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2013 · f508.com.br Espaço f/508 de Fotografia Núcleo de pensamento imagético CADernOs F/508 CA #1

Cadernos f/508 #1

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Revista Cadernos f/508 do Espaço f/508 de Fotografia. Edição 1.

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Page 1: Cadernos f/508 #1

2013 · f508.com.br

Espaço f/508 de FotografiaNúcleo de pensamento imagético

CADernOs F/508CA #1

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Sobre a exaustão das retinas

ja não me diz nada um por do sol em cancune um coqueiro em alto-mar já vagou por protetoresde tela demais para me causar qualquer sensaçãode bem-estar; os casais parisienses que habitamcalendários já não me dão sequer vontadede ir a paris assim como não me comovemmais as crianças de sebastião salgado nema menina que foge do ataque do napalme que em breve estampará cangas e biquínis;as imagens estão gastas e não há nenhumaque erga pontes como a palavra que.

Gregorio Duvivier

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Humberto Lemos, fotógrafo há cerca de 30 anos, é coordenador do Espaço f/508 de Fotografia, e editor do Cadernos f/508. Nem pensem em aparecer com postes, lixeiras, beija-flores e florzi-nhas na frente dele.

Tainá Seixas, estudante de Audio-visual pela Universidade de Brasília (UnB), é hippie chic e Che Guevara de plantão.

Isabela Brito, estagiária, é estudante de Design pela Universidade de Brasília (UnB), entusiasta da fotografia analógica e responsável pelo visual do Cadernos f/508.

Rose May Carneiro, doutoranda e coordenadora do Núcleo de Cinema do Espaço f/508. Rose é um conjunto ordenado de fotogramas, quase como um roadie movie.

CoLaboradores

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Sávio Ivo, Mestre em Teoria Crítica e História da Arte disputa com um Jack Daniels nossa preferência.

www.savioivo.com.br

Julia Salustiano, é fotógrafa, jornalista e mão na roda do f/508.

Raquel Pellicano, fotógrafa respon-sável pelo Estúdio, entre outras coisas, Raquel é pau pra toda obra.

Rodrigo F. Pereira, psicólogo e amante da fotografia Rodrigo é editor do blog Câmara Obscura e contem-plador oficial do f/508.

camaraobscura.fot.br

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Editorial

Fotografia contemplativa Rodrigo F. Pereira

Where the children sleep James Mollison

A melhor foto Kitty Paranaguá

Galeria f/508 Ana Dalloz

Instantâneos em dias ínfimos e líquidos... Rose May Cardoso

Núcleo de cinema Wes Anderson, por Marco Tomazzoni

Perfil Massimo Vitali

Low-fi BrasíliaProcesso Criativo Sávio Ivo

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Editorial

Fotografia contemplativa Rodrigo F. Pereira

Where the children sleep James Mollison

A melhor foto Kitty Paranaguá

Galeria f/508 Ana Dalloz

Instantâneos em dias ínfimos e líquidos... Rose May Cardoso

Núcleo de cinema Wes Anderson, por Marco Tomazzoni

Perfil Massimo Vitali

Low-fi BrasíliaProcesso Criativo Sávio Ivo

CADernOs F/508

EditorialInfinito (do latim infinítu, símbolo:

∞) - adjetivo que denota algo que não tem início nem fim, ou não tem limites, ou que é inumerável.

Rumo a 08 anos, o f/508 nasce foto-clube e transforma-se em Espaço. O artigo definido “A”, que tanto acom-panhou nossa escola, transforma-se em “O”, ao definir sua nova configuração, o Espaço f/508 de Fotografia. O f/508 é circular como o seu artigo, horizon-tal em sua forma de pensar, vertical em suas ações, diagonal e ascendente no seu futuro, infinito em seus desejos. É geométrico!

A geometria da contemplação acom-panha a primeira edição dos Cadernos f/508, na forma circular do encontro de dois balões de Kitty Paranaguá, pura poesia. Poesia essa que circunda e nos questiona o ensaio de Rose May Carneiro, em Instantâneos dias ínfi-mos e líquidos. O que é pequeno desa-parece? Em uma história - inacabada - sobre o mar e temas marinhos: verdes e azuis, figuras, histórias, persona-gens, imaginários populares e religi-osos, relatos históricos e romances de naufrágios, verificamos o processo criativo de Sávio Ivo, em um imenso caldo de referências absorvidas pela vida. Referências formais entre azulejos danificados e Adriana Varejão, entre espumas de ondas e nuvens do céu. Haja contemplação!

Ainda entre espumas e ondas, Rodrigo F. Pereira nos ensina, em seu

artigo, que a busca pela meditação em conjunto com a fotografia nos afasta do fascínio com o extraordinário e nos leva a uma redescoberta do ordinário. “Onde as crianças dormem” (“Where children sleep”), uma série do fotó-grafo James Mollison, que conta a história de diversas crianças ao redor do mundo por meio de retratos de seus quartos, nos faz contemplar e refletir sobre nossa própria infância, a mesma que nos transporta para um mundo imaginário nas imagens da fotógrafa Ana Dalloz.

Cadernos f/508 #1 trás ainda a geometria e o cinema contemplativo de Wes Anderson e sua “visão de mundo”. A simetria de seus enquad-ramentos, seus lugares, personagens e seus planos fixos, dialogam com o trabalho de Massimo Vitali e sua inter-pretação do banal. Lugares repletos de pessoas, que, à primeira vista, podem parecer desinteressantes, transformam-se em assunto principal nas mãos do fotógrafo. Praias, discotecas, praças públicas ganham vida através do cole-tivo. Coletivo esse formado há 08 anos em Brasília e que agora, pensando no infinito, deságua em páginas virtuais um pouco de sua história.

Infinito (do latim infinítu, símbolo: ∞) - adjetivo que denota algo que não tem início nem fim, ou não tem limites, ou que é inumerável.

Boa leitura!

Equipe F/508

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A fotografi a é uma atividade que envolve uma série de processos mentais. Pensamos no que fotografar, em que ângulo, com que luz, qual lente, que abertura, velocidade etc. Com isso, ao fotografar, temos em nossas mentes uma série de fi ltros, regras, expectativas e concepções. Tudo isso ocorre porque fotografamos querendo um certo resultado. A partir

Fotografiacontemplativa

por Rodrigo F. Pereira

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dessa expectativa, elaboramos todo um quadro mental de como obter esse resultado. Geralmente, acredita-mos que temos que buscar algo fora do comum, que seja impressionante, impactante, chocante.

Embora seja necessária quando se fotografa profi ssionalmente, quando a fotografi a é apenas um hobby toda essa atividade mental pode nos fazer

facilmente perder o contato com o momento. Nos voltamos demais para dentro das nossas mentes, o que nos impede de viver de fato. Há uma proposta, entretando, que vai justa-mente na contramão desse estado de espírito ao fotografar: a fotografi a contemplativa.

Foto deAlexsander Rentsch

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Percebi que eu estava sempre pensando sobre o que era bonito ou impactante e então tentava captar numa fotografia aquela imagem bonita ou impactante. Eu olhava para tudo através de filtros, tantos filtros mentais que eu não con-seguia perceber nada de forma direta, clara ou imediata. Esses filtros eram fei-tos de tudo que eu sabia e moldados por julgamentos, opiniões, medos e velhas memórias. (…) A fotografia Miksang é como meditação — observar seus pen-samentos e deixá-los ser como são, sem criar histórias ou manipulá-los.

Dan Morris

Quando pegamos uma câmera, uma série de concepções sobre a fotografia surge no mesmo momen-to. Pensamos no que já fizemos que levou a bons resultados, em elogios e críticas que recebemos. Toda a nossa história fotográfica emerge quando nos propomos a fotografar. Isso é natural, pois funcionamos dessa forma com tudo o que fazemos. Mas e se pudéssemos fotografar conecta-dos com o momento presente e não com toda essa bagagem passada de técnicas, sucessos, fracassos e cobran-ças?

O ponto da fotografia contemplativa é ajudar as pessoas a enxergarem, ajudar as pessoas a terem experiências diretas em vez de experiências pensadas ou inferen-ciais sobre o mundo.

Andy Karr

Na fotografia contemplativa, há uma diminuição da importância dos aspectos técnicos e da beleza daquilo que é fotografado; em vez disso, percebe-se a beleza daquilo que é banal e ordinário, como um detalhe, uma luz, uma textura. Mas, mais importante que a fotografia, é o que a precede: um momento de contato total com o presente, sem julgamen-tos ou filtros, uma experiência direta das percepções. A fotografia contem-plativa é o retrato desse momento — mesmo que apertar o botão da câmera rompa, inevitavelmente, essa experiência meditativa.

A busca pela meditação em conjunto com a fotografia nos afasta do fascínio com o extraordinário e nos leva a uma redescoberta do ordinário. Assim como eu cheguei a esperar atingir uma tran-scendência mística através da meditação, eu assumi que lugares exóticos e objetos incomuns eram os assuntos ideais para a fotografia. Em vez disso, eu descobri que a consciência meditativa é uma compreensão mais ampla dos eventos concretos da existência diária. Da mesma forma, a prática da fotografia me ensinou a prestar mais atenção àquilo que eu vejo à minha volta diariamente. Algumas das fotos que me deixaram mais satisfeito foram de coisas das redondezas de onde vivo e trabalho.

Stephen Batchelor

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Num mundo em que temos avalanches de imagens ultraestimu-lantes e em que corremos o risco de precisar sempre de algo mais chocante para romper nossa insensib-ilidade, parece uma saída interessante nos voltarmos para o real e o trivial. Além disso, deixamos de nos pressio-nar por valores externos e podemos descobrir a beleza da nossa própria vida, por mais comum que ela possa parecer.

Para saber mais (em inglês):miksang.comrebelbuddha.comstephenbatchelor.org

Foto dePoul-Werner Dam

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A série do fotógrafo James Mollison, “Onde as crianças dormem” (“Where children sleep”, publicado pela editora Chris Boot em 2010), conta a história de diversas crianças ao redor do mundo por meio de retratos de seus quartos. Ao desenvolver um trabalho sobre os direitos das crianças, Mollison começou a refletir sobre sua própria infância: o tanto que seu próprio quarto refletia sobre sua personalidade e condição social, quem ele era e o que ele tinha.

A partir daí, ele resolveu desenvolver um projeto abordando as mais diversas condições sociais de crianças ao redor do mundo. Os retratos são todos em um fundo neutro, destacando-as de seu meio, ocultando suas condições de vida, as quais são reveladas através de fotografias de seus quartos. Tais imagens realçam as injustiças sociais presentes no mundo e as imagens são acompanhadas de legendas que contam um pouco da história de cada criança, muitas das quais com grande potencial de comoção.

WHere the children sleep por James Mollison

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“Vive no Senegal. As camas são básicas, apoiadas por alguns tijo-los. Aos seis anos, todas as manhãs, os meninos começam a trabalhar na fazenda-escola onde aprendem a escavação, a colheita do milho e lavrar os campos com burros. Na parte da tarde, eles estudam o Alcorão. Em seu tempo livre, Lamine gosta de jogar futebol com seus amigos.”

Lamine, 12 anos

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“Mora num bloco de apartamen-tos em Beitar Illit, um assentamento israelense na Cisjordânia. É um condomínio fechado de 36.000 Haredi. Televisões e jornais são proibidos no assentamento. Em média, as famílias tem nove filhos, mas Tzvika tem apenas uma irmã e dois irmãos, com quem divide seu quarto. Ele é levado de carro para a escola onde o esporte é banido do currículo. Tzvika vai à biblioteca todos os dias e gosta de ler as escrit-uras sagradas. Ele também gosta de brincar com jogos religiosos em seu computador, quer se tornar um rabino. Sua comida favorita é bife com batatas fritas.”

Tzvika, 9 anos

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“Vive com seus pais, irmão e irmã, perto de Kathmandu, no Nepal. Sua casa tem apenas um quarto, com uma cama e um colchão. Na hora de dormir, as crianças compartilham o colchão no chão. Indira trabalha na pedreira de granito local desde os três anos. A família é muito pobre por isso todos tem que trabalhar. Há 150 crianças trabalhando na pedreira. Indira trabalha seis horas por dia além de ajudar a mãe nos afazeres domésticos. Ela também frequenta a escola, a 30 minutos a pé. Sua comi-da preferida é macarrão. Ela gostaria de ser bailarina quando crescer.”

Indira, 7 anos

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“Mora com seus pais, irmão gêmeo e sua irmã em um apartamento na Quinta Avenida em Nova Iorque. Jamie frequenta uma escola de prestígio e é um bom aluno. Em seu tempo livre, ele faz aulas de judô e natação. Quando crescer, quer se tornar um advogado como seu pai.”

Jamie, 9 anos

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“Mora com os pais em um pequeno apartamento em Tóquio, Japão. Seu quarto é forrado do chão ao teto com roupas e bonecas. A mãe de Kaya faz todos os seus vestidos e gostos. Kaya tem 30 vestidos, 30 pares de sapa-tos, perucas e um sem número de brinquedos. Quando vai à escola fica chateada por ter que usar uniforme escolar. Suas comidas favoritas são a carne, batata, morango e pêssego. Ela quer ser desenhista quando crescer.”

Kaya, 4 anos

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“Mora com os pais e onze irmãos em um campo de refugiados palesti-nos em Hebron, na Cisjordânia. Ela divide um quarto com outras cinco irmãs. Douha frequenta uma escola, a 10 minutos a pé, e quer ser pediatra. Seu irmão, Mohammed, matou 23 civis em um ataque suicida contra os israelenses em 1996. Poste-riormente, os militares israelenses destruíram a casa da família. Douha tem um cartaz de Maomé em sua parede.”

Douha, 10 anos

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“A casa para este garoto e sua famíl-ia é um colchão em um campo nos arredores de Roma, Itália. A família veio da Romênia de ônibus, depois de pedir dinheiro para pagar as passa-gens. Quando chegaram a Roma, acamparam em terras particulares, mas foram expulsos pela polícia. Eles não têm documentos de identidade, assim não conseguem um trabalho legal. Os pais do garoto limpam pára-brisas de carros nos semáforos. Ninguém de sua família foi à escola.”

Nome e idade desconhecidos

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Esta foto, da série Praia Mítica, faz parte de um ensaio que venho realizando há algum tempo sobre Copacabana. Dois ou três dias depois do reveillon, andando pela orla, vi estas duas bolas refletindo o sol, que naquele momento começava a nascer. Cheguei perto e descobri ter sido presenteada por Iemanjá. As bolas, provavelmente lançadas ao mar no dia 31, regressaram à terra (não sei se por obra da maré ou se, saudosas, retornaram para fincar raízes por aqui). O que posso afirmar é que ainda se beijavam e traziam em seus corpos as marcas/algas da viagem. Instantaneamente, agradeci a Iemanjá e registrei a imagem. Foi a foto que fechou a exposição realizada pouco tempo depois.

Gosto da composição, da luz e da delicadeza deste beijo.

Kitty Paranaguá

A melhor fotode Kitty Paranagua

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Sem título | 2013

40 x 40 cm

Tiragem: 10

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galeria F/508Ana Dalloz

Mestre em Artes Visuais (EBA/UFRJ). Possui como provocação poética a paisagem, seus desdo-bramentos e suas relações com a fabulação criadora. Participou de exposições coletivas como A imagem em questão (EAV Parque Lage, 2013); Arte Visual Iberoamericano (México, Guatemala, El Salvador, República Dominicana e Panamá, 2009-2012), Augusto Malta: Subversões Poéticas (Espaço Sesc, 2012), Vias da Dúvida (Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, 2012); DeVERcidade 2010 (Merca-do dos Pinhões/CE), entre outras. Foi selecionada artista residente pelo Programa de residencias artísticas para creadores de Iberoamérica y de Haití en México (2009). Vive e trabalha no Rio de Janeiro.

www.anadalloz.com

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Sem título | 2013

40 x 40 cm

Tiragem: 10

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Instantaneos em dias infimose Liquidos...

por Rose May carneiro

“O que é pequeno desaparece. Em nossa época, só o que é grande parece poder sobreviver. As pequenas coisas modestas desaparecem, bem como as pequenas imagens modestas ou os pequenos filmes modestos. Esta perda de tudo o que é pequeno e modesto é um triste processo, do qual hoje somos testemunhas dentro da indústria cinematográfica. E para as cidades, esta mesma perda das pequenas coisas modestas é ainda mais manifesta e, sem dúvida, de maior relevância. Assim como o mundo das imagens que nos circunda é cada vez mais cacofônico, desarmônico, ruidoso, proteiforme e pretencioso, as cidades se tornaram por sua vez mais e mais complexas, discordes, ruidosas, confusas e massacrantes.”

Wim Wenders. A paisagem urbana. (tradução de Maurício Santana Dias) Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. número 23, 1994.

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imagem, lembrei, imediatamente, do Wim Wenders e daquilo que ele mencionou sobre o pequeno. O Cine Drive In é um pequeno legado de um tempo que não volta mais. Uma tela a céu aberto, rodeada de carros e namorados assistindo ao filme de mãos dadas. Hoje, esse cinema, representa um custo que não se paga. Já o amor, assim como as fotos, é cada vez mais raro, ínfimo e líquido. Mas aquilo que se revelou, em cada uma dessas pequenas polaroids, é o vestígio e o detalhe de um tempo que fica em suspensão no emaranhado da memória do cinema e, por vezes, passeia na luz da ínfima paisagem dos afetos.

Esse pequeno ensaio é fruto de um grande desejo. O amor pelo cinema, pelas imagens que embalam as pala-vras, surgidas ao longo de uma filma-gem. O filme, em questão, chama-se O último cine drive in, dirigido pelo Iberê Carvalho. Nos intervalos, ao longo da feitura das fotos de cena (still), me deparei com imagens que surgiam de maneira delicada e instantânea à frente dos meus olhos. O gesto natural foi capturá-las com uma câmera polaroid que mais parecia um brinquedo. As fotogra-fias, minúsculas, quando ejetadas e reveladas no bolso, se tornaram pequenas jóias que nenhum ourives ousará repetí-las. Ao acionar o botão e, em seguida, perceber cada

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Wes Anderson é um cara metódico. Embora canse de dizer que a cada novo filme procura contar uma história diferente, o diretor norte-americano acaba sempre reprocessan-do suas ideias por meio de um prisma único, que entrega temas e visuais idênticos aos anteriores, através dos mesmos atores-fetiche.

Nucleo de cinemaWes Anderson

por Marco Tomazzoni

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Mais do que ser repetitivo, isso faz de Anderson um autor, o mais evidente do novo cinema norte-amer-icano, por essas características serem tão visíveis. É um estilo tão claro que só por um trailer já dá para se dizer que se trata de um filme dirigido por ele.

O diretor começou a desenvolver sua “visão de mundo” na Univer-sidade do Texas, onde conspirou seus primeiros filmes com o amigo e colega de quarto Owen Wilson, que desde então participou de todos os seus longas-metragens (à exceção de “Moonrise Kingdom”). Um curta escrito pela dupla e estrelado por Wilson e seu irmão, Luke, serviu de laboratório para uma versão maior, que se tornou “Pura Adrenalina”, uma espécie de “Cães de Aluguel” com nerds tentando bancar uma gangue de ladrões.

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O público ignorou o filme, mas a crítica não, o que abriu as portas para que Anderson fizesse “Três é demais”, que é, até hoje, seu trabalho mais celebrado. Amparado por uma direção de arte de cores fortes, figurino vintage e sets elaborados, ele cria uma versão própria da realidade, excêntrica, exagerada e precisa.

Ao filmar qualquer coisa, uma mesa de trabalho, por exemplo, ela parecerá algo único no mundo, ador-nada por utensílios concebidos espe-cialmente para aquele. É uma ideia de manufatura que confere personali-dade e enche os olhos do espectador, da mesma maneira que as produções infantis em stop-motion da década de 1960, que o diretor reproduziu na belíssima animação “O Fantástico Sr. Raposo”.

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Esse sentimento também se dá pela simetria dos enquadramentos. Famoso também por apresentar lugares e personagens com planos fixos, Anderson leva a rigidez para todo o filme. Até mesmo o tipo de letra utilizada pelo diretor em produ-tos, placas e fachadas persiste de filme para filme. Mais do que anunciar para Woody Allen que ele não é o único com essa preocupação, revela a tentativa de formalizar que aquelas histórias pertencem a um mesmo universo, hoje presente em sete longas-metragens. Universo esse em que a música parou nos anos 1960 e os personagens são crianças perdidas em corpos de adultos. “Os Excêntri-cos Tenenbaums” (2001), indicado ao Oscar de melhor roteiro e maior sucesso comercial do diretor, é rico em figuras assim.

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O cinema de Anderson é um resumo do que o cinema indie dos EUA mais gosta de retratar. Com tanta excentricidade, não é difícil que o humor venha atrelado ao pacote, mesmo que involuntariamente. O jogo entre tudo isso – comédia, estra-nheza, primor visual e drama – forma a base de sua cinematografia. Se a “A Vida Marinha com Steve Zissou” (2004), em que Seu Jorge não ajudou muito, e “O Expresso Darjeeling” (2007) foram filmes menores, “O Fantástico Sr. Raposo” e “Moonrise Kingdom” provaram que ele contin-ua em plena forma, sem dar indícios de que irá mudar. Se o futuro não for lá muito original, aos menos vai será um bocado interessante.

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Com o objetivo de proporcionar ao participante a chance de utilizar a fotografia como um instrumento de contato com o momento presente e o mundo à sua volta, abrem-se novas formas de olhar. A fotografia, em vez de ser uma busca pelo resultado perfeito, é um reconhecimento do valor estético do simples, do cotidiano e do ordinário.

Oficina de fotografia contemplativa

inicio das auLas: 23/08+ infos: www.f508.com.br/cursos [email protected]

com Rodrigo F. Pererira

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PerfilMassimo VitaLi

O trabalho de Massimo Vitali é tido como uma interpretação do banal. Lugares repletos de pessoas, que, à primeira vista, podem parecer desinteressantes, transformam-se em assunto principal nas mãos do fotógra-fo. Praias, discotecas, praças públicas, ganham vida através do coletivo.

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Vitali nasceu em Como, na Itália, em 1944. Mudou-se para Londres após o ensino médio e estudou fotografia no London College of Printing. No começo dos anos 60, começou a trabalhar como fotojor-nalista, colaborando com diversas revistas e agências na Europa. Foi durante esse período que conhe-ceu Simon Guttmann, fundador da agência Report, exercendo papel fundamental no crescimento de Massimo, cuja preocupação maior é transmitir, através da imagem, o genuíno sentimento humano, e não somente meros aspectos comerciais ou formais. A crença de que a foto-grafia possui capacidade absoluta de reproduzir as sutilezas da vida mudou radicalmente seu estilo, no começo da década de 80.

Seus ensaios produzidos nas praias italianas tiveram início sob a luz de um momento de mudanças políticas drásticas no país, as quais fizeram o fotógrafo observar seus conterrâneos de maneira cuidadosa. Ele descreveu as imagens como sendo uma “perspectiva higienizada e compla-cente da normalidade italiana, ao mesmo tempo em que revela as suas perturbações: a insinuação sexual, o lazer mercantilizado, o senso ilusório de riqueza, e o conformismo rígido”.

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As imagens produzidas por Massi-mo mostram lugares lotados, densos e ricos em detalhes banais. Grandes massas de pessoas se reúnem – tentando relaxar ou jogar -, embora estejam encurraladas entre o mar e as paisagens urbanas. Turistas sofrem juntos no calor do verão, cercados pela poluição visual contemporânea e perseguidos por vendedores ambulan-tes. Há tanta coisa acontecendo em cada uma de suas fotos e, ainda assim, nada realmente acontece. Vitali diz que seu trabalho é exatamente o oposto da abordagem de Cartier-Bresson e o momento decisivo.

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O fotógrafo monta uma espécie de poleiro, com altura aproximada de 9 metros, posiciona-se, enquadra a paisagem de fundo que pretende captar, utilizando sempre câmeras de grande formato, e aguarda o cenário ser preenchido por pessoas. Enquan-to espera, torna-se invisível. Quando o momento certo se configura, o clique é feito.

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Atualmente, Massimo Vitali vive e trabalha transitando entre Itália e Alemanha. Já teve seu trabalho exposto em diversas galerias ao redor mundo, dividido em mostras solo e coletivas. Num misto de voyer e curioso da humanidade, as imagens de Vitali certamente instigam e aguçam o olhar de quem as observa, sendo um brinde à imaginação.

Conheça um pouco mais do trabal-ho do fotógrafo pelo seu site:

massimovitali.com

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Low-fi Brasiliafotografias analógicas experimentais

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www.flickr.com/groups/lowfibrasilia

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Processo criativoSávio Ivo

Essa é uma história — inacabada — sobre o mar, na verdade sobre temas marinhos: verdes e azuis, figuras, histórias, personagens, ima-ginário popular e religiosos, relatos históricos, romances de naufrágio... Um caldo de referências que fui absorvendo pela vida.

A referência formal veio dos rear-ranjos de azulejos danificados nos painéis das igrejas de Recife, Olinda e João Pessoa, da obra da pintora Adri-ana Varejão e da mania de ver figu-ras na areia das praias, nas espumas das ondas, nas nuvens do céu e nos confetes no chão.

Desarranjo

Rocaille

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O caminho percorrido resultou na obtenção de híbridos na utili-zação de meios: fotografia vislum-brando pintura (os trabalhos sobre as imagens, as montagens e o grifo); apagamentos e denotação; texto que configura imagem (o grifo); desenho e pintura que passam por processos de edição e manipulação próprios de procedimentos ligados à fotografia (afogados e desarranjos); o exercício da grade da pintura construtiva afim de articular um repertório figura-tivo (pintura e fotografia) rearticu-lando meios expressivos, modos de produção da imagem e reminiscên-cias espalhadas nas narrativas popu-lares (nau catarineta, o carnaval de Olinda, relatos de náufragos, o reino de Luanda, sebastianistas e mitos de fundação, a travessia do mar como dado histórico e simbólico, rotas de comércio de bens e vidas humanas); “abstração lírica” a partir de procedi-mentos construtivos; minimalismo e saturação.

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O grifo - montagem

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Montagem Esquema

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O resultado, até agora, é um acervo de ondas, imagens de bichos fantás-ticos, brancos, verdes e azuis, figuras da uma via crucis que atravessam os oceanos — qualquer um deles, ou qualquer distância navegável, quer seja no tempo, quer seja no espaço, ou o que quem se defrontar com o traba-lho queira imaginar, ou der de cara — que se combinam e fazem emergir eventuais conteúdos pagãos e cristãos deslocados no tempo da cultura.

Afogados (1) Afogados (2)

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Não consigo deixar de ver uma vênus naquela Eva ou uma deusa babilônica ou ainda uma Olimpiá, uma criatura pré-diluviana que resolveu morar num painel de azulejos em Recife. Na verdade, acho que este trabalho, definido os princípios formais, anda sem mim. Ele é um assunto com tentáculos.

Trabalho sobre a imagem

Eva

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Oficina de Daguerreotipia

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O primeiro processo fotográ-fico, desenvolvido por Loius Jaques Mandé Daguerre, foi publicado pela Academie des Sciences de Paris em 19 de agosto de 1839. A daguerreo-tipia surpreendeu o mundo com sua capacidade de reprodução da reali-dade, apresentando uma definição que nunca foi superada por outra técnica.

Oficina de Daguerreotipia

23/08 sexta: das 19h às 22h

24/08 saBado: das 9h às 12h - 14h às 18h

25/08 domingo: das 9h às 12h - 14h às 18h+ infos: www.f508.com.br/cursos [email protected]

com Francisco Moreira da Costa

Além disso, a técnica confere à foto-grafia o status de joia, pois trata-se de uma imagem formada sobre a prata, um metal nobre, e muitas vezes trata-do com uma viragem em ouro, sendo cada exemplar um original único.

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CA #1Espaço f/508 de Fotografia

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2013

Humberto Lemos

Sem título | 2013

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