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8/12/2019 Cadernos Ellul Completo http://slidepdf.com/reader/full/cadernos-ellul-completo 1/295 A n a i s d o I S e m i n á r i o B r a s i l e i r o s o b r e o P e n s a m e n t o d e J a c q u e s E l l u l Os Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul vem a lume seguindo a trilha dos seus congêneres The Ellul Forum nos Estados Unidos, revista fundada em 1988 e dirigida atualmente por Clifford G. Christians da University of Illinois , Urbana (www.ellul.org) e dos Cahiers Jacques Ellul (www.jacques-ellul.org), na França, revista dirigida pelo professor Patrick Troude-Chastenet, da Université Montesquieu, Bordeaux IV . Com periodicidade anual os Anais publicam textos de diversos horizontes ideológicos e metodológicos, propondo-se servir como instrumento de ligação e de reflexão para todos os estudiosos e críticos da moderna sociedade técnica de expressão portuguesa, no entanto acolhem também colaborações em outros idiomas. Por tudo isso podemos dizer que esta publicação é decididamente sem fronteiras, aberta e interdisciplinar como o pensamento de Jacques Ellul Por uma análise crítica da moderna sociedade técnica FCL - Campus de Araraquara A N A I S JACQUES Anais do I Seminário Brasileiro Sobre o Pensamento de Jacques Ellul Novos Atores Globais, Técnica e Direito: um diálogo com Jacques Ellul ISSN 2176-6363

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A n a

i s d o

I S e m

i n á r i o

B r a s i l e

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b r e o

P e n s a m e n

t o d e

J a c q u e s

E l l u l

Os Anais do I Seminário Brasileiro sobre oPensamento de Jacques Ellul vem a lume seguindo atrilha dos seus congêneresThe Ellul Forum nos EstadosUnidos, revista fundada em 1988 e dirigida atualmentepor Clifford G. Christians da University of Illinois ,Urbana (www.ellul.org) e dos Cahiers Jacques Ellul (www.jacques-ellul.org), na França, revista dirigida peloprofessor Patrick Troude-Chastenet, da Université Montesquieu, Bordeaux IV .

Com periodicidade anual os Anais publicamtextos de diversos horizontes ideológicos emetodológicos, propondo-se servir como instrumentode ligação e de reflexão para todos os estudiosos e críticosda moderna sociedade técnica de expressão portuguesa,no entanto acolhem também colaborações em outrosidiomas.

Por tudo isso podemos dizer que esta publicação édecididamente sem fronteiras, aberta e interdisciplinarcomo o pensamento de Jacques Ellul

Por uma análise crítica da moderna sociedade técnica

FCL - Campus de Araraquara

A N

A I S

JACQUES Anais do I Seminário Brasileiro Sobre oPensamento de Jacques Ellul

Novos Atores Globais, Técnica e Direito:um diálogo com Jacques Ellul

ISSN 2176-6363

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Anais do I Seminário Brasileiro Sobreo Pensamento de Jacques EllulNovos Atores Globais, Técnica e Direito:

um diálogo com Jacques Ellul

2009

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Reitor

Herman Jacobus Cornelis Voorwald Vice-Reitor Julio Cezar Durigan

Diretor José Luís Bizelli

Vice-DiretorLuiz Antônio Amaral

Departamento de Administração Pública Faculdade de Ciências e Letras - Campus Araraquara

Diretor da publicação Jorge Barrientos-Parra [email protected]

Conselho EditorialProf. Dr. Alfredo José dos Santos, Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca

Prof. Dr. Antonio Carlos Gaeta, Universidade Estadual Paulista, Campus de AraraquaraProf. Dr. Daniel Bourmaud, Université de Pau et des Pays de l’AdourProf. Dr. Jorge Luís Mialhe, Universidade Metodista de Piracicaba Prof. Dr. Jorge Barrientos-Parra, Universidade Estadual Paulista, Campus de AraraquaraProf. Dr. Patrick roude-Chastenet, Université Montesquieu, Bordeaux IV Prof. Dr. Rui Décio Martins, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia MunicipalProf. Dr. Valdemir Pires, Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara

Os Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Elluconstituem produção cientíca do Grupo de Estudos sobre Jacques Elluldo Centro de Estudos e Pesquisas Prof. Dr. Luiz Fabiano Corrêa doDepartamento de Administração Pública da FCL/UNESP Campus de Araraquara.Os organizadores do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de JacqueEllul não se responsabilizam pelo conteúdo dos artigos publicados.

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Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul / Universidade EstadualPaulista, Faculdade de Ciências e Letras. – N.1 (2009). - Araraquara :Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista,2009–

Anual.Direção: Jorge Barrientos Parra.ISSN 2176-6363

I. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras.

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Sumário

EDITORIAL .....................................................................................................

PRÉFACE .........................................................................................................O PRIMEIRO SEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE O PENSAMENTO DE JACQ ........ 11CARTA DE SAUDAÇÃO DO PROF. PATRICK TROUDE-CHASTENET ASEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE O PENSAMENTO DE JACQUES ELLPRIMEIRA PARTE .......................................................................................... A Relevância do Pensamento de Jacques Ellul na Sociedade Contemporânea .

Jorge Barrientos-Parra História e Educação na obra de Jacques Ellul: aproximações brasileiras ..........

Jorge Luís Mialhe O Monitoramento do Indivíduo na Sociedade Técnica .....................................

Jorge Barrientos-Parra Elaine Cristina Vilela Borges Melo

A técnica e o Direito do trabalho: o papel dos novos atores globais em busca dregulamentação. Estudo de caso: o teletrabalho ...............................................

Rui Décio Martins O Controle na Sociedade Técnica: a contribuição de Jacques Ellul para a compEstado e da sociedade contemporânea ..............................................................

Marcus Vinicius A. B. de MatosPriscila Vieira e Souza de Matos

AS CARACTERÍSTICAS DA TÉCNICA MODERNA E OS ORGANISMOGENETICAMENTE MODIFICADOS ............................................................

Michelle Junqueira Tersi Jorge Barrientos-Parra

Desenvolvimento sustentável e técnica .............................................................

Maitê Preuilh Piedade Jorge Luís Mialhe TECNICISMO E SIMPLIFICAÇÃOVERSUS COMPLEXIDADE:CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO E A EDUCAÇÃO JURÍDICA A PDE JACQUES ELLUL E EDGARD MORIN ...................................................

Guilherme Perez Cabral Jorge Luís Mialhe

Os anseios coletivos por Justiça e a técnica jurídica .........................................

Denise de Souza Ribeiro Jorge Luís Mialhe

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SEGUNDA PARTE .......................................................................................... APRESENTAÇÃO ............................................................................................ A Questão do entretenimento na sociedade técnica ..........................................

Fabíola de Souza Carvalho Jorge Barrientos-Parra

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE TÉCNICA...................Camila Fátima dos Santos Jorge Barrientos-Parra

O Esporte na Sociedade Técnica ........................................................................Fabiana Tomé Uieda Jorge Barrientos-Parra

A Propaganda na visão de Ellul ........................................................................ Max L. B. Ferrari Marília G. Arantes Jorge Barrientos-Parra

A AUTONOMIA DA TÉCNICA NA VISÃO DE ELLUL ..............................Carla Barbieri Bombarda Mayra Bruna Francisco Jorge Barrientos-Parra

O UNIVERSALISMO DA TÉCNICA .............................................................Fernanda Sanches Ascencio João Pedro Prado Pires Jorge Barrientos-Parra

O AUTOCRESCIMENTO DA TÉCNICA: A VISÃO DE JACQUES ELLUL José Gustavo F. B. Silva Jorge Barrientos-Parra

UNICIDADE DA TÉCNICA NA VISÃO DE JACQUES ELLUL ..................Cristiana de Moraes Andreazza Jorge Barrientos-Parra

O AUTOMATISMO DA TÉCNICA DE ACORDO COM JACQUES ELLULRafaela Chorilli Jorge Barrientos-Parra

TERCEIRA PARTE .......................................................................................... JACQUES ELLUL:ANARQUISTA, MESMO QUE CRISTÃO ......................

Patrick Troude-Chastenet

Tradução: Jorge Barrientos-Parra A AMBIVALÊNCIA DAS TÉCNICAS ...........................................................

Jacques Ellul Tradução: Débora Kommers Barrientos e Jorge Barrientos-Parra

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7 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

EDITORIAL

Os Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques

Ellul vem a lume seguindo a trilha dos seus congêneresTe Ellul Forum nos Estados Unidos, revista fundada em 1988 e dirigida atualmente porClifford G. Christians daUniversity of Illinois , Urbana (www.ellul.org) edosCahiers Jacques Ellul (www.jacques-ellul.org), na França, revista dirigidapelo nosso amigo Patrick roude-Chastenet, daUniversité Montesquieu,Bordeaux IV . Esperamos com o tempo chegar ao padrão de qualidade eprofundidade dessas publicações.

A proposta desta publicação é de servir de instrumento de ligação e de

reexão para todos os estudiosos e críticos da moderna sociedade técnica dexpressão portuguesa o que não impedirá de publicar também colaboraçõeem outros idiomas. Com periodicidade anual, publicaremos aqui textos deiniciação cientíca e de pós-graduação elaborados por estudiosos da obrde Ellul no Brasil e no exterior. Dessa forma esta publicação nasce semfronteiras, aberta e interdisciplinar como o pensamento de Ellul.

Neste primeiro número gostaria de deixar registrado o apoiofundamental dos professores doutores Rui Décio Martins (UNIMEP/Fac.De Direito de São Bernardo do Campo) e Jorge Luís Mialhe (UNIMEP/UNESP Campus de Rio Claro) para que esta idéia se concretizasse.

Estes Anais constam de três partes, a primeira acolhe textosapresentados no I Seminário Brasileiro Sobre o Pensamento de Jacques Ellude professores e pós-graduados. Na segunda parte encontramos trabalhode Iniciação Cientíca apresentados no mesmo evento. Na terceira parte

extos Selecionados, apresentamos algumas páginas do livro de JacqueEllul,Le bluff technologique , abordando o candente tema da ambivalênciada técnica, em tradução livre de Débora Kommers Barrientos e revisão d Jorge Barrientos-Parra e o texto “Anarchiste bien que chrétien” gentilmentenviado pelo Prof. Patrick Chastenet especialmente para este volume, emtradução de Jorge Barrientos-Parra.

O Primeiro Seminário Brasileiro Sobre o Pensamento de JacquesEllul se realizou em Setembro de 2008 no Auditório dos Cursos dePós-Graduação da Universidade Metodista de Piracicaba. Vários grupoacadêmicos somaram esforços para o sucesso desse evento entre eles o Grude Estudos e Pesquisas sobre Jacques Ellul e o Centro de Estudos e Pesquis

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8 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

Prof. Dr. Luiz Fabiano Corrêa do Departamento de Administração Públicada UNESP (Campus de Araraquara), o Núcleo de Estudos de Direito eRelações Internacionais – NEDRI, do Programa de Mestrado em Direitoda Universidade Metodista de Piracicaba e o Programa de Mestrado emDireito da UNESP (Campus de Franca), a todos eles nossos sincerosagradecimentos.

Jorge Barrientos-Parra

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9 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

PRÉFACE

C’est à la fois un honneur et une joie d’avoir à préfacer, dans cette

langue portugaise dont la sonorité plaît tant aux Français, ces Anais do ISeminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul qui se situenouvertement dans la droite ligne desCahiers Jacques-Ellul francophone,deTe Ellul Forum anglophone, tous héritiers deTe Ellul Studies Bulletin fondé en aout 1988 par une petite équipe d’universitaires nord-américainsréunis autour de Darrell J.Fasching.

Plus de quinze ans après sa mort, il est réconfortant de constaterque les analyses de Jacques Ellul continuent de par le monde à servir d

grille de lecture des grandes tendances de la société contemporaine, eque sa pertinence est encore accrue par l’accélération de la globalisationmondialisation.

A l’évidence, ces Anais comme lesCahiers et leForum, n’ont pasvocation à embaumer ou à sacraliser la pensée d’Ellul mais à susciter débaréexion et approfondissement. Assurément rien ne serait plus contraireà la démarche ellulienne que de vouloir constituer une secte d’adorateurdu maître ou de gardiens du temple autoproclamés. Ellul alertait sescontemporains sur les problèmes posés par la technicisation de la sociétmais il voulait que ses lecteurs trouvent les réponses par eux-mêmes.

On a coutume de dire que son œuvre est lue ou a été lue dans lemonde entier.

C’est vrai pour les Etats-Unis, l’Union européenne y compris ce quel’on appelait naguère les « pays de l’Est », l’Afrique, le Proche-Orient, l’Aen particulier le Japon et la Corée du Sud mais çà l’est beaucoup moins poules BRIC. Sauf erreur de notre part, toujours possible, la pensée d’Ellul n’pas encore pénétré les frontières de la Russie, de l’Inde et de la Chine. C’epourquoi la création au Brésil de ces Anais et de groupes de réexion peuêtre considéré comme un événement particulièrement important en raisonde la nature même de ce pays aux allures de continent et de ses relationavec les trois autres grandes puissances économiques émergentes.

Dans cette entreprise collective, il nous faut saluer tout particulièrementle rôle décisif de notre collègue le professeur Jorge Barrientos-Parra dont rigueur scientique n’entame en rien la générosité et la chaleur humaine

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10 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

ous ceux qui ont croisé sa route en Belgique ou en France peuvent entémoigner.

Patrick Troude-ChastenetUniversité Montesquieu Bordeaux IV

GRECCAP-CMRP

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11 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

O PRIMEIRO SEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE OPENSAMENTO DE JACQUES ELLUL

Sob o título “Novos Atores Globais, écnica e Direito: um diálogocom Jacques Ellul”, o I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de JacquEllul foi um evento propiciador do diálogo acadêmico em torno da obra dopensador francês Jacques Ellul (1912-1994) reconhecido mundialmentepela sua percuciente crítica da sociedade tecnológica e da modernidade.

Ellul foi professor de Direito Romano na Faculdade de Direitode Bordeaux e de História do Direito e das Instituições no Instituto deEstudos Políticos de Bordeaux, escreveu mais de cinqüenta livros e quasum milhar de artigos em jornais e revistas, perseguindo um só objetivoarmar e defender o homem dos perigos que o ameaçam, desde os estragoecológicos do progresso técnico, até o esmagamento da cidadania pelhumilhação da palavra e o totalitarismo da imagem.

Em uma época em que a especialização se aprofundou até o paroxismoEllul foi um intelectual que viveu a interdisciplinaridade aportando reexõeoriginais no âmbito do Direito, da Sociologia, da Política, da História e da

eologia. Escreveu ainda sobre mídia e comunicação, sobre prevenção ddelinqüência e sobre a cidade. As suas idéias repercutiram enormementna Europa e nos Estados Unidos. Vários de seus livros foram traduzidopara outras tantas línguas e adotados comotext-books em universidadesamericanas. Infelizmente poucas obras de Ellul foram traduzidas parao português e até por causa disso a sua obra no Brasil permanece quasdesconhecida.

Assim este primeiro seminário brasileiro sobre o pensamento de Jacques Ellul, reuniu, estudantes, pesquisadores e professores identicadocom o desao elluliano de pensar globalmente e agir localmenteno complexomundo contemporâneo.

Os trabalhos desenvolveram-se ao longo dos dias 12 e 13 de setembrode 2008 no auditório dos Cursos de Pós-Graduação da UNIMEP, noCampus aquaral.

Na abertura do seminário compuseram a mesa a Profa. Dra.Mirta Manzo Misailidis (UNIMEP), O Prof. Dr. Paulo Leme Machado

(UNIMEP), o Prof. Dr. Jorge Barrientos-Parra (UNESP), o Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe (UNESP/UNIMEP) e o Prof. Dr. Rui Décio Martins

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12 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Às 11:00hs oProf. Dr. Jorge Barrientos-Parra deu inicio aos trabalhos dando as boasvindas aos presentes e lendo uma carta de saudações do Prof. Patrick

roude-Chastenet daUniversité Montesquieu Bordeaux IV e Presidente da Association Internationale Jacques Ellul que reproduzimos nesta edição. Ostrabalhos tiveram continuidade com a palestra do Prof. Barrientos-Parra,intitulada, “A Relevância do Pensamento de Jacques Ellul na SociedadContemporânea”. Após o intervalo para o almoço, tivemos a primeirasessão de comunicações até as 18:00hs. endo sido exposto os seguintetrabalhos:

O Monitoramento do Indivíduo na Sociedade écnica. Autores:•

Jorge Barrientos-Parra e Elaine Cristina Vilela Borges Melo.

O Controle na Sociedade écnica: a contribuição de Jacques Ellul•

para a compreensão do Estado e da Sociedade Contemporânea. Autores: Marcus Vinicius A. B. de Matos e Priscila de Matos. As Características da écnica Moderna e os Organismos•

Geneticamente Modicados. Autora: Michelle Junqueira ersi.História e Educação na Obra de Ellul: aproximações brasileiras.•

Autor: Jorge Luís Mialhe. A écnica e o Direito do rabalho. Autor: Rui Décio Martins•

ecnicismo e Simplicação versus Complexidade: considerações•

sobre o direito e a educação jurídica a partir de Jacques Ellul eEdgard Morin. Autor: Guilherme Perez Cabral.Os Anseios Coletivos de Justiça e a écnica Jurídica. Autora:•

Denise de Souza Ribeiro.Desenvolvimento Sustentável e écnica. Autora: Maitê Preuilh•

Piedade

Em 13 de setembro de acordo com o programado os trabalhos se•

estenderam ao longo do dia com as seguintes comunicações:Os Meios de Comunicação na Sociedade écnica. Autora:•

Camila Fátima dos Santos. A Questão do Entretenimento na Sociedade écnica: Autora:•

Fabiola de Souza Carvalho.O Esporte na Sociedade écnica. Autora: Fabiana Uieda.•

A Ambivalência da écnica em Jacques Ellul. Autores: Fabiane•

Rodrigues da Silva e Alex Rodrigues Honorato.

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13 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

O Universalismo da écnica de acordo com Ellul. Autores:•

Fernanda Ascencio e João Pedro Prado Pires.O Automatismo da écnica de acordo com Jacques Ellul. Autora:•

Rafaela Chorilli.

O Autocrescimento da écnica: a visão de Jacques Ellul. Autor:•

José Gustavo Fávaro Barbosa Silva. A Autonomia da écnica na Visão de Ellul. Autoras: Mayra B.•

Francisco e Carla Barbieri Bombarda.Infelizmente nem todos os comunicadores nos enviaram seus textos

para publicação, contudo os que foram incluídos neste volume nos dãouma amostra do alcance e da profundidade dos debates, que se encerrarampor volta das 16:00hs.

Após os agradecimentos às autoridades da Universidade Metodistade Piracicaba na pessoa de nosso antrião Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe, pelexcelente acolhida, e a todos os que colaboraram para o sucesso do eventforam entregues os certicados aos participantes e comunicadores.

Finalmente os participantes acordaram realizar o II SeminárioBrasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul na Faculdade de Direito dSão Bernardo do Campo-Autarquia Municipal, a convite do Prof. Dr. RuiDécio Martins, Vice-diretor dessa instituição.

Jorge Barrientos-Parra

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PRIMEIRA PARTE Artigos

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19 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

A RELEVÂNCIA DO PENSAMENTODE JACQUES ELLUL NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA

Jorge BARRIENTOS-PARRA 1

RESUMO: Neste artigo o autor nos convida a conhecer um pouco do homem Jacques Ea sua infância, a influência de seus pais, os seus princípios e os autores que influencia

seu pensamento. Expõe algumas razões que explicam a atualidade e a importância doda obra de Ellul na sociedade contemporânea. Destaca o seu aporte singular no estutécnica com o objetivo de conscientizar o homem moderno e adverti-lo sobre a necessicontrolar a técnica que o supera, o limita e condiciona. Trata a seguir sobre o seu pioneiritemas como a ecologia e o terrorismo. Destaca a valorização da palavra na obra ellulianprimeira condição do pensamento e da liberdade. Apresenta a riqueza do seu enfoque transdisciplinar como ferramentas metodológicas. Discorre por último sobre o seu engaj

c dadão que o levou a forjar a máx ma “Pensar global e ag r local”.

PALAVRAS-CHAVE: Jacques Ellul. O homem e a sua obra. Relevância. AtualidadeP one r smo. F losof a da técn ca. Soc olog a da técn ca.

I. Introdução

Possuidor de uma vasta cultura 2, Ellul (1912-1994) que era professorde Direito Romano, escreveu mais de cinqüenta livros e varias centenas dartigos. Profundo conhecedor da alta antiguidade, utilizou a dialética parareetir sobre o destino do homem na sociedade moderna e contemporâneae sobre a condição humana no âmbito da sociedade técnica.

1 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).2 Aos 17 anos já traduz a Faust de Goethe (do alemão) e La German e de Tác to (do lat m). Cf. CH, 1994, p.89.

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Pensador e escritor sistemático Ellul trabalhava dez horas por dia,seguindo a máxima “Pensar globalmente e agir localmente”.“Je ne suis pasun philosophe qui pense avec des idées générales, mais dans une relation avles autres”.(CHAS ENE , 1994, p.55). Para seus livros preparava toda adocumentação durante o ano e escrevia no verão, especialmente no períodde férias desde as 05:30 hs às 08:00hs. Em entrevista, quase no m da suexistência, declarou:“avec toutes mes notes, j’aurais de quoi écrire pendantdix ans encore si j’avais le courage d’écrire des livres”.(CHAS ENE , 1994,p.203).

Ellul sempre quis ser um homem livre e um pensador livre e cultivouamorosamente essa liberdade ao longo da sua existência. Recebeu de sepai Joseph Ellul, um italo-serbio de cultura grega ortodoxa mas voltariande convicção, três princípios:

Jamais mentir inclusive a si mesmo;i.Ser misericordioso com os fracos;ii.Ser inexível diante dos poderosos.iii.

Seis meses antes de morrer, em um colóquio internacional eledeclarou que se guiou por esses princípios durante toda a sua vida.

A sua mãe Marthe Mèndes era franco-portuguesa de religião cristãprotestante dela herdou os valores da piedade e da espiritualidade quetemperam e humanizam a sua racionalidade cientíca.

Ele mesmo confessa que foi um menino, estudioso, pobre, porém,feliz (CHAS ENE , 1994, p.9).

Por que estudar a obra de Jacques Ellul hoje? entarei sintetizaraqui algumas razões que colocam a obra desse pensador francês comoferramenta incontornável para compreender o homem e a sociedade naqual vivemos.

II. A Relevância dos Temas tratados por Ellul

Jacques Ellul se interessou por temas que dizem respeito ao homeme ao Estado, isto é, assuntos chave para os operadores do Direito, paraos Administradores e para os cientistas sociais, a saber: técnica, políticainformação e propaganda, ecologia, revolução, história das instituiçõesética e teologia. Escreveu também vários estudos sociológicos sobre sociedade técnica e muitos artigos jornalisticos tendo como objetivo

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central armar e defender a liberdade do homem frente aos perigos quea ameaçam. Escreveu também vários volumes de poesia que continuaminéditos.

1. O seu singular aporte no estudo da técnica

Nesse ponto dois esclarecimentos se fazem necessários, primeiroEllul nunca foi um tecnófobo ou antitécnico ou um inimigo das técnicasou um “opposé à la technique ” como foi alguma vez qualicado. Para eleisso era tão absurdo como dizer que ele era contrário a uma avalanche dneve, ou a um câncer.

Ele reconhece, evidentemente que a técnica nos aporta produtos

muito úteis, agradáveis e confortáveis Numa passagem do seuLe bluff technologique que merece transcrição Ellul esclarece:

En dénitive, ce que j’écrivais (et mon avertissement aujourd’hui correspexactement à celui de 1954) avait pour but de faire prendre conscience d potentiel avenir, contenu dans la echnique, de ce qui risquait de survenétant donné la logique de croissance, an précisément que, du fait de ce prise de conscience, les hommes de l’Occident soient capables de réagir, procéder à une maîtrise de cette technique, qui leur échappait sans qu’ils rendent compte. Il s’agissait véritablement d’un avertissement : un homaverti en vaut deux.(ELLUL, 1988, p.21-22).

O segundo esclarecimento diz respeito ao termotecnologiaquepara Ellul (1988, p.25) é uma imitação do uso abusivo que fazem osestadunidenses e que a mídia repercute servilmente porque na verdadetecnologia quer dizer estudo da técnica ou discurso sobre a técnica 3. De

sorte que falar de tecnologias informáticas ou de tecnologias espaciaipara designar a fabricação e utilização de foguetes parecia-lhe uma burriccoletiva.

Para Ellul a técnica chegou a um particular estágio de desenvolvimentoem que o faz independente do controle humano. Em seu sonho dePrometeu4 o homem moderno acreditava poder domesticar a natureza,

3De fato o d c onár o Le Robert (1967) af rma:“technologie: étude des techniques”.4Ent dade da m tolog a grega. Têm s, rmã de Saturno fez do l mo da terra um homem. M nerva,ofereceu o que conv esse à sua perfe ção . Prometeu ped u à deusa que o levasse ao Ol mpo. Mregiões celestes, contudo, passando ao lado do carro de Apolo, roubou-lhe uma fagulha do fogo divino e o deu ao hom

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mas o que fez? Criou um ambiente articial mais constringente ainda.Ele pensava servir-se da técnica, porém é ele que a serve. Os meios sãtransformados em ns e a necessidade em virtude.

Estamos tão condicionados que adotamos imediatamente todas as

novas técnicas sem sequer nos interrogar sobre a sua eventual nocividadNesse processo a técnica nos escraviza.Para Ellul a técnica é um blefe na medida em que aparece a um mesmo

tempo como a única solução para todos os nosso problemas coletivos (fommiséria, poluição ambiental e guerras) ou individuais (saúde, vida familiae sentido da existência). A técnica também é apresentada como a únicapossibilidade de progresso e desenvolvimento para todas as sociedadeNesses discursos multiplicam-se por cem as possibilidades efetivas da

técnicas e propositadamente se ocultam seus aspectos negativos. A pergunta fundamental que Ellul coloca é: o homem ca maishumano graças as técnicas?

2. O pioneirismo em temas como a ecologia e o terrorismo

“Nous scions la branche sur laquelle nous sommes assis. Mais nous ne pre

même pas garde au fait que nous la scions.” (ELLUL, 1988, p.421).

Alguns dos fenômenos mais ameaçadores de nossos dias o aquecimentglobal, a perda da biodiversidade, a poluição atmosférica, o esgotamentdos recursos energéticos, a escassez d’água, o desmatamento das oresttropicais, o lixo nuclear, os organismos geneticamente modicados, adecrescente fertilidade masculina, as catástrofes ambientais, a clonagem eirrupção do terrorismo muçulmano foram previstos por Ellul já há muitotempo. Em relação a este último transcrevo uma passagem doLe blufftechnologique :

[...] l’islam est du tiers-monde. Il gagne à une vitesse extraordinaire toul’Afrique noire, il mord de plus em plus largement em Asie. Or, c’est uidéologie à la fois unicatrice, mobilisatrice, et combattante. À partir demoment , nous allons être engagés dans une véritable guerre menée par

o pune, l gando-o com cade as ao Cáucaso, onde uma águ a com a-lhe o fígado que cada vez se p.1609).

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tiers-monde contre les pays développés. Une guerre qui s’exprimera de en plus par le terrorisme, et aussi par « l’invasion pacique » [...] il a dearmes fantastiques : le dévouement illimité de ses kamikazes, et la mauvaconscience de l’opinion publique occidentale envers ce tiers-monde [.. y aura un terrorisme tiers-mondiste qui ne peut que s’accentuer et qui eimparable dans la mesure où ces «combattants» font d’avance sacricioleur vie.(ELLUL, 1988, p.428).

3. A valorização da palavra

De acordo com Ellul vivemos uma época em que a imagem, isto é, aemoção ocupou o lugar da idéia. O raciocínio com a sua lentidão perturbae não convence, o que necessitamos são evidencias e a imagem é evidêncde sorte que se passou na televisão ou se está na internet então é “verdadeOra a imagem é o contrário de uma demonstração a associação de idéiaou a intuição excluem o rigor do pensamento lógico.

A experiência de um tempo a ser preenchido pelo seu próprio esforçoatravés do diálogo, da reexão, da leitura... é uma experiência traumáticpara nossos contemporâneos, percebemos que não temos nada a dizer, qua nossa vida não é interessante, que em denitiva estamos vazios. Este vazexistencial que foi no curso da história humana, o motor de toda criaçãocultural hoje é simplesmente morto pela imagem. Ellul postula entãocolocar a imagem em dúvida, contra o seu imperialismo, orgulho e espíritde conquista (PORQUE , 2003, p.181). Valorizar a palavra, a linguagemcoerente e clara e lutar contra todos os hermetismos do discursos políticoscientícos ou publicitários porque a linguagem clara é a primeira condiçãdo pensamento e da liberdade.

III. Um Enfoque Pluridisciplinar

Em terceiro lugar, ressaltemos o seu singular enfoque que lhepermitiu fazer uma leitura de nosso mundo rompendo os tradicionaisesquemas disciplinares corretos desde os seus particulares pontos de vistporém parciais. Assim a compreensão da sociedade ou do homem desde ponto de vista econômico, ou desde o ponto de vista do Direito, ou desde

qualquer outra disciplina isoladamente considerada são fragmentários(considerando o conjunto) e parciais (tendo em vista a equidade). Num

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jovens em conito com presidindo um clube de prevenção da delinqüênci juvenil.

Um outro âmbito de atuação política foi a sua oposição aos projetosimpostos pelo Estado sem consulta à população. Nesse âmbito no nal do

anos 70 presidiu o Comitê de Defesa da Costa de Aquitaine. Para ele“onne peut pas créer une societé juste avec des moyens injustes. On ne peut paune societé libre avec des moyens d’esclaves.”(CHAS ENE , 1994, p.52).

Ellul não somente foi um pacista, mas um anti-poder, um militanteda non-puissance , nesse sentido era um anarquista, porém um anarquistaque rejeitava a violência contida em toda forma de poder político. Esteanarquismo elluliano não violentista se origina da sua leitura da Bíblia o levou a manter uma desconança de todo poder estatal independente

do regime porque para ele perseguem ns idênticos: ecácia e“puissance” e a buscar soluções no diálogo e na prática dos pequenos grupos (“Pensaglobal e agir local”).

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REFERÊNCIAS

ELLUL, J.Le bluff technologique. Paris: Hachette, 1988.CHAS ENE , P.Entretiens avec Jacques Ellul. Paris: La able Ronde,1994.LE PE I Larousse: dictionnaire encyclopédique. Paris: Librairie Larouss1996.PORQUE , J-L. JacquesEllul l’homme qui avait (presque) tout prévu.Paris: Le cherche midi, 2003.ROBER , P.Le petit robert dictionnaire. Paris: Le Robert, 1967.

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Durante o período da Convenção (1792-1795), a escola foi utilizadacomo peça de propaganda da Revolução Francesa. Desde logo, o ensinoera encarado como um importante fator de unicação da pátria em tornodo ideal republicano e utilizado para produzir cidadãos úteis à pátria. Oprofessor deveria ensinar as crianças a Declaração dos Direitos do Homemde 1789 (ELLUL, 1993, p.103).

As cenas introdutória e nal do lmeDanton(1983), do diretor Andrzej Wajda, mostram bem a prática do sadismo pedagógico durante o“período do terror” (1793-1794). O cineasta polonês apresenta o estressede um menino, provavelmente sobrinho de Robespierre, obrigado amemorizar todos os artigos daDéclaration des Droits de l´Homme , sob penade sofrer punições corporais (tapas nas mãos) desferidos vigorosamentpor Charlotte, irmã de Robespierre, sempre que a infeliz criança não serecordasse de algum dos artigos da Declaração dos Direitos do Homemcujo teor deveria ser imaculadamente preservado na sua memória.

O paradoxo representado no lme é evidente: “faça o que eu falo,não faça o que eu faço”.Oncle Robespierre, na cena nal da película, dianteda demonstração de memória do menino, ao proclamar a seqüência dosartigos daDéclaration, reage aterrorizado ao perceber a brutal contradiçãoespelhada na sua atuação na presidência doComité de Salut Publique que,

no intuito de preservar a pureza dos ideais revolucionários, promoveu oextermínio de seus opositores e críticos, a começar por Danton.Era essencial que os cidadãos fossem capazes de exercer seus direit

políticos. Conseqüentemente, era necessário que recebessem uma educaçã A Convenção proclamou que todo cidadão tinha o direito à educação e,nesse sentido, encarregou o Comitê de Instrução Pública de preparar umanova organização da educação (ELLUL, 1993, p.109).

A proposta desta comunicação é resgatar alguns aspectos da história

da educação no período entre o nal do século XVIII e o início do século XIX, analisados na obraHistoire des Institutions de Jacques Ellul.Nesse sentido, pretende apresentar as principais referências daquele

autor sobre as políticas públicas sobre educação gestadas na Françaentre o Diretório e Império, comparando-as com aquelas desenvolvidasno Brasil, entre os períodos Joanino e do Primeiro Reinado, na busca deeventuais aproximações e inuências do modelo educacional francês sobo brasileiro.

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2. A visão de Jacques Ellul sobre a educação no períodoentre a Convenção e o Império

No tocante ao ensino primário, a Convenção decidiu fundar uma

escola em todas as localidades de 400 a 1500 habitantes, com um professoque ensinasse os conhecimentos necessários para o exercício dos direitos dcidadãos e o respeito de seus deveres. O ensino era obrigatório e gratuitpara as crianças. odavia, qualquer pessoa poderia abrir uma escolacontanto que a registrasse na municipalidade. Os professores eram, damesma forma, controlados pelas municipalidades (ELLUL, 1993, p.109)

Havia falta de mestres e de recursos para a educação. Ellul (1993,p.109) informa que, em 1794, dos 557 distritos franceses, apenas 32

possuíam um ensino primário conforme previsto em lei. Quanto ao ensinosecundário, a situação não era melhor. A Convenção decidiu que eledeveria concorrer com os “colégios livres”. No tocante ao ensino superioa Convenção suprimiu as universidades (1795) e retomou algumas escolasuperiores especializadas oriundas do antigo regime como, por exemploa Escola Central de rabalhos Públicos, transformada posteriormente emEscola Politécnica.

A burguesia, ensina Ellul (1993, p.146), empenhou-se em desenvolver

um ensino em proveito próprio, assegurando a instrução aos jovensburgueses que armarão sua predominância sobre a sociedade francesa. ODiretório organizou cuidadosamente as “Escolas Centrais”. Deveria haveno mínimo uma delas em cada Departamento da França. Seu ensino erapago, inteiramente laico e orientado para o estudo cientíco, em todasas áreas, pragmaticamente voltados para a preparação prossional. Foramcriadas, ainda, escolas técnicas de comércio e de contabilidade.

odavia, o Diretório não demonstrou interesse pelo ensinofundamental: as escolas primárias permaneceram em número reduzido, seuprofessores eram poucos e mal remunerados. Nessas circunstâncias, foi Igreja que retomou como seu encargo o ensino primário de forma bastanteampla. Em 1798, informa Ellul (1993, p.147), no Departamento do Sena,haviam duas mil escolas primárias mantidas pela Igreja, contra cinqüenta seis escolas do Estado. odavia, o serviço educacional prestado pela Igreera regulamentado pelo Estado que tomou as medidas para assegurar acapacitação dos mestres, scalizar o preço dos livros e as condições dhigiene escolar. A vigilância sobre o funcionamento do sistema escolar e

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da competência das municipalidades que poderiam, inclusive, fechar aescolas que não atendessem as prescrições do Estado.

Já sob o governo napoleônico, assevera Ellul (1993, p.173), ainstrução pública foi utilizada como instrumento de propaganda. Ela

deveria contribuir para a formação da nação, funcionaria como a “molamoral” do governo. Seu objetivo era transformá-la numa “máquinapoderosa no sistema político”, voltada para a condução “dos espíritos pelespírito”.

Nesse sentido, o primeiro cuidado que teve Napoleão foi o decentralizar o ensino, notadamente com a lei de 1802. Por ela, todos osestabelecimentos de ensino primário e secundário deveriam reportar-se a Direção de Instrução Pública, ao Ministério do Interior. O Estado

cava encarregado apenas de manter os Liceus. Grande parte das outraescolas sobreviveram graças a iniciativa privada, mas sob um controle maestrito do governo. Posteriormente decidiu-se pelo monopólio do ensinopelo Estado, com a formação de um corpo de docentes laicos “formadopelo Estado, submetidos ao Estado, pagos pelo Estado” (ELLUL,1993p.173).

Em 1806 foi criada a Universidade Imperial e o monopólio deantes foi mitigado. odavia, a organização do ensino primário e as escola

secundárias subsistiram sob controle público pagando pesadas taxas aoEstado. A Universidade era um tipo de “ordem” hierarquizada e centralizadNa sua direção encontrava-se um Grande Mestre (Grand Maître ), todopoderoso, assistido por um Conselho da Universidade que elaborava seuregulamentos, avaliava os planos de ensino e estabelecia os programas ddisciplinas. A Universidade era dividida em Academias e para dirigir caduma delas o Grande Mestre, assistido pelo Conselho, nomeava um Reito(ELLUL, 1993, p.173).

O ensino era dividido em três níveis: o primário, o secundário eo universitário. Inicialmente, o ensino primário era pouco desenvolvidopois, de acordo com Ellul (1993, p.173), Napoleão considerava necessárimanter o povo na ignorância. As comunas eram sobrecarregadas de taxae, portanto, deixavam para segundo plano a manutenção das escolas. Amelhores escolas primárias eram àquelas pertencentes às congregaçõereligiosas, cujos mestres eram titulados pelas Universidades. Os professorlaicos permaneceram em pequeno número e nada foi feito para aumentar

o seu efetivo.

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Sob o Império, avalia Ellul (1993, p.173), o ensino primário perdeuqualidade em relação a educação ministrada na década de 1780. O númerode analfabetos era de 46% para os homens e alcançava os 56% para asmulheres. De toda forma, nas escolas primárias aprendia-se apenas a lera escrever e a contar. odavia, em muitas delas, nem esse mínimo eramcapazes de oferecer.

Napoleão desejava desenvolver largamente o ensino secundário pelacriação dos Liceus (1802). Os Liceus não recebiam pobres, pois eramdestinados apenas à burguesia. Eram dirigidos por um presidente, umcensor e um intendente nomeados pelo Primeiro Cônsul, assim como osprofessores. A disciplina era militar (uniforme, companhias, vigilantespunições, exercícios militares). O ensino era feito para educar os chefee formar bons administradores para o Estado. ratava-se de criar umaelite conformista e de possibilitar a burguesia alcançar os postos maiimportantes da administração estatal. Enm, aliar o poder político aoeconômico (ELLUL, 1993, p.173).

Os professores tinham um tratamento superior e o uso da propagandaera largamente utilizado: nos Liceus as bases do ensino eram assentadas n“delidade ao Imperador” e na “obediência às leis”. Contudo, os Liceutiveram pouco sucesso, pois a burguesia ainda preferia freqüentar as escol

secundárias privadas (ELLUL, 1993, p.174).O terceiro degrau do ensino era constituído pelo ensino superior,que tinha como função a formação de bons administradores, engenheirose ociais. Vericou-se naquele período um aumento do número de escolade medicina e direito. Com a criação da Universidade Imperial foramreformadas as faculdades, contudo, sem as características da Universidadmedieval: as faculdades eram corpos isolados, sem ligação entre si, aindque houvesse muitas faculdades na mesma cidade, elas não formavam um

corpo coeso. Foram criadas, ainda, dez faculdades de teologia católicpara que o Estado pudesse vigiar rigorosamente o ensino ministrado aoclero. As escolas de medicina e direito foram transformadas em faculdadeEssas últimas forneceram ao Império exatamente aquilo que o Estadonecessitava: administradores. Foram criadas, nalmente, as Faculdadede Letras e de Ciências, verdadeiras novidades. Eram destinadas a formabacharéis, licenciados e doutores. No entanto, conforme acentua Ellul(1993, p.174), tinham a característica de serem “extraordinariamente

dóceis e conformistas”.

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3. A educação brasileira do final da colônia ao PrimeiroReinado

No caso do Brasil, somente com a chegada da Corte portuguesa

(1808), foi possível o estabelecimento de uma política educacional deEstado que atendesse as demandas do país, agora elevado à categoria dReino Unido a Portugal e Algarves.

Nesse sentido, no campo dos estudos superiores, foram fundadas as“academias e aulas” (VEIGA, 2007, p.141), notadamente na cidade do Riode Janeiro: a Academia Real da Marinha (1808) e a Academia Real Milita(1810).3

ambém foram criadas a Aula de Economia Política (1808), a Escolade Anatomia e Cirurgia (1809), a Aula de Comércio (1809) e a Aula deBotânica (1812). Na Bahia é instalada a Escola de Cirurgia (1808) e emPernambuco um Curso de Matemática (1814). (VEIGA, 2007, p.141).

ambém são criados outros “cursos avulsos” (ARANHA, 1989, p.191) deEconomia, na Bahia (1808); de Química, no Rio de Janeiro (1812) e naBahia (1817); de Agricultura, na Bahia (1812) e no Rio de Janeiro (1814)e de Desenho écnico, na Bahia (1817) (PILE I, 1990, p.42).

No campo das Belas-Artes, um decreto de 1816 criou a Escola Realde Ciências, Artes e Ofícios, “com duplo objetivo de formar artistas eartíces para as atividades industriais”. (VEIGA, 2007, p.141). A escolseria fundada e organizada pelos membros da missão artística francesaPresidida por Lebreton (1760-1819) a missão foi integrada pelo pintoresNicolas aunay (1755-1839) e Debret (1768-1848), pelo escultor Auguste

aunay (1768-1824) e pelo arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850). Em 1826, a Escola foi transformada na Academia Imperial de Bela Artes.

odavia, como salientou Aranha (1989, p.191), “a ênfase dada aoensino superior não é acompanhada pelos demais níveis de educação. Acontrário, o descaso neste ponto é uma constante, e as poucas medidastomadas são desastrosas”.

Na década de 1810, o Príncipe Regente, D. João, solicitou aoministro Antonio de Azevedo a elaboração de um “plano de instrução”

3Conforme nforma Aranha (1989, p.191), após 1832 ambas são fund das, formando uma nst tu çe c v l. A autora subl nha, a nda, o fato que “depo s de sucess vas junções e desmembramentos,M l tar e, em 1874, a Escola Pol técn ca, nst tu ções que preparam para a carre ra m l tar e fo

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Esse encargo foi repassado a Francisco Sockler (1759-1829) que, em 1816apresentou seu “Projeto sobre o estabelecimento e organização da instruçãpública no Brasil, similar ao encaminhado à Academia Real de Ciências dPortugal em 1779”. O projeto previa a organização do ensino em quatroníveis para o povo, “independentemente de condição e gênero, para quetodos adquirissem os conhecimentos necessários aos desempenhos de seudeveres e ao exercício de seus direitos” (VEIGA, 2007, p.142).

odavia, seu projeto não foi aplicado nem em Portugal e muito menosno Brasil. D. João optou por um “sistema menos dispendioso” (VEIGA,2007, p.142): o método do ensino mútuo de Lancaster para a educaçãoelementar. Maria Helena Bastos (apud VEIGA, 2007, p.143) informa que“também na França foram divulgadas as vantagens do método mútuo parao ensino brasileiro” e, em 1817, noticiou-se “a presença de um professofrancês enviado ao Brasil a pedido do governo para implantar o métodoNovos registros constam nos anos seguintes, com indicação do métodomútuo para a educação de negros e escravos”. Há, ainda, o registro de umprofessor brasileiro que em 1820 foi a França para conhecer o método(VEIGA, 2007, p.143).

Rogério Fernandes (apud VEIGA, 2007, p.143) informa que em1821 alguns deputados paulistas defenderam a necessidade de “expansã

das aulas de primeiras letras e de criação de cursos cientícos em todaas províncias”. Em agosto de 1822, num manifesto ao povo brasileiro,semanas antes da proclamação da independência, o então príncipe D. Pedro“sugeria a criação de um código de instrução pública nacional fundadosnos princípios da educação liberal”.

Apesar de todas essas iniciativas, observa Fernando de Azevedo(1963, p.568), “a educação teria de arrastar-se através de todo o século XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada. Entre o

ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações: são doismundos que se orientam, cada um na sua direção”.Com a instalação da Assembléia Constituinte, nalmente, foi

debatida a necessidade da criação de cursos jurídicos para formar os quadrdirigentes da jovem nação brasileira. Assim, reproduzimos, abaixo, trechodas sessões4 que discutiram quando, onde e como deveriam ser organizadasas futuras Faculdades de Direito no Brasil, que seriam criadas somente pelDecreto Imperial de 11 de agosto de 1827.

4 V de Nogue ra (1977, p.16-24).

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Sessão de 11 de novembro de 1822.

O SR. FERNANDES PINHEIRO - As disposições e ecácia desta Assembléia, sobre o importantíssimo ramo da instrução pública, nãodeixam a duvidar de que essa base sólida de um governo constitucionalhá de ser lançada em o nosso código sagrado de maneira digna dasluzes do tempo e da sabedoria dos seus colaboradores. odavia, estaconvicção e ao longe as melhores esperanças nem por isso me devemacanhar de submeter já à consideração desta Assembléia uma indicaçãode alta monta e que parece urgir.

Uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade a quemum nobre estímulo levou à Universidade de Coimbra, geme ali debaixodos mais duros tratamentos e opressão, não se decidindo, apesar detudo, a interromper e a abandonar sua carreira, já incertos de comoserá semelhante conduta avaliada por seus pais, já desanimados pornão haver ainda no Brasil institutos onde prossigam e rematem os seusencetados estudos. Nessa amarga conjectura, voltados sempre para aPátria por quem suspiram, lembraram-se de constituir-me com a cartaque aqui apresento.

Correspondendo, pois, quanto em mim cabe, a tão lisonjeira conança,e usando ao mesmo passo das faculdades que me permite o capítulo 6o.do nosso regimento interno, ofereço a seguinte indicação: proponhoque no Império do Brasil se crie uma universidade, pelo menos, paraassento da qual, parece dever ser preferida a cidade de São Paulo, pelasvantagens naturais e razões de conveniência geral; que na faculdadede direito civil, que será, sem dúvida, uma das que comporá a novauniversidade, em vez de multiplicadas cadeiras de direito romanose substituam duas, uma de direito público constitucional, outra deeconomia política. Paço da Assembléia, 12 de junho de 1823. - Odeputado José Feliciano Fernandes Pinheiro.

Sessão de 19 de agosto de 1823

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A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil decreta:1.° Haverão (sic) duas universidades, uma na cidade de São Paulo eoutra na de Olinda; nas quais se ensinarão todas as ciências e belas letras2.° Estatutos próprios regularão o número e ordenados dos professores,a ordem e arranjamento dos estatutos;3.° Em tempo competente se designarão os fundos precisos a ambos osestabelecimentos;4.° Entretanto, haverá desde já um curso jurídico na cidade de SãoPaulo, para o qual o Governo convocará mestres idôneos, os quaisse governarão provisoriamente pelos estatutos da Universidade deCoimbra, com aquelas alterações e mudanças que eles, em mesapresidida pelo vice-reitor, julgarem adequadas às circunstâncias e luzesdo século;

5o. S. Majestade, o Imperador, escolherá dentre os mestres um paraservir interinamente de vice-reitor.Paço da Assembléia, 19 de agosto de 1823. - Martim FranciscoRibeiro de Andrada - Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira - AntônioGonçalves Gomide – Manuel Jacinto Nogueira da Gama.

Sessão de 27 de agosto de 1823.

O SR. CARVALHO E MELO (depois Visconde da Cachoeira) - Maiscópia de livros aparece nesta Corte, pela abundância do mercado; maispureza há na linguagem; mais polidas são as maneiras dos habitantes; oque tudo inui para o progresso de mais civilizada instrução.

O SR. FERNANDES PINHEIRO - Quanto ao da cidade de SãoPaulo não me alucinou de certo o natural pendor para a capital deuma província na qual me honro de haver tido o berço; considereiprincipalmente a salubridade e amenidade do seu clima, a sua felizposição, a abundância e barateza de todas as precisões e cômodos davida: - o ietê vale bem o Mondego do outro hemisfério.

O SR. MON EZUMA (depois Visconde de Jequitinhonha)

- A comissão falou em um colégio em São Paulo, para o estudo de

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36 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

jurisprudência. Longe de me opor a que haja um só colégio, já disseque desejava mais; porém, não sei porque a cidade de São Paulo devamerecer semelhante preferência. Não sei por que aqui sempre se andacom São Paulo para cá e São Paulo para lá. Em nada aqui se fala quenão venha São Paulo.

O SR. ALMEIDA E ALBUQUERQUE - A única coisa que aparecede mais positivo no projeto é que um curso jurídico se vá desde jáestabelecer na universidade de São Paulo: mas, onde é que está essauniversidade? Que é dos fundos para ela? Que é dos mestres? Que é dasrazões para ser ali que se vá estudar o curso jurídico? E que pressa háde se abrir um curso de direito, primeiro que o de outras ciências mais

úteis e mais necessárias?.

O SR. GOMIDE - Uma universidade é como um armazém deconhecimentos, donde cada um tira os próprios ao estado e carreira aque se destina. Dali se colhem os elementos de todas as ciências e detodas as artes.

O SR. SILVA LISBOA - Se consultasse o coração, preferiria São Paulopelos seus grandes engenhos e serviços ao Brasil, e até por ser essaprovíncia que deu nascimento ao insigne Alexandre de Gusmão, e játer sido indicada essa cidade pelo meu amigo o sr. deputado FernandesPinheiro, nos seus excelentes anais do Rio Grande. Sei que essa é muicorrente opinião, alegando-se a bondade do clima, fertilidade da terrae barateza do passadio. O inglês Southey, na sua História do Brasil,refere esta opinião, acrescentando a razão de que, sendo o ar frio, oslivros não são atacados dos vermes e insetos. odavia... esta Corte jáé uma das mais sadias partes do Brasil pelo progresso das benfeitoriaspúblicas e culturas circunvizinhas. Parece conter grandes princípiosvitais, que resistem aos defeitos do local. Nenhuma cidade tem maisconstante abundância e facilidade de edicações: já tem dois semináriospara dar acomodações de eqüidade aos estudantes...O porto de Santos jamais será tão freqüentado como o do Rio de Janeiro, para dar iguaisfacilidades. Este empório é tão singular que lord Amersh, quando

aqui tocou na passagem da sua embaixada à China, na obra que delapublicou, disse que, tendo ido até ao Mar Amarelo, nunca vira coisa

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tão celestial como o porto do Rio de Janeiro. A viagem por terra a SãoPaulo é detrimentosa; a importação de livros e instrumentos é difícil. Apesar da natural riqueza do país e de rios navegáveis, é bem sabidoque, pela transbordação de alguns, a cidade tem por meses moléstiasendêmicas, e as grandes cachoeiras de outros quase impossibilitam acomunicação entre si e com os portos: o que muito diminuirá sempreas vantagens do seu comércio interno e externo, e conseqüentemente oprogresso da sua riqueza.

Sessão de 28 de agosto de 1823.

O SR. SILVA LISBOA - Uma razão mui ponderosa me ocorre demais para a preferência da universidade nesta Corte, e é para que seconserve a pureza e pronúncia da língua portuguesa que, segundo dizCamões, com pouca corrupção, crê que é latina. Sempre, em todas asnações, se falou melhor o idioma nacional nas cortes. Nas provínciashá dialetos, com os seus particulares defeitos; o Brasil os tem em cadauma, que é quase impossível subjugar, ainda pelos mais doutos dopaís. É reconhecido que o dialeto de São Paulo é o mais notável. A

mocidade do Brasil, fazendo aí os seus estudos, contrairia pronúnciamui desagradável.

O SR. CARNEIRO DA CUNHA - alvez olhando o objeto somentepor este lado, talvez eu preferisse São Paulo ao Rio de Janeiro, porquenão oferece tantos meios de dissipação, e até é mais próprio para oestudo por ser frio; mas tem outro inconveniente, que é não ter edifíciospróprios para se fazer uma universidade, e ser a cidade tão pequena quenem os estudantes acharão casas para viver.

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38 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

Sessão de 5 de setembro de 1823.

O SR. ANDRADA MACHADO - Em São Paulo o clima é temperado,os víveres não são caros e não há distrações; cam à mão as provínciasde Minas, Rio Grande do Sul e as do interior, e por isso julgo aquelacidade mui própria para assento de uma universidade. As mesmasrazões me inclinam para Olinda; o clima é o mais belo do mundo, oar mui fresco e por isso próprio para os aplicados. Algumas coisas hána verdade a notar, mas podem remover-se [...] em belos edifíciosque com facilidade se aproveitam para o estabelecimento. Fica em boadistância para outras províncias, e pelo seu comércio tem facilidade decomunicação com elas [...] A Bahia, em que tenho ouvido falar, nunca

eu a escolheria para isso; é a segunda Babilônia do Brasil, as distraçõesão innitas e também os caminhos de corrupção; é uma cloaca devícios.

O SR. MON EZUMA - Ouvi com bastante estranheza dizer aqui umnobre deputado que a Bahia era uma cloaca de vícios. Nesta assembléiacumpre ser mais comedido em expressões; e direi somente que, sendocloaca de vícios, tinha na Universidade de Coimbra mais estudantesque nenhuma outra; que, apesar de todos esses vícios, eu pude adquirirconhecimentos que me habilitaram a ter hoje a honra de tomar partenestes augustos trabalhos, e que dela têm saído muitos homens hábeisna agricultura e nas artes e que ali se fazem grandes vantagens emliteratura.

O SR. GOMIDE - empo virá (e já me lisonjeio em prevê-lo) emque cada uma das nossas províncias terá universidades e academias. OPará terá um dia a opulência da Rússia; o Maranhão, a da Alemanha;Pernambuco, a da França; a Bahia, a da Grã-Bretanha; esta, a de todaa Itália; São Paulo, a da Espanha; Santa Catarina será a nossa Irlanda;a parte meridional do Brasil equilibrará, só por si, os Estados Unidosdo norte do nosso mundo, enquanto Minas, compreendendo Goiás eMato Grosso, será tão opulenta como é hoje a Europa toda.

O SR. ANDRADA MACHADO – É muito exagerar!

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O SR. GOMIDE - Pondere-se na balança da razão o que têm nas suasentranhas, o que produzem e produzirão na sua superfície, e não se julgará exagerada a minha predição.

Sessão de 27 de outubro de 1823.

O SR. EIXEIRA GOUVÊA - É geralmente reconhecido que, assimcomo na província de Minas é mais apurado o dialeto, assim tambémna de São Paulo é onde o há menos correto. E ninguém ousará negarque esta circunstância também é atendível para a escolha do local ondese devem estabelecer academias.

Em síntese, pode-se concluir, com Piletti (1990, p.49), que ogoverno imperial brasileiro não se preocupou com o ensino primárioque foi lecionado, em boa medida, por docentes leigos que não tiveram aoportunidade de cursarem as pouquíssimas Escolas Normais existentes nperíodo. Quanto ao ensino secundário, com exceção do Colégio de PedroII, predominaram os cursos avulsos, focados nas matérias de CiênciasHumanas, de livre freqüência, com disciplinas desorganizadas em relaçãaos seus respectivos anos escolares. Finalmente, o ensino superior, bastanvalorizado pelo governo, era oferecido em escolas isoladas e destinadoformação da elite imperial.

4. Considerações finais

Vericam-se similitudes entre as “políticas educacionais” francesa

e brasileira, no início do século XIX, particularmente quanto ao amplofavorecimento do ensino superior e o inversamente proporcional descasomanifestado pelos governos em relação ao ensino primário em ambos opaíses.

No caso brasileiro, como bem assinalou Aranha (1989, p.192-193), na década de 1830 uma reforma descentralizou o ensino: coube àsprovíncias a (ir)responsabilidade pela educação elementar e secundáriaenquanto que a educação da elite – ensino superior – permaneceu a cargo

da Coroa.

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Além disso, um sistema tributário distorcido tornou crônica a falta derecursos para os níveis de educação fundamental e médio. Assim, cristalizose o quadro de analfabetismo (principalmente na zona rural, integrada emboa medida por escravos) e a inexistência de metas de inclusão educacionaQuando muito, foi oferecida à “plebe ignara” uma instrução elementar (lerescrever e contar). Além disso, fracassou a experiência lancasteriana, levaa cabo no Brasil entre 1823 e 1838. As Escolas Normais, fundadas entre adécadas de 1830 e de 1840, promoviam a “formação de professores” comapenas dois anos de curso e, mesmo assim, recebiam um número reduzidode alunos nas Escolas Normais provinciais da Bahia, do Ceará e de SãPaulo.

O ensino secundário era levado a cabo majoritariamente pordocentes particulares, sem nenhum controle estatal. Aos poucos, foramconstituídos alguns liceus provinciais que, todavia, eram desprovidos dqualquer organicidade e permaneciam apartados dos projetos educacionaiidealmente articulados. O Colégio de Pedro II, na cidade do Rio de Janeiroera modelo de ensino médio e o único autorizado a efetuar exames paraa concessão do grau de bacharel, obrigatório para o ingresso nos cursosuperiores.

O que Ellul nos ensina é que a França, “luz da civilização ocidental”

também fracassou no seu projeto educacional popular no período entre1793 e 1815. Esse projeto civilizatório e educacional foi parcialmentecopiado e transferido para o Brasil no Período Joanino e mantido noPrimeiro Reinado. al como na França, que privilegiou a educação da suaelite, o Estado brasileiro menosprezou a educação da maior parte da suapopulação que, em boa medida, não teve acesso ao ensino primário e,muito menos, ao ensinolycéen e universitário.

Assim, Ellul nos apresenta alguns elementos que foram

acriticamente assimilados e reproduzidos abaixo do Equador, com osmesmos vícios, pelos nossos governantes: elitismo e elevado grau demiopia das classes dominantes de ambos os países no tocante à educaçãodos seus povos.

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Referências

ARANHA, M. L. A.História da educação. São Paulo: Moderna, 1989. AZEVEDO, F. A cultura brasileira . 4.ed. Brasília: Ed. da UnB, 1963.DAN ON. Direção: Andrzej Wajda. [s.l.]: Gaumont international; F1Films Productions, P.P. Film Polski, 1983. 1 videocassete.ELLUL, J.Histoire des institutions. 12.ed. Paris: PUF, 1993. t.5.NOGUEIRA, J. L. A. A Academia de São Paulo: tradições e reminiscências.3.ed. São Paulo: Saraiva, 1977.PILE I, N.História da educação no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.

VEIGA, C. G.História da educação. São Paulo: Ática, 2007.

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O MONITORAMENTO DO INDIVÍDUO NASOCIEDADE TÉCNICA

Jorge BARRIENTOS-PARRA 1

Elaine Cristina Vilela Borges MELO 2

RESUMO: Neste artigo os autores com base no direito comparado, na doutrina e jurisprudência analisam a questão da vulnerabilidade das informações do indivíduo e do d re to à nt m dade na soc edade técn ca. Pr me ramente a part r da Jacques Ellul descrevem a profunda influência exercida pela técnica na sociedade contemEstudam a seguir o caso do prontuário médico eletrônico no contexto dos avanços da telemChamam a atenção para a vulnerab l dade dos bancos de dados. F nalmde lege ferenda propõem alguns princípios aplicáveis ao tratamento de dados com base na experiência dEuropé a e propugnam pela adoção de uma polít ca públ ca na matér a em

PALAVRAS-CHAVE: Soc edade técn ca. informações pessoa s. Bancos Mon toramento e controle do nd víduo. D re to à nt m dade. ProntuTratamento de dados.

La technique n’est pas neutre. C’est-à-dire qu’elle emporte par elle-mêmet quelque soit l’usage que l’on veuille en faire, un certain nombre dconséquences positives ou négatives [...] out progrès technique se pain’y a pas de progrès technique absolu. À chaque avancée de la techniqnous pouvons en même temps mesurer un certain nombre de reculs. progrès technique soulève à chaque étape plus de problèmes (et plus vaqu’il n’en résout). Les effets néfastes du progrès technique sont insépar

1 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).2 Advogada da Fundação P o Xii - Hosp tal de Câncer de Barretos. Mestre em D re to pela Un versD re to Públ co e Pr vado da Faculdade Barretos.

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des effets favorables. out progrès technique comporte un grand nomd’effets imprévisibles.

Jacques Ellul (1988, p.90 e p.97).

1. Introdução

Neste trabalho abordamos a questão do risco à vida privada e aodireito à intimidade consagrados na Constituição de 1988, face à adoçãogeneralizada de novas técnicas na sociedade contemporânea, por exemplo

chips movidos a freqüência de rádio, GPS, celulares, câmeras de vigilâncisatélites de observação, cartões de compras, internet e arquivos eletrônicoadministrativos, policiais ou comerciais, são algumas das técnicas qupossibilitam a vigilância de quase todos os nossos relacionamentos. Oprofessor da Universidade de Edimburgo Rhodri Jeffreys-Jones alertapara o caso das informações pessoais sobre a saúde de alguém, doençahereditárias, tratamentos, etc., que podem eventualmente chegar aoconhecimento de companhias de seguro, nessa hipótese esse indivíduo já não conseguiria fazer um seguro3 ou se a pessoa é um artista ou umpolítico importante a divulgação de dados sobre a sua saúde poderãotrazer-lhe incalculáveis prejuízos. Esses exemplos nos mostram o que Elldenominou a ambivalência da técnica que de fato nos oferece produtosúteis e agradáveis para a nossa comunicação, entretenimento, conforto esegurança, porém essas mesmas técnicas servem para nos vigiar, conhecaonde vamos e também o que fazemos, o que compramos, o que pensamosenm revelam toda a nossa intimidade.

Neste artigo nos propomos reetir sobre o prontuário médicoeletrônico na prática hospitalar que hoje está cada vez mais generalizadoPara compreender o alcance e a profundidade das mudanças acarretadaspelas novas técnicas, seguiremos o pensamento do festejado jurista daUniversidade de Bordeaux, Jacques Ellul, para quem a técnica passou a seo fator determinante de nossa sociedade.

Evidentemente, não pretendemos aqui esgotar o assunto queextrapola, e muito, o âmbito do Direito, alcançando aspectos da Economia

3Folha de S. Paulo, Caderno Ma s! Dom ngo, 14 de setembro de 2008, p. 4.

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da Sociologia, da Ciência Política, da Administração e da Ciência daComputação. entamos, simplesmente, a través da análise da legislaçãodoutrina e jurisprudência, nacional e estrangeira, trazer algumas luzessobre este importante tema para os legisladores, julgadores, formuladorede políticas públicas e estudiosos da sociedade contemporânea.

2. A técnica como fator determinante da nossa sociedade

Vivemos uma época de avassaladoras mudanças técnicas que mudamde maneira irreversível o mundo do trabalho, da educação, da política, dolazer, da saúde, da gestão e de outras esferas da atividade humana. SegundEllul, se Marx tivesse vivido em nossa época e se perguntasse sobre o fat

determinante, sem dúvida teria respondido que a técnica é a que conduzo mundo. Já nos anos trinta do século passado, Ellul pensa a técnica como“un

procédé général” e não simplesmente um meio da indústria simbolizadopela mecanização. Para ele, o progresso técnico engendra um fenômenode proletarização generalizada, que concerne todos os homens e todosao aspectos da vida deles, superando a dimensão puramente econômicaanalisada por Marx ( ROUDE-CHAS ENE , 2005, p.130).

De acordo com Ellul a técnica contemporânea caracteriza-se peloi) automatismo, ii) autoacréscimo, iii) unicidade, iv) universalismo, v)autonomia e vi) ambivalência.

i) Automatismo

Por automatismo da escolha técnica, Ellul (1990b, p.18) entendea impossibilidade de recusar a solução ou o método que envolve maiorracionalidade e ecácia. Vivemos uma época em que deixaram de havesimples técnicas, simples instrumentos ou máquinas e apareceu umarealidade comum: “o conjunto de todos os meios submetidos ao imperativode uma ecácia sempre maior não importa qual seja o âmbito de aplicaçã(economia, organização do trabalho, ou das máquinas, etc” (BOURG,2004, p.69).

Na concepção elluliana “o conjunto de todos os meios” quer dizero conjunto de todos os métodos que caracterizam a sociedade em ummomento especíco da história. Em segundo lugar, esses métodos têm

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um caráter racional. Essa racionalidade consiste na adequação dos meiodisponíveis aos ns propostos pela sociedade que os utiliza. Por último essmétodos devem ser ecazes. A ecácia se mede pelas vantagens que oferum método respeito de outros que se aplicam para solucionar o mesmoproblema. Quando um método ou um engenho é mais conveniente queoutros se opta por ele e os demais são descartados pelas suas desvantagens.método escolhido resulta ser ecaz em sentido absoluto, já que se convertno método por excelência para resolver um determinado problema.

Assim a ecácia é o fator do qual depende tudo, e o valor que o sistemprivilegia em todas as esferas. Agora já não é suciente o descobrimento um novo método, mais ecaz que o precedente, é necessário que ele chegua ser o método perfeito, nesse processo cada vez mais acelerado o fenômentécnico transforma o Estado e o próprio homem nada escapando à buscada ecácia, isto é, a busca do melhor meio em todos os âmbitos da vidahumana (ELLUL, 1990b, p.18).

Automatismo signica que não existe uma escolha entre váriastécnicas, mas simplesmente que a mais ecaz se impõe independentementde outros parâmetros, avançando sobre outros âmbitos e absorvendo-os( ROUDE-CHAS ENE , 1992, p.34). Dessa forma se do ponto devista técnico algo pode ser feito, será feito independentemente de critério

religiosos, morais, losócos, costumeiros, ou de qualquer outra ordem.ii) Autocrescimento

A partir de certo estágio a técnica se produz a si própria, suscitandoproblemas de natureza técnica, que exigem soluções que só a própriatécnica pode resolver. Assim Ellul (1990b, p.83-84) constata que é oprincípio de combinação das técnicas que provoca o autocrescimento, e o

formula em duas leis: 1º Em uma civilização técnica, o progresso técnicnão se detém e não tem limites; 2º O progresso técnico tende a efetuar-senão de acordo com uma progressão aritmética, mas de acordo com umaprogressão geométrica.

Nessa evolução o homem desempenha um rol cada vez menosimportante, apenas vericando e registrando o efeito das técnicas umas sobras outras e seus resultados. Isso porque cada vez mais o desenvolvimenttécnico segue processos em cadeia que excluem a intervenção humana

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iv) Universalismo

O processo de universalização da técnica apresenta dois momentoso geográco e o qualitativo. Aos poucos, a técnica penetrou e conquistoutodos os países. Aqueles que ainda não a assimilaram, na proporção ena escala necessária, almejam fazê-lo rapidamente. A reivindicação dopaíses emergentes pelo desenvolvimento é na verdade uma exigência dtecnicação.

Este processo tem conseqüências destrutivas sobre as culturastradicionais, uma vez que a técnica tende a reduzir tudo aos seus própriopadrões e exigências, assim em todos os âmbitos: religião, costumes, losoarte, instituições, etc. a técnica provoca a ruína das outras civilizações. Ist

acontece porque a técnica exige uma transformação da totalidade da vidaImplica mudanças no trabalho, máquinas e seus acessórios; implica órgãode coordenação e de administração racional; e mais ainda supõe umaadesão interior do homem ao regime.

Em outras palavras, a técnica impõe a sua própria axiologia, istoé, a racionalidade instrumental e a ecácia. Diante desses valores aculturas tradicionais se reduzem a restos, destroços e fragmentos que serãrecolhidos aos museus, como testemunhos e vestígios de épocas morta

(CORBISIER, 1968, p.17).Segue-se daí que, a técnica não pode deixar de ser totalitária, quandoela xa um método, tudo lhe deve ser subordinado. Por tanto, não há maisobjetos ou situações neutras. Ellul exemplica com a técnica da propagand“elle est totalitaire dans sa nature, dans son message, dans ses méthodes, son champ d’action et dans ses moyens: que pourrait-on demander de pl(CORBISIER, 1968, p.114).

v) Autonomia

A técnica desenvolve-se em obediência às suas próprias leis, nãorespeitando qualquer oposição, ela é um poder dotado de força própria,de sorte que se a utilizamos devemos aceitar a especialidade, a autonomide seus ns, a totalidade de suas regras – que os desejos e aspirações dhomem em nada podem modicar.

A técnica condiciona e provoca as mudanças sociais, políticas eeconômicas.

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Elle est le moteur de tout le reste, malgré les apparences, malgré l’orguel’homme qui prétend que ses théories philosophiques ont encore une puissdéterminante et que ses régimes politiques sont décisifs dans l’évolutionne sont plus les necessités externes qui déterminent la technique, ce sonnécessités internes. Elle est devenue une realité en soi qui se suffit elle-mqui a ses lois particulières et ses déterminations propres . (CORBISIER,1968, p.122).

A decorrência da autonomia é que a técnica se coloca como instânciaacima do bem e do mal, não tolera ser julgada por ninguém. Ela é ovalor supremo, em função do qual todos os outros devem ser aferidos,é a instância última e irrecorrível, a partir da qual são formulados os julgamentos inapeláveis. De forma que a técnica se julga a ela própriaEm casos controvertidos que levantam questões éticas e morais, a técnicnão somente recusa ser julgada como se levanta como juiz da moralconstruindo uma nova moral. Assim tudo o que a técnica faz ou podefazer, é permitido, lícito e justicado.

A técnica também é sacrílega, não no sentido eclesiástico do termo,mas, no sentido sociológico. Uma vez que o mundo para o homem nãoé somente material, ele concebe uma realidade espiritual, podem serfenômenos ou forças desconhecidas ou talvez incognoscíveis. No mundocorrem fenômenos que o homem interpreta como mágicos. Os psicanalistaestão de acordo a esse respeito, o sentimento do sagrado, o sentido dosecreto, são elementos sem os quais o homem não pode absolutamenteviver. Em grande parte o mistério é desejado pelo homem. O sagrado é oque se decide inconscientemente respeitar. Entretanto, como explica Ellul“La technique n’adore rien, ne respecte rien; elle n’a qu’un role: dépouillemettre au clair, puis utiliser en rationalisant, transformer toute chose en moy (CORBISIER, 1968, p.130-131).

vi) Ambivalência

Além de tudo isso, a técnica é ambivalente, ela libera, porém elatambém aliena 4, isto é, os efeitos nefastos são inseparáveis dos efeitospositivos; o progresso técnico tem seus custos; acarreta problemas novostem efeitos imprevisíveis5. Nesse sentido a tendência atual da telemedicina de4Cf. TROUDE-CHASTENET, 1992, p.130.5Cf. ELLUL, 1988, p.89.

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passar a adotar o prontuário médico eletrônico nas instituições hospitalarespossibilita de um lado maior ecácia nas atividades médico-hospitalares, que é indiscutível, mas, por outro, multiplica em grau superlativo os riscoao direito à intimidade do paciente, como veremos.

3. O Direito à intimidade e seus riscos na sociedadetécnica

O termointimidade designa o caráter do que éíntimo, isto é, ocerne, o âmago, o interior e profundo que constitui a essência de um ser,no caso em tela, da pessoa humana. A intimidade pode ser vista desdeuma perspectiva tríplice: como fenômeno, como idéia e como direito. Par

Ortega y Gasset (1966, p.84) é um fenômeno, um fato e não uma merahipótese metafísica. De acordo com Ruiz Miguel (1995, p.27), a idéia deintimidade, isto é, a consciência e a teorização sobre ela não se encontrem todas as sociedades, podemos dizer que é na sociedade ocidental ondeidéia de intimidade alcançou seu máximo desenvolvimento especulativo.

A seguir trataremos resumidamente da intimidade como direito,abrangendo a sua denição e a questão do seu devassamento na sociedadtécnica. Entre os pioneiros na defesa da intimidade cita-se o Juiz TomasCooley que na sua obra“Te elements of orts” de 1873, deniu à privacidadecomo oright to be alone , isto é o direito a ser deixado em paz6. A primeiraelaboração teórica do direito à intimidade é creditada a Warren e Brandeisque em 1890 publicaram a teoria doright to privacycom o intuito de darfundamentação ao direito de “gozar a vida”, isto é, “o direito a estar só”.7

3.1 Definição

Para forjar as suas denições de intimidade vários autores partem deuma conceituação etimológica assim por exemplo, para Batllé Sales (1972p.6) a intimidade de uma pessoa seria “tudo aquilo que lhe é próprio eexclusivo”. Para Urabayen (1977, p.9-10) seria o interior, o mais reservadoo sentir mais profundo do ser humano. Para ele a intimidade relaciona-se

6 Comentár o Contextual à Const tu ção (SiLVA, 2007, p.100).7ConfiraThe righ to privacy, de S. D. Warren e L. D Brande s (1890) c tado por Morales Prats (1980, p.15-81)Em italiano fala-sede “diritto a riservatezza”como a exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma. Cf.“Riservatezza esegretto (Diritto a)”(DE CUPiS, 1958, p.115).

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com estar só, com reserva, em oposição ao público; refere-se a uma pessonas suas relações consigo mesma ou com algumas outras muito próximaa ela como cônjuge, lhos, pais, alguns amigos, que a rodeiam na sua vidcotidiana como sucessivos e estreitos círculos concêntricos.

No âmbito jurídico, Albadalejo (1996, p.66-67) entende que aintimidade é um direito personalíssimo, isto é, um poder concedido àpessoa sobre o conjunto de atividades que formam seu círculo íntimo, nosentido de obstar aos estranhos de intrometer-se nele e de impedir qualquepublicidade indesejada. Na mesma linha de pensamento Dotti (1980, p.69)entende que a intimidade caracteriza-se como “a esfera secreta da vida dindivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. Não se afastdeles o magistério de Fariñas Matoni (1983, p.357) que escreve:

Derecho subjetivo a la intimidad es la facultad del hombre, esgrimiblerga omnes, consistente en poder graduar el ‘eje mismidad alteridad’ qla intimidad es, y que radica en la misma naturaleza esencial del hombreanterior a la sociedad y al Estado, y que comporta la posibilidad de soliciel pertinente amparo del ordenamiento jurídico cuando dicha facultad setransgredida o vulnerada.

Quanto ao alcance do direito à intimidade uma Conferência de JuristasNórdicos realizada em 1967 aprovou a tese de que o direito à intimidadeseria a proteção à vida privada do indivíduo, que deveria estar protegidocontra toda ingerência na sua vida privada familiar; contra todo ataquea sua honra e reputação e contra toda divulgação desnecessária de fatoembaraçosos concernentes à sua vida privada. Evidentemente se incluemaqui os dados sobre a sua saúde constantes de prontuários médicos.

Em relação aos interesses protegidos seriam:

- primeiro, que as notícias ou segredos do indivíduo não venham aser devassados;- segundo, que essas notícias ou segredos não venham a serdivulgados.Em resumo o direito à intimidade é a faculdade de todo indivíduo

de manter desconhecido e inviolado o seu âmbito privado. É um direitoindividual ou humano, reconhecido e consagrado universalmente, existindoremédios para sua efetiva proteção.

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do governo nossos dados estariam resguardados de olhos indiscretos oucriminosos.

A realidade demonstra que qualquer pessoa que entenda um poucode informática pode, desde qualquer país do mundo e anonimamente,

invadir bancos de dados e cometer inúmeros crimes pelo computador oucom seu auxílio. Outras vezes é a negligência ou conivência daqueles quteriam de proteger esses dados que possibilita a sua violação. O professo José Martinez de Pison Cavero (1993, p.147), conta que num municípioperto de Madrid, uma empresa de publicidade, desenvolvia um lucrativocomércio, com uma base de dados contendo até 50 informações diferentede mais de vinte milhões de espanhóis.

Outro fato ilustrativo, também de dimensões dantescas, aconteceu faz

pouco tempo na Grã Bretanha. Em 20 de novembro de 2007, o chancelerbritânico anunciou diante do Parlamento que dois CDs contendo dadospessoais de 25 milhões de famílias britânicas haviam “desaparecido”. Nesgrave incidente estão envolvidos o HM Revenue & Customs e o serviçosocial de apoio às famílias, dois importantes órgãos do governo do ReinUnido (POR ER, 2007, p.20). Agora, pasme o leitor, o mesmo HMRC(Her Majesty’s Revenue & Customs) já esteve envolvido em incidentesemelhantes; em setembro de 2007 perdeu um computador portátil

contendo os dados pessoais de 400 pessoas, e em outubro de 2007 perdeuum outro CD contendo os dados de aposentadoria de 15.000 britânicos.Quanto a esses fatos gostaríamos apenas de fazer dois comentáriosprimeiro, os dados “perdidos” são justamente os mais apetecidos por ladrõeque podem utilizá-los para forjar documentos falsos, retirar dinheiro decontas bancárias e realizar fraudes e chantagens de todo tipo, isto é, nomeendereço, informações bancárias, data de nascimento do cônjuge e doslhos. Segundo, isso acontece na Grã Bretanha, um país desenvolvido dlonga tradição democrática, considerado modelo em matéria de reformado Estado e com baixo nível de percepção de corrupção. Que esperar entãde outros onde o funcionalismo é venal e onde as relações público privadapautam-se pelo patrimonialismo?

Mais recentemente, um analista sênior daCentral Intelligence Agency em uma conferência a membros dos governos dos Estados Unidos, do ReinUnido, da Suécia e da Holanda, além de engenheiros e especialistas emsegurança, em Nova Orleans, declarou quehackers já causaram blecautes

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em várias regiões fora dos Estados Unidos, e depois de invadirem empresde infra-estrutura, zeram chantagens11. Isto nada mais é do que a extensãoa empresas e instituições, dos constantes ataques viaspams (comunicaçõescomerciais não solicitadas);spywares (programas espiões); phishing (e-mailsenviados por estelionatários, como se fossem provenientes de empresaou organizações muito conhecidas); e pharming(que adiciona falsasinformações nos servidores dos computadores do internauta permitindoo redirecionamento para sites clonados) que já importunaram a vida de80% dos usuários da internet causando transtornos e perdas nanceirasavaliadas em US$ 1,2 bilhão ao ano12. Quem já não recebeu umspam, umspyware , um phishing ou um pharming , ou vários deles?

4. O prontuário médico eletrônico: uma abordagem

A sociedade técnica exige a informatização acelerada de todos osâmbitos de atividade humana, como vimos, em razão da busca da ecácique não seria a mesma se continuasse a utilizar velhos instrumentos eprocessos. omemos o exemplo da adoção do prontuário médico eletrônicoque é somente uma das técnicas que a telemedicina dissemina pelo mundoafora.

4.1 Prontuário médico: o conceito

Falar do prontuário médico, é referir-se a um elemento essencial eobrigatório na prática médica. De acordo com De Plácido e Silva (1998,p.650) prontuário médico “designa na linguagem técnico administrativa,toda espécie de chário ou livro de apontamento, onde devidamenteclassicada e em certa ordem, se tem disposta uma série de informaçõe

que devam ser de pronto encontradas”.Para Carneiro (2002, p.834):

[...] o prontuário do paciente é o documento único constituído deum conjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos,acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistênciaprestada a ele, de caráter geral, sigiloso e cientíco, que possibilita

11Cf. Folha de S. Paulo, Quarta fe ra 30 de jane ro de 2008, p. F7.12Cf. LUCCA,2008.

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a comunicação entre os membros da equipe multiprossional e acontinuidade da assistência prestada ao indivíduo.

Adotando um ponto de vista descritivo, a denição do ConselhoFederal de Medicina 13 nos parece sucientemente abrangente e detalhada,vejamos:

Documento único constituído de um conjunto de informações, sinais eimagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situaçõessobre a saúde do paciente e assistência a ele prestada, de caráter geralsigiloso e cientíco, que possibilita a comunicação entre membros daequipe multiprossional e a continuidade da assistência prestada aoindivíduo.

Assim, o prontuário médico, além de conter os dados de identicaçãodo paciente com todas as caracterizações que lhe são peculiares, contêmdados especícos relacionados ao diagnóstico do mesmo, descrevendo terapêutica proposta, os resultados de exames realizados, os procedimentotomados, enm, todas as informações existentes da relação médico-paciennão incluindo apenas o atendimento especíco, mas toda a situação médicdo paciente, inclusive toda a história pregressa relacionada ao tratamentorealizado por prossional de saúde à qual se sujeitou.

De forma que o prontuário médico pode ser comparado a um dossiêobjetivando a análise da evolução psicossocial-clínica, para análise e estuda evolução cientíca e também como defesa prossional, caso venha seresponsabilizado por algum resultado atípico ou indesejado (LUIZ, 2007p.9).

Assim entendemos que as duas funções básicas do prontuário médico

são: A primeira ao serviço do pacientei. , como método e comobase da colheita de informações, uma vez que por meio dele,propicia-se a rápida comunicação entre os prossionais arespeito do diagnóstico e cuidados ministrados ao paciente,

13Resolução CFM 1638/02. Aprova as “Normas Técn cas para o Uso de S stemas informat zadosdo Prontuár o Méd co”, d spõe sobre tempo de guarda dos prontuár os, estabelece cr tér os par

nformação e dá outras prov dênc as. Revoga-se a Resolução CFM nº 1.331/89. (D ár o Of cBrasíl a, DF, n. 154, 12 ago. 2002. Seção 1, p. 124-5). Ret f cação: (D ár o Of c al da Un ão; Po26 ago. 2002. Seção 1, p. 204).

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56 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

servindo como base para o acompanhamento e evolução deuma determinada patologia, dos progressos ou retrocessosterapêuticos e do controle das informações. Relacionando estafunção com o direito à intimidade entendemos que em qualquercircunstância, a violação do sigilo prossional, ou o vazamentodas informações contidas no prontuário médico constituemviolação do direito à intimidade dando ensejo a aplicação doart. 5º, X, da Constituição Federal e as suas conseqüênciasno plano jurídico, a saber, o direito à indenização pelo danomaterial ou moral decorrente da violação ao direito à intimidadedo paciente. Nesses casos o médico, a equipe médica e o hospitalou casa de saúde devem responder solidariamente, uma vezque são eles os responsáveis por sua conservação e utilização

A segunda ao serviço do médico e/ou da equipe médica eii.da coletividade. Quanto a isso observamos que o prontuário éum elemento de valor probante fundamental nas contestaçõessobre possíveis irregularidades. Além dos depoimentospessoais, o registro dos dados no prontuário aparece comoum dos deveres de conduta mais cobrados pelos que avaliamum procedimento médico, por isso: “é vedado ao médicodeixar de elaborar prontuário médico para cada paciente”.14

rata-se então de documento obrigatório que, se requisitado,não poderá deixar de ser exibido em juízo, sob pena deo magistrado admitir como verdadeiros os fatos que orequerente, por meio do documento queria provar.15 Quanto aos serviços à coletividade, a Lei16 dispõe que é direitodo usuário dos serviços de saúde acessar a qualquer momento,o seu prontuário médico.

Segundo anji (2004, p.16) os registros além de representarem, paratoda a equipe multidisciplinar, um documento de relevante valor técnico,cientíco e ético-legal, avaliam a qualidade do atendimento prestado,proporcionam um meio de comunicação entre os prossionais de saúde,14. Art. 69 da Resolução 1246, de 26 de jane ro de 1988 - Cód go de Ét ca Méd ca. O presente Cód gpubl cação e revogou o Cód go de Ét ca Méd ca (DOU, 11-01-65), o Cód go Bras le ro de Deonn.º 1.154, de 13-04-84) e dema s d spos ções em contrár o. (D.O.U.; Poder Execut vo, 26 jan. 19815 Art. 359 do Cód go de Processo C v l.16Le Estadual n.º 10.241, de 17 de março de 1999, art. 2º, iV. D ár o Of c al do Estado; Poder Exemar.1999, seção 1, p.1.

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57 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

e propiciam visibilidade e identicação da responsabilidade prossionasobre suas ações.

Deste modo, observamos que, o registro de todos os elementosclínicos no prontuário médico é exigência legal,17 que entre outros servirá

de fonte para elucidação de questões que envolvam a conduta ética dosprossionais da saúde em relação aos cuidados ministrados, bem comopara a preservação da relação médico-paciente dentro de um contexto deações meio e resultados.

4.2 O prontuário médico eletrônico: um produto datelemedicina

A adoção do prontuário médico eletrônico é uma tendênciairreversível. Em primeiro lugar porque o armazenamento em arquivosconvencionais gera problemas de espaço nos hospitais e centros de saúdpela imensa quantidade de papel a ser conservada (CARNEIRO, 2002,p.833). Com a adoção do prontuário eletrônico ocorrerá a eliminação dealgumas práticas como furar papel, encapar os prontuários, gerir uxosde prontuários entre diversos setores, etc. Os procedimentos serão maisrápidos, os arquivos não ocuparão espaço físico. Enm, ganhará o pacientea equipe médica e a administração.

Em segundo lugar, de acordo com urban (2004, p.41), os meioseletrônicos no âmbito hospitalar proporcionam: “redução do tempo deciclo, melhoria no processo de tomada de decisão de médicos e paramédicodistribuição de informação”.

Em terceiro lugar o prontuário médico eletrônico numa abordagemmais geral deve ser visto como um dos tantos produtos da telemedicinaque pode ser denida como sendo a aplicação das técnicas da informátice das comunicações ao âmbito médico-hospitalar (HERVEG, 2007, p.1).Com efeito, além do prontuário médico eletrônico a telemedicina ofereceinúmeros produtos e serviços, por exemplo:

- as imagens médicas (ultrasonograa, abreugraa, tomograas,escanograas, etc) passam a ser numéricas e circulam mais rapidamente;17“Todos os estabelecimentos de assistência à saúde deverão manter de forma organizada e sistematizada ode dados de identificação dos pacientes, de exames clínicos e complementares, de procedimentos realiterapêutica adotada, da evolução e condições de alta para apresentá-los à autoridade sanitária sempre qsol c tar, just f cadamente, por escr to”. Le Estadual n.º 10.083/98, art. 58, Cód go Paulo.

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- as receitas de medicamentos podem ser dadas em formaeletrônica;

- novos dispositivos médicos como os sistemas televigilância;- os bancos de dados da área da saúde podem ser postos em rede no

âmbito local, regional, nacional ou internacional;- roupas inteligentes, que munidas de detectores eletrônicos podemcaptar diferentes parâmetros bioquímicos do paciente o que permite aplicamedicamentos à distância em determinadas circunstâncias;

- comunicação de médicos e paramédicos através de redes telemáticapermite a consulta e a cirurgia a distância;

- agendamento de consultas e a gestão dos leitos hospitalares poderser feita eletronicamente;

- variadas ferramentas de ajuda ao diagnóstico e à terapia, transferindoos conhecimentos médicos ao computador e transformado os prossionaida medicina apenas numa interface em contato com o paciente;

- enm, os setores de controle e de nanciamento médico-hospitalarcriam os seus próprios sistemas de informação com o intuito de dar maioecácia as suas operações.

Como notamos acima, vivemos uma época em que a preocupação

central da sociedade é a técnica, denida como a busca do melhor meioem todos os âmbitos da vida humana,18 assim, a adoção do prontuárioeletrônico possibilita uma maior ecácia na gestão hospitalar, numatendência irreversível, universal e sistêmica. Porém o que nos interessa aqé estudar as conseqüências negativas de aplicação dessa técnica, a saber,questão dos riscos ao direito à intimidade. É o que faremos a seguir.

18Nous voyons donc que cette double intervention dans le monde technique qui produit le phénomène tcomme « la recherche du meilleur moyen dans tous les domaines». C’est ce «one best way» qui est à technique et c’est l’accumulation de ces moyens qui donne une civilization technique. Le phénomè préoccupation de l’immense majorité des homes de notre temps, de recherché en toutes choses la méefficace. (ELLUL , 1990b, p.18-19).

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Certo o cidadão que precisa de serviços médicos não se preocupa,de quem tem acesso a seus dados, e assina rapidamente –quando pode-qualquer papel, ainda mais quando o discurso ocial é mais ou menoseste: a tecnologia vai melhorar os serviços hospitalares tornando-os maecazes, e ainda maiores recursos serão investidos a m de forneceserviços de primeira linha. A verdade, porém, é que do lado do pacientenos encontramos com uma realidade quase matemática: quanto maior sejaa base de dados, maior será o número de pessoas que podem acessá-la menor será a segurança dos dados dos pacientes. Esses dados poderão canas mãos de jornalistas a procura do estado de saúde de um artista famosode detetives privados a procura de segredos ou simplesmente de vendedorede dossiês (nesse mercado compradores não faltam).

Assim podemos perguntar-nos: como garantir os direitos da pessoahumana frente ao sistema técnico no qual nos achamos inseridos?

Como vimos o progresso técnico implica a perda da liberdade doindivíduo. A civilização técnica aniquila nossa liberdade (BOURG, 2004p.71). Na medida em que o sistema se aperfeiçoa e ganha ecácia vai exigque todos os dados das pessoas estejam em uma ou em poucas bases ddados, possibilitando assim um maior e melhor controle.

Uma resposta possível e razoável dos operadores do direito é a de

tentar uma resistência libertária frente ao sistema desenvolvendo umcontrole democrático dos bancos de dados, sobretudo aqueles impostospelo Estado, para cumprir esse rol em direito comparado surgem asdenominadas Comissões de Controle. Por outro lado, é necessário utilizao direito, não como mera técnica de controle a serviço do Estado e docapital, mas como último obstáculo para evitar que a técnica informática sinal do avassalador progresso do sistema técnico - se imponha ao preço dliberdade e da violação do direito à intimidade das pessoas.

No âmbito da iniciativa privada muitas vezes operando gigantescosbancos de dados em rede, a atitude deve ser semelhante, o controle e autilização das barreiras de segurança estabelecidas na lei.

udo isso porque como sentenciou o JRJ:

[...] III – O ser humano tem uma esfera de valores próprios que sãopostos na sua conduta não apenas em relação ao Estado, mas, também,na convivência com seus semelhantes. Respeitam-se, por isso mesmo,

não apenas aqueles direitos que repercutem no seu patrimônio material,mas aqueles direitos relativos aos seus valores pessoais, que repercutem

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nos seus sentimentos. Não é mais possível ignorar esse cenário em umasociedade que se tornou invasora porque reduziu distâncias, tornando-se pequena, e, por isso, poderosa na promiscuidade que propicia. Daíser desnecessário enfatizar as ameaças à vida privada que nasceramno curso da expansão e desenvolvimento dos méis de comunicaçãode massa. IV- Nenhum homem médio poderia espancar os seus maisíntimos sentimentos de medo e frustração, de indignação e revolta, dedor e mágoa, diante da divulgação de seu nome associado a uma doençaincurável, desaadora dos progressos da Ciência e que tantos desesperostêm causado à Humanidade. V- O art. 5º, X, da CF assegura ao serhumano o direito de obstar à intromissão na sua vida privada. Não élícito aos meios de comunicação de massa tornar pública a doença dequem quer que seja – ainda mais quando a notícia é baseada apenas

em boatos-, pois tal informação está na esfera ética da pessoa humana,dizendo respeito à sua intimidade, à sua vida privada. Só o própriopaciente pode autorizar a divulgação de notícia sobre a sua saúde.21

4.3.2 De lege ferenda: questões de política pública e princípios aplicáveis ao tratamento de dados pessoais 22

endo em vista o totalitarismo da sociedade técnica, a vulnerabilidadedos bancos de dados e a adoção crescente do prontuário médico eletrônicoreiteramos a urgência da adoção de um marco jurídico adequado entre nósque discipline essas relações jurídicas e que salvaguarde os referidos direiindividuais. Com efeito, muito embora as disposições constitucionaisque consagram a inviolabilidade da intimidade, da privacidade e dascomunicações e que protegem o consumidor,23 o Brasil não somente carecede uma lei federal de proteção de dados, mas também de uma políticapública em matéria de dados pessoais e de controle dos bancos de dados.

Nesse plano poderíamos perguntar quais seriam as idéiasfundamentais a serem retidas, quais os princípios a serem adotados?

21TJRJ, Ap.Cível 3.059/1991, j. 19/111991,RDA 185/197.22Entende-se por tratamento de dados de caráter pessoal toda operação ou conjunto de operações tendente a colherorganizar, conservar, adaptar, modificar, extrair, consultar, utilizar, comunicar, transmitir, difundir, colocar a disposiçinterconectar, bloquear, apagar ou destruir esses dados.23incluímos aqu o art. 5º, LXXii (Habeas Data); 5º, X ( nt m dade e pr vac dade); 5º, Xii ( nv o XXXii (proteção ao consum dor).

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- a execução de uma missão de interesse público;- o prosseguimento de interesses legítimos do responsável pelo

tratamento.iii) Proibição do tratamento de dados pessoais que revelem a origem

racial ou étnica, as opiniões políticas, a fé religiosa ou certezas losócaa liação sindical, bem como o tratamento de dados relativo à vida sexuae à saúde, salvo o caso em que o tratamento seja necessário para protegeinteresses vitais da pessoa em questão, diagnóstico médico ou medicinpreventiva.

iv) Informação das pessoas responsáveis pelo tratamento de dados:o responsável pelo tratamento deve fornecer à pessoa da qual colha dadoque lhe digam respeito um certo numero de informações – identidade do

responsável pelo tratamento, nalidade do tratamento, destinatários dosdados, etc.v) Direito de acesso das pessoas em questão aos seus próprios dados

todas as pessoas em causa devem ter o direito de obter do responsável petratamento:

- a conrmação ou não de terem sido tratados dados que lhes digamrespeito e a comunicação desses dados.

- o bloqueio, anulação ou reticação dos dados cujo tratamentodescumpra o estabelecido nesta Diretiva, especialmente os dados inexatoou incompletos, bem como a noticação dessas alterações aos terceiroeventuais a quem os dados tenham sido repassados.

vi) Derrogações e restrições: o alcance dos princípios anteriores podeser restringido a m de salvaguardar a segurança do Estado, a defesa, segurança pública, a repressão de infrações penais, um interesse econômicou nanceiro importante de um Estado-Membro ou da própria UniãoEuropéia.

vii) Direito de oposição ao tratamento de dados: a pessoa em questãodeve ter o direito de se opor, por motivos legítimos, a que os dados que lhdigam respeito sejam objeto de tratamento. Igualmente deve poder opor-segratuitamente a seu pedido, ao tratamento de dados previsto para pesquisasDeve ainda ser informada antes dos dados serem comunicados a terceiropara efeitos de pesquisa e ter o direito de se opor a essa comunicação.

viii) Condencialidade e segurança: qualquer pessoa que, agindo

sob a autoridade do responsável pelo tratamento ou do sub-contratante(bem como o próprio sub-contratante), tenha acesso a dados pessoais,

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não pode tratá-los sem instruções do responsável pelo tratamento. Poroutro lado este último, deve tomar medidas adequadas para proteger osdados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, alteração, a difusão ou o acesso não autorizado.

ix) Instituição de uma autoridade de controle nacional: essaautoridade deve ser noticada pelo responsável do tratamento dos dadosantes da realização destes. Após a recepção da noticação, a autoridade dcontrole examinará a possibilidade de eventuais riscos relacionados com diretos e liberdades das pessoas em questão.

x) Possibilidade de recorrer aos tribunais no caso de violação dosdireitos garantidos pelas disposições nacionais em matéria de tratamentode dados e de obter indenização pelos danos sofridos.

Note-se que muito embora os avanços que esses princípios trouxeramas derrogações e restrições (itemvi ) são muito amplas. No espaço europeuo indivíduo ca inteiramente entregue as forças policiais, militares e ddefesa do Estado que tendo larguíssimas atribuições inclusive a “repressão infrações penais”, e interesses econômicos ou nanceiros ditosimportantes ,podem ter acesso a qualquer banco de dados e ou chário em poder doEstado ou de particulares tudo isso evidentemente em nome da segurançae da ordem que todo cidadão almeja, voltamos aqui ao pensamento de

Ellul.26

Essa situação, como sabemos, está na ordem do dia em virtude doconfronto das democracias ocidentais com o terrorismo.27

Sublinhe-se ainda o princípioix , isto é, a organização de umaautoridade administrativa nacional independente do governo28 queseja responsável por zelar pelos direitos garantidos na Constituição emmatéria de liberdade, de privacidade, intimidade e sigilo podendo aplicasanções contra os responsáveis de um tratamento que viole esses direitoObviamente essa autoridade deve contar com os recursos nanceiros

necessários ao cumprimento da sua missão, no caso do Brasil, entendemoque deveriam ser designados no orçamento da União.

26Les techniques policières, qui se développent à une cadence extrêmement rapide, ont pour fin nécessaire la transformnation tout entière em camp de concentration. Ce n’est pas une décision perverse de tel parti, de tel goucertain d’attraper des criminels, il faut que chacun soit surveillé, que l’on sache exactement ce que fait ses habitudes, ses distractions [...] Et l’on est de plus en plus en mesure de le savoir. (ELLUL,1990b, p.93).27Sobre o confronto democrac a versus terror smo e suas consequênc as para o d re to ver: Patr c25).28Um modelo pode ser a Comm ss on Nat onale de l’informat que et des L bertés – CNiL, organ znº 78-17 de 06/01/1978. O le tor pode encontrar ma ores nformações no segu nte s te: <http://ww

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apresentem riscos e assumir o seu controle, em primeiro lugar exigindoas garantias sucientes em relação às medidas de segurança técnicas e dorganização a serem implementadas. E em segundo lugar vigiando paraque essas medidas sejam efetivamente tomadas.

Um aspecto particularmente delicado em matéria de condencialidadee segurança de dados médicos, é que a infra-estrutura e redes telemáticasupõem a intervenção de intermediários (prossionais liberais e empresae seus prepostos) que não estão sujeitos às regras do segredo médico nema deontologia médica 29. Fora as soluções oferecidas pela própria técnicada informática e da comunicação nesse âmbito, a legislação deve prevercerticação de empresas que poderão ser subcontratadas e a elaboração dcódigos de conduta setoriais. Numa certa medida, a condencialidade e asegurança do tratamento de dados médicos são também assegurados poum controle reconhecido ao próprio paciente, assim, um eventual marcolegal, deve reconhecer-lhe o acesso e a utilização de seus dados médicos.

29 Cód go de Ét ca Méd ca, Resolução nº 1.246 do Conselho Federal de Med c na, de 8 d

É vedado ao méd co:“ Art. 102. Revelar fato de que tenha conhec mento em v rtude do exercíc o de sua prof ssão, salvoautorização expressa do paciente.Parágrafo ún co: Permanece essa pro b ção: a) Mesmo que o fato seja de conhec mento públ co ob) Quando do depo mento como testemunha. Nesta h pótese, o méd co comparecerá perante a aimpedimento.[...]

Art. 105. Revelar nformações conf denc a s obt das quando do exame méd co de trabalhadoredirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade. Art. 106. Prestar a empresas seguradoras qualquer nformação sobre as c rcunstânc as da morte decontidas no próprio atestado de óbito, salvo por expressa autorização do responsável legal ou sucessor. Art. 107. De xar de or entar seus aux l ares e de zelar para que respe tem o segredo prof ss onal Art. 108. Fac l tar manuse o e conhec mento dos prontuár os, papeletas e dema s folhas de observprof ss onal, por pessoas não obr gadas ao mesmo comprom sso.”

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5. Conclusões

A técnica contemporânea caracterizada pelo seu automatismo,autocrescimento, unicidade, universalismo, autonomia e ambivalênciacondiciona e provoca as mudanças sociais, políticas e econômicas dasociedade. Entretanto a sociedade técnica não é somente o produto dodesenvolvimento de certas técnicas, mas, sobretudo, a aparição de umanova disposição frente a processos e métodos que é a busca racional decácia máxima em toda ordem de coisas.

A técnica é ambivalente, isto é, pari passu aos seus inegáveis aspectospositivos -sublinhemos que a telemedicina nos aporta produtos como oprontuário médico eletrônico, extremamente satisfatórios e úteis- acarreta

porém efeitos nefastos que são inseparáveis daqueles, como por exemplo,devassamento da privacidade e a violação do direito à intimidade. A nossépoca tem sido chamada a era da informática, mas com a mesma precisãpoderíamos denominá-la também a era da vigilância.

Surge assim para os formuladores e executores de políticas públicabem como para os operadores do direito o desao de defender as liberdadee direitos fundamentais ameaçados pelo Leviathan tecnológico.

Nesse plano a elaboração de uma política pública e de uma Lei Federade Proteção dos Dados Pessoais com a sua respectiva regulamentação sãtarefas urgentes no Brasil.

Não tenhamos ilusões, porém, que com medidas políticas oulegislativas colocaremos a técnica ao nosso serviço, podem-nos ajudasimplesmente a sobreviver dentro do sistema, como disse Ellul (1990p.388, tradução nossa):

Assim se completa o edifício desta civilização que não é um universoconcentracionário, uma vez que não há atrocidade, não há demência,tudo é níquel e vidro, tudo é ordem – e as arestas das paixões dos homenssão cuidadosamente aparadas. Não temos mais nada a perder e maisnada a ganhar, nossos mais profundos impulsos, nossas mais secretaspulsações do coração, nossas mais íntimas paixões são conhecidas,publicadas, analisadas, utilizadas. 30

30 “Ainsi s’acheve l’édifice de cette civilisation qui n’est pas un univers concentrationnaire, car il n’y a démence, tout est nickel et verre, tout est ordre – et les bavures des passions des hommes y sont soign’avons plus rien à perdre et plus rien a gagner, nos plus profondes impulsions, nos plus secrets batteintimes passions sont connues, publiées , analyses, utilisées”.(ELLUL , 1990, p.388).

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68 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

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Coutau-Bégarie. Paris: Economica, 1990b. (Classiques des sciencessociales).

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A TÉCNICA E O DIREITO DO TRABALHO:O PAPEL DOS NOVOS ATORES

GLOBAIS EM BUSCA DE UMA NOVAREGULAMENTAÇÃO. ESTUDO DE CASO: O

TELETRABALHO

Rui Décio MARTINS 1

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo estudar, num primeiro momento, o uso técn ca na evolução da at v dade laboral até o advento da Revolução indsubseqüente o estudo recairá sobre as mudanças de paradigmas na produção em funçãode novas tecnologias na indústria então nascente. Num terceiro momento estudará os da globalização nas relações de trabalho e o desempenho de novos atores globais na bmelhorias na regulamentação laboral em especial diante de novíssimas tecnologias ut

no se o da mund al zação.Um desses efe tos é o uso da internet nas reaprec ado um estudo de caso envolvendo o teletrabalho. F nalmente, a pesqessa real dade e o papel a ser desempenhado não só pela OiT, mas nclucontribuição efetivas de novos atores globais.

PALAVRAS-CHAVE: Técnica e direito. Novos atores globais. Técnica e trabalho. Teletrabains tuto de D re to internac onal. Técn ca e trabalho na h stór a.

1Doutor em D re to pela Pont fíc a Un vers dade Catól ca de São Paulo (PUC/SP). Mestre em DPaulo (USP). Professor e doutor i - do Programa de Pós-graduação em D re to da UNiMEP, profesD re to de São Bernardo do Campo.

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Introdução

O presente artigo tem por objetivo estudar, num primeiromomento, o uso da técnica na evolução da atividade laboral até o adventoda Revolução Industrial. Numa etapa subseqüente o estudo recairásobre as mudanças de paradigmas na produção em função do uso denovas tecnologias na indústria então nascente, os problemas sociais dadecorrentes e a participação da sociedade civil organizada em associaçõe sindicatos na busca de uma legislação trabalhista local e internacionaadequada. Num terceiro momento estudará os efeitos da globalização narelações de trabalho e o desempenho de novos atores globais na busca dmelhorias na regulamentação laboral em especial diante de novíssimatecnologias utilizadas no seio da mundialização e que têm alteradosubstancialmente as relações de trabalho tradicionais, tais como o uso dInternet em diversas transações comerciais sem que se saiba exatamentquem está efetivamente exercendo um labor e em que condições isso ocorrOutro exemplo é a atividade de trabalhos a domicílio informatizados – oteletrabalho. Finalmente, a pesquisa fará a ponte com essa realidade e opapel a ser desempenhado não só pela OI , mas incluindo a participaçãoe contribuição efetivas de novos atores globais.

1. Conceito de trabalho

Em geral pode-se dizer que o trabalho é fonte de libertação dohomem, uma atividade que o dignica perante os demais seres humanospois é um fator de cultura, de paz social e coletiva e de dominação racionado universo.2 É bem verdade que houve tempo em que o trabalho era tidocomo penalidade:

E a Adão disse: Porque deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste daárvore que eu havia proibido comer, a terra será maldita por tua causa;com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias de tua vida.(BIBLIA, Gênesis, 3, 17).

Claro está que o trecho bíblico acima não é necessariamente umaregra geral e imutável; ao contrário, é apenas uma conseqüência de um

2 Cf. BARROS, 1997.

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desobediência a uma ordem divina. No Paraíso, “o trabalho era alegre e semfadigas, como convinha à Providência Divina” (BARROS, 1997, p.32).

O conceito de trabalho também apresenta uma faceta de cunhoeconômico - e nem poderia deixar de o ser -, pois traz implícita a idéia

de satisfação de necessidades do próprio homem enquanto indivíduo eenquanto ser social. Juridicamente o trabalho também apresenta seus aspectos peculiares

pois além de um perl de natureza ética deve o seu conteúdo ser tido comlícito perante as regras do grupo social; ou seja, desde que enquadrado nlei o aspecto econômico não é necessariamente requerido.

Por m não se pode desprezar o papel da técnica no desenvolvimentoda atividade laboral ao longo dos milênios. É disso que se trata, em verdad

este artigo.2. A técnica na evolução histórica do trabalho

2.1. A pré-história.Nos alvores pré-históricos da humanidade otrabalho apresentava-se de forma muito simples, com o uso de instrumentorudimentares que garantia apenas a sobrevivência cotidiana do indivíduoe a de seu pequeno grupo familiar; nessa fase não eram possíveis quaisquatividades denotando reservas e acúmulo de bens e/ou produtos.

As atividades dominantes eram a caça, a pesca e a coleta que exigiamcooperação muito simples, e isso raramente. Aos poucos aquelas atividaddemandaram operações que se foram sosticando ao longo dos milênios. Arevolução técnica no que diz respeito ao uso da pedra talhada

[...] vai diferenciando lentamente o ferramental lítico, assegurando aprodução em série, permitindo um instrumental ósseo especializado,dando à humanidade neandertalense os meios pra a caça ativa, tantomais necessária em função das mudanças climáticas, dicultando acoleta de vegetais. (NOUGIER, 1974, p.5).

Certamente essas conquistas vão propiciando uma ainda incipientedivisão dos trabalhos, passando pelo domínio do uso da roda e da fusão dometais convertidos em melhores instrumentos de trabalho e, infelizmentede guerra.

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Parece fora de cogitação, todavia, que um dos fatores decisivospara a evolução humana teria sido - a ainda o é na atualidade - o fabricode ferramentas que usa e abusa da tecnologia e ligam umbilicalmente acapacidade mental com a capacidade de manipulação das mãos. Aquiportanto, se está diante de uma atitude de Ação,

[...] ou antes, ação-pensamento ou pensamento-ação que pela descobertado fogo, pela invenção da mão e da linguagem,4 a primeira, emecacíssima cooperação com o mecanismo cerebral, a Segunda, retendovalorizando e transmitindo as aquisições da experiência, proporcionoue denitivamente garantiu à humanidade o seu prodigioso poder sobreas coisas e, com este, sua privilegiada ascendência sobre os demais sere(PIMEN A, 1957, p.85).

Com isso o homem não sóvive“o mundo”, mas interage com ele,modica-o conforme o exigem suas necessidades. “A tecnologia é a maneipela qual o mundo humano é criado” (PIMEN A, 1957, p.85).

odavia, um autor, Spengler (1935, p.13), enfatiza que se deve fazeruma relação reducionista entre técnica e ferramenta. Para ele não importa fabrico de coisas mas, sim, o seu manejar,“no se trata de las armas, sino de lalucha” . Para corroborar sua assertiva indica que há inúmeras possibilidadedo uso ou existência da técnica porém, sem o uso de ferramentas: do leãoque caça uma gazela, a técnica diplomática, a técnica de uma pincelada emum quadro. Para ele, cada ferramenta serve apenas a um propósito, a ummanejo, a um pensamento desse manejo.

Porém, após um olhar mais apurado sobre outras espécies animaispercebe-se que o uso da técnica não é exclusividade do homem, poisoutros animais dela se utilizam como os chimpanzés que se servem deinstrumentos havidos na natureza para atuar como martelo; ou os pica-paus do arquipélago de Galápagos que se utilizam de espinhos como uminstrumento para retirar larvas de troncos, ou, ainda, certas gaivotas “[...]que se deslocam quilômetros para jogar os moluscos capturados contrarochas e assim parti-los.” (FOLADORI, 2001, p.69).

4BERR apud PiMENTA, 1957, p.85.

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[...] o mesmo sucede com um torneiro, que ajusta a peça móvel aotorno xo. Existem centenas de exemplos de utilização de instrumentospor diversas espécies animais. (FOLADORI, 2001, p.69).

Nesse sentido se pode armar que o uso da técnica não é privilégiodo ser humano, pois,

En realidad, la técnica es antiquísima. No es tampouco una particularidadhistórica, sino algo enormemente universal. rasciende del hombre y penen la vida de los animales, de todos los animales. (SPENGLER, 1935,p.12).

Spengler (1935) nos ensina que o fundamental na relação datécnica com a vida dos animais, entre eles o homem, é o seu caráter demobilidade, o que os diferencia das plantas, e que a “técnica da vida”, ouseja, superioridade ou inferioridade para enfrentar os desaos da naturezou mesmo outros animais, é o que vai decidir sua vida. “A técnica é a táticda vida inteira. É a forma íntima do manejar-se na luta que é idêntica àvida mesma.” (SPENGLER, 1935, p.13, tradução nossa).

Porém, numa análise mais criteriosa sobre o papel da técnica, Spengle(1935) divide os animais em duas categorias, os de rapina e os demaisincluindo os herbívoros. O homem situa-se na primeira classicação, poiele é capaz de sozinho enfrentar a natureza e outros animais, pois apresentuma força individual.

Vai daí que os animais em geral possuem uma “técnica da espécie”, qual não é inventiva5, nem apreensível, nem suscetível de desenvolvimento,para acrescer logo em seguida que a “técnica da espécie não é somentinvariável, mas também impessoal” (ELLUL, 1968, p.28).

Vejamos, a seguir, na íntegra, como aquele autor vê a técnica a partirdo ser humano:

La técnica humana, y solo ella, es, empero,independiente de la vida dela espécie humana. Es el único caso, en toda la história de la vida, eque ser individualescapa a la coacción de la espécie . Hay que meditarmucho para compreender lo enorme de este hecho. La técnica em la vidahombre es consciente, voluntária, variable, personal,inventiva . Se aprende

5Para Ellul (1968, p.23) há que se d ferenc ar at v dades de m tação da at v dade de nventar, ude sua diferenciação em relação a ouros animais ou grupos humanos.

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y se mejora. El hombre es el creador de su táctica vital. Esta es su grandesu fatalidad. Y la forma interior de esa vida creadora llamámoslacultura , poseer cultura, crear cultura, padecer por la cultura. Las creaciones dhombre son expresión de esa existência em forma personal . (SPENGLER,1935, p.29-30, grifo do autor).

Interessante a lição de Foladori (2001, p.69-70), quando armaque o fabrico de instrumentos pelo homem apresenta vários elementosespecícos. Num primeiro lugar, contém uma dupla mediação, pois só ohomem consegue usar instrumentos para fabricar instrumentos, ou seja,“usar uma pedra para dar forma a um instrumento que será posteriormenteutilizado”. A fabricação de um instrumento para uso no devir, relata oautor citado, gera uma “tridimensionalidade” no tempo, pois trata-se deuma atividade ocorrida no presente, usando um instrumental criado nopassado para ter seu efetivo uso em uma atividade futura.

Um segundo elemento refere-se à distância temporal e espacialentre instrumento e necessidade, pois que nos animais a utilização de uminstrumento é para satisfazer uma necessidade imediata. Já no ser humana relação necessidade “versus” utilidade experimenta um distanciamentpermitindo o fabrico de peças não para o uso imediato, mas para atender areclamos estéticos ou de regulação social.6

O terceiro elemento diz respeito à transformação da natureza pelotrabalho. Os animais, em geral, utilizam-se de instrumentos como extensõede seus próprios corpos; o homem, por sua vez, os utilizam como fatoreexternos ao corpo

Ao transformar a natureza mediante o trabalho, o ser humano a tornasua, adapta-a aos seus interesses. Mas, de maneira correlativa, a própriaatividade do ser humano se condensa, objetiva-se em uma coisa quetranscende o tempo. Esse novo produto do trabalho, está, por umalado, desprendido da consciência, da subjetividade que o criou; mas,por outro lado, tem cristalizado um determinados materiais uma formaútil que condiciona seus usos futuros. (FOLADORI, 2001, p.70-71).

6O autor, neste ponto, c ta nteressante trecho da obra de Marx (apud MARX; ENGELS, 1966, p.1animal produz. Constrói seu ninho, sua morada, como a abelha, o castor, a formiga etc. Mas só produz aquilo de que ndiretamente para si ou sua cria; produz de um modo unilateral, enquanto a produção do homem é universal; só prodo acicate da necessidade física imediata, enquanto o homem produz também sem a coação da necessidade física, e qencontra l vre dela é quando verdade ramente produz.”

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Evidencia-se, portanto, que a capacidade do homem em fabricarferramentas não seria o fator primordial de sua evolução se juntamentecom isso não estivesse presente o comportamento social.7

Fica claro, aqui, que o que vai diferenciar os primeiros humanídeos

daqueles denominados antropomorfos é a capacidade natural para lidarcom o ambiente hostil que os cercavam. Anatomicamente os primevoshomens possuíam uma dentadura adaptada a três usos: marcar, triturar ecortar. Assim, os mais primitivos seres “homo” dedicam-se incansavelmenteà coleta de vegetais em geral e à caça de pequenos animais, lentos e dpoucos reexos. Uma das características principais que permitiriamos homens a disparar em sua evolução distanciando-os daqueles outroantropomórcos foi o fato de atuarem em grupos que caçavam com pedra“in natura”, qual seja, sem qualquer trato. Sua ecácia dependia de o gruptodo estar atacando ao mesmo tempo e de várias direções diferentes.

Essa atividade coletiva, social, utilizando-se de instrumentos váriosé um diferencial magníco entre homens e outros animais, uma vez queesses, mesmo aproveitando-se de certos “instrumentos” - colhidos sempre dmãe natureza e raramente burilados - sempre os utilizam de “ per si”, isto é,não transmitem para as gerações futuras essa “técnica” [sic]. O homem, porsua vez, tem por inata essa característica transmissora a seus descendente

Ao longo dos tempos isso gera a divisão social do trabalho sendo certo qu“[...] a fabricação de instrumentos foi o elemento dinamizador, gerandocoisas como requisito para o surgimento de relações sociais.” (FOLADOR2001, p.75).

Não se pode olvidar, ressalte-se, o papel da “mão” na jornadaevolutiva do homem trabalhador: “la desnuda que coge, la que atrapa, laque trae” (FOLADORI, 2001, p.9).

Porém, deve-se observar a mão por si só não tem valor, pois é preciso

associá-la à ferramenta.La manoexige el arma, para ser ella misma arma. Así como la herramientase ha formado por la gura de la mano, así inversamentela mano se hahecho sobre la gura de la herramienta . Es absurdo pretender separalasen el tiempo. Es imposible que la mano ya formada haya actuado ni au

7Cf. FOLEY, 2003, p.65. Para os pequenos e ndefesos bípedes humanos, a ntel gênc a fo necessex g r a cooperação entre nd víduos (e portanto, organ zação soc al), bem como a l nguagem pprimeiros humanos não eram apenas caçadores, mas caçadores socializados, de modo que a caça significava mais quecomer carne.

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Ou seja, pode-se dizer que “os hábitos, uma vez adquiridos, servempara originar novos e mais complexos métodos de trabalho” (FROLOV,[197-?], p.119).

A partir dessa transmissão o “trabalho” vai deixando de ser casual

difuso e não especializado para tornar-se organizado. Com isso, obviamentos grupos sociais se diferenciam internamente em funções diversaspropiciando um arremedo de classes sociais, e o homem ao adquirir ess“consciência” do trabalho utiliza-se de “uma inteligência técnica que épatrimônio exclusivo de alguns”( NOUGIER, 1974, p.11), qual seja, acapacidade de manipular, de burilar, de dar formas diferenciadas às pedrae ossos, e em seguida às madeiras, destinadas a usos distintos. Assim, podse armar que ali começou a diversidade de ocupações humanas poishavia aqueles que continuavam nas atividades coletoras, nas de fabricaçãrudimentar de ferramentas e, por m, aqueles que se utilizavam dessasúltimas.

A técnica conduz à especialização ou à crescente divisão do trabalho jáentre os dois sexos, já entre indivíduos do mesmo sexo, já coletivamenteentre clãs ou tribos, e, dentro destes, entre famílias. (PIMEN A, 1957,p.91).

Nesse momento da evolução do trabalho em função da técnica surgeuma especialização baseada no renamento dos objetos, da elegância dforma: é o surgimento da criação artística. A arqueologia revela inúmerapeças artesanais em osso, pedras ou madeira que atestam, por que não, osurgimento de uma nova classe de trabalhador – o artista.

Ao analisar o progresso da técnica na fabricação de artefatos depedra com as duas faces cortantes, Nougier (1974) acrescenta a produçãodesses instrumentos constituiu a primeira grande revolução técnica e que segunda ocorreu com novos procedimentos de trabalho coma produção emsérie dos artefatos lascados e apresenta em seguida aquelas, que segundo esão as etapas de fabricação, e que demandariam pelo menos dez pessoas:

- coleta dos blocos brutos de pedra - desgaste dos ancos para criar superfícies regulares ao redor do bloco- eliminação de pequenas arestas (lascas) na superfície superior e preparodas superfícies secundárias- retoques secundários para anar

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- seccionamento brusco para permitir a a produção de pontasacabadas- a seguir, essas fragmentações ao redor do núcleo, cuidadosamentetalhado, faculta uma produção em série de pontas triangulares.(NOUGIER, 1974, p.19).

O uso de lanças de madeira com lascas aadas nas pontas são umavanço natural para a atividade de caça. Esta, a princípio, era efetuada dmodo individual. Com o crescimento do grupo social as necessidades dealimentos aumentam gerando uma atividade vital que só pode ser ecientse praticada em grupo; eis que surge uma nova classe de trabalhadores, ocaçadores.

Junto com essa especialização surge a técnica do desenho representandquase sempre uma grande caçada. Inúmeras pinturas rupestres nos dãouma amostragem bastante realista daquele trabalho coletivo.

Pouco a pouco a atividade de caça vai perdendo sua importânciaquase onipotente para o grupo, pois com ela aproveitava-se não só a carnemas os ossos para os diversos utensílios e a pele como vestimenta e proteçcontra as intempéries. Com a suavização do clima gerando temperaturasmais amenas os homens passaram por um novo avanço tecnológico, a

agricultura, que exigiu a criação e uso de novos instrumentos para arar aterra, semear e colher os primeiros cereais.Mas era preciso armazenar a colheita e isso gerou a atividade ceramist

com uma nova classe de trabalhadores, detentores de uma técnica cada vemais especializada.

A pesca também beneciou do uso de novas técnicas e da utilização dnovos materiais, principalmente em momentos de penúria da agricultura.O homem começava, também, a domesticar animais para seu uso e

alimentação.Nossos longínquos ancestrais já dominavam a fabricação deinstrumentos de corte, de perfuração, de caça e pesca, já conseguiamarmazenar quantidades razoáveis de alimentos por meio da cerâmica, jconseguiam proteger seus corpos dos rigores da natureza com vestimentafeitas com peles de animais. Mas ainda habitavam a natureza nua, sejaem grutas, seja ao relento. As novas necessidades decorrentes da divisãdo trabalho e desta em classes sociais reetiam-se numa exigência qunão podia se fazer esperar: as condições de habitação mais adequadas

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confortáveis. É a vez dos construtores que utilizavam desde as pedras quabrutas, como trabalhadas conforme os diversos tamanhos numa atividadede sobreposição umas sobre as outras; também se utilizavam de materiaivegetais como grandes folhas para revestir estruturas em geral de madeitrabalhada. Como é obvio essas vivendas acarretavam o uso de variadoinstrumentos “domésticos”, como potes, de corte, de cozinhar, de cozer, dearmazenar alimentos, etc...

Mesmo com todo esse progresso os grupos sociais tornam-se maioree com maiores necessidades. As técnicas existentes e já relatadas nãatendem á demanda. Novas atividades surgiram em especial em busca dnovos materiais cuja coleta na natureza já era mais suciente. Era precisbuscá-los em outras plagas, em geral, não mais na superfície, mas, sim, nsub-solo. Surgia a mineração e com ela uma cadeia de atividades laborabem mais complexas, pois os que trabalhavam nas “minas” precisavam qualguém provesse sua subsistência. “Colaboração, trabalho coletivo; todas condições do trabalho moderno já reunidas”, no dizer de Nougier (1974,p.62).

Infelizmente esse avanço técnico e demográco exigia cada vez marecursos que o grupo por si só não conseguia produzir. A saída é buscar emoutros locais (e com outros grupos) o que lhes faltava. Só um pequeno detalh

impedia-lhes o intento: aqueles produtos já tinham donos. Surgem, então,as guerras e, com elas, como um de seus mais funestos desdobramentosa escravidão, atividade que desvirtua o sentido do trabalho e por isso nãoserá aprofundado aqui.

De tudo o que foi dito até o momento pode-se inferir que o trabalhodos homens pré-históricos alteraram substancialmente o meio ambientepor eles habitado, pois transformaram a natureza para melhor atenderàs suas necessidades e isso só foi possível com o desenvolvimento do

membros superiores dos primatas, aliado ao surgimento da “linguagembase da consciência social” (FROLOV, [197-?], p.111).2.2. Antiguidade. O período egípcio caracterizou-se pela realização

de grandes obras idealizadas e bancadas pelos governantes de plantãodirigindo e regulamentando as relações de trabalho de então; mesmo que ouso do trabalho servil fosse típico da época, em especial para as atividadmais brutas, havia outras que eram realizadas por homens livres, tais coma joalheria e as grandes obras de arte em forma de esculturas, de afrescos

de fabricação de armas e instrumentos de trabalho (metalurgia).

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Para os gregos o trabalho manual era aviltante e só poderia serrealizado por escravos e servos. Aos homens livres destinava-se as discusssobre a administração de toda a vida da pólis; daí, talvez, ser um paradoxtomar a antiga Hélade como berço da democracia onde o povo [sic!] seauto-governava e era livre para decidir.8

Os romanos possuíam uma espécie de órgãos de classe (seriam osantecedentes remotíssimos dos sindicatos?) e que era conhecido comoColégio de artesãos, despojados de personalidade jurídica e de benspróprios. No período republicano esses colégios, diante do trabalho escravoestavam inltrados de agitadores políticos o que levou Júlio César a abollos; reaparecem depois, ao tempo de Augustus, agora mediante autorizaçãprévia, inclusive para a delimitação das prossões sendo-lhes conferidapossibilidade de redigirem seus estatutos.

O povo hebreu tentava dignicar todos os homens proibindo os maustratos a escravos, servos ou homens livres, mesmo que fossem estrangeirorepudiavam a prática de atrasar salários e pregavam o descanso semanapara os trabalhadores.

O Código de Hamurabi já previa direitos aos escravos, como se podeobservar dos seguintes parágrafos, 117, 175, 176, 188, 1899:

§ 117 - Se uma dívida pesa sobre umawilum10

e ele vendeu sua esposa,seu lho ou sua lha ou (os) entregou em serviço pela dívida, durantetrês anos trabalharão na casa de seu comprador ou daquele que os temem sujeição, no quarto ano será concedida a sua libertação.

§ 175 - Se um escravo do palácio ou um escravo de ummuskênum11 tomou por esposa a lha de um awilum e ela lhe gerou lhos, o donodo escravo não poderá reivindicar para a escravidão os lhos da lha deum awilum.

8É sab do que nas pol s gregas a população escrava ultrapassava em mu to à dos homens l vres; e não tomavam assento nas Ágoras para d scut r o bem públ co. Somente os pr v leg ados detentopossuíam esse “d re to”.9Cf. BOUZON, 1998.10Homem l vre.11Uma categoria social que se situava entre o homem livre e o escravo.

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velar sobre os aperfeiçoamentos técnicos da comunidade artesanal. Eramdotadas de um arremedo de tribunal que procurava dirimir os conitosentre aos associados. Quando começaram a articular-se melhor em buscde uma espécie de associação foram sistematicamente reprimidas pelooutros poderes tão inúmeros no período medieval.

Em função disso sua extinção foi marcada por uma falta de capacidadeprodutiva que desse conta de uma demanda cada vez mais crescente. Além disso, o surgimento de uma nova estrutura política de origem nãodivina, mas calcada no poder do príncipe - o estado - entrou em confrontodireto com aquelas corporações, pois estava em jogo o poder dos novogovernantes.

2.4. Idade Moderna - O nal do período medieval é marcado pelas

grandes navegações que trouxeram um incremento nunca visto em termode comércio entre povos com o aparecimento de novas rotas marítimascomerciais; o descobrimento da América só veio a consolidar aquelequadro.

É esse comércio que permitiu um grande acúmulo de capitais emmãos de poucos afortunados e apenas em alguns estados mais desenvolvideconômica e militarmente.

Nesse quadro surgem as cidades cada vez maiores e complexas,com um crescimento demográco contínuo que passam a exigir cadavez mais produtos diferenciados e em maiores quantidades. O trabalhoessencialmente artesanal de há muito não atende as novas e crescentenecessidades. Urge o aparecimento das máquinas.

A busca por novos mercados e a necessidade de um aumento naprodução de bens para atender uma demanda em franca e contínuaexpansão uniram-se aos últimos fatores acima descritos e geraram umdesenvolvimento sem par, até então, na ciência e na tecnologia acarretandosurgimento do que se convencionou denominar de Revolução Industrial.

2.5. Revolução Industrial -Vários são os fatores que se podemapontar como originadores da Revolução Industrial. Remotamentehouve o enfraquecimento das relações de servidão existentes no períodhistórico anterior. A liberação das obrigações feudais gerou uma situaçãpré-revolucionária no campo melhorando a exploração agrícola. Logoem seguida, porém, as melhorias advindas da tecnologia pré-industriaencontram no capital acumulado pelo mercantilismo um forte aliado quevai investir nessas novas técnicas para a produção mecanizada de bens e

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quantidades crescentes por um custo cada vez mais baixo gerando, emcontra-partida, lucros cada vez maiores.

Essa nova atividade produtiva concentrou-se nas cidades fazendocom que houvesse um êxodo populacional do campo para o burgo em

busca de novas e melhores oportunidades de trabalho, pois a mecanizaçãdo campo que se iniciava tirava postos de trabalho em favor da máquinaHouve, assim, um excesso de contingente laboral que saiu em busca deuma ocupação. E foi nas fábricas que muitos encontraram-na. Mas, emque condições!?

Os efeitos dessa revolução logo se zeram sentir. Houve um aumentoda divisão do trabalho e, assim, aquele que iniciava o processo produtivofreqüentemente não sabia como este se desenvolvia e terminava.

Um dos efeitos mais pernósticos - mas perfeitamente previsível - foi enorme concentração do capital em mãos de poucos sem uma distribuiçãoeqüitativa do mesmo entre o dono da máquina e o operário.

Na prática havia, sem dúvida, uma cruel relação de servidão como aumento incontido da população urbana em detrimento da rural,gerando a livre manipulação dos postos de trabalho pelos detentores docapital. O desemprego era parte do dia-a-dia do trabalhador, pois semprehaveria alguém disposto a ganhar menos pelo mesmo trabalho: era a lei dsobrevivência no seu grau mais indigno.

As condições de trabalho eram inumanas com a admissão de criançasde tenra idade em jornadas que ultrapassavam os limites do tolerável aopequenos seres. Aos adultos não estava reservada sorte melhor: jornadade 16 horas ou mais eram comuns, a insalubridade das fábricas é de tristmemória, não havia descanso semanal, garantia de salários, de emprego, dnada..., a não ser trabalho e mais trabalho - e a prole -; daí a denominaçãopejorativa de “proletários!”

Mesmo assim, não se pode olvidar que o período foi extremamenteinovador e deu a largada para um avanço tecnológico nunca antesexperimentado, com o desenvolvimento brutal do conhecimento e datécnica.12

A fábrica moderna nasceu junto com a tecnologia e a ciência aplicada.[A] articulação entre produção, ciência e tecnologia tornou possível

12Para uma v são bem detalhada da relação máqu na e técn ca v de Ellul (1968, p.43-62), no cindustr al.

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uma explosão de conhecimentos, de bens de consumo, de instrumentose de técnicas em todos os domínios.

[...]

A economia, que antes fundava-se na utilização da terra, do trabalho, docapital ou da força, depende agora do uso diferencial do conhecimento(LINDO, 2000, p.68-69).13

No dizer do Papa João Paulo II, em sua Carta Encíclica sobre otrabalho humano (Laborem Exercens ) a agricultura e a indústria deixaramde ser “[...] um trabalho prevalentemente manual, uma vez que os esforçodas mãos e dos músculos passaram a ser ajudados pela ação das máquinae de mecanismos cada vez mais aperfeiçoados.” (IGREJA CA ÓLICA[19--?], p.12).

Não há dúvida de que as relações de trabalho se modicaramirremediavelmente após o surgimento das máquinas, pois antes o trabalhoera exercido pelo homem – com algum ferramental - mas essencialmentpor ele, individualmente ou em pequenos grupos, onde todos conheciamo início, o desenvolvimento o nal da cadeia produtiva. Era a própria forç

corporal do trabalhador que movia o processo de produção. A máquinamudou esse quadro, pois “El trabajo de la maquina es realizado por la fuerzainorgânica, la tensión del vapor o del gás, de la electricidad y del calor, quobtienen del carbón, del petróleo y del água” (SPENGLER, 1935, p.75).

O lado perverso desse progresso é que o trabalhador, agora, nãomais possui o conhecimento do início, meio e m da produção de umbem qualquer, pois a máquina, sendo especializada, impede a apropriaçãdaquele saber.

2.6. Idade contemporânea

odo o avanço cientíco, intelectual e tecnológico surgido a partir doséculo XIX, ganhará fôlego extraordinário nos albores do próximo sécul já a partir da Primeira Guerra Mundial. Apenas em caráter exemplicativ

13Roland Courb s er, em Prefác o à obra de Jacques Ellul (1968), af rma que para Ellul “[...] dec s vamente para o advento da revolução tecnológ ca: o desfecho de uma longa exper ênc a técnapt dão do me o econôm co, a plast c dade do me o soc al e, f nalmente, o aparec mento de um

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veja-se o papel do recém inventado avião naquele conito bélico poispoucos anos haviam passado desde o seu surgimento (1906) e, no entantoo progresso técnico praticado nas aeronaves militares foi espantoso para época.

O período entre guerras foi palco de inúmeras descobertas cientícase avanços tecnológicos de todos sabido o que me escusa de aqui elencálos. Ciência e técnica caminhavam pari passurapidamente e sem limitespropiciando uma alteração signicativa nas relações de consumo pelaespantosa oferta de novos produtos e, com isso, também, nas relações dtrabalho e criação de novas carreiras laborais.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial faz disparar o estopim queacelerou de maneira inigualável à época o avanço técnico-cientíco. Bas

exemplicar com a atividade espacial que teve seus primórdios ainddurante aquele conito com o uso das famosas bombas voadoras (V-2)disparadas desde o território alemão em direção à Inglaterra e que poucodepois tornaram-se os protótipos dos foguetes que viriam propiciar olançamento de satélites para fora da atmosfera.

Houve, também, avanços pouco alentadores na evolução humana: asbombas atômicas. Mas, deve-se encarar a realidade com otimismo e assimé que ninguém poderá negar os avanços do uso da tecnologia nuclear na

vida pacíca dos povos.No dizer de Lindo (2000, p.69), “a partir da Segunda GuerraMundial, o amálgama da produção/ciência/tecnologia converteu-se nanova base do poder mundial”.

É a partir desse grandioso conito que a relação técnica e direito dotrabalho começa a tomar um novo rumo.

Voltemos uma vez mais à pregação de João Paulo II (IGREJACA ÓLICA, [19--?], p.12-13) cujas palavras servem para introduzir asmodicações geradas pela técnica nos dias atuais:

Não somente na indústria, mas também na agricultura, nós somostestemunhas das transformações que foram possibilitadas pelogradual e contínuo progresso da ciência e da técnica. E isto, no seuconjunto, tornou-se historicamente causa também de grandes viragensda civilização, a partir das origens da “era industrial”, passando pelassucessivas fases de desenvolvimento graças às novas técnicas, até cheg

às da eletrônica ou dos “microprocessadores” nos últimos anos.

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Mais adiante, Sua Eminência ao tratar do papel que a técnica exercena interação do sujeito e do objeto do trabalho entende a técnica “nãocomo uma capacidade ou aptidão para o trabalho, mas sim como umconjunto de meiosde que o homem se serve no próprio trabalho [...] éindubitavelmente uma aliada do homem” (IGREJA CA ÓLICA, [19--?],p.13, grifo do autor).

3. Estudo de caso: teletrabalho

Sem fazer grandes apologias e sem querer conceituar ou esmiuçaro papel do processo de globalização atual dele nos servimos para analiscomo a técnica pode inuenciar efetivamente na alteração das atividade

laborais “tradicionais”.Nesse processo o uso da técnica nem sempre traz o paraíso àerra; ao contrário, não raro o progresso técnico aliado ao processo de

produção agora cada vez maior, mais qualicado, mais rentoso (por semais econômico) entra em choque com os valores sociais e, com especiaênfase, do trabalho.

É verdade que a técnica facilita a vida do ser humano,

Mas é um fato, por outro lado, que em alguns casos a técnica, de aliada,pode também transformar-se quase em adversária do homem, comosucede quando a mecanização do trabalho “suplanta” o mesmo homem,tirando-lhe todo o gosto pessoal e o estímulo para a criatividade epara a responsabilidade; igualmente, quando tira o emprego a muitostrabalhadores que antes estavam empregado; ou ainda quando,mediante a exaltação da máquina, reduz o homem a ser escravo damesma. (IGREJA CA ÓLICA, [19--?], p.13)14.

Para isso vamos nos valer do exemplo de novas atividades aliandoescrita e computação a reboque de uma imensa acumulação de riquezas nas mãos de poucos, o que, é óbvio, gera desvios discriminatórios chegandnão raro à exclusão social (FONSECA, 2007, p.174).

Nesse contexto, em princípio negativo, o uso das novas tecnologiastambém apresenta pontos favoráveis propiciando, inclusive - e não semcríticas desfavoráveis - novos tipos de trabalho e, com eles, novas prossõ

14 V de, a nda, P zz natto (1988).

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sendo que muitas delas situam-se num limbo jurídico exatamente por suacaracterísticas inovadoras ou, por que não dizer, desconhecidas tanto doempresários, como dos trabalhadores e dos governos. E é a partir daí quse poderá depreender o papel dos novos atores globais na busca de umsolução legislativa mais moderna e adequada à nova realidade atual.

O uso presente quase indiscriminado da informática faz saltaraos olhos que “[...] as novas tecnologias da informação com a internetestabelecem redes que se interconectam nos planos real e virtual,estabelecendo proximidade e distância, levando programas educacionaisculturais, cientícos e de lazer para milhões de pessoas ao mesmo tempo(FONSECA, 2007, p.179).

A utilização da tecnologia da informação seja na indústria ou no setor

de serviços trouxe como resultado uma crescente robotização, em especinaquela primeira. Com isso houve um aumento da automação a qual,por sua vez, gerou duas consequências: a) um aumento do desempregopois a máquina produz mais ecientemente, não se cansa, não reclama eé mais rápida (PIVA, 1998, p.55)15; b) surgimento de novos segmentosprossionais antes inexistentes e a técnica revelou.

Esse quadro, paradoxalmente, acarreta novas funções laboraisexercidas por aquelas oriundos da massa de desempregados; mas, par

tanto, essas pessoas acabam por cair no mercado de trabalho informal ouautônomo, os quais:

Alimentam-se por conta própria e trabalham,muitas vezes em suaspróprias casas, disputando o espaço restrito com as rotinas da família.E encontram um sabor amargo nas férias ou ns de semana que, deantigos direitos adquiridos, transformam-se em renúncia de renda.Mesmo que em vários casos o ganho obtido do trabalho informal possaaté ser eventualmente maior, uma nova sensação de insegurança envolvea sociedade. Várias décadas passarão até que as pessoas se acostumemcom mudança tão radical de padrão de referência. (DUPAS, 1998,p.2).

Principalmente a partir dos anos 80, o uso maciço da tecnologiapassa a fazer parte do domínio dos setores privados do mercado e gerna outra ponta a formação de uma nova e mais qualicada mão-de-obra15O avanço tecnológico e a abertura comercial são, cada vez mais, apontados como os vilões da atualidade, sendo respelas altas taxas de desemprego.

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especializada e sistemas abertamente automatizados (DUPAS, 1998,p.12).

Esses sistemas, porém, não conseguem absorver o grande excedentde desempregados da indústria e de outros setores produtivos os quais

cada vez mais se informatizam ou incorporam novas técnicas de produçãinclusive com máquinas de última geração que alimentam o ciclo viciosomaior quantidade/qualidade de produtos – menor necessidade de mão-de-obra remunerada – mais desemprego.

Isso leva a uma insegurança social cada vez mais agravada pelaeconomia de gastos nos diversos sistemas de produção pelo uso da técnicpura e simplesmente, sem qualquer preocupação com os aspectos sociainegativos que isso pode – e tem – gerado.

Por isso a preocupação de Gilberto Dupas (1998, p.13) quandoquestiona e responde:

O que, então, está acontecendo com o emprego? Na realidade, oconceito de trabalho está mudando radicalmente. A revolução nastelecomunicações e na computação sepultou antigos paradigmas einformalizará cada vez mais as relações entre empregado e empregadorO tipo de trabalho que conhecemos e almejamos durante quase todoesse século está em profunda modicação.

A escolha parece ser entre fragilizar as relações de trabalho ou veros empregos desaparecerem, migrando pra mercados que ofereçamcondições de competição melhores. As duas alternativas têm custoselevados em termos de bem-estar.

Um fato interessante nesse contexto é que o “novo” trabalhador farásua tarefa em casa não mais precisando deslocar-se aos antigos e tradicionalocais de trabalho.

Se por um lado isso lhe proporciona uma certa economia de tempo ede dinheiro, pois não gasta com o transporte casa-trabalho-casa, por outroo coloca numa situação não rara de isolamento prossional e social. Aoencastelar-se no seu local particular de trabalho nem sempre vê o mundopassar, pois a falta do contato humano com outros prossionais de sua

área de trabalho, e/ou de outros campos do saber prossional e comexperiências próprias, com o passar do tempo pode levar aquele trabalhado

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Por isso não e incorreto armar que as atividades de teletrabalhosão um novo tipo de trabalho, ainda que possa ser feito em locais bemdistantes entre si, mas ao mesmo tempo, atravessando, inclusive diversofusos horários.

odavia, e certo que vários prossionais de teletrabalho acabampor voltar para as empresas pois cam desmotivados pelo quase completisolamento sem contar as muitas diculdades no seio familiar. Para evitaesses desgastes atualmente “[...] se tem adotado uma fórmula de tipopendular, ou seja, um trabalho alternado entre o domicilio e a empresa”(GBEZO, 1995, p.5).

Um dos problemas que se verica no teletrabalho refere-se a reduçãode certos direitos trabalhistas, alem de uma precarização mundial do

trabalho. De qualquer modo, a própria OI já detectou o problema emandamento e tem tomado decisões para minimizar os efeitos negativoscomo se pode observar de seu informe Te high road to teleworking, e citadopor Andrew Bibby (2001, p.7-8):

Se trata de aprovechar al máximo las posibilidades que brinda esta nuev forma de trabajo desde una perspectiva humanista alejada del determinismtecnológico, de modo que el capital humano, la nueva tecnologia y lnuevas formas de organización del trabajo puedan, combinarse para generar crecimiento, empleo y unas mejores condiciones laborales.

As preocupações procedem. pois esta nova atividade laboral suscitamas questões de saber como se daria a promoção do trabalhador que operaa distância, em local que não o da empresa, ou ainda de como obter oreconhecimento dos demais colegas por seu trabalho e, nalmente, decomo o trabalhador pode acompanhar a evolução da empresa a que estávinculado de um modo relativamente etéreo.

Questão que precisa ser avaliada é a questão do teletrabalhotransfronteiriço, em especial envolvendo os países em desenvolvimento Aqui, ao que parece, é muito importante a preocupação sobre se tal atividadproporciona uma qualidade de vida melhor e de condições de trabalhomais satisfatórias. A resposta é: depende. O teletrabalho pode permitir quo trabalhador assuma um maior controle sobre suas atividades gerando umaumento da satisfação pessoal e da motivação para o trabalho.

Na direção oposta pode ocorrer que a propalada autonomia sejalimitada e a valorização do trabalho também. É possível, ainda, que as

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condições de trabalho não sejam tão vantajosas como aquelas usufruídapor outros trabalhadores, sem contar que a legislação sobre o assuntoou é lacunosa ou é inexistente Isso gera, sem dúvida, uma preocupaçãosobressalente às entidades representativas dos trabalhadores tanto no planinterno como no internacional.

É bem apropriada a visão de Bibby (2001, p.8), em obra já citada:

Las organizaciones sindicales, entre otras entidades, temen que las nuev formas de organización del trabajo, caracterizados por una mayo exibilidad, puedan utilizarse para debilitar la protección del empleestablecida y crear formas espúrias próximas al trabajo por cuenta propi

Mais adiante, o mesmo autor faz a ressalva de que cresce a cada diao número de trabalhadores por conta própria o que teria levado a OCDEa estimular um debate entre empregadores e empregados sobre o assuntoe invoca o já citado informe da OI (2005) que apresenta estudo sobre oassunto detectando duas posições, sendo uma a que se refere a uma práticsadia do tema em diversos países “en que organismos públicos, empleadores y sindicatos han unido sus fuerzas para abordar a difusión del teletrabaj citando especialmente a Irlanda que editou um “Code of practice on e-work” contendo questões como a seleção de pessoas para o trabalho, os requisitonecessários relativos às ocinas instalados no próprio domicílio, as políticque devem reger as relações empresa-teletrabalhador, a formação, as questõde seguridade e as condições de emprego. Mas não ca por aí a louvadiniciativa, pois a mesma recomenda que se façam revisões periódicas doprogramas de teletrabalho.

O objetivo desse tipo de iniciativa consiste na:

Adopción de un planteamiento progresivo que genere un círculo virtuosoel que se aúnen capital humano, nuevas tecnologias y formas innovadorasorganización el rabajo para crear crecimiento económico, competitividaempleo y mejores condiciones de trabajo. (BIBBY, 2001, p.8).

Nesse quadro indenido o papel dos novos atores sociais se destacaporém sem uma unidade de pensamento ou de ações. É fato que muitossindicatos vejam com apreensão e ceticismo o papel do teletrabalho, poitêm receio de que grupos de trabalhadores quem marginalizados e possam

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acarretar o desmembramento da organização sindical, denunciando osefeitos negativos sobre as condições de trabalho (GBEZO, 1995, p.7).

Já as entidades patronais vêem positivamente o teletrabalho, pois elepode gerar novos ganhos patrimoniais, maior exibilidade na organizaçã

dos trabalhadores, manter pessoal mais qualicado e evitar as ausências atrabalho.Certamente o teletrabalho veio para car, e para evoluir com

segurança e efetividade e nesse sentido,

Corresponderá a los poderes públicos inuir más ecazmente en el ritde desarrollo del teletrabajo aplicando um política activa y concertadde desarollo rural y creación de puestos de trabajo, y adoptando lamedidas adecuadas para que los operadores de telecomunicaciones pued proporcionar las redes necesarias a precios competitivos. (GBEZO, 1995,p.7).

Mas não somente sobre os governos deve recair a responsabilidadeOutros atores, como sindicatos, empregadores e trabalhadores, igrejasassociações civis, ONG’s, devem participar ativamente buscando novomecanismos sócio-jurídicos para tornar a atividade de teletrabalho umexemplo bem sucedido da relação entre técnica e trabalho.A seguir, um pequeno estudo do que são esses novos atores.

4- Os novos atores

Muito embora a OI seja considerada um organismo internacional“sui generis”pela sua composição que, ao contrário das demais OI, abrangenão apenas representantes dos governos mas, também, dos empregadoree dos trabalhadores, conforme previsto em sua Constituição, para oobjeto deste artigo interessa vericar a participação de atores que não sãestados ou organizações intergovernamentais no processo de criação eou transformação da norma trabalhista no plano internacional, ou seja,aquelas denominadas de organizações não-governamentais.

Reza o Artigo 71 da Carta da ONU que:

O Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentosconvenientes para a consulta com organizações não-governamentais,

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encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própriacompetência. ais entendimentos poderão ser feitos com organizaçõesinternacionais e, quando for o caso com organizações nacionais, depoisde efetuadas consultas com o membro das Nações Unidas interessadono caso.

O surgimento da OI , em 1919, fruto do tratado de Versalhes, iniciauma nova fase do DIP: o das OI. Logo em seguida, em 1920, cria-se, noesteio daquele mesmo tratado, a SdN - Sociedade das Nações.

Após o término da Segunda Guerra, em 1945, surge a ONU e, apartir de então, centenas de outras OI, com as mais diversas destinações.

Somente com o Parecer Consultivo de 11 de abril de 1949, a CIJ,

atendendo a uma solicitação de consulta da AG/ONU, opinou que as OIsão, sim, sujeitos de DIP. E assim tem sido desde então.Numa descrição bastante didática, Seitenfus (2004, p.127) apresenta

cinco fases na trajetória evolutiva das OI:

funcionalismo -a. as OI devem servir à sociedade sem a intermediaçãodos estados;

desenvolvimentismo -b. de cunho ideológico da era da guerra friaobjetivava transformar as OI em instrumentos “para a expansãoeconômica nos moldes liberais, e criar condições favoráveis para aexpansão econômica nos moldes liberais, e criar condições favoráveispara o investimento direto de capitais privados e públicos, tantonacionais como estrangeiros”.

transnacionalismo -c. a partir da década de 1970 os países maispobres e com pouca poupança interna passavam por um processode evolução econômica em que os seus parcos recurso eramtransferidos sistematicamente para as grandes potências, ou porempréstimos diretos ou por utilização de créditos dos órgãos defomentos internacionais, como o FMI e BIRD. Para se capitalizaremesses países deveriam se socorrer de capitais estrangeiros mas nãoestatais mas, sim, de investidores privados, qual seja, as empresas

transnacionais, que por essa via se instalavam nos territórios

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daqueles com enormes vantagens até mesmo sobre os concorrentesnacionais.

Globalismo -d. surge no período de 1970 a inícios da década de1980, quando o mundo se dá conta de que os recursos naturais sãonitos e escassos. Diante de tentativas de imposição pelas grandespotências de crescimento zero com controle demográco surge umsentimento contrário por parte das nações menos desenvolvidas.

Globalização -e. há uma forte tendência em diminuir o papel doestado em favor de transnacionais privadas, em especial nos setores

do comércio, da tecnologia e nanceiro.

É, ainda, Seitenfus (2004, p.128) quem armar que:

O poder dos mercados e dos entes privados pode colocar em risco osfundamentos das OI, sobretudo os esforços coletivos que objetivamalcançar um desenvolvimento solidário e manter a segurança e a pazinternacionais.

Porém, o objeto deste artigo não é propriamente estudar o que sãoas OI e seu papel, em especial o da OI , mas, sim, o papel que podemdesempenhar outros tipos de atores que não são nem estados nem OI’s.Rero-me às ONG’s e às demais instituições da chamada sociedade civque cada vez mais têm participado daquilo que se convencionou chamar dgovernança global e que tem inuenciado sobremaneira a atuação de algunorganismos intergovernamentais sendo a OI um dos mais atingidos.

4.1. A sociedade civil - O presente artigo não oferece o espaçogeográco adequado para um estudo mais apurado e profundo dessesnovos atores, pois objetiva apenas lançar algumas observações sobre a suparticipação na elaboração da norma trabalhista internacional para atendenovas situações de trabalho geradas pelas inovações técnicas.. Mesmassim, far-se-ão algumas considerações singelas a respeito, apenas pasituar melhor o contexto.

Para Eduardo Matias (2005) a sociedade civil pode ser descritacomo sendo um somatório de grupos, mais indivíduos, mais instituições

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que são independentes dos estados. Não incluem associações que buscamunicamente o lucro (interesse próprio). São exemplos dessas últimas aempresas transnacionais16, as sociedades criminosas e todas aquelas queescapam do controle mais efetivo da lei, nacional ou internacional.

Esses novos atores situam-se numa posição intermediária entre oestado e o mercado e atuam na esfera pública podendo incluir entidadesreligiosas, esportivas, etc.

4.2. As ONG’s

Ressalte-se que não foram incluídas aqui ao falarmos de organizaçõeinternacionais, ao menos por ora, as ONG’s. Isso, porém, não tem impedido

uma participação cada vez mais numerosa e efetiva desses novos atores nconstrução do próprio direito internacional geral e, como poderia deixarde ser, também de áreas especícas do DI, como as referentes à OI .

Podem ser locais, nacionais ou internacionais, sendo certo que aatuação internacional é mais recente. Praticamente surgiram no século 19e a Cruz Vermelha, surgida em 1863, é um exemplo disso. O surgimentode sindicatos e associações trabalhistas nos séculos 19 e 20 reforçam esaspecto.

São instituições que além de seu gigantismo material empregammuitas pessoas em muitos países onde atuam. Por vezes seu papel na viddo país, em especial os em desenvolvimento, é extremamente polêmicochegando, não raro, a provocar mudanças legislativas radicais apenas paratender aos interesses dessas organizações, especialmente em tempos dmundialização.

Isso, porém, apresenta um interessante paradoxo, pois ONG’stransnacionais estão ligadas à globalização, mas no discurso, pelo menoem um número apreciável delas, combatem-na; porém, é graças a ela qusobrevivem, pois com a revolução tecnológica moderna essas ONG’s têmacesso a informações extremamente importantes para seus objetivos e autilizam nem sempre com muita ética e em favor das comunidades quedizem representar ou a favor de quem, ao menos em tese, deveriam atuarMas se não fosse essa tecnologia colocada à disposição da globalizaçã

16É preferível o termo ao nvés de empresa mult nac onal. Para um melhor entend mento do tema Jessup (1965).

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muitas dessas ONG’s não teriam condições sequer de existirem quantomais de atuarem num plano internacional.

É ainda diante dessa facilidade de informações que se dá a expansão alianças entre elas. Como conseqüência, passam, talvez involuntariament

no início, a adotar valores universais defendidos pela chamada SociedadCivil ransnacional, seja lá o que for isso!

De qualquer forma seu pano de fundo de atuação, nacional ouinternacional, são os interesses da humanidade. Em alguns casos ditama agenda mundial, pois têm o domínio da informação e participam dagovernança global.

São grupos de pressão muito ouvidos durante as convençõesinternacionais o que permite concluir que as OI envolvidas com a produçãode normas “[...] tornam-se cada vez mais abertas à inuência de entidadenão governamentais” (MA IAS, 2005, p.451).

As ONG’s modicam as orientações políticas dos governos, emparticular dos estados democráticos (MA IAS, 2005, p.452), uma vez quepossuem o conhecimento técnico e forte apoio popular.

5. Participação dos novos atores nas atividades deelaboração da norma internacional do trabalho no âmbitoda OIT

A seguir, apresentamos uma lista simplicada de situações em quea participação das organizações não-governamentais, ou, se quiserem, dnovos atores, no processo de elaboração e/ou transformação da legislaçãlaboral internacional, corroborando a tese de que não só a atividade estatatem acento nas discussões e tomada de decisões; muito ao contrário, a questãdas relações de trabalho no plano internacional guardam equivalência comdois outros temas tão evidentes nos tempos atuais: a proteção internacionados direitos humanos e a proteção do meio ambiente. Certamente essestrês universos simbióticos entre si não poderiam sobreviver não fosse incessante participação da comunidade não estatal/governamental nosprocessos de elaboração das normas que as regem.

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1- Conselho de Administração da OIT: (regulamento)

Artigo 6: Representação de organizações internacionais ociais.

Os representantes de organizações internacionais ociais que hajam sidoconvidadas pelo Conselho de Administração a fazer-se representar emsuas reuniões terão o direito de assistir às mesmas e poderão participardos debates com direito a voz mas sem voto. Artigo 7: Representação de organizações internacionais nãogovernamentais.

1. O CA poderá convidar ONG’s a fazer-se representar em qualquer

reunião em que se discutam questões que lhes interessem. O Presidentepoderá, de acordo com os Vice-presidentes, permitir a tais representantesque façam declarações ou que as comuniquem por escrito, parainformação do CA, sobre as matérias incluídas na ordem do dia. Emcaso de não intervenção em tal acordo, a questão se submeterá à reunião,que se pronunciará sobre ela, sem discuti-la.

2. O presente artigo não se aplica às reuniões em que se discutemquestões de índole administrativa ou orçamentária.

Artigo 16:Consulta prévia a respeito de proposições sobre novas tarefasrelacionadas com questões de interesse direto da ONU ou de outras OIespecializadas.

[...] Quando no decorrer de uma reunião se apresente uma propostasobre novas tarefas que ser empreendida pela OI relacionadascom questões que interessem diretamente à ONU ou a um ou mais

organismos especializados distintos da OI , o Diretor Geral deverá,prévia consulta, no que for possível, com os representantes na citadareunião da organização ou organizações interessadas, chamar a atençãoda reunião sobre as implicações da proposta.

2- Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento

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Item 3: Reconhece a obrigação da Organização de ajudar seusMembros, em resposta às necessidades que tenham sido estabelecidase expressas, a alcançar esses objetivos fazendo pleno uso de seusrecursos constitucionais, de funcionamento e orçamentos, inclusive amobilização de recursos e apoio externos, assim como alentando a outrasorganizações internacionais com as quais a OI tenha estabelecidorelações, de conformidade com o Artigo 12 de sua constituição, arespaldar esses esforços.

3- Declaração tripartite de princípios sobre as empresasmultinacionais e política social:

Apresentaremos, aqui, apenas alguns exemplos dos tópicos contidosnessa declaração e que envolvem a atividade, direta ou indiretamente, dnormatizar as relações de trabalho:

16- As empresas multinacionais, em particular quando realizam suasoperações nos países em desenvolvimento, deveriam esforçar-se emaumentar as oportunidades e níveis de emprego, tendo em contaa política e os objetivos dos governos a esse respeito, assim como asegurança do emprego e o desenvolvimento a longo prazo da empresa.

25- As empresas multinacionais, tal e qual as nacionais, deveriamesforçar-se, mediante um planejamento da mão-de-obra ativa, paraassegurar um emprego estável a seus trabalhadores e para observaras obrigações livremente negociadas em matéria de estabilidade deemprego e de seguridade social. endo em conta a exibilidade quepossam ter as multinacionais, deveriam esforçar-se para atuar como

modelo na promoção da segurança do emprego, particularmente nospaíses em que a cessação das operações possa acentuar o desemprego alongo prazo.

28- Os governos, em cooperação com as empresas multinacionais e comas empresas nacionais, deveriam assegurar alguma forma de proteção deadmissão dos trabalhadores cujo emprego haja sido extinto.

36- As empresas multinacionais, assim como as empresas nacionais,deveriam respeitar a idade mínima de admissão ao emprego ou ao

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trabalho com o m de garantir a efetiva abolição do trabalho infantil edeveriam adotar medidas imediatas e ecazes dentro de seu âmbito decompetência para garantir a proibição e eliminação das piores formasde trabalho infantil com caráter urgente.

37- Os governos deveriam assegurar-se de que tantos as empresasmultinacionais como as nacionais apliquem normas adequadas emmatéria de segurança e higiene para seus trabalhadores. Roga-se aosgovernos que ainda não hajam raticado todavia os Convênios sobrea proteção no uso de máquinas (Conv. 119); sobre a proteção contraas radiações (Conv. 115); sobre o uso de benzeno (Conv. 136) e sobreo câncer de origem prossional (Conv. 139) a que apliquem, semrestrições, na medida mais ampla possível, os princípios contidos nesses

Convênios e nas Recomendações correspondentes (nºs. 118, 114, 144e 147). Deveriam também levar em conta a lista de enfermidadesprossionais e os repertórios de recomendações práticas e as guias queguram na lista atual de publicações da OI sobre segurança e higieneno trabalho.

39- As empresas multinacionais deveriam cooperar com o trabalhodas organizações que se ocupam da preparação e adoção de normasinternacionais sobre a segurança e a higiene.

4- Convênio 144 sobre a consulta tripartite (normasinternacionais do trabalho), 1976.

Convênio adotado em Genebra em 21/6/1976 e em vigor a partir de16/5/1978 e que se destina à realização de consultas tripartites (governos

empregadores-epmpregados) com o intuito de promover a aplicação dasnormas internacionais do trabalho. A seguir, alguns tópicos:

Preâmbulo:

Recordando as disposições dos convênios e recomendaçõesinternacionais do trabalho existentes - e em particular o Convêniosobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, de1948; do Convênio sobre o direito de sindicalização e de negociaçãocoletiva, 1949; e da Recomendação sobre a consulta (ramos de

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atividade econômica e âmbito nacional), 1960 - que armam o direitodos empregadores e dos trabalhadores de estabelecer organizaçõeslivres e independentes e pedem que se adotem medidas para promoverconsultas efetivas em âmbito nacional entre as autoridades públicas eas organizações de empregadores e de trabalhadores, assim como asdisposições de numerosos convênios e recomendações internacionais detrabalho que dispõem que se consulte as organizações de empregadorese de trabalhadores sobre as medidas que se devem tomar para dar-lhesefeito; [...]

Art. 1º -No presente Convênio, a expressão organizações representativassignica as organizações mais representativas de empregadores e detrabalhadores, que gozem do direito à liberdade sindical.

Art. 3º -Os representantes dos empregadores e dos trabalhadores,para efeitos dos procedimentos previstos no presente Convênio, serãoeleitos livremente por suas organizações representativas, sempre quetais organizações existam. [...]

Art. 6º - Quando se considere apropriado, depois de haver consultadoas organizações representativas, sempre que tais organizações existama autoridade competente apresentará um informe anual sobre ofuncionamento dos procedimentos previstos no presente Convênio.

5- 298ª Reunião da Oficina Internacional do Trabalho - Março de 2007

O Conselho de Administração, em 23 de março de 2007, publicou

uma lista contendoSolicitações de ONG’s que desejam fazer-se representana 96º reunião da Conferência Internacional do rabalho, 2007, em queaparecem elencadas algumas dezenas de organizações de várias partes dmundo. Remeto os interessados à leitura do documento GB298-Ing3-2007-03-0271-1-Sp.doc.

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6 - Conferência Internacional do Trabalho - 97ª reunião-2008

A Ocina Internacional do rabalho, tendo em vista a Conferência

Internacional do rabalho, em sua 97ª Reunião, em 2008, apresentouum Informe VI - Fortalecimento da capacidade da OI para prestarassistência aos seus Membros na consecução de seus objetivos no contexda globalização - continuação da discussão sobre o fortalecimento dacapacidade da OI e possível exame de um documento de referência, quepoderia revestir-se na forma de uma declaração ou de outro instrumentoadequado, com o correspondente seguimento, e a forma que poderiaadotar.

No item IV - Exame da questão do fortalecimento da capacidade daOI na reunião de 2007 da Conferência, estão presentes alguns tópicosque interessam a este artigo:

13- Levando em conta essas circunstâncias, no Informe se assinalavaque o verdadeiro desao para a OI não consistia em reconsiderarseus valores, objetivos e meios de ação, senão que se tratava de umaquestão de governança e métodos de trabalho com o m de utilizarde maneira mais sistemática e racional toda uma série de ferramentasde que dispunha para promover o trabalho decente, assim como deaproveitar ao máximo sua vantagem comparativa excepcional, isto é, suacomposição universal e tripartite. No mesmo Informe V se examinoua questão do fortalecimento de três dimensões da governança da OI :vertical, horizontale externa.

17- Em terceiro lugar, a governança externa se referia à capacidadeda OI para inuir nos novos atores em relação com seus esforçospertinentes para o logro dos objetivos da OI . No Informe se assinalouque a OI foi criada em um contexto no qual não havia outrosatores internacionais que os Estados e um punhado de organizaçõesinternacionais, incluída a OI . Seu trabalho se centrava em prestarassistência aos Estados e coordenar sua ação com miras ao progressosocial. Esse contexto mudou radicalmente à raiz da emergência de umaconstelação de novos atores inuentes tanto públicos como privados. A inuência desses atores poderia ir de encontro à capacidade e/ou

vontade dos Estados de cumprir com suas responsabilidades em relaçãocom o progresso social, mas ao mesmo tempo também poderiam

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desempenhar um papel ecaz na promoção de tal progresso. NoInforme restou claro a esse respeito que não se tratava de transferir asresponsabilidades a esses novos atores, com o risco de menoscabo aindamaior da capacidade e da vontade do Estado. Se tratava de encontrarvias especícas mediante as quais possam aportar uma contribuição ouapoiar de outro modo a ação da OI para ajudar a reforçar a capacidadee vontade do Estado. No Informe forma consideradas diversas opções,inclusive a possibilidade de associar aos atores pertinentes, de maneiraadequada, a avaliação do impacto do texto de referência.

6. A participação dos novos atores no Instituto de DireitoInternacional

Mirando o encerramento deste trabalho serão apresentadas algumasreferências sobre a participação dos novos atores no cenário internacionaa partir dos trabalhos doutrinários do “Institut de Droit International”, naforma de Sessões realizadas em diversas cidades ao longo dos anos dessua fundação ao nal do século 1917:

1. Sessão de Bruxelas- 1923 - Projeto de convenção relativa à

condição jurídica das associações internacionais. Art. 1º - As Potências contratantes concederão em seus territóriosrespectivos, dentro dos limites e com as garantias estipuladas daqui emdiante, proteção legal, em atribuir a qualidade de pessoas jurídicas oureconhecimento da personalidade por elas adquiridas por elas com baselegal, às associações internacionais sem ns lucrativos que se conformemcom as condições seguintes.

Art. 2º - São consideradas como internacionais, ao senso da presenteconvenção, as associações de caráter privado nas condições xadaspor seus estatutos, aos sujeitos e às coletividades de vários paísese que perseguem, sem espírito de lucro, um objetivo de interesseinternacional.

[...]

17 A seguir, todas as citações foram traduções livre do autor.

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[...]

Art. I- As empresas formadas por um centro de decisão localizado emum país e de centros de atividades, dotados ou não de personalidade jurídica própria, situadas em um ou mais países, devem ser consideradascomo consideradas juridicamente como empresas multinacionais.

Art. II - É conveniente que seja progressivamente elaborado um regime jurídico próprio das empresas assim denidas, e que deverá salvaguardaa soberania e a independência econômica dos Estados, notadamentedaqueles em desenvolvimento.

Considerações finais

Da análise do que acima foi escrito verica-se que desde temposimemoriais a humanidade busca regulamentar as relações de trabalho partorná-la mais digna e erradicar a exploração de uns poucos sobre muitos.

Mas, como é fácil de perceber, esses objetivos esbarraram semprena negativa daqueles que possuem não só o poder econômico mas,também, o poder político e, não raro, o domínio das novas técnicas. Sómuito recentemente é que a sociedade humana - diante de novas técnicasaproveitadas para melhorar e expandir a produtividade – tem conseguidopaulatinamente alterar o quadro dantesco de opressão e desrespeito à pessohumana. Obviamente, por detrás desse progresso material houve umaevolução ideológica que permitiu colocar o homem à frente da máquinamuito embora ainda hoje não se pode armar que isso seja uma verdadeabsoluta. Mas é, pelo menos, uma meia verdade.

As mudanças necessárias obrigatoriamente devem passar por umamaior e mais consciente participação da própria sociedade como umorganismo, dinâmico retirando do Estado - tido como forma mais evoluídade sociedade política (DALLARI, 1979) - a quase total preeminência deregulamentar as atividades laborais, no âmbito interno e no internacional Assim, cabe à própria sociedade civil essa tarefa em especial por suamanifestações internas e internacionais, seja em forma de associaçõe

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civis ou, mais especícamente, por intermédio das organizações nãogovernamentais.

Este artigo buscou retratar como ao longo dos milênios o uso datécnica pelos homens tem criado novas situações comportamentais e, po

que não, prossionais, e vericar como, e quanto, isso tem sido feito e quaseus resultados práticos em especial no sentido de modicar, inuenciar contribuir sobre o trabalho legislativo e regulamentador não só da OI mastambém, de outros atores sociais nos planos nacional e internacional.

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O CONTROLE NA SOCIEDADE TÉCNICA: A CONTRIBUIÇÃO DE JACQUES ELLUL

PARA A COMPREENSÃO DO ESTADO E DASOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Marcus Vinicius A. B. de MATOS 1 Priscila Vieira e Souza de MATOS 2

RESUMO: Este artigo trata do problema da utilização de técnicas de controle e vigilâda soc edade c v l no Século XXi. Quest onando a ace tação nd scr mcontrole social sob uma perspectiva crítica, e notando as múltiplas interfaces entre a evTécnica e os paradigmas daSociedade de Risco e doEstado de Exceção , propõe uma abordagemaxiológica do seu objeto a partir da obra de Jacques Ellul. Dessa forma, busca compas relações entre Direito e controle policial como dois campos marcadamente dominadaplicação irrestrita das Técnicas pelo Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Técn ca. Controle. D re to. Estado de exceção. Soc e Vigilância.

1. Introdução

Quando todas as noções que dizem ‘isto é bom’ são desmoralizadas, permaa que diz ‘eu quero’. Ela não pode ser anulada nem ‘interpretada’, já qununca teve nenhuma pretensão de objetividade.

C. S. Lewis (2005, p.62)

1Mestrado em andamento pelo Programa de Pós-graduação em D re to (PPGD), Un vers dade FedBrasil.http://lattes.cnpq.br/4225526856731998. Contato: [email protected] em andamento pelo Programa de Pós-Graduação em Comun cação e Cultura (PPGCOM)R o de Jane ro, UFRJ, Bras l. http://lattes.cnpq.br/5228280220036174. Contato: pr sc lav e ra@

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Este artigo apresenta como objeto a questão do uso detécnicas decontrole e vigilância 3 pela polícia e pelo Poder Judiciário no Brasil. Nasua análise, possui dois objetivos. Em primeiro lugar, trata-se de umaabordagem inicial da obra A écnica e o Desao do Século4, de JacquesEllul, que busca investigar até que ponto a produção do teórico francêspode contribuir para uma crítica de alguns problemas atuais no Direitobrasileiro. Nesse sentido, será proposto um diálogo com autores de diversaáreas do conhecimento, buscando encontrar pontos de convergência e/ou explicitar divergências entre suas obras e o pensamento de Ellul. Partese do pressuposto de que o pensamento de Jacques Ellul – por formação jurista e sociólogo5, embora considerado também como lósofo e teólogo6 – é essencialmente multidisciplinar. Dessa forma, propõe-se investigar emque medida é possível traçar paralelos entre diferentes abordagens para ummesmo problema, considerado sob os pontos de vista jurídico, losóco sociológico. Com este intuito, a bibliograa utilizada adentrou, de formatransversal, os campos do Direito Constitucional; da Filosoa do Direitoda Sociologia Política; e dos estudos em Comunicação.

Em segundo lugar, pretende-se construir uma visão axiológicado objeto. Embora partindo de um problema concreto, a intenção dainvestigação não é reconhecer a ecácia ou não de determinado métodode controle social, mas, sim, entender em que medida sua utilizaçãoimpõe limites a liberdades garantidas e ameaça Direitos Fundamentaisdos cidadãos. As perguntas essenciais a esta abordagem são tributárias Ética; ao Direito Constitucional vigente; e a manutenção da Democracia,entendida não apenas como um regime de liberdade e igualdade formaismas também em busca de novos paradigmas, comosegurança , diversidade e solidariedade 7.

3 Recentemente a discussão sobre o uso de câmeras, pulseiras eletrônicas e escutas telefônicas tomou grandes propoprincipais jornais impressos e televisivos na mídia brasileira. Alguns casos, como o de supostas escutas telefônicas ingab netes de M n stros do STF e autor dades do governo, geraram grande d scussão e repúd o a esde jur stas e no me o acadêm co. Por exemplo, ver: Conde (2008, p.18).4 ‘ A Técn ca e o Desaf o do Século’ é cons derada uma das pr nc pa s obras de Jacques Ellul. Fo traduz da para o português, pela pr me ra vez, em 1968. As ed ções amer canas do l vro obt verana academia com reconhecimento internacional.5 Roland Corbisier faz essa colocação no prefácio da tradução brasileira da referida obra de Ellul destacando, sobror g nal dade do autor (ELLUL, 1968, p.3).6Para exemplo da produção de Jacques Ellul nos campos da f losof a e da teolog a, consultar: Ellul 7Refer mos-nos aqu ao que tem s do chamado pelos const tuc onal stas de o ‘Parad gma Conscomo novos apontamentos para uma Teor a da Const tu ção no Século XXi. A esse respe to, cf. JDuarte (2005, p.265).

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117 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

Para isso, os autores selecionados para o diálogo com a obra deEllul foram aqueles que apresentam, de alguma forma, a caracterização dsociedade contemporânea a partir do uso dasnovas tecnologias 8 - que Ellulclassicaria, em verdade, comoaplicações técnicas , ouavanços da écnica emdiversas áreas do conhecimento - e das transformações que estas geraramno modo de agir, pensar e operar do Direito e da sociedade no século XXI.

Segundo Ellul (1968. p.14), compreender o fenômeno técnico éessencial para entender a Era Moderna. Há muito a técnica deixou de fazeparte apenas do domínio físico ou químico, das chamadasciências naturais . A exemplo disso,

A psicanálise e a sociologia passaram para o domínio das aplicações, eocorre que uma delas é a propaganda. Neste caso, a operação é de carátermoral, psíquico e espiritual. Não deixa, no entanto, de ser técnica.

Da mesma forma, o Direito na Era Moderna ca sujeito aos mesmostipos de racionalidades e processos utilitaristas que acometem praticamenttodos os campos da ciência moderna (ELLUL, 1968, p.17). Este é um dosprincipais pontos de extensa discussão no campo da Filosoa do Direitoque opõe as teses do Juspositivismo, Jusnaturalismo e, recentemente, avárias formas de Pós-Positivismo ou Nova Hermenêutica 9. No entanto,este artigo se limitará a questionar o emprego de racionalidades técnicae utilitárias no campo do Direito, sem entrar no campo especíco dessadiscussão, que excede o escopo de sua proposta, e pode ser alvo de trabalhposteriores.

A metodologia utilizada deve-se, em grande parte, às consideraçõede David Scott sobre o pensamento crítico estratégico. O autor arma,

[…] these conjunctures are in effect ‘problem-spaces’; that is to say, theyconceptual-ideological ensembles, discursive formations, or language ga

8Essa terminologia é utilizada tanto pelos estudiosos dos meios de comunicação quanto por sociólogos, como demona segu r. Para uma dé a ma s clara da concepção de Jacques Ellul sobre a relação entre técn cacapítulo ii.9 A exemplo da extensa produção nesses campos c tamos os autores bras le ros Noel Struch ner expoentes do Pos t v smo Conce tual e da Nova Hermenêut ca. Para sso, confer r, respect vam(2008, p.317-337) e Camargo (2003, v.1).

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por autores de Sociologia Política 13; e a crítica a umaracionalidade técnica da Modernidade, características de autores da Escola de Frankfurt14.

Ellul sustenta que para compreender a Era Moderna é precisoobservar a evolução da técnica e sua aplicação à ação humana. Para ele

a incursão da técnica a todo tipo de produção humana – seja cultural,econômica, cientíca, religiosa ou política 15 – é a principal característicada Modernidade, que não se restringe ao universo das transformaçõesprovocadas pela ciência, mas atinge todas as esferas da existência,

Não é mais a fronteira da ciência que está atualmente em jogo, mas afronteira do homem, e a importância do fenômeno técnico, em relaçãoao homem, é, hoje em dia, muito mais considerável do que o problemacientíco. (ELLUL, 1968, p.8).

Ora, o autor canadense Marshall McLuhan (2005) defende quea técnica, especialmente nas tecnologias de comunicação, são extensõedos sentidos do corpo. Desde as estradas até o telefone e a televisão – suprincipal preocupação – o pensador observa que a característica da aplicaçãda técnica é expandir os limites humanos. O telefone, por exemplo, é umaextensão da voz, que através dele chega aonde o corpo não pode estar.

A possibilidade de expandir limites gera um certo fascínio, que acabapor determinar as escolhas dos indivíduos. Ellul (1968, p.83) chama deautomatismo16 das técnicas a busca imediata pelo método mais ecaz emqualquer decisão humana. Assim, em busca da ecácia,

As técnicas são sempre imediatamente empregadas. O intervalo quesepara tradicionalmente a descoberta cientíca de sua aplicação na vidaprática é cada vez mais reduzido [...] muitas vezes antes de ter medidotodas as conseqüências, antes de ter reconhecido o peso humano daaventura. [...] Mas como resistir a pressão dos fatos? (ELLUL, 1968,p.9).

13Esse termo será ut l zado aqu refer ndo-se à l nha de soc olog a europé a contemporânea prUlr ch Beck e Scott Lash.14Para as f nal dades desse trabalho vamos ut l zar como expoentes da Escola de Frankfurt apenasMarshall McLuhan.15 Ao listar esses cinco elementos como caracterizadores dos campos da atividade humana, fazemos referência à obra dKuyper, e sua teoria dasesferas da ação humana. Cf: Kuyper (2002).16Dentre as característ cas da Técn ca apontadas por Ellul destacamos: a Rac onal dade; a Art fescolha técnica; o Autocrescimento; a Unicidade; e a Autonomia da Técnica.

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Esse aparente descolamento dos avanços técnicos em relação àÉtica – ou ao Direito – é para Ulrich Beck e Anthony Giddens uma dasprincipais características do atual período da Modernidade17. Descrevendoo mesmo problema de um ponto de vista diferente, os dois apontampara os riscos das incertezas resultantes dos avanços técnicos das novadescobertas cientícas. Para Beck (1997, p.15), o atual período daModernidade corresponde àSociedade de Risco, e designa uma fase nodesenvolvimento da sociedade moderna em que os riscos sociais, políticoeconômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituiçõesdo Estado nacional para o controle e proteção da sociedade industrial. Essconstatação é compartilhada por Anthony Giddens, que utiliza o conceitode Beck em sua obra. Para Giddens(2005, p.74),

Os riscos de hoje afetam todos os países e todas as classes sociais. Suaconseqüências não são meramente pessoais, e sim globais. Muitasformas de risco produzido, tais como aquelas que dizem respeito àsaúde humana e ao meio ambiente, cruzam as fronteiras nacionais.

Beck estabelece ainda que “[...] o conceito de sociedade de riscodesigna um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo asameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial [...]”constituídas pelo próprio avanço tecnológico. Nesse processo, é precisolevar em conta, também, as “ameaças potenciais” (BECK, 1997, p.17), quafetam não apenas os Estados, mas também os indivíduos,

O aquecimento global, a crise da EEB, o debate sobre os alimentosgeneticamente modicados e outros riscos produzidos zeram osindivíduos se depararem com novas escolhas e desaos em suas vidascotidianas. Por não haver um ‘mapa’ para esses novos perigos, os

indivíduos, os países e as organização transnacionais devem negociarriscos à medida que fazem escolhas sobre como a vida deve ser vivida(GIDDENS, 2005, p.74).

Ainda nas palavras do autor alemão, “[...] não há limites para aconstrução imaginária de cenários de horror que reúnam estas fontes de

17Para Ulr ch Beck, a Modern dade deve ser anal sada a part r da d st nção de do s momentosPrimeiraModernidade , que corresponde ao período que va da Paz de Westfal a até a segunda metade do séculSegundaModernidade ouModernidade Reflexiva,que corresponde à contemporaneidade.

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perigo.” Este seria, então, o diagnóstico dasociedade mundial de risco: oschamados riscos globais que abalam as sólidas colunas dos cálculos dsegurança já não têm limitação no espaço ou tempo. Além de serem globae duradouros, não podem mais ser atribuídos a certas autoridades (BECK1999, p.83).

É exatamente por essas implicações profundas para o modelo decivilização técnica assumido pela modernidade ocidental, que asociedade derisco se apresenta como um desao político capaz de mobilizar e colocar emcheque os atores políticos tradicionais e as formas de produção modernasNeste ponto, é possível um interessante paralelo com o ponto de vistade Ellul sobre a questão das escolhas humanas e aautonomia da écnica(ELLUL, 1968, p.134), e a inevitabilidade da conguração da sociedadecomoSociedade Mundial do Risco. Isso ocorre porque,

Asociedade de risco não é uma opção que se pode escolher ou rejeitar nodecorrer de disputas políticas. Ela surge na continuidade dos processosde modernização autônoma, que são cegos e surdos a seus própriosefeitos e ameaças. (BECK, 1997, p.16, grifo do autor).

Hanna Arendt (2007, p.11) aponta para o mesmo problema, a faltade reexão sobre o que a ciência moderna é capaz de produzir, traçandoparalelos entre o saber técnico – produtor, dentre outras coisas, da bombaatômica – e a expansão das esferas do político e dosocial na Era Moderna.Embora a autora não parta dos mesmos pressupostos e não chegue àsmesmas conclusões que Ellul, ela descreve o mesmo processo onde todaas esferas da vida humana passam a ser regidas por princípios econômicoe técnicos – daí, segundo ela, a tamanha importância daEconomianaModernidade, em detrimento da Filosoa e da Política.

Os primeiros efeitos colaterais dos grandes triunfos da ciência já sezeram sentir sob a forma de uma crise dentro das próprias ciênciasnaturais. O problema tem a ver com o fato de que asverdades damoderna visão cientíca do mundo, embora possam ser demonstradasem fórmulas matemáticas e comprovadas pela tecnologia, já não seprestam à expressão normal da fala e do raciocínio. [...] A questão éapenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimentocientíco e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios

cientícos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto

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não deve ser decidida por cientistas prossionais nem por políticosprossionais. (AREND , 2007, p.11, grifo do autor).

Para Ellul (1968, p.10), entretanto, esta relação é inversa: é a técnica,aplicada como princípio organizador da vida humana que determina aorganização da vida social, econômica ou administrativa. O tipo deracionalização utilitarista a que ca sujeita a ciência é exemplo claro custoso deste processo: para fugir de supostos arbítrios e subjetividadepara escapar de julgamentos éticos, é preciso reduzir tudo ao número. Poisso, “[...] a posição ‘cientíca’, consiste, às vezes, em negar a existêncdo que não depende de método cientíco.” (ELLU, 1968, p.17). Nega-sea existência de tudo aquilo que não pode ser quanticado, ou que não équanticável. Por essa razão, arma que,

Se admitirmos que, em todas as nossas atividades, a técnica particularde cada um é o método empregado para atingir um resultado, seremoslevados, evidentemente, a propor o problema dos meios. E, de fato, atécnica nada mais é do que ummeio e conjunto de meios. Isso, porém,não diminui a importância do problema, pois a nossa civilização éantes de mais nada uma civilização de meios e tudo leva a crer que, narealidade da vida moderna, os meios sejam mais importantes do que os

ns. (ELLUL, 1968, p.19, grifo do autor).

McLuhan (2005) chega a propor, em sua famosa frase, queo meio éa mensagem. Referindo-se aos meios de comunicação de massa, ele compõesua argumentação em defesa de que o conteúdo é o que menos importa.O que está em jogo, para ele, são as novas formas de racionalidade eapreensão do mundo que a nova tecnologia impõe. Assim, a mensagemreal de uma novidade técnica é o próprio meio que ela congura. EmboraEllul esteja preocupado com a relação meios-ns e McLuhan com o pameio-mensagem, o ponto em comum é a tecnicidade que permeia ambasas conclusões, ao admitirem que as coisas já não podem ser conhecidapelo seu objetivo evidente, mas pelo modo como a ele se chega. Assim,televisão de McLuhan não pode ser conhecida pelo conteúdo que veiculamas pelas possibilidades que gera enquanto uma técnica que pretendeestender o olhar humano por todos os cantos do mundo.

Enquanto no raciocínio do pensador canadense há na técnica umelemento de superação dos limites sensitivos humanos, para Ellul (1968

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p.20) uma das marcas características da ação técnica é a ecácia – qutambém é o aspecto mais nítido da razão em seu aspecto técnico. O autorassim coloca esta questão,

Consiste, pois, o fenômeno técnico na preocupação da imensa maioriados homens de nosso tempo em procurar em todas as coisas o métodoabsolutamente mais ecaz. Pois, atualmente, estamos chegando aoextremo nos dois sentidos. Hoje, não é mais o meiorelativamente melhorque conta [...]. A escolha é cada vez menos tarefa pessoal entre váriosmeios aplicados. rata-se na realidade de encontrar o meio superior emsentido absoluto, quer dizer, fundando-se no cálculo, a maior parte dasvezes. E quem faz a escolha do meio é o especialista que fez o cálculodemonstrativo de sua superioridade. Exista, pois, toda uma ciência

dos meios, uma ciência das técnicas, que se elabora progressivamente.(ELLUL, 1968, p.21).

Por m, ao buscar a ecácia, fundamentada em cálculos, é tambéma superação de limites que se coloca. Ora, a escolha baseada em cálculo –ecácia – acarreta em pelo menos dois pontos: reforça o automatismo daescolhas humanas, já comentado; e despolitiza estas escolhas – item a stratado em seguida.

3. O estado de exceção: controle biopolítico e vigilância noséculo XXI

Ellul descreve três grandes setores da ação técnica moderna: a técnicaeconômica; a técnica da organização; e a técnica do homem. O primeirodomínio, econômico, seria o da produção – compreendendo planicaçãoe organização do trabalho. O segundo, refere-se às grandes massas eimporta tanto para o domínio industrial e comercial, quanto para oEstado e a vida administrativa ou policial. ambém estão neste segundoplano a guerra e o Direito, tributários da técnica de organização.

Por m, Ellul coloca as técnicas referentes ao homem, “[...] cujasformas são muito diversas, desde a medicina, a genética, até a propaganda(ELLUL, 1968, p.22) – ou seja, domínios onde o próprio homem é oobjeto da técnica. É a partir dessa divisão que o autor sugere que na Era

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Segundo o autor, a transformação de medidas de exceção - queinicialmente visavam salvaguardar o Estado e a Constituição – em regraem política de governo, ocorre a partir do período da Primeira GuerraMundial. É nesta época que ca mais evidente umaexecutivização da política ,caracterizada pela “[...] erosão dos poderes legislativos do Parlamentoque hoje se limita, com freqüência, a raticar disposições promulgadapelo executivo sob a forma de decretos com força de lei.” Para ele umdas características essenciais do estado de exceção é a abolição provisóda distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário (AGAMBEN2004, p.19).

Em convergência com a descrição de Ellul sobre as técnicas decontrole policial, Agamben correlaciona o estado de exceção a uma políticdeterminada pelos paradigmas da economia e da segurança – que poderiamcorresponder, na tese de Ellul, à conjunção de dois dos três setores da açãtécnica. Neste sentido, mostra como as decisões técnicas tomaram o lugadas discussões políticas nos parlamentos e se reetiram em uma visãtecnicista da política e do Direito, contribuindo para a consolidação doEstado de Exceção como técnica de governo. Como exemplo, Agambencita o caso da promulgação doestado de sítio na França, durante a PrimeiraGuerra Mundial, quando os mesmos plenos poderes da emergência militarforam passados para a emergência econômica, em janeiro de 1924,

Como era previsível, a ampliação dos poderes do executivo na esferado legislativo prosseguiu depois do m das hostilidades e é signicativoque a emergência militar então desse lugar à emergência econômicapor meio de uma assimilação implícita entre guerra e economia.(AGAMBEN, 2004, p.26).

Dentre muitos outros exemplos possíveis que reforçam a posição doautor, citamos o caso da Alemanha; o da Suíça; e o uso de medidas de exceçpelos Estados Unidos da América. No primeiro exemplo, Agamben apontque, entre 1925 e 1929, o governo alemão utilizou indiscriminadamenteo dispositivo do art.48 da Constituição de Weimar, “declarando o estadode exceção e promulgando decretos de urgência em mais de 250 ocasiõesEstes decretos serviram tanto para “[...] prender milhares de militantescomunistas.” quanto para “enfrentar a queda do marco [...] conrmandoa tendência moderna de fazer coincidirem emergência político-militar ecrise econômica.” (AGAMBEN, 2004, p.29).

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A Suíça é o exemplo utilizado por Agamben para demonstrar que“[...] a teoria do estado de exceção não é de modo algum patrimônioexclusivo da tradição antidemocrática.” Ao contrário, ela deve ser partintegrante da teoria democrática desenvolvidas nos séculos XX e XXISegundo o autor, no dia 3 de agosto de 1914, a Assembléia Federal daSuíça conferiu ao Conselho Federal “[...] o poder ilimitado para tomartodas as medidas necessárias para garantir a segurança, a integridade e neutralidade da Suíça.” (AGAMBEN, 2004, p.32). Essa promulgação depoderes amplos e indeterminados para a busca da segurança conrma atese do autor de que, em situações de emergência militar ou econômica, ademocracia protegida torna-se a regra.

O estado de exceção é a forma jurídica do controle biopolíticopromovido pelos meios técnicos: “[...] é a estrutura original em que odireito inclui em si mesmo o vivente por meio de sua própria suspensão[...]” (AGAMBEN, 2004, p.14). O exemplo da promulgação damilitaryorder de 13 de novembro de 2001, pelo presidente dos Estados Unidos écrucial para compreender o processo pelo qual o emprego de meios técnicoviabiliza o estado de exceção. De acordo com o autor italiano, essa foi medida que autorizou a detenção por tempo indenido de não cidadãossuspeitos de envolvimento com atividades terroristas. No mesmo sentidoa promulgação doUSA Patriot Act , promulgado pelo Senado no dia 26de outubro de 2001, permitiu a prisão sumária de estrangeiros suspeitose deagrou uma série de incidentes políticos internacionais, na medidaem que impôs o controle de entrada no país por meio de fotograas,impressões digitais, e outros recursos que o autor denunciou comotatuagembiopolítica 18.

O caso brasileiro é, também, exemplar neste sentido. Porém, éimportante considerar que ao tratar de países da América Latina, lidamoscom realidades onde o controle biopolítico sempre ocorreu contragrandes parcelas da população, sem respeitar limites constitucionais ouDireitos Humanos. Nesses casos, os meios técnicos e jurídicos sempreforam utilizados para possibilitar a instauração de um estado de exceçãpermanente. Neste ponto, é útil a caracterização dos Estados latino-americanos elaborada por Antônio Negri e Giuseppe Cocco, que discutemas associações entre Estado, biopoder e economia em uma “América latinglobalizada”. Para os autores, a região é paradigmática pois foi a única d

18O própr o G org o Agamben fo uma das vít mas destas med das de controle. Para ma s nftatuagem b opolít ca”, publ cado no Le Monde, e traduz do por Clara Alla n, na Folha de S. Paulo

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mundo que, “[...] apesar das altas taxas de crescimento econômico [...] nodecorrer de todo o século XX, não conseguiu diminuir a desigualdade emanteve-se como o continente mais desigual do mundo.” (NEGRI, 2005,p.19).

Os autores apontam para o fato de que, na América Latina, aformação do Estado é “profundamente marcada pelo modo de inserção naeconomia-mundo” característico. Esses processos seriam os responsávepela instauração, na região, de relações sociais do tipo “patriarcal-colonialque operariam para a aniquilação sistemática de um corpo social nativo –etnicamente distinto, formado por indígenas e negros – de duas formas: “oextermínio puro e simples [...] e a mestiçagem”. A mestiçagem será a formcomo ocorrerá o “controle biopolítico das innitas modulações dos uxode sangue.” (NEGRI, 2005, p.76-78).

Mais à frente em sua obra, Negri coloca a questão crucial queexemplica, na prática, a referência de Giorgio Agamben à problemáticdasegurançacomo uma das formas da executivização da política no Estadode exceção: a criminalização da pobreza e das classes baixas nos grandEstados da América Latina. Diz o autor,

[...] a guerra social contra os pobres tem características endêmicas nessepaíses, fortemente determinadas por fatores étnico-raciais, biopolíticos![...] uma vez fechado o parênteses da brutal repressão à luta armada e,portanto, dos ‘setores médios’ nela envolvidos, a guerra social (tortura,execuções sumárias como métodos banalizados de controle social)volta à sua normalidade biopolítica que permanece até os nossos dias.(NEGRI, 2005, p.103).

O fato do crescimento econômico estar desvinculado dodesenvolvimento já é per si , segundo Negri e Cocco, uma associação entreesse crescimento e o biopoder, que conduz uma guerra de extermíniocontra as minorias – ou, no caso brasileiro, contra maiorias biopolíticas A fundamentação desta ação política seria a “[...] discriminação racial quassocia a exclusão sistemática dos serviços públicos de base, especialmeo ensino básico e médio [...], a uma indiferença homicida em relação aoproblemas de saúde.” (NEGRI, 2005, p.108). O autor prossegue,

A resposta do biopoder é feroz. A guerra de extermínio transforma-seem guerra urbana. As linhas de modulação das estraticações étnicas e

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sociais desenham e são desenhadas pelo caos do desenvolvimento dasgrandes metrópoles. Não se trata, portanto, apenas de fazer referênciaà repressão política [...], mas a estatísticas gerais sobre a violência quealiás, não poderiam ser mais eloqüentes. (NEGRI, 2005, p.109).

Os dados, entretanto, não resumem as dimensões desumanas e oimensurável sofrimento causado pela guerra biopolítica. A maior parte dpopulação nos Estados latino-americanos, é objeto de um poder de fazermorrer que se exemplica nas prisões, na justiça e nomodus operandi dasforças policiais. O cientista política Jorge Zaverucha analisa a militarizaçãda segurança pública. Ele defende que,

Na América Latina, via de regra, não há controle civil nem democráticosobre os militares. Deste modo, as transições latino-americanas procuramdesmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentraremem sua atividade prossional extroversa, ou seja, defesa de fronteiras(ZAVERUCHA, 2005, p.127).

O autor demonstra como que, cada vez, as questões de segurançapública passaram a ser tratadas na política como problemas militaresespecialmente no Brasil. Para tanto, Zaverucha estuda os cargos e funçõedestinados a lidar com segurança no executivo e percebe que, durante ogoverno Fernando Henrique Cardoso, a Casa Militar “[...] passou tambémcomo tarefa gerenciar as crises que envolvem assuntos de segurançpública” (ZAVERUCHA,2005, p.143). Depois, a Casa Militar foi extintae o Gabinete de Segurança Institucional da presidência da Repúblicaassumiria suas funções. Para ele esta troca trata-se de,

Uma conssão que as instituições brasileiras corriam perigo, e por issomesmo era preciso lhes dar segurança. E que problema social não eraapenas caso de política, mas, também, de Exército [...] A preponderânciade militares e o nome de Gabinete de Segurança Institucional são umaconssão acerca do grau de insegurança das instituições brasileiras.De fato, o artigo 6º da Medida Provisória. (ZAVERUCHA, 2005,p.143).

Ao militarizar a segurança pública, ela é retirada do domínio políticapara funcionar na lógica militar. Esta é muito mais próxima da técnica

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que da política – como aponta Ellul (1968, p.22)-, faz parte das técnicasde organização e visa, sempre, a ecácia. ambém facilita o avanço sobdireitos civis, anal o controle está nas mãos de militares, e a questão não trata mais de implementar políticas de segurança pública, mas de planejae executar ações justicadas pela necessidade de segurança. A ênfase eno meio de realização e na ecácia, não de fato na preservação de valordemocráticos.

É dentro deste contexto que se discute a ampliação e o uso de novastécnicas de controle da sociedade pelo Estado, pela polícia.

4. O ocaso do direito

Em agosto de 2008, a discussão sobre o uso indiscriminado deescutas telefônicas – popularmente citadas como “grampos” - pela PolíciFederal (PF) e pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) colocou echeque a participação do Poder Judiciário na autorização de medidas decontrole e a garantia ao direito de privacidade nas investigações policiaiUm dos mais graves episódios, que tomou proporções nacionais com aampla cobertura da mídia, culminou na descoberta de escutas telefônicailegais no gabinete do Presidente do Supremo ribunal Federal (S F) –

então Ministro Gilmar Mendes. O caso foi manchete em diversos jornaise revistas de circulação nacional19.No mesmo ano, dois outros episódios marcaram o uso de meios

técnicos para o controle policial no país. O primeiro foi a discussão sobrea utilização de pulseiras e braceletes eletrônicos para o controle de presosem regime de progressão de pena e liberdade condicional. Essa medidfoi, inclusive, colocada em fase de teste no estado de Minas Gerais – semcontudo, aprovação parlamentar. O segundo, foi a proposta de instalação

de câmeras em uma das cidades mais violentas do país: o Rio de Janeiro. Ncampanha eleitoral para o cargo de prefeito da cidade do Rio de Janeiroquatro dentre os cinco principais candidatos apontados como favoritos naspesquisas eleitorais20 incluem em suas propostas de governo a instalação deamplo sistema de vigilância.

19 A exemplo d sso, confer r: Conde (2008, p.18) e Vasconcelos e Go s (2008, p.3).20Refer mos-nos aqu aos números da pesqu sa d vulgada em 29 de agosto de 2008, pelo iBOPE,s tes dos própr os cand datos. C tamos apenas do s casos, que cons deramos extremos: a cand dDemocratas, propõe a instalação de mil câmeras de vigilância, distribuídas nos centros comerciais e locais onde ocorremdel tos; o cand dato Fernando Gabe ra, do Part do Verde, defende a compra de um av ão não tr p

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Seja no caso das escutas telefônicas; seja na implantação dossistemas de vigilância; ou, ainda, na utilização dos braceletes eletrônicoem prisioneiros, o que chama a atenção não é tanto a falta de um debatepolítico público sobre o tema. O que parece absolutamente inusitado - soba perspectiva da expansão e da unicidade da técnica na sociedade modern-, é a ampla aceitação dessas propostas de vigilância para garantir o controe a segurança. De fato, os debates públicos – e mesmo o debate acadêmic– não são tantos quanto se poderia imaginar. Como explicar este fenômenoda aceitação irrestrita de uma expansão dos métodos de controle policial?

Uma das explicações possível que podemos apontar para a poucadiscussão política e pública em torno do tema da vigilância é a executivizaçda política, demonstrada por Agamben, e que caracteriza uma progressiverosão dos poderes legislativos do Parlamento. No entanto, de acordo comEllul, esse fenômeno não afeta exclusivamente a política parlamentar e Poder Legislativo. Ele incide também sobre o Direito e o Poder Judiciáriopois “[...] a função política e a técnica jurídica são complementares: afunção política consiste em fornecer a matéria das regras, isto é, o ma atingir, o ideal político ou social que o direito fará observar, realizar”(ELLUL, 1968, p.298).

Dessa forma, com a expansão do fenômeno técnico para o âmbito

do Direito, este passa a preocupar-se, acima de tudo, com sua própriaeciência. Este raciocínio leva a máxima de que não há direito fora desua aplicação, ou seja, “um direito que não é aplicado não é um direito”(ELLUL, 1968, p.299). A consolidação de uma técnica jurídica maiscentrada na ecácia do que na função – essencial – do direito de realizaçãde justiça está diretamente relacionada a um aumento do controle doEstado sobre a sociedade. Como conseqüência, a idéia de ordem e desegurança substitui como m e fundamento do direito, a idéia de justiça(ELLUL, 1968, p.301).

Para Ellul, um direito construído a partir de uma idéia de justiça é aúnica saída para contrapor a aplicação técnica do direito e a expansão dométodos de controle do Estado. No entanto, esse direito e esse conceito de justiça não podem surgir dentro de uma racionalidade técnica,

A justiça não está a serviço do Estado. Pretende mesmo julgar o Estado.Um direito construído em função da justiça escapa ao Estado, não pode

cons deradas de alto r sco, fotografando cr m nosos. Cf: <http://www.solangeamaral.com.br>, e <h

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ser por ele edicado nem modicado; só se aceitará essa situação namedida em que o Estado não for sucientemente poderoso, plenamenteconsciente dele mesmo e também na medida em que o jurista não éapenas racionalista e subordinado aos resultados. (ELLUL, 1968,p.297).

Contudo, o triunfo de uma racionalidade jurídica técnica não signicao ocaso do Direito, mas sua identicação com a técnica, que já dominatodas as outras esferas da sociedade. Da mesma forma, a expansão dométodos de controle cada vez mais ecazes não se faz desordenadament Ao contrário, é tributária da segurança e da ordem,

Isso não quer dizer que o terror impere, nem que as pessoas sejampresas arbitrariamente: a melhor técnica é a que menos se fazsentir, a que pesa menos. Mais isso quer dizer que cada um deve serrigorosamente conhecido e vigiado, com discrição. al conseqüênciadecorre unicamente do aperfeiçoamento dos métodos. (ELLUL, 1968,p.104).

Essa progressão dos métodos de controle leva, entretanto, a umainevitável expansão das medidas de exceção, que se consolidam na práticcotidiana da atividade policial. Ainda assim, é importante ressaltar quea organização policial não é uma idéia arbitrária – assim como o estadode exceção não é uma prática de ditaduras absolutistas, mas de regimedemocráticos. Não podemos armar, portanto, que se a polícia seaperfeiçoa, isso se dá devido a alguma vontade maquiavélica do Estado, oa uma inuência passageira: toda a estrutura de nossa sociedade implicanecessariamente, nessa expansão. Mesmo que sejamos contrários à polícisomos, contraditoriamente, todos partidários da ordem (ELLUL, 1968,p.106).

O valor da ordem se tornou fundamental. É impossível contradizê-lo. Seguimos, no entanto, para uma expansão do controle que levará,necessariamente, ao campo de concentração. Não no sentido dramático,mas administrativo. Para Ellul (1968, p.105-106), o uso que os nazistaszeram dos campos falseia as perspectivas. Segundo ele, “[...] o campobaseado em duas idéias que decorrem diretamente da concepção técnica dpolícia: a prisão preventiva que completa a prevenção, e a reeducação.”

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5. Conclusão

Sendo assim, nos parece razoável apontar para uma relação entreo aumento dos riscos nas sociedades contemporâneas e o aumento dosmeios de controle policial do Estado. Esse controle se dá sobre todos, maincide com mais rigor sobre determinados grupos sociais, principalmenteaqueles não inseridos na ordem política e social vigente. Esse fenômenopor sua vez, implica no esvaziamento da política dos espaços democráticotradicionais – o parlamento –, e reforça a adoção de políticas de exceçãpor parte do Poder Executivo.

No campo do Direito, a racionalidade técnica reforça a necessidade jurídica de ecácia e propaga uma postura de apoio as medidas técnica

de controle. Na era da Sociedade de Risco, onde os riscos globais escapaaos meios tradicionais de controle estatal, os métodos de controle sociatécnicos constituem a base operacional, jurídico-administrativa, de umestado de exceção permanente. Entretanto, estes fatores podem não sersucientes para a descrição da realidade política do século XXI.

Há ainda um último aspecto da tese de Ellul sobre a técnica que deveser explorado mais profundamente e que não será alvo deste trabalho, madeve ser objeto de estudos posteriores. rata-se do modo como a necessidad

técnica impõe o campo de concentração nacional, “sem dor”, de maneiraatrativa. Essa aceitação não se dá apenas pela necessidade da ordem. preciso uma conexão estreita entre as técnicas administrativas, psicológice de organização para legitimar a vigilância paternal de todos pelos meiode controle policiais. A polícia está ligada diretamente à propaganda,

A propaganda só pode ser ecaz quando põe em funcionamento todaa organização estatal, e especialmente a polícia. Inversamente, esta só érealmente técnica quando é duplicada pela propaganda, que desempenhainicialmente um papel muito importante no envolvimento psicológiconecessário à plenitude da polícia. Além disso, a propaganda deve fazerconhecer o que é, o que pode a polícia, e fazer que seja aceita, justicarsua ação, dando-lhe estrutura psico-sociológica na massa. (ELLUL,1968, p.104).

Enquanto em regimes ditatoriais a polícia e a propaganda eramcentralizadas no terror, nos regimes democráticos o cinema consagraglobalmente, os benefícios dos meios de controle policial, conquistando

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a simpatia de cidadãos de diferentes países: uma integração cultural emtorno da técnica (ELLUL, 1968, p.105). McLuhan acreditava que apossibilidade de conhecer – ver imagens aliadas a informações – qualquelugar do planeta levaria a tal integração a ponto de considerar que o mundose transformaria na “aldeia global”.

Certamente as tecnologias de comunicação são condicionantes domundo economicamente globalizado, no entanto, as hostis conguraçõespolíticas da atualidade, com constantes guerras, não guram exatamenteem uma aldeia. O que o pensador não pôde supor, apesar da atualidadedas questões que levantou, é que a ‘integração’ mundial se desse peloriscos causados, em parte, pela tecnicidade, pelo avanço das fronteiras dsensibilidade humana que podem, para além de ver com uma curiosidadeingênua, vigiar. Podem não apenas tocar onde as mãos não chegam, masprender e manter cativo. A aldeia global, idealizada por McLuhan, ocorredeformada na sociedade de risco. A extensão dos sentidos, através domeios de comunicação, é também a possibilidade de fazer-se presente parpunir, ou ao menos com a intenção de. De fato, a mensagem é o meio, e omeio é o que ‘pode ser’, não tendo uso denido em si, a não ser pela lógicda ecácia e do controle.

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1. Introdução

O presente trabalho tem o escopo de analisar o progresso técnico esuas peculiares características dentro do cenário global.

O desenfreado progresso da técnica, se de um lado quebrou barreirascomo as da distância, comunicação, mercado e do desconhecimento entreos povos das variadas nações, atingindo todos os lugares e culturas, mesmque ainda não conhecedores da técnica moderna, de outro acarretouresultados negativos, fruto de seu caráter ambivalente, como por exemploos problemas com a poluição ambiental, trazendo danos irreparáveis àsociedade mundial.

Neste artigo, em caráter introdutório trataremos das características

do progresso técnico, analisando a seguir a questão exposta por JacqueEllul de que o progresso técnico acarreta uma duplicidade de efeitos,benécos ou não, porém indissociáveis ao fenômeno.

Nesse contexto abordaremos a questão da produção e do consumodos organismos geneticamente modicados, e as conseqüências que podemser acarretadas ao meio ambiente e ao homem.

2. Características da técnica

A partir do século XVIII, principalmente no norte da Europa, inicia-se uma era de mudanças impulsionada por um acelerado progresso técnicoEste processo teve o seu ponto culminante na denominada RevoluçãoIndustrial.

Durante séculos as invenções e as descobertas caram apenas nateoria, na esfera do conhecimento, das ideias. Surge, então, a necessidadde experimentar a invenção, de colocar em prática os descobrimentos atentão adstritos ao pensamento, visando uma facilidade ou utilidade à vidados homens.

Conforme ilustra o eminente Jacques Ellul, um dos maiores críticosda sociedade técnica e estudioso da ambivalência do progresso técnico,

[...] a losoa do século XVIII é favorável às aplicações técnicas. Énaturalista e quer não só conhecer, mas explorar a natureza. É utilitária eprogramática. rata-se de facilitar a vida dos homens, de proporcionar-lhes mais conforto e simplicar seu trabalho. (ELLUL, 1968, p.47).

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Ainda segundo Ellul, cinco fatores contribuíram para a revoluçãotecnológica, tais como o desfecho de uma longa experiência técnica, ocrescimento demográco, a aptidão do meio econômico, a plasticidade domeio social interior e o aparecimento de uma intenção técnica.

Durante anos, a experiência e a capacidade inventiva do homempermaneceram limitadas ao campo das idéias, sem aplicações práticasPorém, com o crescimento populacional, nascem as necessidades básicado homem, como moradia, alimentação, saúde, educação, dentre outros,que somente podem ser satisfeitos com o desenvolvimento técnico.

No entanto, seria preciso, para propiciar todo esse progresso dastécnicas, um meio econômico e ao mesmo tempo, estável e em mudançaEstável, no sentido de concentrar a pesquisa em objetos e situações denido

e suscetíveis à mudança, de forma a possibilitar a inserção das invençõetécnicas de fato. A plasticidade do meio social pode se resumir na extinção dos tabus

dogmas e dos grupos sociais naturais. Finalmente, Ellul (1968, p.54) notaque a visão precisa da técnica, “[...] a vontade de atingir os seus objetivoa aplicação em todos os domínios, a adesão de todos à evidência dessobjetivo [...]” constitui a clara intenção da técnica.

Na civilização contemporânea a técnica deixa de limitar-se apenas adomínios restritos da sociedade, e dispõe de uma innidade de meios úteie ecazes para se atingir uma nalidade proposta. Não encontra restriçãoalguma, atingindo todas as atividades e serviços do homem.

Assumiu tamanha proporção que alcança todos os países, transpondoas fronteiras nacionais e barreiras em diversos níveis, seja de âmbito locaregional, nacional ou mundial, absorvendo o meio natural, criando umsistema articial, trazendo profundas modicações em todo o sistemaglobal, seja nas relações econômicas, sociais, culturais e políticas, emvirtude do seu caráter universalista.

Forçoso reconhecer que a técnica contemporânea possui característicanovas. Segundo Ellul (1968, p.21), ela se traduz na busca do melhor meioem todos os domínios“best one way” , ou seja, o método absolutamentemais ecaz.

De acordo com o pensador francês, o fenômeno técnico modernopossui os seguintes caracteres: automatismo, autocrescimento, unicidadeuniversalismo e autonomia.

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Pode-se dizer que o automatismo da escolha técnica revela-se quandoa direção técnica se estabelece por si mesma. Não há escolha entre ummétodo técnico e outro, porque um se impõe ao outro. Deve ser utilizadoo método mais ecaz, mais técnico. Logo, pelo aspecto do automatismoa escolha entre a escolha do método opera-se automaticamente, e aindaelimina toda a atividade não técnica.

No autocrescimento, a técnica se transforma e progride semintervenção decisiva do homem, vez que uma técnica se engendra emoutra técnica e combinam entre si, gerando maior número de combinaçõestécnicas possíveis, criando um processo cada vez mais automático. A técnigera problemas de ordem técnica que apenas uma outra técnica podesolucionar. Em razão dessa característica, pode-se concluir que o progrestécnico é irreversível e, repercute em várias áreas técnicas, quebrandquaisquer possíveis barreiras existentes.

Por unicidade se entende que o conjunto técnico é uno, constituiuma totalidade inseparável. Por essa razão, é impossível dissociar os efeitda técnica entre bons ou não, entre eles, quais poderiam ser mantidos ouafastados. O mesmo se diz em relação ao uso adequado da técnica, porquo único uso que se tem é o uso técnico, seja ele favorável ou maléco ahomem. “Atribuir arbitrariamente este ou aquele m a esta técnica, propor

uma orientação, é negar a própria técnica, é arrancar-lhe a natureza e afôrça.” (ELLUL, 1968, p.101).Por universalismo da técnica Ellul entende que o fenômeno técnico

afeta todas as culturas em todos os lugares.De acordo com Andrés Felipe Peralta Sanchez isso ocorre:

[...] pela estreita relação entre a técnica industrial e a ciência que lhedá sustento, pois a ciência possui também esse caráter universal. Outra

maneira de explicar esta característica é dizer que tanto a ciência comaa tecnologia são indiferentes à cultura e que isto se deve à pretensão daneutralidade a respeito delas, a qual haveria exibilidade e possibilitariainserir-se em qualquer meio social. (PERAL A SANCHEZ, 2003,p.120, tradução nossa).

A técnica levou à tecnicação da sociedade mundial, destruindoculturas tradicionais dos povos, se impondo, qualquer que seja o meio.

Esse processo foi facilitado pelo comércio e as guerras, bem como pela rápida expansão dos meios de comunicação.

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Quanto à autonomia, Ellul (1968, p.135) explica que a técnica, parase tornar ecaz, deve ser independente. Deve ser uma organização fechadautônoma, a m de operar pelos meios mais rápidos e mais ecazes. Nsuas palavras:

A técnica condiciona e provoca as mudanças sociais, políticas eeconômicas. É o motor de todo o resto, apesar das aparências, apesardo orgulho do homem que pretende que suas teorias losócas aindatêm uma força determinante e que seus regimes políticos são decisivosna evolução. Não são mais as necessidades externas que determinam atécnica, são suas necessidades internas. ornou-se uma realidade em si,que se basta a si mesma, com suas leis particulares e suas determinaçõepróprias.

Desta forma, pode-se perceber que a técnica tem traços deterministas,assume a universalidade e se desenvolve de forma autônoma, sendoimpossível freá-la e prever as suas conseqüências na civilização mundial

3. Ambivalência da técnica

O progresso técnico trouxe para o cenário mundial conseqüênciasnegativas e positivas, que são imprevisíveis e indissociáveis, decorrentprincipalmente de seu caráter autônomo e universalista. A técnica não éneutra, não importando a forma como ela é usada: sempre terá efeitospositivos e negativos.

Ellul enfatiza que a ambivalência deve ser analisada em quatroproposições, quais sejam: todo progresso técnico se paga; o progresso técnitraz mais problemas do que resolve; os efeitos nefastos são inseparáveis d

efeitos positivos; e por último, todo progresso técnico acarreta um certonúmero de efeitos imprevisíveis.Certamente o avanço das técnicas em todas as áreas provocou uma

situação de impotência da sociedade frente à extensão do fenômenotécnico.

Um dos mais preocupantes problemas da atualidade ocasionadospelo avanço das técnicas é a questão ambiental. Em ritmo avassalador constante, os danos ocasionados pelo progresso técnico geram conseqüênci

de caráter irreparável.

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Neste sentido, Wiener e Kahn, citados por Ellul (1990, p.111):

La technologie soulève des problèmes, accélération de la prolifération nucléaire, atteinte à la vie privée, pouvoir excessif sur les individus, centralisation... changements trop vastes ou troprapides pour pouvoir être assimilés sans heurt, nouvelles possibilitésdangereuses pour la nature... par ailleurs, l’allure à laquelle se fonttous les changements augmente elle-même de façon exponentielle...les tensions internes augmentent de ce fait, et ne sont peut-être pasentre les meilleures mains .

Diante da universalidade e da unicidade da técnica, o progressotécnico transformou toda a civilização, gerando conseqüências positivas negativas.

Produz também efeitos secundários e imprevisíveis, por vezes nãomenos desastrosos e imprevisíveis que os acarretados pela técnica anterioNesse processo o homem ca enquadrado e dependente da descobertaincessante de novos processos técnicos para conter os efeitos nefastoprovocados. Gerasse assim um círculo vicioso em que os problemas sociae ambientais cam cada vez mais graves.

A guisa de exemplos dos efeitos nefastos da técnica podem sermencionados os acidentes nucleares ocorridos em vários países da Europno período de junho a agosto de 2008, tais como Espanha, França, Bélgica Alemanha, Áustria, Eslovênia e Ucrânia, com graves conseqüências dcontaminação de pessoas, animais, rios e plantações. Desses acidentes podeser destacados os ocorridos na central nuclear localizada em ricastin, emBollene, no sul da França, que impediu o consumo de água do sistemamunicipal de distribuição, bem como a pesca e o nado nos rios Gaffieree Lauzons, em decorrência de derramamento de líquidos radioativos nosolo e nos referidos rios. De forma semelhante, na Bélgica, outro acidentnuclear levou à interdição do consumo de legumes e leite nos arredores dlocal onde estava instalada a central nuclear.

Assim, pode-se armar que o ambiente tecnológico transformou oambiente vivo do homem, criando uma série de implicações nas condiçõedo clima, do solo, do ar, da água, dentre outros recursos naturais.

Sobre o ambiente tecnológico Ellul (1977, p.56) nota que:

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[...] le milieu techinicien ne pourrait pás du tout exister, s’il ne prenait son aprpui aussi bien que sés ressources das lê Naturel(Nature et Société) mais il l’elimine en tant que milieu, se substitueà lui, en même temps qu’il l’épuise et l’exténue .

O uso descontrolado dos recursos naturais implica a desestruturaçãode todo o ecossistema natural. Ellul menciona que o ambiente tecnológicotraz os problemas e as diculdades tecnológicas.

Nesse aspecto, adquire importância uma breve análise sobre osorganismos geneticamente modicados, fruto do uso e do aperfeiçoamentoda técnica no campo da genética e da biologia molecular, que interferediretamente no meio ambiente e na vida do homem.

4. A problemática da técnica e os organismos transgênicos

Em decorrência do progresso técnico, foi possível ao homem autilização de recursos altamente sosticados, que interferiram nos processonaturais do sistema biológico dos seres vivos vegetais e animais, através técnicas de manipulação genética.

Consiste a engenharia genética nas “técnicas que permitem otransplante de genes de uma espécie para outra criando-se, assim, moléculde DNA que não existia na natureza (atividade de manipulação de moléculDNA/RNA recombinante) [...]” (OS RANSGÊNICOS, 2008). Autilização dessa técnica permite a alteração nas condições naturalmentexistentes no patrimônio genético de um determinado ser vivo, surgindoos organismos geneticamente modicados.

A manipulação genética recombina características de um ou maisorganismos de uma forma que provavelmente não aconteceria na naturezaPor exemplo, podem ser combinados os DNAs de organismos que não secruzariam por métodos naturais ( RANSGÊNICOS, 2008).

A utilização dessa técnica levanta inúmeras questões relacionadas àconseqüências a serem ocasionadas por ela, especialmente, no que tangaos reais efeitos destes organismos geneticamente modicados em relaçãà preservação ambiental.

Os produtos transgênicos, também conhecidos pelas siglas OGM ouGM, se encontram no ápice de discussões entre cientistas, ambientalistas

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agricultores, agrônomos, juristas dentre outros acerca de sua relevância conveniência.

É evidente que o progresso técnico permitiu uma aproximaçãoentre os países, através da modernização dos meios de comunicação e

da tecnologia da informática, além dos transportes e outros. Entretanto, juntamente com o lado positivo da técnica, vieram os efeitos nefastos eem certos casos, irreparáveis, os quais o homem não consegue conter, qupodem ser observados quando se analisa a questão ambiental.

Para os adeptos da produção e consumo dos alimentos transgênicos, asvantagens seriam obvias, tendo em vista que a utilização da referida técnicpreservaria o equilíbrio da ora e da fauna, assegurando um meio ambientsaudável, desenvolvimento sustentável e garantindo a saúde pública, poi

os transgênicos possuindo tolerância a herbicidas e resistência a insetos também podem estimular resistência a vírus, bactérias, salinidade e estresambiental, diminuindo o uso de defensivos agrícolas, o que ocasionariamenor dano ambiental e maior produtividade e qualidade dos alimentos.

Em que pesem esses pontos favoráveis, há persuasivos argumentosdaqueles que são contra a produção e consumo dos transgênicos umavez que para a utilização dos transgênicos deve exigir-se uma conclusivavaliação dos potenciais riscos pautada pelos princípios da proteção d

vida e da identidade genética dos seres vivos, pela saúde do homem e pepreservação do meio ambiente.Nesse sentido argumenta-se que as principais conseqüências da

produção e consumo dos transgênicos seriam as seguintes:os genes de resistência a herbicidas dos transgênicos podem seri.transferidos para as plantas daninhas dicultando seu controle; o desenvolvimento de resistência de insetos e pragas a toxinasii.encontradas em certas plantas transgênicas;os efeitos em pessoas que podem ser alérgicas;iii.a possibilidade dos genes adquirirem resistência a antibióticos;iv.e por últimoa perda das matrizes das sementes.v.

amanha é a proporção da problemática dos alimentos transgênicosque em grande parte da Europa há rejeição da população e dos governos produção e consumo dos transgênicos.

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Além disso, existem organizações não governamentais ativas que sposicionam contra a produção e a entrada de alimentos transgênicos nospaíses europeus, promovendo serviços de informação e atuação junto aoórgãos do governo em defesa de seus objetivos.

Por outro lado, nos EUA, Argentina, Canadá, China, México e Austrália são utilizadas nas plantações sementes transgênicas em largescala. No Brasil o assunto encontra posições favoráveis e contrárias. omdestaque a ação de associações civis como o Greenpeace e o IDEC (Institutde Defesa do Consumidor), em defesa do meio ambiente.

O impacto dessas novas técnicas sobre a saúde humana e em relaçãoao meio ambiente é desconhecido, como claramente exposto, o que fere odireito de informação do consumidor, que deve ter conhecimento e liberdad

de escolha para consumir ou não produtos modicados geneticamente.O fornecimento da adequada informação ao público é de fundamentalimportância. Contudo, faltam elementos técnicos de experimentaçãocientíca capaz de dar subsídios concretos e seguros quanto aos efeitodestes produtos, mormente por se tratar de uma técnica inovadora, o queestá fomentando uma intensa polêmica sobre o tema.

Nesse mesmo diapasão, os produtos transgênicos deveriam serconvenientemente etiquetados para informar os consumidores, o que

também não ocorre.Os transgênicos, assim como qualquer outro produto colocado àdisposição do consumidor, se submetem ao controle do Código de Defesado Consumidor, principalmente com relação ao direito a informação, quedeve ser adequada, correta, clara e completa sobre a composição e qualidaddo produto a ser comercializado.

Não existem estudos cientícos conclusivos sobre as conseqüências qua utilização dos organismos geneticamente modicados podem ocasionar saúde dos seres humanos. Logo é imprescindível que o consumidor tenhainformações sucientes sobre os produtos colocados à sua disposição, parque possa exercer o seu direito de escolha entre consumir ou não alimentcomposto de OGM. Essa prerrogativa do consumidor integra o seu direitoconstitucional de liberdade de escolha.

Para informação do consumidor, os produtos devem serindividualizados e devidamente etiquetados/rotulados de forma a identicase aquele produto possui ingredientes derivados de transgênicos.

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No Brasil a legislação que regula a rotulagem dos alimentostransgênicos é o Decreto 4680/2003, que obriga as empresas de alimentoa informarem no rótulo se o produto foi fabricado com mais de 1% deingrediente transgênico. Para isso, elas devem colocar em local visível utriângulo amarelo com a letra , em preto, no centro, sendo esse símboloo indicador de que o produto foi fabricado com algum ingredientetransgênico. Cabe mencionar que as embalagens dos óleos Soya e Primofabricados pela Bunge, e os óleos Liza e Veleiro, fabricados pela Cargill,partir de 2008 inseriram em seus rótulos o símbolo identicador de que oproduto possui OGM. Essa ação apenas foi possibilitada através de umadenúncia do Greenpeace em 2005, por serem referidos produtos fabricadocom soja transgênica e não possuirem a adequada imformação em seurótulos (PROJE O..., 2008).

Em recente estudo realizado por pesquisadores americanos, emrelação a milho geneticamente modicado para produção de uma bactériadenominadaBacillus thuringiensis,tóxica para lagartas que se alimentamde suas folhas, observou-se que as toxinas do milho alcançaram as águas córregos e riachos e puderam viajar longas distâncias, causando a morte dinsetos que servem de alimentos aos peixes.

Esses efeitos não tinham sido previstos pela Agência de Proteção

Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, que liberou o plantio do milho noano de 1996. Conforme sustentou a autora do estudo publicado na revistaPNAS, Jennifer ank, o “estudo indica conseqüências potenciais nao-intencionais e inesperados causadas pelo uso disseminado de plantaçõegeneticamente alteradas” e aduz ainda que “a extensão exata desse impacainda é desconhecida.” (EFEI OS..., 2008, p.40).

Assim, no atual estágio do conhecimento, pode-se dizer de formarealista que em matéria de organismos geneticamente modicados não

existem pesquisas que nos assegurem que eles não são nefastos para saúde humana e por outro lado a sua produção e consumo generalizadosterá conseqüências imprevisíveis em matéria ambiental e para a saúdhumana.

A utilização dos transgênicos representa um incomparável progressoodavia, pode comportar todos os efeitos negativos acima elencados. Iss

não signica mau uso da técnica. Implica somente imprevisibilidade daconseqüências de uma ação técnica.

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Desta forma, vê-se que a técnica revela-se destruidora e criadora, aomesmo tempo, sendo impossível dominá-la. Somente um novo progressotécnico produzindo também efeitos imprevisíveis, pode dar solução a umconseqüência nefasta da técnica.

5. Conclusões

Na caracterização de Ellul, a sociedade contemporânea estácondicionada pela ambivalência da técnica que é o seu fator maisimportante. Com efeito, inúmeras técnicas trazem maior conforto e são deinegável utilidade para o homem em todas as atividades. Entretanto, elaacarretam também, concomitantemente, efeitos nefastos e ocasionando

prejuízos de maneira irreversível.No caso dos organismos transgênicos, mesmo que haja uma avaliaçãode risco, com indicação de possíveis efeitos adversos sobre a conservaçãouso sustentável do meio ambiente, não há como pesquisar todos os efeitoque essa técnica poderia gerar ao longo do tempo, reproduzindo todas ascondições, por exemplo, para a saúde humana e/ou para outros organismovivos.

Assim sendo o uso dos organismos geneticamente modicados, foraos efeitos positivos de maior produtividade, entre outros, implica em efeitonegativos, previsíveis e imprevisíveis, que repercutirão necessariamensobre toda a sociedade e no meio ambiente, no plano local, regional,nacional e mundial. A produção e o consumo de transgênicos pelo homempodem acarretar sérios danos à sua saúde e comprometer a identidadegenética dos seres vivos. Isso sem considerar os prejuízos ao meio ambienconsiderando a sua imprevisibilidade e irreversibilidade.

Podemos concluir então, seguindo Ellul, que por melhor que tenhasido a escolha técnica, ela sempre será acompanhada de conseqüênciaboas e más, porém indissociáveis e indivisíveis. Essas conseqüências sinerentes ao progresso técnico e desenvolvem-se de forma automáticaindependente da intervenção humana e sem a possibilidade de controle oque acaba provocando problemas que somente serão superados com umanova técnica, criando-se assim um inevitável circulo vicioso.

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Desde o século XVI, verica-se que o expansionismo europeu,marcado pela abertura das linhas de navegação transoceânicas e pelaampliação dos circuitos comerciais, somente foi possível em razão dutilização do conhecimento cientíco (FUR ADO, 1999, p.57-58).

Esse fato tornou-se mais evidente no século XIX, com a RevoluçãoIndustrial, pois ocorreu uma verdadeira revolução tecnológica, com amecanização e a descoberta de novas fontes de energia, as quais contribuírapara o aumento considerável na produtividade, a intensicação doinvestimento e a diversidade dos padrões de consumo (FUR ADO, 1999,p.63).

É certo que a eciência produtiva e o avanço da técnica constituemnesse sistema econômico a própria fonte de lucro do empresário, o qua

aplica o conhecimento cientíco para aumentar o sistema produtivo(FUR ADO, 1968, p.134).Se por um lado o desenvolvimento industrial propiciou um aumento

espetacular na produção, determinando inúmeras vantagens e benefíciosé certo que, por outro lado, proporcionou conseqüências negativas noaspecto ambiental.

Isto porque a concepção de progresso implica na exploração aceleraddos recursos naturais. Desse modo, é notório que a poluição, a mudançaclimática, a contaminação das águas, ar, solos, a destruição da camada dozônio, o efeito estufa, a perda da biodiversidade são conseqüências dprópria atividade do homem.

Com efeito, sempre é importante estabelecer a razoabilidade nautilização dos recursos naturais, não bastando a vontade de utilizar essebens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los, pois o homem nãodeve ser a única preocupação do desenvolvimento, mas também a próprinatureza, já que em alguns casos, para preservar a vida humana, será preciconservar a vida dos animais e das plantas, será necessário, assim, havuma perfeita harmonia com a natureza (MACHADO, 2008, p.59-60).

É preciso que o desenvolvimento seja feito de forma sustentável,a m de que o uso natural dos recursos vá ao encontro das necessidadedo presente, sem comprometer as necessidades das gerações futuras(MACHADO, 2008, p.123-124).

Nesse contexto, é certo que o homem não pode se privar de utilizaros recursos naturais, uma vez que melhora a qualidade de vida humanacontudo, não pode, através dessa exploração, desequilibrar meio ambient

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e causar o esgotamento futuro desses recursos naturais. Deve haver, assimuma harmonia das relações e interações dos elementos do habitat, de formque as qualidades do meio ambiente venham a favorecer a qualidade davida (SILVA, 2000, p.88).

Assim, o desenvolvimento sustentável visa a conciliar a preservaçãdos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico, sem o esgotamentdesnecessário de seus recursos objetivando assegurar uma vida mais dignahumana (AN UNES, 2002, p.18).

Portanto, deve ser utilizada a própria técnica para garantir odesenvolvimento sustentável, visando compatibilizar o desenvolvimenteconômico com a qualidade de vida e contribuir positivamente para omeio ambiente.

Como exemplo da importância da técnica pode-se citar a agriculturaque necessita do emprego de tecnologias para utilização eciente dairrigação, pois o manejo inadequado pode ocasionar a escassez da águaa poluição do solo e a erosão. De fato, interessante a abordagem feita po Jacques Ellul (1968, p.4) no sentido de que a técnica integra a própriasociedade, pois penetra em todos os seus domínios e no próprio homem.Deixa de ser objeto para o homem a m de se tornar sua própria substância já que nele se integra e o absorve progressivamente.

Oportuno, ainda, quando este mesmo autor esclarece que existe nohomem uma tendência à técnica, pois ele a utiliza para o desenvolvimento dsuas atividades cotidianas e essa adoração surge exatamente da necessidaconcreta de resolver as questões apresentadas, de maneira extremamentprecisa e eciente (ELLUL, 1968, p.24-25).

E com o desenvolvimento da sociedade percebe-se que é primordialcriarem-se mais meios, de forma a ordenar o mundo mediante a aplicaçãoda técnica a todos os domínios, objetivando sempre facilitar a vida doshomens, de forma a proporcionar-lhes mais conforto, garanti-lhes maissimplicidade em seu trabalho e maior qualidade de vida (ELLUL, 1968p.43).

O mundo moderno evolui rapidamente e necessita da aplicaçãorápida das técnicas para solucionar os problemas urgentes. No entanto,nem sempre será possível avaliar todas as repercussões, as quais, por vezsão até mesmo inimagináveis (ELLUL, 1968, p.109).

Nesse cenário, o Estado funciona como um coordenador de todasessas técnicas, pois tem a faculdade de unicá-las, de maneira a coorden

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as forças sociais, ajustando-as e equilibrando-as. É justamente ele que vpossibilitar o desenvolvimento das técnicas, oferecendo aos pesquisadoreos meios necessários para facilitar sua pesquisa e conseqüentemente, técnica (ELLUL, 1968, p.313-316).

É importante destacar que, segundo o próprio Jacques Ellul (1968,p.344), atualmente as técnicas do homem suscitam uma grande esperançaaos olhos inquietos desse tempo, ao mesmo tempo em que conduzem aquestionamentos como: “Será que o homem não está ameaçado por suaspróprias descobertas? Será que o homem tem condições de dominar atécnica?”

Assim, desde que haja uma conscientização por parte dos cidadãos,utilizando-se da técnica para alcançar o desenvolvimento sustentável, ser

possível conciliar a preservação dos recursos ambientais e o desenvolvimeneconômico a m de assegurar uma vida mais digna e humana.Nesse contexto, o princípio da solidariedade entre gerações traduz a

necessidade de uma comunidade de esforços e responsabilidades em umescala planetária para que seja possível o desenvolvimento em harmonicom a natureza.

Atualmente assistimos a uma reconstrução da sociedade, em todaparte comunidades e associações orescem, inclusive no tocante à defesambiental. Estas associações não estão em contradição com as técnicasporque vericamos que estão todas organizadas em função delas paraatender as necessidades do homem (ELLUL, 1968, p.310-311).

É certo que com a união entre os semelhantes se adquirirá mais forçapara formar associações com intuito de defender esses direitos coletivoDe fato, as associações civis são as próprias raízes da democracia, uma vque através dela os cidadãos aprendem a “arte” de se associar, bem combuscar os ns de toda a comunidade (MUS AFA, 2000, p.326).

A ciência da associação deve ser vista como ciência mãe, dependendo progresso de todas as outras do progresso daquela. Na busca de soluçõeaos problemas globais, constatam-se a expansão, o fortalecimento e convergência dos sistemas de proteção internacional ( OCQUEVILLE ,1987, p.391-394).

Dessa forma, o desao de proteção do meio ambiente demandaalternativas de readaptação para as novas realidades, inclusive em relaçãàs novas bases normativas-conceituais, as quais, em sua implementaçãohão de contar não só com os Estados, mas com organismos internacionai

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e não-governamentais, grupos, associações prossionais e cidadãos paralcançar a maior ecácia ( RINDADE, 1993, p.197-198).

Esse m só será atingido se houver a idéia de solidariedadefundamental, sendo certa, portanto, a importância da participação dos

direta e indiretamente afetados e interessados na elaboração e execução dopróprios projetos de desenvolvimento ( RINDADE, 1993, p.202-203).É, assim, mediante a utilização de técnica, bem como da

conscientização da sociedade no sentido de que devem ser desenvolvidoesforços para que seja possível conciliar o desenvolvimento econômiccom a utilização adequada dos recursos naturais, é que se atingirá odesenvolvimento sustentável.

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TECNICISMO E SIMPLIFICAÇÃOVERSUS COMPLEXIDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O DIREITO E A EDUCAÇÃO JURÍDICA APARTIR DE JACQUES ELLUL E EDGARD

MORIN

Guilherme Perez CABRAL 1

Jorge Luís MIALHE 2

RESUMO: O objetivo da presente comunicação é identificar o movimento da técnicad re to (tecnicismo ), descr ta por Jacques Ellul na obra “A Técn ca e o Desaf o dresultado da efetivação, no campo jurídico, do paradigma dasimplificação , trabalhado porEdgard Morin. A partir disso, pretende-se analisar as conseqüências desse movimento na jurídica, que, renunciando ao papelcrítico , acaba reduz da à formação do técn co s mpl

fim, o trabalho propõe o pensamentocomplexo como forma de superação dotecnicismo .

PALAVRAS-CHAVE: Tecn c smo juríd co. S mpl f cação. Complex dajurídica.

Parem! Esperem aí.Onde é que vocês pensam que vão? [...]

em que ser selado, registrado, carimbado Avaliado, rotulado se quiser voar!

“Carimbador Maluco”

Raul Seixas (1984)

1Graduado em D re to pela PUC-Camp nas e Mestre em D re to pela UNiMEP (bols sta CAPES)2Pós-doutorado na Un vers dade de Par s. Doutor, mestre e bacharel pela USP. Professor da UNECamp nas e do Programa de Mestrado em D re to da UNiMEP/P rac caba. Pesqu sador do Grupo(UNESP/Araraquara). E-ma l: profm alhe@hotma l.com

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1. Introdução

Propõe-se, por meio da presente comunicação, identicar omovimento da técnica no direito - otecnicismo - descrita por Jacques Ellulno capítulo “Summa Jus: Summa Injuria” da obra “A écnica e o Desao dSéculo”3, como resultado da efetivação, no campo jurídico, do paradigmadasimplicação, questionado por Edgard Morin4.

A partir disso, pretende-se observar as conseqüências dessemovimento na educação jurídica, que abre mão de uma formação integrado juristacrítico para limitar-se à transmissão de conteúdos informacionaise procedimentais para que o futuro técnico opere o direito, fazendo-oecaz.

Por m, buscar-se-á, no pensamentocomplexo, a superação dotecnicismo.

2. Simplificação e Tecnicismo

A identicação sugerida no presente trabalho, entretecnicismo e simplicação exige, num primeiro momento, a denição desses doisfenômenos, inserindo-os, ainda que de forma bastante breve, no pensamentode Jacques Ellul e Edgard Morin.

3Ellul (1968).4Serão ut l zadas, para a apresentação do pensamento de Edgard Mor n, as segu ntes obras: Mor n

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2.1. O Paradigma da Simplificação

Conforme coloca Morin, a trajetória da ciência e da forma decompreender a realidade, a partir da modernidade, efetivou-se comfundamento no paradigma dasimplicação.

rata-se de enfoque que, diante da desordem, multiplicidade,confusão da realidade, busca alcançar a ordem perfeita do universo, suas lenecessárias e absolutas. Assim, pretende abarcar e controlar a totalidade.

Para tanto, diante de qualquer complexidade conceitual, atua pormeio das operações lógicas dadisjunção, separado o que está ligado, e daredução, unicando o que está disperso. Dessa forma, produz uma visãomutiladora e unidimensional da realidade (MORIN, 1990, p.16-17 e

p.86-87).O conhecimento simplista acarretou, dessa forma, numa série de“patologias”, como ahiperespecialização, separando a ciência em disciplinasfechadas sobre si mesmas, que fragmentam o real; odoutrinarismo,estabelecendo teorias fechadas e petricadas, convencidas de sua verdade invulneráveis a questionamentos externos; e aracionalização, entendidocomo um querer encerrar a totalidade do real num sistema coerente,afastando tudo o que o contradiz (MORIN, 1990, 2007) e que “[...] se crêracional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado nadedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas.(MORIN, 2007, p.23).

2.2. A Técnica Jurídica

Previamente à crítica da invasão da técnicano direito, Ellul estabeleceimportante distinção entre esse movimentotecnicista e o que denominatécnica jurídica , ou ainda, a técnicado direito.

Esta última, como ensina Ellul (1986, p.298), constitui a atividade,vital ao direito, de “[...] enquadrar, pela utilização dos meios, a realidadenas decisões legais e também em tornar essas decisões ecazes.”

Complementa, desse modo, a função política , que, por sua vez,consubstancia-se em fornecer “[...] a matéria das regras, o m a atingir, oideal político ou social que o direito fará observar, realizar [...]” (ELLUL

1968, p.298).

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Nesse sentido, a principal tarefa datécnica jurídica é “[...] preparar oselementos que lhe são fornecidos pela função política, a m de que o direitnão permaneça mero verbalismo, letra morta [...]”. Encerra um conjuntode instrumentos “[...] pelos quais os sujeitos são levados a assumir, nosistema social em que se encontram, a atitude jurídica, o comportamentoativo ou passivo, julgado necessário.” (ELLUL, 1968, p.299).

Abrange, assim, todo um arsenal técnico concernente às provas,às sanções, às garantias, entre outros elementos, cujo m é assegurar consecução dos ns do direito (ELLUL, 1968, p.299).

Enm, encerra ummeio de ecácia , correspondendo à “noção detécnica geral, quer dizer, a uma procura articial da eciência.” (ELLUL1968, p.299).

Conjugando-se, dentro do universo jurídico, com ns sociais ecom os conteúdos escolhidos politicamente (função política), bem comoconferindo-lhes efetividade, atécnica jurídicapode equilibrar-se com aprocura, inerente ao direito, pela justiça .

2.3. O Tecnicismo

Ellul (1968, p.301) salienta, porém, o fenômeno da invasão datécnicano direito, fazendo-se rainha a pura mentalidade técnica: “[...] atéagora havíamos falado da técnica do direito, pois esta ainda fazia parte dmundo jurídico [...] No momento em que a pura mentalidade técnica,uma técnica em si, penetra de fora no mundo jurídico [...] abalos decisivona vida social se produzem.”

Emerge, assim, o que denominamostecnicismo.Para o técnico do direito, “[...] todo o direito depende de sua ecácia

[...] um direito não aplicado não é direito.” (ELLUL, 1968, p.299). Pretende,por conseguinte, conferir às instituições simplicidade – encerrando, paratanto, a innita diversidade de situações sociais em um limitado quadro jurídico conceitual – e, com isso, vigor.

Nessa tarefa, depara-se, porém, com um grande inconveniente: aquestão da justiça, que, “apesar de todos os lósofos”, permanece “fatoinapreensível, impossível de xar.” (ELLUL, 1968, p.297).

Sendo assim, “Um direito construído em função da justiça contém

um dado imprevisível, o que embaraça evidentemente o jurista.” (ELLUL1968, p.297). E, haja vista a perturbação que causa, diante de sua imprecisã

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pessoal, o fortuito [...] a lei deve prever tudo a m de que o homem nãopossa perturbar seu funcionamento. (ELLUL, 1968, p.303).

Nesse contexto, sob égide dasimplicação e visando criar condiçõesde decidibilidade (NOBRE, 2005, p.78), otecnicismo atua por meio dasoperações dadisjunção e daredução. Pela primeira, separa o direito de seuslaços com a sociedade e com a idéia de justiça. E mais, fragmenta o real einnitas “verdades de pormenor” (ELLUL, 1968, p.303), rigorosamentelocalizadas e delimitadas em disciplinashiperespecializadas . Pela segunda,reduz o direito à técnica e, assim, à garantia da ordem e segurança jurídica.

A matéria do direito deixa de ser o social, para se tornar a exigência

técnica. Concentra-se, para isso, na busca pela ordem, assumindo comogrande fórmula “a injustiça preferível à desordem.” (ELLUL, 1968,p.301).

Ocorre que o direito dissociado da justiça torna-se “uma bússola cujaagulha perdeu a imantação”, uma atividade sem m e sem signicado:

O direito deve assegurar a ordem [...] O direito deve ser ecaz. Aecácia é por si mesma a ordem. Uma vez, assistimos a transformação

geral dos meios em ns. O direito [...] é ecaz para ser ecaz, e as leissão concebidas a m de serem ecazes. (ELLUL, 1968, p.305).

Rompido o equilíbrio entre técnica e homem, esquecidos os nsdo direito além das exigências da técnica, permanece, apenas, a ecácia a ordem, em detrimento das exigências da consciência, da sociedade e dhomem.

O direito, com a invasão dotecnicismo, no delírio pela coerência e

planicação absoluta, torna-se reduzido, fragmentado e, enm, simplicado.E, assim, o homem deixa de ser “a preocupação do direito e a justiça sumedida.” (ELLUL, 1968, p.306).

3. A Educação Tecnicista e Simplificada

Isso tudo se arma, reproduz-se e se dogmatiza na Faculdadede Direito, formadora do técnico, simplista, que opera apenas no nívelinterno, lógico-formal do fenômeno jurídico.

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Diante da nalidade de decidibilidade e da busca de ecácia, numarealidade domesticada, o direito, seu ensino e sua pesquisa são reduzidos aelemento técnico, destituído de um m externo, maior, que o ilumina.

Decreta-se a unidade, a coerência e a plenitude do direito e, assim, são

omitidas suas contradições internas e suas lacunas e omissões. Os institutoe fenômenos jurídicos tornam-se realidades autônomas, evidentes e válidapor si, independentes do contexto histórico-social do qual emergiram e doqual constituem instrumentais.

Em nome da segurança e da ordem, priva-se, assim, a reexão sobreo sentido, as contradições e a complexidade do direito. Produz-se umconhecimento que:

[...] extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita oslaços e as intercomunicações com seu meio, introduz o objeto nosetor conceitual abstrato que é o da disciplina compartimentada, cujasfronteiras fragmentam arbitrariamente a sistemicidade (relação daparte com o todo) e multidimensionalidade dos fenômenos. (MORIN,2007, p.41).

Dessa forma, transmite-se e perpetua-se, na forma dedogma , umdireito simplicado e isolado, reduzindo e compartimentando a si e aomundo. Faz-se, por conseguinte, com que as grandes questões humanasdesapareçam frente aos problemas técnicos especícos (MORIN, 2007p.43).

Esse direito, ordenado e hierarquizado, é, então, transmitido pelodocente – detentor do conhecimento e de sua razão – de forma unilateral,ordenada e hierarquizada, ao aluno – “sem luz” (informação verbal)5 –mero objeto do processo. Isso, sem discussões, sem “desordem”, apena

um depósito: “Educa-se para arquivar o que se deposita.” (FREIRE, 1979p.38).

5 Aula m n strada pelo prof. João V rgíl o Tagl av n no Projeto de ExtensãoDo Direito à Educação ao DireitoEducacional . Un vers dade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 29 set. 2007.

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4. O Paradigma da Complexidade no Direito e na Educação Jurídica

Para a superação dasimplicação, Morin propõe uma mudança de

enfoque, uma reforma paradigmática no pensamento, com a assunção doparadigma dacomplexidade .rata-se, assim, da adoção de um enfoque que assuma a complexidade

a qual, conforme ensina Morin (2007, p.38), está presente:

[...] quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos dotodo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, oafetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente entre o objeto

do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes,as partes entre si. A complexidade é a união entre a unidade e amultiplicidade.

O pensamentocomplexo aspira ao conhecimento multidimensional.Sabe, porém, como ponto de partida, da impossibilidade do controle totaldo real, pretendido pela mentalidade simplicadora. Assim, diante dadesordem e da contradição, o pensamento complexo foge à busca pela

ordem absoluta do universo. Busca, por outro lado, um enfoque aberto,reexivo, auto-crítico, esforçando-se por encontrar metapontos de vista(MORIN, 2007, p.32).

Preocupa-se emdistinguir , mas sem fragmentar, e emconjugar , massem reduzir. Reconhece as relações de ambivalência do real e, portanto, amesmo tempo de implicação e separação.

Sendo assim, uma visão complexa no campo do direito possibilita asuperação dotecnicismo simplicador .

Com efeito, não fugindo à contradição, ao inapreensível, permitetrazer de volta ao direito a discussão crítica da justiça, das exigências dconsciência e, dessa forma, dos ns últimos ao qual se presta. Permiteassim, o restabelecimento do equilíbrio entre a complexidade da procurapor justiça – seja lá o que signique e como se concretize – e a técnicacolocada em seu devido lugar.

O papel da educação jurídica, nesse contexto, adquire fundamentalrelevância, a partir daconjunção da reexão técnica do direito, a partir deuma perspectiva lógico-formal, com aquela emergida de um olhar externo

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como fenômeno social, histórico, econômico, losóco e político – e poisso humanamente contraditório.

Nesse sentido, a sala de aula pode constituir-se numlocus daproposição e discussão da complexidade no mundo jurídico, somando às

questões propriamente técnicas as grandes indagações e problemas comque se depara o homem e o fenômeno jurídico. Assim, pode ser trazido ao direito a consciência de que estamos

condenados a “[...] um pensamento que não tem nenhum fundamentoabsoluto na certeza [...]” e que as contradições do homem e de seu mundonão signicam necessariamente um erro, mas pode indicar, pelo contrário“[...] o atingir de uma camada mais profunda da realidade que, justamenteporque é profunda, não pode ser traduzida para a nossa lógica”. De fato, “

complexidade está lá onde não se pode vencer uma contradição.” (MORIN1990, p.93, p.99 e p.101).Concretizar-se-ia, assim, um espaço para o diálogo e para a

valorização da palavra, propugnada por Ellul no qual o acadêmico tomassconsciência crítica de si, do direito e da posição de ambos diante da técnic(informação verbal)6.

Dessa maneira, a educação jurídica pode levar ao enfrentamentocrítico de seu objeto pelos sujeitos participantes do processo educativo(docentes e discentes) e à construção de um direito que, munido demecanismos de ecácia, “não permaneça mero verbalismo” (ELLUL1968, p.299), tendo, contudo, por m, a “justiça”, o social, o homem esua emancipação.

6 Palestra m n strada pelo Prof. Dr. Jorge Barr entos-Parra no i Sem nár o Bras le ro soEllul. Un mep, P rac caba em 12 set. 2008.

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OS ANSEIOS COLETIVOS POR JUSTIÇA E A TÉCNICA JURÍDICA

Denise de Souza RIBEIRO 1

RESUMO: A principal finalidade deste texto é a de destacar a relevância do trabalho de JaEllul, no sentido de demonstrar que a técnica deverá se colocar em prol da Justiça e do dpelo homem; que em última instância deverá ter o Estado a seu serviço. Deste modo, parda já debatida relação entre os conceitos de Direito e Justiça, inicia-se uma discussão ede o quanto a técnica jurídica poderá ser útil para as relações transnacionais, a fim de qse estabeleçam como forma de aplicação de Justiça para os homens e para as Nações, verdadeiro mecanismo de cooperação entre os povos, tendente ao desenvolvimento suste

PALAVRAS-CHAVE: D re to. Just ça. Técn ca Juríd ca. Transnac onal dade

Cooperação internac onal.

1. Introdução

A técnica jurídica tem por nalidade tornar o Direito ecaz, nosentido de colocá-lo à serviço da ordem e segurança almejadas pelo Estado que no entanto não resulta necessariamente na obtenção de Justiça.

Dentro desta já complexa relação estabelecida entre os conceitos deDireito e Justiça, coube a Jacques Ellul demonstrar o quanto a técnicadeverá se colocar ao mesmo tempo no caminho para a Justiça e na direçãdo domínio pelo homem; que em última instância deverá ter o Estado aseu serviço.

ais indagações se revelam tão mais interessantes, na medida em quese vivencia uma grande ampliação nas relações transnacionais, que por su

1 Advogada. Professora do Curso de D re to do iESi. Mestranda em D re to da UNiMEP, sob or eMialhe.

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Não conheces o decreto de Creonte sobre nossos irmãos? A umglorica, a outro cobre de infâmia. A Etéocles – dizem – determinoudar, baseado no direito e na lei, sepultura digna de quem desce aomundo dos mortos. Mas quanto ao corpo de Polinice, infaustamentemorto, ordenou aos cidadãos, comenta-se, que ninguém o guardasseem cova nem o pranteasse, abandonado sem lágrimas, sem exéquias,doce tesouro de aves, que espreitam famintas. As ordens - propalam –do nobre Creonte, que ferem a ti e a mim, a mim, repito, são estas, quevem para cá com o propósito de anunciar as ordens aos que ainda nãoas conhecem explicitamente. O assunto lhe é tão sério que, se alguémtransgredir o decreto, receberá sentença de apedrejamento dentro dacidade. É o que eu tinha a te dizer; mostrarás agora se és nobre ou se,embora lha de nobres, és vilã. (SÓFOCLES, 2001, p.8-9).

Neste texto, ressalta-se o quanto a imposição de normas, vindas dogovernante para o governado, ainda que supostamente traga segurança jurídica, não obtém contudo, a legitimidade necessária para sua verdadeirecácia.

ais discussões se prolongam até a atualidade, e são alvo de atençãode diversos estudiosos, desde os já mencionados trágicos, passando pelolósofos medievais, modernos, até os contemporâneos.

Muitas idéias foram lançadas sobre o tema, como por exemplo, umavisão mais positivista, como a de Hans Kelsen2; ou até mesmo um conceitomais axiológico, como a teoria tridimensional de Miguel Reale.3

odavia, como a essência deste trabalho não é esta questão losócaatentar-se-á mais para as variações recebidas pelo pensamento inicial dSimonedes.

Nesta direção, bastante relevante que se mencione a posição dosclássicos gregos.

Segundo Quilici Gonzalez (2005, p.78), para Sócrates, a Justiçaestava diretamente vinculada ao cumprimento da lei, o que inclusive serevela através da maneira como aceitou sua indevida condenação4. Em seu

2Hans Kelsen (1881-1973) escreveu a obraTeoria Pura do Direito e relac ona a norma a um “dever-ser”, cuja val dade deestar em harmonia com determinada norma fundamental. O Direito seria uma forma de imposição de deveres e concpoderes aos governantes para que apliquem sanções que guardem consonância com o sistema jurídico.3O jur sta bras le ro, M guel Reale (1910-2006) entende que o D re to é uma real dade tr d mprocesso dialético ente fato, valor e norma.4Como Sócrates, através de sua célebre frase: “Tudo que se é que nada se ”, colocava em d scussãoque se mantinham no poder ante um suposto conhecimento superior, foi considerado corruptor dos jovens e conden

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Assim, retornando-se ao pensamento de Jacques Ellul, há efetivamenteuma grande diculdade em conceituar-se Justiça, e acima de tudo emlegitimar o Direito positivado como forma de alcançá-la; principalmentequando tal Direito Positivo confronta-se com o Direito Natural.

3. A técnica jurídica

Como já demonstrado, associar-se Direito à Justiça é uma tarefatão mais árdua na medida em que conforme entende Jacques Ellul (1968,p.297), “Quando se segue e procura uma justiça autêntica (e não oautomatismo ou um igualitarismo) não se sabe onde se chega.”

Acresce-se ainda o fato de que o Direito construído na direção da

Justiça foge ao controle do Estado e acaba mesmo por julgá-lo.Neste contexto, a técnica jurídica adquire grande relevância, eis queos juristas acabam por se transformar em grandes técnicos, que organizamos conceitos jurídicos como regras atreladas a um sistema coerente.

al sistema adapta as decisões legais à realidade, de modo que setornem mais ecazes, e por consequência sejam garantia de poder doEstado, em nome da ordem e segurança; mesmo que para tanto, sejamsacricados os anseios sociais:

E êsse conjunto corresponde exatamente à noção da técnica geral, querdizer, a uma procura articial da eciência: eciência que é levada aquiao estado puro, pois se chega a dizer que o direito não existe sem essaeciência; artifício, igualmente, pois o direito não é então obedecidoespontâneamente, uma vez que a consciência popular, criadora dodireito, não adere espontâneamente, naturalmente, a êsse sistema: aaplicação do direito não decorre mais da adesão, porém, do conjunto

dos mecanismos que ajustam, por artifício e razão, o comportamento àregra. (ELLUL, 1968, p.299).

Mas para além dos anseios sociais, sacrica-se mesmo a noção de Justiça, em nome da ecácia; de modo que as regras legais jamais serã“letras mortas”.

O técnico jurídico passa a exercer neste contexto, uma função maismecânica, tornando-se um construtor de regras que levam em conta todosos fatores econômicos e sociais, de modo que nenhum fator indeterminado

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possa vir a perturbar o funcionamento do sistema; à semelhança de umsistema das leis biológicas, por exemplo.

A consequência é uma profusão de normas legais e uma obediênciacega ao que elas determinam, com uma valorização exagerada da ordem

com grande tendência à legitimação de Estados otalitários: “Estamos emvias de superar a posição tradicional: o direito garante a ordem. al posiçãatingiu o ponto culminante com Kelsen, por exemplo, traduzindo-se emcertas formas do nazismo.” (ELLUL, 1968, p.302).

Deste modo, em uma visão bem diferente da defendida por Sócratese em especial por Platão, o cumprimento das regras pelo cidadão nãoocorrerá como forma de contribuir para o desenvolvimento da “polis”,em uma soma de condutas individuais; mas muito mais por imposição de

normas totalmente dissociadas da Moral e dos interesses deste cidadão; eque determinadas de acordo com a vontade do Estado. O Direito torna-se, pois, instrumento deste Estado, que deixa de ser

responsável pelos anseios coletivos; visto não estar mais submetido a umpoder externo que possa controlá-lo e até julgá-lo.

Na realidade, o Direito acaba mesmo por se dissolver, eis que perdeao mesmo tempo o seu m (busca pela Justiça) e seu domínio (já não sedistingue o que é ou não Direito, dentro deste sistema).

Mas, o mais signicativo, é o entendimento de que a técnica, aomesmo tempo em que facilita a sujeição do homem pelo Estado, o ilude nosentido de que o tornaria individualmente mais ecaz, quando na realidadeapenas lhe priva mais a liberdade.

Inclusive, no que se refere à atual supremacia da técnica, isto se devena opinião de Jacques Ellul, porque os freios naturais a ela, não teriam sidacionados.

Note-se que o primeiro deles seria a Moral, no sentido de determinar-se o que é o bem ou o mal; regras de condutas estas que só poderiam semodicadas por conta do segundo freio, que é a opinião pública, esta bemmenos racional.

Ocorre que a opinião pública é totalmente favorável à técnica, eisque em quaisquer campos, a performance é muito maior, quando sãoutilizados meios técnicos; de modo que o indivíduo se realiza através daconquistas coletivas. Ex: sente-se tão mais importante na medida em que

técnica o auxilia a produzir um equipamento mais potente, que sirva paratoda a sociedade.

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anto é assim, que a própria educação volta-se para as atividadestécnicas e úteis; havendo certo desprezo em relação à área losóca ode humanidades, tendo-se em vista que não demonstram de forma direta“para que servem”.

Já a estrutura social, que se caracterizaria como mais um freio, estátambém reconstruída pela própria técnica.Restaria, pois, com último recurso, o Estado; mas como já

exaustivamente apontado, é exatamente o Estado quem se utiliza datécnica, em especial da técnica jurídica, como forma de manutenção dopoder e sujeição do indivíduo.

É bem verdade que há um aspecto positivo na relação entre as técnicae o Estado, eis que este exerce uma espécie de papel de coordenador entr

diversas técnicas esparsas e estranhas umas às outras.Para além disto, promove a pesquisa cientíca (no sentido “prático”do termo, eis que não há grande valorização das ciências humanas), sejatravés de incentivos a inventores, seja através subvenções às pesquisatendo porém, sempre uma contrapartida um crescimento técnico em seubenefício.

Chega mesmo a criar organismos técnicos e em determinadassituações usa de seu poder de coação, como forma de imposição e controlda técnica, em especial em relação aos interesses privados.

Portanto, suprimidos os freios, não há mais meios para que o homemcontrole a técnica:

Basta pensar na opinião pública ou na expansão econômica paracompreender isso. A técnica não tem mais, portanto, freio algum emsua marcha; não encontra mais obstáculo; pode avançar à vontade,não tendo outro limite senão o de suas próprias fôrças. Ora, essasfôrças parecem inesgotáveis e ilimitadas. O fato de uma técnica semlimites, no entanto, não é em si mesmo inquietante. É preciso admitiranal de contas que nossa sociedade é técnica. O que nos parecemais impressionante, porém, é que esse caráter da técnica a tornaindependente do próprio homem. (ELLUL, 1968, p.311).

Além de não controlar, o homem também não pode mais desvencilhar-se da técnica, acabando por ingressar em uma situação em que a única

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direção a tomar, é aproveitar-se ao máximo dela; visto que acabou por criaalgo que lhe subtrai a própria liberdade.

endo-se em consideração esta brilhante análise de Jacques Ellul sobra técnica; resta indagar em que medida a sujeição do homem a esta técnic

não pode ao menos em parte ser utilizada em seu próprio proveito.No âmbito jurídico, por exemplo; se por um lado o tecnicismo impedea função primordial do Direito, que é justamente a obtenção da Justiça,por outro; a utilização de ferramentas técnicas podem e efetivamente têm condão de facilitar e abreviar a concessão do provimento jurisdicional.

Observe-se a tendência no Brasil de divulgação de andamentosprocessuais e em alguns casos de transmissão de petições por meio digita já existindo primórdios de procedimentos totalmente eletrônicos.

Praticamente todas as pesquisas doutrinárias e jurisprudenciaispodem ser obtidas eletronicamente, além da existência de diversas revistvirtuais.

Ou seja, a técnica efetivamente já está consolidada no meio jurídico,e em muitos aspectos de forma construtiva.

Resta, porém , o cuidado de mantê-la apenas como instrumental nabusca rápida pela Justiça, e não como impositora de normas que garantama ordem do Estado em detrimento do cidadão.

4. As relações transnacionais

O emprego da técnica jurídica como forma de sujeição do indivíduoao Estado, ganha contornos ainda mais complexos quando se observa quo conceito de soberania, há muito está relativizado, em face da existêncide interesses que ultrapassam um simples território.

ampouco tais questões limitam-se apenas às relações internacionaisresolvidas em sua maior parte através de ratados ou ConvençõesInternacionais, que não restam dúvidas, já se caracterizam como umcaminho para a busca de reais soluções.

Ocorre que há problemas mais abrangentes, e ao mesmo tempocomuns entre várias Nações, e que dependem de um diálogo entre osEstados envolvidos, de modo a evitarem-se decisões conitantes; e acimde tudo com a nalidade de que se alcancem soluções favoráveis a todos

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rata-se de um relacionamentotransnacional , isto é, além dos limitesdos Estados; expressão utilizada em especial por Philip Jessup (1965), qua associa à jurisdição; e que diz respeito às interações regulares entre oEstados, ou até mesmo entre particulares e organizações não governamentaisempre que se envolvam situações de interesse da Humanidade.

Estas situações tendem a se tornar mais frequentes ante ao fenômenoda globalização econômica, à velocidade das relações entre os Estados (amesmo pelo uso das técnicas, que permitem as transações eletrônicas) e conseqüente preocupação com o desenvolvimento sustentável e o meioambiente.

4.1. O desenvolvimento sustentável

O direito que as futuras gerações têm a um meio ambiente sustentávelconsta das Constituições Federais de diversos países europeus, africanosamericanos; e está em consonância tanto com a Conferência das NaçõeUnidas sobre Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo de 1972,quanto com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, na Declaração do Rio de Janeiro de 1992.

em em todas as Nações um conceito semelhante ao que vemexplicitado nocaput do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, queassim determina:

odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bemde uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lopara as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1990).

Logo, o objetivo de tal princípio é justamente a manutenção doequilíbrio destes fatores nolugar onde se vive , eis que a palavraEcologia tem origem no grego “oikos”, que signica casa, e “logos”, estudo, reexã; coma nalidade de propiciar uma sadia qualidade de vida.

Esta condição é periodicamente aferida pela Organização das NaçõesUnidas, que faz classicações entre os Estados, no que diz respeito a esquestão.

Observe-se ainda que o conceito de bem de uso comum do povose relaciona a todos os bens que integram o meio ambiente (água, solo, e

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ar, dentre outros); de onde se deduz que não pertençam ao Estado ondese localizam, mas sirvam para satisfazer a necessidade de todos os sehabitantes; ou melhor, dependendo do tipo de bem natural, servem para asatisfação de todos os Estados (ou ao menos mais de um deles).

Analisando-se cuidadosamente tal denição, pode-se chegar aomenos a três conclusões: em primeiro lugar que em uma visão menosantropocêntrica, as necessidades respeitadas, deverão ser a de todos oseres vivos, e não só as do homem. Verica-se ainda que o Estado assumuma função de mero gestor de tais recursos, e não de seu proprietário. Enalmente, a questão mais importante: a utilização de tais recursos deverser eqüitativa, isto é, visando um em equilíbrio de interesses, de modoque cada usuário se utilize dos recursos naturais de acordo com as suanecessidades; porém sem causar danos ao outro.

O uso deverá então ser justo e razoável, no sentido de ser efetivadocom bom senso e ponderação, isto é, sem a diminuição sensível daquantidade ou qualidade de tais recursos; para que haja otimização, ouseja, busca do melhor resultado em tal utilização.

A conjugação de tais circunstâncias levará à sustentabilidade, nosentido de que os recursos possam continuar a existir, ou melhor, sejamduradouros para as gerações futuras.

4.2. Os mecanismos de cooperação entre os Estados

Mas como aplicar tal sustentabilidade ante um mundo globalizado?Para a maioria dos doutrinadores, o caminho passa pela cooperação

entre os Estados:

O Direito Internacional, no século XX, adquiriu conotação diferenciadaem relação aos séculos anteriores: transformou-se de um complexo denormas de autolimitação dos Estados (portanto, de natureza proibitivaquanto à atuação dos Estados nas relações internacionais), em umconjunto de normas que estabelecem deveres positivos aos principaisatores da cena internacional. De normas que regulavam tão-só osconfrontos entre Estados, o Direito Internacional ganhou novo valorde, igualmente, regular a cooperação entre eles, estabelecida esta comoum dever, de natureza impositva, ou em outras palavras, transformou-

se de um direito de autolimitação em um direito de solidariedade (na

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terminologia dos autores dedicados aos Direitos Humanos, “um direitode terceira geração”). (SOARES, 2003, p.904).

Na mesma direção, a Profa. Márcia Brandão Carneiro Leão (2002),que entende que hoje se processa um desequilíbrio sócio-ecológico nomundo; posto que se no mundodesenvolvido há perda progressiva dosentido da vida (usinas nucleares, lixo); no mundo em desenvolvimento já uma degradação generalizada da vida (subnutrição, ausência de águpotável).

Há, pois, em sua visão, uma necessidade de mudanças, com vistasà cooperação internacional e desenvolvimento sustentável; onde os paísedesenvolvidos por seu turno, se abstenham um mínimo dos interesses

econômicos para a promoção do bem estar das presentes e futuras geraçõee em prol da cooperação internacional.Deverá ainda ocorrer um fortalecimento das Organizações não

Governamentais (ONGs), e a participação de diversos setores da sociedadcivil, além dos Estados; com busca de novas condutas em prol dodesenvolvimento sustentável, sempre através da cooperação.

Portanto, somente através da cooperação entre os Estados,Organismos Internacionais e Organizações não Governamentais (ONGS);

há uma real possibilidade de regulação transnacional, como o objetivo dmanter-se não só a sustentabilidade, mas o equilíbrio entre os povos, noque se refere à discussão de questões que dizem respeito à Humanidade.

4.3. A cooperação Transnacional e a técnica jurídica

Ora, se for aplicado o tecnicismo jurídico também para as relaçõestransnacionais, e deste modo, houver apenas a construção de normas quesujeitem os indivíduos, como forma de garantia da ordem e segurança; acooperação internacional tornar-se-á inútil e desprovida de interesse.

Em primeiro lugar, qual dos Estados poderá impor sua própriavontade, construindo uma norma jurídica que sujeite os demais?

O que será feito do conceito de soberania?Como escolher qual bem será mais relevante para a Humanidade,

sem que haja participação dos habitantes do planeta ? Caberia apenas um

classicação tecnicista?

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Muitas perguntas se tornariam ainda mais difíceis de se responder (doque já são),de onde se conclui que o pensamento de Jacques Ellul caminhna melhor direção: a técnica deve auxiliar o Estado e contribuir para aobtenção da Justiça (não da ordem e segurança), de modo que os anseiosociais sejam atendidos e este Estado sirva ao homem e não o inverso.

ransportando-se tal assertiva para as relações transnacionais,observa-se que somente a cooperação entre os Estados e a participaçãsocial poderão levar a um mundo melhor e mais sustentável:

A inserção de um princípio – abrangente e prospectivo – comoa responsabilidade ambiental entre gerações pode ser motivo decrítica, pela diculdade de sua implementação. A razoabilidadee a proporcionalidade hão de ajudar na fundamentação dos atoslegislativos, administrativos e jurisdicionais, para evitar arbitrariedadesNão se pode negar merecimento de um mandamento constitucionalque não permitirá mais a ausência de um balanceamento dos interessesdas gerações, onde num prato da balança estará a geração dos que, pornão poderem falar ou votar, nem por isto são menos amados ou menosimportantes. (MACHADO, 2007, p.126).

Como bem destacou o Prof. Paulo Affonso Leme Machado nestetexto, ainda que de forma dicultosa, somente princípios de cooperaçãoe responsabilidade ambiental poderão encaminhar as Nações para odesenvolvimento sustentável; devendo de todo, serem afastadas normatecnicistas e impositivas.

5. Conclusão

A questão de quanto o Direito e a Justiça podem seguir a mesmadireção, e acima de tudo de quanto o Direito deva mesmo ser construídocom a nalidade primordial de atingir a Justiça, há muito é debatido entrelósofos e juristas.

O grande trabalho de Jacques Ellul foi o de traçar um paralelo entre Justiça e técnica jurídica, e demonstrar que enquanto o primeiro conceitonão pode ser diretamente mensurável ou previsível; o segundo destina-sestruturar princípios jurídicos de forma harmônica, dentro de um sistema

supostamente coerente.

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Além disto, a técnica jurídica tem por objetivo primordial tornar oDireito ecaz no sentido de promover a ordem e a segurança; colocando-sassim, o Direito a serviço do Estado, ainda que em sacrifício da Justiça.

Nesta direção, o Direito Natural é repelido e os anseios sociais

são afastados, relegando-se a técnicos jurídicos a capacidade de escolhaquilo que é melhor para osistema , de modo que o homem não possa vir aperturbar o seu funcionamento.

Consequentemente, não há mais norma legal de oposição ao Estado,que deixa de ser responsável por desenvolver os anseios coletivos, e voltaapenas para impor sua própria vontade.

O homem já não é mais a preocupação central do Direito, nemtampouco a moral e a opinião pública são relevantes.

As questões históricas e losócas passam a um segundo plano eapenas o que se destaca é preponderância da técnica, não mais utilizadapara o domínio do homem, mas sim para sua sujeição.

Deste modo, a própria educação deixa de ser crítica para voltar-sea um tecnicismo exagerado, e que justique ainda mais a imposição denormas que façam prevalecer a ordem e a segurança.

Ora, em um panorama onde as relações internacionais, ou melhor,transnacionais têm sido permanentemente discutidas, como permitir que atécnica estabeleça o limite do Direito e por consequência da Justiça?

Em um mundo voltado para o desenvolvimento sustentável, há apossibilidade de tecnicamente estabelecer-se o que é mais convenientpara a Humanidade, e a ela tentar impor vontades, em desrespeito a seuspróprios anseios?

ome-se por exemplo o Direito Ambiental, e a utilização dosrecursos naturais essenciais para a própria vida: efetivamente é necessário

estabelecimento de algumas normas que regulem tal utilização.Mas a construção de tais normas, perspassa muito mais pelo diálogoe utilização de princípios, tais como o do seu uso equitativo e razoável; dque por imposições técnicas que em nada trariam de ordem e segurançaem especial quando abrangendo vários Estados.

Aliás, muito para além das regras, a cooperação internacional,através de ratados e Convenções, ou princípios e debates onde serevele uma verdadeira transnacionalidade; demonstra-se essencial para

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estabelecimento de critérios para um meio ambiente voltado para as atuaie futuras gerações.

Mas se algumas normas forem criadas, tais como áreas de proteçãoou até tombamento de alguns bens, estas deverão emergir de um consenso

entre as Nações e não de uma imposição tecnicista.Isto vale para qualquer campo que envolva Direito e Justiça.O brilhantismo desta obra de Jacques Ellul está, pois, em demonstrar

o quanto a técnica deverá estar a seviço da Justiça, e o quanto o Estadoestá a serviço dos homens; e não o contrário, como quer o tecnicismo jurídico.

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183 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

SEGUNDA PARTETrabalhos de Iniciação Científica

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185 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

APRESENTAÇÃO

A Iniciação Cientíca é atividade com prestígio em alta em nossas

universidades, trata-se de incentivar nos jovens, já desde os primeiros anodos estudos universitários, o gosto pelo estudo e pela pesquisa, seguindo abalizas da metodologia cientíca.

Esta atividade além de contribuir na formação intelectual dosestudantes ajudando-lhes a desenvolver o pensamento reexivo e acapacidade crítica, também é um instrumento útil para descobrir vocaçõepara a carreira acadêmica o que redundará em que jovens mestres e doutorepoderão antes cedo do que tarde empreender as ações que a sociedade

precisa para promover o bem comum em nosso País.Os trabalhos de Iniciação Cientíca, a seguir apresentados foramelaborados no âmbito das atividades anuais do Grupo de Estudos ePesquisas sobre Jacques Ellul, da Faculdade de Ciências e Letras dUniversidade Estadual Paulista (Campus de Araraquara), passando pelaseguintes etapas.

Leitura coletiva, em encontros semanais, do livro de Jacquesi.Ellul, “A écnica e o Desao do Século”, Rio de Janeiro: Paz e

erra, 1968.Redação e apresentação dos textos nas reuniões internas doii.Grupo Ellul. Aprimoramento e apresentação dos textos no 1° Ciclo deiii.Seminários de Administração Pública na Semana de AdministraçãoPública – SEMAP, no mês de setembro de 2008.Correção e apresentação dos textos no I Seminário Brasileiroiv.

Sobre o Pensamento de Jacques Ellul, na Universidade Metodistade Piracicaba, no mês de setembro de 2008.Revisão geral para publicação.v.

De sorte que estes trabalhos são o resultado de reexão e debate e deum primeiro esforço de cada um desses alunos no sentido de elaboração dum texto com caráter cientíco.

Além das naturais diculdades em trabalhos deste tipo, cada umdeles teve que se planejar para debruçar-se sobre o livro de Ellul e sobr

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A QUESTÃO DO ENTRETENIMENTO NASOCIEDADE TÉCNICA

Fabíola de Souza CARVALHO 1

Jorge BARRIENTOS-PARRA 2

RESUMO: com base no livro de Jacques Ellul,A técnica e o desafio do século , a autoradescreve as diversas técnicas utilizadas no âmbito do entretenimento. Extenuado pelo traestressado pelo ritmo da vida moderna o homem contemporâneo vive em um ambiente qlhe fornece tempo para ter um descanso mental. Assim, no entretenimento a técnica fucomo um contraveneno, um remédio para as aflições humanas, inclusive na criação de através do consumismo. Tanto no capitalismo, como no socialismo, sofisticadas propainduzem crianças, jovens e adultos a comprar o que será descartado daqui a pouco, porqusonhos de consumo serão artificialmente criados.

PALAVRAS-CHAVE: Soc edade técn ca. Entreten mento. C nema. Rád o. TePropaganda. Consum smo. Al enação.

Introdução

Jacques Ellul (1968) em seu livro A técnica e o desao do século faz umestudo sobre as técnicas utilizadas nos diversos tipos de entretenimentoanalisando também o comportamento das pessoas envolvidas nessecírculo.

Neste trabalho abordarei de forma introdutória esse mesmo tema,mas com uma ótica voltada para os dias de hoje. Nesse contexto as técnicas1 Aluna do 2. ano do curso de ADM da FCLAr. Part c pante do grupo de estudos Jacques Ellul.2 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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dos computadores. O homem se depara com os conitos que o lme lheapresentou. Não se trata de sua vida, mas da vida dos personagens. udoaquilo que causava sofrimento e angustia, torna-se irreal e não gera maidor.

Nos divertimentos a técnica funciona como um contraveneno,um remédio para as aições humanas. Por exemplo, durante a noite pai,mãe e lhos reúnem-se frente à televisão, todos cam ali concentradoe envolvidos na trama apresentada pela novela, se o clima familiar nãoesta bom, a fala dos personagens quebra o silêncio, porém, não há diálogintra-familiar. A novela mascara a realidade criando a ilusão de bem estaFrustrações, ressentimentos, anelos e desejos são sublimados projetando-na vida idílica dos personagens. Assim esses meios nada mais são do quuma nova máscara, utilizada para se esconder, porém ao mesmo tempo quoculta, essa mascara também aliena no sonho de interagir com tal ou quapersonagem fascinante pela sua beleza e virtudes.

Algumas pesquisas revelam que o ouvido é a grande falha do homemaquela pela qual ele percebe o silêncio dos espaços innitos. Aqueles qufazem os programas de televisão sabem disso, dessa forma, organizam programação para preencher o vazio, o abandono da sociedade e delesmesmos. É um serviço que compensa os dramas de família, os transtorno

sociais, o tédio de viver.Cada vez mais as pessoas, principalmente os jovens, cam dependentedas máquinas de entretenimento. O computador é um exemplo que ganhacada vez mais força na sociedade atual. Crianças pequenas já são seduzidpela internet. Muitas vezes os próprios os pais estão convencidos de que melhor enfrentar o menos palpável risco virtual no aconchego do lar, doque a incerteza e insegurança das ruas. Assim as crianças, são literalmenabandonadas aos jogos e sites de relacionamento. A internet fornece a

técnicas necessárias para criar seus melhores amigos virtuais. E caso vonão tenha um computador em sua casa, esse será encontrado facilmentenas dezenas delan houses espalhadas pelas cidades. Não há mais contatohumano, não há mais diálogo. O que ca é um ser alienado e ensimesmadoque se refugia no divertimento e na tranqüilidade momentânea que astécnicas lhe fornecem.

Porém é na criação de sonhos através do consumismo que estasociedade do desperdício alcançou a sua máxima expressão. É necessár

criar a necessidade nas pessoas para que consumam, produtos dos quais nãprecisam. Assim no capitalismo e no socialismo, são elaboradas sosticad

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propagandas que induzem crianças, jovens e adultos a comprar o que serdescartado daqui a alguns meses, porque novos sonhos de consumo serãoarticialmente criados.

Hoje ir às compras virou o maior divertimento para indivíduos de

todas as classes. Melhor ainda quando essa atividade é feita em grandeespaços reluzentes, longe da luz do sol e longe das intempéries e dainsegurança da vida moderna. Nessas doces horas o indivíduo inebriadoe conformado pelo meio articial compra os produtos que lhe trarãosensação de realização e plenitude até chegar a fatura ou até ver a próximpropaganda.

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Referências Bibliográficas

ELLUL, J. A técnica e o desao do século. radução e prefácio de RolandCorbisier. Rio de Janeiro: Paz e erra, 1968.

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2o objetividade: ao contrário da arte, a aplicação da técnica pode serrealizada por qualquer um, desde que se tenha um conhecimento sobre amesma. Ela se desprende do subjetivo.

3o permanência: a técnica mostra-se presente na sociedade ao longo

do tempo e independente da vida de um único individuo.Não podemos, portanto, esperar a intervenção de grandes homens ouações esporádicas para o surgimento de inovações. É preciso um controlsobre as ações do homem, prevendo, calculando e agindo de acordocom as regras. al controle pode ser realizado quando compreendidos omecanismos de comportamento, e assim, manobrá-los à vontade.

Um fato importante que caracteriza a passagem da arte para o técnicoé a introdução das ciências exatas (matemática, sociometria, biometria

entre outras). E por basear-se em ciências apenas humanas, a psicologiencontrou diculdades em suas elaborações técnicas.Outro aspecto é o espírito de experimentação técnica, particularmente

notável no exército. O isolamento do indivíduo da sociedade favorece aformação de uma nova personalidade, pois está separado do seu quadrohabitual. Assim, essas experiências servem para um duplo m: transportapara a sociedade as marcas que receberam. Pode-se, assim, agir sobre população por intermédio do exército.

Atualmente a coordenação das técnicas transformou-se em sistema.Uma mesma técnica poderá intervir em diferentes planos. A técnicapsicanalítica, por exemplo, pode interferir na propaganda ou numaorientação prossional.

II. A técnica da propaganda

A propaganda é um novo e mais complexo circuito das técnicas dohomem. Esta põe em ação técnicas de diversas naturezas e o termo que odesigna ainda é muito limitado, pois supõe uma ação de massas e tambémuma ação individualizada.

O primeiro passo é, então, entender a conjunção de duas categoriasde técnicas que dão origem a propaganda. A primeira é o conjunto detécnicas mecânicas (imprensa, rádio, tv, internet) que são meios diretosde comunicar-se com um grande número de pessoas e, ao mesmo tempo,

atingir individualmente cada uma delas, utilizando-se do poder de persuasãe de pressão intelectual e psíquica. A segunda é o conjunto de técnica

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psicológicas e psicanalíticas, que permite atingir o coração das pessoacom precisão e agir sobre ele com segurança. E como esses domínios suniram?

Evidentemente, essas técnicas não se limitaram apenas ao

divertimento e por isso, puderam demonstrar sua profunda inuencia doponto de vista sociológico. E desde que penetraram no mundo político,não tiveram mais apenas a função de informar, mas também de convencerNenhuma informação é puramente objetiva. Além disso, a publicidade/propaganda política se torna mais complexa, pois trata-se de fazer nasceuma convicção intelectual, e na comercial, provocar reexamente umaresposta: a compra.

O segundo ponto a ser estudado é como são utilizadas as direções

dessa técnica????. Inicialmente e em grande escala, o reexo condicionada medida e provocação dos reexos, a redução da doutrina até a imagem ecriação dos reexos, sejam eles espontâneos ou por meio de uma educaçãrigorosa.

Como exemplo desses reexos, os EUA zeram com que os homensparticipassem da guerra sem se sentir presentes nela. Isso só pode seconseguido através da pressão exercida pela propaganda. E assim como eoutros casos, tudo converge para o mesmo ponto: os meios assumem tal

magnitude que o homem nem percebe mais. Deve atuar o quanto menospelo choque ou inibição. A repetição indenida das mesmas ligações, damesmas imagens e ruídos basta para a absorção.

Outro fator possível é a utilização do ressentimento e do ódio,apontando o adversário como o autor de todos os males como o zeramos nazistas com o judeu e os comunistas com o burguês. Explorando anecessidade latente em cada indivíduo de um bode expiatório para suaautojusticação.

Com a ação da propaganda, ocorre um fenômeno de transferênciapsicanalítica assumindo o lugar do psicanalista e separando os quesão absolutamente bons dos maus. E quais as conseqüências dessasmanipulações? Ainda não é possível discerni-las completamente, pois aindestão em funcionamento e são recentes demais para que possamos observasuas verdadeiras conseqüências. E quando, de fato, tiverem aparecidonão as reconheceremos, porque estaremos absorvidos, indiferenciadosmanipulados que não saberemos mais como era o homem anteriormentePorém, alguns efeitos já nos parecem claramente determinados: a

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eliminação do espírito crítico pelas paixões coletivas, bem diferentes daindividuais. Não existe espírito crítico coletivo, ao passo que a paixãoprovocada pela técnica atingiu igualmente a todos. É mais um resultadodesse poder técnico: a inteligência humana não pode resistir à manipulaçãdo subconsciente.

Ao mesmo tempo, vemos a criação de uma boa consciência social,em que cada um tem a convicção de ser bom, justo e estar na verdade. E acriá-la, o individuo não pode jamais dispensá-la, tornam-se dependentesdela. A partir do momento em que a técnica deixa de distribuir essa boaconsciência, o individuo deixa de ser justicado e cai em neuroses.

Coincidindo com esse fato, a propaganda cria um novo sagrado, todauma categoria escapa à crítica, ou seja, um domínio sagrado se constitu

em face de um profano.Uma segunda conseqüência da aplicação dessas técnicas, e nãomenos importante, é a disponibilidade das massas. rata-se de um processde vacuidade do individuo, disponibilizando-o em todas as solicitações Assim, a propaganda tem muito menos necessidade de ser fundamentadaracional.

Devemos então distinguir dois tipos de propaganda: a deprofundidade, que põe as massas em disponibilidade, fascina, enfeitiçae a que é precisa e menos intensa, temporária e às vezes contraditória (àvezes são necessários movimentos contraditórios das massas), operanduma simples pressão.

Isso tudo gera uma terceira conseqüência: são levados a umarepresentação que não esconde a realidade, mas para os homens, é maiverdadeira que a própria realidade. Repousam em informações que tempor nalidade formar e não informar.

Assim o homem tem meios cada vez mais poderosos, mas age emum sonho, procurando atingir ns diferentes dos que realmente atingirão;esses últimos conhecidos apenas pelos manipuladores do subconscientdas massas.

Um tema atual que tem sido muito polêmico é a questão dapublicidade infantil. Em muitos países com uma tradição liberal muitomais sólida que o Brasil, como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália, Suécia, Itália e muitos outros, a publicidade direcionada acrianças já é regulada há muito tempo, sem traumas para o mercado e commuitas vantagens para os espectadores. A tendência internacional atual

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a da regulamentação (e mesmo a proibição) de publicidades ligadas aoproblema da obesidade. O risco dessa mudança de foco – dasubjetividade para aobesidade – é o da perda de uma série de conquistas aparentes quantoaos efeitos na formação da personalidade das crianças, que é a criação dum ser eminentemente consumista.

Um dos pontos mais importante em algumas regulamentaçõesé o que se preocupa com o “nag factor ”; trata-se daquele efeito geradopela publicidades de levar a criança a insistir muito com os pais para qucomprem um determinado produto, e se o pai não quiser – ou não pudermesmo – atender ao pedido, passa a ser um vilão. A gura do herói cacondicionada à compra do produto; e se o pai de um coleguinha comprar,aí ca mais grave ainda. Mas o pior de tudo, principalmente entreadolescentes, é que tal inuência poder levar à violência, como o roubo dum tênis ou uma bicicleta.

O problema é que em uma realidade mais voltada para a corporocraciado que para a democracia existe aquela máxima de que “em time que estganhando não se mexe”. A questão é que o time que está perdendo é o dasociedade, sempre se adequando às lógicas do lucro máximo a qualquepreço. Neste caso especíco, o preço é a formação de indivíduos, nãoapenas futuros consumidores, mas futuros cidadãos.

Cabe, por último, dizer que nem todas as democracias agem comtoda a potencialidade na propaganda. Umas porque não são bastante ricasoutras, utilizam senão parcialmente, em certos períodos, de guerra, porexemplo, e em certos setores. Isso não se deve a vontade das democraciamas ao fato de a necessidade da técnica não se ter imposto.

Quando o domínio do mundo tornar-se inevitável, o uso das técnicastambém serão. Os príncipes não as negarão, pois além de instrumentosecazes, não choca com nenhum sentimento humanitário. odavia, quando

as massas se acostumam com essa prática, é impossível voltar atrás.

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III. Conclusão

Nessa análise pudemos ver a interferência que a técnica vem exercendno homem ao longo dos tempos. Pudemos ver que não se pode mais vivesem a tecnização e estamos cada vez mais compenetrados, inuenciadosdominados por ela.

No âmbito da mídia, já perdemos o controle total que nos pareciaque tínhamos. Hoje, não sabemos mais qual a verdadeira realidade queestamos vivendo.

Quanto mais se desenvolve o aparelho que nos permite escapar àsnecessidades naturais, mais nos submetemos às necessidades articiais.

É um sistema que se elaborou como intermediário entre a natureza eo homem, mas esse intermediário está tão desenvolvido que o homemperdeu todo o contato com o quadro natural e só tem relações com essemediador feito de matéria bruta. enclausurado em sua obra articial,o homem não tem nenhuma porta de saída, não pode transpô-la parareencontrar seu antigo meio, ao qual está adaptado há tantos milharesde séculos. (Ellul, 2004, p.9).

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Referências Bibliográficas

ELLUL, J.Le Système technicien. Paris: Le cherche midi, 2004.______. Le bluff technologique. Paris: Hachette, 1988.______. A técnica e o desao do século. radução e prefácio de RolandCorbisier. Rio de Janeiro: Paz e erra, 1968. A PUBLICIDADE para crianças deve ser proibida? Jornal de DebatesDisponível em: <http://www.jornaldedebates.ig.com.br/debate/publicidade-para-criancas-deve-ser-proibida>. Acesso em: 05 jun. 2009.REBOUÇAS, E. O controle social sobre a publicidade infantil.RevistaEletrônica de Jornalismo Cientíco, Campinas, n. 82, 10 nov. 2006.

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201 Anais do I Seminário Brasileiro sobre o Pensamento de Jacques Ellul

O ESPORTE NA SOCIEDADE TÉCNICA

Fabiana Tomé UIEDA 1

Jorge BARRIENTOS-PARRA 2

RESUMO: Neste artigo a autora analisa o esporte moderno numa perspectiva ellulia Analisa primeiramente a gênese e o desenvolvimento do esporte que está intimamenteà industrialização. Enfatiza a seguir diferença existente entre o esporte amador e o profissional. No primeiro em que o mais importante seria o jogo, a alegria, o contato natureza, a improvisação e a espontaneidade. Tudo isso se apaga no esporte profissionalse busca a eficácia através de técnicas rigorosas. Analisa por último a questão da influêesporte na sociedade. Conclui apresentando a deformação do esporte na moderna soctécnica em que o esporte-espetáculo busca apenas ídolos e lucro.

PALAVRAS-CHAVE: Soc edade técn ca. Esporte moderno. Esporte-espetáculoÍdolos. Lucro.

1. IntroduçãoO esporte moderno é um objeto de estudo na esfera social

bastante recente. Nesta pesquisa trataremos brevemente as inuências transformações ocorridas na sociedade em conseqüência da tecnização d

esporte, baseado na obra A técnica e o desao do século, de Jacques Ellul(1968).

1 Aluna do 2. ano do curso de ADM da FCLAr. Part c pante do grupo de estudos Jacques Ellul.2 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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2. Gênese e desenvolvimento do esporte

Durante muitos anos o termo esporte, foi usado para designar umavariedade de passatempos e divertimentos.

Posteriormente, passou a ser entendido como um termo quedesignava formas especícas de recreação na qual o desempenho físicdesempenhava fator principal, com a presença de regras para manter adisputas sob controle. Estas atividades se desenvolveram primeiramente nInglaterra e a partir daí se espalharam por todo o mundo.

A difusão a partir da Inglaterra de modelos de produção industrial,de organização, de trabalho e das formas de ocupação do tempo livre dotipo conhecido como esporte foi notável. Ele passou a ser considerado

como uma conseqüência ou produto do processo de civilização que asociedade européia começou a sofrer a partir do século XV.

3. O Esporte amador

No esporte amador, o indivíduo está ligado à atividade de lazersem a necessidade de aprofundados conhecimentos. O que vale aqui é ocontato com o ar e a água, é desfrutar a natureza com espontaneidade eimprovisação. A prática do esporte é feita com prazer, com alegria, semcompromisso e cobranças. Objetiva-se apenas o divertimento, a harmoniaa convivialidade. Sobretudo é uma atividade gratuita, isto é, sem objetivode lucro, nem de rendimento. Não há a obrigação maquinal da vitóriaa tudo custo. Não a cobrança totalitária das torcidas, nem a submissãoao valor ecácia, aos tempos recordes, a ditadura dos treinamentos e atécnicas mecânicas, químicas, biológicas ou psicológicas para alcançar alrendimento.

4. O Esporte profissional

Na segunda metade do século XX, notadamente entre 1950 e 1990,o esporte é sacudido por uma nova realidade. A concepção do “IdeárioOlímpico” e sua máxima de “o importante é competir” saem de cena.

A simples prática esportiva deixa de ser relevante, pois o que

importa é o rendimento, o resultado. Inicia-se um rápido processo deprossionalização dos atletas, alçados à condição de estrelas da mídia

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heróis nacionais. Inicia-se uma corrida em busca de títulos e recordesNo caso do esporte de alto rendimento, percebe-se o avanço da lógicamercantilista. Provas, partidas e torneios são espetáculos; atletas, produtoem exibição, que mobilizam a mídia e o público.

O homem se submete a técnica de tal forma que, torna-se comum ouso de substâncias ilícitas que ajudam a melhorar o desempenho físico datleta a custas da sua saúde, conhecido comodopping .

O papel do Estado também se altera e ele passa a investir emações para melhorar o desempenho dos atletas de alto rendimento emcompetições nacionais e internacionais e promover a imagem do País noexterior, a partir da implantação de centros de treinamento e modernizaçãode centros cientícos e tecnológicos para o esporte.

Ganhar medalhas passa a ser um questão de Estado, lembremosque nos tempos da guerra fria os Estados Unidos e a União Soviética seboicotavam mutuamente para ganhar a guerra das medalhas que indicariapara o mundo qual seria o País mais “desenvolvido”. Hoje superada ess“guerra ideológica”, o esporte passa a ser cada vez mais deformado peincidência de grandes corporações nanceiras a procura de lucros. Nofutebol, por exemplo, muitos clubes passaram a ser sociedades comerciaiNa Europa, vários deles já são cotados em bolsa. Daí que seja chocante

ver fanaticos torcedores literalmente morrendo pelo clube e pela camisenquanto dirigentes e jogadores se movem somente por dinheiro. É osummum da alienação? Não, apenas a realidade do esporte na sociedadetécnica.

5. Influência na sociedade

O esporte interfere diretamente no comportamento da sociedade. János referimos ao comportamento violento das torcidas, que daria um belotema de pesquisa, porém não é o nosso objeto aqui.

Pensemos ainda na inuência ou imposição padrões de beleza ea busca doentia por corpos vigorosos, torneados e aptos para um bomdesempenho. Outro fato é que as pessoas passam a associar a imagem datleta a grandes ídolos do País e optam pelos mesmos esportes que estessem considerar suas próprias (in)habilidades e ou (in)capacidades.

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Surge também o desenvolvimento de produtos (roupas, suplementos,aparelhos) especialmente feitos para melhorar a performance do atleta nascompetições e toda uma gama de negócios associados.

6. Conclusão

O esporte foi inventado para ser uma brincadeira, na qual as pessoasse envolveriam no tempo de ócio. No entanto, ele se deformou tanto nospaíses capitalistas como nos socialistas em virtude do desenvolvimenttécnico. Foi transformado em um fenômeno de massas e virou esporte-espetáculo. Perdeu-se o encanto e o prazer da prática espontânea e semcompromissos. Agora na sociedade técnica o fundamental é a organizaçã

de campeonatos que dêem lucro e para isso é necessário a busca da ecácida performance , de recordes e da formação de atletas de alta competitividadeque serão alçados como ídolos que devem ganhar sempre. Já a massa serconduzida e induzida pela mídia a “adorar” seus novos ídolos, enquantoisso os dirigentes correrão atrás dos lucros.

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Referências

ELLUL, J.Le bluff technologique. Paris: Hachette, 1988.______. A técnica e o desao do século. radução e prefácio de RolandCorbisier. Rio de Janeiro: Paz e erra, 1968.GIOVANNI, G. di. Mercantilização das práticas corporais: o esporte nasociedade de consumo de massa.Revista Gestão Industrial, Ponta Grossa,v.1, n.1, p.146-155, jan.-mar. 2005.PRONI, M. W.; LUCENA, R. F. (Orgs.).Esporte: história e sociedade. Campinas, SP: Editores Associados, 2002.

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A PROPAGANDA NA VISÃO DE ELLUL

Max L. B. FERRARI 1

Marília G. ARANTES 2

Jorge BARRIENTOS-PARRA 3

RESUMO: Neste artigo os autores desde uma perspectiva elluliana inicialmente definepropaganda e pesquisam os seus antecedentes históricos. Descrevem a seguir quais sãocaracterísticas na sociedade contemporânea como resultante da conjunção de categoriasmecânico-eletrônicas e psicológicas, examinando as suas características externas e Relac onam depo s as cond ções a que está suje ta, a saber: soc ológsociedade ao mesmo tempo de massas e individualista; existência de uma opinião púba existência de meios de comunicação de massas) e condições objetivas em relação ao(um certo padrão de v da; que o homem possua uma cultura méd a; a pree a existência de informação que é a matéria prima da propaganda). Descrevem os tipropaganda. F nal zam com a reflexão de Ellul sobre nformação e propinterpenetração e as suas implicações para a democracia.

PALAVRAS-CHAVE: Soc edade técn ca. Propaganda. Me os de comun caçCap tal smo. Massa. Man pulações ps cológ cas. Cond ções soc ológ cOp n ão públ ca. informação. T pos de propaganda. Democrac a.

1. Introdução

A propaganda não é apenas uma técnica especíca, mas um complexofenômeno sociológico que sobrevive e tem sua ecácia potencializada peestrutura que a sociedade de massas contemporânea lhe proporciona.

1 Aluno do 2. ano do curso de ADM da FCLAr. Part c pante do grupo de estudos Jacques Ellul.2 Aluna do 2. ano do curso de ADM da FCLAr. Part c pante do grupo de estudos Jacques Ellul.3 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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para a Propagação da Fé, que era uma comissão de cardeais encarregada dmissões estrangeiras da Igreja Católica.

As técnicas de propaganda foram cienticamente organizadase aplicadas pelo jornalista Walter Lippman5 e pelo psicólogo Eduard

Bernays6

, no início do século XX.Durante os conitos bélicos do século passado, a propaganda foimuito utilizada como arma de guerra, quando mentiras, subterfúgiospolíticos e histórias de atrocidades foram inescrupulosamente empregadana tentativa de inuir em seus desfechos.

Após o término da 2° Guerra Mundial, no período denominadoGuerra Fria, o uso da propaganda foi uma política de Estado no sentido deprojetar ao mundo uma determinada proposta de sociedade. Estavam em

disputa dois projetos: o Socialista, hegemonizado pela URSS e o Capitalisthegemonizado pelos EUA. anto os soviéticos como os norte-americanozeram propaganda de seus regimes (através de lmes, programas dtelevisão e rádio) ao mesmo tempo em que difamavam o oponente.

Com a globalização, no século XXI, o homem cou solto na malhasocial e houve intensa modicação em seus referenciais de valores. Nescontexto, a propaganda entra como um dos principais moderadores dasociedade contemporânea, criando o ambiente cultural e ideológicodo homem moderno, produzindo um sentido (articial) para a suaexistência.

5 Walter L ppman fo , a part r dos anos 20, uma das pr nc pa s f guras no desenvolvEUA, um dos responsáveis pela exploração de novas técnicas de propaganda, sob o argumento de que a made populações era necessária para administrar formalmente sociedades democráticas.6Eduard Bernays parte das teor as de seu t o, S gmund Freud, e expl ca como fo possível deconsum dor. Grandes corporações usam a teor a revoluc onár a de Bernays para controlar as mentos seus inconscientes.

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4. A propaganda como produto da sociedade técnica

No que respeita ao termo propaganda, de acordo com o professorroude-Chastenet (2006, p.131), hoje se utiliza a palavra maisclean e mais

soft de comunicação. De sorte que a maior parte do que é dito por Ellul emrelação à propaganda aplica-se ao que hoje se designa como comunicação

O homem vivendo nesta sociedade técnica é imerso pelos meios decomunicação de massas em um universo mítico que o aliena do real. Desorte que a propaganda responde às necessidades fundamentais do homemmoderno que tem necessidade desta espécie de droga para fugir do seu dia dia opressivo ( ROUDE CHAS ENE , 2006, p.134).

A propaganda, como uma técnica mais complexa, resulta da

conjunção entre duas categorias de técnicas muito distintas: as mecânicoeletrônicas e as psicológicas. A primeira categoria é um conjunto de técnicas que permite a

comunicação direta com uma grande massa de pessoas e ao mesmo tempconsegue dirigir-se individualmente a cada um. Como exemplos dessatécnicas mecânico-eletrônicas temos a imprensa, o rádio, a televisão, cinema e a internet.

A segunda categoria são as técnicas psicológicas (e até mesmopsicanalíticas) que permitem conhecer as necessidades humanas e agisobre elas da forma mais adequada.

De acordo com Ellul, a propaganda possui características externase internas. As características externas referem-se ao fato da propaganddestinar-se ao mesmo tempo ao indivíduo e à massa, exigindo umacombinação de todos os meios (história, literatura, cinema), sendopermanente e organizada. Já as internas referem-se a uma propaganda cadvez mais cientica que não cria nadaex nihilo, mais reforça tendências pré-existentes. É conformista, fundada em pressupostos sociológicos e mitosociais, isto é, em imagens motoras de caráter emocional como os mitode raça, nação, progresso e liberdade. A partir de fatos exatos, tiram-sinterpretações enganadoras (ilusórias), além disso, associa fatos que nãtem nenhum nexo entre eles.

A existência da propaganda está sujeita a certas condições sociológicae a certas condições objetivas em relação ao homem.

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4.1 Condições sociológicas:

Para se expressar a propaganda tem necessidade de umai.sociedade ao mesmo tempo de massas e individualista, porquea propaganda é dirigida ao mesmo tempo ao indivíduo e àmassa. Na sociedade individualista, o homem é a mediada detodas as coisas e ele é o responsável de todos os movimentos deseu meio. Já na sociedade de massas o indivíduo, livre de velhosenquadramentos sociais, procurando a liberdade e igualdadeencontra o anonimato e a solidão. Assim a propaganda é dirigidaa este homem “massicado e solitário” do qual falava DavidRiesman (Te Lonely Crowd , 1952), reforçando seu sentimentode pertencer à comunidade e, ao mesmo tempo, a sua necessidadede auto-armação ( ROUDE CHAS ENE , 2006, p.134.).De acordo com Ellul (1990, p.119) a propaganda existeii.em função de uma opinião pública, que por sua vez existeunicamente a través dos problemas que lhe são (im)postos.“S’il y a opinion publique , c’est qu’il y a une propagande qui entraîne lacristallisation de cette opinion” . A propaganda pressupõe a existência de meios de comunicaçãoiii.

de massas7

, mediante os quais o homem moderno se expõe àpropaganda. Nesse sentido pode-se falar em cumplicidade doreceptor/consumidor da propaganda porque a atração pelosmeios de comunicação ( V, rádio, internet, jornal escrito) émaior que o medo da propaganda ( ROUDE CHAS ENE ,2006). Para roude Chastenet (2006, p.135), serianaifcrer naideologia liberal que prega que o receptor/consumidor escapa àpropaganda escolhendo um meio que esteja de acordo com suas

7 Como por exemplo: Rádio: Sugere proximidade. Nenhum outro meio de comunica-ção é tão onipresente, devido à portabilidade e ao baixo custo de aquisição. É o meioideal para se fazer algum tipo de comunicado urgente à praça.Televisão : É hoje omeio de comunicação de maior penetração nos lares. Abrange todas as classes sociais.Cinema : Gera um grande impacto visual e emocional. O cinema é um meio bastanteseletivo, pela alta penetração nas classes A e B.Outdoor : Utilizado para grandes cam-

panhas, pois, se for bem posicionado, di cilmente passa despercebido. Internet : se in-seriu de tal forma na vida humana que se tornou um importante meio de comunicação,

participando de forma ativa na organização social. A Internet está presente em todosos setores, quer políticos, econômicos, sociais e culturais das nossas sociedades.

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opiniões. Na verdade a propaganda transforma sentimentos eimpressões difusas em motivos de ação.

4.2 Condições objetivas em relação ao homem

Quanto às condições objetivas em relação ao homem, Ellul assinalaas seguintes:

O homem necessita de um certo padrão de vida, o homemiv.reduzido à miséria, escapa da propaganda;É necessário que o homem possua uma cultura média. Para Ellul,v.a leitura é a condição da existência da propaganda, ao passoque a ignorância é um meio de protegê-lo. Estudos realizadosna Alemanha entre 1933 e 1938 mostraram que nos setoresrurais mais afastados e sem rádio a propaganda nazista não tevenenhum efeito em virtude do analfabetismo; A informação é uma condição prévia para a propaganda evi.a instrução permite que ela se espalhe. É necessário superar aoposição simplista entre informação e propaganda. A informaçãoé a matéria prima da propaganda, ela é criadora de problemasaos quais pretensamente a propaganda vai aportar soluções; A propaganda exige a presença de ideologiasvii. 8, sendo que umaúnica ideologia pode dar origem a várias propagandas.

5. Tipos de propaganda

Ellul distingue diferentes categorias de propaganda: PropagandaPolítica e Propaganda Sociológica; Propaganda de Agitação e Propagand

de Integração e Propaganda Vertical e Propaganda Horizontal. Vejamosresumidamente cada uma delas segundo o resumo feito por PatrickChastenet9.

8De acordo com Ellul (apud Troude-Chastenet, 2006, p.136), entende-se por deolog a uma represemenos coerente, baseada sobre uma combinação de proposições descritivas e prescritivas.9ELLUL, 1952 apud TROUDE-CHASTENET, 2006, p.138.

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5.1 Propaganda política e propaganda sociológica A propaganda política é aquela usada pelo governo, pelos partidos e

grupos de pessoas, e que se encontra principalmente nos regimes totalitárioÉ direta, deliberada e coercitiva.

A propaganda sociológica é menos visível aproximando-se dasocialização que pode ser denida como o processo de inculcação de norme valores dominantes pela qual uma sociedade integra seus membrosde maneira difusa, inconsciente e espontânea, agindo lentamente porimpregnação. É expressa através da publicidade, cinema, comunicaçãorelações públicas, educação, serviços sociais. É parcialmente involuntárireposando sobre múltiplas atividades que agem de forma concordante parinculcar um certo estilo de vida como por exemplo o American way of

Life 10

.5.2 Propaganda de agitação e propaganda de integração

A propaganda de agitação é dentre todas as outras a mais visível emais maciça. Bastante utilizada (ao ponto de ser indispensável) em tempode guerra. Ela atua sobre a autojusticação e o ódio ao inimigo. Comopropaganda subversiva ela pode conduzir a uma crise revolucionária.

Em seu oposto tem-se a propaganda de integração. Esta é característicdas democracias ocidentais no séc. XX. É uma propaganda que tende aoconformismo. É mais ecaz na medida em que o meio ao qual se dirigeé mais cultivado, mais informado e mais abastado. Contrariamente aopinião dominante, Ellul arma que são os indivíduos mais informadosos mais suscetíveis de serem manipulados. A necessidade de certezas conduz, muitas vezes de um totalitarismo a outro em função de mudançasde ortodoxia.

10Expressão referente a um suposto est lo de v da, prat cado pelos hab tantes dos Estados Un dode modal dade comportamental desenvolv do no séc. XVii e prat cado até hoje. Durante a Guerrautilizada pela mídia para mostrar as diferenças da qualidade de vida entre as populações dos blocos capitalista e social

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5.3 Propaganda vertical e propaganda horizontal

A propaganda vertical é aquela que é ligada a um único líderindividual, e por isso torna-se mais frágil. Já a propaganda horizontal éaquela feita em grupos, sem aparentes líderes, consistente em modicar opinião do grupo por um militante ou centro irradiador que permanece nasombra. Nesse sentido é mais cientica.

Ellul nota que a propaganda mais emotiva ou passional dá lugara uma propaganda mais informativa e racional. O discurso das agenciapropagandistas hoje (agencias de publicidade) é “que o consumidor julgupor si mesmo”.

6. Informação, propaganda e democracia

Está na natureza dos seres humanos tentarem encontrar sentidono mundo que os rodeia. À procura de informação, volta-se para pais,amigos, líderes religiosos, colegas, especialistas, professores, e cada vez mpara os meios de informação social. al informação nunca é neutra e estácontaminada de juízos de valor. Mesmo a informação que aparenta ser omais neutra possível passou por um processo de seleção (o que é importantou menos importante).

Na batalha para convencer as pessoas sobre o que é relevante,irrelevante, irresponsável, desejável, aceitável, inaceitável, a “verdadeuma ameaça para a sociedade, etc., é importante compreender que osdenominados “fatos” são opiniões e não são neutros.

Alguns “fatos” e “verdades” têm um carácter sinuoso e a sua intençãoé enviesar a informação de forma a promover determinada causa. Nestecasos, estamos perante formas claras de propaganda. Contudo, a fronteiraentre informação e propaganda pode facilmente ser ultrapassada porquenada é claro nesse universo.

Para Ellul não existe democracia sem informação, porém, ao mesmotempo não existe informação sem propaganda. Assim nos encontramos como seguinte paradoxo: a democracia deve fazer propaganda para sobreviv— e qualquer governo democrático canaliza importante quantidade derecursos para comunicar seus planos e programas sejam realidade ou merintenções —. Entretanto, como o demonstrou Driencourt (1950 apudELLUL, 2006b, p.59), a propaganda é por essência totalitária no sentido

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Essa pesquisa foi realizada no âmbito das atividades do Grupo deEstudos sobre Jacques Ellul proposto pelo professor Jorge Barrientos-Parrcom o intuito de reetir sobre os impactos da técnica nas relações humane nas relações do homem com o meio ambiente.

Com a leitura e análise da obra de Ellul A écnica e o Desao doSéculo, elaboramos criticas sobre a sociedade técnica emergente. Comocaracterísticas da técnica moderna, Ellul nos apresenta: o Autocrescimentda técnica; a Unicidade; o Universalismo écnico; o Automatismo; e Autonomia da técnica sendo este último nosso objeto de estudo.

2. Apresentação

A autonomia é a condição do desenvolvimento e da ecácia datécnica. A técnica apresenta suas leis particulares e suas determinaçõepróprias, não é legal nem ilegal, nem justa ou injusta, não aceitandonenhum tipo de julgamento ou limitação. Ela se transforma em juiz damoral e em criadora de uma nova moral, sendo assim independente esegura de que nada desviará seu curso. Um exemplo são as pesquisas comcélulas tronco inicialmente consideradas imorais foram proibidas pelaLei de Biossegurança, mas isso não desviou o caminho da técnica, esta s

tornou vitoriosa e a pesquisa com células tronco acabou sendo permitida.Segundo Ellul (1968), a técnica é autônoma em relação à economiae à política, pois não é a evolução desses poderes que condiciona oprogresso técnico (este também independente das condições sociais), esim, é o progresso técnico quem provoca as mudanças sociais, políticas econômicas. O progresso técnico é independente, ele acontece em todos olugares independente da quantidade de recursos.

Vemos então que não é a necessidade externa que determina a técnicae sim as necessidades da própria técnica, com suas leis e determinaçõePortanto não são as necessidades extrínsecas do homem que determina atécnica.

A falta de limites da técnica faz com que cada vez mais o “meiotécnico” entre em conito com o meio natural. E a técnica não consegue sarmar totalmente autônoma das leis físicas e biológicas, mais sim utilizase de tais leis procurando dominá-las. Neste sentido, preleciona o autor:

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Assim, cada vez que a técnica entra em choque com o obstáculo natural,tende a contorná-lo, seja substituindo o organismo vivo pela máquina,seja modicando esse organismo de modo a que não mais apresentereação especíca (ELLUL, 1968, p.136-137).

O homem diante da técnica é reduzido como animal técnico, poisesse não mais participa do desenvolvimento técnico, ele apenas desencadeo movimento. E o objetivo da técnica é eliminar qualquer ação humana.Pois o homem é fonte de erro e imperfeição, é constantemente tentado aescolher e objeto de imprevisíveis tentações, além de ser um ser emocionque se cansa e se desencoraja; e essas características perturbam o impultécnico. Ellul dá o exemplo de um piloto de provas, que a cada vôo que elfazia a mulher tinha uma reação emocional diferente, o que o atrapalhouem sua carreira porque com isso, ele também se abalava o que inuencioem seu desempenho. Logo o homem se torna um freio ao progresso técnicoe por isso vem sendo substituído em empresas, indústrias e escritóriosO problema é que a eliminação do homem acarreta o desemprego que éresultado da substituição dos homens pelas máquinas, pois essas além dalcançarem um poder intelectual que o homem jamais terá, não são fontede imprevisão e de imperfeição.

Logo se observa que é impossível descartar o homem por completoPor outro lado, se o homem não pode ser descartado por completo, eleterá que se enquadrar à técnica, pois não há técnica possível com umhomem livre; a técnica sempre prevalecerá sobre o homem, e como já ditanteriormente, este se reduzirá a um homem técnico: sem nervosismo, amopróprio, sem reexos, preocupações ou sentimentos. erá que responder atodas as exigências da técnica e readaptar a sua força de trabalho para técnica. Isso pode ser visto nas novas prossões criadas como os cursos dgraduação na área tecnológica como por exemplo: Ciência da ComputaçãoSistemas de Informação, Processamento de Dados, criando prossionaitreinados para atender a técnica.

Além dessa imperfeição do homem em relação à técnica o ser humanoapresenta outra imperfeição inaceitável pela técnica: o ser siológico dhomem, o seu organismo, que também é imperfeito diante da necessidadetécnica. E isso dá origem a novas ciências que procuram criar o “homemnovo” adaptado a tais funções técnicas. Resolver este “problema” é o objede todas as ciências humanas atuais, como a psicologia, que hoje tem com

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um de seus estudos o stress, que é uma doença resultante do progressotécnico e desse enquadramento do homem à técnica.

O homem se angustia frente a essa mudança, pois sua natureza nãoé técnica. Nenhum valor moral ou espiritual subsiste diante da técnica

existencial do homem contemporâneo, por isso a quantidade de suicídionos países mais desenvolvidos aumenta, o que já não acontece muito empaíses menos desenvolvidos como os da América Latina, pois nesses hmais sentimento, e proximidade entre as pessoas. Um caso atual são aOlimpíadas de 2008. O nadador brasileiro César Cielo, que ganhou ouronas Olimpíadas de Pequim, chamou toda sua equipe para comemorar comele assim que saiu da piscina. Atletas de outros países não sentiam tamanhemoção como os brasileiros ao conquistarem uma medalha de ouro.Chegaram, competiram ganharam e foram embora, assim como máquinassem emoção, sentimentos e reações. Já os brasileiros se emocionaramgritaram, se abraçaram, riram.

Diante de tudo isso, o homem ca sem escolhas, tendo que se integrarà técnica de qualquer maneira, pois na sociedade atual é inadmissível quo homem pretenda escapar da técnica e tentar car só, sem se utilizardos progressos técnicos. Com a oportunidade de poder se comunicarcom outras pessoas através do computador conectado a Internet, houve

uma grande divulgação das salas de chat, e-mails e Home Pages. E nãoforam só os simples usuários que se interessaram pela Internet, as grandeempresas perceberam aí um grande canal para chegar aos seus clientes; conseqüentemente os clientes, a empresa. udo isso fez com que a Internese tornasse um meio de comunicação indispensável para qualquer empresaUma empresa que não está no mundo “virtual”, de algum modo, não podesobreviver no mundo “real” por muito tempo. O homem é obrigado aparticipar de todos os fenômenos coletivos e, sem o uso da técnica, nãoconseguiria ganhar o suciente para sobreviver, pois em termos nanceironada hoje é gratuito e, além dessa conseqüência, hoje há uma paixão peltécnica e quem não utilizá-la acaba excluído socialmente.

Encontramo-nos diante de um tudo ou nada. Se utilizarmos atécnica, deveremos aceitá-la, com sua especialidade, sua autonomia, suaregras, suas leis, e demais conseqüências que nossos desejos e aspirações nada podem modicar.

A técnica destruiu tudo o que o homem achava sagrado e mágico,

pois para a técnica, tudo exige uma explicação e ela desvendou a maioridas coisas que para o homem era misterioso e sagrado. Agora, o sagrado

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a técnica, que não respeita mais o mundo espiritual, os tabus e a mágicapois é a técnica que predomina. A técnica não aceita nenhum julgamentomoral, nem regras e nem normas, a não ser às que ela cria. udo o queela faz é permitido. Antigamente se nossos antepassados se curassem dalguma doença perigosa, e se salvassem da morte, era porque Deus tinhabençoado, Deus quis assim, Deus ajudou. Agora todos nós sabemos queisso não é verdade. A ciência que está por trás disso, não é milagre e simresultados de inúmeras pesquisas e estudos.

Mas o mistério e o sagrado são necessidades da vida humana e é atécnica que se tornou para o homem o mistério essencial, o sagrado, umídolo, um Deus que salva.

Ellul diz que a necessidade da natureza não existe mais, o que faz

com que a necessidade da técnica torne-se mais compulsiva enquanto a dnatureza se apaga. Atualmente, as crianças brincam de forma diferente do que nossos

pais, e até nós brincávamos. Parecem que tem medo de car ao ar livreHoje, a natureza para essas crianças, é o mundo virtual. O desenvolvimentdelas é basicamente na frente de computador, televisão, celulares. É assimque se divertem, fazem a tarefa conversam com vários amigos ao mesmtempo. Não brincam mais subindo em árvores, correndo por aí. Não

gostam mais de se sujar, e brincar num meio natural.Não existe mais vitória que seja própria do homem. O homem paraparticipar desse triunfo tem que se tornar objeto da técnica.

3. Conclusão

Desde a Revolução Industrial, com o aperfeiçoamento das máquinase a necessidade econômica de uma produção maior em menor tempo, ohomem foi deslocado. rocado por tecnologia, ciência e modernidade.Substituído por coisas menos vulneráveis que o homem, objetos muitomais capazes e inteligentes que o homem. A idéia de sagrado, de coisas seexplicação, mágica, mistérios, está sendo tomado pela técnica, que vemconstruindo assim um novo mundo, com novos valores, e o homem nãotem outra opção além de se adaptar a ele. O único sagrado hoje é a técnic“[...] porque é a expressão comum do poder do homem e porque sem elavoltaria a ser pobre, só e nu, sem disfarces, deixando de ser o herói, o gênio arcanjo que um motor lhe permite ser o preço módico” (ELLUL, 1968,

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p.148). Essa necessidade foi preenchida pela técnica, e assim o homem vemsendo treinado por ela. Em todas as nossas ações existe um pensamentotécnico, anal hoje a técnica é quem engloba a civilização, e não mais civilização engloba a técnica. Como nota Ellul (1968, p.137) “[...] a técnicé precisamente um meio que deve atingir matematicamente seu resultadotem por objeto eliminar toda a visibilidade, a elasticidade humana”. Essmudança deixa as pessoas apaixonadas pela técnica, não permitindo quelas consigam pensar nas conseqüências causadas pelo progresso técnico

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O UNIVERSALISMO DA TÉCNICA

Fernanda Sanches ASCENCIO 1

João Pedro Prado PIRES 2

Jorge BARRIENTOS-PARRA 3

RESUMO: O Grupo de Estudos sobre Jacques Ellul estudou d versos aspectoseu impacto na vida em sociedade e do ponto de vista individual, procurando desenvolv visão crítica da sociedade técnica na qual vivemos. Os resultados da pesquisa foram apreno i C clo de Sem nár os em Adm n stração Públ ca na Faculdade de Cde Araraquara da Un vers dade Estadual Paul sta e no i Sem nár o Brasde Jacques Ellul, na Un vers dade Metod sta de P rac caba, Setembro/autores mostram que a técnica é atualmente olink entre os homens, através dela as pessoas se

comunicam, mesmo que tenham crenças ou línguas diferentes ou que habitem nas antí A técnica é hoje universal, alcança o globo todo, é a linguagem que supre todas as deficseparações.

PALAVRAS-CHAVE: Universalismo. Tecnificação. Universalidade das técnicas agrícolTotal tar smo técn co. Pr vac dade e v g lânc a tecnocrát ca.

1 Aluna do 20 ano do curso de Adm n stração Públ ca da Faculdade de C ênc as e Letras, UNESP, Campdo grupo de estudos Jacques Ellul.2 Aluno do 20 ano do curso de Adm n stração Públ ca da Faculdade de C ênc as e Letras, UNESP, Campdo grupo de estudos Jacques Ellul.3 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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1. Introdução

A busca pelo saber e por novos descobrimentos motiva a todas asáreas acadêmicas. Com essa intenção, há cinco meses surgiu o grupo destudos sobre o pensador Jacques Ellul como um dos projetos de iniciaçãcientíca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade deCiências e Letras - Campus de Araraquara.

O seu objetivo central é decifrar o papel da técnica na sociedadecontemporânea e entender o relacionamento entre o homem e aquela.Nesse sentido, os integrantes do grupo discutiram sobre várias vertenteque Ellul comenta em seu livro: “A técnica e o desao do século”. Nelaparecem o “Autocrescimento da técnica; Unicidade (ou Insecabilidade)

Automatismo da écnica e Universalismo écnico, sendo este último nossobjeto de estudo.Sob a orientação do Prof. Dr. Jorge Barrientos-Parra, o grupo

investigou esses diversos aspectos da técnica e do seu impacto na vida esociedade (sociológicos, políticos e econômicos) e na pessoa, do ponto dvista individual (psicológicos, religiosos, etc), procurando desenvolver umvisão crítica da sociedade na qual vivemos, esclarecendo como o homemconseguiu se adaptar ao mundo técnico mesmo passando por várias

mudanças e enfrentando diversas diculdades psico-sociológicas.Os resultados da pesquisa foram apresentados no ciclo de Semináriosem Administração Pública na UNESP (Universidade Estadual Paulista –Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara), e no PrimeiroColóquio Brasileiro sobre o pensamento de Jacques Ellul, na UNIMEP(Universidade Metodista de Piracicaba, Setembro/2008). O texto a seguiré fruto dessas reexões.

2. O universalismo técnico

O processo de universalização da técnica moderna apresenta doisaspectos: o geográco e o qualitativo. Do ponto de vista geográco, Elluconstata que a técnica não se limita a um só país, ela alcança o mundotodo, chegando até mesmo a civilizações sem conhecimento algum detal instrumento, enquadrando todos aos mesmos princípios técnicos. Oqualitativo se apresenta na forma de como a técnica terá sua propagaçãoem meio a civilizações tão diferentes, com suas formas de expressão.

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enxerga obstáculos, não vê limitações em seus trabalhos, pois só visa produtividade, o acúmulo de lucro para aumentar seu poder econômico eavançar em seus ideais de destruição em massa.

Porém, essa transformação é algo que não tem volta, pois uma vez

destruído, dicilmente será recuperado. alvez iniciativas governamentapusessem m a tamanha devastação ambiental. No entanto, muitasvezes, percebemos que em meio a tanta desorganização existem agentedo governo inltrados em esquemas de contrabando de plantas nativas eanimais que estão em extinção.

4. O totalitarismo técnico

A técnica moderna é imposta a todos, sem exceções. Nesta imposiçãoda técnica Ocidental, isto é, a racionalidade instrumental e a ecácia, Elluressalta os danos psicológicos e sociológicos que esta determinação causàs civilizações que não estavam nessa técnica. Os povos que recepcionaraa técnica submeteram-se a drásticas mudanças em muitos dos âmbitos deconvivência e discernimento: religião, costumes, losoa, arte, instituiçõeEm outras palavras, a técnica exige a transformação da totalidade da vida

Quão mais temíveis serão seus efeitos quando é bruscamenteimplantada em um meio estranho, no qual aparece desde logo em todo seupoder! Assim, na África, o trabalhador separa-se da sua família, e “[...] seu social permanece ligado ao grupo rural, ao passo que ele é transplantadem um meio industrial. E, quando sua família vem para a cidade, não estáde modo algum preparada para essa vida urbana em que se destrói morae sociologicamente” (FRANKEL apud ELLUL, 1968). Na Austrália, omesmo desmoronamento da civilização tradicional,

[...] enquanto que na tribo a autoridade permanece aos antigos [...],essa autoridade se está transferindo para o chefe do “parc a bestaux”, aopatrão do centro de criação de gado [...]. Os ritos misteriosos, associadosà sucessão das estações e à procura do alimento, que tomavam outroramuito tempo, tendem a perder sua signicação. (ELKIN apud ELLUL,1968, p.124).

A técnica no seu universalismo alcança todos os aspectos da vida

política e apolítica, não se satisfazendo com o cumprimento dos deverepelos seus “súditos”: ele quer tudo deles, corpo e alma, sobretudo esta

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Seu maior propósito é, seja por que método for, penetrar a intimidade dasconsciências e moldá-las de acordo com seus comandos, de tal forma qucada “súdito” não apenas obedeça á suas ordens, mas se identique comelas, fazendo com que o homem se submeta às regras ditadas pela técnicem um emaranhado de novas descobertas, entregando sua interioridade aomundo técnico sem meios de livrar-se de tal fenômeno por já fazer partedesse totalitarismo que a técnica apresenta.

A técnica em qualquer setor tende ao monopólio: é o que vericaDriencourt ao falar da técnica de propaganda e ao declarar que é totalitáriaem sua natureza, em sua mensagem, em seus métodos, em seu campo deação e em seus meios (ELLUL, 1968, p.127).

5. Técnica e privacidade

A perda de privacidade também se tornou algo constante no mundoatual. Estamos sempre cercados por inúmeras câmeras, que registram todoos nossos passos, cada gesto, e até mesmo nosso pensamento. udo se tornomecânico. udo se tornou virtual. Em todos os lugares somos vigiadospor olhos invisíveis que nos acusam de como deve ser feito ou vivido taacontecimento em nossas vidas. Somos monitorados por aparelhos da mai

alta tecnologia e denição, onde cada piscar de olhos é registrado. A vidde todos passou a ser catalogada como simples números a mais em ummundo tão vasto, e somos obrigados a aceitar a situação, pois somos merosúditos da técnica.

6. Conclusão

Antigamente a civilização englobava a técnica. Hoje a técnicaengloba a civilização. E essa modicação deixa as pessoas tão fascinadque se tornam incapazes de discernir as conseqüências que ela trará aomundo, pois é universal e rigorosamente objetiva, impondo a todos a sualógica: a ecácia.

O conceito de “universalização” empregado por Ellul,mutatismutandis projetou-se na mídia e nas análises políticas e sociais através dostermos globalização e mundialização que não poderiam ter acontecido semo desenvolvimento técnico.

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oda a atividade humana recebe o impacto da técnica. Na agriculturapor exemplo; ninguém imaginaria o uso de alguma técnica ecaz emplantações, porém veio o homem e acabou por descobrir que com o uso deagrotóxicos, técnica de eliminar pragas, era possível salvar as lavouras. Eé uma imposição que a técnica nos deixa, mostrando seu verdadeiro podesobre os povos que domina com seu caráter totalitário. al totalitarismotorna-se comum depois que ela conseguiu implantar seus ideais na mentedas pessoas, pois entra como um vício, o qual ninguém mais conseguesobreviver sem dela usufruir.

O homem perde seu controle de ação, e quando percebe já estátotalmente dependente da técnica. udo o que o circunda é técnico, etodas as suas ações são controladas por esse “vírus” que se alastra por toa sociedade. Utiliza-se dela para chegar a outras localidades, comunicar-com outras nações, mas a partir dessa colaboração, a técnica lhe cobra umalto preço, fazendo com que ele se torne seu objeto. A partir do momentoque vira massa de manobra nas mãos do fenômeno técnico, ele perde seusenso de análise e se torna um individuo que acaba por não compreendero outro, pois as opiniões se tornam divergentes diante desse processo qutransforma o modo de viver da humanidade.

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O AUTOCRESCIMENTO DA TÉCNICA: A VISÃO DE JACQUES ELLUL

José Gustavo F. B. SILVA 1

Jorge BARRIENTOS-PARRA 2

RESUMO: Neste artigo o autor estuda o autocrescimento como característica intrínsectécnica moderna. O progresso técnico tende a realizar-se em progressão geométrica quregr de. Por outro lado, superamos a etapa em que o progresso depend a dode um sábio. Chegamos a um momento na história da humanidade em que um homem, o conhecimento de várias técnicas, une-as e cria uma nova, de sorte que o progresso é a pequenos aportes realizados até anonimamente aperfeiçoando o conjunto. O autor mostra paixão do homem pela técnica e em que condições se dá a restrição do avanço técnico.

PALAVRAS-CHAVE: Progresso técn co. Veloc dade. Autocresc mento. NoSoc edade técn ca. Homem e técn ca.

1. Introdução

Este trabalho cientíco teve início a partir da leitura coletiva do livro A ÉCNICA E O DESAFIO DO SÉCULO de Jacques Elull, por alunosdo curso de Administração Pública, no Centro de Estudos e Pesquisas ProfDr. Luiz Fabiano Corrêa, na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Araraquara, sob a orientação do Prof. Dr. Jorge Barrientos- Parra.

1 Aluno do 20 ano do curso de Adm n stração Públ ca da Faculdade de C ênc as e Letras, UNESP, Campdo grupo de estudos Jacques Ellul.2 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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No livro estudado, Jacques Elull faz uma caracterologia da técnica quecompreende a autonomia, o universalismo, a unicidade e a ambivalênciaNeste artigo trataremos do autocrescimento que também é uma característicda técnica. Segundo Jacques Ellul a técnica nunca regride, sempre avançaem progressão geométrica, para acertar falhas de outras técnicas ou pura simplesmente pela inclinação do homem em aumentar a eciência de suaações poupando esforços. Aqui serão apresentados alguns exemplos atuade alguns pensamentos e estudos que Jacques Ellul estudou e propôs.

2. Manutenção da técnica

O homem com sua inteligência, desde os primórdios de sua

existência, utiliza técnicas para maximizar resultados poupando esforçoEstas técnicas possuem propriedades que independem do homem, ou otem como simples objeto. Os consumidores de um determinado produto,por exemplo, consomem o que a técnica pode produzir e não o que oprodutor deseja. Assim o Homem vive em função da técnica.

Uma das propriedades da técnica é seu autocrescimento, ou seja,as muitas técnicas existentes criam um ambiente propício para que outrasapareçam, assim o progresso técnico tende a efetuar-se de acordo com um

progressão geométrica.O progresso técnico de uma civilização nunca regride, o que podeocorrer é um tempo de assimilação e de conquista de outros domínios,período que a velocidade do progresso técnico diminui. Algum tempodepois da revolução industrial, armavam que não poderiam maishaver avanços na mecânica industrial, entretanto computadores e robôsda atualidade são provas materiais de que esta armação estava errada qualquer outra do tipo corre grande risco de também estar.

3. Avanço do progresso técnico

endo em vista que o progresso técnico avança em progressãogeométrica e nunca regride é simples perceber que a evolução de umatécnica ocorre quando um homem, tendo o conhecimento de váriastécnicas, une-as e cria uma nova técnica que possibilita os resultadosesperados. O conhecimento de várias técnicas é adquirido, por isso não énecessária uma inteligência particular para que ocorra um grande avanço

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técnico, o progresso é a soma de pormenores aperfeiçoando o conjunto. Ohomem é parte de técnica.

Quando uma nova técnica surge, na maioria das vezes, o resultadoesperado ocorre, mas com ele algumas distorções e problemas inesperado

também. Para liquidar estes problemas, novas técnicas aparecem e com elanovos problemas.Logo após a criação do carro, não se pensava que o gás resultado

da combustão interna levasse no futuro a uma poluição tão considerávelHoje se estudam novas técnicas para minimizar a quantidade de carbonoeliminado: a formulação de novos combustíveis como o biocombustível, nitrogênio e energia solar. No entanto existem algumas diculdades paraa utilização destes: o nitrogênio e a energia solar em adaptar-se a carros

o biocombustível por causa da grande quantidade de glicerol, sem muitautilidade, gerada na sua fabricação. Para resolver estes problemas a técnitem seu progresso, seu autocrescimento.

A carpintaria, uma das prossões mais antigas, passou por uma sériede evoluções técnicas, transformando a produção manual em mecânicao que aumentou amplamente a quantidade de material produzido. Parase produzir mais foi necessário um maior número de matérias primas,progredindo tecnicamente a forma de cortar árvores. Para continuar a

derrubada de árvores, muitas vezes, há um avanço na área de Direito emfavor da técnica, autorizando e possibilitando a continuidade do processoEstes exemplos mostram que a evolução técnica é em vários ramos

em cadeia. Elas condicionam novas técnicas para resolverem seus problemou então para complementá-las.

4. A paixão pela técnica

O autocrescimento da técnica ocorre também pelo esforço de todosos homens. Para J. Ellul (1968, p.88-89),

[...] os homens de nosso tempo estão de tal modo apaixonados pelatécnica, tão certos de sua superioridade, tão mergulhados no meiotécnico, que estão todos sem exceção, orientados na direção do progressotécnico, que trabalham todos neste sentido, que, não importa em queprossão, cada um procura o aperfeiçoamento técnico a introduzir,

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tanto que a técnica progride, na realidade, em conseqüência desteesforço comum.

O homem, neste esforço comum, utiliza a ciência de forma cada vezmais técnica e por isso pode evoluir em lugares diferentes do mundo aomesmo tempo. O departamento de Engenharia de Matérias da UFSCar(Universidade Federal de São Carlos) possui um exemplo. Há algum tempoo departamento descobriu uma forma mais conveniente de armazenamentode nitrogênio, mas não foi possível patentear a descoberta, pois à apenaum mês antes já havia sido patenteada por uma universidade européia.

5. Restrição ao avanço técnico

O que pode restringir um país do progresso técnico é, unicamente,a falta de recursos: homens, matéria - prima e complexidade de máquinasPara um país progredir tecnicamente é necessário que ele seja rico ouentão que haja algum investimento externo. A ex-União Soviética, duranta Guerra Fria, foi um exemplo de país que se desenvolveu tecnicamentutilizando de capitais próprios, gerados internamente. Já o Japão, após aSegunda Guerra Mundial, desenvolveu-se devido a grande quantidade de

capital externo investido no País.6. Conclusão

A necessidade que o homem sente em possuir técnicas cada vez maiavançadas torna-o parte da técnica, contribuindo para o progresso, que jáé garantido pelas mesmas.

No entanto este progresso é restringido pela falta de recursos. Nãosão todas as técnicas que contribuem com a economia, mas o progressotécnico depende do nível econômico do país.

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UNICIDADE DA TÉCNICA NA VISÃO DE JACQUES ELLUL

Cristiana de Moraes ANDREAZZA 1 Jorge BARRIENTOS-PARRA 2

RESUMO: Neste artigo a autora analisa a unicidade como característica intrínseca da técmoderna de acordo com Jacques Ellul. Pr me ramente faz a d st nção enfenômeno técnico. A seguir analisa a unicidade do conjunto das técnicas enfatizando queprincípios e identidade no fenômeno técnico, cujas partes são ontologicamente ligadasuso é nseparável do seu ser. Ass m a un c dade não perm te d st ngutécn ca que dever a ser descartada e o lado “bom” que dever a ser conservpor padrões técn cos, não por normas mora s. Por últ mo a autora apresetécnica.

PALAVRAS-CHAVE: Operação técn ca. Fenômeno técn co. Un c dade. inseptécnica. Regras técnicas e regras morais. Objetividade da técnica.

1. Introdução

Este trabalho foi desenvolvido por alunos do curso de AdministraçãoPública, no Centro de Estudos e Pesquisas Prof. Dr. Luiz Fabiano Corrêa,na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Araraquara, sob a orientaçãdo Professor Jorge Barrientos-Parra, através da leitura do livro A ÉCNICAE O DESAFIO DO SÉCULO de Jacques Elull (1968).

1 Aluna do 20 ano do curso de Adm n stração Públ ca da Faculdade de C ênc as e Letras, UNESP, Campdo grupo de estudos Jacques Ellul.2 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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Nessa obra, Jacques Ellul faz uma análise da técnica que ele apresentcomo tendo as seguintes características: Automatismo, Autocrescimento Autonomia, Universalismo e Unicidade.

Por uma escolha metodológica neste texto discutiremos esta última

característica.2. A unicidade como característica do fenômeno técnico

Ellul distingue a operação técnica que é simplesmente a tecnicidadeda operação, uma vez que não existe trabalho que não implique um“como fazer” e uma preocupação de ecácia. Na medida em que sobre essoperação incide a consciência e a razão temos o que o pensador francê

denomina fenômeno técnico, nas palavras de Ellul (1968, p.19-20):No campo muito amplo da operação técnica, assistimos a uma duplaintervenção: à da consciência e à da razão, e essa dupla intervençãoproduz o que chamamos de fenômeno técnico. Em que se caracterizaessa dupla intervenção? Essencialmente em fazer passar para o domíniodas idéias claras, voluntárias e raciocinadas, o que era do domínioexperimental, inconsciente e espontâneo.

Chegamos assim a um momento na história da civilização em que atécnica se tornou o meio no qual os homens se desenvolvem, a linguagemuniversal que supre todas as deciências e separações, porque a técnictransformou-se inclusive o vínculo entre os homens.

Quanto à unicidade do fenômeno técnico Ellul aponta que esteengloba o conjunto das técnicas, constituindo uma totalidade que apresentasempre em qualquer país os mesmos caracteres. Há princípios idênticos em

qualquer lugar do mundo na organização de uma indústria, na construçãode um avião, no funcionamento de um motor ou de uma usina atômica.Com isso podemos observar que o fenômeno técnico é único, mesmo quese apresente com diferentes aparências.

Outra característica do fenômeno técnico é que suas partes sãoontologicamente ligadas, isto é, o uso é inseparável ao ser, não se podequerer distinguir entre os diferentes elementos da técnica, dos quais unspoderiam ser afastados e outros mantidos ou diferenciar a técnica e o usoa que ela é destinada.

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3. O uso é o “ser” da técnica

De acordo com Ellul, a unicidade da técnica não nos permite distinguirentre a técnica e o uso que dela se faz, pois o “ser” da técnica consiste nseu uso que não é bom nem mau, justo ou injusto, porque simplesmente,sendo técnico, o uso é a única nalidade possível e assim não se deve julga técnica por critérios técnicos, religiosos, morais, estéticos, etc. Não temsentido, portanto pretender orientar a técnica de acordo com normas oupadrões morais que, por hipótese tornariam justo o seu emprego, uma vezque não há diferença entre a técnica e seu uso, e que o único uso corretoque dela podemos fazer é o uso técnico.

Por outro lado, o conceito de nalidade é totalmente estranho à

técnica. Em outras palavras, esta não evolui em vista de um m, mas simde modo puramente causal, o desenvolvimento de novas técnicas permitque outros novos elementos técnicos apareçam. Estamos em uma ordemde fenômenos cega em relação ao futuro, e em um domínio de causalidadintegral.

Portanto, pretender que a técnica funcione de acordo com padrõeséticos ou estéticos, por exemplo, é ignorar que a técnica suscita a suaprópria axiologia, pretendendo em ultima analise, que a técnica não seja

mais técnica.emos então a vericação do seguinte principio: o homem estácolocado diante da seguinte escolha: utilizar a técnica como o deve serde acordo com regras técnicas, ou não utilizá-la de modo algum; mas éimpossível utilizá-la a não ser de acordo com as regras técnicas (ELLUL1968, p.101).

4. A inseparabilidade da técnica

As necessidades e os modos de ação de cada uma das técnicas secombinam formando um todo, cada parte sustentando e reforçando aoutra, constituindo um fenômeno coordenado, do qual é impossível retirarum elemento. Assim é um equivoco ou mera ilusão querer suprimir a parte“má” da técnica e conservar o lado “bom”.

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5. A objetividade da técnica

A pura técnica domina cada vez mais o comportamento nas relaçõessociais e nas técnicas administrativas, psicológicas e de organização. Ellexemplica com as técnicas policiais, que exigem cada vez mais o contrototal da sociedade. Para alcançar níveis de segurança hoje em dia o Estadimpõe a vigilância constante das pessoas. Dessa forma, para se sentir seguro indivíduo comum aceita ser monitorado. É necessário que os órgãos desegurança tenham os dados de todos e que se saiba exatamente o que cadum faz. A melhor técnica é a que menos se faz sentir.

Segue-se daí que cada um deve ser rigorosamente conhecido e vigiadocom discrição. al conseqüência decorre unicamente do aperfeiçoamento

técnico (ELLUL, 1968, p.104).6. Conclusão

As técnicas se combinam formando um todo no qual sempre irãoapresentar caracteres idênticos. Não se pode querer separar o fenômenotécnico, pois este forma um conjunto que é indivisível, sendo assim não spode separar aquilo que é “bom” ou “ruim” da técnica.

A técnica não possui uma nalidade, ela simplesmente age deacordo com um domínio de causalidade integral que não permite qualquer julgamento ético. Querer negar algum desses princípios seria negar opróprio fenômeno técnico que se baseia no simples uso da técnica.

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REFERÊNCIAS

ELLUL, J. A técnica e o desao do século. Rio de Janeiro: Paz e erra,1968.

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O AUTOMATISMO DA TÉCNICA DE ACORDO COM JACQUES ELLUL

Rafaela CHORILLI 1

Jorge BARRIENTOS-PARRA 2

RESUMO: Neste texto a autora expõe o automatismo como característica intrínseca da témoderna. O automatismo da técnica consiste em que a orientação e as escolhas técnicas sepor s mesmas. Segue-se daí que na soc edade técn ca procurando-se o mescolhas humanas são descartadas. Os valores que essa sociedade prestigia são à racioinstrumental e à busca da eficácia. A seguir a autora trata das conseqüências do automatsociedade colocando exemplos do dia a dia e por último apresenta suas conclusões, entra de que estamos fadados à alienação da técnica, perdendo valores ideológicos e modetrimento daqueles que foram introduzidos pelo progresso técnico.

PALAVRAS-CHAVE: Automatismo. Tecnicidade. Racionalidade instrumental. Eficáci Alienação. Valores.

Introdução

Jacques Ellul em seu livro,“ A écnica e o desao do Século”,apresenta as seguintes características da técnica moderna: automatismoautocrescimento, unicidade, universalismo, autonomia e ambivalênciaNeste trabalho, descreverei sucintamente a primeira dessas características

A questão do automatismo como característica fundamental datécnica moderna é analisada por Ellul em dois âmbitos, um intrínseco

1 Aluna do 20 ano do curso de Adm n stração Públ ca da Faculdade de C ênc as e Letras, UNESP, Campdo grupo de estudos Jacques Ellul.2 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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ligado substancialmente à eciência e à racionalidade, o outro extrínsecno sentido de que diversos sistemas técnicos invadem todos os aspectos dvida humana, afogando as atividades espontâneas. Em caráter introdutórioanalisaremos aqui esses dois aspectos.

1. Automatismo da escolha técnica

De acordo com Ellul (1968, p.83) “[...] o automatismo consiste emque a orientação e as escolhas técnicas se efetuam por si mesmas.”

O automatismo da técnica pressupõe a escolha do método maiseciente e satisfatório, seria o “the best one way ”, uma espécie de métodoperfeito, que se sobrepõe sobre as outras técnicas, descartando-as.

Por automatismo da escolha técnica, Ellul entende a impossibilidadede se recusar a solução ou o método que envolve maior racionalidade ecácia. Para o homem atual em qualquer sistema econômico (capitalistasocialista, cooperativo, etc) esse automatismo é justo e bom. Em outrapalavras o homem se recusa a controlar o progresso, este é auto máticoNão há, pois uma escolha humana, a escolha é técnica.

“Não há outra coisa a fazer senão maravilhar-se diante dessemecanismo que funciona tão bem e, ao que parece, incansavelmente, eque, por isso mesmo, não admite interferências.” (ELLUL, 1968, p.85).

2. Eficácia e racionalidade instrumental: como valorestécnicos

Na sociedade contemporânea, a técnica é englobante, nada lheescapa. Os processos técnicos não se subordinam a outros valores, meta o

trans-técnicos, mas exclusivamente à racionalidade instrumental e à buscda ecácia. Se o processo funciona, se é ecaz para que preocupar-se coma justiça, a transparência, a boa fé, os sentimentos religiosos e as tradiçõedas pessoas. A ecácia e a racionalidade são os principais determinantes referida característica. Assim escreve Roland Corbisier (1968):

Ocorre que esses valores, dos quais a máquina é a encarnação exemplare paradigmática, tornaram-se os valores predominantes do mundomoderno, ou da idade contemporânea, que, por isso mesmo, pode serdenida como a idade da técnica. Autores insuspeitos como Berdiaeff

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e Jaspers, por exemplo, para não citar outros, reconhecem que a crençana técnica se tornou a crença fundamental do homem moderno.3

A ecácia é medida pelas vantagens que um método oferece aosolucionar problemas; e quando um método é mais ecaz que outro,passa-se a adotá-lo, descartando-se os demais. Assim o método escolhidmostra-se mais ecaz em sentido absoluto, e se converte no método poexcelência para resolver um determinado problema. Sobre isso, dissertEllul (1968, p.83): “[...] não há escolha entre dois métodos técnicos: um seimpõe fatalmente porque seus resultados são contados, medidos, patentese indiscutíveis.”

3. Conseqüências

O progresso técnico não é medido por conseqüências, portanto nãohá limites morais, religiosos ou losócos para esse desenvolvimento. Erelação a este ponto, Georges Friedmann (1968, p.139) escreve em seulivro “Sete estudos sobre o Homem e a técnica”:

Observando, na humanidade do século XX, a aparição de um novo

meio, o meio técnico, somos levados ainda mais longe. O emaranhadode inuências cotidianas não faz mais que adensar, ameaçando mais emais os valores humanos do individuo, da cultura, em todos os paisesde indústria evoluída, na Europa como na América. A proliferaçãodiurna e noturna das técnicas, a ronda infernal das necessidades [...],seu ritmo, sua intensidade comandam ações cada vez mais numerosassobre o individuo, sua afetividade, sua mentalidade, seu equilíbriofísico e moral e colocam para o futuro (ou a primavera) da civilizaçãoproblemas sempre mais agudos.

Este pensamento pode ser exemplicado pela técnica da utilizaçãodas queimadas na plantação de cana de açúcar, transgênicos, energiasnucleares e pesticidas, entre outros.

omemos o caso da técnica da queimada, tal método é empregado,pois reduz os custos do setor canavieiro com a colheita da cada de açúcar já que o rendimento do cortador de cana ou da colheitadeira é triplicado

3Prefác o do l vro de Jacques Ellul (1968).

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quando a cana é queimada. Mas o resultado disto é catastróco para otrabalhador rural (bóia fria), para a sociedade e para o meio ambiente. Nocaso do bóia fria, a fuligem provocada pela queima pode penetrar na pelee cair na corrente sanguínea, provocando doenças, como o câncer, porexemplo. Já para a sociedade, as partículas provenientes das queimadapodem penetrar no sistema respiratória provocando reações alérgicas einamatórias, o que faz aumentar as despesas publicas com atendimentomédico. E para o meio ambiente, a conseqüência é que a queima da canaempobrece o solo, alterando sua composição física, química e biológicaalem de contribuir para o efeito estufa.

Esse problema poderia ser solucionado, através da mecanização dacolheitas, fato este iniciado por Cuba a partir dos anos 70. Mas mesmosendo tecnologicamente mais avançada, possui um custo muito elevadoportanto é momentaneamente desvantajosa. Sobre este tema Jacques Ellu(1968, p.84) nota que o capitalismo evidenciado pelo, “capital nanceirofreia o progresso técnico quando este não produz lucro.” Diz ainda queo sistema capitalista impede o funcionamento do automatismo técnico,porque é incapaz de organizar um sistema de distribuição de produtos quepermita absorver tudo o que a técnica permite produzir:

[...] a substituição das máquinas no mesmo ritmo da invenção técnicaé impossível para uma empresa capitalista, porque não se tem tempode amortizar uma máquina e eis que outras novas aparecem, e quantomais aperfeiçoadas são as máquinas, e portanto mais ecazes, mais carocustam. (ELLUL, 1968, p.84).

4. Considerações finais

O automatismo técnico se impõe independentemente de sistemaspolíticos ou ideológicos, tornando - se intrínseco em nosso cotidiano. Areferida característica esta presente na vida do Homem moderno, de formque o individuo inserido em uma coletividade só vai reconhecer a si ecomo parte integrante da sociedade em que vive na medida em que seutilizar de mecanismos técnicos, portanto há uma espécie de morticaçãodo eu, tendo em vista que o homem não mais se reconhece a si próprio, nasua individualidade, isto que leva a uma conseqüente “personicação dométodo tecnico”. Este que vai ser alcançado eliminando seus obstáculo

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em busca de seu objetivo principal, o lucro. Assim como escreve EriHobsbawn em “A Era dos Extremos” (1995, p.547): “[...] uma taxa decrescimento econômico [...], se mantida indenidamente [...], deve terconseqüências irreversíveis e catastrócas para o ambiente natural destplaneta, incluindo a raça humana.” E conclui:

[...] no ritmo em que a moderna tecnologia aumentou a capacidade denossa espécie de transformar o ambiente é tal que, mesmo supondo quenão vá acelerar-se, o tempo disponível para tratar do problema deveser medido mais em décadas que em séculos. (HOBSBAWN, 1995,p.547).

Não obstante, encontramo-nos fadados à alienação que a tecnologianos proporciona, perdendo assim nossos valores ideológicos e morais ganhando novos valores, estes que foram introduzidos pelo processotécnico, a saber, pela racionalidade e ecácia técnica. Dessa forma se dponto de vista técnico algo pode ser feito, será feito independentemente dequalquer outro critério ou pressuposto.

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Referências Bibliográficas

ELLUL, J. A técnica e o desao do século. Rio de Janeiro: Paz e erra,1968.

FRIEDMANN, G.Sete estudos sobre o homem e a técnica . São Paulo:DIFEL, 1968.HOBSBAWN, E. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991).São Paulo: Companhia da Letras, 1995.

Bibliografia Consultada

MACHADO, P. L. A.Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros,2008.

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Terceira ParteTextos selecionados

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JACQUES ELLUL: ANARQUISTA, MESMO QUE CRISTÃO1

Patrick TROUDE-CHASTENET 2

Tradução: Jorge BARRIENTOS-PARRA 3

RESUMO: neste artigo o autor passa revista a aparentemente contraditória militância Jacques Ellul como cristão e anarquista. De inicio o autor confronta o pensamento do apPaulo no cap tulo 13 da carta aos Romanos de que“toda pessoa esteja sujeita às autoridadsuperiores” ao pensamento de Bakun n de negação do pr ncíp o da autor dada reconst tu r os cam nhos paralelos que conduz ram Ellul à fé cr stã e aanalisa as influências familiares, depois as influências intelectuais e a efervescência poseus anos moços. Das ilusões do movimento personalista às desilusões políticas da Liberlevaram ao pensador francês em 1947 a manifestar sua inclinação libertária. Com os anooposição à sacralização da técnica e do Estado o levaram a formular a anarquia sobretud

uma atitude de resistência frente à opressão tecno-estatal ciente de que a sociedade anarqpode ser construída com o homem sendo o que é.

PALAVRAS-CHAVE: Anarquia.Cr st an smo. Paulo. Marx. Bakun n. ProudhoEllul. D alét ca. Técn ca. Estado. Soc al smo. Autor dade. L berdade. D

1 Art go baseado nas obras de Jacques Ellul (1988a, 1998).2 Professor de C ênc a Polít ca daUniversité Montesquieu Bordeaux IV (CMRP-GRECCAP); Pres dente daAssociation Internationale Jacques Ellul ; Diretor dosCahiers Jacques-Ellul e Membro do Conselho de Administração daThe International Jacques Ellul Society .3 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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Imagino de bom grado um especialista em Lógica examinando aseguinte questão: sabendo, por um lado que os anarquistas rejeitam qualqueforma de religião e, por outro lado, que os cristãos preconizam a obediênciao poder político, como se pode ser ao mesmo tempo anarquista e cristãoNesse âmbito como no conjunto da sua obra, Jacques Ellul não se limitaa questões puramente abstratas, lógicas ou especulativas. Ele não intervémaqui como especialista em Filosoa Política ou em História das Idéias, nemcomo eólogo. O que o preocupa é dar um sentido a sua própria históriapessoal e através dela ajudar os cristãos os anarquistas que terão, da mesmforma que ele, conciliar dolorosamente, esse dupla militância, essa dupldelidade.

A tarefa não é fácil se nos limitamos ao senso comum. De um lado osanarquistas agrupados sob a bandeira negra do “nem Deus, nem Senhor”portada por Mikhail Bakunin. De outro, os cristãos apegados a algunsversículos da epistola de Paulo aos Romanos: “ oda pessoa esteja sujeiàs autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha de Deus As autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste àautoridade resiste à ordenação de Deus.4”

No entanto, empreendendo uma reexão exigente e seguindo a arteda dialética da qual Ellul sabia o segredo, é possível ir bem além dest

incompatibilidade fundamental. Na sua obra Anarchie et christianismeEllulreconhece ter lido Proudhon em contraponto a Marx, mas igualmenteele leu também, Feuerbach, d’Holbach e La Mettrie e outros pensadoresmaterialistas para colocar a prova a solidez da sua fé. Depois do apologiscristão Lactâncio que atribuiu esse raciocínio a Epicuro, Bakunin acreditoter encontrado o argumento excludente em relação ao Deus cristão.

Considerando a existência do mal, do qual podemos observar asmanifestações todos os dias, ou bem Deus é todo-poderoso, porém, ele

não é bom, ou bem ele é bom, porém, ele é impotente. A objeção pareceser de fato irrefutável. Ou Deus é bondade, amor e então não pode fazernada contra o mal existente na terra. Ou ele é todo-poderoso e então ele éum Deus malfazejo. Quando observamos os acontecimentos no mundo,um Deus ao mesmo tempo amoroso e poderoso parece uma contradição.Mas, Ellul mostra que é o homem e não Deus que faz o mal. Um Deusque obrigue o homem a fazer o bem supõe um homem-robô, precisamenteo contrario da concepção elluliana da liberdade inspirada diretamente de

4Cf. BiBLiA, Romanos, 13, 1-2a.

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Karl Barth. O teólogo protestante o ajudou a pensar dialeticamente aobediência do homem livre com respeito ao Deus livre. Em outras palavraa idéia central da mensagem bíblica: a livre determinação da criatura nalibre decisão do Criador.

Além disso, Ellul considera que foi Bakunin, em seu livroDieu etl’Etat,quem melhor resumiu a crítica anarquista em relação à religião emgeral e ao cristianismo em particular. Depois dele nada de decisivo foescrito sobre o tema do lado dos anarquistas.

Além das teses expostas em Anarchie et christianisme,é interessantereconstituir os itinerários paralelos que conduziram Ellul à fé cristã noplano ético e à posição anarquista no plano político.

Nos dois casos nada de necessário, nada de previsível, nada de

inelutável, nada de determinado mecanicamente pelo seu meio social, nemtampouco nada de inscrito numa idiossincrasia qualquer.Seu pai era de educação grega ortodoxa, porém voltariano de

convicção. Quanto a sua mãe era protestante, porém não alardeava as suaconvicções religiosas para não contrariar o seu marido. A conversão dEllul ao cristianismo foi uma súbita revelação divina no dia 10 de agostode 1930. Ele próprio descreve que sentiu a presença de Deus, logo apósum longo processo de vários anos durante o qual ele se esforçou emvão tentando escapar de quem provocaria uma mudança total de seupensamento e da sua vida (CHAS ENE , 1994, p.86-88), (ELLUL;

ROUDE-CHAS ENE , 2005).Quanto à sua adesão à causa anarquista, ela se efetuou por etapas

sucessivas. Primeiro Ellul foi um fervoroso leitor e admirador de MarxMuito embora tenha lido Proudhon, Kropotkin e Bakunin, esses autoressempre lhe pareceram teoricamente mais fracos, que o autor deO Capital .Desde o começo dos anos 1930 a leitura de Marx signicou para Ellul,nada além de um puro exercício intelectual. Porém, a partir da experiênciade desemprego de seu pai que ele via “[...] como uma injustiça terrível quum um homem possuidor de suas qualidades se encontre nessa situaçãoEm virtude da análise do capitalismo e de suas crises, Marx fornecia umexplicação ao drama vivenciado pelo meu pai.” (ELLUL; ROUDE-CHAS ENE , 2005, p.55), (CHAS ENE , 1994, p.91). Preocupado emnão car apenas no plano teórico, mas de mudar radicalmente a sociedadeEllul fez contato com membros daSection française de l’internationaleouvrière - SFIO que o decepcionaram em virtude do seu acentuado

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carreirismo. Sofreu nova decepção com os militantes comunistas maispreocupados com a linha do Partido do que com a hermenêutica marxistaFinalmente, é no seio do movimento personalista encarnado nas revistasEsprit eOrdre Nouveauque ele encontra a ocasião de colocar em prática nosudoeste da França o pensamento de Marx e de Proudhon.

No plano internacional, os processos de Moscou e as purgas stalinistasvisando os marxistas que ele admirava como Bukarin, por exemplo, massobretudo o comportamento dos comunistas na guerra civil espanholao impulsionaram a aproximar-se dos anarquistas. Por intermédio de umantigo colega de turma, Ellul e sua mulher ajudaram jovens anarquistasespanhóis a abastecer-se de armas em França. No plano interno, a chegadao poder doFront populaire (maio 1936-abril 1938) o encheu de esperançase acreditou sinceramente que a hora da revolução tinha nalmente chegadoEle confessa que essa foi a única vez que votou. Entretanto, a decepção foproporcional às esperanças suscitadas.

Depois, durante a Ocupação nazista, Ellul sonhava em passar “daresistência à revolução”, porém chegada a Liberação, ele assiste impotenao retorno triunfal dos partidos tradicionais e do poder econômico.

Nessas condições, a França não merece o qualicativo de democraciasomente ilustra a fórmula de Marx: “a democracia é a faculdade do povo d

escolher quem os estrangulará!”.Quando em 1947, Ellul manifesta pela primeira vez a sua inclinaçãolibertária no semanário protestanteRéforme , toma enormes precauções:“[...] eu sustento que atualmente e durante um certo tempo, na França,a anarquia é a única solução possível. Não pretendo que seja o regime dofuturo, mas o do presente momento; nem o regime universal ideal, maslocal e concreto.” (ELLUL, 1947).

Muito embora mantivesse relações de amizade e tivesse acompanhadnumerosos combates ao lado de militantes anarquistas, foi necessárioesperar até 1974 para que Ellul retorne ao tema de forma netamentemais audaciosa e argumentada. Em um artigo intitulado “Anarquia eCristianismo” – inicialmente publicado pela revistaContrepoint e reeditadoem 20085- ele coloca as primeiras balizas do livro epônimo onde eleconrma substancialmente que a posição anarquista era a mais apropriadpara permitir que o indivíduo se transforme em “ pessoa” capaz de exerceum controle sobre as decisões tomadas em nome do povo, de colocar grão

5Cf. ELLUL, 2008, p.95-118.

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de areia em um sistema bem lubricado, de criar tensões em relação aopoder político essencialmente totalitário.

Frente a seus detratores Ellul (2003, p.259) muitas vezes lembrouque ele não se opunha ao Estado e à técnica, em si, porém, a sua sacralizaçã

aqui e agora. É essa combinação da técnica e do Estado nunca antes vistna história da humanidade, que de acordo com Ellul encontramos na baseda alienação e da reicação do homem.

O Estado-nação se transformou no poder coordenador da organizaçãotécnica; não podemos tocar um sem atingir o outro. Nessas condições,a anarquia constitui uma atitude de resistência frente à opressão tecno-estatal.

O livro Mudar de Revolução (Changer de revolution, 1982),

inspirado em parte nas teses de Radovan Richta, de Ota Sik e também em certas teoriasconseillistes parece ir nesse sentido (ELLUL, 1982). Damesma forma a micro-informática permitiria sair do sistema técnico nassuas palavras“de même ces granules sporadiques permettraient de construi un socialisme révolutionnaire de la liberté” . Esse socialismo poderia atribuiruma nalidade a essa técnica. Poderíamos nos perguntar se essa técnicpoderia transformar-se num instrumento desse socialismo? Ellul preveniuque a conjunção desses dois movimentos não tem nada de automático.

Com efeito, lendoLe bluff technologique(1988b)6

nos apercebemos queessa conjunção (micro-informática e socialismo revolucionário) não srealizou, impressão conrmada em Anarchie et christianisme (1988), ondeEllul por um lado apresenta o anarquismo como “a forma mais completa emais séria de socialismo” (ELLUL, 1998, p.10), porém nos disse tambémque o homem sendo o que é, a sociedade anarquista não é deste mundo.

6Nota do ed tor:“J’ai simplement indiqué qu’il pouvait y avoir une mutation s’il y avait conjonction entre moyens, et un changement à cent quatre-vingts degrés du político-économique. J’indiquais aussi quebref, peut-être quelques móis, au mieux quelques années. Ces années sont écoulés. Il est aujourd’hui trle cours de la technique. Une chance décisive dans l’histoire de l’humanité a été perdue”. (ELLUL, 1988b, p.21).

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Referências Bibliográficas

BÍBLIA. Português.Bíblia de Referência Tompson. radução de JoãoFerreira de Almeida. São Paulo: Vida, 1999.

CHAS ENE , P.Entretiens avec Jacques Ellul. Paris: La able Ronde,1994.ELLUL, J. Anarchie et christianisme. In: ROUDE-CHAS ENE , P.(Dir.).La Politique. Le Bouscat: L’Esprit du emps, 2008. (Coll. Cahiers Jacques-Ellul).ELLUL, J.; ROUDE-CHAS ENE , P. Jacques Ellul on politics,technology and christianity . Wipf and Stock, Eugene, Oregon, 2005.

______.Les nouveaux possédés. Paris: Mille et une Nuits, 2003.______. Anarchie et christianisme. Paris: La able Ronde, 1998. (Coll.La petite vermillon).______. Anarchie et christianisme. Lyon: Atelier de création libertaire,1988a.______.Le bluff technologique. Paris: Hachette, 1988b.

______.Changer de révolution:l’inéluctable prolétariat. Paris: Seuil,1982.______. Propositions louches.Réforme, 28 jun. 1947.

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A AMBIVALÊNCIA DAS TÉCNICAS1

Jacques ELLUL 2

Tradução: Débora Kommers BARRIENTOS 3 e Jorge BARRIENTOS-PARRA 4

RESUMO: Neste texto, que é parte da obraLe bluff technologiquepublicado em 1988, masque de ta raízes no art go “Réflexions sur l’ambivalence du progrès technique ”, publ cado em 1965in La Revue administrative , vol. 18, Jacques Ellul analisa a ambivalência como uma característextrínseca do desenvolvimento técnico. Diferencia a ambivalência de outras noções aUtilizando-se da dialética argumentativa demonstra através de exemplos tomados da atueuropé a e mund al (da sua época) as conseqüênc as do progresso técn cl bera, porém ela também al ena ut l zando-se de quatro propos ções funda técnica tem seus custos; ii) que os efeitos positivos que a técnica aporta são inseparáefeitos negativos; iii) que acarreta problemas novos e iv) que tem efeitos imprevisíveisquestões bás cas como: em que se transformará o homem - cond c onado neste processo de mudanças rad ca s de nossa c v l zação?

PALAVRAS-CHAVE: Técnica. Ambivalência. O homem no sistema técnico. Custos. Efeinegat vos. imprev s b l dade do progresso técn co. Crít ca da soc edad

1Neste trabalho retomo e desenvolvo um pr me ro estudo sobre a amb valênc a publ cado em 1965Réflexions sur l’ambivalencedu progrès technique ” naLa Revue administrative , v.18 (ELLUL, 1965).2 Tradução de Débora Kommers Barr entos e Jorge Barr entos-Parra, das pág nas 89 aLe blufftechnologique,publ cado pela ed tora francesa Hachette em 1988. Cf. ELLUL, 1988, p.89-1393Graduada em Tradução Francês-Português pelo inst tuto de B oc ênc as, Letras e C ênc as Exatdo R o Preto, UNESP, Bras l. Lec ona francês na Al ança Francesa de R be rão Preto.4 Doutor em D re to pela Un vers té Cathol que de Louva n, Mestre pela Un vers dade de SãConst tuc onal e de D re to Adm n strat vo do Curso de Adm n stração Públ ca da UNESPPrograma de Mestrado em D re to da UNESP, Campus de Franca. Pesqu sador do Grupo de EstudosCampus de Araraquara).

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para delimitar e avaliar globalmente os efeitos da técnica. Com certeza, relativamente fácil medir a quantidade total de bens e serviços disponíveiPor outro lado, existem variados “indicadores parciais” do bem-estarmas nos separamos logo depois em temas como: É preciso medir o usoefetivo ou a possibilidade de acesso (incluindo a informação, a educaçãoa estrutura social permitindo uma escolha)? É preciso avaliar a qualidaddo uso efetuado ou reter apenas o nível e a repartição das rendas, etc.? Oratudo isso não pode ser senão o prelúdio do estudo que verdadeiramentenos interessa. Vemos então, até que ponto este parece inacessível5.

As análises aparentemente mais rigorosas, construídas sobre dadosestatísticos, sem qualquer alusão a tais problemas, são neste sentido, amais perigosas. Porque assim como as outras, são elaboradas em funçãde ideologias, mas aparecem como puramente cientícas e têm umaaparência de rigor que recusamos aos estudos mais retóricos, que são nrealidade, muito mais honestos. Pois nesta área onde podemos sentir,muito bem, que a totalidade do homem está hoje engajada, é impossívelser puramente cientíco e plenamente desinteressado. odos nós sabemoque tudo vai depender nalmente de como termina a aventura técnica.Como poderíamos manter a cabeça totalmente fria e não tomar nenhumpartido?

O desao é muito grande e estamos diretamente envolvidos eimplicados neste movimento. A transformação é global (concerne oconjunto da humanidade, todos os aspectos da sociedade e da civilizaçãoe pessoal (modicando as nossas idéias, os nossos estilos de vida e os noscomportamentos). E não podemos deixar de nos perguntarmos que nostornaremos neste processo de mudanças radicais. Ora, nenhuma respostasimplesmente lógica, é possível6. Não conhecemos todos os fatos. Somosincapazes de realizar uma verdadeira prospectivasintética: o que ela deveser, inelutavelmente, porque todas as peças do sistema técnico se mantêmestreitamente, e também porque, se queremos responder a pergunta “quenos tornaremos?” isto só pode ser resultado de uma apreensão global e nãde uma adição de previsões fragmentárias.

5Consultar os extraord nár os e prec sos estudos de ida C. Merr am (1969) e de J. Desce (1969).6Não conheço livro mais radical, muito embora o seu otimismo, do queL’Arcadie de B. de Jouvenel (1968) quando ele faz obalanço desta sociedade técnica mostrando que fracassamos na escolha da qualidade do contexto de vida material, a das relações entre o trabalho e a qualidade do meio o que pareceria o resultado normal do aumento das riquezas, masatingido.

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Deixamo-nos levar, então, por esperanças desmedidas, sacricandoo que até agora era tido como verdade humana (alguns valores, ou ainda liberação progressiva da individualidade com relação à coletividade...) ou pdesesperos de diversas tonalidades (o absurdo do mundo, a desumanizaçãde Alphaville ou a Síndrome chinesa), sem levar em conta as possibilidadque ainda temos. O jogo ainda não acabou. É neste contexto, que nãopode ser, não passional, que eu queria chamar a atenção sobre um doscaracteres mais importantes do progresso técnico, a sua ambivalência 7.

Eu entendo por ambivalência, que o desenvolvimento da técnicanão é bom, nem mau, nem neutro, mas que é uma mistura complexade elementos positivos e negativos “bons” e “maus”, se quisermos utilizum vocabulário moral. Entendo ainda que é impossível dissociar estesfatores, para obter uma técnica puramente boa, que os bons resultados nãodependem do uso que fazemos do instrumental técnico. Com efeito, nesteuso, nós mesmos somos modicados. No conjunto do fenômeno técnico,não camos intactos, não somente, somos indiretamente orientados peloinstrumental técnico, como também adaptados a uma melhor utilizaçãoda técnica graças aos meios psicológicos de adaptação. Assim, perdemoa nossa independência: não somos um sujeito em meio a objetos sobreos quais poderíamos decidir livremente nosso comportamento: estamosestreitamente implicados por este universo técnico, condicionados por eleNão podemos separar de um lado, o homem, e do outro, o instrumento.Somos obrigados a considerar como um todo “o homem no universotécnico”. Em outras palavras, o uso deste instrumental não é decidido porum homem espiritual, ético, e autônomo, mas por um homem normal,como conseqüência, este uso é tanto o resultado de uma opção humanacomo de uma determinação técnica. Este universo técnico abrange tambémdeterminações que ditam a sua utilização e que não dependem de nós.

Além disso, é preciso compreender este “uso” bom ou mau, que nosfalamos do homem a título individual, do homem que faz uso de tal objetotécnico. Podemos então, escolher a respeito de umelemento, a respeitode umuso, mas a civilização técnica é feita de um conjunto inseparávelde fatores técnicos. E não é o bom uso de um deles que mudaria o que

7É necessár o refutar aqu a op n ão s mpl sta da “amb gü dade” da técn ca apresentada por de o melhor e o pior, de acordo com a liberdade do homem. Vimos já, até que ponto o homem é limitado nesse âmbito esua l berdade é contestada. Entretanto, cada vez ma s, o grande reméd o no qual de Closets ns ste ocasionam algum mal é por causa da falta de organização... porque ele é especialista das técnicas da matéria e não conhcoisa daquelas referentes à organização. Ele reenvia a outros especialistas. Mas ele não vê que a organizaçãoé uma técnicaque énecessária inserir no sistema técnico. Ela não é um remédio.

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quer que seja. Isto seria um comportamento geral de todos os homens.Não insistiremos nisto, mas não parece que estejamos chegando pertodesta situação. Pois, para que o problema do “bom uso” seja resolvido,seria necessário que os homens tivessem objetivos claros e adaptáveis pareduzir a técnica ao simples e puro estado de meio. Ora, na nossa situaçãoatual, os ns são formulados de maneira antiga, e como conseqüênciatotalmente inadaptáveis à nossa situação, ou completamente vagos.

Já observamos muitas vezes que os efeitos de uma técnica nunca sãexclusivamente positivos ou negativos. A ambivalência é, por conseguinum caráter fundamental do progresso técnico. Mas não se trata de um caráterintrínseco. Com efeito, podemos discerni-lo apenas a partir da análisedos efeitos: então precisamos agora examinar não o progresso técnicodiretamente, mas algumas conseqüências. E, por conseguinte, poderemoentão, por meio de exemplos, mostrar de forma signicativa quais são oaspectos desta ambigüidade.

Estamos em um universo ambivalente, no qual cada progressotécnico acentua a complexidade da mistura dos elementos positivos enegativos. Quanto mais progresso em determinada área, mais a relaçãodo “bom” e do “mau” será inextricável. Quanto mais a escolha se tornaimpossível, mais a situação será tensa, em outras palavras, será cada ve

mais difícil escapar dos efeitos ambivalentes do sistema. Marcuse nãrenovou em nada o problema da relação entre o homem e a sociedadetécnica, com relação à análise que eu z naécnica e o Desao do século,mas ele tem boa frase sobre a ambivalência do progresso técnico, que podservir como introdução para este capítulo: “A Sociologia Operacional e Psicologia Operacional contribuíram para tornar as condições humanasmais agradáveis, elas constituem fatores de progresso intelectual e materiamas ao mesmo tempo, testemunham sobre a racionalidade ambivalente doprogresso: ele é benfazejo em seu poder repressivo, e ele é repressivo eseus benefícios”8.

Antes de proceder a esta análise sobre a ambivalência, eu precisodiferenciá-la de duas outras noções. Primeiro, da noção de ambigüidadeque eu já assinalei. Enquanto a idéia de ambivalência implica que no objet

8Esta dé a fo retomada, entre outros, por Khuns (1971) “A técn ca é rad calmente amb valenteEntretanto, na primeira etapa de um progresso técnico, percebemos somenteum dos aspectos: nos pr mórd os das estradas dferro e dos nav os a vapor foram sal entados somente os efe tos negat vos e per gosos (mas sso nde cont nuar, em outras palavras, quando o aspecto negat vo é ev dente, sso não embaraça a técnao automóvel, no começo, foram salientados somente os aspectos positivos.

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considerado háduasorientações precisas com valores opostos no mesmoobjeto, a idéia de ambigüidade é muito mais imprecisa. O que caracterizaa ambigüidade é o confuso, o indeterminado, o vago, o equívoco... Ora,a técnica não é nem confusa nem indeterminada, mas é perfeitamentecerta e não parece nada equívoca. Contudo, teremos que falar mais tardesobre a incerteza na técnica. Outra noção para rejeitar, é aquela, muitona moda, do “efeito perverso”. Como se existissem os efeitos “normais”os efeitos maus, surpreendentes, que seriam os “perversos”. Esta palavrtem uma conotação moral que precisamos rejeitar aqui (CHESNEAUX,1983), pois lembra, de forma implícita, um uso que seria “perverso”. Maao contrário, precisamos entender que “o bem e o mal”, os efeitos bons emaus estão intrinsecamente ligados na constituição do universo técnico eem toda a técnica. J. Chesneaux tem razão ao reforçar que a técnica (eldiz: a modernidade) abrange “a combinação original, de duas globalidadea que denunciavaSartree aquela com a qual sonhavaSaint-Simon.Deum lado, toda a serialização dos seres, das condições, dos objetos, e domecanismos tais como o computador, a redução a um único modelo de vidabanalizado. Do outro, o planeta interligado, a interdependência universaldas economias, das redes de comunicação e das estruturas político-sociaio despotismo do mercado mundial...” . É, com efeito, exatamente isto quecaracteriza o Sistema écnico e o progresso técnico, em uma ambivalênctotal.

Mas, não podemos nos contentar em reforçar esta ambivalência, épreciso analisá-la, e o farei com a ajuda de quatro propostas:

I. odo progresso técnico se paga.II. A cada etapa, o progresso técnico levanta mais problemas (e

maiores) que aqueles que resolve.

III. Os efeitos nefastos do progresso técnico são inseparáveis dosefeitos benécos.IV. odo progresso técnico compreende um grande número de

efeitos imprevisíveis.

E tudo isto não é um dado aleatório, mas é o resultado de um caráterfundamental do progresso técnico, uma frase muito apropriada foi usada

por Albert Merlin (1986), sobre a crise americana, especialmente a crisdo mercado de computadores (1985-1986) que é inexplicável: tentamos

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analisá-la mas não compreendemos nada. Ele diz: “Os otimistas maisconvencidos, precisam de tempos em tempos, de pontos de referência , desinais encorajadores.Não existe caminhada sem estrela” . Esse é justamenteo caráter do progresso técnico ser sem estrela, devido ao seu crescimentcausal e sem nalidade9. O progresso técnico não sabe para onde vai. É poristo que ele é imprevisível, e provoca na sociedade uma imprevisibilidadgeral.

I. Todo progresso técnico se paga.

Não existe progresso técnico absoluto. A cada avanço da técnica,podemos observar certo número de recuos. Esta observação é mais ampl

do que a compreensão evidente de que o progresso técnico se paga graçaa esforços intelectuais consideráveis ou com injeções de capitais. Esteinvestimentos são realizados na esperança de uma relação custo benefícimas, esta relação nunca é garantida. Sabemos até mesmo que muitas vezetoma-se a decisão de abrir uma empresa técnica mesmo que ela não sejeconomicamente rentável (como por exemplo, o desenvolvimento desatélites). Estes dois “preços” do progresso técnico são simplistas, deixos de lado. Pois a questão é muito mais complexa. Antes, é preciso que s

tome em consideração o que édestruído em diversas áreas pelo progressotécnico.Com humor, S. C. Kolm disse: “Parece que os Estados Unidos têm

o dobro do rendimento nacional da França, mas, sobraria alguma coisadesta diferença, se combons indicadores sociais , chegássemos a medir afeiúra das cidades americanas?”. Certamente, se queremos levar a sériovida do homem, precisamos levar em conta a qualidade e a estética donosso ambiente. Ora, em toda parte, a técnica é produtora de feiúra. Este

é um dos preços a se pagar. E neste preço a pagar, precisamos tambémconsiderar, o que os economistas chamam agora de externalidades(problemas que encontraremos no futuro): conjunto de custos que nãoestão diretamente relacionados a uma invenção ou a uma utilização datécnica, como poluição, piora da saúde, medidas de proteção e danos detoda ordem. O crescimento implica custos anexos que mudam todos oscálculos, dependendo se os incluímos ou não10.9 V de Ellul (1977), estudo detalhado da ausênc a de f nal dade da técn ca. Ver espec almente o c10Sobre o tema ver um art go ant go de G. Dessus emAnalyse et Prévision, 1966, que coloca o problema de mane ra br lha“Les Coûts et Rendements Sociaux ” com uma mportante b bl ograf a. Partant (1978) que em relação a esse t

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Existem as destruições agrícolas em proveito de um desenvolvimentoindustrial (um exemplo clássico é o Vale do ennessee, como tambémaquele menos conhecido, das Vinhas de Jurançon, por causa da exploraçãde Lacq).

Um segundo aspecto a lembrar neste preço a se pagar são assubstituições de produtos. Geralmente, não damos atenção aos produtos“desaparecidos”. Assim quando avaliamos o aumento do consumo detêxteis, colocamos nas estatísticas somente aqueles atualmente utilizado(como a lã, o algodão e os têxteis articiais), não levamos em conta os têxteque não se usam mais, como o linho e o cânhamo, de larga utilização eque resultavam em tecidos innitamente mais duráveis. udo isto, não temcomo objetivo negar o crescimento do consumo, mais ele é muito menosimportante do que imaginamos. Precisaríamos fazer o levantamento dosprodutos que não são mais produzidos. (Sabemos também, por outro lado,que na agricultura altamente mecanizada e tecnicizada, a produção de umcaloria alimentar exige o consumo de uma caloria de combustível? Ora utilização de bois e de cavalos consumia muito menos).

Mas, nesse jogo de substituições, que são preços a se pagar peloprogresso técnico, também precisamos lembrar dos países do erceiroMundo. Vários produtos desses países (minérios, açúcar, algodão, madeira

poderiam ser totalmente eliminados se desenvolvermos a produção dematérias articiais, nessa hipótese alguns países serão completamentarruinados. Desde 1963 já ocorreram muitos pedidos endereçados por taispaíses à ONU para fazer com que os Estados “desenvolvidos” freiem suaproduções concorrentes. É pouco provável que se consiga parar o progresstécnico! emos exemplos disto: a descoberta da anilina, simplesmentedestruiu a cultura do índigo (riqueza fundamental da Índia), a xação doazoto de ar fez com que a exploração do nitrato (salitre) do Chile fossearruinada; da mesma forma a borracha sintética reduziu a produção daborracha das seringueiras; a fabricação de novos produtos químicos parocom a colheita de resina dos Landes11; uma única empresa holandesa de

or g nal: “O progresso técn co tem resultados lusór os, mas d zemos que é necessár o ao progresdeveser pago . Devemos nos enr quecer: o progresso soc al se def ne correlat vamente ao s stema de enrser adotado na med da que contr bu d reta ou nd retamente ao progresso econôm co. É mu to retiradas sobre o valor criado pelo trabalho, do que uma fonte de atividades produtivas. O progresso social aporta beEntretanto, o nosso modo de enriquecimento faz nascer constantemente novos problemas sociais no plano interno e outmais dramáticos no plano internacional. Nessas condições o progresso social não pode ser mais do que um esforço paraasconseqüências negativas do modo de enr quec mento”. Tudo sso pode exatamente ser apl cado a sso progresso técnico.11Reg ão do sudoeste da França (Nota dos tradutores).

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fabricação de bras sintéticas substituiu a totalidade da importante produçãde sisal da Indonésia. Voltaremos a falar dos efeitos da tecnicização para

erceiro Mundo, mas agora devemos sublinhar que os nossos progressotécnicos quase sempre têm efeitos negativos para esses povos. A construçde estradas e os transportes de caminhões no Saara suprimiram o principarecurso dos ouaregs, que eram os grandes transportadores do desertoatravés das caravanas). A tecnicização da caça de focas, cada dia mais ecaz,resultou na privação de um elemento básico na sociedade de alguns povoesquimós. Mas, ao mesmo tempo, graças aos cuidados médicos, essas triboaumentaram em número. A Dinamarca é então obrigada a alimentá-los,vesti-los e etc., com grandes despesas, e produtos ocidentais transportadopara lá e distribuídos gratuitamente - pois não existe mais moeda detroca!). Os custos da provisão de subsistência a um povo que antes viviem um círculo fechado perfeitamente equilibrado, tem que ser avaliadocomo o passivo da industria da caça as focas! Precisamos aproximar dessituação, a situação dos camponeses nos países ocidentais! Não vou retomo problema do êxodo rural12. Mas, se dizemos que o progresso técnicoexige a partida dos camponeses, criando, por um lado, um lugar de lazee permitindo uma produção agrícola acentuada com uma aparelhagemenorme, por outro lado, tudo isso acarreta:

- Um auxo de mão de obra na cidade que só aumenta odesemprego.

- Uma produção agrícola tão considerável, graças a aparelhageme aos produtos químicos, que não pode mais ser vendida por um preçorentável para cobrir a depreciação do equipamento.

- Uma concentração da propriedade rural que implica um capitalismono campo, quebrando a sociedade rural.

Na verdade, descobrimos então outro uso para esta natureza, um lugarde lazer para os moradores da cidade. Entretanto, os melhores geógrafosagrônomos e sociólogos nos dizem que o campo sem camponeses, parser apenas uma paisagem, será em verdade uma incoerência sem interessou bem uma decoração em estilo jardim público. E de todo jeito, nunca“protegida” contra as empresas industriais (com as linhas de alta-tensão

12Cf. Le Lannou,Le Déménagement du territoire , Seu l, 1967; Charbonneau,Le Jardin de Babylone , Gall mard, 1969; P el,LesPaysans et le Paysage , 1966; Kneese e Herf ndahl,Quality of Environment , 1966.

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teleféricos, etc...). Só o camponês, morando e cultivando em densidadesuciente nos campos, cria uma paisagem real pela qual o morador da cidadsente atração. A destruição da classe camponesa funda-se não somentnos desastres econômicos (como o desperdício das sobras de produçãoa má qualidade dos produtos para consumo; a passagem do agrícola parao consumo, para do agrícola para a agroindústria...), não somente peladestruição da natureza, que não será mais um lugar de encontros do homemcom ele mesmo, mas também em catástrofes como os enormes incêndioorestais, nunca conhecidos antigamente. Sabemos, inegavelmente, queos incêndios provêm da existência de uma “camada inamável de folhae galhos secos sobre o solo” inexistente quando a oresta era habitada trabalhada (e não serão passagens periódicas de máquinas, que substituirão cuidado com esta camada da oresta, combinado com o respeito decertas plantas úteis).

Esta destruição da classe camponesa, com todas as suas conseqüêncianegativas, conduz ao preço pago pelo conjunto dos trabalhadores. G.Friedmann (1966) mostrou em um antigo estudo,sempre atual , que a usinaautomatizada e informatizada (suprimindo atividades antigas) modica ocomportamentos e os hábitos dos trabalhadores e conduz à destruição devalores ou bens tidos como essenciais no mundo dos operários. A novausina acarreta mudanças no homem todo, instintos, percepções, visõesnoção do tempo, condutas instintivas, percepção interpretativa; e mesmoas noções de cansaço ou previsão mudaram de sentido e de forma. Nesteâmbito da mutação do trabalho, encontramos um exemplo típico do preçoa se pagar. Um dos grandes títulos de glória da técnica é que as máquinamodernas fazem o homem economizar um esforço muscular consideráveIsto é evidentemente um bem quando nos encontramos diante de umtrabalho explorador e extenuante que ultrapassa os limites de fatiga. Maa economia total de esforço físico é boa? O que provaria o contrário é aobrigação que encontramos de substituir esta ausência de esforço musculano esporte. O que não é errado. O que é incorreto, é que esta ausênciade esforço muscular é paga por todo um conjunto de inconvenientessiológicos, psicológicos e sociológicos. Inconvenientes, isoladamente, ntão graves, quanto o esgotamento nas minas de 1880, mas de outro tipo.

rata-se essencialmente do estresse por causa da tensão extrema nas novusinas. O homem encontra-se em um universo que exige reexos mais

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rápidos, atenção redobrada e constante, adaptação a situações e desaosempre novos. O estresse compensa o descanso muscular13.

Dois fatos notáveis: um estudo da CFD14 de 1980 mostra queo problema essencial do trabalhador moderno é a insônia. Os estudos

epidemiológicos recentes mostram que as “doenças dos executivos”infartos e problemas nervosos se tornaram doenças dos operários há maiou menos dez anos. No entanto, é preciso ressaltar que este excesso nervosnão é devido unicamente à mudança do trabalho, mas ao modo de vidaem geral. A necessidade de em toda ordem de coisas se fazer tudo de formcada vez mais rápida; ritmos de vida crescentes ( fast-food !); multiplicidadede contatos humanos superciais; a tensão dos horários, cada dia maisapertados. Viver em um universo onde tudo é calculado minuto a minutoé estafante. Impossível encontrar ao longo do trabalho um descanso.Concluindo, como último exemplo de razões deste estresse: a vida moderne a contrariedade dos períodos vitais sazonais, a partir do momento em quo homem vive tanto de noite quanto de dia, auxiliado pela luz articial,um dos ritmos de vida mais essenciais foi quebrado.

O que se segue é um esgotamento inevitável. Ora, quandoapontamos sumariamente tais causas do estresse, não se trata de umahipótese. Sabemos que é uma das realidades mais trágicas do nosso tempo

E estamos na presença de uma ameaça ligada ao progresso técnico para qual não é fácil prever a solução, pois é um questionamento geral detodas as estruturas de uma sociedade organizada em função do progressotécnico. Os remédios que podemos encontrar para essa situação sãoapenas paliativos. Os tranqüilizantes, por exemplo, permitem que a pessosuporte a tensão nervosa enquanto continua a viver do mesmo jeito, oque só aumenta o desequilíbrio, e produz em longo prazo uma crise maisgrave. Estamos então, diante de um mecanismo de compensação de uminconveniente por outro. É evidente que este estresse causado pela vidnoturna, se agrava pela organização do trabalho “ posté 15” e do regime deturnos três por oito, onde o homem deve trabalhar à noite, um terço de seu13Hoje é sab do que o estresse acarreta um envelhec mento precoce. O doutor V ennay num estudofad ga fís ca não mped a um açougue ro de trabalhar até os 65 anos. Já um m ne ro é velho aos 4de montagem chega a esse estado aos 40 anos e uma mulher empregada em certas fábr cas aos 30 aus nas automat zadas são obr gadas de renovar o seu pessoal a cada do s anos (Colloque européen sur l’automatisation,Grenoble,1977). Por sua parte, de Jouvenel (1968) mostra perfe tamente (Arcadie ) até que ponto há oposição entre o trabalho organizado etecn c zado e o trabalho “l vre” cujo tempo não é de forma alguma ocupado pelo lazer. O homem, se encontra de forma alguma na mesma s tuação que o homem que encontra prazer na sua fa na”.14Confedérat on França se des Trava lleurs (Nota dos tradutores).15O autor se refere a um trabalho organ zado segu ndo um s stema de equ pes sucess vas (nota dos

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mês, sistema exigido pela organização das usinas e agora das comunicaçõ A máquina não interrompe seu trabalho, e para atingir a rentabilidademáxima, é preciso que ela trabalhe o tempo todo. Logo, o homem deveorganizar-se para trabalhar como ela!16

Quanto à ruptura dos períodos sazonais, ela é muito conhecida. odoorganismo vivo consegue seu pleno vigor e sua força na primavera e no verãNo outono e no inverno, (sem ir até a hibernação), todo organismo perdeum pouco de suas forças vitais, tornando-se menos resistente e mais frág(no campo seguíamos exatamente o ritmo natural do campo – no invernopouco trabalho). Ora, a nossa organização atual (ditada pela técnica, quepermite, e agora exige as férias) inverte esse ritmo. emos férias e descandurante “a boa estação”, e acumulamos o máximo de trabalho durante oinverno. O que acarreta uma perturbação dos ritmos de vida. Funçõesvitais, como a atenção, não são exercidas como antigamente17.

Isto nos leva a uma observação mais global, e creio essencial quanto tal preço a se pagar. É bem conhecido, e todos se congratulam que o homemmoderno tenha uma “esperança de vida” muito mais longa que o homemdas sociedades tradicionais. Fazemos belas tabelas provando que até diaatrás, o homem tinha uma média de vida de mais ou menos trinta anos18,e que hoje em dia, essa média se situa por volta dos setenta anos. Que

progresso! Mas isto se paga por um preço dobrado, vejamos em primeirlugar o problema demográco: pois a sociedade cou sobrecarregada poum grande número de idosos que precisam de mantimentos e cuidados. Ecomeça aí uma corrida maluca! Para compensar o grande número de idosoé preciso um número maior de crianças, para conseguir um equilíbriopopulacional. Ora isso é de uma imprevisão fantástica! Porque no m estdemanda por duplicar ou triplicar o número de crianças vá evidentementeproduzir duas vezes mais trabalhadores daqui a vinte anos, assumindo aprodução necessária ao mantimento e ao cuidado dos idosos! Porém, daqua sessenta anos, teremos um número dois ou três vezes maior de idosos... necessário prosseguir? Em cinqüenta anos, a população seria mais ou menomultiplicada por dez! Simplesmente absurdo! O segundo problema é deordem siológica. De um lado, conservamos a vida de inúmeras criança

16Sobre o assunto ver Cor at (1979) onde mostra a cr se da organ zação c entíf ca do trabalho.17Temos cada vez mais estudos que mostram a importância dos ritmos biológicos. O organismo segue naturalmente ud ár o que não podemos romper. De acordo com a hora em que é nger do, um med camento não pRecherche, nº 132, 1982). Sobre o assunto ver: Re nberg (1979).18Sou cét co em relação a esses cálculos de esperança de v da no século XVi ou no século XVii, pracons derar os dados hab tua s como sendo “c entíf cos”.

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xar seus objetivos. Na realidade, ela é determinada pelos meios que lhdão a ilusão desta consciência e desta liberdade. Entretanto, quanto maisela planeja, mais ela aumenta as exigências inerentes ao seu funcionamene dessa forma mais ela reduz a parte voluntária das decisões individuais. Omecanismos de determinação se des-multiplicam produzindoao mesmotempo aparências de liberdade e restrições dessa liberdade, situadasemníveis diferentes .

Outro exemplo do crescimento dos controles sociais: mais parafrente, veremos que um dos graves problemas gerados pela técnica é o dsuperpopulação. Mas como controlar este crescimento? É precisamente como termo “preço a pagar” que Goldsmith analisou a questão (emSurvivreau Futur ). Para controlar o aumento da população, será preciso acabarcom a liberdade individual. O preço a pagar é bem leve, se pensarmosnas conseqüências, a longo prazo, da situação atual. Sim, mas até ondechegará a supressão da liberdade individual? Controle dos indivíduos— e certamente a técnica permite um controle total. Vigilância da vidaprivada, dos nascimentos, regulamentação de todo o comportamentosocial e nalmente de toda a conduta humana... Obviamente, para salvara espécie, é preciso sacricar o indivíduo. Mastodos os indivíduos? E o quefeza característica da espécie? Pois Goldsmith, não parece nada consolador,ao pretender justicar o controle total, dizendo que nas tribos aborígenesafricanas e australianas, ele também existe... Eu gostaria — suprimindotodas as diferenças que possam existir entre esses dois tipos de controlsocial — mas este não seria justamente o único progresso da espéciehumana? er libertado o indivíduo desses controles sociais?

O preço a pagar parece enorme. Esse problema do preço a pagar ésempre trágico. Penso em uma declaração do Ministro das Finanças doBrasil, senhor Delm Neto, em 1975 dizendo que o desenvolvimentoeconômico, o crescimento técnico do Brasil só acontecem graças ao regimautoritário. Somente os tecnocratas podem fazer um Brasil industrializado A expansão econômica responderá a todos os problemas sociais. O preço pagar: um regime absoluto, com “os reproches” que ele apresenta, isto é, umEstado policial, prisões, torturas... Era o mesmo dilema que se apresentava Stalin. odo crescimento técnico rápido se paga da mesma forma.

Para concluir este primeiro aspecto da ambivalência da técnica, eudiria o seguinte: é evidente que a técnica aporta valores consideráveis

indiscutíveis. Mas ela destrói outros dos quais é impossível dizer se sãmais ou menos importantes que os anteriores. Não podemos chegar a

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um verdadeiro progresso (sem compensação), ou negá-lo, e menos aindquanticá-lo. Evidentemente, não se pode entender o meu pensamento emum sentido estrito. Eu não quero dizer que o progresso técnico se pagueexatamente valor por valor! Não estou dizendo que existe tanta destruiçãoquanto criação. Na esfera material, é evidente que existe crescimento, poconseguinte, no sentido atual, progressos! Existe mais poder energéticomais consumo, mais “cultura”! Não sustentaria que tudo é pago preço apreço (ainda mais que este preço é dicilmente quanticável) Mas o queme parece certo, é que o progresso técnico é muito menos considerável emseu nível de consumo do que ouvimos falar atualmente21.

A diculdade de compreender esta primeira característica se devea muitos fatores. Em primeiro lugar, precisamos levar em consideração situação global. Pois, na maioria dos casos, o preço a pagar não é da mesmanatureza que a aquisição feita . Precisamos então considerar o fenômeno porinteiro para apreender as compensações que se efetuam. Ora, isto nunca éfeito. Pensamos unicamente em fatos de mesma categoria. Mas esta atitudnão é a correta, pois com o progresso técnico, estamos na presença deuma mutação na civilização. Ora, uma civilização não é construída porelementos simplesmente justapostos, mas integrados entre si. Por isso, preciso considerar o conjunto das reações que são produzidas por ocasiãdeum progresso técnico. È por isto que o verdadeiro estudo do fenômenoé tão delicado. Mas, é neste nível de globalização que podemos armar qutodo progresso se paga. Somente é de fato difícil apreciar o valor que apareem relação àqueles que desaparecem, pois eles não têm a mesma natureznem as mesmas medidas. Mas não podemos cair na armadilha, nem danecessidade, nem da possibilidade das medidas exatas neste domínio.

A última diculdade que temos para compreender este fato, é queesta “compensação” é dissimulada. rata-se sempre de fenômenos difusoimportantes somente quando se avolumam ou se generalizam, e apresentamraramente, um aspecto explosivo ou trágico que acabe dando certo estilo

21Uma nteressante demonstração desta relat v dade fo apresentada em uma tese defend da na Un J. Gell bert (1986). Ele provou baseando-se nos estudos de Braudel que se contamos os 600.000 mode força e 20.000 mo nhos de vento de 5 a 10 cavalos, ex stentes no século XVi, a potênc a somadisto é, a energia produzida por uma ou duas unidades de produção de centrais nucleares. Na hipótese desta energia ser por uma central térm ca func onando com d esel (fuel-oil ) ela ex g r a de 85.000-170.000 toneladas de petróleo, e snesse caso a energ a perd da na forma de calor, bem como as perdas na l nha de transm ssão, sera 500.000 toneladas de petróleo para produz r a mesma energ a que o conjunto de mo nhos de águprogresso técn co!

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tanto quanto possível o computador por um sistema de mecanograamenos presunçoso?”. Mas tal regressão é impensável. Vamos continuaobedecendo à regra técnica do primado dos meios, quer dizer que aceitamoo aumento dos problemas22.

Para bem compreender a situação, é preciso partir do fato evidente,mas que convém precisar, que cada progresso técnico resolve problemae diculdades. Cada vez que os homens viram claramente um problemaou perigo, cada vez que elesdecidiram responder, podemos dizer que oproblema foivirtualmente resolvido. Em outras palavras, cada diculdadede nosso mundo, se a ela consagrarmos sucientes meios técnicos (homene capitais) pode ser eliminada se assim o decidirmos23. E ainda mais, cadaprogresso técnico édestinado a resolver um certo número de problemas.Ou, mais exatamente: diante de um perigo ou de uma diculdade precisa ,encontramos forçosamente a resposta técnica adequada. Isto provémdaquilo que é o movimento mesmo da técnica. Mas, responde também ànossa convicção profunda e geral nos países desenvolvidos, quetudo podeser reduzido a um problema técnico.

O movimento é então o seguinte: na presença de um problema social,político, humano ou econômico, é necessário analisá-lo de forma que else torne um problema técnico (ou um conjunto de problemas técnicos). A

partir desse momento, a técnica é o instrumento perfeitamente adequadopara encontrar a solução.Lembremos aqui o exemplo de solução para a crise desencadeada

pelo aumento do preço do petróleo. O debate provocado pela denominadacrise energética tinha como saída, como solução, a criação de um númeroconsiderável de centrais de energia nuclear (mais ou menos 3000 no mundoem um espaço de vinte anos). Isso é muito signicativo, por duas razõesPrimeiro, as diferenças ideológicas e políticas revelam-se nulas. anto

China, como a União Soviética, os Estados Unidos e a França só pensamna solução da energia nuclear. Por outro lado, a solução nuclear impõe-se porque é puramente tecnológica. As outras soluções são apenas, etapaintermediárias anexas, porque menos avançadas, tecnologicamente.

É muito difícil de situar o debate, pois existem efetivamente três. Odebate entre os técnicos nucleares, onde a questão é somente saber comoeliminaremos os perigos hipotéticos. O debate entre os técnicos nucleare

22Podemos c tar a nda Partant (1978), G ar n e Louberge (1979).23Um exemplo nteressante entre mu tos outros pode ser encontrado em: Hafeme ster (1985).

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e os técnicos das outras fontes de energia limpa (solar, geotérmica). Aqunão há nenhuma discussão sobre o objetivo (crescimento do consumo deenergia), pois há somente a divergência sobre os meios. Por m, o debatentre os técnicos nucleares e os grupos fantasiosos (os ecologistas, ohumanistas, etc) ou ainda a opinião pública, que é acusada de ignorânciae terror infundado. Não há duvidas de que os homens políticos carãoretidos na primeira discussão, e que um grão debate parlamentar sobre aquestão levará à consagração da solução imediatamente ecaz! Concebemos fenômenos humanos apenas do ponto de vista técnico, e é exato quea técnica permite resolver a maioria dos problemas com os quais nosdeparamos.

Isso desenhado como fórmula geral, apresentarei agora algunsexemplos para ilustrar o fato de que os problemas levantados pela técnicsão muito maiores e muito mais difíceis (a cada etapa), que os problemaresolvidos por ela. E o leitor, terá com certeza, uma surpresa.

Primeiro exemplo: o proletariado. No século XVIII, nos encontramosem presença de capitais disponíveis para investir, de invenções técnicas explorar, de possibilidades de criação de novos produtos cuja necessidadera inexistente, salvo exceção (criar por exemplo armamentos maissosticados, navios mais velozes, etc). udo isso combinado, levou a criaç

de indústrias têxteis, primeiro e metalúrgicas depois. Para que as usinafuncionassem, era necessária a mão de obra. Foi aí que ocorreu o primeirêxodo rural rumo as cidades e às fábricas. ransformação de camponeseem operários. Marx mostrou de forma perfeita que a transformação dosoperários em proletariado não é devido somente ao fato dos capitalistadesejarem aumentar os seus lucros (é o único aspecto que geralmentelembramos), mas antes de tudo, é o resultado da mecanização e da divisãdo trabalho. Quer dizer, dois progressos técnicos. Podemos até dizer: os doprogressos de base sobre os quais tudo está construído. Marx mostrou deforma perfeita a relação rigorosa entre o fenômeno técnico e a produção dproletariado. Sendo o capitalista apenas o agente intermediário que colocem movimento as forças produtivas. Essa análise foi aplicada fora dos paíscapitalistas, e comprovada. Vimos que a tecnicização da União Soviéticaexigiu a criação de um proletariado tão infeliz quanto o da Inglaterra de1850. É o que também constatamos agora em todos os países do erceiroMundo que entram no caminho da industrialização e da tecnicização.

Assim, a sociedade técnica destinada a responder a um certo númerode problemas particulares, não urgentes, tem necessidades mais ou meno

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importantes, tendo por objetivo, a criação da felicidade material. Issose realiza, criando um novo problema, o problema de uma classe maisexplorada, mais infeliz, desenraizada, mergulhada em uma situaçãoinumana. A relação parece impossível de ser rompida. As razões sãconhecidas e independem da estrutura econômica ou política. rata-se dadiculdade para homem não acostumado a adaptar-se à máquina. rata-seda concentração necessária de um grande número de trabalhadores. ratase da mutação muito rápida das estruturas sociais, do contexto da vida, daformas de pensar, da adoção de disciplinas externas e da inadequação doprodutos de consumo. Sabemos agora que a condição do proletariado nãoé uma simples insuciência de consumo ou de uma injustiça de repartiçãodo produto do trabalho. Isso conta também e pode ser atenuado, em certamedida, por um regime social apropriado. Mas quanto ao restante: como oproblema da mudança do consumo de bens tradicionais trocados por outrosnovos que não satisfazem, pois não correspondem às necessidades antigabem estabelecidas, é também um fator importante da condição proletáriaDa mesma forma, se nos países, tecnicamente avançados, conseguimoeliminar progressivamente um grande número de inconvenientesprovocados pela relação máquina-homem, é impossível conseguir chegalá de uma só vez nos países de erceiro Mundo (com a adoção de máquinaautomatizadas, por exemplo). Isso demanda uma infra-estrutura que nãoexiste, porque não se podem queimar etapas, não se pode passar por cimado tempo.

A experiência soviética, com a miséria extrema enfrentada de 1917 à1940, experimentada pela população inteira, nos permite pensar que, quantomais queremos avançar rapidamente no caminho da tecnicização, mais amiséria (global, criadora do verdadeiro proletariado, no sentido de Marxé intensa e a velocidade da tecnicização cria uma condição proletária cadvez mais intolerável. Assim a mecanização e depois a técnica acrescentaramuito ao homem, suprindo um grande número de necessidades. Mas nãopodemos negar que elas tenham provocado as maiores diculdades quea sociedade ocidental experimentou ao longo de todo o século XIX. Eera impossível fazer de outro modo, como o demonstram as experiênciarecentes, e como pensava Marx. Creio que não é exagero dizer que oproblema suscitado era muito maior que os problemas resolvidos. Mas justamente era muito maior para que pudéssemos colocá-lo em relaçãodireta com o progresso técnico.

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O problema de um proletariado insolúvel, não é somente aqueledo Século XIX, nem aquele dos trabalhadores imigrantes em nosso paísLembremos o exemplo dessa maravilha do progresso que é oSiliconValley : prodigioso sucesso ultra-moderno. O sucesso e o crescimento dessenovo conglomerado produziu um proletariado, em 1950, absolutamenteinsensato. Os salários mais baixos dos Estados Unidos, a superpopulaçãna periferia distante, uma poluição atmosférica excepcional, as mais altataxas de divórcios e infanticídios, a maior densidade de população emfavelas, etc, tudo produzido pelahigh-tech levada à seu mais alto nível.

Um segundo exemplo dessa lei de crescimento dos problemas como crescimento das técnicas, nos é apresentada com o questionamentodo mundo natural no qual o homem foi chamado a viver. O “problemaecológico com os seus diversos e múltiplos aspectos24: os inumeráveiscasos de poluição, os danos e prejuízos, a ruptura dos ciclos naturais, aprodução de novos elementos químicos (que não existiam na natureza), oesgotamento eventual (impossível de ser calculado de maneira exata) dorecursos naturais, a grande e temível ameaça da falta dágua, a destruiçãda paisagem humana, o desperdício dos solos cultiváveis, etc. Esses fatosão hoje, indiscutíveis, apesar das oposições. E tudo isso é o resultado dcrescimento desenfreado, da aplicação ilimitada das técnicas.

Ora, cada vez fragmentamos o perigo. Existe a poluição dágua, ou oesgotamento (eventual) do cobre. E este é precisamente o erro tecnológicoPrecisamos tomar o problema ecológico por inteiro, em todo o seuconjunto, comtodas as suas interações, todas as suas implicações, semreducionismo, e nos apercebermos então que o problema colocado é agorum milhão de vezes mais vasto e complexo que qualquer um daquelessuscitados nos séculos XIX e XX, e resolvidos pelas técnicas. É mais difídeixar o Mar Mediterrâneo integralmente limpo do que fazer voar umavião. Mas o perigo é tão grande que preferimos ocultá-lo: depois de umperíodo de tomada de consciência de 1955 a 1970, podemos dizer quedepois de dez anos, o público se desinteressou, e os sucessivos governofazem o possível para negar o problema. Ora, aqueles que estudam deverdade a situação consideram que o perigo é tão grande que é precisotomar medidas imediatas, em escala planetária, para encontrarmos umequilíbrio ecológico no conjunto de nosso meio ambiente, pois trata-se deuma ecologia sócio-agro-industrial25.

24Sobre o assunto ver: Ramade (1980); e contra a ecolog a ver o nteressante l vro de Fa vret, M s25Um exemplo desse caráter imperceptível é o gás carbônico.Sobre o assunto ver: Lambert (1980) e Delmas (1980).

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Para ilustrar a desproporção entre a grandeza dos problemas criadospela técnica e os múltiplos benefícios produzidos por ela, tomarei apenas umterceiro exemplo (que poderia aumentar com os efeitos da automatizaçãoa mutação das doenças, a urbanização e os transportes). rata-se dasuperpopulação. Com certeza, não posso compartilhar o otimismo deSauvye outros demógrafos ou economistas ao considerar que o mundopode absorver 100 bilhões de habitantes. É preciso, de qualquer maneiralembrar que não existe superpopulação absoluta, mas que podemos falade superpopulação apenas em relação às possibilidades de subsistência apesar das virtualidades que iremos lembrar, parece, em última análise quMalthus tem razão. alvez, não no absoluto, mas com certeza no concretoImpossível de esboçar em três páginas a extraordinária complexidade dquestão. Limitar-me-ei apenas a três aspectos. Em primeiro lugar, estedesenvolvimento demográco é sim, produto de técnicas: o prolongamentoda vida, a manutenção da vida e recém nascidos que “normalmente” teriamfalecido, vacinas, eliminação das grandes epidemias, a higiene... muitoprogressos técnicos que acarretaram esta surpreendente proliferaçãoda espécie humana desde o início do século (XX). Ora, as diculdadesprovocadas por tal desenvolvimento, são desencadeadas por meio de técnic“boas” e positivas. Não se tratam de técnicas negativas e agressivas qutrazem diculdades, mas técnicas destinadas a servir o homem, a protegêlo. É isso que o conduz a um impasse. Isso demonstra que é impossívedividir claramente as técnicas “boas” das técnicas “más”.

Diante desse crescimento demográco26 absoluto, se coloca entãoo problema da subsistência. Mais uma vez, assistimos a conitos entreespecialistas eexperts . Para uns, existe ainda uma superfície arável eexplorável importante (eventualmente duas vezes mais terras potencialmenutilizáveis do que terras exploradas). Para outros, entretanto, é uma

26isto se agrava com o desequ líbr o entre o cresc mento cont nuo no Terce ro Mundo e a tendêncum recuo no mundo “desenvolv do”. No Oc dente a nda v vemos com a dé a de que obt vemos v da e este é um dos tr unfos nd scutíve s da qual dade da v da e da técn ca. Ora sto não é mmortal dade nos países ndustr al zados at nge a todo o Oc dente. Faz do s decên os os demógrae mesmo um recuo na Europa de Leste, mas, agora há uma regressão da duração méd a da v da. istoda mortal dade mascul na, dev do ao desenvolv mento de comportamentos soc ocultura s noc venvelhec mento global da população e a uma certa degradação (mesmo s temos a mpressão do coem seu conjunto. Dessa forma, as vantagens demográficas obtidas são frágeis e a melhoria da saúde depende cada vfatores sóc o-cultura s nstáve s. Cessemos então de nos glor armos de acordo com Chesna s (198agrega duas noções essenc a s: o tamanho da população não depende da fert l dade, mas da d spalimentação ou o espaço que limitam o seu desenvolvimento. Assim um aumento do número de ovos e do número de injovens pode acarretar uma diminuição do efetivo da população adulta. Duas constatações experimentais essenciaisdeixadas de lado.

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loucura tentar cultivar a maioria das terras indicadas, pois isto implicariaem maciços desorestamentos, que seriam desastrosos, de todos ospontos de vista. Aliás, é importante notar que, se nos próximos trinta ecinco anos dobrarmos a superfície cultivada, segundo todas as previsõea população mundial também terá dobrado. Portanto, em númerosabsolutos, existiriam duas vezes mais subnutridos do que nos dias de hojePara alguns, existem recursos inesgotáveis de alimento nos oceanos (algaplâncton), mas para outros, a taxa de radioatividade do oceano aumentarapidamente, e a radioatividade se xa preferencialmente nas algas e noplânctons, de sorte que daqui a poucos anos estarão totalmente imprópriospara o consumo. E não existe apenas esse perigo mundial, como observo professor Furnestier: “Como pensar em estender a aqüicultura quando,nas costas francesas (e outras costas), os viveiros de ostras são ameaçadosasxia por causa do excesso decampings ?” Somem-se a isso os efeitos daspesquisas petrolíferas submarinas, e toda a poluição da costa. No Japãopor exemplo, o lixo industrial com taxas de concentração não tóxicas foabsorvido pelo plâncton, que se tornou alimento mortal para os peixes, egravemente tóxicos para os homens. É evidente que ao pretender aumentaa cultura de algas, plânctons e etc., supõem-se resolvidos centenas deproblemas. Se admitirmos que devemos triplicar a produção de alimentonos próximos vinte e cinco anos, não saberemos como efetuá-lo27.

Entretanto, o problema é ainda bem mais difícil do que imaginamos.Não é suciente produzir mais alimentos. É preciso distribuí-los, por meiode transportes que levem tais produtos onde efetivamente impera a fomeOra isso geralmente falta. É preciso lutar contra os açambarcadores. Épreciso lutar contra os governos que desviam os fundos de ajuda para sepróprio benefício. Sublinhamos muito nesses últimos anos, que a ajudaalimentar direta aos países do erceiro Mundo, em última análise, eraem muitos casos, catastróca. Os produtos estrangeiros doados vem fazeconcorrência aos produtos da agricultura local, levando à ruína muitoscamponeses. Esperamos muito de novos produtos químicos e de progressotécnicos. Procuramos e encontramos produtos destinados a combater afome no mundo (como por exemplo, alimentar microorganismos (levedurapor exemplo) com produtos petrolíferos. Logo disporemos de um alimentonatural com alto índice de proteínas e vitaminas. Mas, de acordo com

27É verdade que consegu mos fabr car proteínas por m cro-organ smos, uma empresa franco-japon(50.000 toneladas), que subst tu ntegralmente a soja. Alguns b fes serv dos nosfast-foods contém até 30% dessas proteínas. Esseé o futuro! (Bourgeo s-P chart em Jacquard, 1987).

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as experiências realizadas até aqui, esse tipo de alimento não é aceitopelos povos subnutridos. Uma das principais diculdades diz respeito àtradições, atitudes e crenças sociais, políticas e religiosas que resistem dforma considerável. Não podemos pensar que pessoas subnutridas comemqualquer coisa. Os Ocidentais sim, porque não têm mais crenças, nemsentido do sagrado, nem tradições. Mas, não os outros. Portanto, todaa estrutura social seria abalada, pois a alimentação é também uma dasestruturas sociais (ver Levi-Strauss).

rata-se de desestruturar os grupos e as personalidades. Uma vezmais, alimentaremos pessoas, ao preço da sua destruição psicológica social... O preço a ser pago é uma vez mais considerável, qualitativamengrande e incomensurável com o benefício do alimento químico. Aliás, équase sempre o caráter desse preço, ele é incomensurável com o benefício técnica. Além disso, muitas descobertas não trazem benefícios. Conhecemoo teste extraordinário descoberto pelo doutor Gudmand Hoeger, segundoo qual a grande parte das populações do erceiro Mundo tem alergia aoleite. Milhões de pessoas não possuem no sistema digestivo, as enzimaque permitem a assimilação da lactose depois do desmame. A absorçãdo leite nessas condições acarreta graves distúrbios gastrointestinaisCompreendemos o efeito dessa descoberta se ela se conrma, e como ajuda alimentar (que contêm muito leite em pó) e a política agrícola dospaíses em desenvolvimento são questionados. Isso corresponde a umareação observada (na África, sobretudo) de desconança dos autóctonecom relação ao leite (alimento enfeitiçado). É evidente que o cálculo técnicdas calorias ou da orientação econômica produzida nessas condições imprevisível.

De forma recíproca, a Organização Mundial da Saúde, empreendeuuma reforma da política de redução da natalidade, estabelecendo umprograma de implantação de centros de pesquisa e formação para atuar npesquisa, na opinião pública, nas legislações, etc. Mas cada vez mais, mesmentre aqueles que apóiam essas políticas levanta-se o problema psicológiccultural, social e inter-relacional da difusão de métodos de contracepçãode esterilização, etc. O doutor Escoffier-Lambiotte, em dois excelenteartigos (“Le droit de procréer ” Le Monde, Janeiro de 1972) sublinha que issosupõe “um profundo abalo de consciências e tradições”. Seria preciso uma“revolução ética” ou correr direto a uma ditadura, suprimindo o direito deprocriação e conduzindo a “abusos de esterilidade obrigatória.

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Por sua parte, A . Sauvy, mostrou os desastres psicológicos esociológicos que poderia acarretar uma brusca parada no crescimentodemográco. Não se pode acreditar que exista apenas um perigo (o dabomba P) porque existemdois perigos: o crescimento, nos começamosa conhecer essa ameaça. Mas, o bloqueio do crescimento, por meio demedidas drásticas, acarretará catástrofes,em outras áreas , provavelmentetão graves mas menos evidentes que a fome e a falta de lugar. udo issosem falar no choque espiritual produzido nas populações com fortesconvicções religiosas, sempre vivas (judaísmo, catolicismo, islamismo), qfavorecem a procriação e fazem da criança um dom divino ou a condiçãoda transmigração de almas (hinduísmo). Ora, não podemos varrer isso coma palma da mão, decretando que é algo absurdo. O preço a ser pago seriacertamente considerável. Estamos assim na presença de um caso típico ddilemas insolúveis levantados pela técnica, muito embora ela se aplique, in casu, a âmbitos bem delimitados.

Foram apresentados aqui, três exemplos dos problemas gigantescose imprevisíveis, levantados pela técnica. Podemos dizer que cada etapa dprogresso técnico suscita problemas parecidos com aquelas que acabamode esboçar sumariamente. Estes são o fruto da era industrial (com osprogressos conhecidos nesse período: metalúrgica, transporte, medicinaetc.) e do início da era técnica até mais ou menos 1970. Quais serãoos grandes problemas suscitados na nova etapa de expansão do sistemtécnico, com a engenharia genética, a informática, o laser e o espaço? Éimpossível responder a essa pergunta, da mesma forma, como tambémera impossível prever a criação do proletariado em 1800. No entanto, aolongo deste trabalho, tentaremos indicar quais poderiam ser os problemano porvir. emos apenas uma certeza. Eles serão ainda mais difíceis. Muitmais extensos e muito mais complexos que os precedentes.

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III. Os efeitos nefastos do progresso técnico sãoinseparáveis dos efeitos benéficos 28

Já vimos que é praticamente impossível distinguir claramente às

técnicas boas e úteis das que poderiam ser más ou inúteis. Da mesmaforma é vão referir-se a um “bom uso” das técnicas sem considerar ofenômeno e o progresso técnico em si. odas essas apreciações simplistrepousam sobre apreciações muito sumárias e sobretudo muito gerais eabstratas das técnicas. Com efeito, tudo se complica desde o instante queparamos de considerar uma abstração e apenas losofar, e olhamos deforma concreta tal ou qual técnica especíca em seu funcionamento e emseu desenvolvimento real. Podemos então perceber que as classicaçõe

não são fáceis, pois uma técnica comporta um grande número de efeitosque não se direcionam todos no mesmo sentido.Não é fácil separar técnicas de paz e técnicas de guerra apesar da

aparência. Há alguns anos atrás, tentei mostrar concretamente que abomba atômica não era o produto de alguns belicistas malvados, mas simo resultado normal do desenvolvimento de pesquisas atômicas, uma etapindispensável, e que reciprocamente os seus temíveis efeitos para o homesão muito menos imediatamente a bomba, que o resultado de aplicações

pacícas da desintegração do átomo. Não voltarei a isso. Mas, podemonos situar em todos os níveis da técnica, dos mais humildes aos maisaltos e perceberemos que nada é unívoco. As técnicas de exploração dariquezas são boas para o homem? Com certeza. Mas, quando elas levam aesgotamento dessas riquezas, a uma exploração sem freio dessas riqueza As técnicas de produção são boas, com certeza. Mas produção do quêComo essas técnicas permitem ao homem produzir qualquer coisa, se odeixamos livre ele se aplicará a produções absurdas, vãs e inúteis.

Isto apresenta um aspecto notável: produzir é bom em si29

, qualquerque seja a produção. O único papel da técnica é aumentar a produção.E como a única atividade importante do homem é trabalhar, pois aparticipação nesse crescimento da produção é seu único meio de vida, el28Para o estudo do conjunto dos prejuízos e dos seus efe tos negat vos nseparáve s, bem como doé necessário estudar por uma parte os livros de Jouvnel, especialmenteArcadie(1968); por outra parte, o grande ensa o deCharbonneau (1969). Um dos raros autores a perceber o derrubamento negat vo dos atos técn cos pos tquando em seu último capítulo, sublinha que devemos começar a tomar consciência do fato que não é suficiente clas“efe tos nefastos da técn ca” como sendo “tecnolog a mal empregada”. Mas que as mudanças tecnmesmas, “sabotam” os efe tos benéf cos esperados desse progresso, em prove to de toda a soc eda29Reenv o o le tor ao estudo de Galbra th (1970).

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se engaja em um trabalho de produção de coisas inúteis, absurdas e vãsmas muito sérias, pois o homem a elas consagra uma vida inteira, a elas econsagra o seu trabalho, nisso ele ganha a sua vida...

Não lhe digamos que isso é um efeito da técnica, e que tudo poderia ser

diferente... Efetivamente, com um governo totalitário, e uma organizaçãoautoritária da produção, não se produzem esse tipo de objetos (mas carrode assalto e foguetes com ogivas nucleares). Entretanto, a ditadura nãoparece um efeito desejável da técnica. Em contrapartida, em um regimenão ditatorial, as técnicas de produção agem em todos os sentidos. Enão aleguemos que em denitiva a culpa é do homem... Porque anal,é preciso que olhemos o homem tal como ele é. Essa é uma das maiorefraquezas dos que estimam que podemos separar os efeitos bons e maus dtécnica. Supomos sempre uma coletividade de homens sábios, razoáveidominando seus desejos e seus instintos. Homens sérios e morais. Até aqua experiência mostra que o crescimento dos poderes técnicos não conduzio homem à virtude. Dizer então “é suciente saber fazer um bom uso”, é mesma coisa que não dizer nada.

Entretanto, gostaria de mostrar, com exemplos, como o coraçãomesmo dos mecanismos técnicos produz inseparavelmente, e sem que ohomem possa intervir de maneira ecaz, efeitos bons e efeitos nefastos

omemos em primeiro lugar um caso bem complexo, que apenas esboçareaqui. Um ciclo de efeitos nefastos ligados a efeitos positivos foi de maneinotável apresentado no artigo de Nathan Keytz (1967). Resumidamenteos europeus instalaram-se em países com populações escassas, espalhade desenvolveram plantações de monocultura ou explorações de matériaprimas. Eles chamam mão-de-obra, diminui-se a mortalidade, aumentaa população. Durante esse tempo, os europeus descobrem substitutosarticiais às matérias primas exploradas. Eles foram expulsos dos domínicoloniais, e de resto, salvo exceção, não são mais necessários lá. Entretanto crescimento da população foi iniciado... e não para mais. É um dos fatodo subdesenvolvimento. Assim, efeitos “bons” como a higiene, aporte dmelhores técnicas, descobertas e descolonização, estão ligadas infalivelmea efeitos como perdas econômicas, perda de uma economia de produtosdestinados à alimentação e superpopulação.

Insistiremos com outros exemplos. Uma das características da técnicaé o crescimento dos ritmos e das complexidades. oda operação econômic

e administrativa, tudo o que é gestão e urbanismo, torna-se cada vez maicomplexo, por causa da multiplicação das técnicas. Cada área é objeto d

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várias técnicas que é preciso conhecer. Essa extraordinária amplitude datécnicas provoca uma especialização cada vez mais acentuada. Com efeité impossível para um homem conhecer a fundo várias técnicas e métodosOs procedimentos tornam-se cada vez mais sosticados, complexos edelicados, preciso aplicar-se somente a um para bem conhecê-lo. Ora, éindispensável, nesse meio, conhecer perfeitamente a técnica que usamosoferecendo assim uma maior ecácia e velocidade. odo erro torna-se considerável e pode ser catastróco. Quanto maior a velocidade damáquina, mais grave é o acidente. Quanto maior a delicadeza da máquinamais o erro é imperdoável. O que é evidente a nível mecânico, é igualmentverdadeiro em todos os outros domínios técnicos. Os técnicos tornam-seespecialistas cada vez mais estreitos. Ora, o sistema somente pode funcionse cada etapa das operações é executada por técnicos especializados. aoperações, estreitamente ligadas uma em relação às outras, literalmentconectadas, como as diversas operações de uma cadeia automatizadaonde cada operação comanda e determina outras várias outras operaçõesDa mesma forma em uma sociedade tecnicizada, todo trabalho de umtécnico especializado deve ser coordenado a outros para alcançar ecáce signicação. Ora, essas características engendram-se de forma recíproc A especialização combinada com à coordenação permite a aceleração doritmos, mas ao mesmo tempo provocam também os embaraços.

Esse fenômeno, os embaraços, já mencionado anteriormente e sobre oqual P. Massé insistiu longamente, revela-se como um dos efeitos inevitáveise desastrosos do aperfeiçoamento da técnica. Esses embaraços situam-se etoda a parte. Não apenas nas ruas. Mas é a sobrecarga dos programas escolareque por sua vez é o preço exato do crescimento de nossos conhecimentos30.Eu admiro os reformadores da educação. É necessário renunciar a ensinasomente o essencial às crianças? Mesmo se reduzimos esse essencial aconhecimentos úteis e técnicos (o que não desenvolve a inteligência, masindispensável para entrar na sociedade), nos encontramos com programadementes que apenas esmagam a personalidade e a sensibilidade da criançÉ o embaraço dos sons, das imagens, dos escritos. É o embaraço por meido papel (pois ele está longe de ser destronado!), de toda atividade, queacaba perdendo denitivamente o seu signicado pela sufocação empapéis recebidos e emitidos. É o “furor regulamentar”. O homem pensaque pode dominar essa proliferação por meio de regulamentações, emiteregras, elabora organogramas, desenha quadros e se convence que assim30L’homme encombré , Prospective , 1969.

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isso não se deve a eles próprios, isto é, que eles não são incapazes “emsi”, mas em relação à sociedade técnica. Homens e mulheres esgotadosestressados, aptos a realizar um trabalho de meio período (sabemos que questão do trabalho a meio período é uma questão amplamente discutida,não somente para as mulheres casadas), mas incapazes de se concentrar nque estão fazendo, de manter os gestos precisos e coesos por longo templongo. Ligeiramente desequilibrados, capazes de realizarem trabalhosimples e lentos (que não existem mais em nosso mundo) e pessoas idosaconsiderando que para esse ritmo de trabalho e renovação constante dastécnicas, somos já velhos aos cinqüenta anos31, incluindo a passagem porvários estágios de reciclagem para aprender as novas técnicas do seu próprtrabalho.

Ora, em uma sociedade tradicional, não existe um número tãogrande de “dejetos humanos”, porque as condições de trabalho nãotécnico permitindo empregar nalguma medida, qualquer pessoa, nessascondições existe sempre uma possibilidade de empregar-se. Enquantoque a nossa sociedade separa rigorosamente os aptos dos inaptos. Mantegratuitamente um grande número de inaptos é com certeza possível emuma sociedade altamente produtiva, mas humanamente condenável. Nãose trata apenas de casos excepcionais, mas de uma diculdade generalizadtalvez temporária (mas por quanto tempo?) de viver em uma sociedadeconstantemente móvel, sem pontos de referência, de mudanças aceleradaem todas as áreas (trabalhos, velocidades, empregos, conhecimentos)“Esse estado de disponibilidade permanente que nos é imposto, choca ohomem”, “existem muitas idéias novas, muitas situações inéditas, muitatécnicas sem liação, muitas cidades sem raízes.” (P. Massé).

Generalizando-se essa situação corre-se o risco de produzir-se o queMendras chama de “uma contra-sociedade”, constituída por todos aqueleque não podem seguir esse ritmo. A tudo isso agrega-se a categoria quKreytz (1967) chama de “o homem inexplorável”, isto é, o homem quetendo ainda uma disponibilidade de horário para o trabalho, não valemais a pena empregá-lo. A situação do homem “explorado” no mundocapitalista é menos grave que a do homem inexplorável que não servepara mais nada. A força de trabalho que ele representa não vale a penaser explorada. Ninguém se interessa em empregá-lo, nem mesmo porum salário de fome e mesmo em um país socialista, não há nada para el

31 Anál se fe ta por W llard W atz,Rapport au secrétariat d’État du Travail (Estados Un dos), 1965, que conclu pelo “amontoamde dejetos humanos”, “human scrap heap ”.

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fazer. Ora, não se trata da “sociedade do lazer”, pois se assim fosse, serpreciso dar a ele do que viver sem nada fazer. Entretanto na corrida entre produção e a produtividade, o progresso técnico despeja categorias inteirade homens inexploráveisantes de poder criar um nível de produção quepermitiria outorgar-lhes uma renda mínima. Isto é ainda mais complicadose o considerarmos no plano mundial, com a relação entre a tecnologiaavançada ocidental e o crescimento demográco do terceiro mundo.

Quanto mais a técnica aumenta, mais aumentam os perigos. E isso emtodas as áreas. Quanto mais a técnica é audaciosa, o resultado considerávemais o perigo é inaudito. Decidimos abrir a estrada transamazônica unindoa costa Atlântica até a fronteira peruana: 3000 km cortando a oresta, obratécnica gigantesca, que colocará em perigotodas as populações indígenasda Amazônia. A descrição do professor N. Neto é evidente e terrível aomesmo tempo. O índio se perde necessariamente pelo simples contatocom a civilização. Aqui, é preciso avaliar o sentido dessa estrada em relaçao desastre humano.

Um caso espetacular é o caso da poluição provocada pela luta contraa poluição. Os procedimentos de puricação do ar, nos estados Unidos,são muito ecazes contra a poluição das fumaças. Infelizmente, os gazeemitidos não evacuam as partículas sólidas, de sorte que os diverso

óxidos de azoto e enxofre podem combinar-se livremente com a água datmosfera, formando ácido de azoto e de enxofre, o que a presença daspartículas sólidas tinha até agora impedido. Nessa atmosfera puricadaa chuva asperge ácido sobre as casas e as colheitas. Já tivemos chuvas tácidas quanto suco de limão.

Nesse âmbito, estudos da O.C.D.E. (Organização para a Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico), desde 1972, revelaram a situaçãocatastróca da Noruega, que sofre efeitos sobre os peixes, orestas

corrosão das linhas de alta tensão. Essas nuvens carregadas de ácido vêe justamente de localidades onde se procede à despoluição das fumaças.Eu poderia estudar também o caso essencial nesta época da difusão

dos meios de comunicação, do caráter inseparável dos efeitos positivoe negativos, especialmente a mistura inextricável da informação e dapropaganda. Não entrarei em matéria aqui uma vez que já realizei essapesquisa 32. Mas concluirei com três observações gerais. De acordo com

32Ellul (1966).

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o excelente estudo de M. Micaleff33, a idéia que a técnica está a serviçodas necessidades dos indivíduos para aumentar o bem-estar, é ilusóriaOcorreu uma separação entre o crescimento econômico e o crescimentodo bem-estar. Consideramos toda atividade remunerada como um valoracrescido e geradora de bem-estar. Mas, existem cada vez mais casos ondesta atividade é na realidade um valordeduzido. Assim, o investimento naindústria antipoluição, não aumenta em nada o bem-estar. Ele é apenasum custo suplementar devido a uma produção que provocou aredução desse bem-estar! E às vezes, existe ainda um acréscimo do valor deduzidouma taxa superior ao crescimento do valor acrescido.

E. Morin (1981) teoriza: o princípio da entropia da ação tende adegradar o sentido originário da ação, a desviá-lo e nalmente a dissolvêlo no jogo das inter-retroações. oda ação entra de modo aleatório emum jogo múltiplo e complexo de inter-retroação, onde a ação não tem ocontrole, e muitas vezes não suspeita de nada. E isto se aplica de formexcepcionalmente exata à técnica e a ação empreendida pelos meiotécnicos. É provável, inclusive, que Morin, ao escrever “ação” pensasse euma ação técnica, uma vez que qualquer outra hoje, não tem nenhumaimportância.

Podemos concluir essas indicações sobre a relação que existe entre o

efeitos positivos e negativos da técnica por meio desta profunda reexão dB. de Jouvenel (1968):

Nós deterioramos o nosso meio ambiente não somente como indivíduos,quando agimos como brutos ignorantes, mas também quando agimoscomo agentes à serviço de uma função social útil, ao conduzirmosoperações de uma maneira racional de acordo com os nossos objetivos,porém irreetidas e prejudiciais do ponto de vista do conjunto.

Então o problema agora é de saber se: dado o que é a técnica, éainda possível agir considerando todos esses fatores, ou bem se “a visão conjunto” paralisaria totalmente a ação técnica?

33M caleff em Jean Touscoz (1978).

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IV. Todo progresso técnico compreende um grande númerode efeitos imprevisíveis

A imprevisibilidade é uma das características gerais essenciais d

progresso técnico, situando-se tanto no começo, na etapa da invenção e dainovação, como no m na etapa dos efeitos. Estudarei a imprevisibilidade34 geral no capítulo seguinte. Aqui abordarei somente os efeitos e não sobre movimento global. De sorte que este parágrafo deve ser lido na perspectivdo capítulo seguinte.

O fenômeno técnico não apresenta jamais uma simplicidade deépura 35. odo progresso técnico apresenta três tipos de efeito, os desejados,os previsíveis e os imprevisíveis.

Quando os cientistas desenvolvem as suas pesquisas num setortécnico, eles procuram a maior parte das vezes um resultado precisosucientemente claro e próximo. Enfrenta-se um problema preciso: comofurar um poço a 3.000 metros de profundidade para atingir uma jazida depetróleo. E utilizam-se um conjunto de técnicas e inclusive inventam-seoutras para resolver o problema. Esses são os efeitos desejados.

Face a uma descoberta, os cientistas avaliam em que domínio elapode ser aplicada. Elaboram procedimentos técnicos de aplicação. Esperamum certo número de resultados e os obtêm. A técnica é bastante segura, eldá os efeitos esperados, evidentemente podem haver hesitações, fracassomas, podemos estar seguros que o progresso técnico eliminará as zonas dincerteza em cada domínio.

Encontramos uma segunda serie de efeitos vinculados a toda operaçãotécnica: os efeitos não procurados, porém previsíveis. Por exemplo, umgrande cirurgião atual disse “que uma intervenção cirúrgica consiste emsubstituir uma enfermidade por outra”. Evidentemente trata-se de umaenfermidade penosa por outra mais leve, ou uma enfermidade que ameace totalidade do ser, por outra que será localizada. Da mesma forma, utilizamomedicamentos muito ecazes, mas que podem originar acidentes graves (po34Deixarei de lado a imprevisibilidade que resultaria da autonomia adotada pelo instrumento técnico. A famosa hisrevolta do robô. Subl nhare tão somente que nesse âmb to re na a ma or ncerteza. Para uns, a mápode então ter nenhuma autonom a. Não ex stem máqu nas que pensam, nem máqu nas cr adoraex ste tendênc a à autonom a, ex ste capac dade cr adora, por exemplo, no domín o estét co. Acalculadoras tornam-se capazes de programar-se , elas tenderão a reter as lições havidas nas suas experiências. De sopoder am um d a elaborar métodos e proced mentos compl cados que desaf arão a compreensão d(WiENER e KHAN, L’na 2000).35Conjunto das projeções de uma f gura sobre do s planos perpend culares (Nota dos tradutores).

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exemplo, neurolepticos, antiespasmódicos, hormônios...). Os acidentes sãnumerosos, na França seriam a causa de dez por cento das hospitalizaçõeO emprego desses medicamentos justica-se somente na hipótese de que risco que eles acarretam for inferior aos benefícios esperados. E necessárentão fazer uma avaliação do risco e do benefício previsíveis. Nesse cahá efeitos que gostaríamos não ter, porque são negativos, mas inevitáveiconhecidos. Em toda operação técnica deveríamos ser assim clarividentecomo esse cirurgião e reconhecer os efeitos não procurados, mas previsíve(o que geralmente não fazemos como vimos no primeiro ponto), paraavaliar corretamente o que estamos fazendo e proceder ao balanço dosefeitos positivos e negativos.

Entretanto, existe ainda uma terceira categoria de efeitos, totalmenteimprevisíveis36. odavia é necessário distinguir entre os efeitos imprevisíveis,porém, esperados, daqueles imprevisíveis e inesperados.

Os primeiros se originam na nossa incapacidade de prever comexatidão um fenômeno do qual nos pressentimos a possibilidade. Porexemplo, no âmbito da habitação, utilizando o sistema de blocos podíamoconceber que isso acarretaria efeitos de ordem psicológica e sociológicbastante profundos. O homem vivendo na imensa unidade habitacionalse transforma, mas em que e como nos somos ainda incapazes de preve

exatamente. Há uma espécie de mutação no comportamento, nas relaçõesnas distrações... podemos dizer tudo a esse respeito, sem que uma previsãseja mais certa que a outra. É engraçado que em relação a isso, Francastechegue a conclusões diametralmente opostas a aquelas de Le Corbusier. Oque podemos armar é que há mudanças. Podemos citar outro exemplo,a questão do lazer. Se é verdadeiro que nos caminhamos rumo a umaera — ou uma civilização (?) — do lazer, podemos estar seguros que issproduzirá grandes mudanças no homem, porém nenhuma previsão efetivanão é possível. Estamos no domínio do hipotético. Nossos conhecimentosconcretos de psicosociologia são ainda incertos e não podemos, a partideles proceder a uma previsão. Somente podemos fazer extrapolaçõesporém a partir de dados limitados, relativamente pouco seguros, a reexãca muito aleatória.

Existem igualmente efeitos inesperados mas que poderiam ter sidoprevistos. Entre os exemplos concretos e espetaculares, Veneza ou oorrey36Um bom catálogo dos efe tos mprev síve s fo aportado por Darl ng (1972). Espec almente liberatória acarreta necessariamente um certo número de embaraços e de escravizações. Consulte-se também o iniguade Mendel (1980). Esse l vro contém um quest onamento fundamental e pert nente da engenhar a

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Canyon. omo expressamente dois exemplos antigos. Os males de Veneza(exceto talvez parcialmente o seu afundamento) eram em grande parteprevisíveis. Eles eram inesperados porque não se podiam ter precisõee por que o homem moderno sempre se recusa a prever o negativo. Afórmula “o pior não é sempre certo” é o melhor travesseiro de preguiçaPodíamos facilmente supor que esses danos sobreviriam pela transformaçãda navegação. Numa cidade exposta aos ventos salinos, a combinação ddepósito do sal e dos componentes de carbono (em particular os óxidosde carbono provenientes dosvaporetti produz, uma “mistura detonante”para o mármore que é literalmente pulverizado. As esculturas, quadrose afrescos sofreram mais danos os últimos vinte anos do que em cincoséculos. Podíamos também ter previsto os efeitos da agitação das águas docanais, por ondas importantes e incessantes batendo nos muros que jamaiconheceram coisa parecida. Da mesma forma podíamos ter previsto comfacilidade as “marés negras” do gênero daquelas doorrey Canyon. Elas sãoinesperadas porque não podemos saber quando o acidente se produzirá.Mas sabemos a qual ponto as “marés negras” são “prováveis”.

Existem por último os efeitos totalmente imprevisíveis e totalmenteinesperados. Relembro o exemplo que eu dei em outro trabalho o dasculturas como o algodão e o milho (ELLUL, 1954) 37. A muitos pareceuum progresso indiscutível utilizar novas terras para essas plantações. Emterras com bastantes orestas, A derrubada de árvores aparecia como umfeliz operação, rentável desde todos os pontos de vista, e por conseqüênccomo um progresso técnico. Não podíamos saber que a ligação orgânicado húmus do solo é destruída pelas raízes do milho e do algodão. De sorteque as terras cultivadas durante trinta ou quarenta anos com esse tipo devegetais, são transformadas em pó. Basta que o vento sopre e não resta manada; só a rocha. Esse foi o drama agrícola dos Estados Unidos nos ano1930. Mas o fenômeno é mundial...

37Da mesma forma para todas as man pulações da engenhar a genét ca: não sabemos jama s exconsultar “Les manipulations génétiques: des risques encore mal évalués ”, La Recherche, nº 107, janv er 1980.

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