quanto na teoria de Cantor. Hilbert,

entusiasta da teoria de conjuntos e defensor da fecundidade dos métodos matemáticos, assumiu

a tarefa de resguardar a teoria cantoriana dos paradoxos. A solução almejada não submeteria

a matemática às restrições exigidas por aqueles alinhados a Brouwer e responderia às críticas

dos que concordam com Poincaré.

Uma condição necessária para lograr êxito em tal tarefa, defendeu Hilbert, é a com-

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pleta elucidação do infinito, subjugando-o ao finito. A estratégia adotada para atingir tal feito

consistiu em particionar a matemática, dividindo-a em duas componentes, a matemática real e

a matemática ideal.79 A matemática ideal encontra-se inserida em um paradigma análogo ao

do jogo-simbólico: não deve haver qualquer intuição subjacente aos axiomas e um conceito

axiomaticamente introduzido possui, exclusivamente, as propriedades fornecidas pelos axio-

mas. Neste sentido, os axiomas estipulam o assunto matemático. Não há um modelo visado

que garanta a veracidade dos axiomas ou motive tais escolhas; a única exigência é a consistência.

Em oposição à ideal, a matemática real possui conteúdo e, segundo Hilbert, esta

segunda componente da matemática “deve consistir nos próprios símbolos concretos cuja es-

trutura é imediatamente clara e reconhecível.”80 Esse reconhecimento imediato, sem mediação

conceitual, tem inspiração em Kant, para quem a ausência de contradições é condição sufici-

ente para a introdução de conceitos, exceto em matemática, que requer algo mais: a exibição

de uma intuição a priori que corresponda ao conceito. Esta posição kantiana é encampada por

Hilbert, mas apenas com relação a matemática real, cujos “símbolos concretos” são “dados na

concepção” e “intuídos diretamente, antes de todo o pensamento”.81

Quanto à matemática ideal, Hilbert não segue os preceitos kantianos. Conceitos

podem ser introduzidos na matemática ideal sem qualquer apelo à intuição, restritos unica-

mente a consistência e introduzidos pelo método axiomático, o qual fornece a descrição exata e

completa do conceito introduzido.82 Os conceitos da matemática ideal são identificados com os

papéis que desempenham e não carecem de conteúdo intuitivo. O papel destes conceitos nas

inferências é determinado não por conteúdos codificados pelos axiomas, mas pelos axiomas.83

Com o particionamento, os métodos e resultados da matemática ideal devem ser

assegurados pela matemática real através de um resultado de preservação. E, uma vez que

se mostre que a matemática ideal é uma extensão conservativa da real, a primeira pode ser

vista como eminentemente instrumental, isto é, como um modo simples e eficaz de expressar

resultados e métodos que podem ser reduzidos, ao custo da clareza, à matemática real. A

ideia é que, assim como elementos ideais permitem simplificar e unificar muito da geometria,

a matemática ideal permite simplificar e tratar de modo mais eficiente a matemática real.

Os métodos empregados pela matemática real são aqueles que Hilbert denominou

métodos finitários, enquanto que os métodos da matemática ideal abarcam aqueles criticados

por Brouwer e seguidores. Segundo a proposta de Hilbert, se a matemática ideal é uma ex-

tensão conservativa da real, os métodos infinitários tem sua correção avalizada pelos métodos

finitários e, nesse sentido, pode-se conceber que o infinito está subjugado pelo finito. Embora

Hilbert não tenha fornecido uma caracterização explícita dos métodos finitários, há o consenso

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que estes podem ser codificados em um fragmento da aritmética. Em particular, há um am-

plo entendimento de que os métodos finitários podem ser codificados no sistema formal da

aritmética primitiva recursiva.84 Quanto às demonstrações matemáticas formalizadas, Hilbert

explicitamente afirma que estas são codificadas pelos métodos finitários.

Nesta tradição, o critério de correção das sentenças é articulado em torno da noção

de demonstração matemática, segundo o mote que as sentenças aritméticas verdadeiras são,

precisamente, aquelas matematicamente demonstráveis. Esta atitude encontra-se em fina sin-

tonia com a prática matemática e, se a noção de demonstração matemática estiver elucidada, o

mesmo poderá ser dito acerca da predicação da verdade. Uma forma de elucidação desta última

noção é pela redução da noção de demonstração matemática à definição de demonstração em

um sistema formal específico. No contexto das sentenças aritméticas, sistemas formais que se

impõem naturalmente são os sistemas formais da aritmética de Peano, fragmentos da aritmética

de segunda ordem e a teoria de conjuntos ZFC. Disto, se ϕ é uma sentença aritmética e F algum

destes sistemas formais, tem-se que “ϕ é verdadeira se, e somente se, existe uma demonstração

de ϕ em F”.

Nos casos acima, F comporta a introdução do símbolo de predicado binário dem(x, y),

o qual denota “x é uma demonstração de y”.85 Com isso, a expressão acima é reduzida a “ϕ é

verdadeira se, e somente se, ∃p(dem(p, ϕ))”.

Mas esta última não pode ser adotada como um critério de correção da verdade de

sentenças aritméticas, pois a expressão “∃p(dem(p, ϕ))” é, ela própria, uma sentença aritmética

e, portanto, não pode ser empregada como critério de correção de sentenças aritméticas.86

Uma vez que, para Hilbert, a verdade de enunciados codificados pelos métodos

finitários é intuitiva, a verdade de sentenças aritméticas poderia ser estabelecidas de modo

intuitivo, por uma dupla redução das sentenças aritméticas, primeiro para sistemas formais e,

posteriormente, para o âmbito finitário. Mas há uma dificuldade, aparentemente intransponí-

vel, a qual esta redução está sujeita: é o problema da transcendência da verdade matemática,

evidenciado pelo teorema de Gödel da incompletude.

O enunciado que ocorre no teorema de Gödel é, rigorosamente, um enunciado

finitário do tipo discutido acima. Assumindo que enunciados finitários são intuitivos, um

enunciado finitário deve ser verdadeiro ou falso. Pela identificação verdade-demonstrabilidade,

dada uma sentença finitária o âmbito finitário deveria provar ou a sentença ou sua negação, sem

margens a outra possibilidade. Mas Gödel mostra que há enunciados finitários indecidíveis.

Mais precisamente, há enunciados intuitivos que, se falsos, não terão valor de verdade acessado

por demonstração. Essa impossibilidade de acesso ao valor de verdade, via demonstração,

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à primeira vista parece estranha, mas é intrínseca à aritmética.87 Com isso, embora muito

comum e próxima da matemática praticada, a identificação formalista entre demonstrabilidade

e verdade não fornece um critério de correção adequado para as sentenças aritméticas.

As principais teses e os critérios delineados acima podem ser organizados segundo

dois esquemas, aqui denominados esquema formalista e esquema realista da predicação da verdade.

Esquema realista: (i) endossa as teses da independência e não causalidade da

verdade das proposições aritméticas, (ii) as sentenças aritméticas verdadeiras são aquelas que

valem no modelo pretendido (modelo no céu) da aritmética e (iii) a proposta é inadequada pois

aliena o acesso a verdade matemática da prática matemática.

Esquema formalista: (i) endossa a tese da estipulação axiomática do conteúdo

aritmético, isto é, os axiomas definem o conteúdo proposicional de uma teoria matemática,

(ii) as sentenças aritméticas verdadeiras são aquelas demonstráveis num sistema formal da

aritmética e (iii) a inadequação desse critério é evidenciado pela transcendência da verdade

matemática.

Julgamos que é possível formular uma abordagem nova e na qual, coerente e

simultaneamente, são acomodadas algumas das virtudes e contornados alguns dos problemas

presentes nas tradições realista e formalista. Um primeiro esboço dessa proposta é apresentado

na sequência.

Esquema em dupla camada

A abordagem para a predicação da verdade aritmética que será delineada encerra,

em sua composição, princípios diretivos, sistemas formais e modelos dos sistemas formais.

Um dos objetivos centrais dessa proposta é não alienar a predicação do valor de verdade

em aritmética das noções de verdade em um modelo e demonstração em um sistema formal.

Naturalmente, qualquer critério de correção que possua tal pretensão deve elucidar qual é a

relação entre demonstração formal e verdade no modelo.

Uma proposta de esclarecimento dessa relação foi apresentada por William Tait em

[71]. A estratégia de elucidação por ele adotada consiste em uma tentativa de resolver o que

Tait denominou problema da verdade/demonstração (PVD), formulado do seguinte modo:

Uma proposição aritméticaϕ, por exemplo, é sobre uma certa estrutura,o sistema de números naturais. Ela se refere a números e relações entreeles. Se ela é verdadeira, o é em virtude de um certo fato acerca dessaestrutura. E esse fato pode ser obtido, mesmo que não saibamos ou (porexemplo, por causa de sua complexidade relativa) não possamos saber

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o que ocorre [...]

Por outro lado, aprendemos a matemática aprendendo a fazer coisas -por exemplo, contar, resolver equações e, em geral, demonstrar. Alémdisso, aprendemos que a garantia final para uma proposição matemá-tica é uma demonstração. Em outras palavras, estamos justificados emafirmar ϕ - e, portanto, em qualquer sentido comum, a verdade de ϕ -precisamente quando temos uma demonstração de ϕ.

Assim, parece que temos dois critérios para a verdade de ϕ: é verdadese (de fato, se e somente se) vale no sistema de números, e é verdadese podemos demonstrar. Mas o que é que aquilo que aprendemos a,ou concordamos em, considerar uma demonstração tem a ver com oque se obtém no sistema de números? Chamarei isto de problema daverdade/demonstração.88

Visando à resolução do PVD, Tait destaca que este problema se apresenta porque

parece existirem dois critérios, possívelmente conflitantes, para a verdade das proposições mate-

máticas, as noções de (i) valer na estrutura relevante e (ii) ter uma demonstração da proposição.

O primeiro passo para a solução do problema é rejeitar que (i) seja um critério; para Tait, va-

ler na estrutura relevante tem apenas a aparência de um critério, e sua adoção é consequência

da ideia que existe um modelo no céu para a aritmética, isto é, a admissão da existência de

uma estrutura pretendida no universo de objetos matemáticos abstratos. Tait aponta para o

conhecido argumento de que só faz sentido considerarmos a ideia de que existe um modelo

no céu se admitirmos que temos algum tipo de percepção ou compreensão a qual podemos

apelar quando se trata de determinar a verdade de proposições matemáticas. Mas, dirá Tait,

não existe algo como percepção matemática e, consequentemente, não existem modelos no céu.

O que existe, isto sim, são modelos matematicamente construídos, isto é, estruturas construídas

na matemática; e o entendimento desses modelos não pressupõe que se compreenda as propo-

sições aritméticas. Ainda de acordo com Tait, tudo o que se pode fazer é determinar a verdade

de pelo menos algumas proposições. Em particular, aquelas cuja verdade é pressuposta na

própria definição do modelo, o que sugere que não devemos adotar ‘verdade no modelo’ como

critério para que seja ‘verdadeiro’ mas, isto sim, considerar que ser ‘verdadeiro’ é um critério

para ‘verdade no modelo’.

Assim como Tait, julgamos que a adoção de uma proposta como a esboçada acima é

deveras radical, mas que é um caminho seguro a ser seguido. Ademais, se verdade no modelo

não é um critério para a predicação da verdade e demonstração padece da transcendência, é

preciso estabelecer como a noção de verdade deve ser entendida.

Para formular sua resposta ao PVD Tait recorre a uma proposta de Michael Dummett

e, embora afirme que tal explicação esteja errada, ela não deve ser descartada porque aponta

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na direção correta. Se o direcionamento oferecido por Dummett for seguido, é possível abdicar

da noção de verdade no modelo e adotar a noção de demonstração como o único critério de

predicação da verdade. A noção relevante de demonstração a ser utilizada, neste caso, é a de

que “Uma prova de ϕ é uma apresentação ou construção desse objeto [um type abstrato]: ϕ

é verdadeira quando existe um objeto de type ϕ e demonstramos ϕ construindo tal objeto”.

Embora a apresentação e discussão do PVD por Tait em [71] coloque bem o problema, não

apresentaremos a solução por ele formulada pela simples razão que, posteriormente, Tait rejeita

tal solução.89

Julgamos que a comparação das escolas tradicionais - realismo e formalismo -

com a proposta de que o valor de verdade das sentenças aritméticas é fixado com base em

um quadro normativo, pode apontar para uma resposta coerente para o problema da ver-

dade/demonstração. Segundo o esquema realista, verdade pode ser entendida como uma

relação entre sentenças e o mundo, uma espécie de acordo das sentenças com o mundo; clara-

mente, este acordo não é simétrico. Isto porque o mundo exerce autoridade sobre a sentença,

no sentido de que este estipula quando é, ou não, o caso daquilo que a sentença expressa. Sen-

tenças não possuem autoridade sobre o mundo, pois não são capazes de estabelecer a verdade

do que ocorre no mundo; é o mundo que estabelece se a sentença é verdadeira ou falsa, não o

inverso. Se pretendemos empregar o mote do esquema realista, é preciso estabelecer um ente

que ateste o valor de verdade das sentenças. E, se queremos contornar o principal problema da

proposta realista, este ente não deve ser um modelo no céu, nem estar “no céu”. Além disso,

uma vez que não temos acesso aos objetos do universo matemático, o que procuramos não deve

ser constituído, nem deve ser ele próprio, um objeto matemático. Por fim, é desejável que não

seja totalmente alienado da prática matemática.90

Segundo o realismo, a sentençaϕ é verdadeira se, e somente se,ϕ é o caso no modelo

padrão da aritmética; mas o modelo padrão é um enunciado matemático e, para entendermos a

atribuição de valor de verdade segundo o modelo padrão, faz-se necessária uma compreensão

prévia da noção de verdade aritmética. Por exemplo, para que afirmações sobre o modelo

padrão da aritmética façam sentido, precisamos entender a noção de verdade por trás do axioma

da indução e a noção de verdade subjacente às operações aritméticas serem totais. Procuramos

uma solução a partir da qual não precisemos nos comprometer com a existência matemática

dos modelos e, tampouco, que precisemos negar a existência desses objetos. Para sermos bem

sucedidos nesta tarefa, precisamos de uma fundamentação da predicação da verdade que seja

neutra com relação aos objetos matemáticos.

Visando a atender tais demandas, propomos a adoção de uma norma como ente

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de fundamentação do valor de verdade das sentenças aritméticas. Adotada essa proposta, a

noção de verdade aritmética estará fundada em um paradigma normativo, que por sua vez

é constituído pelos princípios diretivos da aritmética. Como são de natureza normativa, os

princípios diretivos têm valor prescritivo e não possuem valor de verdade. Portanto, problemas

ligados à determinação do valor de verdade que acossam a adoção de objetos matemáticos

enquanto fundantes da verdade matemática não são reproduzidos neste novo paradigma.

Ademais, o valor de verdade dos princípios não é um problema legítimo e estes podem ser

empregados para fundamentar a predicação da verdade aritmética.

Se a verdade das sentenças aritméticas está fundada em um paradigma normativo

em vez de modelos no céu ou objetos abstratos, então não estamos necessariamente compro-

metidos com a existência de objetos abstratos e, nesse sentido, não nos comprometemos com

o realismo. Segundo a presente proposta, a adoção de uma fundamentação normativa para a

atribuição de valor de verdade para a aritmética requer que nos comprometamos com a existên-

cia dos princípios diretivos. Nesse sentido, endossamos um realismo de princípios, não realismo

de objetos. Mas qual a relação entre a adoção de princípios enquanto fundantes da verdade

aritmética e as noções de verdade em um modelo e demonstração em sistema formal?

A análise dos princípios diretivos realizada na Seção 1.2 esclarece em qual sentido os

princípios diretivos se relacionam com os sistemas formais da aritmética: os axiomas do sistema

formal correspondem a uma formalização, na linguagem do sistema formal, dos princípios

diretivos. Consequentemente, os teoremas aritméticos são consequência lógica da formalização

dos princípios diretivos e, em última análise, os teoremas são consequência lógica dos princípios.

Com relação aos modelos do sistema formal, a relação entre estes e os princípios diretivos pode

ser pensada em analogia com algumas das observações tecidas por Putnam no influente Models

and Reality [62].

Putnam chama a atenção para o fato que nenhuma teoria de primeira ordem que

é capaz de determinar, a menos de isomorfismos, a referência dos termos da linguagem da

teoria.91 Isto, por sua vez, coloca em dificuldade a acomodação das noções de verdade e

referência realizada no contexto realista.

Duas das principais propostas para superar essa dificuldade, o emprego de lingua-

gens de segunda ordem e a noção de interpretação parcial da linguagem (segundo a qual a

linguagem matemática deve ser, em parte, interpretada como as entidades teóricas das ciências

empíricas) são mal sucedidas, e um novo caminho precisa ser seguido. O problema e o veículo

de solução são, para Putnam, claros: há uma linguagem objeto que precisa ser interpretada e a

interpretação deve ocorrer por meio de modelos.

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Para Putnam, primeiro entendemos a linguagem através de seu emprego para, em

seguida, falar a respeito dos possíveis modelos para a linguagem - e no realismo estes modelos

estão “no céu”, dados independentemente de qualquer descrição. Para ele, esse procedimento

semântico não é satisfatório pois o entendimento da linguagem deve determinar a referência e

este não é o caso. Isto porque não é possível distinguir um modelo pretendido de suas cópias

isomorfas. Isso nos coloca na posição de entender a linguagem pelo emprego, embora ainda

careçamos de uma interpretação.92

A saída adotada por Putnam aponta para uma semântica não realista, na qual os

modelos que interpretam a linguagem objeto não são completamente independentes de descri-

ção. O ponto central para isto é a interpretação da linguagem, que em vez de ser determinada

por “modelos já existentes, independentemente de qualquer descrição”93 deve ser determinada

na metalinguagem a qual, por sua vez, não carece de interpretação - a metalinguagem é “enten-

dida completamente” e descreve os modelos. Para Putnam os modelos são o meio pelos quais

a linguagem objeto é interpretada, mas agora tais entes são nomeados desde ‘o nascimento’

na metalinguagem; não são modelos no céu, independentes de descrição. E, uma vez que a

metalinguagem é entendida completamente, a interpretação da linguagem objeto é o meio pelo

qual entendemos e fixamos o referente.

Julgamos a proposta de Putnam bastante inspiradora, e a relação entre os princípios

diretivos e a verdade aritmética pode ser entendida à luz dessa concepção. O ponto central de

nossa proposta é que a interpretação da linguagem, em vez de ser determinada por “modelos já

existentes independentemente de qualquer descrição”, é determinada pelos princípios diretivos

da aritmética que, por sua vez, não carecem de interpretação; os princípios diretivos são um

padrão instituído, que entendemos completamente. Naturalmente, a linguagem da aritmética

é interpretada por meio de modelos, mas estes não são modelos no céu. Estes modelos são, isto

sim, determinados pelos princípios; não são ‘batizados no nascimento’.

Com isso, uma vez que os princípios são o padrão instituído, estes determinam o

modelo pretendido; pela interpretação da linguagem objeto neste modelo, o valor de verdade

das sentenças aritméticas é fixado. Uma maneira de representar as relações entre os elementos

centrais do esquema em dupla camada pode ser sistematizado do seguinte modo:

Modelos

Satisfatibilidade Conformidade

Sistema formal⇐= Formalização

Responsabilidade=⇒Prescrições

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Na horizontal são relacionados elementos de mesma natureza, entre textos. Do

lado direito, o texto é normativo e apresentado, por exemplo, em linguagem natural; do lado

esquerdo, o texto é descritivo e formalizado. A relação de responsabilidade deve ser vista

como a relação inversa a relação de autoridade; as prescrições exercem autoridade sobre o

sistema formal e este, por sua vez, é responsável com relação as prescrições (de modo mais ou

menos análogo ao da relação entre sentenças e o mundo físico). As relações verticais são entre

modelos e textos, a qual não temos acesso direto. É uma relação de conformidade de um lado

e uma relação de satisfatibilidade de outro lado. Essas relações são internas à matemática e,

por essa razão, não podem ser empregadas como fundantes da verdade matemática. A análise

matemática desenvolvida na Seção 1.2 mostra que estas relações internas são coerentes quando

a formalização dos princípios emprega a linguagem infinitária de Lω1ω. Enquanto no esquema

formalista as noções de demonstração e verdade são colapsados e no esquema platonista são

alienados, neste esquema da dupla camada esses conceitos são conectados, e a normatividade

prescritiva é o intermediário entre os conceitos.

Reconhecemos que o esquema em dupla camada, como apresentado, limita-se

a algumas primeiras ideias que, embora interessantes, devem ser melhor elucidadas. Mas

acreditamos que, para esse momento, complementa de modo adequado a análise desenvolvida

nas seções anteriores e apresenta uma maneira interessante de pensar a predicação da verdade

de sentenças aritméticas.

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Capítulo 2

Análise dos Requerimentos Existenciais

Este capítulo é dedicado à análise do importe existencial das sentenças aritméticas, a

qual é articulada ao redor da noção de requerimento existencial.1 Como usual, sentenças devem

ser entendidas como concatenações de símbolos com duas dimensões, sintática e semântica. A

sintaxe da sentença corresponde a forma de escrevê-la, considerando-se o alfabeto disponível e

as regras de escrita. Por sua vez, a semântica está associada ao significado da sentença, a aquilo

que a sentença expressa (condições de verdade inclusas). Uma das características centrais

das linguagens formais é que o componente semântico encontra-se correlacionado, mas não

determinado, pelo componente sintático. A análise existencial desenvolvida nesta Tese tem por

base as características semânticas.

Uma razão para essa abordagem é que não nos parece adequado que o importe

existencial de uma sentença esteja associado à grafia da sentença. Uma evidência desta inade-

quação é o fato que análises existenciais alicerçadas em aspectos sintáticos não são invariantes

por equivalência lógica. Por exemplo, se o importe existencial de uma sentença é condicio-

nado a ocorrência de quantificadores existenciais, uma vez que toda sentença é logicamente

equivalente a uma sentença existencialmente quantificada, todas as sentenças terão importe

existencial. De fato, qualquer sentença ϕ é logicamente equivalente a sentença ϕ ∧ ∃x (x = x).

Escolhendo-se uma variável x que não ocorre em ϕ, por operações de prenexação temos que ϕ

é logicamente equivalente a ∃x (ϕ ∧ x = x). Diante disso, ou interpretamos o quantificador de

primeira ordem ∃ de modo exótico, alienando-o da interpretação existencial padrão, ou toda

sentença é logicamente equivalente a uma sentença com importe existencial. Nenhuma das

duas opções nos parecem razoáveis.

A despeito dessa crítica, há uma extensa bibliografia na qual o importe existencial

das sentenças é alicerçado em critérios sintáticos. A título de exemplo consideramos, de modo

breve, a proposta formulada por Corcoran & Massoud em [12], na qual o importe existencial de

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sentenças quantificadas é definido com base na forma lógica da sentença da seguinte maneira:

Diremos que um condicional universalizado tem importe existencialse ele implica a correspondente conjunção existencializada. Isso podeparecer inicialmente estranho, mas nós também diremos que uma dadaconjunção existencializada possui importe existencial se ela é implicadapelo correspondente condicional universalizado.2

Posto de outro modo, a definição acima assevera que uma sentença da forma

∀x(Px → Qx) possui importe existencial quando implica a sentença ∃x(Px ∧ Qx). E a sen-

tença ∃x(Px ∧ Qx) possui importe existencial quando é implicada por ∀x(Px → Qx). Como

consequência dessa definição, os autores mostram que há casos de sentenças logicamente equi-

valentes que apresentam importe existencial distintos. Outra consequência dessa definição é

que toda sentença que possui uma forma lógica específica é logicamente equivalente a outra

sentença, com a mesma forma lógica da primeira mas de tal sorte que uma delas possui importe

existencial se, e somente se, a outra não possui importe existencial. Por fim, a definição acima

viabiliza a demonstração do teorema do importe existencial, segundo o qual dada uma linguagem

L, uma interpretação I dessa linguagem e um conjunto não vazio U, todo subconjunto não vazio

de U definível em L segundo I é definível tanto por uma fórmula que possui importe existencial

quanto por uma fórmula que não possui importe existencial. Uma definição de importe exis-

tencial munida destas propriedades não nos parece uma definição adequada. Além disso, não

estamos dispostos a abdicar do princípio segundo o qual definições precisas são invariantes

por equivalência lógica.

Neste trabalho, a análise existencial é de natureza semântica, considera que senten-

ças são elementos linguísticos que expressam condições de verdade de proposições e articula-se

a partir da adoção do seguinte pressuposto:

O importe existencial de uma sentenca e um atributodas condicoes de verdade da sentenca

Naturalmente, se as condições de verdade das sentenças é de natureza normativa

e em conformidade com as considerações tecidas no capítulo anterior, então a análise existen-

cial que será desenvolvida é consonante com a abordagem que considera a fundamentação

da verdade aritmética assentada nos princípios diretivos. Entretanto, se os pontos de vista

defendidos no capítulo anterior não são referendados, a análise existencial não será afetada de

modo significativo (desde, claro, que o pressuposto acima seja aceito).

Julgamos que o estudo do importe existencial desenvolvido a partir do pressuposto

acima possui pontos em comum com Quine em Existence and Quantification, [63]. Em harmonia

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com Quine desenvolvemos uma análise acerca de alegações de existência, não uma análise

sobre existência. E, na esteia dos trabalhos de Freire em teoria de conjuntos, [27], [28] e [29], o

importe existencial de uma sentença será avaliado conforme as demandas de fechamento dos

domínios de interpretação da sentença. Essa última posição não nos parece consonante com a

posição assumida por Quine.

Isto porque, por um lado, Quine analisa asserções existenciais segundo um quadro

fundacional realista no qual o importe existencial das sentenças é analisado segundo uma

ontologia de objetos. Por outro lado, Freire considera um quadro conceitual voltado aos

domínios de interpretação das sentenças, segundo o entendimento de que a cada condição de

fechamento sobre domínio do universo de interpretação corresponde um determinado grau de

importe existencial. Essa estratégia não exige a pressuposição de um domínio de objetos.

Para Quine, o importe existencial de uma teoria está condicionado à dedução. Uma

sentença quantificada existencialmente possui importe existencial quando é um teorema da te-

oria. Supor que o importe existencial de uma sentença deve ser associado à demonstrabilidade

nos parece problemático. Vejamos o porquê: tanto o problema quanto à solução são apresenta-

dos de modo explícito por Quine: “Nossa questão é: quais objetos uma teoria requer? Nossa

resposta é: aqueles objetos que devem ser valores de variáveis para a teoria ser verdadeira.”3

Desse modo, uma teoria requer os objetos que devem ser os valores das variáveis

para que a teoria seja verdadeira. Mas esses objetos devem habitar o domínio de interpretação

da teoria, não a teoria. Disso, inferimos que a teoria requer determinados domínios de inter-

pretação. Mas isso é problemático, pois uma teoria de primeira ordem não pode requerer um

domínio de quantificação. Afinal, se uma teoria em linguagem enumerável requerer um domí-

nio infinito, a teoria requererá domínios em todas as cardinalidades infinitas. Para responder a

essa objeção Quine estipula que, se sua maneira de formular e resolver o problema do importe

existencial estiver correta, então a fixação do domínio de interpretação deve ser o menor dos

domínios de interpretação.

Há mais a ser dito de uma teoria, ontologicamente, do que apenas dizerquais objetos, se há algum, a teoria requer; nós podemos perguntar qualdos vários universos seria suficiente. Os objetos requeridos específicos,se há algum, são os objetos comuns a todos esses universos.4

Diante disso, parece-nos razoável considerar que a proposta de Quine não é de todo

adequada. Os domínios aos quais ele se refere podem ser disjuntos e, mesmo que não o sejam,

soluções que consideram alguma forma de “menor domínio” são em geral arbitrárias.

Na análise existencial das sentenças da teoria de conjuntos ZFC desenvolvida por

Freire, a noção de importe existencial é definida a partir das condições de fechamento dos

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domínios de interpretação das sentenças. O cerne da análise existencial que será desenvolvida

neste capítulo repousa na adaptação, para o contexto aritmético, da abordagem empregada

por Freire e, para isso, consideraremos a contraparte conjuntista das sentenças aritméticas. De

modo mais preciso, o importe existencial das sentenças aritméticas é analisado com o apoio

de teorias de conjuntos que são bi-interpretáveis com sistemas formais da aritmética, de tal

modo que a avaliação existencial de sentenças aritméticas será desenvolvida através da análise

da correspondente versão conjuntista. Uma vez que o importe existencial de uma sentença

é um atributo de suas condições de verdade, a interpretação da sentença aritmética na teoria

de conjuntos apropriada preserva as condições de verdade e, consequentemente, o importe

existencial.

Na próxima seção são descritas, de modo breve e direcionado à adaptação a que

visamos, as ideias, definições e resultados centrais presentes em [27]. Em seguida, são apre-

sentadas formalizações da aritmética de Peano e da aritmética de segunda ordem, seguidas

da avaliação existencial dos axiomas desses sistemas axiomáticos. Por fim, na Seção 2.4 os

resultados obtidos nas seções anteriores são analisados e discutidos.

2.1 Avaliação existencial da teoria de conjuntos

Um dos objetivos das investigações desenvolvidas por Freire é “classificar as sen-

tenças válidas da teoria de conjuntos em termos de existência e noções relacionadas”.5 Segundo

Freire, a demanda por tais investigações se fazia presente pois a classificação padrão das sen-

tenças da teoria de conjuntos ZFC, encontrada em tratados canônicos do assunto, é arbitrária

e contém equívocos. Uma razão para essa afirmação é fornecida pela classificação padrão do

axiomas, que os divide em duas categorias - axiomas de natureza dos conjuntos e axiomas de

existência de conjuntos. A primeira categoria é formada pelos axiomas da extensionalidade

e regularidade. A categoria dos axiomas de existência é composta pelos demais axiomas de

ZFC: axioma esquema de separação, axioma do vazio, axioma do par, axioma da união, axioma

esquema da substituição, axioma do infinito, axioma das partes e axioma da escolha. Ainda

de acordo com a classificação padrão, os axiomas de existência são classificados como cons-

trutivos ou não construtivos. O axioma da escolha é não construtivo e os demais axiomas de

ZFC são construtivos. Os expoentes de incongruências na classificação padrão são o axioma

da extensionalidade e o axioma da escolha. A título de exemplo da arbitrariedade presente na

classificação padrão, consideramos o primeiro deles.6

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Uma formulação usual do axioma da extensionalidade é

∀x∀y(∀z (z ∈ x↔ z ∈ y)→ x = y

).

Em sua forma contrapositiva, é equivalente a sentença com quantificador existencial

∀x∀y(x , y→ ∃z

((z ∈ x ∧ z < y) ∨ (z ∈ y ∧ z < x)

)).

A formulação contrapositiva do axioma deixa explícita a possibilidade de leitura

existencial: para quaisquer dois conjuntos, se eles são diferentes, então existe um conjunto que

testemunha a diferença. Além disso, não é incomum que o axioma da extensionalidade seja

aplicado com um viés existencial. Desse modo, se o axioma da extensionalidade não deve ser

considerado como uma asserção existencial, é preciso que se explique o porquê. Justificativas

que apelem à maneira como o axioma é empregado ou à autoridade de quem os classifica são

claramente insatisfatórias. É preciso superar a classificação padrão dos axiomas da teoria de

conjuntos e fornecer uma análise existencial dos axiomas de ZFC que seja harmoniosa com esta

faceta existencial do axioma da extensionalidade.

Visando a este fim, o ponto de partida da análise desenvolvida por Freire é uma

definição semântica de existência e noções relacionadas na qual papel chave é desempenhado

pelo conceito de grau de requerimento existencial admitido por uma sentença. O grau de reque-

rimento existencial é dado pelas condições de fechamento nos domínios de interpretação, as

quais, por sua vez, são: (i) qualquer domínio não vazio, (ii) domínios transitivos, (iii) domínios

supertransitivos, (iv) domínios que são um nível V(α), em que α é ordinal, (v) domínios que

são um nível V(λ), em que λ é ordinal limite e (vi) o domínio que é o universo de conjuntos V.

O elemento chave na determinação do grau de requerimento existencial de uma

∈-sentença é a verificação da condição requerida pelo domínio de uma ∈-interpretação I da

linguagem de ZFC em ZFC, para que seja o caso que ZFC ` ϕI. A partir dessa avaliação e

das condições acima elencadas são definidos seis graus de requerimento existencial para as

sentenças da teoria ZFC.7

Se ϕ é uma L(ZF)-sentença, então:

• ϕ admite grau zero de requerimento existencial quandoϕ é válida em toda ∈-interpretação

não vazia I de L(ZF) em uma extensão por definição ou por introdução de constantes T

de ZFC, isto é, quando para cada ∈-interpretação I tem-se que T ` ϕI.

• ϕ admite grau um de requerimento existencial quando ϕ é válida em toda ∈-interpretação

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transitiva I de L(ZF) em uma extensão por definição ou por introdução de constantes T

de ZFC, isto é, quando T ` ∀x∀y(UI(x)→

(y ∈ x→ UI(y)

))→ ϕI.

• ϕ admite grau dois de requerimento existencial quandoϕ é válida em toda ∈-interpretação

supertransitiva I de L(ZF) em uma extensão por definição ou por introdução de constantes

T de ZFC, isto é, quando T ` ∀x∀y(UI(x)→

((y ∈ x ∨ y ⊂ x)→ UI(y)

))→ ϕI

• ϕ admite grau três de requerimento existencial quando ZFC ` Ord(α) → ϕVα , em que

Ord(α) expressa que “α é ordinal”.

• ϕ admite grau quatro de requerimento existencial quando ZFC ` Lim(λ) → ϕVλ , em que

Lim(λ) expressa que “λ é ordinal limite”.

• ϕ admite grau cinco de requerimento existencial quando, para a interpretação identidade

V de L(ZF) em ZFC, é o caso que ZFC ` ϕV.

É imediato das considerações acima que, se ϕ admite grau d de requerimento existencial, d ≤ 5,

então ϕ admite todos os graus de requerimento existencial g, em que d ≤ g ≤ 5. O grau de

requerimento existencial de uma sentença é o menor grau de requerimento existencial admitido

pela sentença. O grau de requerimento existencial de um axioma esquema é a menor cota

superior dentre os graus de requerimento existencial admitidos pelas sentenças que instanciam

o esquema. A classificação aplica-se apenas as sentenças válidas na teoria de conjuntos.

Quando os axiomas de ZFC são avaliados, os axiomas da regularidade e do conjunto

vazio têm grau de requerimento existencial zero, o axioma da extensionalidade tem grau um,

o axioma esquema de separação tem grau dois, os axiomas da união e do conjunto escolha têm

grau três e os axiomas das partes, do infinito e da função escolha possuem grau quatro. Por

fim, o axioma esquema da substituição possui grau cinco de requerimento existencial.

Além do grau de requerimento existencial, as sentenças válidas da teoria de conjun-

tos são classificadas por Freire segundo outros três critérios: produtividade, condicionalidade

e construtividade. A noção de produtividade de uma sentença está diretamente relacionada a

obtenção de novos conjuntos a partir de conjuntos dados. A condicionalidade é uma avaliação

qualitativa, condicionada a validade das sentenças no domínio vazio. Quanto à construtibili-

dade, este critério permite a estratificação de sentenças de ZFC, mas é cego para a aritmética.

A avaliação de uma sentença ϕ da linguagem da teoria de conjuntos ZFC de acordo

com critérios citados pode ser esboçada do seguinte modo: (i) ϕ é uma asserção não produtiva

quando ϕ admite grau zero de requerimento existencial e ϕ é uma asserção produtiva quando

admite grau g de requerimento existencial, g diferente de zero. (ii) ϕ é uma asserção de

requerimento existencial condicional de grau g quando ϕ é válida na interpretação vazia e ϕ

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admite grau g de requerimento existencial; e ϕ é uma asserção de requerimento existencial

incondicional quando ϕ não é válida na interpretação vazia e ϕ admite grau g de requerimento

existencial. (iii) Supondo uma ordenação das variáveis da linguagem, se x é a primeira variável

que não ocorre em ϕ, então ϕ é uma asserção construtiva quando ZFC ` ∀x ϕL(x); e ϕ é uma

asserção não construtiva quando ZFC 0 ∀x ϕL(x). Aqui, L(x) é classe dos contrutíveis cujo nível

inicial é {x} ∪ Trc`(x), sendo que Trc`(x) é o fecho transitivo de x. Vale notar que toda asserção

não produtiva é construtiva e que asserções produtivas podem ser construtivas ou não.

Avaliando os axiomas de ZFC segundo esses critérios, Freire observa que (i) as

asserções improdutivas de ZFC são o axioma da regularidade e o axioma do conjunto vazio; os

demais axiomas são asserções produtivas, (ii) as asserções de requerimento existencial incondi-

cional são os axiomas do conjunto vazio e do infinito; os demais axiomas de ZFC são asserções

condicionais e (iii) Os axiomas não construtivos de ZFC são o axioma da função escolha e

do conjunto escolha; os demais axiomas são construtivos. Essa classificação dos axiomas é

sistematizada na Tabela I.

Construtiva Condicional Improdutiva Axioma da regularidade

Produtiva de grau 1 Axioma da extensionalidade

Produtiva de grau 2 Axioma esquema da separação

Produtiva de grau 3 Axioma da união

Produtiva de grau 4 Axioma das partes

Produtiva de grau 5 Axioma esquema da substituição

Incondicional Improdutiva Axioma do conjunto vazio

Produtiva de grau 4 Axioma do infinito

Não construtiva Condicional Produtiva de grau 3 Axioma do conjunto escolha

Produtiva de grau 4 Axioma da função escolha

Tabela I

A análise existencial a partir da qual a tabela acima foi extraída, embora não seja

fundamentada na ocorrência de símbolos numa sentença, não é alienada da interpretação usual

do quantificador existencial. A classificação dos axiomas pode ser transferida, em um sentido

técnico e preciso [27, Corolário 8], para os teoremas e, como consequência, os teoremas de

ZFC que são classificados de modos distintos segundo os critérios de produtividade, condi-

cionalidade e construtividade devem ser vistos como qualitativamente distintos com relação

ao importe existencial. Uma análise profunda da classificação esboçada acima é realizada por

Freire em [28], seu segundo artigo sobre a noção de existência na teoria de conjuntos. A conclu-

são é que essa classificação das sentenças válidas da teoria de conjuntos ZFC é estável, robusta

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e coerente. Quanto à importância dessa análise para os fundamentos da matemática, Freire

observa que

Os princípios da teoria de conjuntos constituem as bases para a noçãocontemporânea de existência matemática. Se a análise apresentada aquiestá de fato no caminho correto, e a visão usual destes princípios não éinteiramente correta, então essa análise seria uma contribuição para oentendimento da noção de existência matemática.8

Endossamos o método e os resultados da análise desenvolvida por Freire e, motivados pela cita-

ção acima, empregamos o método de análise por ele desenvolvido em investigações existenciais

na aritmética de Peano e na aritmética de segunda ordem.

A seguir descrevemos como adaptar a análise de Freire ao contexto aritmético.

Análise existencial de sentenças aritméticas

Os graus de requerimento existencial são definidos a partir das condições de fecha-

mento dos domínios de interpretação. Com relação a interpretações na teoria de conjuntos ZFC,

as condições exigidas dos domínios de interpretação são naturais, bem conhecidas e bastante

estudadas. A situação não é a mesma com relação a aritmética. Por exemplo: aparentemente

não há condições naturais que possam ser impostas aos domínios de interpretações da lingua-

gem da aritmética de Peano em um sistema formal da aritmética. À primeira vista, isso é um

obstáculo ao plano de adaptar a análise conjuntista para a aritmética.

Essa aparente dificuldade pode ser facilmente contornada quando são consideradas

internalizações da aritmética na teoria de conjuntos, segundo as quais a aritmética é vista como

uma certa teoria de conjuntos T e a análise desenvolvida por Freire é adaptada para investigações

acerca de T. Com essa estratégia, são obtidos nesta Tese ao menos dois resultados originais.

O primeiro é uma classificação existencial robusta de axiomatizações da aritmética de Peano e

aritmética de segunda ordem. Outro resultado é uma definição precisa de axioma de existência

que é consonante com o emprego deste termo no programa fundacional da matemática reversa.

De acordo com o teorema da interpretação,9 se I é uma interpretação de T em T′, então

as condições de verdade de uma L(T)-sentençaϕ coincidem com as condições de verdade de sua

interpretação ϕI. Portanto, se duas teorias são bi-interpretáveis, as condições de verdade das

sentenças das teorias estão correlacionadas univocamente. A partir desse fato, delinearemos

uma estratégia para determinar os requerimentos existenciais de sentenças aritméticas.

Consideremos que T é um sistema formal da aritmética, que T′ é um subsistema ou

sistema axiomático relacionado a ZFC, que ϕ é uma L(T)-sentença, queA é uma interpretação

de T em T′ e B é uma interpretação de T′ em T tal que a composição de B comA é isomorfa a

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identidade em A e que a composição de B com A é isomorfa a identidade em B.10 Com isso,

as condições de verdade de ϕ são as mesmas que as condições de verdade de ϕA. Uma vez

que pressupomos que o importe existencial de uma sentença é um atributo das condições de

verdade da sentença, concluímos que ϕ e ϕA possuem o mesmo importe existencial.11 Se T′ é

ou um subsistema de ZFC ou algum sistema axiomático relacionado a ZFC, podemos adaptar

a análise existencial de Freire para T′ de tal forma que, se ϕA é uma L(T′)-sentença, então o

grau de requerimento existencial de ϕA é determinado pelas condições de fechamento exigidas

dos domínios de interpretaçãoD para que se tenha T′ `(ϕA

)D. Deste modo, os requerimentos

existenciais de ϕ são avaliados de modo indireto, através de ϕA.

O diagrama abaixo ilustra o método de análise dos requerimentos existenciais de

uma sentença ϕ descrito no parágrafo anterior.

ϕ

A

&&ϕA

D //

B

ee (ϕA)D Qual o fechamento emD para que T′ `(ϕA

)D?jt

Antes de efetuar a avaliação das sentenças aritméticas, é preciso esclarecer algumas

particularidades das interpretaçõesD admitidas no esquema acima.

Em suas considerações acerca da existência, Freire recorre à teoria de conjuntos

para analisar sentenças da teoria de conjuntos. É, portanto, natural que sejam empregadas

∈-interpretações de L(ZFC) em ZFC.12 Caso contrário, os requerimentos existenciais de uma

sentença seriam avaliados tomando por base uma relação binária ∈I qualquer, sem qualquer

relação com a relação de pertinência entre conjuntos. Interpretar a relação de pertinência

transforma o discurso sobre a pertinência conjuntista em um discurso sobre relação binária em

uma extensão definicional da linguagem da teoria de conjuntos.

Ao estudarmos a aritmética, assumiremos posição análoga. Após transferirmos a

análise do importe existencial de sentenças aritméticas para uma teoria de conjuntos através

da interpretaçãoA, a interpretaçãoD não irá interpretar os símbolos primitivos da linguagem

do sistema formal da aritmética em avaliação. Estas ideias são postas de modo preciso pela

definição a seguir.

Definição 2.1.1. Sejam Z um sistema formal da aritmética, T uma teoria de conjuntos eA uma

interpretação de L(Z) em T. Nessas condições,D é uma ∈-interpretação aritmética da linguagem

de T quandoD é uma ∈-interpretação da linguagem de Z em uma extensão definicional ou por

constantes de T, que satisfaz as seguintes condições:

(1) Se A é o domínio deA, então(A(x)

)D é A(x).

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(2) Para todo símbolo s na assinatura da linguagem de Z, é o caso que (sA)D é sA.

O exemplo a seguir ilustra como a definição acima será empregada na avaliação existencial.

Exemplo 2.1.2. Suponha que Z é um sistema formal da aritmética, que T é uma teoria de

conjuntos e que A é uma interpretação de Z em T. Suponha também que a assinatura da

linguagem de Z é {+, s, 0} e que L(T) = L(ZF). Denotamos o axioma ∀x∀y(x + sy = s(x + y)

)de

Z por ψ. Nestas condições, ψA é a sentença

∀x∀y(A(x) ∧ A(y)→ x +A sAy = sA(x +A y)

).

Interpretando ψA segundo uma ∈-interpretação aritméticaD, obtemos a sentença(ψA

)D∀x∀y

(D(x) ∧D(y) ∧ A(x)D ∧ A(y)D → x +AD sADy = sAD(x +AD y)

).

Pela definição deD, a expressão acima pode ser reduzida a

∀x∀y(D(x) ∧D(y) ∧ A(x) ∧ A(y)→ x +A sAy = sA(x +A y)

).

Esta última sentença será empregada na avaliação existencial de ψ.

2.2 Avaliação existencial da aritmética de Peano

A aritmética de Peano é o sistema formal denotado por Z1, cuja linguagem é com-

posta por um símbolo de predicado binário para a relação de ordem, símbolo de constante para

o zero e símbolos de função para as operações sucessor, soma e produto. A assinatura de Z1

é {<; +, ·, †, 0} e a leitura das fórmulas e termos é a padrão, em que a fórmula x < y expressa a

relação x é menor que y, o termo x† é o sucessor de x e assim por diante. Símbolos novos, tanto de

função quanto de relação, podem ser introduzidos definicionalmente. Por exemplo, o símbolo

de relação ≤ é introduzido pela fórmula x ≤ y↔ x < y ∨ x = y. Os axiomas de Z1, distribuídos

em cinco grupos, são os fechamentos universais das expressões a seguir.

• Axiomas de Sucessão: ¬(x† = 0) e x† = y† → x = y.

• Axiomas de Soma: x + 0 = x e x + y† = (x + y)†.

• Axiomas de Produto: x · 0 = 0 e x · y† = (x · y) + x.

• Axiomas de Ordem: ¬(x < 0) e x < y† ↔ x < y ∨ x = y.

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• Esquema de indução: para cada L(Z1)-fórmula ϕ cujas variáveis livres são precisamente

x, x1, ..., xn, a sentença ∀x1 · · · ∀xn(ϕx[0] ∧ ∀x

(ϕ→ ϕx[x†]

)→ ∀x ϕ

)é um axioma.

Na Seção 1.2 observamos que os axiomas do sistema formal da aritmética de Peano

em primeira ordem podem ser vistos como formalizações parciais dos princípios diretivos da

aritmética. Se este entendimento é endossado, a análise existencial desenvolvida nesta seção

é consonânte com o quadro normativo adotado no capítulo anteirior. E, se o pressuposto

empregado na análise das condições de verdade não é endossado, mesmo assim a análise

existencial se mantém intacta.

Encontramos na literatura sobre aritmética diversas formulações equivalentes à Z1,

mas com variações na linguagem e nos axiomas. O símbolo para a relação de ordem pode ser

primitivo, como em Z1, ou removido da linguagem básica e reintroduzido definicionalmente.

Além da constante para o zero, a linguagem pode conter símbolo de constante para o um e,

neste caso, o símbolo de sucessor pode ser eliminado e reintroduzido, definicionalmente, a

partir dessa constante e da soma. Mas não é possível, por exemplo, definir o produto a partir

da operação de soma e da relação de ordem.

Subsistemas de Z1 são importantes para a elucidação de aspectos técnicos e fun-

dacionais relacionados à aritmética de Peano. A aritmética de Robinson, por exemplo, pode ser

formulada na linguagem de Z1 pela omissão do esquema de indução e introdução do axioma

da tricotomia da relação de ordem: ∀x∀y(x < y∨ x = y∨ y < x

). A aritmética de Presburger pode

ser formulada em uma linguagem com símbolos para o zero, sucessor, soma e com os axiomas

de sucessão e soma em Z1, além da restrição apropriada do esquema de indução. Enquanto a

aritmética de Robinson tem papel destacado na análise da transcendência da verdade aritmé-

tica (evidenciada pelo fenômeno da incompletude), a aritmética de Presburger é relevante em

estudos sobre a decidibilidade de sistemas formais.

Outros subsistemas importantes da aritmética de Peano são obtidos através do en-

fraquecimento das operações, considerando-as relações. O ponto central de tais formulações é

que soma, sucessor e multiplicação deixam de satisfazer as condições de existência e unicidade,

exigidas pela definição funcional, e passam a ser consideradas relações entre números. Essa

forma de abordar a aritmética mostra-se relevante em muitas análises de natureza técnica. Um

exemplo: em [35, Capítulo 10] W. D. Hart defende que formulações relacionais da aritmética

apresentam exemplos naturais de teorias com grau de recursividade enumerável no intervalo

entre zero e um. Outro exemplo é dado por Dan Willard, que em [76] mostra que existem

sistemas axiomáticos consistentes expressáveis na aritmética relacional que provam sua consis-

tência semântica. Mais um exemplo pode ser visto em Bell & Slomson [4], que consideram uma

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formulação relacional de sucessor para caracterizar, em uma extensão da lógica de primeira

ordem, a estrutura padrão da aritmética.

Nas investigações existenciais que serão desenvolvidas acerca da aritmética de

Peano será empregada uma versão relacional de Z1. Diferentemente das aplicações citadas no

parágrafo anterior, o objeto de análise não será um subsistema formal de Z1. Estudaremos

um sistema formal equivalente à aritmética de Peano, mas escrito em linguagem relacional.

Obtemos um tal sistema considerando que a linguagem contém apenas símbolos de relação.

Símbolos de função, nesse contexto, são símbolos relacionais que satisfazem as condições de

existência e unicidade. Por exemplo, se admitirmos que a linguagem da aritmética de Peano

possui símbolos de função, um dos axiomas de sucessão é

∀x∀y(x† = y† → x = y

).

Se a linguagem é puramente relacional, o símbolo † é um símbolo de relação binária. A acepção

funcional pode ser recuperada pela conjunção dos axiomas a seguir.

Axioma relacional de injetividade:

∀x∀y∀z(† (x, z) ∧ †(y, z)→ x = y

).

Axioma existencial funcional:

∀x∃y † (x, y).

Axioma de unicidade funcional:

∀x∀y∀z(† (x, y) ∧ †(x, z)→ y = z

).

Quando um símbolo de função é introduzido em uma linguagem relacional, a

conjunção do axioma de unicidade funcional com o axioma existencial funcional é denominada

axioma de fechamento funcional do símbolo relacional.

Do ponto de vista dedutivo é indiferente considerarmos sistemas formais formula-

dos em linguagens munidas com símbolos de função ou formulados em linguagens puramente

relacionais munidas munidas dos axiomas de fechamento funcional. Nas linguagens munidas

com símbolos de função, a condição de existência funcional está implícita nos símbolos de

função, enquanto que nas linguagens relacionais essa condição deve ser axiomatizada de modo

explícito. A obrigatoriedade de explicitação é um dos motivos por optarmos, ao analisarmos

as demandas existenciais, pelo emprego de uma linguagem relacional pura para a aritmética

de Peano.

Outra razão é que o método de análise pressupõe que interpretemos a aritmética

em uma teoria de conjuntos. Ao interpretamos uma sentença aritmética ψ na qual ocorre

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um símbolo de função, na interpretação de ψ ocorrerá, como consequência da definição de

interpretação, um símbolo de função. Mas a linguagem da teoria de conjuntos é uma linguagem

puramente relacional. Consequentemente, o símbolo de função que interpreta o símbolo de

função aritmético foi introduzido na teoria de conjuntos definicionalmente, por um axioma

escrito em linguagem relacional e para o qual se verificaram as condições de fechamento

funcional. Quando uma formulação relacional da aritmética de Peano é considerada, os aspectos

relacionais e de fechamento funcional são evidenciados, tornando a análise existencial dos

axiomas bastante fina.

A aritmética de Peano será reformulada no sistema formal denotado por ZR1 . A

linguagem desse sistema é a coleção de símbolos de relação L(ZR1 ) = {A,P,S,M,Z}. O símbolo Z

tem aridade 1, os símbolos M e S possuem aridade 2 e, os demais símbolos, aridade 3. A leitura

das fórmulas A(x, y, z) e P(x, y, z) são, respectivamente, z é a soma de x com y e z é o produto entre x

e y. As fórmulas M(x, y), S(x, y), e Z(x) expressam, respectivamente, as relações x é menor que y,

o sucessor de x é y e x é zero. Os axiomas de ZR1 são o fechamento universal das fórmulas abaixo,

organizadas em três grupos: axiomas relacionais, axiomas funcionais e esquema de indução.

• Axiomas relacionais:

(1) Z(y) ∧ S(x, z)→ y , z;

(2) S(y, x) ∧ S(z, x)→ y = z;

(3) Z(y)→ A(x, y, x);

(4) S(y,u) ∧ S(z, v) ∧ A(x, y, z)→ A(x,u, v);

(5) Z(y)→ P(x, y, y);

(6) S(y,u) ∧ A(z, x, v) ∧ P(x, y, z)→ P(x,u, v);

(7) Z(y)→ ¬M(x, y);

(8) S(y, z)→(M(x, z)↔M(x, y) ∨ x = y

).

• Axiomas de fechamento funcional:

(1) ∃x Zx ∧(Z(y) ∧ Z(z)→ y = z

);

(2) ∃y S(x, y) ∧(S(z,u) ∧ S(z, v)→ u = v

);

(3) ∃z A(x, y, z) ∧(A(x, y,u) ∧ A(x, y, v)→ u = v

);

(4) ∃z P(x, y, z) ∧(P(x, y,u) ∧ P(x, y, v)→ u = v

).

• Esquema de indução: para cada L(ZR1 )-fórmula ϕ cujas variáveis livres são, precisamente,

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x, x1, ..., xn, a sentença a seguir é um axioma.

∀x1 · · · ∀xn[∀y

(Z(y)→ ϕx[y]

)∧ ∀y∀z

(ϕx[y] ∧ S(y, z)→ ϕx[z]

)→ ∀xϕ

].

Os axiomas relacionais acima são uma formulação, equivalente, à apresentada

por Hájek & Pudlák, [42, Definição 2.83]. Basicamente, são versões relacionais dos axiomas

de sucessão, soma, produto e ordem de Z1. Os axiomas relacionais formalizam a natureza

computacional das operações, enquanto os axiomas funcionais estabelecem o comportamento

funcional dos símbolos de relação. O esquema de indução é como em Z1, a menos da linguagem

das fórmulas que instanciam o esquema, que no caso presente é relacional.

A seguir, os sistemas formais Z1 e ZR1 são comparados quanto à interpretabilidade.

Teorema 2.2.1. Os sistemas Z1 e ZR1 são bi-interpretáveis.

Prova. Definimos, de modo natural, uma extensão definicional Z∗1 de Z1 e uma extensão defi-

nicional ZR1∗ de ZR

1 de tal modo que Z∗1 e ZR1∗ sejam mutuamente interpretáveis.

Obtemos ZR1∗ pela introdução dos símbolos funcionais 0∗, †∗, +∗, ·∗ e dos axiomas:

(0∗ = y

)↔ Z(y);

(x†∗

= y)↔ S(x, y);

(x +∗ y = z

)↔ A(x, y, z);

(x ·∗ y = z

)↔ P(x, y, z).

A verificação das condições de fechamento funcional dos novos símbolos é imediata.

Fixamos a extensão Z∗1 pela inclusão dos símbolos relacionais Z∗,S∗,A∗, P∗ e dos axiomas:

Z∗(x)↔ y = 0; S∗(x, y)↔(y = x†

); A∗(x, y, z)↔

(x + y = z

); P∗(x, y, z)↔

(x · y = z

).

É imediato definir uma interpretação I de ZR1 em Z∗1 na qual UI(x) é x = x, MI é

< e cada um dos símbolos restantes s em L(ZR1 ) é interpretado no símbolo s∗. Analogamente,

definimos a interpretação J de Z1 em ZR1∗ de modo que UJ(x) é x = x, a interpretação de < é M

e cada um dos símbolos restantes s de L(Z1) é interpretado no símbolo s∗. Pode ser verificado

facilmente que a composição das interpretações I e J é uma bi-interpretação.

A seguir descreveremos uma bi-interpretação entre Z1 e uma teoria de conjuntos

apropriada. A composição entre a bi-interpretação que será apresentada e as interpretações

descritas acima é uma bi-interpretação entre ZR1 e uma teoria de conjuntos.

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A teoria de conjuntos bi-interpretável com a aritmética de Peano

Será descrita a teoria de conjuntos ZFfin, a qual é mutuamente interpretável com a

aritmética de Peano.13 A linguagem de ZFfin é a linguagem de ZF, isto é, L(ZFfin) = {∈}. Os

axiomas de ZFfin são os axiomas de ZF, exceto pelo axioma do infinito, o qual é substituído por

sua negação. Explicitamente, os axiomas de ZFfin são:

• Axiomas de ZF: axioma da extensionalidade, axioma da regularidade, axioma esquema

de separação, axioma do conjunto vazio, axioma do par, axioma das partes, axioma da

união e axioma esquema da substituição.

• Negação do axioma do infinito: ¬∃x(∅ ∈ x ∧

(∀z (z ∈ x→ z ∪ {z} ∈ x)

)).

Embora seja bem conhecido que os axiomas do par, do conjunto vazio e do esquema

de separação são redundantes na presença dos axiomas da substituição e da extensionalidade,

optamos por explicitá-los. Essa atitude será adotada ao longo de toda a exposição, ou seja,

não haverá a preocupação de polir os sistemas formais no sentido de estabelecer uma coleção

mínima de axiomas independentes. Ademais, a pluralidade de axiomas irá revelar aspectos

interessantes das demandas existenciais dos mesmos.

A consistência de ZFfin, relativa a ZF, é garantida pela estrutura 〈V(ω),∈〉, construída

em ZF e modelo de ZFfin. Os ordinais finitos desempenharão papel relevante na interpretação

da aritmética na teoria de conjuntos. Isto porque a aritmética versa sobre os números naturais

e estes são, canonicamente, definidos na teoria de conjuntos como os ordinais finitos. Natural,

portanto, que os elementos de Z1 sejam interpretados nos ordinais de ZFfin. Fato bem conhecido

é que a prova do princípio da indução ordinal demanda apenas os axiomas da extensionalidade,

conjunto vazio, união e substituição. Os detalhes podem ser vistos em Drake, [18, Capítulo

1] ou, mais sucintamente, na primeira seção de Baratella & Ferro, [2]. Consequentemente, o

princípio da indução sobre os ordinais finitos vale em ZFfin. Além disso, as operações sucessor,

soma e produto ordinal podem ser definidas, com base nos ordinais, da forma usual.

Uma interpretação de Z1 em ZFfin é a interpretação ordinal, denotada por ord e definida

do seguinte modo: (i) o universo de ord é formado pelo ordinais, isto é, Uord(x) ↔ Ord(x), (ii)

a relação de ordem é interpretada na relação de pertinência, (iii) as operações aritméticas são

interpretadas como operações ordinais e (iv) a constante zero é interpretada no ordinal ∅.

Em ZFfin prova-se que todo ordinal é finito, isto é, que (i) exceção feita ao conjunto

vazio, todos os demais ordinais são algum ordinal sucessor e (ii) todo conjunto não vazio de

ordinais tem maior elemento, isto é,

ZFfin ` ∀x(Ord(x)↔ x = ∅ ∨ ∃y (Ord(y) ∧ x = y ∪ {y})

)e

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ZFfin ` ∀x∀y(x , ∅ ∧ x ∈ y ∧Ord(y)→

⋃x ∈ y

).

A Interpretação de Ackermann, que indicaremos por ack é uma interpretação de ZFfin

em Z1. Segundo essa interpretação, as sentenças de L(ZFfin) são interpretadas em uma extensão

definicional de Z1. O elemento central da interpretação é a exponenciação de base dois. Numa

extensão definicional adequada de Z1 o domínio de ack é a identidade, isto é, Uack(x)↔ x = x. O

símbolo da pertinência é interpretado de tal forma que x ∈ y é a fórmula que expressa a relação

o x-ésimo dígito da representação binária de y é 1. Numa extensão definicional adequada de Z1 a

interpretação das fórmulas atômicas de L(ZFfin) é formalizada do seguinte modo:

(x ∈ y)ack é ∃z < y ∃p ≤ y ∃r < p(p = 2x

∧ y = (2z + 1)p + r).

Consideramos que trata-se de um fato bem conhecido, acerca dos fundamentos da

aritmética, que a interpretação ordinal e a interpretação de Ackermann garantem que ZFfin e

Z1 são mutuamente interpretáveis. Entretanto, estas duas teorias não são bi-interpretáveis.

Em [43], Kaye & Wong mostram como obter, em uma extensão de ZFfin, uma interpretação

inversa a interpretação de Ackermann. A estratégia por eles empregada é construir uma

bijeção entre o domínio de qualquer modelo da teoria em que a interpretação é definida e os

ordinais. Descreveremos brevemente essa teoria, denotada por ZFTc, e a interpretação inversa

à interpretação de Ackermann. Com isso, teremos as ferramentas necessárias para a análise das

demandas existenciais da aritmética de Peano.

A linguagem de ZFTc é a linguagem da pertinência. Símbolos usuais da teoria de

conjuntos, introduzidos definicionalmente, serão usados livremente. Os axiomas são aqueles

de ZFfin, acrescidos da sentença TC, que assevera que todo conjunto está contido em algum

conjunto transitivo. Listamos abaixo, de modo explícito, os axiomas de ZFTc.

• Axiomas de ZFfin: axioma da extensionalidade, axioma da regularidade, axioma esquema

de separação, axioma do conjunto vazio, axioma do par, axioma das partes, axioma da

união, axioma esquema da substituição e negação do axioma do infinito.

• Axioma do fechamento transitivo TC : ∀x∃y(x ⊆ y ∧ Tran(y)

).

A estratégia de obtenção da interpretação inversa a interpretação de Ackermann

consiste na obtenção de uma bijeção entre o domínio de qualquer modelo de ZFTc e os ordinais

dessa teoria. O sucesso deste plano repousa fortemente em um esquema de ∈-indução.

• Esquema de ∈-indução: para cada fórmula ϕ na linguagem da pertinência cujas variáveis

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livres são precisamente x, x1, ..., xn, a sentença

∀x1 · · · ∀xn(∀x

(∀z (z ∈ x ∧ ϕ(z, x1, ..., xn)→ ϕ(x, x1, ..., xn)

)→ ∀x ϕ(x, x1, ..., xn)

)é uma instância de ∈-indução.

Em ZFfin o esquema de ∈-indução e o axioma TC são equivalentes [43, Prop. 5.4]. Também em

ZFfin pode ser definida a função F : Ord × P(Ord)→ Ord tal que:

F(0, x) = 0 e F(n ∪ {n}, x

)=

F(n, x), quando n ∪ {n} < x;

F(n ∪ {n}, x) = F(n, x) + n ∪ {n}, quando n ∪ {n} ∈ x.

Ainda em ZFfin, a partir de F define-se a função S : P(Ord) → Ord por S(x) = F(⋃

x, x).

Finalmente define-se, em ZFTc e por ∈-indução a partir de S, a bijeção procurada:

p(x) = S({2p(y)

∈ Ord : y ∈ x}).

Com essa bijeção uma interpretação b de Z1 em ZFTc é fixada. O domínio da

interpretação é o universo de ZFTc, isto é, Ub(x) ↔ x = x. A constante 0 é interpretada no

conjunto vazio e os demais símbolos são interpretados a partir da função p: a interpretação de

x < y é p(x) < p(y), a interpretação de x + y = z é p(x) ⊕ p(y) = p(z), a interpretação de x · y = z

é p(x) � p(y) = p(z) e a interpretação de x† = y é p(x) ∪ {p(x)} = p(y). A relação p(x) < p(y) é a

relação de ordem entre ordinais e as operações ⊕ e � são a soma e o produto ordinal.

Por fim, é provado que para toda Z1-fórmula atômica ϕ(x1, ..., xn) e toda ZFTc-

fórmula atômica ψ(x1, ..., xn):

Z1 ` ∀x1...∀xn[(ϕ(x1, ..., xn)

)b)ack↔ ϕ(x1, ..., xn)

).

ZFTc ` ∀x1...∀xn[(ψ(x1, ..., xn)

)ack

)b↔ ψ(x1, ..., xn)

).

Os resultados de Kaye e Wong garantem que ZFTc e Z1 são bi-interpretáveis. O

Teorema 2.2.1 assevera que Z1 e ZR1 são bi-interpretáveis. Pela composição das bi-interpretações,

ZR1 e ZFTc são bi-interpretáveis. Abaixo encontra-se esquematizado o sentido de interpretação

utilizado para avaliar existencialmente, em ZFTc, as sentenças de ZR1 .

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ZR1

∗−→ Z1

b−→ ZFTc

Z(x) ∗−→ x = 0 b

−→ x = ∅

S(x, y) ∗−→ y = x† b

−→ p(y) = p(x) ∪ {p(x)}

M(x, y) ∗−→ x < y b

−→ p(x) ∈ p(y)

A(x, y, z) ∗−→ z = x + y b

−→ p(z) = p(x) ⊕ p(y)

P(x, y, z) ∗−→ z = x · y b

−→ p(z) = p(x) � p(y)

Com esses resultados, iniciaremos a avaliação existencial das sentenças de ZR1 .

Análise existencial das sentenças da aritmética de Peano

A definição a seguir desempenhará papel chave na avaliação avaliação existencial,

a qual seguirá a estratégia delineada no final da seção anterior. Tanto esta definição quanto os

resultados que a sucedem são adaptações, ou consequências imediatas no contexto aritmético,

de enunciados e resultados formulados por Freire para a teoria de conjuntos.

Definição 2.2.2. Sejam T uma extensão definicional ou por constantes de ZFTc, A uma inter-

pretação de ZR1 em ZFTc e B uma interpretação de ZFTc em ZR

1 tais que a composição deA com

B é isomorfa à identidade em A e a composição de B com A é isomorfa à identidade em B.

Uma L(ZR1 )-sentença ϕ:

(0) Admite grau zero de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vaziaD da linguagem de ZFTc em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

(1) Admite grau um de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vazia transitivaD da linguagem ZFTc em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

(2) Admite grau dois de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vazia supertransitivaD da linguagem ZFTc em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

(3) Admite grau três de requerimento existencial quando, para todo ordinal α, o nível V(α) é uma

∈-interpretação aritmética da linguagem de ZFTc em T e T ` Ord(α)→ (ϕA)V(α).

(4) Admite grau quatro de requerimento existencial quando a interpretação identidade V é uma

∈-interpretação aritmética da linguagem ZFTc em T e T ` (ϕA)V.

Uma primeira observação diz respeito a diferença entre os possíveis graus de reque-

rimento existencial em aritmética de Peano e o graus de requerimento existencial das sentenças

da teoria de conjuntos ZFC apresentados na página 73. Esta diferença ocorre porque na teoria

de conjuntos ZFTc os graus que seriam definidos pela condição de fechamento Vλ, em que λ é

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ordinal limite e V colapsam. Vale também a pena voltar a chamar a atenção para um abuso de

linguagem, já apresentado na Nota 10 deste capítulo: o grau de requerimento existencial está

definido para o par de interpretaçõesA eB, e consequentemente, uma notação mais apropriada

seria substituir, na definição acima, toda ocorrência de ϕA por ϕ(A,B). Entretanto, para não car-

regar ainda mais a notação, seguiremos com a notação inicialmente estabelecida, mas sempre

atentos ao fato que, para a definição ser coerente, consideramos um par de interpretações cuja

composição é, a menos de isomorfismos, a identidade. Outro abuso de notação recorrente será

escrever, para duas interpretaçõesA e B, a sentença ϕAB em vez de(ϕA

)B.

Outro fato que vale a pena ser destacado é que a definição classifica apenas as

sentenças válidas de ZR1 . De fato, se ZR

1 ` ϕ, então T ` ϕA e portanto T ` ϕAV, o que garante

que ϕ admite algum grau de requerimento existencial. Por outro lado, se ZR1 0 ϕ, pela bi-

interpretabilidade entre ZR1 e ZFTc, não é o caso que T ` ϕAV e, portanto, não faz sentido avaliar

as condições sobreD para que T ` ϕAD.

Por fim, pela definição acima é patente que, se uma sentença admite um determi-

nado grau de requerimento existencial d, então ela admite todos graus graus de requerimento

existencial maiores que d. De fato, se ϕ admite grau zero de requerimento existencial, então

T ` ϕAD para toda D não vazia e, consequentemente, T provará ϕAD para toda D não vazia

transitiva, não vazia supertransitiva, etc. Logo, ϕ admite também os graus um, dois, três e

quatro de requerimento existencial. Isso motiva e legitima a atribuição de um único valor ao

grau de requerimento existencial para as sentenças aritméticas.

Definição 2.2.3. O grau de requerimento existencial de uma L(ZR1 )-sentença ϕ, relativo a uma dada

bi-interpretação, é o menor dos graus de requerimento existencial admitidos por ϕ com relação

à bi-interpretação. Quando o grau de requerimento existencial de uma sentençaϕ for d, diremos

também que ϕ possui grau de requerimento existencial d.

Nesta Tese, a avaliação do grau de requerimento existencial das sentenças será rela-

tiva a um par de interpretações facilmente identificáveis pelo contexto e, por essa razão, iremos

nos referir ao grau de requerimento existencial de uma sentença, em vez do grau de requerimento

existencial de uma sentença relativo a uma dada bi-interpretação.

Uma questão que surge de modo natural acerca do grau de requerimento existencial

diz respeito a possibilidade de mais de uma interpretação da aritmética em uma teoria de con-

juntos e a estabilidade do grau de requerimento existencial frente às interpretações alternativas.

A próxima definição motiva uma primeira resposta a tais questionamentos.

Definição 2.2.4. Sejam T1 uma teoria aritmética, T2 uma teoria de conjuntos. Considere também

que A e A? são interpretações de T1 em T2 e que B e B? são interpretações de T2 em T1

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tais que os pares (A,B) e (A?,B?) são bi-interpretações, isto é, A ◦ B � idA � A?◦ B

? e

B ◦ A � idB � B? ◦ A?. Diremos que A e A? são equivalentes para a avaliação do grau de

requerimento existencial quando, para todo axioma ϕ de T1, o grau de requerimento existencial

de ϕA ↔ ϕA?

for menor ou igual ao grau de requerimento existencial de ϕA e, também, menor

ou igual ao grau de requerimento existencial de ϕA?.

Mais uma vez está implícito um abuso de notação com relação às bi-interpretações

da definição acima. Isto porque tratamos de equivalência entre interpretações em vez de

equivalência entre pares de interpretações. Cometeremos este e outros abusos de linguagem

e notação mais vezes, nesta e nas próximas seções, mas sem, no entanto, voltar a chamar a

atenção para tais abusos.

O próximo teorema é uma resposta parcial para questões relativas a estabilidade do

grau de requerimento existencial com relação a interpretação empregada: se duas interpretações

são equivalentes para a análise do importe existencial, então o grau de requerimento existencial

de um axioma da teoria interpretada é invariante com relação a escolha da interpretação.

Teorema 2.2.5. Se T1 é uma teoria aritmética, T2 é uma teoria de conjuntos, A e A? são

interpretações de T1 em T2 que são equivalentes para a avaliação do grau de requerimento

existencial, então para todo axioma ϕ de T1 o grau de requerimento existencial de ϕ com

relação aA é igual ao grau de requerimento existencial de ϕ com relação aA?.

Prova. Suponha que o grau de requerimento existencial deϕA é menor ou igual ao deϕA?. Em

particular, se o grau de requerimento existencial de ϕA é d, pela hipótese que as interpretações

são equivalentes, ϕA ↔ ϕA?

também possui grau de requerimento existencial d. Mas, então,

ϕA?

também admite grau d. Analogamente, se ϕA?

admite grau d de requerimento existencial

que, por sua vez, é menor ou igual ao de ϕA, então ϕA também admite grau d.

O resultado a seguir avalia os axiomas de ZR1 quanto grau de requerimento existencial.

Teorema 2.2.6. Os axiomas de ZR1 se distribuem segundo a seguinte classificação:

(a) Os axiomas relacionais possuem grau de requerimento existencial zero.

(b) O axioma esquema de indução possui grau de requerimento existencial um.

(c) O primeiro axioma funcional possui grau de requerimento existencial um.

(d) Os demais ax. de fechamento funcional possuem grau de requerimento existencial quatro.

Prova. Apresentaremos as demonstrações de apenas alguns axiomas. Os demais casos se-

guem, estritamente, a mesma estratégia e podem ser obtidas por simples reescritas dos casos

apresentados.

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Axiomas relacionais. Suponha que ϕ é o axioma relacional

∀x∀y∀z(Zy ∧ S(x, z)→ y , z

).

Interpretando esse axioma em ZR1 e interpretando esta última em ZFTc segundo a interpretação

b descrita na seção anterior, obtemos

∀x∀y∀z(y = ∅ ∧ p(z) = p(x) ∪ {p(x)} → y , z

).

Vamos avaliar o grau de requerimento existencial dessa sentença estabelecendo para qual ∈-

interpretaçãoD a sentença

∀x∀y∀z[Dx ∧Dy ∧Dz ∧

(y = ∅

)D∧

(p(z) = p(x) ∪ {p(x)}

)D→ y , z

]é válida em ZFTc. Simplificando a expressão acima pela definição de ∈-interpretação aritmética,

obtemos

∀x∀y∀z[Dx ∧Dy ∧Dz ∧

(y = ∅

)∧

(p(z) = p(x) ∪ {p(x)}

)→ y , z

].

Agora, suponha D uma interpretação não vazia qualquer em que x, y e z são membros de D.

Como p(x) é um ordinal, p(x) ∪ {p(x)} , ∅. Uma vez que p é uma bijeção com os ordinais e

p(∅) = ∅, conclui-se que z , ∅ e, consequentemente, y , z.

Primeiro axioma funcionai. Consideremos o axioma funcional

∃x Z(x) ∧ ∀y∀z(Z(y) ∧ Z(z)→ y = z

).

Vamos analisar ∃x Z(x), pois a conjunta ∀y∀z(Z(y) ∧ Z(z) → y = z

)possui grau zero de

requerimento existencial por vacuidade. Interpretando e aplicando simplificações análogas as

dos ítens anteriores, obtemos a sentença

∃x(Dx ∧ x = ∅

).

Claramente essa sentença não é válida em qualquer interpretação D não vazia. Mas suponha

queD é transitiva. Uma vez que a interpretação é uma bijeção com os ordinais, se há um y no

domínio deD, então y é ordinal; e comoD é transitiva, é o caso que ∅ é elemento de D.

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Demais axiomas funcionais. Consideremos agora o axioma funcional

∀x∃y S(xy) ∧ ∀z∀u∀v(S(z,u) ∧ S(z, v)→ u = v

).

Vamos analisar ∀x∃y S(xy). Procedendo como no caso anterior e aplicando as simplificações,

obtemos a sentença

∀x[Dx→ ∃y

(Dx ∧

(p(x) ∪ {p(x)} = y

)].

QuandoD é V, a sentença acima claramente é um teorema de ZFTc. Consideremos, por outro

lado, que D é algum V(α). Tome x em V(α) de tal modo que o rank dep(x) éα. Consequentemente,

y < V(α) e, portanto, a sentença em análise não é válida em D e, por definição, o primeiro

membro da disjunção possui grau quatro de requerimento existencial. A análise do segundo

membro da conjunção revela (por vacuidade) que o mesmo é válido em qualquerD de domínio

não vazio. Logo, o axioma considerado possui grau quatro de requerimento existencial.

Axioma esquema de inducao. Se ϕ é uma fórmula cuja variáveis livres são x, x1, ..., xn, então a

sentença abaixo é uma instância do axioma da indução

∀x1 · · · ∀xn[∀y

(Z(y) ∧ ϕx[y]

)∧ ∀u∀v

(ϕx[u] ∧ S(u, v)→ ϕx[v]

)→ ∀x ϕ

].

Interpretando esse axioma em ZR1 e interpretando esta última em ZFTc segundo a interpretação

b descrita na seção anterior, obtemos a expressão

∀x1 · · · ∀xn[∀y

(y = ∅ ∧ ϕx[y]b

)∧ ∀u∀v

(ϕx[u]b ∧ p(v) = p(u) ∪ {p(u)} → ϕx[v]b

)→ ∀x ϕb

].

Omitiremos o prefixo ∀x1 · · · ∀xn; procedendo como nos casos anteriores, chegamos a

∀y(Dx∧y = ∅∧ϕx[y]bD

)∧∀uv

(Du∧Dv∧ϕx[u]bD∧

(p(v) = p(u)∪{p(u)}

)D→ ϕx[v]bD

)→ ∀xϕbD.

Se D é transitiva, então a sentença acima é a indução instanciada para ϕb e restrita a D. Logo,

ϕ admite grau um de requerimento existencial. Uma instância do axioma esquema de indução

que não admite grau zero de requerimento existencial é a sentença que expressa “x é ordinal

sucessor”, considerando a ∈-interpretação V(ω + 1).

É importante ressaltar sobre o teorema acima que, nos axiomas de fechamento

funcional, o grau de requerimento existencial se concentra nos axiomas existenciais funcionais,

e não nos axiomas de unicidade funcional. Essa é uma evidência que, embora a análise que

desenvolvemos não seja condicionada, também não é alienada da sintaxe dos axiomas. O

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próximo resultado assevera a estabilidade da avaliação existencial por deduções lógicas.

Proposição 2.2.7. Sejam ϕ e ψ duas ZR1 -sentenças. Se ϕ possui grau de requerimento existencial

d e ψ é consequência tautológica de ϕ, então ψ possui grau de requerimento existencial d′ ≤ d.

Prova. Se ψ é consequência tautológica de ϕ, há uma prova de ϕ → ψ que prescinde dos

axiomas não lógicos da aritmética; logo, há uma prova lógica de ϕA → ψA e essa expressão é

válida em ZFTc. Se ϕ possui grau de requerimento existencial d, então T ` (ϕA)D, isto é, ϕA é

válida em alguma ∈-interpretação aritmética não vaziaD. Consequentemente, ψA é válida em

D e portantoψ admite grau de requerimento existencial d. Logo,ψpossui grau de requerimento

existencial d′ ≤ d.

Uma consequência imediata desse resultado é que duas sentenças aritméticas, lo-

gicamente equivalentes, possuem o mesmo grau de requerimento existencial. A análise do

importe existencial é bem comportada com relação à equivalência lógica.

Corolário 2.2.8. Se ψ é um teoremas de ZR1 , então ψ possui grau de requerimento existencial

zero, um ou quatro.

Prova. Consequência direta do Teorema 2.2.6 e da prova da Proposição 2.2.7.

O corolário acima ilustra uma característica importante da análise que estamos

desenvolvendo. O grau de requerimento existencial de um teorema não é superior ao grau de

requerimento existencial das hipóteses. É nesse sentido que afirmamos que o importe existencial

das sentenças é estável por deduções. E essa uma diferença significativa, e nosso ver positiva,

de classificarmos as demandas existenciais de sentenças válidas por um critério semântico. As

demandas existenciais de um teorema estão preenchidas pelas hipóteses. Deduções lógicas

não demandam por compromissos existenciais adicionais àqueles assumidos pelas hipóteses.

Essa característica, como comentamos no início deste capítulo, nem sempre é compartilhada

por análises existenciais que se baseiam na forma lógica das sentenças.

A definição de produtividade de uma sentença aritmética é introduzida em con-

sonância com a noção de produtividade presente em [27]. No contexto aritmético, o papel

dessa definição é padronizar a nomenclatura aqui empregada com a de Freire para, com isso,

uniformizar a comparação dos resultados obtidos em teoria de conjuntos e aritmética.

Definição 2.2.9. Seja ϕ uma sentença válida em ZR1 .

(1) ϕ é uma asserção não produtiva quando ϕ possui grau de requerimento existencial zero.

(2) ϕ é uma asserção produtiva quando ϕ possuir grau de requerimento existencial d, d , 0.

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Quando a asserção produtiva possuir grau d de requerimento existencial, diremos também que

ϕ é uma asserção produtiva de grau d. Pelo Teorema 2.2.6 os axiomas relacionais são asserções

não produtivas. Todos os demais axiomas são asserções produtivas.

Seguindo os passos do trabalho que motiva a presente análise, introduziremos

uma nova distinção entre os axiomas. É a distinção entre asserções de existência condicional e

asserções de existência incondicional. No cenário da teoria de conjuntos, essa distinção apresenta-

se de modo natural e intuitivo. O axioma do vazio é uma asserção de existência incondicional;

esse axioma assevera que existe um conjunto, que é vazio. O axioma da união, não; dada a

existência de um conjunto, existe o conjunto que é a união do conjunto dado. Nesse sentido,

a existência do conjunto união está condicionada a existência de algum outro conjunto. Uma

classificação rigorosa das sentenças em termos de existência condicional/incondicional está

presente no trabalho de Freire. A base dessa classificação é a validade, ou não, das asserções

na estrutura vazia. A ideia central é que asserções de existência incondicional não valem na

estrutura vazia, enquanto asserções de existência condicional valem na estrutura vazia.

O ambiente de análise da validade de sentenças na estrutura vazia não pode ser a

lógica de primeira ordem clássica. O aparato formal dessa lógica pressupõe que os domínios

de interpretação sejam não vazios e, por essa razão, deve ser considerada a lógica inclusiva,

descrita em [27] e composta do sistema formal descrito por Mendelson em [60, Seção 2.6]

acrescido dos axiomas de igualdade e identidade.14

Definição 2.2.10. Seja ϕ uma L(ZR1 )-sentença.

(1) ϕ possui grau condicional d de requerimento existencial quando ϕ é válida na interpretação

vazia e possui grau d de requerimento existencial.

(2) ϕ possui grau incondicional d de requerimento existencial quando ϕ não é válida na interpre-

tação vazia e possui grau d de requerimento existencial.

Com essa definição, há dez possibilidades de classificação das sentenças aritmé-

ticas. As sentenças são rotuladas como de existência condicional/incondicional e em produ-

tivas/improdutivas, com o grau de produtividade variando de um a quatro. Mas nem todas

essas possibilidades encontram lugar nos axiomas do sistema formal da aritmética de Peano

em análise. O próximo resultado classifica, existencial e exaustivamente, os axiomas de ZR1 .

Teorema 2.2.11. Os axiomas de ZR1 são distribuídos segundo a seguinte classificação.

(a) Os axiomas relacionais são asserções condicionais improdutivas.

(b) O primeiro axioma funcional é uma asserção incondicional improdutiva.

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(c) Cada instância do axioma esquema de indução é uma asserção condicional improdutiva

ou uma asserção condicional produtiva de grau um.

(d) Os demais axiomas funcionais são asserções incondicionais produtivas de grau quatro.

Prova. Os graus de produtividade dos axiomas estão determinados pelo Teorema 2.2.6. Os

axiomas relacionais são universais, assim como cada instância do esquema de indução; logo,

são asserção condicionais. Os axiomas de fechamento funcional são a conjunção dos axiomas

existenciais funcionais e os axiomas de unicidade funcional. Nestes axiomas, o primeiro compo-

nente da conjunção é uma sentença existencial e portanto os axiomas de fechamento funcional

não são válidos na estrutura vazia.

Podemos empregar a Definição 2.2.2 para também avaliar, em ZFTc, as sentenças

de ZFTc. Para isso, observarmos que uma ∈-interpretação aritmética da linguagem de ZFTc na

extensão definicional T de ZFTc é, simplesmente, uma ∈-interpretação da linguagem de ZFTc

na extensão T. O resultado da análise dos axiomas de ZFTc é sintetizado no teorema a seguir.

Teorema 2.2.12. Os axiomas de ZFTc estão distribuídos de acordo com a seguinte classificação:

(a) O axioma da regularidade é uma asserção condicional improdutiva.

(b) O axioma da extensionalidade é uma asserção condicional produtiva de grau 1.

(c) O axioma da separação é uma asserção condicional produtiva de grau 2.

(d) O axioma da união e o axioma TC são asserções condicionais produtivas de grau 3.

(e) Os axiomas das partes, do par e da negação do infinito são asserções condicionais produ-

tivas de grau 4.

(f) O axioma do conjunto vazio é uma asserção incondicional improdutiva.

Prova. Vamos verificar os axiomas TC e negação do infinito. A classificação dos demais

axiomas é consequência direta das provas das Proposições 12, 13 e da Observação 34 em [27].

Quanto ao axioma TC, seD é V(α), temos que a relativização do axioma paraD é

∀x(x ∈ V(α)→ ∃y

(y ∈ V(α) ∧ Tran(y) ∧ x ⊆ y

)).

Essa expressão é um teorema de ZFTc; basta considerar, para cada x ∈ V(α), que y é Trc`(x), isto

é, y é o fecho transitivo de x. Por outro lado, se D é o domínio supertransitivo {∅, {∅}, {{∅}}}, a

relativação do axioma para esse domínio não é válida em ZFTc, pois não há em D um y transitivo

que contém {{∅}}. Esse axioma é uma sentença universal, logo é válida na interpretação vazia.

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O axioma da negação do infinto é da forma ¬∃x ψ(x). Com a ∈-interpretação

aritmética V(ω + 1) é um exercício de rotina ver que o axioma não é válido nessa interpretação.

Além disso, o axioma é válido na estrutura vazia. Note-se que, embora não haja ordinais não

finitos em ZFTc, não há problemas em considerarmos a ∈-interpretação aritmética V(ω + 1).

Tudo que precisamos é que ZFTc ` ∃z(z ∈ V(ω + 1)

)e que essa interpretação seja escrita na

linguagem de ZFTc. Neste caso, ω + 1 é uma abreviação, não uma constante.

Os dois últimos teoremas mostram uma distinção fina, quanto às características

existenciais, entre os axiomas do sistema formal aritmético ZR1 e os axiomas de sua contraparte

conjuntista, a teoria de conjuntos ZFTc. Na Seção 2.4 comentamos algumas consequências dessa

distinção.

Na sequência, a classificação das demandas existenciais será estendida para um

sistema formal da aritmética de segunda ordem.

2.3 Avaliação existencial da aritmética de segunda ordem

A aritmética de segunda ordem é comumente vista como uma alternativa, à teoria de

conjuntos, para fundamentação de parte significativa da matemática. O foco não é a discussão

desse caráter fundacional mas, sim, a análise dos requerimentos existenciais das sentenças

válidas em uma formalização dessa aritmética. Enquanto o sistema formal da aritmética de

Peano quantifica sobre números, o sistema formal da aritmética de segunda ordem quantifica

sobre números e conjuntos de números.15

Uma forma bastante usual de apresentação da aritmética de segunda ordem é aquela

que considera uma linguagem tipada, com dois tipos de variáveis. Há variáveis para números

e variáveis para conjuntos de números. E a quantificação, tanto existencial quanto universal,

das variáveis de números e de conjuntos de números é admitida. A interpretação de uma

linguagem com dois tipos deve ser feita considerando-se que há dois universos, um para cada

tipo de variável, com a interpretação das variáveis ocorrendo no universo correspondente ao

tipo da variável. Essa abordagem pode ser vista, por exemplo, em Simpson, [70, Capítulo 1].

Entretanto, esta não é a estratégia que utilizaremos. Em vez disso consideramos

apenas variáveis individuais, não dois tipos de variáveis. Essa é a formulação adotada por, por

exemplo, Shoenfield [69, Cap. 8]. Com essa abordagem, a linguagem contém apenas variáveis

individuais e os universos de interpretação dessas variáveis devem conter apenas indivíduos -

a interpretação pretendida é que estes indivíduos são números ou conjuntos de números. Para

identificar qual é o caso, são empregados dois símbolos de predicado unário, N e C. O escopo

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do predicado N são os indivíduos números e o escopo do predicado C são os indivíduos que

são conjuntos de números. A fórmula Nx expressa que x é um número, enquanto a fórmula Cx

expressa que x é um conjunto de números.

Tecidas essas considerações, o sistema formal da aritmética de segunda ordem será

denotado Z2. Sua linguagem é formada pelos símbolos da aritmética de Peano Z1, acrescida

dos símbolos de predicado unário N e C, além do símbolo de relação binária ∈. Explicitamente,

a assinatura de Z2 é {<,N,C,∈; +, ·, †, 0}. Os axiomas de Z2 são os fechamentos universais das

fórmulas apresentadas abaixo.

• Axiomas de Peano: se ϕ é um axioma de sucessão, soma, produto ou ordem de Z1, então

a relativização de ϕ para N é um axioma de Z2.

• Axiomas de Números: N0 e Nx→ Nx†.

• Axioma de Pertinência: x ∈ y→ Nx ∧ Cy.

• Axiomas de números e conjuntos: Nx ∨ Cx e ¬(Nx ∧ Cx

).

• Axioma de Indução: Cx ∧ 0 ∈ x ∧ ∀z(Nz ∧ z ∈ x→ z† ∈ x

)→ ∀z

(Nz→ z ∈ x

).

• Axioma da Extensionalidade: Cx ∧ Cy ∧ ∀z (z ∈ x↔ z ∈ y)→ x = y.

• Axiomas de totalidade: Cx→ x† = 0 e(Cx ∨ Cy

)→

(x + y = 0 ∧ x · y = 0 ∧ ¬(x < y)

).

• Axioma da Compreensão: para cada L(Z2)-fórmulaϕ cujas variáveis livres são x, x1, · · · , xn,

e y é uma variável diferente de x e que não ocorre em ϕ, é um axioma:

∀x1 · · · ∀xn[∃y

(Cy ∧ ∀x

(x ∈ y↔ Nx ∧ ϕ

))].

Os axiomas de números expressam que zero é número e que o sucessor de número

é número. O axioma de pertinência afirma que a relação de pertinência ocorre apenas entre

números e conjuntos, nesta ordem. Os axiomas de conjuntos e números asseveram que os

indivíduos são números ou conjuntos e não há indivíduo que seja número e conjunto. O

axioma de indução estabelece que, se o zero pertence a um certo conjunto que é fechado para

a operação sucessor, então todos os números são membros desse conjunto. O axioma da

extensionalidade estipula que dois conjuntos de números são iguais se, e somente se, eles têm

os mesmos elementos. Pelo axioma da compreensão, a partir de um conjunto de números e

uma fórmula, um outro conjunto pode ser obtido. Os axiomas de totalidade garantem que a

relação de ordem e as operações são totais. Com relação às operações, se há apenas números

no argumento da operação, seu valor é um número e dado pelos axiomas de Peano; e se um

conjunto ocorre no argumento de uma operação, então o valor da operação é zero.

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Para a análise do importe existencial das sentenças da aritmética de segunda ordem

procedemos de modo similar ao da aritmética de Peano e consideramos uma versão relacional

ZR2 da aritmética de segunda ordem Z2. Uma vez que a linguagem de Z2 é obtida de Z1 pela

introdução de símbolos relacionais, a linguagem de ZR2 é a linguagem de ZR

1 , acrescida dos

símbolos de predicado N,C e ∈. Explicitamente, L(ZR2 ) = {A,P,S,M,Z,N,C,∈}. Os axiomas de

ZR2 são o fechamento universal das fórmulas a seguir, distribuídas em oito grupos.

• Axiomas relacionais. Se ϕ é um axioma relacional de ZR1 , então a relativização de ϕ

para N é um axioma relacional de ZR2 . De modo explícito, os axiomas relacionais são os

fechamentos universais das fórmulas:

(1) Nx ∧Ny ∧Nz ∧ Zy ∧ S(x, z)→ y , z.

(2) Nx ∧Ny ∧Nz ∧ S(y, x) ∧ S(z, x)→ y = z.

(3) Nx ∧Ny ∧ Zy→ A(x, y, x).

(4) Nx ∧Ny ∧Nz ∧Nv ∧Nu ∧ S(y,u) ∧ S(z, v) ∧ A(x, y, z)→ A(x,u, v).

(5) Nx ∧Ny ∧ Zy→ P(x, y, y).

(6) Nx ∧Ny ∧Nz ∧Nv ∧Nu ∧ S(y,u) ∧ A(z, x, v) ∧ P(x, y, z)→ P(x,u, v).

(7) Nx ∧Ny ∧ Zy→ ¬M(x, y).

(8) Nx ∧Ny ∧Nz ∧ S(y, z)→ (M(x, z)↔M(x, y) ∨ x = y).

• Axiomas funcionais. Se ϕ é um axioma de fechamento funcional de ZR1 , então a relativi-

zação de ϕ para N é um axioma de fechamento funcional de ZR2 . Explicitamente.

(1) ∃x(Nx ∧ Zx

)∧

(Nx ∧Ny ∧ Zx ∧ Zy→ x = y

).

(2) ∃y(Ny ∧ S(x, y)

)∧

(Nx ∧Nu ∧Nv ∧ S(x,u) ∧ S(x, v)→ u = v

).

(3) ∃z(Nx∧Ny∧Nz∧A(x, y, z)

)∧

(Nx∧Ny∧Nu∧Nv∧A(x, y,u)∧A(x, y, v)→ u = v

).

(4) ∃z(Nx∧Ny∧Nz∧P(x, y, z)

)∧

(Nx∧Ny∧Nu∧Nv∧P(x, y,u)∧P(x, y, v)→ u = v

).

• Axiomas de números e conjuntos.

(1) ∀x(Zx→ Nx

).

(2) ∀x[(

Nx ∨ Cx)∧ ¬

(Nx ∧ Cx

)].

(3) ∀x∀y(Nx ∧ S(x, y)→ Ny

).

• Axioma de pertinência: ∀x∀y(x ∈ y→ Nx ∧ Cy

).

• Axioma de indução:

∀x[Cx ∧

(Zy→ y ∈ x

)∧ ∀z∀u

(Nz ∧ z ∈ x ∧ S(z,u)→ u ∈ x

)→ ∀z

(Nz→ z ∈ x

)].

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• Axioma da Extensionalidade: ∀x∀y[Cx ∧ Cy ∧ ∀z (z ∈ x↔ z ∈ y

)→ x = y

].

• Axiomas de totalidade:

(1) ∀x∀y(Cx ∧ S(x, y)→ Zy

).

(2) ∀x∀y∀z((Cx ∨ Cy) ∧ A(x, y, z)→ Zz

).

(3) ∀x∀y∀z((Cx ∨ Cy) ∧ P(x, y, z)→ Zz

).

(4) ∀x∀y(Cx ∨ Cy→ ¬M(x, y)

).

• Axioma da Compreensão: para cada L(ZR2 )-fórmulaϕ cujas variáveis livres são x, x1, ..., xn,

quando em ϕ não há ocorrência de y e x é diferente de y, é um axioma:

∀x1 · · · ∀xn∃y(Cy ∧ ∀x

(x ∈ y↔ Nx ∧ ϕ

)).

O único axioma esquema de ZR2 é o da compreensão. O axioma esquema de indução,

presente na aritmética de Peano, é um axioma em ZR2 . Os axiomas de totalidade asseveram,

na presença dos axiomas de relação e axiomas de fechamento funcional, que soma, produto e

sucessor são totais. Os sistemas Z2 e ZR2 são interdefiníveis e bi-interpretáveis.

Teorema 2.3.1. Os sistemas Z2 e ZR2 são bi-interpretáveis.

Prova. A prova é obtida com uma extensão, absolutamente natural e que contempla os símbolos

de predicado ∈, N e C, das interpretações construídas na prova do Teorema 2.2.1.

Uma teoria de conjuntos bi-interpretável com a aritmética de segunda ordem

Na sequência descrevemos a teoria de conjuntos ZFe que é bi-interpretável com a

aritmética de segunda ordem. A linguagem de ZFe é a linguagem da pertinência e seus axiomas

são aqueles de ZF, acrescidos do axioma de enumerabilidade e da restrição, a conjuntos finitos,

do axioma das partes. O axioma da enumerabilidade é escrito com auxílio de um predicado de

enumerabilidade Enum(x), que por sua vez é introduzido pela fórmula

Enum(x)↔ ∃ f(

f unc( f ) ∧ bi j( f ) ∧ img( f ) ⊆ ω ∧ dom( f ) = x).

Naturalmente, f unc( f ), bi j( f ) e img( f ) expressam, respectivamente, que f é função,

f é bijetiva e a imagem de f ; estes símbolos são introduzidos em ZFe via extensão definicional

da linguagem. No que se segue, adotamos a mesma postura da seção anterior: não faremos

elucubrações acerca da introdução destes e de outros símbolos usuais na teoria de conjuntos,

cujas definições podem ser vistas em bons livros introdutórios e, em particular, no Drake [18].

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Os axiomas do sistema formal ZFe são:

• Axiomas de ZF: axioma da extensionalidade, axioma da regularidade, axioma esquema de

separação, axioma do conjunto vazio, axioma do par, axioma da união, axioma esquema

da substituição, axioma do infinito.

• Axioma restrito das partes: ∀x(Fin(x)→ ∃y ∀z

(z ∈ y↔ z ⊆ x

)).

• Axioma de enumerabilidade. ∀x(Enum(x)

).

A consistência de ZFe - relativa a consistência de ZF - é garantida pela estrutura

〈HC,∈〉, cujo domínio são os conjuntos hereditariamente contáveis. Essa estrutura, definida em

ZF, é modelo o modelo pretendido de ZFe.

Em ZFe pode ser definido um modelo X da aritmética de segunda ordem e, com

isso, se tem uma interpretação da última na primeira. Uma forma natural de interpretar Z2

em ZFe é pela associção dos números aos correspondentes ordinais finitos e pela associação de

conjuntos de números a conjuntos de ordinais:

Números 7→ Ordinais finitos; Conjunto de números 7→ Conjuntos de ordinais finitos.

Entretanto, essa abordagem não é adequada, pois tanto o número dois quanto o

conjunto composto dos números zero e um seriam interpretados no mesmo ordinal. Uma forma

de sanar este inconveniente é pela introdução de relações unárias que interpretem os números,

os conjuntos de números e que, adicionalmente, fixem o domínio da interpretação.

NI = {〈0, x〉 : x ∈ ω}; CI = {〈1, x〉 : x ⊆Fin ω}; UI = NI∪ CI.

O símbolo de predicado unário Z é interpretado pela relação

ZI = {〈0, 0〉 : 0 ∈ ω}

e, antes de definir a interpretação do símbolo de predicado aritmético ∈, definimos em ZFe o

símbolo de predicado ∈∗ por 〈i, x〉 ∈∗ 〈 j, y〉 ↔ i = 0 ∧ j = 1 ∧ x ∈ y. Com isso,

∈I= {〈x, y〉 : x ∈ NI

∧ y ∈ CI∧ x ∈∗ y}.

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Por fim, em ZFe podemos definir recursivamente as operações +∗, ·∗ e †∗:

†∗ : NI

→ NI; +∗ : NI×NI

→ NI·∗ : NI

×NI→ NI

〈0, x〉 7→ 〈0, x ∪ {x}〉 〈〈0, x〉, 〈0, y〉〉 7→ 〈0, x ⊕ y〉 〈〈0, x〉, 〈0, y〉〉 7→ 〈0, x � y〉

Naturalmente, x ⊕ y e x � y são, respectivamente, a soma e o produto dos ordinais x e y. Disto,

SI = {〈x, y〉 :(x ∈ NI

∧ y = x†∗)∨

(x ∈ CI

∧ y = 〈0, 0〉)};

AI = {〈x, y, z〉 :(x ∈ NI

∧ y ∈ NI∧ z = x ⊕ y

)∨

((x ∈ CI

∨ y ∈ CI) ∧ z = 〈0, 0〉)};

PI = {〈x, y, z〉 :(x ∈ NI

∧ y ∈ NI∧ z = x � y

)∨

((x ∈ CI

∨ y ∈ CI) ∧ z = 〈0, 0〉)}.

Com as definições acima, a verificação que 〈UI,NI,CI,ZI,SI,AI,PI,MI〉 é um modelo

da aritmética de segunda ordem é imediata. Este modelo é definido em ZFe e, consequente-

mente, temos uma interpretação de ZR2 em ZFe.

A interpretação de ZFe em Z2 envolve extensiva codificação de conjuntos em nú-

meros e conjuntos de números.16 Apenas consideraremos que Z2 e ZFe são bi-interpretáveis.

A descrição de uma interpretação J de ZFe em Z2 tal que o par (I, J) é uma bi-interpretação é

apresentada em Simpson [70, Seção VII.3]. A definição de J em Simpson é bastante lacônica e,

em [58], Colin McLarty reapresenta a interpretação J de modo mais palatável e com generali-

zações para sistemas aritméticos de ordem superior a dois. Entretanto, não reproduziremos tal

interpretação aqui.

Análise existencial das sentenças da aritmética de segunda ordem

As definições, comentários e proposições apresentadas para a avaliação dos reque-

rimentos existenciais das sentenças da aritmética de Peano podem ser adaptadas de modo

muito natural para ZR2 . Dentre as definições, a única que sofre uma mudança significativa é a

definição de grau de requerimento existencial. Isso porque a existência de um ordinal limite na

teoria de conjuntos ZFe induz uma nova condição de fechamento para a avaliação existencial.

Definição 2.3.2. Sejam T uma extensão definicional ou por constantes de ZFe,A uma interpre-

tação de ZR2 em ZFe e B uma interpretação de ZFe em ZR

2 tais que a composição deA com B é

isomorfa à identidade emA e a composição de B comA é isomorfa à identidade em B. Uma

L(ZR2 )-sentença ϕ:

(0) Admite grau zero de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vaziaD da linguagem de ZFe em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

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(1) Admite grau um de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vazia transitivaD da linguagem de ZFe em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

(2) Admite grau dois de requerimento existencial quando, para toda ∈-interpretação aritmética

não vazia supertransitivaD da linguagem de ZFe em T, é o caso que T ` (ϕA)D.

(3) Admite grau três de requerimento existencial quando, para todo ordinal α, o nível V(α) é uma

∈-interpretação aritmética da linguagem de ZFe em T e T ` Ord(α)→ (ϕA)V(α).

(4) Admite grau quatro de requerimento existencial quando, para todo ordinal limite λ, o nível

V(λ) é uma ∈-interpretação aritmética da linguagem de ZFe em T e T ` Ord(λ)→ (ϕA)V(λ).

(5) Admite grau cinco de requerimento existencial quando a interpretação identidade V é uma

∈-interpretação aritmética da linguagem de ZFe em T e T ` (ϕA)V.

A definição acima apresenta o mesmo abuso de notação cometido na definição

de grau de requerimento existencial apresentada às sentenças de ZR1 : a definição de grau de

requerimento existencial é relativa ao par de interpretações (A,B), mas empregamos uma

notação mais econômica. Não repetiremos, no contexto da aritmética de segunda ordem,

as definições e proposições provadas na análise existencial das sentenças da aritmética de

Peano. Como ilustrado na definição acima, a adequação, quando necessária, é imediata. Nos

concentraremos em classificar as demandas existenciais das sentenças de ZR2 .

Teorema 2.3.3. Os axiomas de ZR2 estão distribuídos de acordo com a seguinte classificação:

(a) Axiomas relacionais, o primeiro axioma de números, o axioma de pertinência, o axioma de

números e conjuntos e os axiomas de totalidade são asserções condicionais improdutivas.

(b) O axioma de indução é uma asserção condicional produtiva de grau um.

(c) O axioma da extensionalidade é uma asserção condicional produtiva de grau dois.

(d) O primeiro axioma funcional é uma asserção incondicional improdutiva.

(e) Os demais axiomas funcionais são asserções incondicionais produtivas de grau quatro.

Prova. Como no caso da prova do Teorema 2.2.6, provaremos apenas alguns casos, pois a

demontração dos demais é realizada pela simples repetição das estratégias empregadas nos

casos apresentados. Sejam I a interpretação de Z2 em ZFe a interpretação descrita acima e J a

interpretação de ZR2 em ZFe eD uma ∈-interpretação aritmética.

Axiomas relacionais. A relativização para N dos axiomas relacionais de ZR1 são axiomas

relacionais de ZR2 . Consideremos o axioma relacional

∀x∀y∀z(Zx ∧ S(y, z)→ x , z

)

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101

e denotemos sua relativização para N por ψ, isto é, ψ é a sentença

∀x∀y∀z(Nx ∧Ny ∧Nz ∧ Zx ∧ S(y, z)→ x , z

).

Determinando o grau de requerimento existencial de ψJ obtemos o grau de requerimento

existencial de ψ. Mas (ψJ)D é

∀x∀y∀z[D(x) ∧D(y) ∧D(z) ∧

(NIx

)D∧

(NI y

)D∧

(NIz

)D∧

(ZIx

)D∧

(SI yz

)D→

(x , z

)D ].

Pela definição da ∈-interpretaçãoD, a sentença (ψJ)D é equivalente a

∀x∀y∀z[D(x) ∧D(y) ∧D(z) ∧NIx ∧NI y ∧NIz ∧ ZIx ∧ SI yz→ x , z

].

Logo, a partir de NI, ZI e SI é imediato que, para qualquerD não vazia é o caso que ZFe ` (ψJ)D.

Consequentemente, ψ possui grau zero de requerimento existencial.

Axioma da inducao. O axioma da indução, interpretado em ZFe, é a sentença ψI:

∀x[UIx ∧ CIx ∧ ∀y

(UIx ∧ ZI y→ y ∈I x

)∧ ∀zw

(UIz ∧UIw ∧NIz ∧ SIzw ∧ z ∈I x→ w ∈I x

)→

→ ∀y(UI y ∧NI y→ y ∈I x

)].

Uma vez que ZI y→ NI y e NIz ∧ SIzw→ NIw, a expressão acima é equivalente a

∀x[CIx ∧ ∀y

(NI y ∧ ZI y→ y ∈I x

)∧ ∀zw

(NIz ∧ SIzw ∧ z ∈I x→ w ∈I x

)→ ∀y

(NI y→ y ∈I x

)].

Para estabelecer o grau de requerimento existencial do axioma da indução avaliamos(ψI)D, ou

seja, avaliamos a sentença

∀x[Dx ∧

(CIx

)D∧ ∀y

(Dy ∧

(NI y

)D∧

(ZI y

)D→

(y ∈I x

)D∧ ∀zw

(Dz ∧Dw ∧

(NIz

)D∧

(SIzw

)D∧

(z ∈I x

)D→

(w ∈I x

)D)→ ∀y

(Dy ∧

(NI y

)D→

(y ∈I x

)D )].

Pela definição deD, a expressão acima pode ser simplificada, resultando em

∀x[Dx ∧ CIx ∧ ∀y

(Dy ∧NI y ∧ ZI y→ y ∈I x ∧ ∀zw

(Dz ∧Dw ∧NIz ∧ SIzw ∧

∧ z ∈I x→ w ∈I x))→ ∀y

(Dy ∧NI y→ y ∈I x

)].

Admita o antecedente da expressão acima, isto é, (i) que x é um conjunto de números em

D, (ii) que se zero é um número em D, então ele pertence a x e (iii) que z é um número em

D que pertence a x e que o sucessor de todo número de D que é membro de x é também

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membro de x. Se D , ∅ é transitivo, então se prova em ZFe que todos os números de D

estão em x; se D não é transitivo, o contra-exemplo dado para a o caso do axioma esquema de

indução na prova do Teorema 2.2.6 serve aqui. Logo, o axioma da indução possui grau um de

requerimento existencial.

Axioma da extensionalidade. A interpretação do axioma da extensionalidade por I é

∃y∀x(CI y ∧

(Ux→

(x ∈I y↔ NIx ∧ ϕ

))).

Quando relativizado aD, essa última expressão é equivalente a

∃y∀x(Dx ∧ CI y ∧

(UIx→

(NIx ∧ CI y ∧ x ∈∗ y↔ NIx ∧ ϕI

))).

Esta última expressão é um teorema de ZFe quando D , ∅. Logo o grau de requerimento

existencial do axioma da extensionalidade é zero.

Axiomas de totalidade. Consideremos o axioma da totalidade cuja interpretação em ZFe é

∀xy(UIx ∧UI y ∧ CIx ∧ SIxy→ ZI y

).

Relativizando paraD e realizando as simplificações derivadas da definição deD, obtemos

∀xy(Dx ∧Dy ∧UIx ∧UI y ∧ CIx ∧ SIxy→ ZI y

).

É simples provar essa sentença em ZF para todo D , ∅. Logo, o axioma em análise possui

requerimento existencial de grau zero. Os demais axiomas de totalidade são também simples.

Axioma de pertinencia. O axioma da pertinência é a sentença

∀xy(x ∈ y→ Nx ∧ Cy

).

Quando este axioma é interpretado em ZFe, relativizado para D e são feitas algumas das

simplificações derivadas da definição deD, redunda na sentença ψID, cuja forma lógica é

∀xy(Dx ∧Dy ∧UIx ∧UI y ∧

(x ∈I y

)D→ NIx ∧ CI y

).

Uma vez que(x ∈I y

)Dé, pelas definições envolvidas, equivalente a Dx∧Dy∧x ∈ y∧NIx∧NI y,

concluímos por vacuidade que ψID é um teorema de ZF para qualquerD não vazia.

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103

Axiomas de numeros e conjuntos. Vamos considerar apenas um deles, o axioma

∀x(Zx→ Nx

).

Essa sentença, quando interpretada em ZFe, relativizada paraD e feitas algumas das simplifi-

cações derivadas da definição deD, será denotada por ψID e escrita na forma

∀x(Dx ∧UIx ∧ ZIx→ NIx

).

Uma vez que claramente ZIx→ NIx, concluímos que(ψI

)Dé um teorema de ZF para qualquer

D não vazia. Logo o axioma em análise possui requerimento existencial de grau zero.

Axiomas de fechamento funcional. Denotamos por ψ o axioma de fechamento funcional

∀x(Nx→ ∃y

(Ny ∧ Sxy

))∧ ∀xyz

(Nx ∧Ny ∧Nz ∧ Sxy ∧ Sxz→ y = z

).

O grau de requerimento existencial do segundo membro da conjunta de ψ é zero, e isso pode

ser verificado por vacuidade. Resta-nos analisar o grau de requerimento existencial do pri-

meiro membro da conjunção ψ. Vamos denominar tal sentença ϕ. Interpretando ϕ em ZFe,

relativizando-a paraD e feitas algumas das simplificações derivadas da definição deD, temos

que(ϕI

)Dé equivalente a

∀x∃y(Dx ∧Dy ∧NIx→ NI y ∧ SIxy

).

Se consideramos que D é um nível V(α), isto é, que D = {〈0, α〉 | α ∈ ω}, então ZF não prova

ϕID, pois o sucessor de α não é membro de D. Logo o grau de requerimento existencial de ψ

não é três. Como ψI é teorema de ZFe, quandoD = V(λ), com λ ordinal limite, tem-se que ψID

é válida em ZF e, portanto, o grau de requerimento existencial de ψ é quatro. A análise dos

demais axiomas de fechamento funcional é similar a esta última.

Podemos empregar a Definição 2.15 e suas consequências para também avaliar, em

ZFe, os axiomas de ZFe. Para isso, observarmos que uma ∈-interpretação aritmética da lin-

guagem de ZFe na extensão definicional T é, simplesmente, uma ∈-interpretação da linguagem

de ZFe na extensão T. O resultado da análise dos axiomas de ZFe é sintetizado no teorema a

seguir.

Teorema 2.3.4. Os axiomas de ZFe recebem a seguinte classificação.

(a) O axioma da regularidade é uma asserção condicional improdutiva.

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(b) O axioma da extensionalidade é uma asserção condicional produtiva de grau um.

(c) O axioma da separação é uma asserção condicional produtiva de grau dois.

(d) O axioma da união é uma asserção condicional produtiva de grau três.

(e) Os axiomas das partes e do par são asserções condicionais produtivas de grau quatro.

(f) O axioma do conjunto vazio é uma asserção incondicional improdutiva.

Prova. Seguem diretamente das provas das Proposições 12, 13 e da Observação 34 em [27].

2.4 Análise dos resultados

Nesta seção são consideradas duas consequências dos resultados das seções anteri-

ores. Inicialmente, é fornecida uma definição de axioma de existência no contexto da aritmética de

segunda ordem. Esta definição é compatível com o o emprego do termo axioma de existência no

programa da matemática reversa e coerente com a definição de axioma de existência formulada

no contexto de ZFC em [27]. Em seguida, defendemos que a análise existencial pode ser vista

como um critério de diferenciação entre axiomatizações de teorias bi-interpretadas.

Axioma de existência na aritmética de segunda ordem

As análises apresentadas são fruto de um processo de investigação que teve como

um de seus principais objetivos, “alcançar uma classificação robusta das sentenças válidas

da aritmética de segunda ordem, em termos de requerimentos existenciais, fornecendo assim

uma expressão precisa para a noção intuitiva de axioma de existência de conjuntos.”17 Essa

noção intuitiva desempenha importante papel no programa de fundamentação da matemática,

denominado matemática reversa, cuja referência canônica é o livro de Simpson, [70].

Simpson alega que a matemática pode ser dividida em duas partes, matemática

conjuntista e matemática ordinária. A primeira é a matemática independente da introdução

de conceitos conjuntistas abstratos e formada, basicamente, pela teoria dos números, o cálculo,

as equações diferenciais, a análise real e complexa, a álgebra enumerável, a topologia dos es-

paços métricos separáveis completos, a lógica matemática e a teoria da computabilidade. Já a

matemática conjuntista é formada pelos ramos da matemática que surgiram a partir da revo-

lução iniciada por Cantor e engloba áreas como topologia geral, análise funcional, estruturas

algébricas não enumeráveis e a própria teoria de conjuntos. O livro do Simpson dedica-se,

exclusivamente, à matemática ordinária e são oferecidas duas razões para esta postura.

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A primeira razão é baseada na suposição de que os axiomas de existência exigidos

pela matemática ordinária são muito mais fracos que do que os necessários para a matemática

conjuntista. O outro motivo pressupõe que o papel desempenhado pelos axiomas de existência

é muito mais problemático, e interessante, quando examinados na matemática ordinária do

que na matemática conjuntista. Diante disso, o propósito do livro é investigar, utilizando-se da

linguagem da aritmética de segunda ordem, a seguinte Questão Principal:

Quais axiomas de existencia de conjuntos sao necessarios paraprovar os teoremas da matematica ordinaria, nao conjuntista? 18

Embora a questão central a ser atacada diga respeito, explicitamente, a noção de

axiomas de existência, não há elucidação alguma quanto ao emprego deste termo e, portanto, é

razoável concluir que Simpson supõe do leitor apenas uma compreensão intuitiva dessa noção.

Tal atitude, no contexto de trabalho do livro, não é problemática. Isso porque

as respostas oferecidas por Simpson para a Questão Principal não carecem de uma definição

geral de axioma de existência. Realmente, as sofisticadas técnicas empregadas na busca pelas

respostas, aliadas ao contexto de investigação e ao fato que são estudados apenas alguns casos

específicos permitem afirmar, com relativa segurança, que é possível apreender o que Simpson

pretende com a expressão “axioma de existência”. Não obstante, sob o prisma de um quadro

fundacional que não se limite ao escopo do livro, uma definição precisa se faz necessária.

O sistema formal ZR2 é compatível com o sistema formal da aritmética de segunda

ordem que Simpson toma por referência nas investigações sobre axiomas de existência. Em

virtude disso, a análise existencial que desenvolvemos motiva uma definição precisa para a

noção intuitiva investigada no programa de matemática reversa.

Definição 2.4.1. Uma L(ZR2 )-sentença ϕ é uma asserção de existência se, e somente se, ϕ é uma

asserção incondicional ou uma asserção produtiva. A sentença ϕ é uma asserção de não existência

se, e somente se, ϕ é uma asserção condicional improdutiva.

Defendemos que esta é uma definição adequada por ao menos duas razões. A

primeira, é que a definição está em conformidade com a investigação existencial desenvolvida

pelo programa da matemática reversa. Uma segunda razão é que a definição apresentada é

um caso particular da definição de asserção de existência presente em [27]. Vamos examinar a

primeira razão. Não há o que se argumentar a respeito da segunda.

Pela definição proposta acima, os axiomas da aritmética de segunda ordem que

são asserções existenciais são os axiomas de fechamento funcional, o axioma de indução e

axioma esquema de separação. Os demais axiomas são asserções não existenciais. Quando

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106

comparamos o requerimento existencial da aritmética de segunda ordem ao requerimento

existencial dos axiomas da teoria de conjuntos, a análise ratifica a previsão de Simpson de que

[O]s axiomas de existência de conjunto que são necessários para a mate-mática conjuntista são provavelmente muito mais fortes do que aquelesnecessários para a matemática ordinária.19

Outra característica, bastante relevante como indício de que a definição aponta na

direção correta, é que a definição por nós formulada é uniforme com o método de análise e os

resultados obtidos em matemática reversa. Isto porque, na busca por respostas para a Questão

Principal Simpson analisa diversas teorias, verificando em qual delas os axiomas da matemática

ordinária são provados. Essas teorias podem ser vistas como subsistemas de ZR2 , obtidos por

restrições aos axiomas da indução, da compreensão ou ambos.20

Por exemplo, o predicativismo de Weyl é formalizado pelo sistema formal ACA0,

que é obtido a partir de Z2 restringindo o axioma da compreensão às fórmulas aritméticas.

A impredicatividade desenvolvida por Feferman é formalizada pela teoria Π11 − CA0, obtida

restringindo-se o axioma da compreensão à fórmulas Π11. Por sua vez, o construtivismo de

Bishop é associado à teoria RCA0, formulada a partir da restrição do esquema de compreensão

a fórmulas ∆01 e a restrição da indução a fórmulas Σ0

1. Tais sistemas são ordenados em função de

seu poder dedutivo, com papel destacado reservado à investigação de qual o menor sistema,

segundo essa ordem, que é suficiente à demonstração de teoremas matemáticos clássicos. É

com base nessas subteorias da aritmética de segunda ordem, que Simpson responde à Questão

Principal.

A análise desenvolvida nesse trabalho evidencia a perfeita homogeneidade entre a

estratégia de análise em matemática reversa e a definição que apresentamos. Os axiomas de

fechamento funcional podem ser desconsiderados dentro desse contexto. Isso porque não é

razoável, na investigação sobre axiomas necessários à prova de teoremas matemáticos, abolir as

condições de fechamento funcional dos símbolos de operação. Julgamos que isso nos autoriza

a afirmar que a busca por uma definição de axioma de existência, no âmbito da aritmética de

segunda ordem, foi bem sucedida. Por fim, consideramos que a Definição 2.4.1, juntamente

com a análise existencial desenvolvida na Seção 2.4, são evidências razoáveis de que o objetivo

de classificar de modo robusto as sentenças da aritmética de segunda ordem, em termos de

requerimentos existenciais, logrou êxito.

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Demandas existenciais e teorias bi-interpretáveis

Nos estudos fundacionais de sistemas formais é bem difundida a tese de que, se

há uma bi-interpretação entre dois sistemas, estes são equivalentes. Tal posição não carece de

fundamento. De fato, se dois sistemas são bi-interpretáveis, então as linguagens são interde-

finíveis, todo teorema de um sistema é interpretado em um teorema do outro sistema e toda

demonstração elaborada em um dos sistemas pode ser mecanicamente convertida em uma

demonstração no outro sistema. A diferença entre os sistemas formais consistiria apenas nos

símbolos escolhidos como primitivos e nas sentenças escolhidas como axiomas. Do ponto de

vista dedutivo, estas não figuram como distinções relevantes.

Um exemplo dessa postura pode ser vista no já citado trabalho de Kaye & Wong.

Na página inicial do artigo os autores afirmam que o propósito do trabalho é investigar um

Resultado Folclórico As teorias de primeira ordem, aritmética de Pe-ano e teoria de conjuntos ZFC com o axioma do infinito negado sãoequivalentes, no sentido de que cada uma delas é interpretável na outrae uma interpretação é a inversa da outra.21

Há uma justificativa pela qual o resultado é classificado como folclórico: trata-se de um enun-

ciado recorrentemente citado e empregado, mas sem que seja dada atenção a sua demonstração.

Ao investigá-lo, Kaye e Wong colocam em disputa a existência de uma bi-interpretação entre

as teorias descritas e mostram que, embora não sejam bi-interpretáveis, é possível modificar

ligeiramente a teoria de conjuntos obtendo-se, assim, uma bi-interpretação. As ideias centrais

por trás dessa modificação foram apresentadas na Seção 2.2.

Entretanto, os autores não colocam em disputa a afirmação de que teorias bi-

interpretáveis são teorias equivalentes. Parece, portanto, razoável assumir que eles não se

opõem a esse ponto de vista. Também não colocamos em disputa um aspecto desse ponto de

vista: concordamos que a aritmética de Peano e teoria de conjuntos ZF com o axioma do infinito

negado e na qual todo conjunto está contido em um conjunto transitivo são equivalentes no

sentido da bi-interpretação. Mas, no entanto, julgamos que é natural que seja formulada a

seguinte

Questao 1:em qual sentido as axiomatizacoes dos sistemas formais ZR

1 e ZFTcnao sao equivalentes?

Como argumentado, qualquer diferenciação do ponto de vista dedutivo não será

significativa e, a partir do fato que as teorias são bi-interpretáveis, qualquer tentativa de dife-

renciação que apele à classe dos modelos do sistema formal deve ser desconsiderada.

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Retomemos os resultados existenciais obtidos a partir da análise dos sistemas for-

mais citados na Questão 1. O Teorema 2.2.12 classifica as sentenças válidas de ZFTc, indicando

que demandas existenciais distribuem-se entre condicional improdutiva, incondicional produ-

tiva e condicional produtiva, com os graus de produtividade assumindo todos os valores de um

a quatro. Por outro lado, pelo Teorema 2.2.11 sabemos que a classificação das sentenças de ZR1

encontra-se distribuída entre condicional improdutiva, incondicional produtiva e condicional

produtiva, com o grau de produtividade assumindo os valores um ou quatro. Reproduzimos

e organizamos esses resultados na Tabela 2.1.

Axiomas de ZFTc Condicional Improdutiva Axioma da regularidadeProdutiva de grau 1 Axioma da extensionalidadeProdutiva de grau 2 Axioma esquema da separaçãoProdutiva de grau 3 Axioma da união

Axioma do fechamento transitivoProdutiva de grau 4 Axioma das partes

Axioma da substituiçãoAxioma da negação do infinito

Incondicional Improdutiva Axioma do conjunto vazioAxiomas de ZR

1 Condicional Improdutiva Axiomas relacionaisProdutiva de grau 1 Axioma esquema de induçãoProdutiva de grau 4 Axiomas funcionais 2, 3 e 4

Incondicional Improdutiva Axioma funcional 1

Tabela 2.1: Classificação dos axiomas de ZR1 e ZFTc

A observação da distribuição existencial dos axiomas possibilita que seja estabe-

lecido um sentido preciso segundo o qual as axiomatizações de ZR1 e ZFTc são distinguíveis.

Os sistemas formais sub judice são distintos quanto à distribuição das demandas existenciais de seus

axiomas.

Naturalmente, como as teorias são bi-interpretáveis, a coleção dos teoremas de ZR1

tem, entre seus elementos, sentenças válidas com todos os graus de requerimento existencial

presentes em ZFTc. Por exemplo, o axioma da união de ZFTc, assevera que, para cada conjunto

há um único conjunto união introduzido pelo símbolo de função unária⋃

.

⋃x = y↔ ∃y∀z

(z ∈ y↔ ∃t (z ∈ t ∧ t ∈ x)

)Como vimos, o grau de requerimento existencial desse axioma é três e, conse-

quentemente, há alguma L(ZR1 )-sentença ψ cujo grau de requerimento existencial é três. Esta

observação suscita questões acerca da escolha dos axiomas de um sistema formal. Por exemplo,

por que os axiomas de Z1 e ZR1 são tomados por axiomas da aritmética de Peano e não outros,

com distribuição de requerimento existencial consonante com ZFTc? Discutiremos essa questão

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nas considerações finais. No momento, observamos que a Questão 1 pode ser reformulada, de

modo a contemplar uma teoria matemática específica e sua contraparte conjuntista.

Questao 1?:Em qual sentido as axiomatizacoes de um sistema formal T e umateoria de conjuntos S, em que T e S sao bi-interpretaveis,

nao sao equivalentes?

Julgamos que o método de análise do importe existencial, desenvolvido para estudo

específico de sistemas formais aritméticos, é suficientemente forte para ser empregado como

critério de diferenciação dos axiomas de sistemas formais bi-interpretáveis. Afinal, se um

sistema formal T é bi-interpretável com S, e S é algum subsistema de ZFC ou algum sistema

axiomático relacionado a S, a análise existencial desenvolvida para ZR1 em ZFTc e para ZR

2 em ZFe

pode ser, mutatis mutandis, aplicada à análise de T em T′. Se o resultado de uma tal investigação

fornecer a mesma distribuição de importe existencial para os axiomas de ambas as teorias, os

sistemas axiomáticos serão equivalentes em um sentido ainda mais forte do que o sentido de

equivalência ao qual Kaye & Wong se referem. Caso contrário, as demandas existenciais dos

axiomas escolhidos fornecerão um critério de distinção dos sistemas axiomáticos.

De fato, a adoção desse critério permite uma diferenciação entre os axiomas do

sistema formal da aritmética de segunda ordem ZR2 e a teoria de conjuntos ZFe. Estes sistemas

são vistos como teorias indistinguíveis do ponto de vista da classe de modelos, o que é atestado

pela mensagem de Ali Enayat [22] postada na lista eletrônica de discussão FOM (Foundations

of Mathematics), em 18 de Janeiro de 2010.

[A] recente discussão acerca da referência de Woodin ao bem conhe-cido fato que o modelo padrão para a teoria dos números em segundaordem é “essencialmente o mesmo” que o modelo 〈M,∈〉, sendo que Mé conjunto dos conjuntos hereditariamente contáveis. Como sugeridopor Tait, as duas estruturas são intimamente relacionadas no nível dainterpretabilidade, isto é, elas são ∗bi-interpretáveis∗. Observe que issoé mais forte do que dizer que elas são mutuamente interpretáveis.22

É razoável que estes modelos sejam consideradas como intimamente relacionadas.

Afinal, os sistemas formais cujos axiomas são verdadeiros nessas estruturas diferem apenas

em pontos não essenciais: as linguagens são as mesmas, exceto pela escolha dos símbolos que

são tomados como primitivo e os axiomas de um sistema são mecanicamente convertidos em

teoremas do outro sistema. Entretanto, a análise existencial conduzida neste capítulo oferece

um critério preciso segundo o qual os sistemas formais associados a estas estruturas podem ser

diferenciados. Esse critério é a distribuição quanto às demandas existenciais dos axiomas.23

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Considerações Finais

Nesta Tese foram investigadas as noções de verdade em aritmética e existência

no contexto de sistemas axiomáticos da aritmética. Com relação à primeira noção, foram

exploradas algumas consequências da adoção de um quadro normativo, afinado com a prática

matemática, para a fundamentação das condições de verdade das sentenças aritméticas. Quanto

à segunda noção, foi apresentada uma definição de axioma de existência e fornecida uma

classificação coerente, em termos existenciais, de sistemas axiomáticos associados as aritméticas

de primeira e segunda ordem. Estes resultados, tudo indica, são originais. Nesta seção tais

resultados serão rapidamente recapitulados e o direcionamento de novas investigações serão

esboçadas.

Uma das características da análise desenvolvida para a noção de verdade é o não

comprometimento com a existência de objetos abstratos; consequentemente, não há o alinha-

mento da proposta com versões fortes de realismo matemático. Não obstante, o valor de

verdade das proposições aritméticas é objetivo. A análise do quadro normativo resultou na

estratégia de fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas que não é alienada da noção

de demonstração e que não depende da estipulação arbitrária de um modelo. Adicionalmente,

foi oferecida uma base sólida para a fixação do modelo padrão da aritmética: a adequação aos

princípios diretivos.

A solução apresentada para o problema da fixação do modelo padrão da aritmética

possui, dentre outras, as seguintes características:

(a) Não apela às pretensões, intuições ou intenções do agente que elabora um sistema formal

para a aritmética.

(b) É passível de adaptação para outros sistemas axiomáticos, isto é, a adoção de um quadro

normativo para outras áreas da matemática, além da aritmética, deve permitir que a

estratégia aqui empregada possa ser estendida, de modo natural, para a análise do modelo

padrão de outros ramos da matemática.

(c) A solução apresentada é coerente com a história e prática da matemática.

110

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(d) A resposta oferecida não é reducionista, pois não condiciona a fixação do modelo padrão

da aritmética a redução da aritmética em outra disciplina matemática.

Além das características acima elencadas, a proposta defendida nesta Tese apre-

senta, se comparada ao estruturalismo modal de Hellman, ao critério de minimalidade de

Gaifman e à estratégia defendida por McGee, diversas vantagens.

Quanto à noção de existência, as estratégias empregadas e os resultados obtidos

não são dissonantes do quadro conceitual normativo que avaliza a fixação do modelo padrão

da aritmética, embora não o pressuponha. A investigação existencial foi desenvolvida a partir

da noção de requerimento existencial, a qual, por sua vez, é um atributo das condições de

verdade de uma sentença. A carência de uma definição de axioma de existência foi evidenciada

pelo emprego do termo ‘axioma de existência’, sem uma definição precisa, pelo programa

da matemática reversa e a solução proposta neste trabalho é condizente com o emprego do

termo. Outras contribuições da análise existencial são uma classificação robusta, em termos de

requerimentos existenciais, dos axiomas da aritmética de segunda ordem e o estabelecimento

de um critério de avaliação existencial de sistemas axiomáticos bi-interpretáveis.

Com relação à maturidade das propostas apresentadas, julgamos que as mesmas

apresentam graus distintos: enquanto a análise existencial está bem completa e sedimentada,

a análise da verdade apresenta graus diferentes de amadurecimento. Por um lado, o exame

rigoroso dos princípios diretivos está bem desenvolvido e, por outro lado, a solução ao problema

da verdade/demonstração e a apresentação do esquema em dupla camada para a verdade estão

apenas esboçados. Há, sem dúvidas, ainda muito trabalho para ser feito nesses dois quesitos.

A seguir expomos dois dos diversos caminhos que podem ser seguidos para o

aprofundamento da compreensão das noções investigadas nesta Tese.

Quanto às questões existenciais, há ao menos três teorias de conjuntos - elaboradas

a partir de ZF e com atenção ao axioma da escolha e algum de seus rivais - que, com as

adaptações necessárias, podem ser analisadas através das estratégias e técnicas descritas no

Capítulo 2. São elas: (i) a teoria composta dos axiomas de ZF e do axioma da escolha enumerável,

(ii) a teoria obtida de ZF com a inclusão do axioma da escolha dependente e (iii) a teoria

ZFD, composta pelos axiomas de ZF e o axioma da determinação. Estes sistemas não foram

citados arbitrariamente; pelo contrário, são sistemas formais da teoria de conjuntos munidos de

intrínseco interesse fundacional. De fato, enquanto o axioma da escolha é, incontestavelmente,

o axioma de ZFC de maior repercussão em discussões fundacionais da teoria de conjuntos, o

axioma da determinação é incompatível com o axioma da escolha e apresenta desdobramentos

importantes no universo conjuntista. Por exemplo, há formulações da hipótese do contínuo

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que são equivalentes segundo ZFC, mas não ZFD.

Outra razão para a escolha dessas teorias é que o emprego do axioma da determina-

ção é tema de crescente interesse na teoria de conjuntos, principalmente para a teoria descritiva

de conjuntos, cujo principal objeto de estudo são os conjuntos de números reais. Além disso,

o emprego do axioma da determinação traz consequências “desejáveis” para os conjuntos de

números reais, em oposição a conclusões “indesejáveis”, resultantes do emprego do axioma da

escolha. Um exemplo é fornecido pelo fato que, sob o axioma da determinação, todo conjunto

de números reais é Lebesgue mensurável. Outro exemplo: admitido o axioma da determina-

ção, há uma versão da hipótese do contínuo segundo a qual todo conjunto de números reais

é enumerável ou está em bijeção com o conjunto de todas as sequências infinitas de zeros e

uns. A teoria de conjuntos com axioma da determinação apresenta também consequências

interessantes para a teoria dos números cardinais, embora a ausência do axioma da escolha

impossibilite a prova de que o cardinal do conjunto dos números reais é um aleph.

Uma análise existencial desses sistemas trará clareza, quanto às demandas existen-

ciais, das principais teorias de interesse aos fundamentos da matemática. De fato, a análise dos

requerimentos existenciais da teoria ZFC é realizada por Freire em [27]. Em [29] a análise é

estendida, com ênfase na busca de novos axiomas para a teoria de conjuntos ZFC. Nesta Tese

são investigadas as demandas existenciais da aritmética. Para completar o quadro fundacional,

faltam análises rigorosas da noção de existência nas teorias de conjuntos nas quais ocorram

variações do axioma da escolha e a ocorrência do axioma da determinação.

Com relação ao primeiro tema abordado na tese, um tema de trabalho que julgamos

interessante e filosoficamente relevante é a investigação rigorosa dos componentes do pressu-

posto adotado na investigação das condições de verdade em aritmética. Em particular, há a

carência de uma análise minuciosa da noção de norma em aritmética. Uma tal investigação se

faz necessária porque, embora a literatura dedicada à discussão e classificação de normas seja

extensa, não dispomos de uma caracterização da noção de norma que seja harmônica com o

quadro geral das investigações já realizadas e com a prática matemática. O suprimento de tal

demanda, no âmbito aritmético, tem potencial para servir de base para a investigação da noção

mais geral de norma matemática.

Encerramos este trabalho com a sugestão de que a articulação do quadro normativo

da aritmética, juntamente com a análise existencial da aritmética e a história da matemática,

fornecem elementos para a defesa de que a aritmética de Peano deve ser formulada em uma

linguagem relacional, sem axiomas de fechamento funcional.

No Capítulo 1, a adoção de um quadro normativo para a fixação do valor de verdade

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das sentenças aritméticas motivou o entendimento de que os axiomas de Peano correspondem

a uma formalização parcial dos princípios diretivos. No Capítulo 2, a aritmética de Peano foi

apresentada como o sistema formal Z1 e afirmamos que, do ponto de visto das sentenças válidas

Z1 é, basicamente, indistinguível dos sistemas formais ZR1 e ZFTc. Diante disso, uma questão

que surge naturalmente é: há alguma razão para que algum destes sistemas formais - ou todos

eles? ou nenhum deles? - seja designado a aritmética de Peano?

Uma primeira resposta a este questionamento é sustentar que o sistema formal que

corresponde, em harmonia com a história da matemática, à ‘aritmética de Peano’ é, precisa-

mente, o sistema formal formatado por Giuseppe Peano para a aritmética. Infelizmente, esta

resposta não cabe aqui, pois Peano sequer apresentou um sistema formal para a aritmética.

Argumentaremos que para um sistema formal ser identificado como aritmética de

Peano o mesmo deve ser bi-interpretável com o sistema PA?, obtido a partir de ZR1 pela exclusão

dos axiomas de fechamento funcional. Seguindo esta orientação, o sistema formal receberá um

nome que é coerente com a história da aritmética, com o quadro normativo e com a análise

existencial.

Em From Frege to Gödel, [36], Jean van Heijenoort sustenta que Peano, no Arith-

metices Principia, Nova Methodo Exposita (1889), assume a tarefa de reescrever a aritmética em

linguagem simbólica e, para isso, considera que as noções aritméticas primitivas que devem ser

simbolizadas são número, um, sucessor e é igual a.1 A simbolização é empreendida na linguagem

de segunda ordem, sendo as explicações oferecidas sobre os conceitos a serem simbolizados

limitadas à apresentação dos axiomas e ao modo segundo o qual os símbolos devem ser lidos.2

É importante notar que o trabaho de Peano redunda em uma simbolização da aritmética, mas

não no que hoje entendemos por sistema formal. Uma razão para isto é a ausência de regras

de inferência, ou seja, não há meios que permitam a obtenção de expressões formais a partir de

expressões formais prévias.

Se tomarmos a afirmação de Heijenoort acerca do trabalho de Peano pelo seu valor

de face, então é razoável inferir que o propósito de Peano era a simbolização de uma determi-

nada prática matemática através do emprego de uma linguagem simbólica. E, ao analisarmos a

forma como a simbolização fornecida por Peano é entendida contemporaneamente, nos parece

que há um descompasso entre a leitura da linguagem simbólica por ele adotada e a correspon-

dente linguagem formal hoje empregada. Explicitamente, parece-nos ser possível defender que,

enquanto Peano empregou uma linguagem simbólica que remete a um emprego relacional dos

símbolos para a formalização da aritmética, o padrão de formalização atual emprega símbolos

de função.

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Sabidamente, Peano foi bastante lacônico. Entretanto, a análise da exposição de

alguns lógicos quanto à simbolização conduzida por Peano pode servir de suporte para a

posição que defendemos. Consideremos, a título de exemplo, a posição expressada por Stephen

Kleene no clássico Introduction to Metamathematics, [46]. Para Kleene, a formalização de Peano

visava à caracterização da sequência dos números naturais3 e, quando a sequência de números

naturais 0, 1, 2, 3, ... é escrita, o uso das reticências “sugere a continuação da sequência para além

dos diversos membros mostrados”.4 E, ainda que a sequência de números naturais não precise

ser redutível a termos mais básicos, pode-se tirar proveito de reflexões sobre essa sequência,

tornando mais claras as bases do raciocínio sobre os números naturais.5

A explicação fornecida por Kleene acerca da sequência numérica descreve os nú-

meros naturais como os objetos gerados, a partir do zero, pela introdução de um novo objeto

n′ a partir do objeto já gerado n. Podemos prescindir da interpretação orientada aos objetos e

manter o foco na característica que julgamos central, exposta a seguir.

Começamos descrevendo os números naturais como os objetos que po-dem ser gerados a partir de um objeto inicial 0 (zero) e, sucessivamente,passar de um objeto n já gerado para outro objeto n + 1 ou n′.

Aqui concebemos que é possível, não importa o quão longe já tenhamosido para alcançar n, ir um passo adiante para alcançar a n′. O uso danotação “n′” em vez do mais familiar “n + 1” enfatiza que ′ é umaoperação ou função unária primitiva usada na geração dos númerosnaturais, enquanto + pode ser definida em um estágio posterior comouma operação ou função binária de dois números naturais.6

Parece claro, para Kleene, que o papel do símbolo ′ é indicar que, não importa quão

longe se tenha ido na sequência de naturais, é possível ir um passo além (a identificação entre as

sequências 0, 1, 2, ... e 0, 0′, 0′′, ... é imediata). Segundo esta explicação, parece razoável admitir

que a sequência numérica deve ser vista em construção, não como uma sequência completada.

Do ponto de vista figurado, não é problemático considerar que esse processo de geração dos

números, esse “ir um passo adiante”, é desempenhado por uma função ou operação. Mas,

se a sequência numérica não diz respeito a um domínio infinito completado, não é adequado

que a simbolização destes conceitos seja feita pelo emprego de um símbolo de função de uma

linguagem formal. Isto porque tais símbolos exigem que funções e operações tenham domínio

completado, não um domínio no qual se possa “ir um passo além”.

Se Kleene - e nossa leitura de Kleene - estão corretas, então o entendimento de

que no trabalho de Peano a sequência numérica não pressupõe um domínio completado nos

permite inferir que tal sequência deve ser simbolizada em um sistema formal contemporâneo

pelo emprego de um símbolo de relação, não de função. Seguramente, se a soma e o produto

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são explicadas a partir do sucessor, então as correspondentes formalizações devem transcorrer

pelo emprego de símbolos de relação - a soma e multiplicação são relações entre números, não

uma operações definidas no domínio infinito completado dos números.

Além disso, é comum que a formalização da aritmética de Peano em primeira

ordem seja justificada a partir da versão oriunda em linguagem de segunda ordem através da

substituição do axioma de indução pelo esquema de indução e da substituição do sucessor pela

soma e multiplicação. Deste modo, o caráter funcional destas últimas é herdado, a nosso ver de

modo distorcido, da simbolização empregada por Peano (ou, ao menos, do modo como vemos

a leitura de Peano por Kleene).

Se estas considerações são razoáveis, então para que o sistema formal da aritmética

de Peano seja coerente com a história dessa disciplina, os símbolos de soma e multiplicação

devem formalizar relações entre números, não funções.

Julgamos que a leitura acima é coerente com o quadro normativo adotado nesta

Tese para a fundamentação da verdade. Vimos que, se os princípios diretivos apresentados na

Seção 1.1 legislam sobre a aritmética, a simbolização destes redunda nos axiomas de Peano em

primeira ordem. Mas não parece haver algo nos princípios que sugira que a formalização dos

mesmos deva empregar, para soma e produto, símbolos de função. Pelo contrário, os princípios

apontam na direção de que a aritmética está intrinsecamente ligada a um sistema notacional

no qual as notações (numerais) são gerados recursivamente. Não identificamos, ao menos do

ponto de vista da história da disciplina, algo que sugira que há um universo, infinito completo,

de numerais. Pelo contrário: dada uma sequência finita de numerais sempre se pode, por

construção recursiva, dar um passo além e estender a sequência.

Ademais, não nos parece haver razões suficientes para que na formalização do prin-

cípio PD3, o símbolo + que ocorre em ∀m∀n(sm+n(0) = sm(0) + sn(0)

)deva ser, obrigatoriamente,

um símbolo de função (afinal, se o modo como expusemos o assunto está correto, aos núme-

ros correspondem os numerais e, estes, como os entendemos, são gerados recursivamente).

Os princípios diretivos estão presentes no modo como aprendemos aritmética: aprendemos

aritmética aprendendo os princípios, e estes legislam sobre um sistema notacional. Essa mani-

pulação notacional é algorítmica e não pressupõe um universo de notações; pressupõe apenas

que sempre podemos “ir um passo adiante” nas notações.

Essa defesa histórico-normativa de PA?, a qual sugere uma leitura relacional da

aritmética de Peano, nos parece harmônica com a análise existencial aqui desenvolvida.

Se os sistemas axiomáticos PA? e ZFTc são vistos como formalizações de práticas

matemáticas distintas, a distribuição dos graus de importe existencial dos axiomas desse sistema

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pode ser vista como um indício do caráter eminentemente computacional dessa disciplina, em

que as demandas existenciais são bastante baixas. Isso é coerente com o entendimento de

que a aritmética não versa sobre a produção de números, mas sim sobre sua manipulação.

Já a distribuição dos graus de importe existencial dos axiomas da teoria de conjuntos ZFTc

evidenciam que esta disciplina é voltada para a produção de novos conjuntos e tem um forte

comprometimento existencial.

Para concluir, apontamos uma última diferença entre os sistemas formais ZR1 e

ZFTc. Enquanto o primeiro pode ser visto como uma formalização, em primeira ordem, de

uma tentativa de formalizar a aritmética e que possui lastro histórico na prática matemática, o

segundo é fruto da resolução de um problema acerca de sistemas formais, a saber, a especificação

do sistema formal que é bi-interpretável com a aritmética de primeira ordem Z1. Quanto à

aritmética de segunda ordem, Button & Walsh [10] oferecem razões, a nosso ver suficientes, para

considerar que as motivações que permeiam a formatação de sistemas axiomáticos aritméticos

de segunda ordem são de natureza mais próxima da solução de um problema matemático do

que da formalização de um ramo autêntico da matemática.

Por fim, se nossa posição quanto formalização da aritmética de Peano está correta,

resta a questão de identificar qual é a teoria de conjuntos bi-interpretável com a aritmética de

Peano, isto é, identificar o sistema formal da teoria de conjuntos que é bi-interpretável com o

sistema formal aritmético PA?.

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Notas

Notas da Introdução

1 Na identificação das duas atitudes que relacionam filosofia e matemática seguimos Shapiro [67, p. 21-35], o qual

identifica os casos extremos pelos termos “philosophy-first principle” e “ philosophy-last-if-at-all principle”. No primeiro

caso, “philosophy determines and thus precedes practice in some sense. [...] For example, mathematical entities are

objective or mind-dependent. This fixes the way mathematics is to be done” (p. 35). Shapiro afirma, ainda, que “The

idea is that we first figure out what it is that we are talking about and only then figure out how to talk about it, and

what to say about it. Philosophy thus has the noble task of determining mathematics” (p. 25). Segundo Edwards

[21, p. 143-44], há ao menos duas ocasiões em que as concepções filosóficas de Kronecker influenciaram, de modo

direto, seu trabalho matemático. Ainda com relação a Kronecker, uma motivação para sua bem conhecida e radical

defesa dos inteiros e do infinito potencial pode ser vista como motivada por sua certeza de que “someday people will

succeed in ‘arithmetizing’ all of mathematics, that is, in founding it on the single foundation of the number-concept

in its narrowest sense.” [21, p. 141]. Sobre Lesbegue, veja a Seção 1.1. Quanto ao Poincaré, seu ataque às definições

impredicativas tem, sabidamente, clara motivação filosófica; a defesa de Gödel dessas definições, também (mas,

claro, por razões distintas). Quanto à influência sofrida pela matemática a partir de reflexões filosóficas, caracterizar o

que se pretende por reflexão filosófica é ao menos tão complicado quanto caracterizar no que consiste matemática,

filosofia, prática matemática, etc. No entanto, admitiremos sem maiores explicações que há diferenças entre esses

assuntos e que eles interagem entre si.2 Shapiro afirma que “Philosophers must wait on the mathematician (perhaps in two senses) and be prepared to

reject their own work, out of hand, if developments in mathematics come into conflict with it.” [67, p. 28].3 A posição de Bishop é: “There is a crisis in contemporary mathematics, and anybody who has not noticed it is

being willfully blind. The crisis is due to our neglect of philosophical issues.” [8, p. 507]. Bernays: “From certain

points of view, this expression can be justified [the crisis]; but it could give rise to the opinion that mathematical

science is shaken at its roots. The truth is that the mathematical sciences are growing in complete security and

harmony. [...] It is only from the philosophical point of view that objections have been raised.” [6, p. 258].4 Quine afirma que “The continuum hypothesis and the axiom of choice, which are independent of [ZF], can

still be submitted to the considerations of simplicity, economy, and naturalness that contribute to the moulding of

scientific theories generally. Such considerations support Gödel’s axiom of constructability, V = L. It inactivates

the more gratuitous flights of higher set theory, and incidentally it implies the axiom of choice and the continuum

hypothesis.” [64, p.95]. Quanto à posição de Maddy, ver [55].5 Afirmar que a maior parte da matemática é correta é afirmar que a maior parte dos teoremas matemáticos são

sentenças que expressam proposições matemáticas verdadeiras.6 Textualmente, Shapiro afirma: “I believe that scientists and mathematicians usually know what they are doing,

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and that what they are doing is worthwhile [...] No practice is sacrosanct. As fallible human beings, mathematicians

do occasionally make mistakes, even systematic mistakes; and some errors can be, and have been, uncovered by

something recognizable as philosophy. The present orientation is that any given principle used in mathematics is

taken as correct by default, but not incorrigibly. The correctness of the bulk of mathematics is a well-entrenched,

high-level theoretical principle.” [67, p. 30].7 No original, Shapiro afirma: “[We] cannot ‘read off’ the correct way to do mathematics from the true ontology,

nor can one ‘read off’ the true ontology from mathematics as practiced.” [67, p. 34]. Optamos por falar em ontologia

correta, em vez de verdadeira. Ontologia correta, neste contexto, diz respeito a correta identificação do universo

dos objetos matemáticos, supondo que ele exista.8 Textualmente, Shapiro afirma: “Philosophy and mathematics are intimately interrelated, with neither one

dominating the other.” [67, p. 34].9 O paradigma adotado é pouco explorado quando comparado aos paradigmas formalista e realista.

10 Shoenfield [69, p. 2], por exemplo, classifica os sistemas formais em clássicos e modernos, enquanto Shapiro

[67, p. 41-42] os classifica em concretos e algébricos. Segundo estas classificações, os sistemas axiomáticos para

a teoria de grupos são modernos e algébricos; os sistemas axiomáticos da aritmética de Peano são concretos e

clássicos. Preferimos, entretanto, designar a aritmética de Peano por interpretada ou pretendida, o que destaca nosso

entendimento de que há um modelo (i.e, uma interpretação) privilegiado para a aritmética.11 Pode-se especular em qual medida a teoria de grupos é instituída pelos axiomas de grupo. Entretanto, se os

textos, aulas, apresentações e discussões dos matemáticos profissionais acerca dos grupos são um reflexo do modo

de pensar e falar em teoria de grupos, então os grupos não são descritos por linguagens formais e não se raciocina

sobre grupos via sistemas formais. Consequentemente, os sistemas axiomático de grupos ainda desempenham um

papel interpretativo e descritivo sobre a atividade matemática acerca dos grupos.12 Um exemplo de que nossa postura é compartilhada por muitos filósofos e matemáticos é reforçada pela

observação feita por Toby Meadows: “There appears to be an almost universal belief amongst mathematicians and

philosophers that the language and practice of arithmetic does refer to a unique structure." [59, p. 525]. Embora

bastante hegemônica, esta posição não é unânime. Um exemplo: Ludwig Wittgenstein afirma que “[...] se, então,

nós perguntamos: ‘sobre quais circunstâncias uma proposição é afirmada [verdadeira] no jogo [sistema formal]

de Russel? A resposta é no fim de uma de suas provas, ou como uma ‘lei básica’ [axioma]. Não há outro modo

nesse sistema de empregar proposições afirmadas no sistema de Russel”. [77, p. 117]. Para Wittgenstein, a única

possibilidade de determinação da verdade de uma proposição aritmética é através da demonstração da mesma.

Uma vez que (i) há um descompasso entre demonstrabilidade e verdade e (ii) a admissão de um modelo pretendido

para a aritmética fixa a verdade para toda sentença aritmética, adotar a demonstrabilidade como critério de verdade

não é compatível com o entendimento de que há um modelo pretendido à aritmética.13 Lógica abstrata é outra denominação, bastante comum, para sistemas semânticos. Estes sistemas foram

introduzidos por Lindström em [54]. Neste mesmo trabalho Lindström ofereceu uma caracterização modelo-

teórica da lógica de primeira ordem com base nos teoremas acendentes e descendentes de Löwenheim-Skolem,

compacidade, completude e definibilidade de Beth.14 Os axiomas da teoria T são: (i) axioma da extensionalidade, (ii) axioma da regularidade, (iii) axioma esquema

de separação, (iv) axioma do vazio, (v) axioma do par, (vi) axioma das partes, (vi) axioma da união, (vii) axioma

esquema da substituição, (viii) negação do axioma do infinito e (ix) axioma do fechamento transitivo, a qual assevera

que todo conjunto de T está contido em algum conjunto transitivo de T. A apresentação completa dessa teoria pode

ser vista na Seção 2.2 deste trabalho (em que é identificada por ZFTc) e também em [43].

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15 A afirmação de que há amplo emprego da noção de axioma de existência em aritmética de segunda ordem,

mas sem a apresentação de uma definição precisa é ratificada, por exemplo, pelo uso desta noção no bem conhecido

livro de Simpson [70] sobre matemática reversa. Na Seção 2.4 desta Tese oferecemos uma definição precisa para

essa noção.

Notas do Capítulo 11 Como usual, consideramos que (i) conceitos são constituintes de proposições e estas, por sua vez, são as

portadoras primárias das condições de verdade; (ii) sentenças expressam proposições e constituem o ambiente de

análise das condições de verdade das proposições; (iii) o valor de verdade de uma proposição é o referente da

sentença que expressa tal proposição; (iv) um conceito aritmético é empregado quando um agente racional possui

um estado mental intencional com relação a aritmética; (v) condições de verdade são elementos constitutivos do

conteúdo proposicional, (vi) a noção relevante de conteúdo proposicional é a de algo sujeito a julgamento e (vii) o

conteúdo proposicional de uma sentença é o conteúdo proposicional da proposição expressa pela sentença. Neste

capítulo é adotada a posição de que conteúdo proposicional das proposições aritméticas é de natureza normativa.2 Além das palavras, o próprio pensamento humano tem caráter social, na medida em que pensamento é

indissociável de linguagem e, esta última, tem fundamentação na prática social.3 Pode-se tentar corrigir a caracterização de prática matemática para “produto do trabalho do matemático” com

o argumento que um matemático é um profissional com inegável reconhecimento social e que a prática matemática

é aquilo que “tais profissionais fazem quando atuam profissionalmente”. Claro que isso nem de longe resolve o

problema - apenas transfere a discussão para a questão de definir em que consiste um “matemático profissional”.

Se identificarmos ‘matemático profissional’ com ‘mathematician’, uma explicação deste último termo é dada, por

exemplo, por Jean Dieudonné, para quem “The term ‘musician’, in common speech, can mean a composer, a

performer or a teacher of music, or any combination of these activities. In the same way, by ‘mathematician’

we can understand a teacher of mathematics, one who uses mathematics, or a creative mathematician; and the

common belief is that this last species is now extinct. Since, however, it is my intention to help my readers to

understand the origin and nature of modern mathematics [...], we shall be dealing almost exclusively with this

last category. A mathematician, then, will be defined in what follows as someone who published the proof of one

non-trivial theorem.” [16, p. 5]. Mas isso apenas transfere o problema da caracterização de ‘mathematician’ para a

caracterização de ‘non-trivial theorem’. Uma definição de matemática, bastante eloquente mas inócua para nossos

fins, é apresentada por Courant & Robbins, para quem “Matemática, como expressão da mente humana, reflete a

vontade ativa, a razão contemplativa e o desejo da perfeição estética.” [13, p. i].4 Sobre a motivação, e uma diferença com relação a Kuhn, escreve Kitcher: “I wish to salvage the notion of a

practice and jettison the concept of a paradigm which Kuhn generates from it. One of Kuhn’s major insights about

scientific change is to view the history of a scientific field as a sequence of practices; I propose to adopt an analogous

thesis about mathematical change.” [45, p. 163]. Ainda que latente nessa passagem, vale a pena destacar que,

embora Kitcher se inspire na noção de Kuhn do progresso da ciência, ele abandona a noção de paradigma presente

em Kuhn, mantendo apenas a noção derivada de prática científica, e não endossa que em matemática ocorram

revoluções como na ciência.5 Kitcher sustenta que é possível defender uma explicação para o conhecimento matemático, com inspiração em

Kuhn e a partir da prática sem, no entanto, necessariamente endossar a ocorrência de revoluções conceituais. Essa

posição é explicada no Capítulo 7 de The Nature of Mathematical Knoowledge.

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De modo preliminar, duas comparações entre ciência e matemática que indicam diferenças entre as duas

disciplinas e motivam a posição de Kitcher acerca dos avanços em matemática sem que haja ocorrência de rupturas

revolucionárias são: “In the first place, scientific practices can change in response to new observations. But they can

also change as the result of the existence of discrepancies among the various components of the practice. To exploit

the analogy with developing systems, we may say that the movement to a new practice may result from the fact

that the old practice was not in equilibrium. This type of change is the rule in mathematics. ... [T]he components

of a mathematical practice are never in complete harmony with one another, and the striving for concordance

generates mathematical change. Secondly, we shall account for the apparently greater cumulative development of

mathematics, by recognizing the existence of a particular type of linguistic change in mathematics which enables

the resolution of apparent conflicts. So, wherein the case of science we find the replacement of one theory by another

(as in the case of the replacement of the phlogiston theory by the oxygen theory), in the mathematical case there is

an adjustment of language and a distinction of questions, so that the erstwhile “rivals"can coexist with each other.

Mathematical change is cumulative in a way that scientific change is not, because of the existence of a special kind

of inter practice transition." [45, p. 164].6 Esta é a forma como Ferreirós descreve estes componentes: “(i) Agent-based and cognitive, for it emphasizes

a view of mathematics as knowledge produced by human agents, on the basis of their biological and cognitive

abilities, the latter being mediated by culture. (ii) Pragmatist or practice-oriented, as it places emphasis on the

practical roots of math, i.e., its roots in everyday practices, technical practices, mathematical practices themselves,

and scientific practices; (iii) Historical and hypothetical, because it emphasizes the need to analyze maths historical

development, and to accept the presence of hypothetical elements in advanced math.” [23, p. 3].7 A noção de framework em Ferreirós é mais sofisticada do que esta caracterização por quádruplas. Há um

capítulo em [23], o terceiro, dedicado exclusivamente ao refinamento desta noção. Entretanto, não precisamos aqui

nos debruçar sobre esse assunto, sendo essa primeira noção suficiente para o ponto que queremos fixar, a saber, a

apresentação - mas não a análise - da caracterização de prática matemática que é apresentada por Ferreirós e que

acreditamos ser coerente com aquela presente no pressuposto que adotamos.8 No original: “Mathematical practice is what the community of mathematicians do when they employ resources

such as frameworks (and other instruments) on the basis of their cognitive abilities to solve problems, prove

theorems, shape theories, and (sometimes) to elaborate new frameworks.” [23, p. 33].9 Explicitamente, von Wright afirma que “As a prototype of rules we instance the rules of a game. Rules of

grammar also belong to this type of norm. Perhaps the so-called laws or rules of logic and mathematics should also

be counted as belonging to it.” [75, p. 15].10 Caso o contexto seja matemático mas não deixe claro que se trata da aritmética, as formas reduzidas princípios

diretivos e princípios devem ser estendidas como as normas que regulam a área da matemática em estudo, desde que

se assuma que o conteúdo proposicional desse ramo da matemática é determinado pelos princípios.11 A dimensão semântica é um dos componentes centrais à proposta de fixação do modelo padrão da aritmética,

a partir dos princípios, que está sendo desenvolvida. Uma evidência que as consequências dos princípios (quando

analisados em primeira ordem) e a dimensão semântica não são coextensivos é o teorema de Gödel da incompletude.

Essa última afirmação deve se tornar clara na Seção 1.4.12 Não há, neste trabalho, a menor pretensão de discutir a teoria de Searle. Os atos de fala são citados apenas

porque estes são de natureza normativa e algumas das características das normas que legislam sobre os atos de fala

são desejáveis para os princípios diretivos da aritmética.13 Aqui há uma clara sobreposição com os costumes descritos por von Wright. Infelizmente, não fizemos (ainda) um

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cuidadoso estudo comparativo entre as classificações das normas para estabelecer, precisamente, as sobreposições

e diferenças entre as classificações de von Wright, Searle e outros. Voltaremos a este tema nas considerações finais.14 O emprego de regras implícitas encontra-se em total harmonia com o quadro conceitual de Brandom. A

subserviência às regras implícitas é também reconhecida por Ferreirós ao caracterizar prática matemática e nos atos

de fala.15 Se a teoria de conjuntos de Cantor é de natureza normativa, o axioma da escolha pode ser visto como uma

formalização de um princípio diretivo de conjuntos. Veja [26] para mais detalhes.16 Entretanto, esta possibilidade é remota, pois a análise que desenvolveremos na próxima seção nos permite

afirmar que, se são aceitas bases lógicas razoáveis, então estes princípios são suficientes para a fixação do modelo

padrão da aritmética e, consequentemente, para a fixação do valor de verdade das sentenças aritméticas.17 No original: “[...] I wish to argue that numbers belong to the same realm as propositions and predicates, and that

through recognition of this fact we can escape from some notorious difficulties in the philosophy of mathematics.

Briefly my thesis is that numbers are to numerals as propositions are to sentences.” [48, p. 191].18 No original: “[Euclides] does not introduce addiction and multiplication as separate, primitive operations,

in fact Euclides does not even define addiction at all. Instead, he uses intuitive notions of putting together or

composing [...] [A] presentation of numbers as multitudes of numbers, accompanied by instructive diagrams, it

actually is clear enough what addiction and subtraction are [...] What the words I just used do not clearly imply is

obvious enough when we think of it and visualize in terms of collections of dots:

• • • • • combined with • • • amounts to • • • • • • • • [53,p. 17].

Ainda segundo Leuz, embora Euclides não considere a aritmética a partir de pontos, como os pitagóricos, mas

sim de segmentos, “it is not hard to replace his line-segment diagrams by Phytagorean’s dot diagram of equal

arithmetical content.” [53, p. 16]. O modo como Leuz lê a soma em Euclides é análoga às primeiras regras de

adição apresentadas às crianças em tenra idade e pode ser reescrito em linguagem contemporânea (e, talvez, um

tanto quanto pedante) na forma do princípio diretivo PD3.19 Gödel afirma que “Mathematical logic, which is nothing else but a precise and complete formulation of formal

logic, has two quite different aspects. On the one hand, it is a section of Mathematics treating of classes, relations,

combinations of symbols, etc., instead of numbers, functions, geometric figures, etc. On the other hand, it is a science

prior to all others, which contains the ideas and principles underlying all sciences.” [34, p. 447].20 Sejam V a classe de todos os conjuntos de ZFC, S a classe das assinaturas e K a classe das Σ-estruturas. Um

sistema semântico L é um par (L, |=L) que satisfaz as seguintes condições:

• L : S→ V é uma função que, a cada assinatura Σ em S associa a coleção LΣ das Σ-sentenças de L.

• |=L

é uma relação binária tal que |=L⊆

(K × LΣ

).

• Se Σ,Σ0 ∈ S e Σ0 ⊆ Σ, então LΣ0 ⊆ LΣ.

• Se A ∈ K e A |=Lϕ, então existe um Σ ∈ S tal que A é uma Σ-estrutura e ϕ ∈ LΣ.

• Se A,B ∈ K , Σ ∈ S, ϕ ∈ LΣ, A |=Lϕ e B é uma isomorfa a A, então B |=

Lϕ.

• Se A ∈ K ; Σ ∈ S; Σ0 ⊆ Σ; ϕ ∈ LΣ0 e A é uma Σ-estrutura, então A |=Lϕ se, e somente se, A|

Σ0|=Lϕ.

As duas últimas propriedades acima são conhecidas, respectivamente, como propriedade do isomorfismo e propri-

edade do reduto. Quando A |=Lϕ dizemos que ϕ é verdadeira em A ou, então, que A é modelo de ϕ.

21 Simbolização, tradução e axiomatização são outras denominações usualmente empregadas, emboras esses

termos admitam também outros empregos.

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22 A razão dessa postura é que apoiamos a posição de que distinções entre cardinalidades finitas/infinitas e

distinções entre cardinalidades infinitas quaisquer exigem que sejam adotados compromissos ontológicos fortes e,

portanto, essas distinções não são de natureza lógica.23 Nos referimos a linguagem da teoria de conjuntos ZFC, cuja assinatura contém apenas o símbolo ∈.24 A dificuldade em formalizar a expressão a todo número corresponde um único numeral em primeira ordem deve-se

ao fato que, na abordagem que estamos desenvolvendo, números serem vistos como os elementos do domínio de

estruturas corretas segundo os princípios diretivos. Uma formalização da expressão em discussão deve condensar

a informação de que todos os elementos no domínio de uma estrutura correta segundo os princípios desempenham

papel de número. Com isso, dada uma estrutura correta de domínio |A|, para todo x, se x ∈ |A|, então

x = 0A ou x =(s0

)Aou x =

(ss0

)Aou · · ·

Uma tal disjunção infinta não pode ser formalizada em primeira ordem, embora seja facilmente formalizada na

linguagem do sistema semântico infinitário que consideramos no corpo deste trabalho. Ademais, se houvesse uma

sentença de primeira ordem ϕ que formalizasse a expressão em análise, então uma estrutura A seria modelo de ϕ

se, e somente se, o domínio de A fosse infinito e enumerável, o que claramente não pode ser o caso.25 Uma exceção notável são os fragmentos da linguagem de segunda ordem empregados pelo programa de

matemática reversa na análise de teoremas matemáticos.26 Detalhes podem ser vistos em [30, p. 22] e em [47, Cap. II, § 16].27No original: “[· · · ] the ’intended’ interpretation of the second-order formalism is not fixed by the use of the

formalism (the formalism itself admits the so-called ’Henkin models’ [· · · ]), and [so] it becomes necessary to attribute

to the mind special powers of ’grasping second-order notions’.” [62, p. 481].28No original: “The expressive power of this logic [second-order logic], which is too great to admit a proof proce-

dure, is adequate to express set-theoretical statements. Typical open questions, such as the continuum hypothesis

or the existence of big cardinals, are easily stated as questions of the validity of second order formulas. Thus

the principles of this logic are part of an active and somewhat esoteric area of mathematics. There seems to be a

justifiable feeling that this theory should be considered mathematics, and that logic - one’s theory of inference - is

supposed to be more self-evident and less open.” [73, p. 38].29 Consequência da presença da operação de tomar as partes na semântica de segunda ordem e [51, Th. II.4.24].30 Embora a compacidade não valha em Lω1ω, Jerome Keisler apresenta em [44, Cap. 3] um teorema que

desempenha, basicamente, o mesmo papel da compacidade quando precisamos estender resultados modelo-teóricos

da lógica de primeira ordem para a lógica infinitária Lω1ω.31Este resultado pode ser visto, por exemplo, em [44, Capítulo 4].32 Este resultado pode ser visto, por exemplo, em [19, Remark 3.2.2]. De fato, a esta observação diz respeito a

satisfatibilidade com relação a conjuntos admissíveis - consideramos o caso particular dos hereditariamente con-

táveis.33 No original: “[We can] obtain categoricity by adding to first-order Peano arithmetic a countable disjunction

saying: “everything is either zero, or the successor of zero, or the successor of that, etc.”. But to grasp this proposal,

we need to grasp that ‘etc.’; and that looks exactly like the original challenge of grasping the (or a) natural number

sequence.” [10, p. 12].34No original: “[T]he notions of finitude and recursion are needed to describe first-order model theory, since first-

order formulas can be of arbitrary finite length, but they cannot be infinite, and first-order satisfaction is defined

recursively.” [3, p. 345].

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35 Uma ótima e sucinta apresentação dos sistemas semânticos Lω1ω1 pode ser vista em [19, Chapter IX].36 Embora as propostas considerem também sentenças de outros ramos da matemática, iremos nos concentrar

apenas nos aspectos aritméticos das propostas de McGee, Gaifman e Hellman.37 No original: “[T]he realistic conception supposes that the meaning of mathematical terms is fixed with sufficient

precision to ensure that a sentence has a determinate truth value. Now whatever meaning a linguistic expression has

it possesses in virtue of the thoughts and practices of human beings. Not all meaning is thus dependent on human

thought and action - the fact that a red sky in the morning means stormy weather isn’t a matter of convenction - but

the fact that the numeral ‘7’ refers to the fourth prime is a matter of how we have chosen to use a symbol. So there

must be something we think, do, or say that fixes the intended meaning of mathematical terms. How are we able to

do this?” [57, p. 35-6].38 Essa leitura é endossada pelas seguintes passagens, presentes nas páginas 37 e 38 de [57]: (1) “any of countlessly

many isormorfic structures will serve equally well as referent of the phrase ‘natural number system ”’, (2) “ nothing

in our arithmetical thoughts and practices fixes the referents of the numerals more determinately than ‘up to

isomorphism’; hence a numeral doesn’t have a determinate referent”, (3) “ [the fact is] that our thoughts and

practices in using mathematical vocabulary are unable to discern a preference among isomorphic copies of a

mathematical of structures” e (4) “Inscrutability of reference does not imply inscrutability of truth condictions”.39 Isso é evidenciado pela seguinte passagem: “In trying to understand how mathematical terms get their

meanings, the first answer that suggests itself is not so helpful as we might hope: we learn the language of

arithmetic by learning how to count out popsicle sticks [...] This answer, though doubtlessly correct as far as it goes,

is nonetheless disappointing, for the realist conception requires that the meaning of mathematical terms be specified

with enough precision to provide each sentence with a determinate truth value, whereas our practices in counting

and measuring would allow any number of drastically nonstandard models. Something more, in addition to our

practices in counting and measuring, is needed to pin down the meaning.

Knowing how to use mathematical terms in practical problem solving is an important component of our

understanding of mathematical vocabulary, but it doesn’t take us far enough. Something more is needed. The

format of our proposed answer is this: What we learn when we learn mathematical vocabulary, apart from learning

how to count and measure, is a body of mathematical theory. What else could the answer be?” [57, p. 40].40 No original: “[W]hat we require to account for the fact that purely arithmetical sentences have a determinate

truth value is a theory with the following two characteristics: (i) the theory, together with the mathematical facts,

must determine a unique truth value for each arithmetical sentence, in such a way that the accepted arithmetical

axioms are classified as true, and (ii) the theory must be learnable by human beings.” [57, p. 43].41 A resposta óbvia para o estabelecimento do valor de verdade das sentenças aritméticas é a teoria Th(〈ω,+,×, suc, 0〉)

em que, quando A é uma Ψ-estrutura, Th(A) = {ϕ | A |= ϕ e ϕ é uma Ψ − sentença}. Não há razões para supor que

seres humanos sejam capazes de aprender essa teoria, o que inviabiliza que a mesma seja tomada como solução

ao problema de fixação dos valores de verdade das sentenças aritméticas por McGee. O mesmo pode ser dito de

teorias infinitas não recursivas em geral.42 Essa posição é vista na seguinda passagem: “One answer that is sure to fail is this: when we learn arithmetical

language, we learn a first-order theory Γ such that a sentence is determined as true if and only if it is a logical

consequence of Γ. Any consistent theory that includes all the true arithmetical sentences among its consequences

must be at least as computationally complex (in terms of Turing degree) as the set of true arithmetical sentences.

But such a complex theory must surely be unlearnable. Indeed, there are good reasons to think that any theory that

is learnable must be recursively axiomatizable, and any complete, consistent, recursively axiomatized theory - that

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is, any recursively axiomatized theory that exhaustively classifies the sentences as “true according to the theory”

and “false according to the theory” - will be inconsistent with Robinson’s.” [57, p. 44].43 No original: “[W]hat we learn when we learn a mathematical vocabulary is not a fixed set of first-order

axioms, but rather a fixed set of first-order axioms and axiom schemata. First-order Peano Arithmetic, as usually

presented, consists of the Induction Axiom Schema, which is the open sentence gotten from the Second-order Induction

Axiom by deleting the initial universal quantifier, together with a short list of rudimentary arithmetical facts. Any

(closed) sentence that can be gotten from the Induction Axiom Schema by substituting an open sentence for the free

second-order variable (which, in this context, is called a schematic letter), avoiding collisions of bound variables, then

prefixing universal first-order quantifiers, is an Induction Axiom.” [57, p. 57].44 No original: “Rationally reconstructed, what we are taught when we learn the language of arithmetic is the

Peano axioms, so understood that we can substitute into the Induction Axiom Schema any open sentence we like.

We can substitute any open sentence of English. Moreover, if we extend present-day English by adjoining additional

vocabulary, we expect to be able to substitute in any open sentence of the extended language [...] Our understanding

of the language of arithmetic is such that we anticipate that the Induction Axiom Schema, like the laws of logic, will

persist through all such changes. There is no single set of first-order axioms that fully expresses what we learn about

the meaning of arithmetical notation when we learn the Induction Axiom Schema, since we are always capable of

generating new Induction Axioms by expanding the language.” [57, p. 58].45 Uma justificativa de McGee para isso é: “A adoption of a rule permitting us to assert a sentence ϕ only commits

us to the ontological commitments of ϕ, whatever they are. So adoption of a rule permitting the assertion of

Induction Axioms only commits us to the ontological commitments of Induction Axioms, and Induction Axioms

are only committed to numbers.” [57, p. 60].46 No original: “As developmental psychology, the story we are about to tell has little plausibility, since, as a matter

of fact, being trained to assert and assent to complex mathematical sentences plays little if any role in children’s

acquisition of mathematical vocabulary. [...] We describe a process by which mathematical vocabulary is acquired

by a realist’s idealization of a language learner, one who carries out the same sorts of mental activities we carry out

but performs them tirelessly and flawlessly. For the account to succeed in solving our philosophical problem, it is

not required that the process we describe resemble the process by which real-life children learn the vocabulary; it

is only required that the process not require mental abilities that are different in kind from those observed in actual

classrooms.” [57, p. 41-2].47 Estas afirmações são referendadas por duas passagens: (i) “The problem we wish to address is a philosophical

problem, not a pedagogical one. We want to see how it is possible for beings with cognitive capacities like our

own to acquire the mathematical concepts realism would require. We need to solve this problem if we are to

acquit mathematical realism of the charge of trafficking in the occult, but solving the philosophical problem won’t

necessarily bring us closer to solving the pedagogical problem of how fleshand-blood children learn mathematical

words” [57, p. 41] e “In part, the differences between the story we are telling here and actual psychological history are

the usual differences you would expect to find with rational reconstructions. We treat as uniform, direct,explicit,and

flawless processes that are, in real life, haphazard, circuitous, and prone to fatigue and error. Also, like most

rationally reconstructed agents, ours prefers formalized languages to ordinary English. But the differences go

deeper than this.” [57, p. 42].48 Um modelo não pretendido da teoria de conjuntos é, por exemplo, qualquer modelo enumerável da teoria.

Quanto à posição de Gaifman acerca de Skolem, no original: “Skolem thus drew different lessons from the existence

of unintended models in the case of set theory and in the case of arithmetic. In the first case, the existence of countable

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(hence, “non-standard”) models helps him to maintain his doubts about absolutely uncountable sets. In the second,

non-standard models show an essential shortcoming of a formalized approach: the failure to fully determine the

intended model. The reason for the difference is obvious: In as much as the intended model is problematic, the

existence of non-standard models support one’s doubts.” [31, p. 3].49 No original: “Which, if any, of some given models, is the standard one?” [31, p. 15].50 A citação completa, no original: “[The stantard model] is the smallest model, included as an initial segment

in any other model. If a given model is non-standard, then this will be revealed by a proper initial segment that is

closed under the successor function. Formally, the characterization is expressed by the inductive scheme:

(I) P(0) ∧ ∀x(N(x)→

(P(x)→ P(x + 1)

))→ ∀x

(N(x)→ P(x)

)where ‘N(x)’ stands for ‘x is a natural number’, and where ‘P(·)’ stands for any predicate. Any wff of the language

we are using can be substituted for P(·) The concept of the sequence of natural numbers is, however, not language

dependent. The absoluteness of the concept can be secured, if we help ourselves to the full (standard) power set of

some given infinite set; for then we can treat ‘P’ as a variable ranging over that power set. [...] The inductive scheme

should be therefore interpreted as an open ended meta-commitment:

(II) Any non-vague predicate, in whatever language, can be substituted for ‘P(·)′ in (I).” [31, p. 15-16].

51 No original: “As Vann McGee expresses it, if God himself creates a new predicate, then this predicate can be

substituted for ‘P’.” [31, p. 15].52 No original: “The intended interpretation is thus given by the class of all ‘truly’ well-ordered sets.” [31, p. 16].53 Nesta passagem Gaifman fixa a interpretação pretendida da noção de boa ordenação: “ Let ORD be the ordered

class of all ordinals. Since every well-ordered set is isomorphic to a unique initial segment of ORD, this well-ordered

class gives us, essentially, the standard interpretation of the well-ordering concept.” [31, p.16].54 No original: “The argument rests solely on the plausibility of a transfinite construction, running through all

ordinals, where each stage is non-problematic. Yet the suggestion is appealing and it is reinforced by the observation

that there are no known independence results for L, of the kind that have proliferated in set theory in the last forty

years. L seems in this respect more like the natural numbers.” [31, p. 17].55 O ponto, parece-me, é que a classe L tem lastro diferente daquele dado ao modelo padrão da aritmética

e a hierarquia cumulativa de conjuntos, que são interpretações, respectivamente, do discurso padrão acerca da

aritmética e da teoria de conjuntos de Cantor. Isto porque L foi introduzido com vistas à investigações acerca do

sistema formal ZF, não investigações acerca do modelo pretendido da teoria de conjuntos.56 No original: “Mathematics is the free exploration of structural possibilities, pursued by (more or less) rigorous

deductive means.” [37, p. 6].57 No original: “What matters is structural relations among the items of an arbitrary progression, not the individual

identity of those items. As one commonly says: ‘Any omega-sequence will do’.” [37, p. 11].58 A coordenação dos pressupostos subjacentes à interpretação abarca dois argumentos, um externo ao estru-

turalismo modal e outro, mais complexo, interno ao estruturalismo. A adequação da proposta para a prática é

estabelecida pela descrição da forma como demonstrações aritméticas são recuperadas dentro do estruturalismo

modal.59 Uma razão para a adoção desse sistema é pretensa neutralidade com relação a real existência dessas estruturas,

o que contorna questionamentos relativos tanto a referência aos objetos que são tais estruturas e quanto à semântica

de mundos possíveis. O dual de � é � e, como usual, �ϕ ≡ ¬�¬ϕ. O sistema modal S5 possui regra de necessitação

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e é axiomatizado pelos esquemas (T) ϕ→ ϕ, (K) �(ϕ→ ψ

)→

(�ϕ→ �ψ

)e (5) �ϕ→ � � ϕ.

60 Segundo Hellman, se s é o símbolo usado na formalização da sucessão em T2, então a interpretação usual de

s são funções distintas em mundos possíveis diferentes, o que implica em uma semântica de mundos possíveis

conjuntista para o operador � e acarreta uma forma de realismo.61 No original: “But there is much more to mathematical practice than the mere utterance of sentences. There is

the deductive practice of theorem proving.” [37, p. 10].62 Se a lógica adotada não suporta a fórmula de Barcan, então a inferência de ∃X �

(X é uma ω-sequência

)a partir

de �∃X(X é uma ω-sequência

)é bloqueada.

63 O comentário de Clark, feito no review do livro [37] de Hellman é “[quanto à proposta de Hellman] Certainly

there are questions to be asked, particularly regarding the notion of possibility involved and to exactly what extent,

if any, this is superior for arithmetic or analysis to other versions of structuralism like those of Resnik or Shapiro”.64 Reafirmamos a postura, indicada na introdução, de não discutir questões acerca da natureza da verdade no

contexto aritmético. O que discutimos é o problema de predicar a verdade de sentenças, isto é, aribuir valores de

verdade lógicos - verdadeiro ou falso - para as sentenças aritméticas.65 Vale a pena reafirmar o que foi escrito na Introdução desta Tese, que a concepção desta estratégia de predicação

da verdade deve ser creditada a Rodrigo Freire. O que é exposto nesta seção pode ser visto, em boa medida, como a

compreensão desta estratégia, pelo autor da Tese e para o caso específico da aritmética, a partir de conversas pessoais

com Freire e reflexões próprias. A linha de apresentação da estratégia é inspirada naquela desenvolvida por Freire

em um minicurso ministrado no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), em

julho de 2015.66 O realismo, também denominado na literatura em filosofia da matemática por platonismo, não é uma posição

filosófica única; pelo contrário, admite uma série de nuances e divisões internas, mas tais refinamentos não tem

impacto direto nas presentes discussões.67 Esta descoberta da verdade das proposições aritméticas encontra-se em franca oposição com o pressuposto que

adotamos, a saber, que a verdade das proposições aritméticas é instituída pela prática matemática. Quando se faz

analogia com o universo físico, a descoberta das proposições verdadeiras pelos matemáticos mantém analogias com

a descoberta das proposições verdadeiras acerca do universo sensível pelos físicos embora, claro, os métodos de

investigação sejam bastante distintos.68 Essa afirmação é endossada pela seguinte passagem: “Benacerraf’s formulation of the challenge relied on a

causal theory of knowledge which almost no one believes anymore; but I think that he was on to a much deeper

difficulty for platonism.” [24, p. 25].69 De um modo um pouco mais apurado: o que Field pretende é colocar em dificuldades o realismo de objetos e,

para isso, desafia as habilidades de um realista em explicar a confiabilidade de suas crenças matemáticas. Segundo

Field, “The way to understand Benacerraf’s challenge, I think, is not as a challenge to our ability to justify our

mathematical beliefs, but as a challenge to our ability to explain the reliability of these beliefs.” [24, p. 26].

A conclusão central a que Field chega pode ser apresentada a partir do esquema (R):

(R) Se os matemáticos aceitam ϕ, então ϕ é verdadeira.

Segundo Field, realistas aceitam que o esquema (R) vale para quase todas as ocorrências em que ϕ é substituída

por uma sentença matemática. Além do esquema (R), realistas também se comprometem com a possibilidade de

explicar, ao menos em princípio, a correlação entre as sentenças matemáticas aceitas pelos matemáticos e as sentenças

matemáticas verdadeiras [isto é, explicar o esquema (R)]. Essas considerações tornam o realismo de objetos uma

doutrina inviável, pois não há uma tal explicação.

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70 Na abertura de seu capítulo sobre formalismo no The Oxford Handbook of Philosophy of Mathematics and Logic,

Detlefsen afirma que “Viewed properly, formalism is not a single viewpoint concerning the nature of mathematics.

Rather, it is a family of related viewpoints sharing a common framework - a framework that has five key elements.”

[52, p. 237]. Embora hajam diversas nuances e especificidades nas diversas vertentes formalistas, estas podem ser

classificadas em três grupos principais, o formalismo de termos, o formalismo de jogos e o dedutivismo. Esta classificação

é desenvolvida por Shapiro em [68, p. 141-64]. As propostas de Heine e Goodstein, ambas descritas na sequência do

texto, são classificadas, respectivamente, como formalismo de termos e formalismo de jogos O dedutivismo possui

alguns elementos das divisões anteriores, mas destaca-se por corresponder a uma forma bastante moderada de

formalismo de jogos e por contemplar a versão menos madura das posições de Hilbert acerca dos fundamentos da

matemática, principalmente aquelas presentes nos Grundlagen der Geometrie e em algumas das discussões de Hilbert

com Frege.71 Detlefsen, ao citar Heine, destaca: “[W]hat I call numbers are certain tangible signs so that the existence of these

numbers does not, therefore, stand in question. The main emphasis is to be put on the calculating operations, and the

number-signs must be selected in such a way or furnished with such an apparatus as provides a clue to the definiton

of the operations.” [52, p. 300]. Esta concepção de número marca um claro antagonismo com a abstração proclamada

no realismo. As posições de Heine são identificadas, no sentido da nota acima, com o formalismo de jogos.72 Versões brandas do formalismo de jogos admitem que a linguagem possa ter sentido, embora isto seja comple-

tamente irrelevante. Tudo o que importa são os numerais e as regras do jogo-aritmética. A possibilidade de não

interpretação da linguagem é um dos elementos centrais do formalismo.73 No original: “And the king of chess itself? The king of chess is simply one of the parts which the pieces play in

a game of chess. [...] for an understanding of the meaning of numbers we must look to the ’game’ which numbers

play, that is to arithmetic. The numbers one, two, and so on, are characters in the game of arithmetic, the pieces

which play these characters are the numerals and what makes a sign the numeral of a particular number is the part

which it plays, or as we may say in the form of words more suitable to the context, what constitute a sign the sign

of a particular number are the transformation rules of the sign.” [33, p. 5].74 O problema metafísico da existência de números é resolvido pela negação de sua importância e relevância;

não há números e, mesmo que existam, não são relevantes à aritmética. A segunda parte dessa resposta carece de

plausibilidade, pois negar a relevância dos números para a aritmética contradiz a história, a prática e a aplicabilidade

desta disciplina. A questão epistemológica também possui uma resposta imediata: conhecer aritmética é conhecer

as regras do jogo-aritmética. Há, ainda, a imediata dificuldade de explicar a aplicabilidade dos jogos simbólicos-

formais tanto externa quanto internamente ao jogo simbólico-formal. Externamente, persiste a difícil questão da

aplicabilidade da aritmética às ciências físicas e o problema de explicar o porquê do jogo-aritmética encontrar

aplicabilidade e o xadrez, não. Internamente, se a matemática é constituída por diversos jogos simbólico-formais,

não há boas explicações para o fato do jogo ‘análise complexa’ ser útil à predição de configurações lícitas (teoremas)

do jogo ‘teoria dos números’.75 Essa leitura acerca do posicionamento filosófico de Hilbert acerca da natureza da matemática é endossada,

por exemplo, pela seguinte afirmação de Jairo Silva: “[Não se deve concluir] que Hilbert de fato acreditasse que

a matemática formal fosse apenas um jogo simbólico. Tudo leva a crer que considerá-la assim tenha sido para ele

apenas uma estratégia com o fim profícuo de demonstrar sua consistência. Dificilmente Hilbert acataria a tese

filosófica de que teorias simbólico-formais são apenas jogos sem sentido.” [15, p. 196].76 A correlação entre axioma e intuição, não admitida nas formas radicais do formalismo, é explícita nos Grundlagen

der Geometrie: “Podemos dividir os axiomas da geometria em cinco grupos; exprimindo, cada um destes grupos,

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por si só, certos factos (sic) fundamentais da nossa intuição que estão naturalmente associados.” [40, p. 1]. O

abandono da intuição é ratificado pela célebre afirmação, atribuída a Hilbert, de que em geometria “deve-se sempre

ser capaz de dizer, em vez de ‘pontos, linhas retas e planos’, ‘mesas, cadeiras e canecas de cerveja’. Segundo Shapiro,

a atribuição desta citação a Hilbert é feita por Blumenthal, em Lebensgeschichte, 1935, páginas 402-403. Entretanto,

Grattan-Guiness afirma, em The Search for Mathematical Roots, página 208, que é bem possível que haja um equívoco

em Blumenthal pois, à epoca que a asserção teria sido proferida (1891), Hilbert não pensaria dessa forma acerca dos

axiomas da geometria.

Essa atitude de Hilbert aponta para dois dos componentes centrais do formalismo, a abstração e a desinter-

pretação da linguagem. Tal leitura é endossada pela afirmação de Shapiro de que “Os Grundlagen der Geometrie

marcaram um fim para um papel essencial da intuição na Geometria” - a guinada em direção a abstração é um dos

componentes do núcleo formalista; de fato, em [52], Detlefsen descreve como o apreço de Peacock pela abstração é

amadurecida por Hilbert. O original da citação atribuida ao Shapiro é: “The Grundlagen der Geometrie marked an

end to an essential role for intuition in Geometry.” [68, p. 151].77 Detlefsen explica do seguinte modo a defesa de Hilbert em favor da concessão de liberdade ao matemático:

“Hilbert’s basic belief in the mathematician’s freedom - ‘the freedom of concept-formation and of the methods of inference

ought not to be limited beyond what is necessary’. Restrictions on concept-formation and inference ‘must be formulated

in such a way that the contradictions are eliminated but everything valuable remains’. Hilbert asserted this laissez-faire

approach to mathematics as a method greatly to be preferred to the more restrictive approaches of the intuitionists.”

[52, p. 290-91](itálicos adicionados por Detlefsen).78 Isso é atestado, explicitamente, por Hilbert: “If the arbitrary given axioms do not contradict each other with all

their consequences then they are true and the things defined by them exist. This is for me the criterion of truth and

existence.” [39, p. 199].79 A defesa da teoria de conjuntos cantoriana e o papel do infinito na solução da crise matemática são explícitos

na famosa passagem presente em Sobre o Infinito: “Existe um caminho satisfatório para evitar os paradoxos [da

teoria de conjuntos] sem trair nossa ciência. As atitudes que nos ajudarão a achar esse caminho e a direção a tomar

são as seguintes: (1) Definições frutíferas e métodos dedutivos que tiverem uma esperança de salvamento serão

cuidadosamente investigados, nutridos e fortalecidos. Ninguém nos expulsará do paraíso que Cantor criou para

nós. (2) É necessário estabelecer para todas as deduções matemáticas o mesmo grau de certeza das deduções da

teoria elementar dos números, onde ninguém duvida e onde contradições e paradoxos só ocorrem devido a nosso

descuido. O completamento desta tarefa só será possível quando tivermos elucidado completamente a natureza do

infinito. [11, p. 83].80 Essa citação pode ser vista em [11, p. 84] e diz respeito a uma descrição de Hilbert da matemática real. Em

[41, p. 263-65], Hilbert explica novamente a diferença entre os dois setores da matemática. Detlefsen sintetiza a

diferença entre matemática real e ideal reside do seguinte modo: “[Hilbert] saw this distinction [real/ideal] as being

at least partially a distinction between those parts of mathematics that purport to express an independently given

reality, and those parts of mathematics that are ‘creations’ whose purpose is to preserve mathematical reasoning in

a simple and efficient form.” [52, p. 291].81 Essas passagens podem ser vistas, em inglês, em [39, p. 192]. Curiosamente, estas duas expressões estão

ausentes na tradução [11].82 Em [74], Giorgio Venturi faz uma análise da mudança de perspectiva de Hilbert quanto ao papel da intuição e

dos axiomas nos fundamentos da matemática. Ele destaca que há uma mudança importante no papel do axiomas

quando comparamos os estudos iniciais de Hilbert em geometria com a fase mais madura, quando desenvolve o

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programa de fundamentação da matemática que, posteriormente, é identificado por seu nome.83Esta parte da matemática pode ser identificada com uma versão de formalismo enquanto jogos-simbólicos.84 Em [72] é realizada a defesa, por Willian Tait, de que a aritmética primitiva recursiva é o ambiente legítimo de

codificação do método finitário e refratária às restrições e ataques de Brower e Weyl.85 A definição do predicado “dem(x, y)” pode ser vista, por exemplo, em Adamowicz & Zbierski, [1, Cap. 20].86 Uma tentativa de predicar a verdade de “∃p(dem(p, ϕ))” é pela reaplicação das considerações que tecemos, ou

seja, pela demonstrabilidade desta expressão no sistema formal, o que resultaria em

ϕ é verdadeira ⇐⇒ ∃p(dem(p, ϕ)) ⇐⇒ ∃p′(dem(p′,∃p(dem(p, ϕ)))) ⇐⇒ · · ·

Isso não resolve o problema, pois a expressão ∃p′(dem(p′,∃p(dem(p, ϕ)))) é uma sentença aritmética e carece, ela

própria, de um critério de correção para ser avaliada. Insistir na estratégia de reduzir verdade à demonstrabilidade

em um sistema formal conduz a um regresso infinito, o que certamente não é uma solução aceitável.87 No contexto formalista a transcendência pode parecer estranha pois, se a matemática for vista como uma

atividade humana, pensada e criada pelo homem, não parece natural que existam proposições matemáticas cujos

valor de verdade sejam essencialmente inacessíveis. Mais do que isso, se o conteúdo proposicional aritmético é

estipulado pelos axiomas, não é razoável que a verdade aritmética extrapole a estipulação. Uma resposta imediata

a isto, a saber, a afirmação que alguns enunciados aritméticos, tais como ∃p(dem(p, ϕ)

), não são nem verdadeiro

nem falsos não parece razoável. Isto porque uma tal afirmação é equivalente a afirmar que existe uma Máquina de

Turing que não para e não não para.88 No original: “An arithmetical proposition A, for example, is about a certain structure, the system of natural

numbers. It refers to numbers and relations among them. If it is true, it is so in virtue of a certain fact about this

structure. And this fact may obtain even if we do not or (e.g., because of its relative complexity) cannot know that it

does. [...] On the other hand, we learn mathematics by learning how to do things - for example, to count, compute,

solve equations, and more generally, to prove. Moreover, we learn that the ultimate warrant for a mathematical

proposition is a proof of it. In other words, we are justified in asserting A - and therefore, in any ordinary sense, the

truth of A - precisely when we have a proof of it. Thus, we seem to have two criteria for the truth of A: it is true if

(indeed, if and only if) it holds in the system of numbers, and it is true if we can prove it. But what has what we

have learned or agreed to count as a proof got to do with what obtains in the system of numbers? I shall call this

the Truth/Proof problem.” [71, p. 61].89 Estas afirmações podem ser vistas em [71, p. 74-75]. Que a solução aponta na direção correta: “Namely, I

think that the intuitionist’s view that a mathematical proposition A may be regarded as a type of object and that

proving A amounts to constructing such an object is right to say that we may regard A as a type of object does

not mean that we normally regard theorem proving as a matter of constructing objects. [...] The point is rather

that, independently of what we would say we are doing when we are theorem proving, what we are actually doing

may be faithfully understood as constructing an object. The basic mathematical principles of proof that we use, for

example, the laws of logic, mathematical induction, etc., are naturally understood as principles of construction.”

Que está errada: “However, the intuitionists also hold that the objects that a proposition A stands for, the object of

type A, are its proofs; and that, I think, is wrong.” O que Tait defende: “A proof of A is a presentation or construction

of such an object: A is true when there is an object of type A and we prove A by constructing such an object.” Que

demonstração é o único critério para a verdade: “Why is proof the ultimate warrant for truth? The answer is, of

course, that the only way to show that there is an object of type A is to present one. (To prove that there is an object

of type A will mean nothing more than to prove A, and that means to exhibit an object of type A.)”

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90 Se escolhêssemos como padrão de correção algo como a comunidade dos matemáticos, eliminaríamos comple-

tamente a transcendência pois, se o valor de verdade de proposições matemáticas é estipulada por uma comunidade,

a verdade matemática não pode escapar àquilo que é estipulado. Mas essa solução é inadequada, pois a transcen-

dência da verdade é inerente a aritmética, e uma evidência disto é o teorema de Gödel da incompletude.91 Esse problema também foi destacado por McGee, no trabalho discutido na seção anterior. McGee afirmou que

nossas ‘práticas e pensamentos’ são incapazes de fixar o referente; Putnam afirma que, uma vez que linguagens de

primeira ordem não fixam o referente, o teorema de Löwenheim-Skolem pode ser empregado para mostrar que a

totalidade do emprego de uma linguagem também não o fixará.92 Essa colocação é parafraseada da passagem: “[F]irst, we gave an account of understanding the language in

terms of programs and procedures for using the language (what else?); then, secondly, we asked what the possible

“models” for the language were, thinking of the models as existing “out there” independent of any description. At

this point, something really weird had already happened, had we stopped to notice. On any view, the understanding

of the language must determine the reference given the context of use. If the use, even in a fixed context, does not

determine reference, then use is not understanding. The language, on the perspective we talked ourselves into, has

a full program of use; but it still lacks an interpretation.” [62, p. 443].93 No original: “[M]odels as existing out there independent of any description.” [62, p. 443].

Notas do Capítulo 21 Em inglês, emprega-se o termo import para compor existential import e optamos utilizar, em português, o

substantivo importe e o termo importe existencial. Um dos significados de importe fornecido pelo Novo Dicionário

Aurélio, [17], é “aquilo em quanto importa alguma coisa; valor”. Desse modo, quando utilizarmos a expressão

importe existencial de uma sentença, estaremos nos referindo ao valor existencial da sentença. Embora inicialmente as

expressões requerimento existencial e demanda existencial possam ser vistas como sinônimas de importe existencial, as

definições apresentadas na sequência fornecerão um sentido preciso a estas últimas, enquanto ao termo ‘importe

existencial’ não seja atribuído uma definição precisa.2 No original: “Let us say that a given universalized conditional has existential import if it implies the corres-

ponding existentialized conjunction. It may seem awkward at first but we will also say that a given existentialized

conjunction has existential import if it is implied by the corresponding universalized conditional.” [12, p. 44].3No original: “Our question was: what objects does a theory require? Our answer is: those objects that have to

be values of variables for the theory to be true.” [63, p. 96].4 No original: “So there is more to be said of a theory, ontologically, than just saying what objects, if any, the

theory requires; we can also ask what various universes would be severally sufficient. The specific objects required,

if any, are the objects common to all those universes.” [63].5No original: “The aim of this paper is to classify the valid sentences of set theory in terms of existence and

related notion.” [27, p. 525].6 Para entender o porquê da inadequação da classificação do axioma da escolha, recomendamos [27, Seção 1].7 Esta classificação em seis graus de requerimento existencial é ligeiramente diferente da presente em [27].

Originalmente, requerimento existencial de uma L(ZF)-sentença é estratificado em sete graus. Além dos seis graus

apresentados acima, há o grau 4ω de requerimento existencial. Em [28] mostra-se como eliminar o nível 4ω.8 No original: “The principles of set theory constitute the basis for the contemporary notion of mathematical

existence. If the analysis presented here is indeed on the right track, and the usual view on these principles is

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not entirely correct, then it would constitute a contribution to the understanding of the notion of mathematical

existence.” [27, p. 545].9 Uma interpretação I de uma teoria T em T′ é definida em três estágios:

i) Uma interpretação I da linguagem L em L′ é um par 〈φ,U〉 em que:

• U é um símbolo de predicado unário em L′, o universo da interpretação;

• φ é uma função que associa a cada símbolo de predicado n-ário P em L um símbolo de predicado de

mesma aridade φ(P) em L′ e para cada símbolo de função n-ária f em L um símbolo de função de

mesma aridade φ( f ) em L′. Denotaremos φ(P) e φ( f ), respectivamente, por PI e f I.

ii) Uma interpretação de L na teoria T′ é uma interpretação de L em L(T′) tal que:

• U é não vazio, isto é, T′ ` ∃xUx;

• Se f é símbolo de função n-ário em L, então T ` Ux1 → · · · → Uxn → U f Ix1, ..., xn.

iii) Uma interpretação da teoria T na teoria T′ é uma interpretação de L(T) em T′ tal que para todo axioma não

lógicoϕde T, temos que T′ ` ϕI. A fórmulaϕI é obtida do seguinte modo: a cada L-fórmulaϕ associamos uma

L′-fórmula ϕI, obtida através da substituição de cada ocorrência de um L-símbolo s por φ(s) e a substituição

de cada parte ∃xψ de ϕ por ∃x(Ux ∧ ψ

); por fim, se x1, ..., xn são as variáveis livres de ϕI, definimos ϕI por

Ux1 → · · · → Uxn → ϕI.

O teorema da interpretação é demonstrado por indução e estabelece em qual sentido as interpretações preservam

teoremas: Sejam I = 〈φ,U〉 uma interpretação de T em T′ e ϕ uma L(T)-fórmula. Se T ` ϕ, então T′ ` ϕI.10 Sejam T1 e T2 duas teorias e sejam A uma interpretação de T1 em T2 e B uma interpretação de T2 em T1. A

composição das interpretações A e B é isomorfa a identidade em A quando, para toda T1-sentença ϕ, é o caso que

T1 ` (ϕB)A ↔ ϕ. Naturalmente, A composição das interpretações B e A é isomorfa a identidade em B quando, para

toda T2-sentença ϕ, é o caso que T2 ` (ϕA)B ↔ ϕ. Uma condição suficiente para que a composição deA com B seja

isomorfa à identidade emA é que, para toda T1-fórmula atômica ψ cujas variáveis livres são x1, ..., xn, é o caso que

T1 ` ∀x1...∀xn

((ϕB)A ↔ ϕ

).

11 Uma vez que as análises existenciais para sistemas formais aritméticos desenvolvidas neste trabalho conside-

ram pares específicos de interpretações A e B, a avaliação existencial deve ser entendida como relativa ao par de

interpretações especificado e, a rigor, deveríamos falar em desenvolver a análise do importe existencial da sentença

aritmética ϕ através da sentença conjuntista ϕ(A,B). Entretanto, para não carregar a notação, deixaremos a interpre-

tação B implícita e iremos nos referir à sentença ϕA quando desenvolvermos a avaliação existencial da sentença

aritmética ϕ. É importante ressaltar que não está eliminada a possibilidade de que o sistema formal da aritmética

T seja bi-interpretado com duas teorias de conjuntos distintas, T1 e T2, em que (i) A é uma interpretação de T em

T1, (ii) B é uma interpretação de T1 em T, (iii)A? é uma interpretação de T em T2, (iv) B? é uma interpretação de T2

em T, (v) a composição de A com B é isomorfa à identidade em A, (vi) a composição de A? com B? é isomorfa a

identidade emA?, (vii) a composição de B comA é isomorfa à identidade em B, e (viii) a composição de B? com

A? é isomorfa a identidade emB? mas que, no entanto, quando uma T-sentença ϕ é avaliada existencialmente com

relação a T1 e T2, apresenta importes existenciais distintos. A existência de bi-interpretações entre sistemas formais

aritméticos e teorias de conjuntos que não sejam variações triviais das que serão apresentadas nas duas próximas

seções é uma questão para a qual ainda não temos resposta.12 Uma ∈-interpretação de L(ZFC) em ZFC é uma interpretação I de L(ZFC) em ZFC tal que ∈I é ∈ e =I é =.

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13Duas teorias T1 e T2 são mutuamente interpretáveis quando existe uma interpretação I de T1 de em T2 e existe

uma interpretação J de T2 em T1. Estas teorias são bi-interpretáveis se a composição das interpretações é isomorfa à

identidade.14 O fechamento universal de fórmulas da forma x1 = x2 → · · · → xn = yn → f x1...xn = f y1...yn ou da forma

x1 = x2 → · · · → xm = ym → Px1...xm → Py1...ym, em que f e P são, respectivamente, símbolos de função n-ária e de

relação m-ária, é um axioma de igualdade. Um axioma de identidade é qualquer sentença da forma ∀x x = x.15A quantificação sobre conjuntos de naturais permite que os números reais sejam formalizados. Com isso, a

aritmética de segunda ordem é suficientemente expressiva para predicar sobre números reais e conjuntos de números

reais. Esta é uma das razões pelas quais a aritmética de segunda ordem é, comumente, denominada Análise.16 A estratégia consiste em codificar a estrutura dos hereditariamente contáveis como estrutura de árvore. Um nó

da árvore, um número codifica um conjunto e seus membros hereditários. Desse modo, cada nó é uma sequência

de números. E cada ramo uma sequência de sequências de números.17Este objetivo é explicitamente enunciado no projeto de doutoramento, submetido e aprovado pela agência de

fomento que deu suporte ao desenvolvimento desta Tese.18No original: “Which set existence axioms are needed to prove the theorems of ordinary, non-set-theoretic

mathematics?” [70, p. 2].19 No original: “[T]hat the set existence axioms which are needed for set-theoretic mathematics are likely to be

much stronger than those which are needed for ordinary mathematics.” [70, p. 2].20São, de fato, subsistemas de Z2 em que os axiomas esquemas da indução ou da separação são enfraquecidos.21No original: “Folklore Result First-order theories Peano arithmetic and ZF set theory with the axiom of infinity

negated are equivalent, in the sense that each is interpretable in the other and the interpretations are inverse to each

other.” [43, p. 497].22 No original: “[T]he recent discussion about Woodin’s reference to the well-known fact that the standard model

for second order number theory is “essentially the same” as the model (M,epsilon), where M is the set of hereditarily

countable sets. As suggested out by Bill Tait, the above two structures are intimately related at the interpretability

level, i.e., they are *bi-interpretable* . Note that this is stronger than saying that they are mutually interpretable”.23Esta é, acreditamos, uma resposta não trivial para a Questão 1?.

Notas das Considerações Finais1 Segundo Heijenoort: “In the present work [Arithmetices Principia, Nova Methodo Exposita], after having introdu-

ced logical notions and formulas, Peano undertakes to rewrite arithmetic in symbolic notation.” [36, p. 83].2 A explicação oferecida por Peano às noções primitivas é a seguinte: “The sign N means number (positive integer).

The sign 1 means unity. The sign a + 1 means the successor of a, or a plus 1. The sign = means is equal to. We consider

this sign as new, although it has the form of a sign of logic.” [36, p. 94].3 Segundo Kleene, “These five propositions [os axiomas] where taken by Peano as axioms characterizing the

natural numbers sequence.” [46, p. 20].4 No original: “We rely in the dots ”· · · ” to suggest the continuation of the sequence beyond the several members

show.” [46, p. 19].5 No original: “We cannot expected that the cognizance of the natural number sequence can be reduced to that

of anything essentially more primitive than itself. But by elaborating upon what our conception of it comprises, we

may succeed in make clear the basis of our reasoning with the natural numbers.” [46, p. 19].

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6No original: “We begin by describing the natural numbers as the objects which can be generated by starting

with an initial object 0 (zero) and successively passing from an object n already generated to another object n + 1 or

n′ (the successor of n). Here we conceive of it as possible, no matter how far we have already gone to reach n, to go

one step further to reach n′. The use of the accent notation “n′” instead of the more familiar “n + 1” emphasizes

that ′ is a primitive unary operation or function used in generating the natural numbers, while + can be defined at

a latter stage as a binary operation or function of two natural numbers.” [46, p. 19] (itálicos do original).

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Índice Remissivo

Lω1ω, 29Lω1ω1 , 123∈-interpretação, 77∈-interpretação aritmética, 77L2, 29Lωω, 29

Asserção condicional, 74, 92Asserção construtiva, 74Asserção incondicional, 74, 92Asserção não construtiva, 74Asserção não produtiva, 74, 91Asserção produtiva, 74, 91Asserção produtiva de grau d, 92Axioma de unicidade funcional, 80Axioma existencial funcional, 80Axioma relacional, 80Axiomas de fechamento funcional, 80

Bivalência, 13

Componente categórico da tradução, 51Componente hipotético da tradução, 51Concatenação, 31Condição de verdade, 119Critério de correção, 55

Dedutivismo, 127

Estrutura correta, 31Estruturalismo modal, 51

Fórmula de Barcan, 53Fixação do modelo pretendido, 31Fixar uma estrutura, 31Formalismo, 57Formalismo de jogos, 127Formalismo de termos, 127Formalização, 29Formalização plena, 32

Grau de requerimento existencial, 86, 87, 99

Interpretação de Ackermann, 84Interpretação entre teorias, 131Interpretações equivalentes, 87

Interpretações isomorfas, 131

Lógica, 29Lógica abstrata, 29

Matemática ideal, 60Matemática real, 60Modelo padrão, 13Modelo pretendido, 13

Normas morais, 23Normas técnicas, 23Numerais, 31

Platonismo, 126Portador de verdade, 119Prática matemática em Ferreirós, 22Prática matemática em Kitcher, 21Predicar a verdade, 54, 126Prescrições, 23Pressuposto do primeiro capítulo, 20Pressuposto do segundo capítulo, 70Princípios diretivos, 23Princípios diretivos PD1 − PD4, 26Princípios diretivos da aritmética, 26Problema da verdade/demontração, 63

Realismo, 55Realismo de princípios, 66Regras, 23Regras constitutivas, 24Regras regulativas, 24

Sistema axiomático, 13Sistema formal, 13Sistema formal algébrico, 118Sistema formal clássico, 118Sistema formal concreto, 118Sistema formal interpretado, 13Sistema formal moderno, 118Sistema formal não interpretado, 13Sistema semântico, 29

Teorema da interpretação, 76Teorema de Dedekind, 36Teorias mutuamente interpretáveis, 83

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