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DIREITO COLETIVO DO TRABALHO
– Stefano Zanoni; contribuição de Pedro Javaroni
Professor Otávio Pinto e Silva; bibliografia: Compêndio de direito sindical –
Amauri Mascaro Nascimento; Curso de direito sindical – José Carlos da Silva Arouca;
I. INTRODUÇÃO
O direito coletivo do trabalho desempenha um importante papel no que tange
às garantias que o direito do trabalho como um todo confere ao trabalhador. Como já
vimos, não é apenas a lei a fonte de normas trabalhistas, de modo que a negociação
entre os particulares e a negociação entre os sindicatos e os empregadores também
influenciam a relação individual de trabalho. Portanto, o estudo do direito coletivo do
trabalho em concomitância com o direito individual do trabalho se justifica na medida
em que um influencia o outro.
O que seria o direito coletivo do trabalho? E por que tem esse nome? Essa
discussão sempre se deu na doutrina por conta do entendimento de que falar em
“direito sindical” seria um pouco reducionista para se estudar essa parte do direito do
trabalho, visto que falar em “direito sindical” daria a entender que se está a falar apenas
da organização sindical e se estudando apenas os sindicatos; quando, na verdade, essa
parte do direito do trabalho é um pouco mais ampla.
Além dos sindicatos, que é o cerne fundamental do estudo, ou seja, como os
empregados e trabalhadores podem se organizar em entidades representativas de seus
interesses comuns, temos, nesse segmento, o estudo dos conflitos coletivos de trabalho
(conflito entre os trabalhadores e os empregadores [capital vs. labor]) e os mecanismos
de resolução desses conflitos, como a negociação, na qual empregadores e empregados
conversam entre si para que se criem novas condições de trabalho (pode ser através de
sindicatos), processo, dissídio coletivo, arbitragem, conciliação, mediação, etc. Portanto,
criam-se normas trabalhistas a partir da autonomia das partes particulares; note-se a
ideia de que não é apenas o Estado a entidade apta a ter a prerrogativa de regular as
relações de trabalho.
O direito do trabalho parte do pressuposto de que a partir desses conflitos, vão
se criar normas que estipulem novas condições de trabalho, sendo, portanto, a
normatividade intrínseca ao conflito coletivo de trabalho, onde os interesses dos
trabalhadores entram em choque com os interesses do tomadores de seus serviços
devido à insatisfações com as condições trabalhistas (ex.: greve).
Portanto, já é de se notar que esse segmento do direito do trabalho vai além dos
sindicatos, se expandindo para a ação sindical e os mecanismos de solução dos conflitos
coletivos.
Quando uma negociação coletiva resulta num consenso entre trabalhadores e
empresas/empresários, teremos normas coletivas de trabalho que são formalizadas por
meio de um contrato, que tem eficácia erga omnes, quer dizer, que vale para todos os
membros da categoria, independentemente do trabalhador ser sócio do sindicato ou
não, que é uma opção do trabalhador. Quando a empresa celebra com o sindicato um
acordo coletivo do trabalho, todos os trabalhadores que prestam serviços naquela
empresa serão beneficiados pelas condições impostas pela norma celebrada. Se trata-
se de uma convenção coletiva de trabalho, todos os trabalhadores da categoria serão
beneficiados pelas condições estipuladas nesse contrato. Lembrar que o acordo coletivo
de trabalho difere da convenção coletiva de trabalho na medida de sua abrangência: o
primeiro se estipula entre os trabalhadores específicos de uma empresa e esta mesma;
o segundo se estipula entre todos os trabalhadores de uma categoria e todos os
empregadores destes.
O direito coletivo do trabalho, também, estuda as formas de representação dos
trabalhadores que não são necessariamente sindicais. É possível encontrar, no mundo
do trabalho, formas de organização dos trabalhadores no local de trabalho que não
tenham necessariamente uma relação com o sindicato (tanto formas previstas em lei
como não). O sindicato até pode colaborar com a constituição da comissão de
representação dos trabalhadores (como o CIPA, previsto em lei). Existem também
formas de organização de trabalhadores que nem estão previstos na lei, como uma
comissão de fábrica, que é um grupo de representação de trabalhadores que foi eleito
por eles mesmos que tem o objetivo de negociar diretamente com a empresa a respeito
de questões do cotidiano trabalhista, como sugestões, reivindicações, etc.
Logo, chamar esse segmento do direito do trabalho como “direito sindical”
parece inadequado por não dar a amplitude correta da dimensão dos assuntos de que
ele trata. Por isso fala-se em direito coletivo, e não sindical, do trabalho, embora na
doutrina muito se fale, ainda, em direito sindical. Entretanto, mesmo a expressão
“direito coletivo” recebe críticas, pois se diz que a expressão “direito coletivo” poderia
dar uma impressão equivocada do fenômeno estudado, parecendo uma mera
contraposição do direito individual. Não existe esse tipo de oposição entre um e outro;
pelo contrário, o direito coletivo, no que tange à construção de normas entre
empregados e empregadores, influencia no direito individual do trabalho, porque os
direitos advindos das negociações coletivas se aplicam aos contratos individuais do
trabalho. Não haveria uma oposição, e sim uma complementação, de modo que o
coletivo complementa a proteção individual conferida ao trabalhador.
II. FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COLETIVO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
É evidente que o Brasil sofreu uma influência de outros ordenamentos jurídicos,
principalmente no que tange ao direito do trabalho. A organização sindical vem do
ordenamento estrangeiro a partir da própria Revolução Industrial, que é o fato histórico
que vai gerar as condições para a criação de entidades que visassem a defesa dos
interesses dos grupos dos trabalhadores, porque antes da transformação do mundo do
trabalho – decorrente da Revolução Industrial – não havia ainda organizações sindicais.
As corporações de ofício, por exemplo, na Idade Média, não eram organizações
sindicais, mas sim entidades que representavam a união de trabalhadores e
empresários, o que é bem diferente do modelo atual de sindicatos, onde há uma
separação entre o coletivo de trabalhadores e o coletivo de empregadores em
organizações distintas. O mestre era como, mutatis mutandi, o empregador de hoje em
dia, o aprendiz era um parente distante do estagiário, e o companheiro era como se
fosse o empregado de hoje em dia. Havia regulamentação do trabalho e da forma de
relacionamento dentre esses profissionais. A estrutura desse instituto muito se
assemelha aos conselhos de regulamentação profissional (OAB, CREA, CRM, etc.), mais
do que aos sindicatos. E mais, as corporações de oficio foram proibidas pela lei; em
determinado momento, na Revolução Francesa, entendeu-se que, em nome da
liberdade e da igualdade, não poderia haver nenhum tipo de coalisão a regulamentar o
exercício das atividades profissionais. O indivíduo deveria ser protegido, e qualquer tipo
de coalisão representava uma ameaça à autonomia e liberdade individual. Não por
acaso, na França, temos a lei Le Chatelier, que visou a proibir as corporações.
Isso tudo, num processo de industrialização da produção, de surgimento das
fábricas, e de mecanização do trabalho, acarreta numa mudança na forma do trabalho
que traz reflexos muito fortes na vida dos trabalhadores. Isso representou uma
transformação da produção artesanal para a industrial, mas com ausência de
regulamentação das condições de trabalho, o que trazia diversas consequências
negativas e adversas para os trabalhadores, que laboravam quase em regime de
escravidão. Isso, evidentemente, depois de uma série de eventos e problemas, acabam
por levar a um surgimento de formas institucionais de organização para a defesa dos
próprios interesses dos trabalhadores, fazendo surgir o embrião daquilo que hoje
chamamos de sindicatos, as trade unions. Esses institutos visavam a uma busca de
melhores condições de trabalho, por meio da exigência, dos empregadores, de férias,
melhoria nos salários, regulação da jornada de trabalho, combate às doenças
profissionais e etc., tudo para se evitar as condições insalubres de trabalho de outrora.
Esse efeito traz aos Estados a necessidade de legislar sobre a matéria trabalhista.
Esse tipo de legislação não se deu por livre e benfeitora vontade dos governantes, mas
com o objetivo de tentar trazer uma pacificação social dentro das fábricas, porque as
associações forçavam melhorias por meio de mecanismos de organização interna, como
as greves, que são conflitos coletivos. Em 1848, Marx e Engels publicam o Manifesto
Comunista, que denunciava a exploração do capital em relação ao trabalho e às
condições em que os operários desenvolviam o seu trabalho, condições essas de
exploração do homem pelo homem. Essa publicação, então, serviu como um catalisador
da organização dos trabalhadores (“Trabalhadores do mundo, uni-vos!” [para mudar as
condições econômicas da sociedade]).
O Estado passa a intervir para criar melhores condições de trabalho e evitar,
assim, o avanço das ideias comunistas (fim da propriedade privada, apropriação dos
meios de produção pelos trabalhadores, etc.). Vai havendo, aos poucos, a formação de
uma legislação protecionista da classe trabalhadora e o reconhecimento da ideia dos
sindicatos, até como uma forma de frear esse impulso reivindicatório,
institucionalizando a ideia como um todo. A ideia de que toda coalisão seria proibida,
da lei Lei Chatelier, começa a se extinguir, à medida em que o crescimento da produção,
do proletariado e dos meios trabalhistas fazem necessário o surgimento dessas
organizações.
No Brasil, isso tudo chega no século XX, por uma razão muito lógica: a
escravatura. O surgimento de uma classe operária reivindicadora no âmbito das relações
de trabalho no território brasileiro não poderia ocorrer enquanto tivéssemos, ainda, um
modelo fundado no modelo escravista. O escravo não tinha direitos e era tratado como
coisa; nunca se poderia imaginar um direito trabalhista para os escravos. Apenas com a
abolição da escravatura é que o modelo econômico brasileiro sofre mudanças que
propiciam o surgimento de movimentos sindicais. Essas organizações do movimento
operário incipiente sofrem enorme influência estrangeira, pois a mão-de-obra escrava
foi substituída pela mão-de-obra dos imigrantes estrangeiros, que vinham para cá já
trazendo algumas ideias que eram conhecidas nos seus estados de origem.
Existe, evidentemente, uma lógica por detrás disso. Os imigrantes vinham para
o Brasil com a perspectiva de vir aqui trabalhar e, assim, melhorar de vida. Só que
chegavam aqui e se deparavam com as condições rudimentares do trabalho no campo,
em fazendas para produção agrícola, substituindo o trabalho escravo; o fazendeiro não
estava acostumado com o trabalho livre. As condições eram praticamente as mesmas,
e é evidente que isso incorreria em uma insatisfação. Além disso, a incipiente
industrialização nas cidades força o Estado a começar a tratar do assunto.
Há um decreto publicado em 1903 para estabelecer que os trabalhadores que
prestassem serviços no campo poderiam se organizar em sindicatos (parece mais uma
cooperativa do que um sindicato mesmo, à época). Isso significou um aceno do Estado
ao direito dos trabalhadores de poderem se associar. A lei que trata dos sindicatos
urbanos só aparece alguns anos depois, em 1907. Isso porque a grande maioria de mão-
de-obra se localizava no campo à época. Essas leis, no entanto, embora reconheçam a
possibilidade de criação de sindicatos, não ocasionam um grande surgimento de
organizações sindicais; foram poucas as iniciativas das entidades de trabalhadores que
tenham se formalizado aproveitando a prerrogativa contida nessas leis, de tal maneira
que o movimento operário vai se desenvolvendo à margem da existência de entidades
sindicais fortes. O movimento operário é espontâneo. O ano de 1917 registra a primeira
Grande Greve Geral do Brasil, iniciada em São Paulo.
Ao longo dos anos 20, temos essa discussão cada vez mais forte, a famosa
“questão social”. Em 1930, Getúlio Vargas assume o governo na esteira de uma década
de reivindicação social. Temos alguns episódios sintomáticos dessa questão: a Coluna
Prestes, reivindicando melhorias para os tenentes (tenentismo) e classes médias
(trabalhadores livres); e a criação, em 1932, do Ministério do Trabalho por Getúlio.
Getúlio cria um modelo de organização sindical basicamente corporativista
(trabalhadores e empresários pertencem à corporações que devem se estruturar em
torno do Estado; tudo em torno, e não em oposição, ao Estado. O Estado delegaria a
essas entidades o poder de criar normas com eficácia erga omnes. O Estado vai dar a
essas entidades sindicais o poder de cobrar uma contribuição compulsória dos membros
da categoria, que será utilizada para a manutenção das atividades dessa entidade
(imposto sindical); a ideia por trás disso é a de que o Estado reconhece o sindicato como
entidade de direito público e que é ele quem está por trás de tudo isso. Esse modelo se
assemelha ao implantado na Itália de Mussolini, com a organização corporativa do
sindicalismo, sendo os sindicatos entidades do poder público, podendo criar normas
com eficácia jurídica, e erga omnes. Há delegação do poder público à entidade
particular, mas essa entidade exercerá uma função pública, sendo sujeita ao poder
público. O projeto político é a organização das forças econômicas em torno do poder do
chefe de Estado. Getúlio sai do poder, e assim há uma redemocratização do Estado, mas
a Constituição de 1946 continua a consagrar o modelo implantado, seguindo até a
Constituição de 1988.
A partir daí, há a discussão de uma mudança no modelo de organização sindical.
Não se avança a ponto de uma ruptura. Ocorrem alterações? Sim, mas a Constituição
de 1988 não representa uma ruptura total ao modelo anterior, porque algumas
características permanecem firmes, como a organização em categorias territoriais e
econômicas, o princípio da unicidade sindical, o imposto sindical, e outras. Mesmo com
algumas modificações devidas à necessidade de uma resposta ao anterior período de
ditadura, os avanços no que tange às organizações sindicais são muito tímidos, pois não
houve forças suficientes para mudar as bases corporativistas firmadas por Getúlio.
III. ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRA (art. 8º, CF)
1. Ausência de interferência do Poder Público
2. Categorias profissionais e econômicas
3. Unicidade sindical
4. Limite territorial mínimo
5. Contribuição sindical compulsória
CF. Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical,
observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a
fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente,
vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na
organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical,
em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos
trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser
inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais
ou administrativas;
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se
tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para
custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva,
independentemente da contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a
sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas
negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas
organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir
do registro da candidatura a cargo de direção ou representação
sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do
mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à
organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores,
atendidas as condições que a lei estabelecer.
A grande mudança da Constituição, no que se refere ao modelo corporativista
de GV, é a ausência de intervenção do Poder Público na organização sindical. Essa foi a
grande alteração – não que isso tenha representado na pratica uma ruptura com o
modelo corporativista, pois há outras características que permaneceram que mostram
ligação com o modelo originário. Esse aspecto mostra uma evolução do sistema, porque
traz uma nova forma de relacionamento do sindicato com o Poder Público.
No modelo corporativista, o sindicato tinha que pedir pro Estado para funcionar.
Para atuar era indispensável que obtivesse a Carta de Reconhecimento Sindical, que era
uma autorização dada pelo Ministério do Trabalho, como se fosse um certificado de
nascimento do sindicato – isso dava um controle forte do Estado sobre os sindicatos; e
a negação da autorização era possível, o que abria espaço para manipulação política e
ideológica.
Isso muda na Constituição Federal de 1988. O art. 8º, caput, consagra que é livre
a associação profissional ou sindical. Essa regra solidificaria a liberdade sindical.
Contudo, não é bem assim que funciona – há uma série de restrições a essa liberdade,
que são inseridas nos incisos desse artigo.
O primeiro inciso diz que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a
fundação do sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder
Público a interferência e a intervenção na organização sindical. É importante destacar,
aqui, que o constituinte de 88 diz que a lei não pode mais exigir autorização do Estado,
tornando inconstitucional toda a regulamentação que existia na CLT acerca do pedido
de reconhecimento do sindicato acerca da carta de registro sindical (de reconhecimento
sindical). Isso não é mais uma condição para o funcionamento do sindicato. Mas deve-
se haver um registro; entretanto, há uma mudança de tratamento sobre o tema, porque
esse é declaratório (de existência), e não constitutivo da unidade sindical.
Quando esse dispositivo surgiu em 88, suscitou uma discussão: quem poderia
efetuar os registros dos sindicatos? Quem formaliza esse registro, se não há
interferência do Poder Público? Há quem sustentasse que com a CF88 esse registro
passaria pelos cartórios de registro de pessoas jurídicas, no entanto, posteriormente, o
STF decidiu reconhecendo que o registro continuaria com o Ministério do Trabalho,
porque este teria condição de elaborar uma forma de registro que permitisse uma
consulta nacional, enquanto os cartórios teriam problemas de particularidades locais e
etc., criando dificuldades ao acesso de registros em âmbito nacional. O MT teria, então,
um arquivo nacional de unidades sindicais. Não há mais a prerrogativa de deferimento
ou indeferimento por esse órgão, porque há outros critérios de organização que
precisam ser objetos de observação. O MT vai dar o registro, mas os critérios poderão
ser objetos de disputa entre as unidades sindicais.
De 1988 pra cá, então, houve uma explosão de unidades sindicais no Brasil, com
base nessa prerrogativa de ausência de interferência do Poder Público, havendo
coincidência de âmbito de atividades entre diversos sindicatos. Quem vai resolver esse
problema de disputa entre sindicatos pelo direito de representação sindical é o
Judiciário (não é mais prerrogativa do executivo, como na época de GV). Há a
possibilidade de impugnação de registro por sindicato que se veja conflitante com outro
(quem discute e decide isso é o poder Judiciário). A Emenda Constitucional 45, de 2004,
define que esta competência de representatividade sindical passou à Justiça do
Trabalho. O professor vê essa alteração como boa, porque a matéria é essencialmente
trabalhista, e o juiz do trabalho é quem está melhor preparado para dirimir esse tipo de
conflito.
É muito diferente do período do GV, no qual as decisões sobre os sindicatos eram
tomadas no âmbito do executivo, no Ministério do Trabalho. Agora, a decisão é tomada
pelo Judiciário, respeitados os princípios do contraditório, da ampla defesa, etc. Antes,
era uma maneira de controle ideológico dos sindicatos; a CF88 coibiu isso com esse
princípio positivado.
As outras características são herdadas do modelo anterior, e foram mantidas na
Constituição de 1988. Aí se encontra a maior dificuldade; “existe liberdade sindical, pero
no mucho”; o inciso II do art. 8º determina que é vedada a criação de mais de uma
organização sindical em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município. Temos
nesse inciso segundo várias limitações à liberdade de organização sindical
Começa com a exigência de que a organização sindical se dê com base em
categorias profissionais e econômicas. É um critério de organização – sindicato só pode
funcionar no Brasil respeitado esse critério. De um lado a categoria econômica –
empregadores; de outro, a categoria profissional – trabalhadores. O critério é a
utilização dos conceitos de categorias profissionais e econômicas, conceitos esses
estabelecidos na legislação de GV (CLT, art. 511, §1º - categoria econômica;), de tal
maneira que tais dispositivos foram recepcionados pela CF. Para que exista um sindicato
patronal, que representa as vontades das empresas, há necessidade de um vínculo
social, este estabelecido no art. 511 da CLT. Precisa-se verificar a atividade econômica
da empresa – se existe outra que empreende atividade idêntica, similar ou conexa. Por
esse dispositivo do §1º, a categoria econômica se formará a partir dessa similitude das
condições econômicas de desempenho da atividade empresarial. Isso não se dá por
opção das empresas; elas simplesmente pertencem à determina categoria e só – não há
escolha.
CLT. Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa
e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de
todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou
trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam,
respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou
profissões similares ou conexas.
§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que
empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o
vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou
trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade
econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas,
compõe a expressão social elementar compreendida como categoria
profissional.
§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos
empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por
força de estatuto profissional especial ou em consequência de
condições de vida singulares.
§ 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade
fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou
profissional é homogênea e a associação é natural.
Do lado dos trabalhadores, há a categoria profissional, cuja ideia está contida no
§2º do dispositivo. A ideia da categoria profissional é a de que os trabalhadores prestam
serviços em similitude de condições de vida para empresas que executam atividades
econômicas idênticas, similares ou conexas. Se já existe, então, um sindicato dos
bancários em SP, significa que todos os trabalhadores que prestam serviços em banco
de SP são representados por esse sindicato – não importa o tipo de banco
(investimentos, tradicional, créditos, não importa se é público, privado, etc.), tendo em
vista o enquadramento da situação no §2º. Isso, sem dúvida nenhuma, é uma limitação
à liberdade de organização sindical, na medida em que estabelece limites e critérios a
ser respeitados.
Tratemos agora da unicidade sindical. Por que temos a organização por
categorias? Pois para cada categoria profissional ou econômica existirá apenas um
sindicato. Se já existe um sindicato em determinada categoria profissional, não pode
haver um segundo pra representar a mesma categoria de trabalhadores. Há um
monopólio sindical dentro da categoria, tanto para os empregadores, quanto para os
trabalhadores. A unicidade sindical é uma união do grupo dos trabalhadores ou dos
empresários imposta pela lei – não é uma escolha dos trabalhadores que resolveram
criar apenas uma unidade, porque ela seria mais forte e representativa – a ideia da união
espontânea, muito utilizada em outros ordenamentos, não se dá aqui. A união aqui é
exigida pela lei constitucionalmente, criando a necessidade de unicidade.
Esse modelo propicia a existência de entidades sindicais completamente
dissociadas da base, como nos casos em que a diretoria é encastelada e está longe da
base, não buscando conhecer a opinião da categoria; mesmo assim o trabalhador faz
parte da categoria, de modo que a entidade representa o trabalhador – ex.: greve dos
garis.
O critério da unicidade sindical traz uma exigência legal, forçada, e que muitas
vezes leva à condição de uma separação entre os interesses da categoria, do grupo, e os
da direção, ainda mais porque há outras características do sistema.
Tratemos, agora, da ideia de limite territorial mínimo (do município). A CF impôs
que essa unicidade sindical na representação por categoria terá que observar o limite
mínimo do município. Não é possível uma entidade sindical que busque representar um
grupo de trabalhadores de uma região específica da cidade (bancários da ZL, por
exemplo), mesmo que respeitados os outros critérios exigidos. Na prática, isso
representa uma disputa pela representação sindical. Vamos supor que o pessoal de
Osasco queira criar um sindicato só de Osasco – pode fazer isso, desde que se dissociem
do sindicato de São Paulo; mas esse não vai aceitar, claro, o que faz surgir uma disputa
de representatividade, e se não houver acordo, pode parar no Judiciário. Em princípio,
é possível sim a dissociação de um grupo que pertence à mesma categoria profissional,
mas se ele quiser levar em consideração a criação de uma outra unidade sindical.
Diferente é essa situação daquela em que uma categoria que quer se formar a
partir da existência de uma categoria anterior. Telefonia vs. telemarketing, por ex. O
sindicato de empresas de telefonia era um sindicato tradicional, muito antigo, e já existia
na cidade de SP há muitos anos. Com a evolução da atividade de telemarketing, um
grupo de trabalhadores fez uma assembleia e aprovou a criação do sindicato dos
trabalhadores de telemarketing. Avançaram sobre a base do sindicato de telefonia.
Existem inúmeros outros exemplos.
No caso de conflito entre sindicato estadual e municipal, devemos nos perguntar:
qual nasceu antes? Estadual – municipal pode ser criado. Municipal – estadual deve
atuar fora do âmbito daquele (pode dar briga judicial).
O limite territorial mínimo do município impede, na prática, a criação do
sindicato por uma empresa. Mesmo que a empresa seja de atuação muito importante
em um município, o trabalhador está inserido em uma categoria determinada
profissional, e não em uma “categoria de empresa”.
Portanto, o que se nota é que existem amarras no nosso modelo, e estas são uma
herança do sistema corporativista de GV.
Em relação às categorias profissionais – contidas na CLT, em seu art. 511, §3º –
temos a categoria profissional diferenciada. É possível encontrar certas categorias
profissionais que têm ou um estatuto profissional especifico ou algum tipo de condição
de trabalho que o diferencia de outras categorias, como por exemplo certas profissões
que tem uma regulamentação específica (advocacia, medicina, engenharia,
secretariado, etc.), porque esses profissionais podem prestar serviços em diferentes
empresas, o que gera uma gama de variação das condições de vida desses profissionais.
Portanto, gera-se uma categoria profissional diferenciada para que se diferencie a
categoria profissional desses personagens daquela dos trabalhadores das empresas em
que eles trabalham, cujo cerne do modo de trabalho é, na maioria das vezes, outro. O
trabalhador não pertence necessariamente à categoria da empresa em que trabalha,
mas sim à categoria que abrange suas condições de trabalho em similitude com outros
trabalhadores. Por isso, é comum que as empresas tenham de negociar coletivamente
com diversos tipos de sindicatos.
Uma observação importante quanto aos requisitos da organização sindical
brasileira é que não há limite mínimo de filiados por sindicato. A legislação brasileira
deixa de impor um limite à criação e organização de sindicatos nesse sentido.
Por fim, a quinta característica fundamental do nosso modelo é a questão da
contribuição sindical compulsória, Aqui estamos diante daquela característica que foi
introduzida num modelo corporativista em que o sindicato era considerado um órgão
de interesse público, exercendo função delegada por ele. O Poder Público arrecadava
compulsoriamente a contribuição dos membros da categoria, que seria entregue ao
sindicato da categoria, independentemente do ato de escolha. Independentemente de
você ser associado ou não do sindicato, a contribuição deve ser obrigatória. Apesar de
o sindicato começar a ser considerado privado a partir de 88, a despeito da sua
característica pública de outrora, essa característica foi mantida. O inciso IV, do art. 8º,
da CF, fixa essas prerrogativas. A CF88 diz que a contribuição prevista em lei (CLT)
continua em vigor, sendo obrigatória para todos os trabalhadores. A contribuição da CLT
prevê que o trabalhador é obrigado a dar um dia de salário por ano ao seu sindicato.
Esse “um dia” vai pro MT e ele distribui para as unidades sindicais – o empregador faz o
recolhimento, em cima de toda a base de trabalhadores que ele tem registrados fazendo
o serviço, essa guia vai para o MT e esse faz a redistribuição.
Aqui está a chave, ao ver do professor, de todo nosso sistema, porque muitos
sindicatos estão atrás somente da contribuição sindical compulsória, pois é uma forma
de eles funcionarem independentemente de uma ação sindical junto à base de
representação – é o dinheiro que garante o funcionamento do sindicato (sede própria,
pessoal, salários de diretores, transporte, etc.). Isso é que levou, também ao ver do
professor, à disputa de representatividade, uma atrás da outra, querendo abocanhar o
direito de poder arrecadar a contribuição sindical compulsória. Na prática, houve uma
proliferação de entidades, e dos conflitos surgidos por isso. A chave para mudança do
modelo, ao ver do professor, é acabar com a contribuição sindical compulsória, pois isso
levaria a uma mudança nos critérios de organização sindical, visto que não haveria mais
garantia de capital aos sindicatos sem nenhum esforço em troca (modelo de cofres
cheios e assembleias vazias).
Havia outro critério, um sexto, que levava ao interesse na criação de sindicatos,
que a era a previsão de representação sindical classista na Justiça do Trabalho. A justiça
era colegiada, sendo que todos os órgãos da JT contavam com representação sindical,
ou seja, trabalhadores indicados pelos sindicatos; o colegiado era, então, formado por
um juiz de direito, um juiz classista dos empregadores e um juiz classista dos
empregadores, e isso configurava mais uma atração para criação de entidades sindicais,
porque esses juízes classistas ganhavam um salário do Estado (e eles eram apenas
indicados, e não concursados). A classe política adorava a possibilidade de haver essa
representação das categorias na Justiça do Trabalho. Isso acabou com a emenda
constitucional X (desculpem, não peguei), que modificou a organização da JT e tirou essa
prerrogativa dos sindicatos de indicarem juízes classistas.
IV. FUNÇÕES DO SINDICATO
1. Representação
2. Negociação
3. Assistência
4. Arrecadação
5. Política (?)
6. Econômica (?)
CLT. Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:
a) representar, perante as autoridades administrativas e
judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão
liberal ou interesses individuais dos associados relativos á atividade ou
profissão exercida;
b) celebrar contratos coletivos de trabalho;
c) eleger ou designar os representantes da respectiva
categoria ou profissão liberal;
d) colaborar com o Estado, como orgãos técnicos e
consultivos, na estudo e solução dos problemas que se relacionam
com a respectiva categoria ou profissão liberal;
e) impor contribuições a todos aqueles que participam das
categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais
representadas.
Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão,
outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação.
Quais são as atribuições fundamentais do sindicato de acordo com o nosso
ordenamento? A primeira delas é a própria representação. Cabe ao sindicato realizar a
representação dos interesses gerais e individuais da categoria, ou seja, o sindicato é
alguém que representa perante outros órgãos, instituições e o Estado os interesses do
grupo (art. 513, a, CLT). Há até certa diferenciação entre os interesses coletivos e
individuais – há a ideia no sentido de que se o associado quer que o sindicato atue em
seu nome e na defesa do seu interesse individual, o sindicato pode atuar, mas só se ele
fizer parte da associação, vinculando-se por meio da sindicalização (associação). Embora
o sindicato possa representar toda a categoria, a adesão a ele é um ato individual de
cada membro da categoria. Tanto se pode dar uma representação formal e institucional
quanto situações de participação dos trabalhadores em discussões, em fóruns de
discussão, em discussões do congresso, etc.
Uma segunda função é a de negociação. Essa função é inerente ao sindicato,
porque justamente tem essa atribuição básica de tratar das questões próprias da
categoria com a entidade patronal, correspondente, ou até mesmo diretamente com a
empresa que emprega um grupo de trabalhadores membros daquela categoria
profissional, com o objetivo de criar normas e condições de trabalho que serão
aplicáveis aos contratos individuais de trabalho dos membros da categoria
(independente do fato de ser ou não sócio do sindicato). Ora, então no momento em
que os trabalhadores estão na data base da categoria (momento em que se discute as
condições de trabalho da categoria), o sindicato vai negociar condições de trabalho. A
função de negociação, em outros termos, é essencial à atividade do sindicato (art. 513,
b, CLT).
Aquela norma ajustada com o sindicato patronal se aplica simplesmente ao
contrato de trabalho de todos que pertencem a categoria. É por meio dessa função que
o sindicato vai trazer melhores condições de trabalho pra determinado grupo,
permitindo uma adaptação dessas condições à realidade socioeconômica daquele grupo
que o sindicato representa. Isso é importante, porque por meio da negociação é possível
adaptar essas condições à flutuação do próprio processo econômico (quando a situação
econômica na área de atividade está positiva, o sindicato vai buscar uma negociação pra
trazer pros trabalhadores da categoria que ele representa a possibilidade de
efetivamente participar desse tempo de “vacas gordas” – benefícios trabalhistas, ajuste
salarial [aumento], PLE – participação do lucro das empresas, etc.). Por outro lado, pode-
se ter outro aspecto, que é o de buscar proteger os interesses do grupo também num
momento de dificuldade, no qual há retração do mercado e a área de atividade
econômica está passando por dificuldades sobre as quais o sindicato eventualmente
possa agir e negociar, para proteger os interesses do grupo, evitando, por exemplo, o
desemprego (reduz salário, reduz jornada, acorda de tal maneira que se escolha os
dispensados tendo em vista suas condições pessoais, etc. – para evitar o desemprego
nocivo e buscar solução para o momento de dificuldade devido à flutuação da
conjuntura econômica buscando uma melhor condição pro grupo que ele representa).
Aqui, nesse aspecto, é importante que o sindicato esteja próximo da categoria –
não adianta as decisões serem tomadas pela direção e não ter representatividade das
bases (caso do garis do RJ). A negociação é uma prerrogativa da categoria profissional,
e existem negociadores que falam em nome da categoria, mas quem decide, no fim das
contas, se aquele resultado é o que interessa ao grupo, é a assembleia. Quer dizer, é
fundamental que os negociadores que falam em nome do sindicato estejam falando a
mesma língua dos representados da categoria que eles visam a defender por meio dessa
negociação sindical.
Duas são consequências possíveis no êxito da negociação. A primeira delas é a
celebração dum acordo coletivo de trabalho, que é mais restrito, na medida em que a
negociação tem não um sindicato patronal do lado de lá, mas sim uma empresa
específica e determinada, de modo que só estão abrangidos pela norma estipulada os
trabalhadores que laborarem na específica empresa referida; a segunda delas é a
convenção coletiva de trabalho, que é mais ampla, e se estabelece entre o sindicato dos
trabalhadores e sindicato patronal, valendo pra todos os trabalhadores representados
por aquela entidade sindical. Se não houver acordo e a negociação fracassar há a
possibilidade de uma discussão judicial, entrando-se um pouco na ideia de assistência.
A função de assistência pode se dar no âmbito jurídico – na defesa do interesse
dos membros da categoria –, tanto no aspecto individual quanto no coletivo, como nos
dissídios coletivos, onde se busca a criação de normas e condições de trabalho. A JT tem
essa prerrogativa de, no julgamento do dissidio coletivo, criar normas ou condições de
trabalho que substituem aquelas normas ou condições que não foram alcançadas
espontaneamente por meio da negociação. O sindicato atuará, no âmbito desse dissidio,
como assistente jurídico da categoria, na defesa do interesse dos trabalhadores. Essa
assistência pode se dar de outras maneiras (e muito relevantes) além do caso de dissidio
coletivo de trabalho.
Poderíamos lembrar também de todas as hipóteses de atuação do sindicato
como substituto processual da categoria (ideia de substituição processual prevista no
CPC, a de que “alguém, em nome próprio, pleiteia em juízo direito alheio” – legitimação
legal a agir em nome do substituído em certas situações); pensemos na situação de um
interesse de um grupo de trabalhadores que demande a entrada no Judiciário para sua
resolução – o sindicato tem a prerrogativa de agir para defender o interesse do grupo
dos trabalhadores numa ação em que ele vai discutir a questão controvertida de
interesse desse grupo (isso é bom na medida em que causa economia processual
[porque cada um dos trabalhadores poderia pleitear a ação individualmente] e porque
não marca funcionários na empresa). Existe a possibilidade de o trabalhador não
concordar com a ação do sindicato, podendo ajuizar uma ação individual, significando
que ele abriu mão da ação ajuizada pelo sindicato (se ele perder e o sindicato ganhar,
ele não será beneficiado; mas se for o inverso, ele pode ser beneficiado).
O sindicato pode mover ação civil pública, como representante de categoria, mas
muitas vezes essa prerrogativa não é usado, até porque existe certo temor de manejar
uma acao civil pública sem sucesso, e o sindicato ser responsabilizado, pela categoria,
perante o fracasso da ação – portanto, normalmente pede-se para o MP movê-la.
Há várias formas de o sindicato, coletivamente, e perante o judiciário, agir em
defesa dos interesses do grupo que ele representa, porque figura como possível
substituto individual processual da categoria (art. 8º, III, CF). Quando esse dispositivo
entrou na CF, houve uma discussão quanto ao seu significado: seria uma regra que
autorizaria a substituição processual do sindicato à categoria? No sentido contrário,
temos, no CPC, o art. 6º, que diz ser do interessado a legitimação para agir em juízo,
salvo os casos de legitimação extraordinária previstos em lei. Discussão que se põe: essa
já é uma hipótese de legitimação extraordinária a que o CPC se refere? Isso foi debatido
durante muitos anos na JT, e TST chegou a aprovar a súmula 310, onde respondia que
“não”, alegando que precisava de lei ordinária que regulasse esse processo de
substituição processual, estabelecendo a legitimação extraordinária em determinadas
situações, até que o STF, em julgamento a respeito desse dispositivo, concluiu que é sim
uma cláusula de legitimação extraordinária, estando isso hoje pacificado.
CPC. Art. 6º. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
O sindicato pode atuar de forma coletiva dando assistência jurídica aos membros
da categoria que ele representa, só que infelizmente nem todo sindicato atua dessa
maneira – há várias entidades sindicais que simplesmente desprezam essa prerrogativa,
porque são fracos, não tem inserção real no cotidiano da categoria, e estão “pouco se
lixando” pra essa arma tão poderosa que eles tem, a de agir em interesse do grupo
inteiro. Além disso, a assistência jurídica pode se dar de forma individual, sendo
prestada a assistência a um trabalhador determinado que tenha uma questão que seja
importante, pra ele, discutir; imaginemos, por exemplo, que um trabalhador foi
dispensado pela empresa e necessita de uma assistência jurídica pra entrar com uma
reclamação trabalhista – quer discutir num processo individual a punição aplicada pelo
empregador, numa tentativa de reversão; ou ele fez horas extras que não foram
corretamente remuneradas – ele precisa de assistência jurídica pra isso, que pode ser
dada pelo sindicato, por meio de seu departamento jurídico, ou escritório de advocacia
externa prestador de serviços para o sindicato (terceirização dentro do sindicato).
Existe uma lei processual trabalhista que prevê a assistência jurídica (Lei
5.584/70) individual do sindicato ao membro da categoria; no entanto a lei é um pouco
restritiva no que se refere a assistência, porque não é todo trabalhador que pode ser
assistido – só o associado ou o não associado que receba até 2 salários mínimos.
Nem sempre a assistência é em juízo, podendo haver assistência
extrajudicialmente pelo departamento jurídico do sindicato. Homologação das rescisões
contratuais: necessidade para todo contrato de trabalho em que o trabalhador tem mais
de um ano de empresa – a rescisão precisa passar por um órgão homologador
(justificativa: na rescisão é feito um cálculo do que o trabalhador tem que receber,
precisando ser calculadas – hora extra, aviso prévio, férias, 13º, etc.) – tudo isso é objeto
do termo de rescisão do contrato, documento que expressa aquilo que o empregador
vai pagar ao trabalhador pelo termo do contrato de trabalho; às vezes o trabalhador não
tem formação suficiente para fazer essas contas, então diante disso a lei prevê a
necessidade de uma homologação da rescisão contratual, em que um órgão
homologador verifica a correção dessas contas que a empresa trouxe no momento do
pagamento da rescisão, e o órgão pode ser o Ministério do Trabalho, ou o sindicato
(assistência jurídica individual a cada trabalhador-membro da categoria profissional
para que se possa aferir se o valor calculado pela empresa está correto).
Ocorre, no entanto, que na história brasileira, essa assistência foi ampliada para
outras formas, e na prática, o que a gente viu foi um ultradimensionamento dessa
função assistencial fora da área jurídica (que é fundamental), havendo crescimento de
ofertas de serviços assistenciais do sindicato à categoria e que na época da ditadura, por
exemplo, foi uma maneira utilizada para domesticar os sindicatos (?) – ou seja, o
sindicato ser visto como um oferecedor de serviço para a categoria, como colônia de
férias; é evidente que esse tipo de assistência não deveria ser a atividade fundamental
do sindicato. É muito mais importante o sindicato negociar com a empresa e que haja
um reajuste de salário e tudo mais, pra que o trabalhador tenha condições de ter férias
boas, do que proporcionar as férias por si. Isso fazia com que se tirasse o aspecto de luta
do sindicato e se criasse um paternalismo exacerbado desse, passando de sua atmosfera
necessária e atingindo uma atmosfera voluptuária, de modo que o sindicato ficasse
parceiro do governo. A existência de mecanismos para desviar as funções do sindicato
se dão justamente para que não se questionasse o sistema, criando um emaranhado de
sindicatos pelegos – que não entram num confronto.
A quarta função é a de arrecadação, e aqui é a ideia de que o sindicato pode
arrecadar uma contribuição pro sustento de suas atividades. Há a ideia de que é
reconhecida à entidade sindical o direito de arrecadar, perante os membros da
categoria, contribuições que sejam utilizadas para a sustentação de suas atividades
(como por exemplo, a participação de reuniões, convocação de assembleias, divulgação
de andamentos de negociações, infraestrutura, panfletagem, luz, telefone, contas,
empregados, advogados, etc.).
A quinta função é a própria função política da entidade sindical. O sindicato tem
uma função política? Ao ver do professor, não há como negar que o sindicato é uma
entidade política (lato sensu), cuja função é desempenhada no dia a dia, quando uma
instituição traz as suas reivindicações e contribuições para uma discussão de um
processo político global. Ora, quando os sindicatos vão participar de uma audiência
pública no Congresso Nacional, participar de um encontro com o Presidente, etc., ele
está fazendo política. Existe uma função política institucional desempenhada pelas
entidades sindicais. Existe uma discussão a respeito da vedação dos sindicatos fazerem
política partidária – há expressas menções na CLT e na lei eleitoral no sentido dessa
vedação (art. 521, d, e, CLT). Esses dispositivos estabelecem restrições à atividade
político-partidária dos sindicatos. Há a proibição de quaisquer atividades não arroladas
no art. 511, inclusive as de caráter político-partidário e cessão gratuita ou remunerada
à entidade de índole político partidária. Esses dispositivos acenam para o afastamento
do sindicato para fora do cenário da política partidária. O sindicato não pode contribuir
também com partidos políticos, porque o entendimento é de que um partido político é
uma instituição que não se confunde com um sindicato, que representa uma parte da
sociedade – categoria profissional –; não teria sentido que a categoria como um grupo
viesse a compor também um partido político, colaborando institucionalmente com este.
Ao ver do professor, isso é uma grande hipocrisia, porque na prática, sabemos que há
uma ligação institucional entre sindicatos e partidos, e vários congressistas são
sindicalistas. Por que não permitir, de uma vez, a participação dos sindicatos em
movimentos político-partidários, fiscalizando o dinheiro que entra do sindicato na
campanha?
CLT. Art. 521. São condições para o funcionamento do
Sindicato:
a) proibição de qualquer propaganda de doutrinas
incompatíveis com as instituições e os interêsses da Nação, bem como
de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato;
b) proibição de exercício de cargo eletivo cumulativamente
com o de emprego remunerado pelo sindicato ou por entidade sindical
de grau superior;
c) gratuidade do exercício dos cargos eletivos;
d) proibição de quaisquer atividades não compreendidas nas
finalidades mencionadas no art. 511, inclusive as de caráter político-
partidário;
e) proibição de cessão gratuita ou remunerada da respectiva
sede a entidade de índole político-partidária;
Parágrafo único. Quando, para o exercício de mandato, tiver
o associado de sindicato de empregados, de trabalhadores autônomos
ou de profissionais liberais de se afastar do seu trabalho, poderá ser-
lhe arbitrada pela assembléia geral uma gratificação nunca excedente
da importância de sua remuneração na profissão respectiva.
O sindicato exerce também uma função econômica? A CLT restringe essa função
em seu art. 564, dispondo sobre a vedação da função econômica dos sindicatos. O que
a lei coloca é uma ideia de que o sindicato deve se afastar de qualquer tipo de atividade
que represente uma produção de bens ou serviços que vise a arrecadar algum dinheiro
para a própria entidade. O sindicato não teria essa atribuição de atuar como um agente
econômico, montando um negócio próprio. Aqui, o professor se pergunta se isso se
justifica, ainda mais na vigência da CF de 88, que em seu art. 8º, no inciso I, diz que o
poder público não deve interferir na entidade sindical. Será que a lei estabelecer essa
vedação não é uma forma de o poder público interferir na vida do sindicato? E ele diz
isso porque lhe parece que o sindicato pode sim resolver abrir algum tipo de atividade
que esteja voltada à arrecadação de recursos para suas atividades principais, para que
melhor possa representar sua categoria (claro que essa precisa estar de acordo com
isso). Em tese, enquanto não for declarado inconstitucional, esse artigo está em vigor.
Observação: o sindicato dos bancários de SP tem uma gráfica controlada pelo sindicato,
servindo para suas próprias atividades (panfletos, jornalzinho, etc.) – mas ele também
vende esse serviço no mercado.
CLT. Art. 564. Às entidades sindicais, sendo-lhes peculiar e
essencial a atribuição representativa e coordenadora das
correspondentes categorias ou profissões, é vedado, direta ou
indiretamente, o exercício de atividade econômica.
V. RECEITAS DOS SINDICATOS (anotações do Java, faltei nessa aula)
1. Contribuição sindical (arts. 579 e seguintes, CLT)
2. Contribuição assistencial
3. Contribuição associativa
4. Contribuição confederativa
5. Contribuição negocial
As receitas dos sindicatos são os valores que vão servir para a realização das
atividades do sindicato.
A contribuição sindical, como vimos anteriormente, remete ao período getulista
da organização sindical. Ademais, configura-se como compulsória, impondo o
pagamento individual de cada membro da categoria, independentemente de
manifestação de vontade nesse sentido ou filiação do indivíduo ao sindicato. É por isso
que no modelo corporativista o sindicato era visto como uma entidade de poder público
– seria como uma prerrogativa delegado do poder público aos sindicatos. O Estado
arrecada e distribui a contribuição sindical, havendo uma natureza tributária nessa
contribuição. Se for uma categoria profissional, a contribuição é realizada por meio de
desconto na folha de trabalho. Essa contribuição é a base do modelo de unicidade,
tipicamente corporativista. Se o contribuinte não efetuar o pagamento da contribuição,
poderá haver execução na Justiça do Trabalho.
Ainda, parte dessa contribuição é destinada a outras entidades, como as
federações e confederações, entidades características do modelo piramidal. Ambas
essas entidades agem quando não há sindicatos locais ou os sindicatos de base se
negam, no que toca à realização de negociação coletiva de trabalho (veremos isso mais
para frente).
O problema que envolve esse tipo de contribuição é que se existem muitos
sindicatos hodiernamente, isso se deve, em grande parte, porque o dinheiro arrecadado
pelos sindicatos não possui qualquer vinculação, criando uma realidade de “cofres
cheios e assembleias vazias”. Essa contribuição é constitucional, e inclusive se encontra
elevada legalmente à nível constitucional, como visto no art. 8º, da Magna Carta.
A contribuição assistencial, por sua vez, é negociada. Decorre, normalmente, de
acordo ou convenção, por meio das quais se calcula uma despesa com o objetivo de
pagar o processo de negociação (ou seja, é temporária). É preciso que o critério para o
estabelecimento desse tipo de contribuição seja permeado pelo princípio da
razoabilidade.
Há previsão do direito de oposição, porquanto se trata de uma contribuição
voluntária. Deve haver critério para o trabalhador manifestar seu interesse em não
pagar, mas às vezes o critério dificulta a manifestação do trabalhador.
Outra questão polêmica é saber se a contribuição tem de ser paga por todos os
membros da categoria profissional ou econômica, ou apenas pelos associados aos
sindicatos. Uma primeira teoria diz que todos tem de pagar, porque a convenção a ser
estipulada afeta a todo mundo; já uma segunda teoria afirma que somente quem
participa das assembleias é que tem de pagar. O TST entende que a contribuição não é
obrigatória para toda a base representada.
A contribuição associativa é tal que presente no regulamento do sindicato,
sendo, também, portanto, obrigatória somente para os associados; isso faz mecanismos
de propaganda para estimular a associação. É dependente de atuação mais ativa do
sindicato.
A contribuição confederativa, prevista no art. 8º, inciso IV, da CF, foi criada
apenas com a promulgação do diploma. Essa contribuição cabe aos trabalhadores, com
pagamento para manter o modelo confederativo de sindicatos: há uma necessidade das
entidades de grau superior atuarem no dia-a-dia. O valor da contribuição confederativa
deve ser discutido e aprovado em assembleia; tal valor será, então, descontado em folha
de pagamento.
Tal contribuição não é generalizada, pois às vezes há questões políticas que
dispensam o pagamento. Há uma exigibilidade de regulamentação do art. 8º, inciso IV,
da CF. STF: regulamentada pela própria assembleia geral. Lei 11.648/08: as centrais
correspondem ao universo dos trabalhadores sindicais.
Por fim, temos a contribuição negocial, que é como uma contribuição sindical
mais uma contribuição assistencial. Essa contribuição não foi regulamentada direito, por
isso não está em pauta.
No Brasil, os sindicatos estão acostumados com tal modelo e, por isso, não há
pressão para que haja mudanças nesse sentido e nesse âmbito, donde decorre uma
fragilidade institucional; ou seja, os sindicatos não precisam atuar direto e
corretamente, porque não dependem, para se manter, da aprovação das categorias-
base representadas.
VI. SISTEMA CONFEDERATIVO E CENTRAIS SINDICAIS
1. Federações
2. Confederações
3. Princípio de união
4. Atribuições
5. Centrais
a. Conceito
b. Atribuições
A ideia é de que as categorias profissionais e econômicas poderiam se estruturar
dentro de um modelo em que as entidades de base estariam vinculadas a entidades de
grau superior; essa ideia se coaduna com o corporativismo. Sempre se utiliza o critério
básico da categoria como critério de organização. Forma-se, então, uma espécie de
pirâmide, em que na base estariam os sindicatos, no meio as federações, e no alto a
confederação, mas sempre levando consigo uma ideia de estruturação levando em
conta a categoria, tanto do lado dos trabalhadores, quanto do lado patronal.
Para formar uma federação, a CLT prevê, em seu art. 534, que deveria haver pelo
menos cinco sindicatos daquela categoria; seria necessário, então, que representando
tal grupo, sindicatos se reunissem na base para formar a federação, não
necessariamente seguindo o mesmo território de um estado federativo, mas no fim das
contas é isso mesmo que acaba acontecendo. Nada impede que sindicatos de estados e
regiões diferentes decidam se reunir em determinada federação, desde que haja cinco
sindicatos de base.
CLT. Art. 534. É facultado aos Sindicatos, quando em número
não inferior a 5 (cinco), desde que representem a maioria absoluta de
um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas,
organizarem-se em federação.
§ 1º - Se já existir federação no grupo de atividades ou
profissões em que deva ser constituída a nova entidade, a criação
desta não poderá reduzir a menos de 5 (cinco) o número de Sindicatos
que àquela devam continuar filiados.
§ 2º - As federações serão constituídas por Estados, podendo
o Ministro do Trabalho, Industria e Comercio autorizar a constituição
de Federações interestaduais ou nacionais.
§ 3º - É permitido a qualquer federação, para o fim de lhes
coordenar os interesses, agrupar os Sindicatos de determinado
município ou região a ela filiados; mas a união não terá direito de
representação das atividades ou profissões agrupadas.
Para formar a confederação, a ideia é de que seriam necessárias ao menos três
federações da categoria, segundo o art. 535 da CLT; a confederação seria o órgão de
cúpula dos grupos profissionais ou econômicos, que fica, portanto, estruturado em
Brasília, tendo em vista o objetivo de reunir os interesses das várias federações e
sindicatos da categoria para tratar e coordená-los, fazendo um lobby no Congresso
Nacional a favor de determinadas questões que sejam de interesse comum da categoria,
por exemplo.
CLT. Art. 535. As Confederações organizar-se-ão com o
mínimo de 3 (três) federações e terão sede na Capital da República.
§ 1º - As confederações formadas por federações de
Sindicatos de empregadores denominar-se-ão: Confederação Nacional
da Indústria, Confederação Nacional do Comércio, Confederação
Nacional de Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos, Confederação
Nacional de Transportes Terrestres, Confederação Nacional de
Comunicações e Publicidade, Confederação Nacional das Empresas de
Crédito e Confederação Nacional de Educação e Cultura.
§ 2º - As confederações formadas por federações de
Sindicatos de empregados terão a denominação de: Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Indústria, Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Comércio, Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos,
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres,
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e
Publicidade, Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas
de Crédito e Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Educação e Cultura.
§ 3º - Denominar-se-á Confederação Nacional das Profissões
Liberais a reunião das respectivas federações.
§ 4º - As associações sindicais de grau superior da Agricultura
e Pecuária serão organizadas na conformidade do que dispuser a lei
que regular a sindicalização dessas atividades ou profissões.
O princípio de união é um pouco diferente do princípio da unicidade sindical. Só
pode existir uma federação por base territorial por cada categoria, assim como acontece
com os sindicatos, mas ocorre que nessas entidades de grau superior, nós verificamos
uma união que leva em conta a identidade das atividades econômicas, não havendo
possibilidade de criação de federações tão dispersas quanto os sindicatos de base. Na
CLT, ocorre a ideia de entidades idênticas, similares ou conexas quando se trata dos
sindicatos, ocorrendo propensão a uma grande divisão e proliferação de entidades; há
certa divisão de atividades que a princípio seriam a mesma. Nos órgãos superiores, há a
busca de uma identidade, tendo em vista a natureza da atividade, seja profissional ou
econômica, como por exemplo a FIESP (Federação dos Industriais do Estado de São
Paulo). Não há essa dispersão de entidades sindicais federativas da mesma forma que
se encontra na base, tanto do lado patronal quanto do lado profissional. Caso contrário,
haveria diversas federações e confederações de pouca expressividade; portanto as
categorias seriam de certo modo mais abrangentes do que as da base.
Quais seriam as atribuições e papeis que o sistema reserva para essas federações
e confederações? A doutrina apresenta correntes distintas nesse viés.
A primeira delas é a corrente restritiva, estipulando que o papel desses agentes
é de coordenação da categoria – seriam meros agentes coordenadores, no sentido de
buscar unir os interesses comuns e com base nisso representa-los naquilo que lhes for
interessante e importante.
A segunda delas é a corrente ampliativa, que admite um papel para as federações
e confederações no sentido de agente regulamentador, de modo que elas não apenas
identificam os interesses comuns e coordenam a luta das entidades sindicais na
interlocução com outras entidades, mas também no sentido de reconhecer a esses
órgãos de cúpula a mesma prerrogativa das entidades de base de reivindicar e negociar
condições de trabalho e criação de normas jurídicas trabalhistas.
Na prática, o papel de regulamentação não foi totalmente reconhecido pela
legislação trabalhista brasileira – o critério da CLT é um pouco mais próximo da doutrina
que preconiza o papel de coordenação; a CLT estipula um papel complementar às
federações e confederações no que toca à função regulamentadora, com dispositivos
que o restringem, como por exemplo o art. 611, §2º, que estabelece um critério de
supletividade e complementariedade desses agentes nessa função. A federação
assumiria o papel do sindicato inexistente na localidade. Na falta de entidade de base,
o órgão de cúpula assume a reponsabilidade e assume os papeis quando necessário.
Outra hipótese prevista na CLT é a do art. 617, que estabelece o procedimento para que
o indivíduo chegue ao sindicato. Se o sindicato de base se negar a assumir uma
negociação, a categoria pode solicitar que a federação ou confederação assumam esse
papel de agente regulamentador, mas é preciso passar pelo procedimento, solicitando
a posição do sindicato, e esse se omitir ou decidir por negociar.
CLT. Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de
caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos
de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às
relações individuais de trabalho.
§ 2º - As Federações e, na falta desta, as Confederações
representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão
celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das
categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito
de suas representações.
CLT. Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que
decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas
empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato
representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito)
dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados,
devendo igual procedimento ser observado pelas empresas
interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria
econômica.
§ 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato
tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados
dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o
Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que,
no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse
prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação
coletiva até final.
§ 2º Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade
sindical convocará assembleia geral dos diretamente interessados,
sindicalizados ou não, nos termos do art. 612.
E as centrais sindicais, onde entram nisso tudo ? As centrais sindicais, na verdade,
estão fora do sistema confederativo; são também órgãos de cúpula, mas tem uma
característica diferenciada das federações e confederações – as centrais são entidades
que buscam representar a totalidade dos trabalhadores (não existe de empregadores)
– vale dizer – independente das categorias profissionais. A confederação representa a
categoria, e é única dentro dela, enquanto a central representa todo mundo, e aí há uma
diferença com o sistema confederativo, porque as centrais não são únicas e podem ser
criadas de acordo com os interesses dos diferentes grupos, existindo uma pluralidade
no que se refere ao seu funcionamento, podendo ser criadas independentemente da
vontade de uma categoria. É um órgão de cúpula com pretensão de realizar uma união
dos vários tipos de categorias profissionais no topo de uma suposta pirâmide. Esse
modelo das centrais já existia no passado também, embora nossas centrais sejam mais
recentes, sempre à margem do modelo confederativo, que vêm de Getúlio Vargas.
E por que surgiram? Porque existem certas questões que são de interesse do
conjunto da classe trabalhadora independentemente da categoria a que pertencem,
servindo a central como articuladora desses interesses supracategoriais (como exemplo,
temos a discussão acerca do salário mínimo). As centrais, então, funcionariam como
agente aglutinador dos interesses da totalidade da classe trabalhadora, tendo um papel
político a ser exercido na defesa desses interesses supracategoriais.
Não é o trabalhador que se associa às centrais, mas as entidades que os
representam, como resultado de deliberação dos trabalhadores em assembleias. Em
2008, no governo Lula, é aprovada a Lei 11.648, que reconheceu expressamente as
centrais sindicais; apesar de reconhecidas juridicamente até então, não havia uma
legislação oficial no sentido de reconhecer e tratar das centrais; essa lei traz o conceito
das centrais, os requisitos para sua representatividade e suas atribuições, para que não
se confundam com federações e confederações. São definidas como entidades
associativas de direito privado compostas por associações de trabalhadores (não existe
em relação à categoria profissional).
O art. 1º dessa lei diz que as centrais devem coordenar a representação dos
trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas; coordenar no sentido
de se buscar atribuir uma estratégia política de atuação semelhante. A segunda
atribuição fundamental é a de participar de negociações em fóruns, colegiados de
órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite,
nos quais estejam em jogo assuntos de interesse do conjunto dos trabalhadores. As
centrais participam nas discussões em que estão em pleito os interesses dos
trabalhadores, se configurando, portanto, como agentes de participação. As centrais
não tem poder de regulamentação, no sentido de negociar a criação de normas coletivas
de trabalho, assinando acordos e negociações coletivas? Formalmente, não. Se uma
empresa quer negociar nesse sentido, ela deve procurar alguma das entidades do
sistema confederativo, a princípio o sindicato de base. Mas nada impede que a central
sindical participe da negociação dando apoio à entidade sindical que a ela é filiada. Não
é sujeito da negociação, mas partícipe, que pode sim interferir no processo.
Para exercício dessas prerrogativas há uma série de requisitos para que as
centrais funcionem. A legislação estabelece, para a aferição da representatividade da
central, que ela deve cumprir, cumulativamente: filiação de no mínimo cem sindicatos
distribuídos nas cinco regiões do país; em pelo menos três regiões do país a central
precisa ter vinte sindicatos no mínimo, em cada região; filiação de sindicatos em, no
mínimo, cinco setores de atividade econômica (ideia de entidade vinculada a diferentes
categorias profissionais, para não se incorrer em risco de central concorrente de
confederação); filiação de sindicatos que representem, no mínimo, 7% do total de
empregados sindicalizados no âmbito nacional (dados aferidos pelo Ministério do
Trabalho, em especial a questão da contribuição sindical compulsória). E aqui o
professor vê o grande problema dessa lei, porque ela estabeleceu uma participação das
centrais no dinheiro arrecadado pela contribuição sindical compulsória – um percentual
desse valor, além de ir pros sindicatos, federações e confederações, também passar a ir
para as centrais sindicais, desde que elas tenham aqueles requisitos de representação
atendidos. Vale dizer, as centrais agora participam do butim, e ao ver do professor isso
é negativo, porque impede, ou pelo menos dificulta, a reforma do nosso modelo de
organização sindical e a extinção do instituto da contribuição sindical compulsória, visto
que há mais um ente beneficiário desse fator. O art. 7º da CF, de certo modo, contém
previsão da extinção da contribuição sindical compulsória, mas não adveio nova lei
nesse sentido, porque o sistema é favorável às diversas entidades envolvidas.
Para o inteiro teor da Lei 11.648/08, visitar:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11648.htm
VII. SINDICATO NO SETOR PÚBLICO
1. Plano internacional
2. No Brasil
A primeira importante referência a ser feita, no plano internacional, é a
convenção 87 da OIT, que trata da liberdade de organização sindical. As convenções da
OIT são aprovadas no âmbito da organização pelos estados que a compõem, tendo em
vista o objetivo de criar uma ordem jurídica internacional do trabalho. Por ser uma
norma internacional, a convenção advinda da OIT não entra nos sistemas jurídicos
nacionais a não ser que haja um ato de ratificação. A convenção 87 é bastante
importante justamente por lidar com a questão fundamental da organização sindical,
porém não é uma convenção que tenha sido ratificada pelo Brasil, embora tenha sido
ratificada por um número grande de países. A razão para isso é uma e fundamental: o
modelo de organização sindical que é ali proposto, então concebido pela maioria dos
estados, não combina com o modelo brasileiro, na medida em que a CF contém uma
série de limites à organização sindical que entrariam em conflito com o texto da
convenção. Então, para poder ratificar essa convenção, o Brasil teria de superar uma
série de restrições que estão colocadas no nosso modelo, como por exemplo a
organização por categorias, a unicidade sindical, o limite territorial mínimo do
município, a contribuição sindical compulsória, etc., diversos entraves que entram em
colisão com o standard internacional estabelecido.
Em especial, no que se refere à sindicalização no setor público, a OIT não faz
distinção entre pessoal disciplinado pela lei trabalhista e setor público. Não há diferença
entre trabalhador contratado no setor privado e contratado no setor público – todos
estariam abrangidos pelas disposições sindicais. Fica evidenciado que a proposta
internacional é a de que os estados estabeleçam o direito de organização sindical sem
nenhuma distinção; a sindicalização seria um dos direitos humanos universais – direito
esse constituído pela possibilidade de se associar e organizar uma entidade, tendo em
vista o objetivo de defender os interesses individuais e coletivos enquanto trabalhador
pertencente a uma comunidade. Esse parâmetro não é obedecido pelo modelo
brasileiro.
Há peculiaridades em cada estado, mas é possível estabelecer uma classificação
em três grandes grupos na ordem internacional. O primeiro é o dos países em que os
servidores públicos gozam do direito de sindicalização igual ao assegurado ao setor
privado. O segundo é o dos países em que esses direitos de sindicalização são
assegurados a uma parcela dos servidores públicos, mas não a todos. O terceiro grupo
simplesmente veta o direito de sindicalização dos trabalhadores do setor público. É claro
que apenas o primeiro grupo estaria seguindo a ideia básica fundamental de liberdade
sindical da convenção internacional 87 da OIT. Quando começam a ser impostas
restrições, ainda que parciais, já se pode acusar o ordenamento de não estar garantindo
plenamente a liberdade sindical.
Para o inteiro teor da Convenção 87 da OIT, visitar:
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/conv_oit_87_dir_sindical.htm
Dito isso, vamos ver como é que o Brasil tratou dessa questão. Podemos, em
primeiro lugar, fazer referência ao texto do artigo 566 da CLT, por meio do qual,
originariamente, coloca-se o Brasil no rol dos estados que veda a sindicalização do
servidor público (instituições do estado e instituições paraestatais).
CLT. Art. 566. Não podem sindicalizar-se os servidores do
Estado e os das instituições paraestatais.
Parágrafo único - Excluem-se da proibição constante deste
artigo os empregados das sociedades de economia mista, da Caixa
Econômica Federal e das fundações criadas ou mantidas pelo Poder
Público da União, dos Estados e Municípios.
A lógica por trás desse texto é a de que se o servidor é contratado no setor
público, e assim ele é um servidor da sociedade e, portanto, esse serviço não pode sofrer
qualquer tipo de ingerência externa no atendimento da necessidade da população. O
sindicato, dentro dessa concepção, seria uma instituição que poderia trazer ingerências
indevidas à atividade da administração, prejudicando o bom atendimento dos interesses
do público; dessa forma, vedada qualquer sindicalização. Essa postura rígida restritiva
vigorou durante vários anos, desde o surgimento da CLT, até que, já na década de 80,
em 1985, veio uma lei que instituiu um parágrafo único nesse artigo (Lei 7.449/85),
excluindo dessa restrição os trabalhadores da administração indireta.
Na administração direta, persistia a proibição – na indireta, surgia um
reconhecimento da possibilidade de se organizar em entidades sindicais. Aqui,
claramente, o que houve foi uma reação do legislador a algo que na prática já existia; na
verdade, os trabalhadores já se organizavam em entidades para defesa de seus
interesses, só que eram entidades sem status de sindicato, mas existiam, porque é
evidente que um grupo busca, de alguma forma, mecanismos para defesa coletiva de
seus interesses. Então embora a legislação não permitisse a criação de sindicatos, esses
trabalhadores criavam entidades associativas, para defesa de seus interesses. De certo,
algumas prerrogativas não eram, portanto, auferidas a essas associações, como as de
negociar coletivamente normas de trabalho, defender interesses dos associados,
organizar uma greve em nome da categoria, etc., mas, embora juridicamente essas
garantias não fossem estabelecidas para as associações, na prática, estas funcionavam
como se fossem sindicatos, de maneira que em 1985 essa lei veio para reconhecer uma
realidade que já fazia parte da conjuntura nacional. Vejam, estamos ainda falando de
um período antes da promulgação da Constituição de 1988.
Com a CF88, ocorre uma mudança nesse quadro, porque a Magna Carta é a
primeira na história do Brasil em que os sindicatos de servidores passam a ser
expressamente admitidos, não apenas para a administração indireta como também para
a direta. A CF estabelece o direito de sindicalização, e inovações que trazem uma maior
flexibilidade no tocante a esse ponto, em especial por ter um capítulo específico para
tratar do serviço público. O art. 37 estipula os direitos do servidor público, e em seu
inciso VI, garante-se expressamente o direito à livre associação sindical. Em relação a
esse direito, tem de ser levado em conta que os critérios de organização são os do art.
8º, devendo esses serem cumpridos (organização por categoria profissional, em sentido
único, com limite territorial mínimo do município, etc.).
CF. Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre
associação sindical;
Isso trouxe alguma dificuldade, porque foi preciso discutir o conceito de
categoria para o serviço público. Seria uma categoria ampla, a de “servidor público”,
devendo haver um sindicato único que os representasse todos (da União, estaduais,
municipais, etc.)? Não foi isso que aconteceu, porque, na prática, começaram a ser
criadas diversas entidades de servidores públicos com um fracionamento da
representação, levando em consideração a área em que cada servidor desenvolvia sua
atividade. De 1988 pra cá, então, verificamos o surgimento de inúmeras entidades de
representação de servidores públicos, dependendo do tipo de atividade e órgão em que
cada servidor trabalha. No município de SP há mais de 50 sindicatos de servidores
públicos. Isso não quebra o princípio de unicidade sindical, porque estamos diante de
trabalhadores com o mesmo empregador? Como não cabe mais ao Estado organizar ou
não a entidade sindical, os servidores foram fundando as suas respectivas entidades
com um critério de aglutinação mais específico. A categoria como expressão social
básica que justifica a aglutinação desses profissionais seria o fato de eles trabalharem
em determinada área da administração. Isso foi se reproduzindo nos âmbitos federal,
estadual e municipal, de tal maneira que houve uma explosão na criação de sindicatos
de servidores nos três níveis da administração.
Um pormenor que é importante destacar aqui é que, embora o art. 37 tenha
trazido esse direito de sindicalização no serviço público, não poderíamos falar sobre uma
ampla liberdade de organização sindical, porque a CF estabeleceu uma restrição a uma
parcela desses servidores, por meio do art. 142, IV, que se refere à sindicalização dos
militares. Esse direito não seria extensível aos militares. Há uma justificativa para que
essa restrição tenha sido inserida na constituição, qual seja, a de que as atribuições dos
militares estão ligadas à própria segurança do estado; então, por envolver uma área
sensível, no que toca aos interesses gerais da população, entendeu-se que cabia aí
estabelecer esse tipo de restrição. Militar não pode ter sindicato, até mesmo porque o
militar se sujeita a uma hierarquia, a um regulamento disciplinar diferenciado do
servidor civil. Dessa maneira, o direito de sindicalização e de greve, correlatos, não
foram assegurados aos militares.
CLT. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha,
pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;
Ocorre que, na prática, mesmo havendo esse tipo de restrição, iremos encontrar
situações concretas em que o militar vai agir coletivamente na defesa de seus interesses,
porque embora militar, ele é trabalhador como todos os outros, e sente os efeitos de
políticas administrativas tomadas pelo governo (até greve – PM). Portanto, há uma certa
disseminação de organizações militares para a defesa desses grupos de trabalhadores,
vale dizer, encontramos no Brasil afora inúmeras situações de organizações de militares
que agem como se fossem um sindicato, mas sem ter o status formal dessa entidade –
mas isso não quer dizer que não atuem na defesa desses trabalhadores. É isso, mais ou
menos, o que acontecia com os servidores públicos civis antes da lei de 1985 e da CF88.
Essas associações chegam até a promover manifestações públicas de militares em
defesa de melhorias de condições de trabalho, reajustes salariais, etc., mesmo com a
vedação de sindicalização e greve. Como não há poder de representação igual a de um
sindicato, uma negociação realizada entre administrador e associação não poderia ser
celebrada com eficácia, na medida em que o interlocutor do administrador não é
reconhecido como um sindicato, o qual seria legítimo para tal. Essa negociação só teria
efeito concreto dependendo da boa vontade do administrador. Mas se não houver essa
boa vontade, não há como obter do Judiciário, por exemplo, uma decisão que venha
substituir a falta de acordo, como acontece no setor privado. No setor público, e em
especial com os militares, isso fica inviável, já que eles não tem prerrogativa de agir com
sindicatos. Essa legislação proibicionista muitas vezes é afrontada pelos próprios
trabalhadores; diante de situações limite, às vezes há uma radicalização. Embora não
haja direito à sindicalização, nada se fala quanto à associação de trabalhadores em
entidades não sindicais.
Importante lembrar um aspecto, que é a lei criada logo após a aprovação da CF,
a lei do servidor público federal, Lei 8.112/90. Essa lei veio a estabelecer o regime
jurídico para contratação do servidor público na União – estatuto do servidor público
federal. Essa lei veio com o objetivo de regulamentar a forma de contratação e a forma
de execução dos contratos administrativos de servidores públicos, estabelecendo um
regime jurídico diferente do celetista. O servidor público não é um trabalhador cujas
condições de trabalho estejam definidas da mesma maneira que o trabalhador privado.
Esse estatuto tem peculiaridades que justificam sua manifestação, afinal o servidor é
aquele que tem o dever de servir a população, devendo haver uma limitação na forma
de execução de suas atividades. O estatuto tem uma gestão da contratação diferenciada
do que acontece no setor privado.
Em seu art. 240, a lei estabeleceu alguns direitos que estariam ligados à questão
da sindicalização do servidor público; entre eles está o direito de livre organização
sindical na forma do art. 37 da Constituição, e algumas prerrogativas. Entre elas, o
direito de ser representado pelo sindicato, inclusive como substituto processual. Outro
direito é a imobilidade do dirigente sindical até um ano após o final do mandato, exceto
se a pedido – estabelecimento de uma garantia e prerrogativa de atuação sindical. Não
é porque a administração tem o poder de locar seus servidores, que ela vai poder ficar
movendo o dirigente sindical. Em terceiro lugar, o direito do sindicato descontar em
folha, sem ônus para a entidade sindical, o valor das mensalidades e contribuições
definidas em assembleia geral da categoria – por meio desse mecanismo, assegura-se o
dinheiro necessário para o funcionamento das entidades sindicais.
Há mais dois outros direitos diretamente relacionados à organização sindical –
direito de negociação coletiva e direito de ajuizamento individual e coletivamente frente
à justiça do trabalho. Essas duas alíneas, no entanto, geraram uma discussão enorme,
porque a administração passou a questionar se era possível ou não assegurar aos
sindicatos de servidores públicos essas funções. No caso da negociação, o argumento
contrário utilizado era o de que a administração pública não se rege com os mesmos
princípios do empregador do setor privado, devendo sempre atuar com os princípios do
direito público, em especial o da legalidade, sendo preciso que a lei determine os
parâmetros de atuação do administrador, inclusive no que se refere a uma política de
tratamento dos recursos humanos. Quem pode estabelecer as condições de trabalho do
servidor é o parlamento, e não o executivo em negociação com o sindicato, não devendo
ser assegurado ao sindicato de servidores públicos o direito de negociação do mesmo
modo que o setor privado. Com base nesse argumento, foi questionado esse dispositivo
do art. 240 da lei quando assegurava o direito à negociação, e o STF, na ADIn 492-1,
acabou por decidir que esse dispositivo era inconstitucional. Extirpou-se da lei a alínea
d, desse artigo, que falava em direito de negociação coletiva. Isso criou uma situação,
ao ver do professor, um pouco estapafúrdia. A CF garante o direito de sindicalização e
greve, só que a lei não assegura a negociação – cria-se uma situação capaz de gerar
impasse – pode ter greve, mas aí o administrador vai se valer da restrição do STF para
não negociar com o servidor; e aí verificamos como a questão da greve no setor público
acaba tendo características diferentes das ocorrentes no setor privado, justamente por
essa peculiaridade no setor negocial, que dá azo a uma situação cômoda para o
administrador, amparado na prerrogativa de impossibilidade de negociação, para deixar
o conflito latente rolar, sem esforço para tentativa de satisfação de interesses dos
trabalhadores e, em última análise, interesse da sociedade.
Por meio dessa ADIn, o STF também suspendeu a constitucionalidade do outro
direito. O argumento foi o de que os servidores públicos, quando regidos pelo regime
estatutário e não pelo celetista, não teriam essa possibilidade de discutir as condições
de trabalho no Judiciário, porque a organização judiciária brasileira leva em
consideração o ente empregador quando se fala na administração pública, vale dizer,
todas as causas que envolvem a União (empregador do servidor público), tem de
reivindicar seus interesses no judiciário perante à Justiça Federal, e não do Trabalho.
Nos estados e municípios, o servidor público estatutário deveria entrar com uma ação
na justiça comum estadual. Se não houver estatuto no município e houver regime
celetista dos servidores públicos, o que é uma possibilidade, aí pode-se entrar na Justiça
do Trabalho.
Lei 8.112/90. Art. 240. Ao servidor público civil é assegurado,
nos termos da Constituição Federal, o direito à livre associação
sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:
a) de ser representado pelo sindicato, inclusive como
substituto processual;
b) de inamovibilidade do dirigente sindical, até um ano após
o final do mandato, exceto se a pedido;
c) de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a
que for filiado, o valor das mensalidades e contribuições definidas em
assembleia geral da categoria.
d) de negociação coletiva; (Mantido pelo Congresso Nacional)
(Revogado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
e) de ajuizamento, individual e coletivamente, frente à Justiça
do Trabalho, nos termos da Constituição Federal. (Mantido pelo
Congresso Nacional) (Revogado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
Isso cria um modelo, ao ver do professor, inadequado, mostrando a necessidade
de uma reforma no Brasil, porque na prática há um superpoder da administração em
face dos servidores públicos e um salvo-conduto para o administrador tocar a
administração sem a necessidade de negociar e ouvir o sindicato para decidir a definição
das condições de trabalho mais adequadas para determinado grupo – há um
sindicalismo pela metade, pois os sindicatos não têm poder de negociar. Ele não vê
problema em a administração negociar com o sindicato no que tange às condições de
trabalho, devendo a administração então encaminhar um projeto de lei ao parlamento.
Ou seja, o processo legislativo também seria permeado pela negociação, que seria então
compartilhada pelo executivo e o legislativo, devendo o parlamento assumir a
responsabilidade pela aprovação ou não daquilo que foi negociado. A greve pressupõe
a possibilidade de negociação, sendo nisso baseada a contradição existente. Esses
problemas são, ainda, o desafio que o Brasil tem a enfrentar no campo da organização
sindical no setor público, porque existem mecanismos para realização de manifestações
e greves, mas não existem os elementos indispensáveis para a resolução desses conflitos
na área pública, criando essa dificuldade prática. Seria indispensável, portanto, uma
revisão desse modelo torto, no sentido do avanço da negociação, não devendo haver
essa dependência da boa vontade do administrador. Em SP, uma lei própria estabeleceu
mecanismos para que possam ser atendidos esses problemas.
VIII. FALTEI NESSA AULA
IX. CONFLITOS DO TRABALHO
1. Individuais x coletivos
2. Econômicos (ou de interesses) x jurídicos (aplicação/interpretação)
O direito do trabalho se caracteriza por uma pluralidade de centros de criação
de normas jurídicas. Quando um grupo de trabalhadores, então, apresenta para um
sindicato patronal ou para a empresa um rol de reinvindicações trabalhistas, há a
possibilidade de uma negociação e criação de direito. E é esse momento que nos
interessa em especial, justamente por que isso nos levará à possibilidade de, por meio
de negociação, criar normas trabalhistas como os acordos ou convenções coletivas de
trabalho. Amaury Mascaro já dizia que o direito do trabalho se caracteriza por uma
normatividade intrínseca aos conflitos trabalhistas.
Temos os conflitos individuais, que se configuram quando se envolve a figura de
um trabalhador em especial com o tomador de seus serviços. Também, temos os
conflitos coletivos, quando se extrapolam os interesses de um só indivíduo e estão
afetos a toda uma coletividade de trabalhadores. Nestes, ganha uma especial dimensão
a presença da entidade representativa desses trabalhadores, o sindicato, que é quem
estará envolvido com a negociação com a empresa que se relaciona com o trabalhador
no que toca àqueles direitos.
Essa dicotomia precisa ser examinada com certo cuidado, porque pode levar a
uma dificuldade de interpretação em determinadas situações. Parece óbvio que o
conflito individual se relaciona com uma unidade de trabalhador. Mas às vezes, há
situações em que o direito individual de um trabalhador estão também voltados aos
interesses da própria categoria da qual ele faz parte; deixa de ser um conflito individual
na medida em que suas repercussões refletem na esfera da coletividade e em seus
interesses. Por isso, precisa-se verificar os interesses juridicamente protegidos e que
estão em jogo no conflito trabalhista.
Falando sobre os conflitos coletivos, podemos dividi-los em econômicos e
jurídicos. Os conflitos econômicos são aqueles que visam à criação do direito, a criação
de uma nova norma que vai impor uma condição diferenciada de trabalho. Esse conflito
econômico enseja uma negociação, que vai criar uma norma (acordo coletivo ou
convenção coletiva de trabalho) que, uma vez colocada em negócio jurídico, passa a ter
aplicabilidade e eficácia aos contratos individuais de trabalho; isso se dá da mesma
maneira que a lei, de certo modo, com, evidentemente, uma restrição de aplicabilidade
aos grupos representados pelos sindicatos envolvidos.
Já os conflitos jurídicos, ou de direito, são aqueles relacionados à aplicação ou
interpretação do direito. Vale dizer, diferentemente do modelo anterior, estamos
falando não da criação de uma nova norma jurídica, mas sim da aplicação ou
interpretação de uma norma já existente. Nesse caso, então, não há um objetivo do
grupo de estabelecer uma nova condição de trabalho, mas sim verificar a condição de
trabalho já existente e a forma correta de aplicar e entender a norma que afirma tal
condição.
X. NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO (Professor substituto)
Uma das principais fontes normativas do direito do trabalho é o fruto da
autocomposição entre as partes contrapostas; são normas coletivas que são aplicadas
às relações individuais de trabalho. Prevalece, em regra, a mais benéfica ao trabalhador.
Podemos entender por negociação o processo tendente a realizar um negócio;
são tratativas e conversas que visam a compor interesses contrapostos. Quando a gente
fala no direito do trabalho, a mercadoria de troca é especial, que é a força de trabalho,
trazendo como potencial a sua autovalorização. Na sociedade capitalista, a força de
trabalho é a mercadoria, que além de se autoreproduzir, também permite ao capitalista
extrair a “mais-valia”, que é uma agregação de valor.
Portanto, trata-se de uma negociação muito particular, envolvendo interesses
do capital e do labor de lados conflitantes. E por conta disso, surgem os conflitos de
trabalho, entre forças produtivas de um lado, e o capital do outro, assim entendido
como os meios de produção, que se configuram pelo conjunto de toda a maquinaria e
instalações (capital morto), combinado com dono, que remunera a força de trabalho
(capital vivo).
Quando se fala em negociação coletiva de trabalho, pressupõe-se a
representação de interesses. Sai-se da esfera de interesses simplesmente individuais,
parte a parte, numa relação primária de mercado, onde o capitalista contrata o operário,
para passar a uma relação coletiva de trabalho, de forma que a contratação é feita de
modo que envolva todo um grupo, e pressupõe a representação do interesse deste.
Quem são as pessoas coletivas do direito do trabalho? Por excelência, temos os
sindicatos. Via de regra, só pela representação sindical, que pode se dar em vários níveis,
é que os trabalhadores são representados. Já as empresas podem aparecer para se
relacionar individualmente como pessoas jurídicas, ou através de sindicatos patronais.
A negociação coletiva sempre terá atores coletivos, que representam interesses,
diferentemente de uma representação política. Nesta, há um mandato livre, naquela, o
mandato é vinculado, de modo que o eleito deve sempre representar os interesses da
categoria, e não sua própria consciência, por assim dizer.
Normalmente, o principal ponto de tratativa são as questões salariais; no
entanto, no passado, era comum que o ponto se desse sobre o trabalho feminino,
jornada de trabalho, etc. A cada tempo da história, temos como principal elemento uma
das condições de trabalho, variando de acordo com a conjuntura econômico-social da
sociedade que se analisa. Há uma gama muito grande de condições de trabalho que
podem ser objetos de negociações coletivas; todas elas, evidentemente, visam a compor
um conflito de interesses.
Nessa matéria, temos a Convenção 154 da OIT, que trata de negociações
coletivas; não é a única, mas em seu art.2º, enuncia uma espécie de conceito do que
seria negociação coletiva: a expressão “negociação coletiva” compreende todas
negociações que tenham lugar entre, de uma parte, o empregador, grupo de
empregadores, ou uma ou várias organizações de empregadores, e de outra parte uma
ou várias organizações de trabalhadores. A OIT tenta definir quais são as partes que
podem fazer parte de uma negociação coletiva.
Convenção 154, OIT. Art. 2º. Para efeito da presente
Convenção, a expressão "negociação coletiva" compreende todas as
negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador,
um grupo de empregadores ou uma organização ou várias
organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias
organizações de trabalhadores, com o fim de:
a) fixar as condições de trabalho e emprego;
b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores;
c) regular as relações entre os empregadores ou suas
organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou
alcançar todos estes objetivos de uma só vez.
Outra definição relevante é a que nos faz o professor Ari Beltran: “negociação
coletiva são quaisquer espécies de discussões bilaterais ou tripartites relativas aos
problemas de trabalho”. Ele inclui no conceito de negociação coletiva não só a
negociação direta entre as contrapartes, mas também um terceiro elemento, o Estado
como partícipe dessas negociações. Ao fazê-lo, ele inclui, na acepção mais ampla de
negociação coletiva, os chamados pactos sociais, que são feitos em âmbito mais geral,
para defesa de políticas econômicas e de emprego.
“A negociação decorre de uma ação dos trabalhadores, empregadores e
autoridades governamentais; cada um, a seu ponto de vista, desenvolve posições a
procura de eventual composição de compromisso. A negociação, assim, seria uma
estratégia; da parte do governo não é diferente – quando ele atua, tem interesses no
mercado nacional, que também o faz, às vezes, cobrar algumas posições do capital e dos
trabalhadores, e, ao mesmo tempo, reivindicar outras. Essas estratégias todas tendem
a buscar uma normatização, mas não significa que vão, necessariamente, encontrar,
podendo a negociação restar inconclusiva.
Quando não exitosas, as negociações podem suscitar outros tipos de
movimentos, como greves e etc., que são movimentos de autodefesa do sistema
trabalhista.
Fórum (???) Sindical. Art. 96. Negociação é o procedimento adotado por atores
coletivos visando à celebração de contrato coletivo ou resolução de conflitos coletivos
do trabalho.
A doutrina italiana prega que o contrato coletivo de trabalho não é simplesmente
um conjunto de normas que se exaure em si mesmo, ou que possa ser estudado
isoladamente do contexto de relações industriais existentes em certo momento
histórico em determinado pais ou área de produção. É o processo mais amplo através
do qual os sindicatos de trabalhadores e associações de empregadores, ou os
empregadores diretamente, recorrendo aos meios de pressão de que dispõem (greve e
capacidade de resistência, respectivamente), definem, conjuntamente, a
regulamentação das relações individuais e coletivas de trabalho. A contratação coletiva
constitui, portanto, um método principal de composição do conflito e atividade
fundamental através da qual o sindicato tutela os interesses das pessoas que ele
representa. Ao professor parece que a definição tem um mérito de mostrar o que é o
processo de negociação coletiva de trabalho.
Podemos enxergar as negociações de acordo com os elementos que as
compõem. Em termos de elementos subjetivos, temos os atores sociais coletivos; em
termos de elementos objetivos, temos as relações individuais e coletivas de trabalho.
A negociação, evidentemente, não é um ato isolado, mas sim um ato
procedimental. Ou seja, não pode se dar sem nenhuma regra pré-fixada, possuindo,
também, ritos e formas de se processar. Poderíamos até fazer uma analogia a um
processo civil/administrativo, que tem uma vocação, qual seria, no caso trabalhista, a
persecução de um resultado consistente em formalização de um acordo.
Diferentemente de um processo judicial, que necessariamente chega a uma
decisão, a negociação coletiva nem sempre chega a uma, mas ela tem fases de
desenvolvimento, e muitas vezes essas fases são objeto de regulamentação por acordo
precedente. Isso significa que a negociação tem pressupostos para sua instituição,
desenvolvimento e validade, que começam com a legitimação das reivindicações, se
desdobram com o diálogo, com os procedimentos e prazos, até chegar num resultado,
que pode ser a celebração do acordo, a desmobilização, ou autodefesa do conflito,
através de greve.
Esses procedimentos não são regulamentados em lei; a legislação brasileira
dispõe acerca de alguns aspectos nesse viés, que são precedentes da convenção e
acordo coletivo, consequentemente pressupostos da negociação coletiva (CLT), mas não
disciplina necessariamente os ritos negociais.
Uma negociação coletiva pode ser feita em diferentes níveis – no nível da
empresa, no nível de uma atividade econômica, no nível de um setor econômico, ou até
em nível nacional. Ela pode ser feita de forma centralizada, ou pode ser feita de forma
descentralizada, dependendo de quais são as entidades que nela atuam.
A negociação pode ter um caráter determinado, ou seja, um objeto que se esgota
– um ponto de conflito único, que resolvida a negociação, desaparece –, ou pode ter um
propósito permanente ou continuado, ou seja, são negociações que periodicamente se
refazem em função de um objeto periodicamente assim o requerer.
Via de regra, as negociações coletivas começam com a previsão previa de
aprovação de uma pauta de reivindicações. O direito brasileiro exige que as
reivindicações sejam definidas pela instância sindical apropriada para isso, que é a
assembleia geral. O primeiro ato de uma negociação coletiva é, portanto, em regra, a
convocação de uma assembleia geral para definição dos interesses a serem defendidos
pela categoria.
Definida a pauta, a contraparte é notificada para dar início ao processo de
negociação coletiva. O primeiro sindicato define as reivindicações, geralmente
formulada sobre forma de cláusulas, e apresentada à entidade patronal, para que ela
tome conhecimento e responda essas reivindicações. E aí começam os grandes
problemas da negociação coletiva, porque a legislação não estipula prazos e ritos para
isso. A capacidade de resistência do empregador é movida por ausência de respostas
objetivas às reivindicações, fazendo com que o processo de negociação seja postergado,
criando vários problemas e originando conflitos. Todavia, a negociação coletiva é
pautada por alguns princípios, que evidentemente tem fundamento na constituição
federal, e alguns na legislação.
O primeiro princípio fundamental é o da lealdade e boa-fé objetiva. Durante
muito tempo isso foi questionado, mas hoje em dia o Código Civil dá respaldo normativo
a esse princípio (art. 422, CC). Negociar de má-fé seria, em primeiro lugar, postergar a
negociação sem motivos, por exemplo; também, poderia ser sonegar informações
importantes, indicar pra mesa de negociação prepostos não autorizados ou desprovidos
de poderes, etc. O que se tipifica aqui no Brasil é a recusa à negociação.
CC. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé.
O Judiciário anomalamente decide questões de conflitos coletivos do trabalho.
Anomalamente porque a priori esse Poder deve dirimir sobre conflitos de direito, e não
conflitos de interesse. O Judiciário estaria, portanto, legislando, o que configura o
exercício de uma função constitucionalmente não garantida a esse Poder. No entanto,
se tivéssemos lei regulando mais minuciosamente as relações de trabalho, não haveria
necessidade para essa anomalia sistemática.
Com a CF88, foi mantido o poder normativo da JT. Somente com a Emenda 45
de 2004 esse poder foi mitigado. A proposta era de extinção, mas ele de alguma forma
acabou sobrevivendo. Ele foi mitigado pelo uso de uma expressão, a de “comum acordo”
– condição para a resolução de dissídio coletivo de trabalho. Isso significa que o
julgamento tipicamente foi conduzido a um juízo arbitral, e a arbitragem só é possível
se as partes concordarem com a arbitragem e a nomeação de determinado árbitro. Essa
expressão vem sendo interpretada até hoje de forma diferente pelos tribunais do
trabalho – os regionais tendem a dar menor importância à expressão, dando
abrangência e força muito relativas ao comum acordo, e o TST tem o entendimento de
que o comum acordo é uma das condições e pressupostos processuais para que o
dissídio coletivo possa se resolver, de modo que sua ausência causa a extinção.
Isso tudo na hipótese de frustração da autocomposição. Mas e sendo exitosa as
negociações? O Brasil prevê, nas figuras originais da CLT, dois instrumentos jurídicos que
traduzem uma negociação coletiva de trabalho – a convenção coletiva de trabalho e o
acordo coletivo de trabalho. A diferença entre esses instrumentos diz respeito à
abrangência, e consequentemente à capacidade e interesses subjetivos envolvidos. A
convenção coletiva é definida na lei como o acordo entre um ou mais sindicatos de um
lado, e um ou mais sindicatos de empregadores de outro. Na convenção coletiva temos
essa relação mais categorial. Já no acordo coletivo de trabalho, a representação dos
trabalhadores continua sendo mantida pelos seus respectivos sindicatos, mas o acordo
pode ser com uma empresa só apenas, com um único empregador ou grupo de
empregadores. Isso traz, também, algumas consequências no plano do
desenvolvimento das negociações. A convenção, por se tratar de acordo amplo de
categoria, requer uma assembleia geral de categoria, onde participam os associados do
sindicato para efeitos de voto; embora se aplique a todos os integrantes da categoria,
pela dicção da CLT, apenas os associados é que participam com direito à voz e voto, ou
efeitos de verificação de quórum. Já na assembleia que vai autorizar o sindicato a
negociar um acordo coletivo de trabalho com determinada empresa, a legislação diz que
da assembleia devem participar os interessados, associados ou não; portanto, para se
fazer um acordo coletivo com determinada empresa, não basta o sindicato convocar
uma assembleia geral da categoria sem verificar a participação daqueles
verdadeiramente interessados. Os artigos da CLT que disciplinavam o quórum dessas
assembleias foram considerados como não recepcionados pela ordem constitucional
por interferirem na autonomia sindical.
Num conflito de normas trabalhistas, prevalece a mais benéfica para o
empregado, em via de regra. Num conflito de convenção e acordo coletivo de trabalho,
vai permanecer a norma mais benéfica. Um acordo coletivo não pode diminuir
condições que já forma estabelecidas em convenção coletiva para a mesma empresa. O
grande problema prático disso é que uma convenção e acordo coletivo de trabalho são
instrumentos de muitas cláusulas, e as vezes uma é negociada com a outra – qual é mais
vantajoso: 7% de ajuste salarial e garantia de emprego de dois anos, ou 10% de ajuste
salarial sem garantia de emprego? Aí começam a se encontrar alguns problemas –
devemos analisar o instrumento como um todo ou analisar cláusula à cláusula? Existe a
teoria do conglobamento, que considera o contrato como inteiro (ou um ou outro, não
adianta pinçar o que é melhor de um com o melhor de outro); por outro lado, existe a
teoria da fragmentação, que considera cada parte do contrato para fins de comparação.
Os juízes aplicam ambas de acordo com suas concepções.
XI. DIREITO DE GREVE
1. Fundamentos históricos
2. Conceito
3. Natureza jurídica
4. Titularidade
5. Lei nº 7.783/89
a. Abuso do direito
b. Serviços e atividades essenciais
c. Limitações
Em primeiro lugar, a greve constitui, antes de mais nada, um fato social, e é assim
que ela precisa ser valorada pelo direito. Na verdade, o sistema jurídico vai valorar a
greve de uma forma positiva ou negativa, dependendo do momento histórico, da
conjuntura em que se vive e em que direito o movimento (fato social) acontece. De tal
maneira que podemos fazer uma separação em três grandes momentos históricos do
tratamento de greve.
O primeiro é um momento em que a greve é considerada um fato socialmente
danoso; ora, ao verificar que a greve é um fato que causa um dano à coletividade, a
greve então já foi valorada pelo direito como um delito, sendo inserida dentro do
sistema jurídico como um fato a ser repudiado pelo direito. Num segundo momento,
pensa-se na greve como um fato socialmente indiferente, ou seja, um fato acerca do
qual a sociedade deveria manter uma indiferença, tanto em relação ao direito de greve
quanto à ideia da greve, por considera-la um fato sem relevância jurídica à sociedade;
nesse segundo momento, fala-se em “liberdade de greve”, mas com abstenção estatal.
Num terceiro momento, fala-se na greve como um fato socialmente útil, de modo que
é reconhecida certa utilidade da greve para a sociedade em geral, de tal maneira que
caberia ao direito do trabalho reconhece-la como um direito aos trabalhadores.
Primordialmente, no Brasil, a greve era um fato social, mas com indiferença de
intervenção estatal. No governo de GV, a partir do Estado Novo, com a Constituição de
1937, o Estado passa a tratar a greve como um fato socialmente danoso, um delito, a
ponto de ter ido parar no código penal, e a CF37 ter dito que a greve era um fato
antissocial, nocivo ao capital e ao trabalho, e, por isso mesmo, proibida. Aderir a um
movimento grevista abriria ensejo para se processar o empregado, até penalmente. Essa
resistência à greve não poderia subsistir ao avanço do capitalismo e relações sociais –
com a redemocratização de 1946, na CF, reconhece-se a greve como um direito dos
trabalhadores. Ocorre que, mesmo sendo um direito reconhecido constitucionalmente,
não seria um direito a ser exercido sem limitações. Então, o que se jogava na ideia da CF
era que o Estado reconhecia esse fato como útil (porque por meio da greve se quebra a
estrutura de equilíbrio nas relações de trabalho, de maneira a exigir do empregador uma
resposta às reivindicações dos trabalhadores, buscando a consecução de uma
negociação de uma norma coletiva de trabalho), mas a ser exercido com limitações, que
deveriam ser estabelecidas pela legislação infraconstitucional, de tal maneira que
sempre se buscou estabelecer uma regulamentação para o direito de greve. De 46 em
diante, em todo o período histórico evidenciado pelo BR, tivemos leis tratando de como
exercer o direito de greve.
Num primeiro momento, logo após a CF46, tínhamos uma legislação que tratava
sobre como a greve poderia ser exercida, mas claramente estabelecendo restrições, que
levavam em conta o tipo de atividade executada pelo trabalhador. Se a paralisação de
uma certa atividade afetaria a sociedade como um todo, haveria maior limitação, por
exemplo.
No período militar, em 64, tivemos a edição de uma nova lei de greve. A lei 4.330
edita a regulamentação do exercício do direito de greve. Com a CF67, a greve continua
a ser reconhecida como direito, mas a ser exercido com as limitações colocadas pela lei
de 64. Ocorre que essa lei, dentro de um regime mais repressivo, que aos poucos
inclusive fecha-se para todas as liberdades democráticas, dá mecanismos para o Estado
reprimir o movimento dos trabalhadores, inclusive com exigências formais que
colocavam em cheque a própria realização dos movimentos; há a colocação da discussão
da viabilidade ou não da concretização do fato social. Ela estabelecia, por exemplo, que
para a deflagração do movimento, seria necessária uma realização de assembleia da
categoria, em que as reivindicações e a eventual paralisação deveriam ser aprovadas
pela categoria por meio de votação em urna, com voto secreto. Ora, essa inserção de
mecanismos formais para a aprovação da greve, com formalidades que se mostravam
tantas vezes excessivas, geravam, na prática, uma forma de o Estado vigiar o movimento
social, uma forma de ele estar presente no dia-a-dia da categoria profissional, evitando
ou podendo evitar a deflagração de um movimento, ou reprimi-lo, se necessário fosse.
As greves, então, nesse período, eram aprovadas com uma grande participação da
sociedade civil na movimentação dos trabalhadores, como a dos metalúrgicos do ABC;
verificava-se a movimentação dos trabalhadores contra as normas trabalhistas e
condições de trabalho em resposta à postura autoritária do governo. Então as greves
eram aprovadas de modo a contestar trabalhista e politicamente o regime vigente,
contestando a ditadura militar e a política salarial por ele imposta. Porém a greve era
aprovada em total desacordo com a lei 4.330. O contexto da lei de greve era repressor,
apesar do instituto estar previsto na Constituição.
Isso muda com a CF88, já num contexto de verdadeira redemocratização do
Estado, porque ela traz uma definição da greve e do direito de greve com uma postura
muito mais permissiva do que aquela que até então vigorava no ordenamento jurídico
nacional. Em seu art.9º, encontramos uma locução interpretada de uma forma muito
ampla:
CF. Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender.
Ora, ao estabelecer a greve nesse contexto, a CF dá um recado muito claro, o de
que quem decide quando e como fazer uma greve são os trabalhadores. Quem decide
sobre quais os interesses que devem ser defendidos por meio da greve são os
trabalhadores, não podendo o Estado interferir na definição por parte dos trabalhadores
acerca de como e quando exercer a greve. Mas isso não daria uma abertura ampla
demais, até em função do próprio conceito histórico da constituinte de 87/88, e o jogo
de forças existente no congresso nacional? Os parágrafos do art. 9º estabeleceram
alguns caminhos e direções que o legislador infraconstitucional deveria tomar no que se
refere à regulamentação da greve.
§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e
disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da
comunidade.
§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas
da lei.
Em primeiro lugar, dizem que os abusos do direito de greve sujeita os
responsáveis às penas da lei – não se disseram as penas, mas apenas que haveria algum
tipo de punição. O outro parágrafo se coloca no sentido de que no caso de serviços e
atividades essenciais, a greve seria sim permitida, mas dependeria de uma
regulamentação pela lei, de forma a atender às necessidades inadiáveis da comunidade.
Pode ter greve? Pode, mas quando realizada, deveria pelo menos atender às
necessidades inadiáveis da comunidade por ela atingida. Ou seja, estamos falando de
uma certa solução de compromisso: caput dando abertura ampla, mas os parágrafos
fixando certos critérios de regulamentação infraconstitucional para limitar o direito do
exercício de greve.
Com a aprovação da CF, uma das primeiras conclusões que se tira, na entrada
em vigor da nova ordem constitucional, era de que a antiga lei de greve era incompatível
com a nova ordem constitucional, não devendo, portanto, ser recepcionada. Nos
primeiros meses de vigência da nova CF, então, o Brasil se depara com um momento
histórico de grandes reivindicações sociais por meio de greves, e o Estado verifica uma
dificuldade em lidar com aquele contexto democrático da greve (governo do presidente
José Sarney). Esse governo ficou marcado por uma inflação elevada e uma tentativa de
enfrentar os surtos inflacionários por meio de planos econômicos (Plano Cruzado). As
medidas acabaram fracassando, mas tiveram grande influência no movimento
trabalhador, o que, em conjunto com a CF88, causou uma grande explosão dos
movimentos. Não havia, assim, como o Judiciário declarar ilegalidade das greves.
Assim, logo no início de 89, ocorre uma grande greve geral no Brasil, contra o
governo e sua política econômica, cuja repercussão política foi enorme. Isso leva o
governo Sarney a, de alguma maneira, acelerar a regulamentação do direito de greve,
para poder melhor lidar com esses movimentos. Sarney manda uma MP (efeitos já
imediatos) ao Congresso Nacional (novidade no ordenamento), e esta foi aprovada em
tempo recorde. Em junho, a lei 7.783 foi aprovada, convertendo a MP do Sarney, com a
definição de uma série de conceitos e previsão de uma regulamentação do exercício do
direito de greve.
Pela Lei de Greve, temos que greve, pro direito brasileiro, é a suspensão coletiva,
temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços a empregador.
Por aí, já tiramos algumas conclusões acerca da limitação do direito de greve. No próprio
conceito, quando a lei diz que greve é suspensão de prestação pessoal de serviços ao
empregador, ela estabelece que a greve só pode ser exercida por empregados, visto que
somente presta serviços ao empregador, o empregado. No entanto, sabemos que as
prestações de serviço podem se desenvolver de outras formas que não o emprego. Isso
já configura, sem dúvida nenhuma, uma restrição. Ocorre que a greve, como dito antes,
é um fato social; não é porque a lei diz assim, que não haverá greves dos mais diferentes
tipos de trabalhadores em toda e qualquer relação de trabalho (vide greve de
estudantes da SanFran, por exemplo). O fato acontece, e se acontecer, não há como se
deixar de reconhecer que a CF permite esse direito.
“Suspensão coletiva, temporária e pacífica”. Temos aí alguns elementos que nos
permitem tirar algumas conclusões sobre a greve. É claro que é um movimento coletivo
– não há greve individual; a greve é um movimento sempre coletivo. Sempre temporário
também: tem um período de duração vinculado ao próprio processo de negociação
coletiva, configurando arma dos trabalhadores para convencer o tomador dos serviços
de que há necessidade de atendimento às reivindicações. A greve, diz a lei, é um
movimento pacífico. Ora, a presença então, de elementos de violência, que afrontem a
ideia de um movimento pacífico, leva a um reconhecimento de que a greve desrespeita
os parâmetros legais. Será que os atos violentos dos trabalhadores grevistas no sentido
de convencer seus colegas trabalhadores não iriam em desatendimento com a ideia de
pacifismo da greve? Isso terá repercussão, então, na discussão acerca do abuso do
exercício de direito. O art. 14 da lei diz que a desobediência de qualquer dispositivo da
referida lei é um abuso de direito. Isso dá ensejo a diversos questionamentos judiciais
quanto à legitimidade do movimento grevista. A empresa, por meio do dissidio de greve,
pode levar à justiça a discussão acerca das condições em que se dá o movimento,
alegando que com o descumprimento de uma das normas da lei de greve, temos a
abusividade do seu exercício.
Lei 7783/89. Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a
inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a
manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção
ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou
sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de
greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou
condição;
II – seja motivada pela superveniência de fatos novo ou
acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação
de trabalho.
Qual a natureza jurídica da greve? A natureza jurídica da greve, então, a partir
do art. 2º, é de suspensão do contrato de trabalho. A greve é um meio de pressionar o
empregador a atender à reivindicação dos trabalhadores, que se configura pela
paralisação da prestação pessoal de serviços. Significa, então, que durante a greve, o
contrato de trabalho fica suspenso. Isso tem uma repercussão jurídica concreta –
estamos falando de uma paralisação de todos os efeitos do contrato de trabalho durante
a greve, havendo abstenção da maior obrigação nele prevista (prestação pessoal), mas
por outro lado isso gera ao empregador também o direito de paralisar o pagamento dos
salários e direitos trabalhistas correspondentes. A greve não é um período de férias,
evidentemente. Não por outro motivo, por ter efeito para os dois lados, todas vezes que
estamos diante de movimentos grevistas, uma das reivindicações dos trabalhadores é a
do pagamento dos dias de paralisação; a empresa vai decidir, no fim das contas, como
vai realizar a negociação coletiva, modificando condições de trabalho ou não, mas
sempre é necessário discernir acerca da questão do pagamento dos dias parados, em
atendimento aos trabalhadores e tendo em vista a pacificação que se busca obter com
a solução da greve. É uma concessão feita pela empresa diante da reivindicação trazida
pelos trabalhadores.
Lei 7783/89. Art. 2º. Para os fins desta Lei, considera-se
legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária
e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a
empregador.
Chegamos à questão da titularidade. A greve é um direito de titularidade do
trabalhador individualmente considerado ou é um direito do sindicato? Quem é que
pode definir que os trabalhadores estão de greve e então informar ao empregador esta
situação e a ocorrência desse fato social? A questão aqui é bastante complexa, porque
já vimos que a negociação coletiva é uma prerrogativa do sindicato (art. 8º, CF – cabe
ao sindicato promover a negociação coletiva de trabalho). Ora, significa então que toda
vez que existe uma reivindicação da categoria profissional, dos trabalhadores que é
levada ao empregador, em que se abre uma discussão, o sindicato é o interlocutor oficial
previsto na CF, de tal maneira que não há que se falar em greve sem a presença do
sindicato.
Porém, o titular do direito não é o sindicato propriamente dito, mas sim o
trabalhador por ele representado. Quem decide se quer ou não fazer greve é o
trabalhador. A direção pode até propor a greve em determinados moldes e encaminhar
a votação e a proposta, mas quem decide, efetivamente, se a greve deve ou não
acontecer, é a assembleia, o conjunto dos trabalhadores envolvidos. A greve pode ser
total ou parcial (de toda ou parte da categoria; de toda ou uma parte da empresa) – a
assembleia dos envolvidos é quem define o modo de realização do movimento, e a partir
dessa definição cada trabalhador individualmente é livre para decidir se adere ou não
ao movimento.
Cada indivíduo pode decidir se vai ou não trabalhar independentemente da
deliberação aprovada pela assembleia. E é por isso, também, que a própria lei de greve
prevê como uma das garantias asseguradas aos grevistas aquela de se fazer proselitismo
no movimento – sindicato parar na porta da empresa e levar caminhão de som,
propaganda da greve, panfletos, etc., para poder convencer os trabalhadores a
participarem da paralisação; mas a decisão é e continua sendo individual. A participação
em assembleia pressupõe a associação do trabalhador da categoria ao sindicato. Isso
muitas vezes coloca um confronto entre trabalhadores, causando divisões dentro do
grupo.
Como se contorna a situação de um trabalhador não aderir à greve mas receber
os efeitos da greve coletivamente? Aquilo que o sindicato conquistar se aplica a todos,
até por nosso modelo de organização sindical. A parte boa da negociação se aplica aos
que não aderiram ao movimento. A parte ruim não se aplica a ele, porque ele não foi
grevista. A titularidade do direito de greve é do trabalhador individualmente
considerado, mas a greve é um direito de exercício coletivo, declarado pelo sindicato.
Só pode aderir à greve, desde que uma assembleia coletiva tenha definido pela
paralisação, e quem conduz isso é a entidade sindical, já que o sindicato detém o
monopólio de representação do grupo em negociação coletiva. É um direito individual,
exercido coletivamente, declarado pelo sindicato.
Falemos agora do abuso de direito tratado na Lei 7783/89. O exercício do direito
de greve de forma considerada abusiva, que extrapola os limites assegurados pela lei,
sujeita os responsáveis a punições, que podem se dar em três campos: trabalhista, civil
e penal. Quando estivermos falando de uma greve abusiva, os responsáveis podem ser
punidos.
No campo trabalhista, a punição é aquela prevista na legislação celetista, como
uma decorrência do poder disciplinar do empregador – se ficar reconhecido que durante
a greve um trabalhador cometeu algum abuso no exercício do direito, ele pode ser
punido disciplinarmente pelo empregador (advertência, suspensão, e até justa causa,
no limite). Mas se a greve for considerada legítima e não abusiva pela Justiça, isso
impede que o empregador aplique qualquer sanção ao trabalhador. Diferente é a
situação de reconhecimento de abusividade. Se a JT reconhecer o exercício abusivo do
direito de greve, descumprindo determinados requisitos da lei, isso dá ensejo à punição
dos grevistas pelo empregador, até com justa causa se necessário for. Mas vejam,
apenas se reconhecida a abusividade, porque durante a greve estamos falando de um
exercício de direito. O empregador não pode contratar um substituto durante a greve
(defeso expressamente em lei). Temos também a responsabilização civil, no âmbito do
direito civil.
Pode acontecer de a greve não ser considerada abusiva mas haver certos abusos
pontuais ao exercício do direito de greve; nesses pontos, cabe a responsabilização civil
dos funcionários que cometeram esses atos lesivos.
Isso tudo não exclui a possibilidade de responsabilização penal dos indivíduos
envolvidos no movimento.
O direito existe, mas se você extrapola os limites estabelecidos pela lei, você
responde pelo seu ato individual. Essas são as consequências da própria regulamentação
dada ao art. 9º da CF.
Na Lei de Greve, no art. 14º, temos a definição do abuso de direito para fins do
julgamento da greve pela JT – abuso de direito de greve é a inobservância das normas
contidas na lei. Ora, uma greve que deixa de observar as condições previstas nessa lei,
em tese, pode ser então declarada abusiva pela JT. Por exemplo, uma delas é a
comunicação com antecedência da greve. No caso de atividade comum, essa
comunicação deve ser feita com 48 horas de antecedência, no caso de essencial, com
72 horas. Além disso, também se considera abuso no direito de greve a manutenção da
paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da JT. A Lei de Greve,
num contexto constitucional muito diferente do militar, contém mecanismos que
permitem uma repressão ao movimento de greve.
O parágrafo único desse artigo diz que na vigência de acordo, convenção, ou
sentença normativa, não constitui abuso do direito de exercício de greve a paralisação
que tenha I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
claramente, se foi celebrado uma negociação e a empresa não cumpre com sua parte, a
greve é legítima, não configurando abuso; II – se a greve for motivada por
superveniência a fato novo que modifique substancialmente a relação de trabalho –
aplicação ao direito do trabalho da teoria da imprevisão do direito civil; as condições
pactuadas no passado devem ser cumpridas – mas se houver uma mudança substancial
nas condições que levaram a pactuação daquele negócio jurídico, é legitimo um
movimento para sua alteração por meio de greve.